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Saúde e qualidade de vida do servidor penitenciário Conceitos Iniciais AULA 1: Processos históricos e a relação entre saúde e trabalho MÓDULO 1 Saúde e qualidade de vida do servidor penitenciário 2. MÓDULO 1: Conceitos iniciais AULA 1: processos históricos e a relação entre saúde e trabalho Sumário INTRODUÇÃO ______________________________________________________________________ 3 OBJETIVO DA AULA ________________________________________________________________ 5 RELAÇÃO ENTRE SAÚDE E TRABALHO: BREVE HISTÓRICO ____________________ 5 O SURGIMENTO DA MEDICINA DO TRABALHO ________________________________ 8 O SURGIMENTO DA SAÚDE OCUPACIONAL ____________________________________ 9 MEDICINA DO TRABALHO X SAÚDE OCUPACIONAL _________________________ 10 A MEDICINA DO TRABALHO E A SAÚDE OCUPACIONAL NO BRASIL _______ 11 CONCEITOS BÁSICOS SOBRE SAÚDE E TRABALHO ____________________________ 12 INTRODUÇÃO DA ERGONOMIA AO TRABALHO _______________________________ 14 PSICODINÂMICA NO TRABALHO _______________________________________________ 15 QUALIDADE DE VIDA NO TRABALHO __________________________________________ 16 SAÚDE INTEGRAL: FÍSICA E MENTAL E AS DIMENSÕES DO TRABALHO ____ 17 ENCERRAMENTO _________________________________________________________________ 20 REFERÊNCIAS _____________________________________________________________________ 22 FICHA TÉCNICA ___________________________________________________________________ 24 Saúde e qualidade de vida do servidor penitenciário 3. MÓDULO 1: Conceitos iniciais AULA 1: processos históricos e a relação entre saúde e trabalho INTRODUÇÃO Caro cursista, Boas-vindas ao curso “Saúde e qualidade de vida do servidor penitenciário”. Se você está aqui é porque se interessa por esse assunto, seja profissionalmente, seja pessoalmente. Independentemente do motivo, esperamos contribuir para o seu crescimento e aprofundamento na temática em questão. Antes de iniciar esta jornada, é importante contextualizar que esse curso faz parte de uma estratégia da Secretaria Nacional de Políticas Penais (Senappen), órgão vinculado ao Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP). Em 2019, a Política de Valorização do Servidor Penitenciário (Eixo – Saúde e Qualidade de Vida) foi inserida na Carteira de Políticas Públicas do MJSP. Dessa forma, a Senappen, em conjunto com as Unidades da Federação, especialmente as Secretarias Estaduais de Administração Penitenciária ou Instituições congêneres, deverá implementar medidas de proteção e promoção da saúde dos servidores penitenciários. Surge, então, a parceria com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), que, entre suas diversas atribuições, possui a expertise técnica de “promover a saúde e o desenvolvimento social, gerar e difundir conhecimento científico e tecnológico, ser um agente da cidadania” (Fiocruz, 2010). Isso posto, ao final de 2021, foi assinado o Termo de Execução Descentralizada (TED) entre a Senappen e a Fiocruz, com o objetivo de: I. organizar e implementar ações e projetos de valorização, promoção da saúde e qualidade de vida dos trabalhadores e gestores do sistema penitenciário, em âmbito nacional; II. desenvolver ações de educação, prevenção, promoção da saúde e qualidade de vida em unidades prisionais; III. ofertar subsídios para ações de promoção da saúde e qualidade de vida voltadas à comunidade carcerária. Entre as metas previstas pela parceria, encontra-se a qualificação da atuação de gestores e trabalhadores do sistema penitenciário, considerando que não é possível melhorar as condições de trabalho sem oportunizar ferramentas de qualificação e desenvolvimento pessoal e profissional a esses trabalhadores. O curso Saúde e Qualidade de Vida do Servidor Penitenciário está estruturado em três módulos sequenciais de 40 horas cada, totalizando uma carga horária de 120 horas. A cada módulo concluído com aproveitamento mínimo de 60%, você poderá obter o certificado das 40h correspondentes ao módulo cursado. Com a conclusão dos três módulos, será disponibilizado ao cursista o certificado com a carga horária total do curso, isto é, o certificado de 120 horas. Para que você possa conhecer o curso, apresentamos aqui, de forma resumida, a sua composição: Módulo 1 – Conceitos iniciais No primeiro módulo, serão apresentados os principais conceitos, as legislações e as iniciativas que versam sobre a saúde e qualidade de vida do trabalhador, relacionando-os com os dados referentes aos servidores penitenciários. Saúde e qualidade de vida do servidor penitenciário 4. MÓDULO 1: Conceitos iniciais AULA 1: processos históricos e a relação entre saúde e trabalho Este módulo é composto de quatro aulas com os seguintes temas: • Aula 1 – Processos históricos e a relação entre saúde e trabalho. • Aula 2 – Caracterização do sistema penitenciário e de seus servidores. • Aula 3 – Aspectos legais sobre a saúde dos servidores penitenciários. • Aula 4 – Estratégias de atenção à saúde e qualidade de vida do servidor penitenciário. Módulo 2 – Fatores de risco e proteção No segundo módulo, o objetivo é identificar os fatores de adoecimento e proteção relacionados ao trabalho dos servidores penitenciários e compreender a importância da implementação de ações de promoção de saúde e qualidade de vida no trabalho. Este módulo está estruturado em quatro aulas, nas quais serão discutidas estas temáticas: • Aula 1 – Saúde e qualidade de vida no trabalho: fatores de riscos e proteção. • Aula 2 – Cenários da saúde física e mental do servidor penitenciário brasileiro. • Aula 3 – Iniciativas de promoção da saúde e qualidade de vida no sistema penitenciário e a articulação com a rede de saúde do trabalhador. • Aula 4 – Estratégias individuais e coletivas para promover saúde mental no trabalho. Modulo 3 – Estratégias e ferramentas No terceiro módulo, será abordada a importância do planejamento das ações de promoção da saúde e qualidade de vida do servidor penitenciário, por meio do acompanhamento de dados, da obtenção de recursos financeiros e da aplicação de estratégias de inovação com base na apresentação de boas práticas. Este módulo está distribuído em quatro aulas: • Aula 1 – Produção e gestão de dados. • Aula 2 – Fontes e formas de financiamento. • Aula 3 – Possibilidades de aplicação de recursos públicos. • Aula 4 – Ferramentas de inovação. Agora que você já sabe que esse curso está sob a responsabilidade da Senappen; que é uma estratégia de efetivação da Política de Valorização do Servidor Penitenciário: Eixo – Saúde e Qualidade de Vida; que sua elaboração foi realizada pela Senappen em parceria com a Fiocruz, neste momento, depois desta breve apresentação da estrutura do curso, dos eixos temáticos dos módulos e dos temas de cada aula, vamos começar os estudos retomando a apresentação da Aula 1 do Módulo 1. Nesta primeira aula, abordaremos o processo histórico da saúde e qualidade de vida no trabalho e seus principais conceitos. A partir dessa abordagem inicial, no decorrer dos módulos, aprofundaremos a temática para a questão central do curso: saúde e qualidade de vida do servidor penitenciário brasileiro. Saúde e qualidade de vida do servidor penitenciário 5. MÓDULO 1: Conceitos iniciais AULA 1: processos históricos e a relação entre saúde e trabalho De início, é importante compreender o surgimento e o desenvolvimento da relação entre saúde e trabalho até chegar ao conceito atual da Organização Mundial da Saúde (OMS) e ampliar os conceitos de saúde ocupacional e de qualidade de vida no trabalho. Na sequência, abordaremos a saúde no Brasil e, mais em concreto, no Sistema Único de Saúde (SUS), apresentando brevemente suas características e as principais estratégias para o cuidado com a saúde dos trabalhadores e trabalhadoras. Destacaremos algumas das