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AULA 1 BIOENERGIA Prof. Marcos Baroncini Proenca 2 BIOMASSA E BIOENERGIA CONVERSA INICIAL É fundamental para qualquer gestor, nos dias de hoje, estar cada vez mais ciente das possibilidades da geração e do uso de fontes de energias alternativas e sustentáveis, levando em conta os dois maiores problemas do sistema produtivo mundial: 1. Consumo de energia; 2. Geração de efluentes e resíduos industriais. O consumo de energia nos coloca frente a um grande desafio, pois sua oferta não está mais apresentando condições de fazer frente à demanda crescente de nossa civilização, o que a tornará cada vez mais escassa e cara. Quanto à geração de efluentes e resíduos industriais, é de amplo conhecimento que esses poluentes vêm contribuindo para efeitos danosos na nossa biosfera, afetando diretamente a litosfera, a hidrosfera e a atmosfera, por isso sua destinação e seu tratamento correto são cada vez mais exigidos, seja pelos órgãos fiscalizadores ou pelo mercado consumidor. Assim, seja por questões econômicas, seja por consciência ambiental, torna-se relevante aos gestores terem uma visão atenta quanto às possibilidades da conversão de efluentes ou resíduos em fontes de energia, com foco estratégico nos benefícios tangíveis e intangíveis que possam agregar às empresas nas quais prestam serviços. É nesse contexto que a biomassa e sua conversão em bioenergia vêm adquirindo crescente importância no cenário estratégico mundial. Nesta disciplina serão fornecidos fundamentos que permitam uma imersão inicial nesse assunto, para que o gestor possa ter uma visão crítica e assertiva sobre a identificação das oportunidades de uso da biomassa para a geração de bioenergia. TEMA 1 – CONCEITUANDO A BIOMASSA Todo recurso de origem orgânica, sólida ou pastosa que seja renovável e possa ser convertido em algum tipo de combustível ou diretamente em energia é chamado de biomassa. É interessante observar que a biomassa não é necessariamente um resíduo de um processo, e pode ser gerada para essa finalidade. 3 Assim, a biomassa atinge todos os produtos florestais, madeireiros, têxteis agroindustriais, pecuários, além dos rejeitos e lixos urbanos. A primeira biomassa (até hoje usada para a geração de energia) foi a lenha. Na Primeira Revolução Industrial, era a fonte de energia principal para a geração do vapor que movia as indústrias. Depois disso, foi e vem sendo amplamente usada em termoelétricas. Segundo o Boletim de Informações Gerenciais da Agência Nacional de Energia Elétrica – Aneel (2018), a biomassa é uma matriz energética que, no nosso país, responde pela potência instalada de 14.548.593 kW em termoelétricas. Para uma potência total de termoelétricas instaladas de 41.593.113 kW, temos a biomassa como responsável por aproximadamente 35% desse tipo de geração de energia. A Figura 1 apresenta alguns detalhamentos sobre as termoelétricas: Figura 1 – Informações gerenciais sobre as termoelétricas 4 Fonte: Aneel, 2018. TEMA 2 – EVOLUÇÃO DO USO DA BIOMASSA Desde o período Paleolítico (aproximadamente 30.000 a.C), o homem de Cro-Magnon usava a biomassa para a geração de calor e luz, pelo domínio que adquiriu de fazer fogo com o uso de resina. A partir desse momento, passou a fazer mais atividades após o pôr-do-sol, lançou-se a maiores distâncias e começou a se desenvolver e dominar o meio ambiente, desenvolvendo também tecnologias rudimentares. No período Neolítico (entre 10.000 a.C e 5.000 a.C), aprendeu a estocar biomassa para a geração de energia (Figura 2). Esse foi um período de desenvolvimento muito importante, pois nele, entre outras coisas, o homem aprimorou diversas ferramentas rudimentares e criou a agricultura e a pecuária, deixando de ser nômade para começar as primeiras comunidades (Farias; Sellitto, 2011). Figura 2 – Arte rupestre representativa do período Neolítico Crédito: gerasimov_foto_174/Shutterstock. 