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DEFICIÊNCIA VISUAL UNIASSELVI-PÓS Autoria: Carolina dos Santos Maiola Tatiana dos Santos Indaial - 2019 2ª Edição CENTRO UNIVERSITÁRIO LEONARDO DA VINCI Rodovia BR 470, Km 71, no 1.040, Bairro Benedito Cx. P. 191 - 89.130-000 – INDAIAL/SC Fone Fax: (47) 3281-9000/3281-9090 Reitor: Prof. Hermínio Kloch Diretor UNIASSELVI-PÓS: Prof. Carlos Fabiano Fistarol Equipe Multidisciplinar da Pós-Graduação EAD: Carlos Fabiano Fistarol Ilana Gunilda Gerber Cavichioli Jóice Gadotti Consatti Norberto Siegel Julia dos Santos Ariana Monique Dalri Marcelo Bucci Revisão Gramatical: Equipe Produção de Materiais Diagramação e Capa: Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI Copyright © UNIASSELVI 2019 Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri UNIASSELVI – Indaial. M227d Maiola, Carolina dos Santos Deficiência visual. / Carolina dos Santos Maiola; Tatiana dos Santos. – Indaial: UNIASSELVI, 2019. 130 p.; il. ISBN 978-85-7141-414-3 ISBN Digital 978-85-7141-415-0 1. Deficientes visuais - Educação. - Brasil. I. Santos, Tatiana dos. II. Centro Universitário Leonardo Da Vinci. CDD 371.911 Impresso por: Sumário APRESENTAÇÃO ............................................................................5 CAPÍTULO 1 DEFICIÊNCIA VISUAL: ASPECTOS HISTÓRICOS, LEGAIS E CONCEITUAIS .................................................................................9 CAPÍTULO 2 O LÚDICO E A ALFABETIZAÇÃO DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA VISUAL ..........................................................39 CAPÍTULO 3 RECURSOS E ATENDIMENTO EDUCACIONAL ESPECIALIZADO ...........................................................................91 APRESENTAÇÃO A criança que enxerga estabelece uma comunicação visual com o mundo exterior desde os primeiros meses de vida porque é estimulada a olhar para tudo o que está a sua volta. A visão ocupa uma posição proeminente no que se refere à percepção de formas, tamanhos, contornos, cores e é capaz de integrar os outros sentidos, permitindo associar som e imagem, imitar um gesto ou comportamento e exercer uma atividade exploratória em um espaço delimitado (SÁ, 2007). A visão tem um papel fundamental na representação do mundo em que vivemos, como também das pessoas e das coisas com as quais convivemos. É nesse contexto de sociedade, na qual a visão é considerada primordial, que pessoas cegas ou com baixa visão estão inseridas, e um dos seus primeiros contatos e inserção social está relacionado a sua vida escolar. Esse espaço, como no seu contexto maior (sociedade), ainda privilegia as estratégias visuais como meio de mediação de conhecimentos, permeado por símbolos gráficos, imagens, letras, números, desenhos, podendo dificultar a inclusão desses alunos no contexto educacional. Dessa forma pretendemos, no decorrer deste livro didático, apresentar as características e peculiaridades em relação aos alunos cegos e com baixa visão, o atendimento especializado, a sua inserção no contexto escolar e as possíveis práticas inclusivas na escola e na sala de aula, através de estratégias e atividades pedagógicas. Nessa perspectiva, abordaremos os seguintes conteúdos: concepção de deficiência visual, definição, classificação e causas da deficiência visual, breve histórico sobre a deficiência visual no Brasil e no mundo e aspectos legais. O lúdico e a deficiência visual, alfabetização e noções básicas de Sorobã, para crianças com deficiência visual, orientação e mobilidade, AVD, práticas pedagógicas inclusivas, atendimento educacional especializado e plano de desenvolvimento individual. Bons estudos. Prof.ª Carolina dos Santos Maiola Prof.ª Tatiana dos Santos CAPÍTULO 1 DEFICIÊNCIA VISUAL: ASPECTOS HISTÓRICOS, LEGAIS E CONCEITUAIS A partir da perspectiva do saber-fazer, são apresentados os seguintes objetivos de aprendizagem: • entender a defi ciência visual; • classifi car a defi ciência visual em cegueira e baixa visão; • conhecer os direitos legais da pessoa com defi ciência visual; • analisar a história da defi ciência visual no Brasil e no mundo. 8 DEFiCiÊNCiA ViSuAL 9 DEFICIÊNCIA VISUAL: ASPECTOS HISTÓRICOS, LEGAIS E CONCEITUAIS Capítulo 1 1 CONTEXTUALIZAÇÃO Vivemos em um contexto em que o sentido da visão é considerado primordial para o desenvolvimento humano. Nesse mesmo contexto, e principalmente na escola, nos deparamos diariamente com crianças e adultos com defi ciência visual. Possivelmente, você conhece ou já teve (algum) contato com essas pessoas e percebeu que a visualidade do mundo não depende apenas do sentido da visão, percebeu que as pessoas que não dispõem desse sentido convivem em sociedade e se relacionam com seus pares a partir de uma série de adaptações e sensibilidade muitas vezes desconhecidas por muitos. Mas como a defi ciência visual foi sendo vista ao longo da história? Como entender o modo de ver dessas pessoas? 2 CONCEITOS DE DEFICIÊNCIA VISUAL Porém ela se deu conta de que Maria Luz era diferente. Seu jeito de ver as coisas não era igual ao da gente. [...] ela usava os ouvidos para entender os passarinhos. Era o nariz que lhe dizia que a primavera estava a caminho. O perfume ensinava o quanto a flor é bela, e o gosto da manga era a melhor explicação para a cor amarela [...] (MAGGIO, 2000, p. 16; 22). Maria Luz, personagem de Maggio (2000), é uma menina cega. A autora descreve o modo como seu personagem visualizava o mundo, por meio de sons, aromas e sabores, procurando encontrar um jeito de incluir-se no mundo visual. Na história de Maggio, Maria Luz, menina cega, é exemplo de inclusão e amizade que compartilhava todos os momentos com sua irmã e seus amigos. Para compreendermos o modo como as pessoas com defi ciência visual visualizam o mundo, primeiramente faz-se necessário compreendermos o conceito de defi ciência visual. A defi ciência visual pode ser classifi cada em dois grupos: de pessoas com baixa visão (ou visão subnormal) e de pessoas cegas. As causas mais frequentes de cegueira ou baixa visão são: • Retinopatia da prematuridade: causada pela imaturidade da retina, em decorrência de parto prematuro ou de excesso de oxigênio na incubadora. 10 DEFiCiÊNCiA ViSuAL • Catarata congênita: em consequência de rubéola ou de outras infecções na gestação. • Glaucoma congênito: que pode ser hereditário ou causado por infecções. • Degenerações retinianas e alterações visuais corticais. Pode ainda ser causada por doenças como diabetes, deslocamento de retina ou traumatismos oculares. Observe, na fi gura que segue, as principais partes do olho humano: FIGURA 1 – OLHO FONTE: . Acesso em: 10 ago. 2019. Para Conde (2006), professor do Instituto Benjamin Constant, uma pessoa é considerada cega se corresponde a um dos critérios seguintes: a visão corrigida do melhor dos seus olhos é de 20/200 ou menos, isto é, se ela pode ver a 20 pés (6 metros) o que uma pessoa de visão normal pode ver a 200 pés (60 metros), ou se o diâmetro mais largo do seu campo visual subentende um arco não maior de 20 graus, ainda que sua acuidade visual nesse estreito campo possa ser superior a 20/200. Esse campo visual restrito é muitas vezes chamado “visão em túnel” ou “em ponta de alfi nete”, e a essas defi nições chamamos de “cegueira legal” ou “cegueira econômica”. 11 DEFICIÊNCIA VISUAL: ASPECTOS HISTÓRICOS, LEGAIS E CONCEITUAIS Capítulo 1 Nesse contexto, caracterizamos como pessoa com baixa visão aquela que possui acuidade visual de 6/60 e 18/60 (escala métrica) e/ou um campo visual entre 20 e 50º. Acuidade visual (AV) é o grau de aptidão do olho para discriminar os detalhes espaciais, ou seja, a capacidade de perceber a forma e o contorno dos objetos. Essa capacidade discriminatória é atributo dos cones (células fotossensíveis da retina), queimitam olhos, nariz, boca e orelha. 49 O LÚDICO E A ALFABETIZAÇÃO DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA VISUAL Capítulo 2 FIGURA 11 – COLE BALL FONTE: Siaulys (2005, p. 49) Colete feito de nylon com faixas de velcro coloridas. Acompanhar com duas bolas recobertas de tecido pluma. Essa brincadeira permite desenvolver habilidades visomotoras e interação com outros participantes. FIGURA 12 – MÓBILE DE BOLINHAS FONTE: Siaulys (2005, p. 52) Bastidor com diâmetro de 17 cm, pintado de amarelo. No bastidor existem quatro furos onde passam barbantes de aproximadamente 40 cm. Na ponta de cada barbante está presa uma bola com guizo em cores variadas e os barbantes se unem na parte superior. Na ponta de união dos quatro barbantes está preso um quinto barbante com bola na ponta. 50 DEFiCiÊNCiA ViSuAL FIGURA 13 – MEIA CARETA FONTE: Siaulys (2005, p. 48) Meia de tamanho pequeno, vermelha, tendo na ponta um pompom amarelo. Na parte correspondente à planta do pé estão presos três guizos, colocados a certa distância um do outro. Aproveite essa alternativa para contar e/ou criar histórias e desenvolver a socialização e a linguagem da criança. FIGURA 14 – FANTOCHES FONTE: Siaulys (2005, p. 50) Luva confeccionada em tecido brilhante ou de cor viva, com elementos que formam uma carinha na palma da mão. FIGURA 15 – RODÃO FONTE: Siaulys (2005, p. 56) 51 O LÚDICO E A ALFABETIZAÇÃO DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA VISUAL Capítulo 2 Uma câmara de ar revestida de tecido em quatro cores. Na parte de cima do rodão estão presos com elástico diferentes objetos e brinquedos. Essa alternativa permite deixar a criança em uma posição confortável e segura, porém, permitindo acesso a vários brinquedos ao mesmo tempo. FIGURA 16 – LIVRO DAS GRANDEZAS FONTE: Siaulys (2005, p. 64) Livro de feltro colorido. Em cada folha estão presos elementos concretos, bidimensionais que apresentam formas e grandezas diferentes: comprimento, largura, altura, grossura. FIGURA 17 – BOLSÕES FONTE: Siaulys (2005, p. 87) Avental confeccionado de tecido. Os bolsos contêm objetos de higiene: sabonete, escova de dente, desodorante, escova de cabelo etc. 52 DEFiCiÊNCiA ViSuAL FIGURA 18 – BENGALA INFANTIL FONTE: Siaulys (2005, p. 101) Bengala branca dobrável, medindo 80 cm, dotada de ponteira com rolamento. Pode ser dobrada em quatro partes, medindo cada uma aproximadamente 20 cm. O cabo é feito de borracha preta com um elástico na parte superior. O elástico é útil para que a bengala fi que presa na mão, para pendurá-la ou manter as quatro partes juntas quando ela estiver dobrada. A bengala é acondicionada em uma sacolinha. Essa alternativa é utilizada gradativamente pela criança, de acordo com as necessidades e estímulos. Técnicas de como usá-la serão explanadas no decorrer do livro. FIGURA 19 – TAMPINHAS FONTE: Siaulys (2005, p. 104) Placa retangular feita de material leve e macio. Sobre a placa estão colados seis pequenos círculos, obedecendo à disposição dos pontos da cela braile. Sobre cada círculo se encaixa uma tampa recoberta com o mesmo material. Essa cela, em tamanho maior que a padrão, permite que a criança entre em contato com o mundo das letras, através da brincadeira. 53 O LÚDICO E A ALFABETIZAÇÃO DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA VISUAL Capítulo 2 FIGURA 20 – ALPHAÍMÃ FONTE: Siaulys (2005, p. 104) Placa retangular imantada. Acompanha seis botões coloridos, imantados e de forma circular. 3 CONSTRUÇÃO DE CONCEITOS COTIDIANOS E CIENTÍFICOS Para Bruno (1997), o professor deve estar atento para respeitar as formas diferentes de experiências sensoriais elaboradas pelos alunos. Conceitos de determinados fenômenos da natureza, como o brilho das estrelas ou o arco-íris, são experiências estritamente visuais, inacessíveis à observação do aluno cego. A autora sugere que esses conceitos não devam ser passados metaforicamente para o aluno e sim construídos através de imagens mentais táteis-cinestésicas- olfativas-gustativas experienciadas por elas mesmas, considerando que há fenômenos ou eventos que não podem ser objetivados, nem experimentados sensorialmente pela criança cega. Entretanto, há conceitos “adquiridos através da utilização dos outros canais sensoriais, desde que o aluno possa estabelecer relações de semelhança e diferença e o emprego de analogia com experiências vividas” (BRUNO, 1997, p. 53). O professor criativo que usa o método de investigação e reflexão pode ajudar o aluno a adquirir os seus conceitos a respeito de horizonte, luz, brilho, arco-íris e outros que o aluno possa ter difi culdade ou curiosidade para aprender. Se a pessoa cega perdeu sua visão no decorrer da vida (cegueira adventícia), a formação de conceitos está pautada em experiências visuais adquiridas antes da perda da visão. No entanto, se a pessoa possui uma cegueira congênita (ou seja, já nasceu cega), a formação de conceitos vai depender das experiências construídas por meio dos sentidos remanescentes e das mediações construídas socialmente, tanto no contexto familiar quanto no contexto escolar. 54 DEFiCiÊNCiA ViSuAL Sá, Campos e Silva (2007, p. 21) enfatiza que as crianças cegas operam com dois tipos de conceitos: 1) Aqueles que têm signifi cado real para elas a partir de suas experiências. 2) Aqueles que fazem referência a situações visuais, que embora sejam importantes meios de comunicação, podem não ser adequadamente compreendidos ou decodifi cados e fi cam desprovidos de sentido. Nesse caso, essas crianças podem utilizar palavras ou expressões descontextualizadas, sem nexo ou signifi cado real, por não se basearem em experiências diretas e concretas. Esse fenômeno é denominado verbalismo e sua preponderância pode ter efeitos negativos em relação à aprendizagem e ao desenvolvimento. Considerar esses aspectos nos atentará para a compreensão do cuidado que devemos ter quando trabalhamos a formação de conceitos com a criança cega, para que não se corra o risco de ela repetir de forma automática aquilo que ouve sem atribuir sentido e signifi cado. A utilização do lúdico pode ser uma estratégia pedagógica divertida e efi caz para a aquisição de conceitos e muitos deles já podem ser conhecidos e explorados desde os primeiros meses de vida. Conforme as experiências da criança, poderemos aumentar e complexifi car o repertório de informações e conceitos. Domingues et al. (2010, p. 38) nos agraciam com um belo texto que exemplifi ca como se deu a formação de alguns conceitos realizado por uma criança de 10 anos. Vamos acompanhar? Mateus e a dona Garça Mateus tem dez anos, é cego congênito e foi alfabetizado em uma escola pública de ensino regular. Durante os primeiros anos de escolarização, os educadores suspeitavam que se tratava de uma criança com autismo porque ele era arredio, apresentava maneirismos e comportamentos estereotipados. Ele adorava ler e apresentava um ótimo domínio do Braille. Mateus foi convidado a participar de uma atividade de leitura compartilhada para a gravação de um documentário sobre um livro infantil editado em tinta e em Braille. Ele e sua irmã Laura liam em voz alta quando Mateus deparou com a expressão “dona garça” e perguntou: “O que é garça? Ela morde?”. 55 O LÚDICO E A ALFABETIZAÇÃO DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA VISUAL Capítulo 2 No local havia uma exposição, na forma de reálias, de todos os bichos que apareciam na história, ele explorou com as mãos a fi gura da garça em relevo para perceber suas características. Assim, descobriu que se tratava de uma ave com um grande bico para bicar, e não para morder. Uma garça pode ser identifi cada e reconhecida visualmente pelas crianças que enxergam na gravura de um livro, em um zoológico, em um fi lme e em outras oportunidades, o que colabora para a compreensão de que a garça é uma ave com determinadas características que diferenciam de outras aves semelhantes. Do ponto devista da experiência visual, é menos provável que estas crianças perguntem se a garça morde. A mesma pergunta foi feita para João Lucas, um garoto de dez anos, aluno da quinta série, que convive com tios cegos, e ele responde: “é uma ave grande, pescoçuda, com um bico longo e as pernas compridas. É parecida com o fl amingo, que é diferente dela porque tem uma cor mais avermelhada. A garça fi ca de pé numa perna só, e a outra fi ca levantada e dobrada para trás”. FIGURA – UMA GARÇA DE PERFIL SOBRE A GRAMA FONTE: . Acesso: 7 mar. 2019. Essa defi nição é fruto da experiência visual de João Lucas, enriquecida com os conceitos aprendidos na escola. Ele e outras crianças de sua família convivem com adultos cegos, o que favorece o desenvolvimento natural de condutas e habilidades baseadas em um referencial perceptivo não visual porque elas aprendem, desde pequenas, a traduzir imagens em palavras, a não usar gestos ou mímicas em conversas, brincadeiras e outras situações familiares. Essas experiências revelam o quanto a convivência é educativa e transformadora. 56 DEFiCiÊNCiA ViSuAL Além disso, Bruno (1997, p. 45) reforça que no processo de formação dos conceitos: [...] a linguagem, o pensamento, a atenção, a memória, a abstração, as relações de equivalência, comparação, diferenciação e analogia são ativadas desenvolvidas de forma incessante na internalização e na construção de imagens mentais ou representações simbólicas. Por isso, o professor deverá estar atento ao seu planejamento educacional, bem como utilizar recursos tecnológicos específi cos para a pessoa cega, livros em formato acessível, recursos de audiodescrição e demais meios para possibilitar maior compreensão e ampliação do repertório de conceitos e de informações do educando cego. 1) Acompanhamos diversas alternativas de brinquedos que permitem desenvolver habilidades táteis, visuais, auditivas e de socialização para crianças com defi ciência visual. Você conhece outras brincadeiras que apresentam as mesmas fi nalidades? 4 ALFABETIZAÇÃO O dia mais importante de toda minha vida foi o da chegada de minha professora Sullivan. Fico profundamente emocionada quando penso no contraste imensurável das duas vidas que se juntaram. Ela chegou no dia 3 de março do 1887, três meses antes de eu completar 7 anos. Belos dias como esses fazem o coração bater ao compasso de uma música que nenhum silêncio poderá destruir. É maravilhoso ter ouvidos e olhos na alma. Isso completa a glória de viver. (HELEN KELLER) Os dizeres de Keller nos atentam para a importância da fi gura do professor alfabetizador nos anos escolares iniciais para o desenvolvimento e amadurecimento das crianças. Como a autora, todos nós guardamos lembranças de nossos primeiros professores, aqueles que nos ensinaram as primeiras letras, as primeiras palavras, nos alfabetizaram de diferentes maneiras e utilizando diferentes recursos. Esses nossos professores nos deixaram várias marcas, 57 O LÚDICO E A ALFABETIZAÇÃO DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA VISUAL Capítulo 2 marcas que hoje nós, professores, também deixamos em nossos alunos com ou sem necessidades especiais. Anteriormente, estudamos a importância do lúdico no desenvolvimento cognitivo, afetivo e social da criança com defi ciência visual, bem como as experiências simbólicas e conceituais construídas. Podemos considerar que esses aspectos apontados são subsídios e dão suporte para o desenvolvimento de habilidades de leitura, escrita e cálculo, pois as experiências lúdicas podem proporcionar: • noções de direção e lateralidade; • semelhanças e diferenças; • a classifi cação de objetos por tamanhos, formas, texturas; • o uso da mão de forma coordenada; • a exploração do tato; • manejo de conceitos espaciais; • a coordenação motora fi na e a orientação espacial. Além desses aspectos apontados, entendemos que as experiências relacionadas às relações pessoais, os contatos com materiais lúdicos, as brincadeiras, a independência construída nas pequenas coisas (como reconhecer seu quarto, vestir-se sozinha, escovar os dentes e outros) também contribuem para o processo de alfabetização. Outro aspecto relevante consiste na linguagem dessa criança, pois ela permite ampliar o desenvolvimento cognitivo através do relacionamento e como meio de controle do que está fora do alcance pela falta de visão (ao questionar espaços, pessoas, situações etc.). O aprimoramento da linguagem, tanto oral quanto escrita, manifesta-se nas habilidades de falar e ouvir, ler e escrever. Conforme Sá (2007), as crianças cegas operam com dois tipos de conceitos: 1) O que tem signifi cado real para elas a partir de suas experiências. 2) O que faz referência a situações visuais que podem não ser compreendidas ou decodifi cadas adequadamente e fi cam desprovidas de sentido (como, por exemplo, as cores, para as crianças que nunca tiveram uma experiência visual). Para isso, sugere-se que se invista o maior possível em experiências diretas e concretas. Por exemplo: para uma criança cega é difícil compreender o sistema solar, com seus planetas e movimentos, no entanto, é possível construir materiais e instrumentos pedagógicos que concretizem esses conceitos, permitindo que o aluno veja, através das mãos, como estão dispostos os planetas e a funcionalidade de um sistema solar. 58 DEFiCiÊNCiA ViSuAL Ainda, conforme Sá (2007, p. 21), “a falta de conhecimento, de estímulos, de condições e de recursos adequados pode reforçar o comportamento passivo, inibir o interesse e a motivação”. Por isso, é importante que tanto a família quanto o profi ssional da educação incentivem o comportamento exploratório da criança de modo que ela possa observar e experimentar tendo uma percepção global necessária ao processo de análise e síntese na formação de conceitos. No que se refere à alfabetização, o processo de apropriação da leitura e da escrita pelo aluno cego perpassa características muito comuns se comparado ao das crianças videntes, ou seja, a exploração de materiais lúdicos, com sons e texturas diferentes, o que podemos encontrar em livros infantis, jogos e brinquedos que estimulam o processo de alfabetização. Da mesma forma, apresentar o sistema braile consiste em torná-lo interessante e lúdico ao aluno. • Como é o sistema Braille? O sistema braile foi criado por Louis Braille, em 1825, e é conhecido universalmente como meio de leitura e escrita das pessoas cegas. Ele se baseia numa combinação de 63 pontos que representam as letras do alfabeto, os números e os símbolos gráfi cos. FIGURA 21 – ALFABETO BRAILE FONTE: . Acesso em: 16 jun. 2019. 59 O LÚDICO E A ALFABETIZAÇÃO DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA VISUAL Capítulo 2 A cela braile é formada por um conjunto de seis pontos dispostos em três linhas e duas colunas. No processo de alfabetização, essas celas podem se apresentar em tamanhos maiores, confeccionados a partir de madeira, EVA, cartolina e outros, para que a criança comece a ter contato com o alfabeto e os números e desenvolva habilidades táteis para posteriormente se adequarem ao alfabeto de tamanho padrão. Recursos tecnológicos e jogos pedagógicos contribuem para que as situações de aprendizagem sejam mais agradáveis e motivadoras. Com criatividade é possível selecionar, confeccionar e adaptar recursos que facilitem as aprendizagens dos alunos. Porém, é importante destacar que esses materiais elaborados devem apresentar fi delidade da representação com relação ao modelo original, ou seja, o braile padrão. O relevo deve ser facilmente percebido pelo tato (contrastes do tipo liso- áspero, fi no-espesso, permitem melhor distinção) e o material deve ser resistente, para que não se estrague com facilidade. Apresentamos algumassugestões de materiais para alfabetização em braile com base no manual de atendimento educacional especializado elaborado pelo Ministério da Educação, intitulado de Atendimento Educacional Especializado – Defi ciência Visual (2007): • Cela braile: confeccionada com caixas de papelão, frascos de desodorantes e embalagens de ovos. FIGURA 22 – CELA BRAILE FONTE: . Acesso em: 12 jun. 2019. 