principais causas de adoecimento e consequências para a saúde relacionadas ao trabalho e, por fim, faremos uma breve contextualização sobre os servidores do sistema penitenciário. É umagrande satisfação tê-lo/a aqui conosco. Sua participação é essencial ao sucesso dessa empreitada. Portanto, queremos começar nossa primeira aula desejando que você aproveite ao máximo este curso e que a ampliação dos seus conhecimentos faça a diferença na sua carreira profissional, no ambiente de trabalho e na vida pessoal. OBJETIVO DA AULA Apresentar os processos históricos e conceitos acerca da saúde e qualidade de vida no trabalho. Ao final desta aula, o cursista será capaz de reconhecer os conceitos apresentados. RELAÇÃO ENTRE SAÚDE E TRABALHO: BREVE HISTÓRICO Ao longo da história, ocorreram diversas mudanças significativas na estrutura de trabalho, sobretudo as observadas na transição entre a Idade Média e a Modernidade. Tais mudanças estão fundadas na ruptura com o modelo preexistente e o desenvolvimento tecnológico, ou seja, de um modelo artesanal de produção para um modelo industrial, que resultou em acelerado desenvolvimento da industrialização e do emprego assalariado como consequência das transformações ocorridas. Essas transformações desencadearam modificações na estrutura econômica da sociedade, ocasionando o crescimento de pressões sobre os empregadores relacionadas às condições e formas de organização do trabalho. Assim, em meio à Revolução Industrial, surgem novas ideias de organização do trabalho (Mendonça et al., 2018; Minayo-Gomez; Thedim-Costa, 1997). A Revolução Industrial começou pioneiramente na Inglaterra, em meados do século XVIII. O marco inicial é frequentemente associado à invenção da máquina a vapor no início do século XVII, e sua consolidação ocorreu na década de 1780. IMPORTANTE Fases da Revolução Industrial: Primeira Revolução Industrial (1750-1850): iniciada na Inglaterra, caracterizou-se pela substituição da manufatura pela maquinofatura, pelo uso de novas tecnologias aplicadas à produção em série. Segunda Revolução Industrial (1850-1945): foi marcada pelos avanços em eletricidade, aço e química. Terceira Revolução Industrial (1950 - até os dias atuais): destacou-se pelo avanço no campo da tecnologia da informação e automação. Fonte: Silva, 2021. Saúde e qualidade de vida do servidor penitenciário 6. MÓDULO 1: Conceitos iniciais AULA 1: processos históricos e a relação entre saúde e trabalho A Revolução Industrial, compreendida como a transição do trabalho manual para o mecanizado, da força humana para a força motora e da produção domiciliar para as fábricas, é amplamente reconhecida como um dos pontos de virada fundamentais no desenvolvimento econômico, tecnológico e social. No início desse período, a aglomeração de pessoas em espaços inadequados propiciou a propagação de doenças infectocontagiosas, e, além disso, era comum que o operariado, ou seja, os trabalhadores das fábricas, sofresse inúmeros acidentes graves no trabalho com as máquinas, causando mutilações e mortes. Também se observava a ampla exploração do trabalho feminino e infantil. Como a maioria dos homens estava ocupada nas minas de carvão, mulheres e crianças eram frequentemente submetidas a jornadas extenuantes que, constantemente, ocorriam por até dezesseis horas diárias. Esses eventos intensificaram o estudo de acidentes de trabalho, assim como a pressão para regulamentação do trabalho (Mendonça et al., 2018; Assis, 2021). Nesse período é que surgiram os primeiros movimentos organizados pelos trabalhadores. Era o princípio dos movimentos sindicais, em resposta às condições laborais insalubres e à inadequação dos espaços de trabalho. Os riscos decorrentes do exercício laboral eram conhecidos pelos empregadores, entretanto nada ou muito pouco era feito para mitigar os danos. Assim, após diversos conflitos, começaram a ser estabelecidas as primeiras regulamentações trabalhistas, inicialmente focadas na proteção de mulheres e crianças (Assis, 2021). A “Lei de Saúde e Moral dos Aprendizes”, considerada a primeira lei de proteção aos trabalhadores, foi promulgada na Inglaterra em 1802. Essa lei objetivava assegurar que o expediente diário de trabalho de mulheres e crianças não ultrapassasse 12 horas, proibia o trabalho noturno para esse público e determinava a adequação da ventilação e a higienização dos espaços. Contudo, por falta de fiscalização, a lei não foi efetivamente cumprida (Mendonça et al., 2018; Assis, 2021). Em 1833, surgiu a “Lei das Fábricas”, que estabeleceu o “Inspetoriado de Fábricas”, um órgão governamental encarregado de inspecionar as condições de saúde dos trabalhadores e protegê-los dos perigos do trabalho (Mendonça, et al., 2018; Assis, 2021). Essa lei demonstrava a preocupação com o desenvolvimento físico adequado à idade cronológica dos trabalhadores e trazia as seguintes determinações: proibia o trabalho noturno para menores de 18 anos; limitava as horas de trabalho para menores a 12 horas por dia e 69 horas por semana; exigia escolas dentro das fábricas para trabalhadores menores de 13 anos; proibia a contratação de trabalhadores menores de nove anos de idade (Rocha et al., 2019). As mudanças trazidas pela Revolução Industrial se espalharam pelo mundo todo e trouxeram como destaque a implantação dos modelos taylorista e fordista nos Estados Unidos do início do século XX. Tais modelos reforçavam a prática da medicina do trabalho. Segundo Freitas (2015), em 1911, Frederick Taylor propôs um modelo de organização industrial, posteriormente chamado de taylorismo, que visava aprimorar as operações nas empresas mediante a organização e a segmentação das funções dos trabalhadores. A premissa central era tratar cada processo de produção como uma ciência, substituindo práticas baseadas em experiência por métodos cientificamente comprovados. O Fordismo é um modelo de produção em massa de um produto, criado por Henry Ford, em 1914, baseado no sistema de linhas de produção. O objetivo desse modelo consiste em reduzir ao máximo os custos de produção, tornando os produtos mais acessíveis para venda e alcançando um maior número de consumidores e, consequentemente, mais lucros para os donos das fábricas (Bondarik; Kovaleski; Pilatti, 2014). Saúde e qualidade de vida do servidor penitenciário 7. MÓDULO 1: Conceitos iniciais AULA 1: processos históricos e a relação entre saúde e trabalho SAIBA MAIS! Características do taylorismo e do fordismo Taylorismo Fordismo Princípio do planejamento: substitui o modelo pautado na experiência por um modelo planejado, estudado e testado. Todas as tarefas e processos de trabalho precisam ser testados previamente para que a sua execução ocorra com maior celeridade e precisão. Produção em massa: evitando o desperdício, inclusive de tempo e reduzindo os custos de produção. Princípio da preparação dos trabalhadores: visa à capacitação e à especialização dos trabalhadores e de seus instrumentos de trabalho. Parcelamento/Divisão de tarefas: o trabalhador executava apenas uma tarefa repetidamente durante todo o trabalho, já não participava mais de todo o processo de elaboração de um produto, limitava-se à parte do processo e não mais ao todo. Princípio do controle: propõe que o trabalho seja executado a partir de determinada metodologia e mediante supervisão. Linha móvel/Esteira rolante: limita a ação dos trabalhadores, “permitindo uma produção fluida”. Princípio da execução: propõe que a distribuição do trabalho e das responsabilidades sejam sistematizadas. Padronização dos componentes: para reduzir o tempo e os custos, era necessário ter o controle de todo o processo de produção. Princípio da seleção: propõe que a distribuição de atividades e tarefas considere as habilidades e aptidões dos trabalhadores. Automação: uso de tecnologias como forma de