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Gilberto Vilmar Kozloski BIOQUÍMICA N.Cham. 636.2 K88b 2. ed. Autor: Kozloski, Gilberto Vilmar ITES Título: Bioquímica dos ruminantes / edicao 191849 Ac. 37040 Ex.1 UFRPE BCGilberto Vilmar Kozloski Bioquímica dos Ruminantes edição revista e ampliada Reitorado 2011 Prof. VALMAR Reitor Prof. REGINAL DC BARROS Santa Maria - RS 2009 editoraufsmUniversidade Federal de Santa Maria Reitor Clovis Silva Lima Vice-reitor Felipe Martins Müller Diretor da Editora Honório Rosa Nascimento Conselho Editorial Ademar Michels Sumário Bernado Sayão Penna e Souza LIVRO Daniela Lopes dos Santos Acervo: 37040 Eduardo Furtado Flores Honório Rosa Nascimento Apresentação 07 Cód. Ex.: 191849 ex. Marcos Martins Neto Introdução geral 09 Maristela Bürger Rodrigues Data: 08/2009 Reinoldo Marquezan 1 METABOLISMO MICROBIANO RUMINAL Ronai Pires da Rocha 1.1 Introdução 13 Silvia Carneiro Lobato Paraense 1.2 Caracterização da população bacteriana Coordenação editorial Maristela Bürger Rodrigues ruminal 14 Revisão de texto Maristela Bürger Rodrigues 1.3 Digestão extracelular 19 Projeto gráfico e capa Camile Weber Pires e 1.3.1 Aderência bacteriana 19 Graciela Lopes Tocchetto 1.3.2 Degradação dos carboidratos 25 1.3.3 Degradação das proteínas, ácidos nucléicos e K88b Kozloski, Gilberto Vilmar Bioquímica dos ruminantes / Gilberto Vilmar outros compostos nitrogenados 36 Kozloski. 2. ed. Santa Maria : Ed. da UFSM, 2009. 1.3.4 Degradação dos lipídios e biohidrogenação dos 216 : il. ; 14x21 cm. ácidos graxos insaturados 41 1. Ruminantes 2. Bioquímica I. Título. 1.3.5 Taxa de degradação 47 1.4 Crescimento bacteriano e a constante de CDU 636.2/.3 636.2/.3.06 saturação 49 577:636.2/.3 1.5 Transporte de nutrientes através das ISBN membranas 54 Ficha catalográfica elaborada por Maristela Eckhardt CRB-10/737 1.5.1 Difusão passiva 55 Biblioteca Central UFSM 1.5.2 Difusão facilitada 56 1.5.3 Transporte ativo 57 Direitos reservados à: 1.5.4 Regulação dos sistemas de transporte 63 Editora da Universidade Federal de Santa Maria 1.6 Metabolismo celular bacteriano 64 Prédio da Reitoria Campus Universitário 1.6.1 Conceitos em bioenergética 64 Camobi 97119-900 Santa Maria RS 1.6.2 Metabolismo dos carboidratos e produção dos Fone/Fax: (055)3220.8610 Correio Eletrônico: editora@ctlab.ufsm.br ácidos graxos voláteis 716 Bioquímica dos Ruminantes 1.6.3 dos 85 1.6.4 Integração do metabolismo bacteriano ruminal 92 1.6.5 Estequiometria e regulação do metabolismo bacterianoruminal 95 1.6.6 103 1.7 Considerações sobre metabolismo de Apresentação protozoáriosefungos 108 Bibliografia recomendada 109 A Por experiência própria, enquanto estudante de gradua- VISCERAL 2 DIGESTÃO, ABSORÇÃO E METABOLISMO ção e pós-graduação nas ciências agrárias, é relativamente raro encontrar publicações sobre bioquímica dos ruminantes na lín- 2.1 gua portuguesa e, mesmo em inglês, encontrar bibliografia atu- 117 2.2 Digestão e absorção dos compostos alizada que apresente uma visão global do assunto. É com esta nitrogenados proposta que este livro foi concebido. 125 Durante várias décadas a pesquisa com animais rumi- 2.3 Digestão e absorção dos lipídios 135 nantes concentrou-se basicamente em estudos de manejo, di- 2.4 Metabolismovisceral gestão e balanço nutricional. Somente a partir de meados dos 141 2.4.1 Fundamentos das anos 1980 que estudos de absorção e de metabolismo visceral 2.4.2 Metabolismoportal 141 foram intensificados. No entanto, muito pouco ainda é conheci- 2.4.3 Metabolismo hepático 146 do sobre o metabolismo intermediário e dos tecidos periféricos 159 2.4.4 Metabolismovisceral das purinas dos ruminantes, particularmente se comparado com 0 conhe- 2.4.5 Metabolismo energético visceral 169 cimento existente sobre o metabolismo dos monogástricos. As 172 2.4.6 Composição do fluxo portal visceral deenergia 177 afirmações feitas ao longo do texto derivam da análise de resul- Bibliografia recomendada tados experimentais e de revisões previamente publicadas em 178 diversos periódicos internacionais. 3 METABOLISMO INTERMEDIÁRIO A primeira edição do livro foi proposta como uma revisão 3.1 Introdução na língua portuguesa, que apresentasse, de forma relativamente 189 objetiva e simplificada, uma abordagem global e fisiologicamen- 3.2 alimentado 190 te integrada da bioquímica dos ruminantes, útil como material 3.3 Metabolismodejejum para consulta a estudantes de graduação e pós-graduação nas 201 BC lactação 3.4 Metabolismo de vacas leiteiras no início da ciências agrárias. Com base em depoimentos de estudantes e colegas pro- 3.5 Metabolismo dos ácidos graxos de cadeia longa pro- 205 fessores, creio que esta lacuna bibliográfica foi preenchida com dução de ácido linoléico êxito. No entanto, desde a primeira edição, passaram-se mais Bibliografia recomendada 210 de seis anos e, ao longo desse tempo, muita informação nova 212 relevante foi produzida, assim como vários conceitos foram re- formulados pelas pesquisas desenvolvidas nessa área de co-8 Bioquímica dos Ruminantes nhecimento. Desse modo, vários aspectos e/ou temas que não haviam sido considerados anteriormente foram agora incluídos, assim como vários temas previamente incluídos foram aprofun- dados e/ou reformulados. Nesta segunda edição, foi mantido 0 caráter objetivo e simplificado da primeira, ou seja, com exceção de algumas fi- Introdução geral guras e tabelas específicas, obtidas na literatura, as referências não estão incluídas no corpo do texto e são listadas somente no final dos capítulos. Os paradigmas científicos estão constantemente sendo As primeiras formas de vida na Terra surgiram, prova- criados e reformulados e, desse modo, esta segunda edição de velmente, há cerca de 4 bilhões de anos. Formas acelulares, Bioquímica dos Ruminantes também não constitui um trabalho com capacidade de auto-reprodução, surgiram, inicialmente, na acabado, mas um projeto em contínua construção e em cons- superfície rochosa do fundo dos oceanos, as quais evoluíram tante processo de avaliação e aperfeiçoamento. Desse modo, para as células procariotas (células sem núcleo ou organelas) tanto a crítica como proposições sempre serão oportunas. anaeróbicas e, a seguir, para as fotossintetizantes. As primei- ras bactérias fotossintetizantes oxidavam sulfeto de hidrogênio (H₂S). Posteriormente, surgiram as cianobactérias, cujo meca- nismo de fotossíntese se diferenciou por resultar na oxidação da Gilberto Vilmar Kozloski, água (H₂O) com liberação de oxigênio Com o aumento do Autor. teor de oxigênio na atmosfera, liberado pela fotossíntese, surgi- ram, há cerca de 1,5 bilhão de anos, os procariotas aeróbicos e OS eucariotas (células com núcleo e organelas). Os primeiros organismos multicelulares surgiram há menos de um bilhão de anos, quando, então, a atmosfera terrestre continha oxigênio suficiente para viabilizar a sua existência. A maior parte das espécies vegetais e animais presentes atualmente no planeta, particularmente os mamíferos e as plantas angiospermas, evo- luíram a partir do final do período Cretáceo, com a extinção dos dinossauros, há cerca de 65 milhões de anos. Por sua vez, os ruminantes com alta atividade fermentativa pré-gástrica e com capacidade de digerir celulose, evoluíram a partir de, aproxi- madamente, 14 milhões de anos. Além da evolução natural, as espécies de ruminantes domésticos, principalmente os bovinos e ovinos, sofreram um intenso processo de seleção pelo homem, de forma que, atualmente, esses rebanhos são constituídos por animais com uma alta capacidade produtiva, embora, muitas vezes, com uma limitada capacidade digestiva.10 Bioquímica dos Ruminantes sucesso dos ruminantes no processo evolutivo tem sido atribuído à existência de uma relação simbiótica do hospedeiro com microorganismos ruminais. 0 animal fornece alimento e um ambiente 0 rúmen para crescimento dos microorganis- mos que, de sua parte, supre 0 animal com ácidos resultantes da fermentação e com proteína microbiana. Os mamíferos não possuem enzimas capazes de digerir as fibras dos alimentos, as quais podem ser fermentadas por várias espécies de bacté- rias ruminais. Além disso, os microorganismos ruminais podem utilizar formas de nitrogênio não protéico para síntese de suas proteínas, as quais serão posteriormente digeridas e metaboli- zadas pelo animal. Nos ruminantes, os alimentos ingeridos ficam sujeitos a um processo fermentativo nos pré-estômagos antes de alcan- çarem abomaso e intestino delgado. A taxa e a proporção CAPÍTULO UM com que são fermentados no rúmen dependem de uma série de fatores, sendo os mais importantes a composição da dieta e nível de consumo. Assim, por exemplo, os açúcares e proteínas METABOLISMO MICROBIANO RUMINAL solúveis são mais rápida e totalmente fermentados. amido, quase sempre, é fermentado rapidamente, mas a taxa e a pro- porção com que isso ocorre diminuem com a sua solubilidade. Algumas proteínas da parede celular vegetal são fermentadas e outras passam intactas para os intestinos. Por fim, celulose e hemicelulose são as frações dos alimentos mais len- tamente fermentadas. Essas características digestivas determinam também pa- drões absortivos e metabólicos próprios das espécies ruminan- tes, em vários aspectos diferentes do que ocorre nos monogás- tricos. A proposta deste livro é apresentar principais aspectos BC UFRPE do metabolismo bacteriano ruminal, da bioquímica da digestão e absorção, da bioquímica do sistema visceral e do metabolismo intermediário dos ruminantes, nos quais as diferenças com monogástricos são mais significativas.Metabolismo microbiano ruminal 1.1 Introdução 0 rúmen é considerado um ecossistema microbiano di- verso e único. Seu meio é anaeróbico (baixa concentração de oxigênio), com temperatura em torno de 39 a 42°C, pH que varia normalmente entre 6,0 e 7,0, e com presença permanente de substratos e de atividade fermentativa, embora com intensi- dades variáveis. Habitam 0 interior do rúmen três tipos de mi- croorganismos ativos: bactérias, protozoários e fungos. Embora muitas mais já foram isoladas, cerca de 20 espécies bacterianas predominam no rúmen, em número de cerca de 10¹⁰ células/ml. A massa bacteriana presente no rúmen varia com 0 tipo de die- ta, nível de consumo e tempo após a ingestão do alimento. Em um bovino de aproximadamente 450kg, por exemplo, a massa bacteriana ruminal associada à fase líquida (BAL) varia em torno de 300g antes a 700g depois, e aquela associada à fase sólida (BAS) varia em torno de 700g antes a mais de 2.000g depois da ingestão do alimento. Nessas condições, as concentrações bacterianas variam em torno de 12 a 20g de matéria seca de BAL por litro de fluido e de 250 a 400g de matéria seca de BAS por kg de material sólido presente no interior do rúmen. Os protozoários ocorrem em número de, aproximadamente, 10⁶ cé- lulas/ml e são, na maioria, ciliados. A biomassa dos protozoários no rúmen normalmente corresponde a cerca de 10%, mas pode alcançar até 50% da biomassa microbiana total. Foram também identificadas espécies de fungos estritamente anaeróbicos que habitam o rúmen, com uma população de cerca de 10⁴ zoóspo- ros/ml, constituindo até 8% da biomassa microbiana total.14 Bioquímica dos Ruminantes Gilberto Vilmar Kozloski 15 As bactérias normalmente constituem a maior parte da algumas espécies são relativamente especializadas na utilização biomassa microbiana ruminal (60 a 90%). São as mais ativas de algum tipo de substrato, enquanto outras são relativamente fermentadoras, mais estudadas e consideradas as mais impor- generalistas e metabolizam uma grande variedade de moléculas tantes nutricionalmente. Comparado às bactérias, pouco é co- diferentes. nhecido a respeito do metabolismo e fisiologia dos protozoários As espécies bacterianas ruminais variam em relação e fungos ruminais. à forma (i.e. ou bacilos, entre outras), tamanho (apro- Neste capítulo, serão descritos principais aspectos ximadamente 0,5 a 2,0 µm de diâmetro e 1,0 a 6,0 µm de associados ao metabolismo bacteriano ruminal, incluindo me- comprimento) e tipo de parede celular (Figura 1.1). As bacté- canismos de digestão extracelular, de transporte através da rias gram-positivas possuem uma membrana externa simples membrana e metabolismo intracelular de substratos. Serão fei- protegida por uma espessa camada glicopeptídica, enquanto as tas também algumas considerações sobre a participação dos gram-negativas possuem duas membranas externas interligadas protozoários e fungos no ecossistema ruminal. por uma camada relativamente menos espessa de glicopeptí- dios. As características estruturais e fermentativas de algumas das principais espécies bacterianas que habitam 0 rúmen são 1.2 Caracterização da população bacteriana apresentadas na Tabela 1.1. ruminal A identificação das espécies, assim como estudo do metabolismo das bactérias ruminais, foi viabilizada somente após a Segunda Guerra Mundial (meados do século XX), pelo desenvolvimento de técnicas de cultivo bacteriano em meio ana- eróbico. Até então, pouco era conhecido sobre a fermentação no rúmen. Com desenvolvimento de métodos mais rigorosos de cultivo anaeróbico, assim como de novos métodos de isolamen- to e de identificação (como a biologia molecular), dezenas de espécies bacterianas estritamente ruminais, assim como suas características fermentativas, já são conhecidas. No entanto, ambiente ruminal é altamente complexo e dinâmico, de tal for- ma que a maior parte das espécies bacterianas ainda não foram identificadas e pouco ainda é conhecido sobre as interações me- tabólicas que ocorrem entre elas. Essas interações podem ser de competição, entre aquelas que utilizam um mesmo substrato, ou, de outra forma, de interdependência, em que produto da degradação ou do metabolismo de uma espécie bacteriana é utilizado por outra. De outra forma, algumas espécies bacteria- nas produzem e liberam peptídios que atuam como antibióticos específicos (bacteriocinas) contra outras espécies. Além disso,16 Bioquímica dos Ruminantes Gilberto Vilmar Kozloski 17 (a) Bactéria Gram positiva Principais A, S A, S A, L A, S L A, P, iB, S B, P, iB,V V A, P, L A, S A A, S, P I I I + I I + Parede celular (peptidoglicano) + + + I - + I + + Membrana (b) Bactéria Gram negativa Tabela 1.1 - Características estruturais e fermentativas de algumas das principais espécies bacterianas ruminais Amido Celulose Xilana Pectina Maltose Celobiose Glicose Xilose Lactato produtos* + - + + + + I + + + I + Substratos fermentáveis I I + + + + + + + Lipopolissacarídeo + I + + + + + I + + I I I + I Membrana externa + + I I I I I I I - I Peptidoglicano Membrana + + I + I + I interna Lipoproteína + I + + + I I I + I Figura 1.1 Características estruturais da parede celular de bactérias Forma Gram *A= acetato, = P= propionato, B= = butirato, S S= succinato, L= = lactato, iB= = isobutirato, = V= valetato. Coco Bacilo Bacilo Coco Bacilo Bacilo Bacilo Coco Bacilo Bacilo Bacilo Bacilo gram-positivas e gram-negativas. Espécie Ruminococcus sp. Fibrobacter succinogenes Butyrivibrio fibrisolvens Streptococcus bovis Ruminobacter amylophilus Lactobacillus sp. Prevotella sp. Megasphaera elsdenii Selenomonas ruminantium Succinovibrio dextrinosolvens Lachnospira multipara Anaerovibrio lipoyitica18 Bioquímica dos Ruminantes Gilberto Vilmar Kozloski 19 As bactérias podem ser agrupadas (consórcios) em fun- g) Ureolíticas: apresentam-se aderidas ao epitélio rumi- ção de sua estratégia nutricional ou característica fermentativa nal e hidrolisam uréia, liberando amônia no rúmen. Exemplos: comum (sintropia) em: Enterococcus faecium; a) Fermentadoras de carboidratos fibrosos: associam-se h) Metanógenas: são archaebacterias, as quais se dife- às fibras dos alimentos e degradam componentes da parede ce- renciam das demais bactérias ruminais, entre outros aspectos, lular dos vegetais, particularmente celulose e hemicelulose; têm pela estrutura da parede celular e por serem quimiotróficas. uma taxa de crescimento relativamente mais lenta e dependem A parede celular é ausente nessas bactérias, e OS lipídeos de de amônia e de ácidos graxos de cadeia ramificada para sínte- membrana são éteres de glicerol em vez de ésteres glicerol. São se de suas proteínas (isovalerato, isobutirato e 2-metilbutirato). as mais estritamente anaeróbicas do rúmen e produzem metano Exemplos: Ruminococcus albus, Ruminococcus flavefaciens e a partir de e Exemplos: Methanobacterium sp. e Me- Fibrobacter succinogenes; thanobrevibacter sp. b) Fermentadoras de carboidratos não-fibrosos: asso- ciam-se às partículas de grãos de cereais ou grânulos de amido e degradam OS carboidratos de natureza não-estrutural, como 0 1.3 Digestão extracelular amido, assim como outros tipos de carboidratos solúveis presen- tes no rúmen, como dextrinas, frutosanas e açúcares; sua taxa de crescimento é relativamente bem mais alta e podem utilizar 1.3.1 Aderência bacteriana amônia, aminoácidos ou peptídeos para síntese de suas prote- ínas. Exemplos: Streptococcus bovis, Ruminobacter amylophi- lus, Lactobacillus sp. e Prevotella sp.; A maior parte dos alimentos ingeridos é constituída de estruturas moleculares complexas e de alto peso molecular, in- c) Proteolíticas (aminolíticas): a maior parte das es- pécies bacterianas ruminais degrada proteínas. No entanto, disponíveis às células bacterianas ruminais. 