60 DEFiCiÊNCiA ViSuAL • Celinha braile: feitas com caixas de chicletes, botões, cartelas de comprimidos, caixa de fósforos, emborrachado. FIGURA 23 – CELINHA BRAILE FONTE: . Acesso em: 16 set. 2019. • Cela braile vasada: confeccionada em vários tamanhos, com acetato usado em radiografi as ou papelão. FIGURA 24 – CELA BRAILE VASADA FONTE: . Acesso em: 12 jun. 2019. • Caixa de vocabulário: caixa de plástico ou de papelão contendo miniaturas coladas em cartões com o nome do objeto em braile e em tinta. 61 O LÚDICO E A ALFABETIZAÇÃO DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA VISUAL Capítulo 2 FIGURA 25 – CAIXA DE VOCABULÁRIO FONTE: . Acesso em: 12 jun. 2019. • Alfabeto: letras cursivas confeccionadas com emborrachado, papelão ou arame flexível. • Gaveteiro alfabético: cada gaveta contém miniaturas de objetos iniciados com a letra fi xada em relevo e em braile na parte externa. FIGURA 26 – GAVETEIRO ALFABÉTICO FONTE: . Acesso em: 12 jun. 2019. • Pesca-palavras: caixa de plástico ou de papelão contendo cartelas imantadas com palavras em braile para serem pescadas com varetas de churrasco com ímã na ponta. • Roleta das letras: disco na forma de relógio com um ponteiro giratório contendo as letras do alfabeto em braile e em tinta. • Livro de bolso: as páginas são bolsos de pano contendo reálias e com palavras, frases ou expressões escritas em braile. • Grade para escrita cursiva: pautas confeccionadas com caixa de papelão, radiografi as, emborrachado e outros. 62 DEFiCiÊNCiA ViSuAL FIGURA 27 – GRADE PARA ESCRITA CURSIVA FONTE: . Acesso em: 12 jun. 2019. • Caixa de números: caixas de plástico ou de papelão contendo miniaturas. Colar na parte externa o numeral, em tinta, relevo e em braile, correspondente à quantidade de objetos guardados no interior da caixa. FIGURA 28 – CAIXA DE NÚMEROS FONTE: . Acesso em: 12 jun. 2019. • Prancha para desenhos em relevo: retângulo de eucatex recoberto com tela de náilon de proteção para produção de desenhos com lápis- cera ou recoberto com couro para desenhos com carretilhas. FIGURA 29 – PRANCHA PARA DESENHOS EM RELEVO FONTE: . Acesso em: 12 jun. 2019. 63 O LÚDICO E A ALFABETIZAÇÃO DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA VISUAL Capítulo 2 • Caneta maluca: caneta com um fi o comprido de lã enrolado em um carretel na parte superior e com a ponta enfi ada no lugar da carga para desenhar sobre prancha de velcro. FIGURA 30 – CANETA MALUCA FONTE: . Acesso em: 12 jun. 2019. • Baralho: adaptado com inscrição em braile do número e naipe. FIGURA 31 – BARALHO FONTE: . Acesso em: 12 jun. 2019. • Dominó: adaptado com diferentes texturas de tecido. • Jogo de dama: adaptado com velcro. • Jogo da velha: adaptado com peças de encaixe ou imantadas. 64 DEFiCiÊNCiA ViSuAL FIGURA 32 – JOGO DA VELHA FONTE: . Acesso em: 12 jun. 2019. • Resta-um: adaptado com embalagem de ovos e bolinhas de isopor ou papel machê e bolhinhas de gude. FIGURA 33 – RESTA-UM FONTE: . Acesso em: 12 jun. 2019. As estratégias pedagógicas apresentadas anteriormente são sugestões de COMO alfabetizar uma criança cega. Quando a criança compreende os processos de leitura e escrita dentro dos padrões em braile, podemos avançar para novos passos. Esses passos estão relacionados à forma como essa criança registrará as informações de que ela necessitar. Para isso são utilizados como instrumento a reglete e a punção, ou a máquina de escrever em braile (apresentaremos ainda o uso do computador, bem como os programas compatíveis aos defi cientes visuais). 65 O LÚDICO E A ALFABETIZAÇÃO DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA VISUAL Capítulo 2 FIGURA 34 – REGLETE E PUNÇÃO FONTE: . Acesso em: 12 jun. 2019. A escrita braile também apresenta outra peculiaridade, os movimentos de leitura e escrita são diferenciados. Ou seja, o movimento de perfuração é realizado da direita para a esquerda para produzir a escrita em relevo de forma não espelhada. No entanto, a leitura é realizada da esquerda para a direita. O item a seguir representa a organização dos pontos na cela referentes à leitura em braile: Na reglete, escreve-se da direita para a esquerda, na sequência normal das letras ou símbolos, invertendo-se a numeração dos pontos: Podemos exemplifi car com as letras do alfabeto. Para “ler” as letras “a”, “b” e “c” encontraríamos a composição das celas da seguinte forma: 66 DEFiCiÊNCiA ViSuAL Podemos exemplifi car com as letras do alfabeto. Para “escrever” as letras “a”, “b” e “c” encontraríamos a composição das celas da seguinte forma: Outro instrumento de registro refere-se à máquina de escrever em braile, que apresenta seis teclas básicas correspondentes aos pontos da cela braile. O toque simultâneo de uma combinação de teclas resulta nos pontos correspondentes aos sinais e símbolos desejados. FIGURA 35 – IMPRESSORA E MÁQUINA DE ESCREVER EM BRAILE FONTE: . Acesso em: 12 jun. 2019. • Sistema operacional Dosvox O Núcleo de Computação Eletrônica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) tem se dedicado à criação de um sistema de computação destinado a atender aos defi cientes visuais. O sistema operacional DOSVOX permite que pessoas cegas utilizem um microcomputador comum para desempenhar uma série de tarefas, adquirindo assim um nível alto de independência no estudo e no trabalho. 67 O LÚDICO E A ALFABETIZAÇÃO DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA VISUAL Capítulo 2 Para ter acesso ao programa DOSVOX, você pode baixar o programa através do site http://intervox.nce.ufrj.br/dosvox/download. htm. DOSVOX é um sistema gratuito e está disponibilizado na Internet. É possível obter diversos programas comumente usados pela comunidade DOSVOX. Além disso, existem programas que são complementos ao DOSVOX para temas específi cos, tais como ampliadores de telas para pessoas com visão reduzida e sintetizadores de voz para várias línguas. O programa é hoje distribuído em versões para Windows e Linux e é um software desenvolvido segundo a fi losofi a Open Source. A versão para Linux é também chamada de Linvox. O DOSVOX é composto de: • sistema operacional que contém os elementos de interface com o usuário; • sistema de síntese de fala, incorporando um sintetizador simples para português e conexão para sistemas profi ssionais de síntese de voz; • editor, leitor e impressor/formatador de textos; • impressor/formatadorpara braile; • programas sonoros para acesso à internet, como correio eletrônico e acesso a WWW.; • diversos programas de uso geral para o cego, como caderno de telefones, agenda de compromissos, calculadora, preenchedor de cheques, cronômetro etc. • jogos de caráter didático e lúdico; • ampliador de telas para pessoas com visão reduzida; • programas para ajuda à educação de crianças com defi ciência visual; • leitor de telas/janelas (versão para Windows). 68 DEFiCiÊNCiA ViSuAL 1) A partir dos exemplos deste capítulo, tente escrever (na forma de leitura e escrita) as letras do seu nome com o desenho de pequenas celas. 2) Selecione três materiais sugeridos neste capítulo e elabore objetivos de aprendizagem para a alfabetização de crianças cegas. 4.1 ALFABETIZAÇÃO PARA ALUNOS COM BAIXA VISÃO Bruno (1997) considera que estão contidas no processo de alfabetização da criança com baixa visão algumas variáveis relacionadas ao uso funcional da visão, tais como: • tipo de experiências visuais adquiridas – perceptivas e conceituais; • potencial visual utilizável para leitura e escrita; • possíveis alterações da sensibilidade aos contrastes e visão de cores; • necessidade de adaptação ambiental quanto à iluminação e condições posturais; • necessidade de adaptação de recursos ópticos ou não ópticos. 4.2 ESTIMULAÇÃO SENSORIAL E RECURSOS ÓPTICOS A criança com baixa visão apresenta pequenos resíduos de visão que necessitam ser estimulados e, por conta dessa situação, o processo de alfabetização se dá de maneira diferenciada da criança cega. O processo de alfabetização, como já mencionado anteriormente, não difere do processo de alfabetização para crianças videntes, no entanto, a criança com baixa visão necessita de adaptações para que consiga visualizar as letras, imagens, pautas do caderno e recursos ópticos que propiciem a ampliação de elementos textuais. A baixa visão ou visão subnormal pode ser classifi cada em leve, moderada, severa ou profunda e decorre de doenças como: doenças de retina, glaucoma, 69 O LÚDICO E A ALFABETIZAÇÃO DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA VISUAL Capítulo 2 catarata, traumas, diabetes, senilidade, entre outras causas. Essas doenças podem ocasionar a perda da visão central, perda da visão periférica, alteração na visão de cores ou diminuição da sensibilidade ao contraste. A adaptação e a estimulação da visão da criança com baixa visão são de suma importância para que essa criança não perca o resíduo de visão que lhe resta. Tratando-a como cega e lhe disponibilizando materiais em braile, estamos negando essa possibilidade de desenvolvimento da visão. As pessoas com baixa visão não enxergam da mesma maneira. Perceba o modo como a criança com baixa visão pode visualizar as coisas, nas imagens que seguem: FIGURA 36 – VISÃO NORMAL FONTE: . Acesso em: 26 set. 2019. FIGURA 37 – PERDA DA VISÃO CENTRAL (EX.: DMRI, STARGARDT) FONTE: . Acesso em: 26 set. 2019. 70 DEFiCiÊNCiA ViSuAL FIGURA 38 – PERDA DA VISÃO PERIFÉRICA (EX.: GLAUCOMA, RETINOSE PIGMENTÁRIA) FONTE: . Acesso em: 26 set. 2019. FIGURA 39 – PERDA DIFUSA DE CAMPO VISUAL (EX.: RETINOPATIA DIABÉTICA) FONTE: . Acesso em: 26 set. 2019. FIGURA 40 – DIMINUIÇÃO GLOBAL DA SENSIBILIDADE (EX.: CATARATA) FONTE: . Acesso em: 26 set. 2019. 71 O LÚDICO E A ALFABETIZAÇÃO DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA VISUAL Capítulo 2 Essa condição visual apresentada pela criança com baixa visão nos permite afi rmar que é fundamental que o professor trabalhe com adaptações e utilização de recursos ópticos, como já mencionamos no Capítulo 1, bem como com a estimulação precoce desde a educação infantil, possibilitando o desenvolvimento dessa criança. Tanto para o período de alfabetização como também para os demais anos escolares, alguns cuidados devem ser tomados em sala de aula, como a utilização dos recursos não ópticos que, para Conde (1998, p. 27), “são dispositivos não ópticos que não envolvem lentes, podem ou não ser especifi camente projetados para crianças defi cientes da visão e não têm que ser prescritos por um especialista”. Entre esses recursos, o autor sugere alguns dispositivos que poderão auxiliar no processo educacional. Mesa adaptada, projetada especifi camente para pessoas com baixa visão, que ajuda a diminuir a fadiga de postura, trazendo o trabalho para mais perto dos olhos do leitor. FIGURA 41 – SUPORTE DE LEITURA FONTE: . Acesso em: 12 set. 2019. Canetas que produzem grafi a grossa na escrita e desenhos, como pincéis atômicos: 72 DEFiCiÊNCiA ViSuAL FIGURA 42 – CANETA DE PONTA GROSSA FONTE: . Acesso em: 12 set. 2019. Acetato, que quando colocado sobre a página que foi impressa, escurece a impressão e intensifi ca o contraste. Papel com pautas ampliadas e em negrito, para facilitar a visão de crianças que apresentam difi culdade para ver as linhas no papel comum. FIGURA 43 – PAUTA AMPLIADA FONTE: . Acesso em: 12 set. 2019. 4.3 INTRODUÇÃO AO SOROBÃ Como pudemos perceber no subtópico anterior, a construção dos conhecimentos da leitura e escrita acontecem, preferencialmente, por meio das interações e do contato da criança com materiais concretos e contextualizados. Da mesma forma acontece a elaboração e a construção do número, através da apropriação das informações mais elementares, que embasam o conhecimento matemático. Ainda neste capítulo, apresentaremos as noções básicas do sorobã e pré-sorobã. 73 O LÚDICO E A ALFABETIZAÇÃO DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA VISUAL Capítulo 2 Quando criança, você teve a experiência de, ao ingressar na escola e ser introduzido no contexto da sala de aula da primeira série, a professora contar histórias que relatavam as primeiras formas de contagem do homem? O surgimento do número aconteceu devido à necessidade do homem de controlar seus bens, realizar negócios/trocas etc. Ifrah (1989) sugere que foram as pedras os primeiros objetos que permitiram a iniciação das pessoas na arte de calcular e estão presentes na origem do ábaco, confi gurando-se em um meio artesanal que viabilizou um sistema de contabilidade que utiliza o princípio da correspondência um a um. Ifrah (1989) ainda nos conta que essas tribos colocavam pedras em um fosso, cada pedra correspondendo a um guerreiro. Ao chegar à décima pedra, correspondente ao décimo homem, estas eram substituídas por apenas uma pedra, que era depositada em um segundo fosso. Esse processo de contagem e substituição era repetido até se atingir a passagem de cem guerreiros. As dez pedras que simbolizavam os cem guerreiros eram então representadas por apenas uma pedra, agora colocada em um terceiro fosso. Até hoje o sistema de valor posicional base dez é usado como sistema de numeração. O ábaco é considerado o instrumento de cálculo mais antigo, e sua palavra tem origem romana e deriva do grego abax ou abakon, que signifi ca superfície plana ou tábua. O ábaco foi um instrumento que a humanidade inventou no momento em que precisou efetuar cálculos mais complexos quando ainda não dispunha do cálculo escrito por meio dos algarismos indo-arábicos. Esboçado inicialmente a partir de sulcos na areia preenchidos por pedras, estes foram substituídos por uma tábua de argila e posteriormente pelo uso de pedras furadas e dispostas em hastes de metal ou madeira,as quais podiam correr livremente ao longo dessas hastes, conforme a realização do cálculo. O primeiro brasileiro a se preocupar com as ferramentas de que os cegos dispunham para efetuar cálculos em nosso país foi o professor Joaquim Lima de Moraes. Uma miopia progressiva fez com que ele interrompesse seu curso ginasial e, após 25 anos, em 1947, matriculou-se na Associação Pró-Biblioteca e Alfabetização para aprender o Sistema Braille. Por ser a Matemática uma de suas matérias prediletas, após aprender o Sistema Braille, voltou sua atenção para o modo de calcular dos cegos (TEREZINHA et al., 2006). O ábaco, então, sofreu adaptações e modifi cações para que pudesse ser utilizado pelas pessoas cegas, tendo seu nome sido formalizado como sorobã. Devemos atentar para a forma como introduzimos o uso do sorobã para as crianças cegas, para que seu conjunto de regras e as próprias regras inerentes ao ensino da matemática não se tornem algo rígido e pouco prazeroso. 74 DEFiCiÊNCiA ViSuAL Repasse o olho na fundamentação e nas dicas elucidadas no item referente aos jogos e brincadeiras. Essa prática social também viabiliza o desenvolvimento de noções e representações matemáticas. Ou seja, muitos “conceitos” matemáticos já vêm desenvolvidos através das práticas lúdicas vivenciadas pelas crianças (aquelas para quem a interação social e instrumental foi disponibilizada). Para Amiralian (1997), a formação de conceitos, a capacidade classifi catória, o raciocínio, as representações mentais e outras funções cognitivas revelam- se como fatores críticos para a educação de crianças cegas, constituindo preocupações prioritárias para teóricos que desenvolveram estudos e pesquisas sobre o referencial piagetiano. O desenvolvimento cognitivo da criança cega é bastante complexo, pois, por um lado, ela é completamente dependente do mediador vidente e, por outro, está dissociada da concepção de que o mediador tem do mundo. Para Kamii (1990), o conhecimento lógico-matemático consiste na coordenação de relações e, nesse processo de formação e aquisição do conceito de número, a criança passa por etapas de construção mental, como podemos ver no exemplo a seguir. Ao coordenar as relações de igual, diferente e mais, “a criança se torna apta a deduzir que há mais contas no mundo que contas vermelhas e que há mais animais do que vacas. Da mesma forma é coordenando a relação entre “dois” e “dois” que ela deduz que 2+2 = 4 e que 2 x 2 = 4” (KAMII, 1990, p. 15). Os elementos primordiais envolvidos na formação do conceito de número são: • Classifi cação, Seriação/Ordenação; • Sequência Lógica; • Contagem (em diferentes bases); • Inclusão de Classe; • Intersecção de Classe; • Conservação. Esses elementos fazem parte da construção de conceitos pré-numéricos, que devem ser trabalhados de forma lúdica, propiciando desde cedo a compreensão de número para que posteriormente a criança passe a compreender o Sistema de Numeração Decimal. O Sistema de Numeração Decimal são agrupamentos feitos de 10 em 10 unidades. 75 O LÚDICO E A ALFABETIZAÇÃO DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA VISUAL Capítulo 2 Os símbolos matemáticos utilizados para representar um número no sistema decimal são chamados de algarismos: 0, 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, que são utilizados para contar unidades, dezenas e centenas. • Sorobã Agora que compreendemos os processos que antecipam a sistematização do Sorobã, apresentaremos as partes principais desse instrumento e sua nomenclatura: • Contas: pequenos círculos que podem ser deslocados verticalmente. • Eixo: haste vertical na qual as contas podem ser deslocadas. • Régua de numeração: haste horizontal atravessada pelos eixos que dividem o sorobã em retângulos: o superior, contendo uma conta em cada eixo, e o inferior, contendo quatro contas em cada eixo. • Pontos: saliências situadas sobre a régua. Destinam-se, principalmente, a dividir o Sorobã em sete classes, consideradas da direita para a esquerda. FIGURA 44 – SOROBÃ FONTE: . Acesso em: 26 set. 2019. • Escrita e leitura dos números Cada conta do retângulo inferior vale uma unidade da ordem a que corresponde e cada conta do retângulo superior vale cinco unidades da ordem a que corresponde. 76 DEFiCiÊNCiA ViSuAL Quando todas as contas do mesmo eixo estiverem afastadas da régua, aí estará escrito zero. FIGURA 45 – PONTOS NO SOROBÃ FONTE: . Acesso em: 26 set. 2019. O Sorobã utiliza a base decimal para representar os números. Antes de representá-los, precisamos entender sua estrutura. Para escrever 1, 2, 3, 4 devemos deslocar para junto da régua as respectivas quantidades do retângulo inferior. Para escrever 6, 7, 8, 9 deslocamos a conta do retângulo superior (que vale 5) e as demais contas do retângulo inferior. Para numerais de dois ou mais algarismos, utilizamos tantos eixos quantos forem os algarismos. Vale ressaltar que a escrita de qualquer número deve ser feita a partir da ordem mais elevada. Apresentamos, a seguir, noções básicas das quatro operações realizadas através do Sorobã. As características específi cas de cada operação foram sugeridas por Costa (1982) e servirão de introdução e instrumentalização para os cálculos. Para saber mais, deixamos, ao fi nal deste capítulo, sugestões de bibliografi as para você que deseja se aprofundar melhor nesse assunto. a) Adição A técnica de adição possui algumas características específi cas: 77 O LÚDICO E A ALFABETIZAÇÃO DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA VISUAL Capítulo 2 • a adição é efetuada no sentido inverso, ou seja, a partir das ordens mais elevadas; • as parcelas são sempre adicionadas duas a duas. No caso de três ou mais parcelas, adicionam-se inicialmente as duas primeiras e, em seguida, o resultado parcial com a terceira e assim sucessivamente; • as parcelas são dispostas horizontalmente, impossibilitando a superposição da ordem, forma convencionalmente usada nas escolas; • a 1ª classe, a partir da direita, destina-se a conter os resultados parciais da adição que, gradativamente, vão sendo substituídos até que se chegue ao resultado fi nal; • no caso da reserva, adiciona-se uma unidade à ordem imediatamente superior. b) Subtração As técnicas de subtração no Sorobã possuem cinco características específi cas: • a subtração é efetuada no sentido inverso, isto é, a partir das ordens mais elevadas; • os termos da subtração fi cam dispostos horizontalmente, impossibilitando assim a superposição das ordens correspondentes; • as primeiras classes, a partir da direita, destinam-se a conter uma representação do minuendo e, após efetuada a operação, a diferença; • a subtração é efetuada como uma adição complementar: 5 para 7 faltam 2; • no caso do recurso (reserva), tira-se uma unidade da ordem imediatamente superior. c) Multiplicação Por conveniência de caráter didático, a multiplicação será apresentada sob a forma de dois casos: 1o) O multiplicando tem apenas um algarismo. 2o) O multiplicando tem dois ou mais algarismos. Destacaremos quatro características: • O multiplicador é representado nas primeiras classes da direita, deslocado para a esquerda da borda do aparelho, tantas ordens quantas forem os algarismos do multiplicando, mais 1. Assim, se o multiplicando (representado na 7ª classe) tiver um algarismo, o multiplicador será 78 DEFiCiÊNCiA ViSuAL deslocado duas ordens para a esquerda, restando, por conseguinte, duas ordens vazias a sua direita. • Os produtos parciais são adicionados à medida que estes vão sendo efetuados, de modo a obter-se o produto fi nal, concluído o último produto parcial. • A multiplicação de qualquer número por 10, ou qualquer de suas potências, é grandemente facilitada pelo fato de já estarem representados zeros no sorobã, antes de efetuada a operação. • Aunidade de cada produto parcial é sempre representada duas ordens à direita do último algarismo do multiplicador. No caso de o produto parcial apresentar 2 algarismos (dezena e unidade), a dezena fi cará junto do último algarismo do multiplicador, donde a necessidade de apagar este algarismo antes de efetuar o produto, retendo-o, por conseguinte, na memória. d) Divisão Por conveniência de caráter didático, a exemplo da multiplicação, a divisão será apresentada sob a forma de dois casos: 1o) O divisor tem apenas um algarismo. 2o) O divisor tem dois ou mais algarismos. Destacaremos cinco características específi cas da divisão no Sorobã: • Em virtude de disposição linear nos termos, os dividendos parciais são formados da esquerda para a direita, considerando-se, conforme o caso, uma ou mais ordens do dividendo primitivo. • O produto resultante da multiplicação de cada algarismo do quociente por cada algarismo do divisor deve ser retido na memória e subtraído imediatamente do dividendo parcial. • Efetuada uma divisão, o quociente e o resto fi cam representados à direita, fi cando, entre eles, pelo menos uma ordem vazia. • O zero ou zeros aparecem naturalmente no quociente, quando a técnica operatória da divisão for corretamente aplicada. • A disposição do quociente e do resto, colocados à direita, facilita grandemente a realização da prova real desta operação. Você poderá encontrar informações mais detalhadas sobre as quatro operações ou demais procedimentos matemáticos através das bibliografi as sugeridas ao fi nal do capítulo. 79 O LÚDICO E A ALFABETIZAÇÃO DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA VISUAL Capítulo 2 1) Planeje situações de aprendizagem que envolvam os elementos primordiais envolvidos na formação do conceito de número. 