controle da produção. Princípio da remuneração: propõe que a remuneração seja proporcional à qualidade do trabalho desempenhado, estabelecendo premiações mediante o cumprimento de metas. Princípio da exceção: propõe a observância constante dos desvios e exceções para que estaspossam ser reparadas. Fonte: Introdução à gestão: passado, presente e futuro do Taylorismo. Universidade de Aveiro, Escola Superior de Gestão e Tecnologia de Águeda, 2009. Disponível em: https:// pt.slideshare.net/madalenap/corpo-passado-presente-e-futuro-do-taylorismo-em-pdf1. Fonte: Gounet, T. Fordismo e Toyotismo na civilização do automóvel. São Paulo: Boitempo, 1999. Saúde e qualidade de vida do servidor penitenciário 8. MÓDULO 1: Conceitos iniciais AULA 1: processos históricos e a relação entre saúde e trabalho Silva (2023) corrobora com Gramsci e aponta que tanto o taylorismo quanto o fordismo inauguraram uma nova forma de controle e disciplina do trabalho e dos trabalhadores. Esses modelos, além de promoverem a desumanização, também cerceiam a liberdade dos sujeitos, relegando-os a atividades rotineiras e entediantes, prejudicando, dessa maneira, seu bem-estar e saúde. No início do século XX, mediante a expansão e consolidação do processo industrial e a adoção de novos métodos de produção (taylorismo e o fordismo), juntamente com o crescimento da economia, surgiu a necessidade de regulamentar e organizar o trabalho. Assim, em 1919, foi criada a Organização Internacional do Trabalho (OIT), que, em suas primeiras reuniões, reconheceu a existência de doenças ocupacionais. Isso provocou uma mudança significativa no ritmo e no foco das normas e práticas de proteção à saúde dos trabalhadores, tornando a OIT, até os dias atuais, a principal autoridade internacional nesse campo (Mendonça et al., 2018). Mendonça et al. (2018), citando Mendes e Dias (1991), apontam que, durante os anos da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), os trabalhadores suportaram condições adversas e uma intensa carga de trabalho nas indústrias, com alguns enfrentando sacrifícios comparáveis aos da própria guerra. Após o conflito, o esforço industrial pós-guerra estava apenas começando. Tanto os empregadores, ávidos por mão de obra produtiva, quanto as companhias de seguro começaram a sentir o custo humano da perda de vidas no trabalho, seja por acidentes, seja por doenças ocupacionais, com o pagamento de pesadas indenizações por incapacidade. Nesse cenário, fica evidente a “relativa impotência da medicina do trabalho para intervir sobre os problemas de saúde causados pelos processos de produção” (Mendes; Dias, 1991, p. 343). O SURGIMENTO DA MEDICINA DO TRABALHO Em 1830, o proprietário de uma grande fábrica de tecidos na Inglaterra Robert Dernham, observando as in- úmeras baixas de trabalhadores por motivo de doença e acidentes de trabalho, as quais tinham como conse- quência a queda na produtividade da indústria, contratou um médico, Doutor Robert Baker, para atender aos trabalhadores dentro da fábrica, dando origem ao primeiro serviço de medicina do trabalho (Mendes; Dias, 1991). Esse modelo centrado na figura do médico foi rapidamente replicado por outras fábricas, espalhando-se pelo mundo contemporâneo. A adoção desse modelo privado de assistência evidenciava a ausência de um sistema de saúde como direito dos trabalhadores. Simultaneamente, colocava as fábricas em uma posição paternalista de modo que o trabalhador, e por vezes também seus familiares, tornava-se dependente do atendimento médico prestado pelo empregador. Assim, os donos das fábricas aumentavam sua força controladora em relação à força de trabalho (Mendes; Dias, 1991). Mendes e Dias (1991) nos informam que a medicina do trabalho tinha como características: • ser uma prática essencialmente médica; • ter atuação médica limitada aos locais de trabalho, ainda que o serviço pudesse ser prestado nas proximidades; • minimizar os riscos que pudessem acarretar prejuízo à saúde do trabalhador e impedi-lo de produzir; • colaborar com os processos de alocação dos trabalhadores a partir do critério de aptidão; • considerar a dimensão de saúde física e mental; • promover o bem-estar físico e mental dos trabalhadores. A partir de 1953, a preocupação com a saúde dos trabalhadores se refletiu internacionalmente na agenda da Organização Internacional do Trabalho (OIT). A Conferência Internacional do Trabalho, promovida pela OIT, elaborou a Recomendação 97, a qual tratou da “proteção da saúde dos trabalhadores” e instou os estados- membros a promoverem a formação de médicos do trabalho e a organização de “serviços de medicina do trabalho” (Mendonça et al., 2018). Saúde e qualidade de vida do servidor penitenciário 9. MÓDULO 1: Conceitos iniciais AULA 1: processos históricos e a relação entre saúde e trabalho O SURGIMENTO DA SAÚDE OCUPACIONAL Em 1954, a OIT reuniu um painel de especialistas para elaborar diretrizes relacionadas aos serviços de me- dicina do trabalho. Assim, surge uma crescente preocupação com a saúde ocupacional, cujos objetivos foram definidos em 1957 pela Comissão Conjunta da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e da Organização Mundial da Saúde (OMS). Essa iniciativa buscava abordar o bem-estar dos trabalhadores em seus locais de tra- balho, abrangendo três áreas principais: medicina, higiene e segurança (Mendonça et al., 2018; Assis, 2021). De acordo com Nogueira (1984), citando a Deliberação da Comissão Mista (OIT e OMS, 1957), a saúde ocupacional apresenta as seguintes finalidades: Incentivar e manter o mais elevado nível de bem-estar físico, mental e social dos tra- balhadores em todas as profissões; prevenir todo o prejuízo causado à saúde destes pe- las condições de seu trabalho; protegê-los em seu serviço contra os riscos resultantes da presença de agentes nocivos à sua saúde; colocar e manter o trabalhador em um emprego que convenha às suas aptidões fisiológicas e psicológicas e, em resumo, adaptar o trabalho ao homem e cada homem ao seu trabalho (OIT/OMS, 1957 apud Nogueira, 1984, p. 495). Em 1958, o Conselho de Administração da OIT sub- stituiu a denominação “Serviços Médicos do Trabalho” por “Serviços de Medicina do Trabalho”. No ano seguin- te, em 1959, a Conferência Internacional do Trabalho aprovou a Recomendação 112, conhecida como “Recomendação para Serviços de Saúde Ocupacional”, que representou o primeiro instrumento normativo internacional no campo da saúde ocupacional. Essa recomendação abordou diversos aspectos: definição, métodos de aplicação, organização dos serviços, suas funções, pessoal, instalações e modos de atuação (Mendonça et al., 2018). Segundo Mendonça et al. (2018), de acordo com a Recomendação 112, os serviços de saúde ocupacional são compreendidos como serviços médicos existentes no local de trabalho ou no seu entorno. O foco da saúde ocupacional consiste em: • proteger os trabalhadores contra riscos à saúde decorrentes do trabalho; • propiciar a adequação tanto física quanto mental dos trabalhadores às suas atividades na em- presa, ajustando o trabalho às suas capacidades e habilidades; • colaborar com o alcance e a manutenção do mais alto nível possível de bem-estar físico e men- tal dos trabalhadores. A nova abordagem em saúde e trabalho expande sua área de atuação, indo além do foco apenas no tra- balhador para incluir também o ambiente. Tal transição requer a colaboração de uma equipe multidisciplinar e uma abordagem interdisciplinar, com o objetivo de intervir nos ambientes de trabalho para reduzir os riscos ambientais (Mendes; Dias, 1991). Apesar dos avanços ocorridos, no que se refere às garantias de direitos trabalhistas, observa-se que algumas categorias profissionais, ainda que não tenham sido claramente excluídas de tais mudanças, foram negligencia- das. O sistema penitenciário, no