5 A partir de então, a biomassa não seria mais usada apenas como fonte de energia para aquecimento, passando também a ser fundamental no desenvolvimento de artefatos de cerâmica. Na Idade do Cobre (3.000 a.C a 1.200 a.C), no Ocidente, a biomassa passou a ter importância fundamental para a humanidade, pois começaram a ser feitos os primeiros artefatos de metal para arados, em substituição à pedra polida, foram forjados os primeiros artefatos bélicos e cunhadas as primeiras moedas, em fornos desenvolvidos para isso. Nessa época, o uso de cavalos permitiu que comunidades distantes recebessem madeira e produtos, dando origem ao comércio. Como a madeira era abundante, não havia qualquer necessidade de manejo ou silvicultura. Permeando esses dois períodos (entre 6.000 a.C e 2.000 a.C), o uso do gás natural como fonte de energia para manter aceso o “fogo eterno”, o principal símbolo da seita religiosa na Pérsia, deu início ao uso de gás para gerar fogo. Em 307 a.C, na Dinastia Chin, a cidade de Sichuan teve um elaborado sistema usando bambus e betume para levar o gás natural para sua iluminação (Aquino et al., 2014), o que propiciou o entendimento do uso de outra fonte que não a madeira para a geração de energia. Mais adiante no tempo, no Oriente, especificamente na Dinastia Han (206 a.C a 220 d.C), houve o primeiro manejo florestal visando à produção de lenha para a geração de energia e de madeira para construção, tendo, assim, estabelecida oficialmente a importância da biomassa no âmbito estratégico de uma nação. No Ocidente, a silvicultura só começou a ser fundamentada na Idade Média (século V ao século XV), nos feudos. Depois, entre os séculos XV e XVIII, notadamente na Alemanha, as bases científicas da silvicultura foram desenvolvidas, dada sua dependência da madeira para os processos de mineração e refino de minérios. A partir dessa época, o carvão vegetal passou a substituir os troncos de madeira nos processos de fundição e geração de calor. No século XVII, especialmente na Inglaterra, a quantidade de madeira usada principalmente na construção da frota de navios provocou o esgotamento dessa biomassa, gerando a consolidação do carvão para a geração de energia. Nesse período, era uma fonte abundante e barata, mas, com o aumento de seu uso, foi ficando de exploração mais difícil, pela necessidade de buscar em camadas cada vez mais profundas, abaixo da superfície, nas minas de carvão mineral. Na Europa do século XIX, em especial na Alemanha, a lenha era mais valiosa do que hoje é o petróleo, o aço e diversos commodities (Carvalho, 2014). 6 Cabe fazer um parêntese para discorrer sobre os estudos do uso de biomassa para a geração do biogás, cujo primeiro registro foi feito por Jan Baptista van Helmont, em 1630, que observou a geração de gás combustível por decomposição da biomassa. Esses estudos evoluíram até a geração e o uso de biogás a partir de matéria orgânica, para ser utilizado no sistema de iluminação da cidade de Exerter, na Inglaterra, em 1895 (Aquino et al., 2014), na Primeira Revolução Industrial. Com a Revolução Industrial, o uso inicial da biomassa foi bastante intensificado, principalmente nas máquinas de tear movidas a vapor (Figura 3). Entretanto, com a evolução das tecnologias e dos processos de fabricação, assim como seus produtos e sistemas de transportes, a biomassa começou a ser preterida, sendo, então, substituída quase totalmente por combustíveis de origem fóssil, notadamente o carvão mineral e o petróleo (Farias; Sellitto, 2011). Figura 3 – Máquinas de tear da Revolução Industrial Crédito: Everett Historical/Shutterstock. Soma-se a esses combustíveis o crescente uso da eletricidade, cujo interesse dos industriais da metalurgia, especificamente com relação à galvanoplastia (iniciada no século XIX), tomou força a partir das descobertas de Thomas Edison e Werner Siemens, consolidando-se com a invençãodo motor de corrente alternada por Nikola Tesla, um verdadeiro marco que a levou em grande escala para as indústrias (Carvalho, 2014). Durante quase um século, a biomassa teve seu uso reduzido industrialmente a caldeiras e geração de energia em poucas termoelétricas, cujo uso foi preterido em favor do crescimento das usinas hidroelétricas e mesmo da introdução de usinas nucleares. No Brasil, isso não ocorreu de forma significativa. 