4.3 PRÁTICAS PEDAGÓGICAS INCLUSIVAS E SUPERAÇÃO ATRAVÉS DA ARTE A prática pedagógica inclusiva implica promover a escolarização de alunos que apresentam necessidades educacionais especiais em classes comuns. Neste subtópico trataremos dos seguintes assuntos: o defi ciente visual e a arte e Inclusão Escolar e Artes Visuais. a) O Deficiente Visual e a Arte A Arte está presente na vida das pessoas, desde o início da humanidade, como forma de comunicação e expressão. Por meio das expressões artísticas, é possível manifestar sentimentos e perceber o mundo de forma poética e sensível. Assim, ouvir uma música, uma poesia, apreciar um quadro, uma fotografi a, uma apresentação de teatro ou dança são modos de sentir Arte. Sentir Arte é um processo pelo qual o ser humano conhece a respeito de si e do mundo. Assim, o trabalho com a Arte está relacionado à percepção, à emoção, à intuição, à sensibilidade. “A arte é, por conseguinte, uma maneira de despertar o indivíduo para que este dê maior atenção ao seu próprio processo de sentir” (DUARTE JÚNIOR, 1988, p. 65). Por meio da Arte, podemos conhecer e entender a cultura do nosso tempo, sendo este um processo fundamental para a construção humana sensível. Para Pillotto (2004, p. 38), “A arte como linguagem, expressão e comunicação, trata da percepção, da emoção, da imaginação, da intuição, da criação, elementos fundamentais para a construção humana sensível”. Como vetor de construção humana sensível, a Arte possibilita contato com o mundo e consigo mesmo. Permite que, por meio dela, a criança conheça e compreenda o contexto em que está inserida, bem como desenvolva conhecimentos artísticos, culturais e históricos. 80 DEFiCiÊNCiA ViSuAL Tratando-se da Arte e também da defi ciência visual, encontramos grandes exemplos de superação, principalmente na música. Você já não ouviu falar de um dos maiores cantores do mundo, Andréa Bocceli? Realmente sua superação diante da cegueira é um exemplo de esforço e dedicação. Por meio de sua arte, Andréa Boccelli encanta e sensibiliza as pessoas por onde passa. Um pouquinho mais próximo de nós está a cantora Kátia, intérprete de MPB. Dois exemplos de cantores cegos que superaram a defi ciência através da Arte. FIGURA 46 – ANDREA BOCCELI E KÁTIA FONTE: e . Acesso em: 11 set. 2019. E por falar em superação, o que dizer do belíssimo trabalho desenvolvido por Fernanda Bianchini, através das aulas de dança, com as meninas que formam o Corpo de Balé das Meninas Cegas? Dançam e se apresentam no palco, interpretando suas coreografi as com o mais puro sentimento e profi ssionalismo. Já Bianchini trabalha com as adaptações necessárias para a aprendizagem da dança, a integração entre meninas com defi ciência visual, cegas e com baixa visão, e com técnicas de adaptações para reconhecimento de palco. O resultado? Belíssimas apresentações que nos emocionam não apenas por se tratar de Arte, mas pela vontade e determinação daquelas que através da superação fazem a diferença. 81 O LÚDICO E A ALFABETIZAÇÃO DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA VISUAL Capítulo 2 FIGURA 47 – BALÉ FERNANDA BIANCHINI FONTE: . Acesso em: 11 set. 2019. Os exemplos de superação pela Arte surgem desde cedo, por volta de 1890, na época dos impressionistas Edgar Degas e Claude Monet, que superaram a cegueira e não permitiram que sua arte desaparecesse com o desenvolvimento da doença. Monet, que fi cou cego devido a uma catarata, continuou pintando e deixando gravadas em suas telas as diferentes fases da perda de visão, como podemos perceber nas imagens a seguir: FIGURA 48 – A PONTE JAPONESA FONTE: Machado (1992, p. 24) A ponte japonesa foi pintada por Monet em diferentes anos, de 1899 a 1923, quando já estava quase cego. Claude Monet não deixou de pintar e passou a utilizar tons avermelhados e fortes em suas telas. O pintor fez uma cirurgia e obteve sucesso, podendo ter de volta a oportunidade de ver e admirar as paisagens. 82 DEFiCiÊNCiA ViSuAL Diferente de Claude Monet, Edgar Degas era um artista que adorava a dança, as mulheres e os cavalos. Perdeu a visão gradativamente e, como já não podia mais enxergar, passou a dedicar-se à criação de estatuetas de bailarinas e cavalos. Conforme sua difi culdade de enxergar aumentava, o tamanho de suas esculturas diminuía, assim como seus tons pastéis, que iam ganhando tons mais vivos. Morreu cego, mas em momento algum abandonou a criação, a experiência artística e a poética. FIGURA 49 – A BAILARINA FONTE: . Acesso em: 11 set. 2019. b) Inclusão Escolar e Artes Visuais Quando pensamos em Arte e em todas as possibilidades de trabalho e desenvolvimento humano que a Arte propicia em sala de aula, pensamos em “todos” os educandos como pessoas capazes de se sensibilizarem com a Arte e construírem diferentes aprendizados por meio dela. Para tanto, acreditamos ser necessário propiciar o acesso à Arte, em sala de aula, a todos os educandos, indiferente de suas limitações. Nesse trabalho, questionamos especifi camente o trabalho desenvolvido em Artes Visuais em turmas nas quais estudam educandos cegos, por se tratar de uma área da Arte especifi camente “visual”. Para trabalhar as Artes Visuais com educandos cegos, propiciando a inclusão, são necessárias adaptações de materiais que possibilitem uma linguagem tátil, linguagem esta que pode ser oportunizada a todos os educandos. 83 O LÚDICO E A ALFABETIZAÇÃO DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA VISUAL Capítulo 2 As imagens de obras de arte devem ser adaptadas com texturas e relevos. Perceba as adaptações realizadas por uma professora de Artes a seguir: FIGURA 50 – TEXTURIZAÇÃO FEITA COM LIXA FONTE: Santos da Silveira (2009, p. 86) FIGURA 51 – RELEVO FEITO COM BARBANTE FONTE: Santos da Silveira (2009, p. 86) FIGURA 52 – RELEVO FEITO COM TINTA RELEVO EM BISNAGA FONTE: Santosda Silveira (2009, p. 86) 84 DEFiCiÊNCiA ViSuAL FIGURA 53 – TEXTURIZAÇÃO FEITA COM AGULHA FONTE: Santos da Silveira (2009, p. 87) As adaptações realizadas pela professora foram desenvolvidas para trabalhar a leitura de imagem com “todos” os alunos. Dentro de uma proposta de trabalho com Artes Visuais, a professora propiciou a inclusão do aluno cego através de momentos de leitura de imagens, brincadeiras, intervenção individual e coletiva da obra de Arte, apreciação de artesanato local e modelagem em argila, apreciação de literatura e música. A seguir apresentamos a você algumas etapas desse trabalho que propiciou inclusão e aprendizagem através do conhecimento artístico e sensível. FIGURA 54 – LEITURA DE IMAGEM DE OBRAS DE ARTE FONTE: Santos da Silveira (2009, p. 89) 85 O LÚDICO E A ALFABETIZAÇÃO DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA VISUAL Capítulo 2 FIGURA 55 – ADAPTAÇÃO DE ILUSTRAÇÃO DE LIVRO DE LITERATURA FONTE: Santos da Silveira (2009, p. 96) FIGURA 56 – REPRESENTAÇÃO EM TELA ESPECIAL PARA DESENHO FONTE: Santos da Silveira (2009, p. 102) FIGURA 57 – INTERVENÇÃO INDIVIDUAL E COLETIVA FONTE: Santos da Silveira (2009, p. 123) 86 DEFiCiÊNCiA ViSuAL Apresentamos a você, pós-graduando, esse trabalho de inclusão nas Aulas de Artes Visuais por se tratar de uma área exclusivamente visual. Compreendemos que as adaptações necessárias para o desenvolvimento e a aprendizagem da pessoa cega devem ser realizadas em todas as áreas do conhecimento, e que nós devemos respeitar e atender às necessidades especiais de todas as pessoas. Para encerrar nosso capítulo, apresentamos uma relação de fi lmes que abordam essa temática: • A cor do paraíso – o fi lho espera o pai vir buscá-lo para as férias, na escola especial para cegos. O seu pai está relutante em levá-lo para casa, por pensar que o fi lho cego atrapalhará suas pretensões de se casar de novo. • A maçã – trata do isolamento social de duas meninas gêmeas, fi lhas de mãe cega e de pai muito velho que, para ganhar a vida, vive pela aldeia, rezando. • À primeira vista – uma arquiteta de férias num hotel apaixona-se pelo massagista cego. Convence-o a submeter-se a uma operação para voltar a enxergar. Mostra as difi culdades do voltar a enxergar. • Além dos meus olhos – Ethel e James formam um casal de cegos. Sempre viveram bem. Não podem ter fi lhos e lutam contra a burocracia do Estado e a desconfi ança dos assistentes sociais para adotar uma criança. • Castelos de gelo – patinadora adolescente é descoberta por famosa treinadora, que transforma a garota em campeã mundial. No auge da fama, ela sofre um acidente, que a deixa cega, tendo de recomeçar do zero, com a ajuda do namorado. • Dançando no escuro – uma imigrante tcheca leva uma vida dura trabalhando em uma usina nos EUA. Está perdendo a visão e tenta esconder isso. Seu fi lho é geneticamente condenado a também desenvolve a doença. • Desafio sem limites – um jogador de futebol americano fi ca cego. Um dentista paraplégico lhe propõe uma parceria: enfrentarem, juntos, um campeonato de canoagem. Baseado em fatos reais. • Gente que voa – um campeão mundial de pipas e suas tentativas de ensinar seu chefe cego a empinar pipas. Um documentário sobre duas pessoas e suas paixões pelo voo. • Janela da alma – dezenove pessoas com defi ciência visual contam como se veem, como veem os outros e como se relacionam com o mundo. • O milagre de Anne Sullivan – professora tenta fazer Helen Keller, uma garota cega e surda, entender melhor as coisas que a cercam. Para isso entra em confronto com os pais da menina, que sempre sentiram pena da fi lha e a mimaram. 87 O LÚDICO E A ALFABETIZAÇÃO DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA VISUAL Capítulo 2 • O sino de Anya – mulher cega encontra em seu vizinho, um garoto de 12 anos, a amizade e a ajuda para enfrentar a vida. • Perfume de mulher – o fi lme relata a história de um ex-capitão do exército, cego e amargo, e sua relação de amizade com um jovem contratado para acompanhá-lo. • Uma vida para viver – crianças com defi ciência visual, preparadas por seus professores para uma vida independente, falam sobre o que querem ser quando crescerem e mostram acreditar que não existem barreiras ou limites para elas. FONTE: Adaptado de . Acesso em: 11 set. 2019. Nesse site você encontrará uma lista com mais de cem (100) sugestões de fi lmes com temas que abordam algum tipo de defi ciência, além de outros assuntos relacionados à inclusão. 1) Agora que você já refletiu sobre a prática pedagógica e sobre alguns exemplos de superação pela arte, conecte sua internet e pesquise alguns exemplos de superação além daqueles que citamos anteriormente. Procure conhecer os belíssimos trabalhos desenvolvidos em todo o nosso país. Procure apreciar a música e a dança e escreva o que descobriu de novo, bem como a sensação de apreciar a Arte de pessoas tão especiais. 5 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES Neste capítulo, apresentamos uma série de brinquedos e brincadeiras adaptadas de forma criativa pela autora do livro Brincar para todos, de Siaulys (2005). Consideramos, tendo como base os autores abordados, o brincar como momento fundamental para o desenvolvimento de “todas” as crianças, indiferente de suas necessidades ou de suas limitações. Atentamos para a preocupação com adaptações e com a estimulação visual, que deve acontecer desde cedo com crianças com defi ciência visual, propiciando experiências sensoriais e desenvolvimento motor, oral e emocional, além de também desenvolver a criatividade e a autonomia das crianças. 88 DEFiCiÊNCiA ViSuAL Estudamos também um pouco sobre a alfabetização de crianças com defi ciência visual, o sistema braile e os materiais necessários para realizar o trabalho com esse sistema. A alfabetização deve acontecer de forma signifi cativa e envolver os aspectos lúdicos em todos os processos e fases. O sistema braile é composto por celas de seis pontos, cuja combinação resulta em letras do alfabeto, números e sinais gráfi cos. Essas celas devem ser trabalhadas também de forma lúdica, propiciando ao educando uma compreensão das combinações e posteriormente a alfabetização propriamente dita. É importante que o educando construa celas com diferentes materiais em tamanhos maiores, para posteriormente identifi car com maior entendimento e facilidade o sistema braile. Cabe esclarecer que a alfabetização e o trabalho com o sistema braile devem ser utilizados com crianças cegas, pois a criança com baixa visão deverá ser estimulada a utilizar o resíduo visual que lhe resta. Para essas crianças, a alfabetização deve ser trabalhada através de adaptações de ampliações e utilização de recursos ópticos para visualização. Referente ao Sorobã, é importante destacar que foi o Ábaco que sofreu adaptações para ser utilizado pelas pessoas cegas. Para iniciar o ensino da matemática através do Sorobã é necessário conhecer suas partes, que são o eixo, a régua de numeração, os pontos e as contas. Antes de trabalhar o Sorobã propriamente dito, a criança deverá compreender os conceitos pré-numéricos, a fi m de apropriar-se dos conceitos de número e sistema de numeração decimal, pois compreendendo esses conceitos, a criança iniciará a aprendizagem matemática das quatro operações básicas com o apoio desse recurso pedagógico: o Sorobã. Apresentamos também a você, pós-graduando, alguns exemplos de pessoas que superaram as difi culdades de inclusão social e desenvolveram um lado artístico fascinante. Citamos os cantores Andréa Boccelli e Kátia, os artistas plásticos do Impressionismo, Claude Monet e Edgar Degas e o Belíssimo Corpo de Balé das meninas cegas, trabalho de Fernanda Bianchini. Cada um na sua época apresenta, através da Arte, a possibilidade de inclusão social e o desenvolvimento artístico, capacidades subestimadas infelizmente ainda por muitas pessoas. 89 O LÚDICO E AALFABETIZAÇÃO DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA VISUAL Capítulo 2 Ainda, vimos práticas pedagógicas de ensino de Artes Visuais em turmas nas quais estudam alunos cegos. Pesquisas já revelaram que professores dessa área enfrentam grande difi culdade para desenvolverem seu trabalho, por se tratar de uma área exclusivamente visual. Como você pôde perceber nos exemplos apresentados, as adaptações necessárias para o trabalho com Artes Visuais são adaptações necessárias para todas as áreas do conhecimento, principalmente quando se tratar de atividades com utilização de imagens. O que não podemos é acreditar que as pessoas aprendem da mesma forma. Devemos, sim, acreditar que é possível trabalhar com adaptações para as necessidades de todos os alunos, indiferente de quais necessidades eles possam apresentar, pois o respeito pelas pessoas faz parte da nossa concepção de ser humano. REFERÊNCIAS AMIRALIAN, Maria Lúcia T. M. Compreendendo o cego: uma visão psicanalítica da cegueira por meio de desenhos-estórias. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1997. BRUNO, M. M. A defi ciência visual: conceitos e defi nições. In: BRUNO, M. M. Deficiência visual: reflexão sobre a prática pedagógica. São Paulo: Laramara, 1997. CONDE, Antonio João Menescal (Adap.). Quando houver crianças defi cientes da visão em sua sala de aula: sugestões para professores, 1998. Disponível em: http://200.156.28.7/Nucleus/media/common/Nossos_Meios_RBC_ RevJun1998_ Artigo1.doc. Acesso em: 27 jul. 2019. COSTA, Linz. A estruturação da inteligência do pré-escolar segundo Piaget. Rio de Janeiro: Anima, 1982. DOMINGUES, Celma dos Anjos et al. A educação especial na perspectiva da inclusão escolar: os alunos com defi ciência visual: baixa visão e cegueira. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Especial. Fortaleza: Universidade Federal do Ceará, 2010. DUARTE JÚNIOR, João Francisco. Por que arte-educação? 5. ed. Campinas: Papirus, 1988. IFRAH, George. Os números: a história de uma grande invenção. São Paulo: Global, 1989. 90 DEFiCiÊNCiA ViSuAL KAMII, Constance. Trad. Regina A. de Assis. A criança e o número: implicações educacionais da teoria de Piaget para a atuação junto a escolares de 4 a 6 anos. 12. ed. Campinas: Papirus, 1990. 124 p. MACHADO, Ana Maria. (trad.) Linéia no jardim de Monet. São Paulo: Moderna, 1992. MUNDURUKU, Daniel. O olho bom do menino. São Paulo: Brinque-book, 2007. PILLOTTO, Silvia Sell Duarte. O Conhecimento sensível: uma contribuição para o aprendizado humano. In: PILLOTO, Silvia Sell Duarte; SCHRAMM, Marilene K.; CABRAL, Rozenei W. (Orgs.). Arte e o ensino da arte. Blumenau: Nova Letra, 2004. SÁ, Elizabeth de Oliveira de; CAMPOS, Izilda Maria de; SILVA, Myriam Beatriz Campolina. Atendimento educacional especializado: defi ciência visual. Brasília, 2007. SANTOS DA SILVEIRA, Tatiana dos. Vendo com as mãos: Práticas Pedagógicas para a Inclusão Escolar em Artes Visuais. Dissertação (Mestrado em Educação), Universidade Regional de Blumenau (FURB), Blumenau, SC, 2009. SIAULYS, M. O. C. Brincar para todos. Brasília: MEC/SEESP, 2005. TEREZINHA, Cleonice et al. A construção de conceito de número e o pré- soroban. Brasília. Ministério da Educação. Secretaria da Educação Especial, 2006. CAPÍTULO 3 RECURSOS E ATENDIMENTO EDUCACIONAL ESPECIALIZADO A partir da perspectiva do saber-fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem: • compreender o processo de orientação e mobilidade para a criança cega, dentro do contexto escolar; • reconhecer a Orientação e Mobilidade como área voltada à educação e à reabilitação de pessoas com defi ciência visual; • apontar técnicas de orientação e mobilidade na escola (reconhecimento de espaço, técnica da bengala, posicionamento na sala de aula e posicionamento para sentar-se); • diferenciar técnicas de autoproteção; • apontar técnicas de segurança desenvolvidas pelo professor; • reconhecer a importância do desenvolvimento da autonomia da criança com defi ciência visual, para a realização de atividades da vida escolar e diária; • identifi car técnicas de reconhecimento de Espaço; • descrever técnicas de adaptação diária (atividades domésticas, saúde e segurança, vestuário, higiene e alimentação); • compreender a organização das salas de recurso multifuncionais; • identifi car a necessidade de desenvolvimento de Plano de Desenvolvimento Individual (PDI); • compreender a importância do Plano de Desenvolvimento Individual (PDI) para o processo de inclusão da criança com defi ciência visual. 92 DEFiCiÊNCiA ViSuAL 93 APLICABILIDADE DO MARKETING: TENDÊNCIAS E TAREFAS FUNDAMENTAIS Capítulo 3 1 CONTEXTUALIZAÇÃO A organização deste capítulo consiste em apresentar a você, leitor, as técnicas de Orientação e Mobilidade necessárias para que a criança desenvolva sua autonomia e possa identifi car esse espaço do qual estamos falando, que é a escola, bem como localizar-se e locomover-se dentro dela. Além das reflexões sobre Orientação e Mobilidade, também apresentaremos a você as Atividades da Vida Diária. Essas atividades que fazem parte da vida escolar e diária dos alunos favorecem o desenvolvimento da autonomia, além de facilitarem, enriquecendo a aprendizagem dentro e fora do ambiente escolar. Para essa organização, a elaboração do Plano de Desenvolvimento Individual (PDI) é fundamental para a inclusão dos alunos com defi ciência visual. Assim, também abordaremos neste capítulo, conceitos sobre a organização deste plano e das salas de recursos multifuncionais para o desenvolvimento do atendimento educacional especializado. 2 ORIENTAÇÃO E MOBILIDADE Orientação e Mobilidade são defi nidas como área específi ca da educação e reabilitação de pessoas com defi ciência visual, congênita ou adquirida. Essa área tem como objetivo proporcionar ao aluno cego ou com baixa visão o desenvolvimento da autonomia na locomoção e identifi cação do espaço físico onde está inserido. Especifi camente na escola, essa área de educação e reabilitação auxilia o aluno a construir uma visão ou espécie de mapa cognitivo do espaço que o rodeia, permitindo a essa criança a identifi cação, locomoção e inclusão social nos espaços educacionais, desenvolvendo também a autoestima e a independência. Para desenvolver essa autonomia das crianças com defi ciência visual, a área de Orientação e Mobilidade trabalha com os sentidos remanescentes, como o tato, olfato, audição, visão residual, pontos de referência, bengala, entre outros, utilizando técnicas apropriadas e específi cas. Essas técnicas trabalham com pontos importantes como o equilíbrio e a coordenação, a postura e o passo, caminhar em linha reta e executar voltas, porém alguns conceitos básicos são necessários para que a criança com defi ciência visual possa movimentar-se com segurança. Entre esses conceitos, destaca-se o conhecimento corporal, espacial e ambiental. 94 DEFiCiÊNCiA ViSuAL Esses conceitos podem ser trabalhados através de brincadeiras e mapas táteis, entre outros. Masi (2003, p. 47) atenta que: O professor deve incluir tais conceitos em seus programas pedagógicos de acordo com a idade, vivência, interesses e necessidades das crianças. Foi levantado um grande número de conceitos envolvidos na orientação e mobilidade, mas as crianças não precisarão dominar todos eles. Alguns conceitos poderão ser desenvolvidos por meio de atividades utilizando mapas táteis, maquetes, modelos esquematizados, miniaturas, jogos de construção, fi guras geométricas bidimensionais e tridimensionais. Os conceitos devem ser desenvolvidos por meio de vivência, ação, participação em atividades físicas, esportivas, e recreativas, com brinquedos e brincadeiras onde os movimentos básicos são amplamente contemplados como: rastejar, andar, engatinhar, escorregar, saltar, correr, rolar, trepar, puxar, empurrar, balançar e outros. As técnicas de Orientação e Mobilidade permitemà criança com defi ciência visual sentir-se mais segura e livre para conviver com seus pares e habituar-se ao ambiente escolar. A seguir, apresentaremos algumas técnicas de Orientação e Mobilidade fundamentais para o desenvolvimento do aluno cego no ambiente escolar. • Guia Vidente O guia vidente pode descrever, relatar e informar, ao aluno com defi ciência visual, pontos de referência, de interesse e importância no trajeto dentro da escola, na locomoção da sala para o pátio, banheiro, sala de informática, ginásio de esportes etc. O trabalho do guia vidente é de uma certa extensão dos sentidos táteis do aluno cego. Ele deve caminhar ao lado aluno, passando-lhe informações, propiciando uma locomoção segura e o desenvolvimento da autonomia. Para Conde (1998, p. 4): Às vezes uma criança defi ciente visual pode escolher (ou precisar) utilizar um guia (vidente). Para a facilidade e a segurança do movimento, a criança deve pegar o braço do guia fi rmemente, logo acima do cotovelo (uma criança mais jovem que está com um adulto, pode segurar o pulso dele), de forma que o polegar esteja do lado de fora e os outros dedos estejam do lado de dentro do braço do guia. A criança e o guia mantêm os braços juntos a seus corpos, de forma que a criança fi que posicionada, automaticamente, meio passo atrás 95 APLICABILIDADE DO MARKETING: TENDÊNCIAS E TAREFAS FUNDAMENTAIS Capítulo 3 do guia. Quando se tratar de passagens estreitas, o braço do guia será colocado para trás dele, de modo que a criança saiba que tem que estar diretamente atrás do guia. Avisos verbais também são importantes; por exemplo, o guia deve informar se escadas e meio-fi os estão subindo ou descendo. À medida que a criança e o guia se tornam mais familiarizados entre si, uma parada do guia pode ser o sufi ciente para indicar a aproximação da mudança de nível. Além do trabalho do guia vidente ainda existe a técnica com bengala e as técnicas de autoproteção: proteção superior, proteção inferior, enquadramento, tomada de direção e método de pesquisa. • Técnica com a bengala A bengala é um recurso seguro, utilizado para locomoção e tem como função a proteção, orientação e detecção de informações, como se funcionasse como uma extensão das pernas e dos braços de um indivíduo com defi ciência visual. No caso de crianças, podemos oferecer diferentes brinquedos para desenvolver de forma lúdica habilidades motoras para a utilização da bengala. o Pré-bengala FIGURA 1 – PRÉ-BENGALA FONTE: Adaptada de Silveira e Felippe (2001) FIGURA 2 – TÉCNICA DA BENGALA FONTE: . Acesso em: 10 set. 2019. 