0 suprimento das necessidades nutricionais bacterianas depende de uma prévia existem algumas poucas espécies que utilizam principalmente aminoácidos como substratos energéticos e têm uma atividade degradação dessas complexas moléculas em unidades mono- méricas passíveis de entrarem na célula e serem metabolizadas. proteolítica bem mais intensa que as demais. Exemplos: Pep- tostreptococci sp. e Clostridium sp.; Dessa maneira, por exemplo, amido ou celulose são degradados d) Lácticas: utilizam, entre outros, ácido láctico como extracelularmente até mono ou dissacarídeos, e as proteínas substrato energético. Exemplos: Megasphaera elsdenii e Sele- são degradadas até aminoácidos ou pequenos peptídeos (Figura 1.2). nomonas ruminantium; e) Pectinolíticas: fermentam pectina. Embora a pecti- na seja um polímero de natureza estrutural, sua fermentação, assim como as características das bactérias que a utilizam, é semelhante àquelas que fermentam os carboidratos não-estru- turais. Exemplos: Succinivibrio dextrinosolvens; f) Lipolíticas: hidrolisam triglicerídeos em glicerol e áci- dos graxos. Exemplos: Anaerovibrio lipolytica;20 Bioquímica dos Ruminantes Gilberto Vilmar Kozloski 21 Proteínas Polissacarídeos numa pequena área, onde as enzimas ficam relativamente pro- Grandes Peptídeos tegidas, e uma maior proporção dos nutrientes liberados pela Oligossacarídeos Dissacarídeos hidrólise é capturada pela célula bacteriana aderida em vez de Monossacarídeos se dispersar pelo fluido ruminal. Além disso, as populações ade- Oligopeptídeos ridas são menos suscetíveis ao engolfamento por protozoários e Aminoácidos permanecem mais tempo no rúmen que as bactérias que estão livres no fluido. Na Figura 1.3, é apresentada, esquematicamen- Membrana Celular Bacteriana te, a seqüência de degradação de uma partícula de alimento pelas bactérias no rúmen e, na Figura 1.4, são apresentadas Aminoácidos Monossacarídeos microfotografias de partículas fibrosas colonizadas por bactérias ATP ATP NH3 ruminais. NADH ADP ADP ADP NADH Proteína Microbiana ATP + AGV α-cetoácidos NAD NADH Bactérias ADP ATP Figura 1.2 Esquema geral da degradação extracelular e intracelular de proteínas e carboidratos pelas bactérias ruminais. Essas moléculas complexas são degradadas extracelularmente até suas unidades me- nores, as quais entram na célula bacteriana. No interior da célula, os aminoácidos e monossacarídeos podem ser degradados ou utilizados na síntese de moléculas estruturais, como as proteínas microbianas. ATP e nucleotídios reduzidos (NADH) são produzidos ao longo da de- gradação e utilizados nos processos de síntese. produto final são ácidos graxos voláteis (AGV). Figura 1.3 Representação esquemática da colonização e degradação de uma partícula de alimento pelas bactérias ruminais. Bactérias livres primeiro passo para a degradação é a aderência e no fluido ruminal colonizam as partículas de alimento recém-ingeri- lonização das partículas pelas células bacterianas. Essa coloni- das, degradando-as progressivamente a partir da superfície pela ação zação se estabelece na forma de biofilmes, definidos como ma- de enzimas extracelulares. A degradação de tecidos vegetais, de outra trizes compactas de populações bacterianas aderidas entre si e forma, também pode ocorrer internamente à medida que as bactérias à superfície da partícula. Esse processo permite a aproximação tenham acesso ao interior da partícula de forragem através dos vacúo- los, feixes vasculares ou qualquer região de tecido vegetal danificada das enzimas aos substratos e é considerado um fator importante pela mastigação. de competição pelo alimento entre as espécies bacterianas. A degradação das macromoléculas se dá por hidrólise catalisada por enzimas presentes na superfície externa da membrana das células bacterianas (o fluido ruminal livre de células tem baixa atividade hidrolítica). Nos biofilmes, a digestão é concentrada22 Bioquímica dos Ruminantes Gilberto Vilmar Kozloski 23 A c) Fase III: definida como processo pelo qual há intera- ção específica e induzida entre moléculas presentes na superfí- cie externa bacteriana (denominadas ligantes ou adesinas) que reconhecem receptores na superfície exposta da partícula; d) Fase IV: envolve a proliferação celular e formação de colônias bacterianas (biofilmes) sobre as áreas expostas e po- tencialmente digestíveis das partículas de alimento. Em estudos laboratoriais (in vitro), as primeiras três fases B D da aderência ocorrem num intervalo de tempo inferior à uma hora, enquanto a máxima colonização, expressa como massa bacteriana aderida por unidade de massa residual de substrato, ocorre geralmente em torno de 24 horas após início da incu- bação. Normalmente, cerca de 70 a 80% da biomassa bacte- riana ruminal é representada por populações aderidas, as quais são responsáveis por cerca de 80% das atividades glicolítica e Figura 1.4 Microfotografia de populações bacterianas ruminais mis- proteolítica ruminal. As populações bacterianas livres no fluido tas aderidas à superfície de tecidos vegetais. A e D: visão geral de ruminal, que representam em torno de 20% do total, embora populações aderidas à parede celular de células vegetais; e C: apro- não tenham uma função na digestão das ximação que permite identificar protuberâncias nas células bacterianas partículas insolúveis de alimento, são as que se aderem e ini- aderidas que provavelmente estão associadas às adesinas, ou seja, aos ciam a digestão daquele alimento mais recentemente ingerido. fatores de ligação específica da bactéria à superfície vegetal (publica- das originalmente por MIRON, BEN-GUENDALIA e MORRISON, 2001; e KRAUSE Menos de 1% das bactérias ruminais são representadas por po- et al., 2003). pulações associadas ao epitélio ruminal ou aderidas à superfície de protozoários e fungos. processo de adesão bacteriana às partículas de alimen- processo de aderência e colonização bacteriana é afe- to pode ser dividido em quatro fases: tado por fatores relacionados às bactérias, ao substrato e ao a) Fase I: inicia poucos minutos após a ingestão do ali- ambiente ruminal. Máxima adesão tem sido observada em mento e envolve contato aleatório das populações bacterianas culturas bacterianas a estágios intermediários de sua curva de que estão livres no fluido ruminal com a partícula recém-ingeri- crescimento, e qualquer fator que altere a integridade dos com- BC da (substrato); ponentes do glicocalix, principalmente de suas frações protéicas b) Fase II: ocorre adesão não-específica, envolvendo a e polissacarídicas, interfere na adesão. Também foi observado, participação de moléculas de natureza protéica, lipídica e glicí- em estudos in vitro, que algumas espécies bacterianas compe- dica, presentes na superfície externa da célula bacteriana (deno- tem entre si por sítios de adesão no substrato. No substrato, a minado glicocalix), que interagem com moléculas da superfície camada cuticular da superfície de grãos e forragens, assim como das partículas por meio de interações iônicas, hidrofóbicas e for- a lignina da parede celular dos vegetais, os taninos, a camada ças de Van Der Walls (provavelmente cátions divalentes, como protéica que envolve os grânulos de amido e excesso de gor- cálcio e magnésio, também participam dessas interações); dura na dieta, representam barreiras à aderência e à atividade24 Bioquímica dos Ruminantes Gilberto Vilmar Kozloski 25 hidrolítica bacteriana. Entre os tecidos vegetais, mesófilo e aveia e azevém floema são altamente susceptíveis à colonização e degradação, capim-arroz e capim-elefante 80 enquanto o esclerênquima e xilema são altamente lignificados 70 e resistentes à degradação pelas bactérias ruminais. Os teci- dos de gramíneas forrageiras de clima temperado, por exemplo, são mais acessíveis e susceptíveis à aderência e colonização bacteriana (e são mais extensamente degradados) que os das gramíneas tropicais (Figura 1.5). Independentemente do tipo de Aderência microbiana (mg de MS/g MS residual) 60 50 40 30 20 forragem, entretanto, a mastigação durante a ruminação tem 10 papel importante como fator que, além de facilitar a hidratação 0 das partículas, rompe várias dessas barreiras físicas, auxiliando a penetração e a colonização do interior dos tecidos vegetais las bactérias ruminais. A aderência de algumas espécies bacte- rianas é sensível à variação do pH ruminal, podendo ser inibida 0.90 a pHs abaixo de 6,0 ou acima de 7,0, e à ausência de cátios divalentes, como e/ou Mg²⁺, assim como de quais 0.80 parecem ser essenciais ao processo de adesão. De outra forma, a adesão bacteriana pode ser afetada também pela presença de nos sítios de ligação específica entre a bactéria e a superfície da Degradabilidade da MS 0.70 0.60 açúcares solúveis que exerceriam um efeito inibidor competitivo 0.50 0.40 partícula. 0.30 0.20 6 12 24 48 LIVRO Tempo de incubação (horas) 37040 Cód. Ex.: 191849 Figura 1.5 Grau de aderência bacteriana sobre 0 resíduo de incuba- ção e degradabilidade in vitro de amostras forrageiras temperadas e Data: tropicais, coletadas no estágio vegetativo das plantas (em torno de 45 dias de rebrota). MS = matéria seca. 1.3.2 Degradação dos carboidratos A maior parte da energia normalmente consumida pelos ruminantes é derivada de polissacarídeos presentes na parede das células vegetais (carboidratos fibrosos: celulose, hemicelu- lose e pectina, principalmente) ou de polissacarídos de reserva das plantas (carboidratos não-fibrosos: amido, principalmente).26 Bioquímica dos Ruminantes Gilberto Vilmar Kozloski 27 Na Tabela 1.2, é apresentada a composição típica de carboidratos das principais classes de plantas forrageiras, as quais geralmente constituem principal componente dietético na maior parte dos sistemas de produção de ruminantes. No entanto, também é usual a inclusão na dieta de grãos de cereais e/ou de oleaginosas, assim como de vários subprodutos agroin- dustriais cuja composição química é amplamente variável. Por exemplo, grãos de cereais são ricos em amido, enquanto grãos de oleaginosas são ricos em gordura e proteína; subprodutos de origem animal são ricos em proteína e subprodutos do processa- mento de frutas são ricos em pectina. Tabela 1.2 Concentração aproximada (% na matéria seca) dos dife- rentes carboidratos os principais grupos de plantas forrageiras Tipo de carboidrato Leguminosas Gramíneas Gramíneas Temperadas Temperadas Tropicais Carboidratos não-fibrosos Amido Açúcares solúveis 0 - 2 Frutosanas Figura 1.6 Modelo do arranjo das principais estruturas moleculares Carboidratos fibrosos presentes na parede das células vegetais. Estruturas variadas de polis- Celulose 22 40 sacarídeos e compostos fenólicos, arranjados de forma relativamente Hemicelulose 25 40 irregular e complexa, estão presentes entre polímeros de celulose orga- Pectina nizados paralelamente. A celulose é um homopolissacarídeo, constituído por uni- Na Figura 1.6, é apresentado um modelo geral do arran- jo das diferentes estruturas moleculares na parede de células dades de glicose ligadas entre si por ligações glicosídicas ß- vegetais. Como pode ser visto nesta figura, polímeros de ce- 1,4. A hemicelulose e a pectina, de outra forma, constituem lulose estão organizados paralelamente, interagindo fortemente frações relativamente heterogêneas em sua composição de mo- BC nossacarídeos. A hemicelulose é representada principalmente entre si através de Pontes de Hidrogênio, constituindo, dessa forma, camadas de cobertura da célula vegetal relativamente por cadeias de arabinoxilanas, mas também fazem parte dessa resistentes. Entre essas camadas de celulose estão presentes fração xiloglicanas e glicomananas. A pectina, por sua vez, é outros e variados polissacarídeos (principalmente hemicelulose um heteropolissacarídeo complexo, constituído de cadeias de e pectina) e compostos fenólicos (principalmente lignina) que ácido galacturônico (e seu metil derivado), de galactose e ara- interagem e arranjam-se entre si de maneira relativamente irre- binose. As principais características da estrutura da celulose e gular e complexa. arabinoxilanas são apresentadas na Figura 1.7 e da pectina, na Figura 1.8.28 29 Bioquímica dos Ruminantes Gilberto Vilmar Kozloski (a) (b) Gli Gli Gli Gli Gli Gli Gli Gli Gli Gli Gli Gli Gli Gli Gli Gli Gli Celulose (c) (d) Gli-Gli-Gli-Gli Gli-Gli Celodextrina Celobiose Ara (e) AGlic Xil Xil Xil Xil Xil Xil Xil Xil Xil Xil Xil Xil Xil Xil Ara Ara Glicoarabinoxilana (hemicelulose) (h) Ligações: 0-0 = α(1,4) Xilobiose α(1,4) A-A = ou ou G-G ou Abreviaturas: Ligações: R-0 = Gli = = glicose = A-G α(1,3) Xil = xilose Xil Xil Ara = arabinose Ara Xil = α(1,2) ou α(1,3) Figura 1.8 Representação da estrutura química da pectina. Símbolos: AGlic = ácido glicurônico AGlic Xil = α(1,2) 0= ácido galacturônico; = metil éster de ácido galacturônico; R= ramnose; G= galactose; A= arabinose. Figura 1.7 Representação da estrutura química da celulose, da arabi- Os principais produtos da hidrólise total dos carboidratos noxilana (principal polímero que constitui a hemicelulose) e dos produ- tos de sua degradação no rúmen. Algumas unidades de xilose da cadeia presentes na parede celular das folhas de gramíneas forrageiras principal da arabinoxilana podem estar substituídas por resíduos de são a glicose e xilose e das leguminosas são glicose, xilose e arabinose Os locais indicados por letras entre parênteses representam ácidos urônicos. Isso indica uma participação mais alta de as ligações hidrolisadas por enzimas bacterianas ruminais: a= exogli- tina na parede celular das leguminosas comparando-se com gra- canase; b= endoglicanase; celodextrinase; d= celobiase; e= endo- míneas. Outros monossacarídeos, como arabinose, galactose, xilanase; f= glicuronidase; g= arabinosidase; h= xilobiase. manose, entre outros, são liberados em proporções bem inferio- res. A estrutura química dos monossacarídeos mais importantes presentes no amido e nos carboidratos fibrosos é apresentada na Figura 1.9.30 Bioquímica dos Ruminantes Gilberto Vilmar Kozloski 31 CHO 0 No rúmen, os polissacarídeos são degradados por siste- HCOH QH HOCH OH mas enzimáticos associados à membrana das bactérias, pro- HOCH HOCH, CH2OH OH Ho vavelmente como glicoproteínas. 