geral, e o brasileiro em particular, ainda hoje, conta com unidades prisionais em péssimas condições de infraestrutura, ambientes insalubres, propícios à proliferação de doenças. Geralmente, é um ambiente com pouca iluminação, pouca ventilação, precária higienização e com aglomeração de pessoas. Nesse contexto, tanto o indivíduo privado de liberdade quanto os trabalhadores enfrentam as mesmas mazelas. Apesar de tais condições seremconhecidas e constarem em diversos documentos oficiais, na prática, ainda care- cem de empenho e fiscalização do poder público e do apoio social. Saúde e qualidade de vida do servidor penitenciário 10. MÓDULO 1: Conceitos iniciais AULA 1: processos históricos e a relação entre saúde e trabalho MEDICINA DO TRABALHO X SAÚDE OCUPACIONAL Há uma distinção significativa entre a medicina do trabalho e a saúde ocupacional. Enquanto a medicina do trabalho concentra-se especificamente na saúde dos trabalhadores e na prevenção de doenças ocupacionais, a saúde ocupacional adota uma perspectiva mais ampla. Ela considera os impactos do trabalho não apenas no indivíduo, mas também na saúde geral da coletividade. Além disso, a saúde ocupacional aborda questões como ergonomia e políticas de saúde ocupacional (Mendonça et al., 2018). No entanto, constatou-se que o modelo centrado unicamente no ambiente de trabalho revelou-se igualmente ineficaz. Ele se assemelha a uma forma de “higiene industrial”, enfatizando o uso de equipamentos de proteção individual (EPIs) em detrimentos dos equipamentos de uso coletivo e a realização de exames médicos nos tra- balhadores. Todavia, essa abordagem não contemplava todas as dimensões essenciais para assegurar a saúde e o bem-estar dos trabalhadores (Minayo-Gomes et al., 1997). Dessa forma, apesar de a saúde ocupacional ter avançado em relação às práticas da medicina do trabalho, a sua proposta revelou-se insuficiente. René Mendes e Elizabeth Costa Dias (1991) listam alguns motivos: - o modelo mantém o referencial da medicina do trabalho firmado no mecanicismo; - não concretiza o apelo à interdisciplinaridade: as atividades apenas se justapõem de maneira desarticulada e são dificultadas pelas lutas corporativas; - a capacitação de recursos humanos, a produção de conhecimento e de tecnologia de intervenção não acompanham o ritmo da transformação dos processos de trabalho; - o modelo, apesar de enfocar a questão no coletivo de trabalhadores, continua a abordá-los como “objeto” das ações de saúde; - a manutenção da saúde ocupacional no âmbito do trabalho, em detrimento do setor saúde (Mendes; Dias, 1991, p. 344). Mendes e Dias (1991) reconhecem a necessidade de transcender as limitações do modelo tradicional de saúde ocupacional, que se mostra incapaz de responder às complexas demandas da relação entre trabalho e saúde. Para os autores, a inadequação desse modelo não se configura como um evento isolado e passageiro, mas sim como um reflexo de contextos políticos e sociais mais amplos e intrincados. Ao longo do processo histórico, os avanços na saúde ocupacional resultaram das mudanças nos processos produtivos pela automação e informatização, que introduziram novos riscos à saúde dos trabalhadores, como estresse e fadiga. Isso demandou novas estratégias para modificar as condições de trabalho, incluindo a pro- moção da saúde e mudanças nos estilos de vida dos trabalhadores. Com efeito, a saúde do trabalhador passou a ser vista como um processo mais amplo, envolvendo a relação en- tre saúde e trabalho, e não apenas a presença de fatores de risco específicos. Organismos internacionais, como a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) e o Comitê misto da OIT/OMS, de 1983, também influenciaram essa evolução, destacando a importância da abordagem multidimensional do trabalhador e da determinação social da saúde (Mendonça et al., 2018). Saúde e qualidade de vida do servidor penitenciário 11. MÓDULO 1: Conceitos iniciais AULA 1: processos históricos e a relação entre saúde e trabalho IMPORTANTE Medicina do trabalho: perspectiva mais restrita – saúde dos trabalhadores e prevenção de doenças ocupacionais. Saúde ocupacional: perspectiva mais ampla – impacto do trabalho na vida do indivíduo e da coletividade no âmbito do trabalho, além de ergonomia e políticas de saúde ocupacional Fonte: Mendonça et al., 2018. A MEDICINA DO TRABALHO E A SAÚDE OCUPACIONAL NO BRASIL A história da saúde ocupacional no Brasil está intimamente ligada à evolução das leis trabalhistas e às mu- danças sociais e econômicas. Inicialmente, em 1919, com o Decreto Legislativo nº 3.724, estabeleceu-se a primei- ra legislação sobre acidentes de trabalho no país. Durante o governo de Getúlio Vargas, houve a transição para um modelo industrial, com a criação do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio em 1931 e a instituição das Inspetorias Regionais de Higiene e Segurança do Trabalho em 1932 (Mendonça et al., 2018). O desenvolvimento da saúde ocupacional continuou ao longo das décadas seguintes, com a criação das Del- egacias Regionais do Trabalho em 1940 e a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) em 1943, que abordava questões de higiene e segurança no trabalho. A Associação Brasileira de Medicina do Trabalho (ABMT) foi funda- da em 1945, destacando-se pelo estudo e divulgação da medicina do trabalho (Mendonça et al., 2018). A partir de 1950, a medicina do trabalho e a saúde ocupacional no Brasil passaram por um período de intensas transformações, marcadas por avanços significativos e desafios persistentes. Esse período foi caracterizado por mudanças legislativas, desenvolvimento tecnológico e uma crescente conscientização sobre a importância da saúde e segurança no ambiente de trabalho (Assis, 2021). O período de industrialização nas décadas de 1950 e 1960 trouxe desafios adicionais à saúde dos trabalhadores, com altos índices de acidentes e doenças ocupacionais. O governo militar, nos anos 1970, implementou a obrig- atoriedade de Serviços Especializados em Engenharia de Segurança e em Medicina do Trabalho (SESMTs), con- forme recomendação da OIT (Mendonça et al., 2018). A partir dos anos 1980, surgiu o Programa de Saúde do Trabalhador, influenciado pelos movimentos da reforma sanitária e sindical. A Constituição Federal de 1988 reconheceu a saúde como direito social e criou o Sistema Único de Saúde (SUS), com princípios de universalidade, equi- dade e integralidade. Normas regulamentadoras foram elaboradas para garantir a saúde dos trabalhadores e prevenir doenças ocupacionais (Mendonça et al., 2018). De forma resumida, pode-se dizer que, no Brasil, um dos principais avanços ocorreu com a promulgação da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) em 1943, que estabeleceu normas para a proteção dos direitos dos trabalhadores, incluindo questões relacionadas à saúde e segurança no trabalho, seguido pela criação do Ministério da Saúde em 1953 e criação do SUS na Constituição de 1988. Essa legislação foi fundamental para a formação de um ambiente de trabalho mais se- guro e saudável (Mendonça et al., 2018; Minayo-Gomes et al., 2018). Saúde e qualidade de vida do servidor penitenciário 12. MÓDULO 1: Conceitos iniciais AULA 1: processos históricos e a relação entre saúde e trabalho Apesar dos avanços, desafios persistem na área da saúde ocupacional, com questões como violência no tra- balho e doenças relacionadas a tecnologias obsoletas ainda demandando atenção (Mendonça et al., 2018). No transcorrer do tempo, observa-se um aumento da conscientização sobre a importância da prevenção de acidentes e doenças ocupacionais. Isso levou à implementação de programas de segurança no trabalho e à adoção de medidas para reduzir os riscos ocupacionais e proteger a saúde dos trabalhadores, não só no Brasil, mas em todo o