96 DEFiCiÊNCiA ViSuAL Na escola, o professor regente ou o professor da sala de recursos poderá familiarizar o aluno defi ciente visual com o espaço escolar, bem como informá-lo de qualquer modifi cação que ocorra nesse espaço. • Técnica de reconhecimento de espaço Essa técnica permite ao aluno reconhecer o espaço onde está inserido. O aluno pode contar com a contribuição e descrição inicial do Guia ou do próprio professor, além de poder utilizar a bengala como medida de proteção. O reconhecimento do espaço poderá se dar através de dois métodos: 1) Método do Perímetro: o aluno faz o reconhecimento da sala através de um rastreamento no perímetro da sala, partindo do PONTO de PARTIDA e retornando ao mesmo lugar. FIGURA 3 – MÉTODO DE PERÍMETRO FONTE: Adaptada de Silveira e Felippe (2001) FIGURA 4 – PERÍMETRO FONTE: Adaptada de Silveira e Felippe (2001) 97 APLICABILIDADE DO MARKETING: TENDÊNCIAS E TAREFAS FUNDAMENTAIS Capítulo 3 2) Método de cruzamento: após desenvolver o método de perímetro, o aluno estabelece cruzamentos pela sala, partindo do mesmo ponto e utilizando medidas de proteção inferior e superior. FIGURA 5 – MÉTODO DE CRUZAMENTO FONTE: Adaptada de Silveira e Felippe (2001) Apresentamos aqui a técnica de reconhecimento de espaço, realizada através do método de perímetro ou cruzamento. Em seguida, apresentaremos técnicas para localização de objetos e proteção dentro deste espaço. • Técnica de posicionamento para sentar-se O professor ou o guia vidente deve esticar o braço até tocar o encosto da cadeira com sua mão, fazendo uma espécie de ponte, sobre a qual o defi ciente visual deslizará sua mão até encontrá-lo, ou conduzir o braço do defi ciente visual até ele se encostar na cadeira. FIGURA 6 – POSICIONAMENTO PARA SENTAR-SE FONTE: Adaptada de Silveira e Felippe (2001) 98 DEFiCiÊNCiA ViSuAL • Técnicas de Autoproteção São técnicas utilizadas pelo aluno com defi ciência visual, em que ele utiliza o corpo como recurso de proteção. • Técnica de Proteção Superior O aluno flexiona o braço no nível do ombro, mantendo-o paralelo ao chão. Flexiona o cotovelo, mantendo o dorso da mão voltada para frente. As pontas dos dedos e a mão dão proteção ao ombro oposto. O antebraço dá proteção ao rosto e ao tórax. A mão deve estar distante do corpo o sufi ciente para se antecipar às pontas dos pés durante a marcha. FIGURA 7 – PROTEÇÃO SUPERIOR FONTE: Adaptada de Silveira e Felippe (2001) • Técnica de Proteção Inferior O aluno coloca o braço à frente do corpo com a mão na linha média (meio do corpo). O dorso da mão fi ca voltado para frente. A mão deve fi car distante do corpo o sufi ciente para se antecipar às pontas dos pés durante a marcha. FIGURA 8 – PROTEÇÃO INFERIOR FONTE: Adaptada de Silveira e Felippe (2001) 99 APLICABILIDADE DO MARKETING: TENDÊNCIAS E TAREFAS FUNDAMENTAIS Capítulo 3 • Enquadramento ou Tomada de Direção O aluno encosta a parte de trás do seu corpo num objeto signifi cativo no ambiente (enquadramento). O aluno projeta nessa posição uma linha reta de caminhada a partir da linha média do seu corpo e perpendicular ao objeto usado para o enquadramento (tomada de direção). Pode ser feito com a ponta dos pés ou calcanhares e um degrau, ou com os ombros, quadril ou a lateral das pernas em um objeto (alinhamento paralelo). FIGURA 9 – ENQUADRAMENTO FONTE: Adaptada de Silveira e Felippe (2001) • Técnica de Localização de Objetos O aluno, ao ouvir que caiu algum objeto, deverá agachar-se, utilizando movimento circulares enquanto procura o objeto com o dorso das mãos: sobre móveis, o aluno deverá fi car de frente para o móvel, localizar suas bordas com o dorso das mãos e em seguida procurar o objeto, utilizando também movimentos circulares. FIGURA 10 – LOCALIZAÇÃO DE OBJETOS FONTE: Adaptada de Silveira e Felippe (2001) 100 DEFiCiÊNCiA ViSuAL • Técnica do Cão-guia O cão-guia é outro recurso de Orientação e Mobilidade. Sua função é guiar a pessoa cega, mas necessita de treinamento para exercer essa função. Normalmente são cães treinados e da raça labrador ou pastor alemão. Esse recurso não é indicado para crianças, pois a tendência da criança é de brincar com o cão, interferindo no entendimento de que o animal está ao seu lado para cumprir uma função. FIGURA 11 – CÃO-GUIA FONTE: https://www.camarainclusao.com.br/noticias/teste-4- de-noticia-com-imagem/>. Acesso em: 10 set. 2019. As técnicas de Orientação e Mobilidade devem ser desenvolvidas desde cedo e na escola, e além dessas técnicas, os educadores ainda devem fi car atentos a alguns detalhes importantes para o desenvolvimento da autonomia dos alunos com defi ciência visual. Para que o ambiente escolar seja um ambiente seguro, não apenas para as crianças com defi ciência visual, mas para todos os alunos, portas e armários devem ser completamente fechados ou abertos e as modifi cações de mobílias devem ser comunicadas aos alunos para que todos visualizem, cada qual da sua maneira, o mapa da unidade escolar, evitando acidentes e proporcionando autonomia. 1) A seguir, você terá a oportunidade de ler uma carta de uma professora ao Ministério da Educação, referindo-se a sua aluna cega. Esta cartafoi publicada no Manual de Orientação e Mobilidade do MEC, pelo professor José Luiz Mazzaro, e está disponível no site: http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/txt/ori_mobi.txt. 101 APLICABILIDADE DO MARKETING: TENDÊNCIAS E TAREFAS FUNDAMENTAIS Capítulo 3 Leia a carta atentamente, coloque-se no lugar dessa professora e reflita sobre a importância de informações relacionadas às necessidades especiais que encontramos em sala de aula no nosso dia a dia. Após ler essa carta, visite o site do MEC, no ícone da Secretaria de Educação Especial, e consulte as publicações relacionadas aos temas que você está estudando neste curso de Pós-graduação. Explore o site e informe-se sobre as diferentes necessidades especiais que encontramos em sala de aula. Feito isso, escreva sobre os materiais que julgou interessantes e pertinentes para a pesquisa sobre defi ciência visual, bem como as contribuições desse material para o seu conhecimento. Faça seu registro após a leitura do texto a seguir: HISTÓRIA DE MARIANA José Luiz Mazzaro Lembro-me, como se fosse hoje, da minha primeira turma de alunos, quando vivi uma experiência profi ssional desafi adora com uma criança defi ciente, época em que era a única professora de um pequeno e isolado lugarejo da selva amazônica. Não, não é nem preciso dizer como me sentia insegura e aflita com a necessidade de ensinar para aquelas crianças, principalmente para Mariana, um pouco do pouco que sabia. Sim, Mariana era o nome dessa aluna especial, especial em todos os sentidos, que fi quei conhecendo quando sua mãe veio visitar a escola e saber como estava o aproveitamento escolar de seus cinco fi lhos. Fiquei curiosa e quis saber por que aquela menina de expressão assustada, que chorava sem parar, agarrada ao pescoço de sua mãe, não estava estudando. – É que ela é cega e boba – respondeu sua mãe. E eu, mesmo sem saber de nada sobre a educação de defi cientes, me enchi de coragem e disse para aquela mãe: 102 DEFiCiÊNCiA ViSuAL – Mas ela pode e deve frequentar a escola, pois vai aprender junto com as outras crianças. A mãe arregalou os olhos e disse: – Será?! E assim, teve início a maior oportunidade de aprendizado da minha vida, como educadora e, principalmente, como ser humano. Mariana, apesar de ter sete anos de idade, quase não andava sem ajuda, falava poucas palavras, só se alimentava com mamadeira e chorava muito, todas as vezes que saía de ambientes conhecidos. Depois de muita conversa, consegui convencer a mãe e o pai de Mariana a deixarem a menina estudar. Como a menina mal andava, seu pai construiu um caminhãozinho para servir de transporte para ela. E assim, todos os dias, os irmãos de Mariana iam empurrando o transporte-brinquedo e conversando com ela, para que a irmã aprendesse novas palavras e sentisse segurança para descobrir aquele novo mundo. Para minha surpresa, em poucos dias, Mariana trocou o choro por gostosas risadas, a cada sacolejo que o caminhãozinho dava pelo caminho. Mas em sala de aula, mesmo com todos os mimos dos colegas, ela permanecia assustada e chorosa. Apesar dos avanços conquistados quanto às reações de Mariana, eu precisava aprender sobre educação de crianças cegas para poder ajudá-la de fato. E, por isso, aguardava ansiosamente pela resposta da carta que escrevi para o Ministério da Educação. Antes de receber qualquer resposta do Ministério, tive uma surpresa muito agradável, foi quando estávamos ensaiando uma música para a festa do pescador. 103 APLICABILIDADE DO MARKETING: TENDÊNCIAS E TAREFAS FUNDAMENTAIS Capítulo 3 Todas as crianças cantavam com muita animação, mesmo assim, consegui diferenciar claramente uma voz de todas as outras, pois era muito bonita e afi nada, neste momento não pude conter as lágrimas ao perceber que era justamente Mariana que assim cantava. Fiquei, nesse momento, a pensar no dia em que a conheci. A menina que outrora não falava, hoje se expressava também com seu coração, sua alegria e sua alma... Ao receber materiais informativos, chamou-me a atenção um livro sobre orientação e mobilidade. Comecei a ler imediatamente este livro, o que me proporcionou uma nova forma de ver meus alunos, de respeitar suas diferenças e, consequentemente, mudou minha prática docente. Até então, não tinha conhecimento do que era orientação e mobilidade e muito menos sabia que o domínio dessas habilidades em crianças que enxergam acontece naturalmente. Porém, para os defi cientes visuais, essas habilidades não podem deixar de ser ensinadas, caso contrário poderão apresentar sérias limitações em seu desenvolvimento. A primeira lição que recebi é que sem a orientação e mobilidade torna-se impossível acontecer a inclusão da criança defi ciente visual na escola, pois essa criança fi cará eternamente na dependência da boa vontade de seus colegas. Fiquei pensando como Mariana chegou até esta idade com tantas difi culdades para se locomover, tendo irmãos com quem poderia brincar, aprender, descobrir... Será que seus irmãos não davam oportunidade para ela participar das brincadeiras, ou seus pais, com medo de que ela se machucasse, não a deixavam brincar ou sair de casa em companhia dos irmãos... ... Ao avançar na leitura, percebi que o livro também falava sobre o desenvolvimento da criança. Ah, como isso me ajudou a compreender Mariana e seus colegas. 104 DEFiCiÊNCiA ViSuAL Durante minha formação ouvi superfi cialmente falar sobre Vygotsky. Entretanto, não tinha compreendido ainda o valor do aspecto social para o desenvolvimento da criança. A partir daí comecei a pensar em meus alunos como seres sociais, cujo aprendizado se inicia muito antes deles frequentarem a escola. Vocês sabiam que em qualquer situação de ensino deve-se levar em consideração a história de vida do aluno? Pois suas experiências, seus conhecimentos, são fundamentais para seu desenvolvimento global... Com o aprofundamento da leitura, percebi que Mariana tinha muito que aprender e que nós, professores, devemos ser cuidadosos ao organizar nossas atividades visando ao desenvolvimento de conceitos, sem esquecer que cada criança é um ser único com vivências e experiências diferentes... Aprendi que o ouvido não é só para ouvir música, o que o outro fala, informações ou as famosas fofocas, que muita gente adora comentar. Ele tem outras funções, por exemplo: quando ouvimos um eco, por meio dele podemos perceber o tamanho do ambiente, se tem muitos móveis, sua altura e, ainda, nos localizar. Para que o ouvido seja utilizado com essa fi nalidade é importante desenvolver atividades visando tal habilidade, pois são de extrema importância para crianças com difi culdades como Mariana e para crianças desprezadas por nós que enxergamos. Essas crianças precisam de oportunidades para aprender a interpretar os sons e convertê-los em pistas para sua locomoção. Com o aprofundamento da leitura tive certeza que se Mariana tivesse tido oportunidade de desenvolver sua orientação e mobilidade, desde as suas primeiras horas de vida, não estaria tão dependente dos seus colegas e familiares. Aprendi, também, várias técnicas de Orientação e Mobilidade, sem esquecer que elas não devem ser vistas como “receitas” e que elas, por si só, não garantem a orientação e mobilidade, precisando ser adaptadas à realidade, conforme as necessidades específi cas de cada aluno... Graças a esse livro, pude desenvolver um belo programa de Orientação e Mobilidade com a Mariana. 105 APLICABILIDADE DO MARKETING: TENDÊNCIAS E TAREFAS FUNDAMENTAIS Capítulo 3 Hoje Mariana é uma cantora lírica de fama internacional e representa com brilhantismo o nosso país em palcos do mundo inteiro. O carinho que outrora trazia Mariana para a escola, hoje está em um museu de educação na cidade de Paris, o que nos deixa cheios de orgulho, principalmente por pensar que a minha ousadia pedagógica proporcionou a mudançasão responsáveis pela Acuidade Visual, central, que compreende à visão de forma e a visão de cores. 2.1 BAIXA VISÃO Chamamos de baixa visão a alteração da capacidade funcional decorrente de fatores como a diminuição da acuidade visual, redução importante do campo visual e da sensibilidade aos contrastes e limitação de outras capacidades (GIL, 2001). Assim, as pessoas com baixa visão apresentam resíduos visuais e por isso não devem ser tratadas como cegas, pelo contrário, deve-se aproveitar esse potencial visual nas atividades educacionais, na vida diária, no trabalho e no lazer. Além da estimulação precoce realizada desde o momento da descoberta da defi ciência, podem-se utilizar recursos ópticos como óculos e lupas que podem melhorar signifi cativamente a qualidade de vida do defi ciente visual. Segundo Conde (1998, p. 3), “Pedagogicamente, delimitamos como cego aquele que, mesmo possuindo visão subnormal, necessita de instrução em braile e como pessoa de baixa visão aquela que lê tipos impressos ampliados ou com o auxílio de potentes recursos ópticos”. As pessoas com baixa visão apresentam resíduos visuais e por isso não devem ser tratadas como cegas, pelo contrário, deve-se aproveitar esse potencial visual nas atividades educacionais, na vida diária, no trabalho e no lazer. Óculos bifocais, prismas, lentes de contato ou outras combinações de lentes podem ser prescritos para uma criança com limitações visuais, a serem usados a toda hora ou durante atividades específi cas. 12 DEFiCiÊNCiA ViSuAL Lentes ligeiramente tingidas ou escuras podem ser usadas pela criança sensível à luz, em lugares fechados e ao ar livre. Lentes de aumento manuais ou lentes de amplifi cação são usadas para aumentar o tamanho da imagem e melhoram o funcionamento visual de crianças com quase todos os distúrbios visuais. Esses ampliadores podem ser usados para tarefas como ler, escrever e estudo de arte. Telessistemas pequenos (minitelescópios) seguros na mão ou em armações de óculos são usados por crianças para ver objetos distantes, como quadros negros e demonstrações de sala de aula, ou para identifi car ônibus, sinais de rua, e assim por diante. Quando uma criança está usando um telescópio para ler o quadro negro, ela pode achar útil sentar-se na coluna central de carteiras, na distância que lhe for mais adequada. Podemos visualizar a seguir alguns recursos ópticos de que a pessoa com baixa visão necessita: • Óculos com lentes bifocais e lentes de Prismas FIGURA 2 – ÓCULOS BIFOCAIS FONTE: . Acesso em: 10 ago. 2019. São lentes que podem ser prescritas para uso contínuo ou em atividades específi cas. 13 DEFICIÊNCIA VISUAL: ASPECTOS HISTÓRICOS, LEGAIS E CONCEITUAIS Capítulo 1 FIGURA 3 – LUPAS DE AUMENTO FONTE: . Acesso em: 10 ago. 2019. As lupas são utilizadas para aumentar as imagens e possibilitam às crianças realizar tarefas como ler, escrever, apreciar imagens, fotos etc. Além disso, temos os telessistemas. FIGURA 4 – SOFTWARES ESPECIAIS FONTE: . Acesso em: 10 ago. 2019. As telelupas são utilizadas como leitores e ampliadores de tela de computador. FIGURA 5 – TELELUPAS FONTE: . Acesso em: 10 ago. 2019. 14 DEFiCiÊNCiA ViSuAL Utilizadas para ampliação de imagens, proporcionam visualização de imagens distantes. Porém, vale ressaltar que se a pessoa apresentar algum comprometimento visual que tenha perda gradativa de visão até a sua perda total, é importante que se inicie a introdução de materiais específi cos para pessoas cegas. 2.2 CEGUEIRA Para Martín e Ramirez (2003, p. 40), a cegueira consiste em desde a “total ausência a simples percepção de luz”. Tal alteração na estrutura dos olhos pode se dar por um problema de ordem congênita, adquirida, genética ou degenerativa ou, como descrevem González e Díaz (2007, p. 103), “erros ópticos, defeitos dos olhos, doenças, síndromes e condições associadas que afetam a visão em maior ou menor extensão”. Ainda, para González e Díaz (2007), a defi ciência visual pode ser classifi cada por graus, que podem se enquadrar em cegueira absoluta (a pessoa não distingue nada) e a cegueira parcial (a pessoa distingue luz, sombra ou contornos) e pela idade de início da defi ciência. As formas de manifestação da cegueira, no que se refere ao grau de imagem retida e à idade em que a cegueira iniciou, são essenciais para compreender a pessoa acometida pela defi ciência. A pessoa que nasce com o sentido da visão e o perde mais tarde, guarda memórias visuais e consegue lembrar de imagens e cores que conheceu, auxiliando a sua readaptação. Quem nasce desprovido da visão não apresenta essas referências e não pode formar uma memória visual, ou seja, possuir memórias visuais. No caso das pessoas com cegueira, estas adquirem o conhecimento do mundo e constroem sua subjetividade por meio dos sentidos remanescentes – tato, audição e paladar –, além da convencionalidade da leitura e da escrita, via sistema de leitura e escrita braile ou de equipamentos informatizados, assim como por meio de recursos didáticos ampliados ou adaptados. O impacto da defi ciência visual (congênita ou adquirida) sobre o desenvolvimento individual e psicológico varia muito entre indivíduos e, além da idade em que ocorre e do grau da defi ciência, a dinâmica da família, as intervenções, a personalidade da pessoa e outros fatores podem influenciar muito. No caso da cegueira adquirida, além da visão perdida podem-se observar outras perdas: emocionais, das habilidades básicas, da comunicação e da personalidade. Para alguns indivíduos é uma experiência traumática que exige acompanhamento terapêutico cuidadoso para a pessoa e para a sua família (GIL, 2001). 15 DEFICIÊNCIA VISUAL: ASPECTOS HISTÓRICOS, LEGAIS E CONCEITUAIS Capítulo 1 2.2.1 Um PouCo DE HiSTÓriA A cegueira, por um longo tempo, foi tida como estigma, uma marca que supunha pecado, castigo e morte. Em grande parte das sociedades primitivas não havia cegos, pois os enfermos e as pessoas com defi ciência eram mortos ou abandonados. O assassinato das crianças que nasciam cegas e o abandono dos que haviam perdido a visão na idade adulta eram procedimentos frequentes. Nas sociedades primitivas, acreditava-se que as pessoas cegas eram possuídas por espíritos malignos e manter uma relação com essas pessoas signifi cava manter uma relação com um espírito mau. O cego então se convertia em objeto de temor religioso. Alguns ainda consideravam a cegueira como um castigo dado pelos deuses e a pessoa cega levava em si mesma o estigma do pecado cometido por ela, por seus pais, seus avós ou por algum membro da tribo. Para Lira e Schlindwein (2008), a primeira etapa, que predominou no período da Antiguidade, da Idade Média e parte da História Moderna, é mística; já a segunda etapa, a biológica, predominou no século XVIII e, a terceira etapa, científi ca ou sociopsicológica, nasceu com as reflexões surgidas da psicologia social (especialmente os estudos de Adler). Durante a etapa mística, que ainda está presente em lendas, contos e provérbios, a cegueira gera infelicidade, medo e respeito e o cego recebe tratamento de indefeso e abandonado. Porém, ao mesmo tempo, permanece a crença de que o cego desenvolve uma força mística, que desenvolve uma visão espiritual. Homero era cego e conta-se que Demócrito cegou a si mesmo para dedicar-se à fi losofi a, porque o dom fi losófi co se intensifi cava com a cegueira; o Talmud se refere aos cegos como “pessoas com abundância de luz”, e nos ditos populares se considerava o cego como uma pessoa com “luz interior”. Finalmente, no Cristianismo, incluiu-se o cego entre “os últimos na Terra” que se converteriam “nosde vida e do futuro de uma menina que hoje é exemplo para o mundo. Hoje, como professora, especialista em Orientação e Mobilidade e colaboradora desse Manual, espero que vocês também consigam contribuir para o desenvolvimento, a aprendizagem e a inclusão educacional e social de cidadãos brasileiros que, da mesma forma que a Mariana, podem fazer sucesso na vida e, principalmente, serem felizes. 3 AVD – ATIVIDADE DA VIDA DIÁRIA Vestir meias é complicado, até para quem não tem problemas de coordenação. Mesmo que não pareça, o ato de vestir meias envolve uma série de passos. Por isso, a professora ajuda Lia colocando a meia até o calcanhar. Só falta ela dar o último puxão. Na próxima vez, a professora coloca a meia no pé e Lia precisará puxá-la até o calcanhar e depois para cima. Mais um pouco e ela já conseguirá vestir meia sozinha (WINDHOLZ, 1988, p. 12). Como você pôde observar na seção sobre Orientação e Mobilidade, é importante que a criança cega ou com baixa visão crie alguma autonomia na sua relação com o ambiente no qual está inserido. Atitudes de ir e vir e de se localizar fazem com que a criança consiga realizar e compreender uma quantidade maior de informações e ações no espaço inserido. As atividades da vida diária (AVD) também têm por objetivo propiciar à criança cega, ou com baixa visão, condições e hábitos de autossufi ciência, principalmente em atividades do dia a dia que permitam participar ativamente do ambiente em que vive. Quanto mais os pais e professores estimularem a criança para que comece a realizar algumas atividades corriqueiras na sua rotina, acrescentando-as 106 DEFiCiÊNCiA ViSuAL gradativamente e com orientações, é possível que essa criança consiga, dentro de um espaço de tempo, agir diante de situações e deslocamento com maior confi ança e independência. Nós compreendemos que o professor, na sala de aula, fi ca limitado a introduzir atividades da vida diária, porém pode reforçar, na sua prática com a turma, a necessidade de higienização, segurança, vestimenta etc. e ainda acompanhar com os pais o andamento dessas atividades em casa. Na etapa pré-escola deve ser desenvolvido, preferencialmente, através de jogos, rotinas e jogo de papéis, com a fi nalidade de motivar a instalação e o estabelecimento de hábitos permanentes na criança. No entanto, o professor do Atendimento Educacional Especializado apresenta uma dinâmica diferenciada de atendimento (atendimento especializado ou escola especial) que possibilita planejar situações em que o aluno possa exercitar atividades cotidianas. Essas atividades, entendidas como ações apreendidas no primeiro meio social em que a criança está inserida, ou seja, a família, nem sempre são realizadas com facilidade. Muitos pais de crianças com defi ciência visual apresentam difi culdades em inserir algumas práticas no dia a dia de seus fi lhos e, em muitas situações, acabam por realizar as atividades diárias que deveriam ser realizadas pela criança. 