7 Até a década de 1970, mais especificamente até 1972, a madeira representava a principal fonte de energia do país, principalmente pelo uso de seu derivado, o carvão vegetal, nas siderúrgicas nacionais. Sua produção em escala industrial começou no século XIX, em Minas Gerais, devido à escassez do carvão mineral e à abundância de madeira nativa, que passou a ser usada para essa finalidade. Hoje, 30% do carvão usado na siderurgia nacional é vegetal, o que lhe confere o terceiro lugar da fonte de energia mais usada no país, atrás apenas do petróleo e da energia elétrica (Rodrigues et al., 2016). No mercado internacional, o que prevaleceu foi o uso de combustíveis fósseis. Porém, com a crise do petróleo de 1973, devido aos conflitos entre Israel, Egito e Síria (Guerra de Outubro) – nos quais pela primeira vez os países árabes usaram o boicote do fornecimento do petróleo como arma para forçar um acordo de paz que também contemplasse seus interesses –, e 1978, com o conflito entre Irã e Iraque, houve uma reconsideração sobre a sustentabilidade do uso de combustíveis fósseis, abrindo internacionalmente uma agenda com vistas a sua substituição por outras formas de combustíveis, o que novamente levou a biomassa a ter seu uso cada vez mais intensificado (Farias; Sellitto, 2011). No Brasil, esse contexto levou à criação do Programa Nacional do Álcool (ProÁlcool), em 1975, visando diminuir nossa dependência do petróleo e suas consequências em nossa economia, uma vez que, nessa época, importávamos cerca de 80% do petróleo consumido no país (Michellon; Santos; Rodrigues, 2008). Depois da crise de 1978, houve a intensificação desse programa, e, com isso, foi incorporado o uso do bagaço de cana também como biomassa de importância estratégica para nossa economia. Embora tenha entrado num período de declínio nas décadas de 1980 e 1990, sendo quase extinguido, esse programa voltou a crescer e se consolidar a partir de 2003, em função de estudos que levaram a uma maior conscientização ambiental mundial e sustentabilidade energética, alavancada principalmente pelos estudos relacionados ao efeito estufa. O catalisador desse crescimento foi sem dúvida a assinatura do Protocolo de Kyoto pelo Brasil em 1998. Sob esse mesmo enfoque, foi criado em 2004 o Programa Nacional do Biodiesel (PNB), visando substituir parcela do diesel consumido no país em transportes urbanos, rodoviários de passageiros e cargas, além de sistemas geradores de energia com motores estacionários e equipamentos rurais e tratores, 8 por biodiesel. Assim, biomassas vegetais e animais, bem como resíduos industriais e urbanos, também entraram na matriz energética nacional, com destaque para o óleo de soja, de mamona, de canola, de girassol, de algodão e de palma, além do sebo animal e do óleo residual de fritura de uso doméstico, comercial e industrial (Cardoso; Shikida; Finco, 2017). Embora na Índia e na China, nos anos 1950 e 1960, foi iniciado um programa de geração de energia usando o biogás com desenvolvimento de tecnologia própria, no Brasil essa forma de bioenergia chegou a ser testada no Nordeste na década de 1970, com um programa de instalação de biodigestores, mas seus resultados não foram considerados satisfatórios e o programa foi encerrado. Após a 21ª Conferência das Partes (COP 21) da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC), em Paris (2015), começaram a ser implementados novamente programas de incentivo à produção do biogás, e hoje se tem a consciência de que esse tipo de bioenergia crescerá exponencialmente no Brasil. O Brasil é visto como o país de maior potencial para isso, devido à grande produção de biomassa necessária para essa finalidade. Em 2017, com a criação do RenovaBio, um programa de incentivo à matriz de biocombustíveis, estimou- se que ocorra um grande crescimento desse setor energético. O biogás tem seu principal uso na queima doméstica, mas há estudos para substituir o GNV e também ser usado em motogeradores de eletricidade (Milanez et al., 2018). Portanto, resíduos agrícolas e pecuários, bem como resíduos orgânicos de aterros sanitários, indústrias de alimentos e mesmo da indústria madeireira e silvicultura, passaram a incorporar nossa biomassa para a produção de energia. Fica claro, portanto, que o uso da biomassa sempre esteve bastante presente na história da humanidade e certamente estará cada vez mais como matriz energética estratégica mundial. Também é possível concluir que o Brasil é um país rico em biomassa e que tem um imenso potencial para se tornar um expoente mundial na sua exploração para gerar energia. TEMA 3 – CONCEITUANDO A BIOENERGIA A bioenergia pode ser entendida como toda forma de energia obtida por meio da conversão da biomassa. Hoje, é de grande valor estratégico mundial, e nela se inserem o vapor, a bioeletricidade e os biocombustíveis. 