mundo, de modo geral (Mendonça et al., 2018). Durante as décadas de 1970 e 1980, cresceu a preocupação com a saúde mental no ambiente de trabalho. Questões como estresse ocupacional e assédio moral passaram a receber mais atenção, resultando na imple- mentação de políticas e programas para promover o bem-estar psicológico dos trabalhadores (Minayo et al., 2018). Apesar dos avanços, alguns desafios persistiram ao longo do tempo. Isso inclui a necessidade de garan- tir a eficácia da implementação das leis trabalhistas, a adequação das condições de trabalho em diversos setores e a prevenção de novos riscos ocupacionais associadosao desenvolvimento tecnológico e às mu- danças nos padrões de trabalho (Minayo et al., 2018). Vale destacar que, apesar de a legislação brasileira nem sempre ser cumprida e ainda apresentar muita dificuldade para ser fiscalizada, ela insere o país como um dos mais desenvolvidos quanto às leis trabalhis- tas de “proteção do trabalhador contra doenças e aci- dentes do trabalho” (Mendonça et al., 2018, p. 14). A despeito do avanço na garantia de direitos tra- balhistas no Brasil, no que se refere aos trabalhadores do sistema penitenciário brasileiro, por muito tempo se constituiu por ações isoladas de alguns estados brasileiros com vistas à promoção, proteção, vigilância, pre- venção e redução de agravos à saúde dos profissionais do sistema prisional. Podemos, no entanto, citar ações realizadas no âmbito do governo federal nos últimos anos que objetivam a estruturação de uma política de atenção e valorização do servidor penitenciário. Como a Resolução nº 1, do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), de 4 de junho de 2016, que apresenta diretrizes nacionais para a criação, implantação e manutenção de programa e políticas de atenção à saúde e qualidade de vida dos servidores em serviços penais. Em 2018, a partir da criação do Sistema Único de Segurança Pública (SUSP), a questão da saúde e qualidade de vida dos trabalhadores da segurança pública ganha destaque e, em 2019, o antigo Departamento Penitenciário Nacional insere na Carteira de Políticas Públicas do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) a Política de Valorização do Servidor Penitenciário – Eixo – Saúde e Qualidade de Vida, com o objetivo de fomentar a criação e estruturação de núcleos de atenção ao servidor penitenciário no âmbito das Secretarias Estaduais de Adminis- tração Penitenciária e instituições congêneres. CONCEITOS BÁSICOS SOBRE SAÚDE E TRABALHO Até aqui discutimos o processo histórico da garantia de direitos trabalhistas e a relação do trabalho com a saúde dos seus trabalhadores. Agora vamos abordar os conceitos de saúde e trabalho. Saúde e trabalho são conceitos que permeiam a vida das pessoas e da sociedade. Geralmente, relacionamos saúde à falta de doença ou de mal-estar físico e mental. No entanto, a Organização Mundial da Saúde (OMS) elaborou um conceito mais amplo de saúde e a definiu como “um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não somente ausência de afecções e enfermidades” (OMS, 1948). Saúde e qualidade de vida do servidor penitenciário 13. MÓDULO 1: Conceitos iniciais AULA 1: processos históricos e a relação entre saúde e trabalho Segundo Buss e Pellegrini (2007), a saúde de um indivíduo é determinada por diversos fatores, tais como estilo de vida, determinantes biológicos, sociais e psicológicos. Carvalho (2013) afirma que os fatores denominados “determinantes sociais da saúde” podem definir os quadros de saúde ou doença vivenciados pelos indivíduos. Os determinantes sociais de saúde (ambientais, políticos, econômicos e culturais) marcam a vida dos sujeitos de forma individualizada, mas todos somos atravessados por tais fatores em maior ou menor grau, como pode ser observado na figura a seguir: Figura 1 - Determinantes sociais da saúde. Fonte: Buss; Pellegrini, 2007. Do mesmo modo, entendemos o trabalho como um conjunto de atividades realizadas, ou seja, como o esforço feito por indivíduos com o objetivo de atingir uma meta. O trabalho é uma atividade inerente à humanidade, sendo desde os primórdios um diferenciador da nossa espécie (Silveira, 2009). Ele tem o potencial de promover o bem-estar, porém também pode resultar em doenças, angústias e aflições na vida de um indivíduo. Isso ocorre devido às circunstâncias do ambiente físico, à configuração organizacional e à natureza das interações interpes- soais no ambiente de trabalho, as quais exercem uma influência substancial na saúde física, mental e social do trabalhador (Mendonça et al., 2018). CURIOSIDADE! Saúde: a raiz etimológica de “saúde” provém do latim “salus”. Esse termo designava o atributo principal dos seres íntegros e intactos. Era associado à superação de ameaças à integridade física dos indivíduos (Almeida Filho, 2000). Trabalho: deriva do latim “tripalium”. No latim vulgar, a palavra “tripaliāre” era interpretada como “torturar”. Essa interpretação se baseia no termo “tripalium”, que era um artefato de tortura usado pelos antigos romanos. O tripalium consistia em três paus (daí o prefixo “tri”, que significa três, e “palium”, que significa pau). Os criminosos eram amarrados a esse instrumento e submetidos a chicoteamento (Veschi, 2019). Saúde e qualidade de vida do servidor penitenciário 14. MÓDULO 1: Conceitos iniciais AULA 1: processos históricos e a relação entre saúde e trabalho Nesse contexto, podemos observar que há uma importante relação entre saúde e trabalho que é influenciada pela maneira como a sociedade se organiza. Como já foi dito, o trabalho pode afetar a saúde física e mental dos trabalhadores e pode ser percebido de forma diferente pelos indivíduos, sendo visto como fonte de sofrimento ou de realização. INTRODUÇÃO DA ERGONOMIA AO TRABALHO De acordo com a Associação Internacional de Ergonomia (IEA): A ERGONOMIA (ou Fatores Humanos) é uma disciplina científica relacionada ao enten- dimento das interações entre os seres humanos e outros elementos ou sistemas e à apli- cação de teorias, princípios, dados e métodos a projetos a fim de otimizar o bem-estar humano e o desempenho global do sistema (IEA, 2020). SAIBA MAIS! A palavra “ergonomia” vem da junção das palavras gregas “ergos” [trabalho] e “normos” [normas/lei] (IEA, 2020). Em outras palavras, a ergonomia é o campo científico que busca adaptar o ambiente de trabalho às necessidades e particularidades dos seres humanos. Seu objetivo é otimizar a interação entre as pessoas, máquinas, equipamentos e o ambiente de trabalho. Além disso, a ergonomia visa promover a saúde, segurança e bem-estar dos trabalhadores, contribuindo para melhorar a eficiência e produ- tividade nas atividades laborais ao mesmo tempo que gera bem-es- tar e promove qualidade de vida (IEA, 2020). Embora, oficialmente, a ergonomia só tenha sido reconhecida no século XX, segundo Oliveira (2021), ela tem sua origem em um pas- sado longínquo, que se entrelaça com a própria história. Observa-se que já na pré-história o ser humano buscava adaptar o trabalho às suas condições, explorando técnicas rudimentares de ergonomia para aprimorar sua sobrevivência. A adaptação de armas para a caça, o afiar de lanças para facilitar a tarefa e a busca por ferramentas mais eficientes são exemplos dessa busca do ser humano por otimizar o trabalho, reduzir o esforço físico, garantir a sobrevivência, a saúde e a qualidade de vida. Na antiguidade e no período colonial, apesar de que fossem evidentes os problemas de saúde decorrentes do trabalho, imperava a lógica da substituição do trabalhador, desconsiderando a dimensão humana do sujeito. A ergonomia, ainda em sua fase incipiente, começou a despontar no início da Revolução Industrial, impulsionada pelos desafios enfrentados pelos trabalhadores, os quais, conforme mencionado anteriormente, vivenciavam