0 mais estudado e mais bem caracterizado é complexo associado à degradação da celulose Arabinose e hemicelulose denominado celulossoma (Figura 1.10). celu- CHO lossoma é uma estrutura glicoprotéica multifuncional associa- HCOH HOCH da à parede da célula bacteriana, constituída por subunidades HCOH Ho Ho catalíticas (enzimas) e não-catalíticas. As subunidades catalí- CH2OH OH ticas incluem celulases, glicosidases e xilanases, entre outras. Xilose As subunidades não-catalíticas, por sua vez, são responsáveis CHO pela ligação do complexo enzimático com a parede celular bac- HCOH CH2OH teriana e pela ligação (aderência) específica da bactéria com HOCH oH HCOH Ho substrato. Ho HCOH OH CH2OH Lignina Microfibrila de Glicose celulose CHO COOH HCOH COOH HOCH HCOH Ho Ho oH HCOH COOH OH Feixe de oH celulose Hemicelulose Ácido glicurônico Sítio de ligação com a celulose Celulose oH CHO Ho Sítios HCOH catalíticos CH2OH HOCH Ho Proteínas de HOCH Ho Proteínas de coesão e ligação HCOH ancoragem Ho Subunidade protéica celulossômica CH2OH OH Galactose Superfície celular bacteriana CHO Ho COOH HCOH COOH Figura 1.10 Representação esquemática do celulossoma, qual con- BC Ho HOCH siste em um complexo multifuncional associado à parede da célula HOCH oH Ho HCOH bacteriana. Esse complexo é constituído por subunidades catalíticas OH COOH Ho oH (enzimas) e de ligação (não-catalíticas) de natureza protéica e glicopro- Ácido galacturônico téica (adaptado de KRAUSE et al., 2003). Apesar de sítio de ligação ser específico para celulose, os sítios catalíticos são constituídos por várias enzimas diferentes, que degradam, além da celulose, também hemicelulose. Figura 1.9 Estrutura química dos principais monossacarídeos presen- tes na celulose, hemicelulose e pectina.32 Bioquímica dos Ruminantes Gilberto Vilmar Kozloski 33 A Figura 1.11 apresenta uma visão esquemática e simpli- no final da cadeia do polímero e liberam glicose como produto ficada da seqüência de degradação dos carboidratos no rúmen. final. Ao longo desse processo de degradação também são libe- Em geral, todos polissacarídeos são degradados extracelu- rados celodextrinas e celobiose como produtos intermediários. larmente até suas unidades fundamentais (monossacarídeos), os quais entram na célula bacteriana, são metabolizados por Celulose uma rota comum até a piruvato e este, por sua vez, origina os ácidos graxos voláteis (AGV). Eventualmente, oligossacarídeos, contendo duas ou três unidades monoméricas, também podem Endoglucanases ser transportados para 0 interior da célula bacteriana. Celulose Hemicelulose Pectina Frutosanas Amido Xilose Ácidos Galactose Frutose Dextrinas Celodextrinas Arabinose urônicos Exoglucanases Exoglucanases Maltose Celobiose Celobiose Celobiose Glicose Glicose Glicosidases Membrana celular bacteriana Celodextrinas Piruvato Figura 1.12 Representação esquemática das etapas, enzimas envol- vidas e produtos da degradação da celulose pelas bactérias ruminais. Os polímeros de celulose são degradados até glicose pela ação seqüen- AGV cial de endoglucanases, exoglucanases e glicosidases. A degradação dos demais polissacarídeoas (como amido e hemicelulose) também Figura 1.11 Esquema geral da degradação dos carboidratos pelas bac- térias ruminais. A degradação extracelular e, posteriormente, 0 metabo- segue esse padrão multienzimático. lismo intracelular de todos carboidratos origina um produto final mum (o piruvato), que é precursor dos ácidos graxos voláteis (AGV). A digestão da hemicelulose provavelmente envolve siste- mas enzimáticos mais complexos, considerando que a estrutura Nas Figuras 1.7 e 1.12 são apresentados alguns detalhes e as formas de associação desse polímero com outros componen- da ação das enzimas bacterianas ruminais sobre os polímeros tes da parede celular são heterogêneas, variando entre os tipos de celulose e hemicelulose. A celulose é degradada pela ação de forragens e, numa mesma planta, entre tecidos. produto seqüencial e integrada de várias endocelulases, exocelulases final da hidrólise bacteriana das hemiceluloses é principalmente e B-glicosidases que hidrolisam as ligações no interior e xilose e, em menor proporção, arabinose e ácido glicurônico.34 Bioquímica dos Ruminantes Gilberto Vilmar Kozloski 35 O amido é um polissacarídeo de reserva das plantas e é tos de ramificação). Esses polissacarídeos são hidrolisados por constituído por amilose e amilopectina (Figura 1.13). amilases bacterianas do tipo α e ß e também por α-glicosida- ses (Figura 1.14). As α-amilases hidrolisam ligações no interior Amilose da cadeia (endoglicosidases), liberando maltose como produto As ß-amilases atuam no final da cadeia do polímero (exo- H H H H H H H H glicosidases), liberando glicose. Por sua vez, as α-glicosidases H H H H H H H H hidrolisam as ligações α-1,6 nos pontos de ramificação do po- 3 3 H H H H oH límero, assim como hidrolisam ligações α-1,4 de oligossacarí- deos (como maltose e maltotriose). A estrutura desse complexo Amilopectina enzimático não está elucidada, mas é provável que seja similar ao celulossoma. A pectina pode ser degradada pela atividade de duas enzi- mas bacterianas diferentes: as pectina liases, que rompem liga- ções do polímero sem adição de água e liberam principalmente galactourinídeos insaturados; e as pectinases, que se diferenciam das liases por romper ligações entre os ácidos galacturônicos da pectina com adição de água (Figura 1.15). A atividade desta última enzima parece ser negligível no rúmen. A estrutura, assim como grau de associação dessas enzimas com a membrana H H bacteriana, contudo, não são claramente conhecidos. oH H (a) (b) H Gli Gli Gli Gli Gli Gli Gli 6 CH2OH H H H H H o H H H H OH H H H Gli Gli Gli Gli Gli Gli Gli Gli Gli Gli Gli Gli Gli H H H OH (a) (b) Amido (amilopectina) Figura 1.13 - Estrutura da amilose e amilopectina. A amilose é um Gli-Gli polímero não-ramificado de glicoses ligadas por ligações glicosídicas (c) α-1,4, enquanto a amilopectina é altamente ramificada. Destaca-se, Gli Gli Gli Gli Gli-Gli no detalhe ampliado da amilopectina, os pontos de ramificação no qual Amilodextrina Maltose as ligações glicosídicas são do tipo α-1,6. Figura 1.14 Representação da estrutura química da amilopectina e A amilose é um polímero não-ramificado de glicose (liga- principais produtos da hidrólise enzimática. Os locais indicados por le- das por ligações glicosídicas α-1,4), enquanto a amilopectina é tras entre parênteses representam as ligações hidrolisadas por enzimas altamente ramificada (incluindo ligações do tipo α-1,6 nos pon- bacterianas ruminais: a= α-amilase; b= ß-amilase; α-1,6-amilo- glicosidases e d= maltase.36 Bioquímica dos Ruminantes Gilberto Vilmar Kozloski 37 COOH COOH COOH COOH o forma, as proteínas solúveis do interior das células vegetais são oH o o o degradadas mais ampla e rapidamente que aquelas presentes oH oH LIASE na parede das células vegetais. Como polissacarídeos, a de- COOH COOH COOH gradação das proteínas no rúmen é efetuada por sistemas mul- o COOH oH o oH + o 0 OH 0 tienzimáticos associados à membrana celular bacteriana. Uma oH oH seqüência geral da degradação das proteínas é apresentada na HIDROLASE LIASE Figura 1.16. Inicialmente as moléculas protéicas são hidroli- sadas em oligopeptídeos, particularmente nos pontos de sua oH HC HC cadeia contendo resíduos de serina, cisteína ou aspartato. Os HCOH HCOH oligopeptpídeos são hidrolisados por aminopeptidases, liberan- COOH HOCH HOCH COOH o HOCH o CH + o do dipeptídeos e estes, por sua vez, são hidrolisados por dipep- HC + tidases, liberando os aminoácidos. Após a degradação extrace- OH COOH COOH lular, peptídeos e aminoácidos resultantes são prontamente ACIDO GALACTURÔNICO CHO HCOH captados pelas células bacterianas ruminais, de modo que suas HOCH concentrações no fluido ruminal normalmente são muito baixas. Tem sido sugerido que gasto energético para transporte de COOH peptídeos e aminoácidos através das membranas bacterianas é ÁCIDO mesmo e, por isso, a captação de peptídeos pelas bactérias seria energeticamente mais eficiente e quantitativamente mais Figura 1.15 Degradação extracelular de polímeros de ácido galac- importante que a de aminoácidos. Aminoácidos e oligopeptíde- turônico (principal fração das pectinas). A clivagem do polímero pela OS com até cinco resíduos podem entrar na célula bacteriana. Os pectina liase (sem adição de água) resulta na liberação de galactouro- nídeos insaturados (ácido 4-desoxi-5-cetourônico), enquanto as hidro- peptídeos que entram na célula, no entanto, são hidrolisados no lases (pectinases) liberam ácido galacturônico. citoplasma liberando aminoácidos, os quais são, então, metabo- lizados. Como será visto mais adiante, os aminoácidos que en- tram na célula bacteriana podem ser incorporados em proteínas ou desaminados e metabolizados a ácidos graxos voláteis. 1.3.3 Degradação das proteínas, ácidos nucléicos e Os ácidos nucléicos constituem uma menor fração en- outros compostos nitrogenados tre os compostos nitrogenados do alimento (entre 5 a 9% do N de gramíneas forrageiras, por exemplo) e, normalmente, são totalmente degradados no rúmen por nucleases extracelulares As proteínas são os principais compostos nitrogenados bacterianas. Exceção são os nucleotídios presentes em fontes presentes nos alimentos dos ruminantes. No entanto, sua con- protéicas de origem animal, como farinha de carne ou de pei- centração e degradação ruminal variam amplamente entre os di- xe, cuja degradabilidade ruminal é baixa. produto liberado é ferentes tipos de alimentos. Assim por exemplo, 0 teor protéico é uma mistura de nucleotídios, nucleosídios e bases nitrogenadas, bem mais alto nas plantas leguminosas que nas gramíneas, e as além de ribose e fosfato, os quais são todos captados e metabo- proteínas presentes em alimentos de origem vegetal são degra- lizados pelos microorganismos. dadas mais amplamente que as de origem animal. Da mesma38 Bioquímica dos Ruminantes Gilberto Vilmar Kozloski 39 Proteínas Urease CO(NH₂)₂ + + NH₄⁺ Proteases + + NH₄⁺ + Oligopeptídeos + + Peptidases Figura 1.17 A hidrólise total da uréia pelas bactérias origina uma Aminoácidos molécula de dióxido de carbono e duas moléculas de amônio. Inicial- mente a molécula de uréia é hidrolisada enzimaticamente pela urease, Desaminases produzindo carbamato e uma molécula de amônio livre. O carbamato é, posteriormente, hidrolisado liberando outra mo- NH3 Proteína lécula de amônio e bicarbonato. Este último origina dióxido de carbono AGV microbiana e água. ruminais. Figura 1.16 Esquema geral da degradação protéica pelas bactérias Nitratos (NO₂) e nitritos também podem estar presentes em altas concentrações em alguns alimentos, par- ticularmente em gramíneas forrageiras no início do estágio ve- A uréia é um composto nitrogenado não-protéico que, getativo, fertilizadas com grandes quantidades de nitrogênio. usualmente, é incorporada na dieta dos ruminantes, mas que Nessas condições, nitratos podem representar mais de 30% também entra no rúmen via saliva ou diretamente do sangue via do N das plantas. No rúmen, 0 nitrato é reduzido a nitrito e transepitelial. Esse composto é prontamente hidrolisado enzima- este à amônia (Figura 1.19). A necessidade de equivalentes de ticamente (urease) no rúmen, liberando amônia (Figura 1.17). A redução (elétrons ou hidrogênio), para reduzir nitrato a nitrito, urease é uma enzima que possui níquel em sua estrutura e está é bem menor que para reduzir este último à amônia, de modo associada à membrana bacteriana. Várias espécies bacterianas que a taxa de redução de nitrato é cerca de 2,5 vezes mais alta ruminais produzem urease, mas são as populações aderidas ao que a redução do nitrito. Em função disso, quando a presença epitélio ruminal que apresentam maior atividade ureolítica (Fi- de nitratos no rúmen é alta e/ou a disponibilidade de carboi- gura 1.18). Tem sido sugerido que esta característica estaria dratos prontamente fermentáveis é baixa, ocorre acumulação associada à passagem transepitelial de uréia do sangue para de nitrito. 0 nitrito em altas concentrações (acima de 3 mM) rúmen, de modo que essas bactérias teriam acesso prioritário a é tóxico às bactérias e também pode causar intoxicação aguda essa fonte de nitrogênio. A hidrólise enzimática da uréia é ter- no animal. O nitrito pode ser absorvido, entrar na circulação modinamicamente favorável, com variação negativa da entalpia sanguínea, ligar-se ao grupo heme da hemoglobina, formando em torno de 10 a 15 kcal/mol. No entanto, não foi encontrada, BC UFRPE metahemoglobina, e diminuir sensivelmente a capacidade de na literatura, qualquer referência de acoplamento dessa ração com síntese de ATP pelas bactérias. oxigenação dos tecidos. As enzimas nitrato redutase e nitrito redutase estão pre- sentes na membrana externa de várias espécies bacterianas ru- minais e são induzidas, ou seja, são produzidas somente quan- do há presença do substrato. Estão associadas a um sistema de transporte de elétrons, envolvendo quinonas, citocromos e40 Bioquímica dos Ruminantes Gilberto Vilmar Kozloski 41 desidrogenases (similar à cadeia respiratória presente nas mi- Nitrato tocôndrias dos eucariotas). A variação da energia livre padrão redutase de cada uma das reações de redução, do nitrato e do ni- + H2 + H2O trito é altamente negativa (em torno de -10 kcal/mol), de modo Nitrito que, possivelmente, estão acopladas à translocação de prótons redutase (H+) para fora da célula e síntese de ATP. + + 2H+ + A Figura 1.19 Reações de redução do nitrato e nitrito a amônia no rú- men. Essas reações ocorrem na face externa das bactérias, mas os do- adores de elétrons, que podem ser 0 hidrogênio molecular NADH, FADH₂, piruvato, lactato ou succinato, são provenientes do citoplasma bacteriano. 1.3.4 Degradação dos lipídios e biohidrogenação dos ácidos graxos insaturados Nutricionalmente, os lipídios podem ser agrupados nos de B reserva (principalmente triglicerídeos em sementes), lipídios das folhas (galactolipídios e fosfolipídios) e uma mistura de outras estruturas moleculares solúveis em éter (ceras, carotenóides, clorofila etc.). Os lipídios presentes nas plantas forrageiras são representados principalmente por galactolipídios e fosfolipídios, enquanto a gordura animal e aquela presente nos grãos de ce- reais ou oleaginosas são basicamente triglicerídeos. A estrutura básica dessas moléculas é apresentada na Figura 1.20. A maior parte dos ácidos graxos das plantas forrageiras e dos óleos ve- getais é insaturada (geralmente mais de 70%) e representada principalmente pelo linoléico (cis-9, cis-12, 18:2) e linolênico (cis-9, cis-12, cis-15, 18:3). Logo após ingerido pelo animal, os galactolipídios e demais lipídios esterificados (principalmente triglicerídeos) são extensivamente hidrolisados por lipases associadas à membra- na celular bacteriana, liberando glicerol, galactose e uma mis- Figura 1.18 Microfotografias de populações bacterianas aderidas no tura de ácidos graxos de cadeia longa saturados e insaturados epitélio ruminal de bovinos: A= bacilos; B= cocos (publicado original- mente por McCowan et al., 1980). (Figura 1.21).42 Bioquímica dos Ruminantes Gilberto Vilmar Kozloski 43 Ácido graxo Ácido graxo Ácido graxo Lipídios esterificados CH Ácido graxo (ação de lipases, fosfolipases e galactosidases) CH Ácido graxo CH Ácido graxo Galactose Ácido graxo (galactolipídio) (fosfolipídio) (triglicerídio) Figura 1.20 Representação esquemática da estrutura química do ga- lactolipídio, fosfolipídio e do triglicerídeo. Os galactolipídios diferem dos triglicerídeos por terem uma ou duas moléculas de galactose substituin- Glicerol Ácidos graxos Biohidrogenação Ácidos graxos Galactose insaturados saturados do um ou dois ácidos graxos nas ligações ésteres com 0 glicerol. No fosfolipídio, um dos ácidos graxos é substituído por um grupo alcoólico ou nitrogenado (X) ligado ao glicerol por uma ligação fosfodiéster (P). AGV Figura 1.21 Esquema geral da degradação dos lipídios pelas bacté- As bactérias não são capazes de utilizar esses ácidos gra- rias ruminais. A hidrólise extracelular dos lipídios esterificados, prin- XOS como fonte de energia e, provavelmente, nem para qualquer cipalmente galactolipídios e triglicerídeos, libera glicerol, galactose e função estrutural. 