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A PRÁTICA DOCENTE E O CONSUMO EQUIVOCADO DA DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA Thu. 7/22/2021 A divulgação científica, por si só, não é capaz de realizar o letramento científico dos estudantes. Já que essa tarefa pressupõe um período de tempo mais amplo e um trabalho que leve em consideração o conjunto de crenças de cada aluno. Algo inviável de tornar responsabilidade exclusiva do divulgador científico. Além disso, é necessário ter a clareza da existência de fenômenos externos ao processo de ensino-aprendizagem escolar que impactam os estudantes e criam barreiras ao desenvolvimento do letramento científico. Partimos do pressuposto que a semiformação é um deles. Isso ocorre porque os produtos da Indústria Cultural são obstáculos para o contato com conhecimentos mais amplos. Além do mais, esses mesmos produtos simplificam e distorcem a realidade, produzem uma sensibilidade restrita a padrões estereotipados e geram a homogeneização dos indivíduos. Como explicam Gomes e Álvaro (2017), o conceito de semiformação de Adorno foi elaborado no final da década de 1950. Nele, Adorno aponta que a padronização da existência ocorre através de fórmulas culturais de comportamento impostas e amplamente divulgadas pela Indústria Cultural. A lógica do consumo das mercadorias culturais tem como objetivo o processo de integração e identificação dos membros da sociedade. Trata-se de um fenômeno produzido através do prolongamento do trabalho para o tempo de entretenimento e lazer através da diversão. Logo, os indivíduos não percebem que ao consumir esses produtos atrofiam as suas capacidades intelectuais e são modelados pelos próprios produtos. Evidentemente, não se trata de afirmar a total anulação do indivíduo, pois a Indústria Cultural produz, como outras instituições de formação e opinião, condições de organização do campo perceptivo de maneira a causar, uma redução das capacidades mentais do indivíduo e, consequentemente, das possibilidades da ação deles. Não se deve confundir essa situação com a incultura do antigo estilo, vinculadas à religião tradicional e presente, por exemplo, no campesinato. A comunicação de massa rompeu com esse mundo pré-burguês de ideias. Nem mesmo se trata da não-cultura, como mera ingenuidade e simples ignorância. Para Adorno, a simples ignorância ainda permite um contanto com a realidade e apresenta qualidades “que se desenvolvem naqueles não inteiramente domesticados —, podia elevá-los à consciência crítica. Eis aí algo fora do alcance da semiformação cultural” (ADORNO, 2005, pág. 9). Inicialmente, a semiformação está presente nas camadas dos empregados médios e deve ser entendida como uma tendência da sociedade capitalista. Não se deve generalizá-la inadequadamente, já que “é possível que inúmeros trabalhadores, pequenos empregados e outros grupos, graças à sua consciência de classe ainda viva, embora debilitada, não caiam nas malhas da semiformação” (ADORNO, 2005, pág. 7). Atualmente, na sociedade da cultura digital fruto da revolução microeletrônica, a Indústria Cultural se expandiu para outros setores e se desenvolveu em novos campos inexistentes na época da análise realizada por Adorno e Horkheimer. Dessa forma, a semiformação se intensifica e dá sinais de alterar a própria noção de concentração. Aqui, a semiformação é um estado no qual a consciência do indivíduo se encontra desconectada, intercambiável e efêmera. Esse estado é identificado como uma fraqueza em relação à memória e uma aversão ao conceito de tradição. Os consumidores precisam viver a sua própria passividade, já que muitas vezes, eles têm consciência da mentira que o consumo de um determinado produto satisfaz os seus desejos. Mesmo assim, continuam consumido porque a frustração da existência é compensada pelo consumo de volumosa quantidade de produtos culturais que produzem prazeres preliminares contínuos. Assim, o indivíduo se converte em um sucedâneo de prazer jamais satisfeito. Essa situação não pode ser resolvida através de uma reforma pedagógica, mesmo estas sendo vitais, dado que é fruto do próprio processo de industrialização. Uma divulgação científica adequada é aquela que busca uma parceria com a instituição escolar com o objetivo de minimizar os efeitos da semiformação sobre os educandos. Logo, essa parceria deve incluir um diálogo com as crenças iniciais dos estudantes e um trabalho para alterar a sua relação com o tempo, a memória e concentração através do letramento científico. O futuro como possibilidade deriva das relações estabelecidas entre as mediações históricas do passado e do presente, tornando-se objeto de vislumbre da consciência do indivíduo cujo processo formativo deve sensibilizá-lo a refletir sobre os nexos espaço-temporais entre passado, presente e futuro.