péssimas condições de trabalho, doenças e acidentes constantes, resultando na queda da produtividade e ex- igindo medidas a fim de garantir a saúde e o bem-estar deles (Roberto, 2020). A ergonomia, como disciplina, teve sua origem em 1949 com a fundação da Ergonomics Research Society na Inglaterra. Nos Estados Unidos, em 1959, surgiram a Human Factors Society (HFS) e a International Ergonomics Society (IES). Além disso, em 1963, na França, foi criada a Societé d’Ergonomie de Langue Française (SELF) (Abrahão et al., 2009). Saúde e qualidade de vida do servidor penitenciário 15. MÓDULO 1: Conceitos iniciais AULA 1: processos históricos e a relação entre saúde e trabalho No Brasil, apesar dos esforços anteriores, a ergonomia ganhou visibilidadea partir da década de 1980, quando vários pesquisadores brasileiros retornaram da França, após desenvolverem mestrado e doutorado na área. Na década de 1990, a ergonomia emergiu como uma disciplina fundamental na medicina do trabalho. Adaptações ergonômicas foram introduzidas para melhorar o design do local de trabalho e reduzir os riscos de lesões mus- culoesqueléticas, promovendo assim a saúde e o conforto dos trabalhadores (Silva; Paschoarelli, 2010). Vale destacar que a ergonomia é considerada uma ciência que integra diversos campos do saber, focando suas demandas no usuário. As questões tratadas pela ergonomia são, geralmente, de natureza sistêmica, recon- hecendo a multiplicidade de fatores que influenciam a relação entre o indivíduo e seu entorno. Fatores físi- cos, cognitivos, sociotécnicos, organizacionais e ambientais se entrelaçam em uma teia complexa que exige análise profunda. A ergonomia não se limita a cada um desses fatores, mas busca desvendar as interações entre eles, mapeando as nuances que moldam a experiência humana (IEA, 2020). A figura a seguir representa essa interação: Figura 2 - Interação entre os diversos fatores humanos/ergonomia (HF/E) que constituem o estudo da ergonomia. Fatores Cognitivos FH/E Fatores Físicos Fatores Organizacionais Interação Humano- computador Comunicação Trabalho em time � � � Participação Cooperação Sistema Sociotécnico Ambiente Interno/ Externo � � � � Anatomia Humana Fisiologia Antropometria Biomecânica � � � � Percepção Memória Raciocínio Resposta motora � � � � Fonte: IEA, 2020. Ao analisarmos essa figura, podemos observar que a execução das atividades laborais está intimamente rel- acionada aos diversos fatores que permeiam o ambiente de trabalho e o trabalhador. Assim, ao pensarmos na ergonomia e na relação desse tema com o sistema prisional e ao considerarmos as recorrentes queixas dos trabalhadores que nele atuam no que se refere ao uso de alguns equipamentos de segurança, como o colete à prova de balas ou o coturno, e até mesmo o tipo de uniforme (tecido, cor, modelagem), podemos perceber que esse é um campo carente de pesquisas que possam dar conta de tais demandas, propondo soluções viáveis ou formas de mitigar os danos decorrentes de tal contexto de trabalho. PSICODINÂMICA NO TRABALHO A psicodinâmica do trabalho (PDT) é um conceito que se originou na psicopatologia do trabalho. Seu principal expoente é Christophe Dejours, um psiquiatra e psicanalista francês que iniciou sua obra nesse campo na déca- da de 1980. Essa abordagem busca compreender as relações entre o trabalho, a subjetividade dos trabalhadores e os impactos psicológicos das condições laborais (Lancman; Sznelwar, 2005). A princípio, buscava-se relacionar a psicopatologia com o trabalho, demonstrando como o trabalho poderia causar sofrimento para o sujeito. Depois de um tempo, o estudo da psicodinâmica passou a demonstrar como cada trabalhador pode lidar com o sofrimento, tendo potencial para utilizar de recursos internos e externos para transformá-lo em busca por prazer e realização. Nessa perspectiva, saúde e trabalho não significam ausência de sofrimento (Lancman; Sznelwar, 2005). Saúde e qualidade de vida do servidor penitenciário 16. MÓDULO 1: Conceitos iniciais AULA 1: processos históricos e a relação entre saúde e trabalho Segundo Giongo, Monteiro e Sobrosa (2015), a psicod- inâmica busca estudar as estratégias defensivas, que po- dem mobilizar os trabalhadores individual ou coletiva- mente. Essas estratégias visam estabelecer uma relação mais gratificante com o trabalho e buscam o reconhecimen- to, um fator essencial no processo de construção da iden- tidade do trabalhador. Outro aspecto crucial na busca pelo prazer e na defesa contra o sofrimento no trabalho é a mo- bilização subjetiva. Esse processo envolve o engajamento do trabalhador no seu ofício, utilizando sua subjetividade, inteligência prática e o coletivo de trabalho para transfor- mar os fatores organizacionais que causam sofrimento. Nessa abordagem, a organização do trabalho desempenha um papel fundamental na saúde mental dos trabalhadores. Segundo Mendes (2007, p. 29), citado por Giongo, Monteiro e Sobrosa (2015, p. 805), no contexto do tra- balho, há “atuação de forças, visíveis e invisíveis, objetivas e subjetivas, psíquicas, sociais, políticas e econômi- cas que podem ou não deteriorar esse contexto, transformando-o em lugar de saúde e/ou de patologias e e adoecimento”. Portanto, pode-se dizer que, em um mundo onde o trabalho assume um papel central na vida de muitos, a psicodinâmica do trabalho revela os impactos que a organização do trabalho pode ter na saúde mental dos trabalhadores. Essa área de estudo oferece ferramentas fundamentais para identificar e prevenir os efeitos neg- ativos do trabalho sobre a saúde mental, promovendo um ambiente laboral mais saudável e produtivo (Giongo; Monteiro; Sobrosa, 2015). QUALIDADE DE VIDA NO TRABALHO O tema qualidade de vida no trabalho (QVT) tem sido bastante recorrente e emerge em diferentes contextos de trabalho. Em um esforço conjunto para compreender a com- plexa natureza da qualidade de vida, a Organização Mundi- al da Saúde (OMS) reuniu especialistas de diversas áreas do conhecimento e, por meio dessa colaboração internacional, definiu-a como “a percepção do indivíduo de sua posição na vida no contexto da cultura e sistema de valores nos quais ele vive e em relação aos seus objetivos, expectativas, pa- drões e preocupações” (The WHOQOL Group, 1995 apud Fleck, 2000). Segundo Chiavenato (1999), a qualidade de vida no tra- balho (QVT) indica o grau de satisfação dos trabalhadores no ambiente de trabalho. Conte (2003) aborda o conceito de QVT como um programa que busca facilitar e atender às ne- cessidades dos trabalhadores durante o desempenho de suas atividades na organização. A ideia fundamental é que as pessoas se tornam mais produtivas quando obtêm satisfação e se sentem envolvidas com o trabalho realizado. Para isso, as empresas lançam mão de recursos para avaliar sistematicamente a percepção dos fun- cionários quanto à execução do seu trabalho (ambiente, posto de trabalho, atividade realizada, organização do trabalho, relação chefia/subordinados etc.) para depois propor intervenções e mudanças com o objetivo de au- mentar a qualidade do trabalho, combater o risco de adoecimento e absenteísmo. Esse autor afirma, ainda, que a QVT está diretamente relacionada a uma maior probabilidade de alcançar qual- idade de vida pessoal, social e familiar e, nesse sentido, explica que “a meta principal do programa de QVT é a conciliação dos interesses dos indivíduos e das organizações, ou seja, ao melhorar a satisfação do trabalhador, melhora-se a produtividade da empresa” (Conte, 2023, p. 33). Saúde e qualidade de vida do servidor penitenciário 17. MÓDULO 1: Conceitos iniciais AULA 1: processos históricos e a relação entre saúde e trabalho SAÚDE INTEGRAL: FÍSICA E MENTAL E AS DIMENSÕES DO TRABALHO A saúde integral compreende os cuidados que representam uma abordagem multifacetada e reconhece