3.1 MAS, POR QUE A DIFICULDADE? Entendemos que muitas ações exercidas por nós foram aprendidas através da observação do nosso meio ou até mesmo pela repetição do que vemos. No caso da criança com defi ciência visual essa forma de aquisição de informações é mais limitada. Se os hábitos à mesa, a postura, a adequação para se vestir e a higiene pessoal são comportamentos adaptativos, há necessidade de um treinamento intensivo, porque a criança cega pode apresentar atitudes inadequadas em algumas dessas situações. Sem dúvida, ela, no espaço maior ou menor de tempo, acabará por realizar as mesmas tarefas que as de visão normal, tomando-se em conta, é claro, as diferenças individuais e a restrita capacidade de imitação de quem não vê. Muitos pais, diante das difi culdades de seus fi lhos, tornam-se superprotetores e, assim, impedem a criança de vivenciar experiências que contribuirão para sua autonomia (JESUS, 1994, p. 1). Apresentamos a seguir algumas atividades que podemos desenvolver com a criança com defi ciência visual (JESUS, 1994): 107 APLICABILIDADE DO MARKETING: TENDÊNCIAS E TAREFAS FUNDAMENTAIS Capítulo 3 ALIMENTAÇÃO • Beber líquido com auxílio de canudos. • Ingerir alimentos pastosos (sopa, mingau). • Morder e mastigar biscoitos. • Mastigar pão. • Descascar e mastigar bananas. • Beber líquidos usando o copo. • Espetar com o garfo alimentos e levá-los à boca. • Colocar em seu prato alimentos que estejam numa vasilha maior. • Usar a faca para passar manteiga (patê ou etc.) no pão ou biscoito. • Alimentar-se usando garfo e faca. • Servir-se de líquidos contidos numa jarra ou garrafa. • Usar a faca para descascar e cortar frutas, legumes e pão. • Mastigar de boca fechada. • Usar o guardanapo para limpar a boca após as refeições. HIGIENE • Pedir para ir ao banheiro e usar o vaso sanitário (de modo adequado). • Limpar-se após o uso do vaso sanitário. • Lavar e enxugar as mãos usando água, sabonete e toalha. • Lavar e enxugar o rosto. • Escovar os dentes. • Pentear os cabelos. • Tomar banho. • Trocar diariamente as roupas de baixo. • Cortar as unhas regularmente, com auxílio. • Reconhecer as roupas que estão sujas e lavá-las. VESTUÁRIO • Brincar com bonecas despindo-as e vestindo-as. • Despir-se e vestir-se. • Desatar os cordões dos sapatos. • Tirar os sapatos e as meias. • Calçar meias e sapatos. • Identifi car os seus sapatos entre vários outros pares. • Engraxar sapatos. • Manejar diversos tipos de botões (em tamanhos grandes) utilizados nas peças do vestuário. • Abrir e fechar zíper de casacos ou vestidos. • Abrir e fechar fi velas de seus próprios cintos. 108 DEFiCiÊNCiA ViSuAL • Retirar e colocar blusas que entrem pelo decote, reconhecendo a parte de trás pela etiqueta que deve estar presa. • Guardar roupas em gavetas. • Colocar camisas, blusas e vestidos em cabides. SAÚDE E SEGURANÇA • Reconhecer a importância do médico e do dentista. • Reconhecer a importância dos exames de saúde e submeter-se a eles quando necessário. • Tomar adequadamente os remédios indicados. • Reconhecer alguns instrumentos médicos, como termômetro, balança etc. • Reconhecer e saber para que servem gaze, algodão, esparadrapo, tesoura, mercúrio cromo, água oxigenada etc. • Cuidar de pequenos arranhões ou ferimentos. • Organizar uma caixa de primeiros socorros. • Discar e falar ao telefone. • Atender sinal de chamado (campainha, telefone). • Subir e descer escadas com cuidado, segurando o corrimão. • Riscar fósforos para acender velas e fogões. • Saber utilizar o fogão em atividades simples, apagando-o convenientemente ao término da tarefa. • Ligar e desligar o rádio e a televisão. ATIVIDADES DOMÉSTICAS • Varrer o chão. • Usar a pá de lixo. • Colocar o lixo na lixeira. • Lavar o chão. • Limpar as mesas e as cadeiras. • Limpar e arrumar o armário. • Arrumar a cama. • Colocar fronha no travesseiro. • Lavar e passar roupas. • Tampar garrafas. • Preparar a mesa para as refeições. • Preparar pequenas refeições. • Fazer pequenas compras (feiras e supermercados). 109 APLICABILIDADE DO MARKETING: TENDÊNCIAS E TAREFAS FUNDAMENTAIS Capítulo 3 FIGURA 12 – LAR DAS MOÇAS CEGAS FONTE: . Acesso em: 10 set. 2019. 1) Agora que você já leu sobre as Atividades de Vida Diária, deverá desenvolver um plano de aula que contemple essa área, que trabalhe algum dos itens citados anteriormente com crianças com defi ciência visual, a fi m de propiciar o seu desenvolvimento. Devemos ressaltar que a pessoa que desenvolve um programa de ensino de AVD precisa de conhecimento técnico-científi co, de tempo, paciência, compreensão, imaginação, flexibilidade, coerência, conhecimento das difi culdades e das necessidades do defi ciente visual, além de levar em conta as expectativas e os interesses de seu aluno. O programa deve iniciar-se o mais precocemente possível, com intervenção apropriada e orientação à família, pois muitas inabilidades podem ser compensadasou superadas. 3.2 COMO AGIR COM UM DEFICIENTE VISUAL As pessoas que estabelecem contato com o indivíduo com defi ciência visual, seja de forma ocasional ou regular, revelam-se, de um modo geral, inseguras sobre como agir nas diferentes situações que possam ocorrer. No convívio com defi cientes visuais, aja com naturalidade e observe alguns procedimentos: 1. Não trate as pessoas cegas como seres diferentes. Elas estão sempre interessadas no que você gosta de ver, de ler, de ouvir e falar. 2. Não se dirija a uma pessoa cega chamando-a de “cego” ou “ceguinho”, é 110 DEFiCiÊNCiA ViSuAL falta elementar de educação, podendo mesmo constituir ofensa. 3. Não fale com a pessoa cega como se fosse surda. 4. Não deixe de oferecer auxílio à pessoa cega que esteja querendo atravessar a rua ou tomar condução. Esteja certo de que a maioria lhe agradecerá o gesto. 5. Não suponha que a pessoa cega possa localizar a porta onde deseja entrar ou o lugar aonde queira ir, contando os passos. 6. Não guie a pessoa cega empurrando-a ou puxando-a pelo braço. Basta deixá-la segurar seu braço, que o movimento de seu corpo lhe dará a orientação de que precisa. Nas passagens estreitas, tome a frente e deixe-a segui-lo, mesmo com a mão em seu ombro. 7. Não pegue a pessoa cega pelos braços, rodando com ela, para pô-la na posição de sentar-se, empurrando-a depois para a cadeira. 8. Não guie a pessoa cega em diagonal ao atravessar em cruzamento. 9. Não deixe portas e janelas entreabertas onde haja alguma pessoa cega. 10. Não deixe objetos no caminho por onde uma pessoa cega costuma passar. 11. Não deixe de se anunciar ao entrar no recinto onde haja pessoas cegas, isso auxilia a sua identifi cação. 12. Não saia de repente quando estiver conversando com uma pessoa cega. 13. Ao conduzir uma pessoa cega a um ambiente que lhe é desconhecido, oriente-a de modo que possa locomover-se sozinha. 14. Não se constranja em alertar a pessoa cega quanto a qualquer incorreção no seu vestuário. FONTE: . Acesso: 12 set. 2019. 4 ATENDIMENTO EDUCACIONAL ESPECIALIZADO: A IMPORTÂNCIA DA AVALIAÇÃO DIAGNÓSTICA Se você parar para analisar a história da Educação Especial, certamente perceberá que por muito tempo os alunos chegavam e, por vezes, ainda chegam, trazendo um laudo médico para a escola, que o classifi ca em uma determinada condição de defi ciência (mental, sensorial, física, motora, múltipla) ou com diagnóstico de condutas típicas de síndromes psiquiátricas, neurológicas ou com quadros psicológicos graves. É comum também alunos chegarem com avaliações, relatórios e laudos de distúrbios de aprendizagem, muitas vezes redigido por médicos neologistas, psiquiatras, psicólogos, entre outros. 111 APLICABILIDADE DO MARKETING: TENDÊNCIAS E TAREFAS FUNDAMENTAIS Capítulo 3 Tais alunos “costumam ser matriculados na educação especial, sem passar pela equipe de diagnóstico da educação especial, exceto se surgem algumas dúvidas quanto à modalidade de atendimento, na qual devem ser matriculados. Nesse caso, são examinados para maior aprofundamento diagnóstico” (BRASL, 2006, p. 27). Em outros casos, as crianças iniciam a trajetória escolar e, quando apresentam alguma difi culdade de aprendizagem, são encaminhadas para o diagnóstico. Mas, qual a relação desses documentos e ações com a avaliação na perspectiva inclusiva? Essas duas situações estão diretamente relacionadas à avaliação e, principalmente, às práticas pedagógicas que permeiam os processos de ensinar e aprender. Muitas escolas ainda condicionam o atendimento educacional especializado à entrega de laudos médicos, o que revela uma postura clínica frente às questões inclusivas. Cabe salientar que a NOTA TÉCNICA Nº 04 / 2014 / MEC / SECADI / DPEE, de Orientação quanto a documentos comprobatórios de alunos com defi ciência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação no Censo Escolar, determina que: O atendimento educacional especializado – AEE – visa promover acessibilidade, atendendo as necessidades educacionais específi cas dos estudantes público-alvo da educação especial, devendo a sua oferta constar no projeto Político-pedagógico da escola, em todas as etapas e modalidades da educação básica, a fi m de que possa se efetivar o direito destes estudantes à educação (BRASIL, 2014, p. 3). Diante do direito à educação, as famílias não podem ter o atendimento educacional especializado condicionado a um documento de caráter clínico. Ao trabalhar com a diversidade e compreender o processo de aprendizagem a partir das relações sociais e da mediação pedagógica, “cabe ao professor que atua nesta área, elaborar o Plano de Atendimento Educacional Especializado – Plano de AEE, documento comprobatório de que a escola, institucionalmente, reconhece a matrícula do estudante público-alvo da educação especial e assegura o atendimento de suas especifi cidades educacionais” (BRASIL, 2014, p. 1). O AEE caracteriza-se por atendimento pedagógico e não clínico, assim, os documentos devem ser analisados como componentes de informações 112 DEFiCiÊNCiA ViSuAL complementares, anexos, que visam contribuir com a elaboração de Plano de AEE na escola. Não se trata de documento obrigatório, mas complementar, quando a escola julgar necessário. O importante é que o direito das pessoas com defi ciência à educação não poderá ser cerceado pela exigência de laudo médico (BRASIL, 2014). Na escola, a equipe multidisciplinar deverá elaborar a avaliação diagnóstica, a fi m de contribuir com o profi ssional da educação especial na elaboração do Plano de AEE. Geralmente, no contexto da escola regular, essas equipes são formadas por profi ssionais como psicólogos, pedagogos, fonoaudiólogos e profi ssionais da saúde, por meio de parcerias estabelecidas. Já no contexto das escolas especiais, normalmente esta avaliação é realizada por organizações não governamentais, com equipes próprias. Contudo, o que se percebe é uma grande demanda de alunos aguardando diagnósticos em regiões em que essas equipes contam com números insufi cientes de profi ssionais para atendimento. Infelizmente, “esses futuros alunos costumam fi car numa fi la, esperando até serem examinados. Ou simplesmente desistem. O maior contingente de alunos para a avaliação diagnóstica vem do ensino comum, geralmente porque há suspeita de alguma defi ciência, de distúrbios de aprendizagem, ou porque incomodam, pelo comportamento” (BRASIL, 2014, p. 1). Importante salientar que: Para evitar mal-entendidos, cumpre sublinhar que não se pretende desvalorizar a contribuição que os profi ssionais das equipes de diagnóstico da educação especial podem oferecer. Eles proporcionam informações complementares, que não substituem a avaliação contextualizada, de cunho psicopedagógico e dinâmico e que deve ocorrer nos ambientes de aprendizagem da escola (BRASIL, 2006, p. 27). Pais e familiares também indicam as crianças para a avaliação, contudo, normalmente esta solicitação parte dos professores da classe comum, buscando subsídios dos especialistas da educação especial para trabalhar com esses alunos. 113 APLICABILIDADE DO MARKETING: TENDÊNCIAS E TAREFAS FUNDAMENTAIS Capítulo 3 Muitas das atuais defi nições de avaliação diagnóstica ainda estão atreladas ao conceito de avaliação clínica, classifi catória. Contudo, [...] as atuais equipes de avaliação diagnóstica da educação especial precisarão repensar suas práticas e seus espaços de atuação, pois as informações deverão ser obtidas na própria escola onde as avaliações, compartilhadas com os que lá trabalham, devem contemplar todas as relações que se estabelecem em seu interior e os próprios alunos, observados em suas características pessoais e interações com pessoas e com os objetos do conhecimento (BRASIL, 2006, p. 42). Repensar os espaços paraa realização da avaliação diagnóstica não descarta a participação dos profi ssionais da equipe multidisciplinar, apenas compreende que os espaço para a realização das observações, entrevistas, questionários é o espaço do aluno, ou seja, a escola, contribuindo com os demais atores envolvidos neste processo, principalmente pais e professores. Poker et al. sugeriram, em 2013, uma proposta de Plano de Desenvolvimento Individualizado. De acordo com as autoras: Por meio dos dados coletados no processo de avaliação, o professor especializado pode identifi car as áreas comprometidas e as competências do aluno que podem ser exploradas e aprimoradas. Além disso, tais dados, quando analisados, podem instrumentalizar e orientar o professor da classe comum, os gestores da escola e a família, para que o aluno tenha as melhores condições possíveis de acesso aos conteúdos curriculares (POKER et al., 2013, p. 23). Esses dados podem ser coletados de diversas formas e as autoras dividem a avaliação em cinco tópicos, a saber: QUADRO 1 – AVALIAÇÃO DO ALUNO NA CONSTRUÇÃO DO PDI Os cinco tópicos para a avaliação do aluno na construção do PDI Tópico 1 Informações a respeito da identifi cação do aluno Tópico 2 Dados familiares que são importantes para contextualizar a situação do aluno, na família, bem como a sua situação social e econômica Tópico 3 A trajetória escolar do aluno Tópico 4 Que trata da Avaliação Geral, são analisadas duas instâncias que são determinantes para o desenvolvimento do aluno: a família e a escola Tópico 5 Refere-se à avaliação das condições do aluno, suas limitações, competências, difi cul- dades e habilidades, para se garantir a acessibilidade curricular FONTE: Adaptado de Poker et al. (2013) 114 DEFiCiÊNCiA ViSuAL Para as autoras: [...] somente uma avaliação detalhada das competências de aprendizagem, capaz de coletar dados sobre as difi culdades do aluno, no que tange aos processos cognitivos subjacentes aos diferentes conteúdos, bem como aos aspectos sociais, familiares, emocionais e escolares, é que permite, de fato, planejar estratégias pedagógicas individualizadas, para promover o seu desenvolvimento. Avaliação e intervenção passam a se relacionar diretamente (POKER et al., 2013, p. 22). Quando a escola apresenta um olhar inclusivo, a avaliação e intervenção começam a se relacionar diretamente, em busca da identifi cação de barreiras que de alguma forma difi cultam a aprendizagem do aluno ou, de alguns grupos de crianças. Ao planejar a partir da avaliação, envolvendo os diversos atores, a escola busca estratégias para superar essas barreiras construindo novos paradigmas na relação ensinar e aprender. Essa transformação contribui para a ampliação de planejamentos inclusivos que buscam uma escola para TODOS. O AEE deve ser organizado como serviço de atendimento especializado complementar, que busca eliminar ou diminuir essas barreiras e/ou lacunas de aprendizagem. A função da escola e, principalmente dos professores, é identifi car as diferenças entre os alunos a fi m de ofertar o atendimento mais adequado. Dessa forma, entende as necessidades individualizadas e o modo de aprender de forma mais específi ca. Mesmo que alguns alunos tenham um ritmo, um estilo próprio ou mesmo uma defi ciência que os diferenciam dos demais colegas, para realizar determinadas atividades, isso não se torna problema, pois o trabalho diferenciado passa a ser a marca da escola, a identidade da escola para todos (POKER et al., 2013, p. 38). Na mesma linha de pensamento de Poker et al. (2013), o MEC também defende a construção de um documento de avaliação individualizada, sob o enfoque psicopedagógico como “importante subsídio para a elaboração de projetos político-pedagógicos que garantam respostas educativas adequadas às diferentes necessidades dos alunos e da própria instituição educacional escolar” (BRASIL, 2006, p. 46). 115 APLICABILIDADE DO MARKETING: TENDÊNCIAS E TAREFAS FUNDAMENTAIS Capítulo 3 Desta forma, é sempre importante indagar sobre os dados levantados nesse tipo de avaliação. QUADRO 2 – INDAGAÇÕES ACERCA DAS NECESSIDADES DOS ALUNOS Indagações acerca das necessidades dos alunos O que nos permite afi rmar que determinados alunos apresentam necessidades educacionais especiais exigindo atenção diferenciada? Que necessidades são essas, considerando-se tanto os alunos individualmente, como os am- bientes da escola e de sua casa? Como supri-las, em casa ou na escola oferecendo recursos e atendimentos que contribuam para o progresso pessoal-social e acadêmico dos alunos? FONTE: Adaptado de Brasil (2006) A identifi cação das reais necessidades dos alunos com defi ciência, transtorno global do desenvolvimento, transtornos funcionais específi cos e/ou difi culdades de aprendizagem contribui para o desenvolvimento de propostas inclusivas que visam contribuir com o processo de ensino e aprendizagem. Não existe um modelo único de levantamento de informações ou diagnóstico inicial para elaboração do Plano de AEE. Contudo, pode-se citar algumas sugestões utilizadas atualmente. Cabe aos profi ssionais da equipe multidisciplinar analisar o contexto da escola e adaptar o Plano de Avaliação de acordo com a realidade dos espaços e dos alunos. O MEC, por meio do documento AVALIAÇÃO PARA IDENTIFICAÇÃO DAS NECESSIDADES EDUCACIONAIS ESPECIAIS, sugere a seguinte estrutura de plano: 116 DEFiCiÊNCiA ViSuAL FIGURA 13 – MODELO PROPOSTO PARA SUBSIDIAR A IDENTIFICAÇÃO DE NECESSIDADES EDUCACIONAIS ESPECIAIS FONTE: Adaptada de Brasil (2006) Nesta perspectiva, defende-se a avaliação com base em três contextos: a escola, o aluno e a família. 117 APLICABILIDADE DO MARKETING: TENDÊNCIAS E TAREFAS FUNDAMENTAIS Capítulo 3 QUADRO 3 – CONTEXTO EDUCACIONAL CONTEXTO EDUCACIONAL Instituição educacional escolar Aspectos fi losófi cos (crenças e valores), estruturais e funcionais. Ação pedagógica O professor; a sala de aula; os recursos de ensino e de aprendi- zagem; as estratégias metodológicas usadas para o ensino dos conteúdos curriculares e estratégias avaliativas. ALUNO Nível de desenvolvimento Características funcionais e competências curriculares Condições pessoais A natureza das necessidades educacionais que apresenta. FAMÍLIA Características do ambiente familiar Condições físicas da moradia, cultura, valores em que acredita e atitudes frente à vida e expectativas de futuro. Convívio Familiar Pessoas que convivem com o aluno; relações afetivas; qualidade das comunicações e oportunidades de desenvolvimento e de conquista da autonomia. FONTE: Adaptado de Brasil (2006) Partindo dessa premissa, Poker et al. (2013) também elaboraram uma proposta de Plano de avaliação do aluno conforme segue: FIGURA 14 – IDENTIFICAÇÃO FONTE: Poker et al. (2013, p. 25-26) 118 DEFiCiÊNCiA ViSuAL FIGURA 15 – AVALIAÇÃO GERAL FONTE: Poker et al. (2013, p. 27) FIGURA 16 – AVALIAÇÃO DO ALUNO FONTE: Poker et al. (2013, p. 28) 119 APLICABILIDADE DO MARKETING: TENDÊNCIAS E TAREFAS FUNDAMENTAIS Capítulo 3 FIGURA 17 – DESENVOLVIMENTO DO ALUNO FONTE: Poker et al. (2013, p. 29-30) A proposta de Plano estabelecida por Poker et al. (2013) converge com as discussões acerca das especifi cidades da educação especial e a avaliação na perspectiva da educação inclusiva. O diagnóstico passa a ter caráter de informação, quando revela a trajetória de vida, os aspectos sociais, econômicos e emocionais das crianças. Muito além das características clínicas reveladas pelos profi ssionais da saúde, tendo em vista que entende o ambiente escolar como espaço de informação e educação transformadora. Conheça o material desenvolvido por Poker et al. (2013): Plano de Desenvolvimento Individual para o Atendimento Educacional Especializado. Acesse: https://www.marilia.unesp.br/Home/ Publicacoes/af-livro_9_poker_v7.pdf 120 DEFiCiÊNCiA ViSuAL Após odiagnóstico levantado por meio da primeira parte do Plano de Desenvolvimento Individual (PDI), de posse desses dados, o profi ssional do AEE poderá elaborar a proposta pedagógica de Atendimento Educacional Especializado. Desta forma é esperado que após análises e refl exões críticas mude-se o enfoque e revejam-se as práticas avaliativas de modo a: QUADRO 4 – REVISÃO DE PRÁTICAS AVALIATIVAS Substituir os instrumentos referidos a normas por outros que permitam analisar as variáveis implícitas no contexto onde o aprendiz está. Valorizar a contribuição dos professores, preparando-os para avaliar as necessidades especiais de seus alunos em relação às demandas e aos apoios que lhes oferece. Utilizar o diálogo e as observações como importantes ferramentas de trabalho. Compartilhar a análise dos dados obtidos, relativizando-os com os múltiplos fatores que interfe- rem na aprendizagem. Envolver o próprio avaliado e sua família. Se necessário para a satisfação das necessidades educacionais do avaliado, complementar as informações, com a participação de outros profi ssionais. FONTE: Adaptado de Brasil (2006) As equipes multidisciplinares podem identifi car outros aspectos que sejam mais signifi cativos as suas realidades, assim como apontar outras dimensões e âmbitos de análise a serem acrescentados ou para substituir os que constam do modelo sugerido. Acesse o material específi co Avaliação para identifi cação das necessidades educacionais especiais: http://portal.mec.gov.br/seesp/ arquivos/pdf/avaliacao.pdf. 5 A IMPLEMETAÇÃO DA SALA DE RECURSOS MULTIFUNCIONAIS As salas multifuncionais são espaços de atendimento educacional especializado (AEE), organizados com o apoio do MEC, nas escolas comuns de ensino regular. O atendimento especializado passa a ser oferecido nas escolas no contraturno em que o aluno estuda. A intenção é garantir para os alunos com necessidades especiais, os atendimentos especializados dos quais este público necessita como também a inclusão escolar. 121 APLICABILIDADE DO MARKETING: TENDÊNCIAS E TAREFAS FUNDAMENTAIS Capítulo 3 A construção de políticas públicas inclusivas, de acesso aos serviços e recursos pedagógicos e de acessibilidade nas escolas regulares, elimina a discriminação e a segregação, superando o modelo de escolas e classes especiais. Nessa perspectiva, os sistemas de ensino modifi cam sua organização, assegurando aos alunos público-alvo da educação especial a matrícula nas classes comuns e a oferta do atendimento educacional especializado, previsto no projeto político pedagógico da escola (BRASIL, 2010, p. 3). O atendimento educacional especializado oferecido nas salas de recursos multifuncionais é organizado pelo profi ssional da Educação Especial em parceria com os professores de sala e com a coordenação e direção da escola. Tal prática deve estar prevista no Plano Político-Pedagógico como uma das ações que buscam a construção de uma escola inclusiva. A implantação das Salas de Recursos Multifuncionais nas escolas comuns da rede pública de ensino atende a necessidade histórica da educação brasileira, de promover as condições de acesso, participação e aprendizagem dos alunos público-alvo da educação especial no ensino regular, possibilitando a oferta do atendimento educacional especializado, de forma não substitutiva à escolarização (BRASIL, 2010, p. 3). O Conselho Nacional de Educação, por meio da Resolução CNE/CEB nº 4/2009, estabelece as Diretrizes Operacionais para o Atendimento Educacional Especializado na Educação Básica, defi nindo que: Art. 5º. O AEE é realizado, prioritariamente, nas salas de recursos multifuncionais da própria escola ou em outra de ensino regular, no turno inverso da escolarização, não sendo substitutivo às classes comuns, podendo ser realizado, em centro de atendimento educacional especializado de instituição especializada da rede pública ou de instituição especializada comunitárias, confessionais ou fi lantrópicas sem fi ns lucrativos, conveniadas com a secretaria de educação ou órgão equivalente dos estados, do Distrito Federal ou dos municípios (CNE, 2009, s.p.). As salas de recursos multifuncionais estão equipadas com recursos tecnológicos e pedagógicos necessários para o atendimento dos alunos com necessidades especiais que devem ser acompanhados por um professor com formação em educação especial. Nas escolas da rede pública, a responsabilidade pela compra de equipamentos e montagem das salas de recursos multifuncionais é do Ministério da Educação em parceria com as secretarias de educação municipais e estaduais. É necessário que a escola preencha o cadastro de solicitação de implementação dos recursos. 