9 Segundo Nota Técnica de setembro de 2018 emitida pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), afiliada ao Ministério de Minas e Energia do Governo Federal, referente ao Plano Nacional de Energia – 2050 ([S.d.]) – PNE 2050 –, a estimativa do potencial de geração de bioenergia no Brasil atingirá 530 milhões de toneladas equivalentes de petróleo (tep). Uma vez que 1 tep equivale a 11, 63 x 103 kWh, a oferta atingirá 6.163.900 kWh, ou seja, 6,16 GWh (Figura 4). Figura 4 – Projeção PNE 2050 referente à produção de bioenergia Fonte: EPE, [S.d.]. É interessante observar na Figura 4 como a bioenergia está fortemente relacionada aos setores agrícola e florestal do Brasil. Somando as projeções de produção de bioenergia referentes ao manejo florestal sustentável, biomassa florestal convencional, palhas e pontas de cana, caldo para etanol, bagaço de cana e resíduos agrícolas, temos 444 milhões de tep, o que corresponderá a aproximadamente 84% da geração da bioenergia no país. Isso sem levar em conta as gorduras de origem vegetal para a produção do biodiesel e os resíduos sólidos de origem agrícola e agroindustrial presentes na fração orgânica dos Resíduos Sólidos Urbanos (RSU). Em um cenário de demanda de energia final previsto para o Brasil, até 2050, de 562 milhões de tep, conforme gráfico apresentado na Figura 5, correspondendo a aproximadamente 6,54 GWh, há uma projeção de que a bioenergia atenderá até 94% da demanda de consumo (Brasil, 2018). 10 Figura 5 – Evolução do consumo de energia final até 2050 Fonte: Brasil, 2018, p. 12. TEMA 4 – EVOLUÇÃO DA BIOENERGIA A primeira forma da bioenergia, que vem dos primórdios da humanidade, no período Paleolítico, mas que ainda segue sendo usada, é o calor. Este pode ser proveniente principalmente da queima da madeira, do biogás e do carvão. Usado inicialmente para a cocção dos alimentos e para aquecer, passou a ser adotado para gerar uma segunda fonte de bioenergia, o vapor. Muito embora a primeira máquina a vapor tenha sido desenvolvida por Heron de Alexandria no século III a.C, seu desenvolvimento efetivo foi feito no século XVII, para solucionar o problema de inundação nas minas de carvão e de minérios da Inglaterra, sendo iniciado por Denis Papin e otimizado por Thomas Severy. Entretanto, foi com a bomba a vapor proposta por Thomas Newcomen que o problema foi solucionado, solução esta que não foi definitiva. Com o aumento da profundidade das minas, a eficiência dessa máquina teve de ser melhorada.Foi aí que James Watts aumentou drasticamente sua eficiência por uma nova concepção dos cilindros, o que permitiu que o vapor fosse usado para mover não só bombas, mas também máquinas, navios e locomotivas, impulsionando a Primeira Revolução Industrial (Farias; Sellitto, 2011). Até hoje o vapor é de extrema importância para a indústria, a geração e a cogeração de energia elétrica. A geração de eletricidade pela biomassa ocorre em termoelétricas. A primeira termoelétrica do Brasil foi construída por ordem de Don Pedro II, em Campos dos Goytacazes, RJ, com capacidade de geração de energia suficiente para iluminar a Estação Central da Estrada de Ferro Dom Pedro II, que hoje é a Central do Brasil (Marcolin, 2005). 11 Com a implementação de usinas hidrelétricas e nucleares, as termoelétricas foram descontinuadas. Porém, com a crescente demanda energética necessária para o desenvolvimento do país, em 24 de fevereiro de 2000 o então Presidente da República Fernando Henrique Cardoso assinou o Decreto n. 3.371 (Brasil, 2000), que criou o Programa Prioritário de Termeletricidade, visando ampliar a matriz energética com termoelétricas a gás natural. Esse programa previa a implantação de 53 usinas por iniciativa privada, a partir de incentivos. Estão operando 22, das quais 12 são da Petrobras (Viegas et al., 2018). Pelo fato de não haver oferta grande de gás natural, sendo a maior delas feita pela Petrobras, as usinas termelétricas vêm sendo usadas como suporte para as hidrelétricas, tendo sido fortemente usadas nos períodos de seca entre 2013 e 2015. Com um forte impulso