a complexidade do ser humano. Segundo Viegas e Penna (2015), essa perspectiva vai além da visão fragmentada do corpo e da mente, abrangendo as diversas dimensões do modo de vida humana, tais como: • Espaços: o ambiente físico e social em que o indivíduo se insere, influenciando sua saúde e bem-estar. • Condições: as características socioeconômicas, culturais e políticas que impactam a saúde da população. • Expressões: as diversas formas pelas quais os indivíduos vivenciam e expressam sua saúde, incluindo seus valores, crenças e práticas. Ao considerar essas dimensões interligadas, a integralidade e o cuidado na saúde propõem uma abordagem holística que valoriza os aspectos objetivos e subjetivos da saúde, ou seja, reconhece que a saúde não se resume à ausência de doenças, mas também engloba o bem-estar físico, mental, social e espiritual; respeita o livre-ar- bítriodos sujeitos, o que equivale a dizer que é uma abordagem que enfatiza a autonomia dos indivíduos nas tomadas de decisão sobre sua saúde, reconhecendo-os como protagonistas de seus próprios processos de cui- dado; promove a coprodução da saúde individual e coletiva, incentivando a participação ativa dos indivíduos e da comunidade na construção de uma saúde mais justa e equitativa (Viegas; Penna, 2015). Segundo Reis et al. (2022), o trabalho transcende a mera necessidade de subsistência, pois assume um papel crucial no desenvolvimento individual e social, oferecendo mais do que funções sociais à medida que também apresenta funções psicológicas. Para melhor compreender as funções do trabalho, Yves Clot (2006) propõe um modelo fundado em quatro pilares ou dimensões: impessoal, pessoal, interpessoal e transpessoal. A DIMENSÃO IMPESSOAL A primeira dimensão refere-se à impessoalidade intrínseca ao trabalho, isto é, aos aspectos objetivos e técnicos do trabalho, como tarefas, procedimentos e metas. É a dimensão mais voltada para a organização e a estrutura do trabalho. Ela lida com aspectos formais e prescritos do trabalho que são determinados pela organização, tais como leis, regras, normas e procedimentos, garantindo a constância da função social do trabalho (Clot, 2006). Saúde e qualidade de vida do servidor penitenciário 18. MÓDULO 1: Conceitos iniciais AULA 1: processos históricos e a relação entre saúde e trabalho A DIMENSÃO PESSOAL A segunda dimensão do trabalho é a pessoal. Nesta dimensão, o trabalhador é considerado como sujeito que pensa, sente e age para execu- tar suas tarefas, ou seja, diz respeito à subjetivi- dade do trabalhador, suas emoções, motivações e satisfação pessoal. Em suma, esta dimensão envolve a relação do indivíduo com seu próprio trabalho, que significa dizer que é a relação de pessoalidade que o trabalhador desenvolve com o trabalho e, nesse sentido, envolve os valores individuais do trabalhador, é como ele se sente em relação às tarefas que executa, ao ambiente em que trabalha e ao sentido que atribui à final- idade do que produz. É o que o trabalhador “ver- dadeiramente faz” além das prescrições formais (Clot, 2006). A DIMENSÃO INTERPESSOAL Esta dimensão versa sobre as interações sociais no ambiente de trabalho. Inclui a comunicação com colegas, chefes, clientes e demais pessoas com as quais o trabalhador se relaciona. Envolve também a colaboração e dinâmicas sociais no ambiente de trabalho. É uma dimensão fundamental para o bom funcionamento das equi- pes e para a construção de um ambiente saudável e produtivo (Clot, 2006). A DIMENSÃO TRANSPESSOAL A dimensão transpessoal transcende o indivíduo e se conecta a algo maior, como valores, propósito e signifi- cado. Envolve a busca por algo além do próprio benefício pessoal, como contribuir para a sociedade ou para um bem comum. Em outras palavras, esta dimensão reconhece que o trabalho não é apenas uma atividade individ- ual, mas também está conectado a algo maior, podendo incluir sentido e propósito, valores compartilhados e impacto social (Clot, 2006). SAIBA MAIS! Saiba um pouco mais sobre as quatro dimensões do trabalho. Dimensão impessoal De acordo com Pinheiro et al. (2016), esta dimensão reflete a (in)visível teia de normas no trabalho, entre obrigações e autonomia. No mundo do trabalho, a relação entre o indivíduo e as normas que o regem é complexa e multifacetada. De um lado, surge a questão da autonomia do trabalhador e sua capacidade de exercer sua individualidade e criatividade. De outro lado, a necessidade de seguir protocolos, técnicas e procedimentos garante a segurança, a eficiência e a padronização das atividades e serve como guia essencial ao bom funcionamento das empresas. Espíndola (2011), corroborando com essa proposta, afirma que, ao estabelecer regras padronizadas, claras e objetivas, garante-se: Segurança: a padronização de procedimentos diminui os riscos de acidentes e garante a proteção dos trabalhadores. Saúde e qualidade de vida do servidor penitenciário 19. MÓDULO 1: Conceitos iniciais AULA 1: processos históricos e a relação entre saúde e trabalho Eficiência: a otimização dos processos contribui para o aumento da produtividade e da qualidade dos produtos ou serviços. Padronização: a uniformidade na execução das tarefas facilita a comunicação e o trabalho em equipe. Segundo Pinheiro et al. (2016), embora as normas sejam essenciais, é importante reconhecer que a rigidez excessiva pode sufocar a autonomia e a criatividade dos trabalhadores. A chave para um ambiente de trabalho saudável reside no equilíbrio entre a necessidade de normas e a busca pela autonomia dos trabalhadores. De forma objetiva, as normas no trabalho são ferramentas importantes para garantir a organização, a segurança e a eficiência das atividades. No entanto, é fundamental buscar um equilíbrio que valorize a autonomia e a participação dos trabalhadores criando um ambiente mais saudável, motivador e produtivo (Clot, 2006; Reis et al., 2022). Dimensão pessoal Esta dimensão trata da relação pessoal do trabalhador com seu trabalho. A partir das próprias vivências, o trabalhador desenvolve novos conhecimentos e abordagens para realizar suas atividades laborais. Ao apresentar constantemente novos desafios para os quais não existem regras ou protocolos predefinidos, o trabalhador transforma as atividades laborais em atividades próprias. Desse modo, as tarefas reguladas que realiza no dia a dia não acontecem exatamente como prescrito no contrato de trabalho ou nas regras da empresa, pois são moldadas pelos esforços personalizados do trabalhador, o que faz do trabalho uma prática passível de transformação e promotora de mudança social (Clot, 2006). O trabalho, entendido como uma constante confrontação entre valores individuais e variáveis da vida, é fundamental para a construção de sentidos na existência pessoal (Silva; Ramminger, 2014). Por fim, o trabalho não se limita a uma mera atividade para gerar renda. Por meio da constante confrontação entre valores individuais e as variáveis da vida, o trabalho se configura como uma rica experiência de desenvolvimento pessoal e social, conferindo sentido à existência humana (Clot, 2006; Reis et al., 2022). Dimensão interpessoal Esta dimensão do trabalho transcende a mera execução de tarefas, mergulhando no âmbito social e interpessoal. Toda atividade laboral se desenrola em um cenário de interação entre pessoas, no qual a construção de relações sólidas é fundamental para o sucesso do trabalho em equipe (Pinheiro et al., 2016). É nesse contexto de interação que a equipe se consolida como um organismo vivo, por meio da qual a comunicação eficaz, o respeito mútuo e a colaboração genuína se tornam pilares para o alcance de metas e objetivos. A dimensão interpessoal do trabalho reconhece o valor inestimável das relações humanas no ambiente profissional. Mediante a construção de pontes entre os indivíduos, o