0 teor de lipídios das bactérias (presente prin- ácidos graxos de cadeia longa. glicerol e a galactose entram na célula cipalmente nas membranas) é em torno de 10% do seu peso bacteriana e são prontamente metabolizados a ácidos graxos voláteis seco e é representado por fosfolipídios (30 a 40%), ácidos gra- (AGV). Os ácidos graxos de cadeia longa insaturados, por sua vez, ficam XOS não-esterificados (em torno de 40%) e por outras moléculas sujeitos ao processo de biohidrogenação e conversão a saturados. solúveis em éter, que incluem lipídios neutros (triglicerídeos) e lipídios não saponificáveis. Em relação ao perfil dos ácidos gra- mais de 90% são saturados e representados principalmente A maior parte dos ácidos graxos insaturados liberados pelo palmítico e esteárico. As bactérias ruminais sintetizam a pela lipólise são rapidamente hidrogenados (saturados) pelas bactérias ruminais. As Figuras 1.22 e 1.23, respectivamente, maior parte dos seus ácidos graxos de cadeia longa a partir de açúcares, mas são incapazes de sintetizar ácidos graxos poliin- apresentam um esquema detalhado desse processo, em que a saturados, de modo que a presença deles nas membranas é in- atividade seqüencial de isomerazes e redutases convertem am- significante (menos que 5%) e proveniente do fluido ruminal. As bos, ácidos linoléico (18:2) e linolênico (18:3), a esteárico bactérias também sintetizam ácidos graxos com número ímpar (18:0). Ao longo desse processo, vários intermediários são for- de carbonos (15 a 17) e ácidos graxos com cadeia ramificada. mados. Destaca-se, no entanto, a formação do ácido linoléico Os ácidos graxos insaturados tem a propriedade de se adsor- conjugado cis-9, trans-11 (CLA) durante a biohidrogenação do ácido linoléico. CLA (assim como outros isômeros formados verem rapidamente a superfícies livres, incluindo a superfície das células bacterianas e das partículas de alimento. Em função em menor proporção, como 0 trans-10, cis-12), está envolvido disso, parte deles pode penetrar e ser incorporado aos lipídios em vários processos fisiológicos que incluem efeitos anticarcino- de membrana das bactérias. gênicos, antiteratogênicos, modulação do metabolismo interme- diário e modulação da resposta imune dos animais.44 Bioquímica dos Ruminantes Gilberto Vilmar Kozloski 45 Cis-9, Cis-12, linoléico) Com base na propriedade adsortiva dos ácidos graxos in- saturados e em observações de que a atividade de biohidroge- Isomerização nação do fluido ruminal é negligível, conclui-se que as enzimas responsáveis pela biohidrogenação estão presentes na membra- Cis-9, Trans-11, rumênico (CLA)) na de bactérias aderidas às partículas de alimento. Adicional- mente, evidências experimentais indicam também que, embora Butyrivibrio fibrisolvens seja uma das que tem mais alta ca- NADH pacidade de biohidrogenação, a biohidrogenação completa dos ácidos graxos insaturados depende da atividade conjugada de Trans-11, vacênico) mais de uma espécie bacteriana ruminal, incluindo, por exem- plo, Fusocillus sp. Contudo, não está claramente estabelecido, NADH até 0 momento, qual a função do processo de biohidrogenação. Uma vez que os ácidos graxos insaturados são tóxicos a muitas esteárico) bactérias ruminais, a função mais provável é detoxificante. No entanto, a biohidrogenação também pode ser uma forma de dre- nar equivalentes de redução ou NADH) do meio ruminal. Vários fatores dietéticos podem afetar a biohidrogenação, tanto em termos quantitativos como qualitativos. aumento da proporção de concentrado na dieta, por exemplo, diminui as taxas de lipólise e biohidrogenação, assim como modifica 0 perfil dos intermediários desse processo, aumentando a pro- (cis) (trans) porção de ácidos graxos insaturados do grupo trans-10. Essas modificações devem-se, provavelmente, a efeitos conjugados de Figura 1.22 Esquema da biohidrogenação do ácido linoléico. Os nú- queda do pH e alteração da composição das espécies bacteria- meros dos carbonos na cadeia são contados a partir da carboxila. As nas ruminais. Adicionalmente, para ser biohidrogenado, grupo ligações duplas nos carbonos 9 e 12 são originalmente do tipo cis. A carboxila do ácido graxo deve estar livre. Em função disso, primeira etapa do processo forma um isômero em que a ligação dupla fornecimento de gordura na forma de sais de cálcio insolúveis do carbono 12 é transferida na forma trans para 0 carbono 11, forman- previne a sua biohidrogenação. do ácido rumênico (ácido linoléico conjugado cis-9 trans-11, CLA). A A dieta de ruminantes alimentados somente com forra- seguir, as ligações duplas são substituídas por ligações simples em rea- ções catalisadas por redutases na seguinte seqüência: carbonos 9 e 11. geiras tem baixo teor de lipídios (entre 1 a 5% da matéria seca). 0 doador dos hidrogênios no processo de biohidrogenação, apresentado Níveis mais altos de lipídios são obtidos pela adição de gordura neste esquema, é somente 0 NADH. No entanto, embora essa molécula animal, óleo vegetal ou pela inclusão de sementes ou resíduos seja 0 doador inicial, outras duas moléculas participam do processo de vegetais ricos em gordura. No entanto, a fermentação ruminal transferência dos hidrogênios: tocoferolquinona e uma flavina. Abaixo é inibida se conteúdo de lipídios for superior a 7% da matéria da rota metabólica de biohidrogenação, é apresentada, com detalhe, característica das ligações Cis e Trans entre hidrogênios e carbonos a seca da dieta. A explicação para esse efeito é sustentada por que participam da ligação dupla na cadeia do ácido graxo. duas teorias. Uma delas está associada à propriedade adsorti- va dos ácidos graxos insaturados, que, em excesso, formariam46 Bioquímica dos Ruminantes Gilberto Vilmar Kozloski 47 uma cobertura de natureza hidrofóbica na célula bacteriana que 1.3.5 Taxa de degradação impediria o seu metabolismo ou sua adesão nas partículas de alimento. Outra teoria propõe a existência de um efeito tóxico direto em que esses ácidos graxos incorporam-se à membrana A susceptibilidade dos diferentes carboidratos e com- bacteriana e mudam sua fluidicidade e permeabilidade. Níveis postos nitrogenados à degradação bacteriana é amplamente mais altos de lipídios poderiam ser adicionados somente na for- variável, dependendo das suas características físico-químicas ma de gordura saturada ou protegida da fermentação ruminal ou dos fatores que limitam 0 acesso das enzimas bacterianas (na forma de sais de ácidos graxos, por exemplo). ao substrato. Embora existam exceções, a taxa de degradação, em geral, é diretamente relacionada à solubilidade dos subs- tratos. Assim, por exemplo, proteínas de origem animal e os Cis-9, Cis-12, Cis-15, linolênico) carboidratos presentes na parede celular dos tecidos vegetais têm baixa solubilidade e são lentamente degradados. Amido, Isomerização pectina e proteínas presentes no conteúdo celular das plantas têm alta solubilidade e são rapidamente degradados no rúmen. Cis-9, Trans-11, Cis-15) A degradabilidade do amido, contudo, varia entre fontes e tipos de amido. Por exemplo, amilopectina é mais solúvel e tem maior NADH degradabilidade que amilose. Entre as fontes de amido, aqueles presentes em grãos de cereais de inverno ou em raízes são mais Trans-11, Cis-15) degradáveis que amido do grão de milho ou sorgo. As taxas de degradação medidas in vitro variam de menos de 0,1%/h para aquelas frações de carboidratos ou proteínas mais complexas e NADH menos solúveis a valores bem acima de 100%/h para as frações solúveis. Na Figura 1.24, são apresentados exemplos de como Trans-11, vacênico) 0 tipo de dieta pode afetar a concentração no fluido ruminal de alguns produtos da degradação microbiana ao longo do tempo após a ingestão do alimento. NADH esteárico) BC UFRPE Figura 1.23 Esquema da biohidrogenação do ácido linolênico. As ligações duplas nos carbonos 9, 12 e 15 são originalmente do tipo cis. A primeira etapa do processo forma um isômero em que a ligação dupla do carbono 12 é transferida na forma trans para 0 carbono 11. A seguir, as ligações duplas são substituídas por ligações simples em reações ca- talisadas por redutases na seguinte seqüência: carbonos 9, 15 e 11.48 Bioquímica dos Ruminantes Gilberto Vilmar Kozloski 49 A B 1.4 Crescimento bacteriano e a constante 30 Amônia-N 60 Amônia N de saturação 25 50 20 40 / mg/dL 15 mg/dL 30 O crescimento bacteriano pode ser definido como 0 au- 10 20 5 10 mento da sua população por unidade de tempo, a qual é de- 0 0 nominada taxa de crescimento. Considerando-se um sistema de cultura fechado, ignorando-se 0 tempo de colonização (lag 120 Aminoácidos peptídeos 250 Aminoácido peptídeos 100 time) e se todas as condições forem favoráveis, esse crescimen- 200 80 to se dá em escala logarítmica, segundo a equação: µ = In 2 mg/dL 150 60 40 mg/dL / td em que: µ = taxa de crescimento (proporção/h), In 2 = 100 20 50 logaritmo natural de 2 e td = tempo de duplicação (h) (Figura 0 0 1.25). 0 tempo de duplicação é aquele necessário para que a 40 biomassa bacteriana duplique seu tamanho. No caso das bacté- Açúcares 350 Açucares 300 rias ruminais, tempos de duplicação variam em torno de 20 30 250 minutos até 2 horas, sendo menor nas espécies que degradam mg/dL mg/dL 200 20 150 carboidratos não-fibrosos e maior nas que fermentam carboidra- 10 100 50 A tos fibrosos. 0 0 0 1 A forma de crescimento exponencial, apresentada acima, 2 3 4 6 8 0 1 2 3 4 6 8 Tempo após refeição (horas) Tempo após refeição (horas) transcorre quando todas as condições de meio são favoráveis à bactéria: temperatura, pH, osmolaridade e suprimento de nu- Figura 1.24 Concentração ruminal de amônia, aminoácidos, peptí- trientes em quantidade e qualidade adequadas. Se em todos deos e açúcares ao longo do tempo após a refeição, em ovinos rece- bendo diferentes dietas: A = alimentados somente com azevém sem casos estes pré-requisitos fossem atendidos, os microorga- suplementação ou suplementados com farinha de mandioca nismos logo alcançariam volumes incompatíveis com a sobre- refinazil (A), farinha de mandioca mais farelo de glúten de milho (o) vivência de outras espécies vivas. Não acontece assim porque ou farinha de mandioca mais caseinato de cálcio = alimentados crescimento é regulado pela disponibilidade de nutrientes li- somente com feno de Tifton 85 (Cynodon sp.) sem suplementação mitantes, também chamados de fatores de crescimento. Nes- ou suplementados com uréia farinha de mandioca (A), farinha de mandioca mais uréia (o) ou farinha de mandioca mais caseinato de te caso, a taxa de crescimento irá variar com a concentração cálcio (A). do substrato limitante no meio, sendo definida pela seguinte equação: µ = S / (S + Ks), em que taxa de cres- cimento (/h), µmax= taxa máxima de crescimento (/h), S = BC UFRPE concentração do substrato limitante (mmol) e Ks = constante de saturação (mmol) (Figura 1.26). valor de Ks é indicativo do grau de afinidade da bactéria pelo substrato (i.e., quanto maior o Ks, menor a afinidade). 0 substrato limitante pode ser, por exemplo, um mineral, uma vitamina, um aminoácido, um carboidrato etc. Não precisa, obrigatoriamente, ser uma fonte50 Bioquímica dos Ruminantes Gilberto Vilmar Kozloski 51 de suprimento energético. substrato limitante varia entre as cepas bacterianas, e a necessidade funcional deste nutriente, expressa em termos quantitativos, é que constitui a constante de saturação. 8 7 6 Taxa de crescimento (/h) Y = (Ymax.S)/(S+Ks) Taxa de crescimento (/h) 5 Y In2/td 4 3 Concentração de substrato (s) 2 1 Figura 1.26 Relação entre a concentração de substrato limitante no 0 meio de cultura e a taxa de crescimento bacteriano. 0 0,5 1 1,5 2 Tempo de duplicação (td, em horas) Os parâmetros da cinética de crescimento bacteriano são, usualmente, medidos em sistemas de cultura abertos, em Figura 1.25 Relação entre tempo de duplicação e a taxa de cresci- mento bacteriano. que 0 volume da cultura e a biomassa microbiana são mantidos constantes, mas meio de cultura é renovado continuamente. A equação acima é análoga à de Michaelis-Menten, a qual Valores de Ks e de de algumas cepas bacterianas rumi- expressa a cinética da atividade enzimática. Assim como 0 Km nais, obtidos com esta metodologia, são apresentados na Tabela das enzimas representa a concentração de substrato, em que a 1.3. Observa-se que tanto 0 grau de afinidade (Ks) quanto as taxa da reação catalisada pela enzima alcança a metade da taxa taxas máximas de crescimento são altamente variáveis entre ce- máxima, Ks significa a concentração de substrato necessária pas bacterianas e entre substratos. As taxas de crescimento, por para a taxa de crescimento bacteriano atingir a metade da sua exemplo, podem variar de menos de 10% a mais de 200%/h, taxa máxima. Quanto menor valor do Ks, menor concentração e valores de Ks de menos que 0,01 a mais de 5 mmol. Em de substrato é necessária para alcançar taxas de crescimento re- geral, observa-se que as espécies bacterianas que degradam lativamente altas. Em decorrência desta propriedade particular, carboidratos fibrosos tem maior grau de afinidade pelos substra- os microorganismos detentores de Ks baixo para um determina- tos, mas menor potencial de crescimento que as espécies que do nutriente conseguem sustentar seu crescimento em meio degradam amido. BC UFRPE As taxas de crescimento, apresentadas na Tabela 1.3, contendo baixa concentração desse nutriente. Nesta condição, a biomassa proporcional dessas cepas de microorganismos irá foram obtidas com culturas puras, incubadas somente com predominar sobre as demais que possuem um Ks mais alto para um tipo de substrato. No entanto, foi observado, em estudos esse mesmo nutriente. in vitro, que as diferentes espécies bacterianas podem utilizar preferencialmente um determinado substrato em detrimento de outro, de modo que a taxa de utilização desses substratos é52 Bioquímica dos Ruminantes 53 Gilberto Vilmar Kozloski auto-regulada em função da presença ou ausência do outro. As- sim, por exemplo, S. ruminantium só utiliza maltose ou celobio- Além da taxa de crescimento e da Ks, outro parâmetro de se se xilose, glicose ou sacarose estiverem ausentes. Da importância nutricional a ser conhecido é rendimento micro- forma, fibrisolvens utiliza celobiose e xilose somente mesma biano, ou seja, a quantidade de biomassa bacteriana produzida tose e sacarose estiverem ausentes, e S. bovis somente se utiliza mal- por unidade de substrato fermentado. Esse conceito está as- maltose e celobiose se glicose e sacarose estiverem ausentes sociado à eficiência energética bacteriana. Somente uma parte no meio de incubação. Além disso, várias interações existem da energia presente originalmente no substrato fermentado vai entre populações mistas de bactérias, de modo que as taxas de ser recuperada como aumento da massa microbiana. Além da crescimento estimadas nas condições normalmente existentes perda de energia na forma de calor, inerente à termodinâmica no rúmen são somente em torno de 0,05, para as bactérias das reações químicas que ocorrem nos sistemas biológicos, a degradam carboidratos fibrosos, e 0,15, para as que degradam que acumulação de biomassa bacteriana é limitada também pelos carboidratos Ou seja, a cada hora a biomassa bac- custos energéticos de manutenção dessas populações. Gastos teriana ruminal dessas espécies aumenta em torno de 5 e 15%, com manutenção incluem, entre outros, motilidade celular, re- respectivamente. Os valores de Ks estão estreitamente associa- novação de macromoléculas celulares, manutenção de gradien- dos às características dos sistemas de transporte de membrana te iônico, síntese de enzimas e transporte de substâncias para 0 bacteriano, os quais serão descritos posteriormente. interior das células. Também é incluído, como custo energético de manutenção, a reposição de células bacterianas mortas. Só Tabela 1.3 Grau de afinidade (Ks) e taxa de crescimento para exemplificar, em torno de 30% da energia proveniente da com diferentes substratos (RUSSEL e BALDWIN, 1978 e 1979) de algumas espécies bacterianas ruminais incubadas máxima in vitro fermentação ruminal é gasta nos sistemas de transporte ativo das membranas celulares bacterianas, e cerca de 30-60% da biomassa bacteriana ruminal é continuamente reciclada (novas Glicose Sacarose Maltose células bacterianas são produzidas para repor bactérias mortas, Celobiose Xilose Lactato Ks (mmol) permitindo a manutenção da população bacteriana). No rúmen, ruminicola 0,17 2,94 0,98 estima-se que as bactérias que degradam os carboidratos fibro- 11,76 SC* S. bovis SC* 5,56 0,06 sos têm um custo de manutenção cerca de três vezes menor 0,15 1,27 SC* M. elsdenni SC* 0.11 SC* que as que degradam os não-fibrosos (cerca de 0,05 0,150 1,34 SC* SC* fibrisolvens 0,37 0,01 g de carboidrato/g de matéria seca bacteriana/h). Em condições 0,2654 Bioquímica dos Ruminantes Gilberto Vilmar Kozloski 55 rapidamente, as espécies amilolíticas passam a predominar a biomassa bacteriana ruminal total aumenta significativamente. Extracelular