nas pesquisas para a cogeração de eletricidade do setor sucroalcooleiro, a bioeletricidade vem ganhando força com o uso do bagaço de cana como combustível de termelétricas. Soma-se a isso o uso de lenhas de florestas energéticas, que são florestas plantadas apenas para serem usadas em termelétricas. Assim, conforme já comentado no Tema 3, o PNE estima que a bioeletricidade seja responsável por mais de 80% da energia elétrica produzida no Brasil. O uso de biocombustíveis não representa qualquer novidade, uma vez que estes podem ser definidos, conforme o World Business Council for Sustainable Development (WBCSD), como combustíveis sólidos, líquidos ou gasosos provenientes da biomassa (Farias; Sellitto, 2011), e sempre caminharam com a história da humanidade. O principal biocombustível nacional é o álcool combustível. Em 1933, quando foi criado o Instituto do Açúcar e do Álcool pelo então Presidente Getúlio Vargas, o intuito foi destinar parte da cana-de-açúcar para a produção de álcool anidro, que seria usado como complemento à gasolina (Carvalho, 2014). O programa ProÁlcool intensificou essa meta, e, hoje, com os carros Flex e com o Programa RenovaBio, o álcool está vivendo uma nova onda de crescimento. Na sequência do álcool vem o carvão vegetal, que tem 70% de sua produção destinada à siderurgia, correspondendo a 30% do consumo de combustível para a produção do ferro gusa (Oliveira, 2011). Crescendo na matriz 12 energética nacional vem ainda o biodiesel, que, desde a criação do Programa Nacional de Produção e uso do Biodiesel pelo então presidente Luís Inácio Lula da Silva, vem tendo um aumento consistente em sua produção, chegando a um crescimento de 26% em 2018 (Nascimento, 2018). Por último, temos o biogás, que está na fase inicial de implementação e desenvolvimento, mas tem o maior potencial de crescimento. Esse potencial se justifica porque ele se configura como uma solução eficiente para a diminuição de emissão dos gases responsáveis pelo efeito estufa, uma vez que se transforma a partir de resíduos de agricultura, pecuária, silvicultura, urbanos e industriais de forma controlada, usando equipamentos chamados de biodigestores. É um combustível de grande espectro de aplicação, pois pode ser usado para a geração de energia elétrica em termoelétricas e motogeradores, bem como diretamente em veículos urbanos, rodoviários e também rurais, como motobombas e até tratores. Contribui ainda para a sustentabilidade, uma vez que, com a sua geração, os biodigestores também produzem biofertilizante, o qual, por ser rico em micronutrientes, é bastante recomendado para a fertilização de solos. Outros fatores que contribuem para seu potencial de crescimento são a variedade e a disponibilidade da biomassa, e também a facilidade do processo de sua geração, uma vez que este já ocorre naturalmente devido à degradação da matéria orgânica por micro-organismos. Pelo que foi apresentado até aqui, é inegável que a bioenergia vem crescendo no Brasil e no mundo, e ainda que ocupará certamente no futuro a posição de protagonista entre as fontes de energia a serem usadas pela humanidade. Em função disso, também vale observar que o Brasil tem todas as condições de se tornar líder na geração e na distribuição desse tipo de energia. TEMA 5 – FUNÇÃO ESTRATÉGICA DA BIOMASSA E DA BIOENERGIA Estamos entrando em uma nova era da economia mundial, denominada bioeconomia, e a função estratégica da biomassa e da bioenergia está profundamente atrelada a ela. Em 1971, os estudos do economista romeno Nicholas Georgescu-Roegen, que propôs um modelo econômico baseado na ecologia e na sustentabilidade, alicerçaram os conceitos da bioeconomia (Silva; Pereira; Martins, 2018). Embora ainda não haja consenso sobre a real definição da bioeconomia, termo criado pelos economistas e professores Juan Enriquez e Rodrigo Martinez, 13 de acordo com o relatório da Organização de Cooperação de Desenvolvimento Econômico (OCDE) publicado em 2006 (citado por Nunes; Lehfeld, 2017), há uma expectativa de que movimente 300 bilhões de euros em 2030. Ainda nesse relatório, a bioeconomia foi definida como “a parte das atividades econômicas que capturam valor a partir de processos biológicos e biorrecursos para produzir saúde, crescimento e desenvolvimento