122 DEFiCiÊNCiA ViSuAL SAIBA MAIS: O MEC abre edital para cadastro de implementação de salas de recursos multifuncionais. A escola precisa realizar o cadastro para solicitar e receber os equipamentos. Após o cadastro, a escola passa receber os principais equipamentos para a organização desses espaços. A seguir, apresentamos a relação de equipamentos inicialmente disponibilizados pelo MEC e que obrigatoriamente devem fazer parte dos recursos dessas salas. QUADRO 5 – RELAÇÃO DE EQUIPAMENTOS INICIALMENTE DISPONIBILIZADOS PELO MEC EQUIPAMENTOS MATERIAL DIDÁTICO/PEDAGÓGICO 02 Microcomputadores 01 Laptop 01 Estabilizador 01 Scanner 01 Impressora laser 01 Teclado com colmeia 01 Mouse com entrada para acionador 01 Lupa eletrônica 01 Material Dourado 01 Esquema Corporal 01 Bandinha Rítmica 01 Memória de Numerais l 01 Tapete Alfabético Encaixado 01 Software Comunicação Alternativa 01 Sacolão Criativo Monta Tudo 01 Quebra Cabeças – sequência lógica 01 Dominó de Associação de Ideias 01 Dominó de Frases 01 Dominó de Animais em Libras 01 Dominó de Frutas em Libras 01 Dominó tátil 01 Alfabeto Braille 01 Kit de lupas manuais 01 Plano inclinado – suporte para leitura 01 Memória Tátil MOBILIÁRIO 01 Mesa redonda 04 Cadeiras 01 Mesa para impressora 01 Armário 01 Quadro branco 02 Mesas para computador 02 Cadeiras FONTE: Adaptado de Brasil (2010) 123 APLICABILIDADE DO MARKETING: TENDÊNCIAS E TAREFAS FUNDAMENTAIS Capítulo 3 A escola, ao cumprir sua função social, deve apresentar planejamento para disponibilizar recursos e apoio por meio do AEE nas salas de Recurso Multifuncionais, a fi m de valorizar as diferenças e garantir a igualdade de direitos. Quer conhecer um pouco mais o programa de implementação das salas de recursos? Acesse: http://portal.mec.gov.br/index. php?opt ion=com_docman&v iew=down load&a l ias=9936- manual-orientacao-programa-implantacao-salas-recursos- multifuncionais&category_slug=fevereiro-2012-pdf&Itemid=30192. De acordo com o documento, Orientações para a implementação de Salas de Recursos Multifuncionais (BRASIL, 2010) as escolas contam com duas possibilidades de implementação desses espaços. Com ou sem equipamentos para AEE para alunos com defi ciência visual. A escola de ensino regular deve ter matrícula de aluno(s) público-alvo da educação especial em classe comum, registrado(s) no Censo Escolar/INEP, para a implantação da sala Tipo I; A escola de ensino regular deve ter matrícula de aluno(s) cego(s) em classe comum, registrado(s) no Censo Escolar/ INEP, para a implantação da sala de Tipo II (BRASIL, 2010, p. 10). Ao implementar uma sala para atendimento aos alunos cegos, o MEC disponibiliza ainda os seguintes equipamentos: 124 DEFiCiÊNCiA ViSuAL QUADRO 6 – EQUIPAMENTOS E MATERIAIS DIDÁTICO/PEDAGÓGICO Equipamentos e Materiais Didático/Pedagógico 01 Impressora Braille – pequeno porte 01 Máquina de datilografi a Braille 01 Reglete de Mesa 01 Punção 01 Soroban 01 Guia de Assinatura 01 Kit de Desenho Geométrico 01 Calculadora Sonora FONTE: Adaptado de Brasil (2010) Após a organização de equipamentos e implementação da sala de recursos multifuncionais, é necessário planejar o Atendimento Educacional Especializado. Desta forma,a escola organizará seu PPP, bem como o Plano de AEE, envolvendo todos os responsáveis. 6 O AEE NAS SALAS DE RECURSOS MULTIFUNCIONAIS No contexto da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (2009), os Programas de Implementação das Salas de Recursos Multifuncionais objetivam: • Apoiar a organização da educação especial na perspectiva da educação inclusiva. • Assegurar o pleno acesso dos alunos público-alvo da educação especial no ensino regular em igualdade de condições com os demais alunos. • Disponibilizar recursos pedagógicos e de acessibilidade às escolas regulares da rede pública de ensino. • Promover o desenvolvimento profi ssional e a participação da comunidade escolar. Mas para atingir esses objetivos, faz-se necessário garantir a atuação do profi ssional da área da Educação Especial para atuação nesses espaços como também para a parceria com os professores de sala, buscando ampliar as possibilidades de acesso e garantia de direitos do público-alvo da Educação Especial. 125 APLICABILIDADE DO MARKETING: TENDÊNCIAS E TAREFAS FUNDAMENTAIS Capítulo 3 A atuação do professor do AEE está regulamentada na Resolução CNE/ CEB n° 4/2009, art. 12, que defi ne que “para atuar no atendimento educacional especializado, o professor deve ter formação inicial que o habilite para exercício da docência e formação específi ca na educação especial”. Esses profi ssionais desenvolvem um papel fundamental para a difusão da inclusão dentro da comunidade escolar. A seguir, apresentamos as atribuições deste profi ssional: QUADRO 7 – ATRIBUIÇÕES DO PROFESSOR DE AEE ATRIBUIÇÕES DO PROFESSOR DE AEE Elaboração, execução e avaliação do plano de AEE do aluno; Defi nição do cronograma e das atividades do atendimento do aluno; Organização de estratégias pedagógicas e identifi cação e produção de recursos acessíveis; Ensino e desenvolvimento das atividades próprias do AEE, tais como: Libras, Braille, orientação e mobilidade, Língua Portuguesa para alunos surdos; informática acessível; Comunicação Alterna- tiva e Aumentativa – CAA, atividades de desenvolvimento das habilidades mentais superiores e atividades de enriquecimento curricular; Acompanhamento da funcionalidade e usabilidade dos recursos de tecnologia assistiva na sala de aula comum e ambientes escolares; Articulação com os professores das classes comuns, nas diferentes etapas e modalidades de ensino; Orientação aos professores do ensino regular e às famílias sobre os recursos utilizados pelo aluno; Interface com as áreas da saúde, assistência, trabalho e outras. FONTE: Adaptado de Brasil (2009) As salas de Recursos Multifuncionais são organizadas nas escolas de Educação Básica. Nas instituições de Ensino Superior são implementados os Núcleos de Acessibilidade. Veja a diferença entre o reforço escolar e o AEE nas salas de recurso multifuncionais. Acesse: https://www.youtube.com/ watch?v=tr6aH4yss_8. 126 DEFiCiÊNCiA ViSuAL De acordo com o previsto na Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (2008), a educação especial, vista sob o princípio da transversalidade, efetiva-se por meio de ações que promovam o acesso, a permanência e a participação dos estudantes. Para garantir o atendimento ao público da educação especial, as instituições devem conceber a acessibilidade de forma ampla, contemplando a acessibilidade atitudinal, arquitetônica, metodológica, programática, instrumental, digital e nas comunicações. Tais espectros de acessibilidade, embora muito discutido para o ensino superior, também devem ser garantidos nas demais etapas da educação. QUADRO 8 – ESPECTROS DE ACESSIBILIDADE ESPECTRO DA ACESSIBILIDADE DEFINIÇÕES PRÁTICAS E EXEMPLOS Acessibilidade atitudinal Refere-se à percepção do outro sem preconceitos, estigmas, este- reótipos e discriminações. Todos os demais tipos de acessibilidade estão relacionados a essa, pois é a atitude da pessoa que impulsiona a remoção de barreiras. Essa acessibilidade pode ser notada quando existe, por parte dos gestores institucionais, o interesse em implementar ações e projetos relacionados à acessibilidade em toda a sua amplitude. A priorização de recursos para essas ações é um indicativo da existência de acessibi- lidade atitudinal. Acessibilidade arquitetônica (tam- bém conhecida como física) Eliminação das barreiras ambientais físicas nas residências, nos edifí- cios, nos espaços e equipamentos urbanos. Os exemplos mais comuns de acessibilidade arquitetônica são a presença de rampas, banheiros adaptados, elevadores adaptados, piso tátil, entre outras. Acessibilidade me- todológica (tam- bém conhecida como pedagógica) Ausência de barreiras nas metodo- logias e técnicas de estudo. Está relacionada diretamente à concep- ção subjacente à atuação docente: a forma como os professores conce- bem conhecimento, aprendizagem, avaliação e inclusão educacional irá determinar, ou não, a remoção das barreiras pedagógicas. É possível notar a acessibilidade metodológica nas salas de aula quando os professores promo- vem processos de diversifi cação curricular, fl exibilização do tempo e utilização de recursos para viabilizar a aprendizagem de estudantes com defi ciência, como por exemplo: pranchas de comunicação, texto impresso e ampliado, softwares ampliadores de comunicação alter- nativa, leitores de tela, entre outros recursos. 127 APLICABILIDADE DO MARKETING: TENDÊNCIAS E TAREFAS FUNDAMENTAIS Capítulo 3 Acessibilidade Programática Eliminação de barreiras presentes nas políticas públicas (leis, decre- tos, portarias, normas, regulamen- tos, entre outros. Ocorre quando a instituição promo- ve processos de sensibilização que envolvem a informação, o conheci- mento e a aplicação dos dispositi- vos legais e políticas relacionadas à inclusão e à acessibilidade de estudantes com defi ciência. Muitas vezes esses estudantes não têm conhecimento dos seus direitos e, em razão disso, não vislumbram a possibilidade de acessar a uni- versidade. Essa acessibilidade se expressa, também, toda vez que novas leis, decretos, portarias são criadas com o objetivo de fazer avançar os direitos humanos em todos os seus âmbitos. Acessibilidade instrumental Superação das barreiras nos ins- trumentos, utensílios e ferramentas de estudo (escolar), de trabalho (profi ssional), de lazer e recreação (comunitária, turística, esportiva). Esse tipo de acessibilidade envolve todas as demais e sua materialida- de refl ete a qualidade do processo de inclusão plena do estudante na educação superior. Acessibilidade nas comunicações É a acessibilidade que elimina barreiras na comunicação interpes- soal (face a face, língua de sinais), escrita (jornal, revista, livro, carta, apostila etc., incluindo textos em Braille, uso do computador portátil) e virtual (acessibilidade digital). Um dos exemplos de acessibilidade nas comunicações é a presença do intérprete na sala de aula em consonância com a Lei de LIBRAS – e Decreto de Acessibilidade. Acessibilidade digital Direito de eliminação de barreiras na disponibilidade de comunicação, de acesso físico, de equipamentos e programas adequados, de conteúdo e apresentação da informação em formatos alternativos. Evidencia-se a existência dessa acessibilidade quando a IES possui os acervos bibliográfi cos dos cursos em formato acessível ao estudante com defi ciência (prioritariamente os de leitura obrigatória), utiliza diferen- tes recursos e ajudas técnicas para que o estudante tenha acesso à informação e ao conhecimento inde- pendentemente de sua defi ciência. FONTE: Brasil (2009, p. 35-37) 128 DEFiCiÊNCiA ViSuAL Por muito tempo as pessoas entendiam acessibilidade como uma condição apenas arquitetônica. Pensavam que bastava uma rampa e um banheiro adaptado para garantir o acesso às pessoas com defi ciência. Os documentosrecentes ampliam esse conceito para a acessibilidade plena, ou seja, aquela que envolve sensibilização, construção de cultura inclusiva e que perpassa por acessibilidade atitudinal, pedagógica, nas comunicações, digital, instrumental e física para garantir o direito de igualdade. Todas essas especifi cidades organizadas por profi ssionais da área e ofertadas na educação básica nas salas de recursos multifuncionais e no ensino superior, nos núcleos de acessibilidade. Conheça o Programa Incluir. Acesse http://portal.mec.gov.br/ programa-incluir. 7 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES Orientação e Mobilidade é a área de estudo que trabalha com a educação e reabilitação de pessoas com defi ciência visual, proporcionando o desenvolvimento da autonomia na locomoção e identifi cação do espaço físico onde está inserido, trabalhando com os sentidos remanescentes como o tato, olfato, audição, visão residual. As técnicas de Orientação e Mobilidade dividem-se em: Técnica de Bengala, Guia vidente, Cão-guia, Técnicas de autoproteção, Localização de objetos e Reconhecimento de espaço. Essas técnicas devem ser desenvolvidas com os alunos com defi ciência visual, propiciando sua inclusão no meio escolar, de forma lúdica e segura, a fi m de alcançar a independência e autonomia do aluno. As Atividades da Vida Diária são atividades que devem ser desenvolvidas desde cedo, no primeiro meio social em que a criança está inserida, ou seja, a família. São atividades do dia a dia que, quando trabalhadas, propiciam à criança com defi ciência visual condições e hábitos de autossufi ciência, que permitam participar ativamente do ambiente em que vive. A avaliação diagnóstica é fundamental para o desenvolvimento do PDI – Plano de desenvolvimento individualizado, que deverá ser organizado para 129 APLICABILIDADE DO MARKETING: TENDÊNCIAS E TAREFAS FUNDAMENTAIS Capítulo 3 garantir o atendimento educacional especializado e a inclusão escolar dos alunos caracterizados como público-alvo da educação especial. As salas de recursos multifuncionais são espaços planejados e organizados para o atendimento educacional especializado e devem ser equipadas de acordo com as recomendações mínimas, previstas nos documentos do Ministério da Educação. Cabe à equipe multidisciplinar da escola, junto ao professor de AEE, buscar estratégias para incluir este público da melhor forma, considerando os diferentes contextos. Cabe a nós, educadores, família e todos os seres humanos, participar ativamente do processo de desenvolvimento de todas as crianças, tendo em mente que o estímulo e o amor deverão estar sempre presentes. REFERÊNCIAS BRASIL. Nota Técnica nº 04/2014 / MEC / SECADI / DPEE. Orientação quanto a documentos comprobatórios de alunos com defi ciência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação no Censo Escolar. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_ docman&view=download&alias=15898-nott04-secadi-dpee-23012014&category_ slug=julho-2014-pdf&Itemid=30192. Acesso em: 3 out. 2019. BRASIL. Referenciais de Acessibilidade na Educação Superior e a Avaliação in loco do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES) 2010. Disponível em: https://www.puc-campinas.edu.br/wp-content/ uploads/2016/04/proavi-referenciais-de-acessibilidade-parte-i.pdf. Acesso em: 10 set. 2019. BRASIL. Resolução nº 4, de 2 de outubro de 2009. Institui Diretrizes Operacionais para o Atendimento Educacional Especializado na Educação Básica, modalidade Educação Especial. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/ dmdocuments/rceb004_09.pdf. Acesso em: 10 set. 2019. BRASIL. Saberes e práticas da inclusão: avaliação para identifi cação das necessidades educacionais especiais. 2. ed. Coordenação geral SEESP/MEC. Brasília: MEC, Secretaria de Educação Especial, 2006. 130 DEFiCiÊNCiA ViSuAL CONDE, Antonio João Menescal (Adap.). Quando houver crianças defi cientes da visão em sua sala de aula: sugestões para professores. 1998. Disponível em: http://www.ibc.gov.br/images/conteudo/revistas/benjamin_constant/1998/ edicao-09-junho/Nossos_Meios_RBC_RevJun1998_Artigo1.doc. Acesso em: 27 jul. 2006. CONDE, Antonio João Menescal. Defi nindo a cegueira e a visão subnormal. 1998. Disponível em: http://www.ibc.gov.br/?itemid=94#more. Acesso em: 18 ago. 2019. JESUS, Elisabeth Ferreira. Atividade de vida diária. Apostila. Rio de Janeiro. 1994. Disponível em: http://www.bengalalegal.com/a-v-d.php. Acesso em: 5 jul. 2019. MASI, Ivete de. Conceitos: Aquisição Básica para a Orientação e Mobilidade. Manual de Orientação e Mobilidade. Brasília, 2003. Disponível em: http://portal. mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/ori_mobi.pdf Acesso em: 10 jun. 2009. MAZZORO, José Luiz. História de Mariana. Manual de Orientação e Mobilidade. Brasília, 2003. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/txt/ori_ mobi.pdf. Acesso em: 10 jun. 2019. POKER, Rosimar Bortolini et al. Plano de desenvolvimento individual para o atendimento educacional especializado. São Paulo: Cultura Acadêmica, Marília, 2013. SILVEIRA, Saulo; FELIPPE, João Álvaro de Moraes. Caminhando juntos: Manual das habilidades básicas de Orientação e Mobilidade. Laramara, 2001. Disponível em: http://defi cienciavisual2.com.sapo.pt/txt-caminhandojuntos.htm. Acesso em: 5 jun. 2019. WINDHOLF, Margarida Hofman. Passo a passo, seu caminho. São Paulo: EDICON, 1988.primeiros no Paraíso”. No século XVIII confi gura-se um novo posicionamento em relação à cegueira: a mística cede lugar à ciência e, no lugar do prejulgamento, surgem a experiência e o estudo. Como consequência dessa nova compreensão da cegueira, iniciou-se a educação da pessoa cega, incorporando-a à vida social e à cultura. A preocupação com a educação de pessoas cegas surgiu no século XVI, com Girolina Cardono, médico italiano que testou a possibilidade do aprendizado de leitura através do tato. Peter Pontamus, Fleming (cego) e o padre Lara Terzi escreveram os primeiros livros sobre a educação das pessoas cegas (BRUNO; MOTA, 2001). 16 DEFiCiÊNCiA ViSuAL As primeiras tentativas para a criação de métodos que permitissem aos cegos o acesso à linguagem escrita utilizavam fundição de letras em metal, caracteres recortados em papel, alfi netes de diversos tamanhos pregados em almofadas, mas estes só permitiam a leitura de pequenos textos, enquanto a escrita era impossível de se realizar (BELARMINO, 1996). Para chegar ao Sistema Braille que se utiliza atualmente, há registros de várias tentativas de se criar um meio que possibilitasse às pessoas cegas a ler e escrever. Além desses métodos, podemos destacar o processo de representação dos caracteres comuns com linhas de alto relevo, ou seja, a pessoa aprenderia a realizar leitura tátil dos caracteres que conhecemos através da escrita em tinta. Esse processo foi adaptado por Valentin Hauy, porém, com o uso dessa sistemática, pode-se perceber que o processo de representação de Valentin Hauy possibilitava às pessoas cegas apenas a leitura, porém difi cultava a comunicação através da escrita individual. Além da sua contribuição na comunicação para cegos, Valentin Hauy fundou a primeira escola para cegos do mundo, denominada Instituto Real dos Jovens Cegos, no ano de 1784, em Paris, espaço onde Louis Braille estudou. Ainda estudante, Louis Braille obteve informações de uma invenção conhecida como sonografi a ou código militar, cujo objetivo era de viabilizar a comunicação noturna entre ofi ciais na guerra. Criada por Charles Barbier, esse invento se baseava em doze sinais, entre linhas e pontos salientes que representavam sílabas na língua francesa. Não obtendo sucesso em seu objetivo militar, Barbier apresentou essa ideia ao Instituto Real dos Jovens Cegos para ser experimentado entre as pessoas cegas. A signifi cação tátil dos pontos em relevo criado por Barbier inspirou o jovem Louis Braille a criar o sistema utilizado atualmente. Louis Braille foi um personagem marcante na construção do Sistema Braille, por isso convidamos você para conhecer melhor a sua história. Vamos lá? No ano de 1812, Louis Braille era um menino. Vivia em Coupvray, uma pequena cidade a 40 km de Paris, na França. O pai de Louis tinha uma loja em que se fabricavam artigos de couro. Um dia, quando brincava na referida loja, tendo em uma das mãos uma sovela (instrumento cortante), caiu, enterrando a ponta do instrumento em um dos olhos. Mais tarde, contudo, tornou-se cego dos dois olhos. Embora tivesse apenas sete ou oito anos, já era obrigado a andar com uma bengala. 17 DEFICIÊNCIA VISUAL: ASPECTOS HISTÓRICOS, LEGAIS E CONCEITUAIS Capítulo 1 O povo de sua cidadezinha se apiedava quando o via tão pequeno completamente cego, seguindo seu caminho pelas ruas com uma bengala, a fi m de encontrar sua direção. Poucos anos depois, Louis entrou para uma escola para cegos em Paris, lá aprendeu a ler, isto é, aprendeu a reconhecer as vinte e seis letras, sentindo- as com os dedos. Mas as letras tinham muitas polegadas (cerca de 20 cm de largura e altura). Este era naturalmente um sistema muito primitivo de ler. Um artigo pequeno enchia inúmeros livros e cada livro pesava 8 ou 9 libras (3,624 kg a 4,077 kg). Mais tarde, Louis tornou-se professor nessa escola. Ele, todavia, ansiava por encontrar um sistema de leitura bem melhorado para o cego, mas isso não era fácil. Um dia, em visita a sua casa, ele disse a seu pai: "As pessoas cegas são as mais isoladas do mundo. Eu posso descrever um pássaro distinguindo-o de outro pelo som. Eu posso conhecer a porta de uma casa sentindo-a com a minha mão. Mas há inúmeras coisas que eu não posso ouvir nem sentir. Somente os livros podem libertar os cegos. Mas não há livros para lermos". Porém, certo dia, ele estava sentado em um restaurante com um amigo, que o ouvia ler, pacientemente, um artigo de um jornal. Esse artigo era sobre Charles Barbier, um capitão do exército que tinha um sistema de escrever, o qual podia ser usado no escuro. Ele o chamava Escrita da Noite (night-writing). Com a Night-Writing o capitão usava um sistema de pontos e traços. Os pontos e traços eram construídos no papel, assim a pessoa podia senti-los com seus dedos. Quando Louis ouviu falar sobre isso, fi cou muito excitado. Começou a falar e a soluçar. - "Por favor Louis", disse seu amigo. "O que há? Todos estão olhando para você". - "Finalmente eu encontrei a resposta para o problema do cego", disse. "Agora o cego pode ser livre". No dia seguinte, Louis foi orientar-se com o capitão do exército e perguntou-lhe sobre seu sistema. O capitão explicou-lhe que usava punção ou estilete, instrumento com ponta afi ada para fazer os furos e tracinhos num papel grosso. Uma pessoa qualquer poderia sentir os furos e traços no outro lado do papel. Certas marcas signifi cavam uma coisa, outras marcas, outras coisas. O instrumento que o capitão usava era do mesmo tipo que o ferira quando brincava há tantos anos antes. 