M Intracelular Como visto anteriormente, as espécies que fermentam carboi- [H⁺] dratos não-fibrosos possuem Ks, taxa de crescimento e custo [Na] [Na] de manutenção bem mais altos que aquelas que fermentam (+) (-) fibrosos. Desse modo, maior custo energético de manutenção OS Difusão Passiva S S das primeiras é amplamente compensado pela sua maior taxa- tratos. de crescimento em condições de alta disponibilidade de subs- Difusão Facilitada S S Próton Simporter S S membranas 1.5 Transporte de nutrientes através das Sódio Simporter S S rúmen constitui-se em um ecossistema que contém ATP substratos em abundância, mas na forma de grandes, insolú- Transporte Choque S S Sensitivo ADP Pi veis e, algumas vezes, complexos polímeros. Estes devem ser Ell HPr-P El PEP degradados por enzimas extracelulares até substâncias mais Sistema S S-P simples e de baixo peso molecular, capazes de entrarem e se- Fosfotransferase EII-P HPr Pir rem metabolizadas pelas células bacterianas. Por outro lado, densidade celular bacteriana é relativamente alta e com taxas a de crescimento potenciais normalmente superiores à disponibi- Figura 1.27 Mecanismos de transporte de substratos (S) através da lidade de nutrientes no rúmen. Desse modo, as taxas de cres- membrana celular (M) das bactérias ruminais. Embora uma ampla va- cimento possíveis e a predominância de espécies bacterianas riedade de pequenas moléculas sejam utilizadas pelas bactérias rumi- individuais dependem, além da formação de nichos aderidos às nais, os principais substratos que entram nas suas células são monos- sacarídeos (glicose, galactose, ribose, arabinose, entre outros), ácidos partículas de alimento, da sua capacidade de retirar nutrientes orgânicos (malato, fumarato, succinato, entre outros) e aminoácidos. em um meio altamente competitivo. Isso, por sua vez, depen- Importante notar a existência de um gradiente eletroquímico em nível de das características dos sistemas de transporte presentes na de membrana, ou seja, meio extracelular tem maior concentração de membrana celular bacteriana, entre as quais se destacam grau íons sódio e de prótons e é mais eletropositivo que meio intracelular. regulação. de afinidade e especificidade pelo substrato e mecanismos de Uma apresentação esquemática dos principais sistemas de transporte de nutrientes existentes nas membranas das bac- 1.5.1 Difusão passiva térias ruminais é apresentada na Figura Esse sistema de transporte é caracterizado pela passa- gem de moléculas através das membranas sem gasto de energia e sem 0 envolvimento de proteínas carreadoras de membrana56 Bioquímica dos Ruminantes 57 Gilberto Vilmar Kozloski (permeases). Esse mecanismo de transporte é utilizado somen- tração do substrato no fluido ruminal em relação à concentração te para a passagem de moléculas ionicamente neutras ou alta- no citoplasma bacteriano. Embora já tenha sido observada a mente hidrofóbicas e a favor de um gradiente de concentração utilização desse mecanismo para transporte de alguns ami- (ou seja, para entrar na bactéria, por exemplo, a concentração noácidos, particularmente glutamato e glutamina e também de extracelular da molécula deve ser bem superior à concentra- glicerol e glicose, é provável que, nas condições ruminais, ele te- ção intracelular). No rúmen, os ácidos graxos de cadeia longa nha pouca importância. Normalmente as concentrações desses (hidrofóbicos) e as formas não-ionizadas de pequenos ácidos substratos no fluido ruminal são relativamente baixas, de modo orgânicos (como os AGV, malato, fumarato, succinato, entre ou- que o gradiente existente e a taxa de transporte para o interior tros) e da amônia atravessam a membrana das bactérias por da célula são bem menores que exigido para crescimento difusão passiva. Nas condições normais de pH ruminal (± 6,5), das bactérias ali presentes. no entanto, a maior parte da amônia (pK ± 9,5) e dos ácidos orgânicos (pK ± 4,5) estão ionizados (Figura 1.28) e utilizam outros sistemas de transporte. 1.5.3 Transporte ativo não-ionizado ionizado A passagem de monossacarídeos (ou oligossacarídeos), (ácido acético) (acetato) assim como de aminoácidos, oligopeptídeos ou ácidos orgânicos + H+ para 0 interior das células bacterianas ruminais, ocorre predo- minantemente através de sistemas de transporte ativo. As prin- ionizado não-ionizado cipais características desses sistemas são: 0 gasto de energia, (amônio) (amônia) envolvimento de proteínas carreadoras de membrana e o fluxo + de substrato contra gradientes de concentração. A energia utilizada nesses sistemas é derivada da hidró- lise de ATP (talvez também acetil-fosfato) ou da força próton- Figura 1.28 Formas ionizadas e não-ionizadas de um ácido graxo volátil e do grupo amino. motora gerada pelo gradiente de pH e elétrico existentes em nível de membrana celular bacteriana. Como visto na Figura 1.27, a concentração de íons H+ e Na+ é mais alta e a carga elétrica é mais positiva no exterior que no interior celular. O 1.5.2 Difusão facilitada citoplasma bacteriano tem pH mais alcalino e é eletricamente mais negativo que o fluido ruminal. Isso constitui uma força Assim como no caso da difusão passiva, esse sistema próton-motora capaz de dirigir 0 transporte de moléculas para de transporte ocorre sem gasto de energia e, portanto, somente interior das células e acumulá-los contra gradientes extrema- a favor de gradientes de concentração. No entanto, envolve a mente altos (até ± 10⁷, ou seja, substrato é "bombeado" para participação de proteínas carreadoras de membrana e permite dentro da célula de modo que a sua concentração intracelular a passagem de moléculas polares ou eletricamente carregadas alcance valores cerca de dez milhões de vezes mais altos que a (ionizadas). A taxa de transporte de substrato por esse sistema é concentração extracelular). A força próton-motora, nas bactérias diretamente proporcional à amplitude do gradiente existente, ou ruminais, normalmente varia de 140 a 160 mV, sendo em torno seja, será tanto mais alta quanto maior a diferença de concen- de 90% dela gerada pelo gradiente elétrico e 10% pelo gradiente de pH58 Bioquímica dos Ruminantes 59 Gilberto Vilmar Kozloski Os gradientes iônicos são mantidos pela atividade de vá- 0 gradiente de prótons e sódio é utilizado para transporte de rios sistemas de bombeamento de íons presentes na membrana açúcares, ácidos orgânicos (como malato, fumarato e succinato) celular das bactérias (Figuras 1.29 e 1.30). A maior parte das e aminoácidos para interior da bactéria. bactérias ruminais utiliza principalmente ATPases para expelir prótons (H+), mas, embora em menor número, prótons tam- bém podem ser expulsos das células por cadeias de transporte Extracelular Intracelular de elétrons que oxidam NADH, H2, lactato, piruvato ou outras M moléculas reduzidas. Neste caso, como a presença de oxigênio ATP no meio ruminal é insignificante, outros receptores de elétrons Próton ATPase ADP+Pi estariam presentes, como nitratos, nitritos e sulfatos. sódio, por sua vez, pode sair da célula pela atividade de descarbo- NADH xilases (glutamato, oxaloacetato ou succinato descarboxilases), H+ de ATPases associadas ao sódio ou pela atividade de proteínas Cadeia de Transporte trocadoras de (antiporter). Neste último caso, a saída de Elétrons de sódio pode ser dirigida pelo gradiente de pH, com a entrada de um próton, ou pelo gradiente elétrico, com a entrada de dois ATP Na+ prótons por átomo de sódio expulso da célula. Sódio ATPase ADP+Pi Os sistemas de transporte de membranas podem ser constitutivos ou Os constitutivos estão sempre pre- sentes nas células, independentemente da presença ou ausên- H+ Antiporter cia da molécula que ele transporta. Os induzidos, por sua vez, aparecem somente se 0 meio de cultivo tiver uma concentração + significativa da molécula a ser transportada. Sódio descarboxilase Na+ RH + Próton e sódio simporter É sistema de transporte predominante nas bactérias ruminais. Como descrito anteriormente, pela ação de H+ e Na+- Figura 1.29 Mecanismos geradores de gradientes eletroquímicos em nível de membrana (M) nas bactérias ruminais. Nos sistemas próton e ATPases, é formado um gradiente eletroquímico em nível da sódio-ATPase, a ATPase é orientada para expulsão desses íons do inte- membrana celular bacteriana, onde a concentração externa de rior da célula bacteriana com gasto de ATP. Nas mitocôndrias das cé- prótons (H+) e sódio é bem mais alta e a carga elétrica é mais lulas eucarióticas aeróbicas, as ATPases estão presentes na membrana positiva que a interna. A passagem desses íons para dentro das mitocondrial interna e sintetizam ATP, utilizando a energia gerada pela células, através de proteínas carreadoras específicas de mem- passagem de prótons do espaço intermembrana para a matriz mito- brana, libera uma quantidade de energia associada à força pró- condrial. No sistema sódio descarboxilase, 0 sódio pode ser expulso da célula, utilizando a energia gerada pela descarboxilação de glutamato, ton-motora formada por esse gradiente. Essa energia dirige a oxaloacetato ou succinato. entrada simultânea na célula de uma molécula de substrato.60 Bioquímica dos Ruminantes Gilberto Vilmar Kozloski 61 Glicose Sistema choque-sensitivo H+ H+ Esse sistema é dirigido pela hidrólise de uma molécula de ATP, liberando ADP e Pi. Envolve, além de proteínas carreadoras inseridas na membrana, a participação de uma proteína peri- plasmática capaz de ligar-se à molécula a ser transportada. Em- bora em menor proporção, é sistema de transporte de maior afinidade e especificidade presente nas bactérias ruminais, sen- Flagelo do crucial nas situações de deficiência de substrato. É utilizado para transporte de açúcares. Na H+ Sistema fosfotransferase (FT) Ca Esse sistema de transporte envolve uma seqüência de 2H+ translocação de um grupo fosfato a partir do fosfoenolpiruvato até a fosforilação da molécula de substrato que entra na cé- NADH+H+ FAD lula. Na etapa inicial, o grupo fosfato do fosfoenolpiruvato é 2H+ NAD+ FeS transferido para uma proteína citoplasmática denominada En- FeS zima I. A Enzima I, por sua vez, transfere fosfato para uma segunda proteína citoplasmática fosfocarreadora, a HPr, e esta transfere fosfato para uma proteína carreadora de membrana Fumarato+2H 2H+ a denominada Enzima II, a qual, finalmente, fosforila e transfere Succinato 0 substrato para o interior da célula. Esse sistema é utilizado fundamentalmente para o transporte de açúcares por bactérias que degradam carboidratos não-fibrosos. Tem alta afinidade pelo substrato e é energeticamente mais eficiente que os demais 2H+ sistemas de transporte ativo (Figura 1.31). No entanto, é bem ATP menos utilizado que os demais sistemas, sendo, possivelmen- te, importante somente em condições de baixa disponibilidade Aminoácidos de substrato, baixa taxa de crescimento bacteriano e em pH Na+ próximo ao neutro. Em condições práticas, é possível que esse BC UFRPE sistema seja utilizado pelas bactérias em situações de jejum, ou várias horas após a ingestão do alimento, ou, ainda, quando a Figura 1.30 Representação esquemática da integração de sistemas dieta consiste apenas de volumosos de baixa qualidade. Nesta de transportes de íons e elétrons na membrana celular bacteriana do situação, a manutenção de uma população mínima das espé- uso do gradiente de íons para transporte de substratos para interior e da célula ou para realização de trabalho mecânico (flagelos). cies que degradam carboidratos não-fibrosos dependeria desse sistema de transporte para captar algum substrato do meio ru- minal.62 Bioquímica dos Ruminantes Gilberto Vilmar Kozloski 63 G Meio externo 1.5.4 Regulação dos sistemas de transporte Membrana celular bacteriana Citoplasma PEP ATP 0 transporte de um substrato para dentro da célula bacte- Outros sistemas de transporte ativo ADP+Pi riana é a primeira etapa no processo fermentativo e, normalmen- Sistema FT G te, uma bactéria é capaz de utilizar vários substratos diferentes. ATP Desta maneira, seria plausível que existissem mecanismos de PIR ADP G6P regulação da entrada dessas moléculas na célula, de modo a or- ATP denar a sua utilização. Pouco é conhecido sobre a regulação do ADP transporte de compostos nitrogenados nas bactérias ruminais, F16DP mas tem sido sugerida a existência de alguns mecanismos que atuariam regulando transporte de açúcares. Um deles seria a competição entre dois ou mais açúcares pelo mesmo sítio de ligação em uma proteína carreadora de membrana (permease), G3P G3P ADP+Pi sendo que a preferência por um ou outro dependeria de suas concentrações no meio e de suas afinidades relativas pelo sítio ATP PEP PEP de ligação na permease. Neste caso, substrato com menor ADP+Pi Ks seria predominantemente transportado. Outro mecanismo ATP PIR envolveria a inibição alostérica de permeases por açúcares-fos- PIR fatatados que se acumulariam no interior celular e se ligariam em um sítio regulador da proteína carreadora. Vários outros Figura 1.31 As bactérias anaeróbicas metabolizam a glicose mecanismos reguladores foram identificados, mas envolvem 0 clássica rota metabólica de Embden-Meyerhof-Parnas (glicólise). pela sistema fosfotransferase, qual, como visto anteriormente, não rota, a hexose é inicialmente duplamente fosforilada, consumindo Nessa é que predomina nas bactérias ruminais. Além disso, regulam da ATPs e, posteriormente, produz quatro ATPs, dois pela reação catalisa- dois basicamente qual açúcar será preferencialmente transportado, pela glicerato quinase e mais dois pela piruvato quinase. A mas não a quantidade total que entra na célula. De fato, parece 0 rendimento líquido de ATPs, dessa maneira, é Nos demais princípio, temas de transporte ativo, um ATP é gasto no transporte da molécula sis- que a maior parte das espécies bacterianas ruminais tem uma para interior da célula. Desse modo, rendimento líquido da capacidade limitada de controlar a entrada de substratos na cé- diminui para um ATP. Pelo sistema fosfotransferase (FT), a molécula glicólise lula, particularmente quando as concentrações destes substra- entra na célula fosforilada, economizando um ATP que seria já tos no meio são altas, em excesso às suas necessidades. Nessas reação inicial catalisada pela hexoquinase. Desse modo, é gasto gasto na condições, as bactérias utilizam outros mecanismos para evitar te um ATP na reação catalisada pela fosfofrutoquinase e são somen- acúmulo excessivo de metabólitos na célula, os quais serão des- G6P=glicose-6-fosfato: F16DP= G3P= gliceral- três ATPs. 0 rendimento líquido, então, é de dois ATPs. G=glicose; produzidos critos mais adiante. deído-3-fosfato; PEP=fosfoenolpiruvato e PIR=piruvato.64 Bioquímica dos Ruminantes Gilberto Vilmar Kozloski 65 1.6 Metabolismo celular bacteriano calor (reação endotérmica), ou negativa, se liberar calor para ambiente (exotérmica). A primeira lei permite quantificar 0 grau 1.6.1 Conceitos básicos em bioenergética de interconversão da energia, mas não indica em qual senti- do sistema tende a evoluir espontaneamente. Além disso, a energia útil para os sistemas biológicos deve ser capaz de gerar A fermentação ruminal é um processo exergônico que trabalho (como síntese de macromoléculas, contração muscular, converte matérias-primas fermentáveis em ácidos graxos volá- transporte através de membranas, entre outros) à temperatura e teis (AGV), dióxido de carbono, metano, amônia e, ocasional- pressão constantes. A direção das reações espontâneas nos sis- mente, ácido láctico. Ao longo das reações, parte da energia temas biológicos é indicada por uma segunda lei, traduzida ter- liberada pela degradação dos substratos é captada na síntese pelo norte-americano Josiah Willard Gibbs, de ATP, parte é conservada como energia potencial na forma de em 1876. Ele introduziu conceito de "potencial químico" que, gradientes eletroquímicos transmembrana (força próton-moto- posteriormente, em sua homenagem, foi denominado "Energia ra) e, uma parte, é inevitavelmente perdida como calor (Figura Livre de Gibbs" ou "Função de Gibbs" (G). Segundo esse concei- 1.32). 