trabalho se transforma em uma experiência socialmente rica e significativa, capaz de gerar resultados significativos e promover o desenvolvimento pessoal e profissional de todos os envolvidos (Clot, 2006; Reis et al., 2022). Dimensão transpessoal De acordo com Reis et al. (2022), transcendendo a individualidade e o imediatismo, a quarta dimensão do trabalho reconhece que cada ofício carrega consigo uma rica história e contribui para a construção de uma memória coletiva, com a seguinte característica: o gênero profissional (tecendo a memória do trabalho). Os modos de fazer e pensar, intrinsecamente ligados à linguagem, moldam o que o sociólogo Yves Clot (2006) denomina como “gênero profissional”. Essa ferramenta fundamental atua Saúde e qualidade de vida do servidor penitenciário 20. MÓDULO 1: Conceitos iniciais AULA 1: processos históricos e a relação entre saúde e trabalho ENCERRAMENTO Ao concluirmos nossa primeira aula, podemos re- visitar os principais aprendizados que permearam nossajornada: Relação entre saúde e trabalho – breve histórico: • As condições de trabalho e de saúde na rev- olução industrial. • O surgimento da medicina do trabalho. • O surgimento da saúde ocupacional. • Medicina do trabalho e saúde ocupacional no Brasil. • Medicina do trabalho X Saúde ocupacional. Conceitos básicos: • Conceito de saúde e trabalho. • Conceitos de ergonomia. • Conceito de psicodinâmica do trabalho. • Conceito de qualidade de vida no trabalho. As dimensões do trabalho: • Dimensão impessoal. • Dimensão pessoal. • Dimensão interpessoal. • Dimensão transpessoal. como um repositório de conhecimentos e práticas acumulados ao longo do tempo, servindo como guia para as ações presentes e futuras dos profissionais. Um saber em constante evolução: o gênero profissional não se limita a um conjunto de regras estáticas e imutáveis. Ao contrário, ele se configura como um organismo vivo, em constante transformação e adaptação às novas demandas e realidades do mundo do trabalho. Por meio da interação entre as gerações de profissionais, o saber transpessoal se expande e se enriquece, garantindo a perpetuação e o aprimoramento das práticas laborais (Silva; Ramminger, 2014). Simultaneamente restrição e libertação: é importante destacar que o gênero profissional, embora forneça um arcabouço de conhecimentos e práticas valiosas, também pode impor certas restrições à atuação dos indivíduos. Há atividades que são incentivadas pelos pares, enquanto outras podem ser consideradas inadequadas ou até mesmo proibidas (Pinheiro et al., 2016). Um mapa para o futuro: compreender o gênero profissional é essencial para que os trabalhadores se situem no contexto histórico e social de sua profissão. Ao dominar esse saber transpessoal, os indivíduos se munem de ferramentas valiosas para navegar pelas complexas demandas do mercado de trabalho, projetando-se com segurança e confiança em direção ao futuro (Clot, 2006; Reis et al., 2022). Saúde e qualidade de vida do servidor penitenciário 21. MÓDULO 1: Conceitos iniciais AULA 1: processos históricos e a relação entre saúde e trabalho UM CONVITE À REFLEXÃO Ao longo da aula, fomos convidados a refletir sobre nossas próprias experiências com a saúde e o trabalho. Essa reflexão crítica nos permite compreender melhor a relação entre esses dois aspectos fundamentais da vida humana e nos motiva a buscar soluções para os desafios que se apresentam. Próximos passos: • caracterização do sistema penitenciário; • perfil dos servidores. Sobre as políticas voltadas à saúde e qualidade de vida dos servidores penitenciários, abordaremos: • legislações; • políticas públicas; • iniciativas de atenção à saúde e qualidade de vida; • articulação em rede para implementação dessa política. E muito mais! • Convidamos você a continuar explorando esse universo fascinante e a se engajar na construção de um ambiente de trabalho mais saudável e seguro para todos. LEMBRE-SE! Sua participação ativa é essencial para o sucesso da nossa jornada. Discuta os temas apresentados com os colegas, compartilhe suas experiências e conhecimentos, seja um multiplicador e fomentador de reflexões sobre a temática. Juntos, podemos construir um futuro mais saudável para o mundo do trabalho! Saúde e qualidade de vida do servidor penitenciário 22. MÓDULO 1: Conceitos iniciais AULA 1: processos históricos e a relação entre saúde e trabalho REFERÊNCIAS ABRAHÃO, J. et al. Introdução à ergonomia: da prática à teoria. São Paulo: Editora Blücher, 2009. 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Ministério da Justiça e Segurança Pública Secretaria Nacional de Políticas Penais André de Albuquerque Garcia Secretário Nacional de Políticas Penais Diretoria de Políticas Penitenciárias Sandro Abel Sousa Barradas Diretor de Políticas Penitenciárias Coordenação-Geral de Cidadania e Alternativas Penais Cintia Rangel Assumpção Coordenadora-Geral de Cidadania e Alternativas Penais Coordenação de Saúde Kleber Carlos Morais Coordenador Nacional de Saúde Fundação Oswaldo Cruz Mario Santos Moreira Presidente Fiocruz Brasília – GEREB Maria Fabiana Damásio Passos Diretora Escola de Governo Fiocruz Brasília (EGF) Luciana Sepúlveda Köptche Diretora Executiva Escola de Governo Fiocruz Brasília Avenida L3 Norte, s/n Campus Universitário Darcy Ribeiro, Gleba A CEP: 70.904-130 – Brasília/DF Telefone: (61) 3329-4550 FICHA TÉCNICA Esta obra é disponibilizada nos termos da Licença Creative Commons – Atribuição – Não Comercial – Compartilhamento pela mesma licença 4.0 Internacional. É permitida a reprodução parcial ou total desta obra, desde que citada a fonte. Coordenação-Geral do Projeto Valoriza - Saúde em Foco Ana Paula Morgado Carneiro André Vinicius Pires Guerrero Cintya Azevedo Gonçalves Deize Rackuel Pereira da Silva Kleber Carlos Morais Coordenação-Geral do Curso Ana Paula Morgado Carneiro André Vinicius Pires Guerrero Cintya Azevedo Gonçalves Deciane Figueiredo Mafra June Corrêa Borges Scafuto Letícia Maranhão Matos Sara Maria Baptista Reis Revisão Técnico-Científica Ana Beatriz Barbosa Barreiros Carla Fernanda de Almeida Lacruz Rodriguez Cintya Azevedo Gonçalves Deciane Figueiredo Mafra June Corrêa Borges Scafuto Kleber Carlos Morais Letícia Maranhão Matos Luciano Pereira dos Santos Sara Maria Baptista Reis Orientação Pedagógica Luciano Pereira dos Santos Conteudistas Jaqueline Tavares de Assis Letícia Maranhão Matos Milena Leal Pacheco Olga Maria Pimentel Jacobina Rodrigo Pereira Lopes Vilene Eulálio Magalhães Wladimir Rodrigues da Fonseca Produção Núcleo de Educação a Distância da EGF – Fiocruz Brasília Coordenação Geral Anna Pontes Coordenação Técnica Samuel Leandro Pereira Dourado Designer Educacional Fabrícia Kelly Alves Ramos Juliana Bermudez Souto de Oliveira Sarah Saraiva Silva Resende Revisão Textual Erick Pessôa Guilhon Editor AVA Rafael Cotrim Henriques Trevor Furtado Souza Produtor Audiovisual Arthur Boás da Silva Gonzaga Produtor Multimídia Márlon Cavalcanti Lima Designer Gráfico Agência Vidya Philippe Alves Lepletier Desenvolvedor Bruno Cardozo Cotrim da Costa Joana D’Angeles Costa Ribeiro Thiago Xavier da Silva Vando Carvalho Rodrigues Pinto Supervisão de Oferta Meirirene Moslaves Suporte Técnico Caio Cardoso Cotrim Henriques Dionete de Souza Gonçalves Sabate Poliana dos Santos Silva CRÉDITOS INTRODUÇÃO Objetivo da aula Relação entre saúde e trabalho: breve histórico O surgimento da medicina do trabalho O surgimento da saúde ocupacional Medicina do trabalho x Saúde ocupacional A medicina do trabalho e a saúde ocupacional no Brasil Conceitos básicos sobre saúde e trabalho Introdução da ergonomia ao trabalho Psicodinâmica no trabalho Qualidade de vida no trabalho Saúde integral: física e mental e as dimensões do trabalho ENCERRAMENTO REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Ficha técnica