sustentável” (Nunes; Lehfeld, 2017, p. 951). Na Quarta Revolução Industrial, e, consequentemente, nova revolução econômica, a sua principal caraterística será a de ser uma economia baseada na substituição de recursos não renováveis por renováveis, além de recursos gerados pela transformação de resíduos em produtos de base biológica e de bioenergia (Silva; Pereira; Martins, 2018). Segundo o comunicado da Comissão do Parlamento Europeu (European Commission, 2012), a bioeconomia envolve conhecimentos em biomassa renovável, biotecnologias e integração em todas as aplicações. Dentro desse novo paradigma, abrem-se excelentes oportunidades para o amplo crescimento econômico do Brasil, pois, no que se refere aos conhecimentos de biomassa renovável, temos um grande acervo de pesquisas e desenvolvimento voltados a essa área, alicerçados principalmente pelas pesquisas do ProÁlcool, do PNB e do RenovaBio. Somos detentores de tecnologia de ponta na produção do álcool combustível, cujas pesquisas incentivadas pelo setor sucroalcooleiro nos levam à excelência nessa área de conhecimento. Esse setor vem incentivando fortemente estudos para a cogeração de energia usando o bagaço de cana-de-açúcar. Temos também importantes desenvolvimentos referentes à transformação da biomassa vegetal, animal e de resíduos urbanos e industriais em biodiesel, e somos detentores mundiais do conhecimento da redução do minério de ferro para a produção do ferro gusa usando o carvão vegetal. Nossas termoelétricas vêm gradativamente incorporando biomassas, como lenha de florestas energéticas, biogás e resíduos da indústria madeireira, como insumos para a produção de energia elétrica. Porém, o maior potencial do país quanto aos conhecimentos de biomassa renovável está no desenvolvimento tecnológico voltado para a produção do biogás, partindo de resíduos agrícolas, pecuários, industriais e urbanos. 14 Com relação àsbiotecnologias, temos importantes estudos no desenvolvimento de produtos farmacêuticos, micro-organismos, ou mesmo variedades de plantas e vegetais melhorados geneticamente, nos quais não nos aprofundaremos aqui, pois não são nosso foco. Na integração de todas as aplicações, que envolve produtos básicos e de saúde, indústria e meio ambiente, nosso crescimento estará atrelado a políticas de incentivo à pesquisa e ao desenvolvimento, principalmente do setor público, além do apoio do setor privado. No documento da Confederação Nacional das Indústrias (CNI, 2014) intitulado Bioeconomia: oportunidades, obstáculos e agenda, são apontados dois passos fundamentais para a inserção e o crescimento do Brasil na bioeconomia: 1. A necessidade de segurança jurídica para as empresas, por meio de um marco regulatório que permita que a bioeconomia seja efetivamente implementada no país, possibilitando práticas de governança, incentivos, cooperação internacional e competitividade, para que desenvolvimentos nas áreas de biomassa e biotecnologia possam gerar produtos competitivos nos mercados interno e externo. 2. A necessidade de fortalecimento científico e tecnológico, principalmente voltado à biologia molecular, seja por programas de incentivos públicos ou privados à pesquisa e à inovação tecnológica, voltados a instituições nacionais ou internacionais. Também são recomendadas outras medidas, como incentivos para que as pequenas e médias empresas que trabalhem com biomassa e biotecnologia possam se desenvolver financeiramente, ampliação da oferta de programas de graduação e pós-graduação, bem como intercâmbios, com foco nos três setores da bioeconomia, aumento de investimentos governamentais para recuperação, modernização e ampliação de laboratórios universitários e centros de pesquisa nas áreas do conhecimento da bioeconomia, ampliação e adequação de linhas de fomento aos novos negócios da bioeconomia com recursos públicos ou privados, entre outras. Assim, sabe-se que os olhos do mundo estão voltados à capacidade do Brasil de desenvolvimento nos três setores da bioeconomia. A importância estratégica da biomassa e da bioenergia se justifica plenamente como alavanca propulsora que levará ao nosso protagonismo econômico dentro dessa nova Revolução Industrial. 15 REFERÊNCIAS ANEEL – Agência Nacional de Energia Elétrica. 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