18 DEFiCiÊNCiA ViSuAL - "Estou certo de poder usar este sistema, disse Louis, para ajudar as pessoas cegas a ler e lhes dar livros". Esse foi um maravilhoso dia para Louis. Mais tarde, ele começou a estudar esse novo sistema para usá-lo com o cego. Estudou diferentes maneiras de fazer os furos e traços sobre o papel. Finalmente, conseguiu um sistema simples, no qual usava seis furos em diferentes posições dentro desse espaço. Ele podia fazer 63 combinações diferentes. Cada combinação indicava uma letra do alfabeto ou uma pequena palavra. Havia também combinações para indicar marcas de pontuação etc. Breve, Louis escreveu um livro usando o Sistema Braille. Primeiramente, o povo não acreditou que o Sistema de Louis Braille fosse possível ou prático. Louis falou diante de um grupo de pessoas e lhes mostrou como podia escrever fazendo esses furos no papel quase ao mesmo tempo que alguém lesse alguma coisa para ele. Mas não lhe deram crédito, afi rmavam ser impossível fazer isso. Disseram, inclusive, que Louis decorava o que lhe ditavam. Em toda parte, era a mesma coisa, as pessoas não acreditaram nele. Em alguns casos, por uma razão ou por outra, eles não queriam acreditar. Até o governo francês não queria ouvir nada sobre o Sistema de Louis. Disseram que já estavam fazendo todo o possível para o cego. Louis continuou sempre a trabalhar com seu sistema. Agora ele já era um homem doente. A cada ano tornava-se mais doente, porém trabalhava e trabalhava com seu sistema para torná-lo melhor. Ele construiu um sistema de pontos para matemática e música. Um dia, uma moça que nascera cega tocava piano, magnifi camente, diante de um grande auditório. Todos se encantaram. Então, a moça lhes disse que não deveriam agradecê-la por tocar tão bem. Deveriam fazê-lo a Louis Braille, só ele tornou possível o seu aprendizado e sua perfeição no piano. Ela lhes disse também que naquele momento Louis Braille era um pobre homem cansado e doente. Ele estava às portas da morte. Subitamente, depois de tantos anos, todos começaram a se interessar pelo sistema de Louis Braille. Os jornais escreveram artigos sobre ele. O governo se interessou também pelo sistema de leitura para cegos. Amigos foram visitá-lo contando o que acontecera. Louis começou a chorar alto, dizendo: 19 DEFICIÊNCIA VISUAL: ASPECTOS HISTÓRICOS, LEGAIS E CONCEITUAISCapítulo 1 - "Esta é a terceira vez em minha vida que eu choro. A primeira, quando tornei- me cego. A segunda, quando ouvi falar sobre "night-writing" e agora porque sei que minha vida não foi um fracasso". Poucos dias depois, Louis Braille morreu. Tinha, ao falecer, somente 43 anos de idade. Extraído de A história de Louis Braille. FONTE: . Acesso em: 16 set. 2019. O Sistema Braille foi de grande aceitação para a maioria das pessoas cegas, pois além da aplicabilidade e efi ciência, ele permitiu a possibilidade de viabilizar o melhor meio de leitura e escrita para essas pessoas. Diante dessa invenção, Louis Braille defi niu a estrutura básica do sistema, atualmente utilizada no mundo todo. No Brasil, o Sistema Braille foi adotado a partir de 1854, com a criação do Imperial Instituto dos Meninos Cegos, hoje Instituto Benjamin Constant. FIGURA 6 – INSTITUTO BENJAMIN CONSTANT FONTE: . Acesso em: 6 mar. 2019. No Brasil, o atendimento às pessoas com diferenças visuais iniciou-se com a fundação do Imperial Instituto de Meninos Cegos, na cidade do Rio de Janeiro, em 1854. Em 1891, com a queda da Monarquia e a proclamação da República, o Imperial Instituto de Meninos Cegos passou a receber a denominação de Instituto 20 DEFiCiÊNCiA ViSuAL Benjamin Constant (IBC), em homenagem ao republicano Benjamin Constant Botelho de Magalhães, que dirigiu o educandário de 1869 até 1889. Segundo o censo 2000, 14,5% da população brasileira possui algum tipo de defi ciência, podendo ser motora, física, auditiva, intelectual ou visual. Dentre esses 14,5%, 6,97% apresentam defi ciência visual, aproximadamente 11,77 milhões de brasileiros, que hoje recebem atendimento específi co em vários institutos de apoio e estimulação em todo o país. 2.2.2 ASPECToS LEGAiS Ao analisar os processos históricos que envolveram o sistema Braille, podemos perceber que houve grande esforço para a atualização e a unifi cação desse sistema no Brasil e no mundo. Consta-se que na portaria nº 552, de 13 de novembro de 1945, ofi cializou- se o Braille para uso no Brasil, além de um código de abreviaturas, da autoria do professor José Espínola Veiga (essa abreviatura teve uso restrito, entrando em desuso posteriormente). E para reforçar essa ação, a Lei nº 4.169, de 4 de dezembro de 1962, que ofi cializou as convenções Braille, veio a criar difi culdades para o estabelecimento de acordos internacionais, fazendo com que os especialistas brasileiros optassem por alterar seus conteúdos, em benefício da unifi cação do Sistema Braille (BRASIL, 2006). Diante disso, foi instituída no Ministério da Educação, vinculada à Secretaria de Educação Especial/SEESP, a Comissão Brasileira do Braille pela portaria nº 319, de 26 de fevereiro de 1999, que apresenta as informações a seguir. A Comissão Brasileira do Braille é constituída por pessoas de notório saber e larga experiência no uso do Sistema Braille, nas seguintes áreas: a) Braille integral e abreviado (grau 1 e grau 2) da língua portuguesa e conhecimentos específi cos de simbologia Braille usada em outras línguas, em especial espanhol, francês e inglês; b) Simbologia Braille aplicada à matemática e ciências em geral; c) Musicografi a Braille; d) Simbologia Braille; e) Produção Braille (transcrição, adaptação de textos, gráfi cos e desenhos em relevo e impressão). A Comissão Brasileira do Braille será formada por 08 (oito) membros, sendo: I- 1 representante do Instituto Benjamin Constant – IBC; 21 DEFICIÊNCIA VISUAL: ASPECTOS HISTÓRICOS, LEGAIS E CONCEITUAIS Capítulo 1 II- 1 representante da União Brasileira de Cegos – UBC; III- 1 representante da Fundação Dorina Nowill para Cegos – FNDC; IV- 5 representantes de instituições de e para cegos, escolhidos em fórum convocado pela União Brasileira de Cegos – UBC. As competências da Comissão Brasileira do Braille são: I- Elaborar e propor a política nacional para o uso, ensino e difusão do Sistema Braille em todas as suas modalidades de aplicação, compreendendo especialmente a língua portuguesa, a matemática e outras ciências exatas, a música e a informática; II- Propor normas e regulamentações concernentes ao uso, ensino e produção do Sistema Braille no Brasil, visando à unifi cação das aplicações do Sistema Braille, especialmente nas línguas portuguesa e espanhola; III- Acompanhar e avaliar a aplicação de normas, regulamentações, acordos internacionais, convenções e quaisquer atos normativos referentes ao Sistema Braille; IV- Prestar assistência técnica às Secretarias Estaduais e Municipais de Educação, bem como a entidades públicas e privadas, sobre questões relativas ao uso do Sistema Braille; V- Avaliar permanentemente a Simbologia Braille adotada no país, atentando para a necessidade de adaptá-la ou alterá-la face à evolução técnica e científi ca, procurando compatibilizar essa simbologia, sempre que for possível, com as adotadas nos países de língua portuguesa e espanhola; VI- Manter intercâmbio permanente com comissões de Braille de outros países de acordo com as recomendações de unifi cação do Sistema Braille em nível internacional; VII- Recomendar, com base em pesquisas, estudos, tratados e convenções, procedimentos que envolvam conteúdos, metodologia e estratégias a serem adotados em cursos de aprendizagem no Sistema Braille com caráter de especialização, treinamento e reciclagem de professores e de técnicos, como também nos cursos destinados a usuários do Sistema Braille e à comunidade geral; VIII- Propor critérios e fi xar estratégias para implantação de novas Simbologias Braille que alterem ou substituam os códigos em uso no Brasil, prevendo a realização de avaliações sistemáticas com vistas a modifi cações de procedimentos sempre que necessário; IX- Elaborar catálogos, manuais, tabelas e outras publicações que facilitem o processo ensino-aprendizagem e o uso do Sistema Braille em todo o território nacional. 22 DEFiCiÊNCiA ViSuAL FIGURA 7 – 1ª COMISSÃO BRASILEIRA DO BRAILLE, 10/6/1999 FONTE: . Acesso em: 16 set. 2019. Considerando os resultados dos trabalhos técnicos e das ações desenvolvidas pela Comissão Brasileira do Braille, foi aprovado através da Portaria nº 2.678 de 24 de setembro de 2002 o projeto da Grafi a Braille para a Língua Portuguesa, recomendando o seu uso em todo o território nacional, na forma da publicação Classifi cação Decimal Universal – CDU 376.352 deste Ministério, a partir de 1º de janeiro de 2003. Assim, a Comissão de Braille do Brasil, junto à de Portugal, publicaram a Grafi a Braille para a Língua Portuguesa. Esse documento tem como objetivo normatizar a grafi a Braille, destinado especialmente a professores, transcritores, revisores e usuários do Sistema Braille. Dessa forma, o material benefi ciará todas as pessoas cegas dos países de língua portuguesa ofi cial. Ainda, além de símbolos já conhecidos na escrita Braille, a Grafi a Braille para a Língua Portuguesa, através da sua segunda edição, traz algumas alterações, novos símbolos e um conjunto de normas para a aplicação de toda essa simbologia. Segundo o próprio material, as alterações e a adoção de novos símbolos basearam-se principalmente nos seguintes critérios: 1. Ajustar a grafi a básica à nova realidade da representação braille. 2. Favorecer o intercâmbio entre pessoas cegas e instituições de diferentes países. 3. Adequar a escrita braille às modifi cações realizadas nas representações gráfi cas decorrentes do avanço científi co e tecnológico e do emprego cada vez mais frequente da Informática. 23 DEFICIÊNCIA VISUAL: ASPECTOS HISTÓRICOS, LEGAIS E CONCEITUAIS Capítulo 1 4. Atender às recomendações da União Mundial de Cegos (UMC) e da UNESCO quanto à unifi cação das grafi aspor grupos lingüísticos. 5. Evitar a duplicidade de representação de símbolos braille. 6. Ajustar a grafi a básica, considerando o Código Matemático Unifi cado (CMU), adotado no Brasil desde 2003 em conformidade com a Grafi a Braille para a Língua Portuguesa instituída pela portaria ministerial 2.678 de 24/09/2002. 7. Garantir a qualidade da transcrição de textos para o Sistema Braille, especialmente dos livros didáticos (BRASIL, 2006, p. 13). Atualmente, os direitos da pessoa com defi ciência visual também estão assegurados através da Lei Brasileira de Inclusão – nº 13.146/2015, destinada a assegurar e a promover, em condições de igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais, visando a sua inclusão social e cidadania. Em seu art.3º considera a importância da viabilidade de: I- Acessibilidade: possibilidade e condição de alcance para utilização, com segurança e autonomia, de espaços, mobiliários, equipamentos urbanos, edifi cações, transportes, informação e comunicação, inclusive seus sistemas e tecnologias, bem como de outros serviços e instalações abertos ao público, de uso público ou privados de uso coletivo, tanto na zona urbana como na rural, por pessoa com defi ciência ou com mobilidade reduzida; II- Desenho universal: concepção de produtos, ambientes, programas e serviços a serem usados por todas as pessoas, sem necessidade de adaptação ou de projeto específi co, incluindo os recursos de tecnologia assistiva; III- Tecnologia assistiva ou ajuda técnica: produtos, equipamentos, dispositivos, recursos, metodologias, estratégias, práticas e serviços que objetivem promover a funcionalidade, relacionada à atividade e à participação da pessoa com defi ciência ou com mobilidade reduzida, visando à sua autonomia, independência, qualidade de vida e inclusão social; IV- Barreiras: qualquer entrave, obstáculo, atitude ou comportamento que limite ou impeça a participação social da pessoa, bem como o gozo, a fruição e o exercício de seus direitos à acessibilidade, à liberdade de movimento e de expressão, à comunicação, ao acesso à informação, à compreensão, à circulação com segurança, entre outros (BRASIL, 2015, p.19-20). A Lei Brasileira de Inclusão frisa em vários momentos do seu texto a necessidade de garantia à pessoa com defi ciência ao acesso a produtos, recursos, estratégias, práticas, processos, métodos e serviços de tecnologia assistiva que maximizem sua autonomia, mobilidade pessoal e qualidade de vida. 24 DEFiCiÊNCiA ViSuAL 2.2.3 INSTiTuiÇÕES PArCEirAS Como vimos anteriormente, a vinda do sistema Braille para o Brasil esteve ligada a uma instituição hoje denominada de Instituto Benjamim Constant. Atualmente, além deste, encontramos outras instituições reconhecidas em todo o país, que contribuem signifi cativamente na divulgação do sistema Braille e demais tecnologias, bem como oferece materiais, capacitação e produção acadêmica que evidencia o que se tem de melhor na área da defi ciência visual. Selecionamos aqui algumas delas para que você possa conhecer um pouco mais do seu trabalho. Ao fi nal de cada item, apresentaremos como sugestão alguns sites que contribuirão para os seus próximos estudos. • Instituto Benjamin Constant Criado pelo Imperador D. Pedro II, foi inaugurado em 1854, na cidade do Rio de Janeiro, com o nome de Instituto dos Meninos Cegos. Essa instituição contribuiu historicamente para que barreiras e preconceitos fossem aos poucos eliminados, mostrando que a pessoa cega teria condições de educar-se e de profi ssionalizar-se. Devido à grande procura, construiu-se um novo espaço e passou a ser intitulado como Instituto Benjamim Constant (IBC), homenageando o terceiro diretor da instituição. Atualmente, o instituto vê seus objetivos redimensionados, considerando-se um centro de referência nacional no que se refere à defi ciência visual. Possui uma escola que capacita os profi ssionais que trabalham na área da defi ciência visual, assessora escolas e instituições, reabilita, realiza produção de material, impressor em braile, publicações científi cas dentre outros. Se você fi cou interessado e deseja conhecer melhor o que o Instituto Benjamin Constant oferece, acesse o site: www.ibc.gov.br. • Fundação Dorina Nowill para Cegos Fundada em 1946, em São Paulo, a fundação Dorina Nowill é uma organização de mais de seis décadas, sem fi ns lucrativos, que tem se dedicado à 25 DEFICIÊNCIA VISUAL: ASPECTOS HISTÓRICOS, LEGAIS E CONCEITUAIS Capítulo 1 inclusão da pessoa com defi ciência visual na sociedade, por meio da viabilização de livros braile, falados e digitais acessíveis e programas de reabilitação para pessoas cegas e com baixa visão. A fundação surgiu quando Dorina de Gouvêa Nowill, cega aos 17 anos por uma enfermidade não diagnosticada, sentiu uma grande carência de livros braile em nosso país. Atualmente, a instituição possui uma das maiores imprensas braile do mundo em capacidade produtiva. Segundo informações da própria fundação, já foram produzidas aproximadamente 290 milhões de páginas no Sistema Braille, seis mil títulos e dois milhões de volumes impressos em braile. Ainda, a instituição produziu mais de 1600 obras em áudio e outros 900 títulos digitais acessíveis, além de mais de 17mil pessoas atendidas nos serviços de clínica de visão subnormal, reabilitação e educação especial. FIGURA 8 – FUNDAÇÃO DORINA NOWILL FONTE: . Acesso em: 5 set. 2019. Dorina Nowill faleceu em 2010, aos 91 anos de idade e exerceu o cargo de Presidente Emérita e Vitalícia da fundação que levou o seu nome até a sua morte. 26 DEFiCiÊNCiA ViSuAL FIGURA 9 – SRA. DORINA DOWILL FONTE: . Acesso em: 5 set. 2019. Quer conhecer mais? Acesse: http://www.fundacaodorina.org.br. • Laramara A Associação Brasileira de Assistência ao Defi ciente Visual – Laramara – é uma organização sem fi ns lucrativos, fundada em 1991, em São Paulo, por Victor e Mara Siaulys (pais de uma garota cega) e por profi ssionais da área da defi ciência visual. A proposta da instituição consiste em promover a inclusão da pessoa com defi ciência visual no âmbito familiar, escolar e social. Desde a sua fundação, já atendeu a mais de 9 mil famílias de todas as partes do Brasil e do exterior. Atualmente, atende aproximadamente a 700 crianças, jovens e adultos incluídos em programas ou serviços disponíveis na instituição. Dentre esses serviços podemos destacar: Avaliação Clínica e Socioeducacional, Programa de Atenção Educacional Especializada e o Centro de Tecnologia Adaptada (CTA). 27 DEFICIÊNCIA VISUAL: ASPECTOS HISTÓRICOS, LEGAIS E CONCEITUAIS Capítulo 1 FIGURA 10 – VICTOR E MARA SIAULYS FONTE: . Acesso em: 5 set. 2019. FIGURA 11 – FACHADA DA INSTITUIÇÃO FONTE: . Acesso em: 5 set. 2019. Quer saber mais sobre esta associação? Acesse: https:// laramara.org.br/. • Bengala Branca Diferentemente das instituições apresentadas anteriormente, a Bengala Branca é a empresa pioneira na fabricação e comercialização de produtos, equipamentos e serviços para as pessoas com defi ciência visual. Mantém 28 DEFiCiÊNCiA ViSuAL fabricação própria de produtos como bengalas, regletes e sorobãs, bem como fornece a distribuição de softwares, impressoras e outros produtos na área da tecnologia. Ficou interessado? Acesse: http://bengalabranca.com.br/2011/ index3.php?pagina=empresa&incont=sim. 1) Na sua opinião, qual a contribuição das instituições parceiras na vida das pessoas que apresentam defi ciência visual? 2.3 OS ESTUDOS DE VYGOTSKY SOBRE A DEFECTOLOGIA Vygotsky deixou uma contribuição signifi cativa no que se refere à educação especial, nos chamados Fundamentos da Defectologia, presentes num conjunto de obras intituladas Obras Escogidas, traduzidas para o espanhol, e que abordam os aspectos dadefi ciência e das interações dos sujeitos com o meio. O termo defectologia era utilizado para a ciência que estudava as crianças com vários tipos de problemas (defeitos), tanto mentais quanto físicos. Dentre as crianças estudadas estavam os surdos-mudos, atualmente classifi cados somente de surdos, cegos, não educáveis e defi cientes mentais, hoje, defi cientes intelectuais. Veer e Valsiner (1999) apontam que o interesse de Vygotsky por problemas de defectologia tornou-se evidente em 1924, com sua primeira publicação nessa área, na qual relatava os trabalhos que estava realizando no subdepartamento de educação de crianças defeituosas no Narkompros, Academia Russa de Ciências. Porém, Vygotsky raramente apresentava histórias de casos para ilustrar seus pontos de vista, restringindo-se a apresentar o que considerava como lições 29 DEFICIÊNCIA VISUAL: ASPECTOS HISTÓRICOS, LEGAIS E CONCEITUAIS Capítulo 1 teóricas importantes aprendidas durante o trabalho prático nessa área. Esse teórico incluía, entre os sujeitos de suas pesquisas, pessoas “anormais”, mas em nenhum lugar na sua obra se encontrou uma análise clara dos resultados experimentais desses sujeitos “desviantes”. Veer e Valsiner (1999) consideram que os escritos defectológicos de Vygotsky, embora de importância potencial para o trabalho prático com crianças ‘defeituosas’, “são de uma natureza bastante geral e teórica” (VEER; VALSINER, 1999, p. 74), sendo, por isso, segundo o mesmo autor, importante e interessante estudar os escritos defectológicos de Vygotsky, a partir de vários pontos de vista. No que se refere à defi ciência visual, Vygotsky (1997) acreditava que a cegueira não era somente uma “debilidade”, um defeito, mas também uma fonte de atitudes e ações, pois se cria uma peculiar confi guração da personalidade. A partir de investigações da época, Vygotsky mostra que não existe uma “compensação fi siológica direta do defeito da visão, mas uma compensação sociopsicológica que segue um curso muito complexo e indireto, sem substituir a função suprimida nem ocupar o lugar do órgão insufi ciente” (VYGOTSKY, 1997, p. 101). Vygotsky (1997, p. 106) defi ne uma regra fundamental para a psicologia dos cegos: [...] o todo não pode ser explicado nem compreendido por suas partes, mas as partes podem ser compreendidas com base no todo. A psicologia dos cegos pode ser construída, não da soma de peculiaridades singulares, de desvios parciais, de traços isolados de uma ou outra função, mas estas mesmas particularidades e desvios se tornam compreensíveis somente quando partimos de um objetivo vital único e integral, da linha diretriz do cego, e determinamos o lugar e signifi cado de cada particularidade e traço isolado neste todo e em vinculação com ele, quer dizer, com todos os traços restantes. Vygotsky (1989) afi rmava que todas as defi ciências afetavam antes as relações sociais das crianças e não suas interações diretas com o ambiente. O defeito manifestava-se como uma mudança na situação social da criança. Pais, parentes e amigos tratariam a criança defi ciente de uma maneira diferente das demais. Qualquer defeito, seja a cegueira, a surdez ou a defi ciência mental inata, influi, sobretudo, nas relações com as pessoas. Inclusive na família, à criança diferente é dado um tratamento exclusivo, inabitual, distinto do que se dá aos outros, e isto não ocorre somente nas famílias em que esta criança é uma carga pesada e um castigo, mas também quando é rodeada de um amor duplicado ou uma atenção superprotetora que a separa dos demais. Isso evidencia as confi ssões reflexivas dos próprios cegos e surdos, como a observação cotidiana, 30 DEFiCiÊNCiA ViSuAL muito simples, da vida das crianças com defeitos e os dados da análise científi ca e psicológica (VYGOTSKY, 1989, p. 53). O autor enfatizou ainda que o problema da cegueira é meramente instrumental, e ao se proporcionar ao cego formas alternativas de acesso aos aspectos da cultura inacessíveis a ele devido à ausência de visão, o problema será contornado, como no caso do sistema Braille, que permite ao cego o acesso à linguagem escrita. Ao longo da história, e mais especifi camente na modernidade, a cegueira tem sido considerada uma defi ciência, como uma falta, uma impossibilidade que vai gerar uma desvantagem em relação aos demais. Essa percepção da cegueira como defi ciência tem como resultado uma relação focada no defeito, na não possibilidade, o que acarreta preconceito e discriminação com o cego e limita suas possibilidades reais de inclusão social. Diante dessas informações sobre a defi ciência visual, que tal realizarmos uma leitura de um texto sobre os dizeres de Helen Keller? Acompanhe na sequência. Biografi a: Helen Adams Keller (Tuscumbia, 27 de junho de 1880 – Westport, 1º de junho de 1968) foi uma escritora, conferencista e ativista social estadunidense. Nascida no Alabama, foi um dos maiores exemplos de que as defi ciências sensoriais não são obstáculos para se obter sucesso. Helen Keller foi uma extraordinária mulher, triplamente defi ciente, que fi cou cega e surda, desde tenra idade, devido a uma doença diagnosticada na época como febre cerebral (hoje, acredita-se que tenha sido escarlatina). Superou todos os obstáculos, tornando-se uma das mais notáveis personalidades do nosso século. Ela sentia as ondulações dos pássaros através dos cascos e galhos das árvores de algum parque onde ela passeava. Tornou-se uma célebre escritora, fi lósofa e conferencista, uma personagem famosa pelo extenso trabalho que desenvolveu em favor das pessoas portadoras de defi ciência. Anne Sullivan foi sua professora, companheira e protetora. A história do encontro entre as duas é contada na peça The Miracle Worker, de William Gibson, que virou o fi lme O Milagre de Anne Sullivan, em 1962, dirigido por Arthur Penn (em Portugal, O Milagre de Helen Keller). 