0 ATP é utilizado nos processos anabólicos, ou seja, na to, em todas as transformações físicas ou químicas na natureza síntese das estruturas moleculares bacterianas, e a força próton- a variação da energia livre (AG) do sistema em transformação é motora gerada ao nível de membrana, utilizada no transporte sempre negativa e a entropia do universo sempre au- ativo de nutrientes para o interior da célula. menta, mesmo que a entropia do sistema diminua: 0 metabolismo bacteriano ruminal obedece aos mesmos princípios e fundamentos que regem todas as transformações > biológicas e que tem por base a dinâmica da energia nos sis- (universo) (sistema) (externa) temas e no universo. Esses fundamentos estão expressos em e conceitos e leis da termodinâmica, em relação aos quais serão feitas algumas considerações a seguir. -TAS A primeira lei da termodinâmica enuncia que a energia (sistema) pode tomar diferentes formas (i.e., térmica, química, elétrica, cinética, gravitacional, entre outras), mas a quantidade de ener- em que T é temperatura em gia do universo é sempre constante. Não se pode medir teor de energia de uma substância ou de um sistema de reação, no entanto, é possível medir a variação da energia quando siste- A entropia (S) é uma grandeza física que indica uma fun- ma se transforma, expressa pela seguinte equação: ção de estado da matéria. É inversamente associada ao grau de UFRPE ordem, ou seja, quanto mais desorganizado 0 sistema, maior sua entropia. Considera-se, por exemplo, que a entropia da forma pura e cristalina de uma substância à temperatura de em que é a variação da energia total do sistema, re- zero absoluto (-273°K) é nula. A entropia é que dá a direção às presenta a variação da entalpia (calor) e W é a realização de reações espontâneas e, em função disso, tem sido denomina- trabalho (mudança de pressão e/ou volume, por exemplo). A va- da de "Flecha do Tempo". Os organismos vivos (sistemas) são riação da entalpia de uma reação pode ser positiva, se absorver altamente organizados e pobres em entropia. Isso implica que66 Bioquímica dos Ruminantes Gilberto Vilmar Kozloski 67 a existência humana se dá à custa do aumento da entropia do meio externo. gênio é átomo mais eletronegativo; e carbono e hidrogênio, os menos eletronegativos. nitrogênio e enxofre têm eletrone- A variação da energia livre de qualquer reação ou proces- so intracelular pode ser estimada utilizando equações matemá- gatividade intermediária. Desse modo, a degradação da matéria ticas diferentes e específicas para cada situação. Por exemplo, a orgânica é caracterizada por reações de oxidação, em que os variação da energia livre de cada reação individual, que ocorre elétrons compartilhados entre átomos de carbonos e/ou hidrogê- no interior das células, pode ser calculada com base na sua nios são transferidos para compartilhamento com 0 oxigênio. constante de equilíbrio e nas concentrações dos produtos em calor liberado, ou seja, a variação da entalpia que resulta desta relação à dos reagentes atualmente presentes no meio: "corrente elétrica" pode ser medida em uma bomba calorimé- trica. A matéria orgânica pode ter diferentes graus de oxidação (Figura 1.33), sendo que, quanto menos oxigênio tiver na mo- lécula, maior seu potencial energético de oxidação. Assim, por exemplo, 0 calor liberado pela oxidação total de um grama de + triglicerídeos, cuja molécula tem pouco oxigênio, é mais que 0 dobro do calor liberado pela oxidação total de um grama de carboidrato (em torno de 9 versus 4 kcal), cuja molécula tem em que é a variação da energia livre padrão (i.e., a 25°C, alta proporção de oxigênio. A de cada reação de oxiredução 1 atmosfera de pressão e quando as concentrações iniciais que ocorre no interior das células pode ser calculada com base dos produtos e reagentes é 1M), R é a constante dos gases no número de elétrons transferidos, na diferença de potencial de (1,987kcal/mol.K), T é temperatura (°K), Keq é a constante de redução entre 0 doador e receptor dos elétrons e nas concentra- equilíbrio da reação medida em condições padrões e (kcal/ ções do doador e receptor de elétrons no meio de reação: mol) é a variação da energia livre real, a qual depende das con- centrações dos produtos e reagentes atualmente existentes no sistema. Esta equação é baseada no conceito de que as reações espontâneas no interior das células ocorrem na direção do seu equilíbrio e indica que, quanto mais longe do equilíbrio estive- E° + (RT/nF)In([aceptor de de rem as atuais concentrações dos componentes da reação, mais energia livre é liberada. A direção da reação, nesse caso, inde- em que n representa número de elétrons transferidos, F é pende se a variação da entalpia é positiva ou negativa. Quando a constante de Faraday (23 kcal/V.mol) e ДЕ é a variação do a reação atinge o equilíbrio, a é potencial de redução. potencial de redução (E) representa Nos sistemas biológicos, metabolismo energético é ca- grau de afinidade do átomo ou molécula pelos elétrons, tendo racterizado principalmente por reações de oxirredução, em que hidrogênio como referência. É medido em Volts e depende do a energia é liberada pela transferência de elétrons de átomos potencial de redução padrão e da atual concentração dos com menor eletronegatividade ou potencial de redução (que in- doadores e receptores de elétrons no meio. 0 E° de qualquer par dica grau de afinidade por elétrons) para outros com maior ele- redox conjugado (por exemplo, NAD+/NADH, O₂/ tronegatividade. Quanto maior a diferença de eletronegatividade entre outros) é medido conectando uma meia célula que entre doador e 0 receptor de elétrons, mais energia é liberada. contém 1 mol das espécies oxidadas e reduzidas do par redox, a Dos principais átomos que constituem a matéria orgânica, o oxi- pH 7, com outra contendo solução saturada com e 1 mol de68 Bioquímica dos Ruminantes Gilberto Vilmar Kozloski 69 H+ (referência). 0 E° tem valor positivo quando OS elétrons fluí- AG = ДН TAS rem da célula de referência para aquela contendo 0 par redox, e negativo quando fluxo for ao contrário. A força próton-motora, conservada na forma de gradien- AG = 673 (298 0,044) = 686 kcal/mol. tes eletroquímicos transmembrana, também pode ser converti- da em energia livre, a qual é calculada com base no gradiente de pH e elétrico da seguinte forma: Da mesma forma, a variação da entalpia da hidrólise do ATP é de, aproximadamente, 5 kcal/mol. No entanto, nas con- dições celulares, a variação da energia livre é sempre bem mais + alta que este valor, podendo alcançar 12 kcal/mol. No ambiente ruminal, a presença de oxigênio molecular é pH externo interno' praticamente nula e, desse modo, a oxidação dos substratos de- pende do oxigênio presente nas próprias moléculas. Em função em que Y é potencial elétrico medido em Volts. disso, a oxidação é incompleta, tornando rúmen um ambiente Nas reações de oxidação, a variação da energia livre de altamente reduzido (rico em moléculas passíveis de oxidação, Gibbs também pode ser calculada em função da variação da como os AGV e A variação da energia livre e a síntese de ATP entalpia (H) e da entropia (S), segundo a seguinte equação: no processo fermentativo anaeróbico ruminal são em torno de sete a dez vezes menores que na oxidação aeróbica de um subs- trato. A síntese de ATP ocorre através de fosforilação em nível de TAS. substrato e não em cadeias de transporte de elétrons. 0 número de sistemas de transporte de elétrons presentes na membrana A variação da entalpia dos processos catabólicos (i.e., celular das bactérias anaeróbicas é reduzido. Além disso, como oxidativos) é sempre negativa e alcança valores bem mais altos visto nas Figuras 1.29 e 1.30, as ATPases de membrana, nas se comparado à variação da entropia. De qualquer maneira, a bactérias ruminais, estão orientadas para a expulsão de prótons variação da entropia do sistema é sempre positiva nessas rea- da célula, dirigida pela hidrólise de ATP, e não inverso, como ções, de modo que a energia livre liberada é sempre mais alta ocorre com as ATPases do tipo presentes na cadeia respira- (mais negativa) que a variação da entalpia. Isto pode ser ilustra- tória mitocondrial das células eucarióticas. Independente disso, do avaliando a reação de oxidação total da glicose: ao longo do processo evolutivo dos sistemas biológicos terres- tres, as bactérias anaeróbicas foram selecionadas em função da presença de mecanismos eficientes de conservação da energia liberada pela fermentação, de modo que, muitas vezes, as taxas = -673 kcal/mol (medido em bomba calorimétrica) de crescimento dessas células são semelhantes às de bactérias BC UFRPE 0,044 kcal/mol (obtido de tabelas de termodinâmica) aeróbicas. De fato, tem sido demonstrado que, em muitas situ- T 298°K (25°C) ações, a limitação do crescimento bacteriano ruminal deve-se à deficiência de moléculas precursoras, como aminoácidos, por exemplo, e não à deficiência de ATP.70 Bioquímica dos Ruminantes Gilberto Vilmar Kozloski 71 Fontes de e N Fontes energéticas R-CH₃ Calor Fermentação Metano, AGV, Mais reduzido R-CHOH Mais oxidado Energia metabólica (ATP, gradientes eletroquímicos) R-COOH Transporte de nutrientes e Custo energético reações de polimerização Reações COO de mantença fúteis Figura 1.33 Graus de oxidação do carbono presente na matéria orgâ- nica. 0 estado mais reduzido do carbono é o metil, e mais oxidado, 0 dióxido de carbono. Quanto mais reduzida a molécula orgânica, maior Calor o potencial energético de oxidação. Ou seja, mais energia é liberada pela oxidação ("queima") em uma bomba calorimétrica ou ao longo da Matéria seca degradação intracelular. bacteriana Figura 1.32 Representação esquemática geral do fluxo de matéria 1.6.2 Metabolismo dos carboidratos e produção dos e energia ao longo do metabolismo bacteriano ruminal. Parte dos car- ácidos graxos voláteis boidratos e compostos nitrogenados que entram na célula é utilizada para síntese das estruturas bacterianas. No entanto, a maior parte é fermentada para produzir ATP e gradientes eletroquímicos em nível de Uma parte dos monossacarídeos que entram na célula membrana celular, constituindo uma energia potencial que é utilizada microbiana é utilizada em reações de síntese, principalmente em reações necessárias à manutenção e síntese celular. Parte da ener- de polímeros associados à parede celular. A maior parte deles, gia nas reações de síntese e toda a energia utilizada para mantença são no entanto, é fermentada pelas bactérias ruminais a AGV. As finalmente perdidas como calor. Muitas vezes, quantidades excessivas hexoses são metabolizadas principalmente pela rota glicolítica de substratos fermentáveis entram nas células e são degradadas. A energia potencial derivada deste excesso é liberada como calor em rea- de Embden-Meyerhof-Parnas (EMP) (Figura 1.34), considerada ções cíclicas consideradas fúteis para a célula bacteriana. a forma mais comum de conversão dessas moléculas a piruvato em todos os organismos vivos. Ao longo desta rota, a glicose é fosforilada, isomerizada a frutose, a qual é fosforilada nova- mente e clivada, dando origem a duas trioses-fosfato (duas mo- léculas de gliceraldeído-3-fosfato) Cada gliceraldeído-3-fosfato é, então, desidrogenado e desfosforilado em cinco etapas, até formar piruvato a partir do fosfoenolpiruvato. Nesse processo,72 Bioquímica dos Ruminantes Gilberto Vilmar Kozloski 73 dois ATPs são consumidos na fase inicial, de fosforilação das he- Manose Frutose Glicose Galactose xoses, e quatro ATPs são formados durante a oxidação das trio- ATP ATP ATP Hexoquinase A frutose entra na rota glicolítica como A ADP ADP ADP Manose-6-fosfato Glicose-6-fosfato Galactose-6-fosfato galactose e manose são fosforiladas e previamente convertidas à glicose-6-fosfato e frutose-6-fosfato, respectivamente, antes de Isomerase entrar na rota glicolítica. Frutose-6-fosfato As pentoses também são fosforiladas (com gasto de um ATP Fosfofrutoquinase ATP) ao entrar na célula, formando Aproxima- ADP damente 25% das pentoses fosfatadas são clivadas por uma Frutose-1,6-difosfato fosfocetolase, produzindo acetil-fosfato e gliceraldeído-3-fosfato (Figura 1.35). A maior parte, no entanto (cerca de 75%), é con- Dihidroxiacetona Gliceraldeído-3-fosfato fosfato Pi vertida para frutose-6-fosfato e gliceraldeído-3-fosfato através Desidrogenase da via não-oxidativa do ciclo das pentoses (Figura 1.36). ren- NADH dimento de ATP, para a bactéria, é superior se as pentoses são 1,3-Difosfoglicerato oxidadas por esta última via do que pela via da ADP Os ácidos urônicos, resultantes da degradação da pecti- Quinase ATP na, são metabolizados em reações que seguem a rota de Entner- 3-Fosfoglicerato Doudoroff de metabolismo da glicose (i.e., via 6-fosfogliconato), Mutase mas com algumas reações e intermediários diferentes. Os ácidos urônicos insaturados (4-desoxi-5-cetouronato) são metaboliza- 2-Fosfoglicerato Enolase dos por uma via que tem como intermediário um dicetouronato H2O (Figura 1.37) enquanto metabolismo do ácido galacturônico é Fosfoenolpiruvato via tagauronato (Figura 1.38). Por essas vias, ácidos urônicos ADP Piruvato Quinase são fosfatados somente uma vez e, posteriormente, são cliva- ATP dos, gerando duas trioses, sendo uma fosfatada (gliceraldeído- Piruvato 3-P) e outra não (piruvato). 0 piruvato é intermediário comum do catabolismo dos Figura 1.34 Glicólise via (EMP). carboidratos pelas bactérias ruminais. A partir do piruvato, no entanto, várias rotas diferentes podem ser utilizadas até a for- mação dos ácidos graxos voláteis (AGV), que são os produtos piruvato pode ser metabolizado para produtos mais finais da fermentação, sendo 0 acetato, propionato e butirato oxidados, como o acetato e butirato, ou para outros mais re- mais importantes. A ramificação das rotas metabólicas no duzidos, como 0 propionato e lactato (Figura 1.39). Na Tabela BC UFRPE processo fermentativo ruminal permite uma maior flexibilidade 1.4, é apresentado 0 balanço de ATP e equivalentes de redução e maior capacidade de adaptação das bactérias às variações (NADH), resultantes do metabolismo da glicose pela via EMP do ambiente ruminal e, portanto, melhores condições para sua em função do produto final. A proporção com que cada um dos sobrevivência, como será visto mais adiante. AGV e lactato é produzido depende da espécie bacteriana, que pode ser especializada em produzir um tipo ou outro e, princi- palmente, da concentração de NADH e H2 na célula. As espécies74 Bioquímica dos Ruminantes Gilberto Vilmar Kozloski 75 bacterianas predominantes e a disponibilidade de NADH e CHO COO por sua vez, dependem do tipo da dieta ingerida pelo animal. O efeito da dieta sobre a estequiometria da fermentação ruminal Redutase será descrito mais adiante. HOCH Isomerase NADH Pentoses (ribose, arabinose, xilose, xilulose...) Membrana celular bacteriana CH2OH CH2OH ATP (4-desoxi-5-cetohexouronato) (3-desoxi-2,5-uronato) (2-ceto-3-desoxigliconato) Quinase ADP ATP Quinase Pentose-5-P ADP Fosfocetolase Pi Gliceraldeído-3-P Acetil-P (piruvato) Aldolase + Figura 1.35 Metabolismo das pentoses pela via da CHO (2-ceto-3-deoxi-6-fosfogliconato) Ribose -5-P Sedoeptulose-7-P (gliceraldeído-3-fosfato) Frutose-6-P (5C) (7C) (6C) Figura 1.37 Metabolismo dos ácidos urônicos pela rota Entner-Dou- Xilulose-5-P Gliceraldeído-3-P doroff (via dicetouronato). Eritrose-4-P Frutose-6-P (5C) (3C) (4C) (6C) O gás é produzido pela oxidação do NADH numa rea- ção catalisada por uma desidrogenase e mediada por uma ferre- Xilulose-5-P Gliceraldeído-3-P doxina presente na membrana bacteriana: (5C) (3C) NADH + H+ NAD+ + H2. Figura 1.36 Metabolismo das pentoses pela via não-oxidativa do Ci- clo das Pentoses. Três pentoses fosforiladas vão originar duas hexoses e uma triose, também fosforiladas.76 Bioquímica dos Ruminantes Gilberto Vilmar Kozloski 77 CHO HCOH qual se acumula e dirige 0 metabolismo para a síntese de HOCH produtos mais reduzidos. A retirada de do meio ruminal, no HOCH Redutase Isomerase HOCH NADH HCOH entanto, depende da atividade das bactérias metanógenas que HOCH utilizam para reduzir metano. Quanto mais é retirado do HOCH HCOH meio, maior proporção do NADH é convertida a e maior é HCOH HCOH rendimento de acetato e de ATP por mol de açúcar fermentado. Ao contrário, se não fosse "drenado" pelas metanógenas, (galacturonato) (tagauronato) ele iria se acumular no meio ruminal, impedindo a reoxidação (altronato) do NADH e, desse modo, impedindo também a continuidade do Desidratase catabolismo intracelular. A conseqüência seria a morte bacteria- na e cessamento da fermentação ruminal. COO C=0 Quinase Tabela 1.4 Reações enzimáticas e balanço de ATP e de equivalentes ADP ATP de redução (2H) da fermentação de glicose a ácidos graxos voláteis ou HOCH lactato pelas bactérias ruminais HCOH Produto final HCOH Enzima Acetato Butirato Propionato* Lactato Balanço de ATP: (2-ceto-3-desoxigliconato Glicoquinase -1 -1 -1 -1 Fosfofrutoquinase -1 -1 -1 -1 Aldolase Glicerato quinase 2 2 2 2 COO Piruvato quinase CHO 2 2 2 2 Acetato quinase 2 HCOH Fumarato redutase 2 Butirato quinase 1 CH₃ Total (ATP) 4 3 4 2 (piruvato) (gliceraldeído-3-fosfato) Balanço de equivalentes de redução (2H ou NADH): Gliceraldeído 3-P 2 2 desidrogenase 2 2 Figura 1.38 Metabolismo do ácido galacturônico pela rota Entner- Lactato desidrogenase -2 Doudoroff (via tagauronato). Piruvato oxiredutase 2 2 Malato desidrogenase -2 As ferredoxinas são pequenas proteínas que contêm agre- Fumarato redutase -2 gados ferro-enxofre, os quais podem receber ou fornecer elé- B-OH-butirato desidrogenase -1 Butiril-SCoA desidrogenase -1 trons e mudar o estado de oxidação dos átomos de ferro (Fe²⁺ Total (2H) 4 2 -2 ou Fe³⁺). Dessa forma, as ferredoxinas atuam como carreadores de elétrons nas reações redox biológicas. 0 aumento na concen- * Foi considerado, neste caso, que piruvato foi metabolizado pela via do succinato. Pela via do acrilato, balanço de ATP reduz para 2. tração de na célula desfavorece a desidrogenação do NADH,78 Bioquímica dos Ruminantes Gilberto Vilmar Kozloski 79 monossacarídeo (piruvato) NADH Fdred H2 CH, piruvato HSCoA NADH NADH Oxiredutase NADH produtos mais oxidados SCoA produtos mais reduzidos (i. e. acetato ou butirato) (i. e. propionato, succinato e lactato) (acetil-SCoA) Figura 1.39 Ramificações da fermentação bacteriana ruminal. A de- gradação dos monossacarídeos até piruvato resulta na produção de NADH, qual pode ser oxidado por ferredoxinas oxidadas ou utilizado para síntese de moléculas mais reduzidas a partir do piruvato. ser Pi As ferredoxinas reduzidas por sua vez, transferem seus elétrons HSCoA Fosfotransacetilase para prótons, originando gás então, sai das células bacte- rianas para 0 fluido ruminal e é utilizado pelas bactérias metanógenas como fonte de ATP, produzido na reação de redução do dióxido de bono a metano. A oxidação de piruvato a acetato também envolve car- a (acetil-fosfato) participação de ferredoxinas e a síntese de CH₃ ADP Acetato Quinase ATP A formação de acetato a partir de piruvato, na fermenta- ção ruminal, é apresentada na Figura 1.40. Inicialmente a mo- lécula de piruvato é degradada para e acetil-SCoA, sendo (acetato) a reação catalisada por uma oxiredutase e a transferência de CH₃ elétrons mediada por uma ferredoxina. A seguir, a coenzima-A é Figura 1.40 Formação de acetato pelas bactérias ruminais. HSCoA= substituída por um grupo fosfato, formando acetil-fosfato e, na coenzima-A; Pi = fosfato inorgânico. última fase, é liberado acetato e ATP. Dos produtos da fermen- BC UFRPE tação ruminal, o acetato é 0 mais oxidado e sua formação resul- Propionato ta em máximo rendimento de ATP para a bactéria. A oxidação completa de uma molécula de glicose para acetato resulta na propionato pode ser formado por duas rotas diferentes: formação líquida de dois acetatos e quatro moléculas de ATP. a do succinato ou do acrilato. No primeiro caso (Figura 1.41), 0 fosfoenolpiruvato é convertido a piruvato por uma piruvato quinase, com produção de uma molécula de ATP. piruvato80 Bioquímica dos Ruminantes Gilberto Vilmar Kozloski 81 é, então, convertido a malato, com gasto de um ATP, por uma destaca-se entre as demais por utilizar principalmente esta rota ou outra forma: diretamente pela ação da enzima málica ou para metabolizar lactato a propionato. indiretamente tendo oxaloacetato como intermediário. Neste úl- timo caso, o piruvato é carboxilado a oxaloacetato pela piruvato carboxilase, e 0 oxloacetato é reduzido a malato pela malato desidrogenase. Alternativamente, em vez de originar piruvato, (fosfoenolpiruvato) fosfoenolpiruvato pode ser convertido diretamente a oxaloaceta- metilmalonil-SCoA Piruvato Transcarboxilase Quinase to pela ação de uma transcarboxilase, tendo metilmalonil-SCoA ADP propionil-SCoA como o doador do grupo carboxila. malato é convertido, en- ATP COO tão, a succinato por uma seqüência de reações catalisadas pelas Carboxilase (oxaloacetato) C=0 enzimas fumarase e fumarato redutase. Esta última enzima está ATP ADP CO2 associada a citocromos (proteínas carreadoras de elétrons que (piruvato) contêm átomos de ferro) na membrana celular e a redução do COO fumarato a succinato resulta na síntese de uma molécula de ATP. Malato desidrogenase A seguir, succinato é convertido a succinil-SCoA pela ação de uma HSCoA-transferase. Nesta reação, doador da CHOH CH Fumarase (fumarato) enzima é propionil-SCoA e é liberado propionato. Succinil-SCoA CH é, então, finalmente convertido a propionil-SCoA via metilma- H2O A maior parte das espécies bacterianas ruminais (malato) NADH ADP Fumarato redutase produz succinato, mas poucas espécies são hábeis a descarbo- NAD* ATP xilar succinato a propionil-SCoA via succinil-SCoA. Entre estas Transferase COO propionato propionil-SCoA últimas, destaca-se Streptococcus ruminantium. Outro aspecto Mutase (succinato) desta rota de síntese de propionato é que, na descarboxilação de metilmalonil-SCoA, catalisada pela metilmalonil-SCoA des- (metil- (succinil-SCoA) SCoA malonil-SCoA) C=0 COO carboxilase, está acoplado efluxo (saída) de um íon sódio da célula. Carboxilase SCoA SCoA Propionato também pode ser produzido via acrilato (Fi- Transferase gura 1.42). Por esta rota, o piruvato é inicialmente reduzido para lactato, qual se associa com a coenzima-A, formando succinato succinil-SCoA lactil-SCoA. A seguir, lactil-SCoA é desidratado, formando acrilil- (propionil-ScoA) (propionato) SCoA, que é reduzido, formando propionil-SCoA e, finalmente, propionato. A redução do acrilil-SCoA envolve uma cadeia de transporte de elétrons na membrana e ferredoxina. A formação Figura 1.41 Formação de propionato pelas bactérias ruminais (via de propionato por esta rota não resulta na síntese de ATP. En- succinato). tre as espécies bacterianas ruminais, a Megasphaera elsdenni82 Bioquímica dos Ruminantes Gilberto Vilmar Kozloski 83 HSCoA mente reduzido, desidratado e reduzido novamente para formar CHOH butiril-SCoA. grupo SCoA é substituído, então, por um grupo (lactato) fosfato, originando butiril-fosfato, qual é desfosforilado, libe- CH₃ NADH CO2 CH₃ rando butirato. Um ATP é formado nesta última reação. (piruvato) Oxiredutase acetil-SCoA HSCoA Transferase acetato (acetil-SCoA) CH₃ SCoA NADH SCoA CH₃ CO2 Acetil-SCoA Oxiredutase Tiolase (piruvato) HSCoA Desidratase (lactil-SCoA) CH CHOH SCoA SCoA CH₃ (acrilil-SCoA) Desidrogenase (acetoacetil-SCoA) NADH Oxiredutase NADH CHOH CH₃ CH₃ SCoA Acetato Acetil-SCoA COO H2O Crotonase Transferase SCoA SCoA CH₃ CH₃ Transferase (propionil-SCoA) Pi (propionato) Redutase CH acrilato). Figura 1.42 Formação de propionato pelas bactérias ruminais (via NADH CH2 HSCoA CH Butirato (crotonil-ScoA) (butiril-ScoA) (butiril-fosfato) Muitas espécies fazem, mas existem algumas espécies ATP ADP bacterianas ruminais que são especialmente produtoras de buti- BC UFRPE COO rato, cuja formação, neste último caso, não é influenciada pela pressão de Entre essas espécies destaca-se a Butyrivibrio (butirato) fibrisolvens. A seqüência de reações para a síntese de butira- to na fermentação é apresentada na Figura 1.43. butirato é formado a partir da condensação inicial de duas moléculas de acetil-SCoA, formando acetoacetil-SCoA, 0 qual é seqüencial- Figura 1.43 Formação de butirato pelas bactérias ruminais.84 Bioquímica dos Ruminantes Gilberto Vilmar Kozloski 85 Lactato 1.6.3 Metabolismo dos compostos nitrogenados 0 ácido láctico não é um AGV, mas é um importante produto da fermentação bacteriana ruminal, principalmente Amônia quando a dieta tem alta proporção de carboidratos não-fibrosos (amido e açúcares). Estes carboidratos têm alta taxa de degra- Normalmente, a maior parte do nitrogênio consumido pe- dação, que resulta em alta disponibilidade de hexoses para as los animais é convertida em amônia pelas bactérias ruminais. bactérias. Nessas condições, grande proporção do piruvato é De outro modo, cerca de 40 a 100% do nitrogênio bacteriano reduzida por uma desidrogenase a lactato, para permitir maior é derivado da amônia. Embora a maioria das espécies bacteria- taxa de reciclagem de NADH para NAD+ (Figura 1.44). A prin- nas ruminais (mais de 90%) possam utilizar amônia para sín- cipal espécie bacteriana produtora de lactato é Streptococus tese de seus compostos nitrogenados, para uma parte destas, bovis, a qual é relativamente mais resistente à acidose ruminal particularmente aquelas que degradam carboidratos fibrosos que as demais bactérias ruminais. 0 lactato é um ácido mais (cerca de 25% das espécies), a amônia é essencial para seu forte (pK = 3,1) que demais AGV (pK 4,8) e sua acumu- crescimento. lação no rúmen está associada à uma disfunção digestiva e me- Como visto anteriormente, a amônia tem um pK relativa- tabólica (acidose). Os dois isômeros de lactato são sintetizados mente bem mais alto (9,5) que os valores de pH normalmente (D e L). isômero D é metabolizado mais lentamente que L, encontrados no rúmen (entre 6-7). Desse modo, a maior par- tanto pelas bactérias ruminais quanto pelos tecidos do animal, te desta molécula encontra-se ionizada no ambiente ruminal, e, por isso, é considerado mais tóxico. Em condições normais como íon amônio: de pH, predomina a produção do isômero L (aproximadamente 80%) enquanto a valores de pH abaixo de 5 passa a predominar ionizado não-ionizado a produção do isômero D. Nesta situação, crescimento da Me- (amônio) (amônia) gasphaera elsdenii, principal espécie bacteriana que metaboliza NH3 + H+ lactato, está inibido. A menos que seja especificado, termo amônia é usa- do neste livro com caráter geral e representa a soma das duas Lactato desidrogenase C=0 formas: ionizada e não-ionizada. A concentração de amônia no OHCH ou CHOH fluido ruminal varia de menos de 1mM a valores próximos a NADH 40mM. íon amônio não consegue atravessar a membrana ce- CH₃ (piruvato) lular livremente, mas estudos in vitro têm demonstrado que (L-lactato) (D-lactato) gradiente de concentração de amônia entre fluido ruminal e 0 meio intracelular é geralmente baixo. Isso indica que esta mo- lécula é transportada para interior da célula bacteriana predo- ruminais. Figura 1.44 Formação dos isômeros L e D-lactato pelas bactérias minantemente por mecanismos de difusão passiva ou facilitada, envolvendo alguma proteína transportadora de membrana neste último caso. Nas condições dietéticas que resultem em altas concentrações de amônia no fluido ruminal sem queda do pH,86 87 Bioquímica dos Ruminantes Gilberto Vilmar Kozloski o transporte passivo da fração dissociada (não-ionizada) pode COO Glutamina sintetase ser significativo. H H ATP ADP A amônia que entra na célula bacteriana pode ser capta- da em reações catalisadas por várias enzimas diferentes, depen- dendo da sua concentração na célula. sistema enzimático de maior afinidade (Km = 0,2 a 1,8mM) é a glutamina sintetase- C=H glutamato sintase (Figura 1.45), cuja atividade é predominante NH2 quando as concentrações de amônia no fluido ruminal são bai- (glutamato) (glutamina) xas. Por este sistema, a amônia é inicialmente incorporada como grupo amida da glutamina pela glutamina sintetase, utilizando COO glutamato como substrato e gastando uma molécula de ATP: - H Glutamato sintase CH2 Glutamato + + ATP + Glutamina + ADP + Pi + + NADPH NADP* A seguir, o grupo amida da glutamina é transferido para COO C=H α-cetoglutarato, formando glutamato, numa reação catalisada pela glutamato sintase: NH2 (glutamato) (glutamato) (glutamina) Glutamina + α-cetoglutarato + NADPH + H+ 2 Glutamato + NADP+ Figura 1.45 Captação de amônia pelas bactérias ruminais, utilizando Na maior parte das situações dietéticas, contudo, predo- sistema glutamina sintetase-glutamato sintase. mina a atividade de sistemas de captação de amônia de menor afinidade. Entre estes, destaca-se a glutamato desidrogenase dependente de NADH (Km = 20 a 33 mM) ou dependente de Glutamato desidrogenase H2O NADPH (Km = 1,8 a 1mM). Na reação catalisada pela gluta- H mato desidrogenase (Figura 1.46), a amônia é captada através da síntese de glutamato a partir de α-cetoglutarato: CH2 NADH (NADPH) α-cetoglutarato + + NADH + H+ COO Glutamato + + COO (glutamato) Além da transferência de seu grupo amida para α-ceto- glutarato, a glutamina também é a fornecedora deste grupamen- to para a síntese das bases nitrogenadas (purinas e pirimidinas) e dos aminoácidos triptofano e histidina. glutamato, por sua Figura 1.46 Captação de amônia pelas bactérias ruminais, utilizando vez, participa como doador do seu grupo amino em reações sistema glutamato desidrogenase. de transaminação para a síntese dos demais aminoácidos bac- terianos.88 Bioquímica dos Ruminantes Gilberto Vilmar Kozloski 89 Aminoácidos, peptídeos e bases nitrogenadas Peptídeos Bases nitrogenadas CHO Um esquema geral das possíveis rotas do metabolismo dos peptídios, aminoácidos e bases nitrogenadas pelas bactérias ruminais é apresentado esquematicamente na Figura 1.47. Ao Aminoácidos entrar na célula bacteriana, peptídeos são imediatamente hi- drolisados. destino dos aminoácidos livres na célula depende de vários aspectos, incluindo espécie bacteriana, taxa de cresci- a-cetoácido AGV mento, disponibilidade de substratos energéticos e perfil de ami- noácidos disponíveis. Numa condição de alta disponibilidade de substratos energéticos, por exemplo, as espécies bacterianas que Proteína microbiana Ácidos nucléicos degradam carboidratos não-fibrosos têm alta taxa de crescimen- to e podem incorporar quantidades significativas de aminoácidos Figura 1.47 Metabolismo dos compostos nitrogenados pelas bacté- em suas proteínas. Já as bactérias que degradam carboidratos rias ruminais. CHO= esqueletos de carbono derivados de carboidratos; fibrosos não são hábeis para utilizar aminoácidos pré-formados. AGV= ácidos graxos voláteis. A maior parte das espécies bacterianas, adicionalmente, tem baixa capacidade desaminativa e, deste modo, raramente usam De particular importância é catabolismo dos aminoá- aminoácidos como fonte de energia. Algumas poucas espécies, cidos de cadeia ramificada valina, leucina e isoleucina e sua no entanto, têm alta capacidade desaminativa, são capazes de conversão aos ácidos graxos de cadeia ramificada (AGVR) iso- crescer usando aminoácidos como fonte de energia e são as butirato, isovalerato e 2-metilbutirato, respectivamente. Estes principais produtoras de amônia no rúmen (por exemplo, Pep- ácidos graxos são produzidos e liberados para fluido ruminal, tostreptococci sp. e Clostridium sp.). Entre tipos de amino- principalmente pelas bactérias com alta atividade desaminativa, ácidos, os hidrofílicos (como arginina e treonina) são mais e são substratos essenciais para crescimento das bactérias prontamente degradados, enquanto lisina, fenilalanina, leucina que degradam os carboidratos fibrosos. Foi observado que a e isoleucina têm taxas de degradação intermediária, e valina e inibição da produção de metano inibe a produção dos AGVR. metionina são mais lentamente degradados (mais hidrofóbicos). Isso ocorre porque, nesta situação, 0 gás acumula no meio As rotas metabólicas da fermentação dos aminoácidos não são ruminal, diminui a taxa de reoxidação do NADH e aumenta a conhecidas com detalhes, mas incluem transaminases, desami- relação NADH/NAD+ no meio intracelular. Os aminoácidos de nases, transferases, oxiredutases, desidratases, carboxilases e cadeia ramificada são moléculas relativamente mais reduzidas desidrogenases. Em geral, as reações de degradação convergem que os demais aminoácidos, e sua degradação depende da dis- para piruvato, acetil-SCoA ou algum intermediário do Ciclo de ponibilidade de (Figura 1.49). BC Krebs (Figura 1.48). 