31 DEFICIÊNCIA VISUAL: ASPECTOS HISTÓRICOS, LEGAIS E CONCEITUAIS Capítulo 1 TRÊS DIAS PARA VER Helen Keller O que você olharia se tivesse apenas três dias de visão? Helen Keller, cega e surda desde bebê, dá a sua resposta neste belo ensaio, publicado no Reader’s Digest (Seleções) há 70 anos. Várias vezes pensei que seria uma bênção se todo ser humano, de repente, fi casse cego e surdo por alguns dias no princípio da vida adulta. As trevas o fariam apreciar mais a visão e o silêncio lhe ensinaria as alegrias do som. De vez em quando testo meus amigos que enxergam para descobrir o que eles veem. Há pouco tempo perguntei a uma amiga que voltava de um longo passeio pelo bosque o que ela observara. “Nada de especial”, foi a resposta. Como é possível, pensei, caminhar durante uma hora pelos bosques e não ver nada digno de nota? Eu, que não posso ver, apenas pelo tato encontro centenas de objetos que me interessam. Sinto a delicada simetria de uma folha. Passo as mãos pela casca lisa de uma bétula ou pelo tronco áspero de um pinheiro. Na primavera, toco os galhos das árvores na esperança de encontrar um botão, o primeiro sinal da natureza despertando após o sono do inverno. Por vezes, quando tenho muita sorte, pouso suavemente a mão numa arvorezinha e sinto o palpitar feliz de um pássaro cantando. Às vezes meu coração anseia por ver tudo isso. Se consigo ter tanto prazer com um simples toque, quanta beleza poderia ser revelada pela visão! E imaginei o que mais gostaria de ver se pudesse enxergar, digamos, por apenas três dias. Eu dividiria esse período em três partes. No primeiro dia gostaria de ver as pessoas cuja bondade e companhias fi zeram minha vida valer a pena. Não sei o que é olhar dentro do coração de um amigo pelas “janelas da alma”, os olhos. Só consigo “ver” as linhas de um rosto por meio das pontas dos dedos. Posso perceber o riso, a tristeza e muitas outras emoções. Conheço meus amigos pelo que toco em seus rostos. Como deve ser mais fácil e muito mais satisfatório paravocê, que pode ver, perceber num instante as qualidades essenciais de 32 DEFiCiÊNCiA ViSuAL outra pessoa ao observar as sutilezas de sua expressão, o tremor de um músculo, a agitação das mãos. Mas será que já lhe ocorreu usar a visão para perscrutar a natureza íntima de um amigo? Será que a maioria de vocês que enxergam não se limita a ver por alto as feições externas de uma fi sionomia e se dar por satisfeita? Por exemplo, você seria capaz de descrever com precisão o rosto de cinco bons amigos? Como experiência, perguntei a alguns maridos qual a exata cor dos olhos de suas mulheres e muitos deles confessaram, encabulados, que não sabiam. Ah, tudo que eu veria se tivesse o dom da visão por apenas três dias! O primeiro dia seria muito ocupado. Eu reuniria todos os meus amigos queridos e olharia seus rostos por muito tempo, imprimindo em minha mente as provas exteriores da beleza que existe dentro deles. Também fi xaria os olhos no rosto de um bebê, para poder ter a visão da beleza ansiosa e inocente que precede a consciência individual dos conflitos que a vida apresenta. Gostaria de ver os livros que já foram lidos para mim e que me revelaram os meandros mais profundos da vida humana. E gostaria de olhar nos olhos fi éis e confi antes de meus cães, o pequeno scottie terrier e o vigoroso dinamarquês. À tarde daria um longo passeio pela floresta, intoxicando meus olhos com belezas da natureza. E rezaria pela glória de um pôr do sol colorido. Creio que nessa noite não conseguiria dormir. No dia seguinte eu me levantaria ao amanhecer para assistir ao empolgante milagre da noite se transformando em dia. Contemplaria assombrado o magnífi co panorama de luz com que o Sol desperta a Terra adormecida. Esse dia eu dedicaria a uma breve visão do mundo, passado e presente. Como gostaria de ver o desfi le do progresso do homem, visitaria os museus. Ali meus olhos veriam a história condensada da Terra – os animais e as raças dos homens em seu ambiente natural; gigantescas carcaças de dinossauros e mastodontes que vagavam pelo planeta antes da chegada do homem, que, com sua baixa estatura e seu cérebro poderoso, dominaria o reino animal. Minha parada seguinte seria o Museu de Artes. Conheço bem, pelas minhas mãos, os deuses e as deusas esculpidos da antiga terra do Nilo. Já senti pelo tato as cópias dos frisos do Paternon e a beleza 33 DEFICIÊNCIA VISUAL: ASPECTOS HISTÓRICOS, LEGAIS E CONCEITUAIS Capítulo 1 rítmica do ataque dos guerreiros atenienses. As feições nodosas e barbadas de Homero me são caras, pois também ele conheceu a cegueira. Assim, nesse meu segundo dia, tentaria sondar a alma do homem por meio de sua arte. Veria então o que conheci pelo tato. Mais maravilhoso ainda, todo o magnífi co mundo da pintura me seria apresentado. Mas eu poderia ter apenas uma impressão superfi cial. Dizem os pintores que, para se apreciar a arte, real e profundamente, é preciso educar o olhar. É preciso, pela experiência, avaliar o mérito das linhas, da composição, da forma e da cor. Se eu tivesse a visão, fi caria muito feliz por me entregar a um estudo tão fascinante. A noite de meu segundo dia seria passada no teatro ou no cinema. Como gostaria de ver a fi gura fascinante de Hamlet ou o tempestuoso Falstaff no colorido cenário elisabetano! Não posso desfrutar da beleza do movimento rítmico senão numa esfera restrita ao toque de minhas mãos. Só posso imaginar vagamente a graça de uma bailarina, como Pavlova, embora conheça algo do prazer do ritmo, pois muitas vezes sinto o compasso da música vibrando através do piso. Imagino que o movimento cadenciado seja um dos espetáculos mais agradáveis do mundo. Entendi algo sobre isso, deslizando os dedos pelas linhas de um mármore esculpido; se essa graça estática pode ser tão encantadora, deve ser mesmo muito mais forte a emoção de ver a graça em movimento. Na manhã seguinte, ávida por conhecer novos deleites, novas revelações de beleza, mais uma vez receberia a aurora. Hoje, o terceiro dia, passarei no mundo do trabalho, nos ambientes dos homens que tratam do negócio da vida. A cidade é o meu destino. Primeiro, paro numa esquina movimentada, apenas olhando para as pessoas, tentando, por sua aparência, entender algo sobre seu dia a dia. Vejo sorrisos e fi co feliz. Vejo uma séria determinação e me orgulho. Vejo o sofrimento e me compadeço. Caminhando pela 5ª Avenida, em Nova York, deixo meu olhar vagar, sem se fi xar em nenhum objeto em especial, vendo apenas um caleidoscópio fervilhando de cores. Tenho certeza de que o colorido dos vestidos das mulheres movendo-se na multidão deve ser uma cena espetacular, da qual eu nunca me cansaria. Mas talvez, se pudesse enxergar, eu seria como a maioria das mulheres – interessadas demais na moda para dar atenção ao esplendor das cores em meio à massa. 34 DEFiCiÊNCiA ViSuAL Da 5ª Avenida dou um giro pela cidade – vou aos bairros pobres, às fábricas, aos parques onde as crianças brincam. Viajo pelo mundo visitando os bairros estrangeiros. E meus olhos estão sempre bem abertos tanto para as cenas de felicidade quanto para as de tristeza, de modo que eu possa descobrir como as pessoas vivem e trabalham, e compreendê-las melhor. Meu terceiro dia de visão está chegando ao fi m. Talvez haja muitas atividades a que devesse dedicar as poucas horas restantes, mas acho que na noite desse último dia vou voltar depressa a um teatro e ver uma peça cômica, para poder apreciar as implicações da comédia no espírito humano. À meia-noite, uma escuridão permanente outra vez se cerraria sobre mim. Claro, nesses três curtos dias eu não teria visto tudo que queria ver. Só quando as trevas descessem de novo é que me daria conta do quanto eu deixei de apreciar. Talvez este resumo não se adapte ao programa que você faria se soubesse que estava prestes a perder a visão. Mas sei que, se encarasse esse destino, usaria seus olhos como nunca usara antes. Tudo quanto visse lhe pareceria novo. Seus olhos tocariam e abraçariam cada objeto que surgisse em seu campo visual. Então, fi nalmente, você veria de verdade, e um novo mundo de beleza se abriria para você. Eu, que sou cega, posso dar uma sugestão àqueles que veem: usem seus olhos como se amanhã fossem perder a visão. E o mesmo se aplica aos outros sentidos. Ouça a música das vozes, o canto dos pássaros, os possantes acordes de uma orquestra, como se amanhã fossem fi car surdos. Toquem cada objeto como se amanhã perdessem o tato. Sintam o perfume das flores, saboreiem cada bocado, como se amanhã não mais sentissem aromas nem gostos. Usem ao máximo todos os sentidos; gozem de todas as facetas do prazer e da beleza que o mundo lhes revela pelos vários meios de contato fornecidos pela natureza. Mas, de todos os sentidos, estou certa de que a visão deve ser o mais delicioso. FONTE: Revista Mente e cérebro. In: KELLER, Helen. Três dias para ver. Disponível em: http://www.cerebromente.org.br/n16/curiosidades/helen.htm. Acesso em: 15 ago. 2009. 35 DEFICIÊNCIA VISUAL: ASPECTOS HISTÓRICOS, LEGAIS E CONCEITUAIS Capítulo 1 1) Após a leitura do texto, faça refl exões e escreva como seria se você perdesse sua visão hoje. 2) Qual a perspectiva de Vygotsky no que se refere à pessoa com defi ciência visual? 3 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES Neste primeiro capítulo, estudamos um pouco sobre a história da defi ciência visual no decorrer dos tempos. Percebemos que, segundo os autores, a defi ciência visual passou por três etapas: mística, biológica e sociopsicológica. Foram apresentadas as primeiras escolas e institutos que manifestaram a preocupação com a aprendizagem e o apoio à pessoa cega, entre estes o Instituto Real dos Jovens Cegos em Paris e, no Brasil, o Imperial Instituto de Meninos Cegos, no Rio de Janeiro, hoje Instituto Benjamim Constant. Refletimos acerca das contribuições de Louis Braille, que desenvolveu um sistema com caracteresem relevo para escrita e leitura de cegos – o Sistema Braille – e os estudos de Vygotsky acerca da inclusão de pessoas cegas, estudo este que contribui muito para o entendimento do desenvolvimento e interação de pessoas cegas com seus pares. No próximo capítulo apresentaremos a importância do brincar para as crianças com defi ciência visual, através de adaptações e estimulações necessárias para propiciar o seu desenvolvimento emocional, psicológico, motor, social e afetivo, bem como a alfabetização das pessoas com defi ciência visual. REFERÊNCIAS BELARMINO, J. Associativismo e política: a luta dos grupos estigmatizados pela cidadania plena. João Pessoa: Ideia, 1996. BRASIL. Lei nº 13.146, de 6 de jul. de 2015. Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Defi ciência. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ ato2015-2018/2015/lei/l13146.htm. Acesso em: 16 set. 2019. 36 DEFiCiÊNCiA ViSuAL BRASIL. Grafi a Braille para a Língua Portuguesa. CERQUEIRA, J. B. et al. Secretaria de Educação Especial. Brasília: SEESP, 2006. Disponível em: http:// portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/grafi aport.pdf. Acesso em: 16 set. 2019. BRUNO, M. M. G.; MOTA, M. G. B. Programa de Capacitação de Recursos Humanos do Ensino Fundamental: defi ciência visual vol. 1 fascículos I – II – III. Brasília, DF: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Especial, 2001. CONDE, A. J. M. (Adap.). Quando houver crianças defi cientes da visão em sua sala de aula: sugestões para professores. 1998. Disponível em: http://www. ibc.gov.br/images/conteudo/revistas/benjamin_constant/1998/edicao-09-junho/ Nossos_Meios_RBC_RevJun1998_Artigo1.doc. Acesso em: 16 set. 2019. CONDE, A. J. M. Defi nindo a cegueira e a visão subnormal. 2006. Disponível em: http://www.ibc.gov.br/images/conteudo/AREAS_ESPECIAIS/CEGUEIRA_E_ BAIXA_VISAO/ARTIGOS/Def-de-cegueira-e-baixa-viso.pdf. Acesso em: 16 set. 2019. GIL, M. (Org.). Deficiência visual. Brasília, 2001. Disponível em: http://portal. mec.gov.br/secretaria-de-educacao-continuada-alfabetizacao-diversidade-e- inclusao/legislacao. Acesso em: 16 set. 2019. GONZÁLEZ, M. P.; DÍAZ, J. M. Defi ciência Visual: aspectos evolutivo e educacional. In: GONZÁLEZ, E. Necessidades Educacionais Especiais: Intervenção Psicoeducacional. Porto Alegre: Art Med, 2007. p.100-118. KELLER, H. Três dias para ver. Revista Mente e cérebro. Disponível em: http:// www.cerebromente.org.br/n16/curiosidades/helen.htm. Acesso em: 16 set. 2019. LIRA, M. C. F.; SCHLINDWEIN, L. M. A pessoa cega e a inclusão: um olhar a partir da psicologia histórico-cultural. Caderno CEDES, v. 28 n. 75, Campinas, maio/ago. 2008. MAGGIO, E. Maria noite, Maria dia. São Paulo: Moderna, 2000. MARTÍN, M. B.; RAMIREZ, F. R. Visão Subnormal. In: MARTÍN, M. B.; BUENO, S. T. (Coords.). Deficiência Visual: Aspectos Psicoevolutivos e Educativos. São Paulo: Livraria e Editora Santos, 2003. SÁ, E. D. Ofi cina Educação Inclusiva no Brasil: Diagnóstico Atual e Desafi os para o Futuro – Relatório sobre Tecnologias Assistivas e Material Pedagógico. 2007. Disponível em: www.bancodeescola.com. Acesso em: 16 set. 2019. 37 DEFICIÊNCIA VISUAL: ASPECTOS HISTÓRICOS, LEGAIS E CONCEITUAIS Capítulo 1 VEER, R. Van der; VALSINER, J. Vygotsky: uma síntese. 3. ed. Tradução Cecília C. Bartalotti. São Paulo: Loyola, 1999. VYGOTSKY, L. S. Obras escogidas V: Fundamentos de defectologia. Madrid: Visor, 1997. VYGOTSKY, L. S. Obras escogidas. Tomo V. Fundamentos de defectologia. Cuba: Editorial Pueblo y Educación, 1989. 38 DEFiCiÊNCiA ViSuAL CAPÍTULO 2 O LÚDICO E A ALFABETIZAÇÃO DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA VISUAL A partir da concepção do saber-fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem: • compreender a importância do lúdico para o desenvolvimento de crianças com defi ciência visual; • valorizar a importância da estimulação precoce; • apontar brinquedos de estimulação visual; • diferenciar o processo de alfabetização para crianças com defi ciência visual; • articular estratégias de escrita e literatura adaptadas para a alfabetização de crianças com defi ciência visual; • apresentar a utilização do sorobã para o ensino da matemática para crianças cegas; • conhecer práticas inclusivas através da arte. 40 DEFiCiÊNCiA ViSuAL 41 O LÚDICO E A ALFABETIZAÇÃO DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA VISUAL Capítulo 2 1 CONTEXTUALIZAÇÃO Sabemos que o lúdico, os brinquedos e brincadeiras são fatores importantes para o desenvolvimento da criança e, para as crianças com defi ciência visual, não é diferente. Brincar, relacionando-se com seus pares, permite, além da interação e socialização, o desenvolvimento de habilidades motoras e a estimulação visual para essas crianças. A interação e o lúdico são fatores que contribuem para o desenvolvimento da criança, mas quais brinquedos são adaptações possíveis para o trabalho com a criança com defi ciência visual? De quais brinquedos estamos falando? Quais as possibilidades de estimulação visual através do lúdico? No decorrer do texto, iremos sugerir a você uma série de brinquedos que possibilitam, além da estimulação visual, a socialização das crianças através de momentos ricos em criatividade e ludicidade. Ainda, abordaremos a importância da alfabetização na vida das pessoas. Sabemos que este momento deve ser signifi cativo e envolve não somente a alfabetização, mas também o letramento. Dentro de uma perspectiva signifi cativa, a alfabetização deve acontecer de forma lúdica, propiciando o contato com letras e números através de jogos e brincadeiras. Neste capítulo, apresentaremos algumas estratégias para alfabetizar crianças com defi ciência visual. É muito importante que você consiga diferenciar as adaptações e materiais para a criança cega e para a criança com baixa visão. Além da alfabetização, também apresentaremos as noções básicas do sorobã e sua utilização para o ensino da matemática para crianças cegas. 2 A IMPORTÂNCIA DO BRINCAR NO DESENVOLVIMENTO DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA VISUAL Viver na escuridão como eu vivo não é muito fácil. Com o tempo a gente se acostuma. Quem não consegue ver as coisas do mundo das cores tem que imaginar, e, às vezes, dá uma vontade muito grande de poder participar das brincadeiras que meus colegas fazem, mas eu tenho que me contentar em fi car sentado no banco, ouvindo os comentários e risadas deles (MUNDURUKU, 2007, p. 18). 42 DEFiCiÊNCiA ViSuAL Munduruku (2007) relata o desejo de seu personagem em relação a sua participação nas brincadeiras daqueles que conseguem “ver as coisas do mundo”. Esse personagem diz que tem de se contentar em fi car “sentado no banco”. Se transpusermos as palavras do autor para a realidade escolar, podemos compreender que educar para a inclusão escolar e para o respeito pela diversidade implica práticas pedagógicas voltadas às necessidades de todos os educandos, pois, como seres humanos, todos apresentam alguma necessidade. A criança, no seu processo de desenvolvimento normal, apropria-se das informações do mundo como forma de aprendizado e interação social. Esse meio também serve de estímulos para a criança, como podemos observar, por exemplo, quando a criança se sente interessada pelos objetos a sua volta, identifi cando suas características, textura, forma, tamanho, cor, o que a motiva a interagir com esse objeto. Esse também é um dos meios de contato e interação da família com o bebê, brincando através do contato físico, com brinquedos, expressões faciais e tantos outros. A criança que nasce com defi ciência visual não apresenta contato com estímulos visuais; assim, limita-se nos seus movimentos e interações, pois não há uma relação visual com o meio externo. Para isso, é fundamental que seus cuidadores e, posteriormente, seus educadores estejam atentos a essas limitações e que a estimulem, através da interação, pelo contato corporal, pelo contato com objetos (brinquedos,alimentos etc.), enfi m, pelas experiências diversas. Nessa interação, além do contato é imprescindível a estimulação da linguagem da criança. Ainda, além dos estímulos que o ato de brincar disponibiliza para todas as pessoas, em específi co para as crianças, ele exercita situações de interação, de apropriação de regras, rotinas do dia a dia, de movimentar-se e tornar-se independente, de relacionar-se com o outro, de desenvolver o físico, a mente, a afetividade e a autoestima, como podemos observar na citação a seguir: As crianças precisam brincar independentemente das suas condições físicas, intelectuais ou sociais, pois a brincadeira é essencial a sua vida. O brincar alegra e motiva as crianças, juntando-as e dando-lhes oportunidade de fi car felizes, trocar experiências, ajudarem-se mutuamente; as que enxergam e as que não enxergam, as que escutam muito bem e aquelas que não escutam, as que correm muito depressa e as que não podem correr (SIAULYS, 2005, p. 4). A utilização da mão será o canal principal para a assimilação e compreensão do mundo; para isso, a criança necessita desenvolver sua autonomia, oportunizada pela possibilidade de descolar- se, orientar-se, vivenciar as experiências, fazer coisas e realizar descobertas com o próprio corpo. As habilidades desenvolvidas 43 O LÚDICO E A ALFABETIZAÇÃO DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA VISUAL Capítulo 2 na infância através do ato de brincar infl uenciarão o desenvolvimento e a aprendizagem desta criança nos anos seguintes. Para Bruno (1997, p. 50): Deve-se considerar que o sentido visual é responsável pelo comando, antecipação e coordenação dos esquemas de assimilação. O olho guia a mão. A visão rege a preensão e aumenta a atividade da mão, e esta coordenação se estabelece pela ação na presença do objeto no campo visual. Por isso, a criança com defi ciência visual deve ser alertada de que algum objeto tátil se encontra no seu campo tátil de ação, para que ela possa, através de pistas auditivas ou do toque, coordenar os esquemas de audição, tato e preensão. A utilização da mão será o canal principal para a assimilação e compreensão do mundo; para isso, a criança necessita desenvolver sua autonomia, oportunizada pela possibilidade de descolar-se, orientar-se, vivenciar as experiências, fazer coisas e realizar descobertas com o próprio corpo. As crianças com defi ciência visual poderão ser ajudadas pela oportunidade que tiverem de ação sobre o meio, de experiências signifi cativas e de pessoas que repassem informações adequadas. A falta de ações, do movimento do corpo, do conhecimento de si e o reconhecimento do outro difi culta a essas crianças iniciar a imitação e o jogo simbólico, como indicado por Bruno (1997, p. 51): O jogo simbólico é de fundamental importância para o desenvolvimento cognitivo e afetivo da criança com defi ciência visual porque, através dele, a criança exercita o pensamento pré-lógico, estabelece relações e comunica-nos a sua compreensão do meio, seus sentimentos, fantasias e aprende a lidar com suas emoções. A experiência concreta é importante nos estágios iniciais do desenvolvimento e servirá para que a criança alcance níveis abstratos de pensamento e essas experiências podem ser estimuladas através das suas vivências com brinquedos, com o jogo simbólico (faz de conta) e jogos de regras. Em muitos casos, alguns brinquedos e brincadeiras necessitam ser adaptados para que a criança com defi ciência visual tenha acesso, interaja e que perceba o seu sentido. Siaulys (2005), após o nascimento de uma fi lha que adquiriu a cegueira nos primeiros meses de vida, resolveu adaptar os brinquedos para se tornarem interessantes e divertidos, bem como seguros para seu manuseio. Essas adaptações foram feitas de forma simples, com material disponível a todos e de fácil confecção. Consideramos interessante apresentar a você, leitor, algumas dessas ideias de Siaulys (2005), com suas respectivas explanações, que servirão de inspiração 44 DEFiCiÊNCiA ViSuAL para a confecção do seu próprio material/brinquedo a ser disponibilizado para a criança com defi ciência visual. Cabe destacar, porém, que é importante que o material e a brincadeira estejam de acordo com as especifi cidades e necessidades de cada criança e suas possibilidades de utilização não se esgotam. FIGURA 1 – CHOCALHO FONTE: Siaulys (2005, p. 19) O brinquedo é assim: Dois potes cilíndricos, medindo 10 cm de diâmetro, forrados com tecidos diferentes na cor e na textura. Cada pote traz em seu interior um tipo de objeto: moeda, tampinha, pedrinha, milho etc., assim eles produzem sons diferentes. Ambos os potes possuem, no sentido vertical, uma faixa de velcro, que prende um ao outro. Com esse brinquedo, a criança poderá desenvolver habilidades auditivas, diferenciando os sons dos objetos. FIGURA 2 – PULSEIRINHA FONTE: Siaulys (2005, p. 20) 45 O LÚDICO E A ALFABETIZAÇÃO DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA VISUAL Capítulo 2 Outra alternativa para desenvolver a acuidade auditiva é a utilização de duas pulseiras de contas redondas e coloridas, presas em um elástico redondo e fi no. Em cada pulseira, intercalar quatro guizos entre as contas. FIGURA 3 – TATEANDO FONTE: Siaulys (2005, p. 23) O brinquedo é assim: Tapete confeccionado em tecido colorido, macio, acolchoado, retangular. No tapete estão presos com elástico diferentes objetos e brinquedos. O elástico facilita à criança recuperar os objetos. Através do tato, a criança desenvolverá habilidades que permitirão reconhecer, identifi car e diferenciar objetos. Nesse mesmo tapete é possível acrescentar materiais sonoros. FIGURA 4 – CAPA DE MAMADEIRA FONTE: Siaulys (2005, p. 27) 46 DEFiCiÊNCiA ViSuAL Capa de mamadeira feita de crochê, com cores contrastantes. Essa alternativa permite que a criança com baixa visão seja estimulada visualmente, por meio dessas duas cores, a observar o objeto que está utilizando. FIGURA 5 – BOLA BABY FONTE: Siaulys (2005, p. 30) Bola pequena e macia, agradável ao toque, cujo revestimento é feito com quatro tipos de tecidos diferentes na cor e na textura. No interior da bola colocar um guizo. Com esse brinquedo é possível estimular aspectos visuais e auditivos da criança. FIGURA 6 – CUBO DE ALTO CONTRASTE FONTE: Siaulys (2005, p. 33 Três cubos feitos de espuma, com 12 cm de lado, revestidos com tecidos de cores contrastantes, preto e branco, sendo um cubo de listras, um xadrez e o outro de bolinhas. Na lateral de cada cubo há uma faixa de velcro para prender um ao outro. No interior dos cubos há um guizo que produz som quando eles são agitados. 47 O LÚDICO E A ALFABETIZAÇÃO DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA VISUAL Capítulo 2 FIGURA 7 – MULTIQUADROS FONTE: Siaulys (2005, p. 34) Painel feito em tecido macio, contendo atraentes fi guras de animais, objetos ou brinquedos. Alguns retângulos podem apresentar elementos táteis, removíveis ou sonoros. Com esse painel é possível estimular a linguagem da criança, bem como o reconhecimento das imagens, cores e quantidades. FIGURA 8 – CIRANDA DAS CORES FONTE: Siaulys (2005, p. 34) Painel circular feito de tecido macio. Em toda a volta há 12 bolsos, em cada bolso há um objeto com o qual a criança pode interagir. A fi gura de cada brinquedo está estampada na frente do respectivo bolso. 48 DEFiCiÊNCiA ViSuAL FIGURA 9 – ROLINHO FONTE: Siaulys (2005, p. 42) Rolo de aproximadamente 14 cm. Colocar o bebê de bruços, com o peito apoiado no rolo, deixando as mãos livres para brincar. Essa alternativa permite estimular a criança a reconhecer o espaço onde está inserido, trazendo mais segurança aos seus movimentos. FIGURA 10 – AMASSADINHA FONTE: Siaulys (2005, p. 45) Bexiga de borracha colorida recheada de farinha de trigo, formando uma bola. Essa bola deve ser bem flexível, para que mude de forma quando pressionada. Em um dos lados da bola estão colocados elementos que