0 rendimento em ATP é bem mais baixo As bactérias ruminais sintetizam a maior parte de suas que a fermentação de açúcares. Por exemplo, a fermentação de proteínas. Para tal, utiliza, principalmente, aminoácidos sinte- um mol de leucina ou glutamato resulta, respectivamente, na tizados "de novo" a partir de amônia e α-cetoácidos. As rotas formação de 0,33 e 1,50 mol de ATP. biossintéticas são variáveis e os aminoácidos podem ser divi- didos em grupos, conforme a fonte de carbono utilizado para sua síntese: grupo do glutamato (glutamato, glutamina, prolina90 Bioquímica dos Ruminantes Gilberto Vilmar Kozloski 91 e arginina), da serina (serina, glicina e cisteína), do asparta- As bases nitrogenadas provenientes da dieta, por sua vez, to (asparagina, lisina, metionina, treonina e isoleucina), do pi- são utilizadas em uma parte para síntese dos ácidos nucléicos ruvato (alanina, isoleucina, leucina e valina), dos aromáticos das bactérias, enquanto a maior parte é fermentada a AGV, (fenilalanina, tirosina e triptofano) e a histidina. Com algumas e amônia. 0 conteúdo de nitrogênio das bactérias ruminais varia exceções (histidina e os aminoácidos aromáticos), a maior parte em torno de 10% (base matéria seca). Destes, cerca de 75% es- das cadeias de carbono utilizadas para síntese dos aminoácidos tão presentes em aminoácidos e 25%, nas bases nitrogenadas. é proveniente de intermediários da rota glicolítica (EMP) ou do Ciclo de Krebs. É preciso salientar, no entanto, que a funciona- 2NAD 2NADH lidade deste ciclo é bem menor nas bactérias anaeróbicas que CH CH + + nas aeróbicas e, desse modo, muitas vezes, a disponibilidade CH dos precursores pode ser limitante à biossíntese de aminoácidos pelas bactérias ruminais. (valina) (isobutirato) Leucina Arginina Lisina Glutamina Glutamato Fenilalanina Histidina Prolina 2NAD 2NADH Tritofano Tirosina CH + + Isoleucina α-Cetoglutarato Isocitrato Metionina Treonina CH Valina CH Aetoacetil-SCoA Citrato Succinil-SCoA Acetil-SCoA (leucina) (isovalerato) Succinato Oxaloacetato Fumarato 2NAD 2NADH Malato Isoleucina Piruvato Leucina CH CH₂ + + Triptofano CH CH₂ Alanina Asparagina Fenilalanina Cisteína Aspartato Tirosina Glicina Serina Triptofano CH₃ (isoleucina) (2- metilbutirato) Figura 1.48 Esquema geral resumido da degradação dos aminoáci- BC-UFRPE Figura 1.49 Formação dos ácidos graxos voláteis de cadeia rami- dos pelas bactérias ruminais. As setas largas claras indicam os produ- tos originados pela degradação dos diferentes grupos de aminoácidos. ficada a partir dos aminoácidos de cadeia ramificada pelas bactérias ruminais. Neste processo, NAD+ é reduzido à NADH, mas as reações e As setas estreitas pontilhadas indicam as reações convencionais do Ci- enzimas envolvidas neste processo de desaminação e descarboxilação clo de Krebs, e as setas estreitas cheias indicam a direção das reações oxidativa não são claramente conhecidas. É provável, no entanto, que que são mais prováveis ocorrerem nas bactérias ruminais. Neste caso, inclua a participação de α-cetoglutarato e glutamato em reações de os principais produtos finais serão acetato, a partir de acetil-SCoA, e propionato a partir de succinil-SCoA. transaminação e desaminação.92 Bioquímica dos Ruminantes Gilberto Vilmar Kozloski 93 1.6.4 Integração do metabolismo bacteriano ruminal sim, por exemplo: a) não há necessidade de incluir vitaminas do grupo na dieta dos ruminantes, mas nem todas as espécies 0 ecossistema ruminal é caracterizado pela existência de bacterianas ruminais são capazes de sintetizar essas vitaminas; relações de competição e de interdependência entre as diversas b) devido à falta de sistemas de transporte de membrana para espécies bacterianas que 0 habitam. Somente algumas raras es- pentoses, algumas espécies bacterianas, que participam da de- pécies bacterianas sobrevivem no rúmen independentemente e gradação de hemicelulose e pectina, não são hábeis para captar sem afetar 0 metabolismo de outras. e metabolizar os produtos dessa degradação, os quais são utili- A sobrevivência de muitas espécies bacterianas ruminais zados por outras bactérias; c) bactérias celulolíticas liberam ce- está associada à sua capacidade de competir por substratos pre- lodextrinas, que são utilizadas por espécies não-celulolíticas; d) sentes em quantidades limitantes no meio ruminal e à síntese de bactérias amilolíticas liberam maltodextrinas, que são utilizadas substâncias que inibem crescimento de outras espécies. Um por espécies celulolíticas; e) ácidos graxos de cadeia ramificada mecanismo importante de competição pelos substratos é repre- e amônia, produzidos por espécies aminolíticas, são substra- sentado pelo processo de aderência, colonização e formação dos tos essenciais para 0 crescimento de espécies celulolíticas; e f) biofilmes na superfície das partículas de alimento, criando um 0 succinato liberado por algumas espécies é utilizado para a microambiente onde os produtos da hidrólise extracelular dos síntese de propionato por outras (principalmente Selenomonas carboidratos e proteínas ficam indisponíveis às demais bactérias ruminantium). que não fazem parte do biofilme. A competição também ocorre pela presença de sistemas de transporte de membrana com di- Várias espécies bacterianas ferentes graus de afinidade pelos substratos. Além disso, muitas espécies bacterianas são capazes de sintetizar e liberar molécu- monossacarídeos las solúveis de natureza protéica que inibem 0 crescimento de outras espécies: as bacteriocinas. As bacteriocinas geralmente H2 succinato têm espectro de ação muito estreito, de modo que sua toxicida- de se restringe a espécies bacterianas que têm estreita relação com a espécie produtora desta substância. A maior parte dos estudos e do conhecimento existente sobre essas substâncias envolve coli e algumas bactérias lácticas. Já foram encon- tradas várias evidências da produção dessas substâncias por bactérias ruminais (por exemplo, por S. bovis e R. albus), mas Selenomonas Metanógenas esses estudos ainda são incipientes e pouco é conhecido até ruminantium succinato momento sobre essas substâncias no ambiente ruminal. A relação de interdependência entre diferentes grupos BC BC-UFRPE propionato metano bacterianos, de outra forma, resulta na otimização do uso dos substratos presentes no meio. Nessa relação, produto da de- gradação ou fermentação de um substrato por um grupo de Figura 1.50 Representação esquemática da interação entre espécies bactérias pode servir como substrato para outro(s) grupo(s). As produtoras de succinato e Selenomonas ruminantium que metaboliza Figuras 1.50 e 1.51 ilustram algumas dessas interações. As- succinato a propionato, e entre as produtoras de gás hidrogênio e me- tanógenas.94 Bioquímica dos Ruminantes Gilberto Vilmar Kozloski 95 tese de uma molécula de ATP (AG = considerando Bactérias proteolíticas concentração ruminal de de, aproximadamente, ADP ATP proteínas peptídios aminoácidos Bactérias aminolíticas peptídios + 4H2 + aminoácidos AGCR Essa reação é particularmente importante para a fermen- tação ruminal porque, como visto anteriormente, os produtos da fermentação ruminal são dependentes, entre outros, da pres- Celulose Bactérias fibrolíticas hemicelulose são de conseqüentemente, da concentração de NADH nas NH3 AGV células bacterianas. Qualquer fator que iniba a atividade das AGCR metanógenas, como uso de ionóforos, por exemplo, modula a maltodextrinas aa fermentação ruminal no sentido do aumento da síntese de pro- celodextrinas oligoxilanas pionato devido ao acúmulo de NADH nas bactérias. Bactérias amilolíticas maltodextrinas celodextrinas 1.6.5 Estequiometria e regulação do metabolismo oligoxilanas bacteriano ruminal amido AGV Quimicamente, a estequiometria da conversão de um mol de glicose para um dos ácidos graxos voláteis ou lactato é a Figura 1.51 Representação esquemática de algumas interações meta- seguinte: bólicas entre espécies bacterianas ruminais. Bactérias aminolíticas utili- zam aminoácidos liberados no fluido ruminal pela atividade de espécies proteolíticas e produzem amônia e ácidos graxos voláteis de cadeia ra- Glicose 2 acetato + 2 + -251 kcal/mol) mificada (AGVCR), que são substratos fundamentais para as bactérias Glicose butirato + 2 + = -118 kcal/mol) que degradam a fibra. Adicionalmente, as bactérias fibrolíticas podem Glicose + -> 2 propionato = + 60 kcal/mol) utilizar produtos da hidrólise extracelular do amido, assim como as Glicose 2 lactato = -16 kcal/mol) amilolíticas podem utilizar os produtos da degradação da fibra. Observa-se, pelas equações acima, que a variação da en- talpia das reações é tanto mais negativa quanto mais oxidados Outro exemplo importante de interdependência entre as forem os produtos da fermentação. A variação da entalpia, para bactérias ruminais está associado às metanógenas. Essas bacté- formação de duas moléculas de propionato, é positiva e, em fun- rias utilizam gás como fonte de energia. Nessa reação, ção disso, não ocorre em condições naturais. No rúmen, a for- é reduzido a metano, e a variação da energia livre permite a sín-96 Bioquímica dos Ruminantes Gilberto Vilmar Kozloski 97 mação dos produtos da fermentação das hexoses é interdepen- 75% de acetato, 15 a 45% de propionato e 11 a 13% de butira- dente e representa a soma das seguintes reações individuais: to. Ácidos graxos voláteis de cadeia maior e/ou ramificados (i.e., valerato, isobutirato, isovalerato e 2-metilbutirato) representam Glicose 1,33 propionato + 0,67 acetato + (1) usualmente menos que 5% do total. Para exemplificar, alguns Glicose propionato + acetato valores estequiométricos são apresentados a seguir, para duas situações alimentares diferentes: Glicose 2 acetato + + (2) a) Dieta à base de forragem (volumoso): Glicose butirato + + (3) + 1,5CO₂ 1 hexose 1,34 acetato + 0,45 propionato + 0,11 butirato (4) + 0,61 mol 1,75CH₄ + (4a) b) Dieta à base de grãos (concentrado): A equação 2, que resulta na produção de acetato, é alta- 1 hexose 0,90 acetato + 0,70 propionato + 0,20 butirato mente dependente da equação 4 ou 4a, ou seja, a produção de + 0,38 mol acetato depende da retirada de H₂ do ambiente ruminal. A estequiometria geral da fermentação das hexoses no A fermentação ruminal também pode ser analisada rúmen vai depender das taxas com que cada uma das reações do ponto de vista de sua eficiência energética para a bacté- vai ocorrer. Por exemplo, fazendo a simples soma das diferentes ria. Por exemplo, tomando como exemplo a estequiometria reações tem-se: descrita a seguir, a qual é típica da fermentação da glicose: a) Somando 57,5 glicose 65 acetato + 20 propionato + 15 butirato+ + + 3 Glicose 1,33 propionato + 2,67 acetato + butirato + + + Considerando, ainda, as seguintes variações da entalpia de oxidação: b) Somando la + 2 4a: glicose = -677 kcal/mol; 3 Glicose acetato = -210 kcal/mol; propionato + 3 acetato + butirato + + + propionato = -367 kcal/mol; butirato = -524 kcal/mol; A taxa com que cada uma das reações vai ocorrer de- = -210 kcal/mol. BC UFRPE pende do tipo de dieta e das populações microbianas predomi- nantes no rúmen. No entanto, o acetato sempre vai ser o ácido Deduz-se da equação acima que em torno de 73% da graxo volátil produzido em maior quantidade, e a produção de energia de oxidação da glicose é liberada como AGV e 18% metano vai ser diretamente proporcional à produção de acetato. como metano. O restante (menos de 10%) corresponde à ener- As proporções molares normalmente produzidas são de 45 a gia conservada na forma de ATP, na geração de gradientes eletro- químicos ao nível da membrana celular bacteriana e em energia98 Bioquímica dos Ruminantes Gilberto Vilmar Kozloski 99 liberada como calor ao longo das reações catabólicas. A energia conservada também será, em grande parte, liberada como ca- concentração intracelular de frutose-1,6-difosfato e da diminui- lor quando ATPs forem utilizados (hidrolisados) e quando os ção do pH intracelular, os quais ativam a enzima lactato desi- íons entrarem na célula bacteriana a favor de um gradiente. drogenase. Nessas condições, mesmo que a produção de ATP Somente uma fração muito pequena da energia da glicose fica por açúcar fermentado diminua (a fermentação de piruvato até armazenada nas reações de síntese de macromoléculas estru- ácidos graxos voláteis, em vez de lactato, resultaria em maior turais. Dessa análise, é possível deduzir também que padrões produção de ATP), a produção de ATP por unidade de tempo fermentativos que resultem em aumento da oferta de energia aumenta, uma vez que grandes quantidades de açúcares estão para as bactérias diminuem a oferta de substratos energéticos disponíveis e são metabolizadas pelas células bacterianas. Como visto anteriormente, as bactérias não têm mecanis- ao animal. Se substrato for fermentado, preferencialmente na direção da produção de acetato, maior proporção da energia do mos eficientes para controlar a entrada de substratos na célula. substrato é disponibilizada para a bactéria, assim como maior De outro modo, tem sido demonstrado que tanto as taxas de crescimento quanto as de síntese de componentes estruturais proporção é perdida como metano. De outra forma, se a relação das células bacterianas são limitadas mais pela disponibilidade acetato/propionato diminuir, maior proporção da energia original do substrato é absorvida pelo animal como ácido graxo volátil. de moléculas precursoras do que pela disponibilidade de ATP. Desse modo, quando as concentrações de substratos energé- O rendimento de ATP, para as bactérias, pela fermentação de um mol de um açúcar, varia com produtos da fermenta- ticos estão em excesso à capacidade bacteriana de captar a ção. A quantidade líquida de ATP produzida em rotas metabóli- energia em reações de síntese, 0 metabolismo é dirigido tanto no sentido de diminuir a produção quanto no de aumentar cas específicas da fermentação é relativamente bem conhecida, embora não totalmente. Pode atingir um valor máximo de quatro gasto de ATP em reações denominadas "fúteis". moléculas de ATP quando açúcar é fermentado totalmente até A diminuição da produção de ATP ocorre, num primeiro acetato e tende a diminuir com a formação de propionato, buti- momento, pela formação de moléculas mais reduzidas como rato ou lactato. No entanto, nas condições ruminais, devido às produto final da fermentação, ou seja, propionato e lactato. interações metabólicas existentes entre as espécies bacterianas Além disso, a síntese de propionato passa a ocorrer em grande e também das diferentes rotas metabólicas que podem estar proporção pela via do acrilato, a qual não envolve produção de ATP. De outra forma, parte dos açúcares que entram na célula, ocorrendo simultaneamente numa mesma ou em diferentes cé- lulas, a estimativa do rendimento de ATP durante a fermentação em vez de ser fermentada, é novamente expulsa da célula ou se torna difícil e pouco precisa. utilizada na síntese de polissacarídeos de reserva. A expulsão De qualquer maneira, foi observado que metabolismo de açúcares tem sido observada principalmente em bactérias bacteriano parece ser dirigido pela produção de ATP por unidade fermentadoras de carboidratos estruturais, que sintetizam ce- de tempo, de modo que os produtos da fermentação nem sem- lotriose a partir de glicose e celobiose, a qual é liberada para o fluido ruminal e utilizada por outras espécies. Em condições de pre estão associados à máxima quantidade de energia capaz de ser obtida do substrato. Em função disso, quando a dieta do ru- alta disponibilidade de carboidratos fermentáveis, algumas bac- minante muda de uma à base de forragem para outra à base de térias são capazes de sintetizar polímeros de glicose α-ligados grãos de cereais, a taxa de fermentação aumenta, acompanhado (semelhante ao amido). Esses polissacarídeos de reserva podem constituir mais de 30% da matéria seca bacteriana. do aumento da produção de lactato. aumento da produção de lactato a partir do piruvato é conseqüência do aumento da A diminuição da síntese de ATP também ocorre pela fer- mentação de açúcares pela rota do metilglioxal, que é alter-