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DIREITO CIVIL CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO CIVIL E LINDB 1 CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO CIVIL E LINDB DIREITO CIVIL CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO CIVIL E LINDB 2 Sumário DIREITO CIVIL: CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO CIVIL E LINDB ............................................................... 3 1. CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO BRASILEIRO ...................................................................................... 3 1.1 Conceito ................................................................................................................................................... 3 1.2 A Codificação Do Direito Civil .................................................................................................................. 4 1.3 O Código Civil De 2002 ............................................................................................................................ 4 1.4 Princípios Norteadores Do Novo Código: Eticidade, Sociabilidade E Operabilidade .............................. 5 1.5 Do Direito Civil-Constitucional ................................................................................................................. 8 1.6 Da Eficácia Horizontal Dos Direitos Fundamentais ................................................................................. 9 1.8 A Eficácia Diagonal Dos Direitos Fundamentais .................................................................................... 10 2. LEI DE INTRODUÇÃO ÀS NORMAS DO DIREITO BRASILEIRO ....................................................................... 11 2.1 Vigência, aplicação, obrigatoriedade, interpretação e integração das leis ........................................... 11 2.2 Antinomias ............................................................................................................................................. 14 2.3 Aplicação temporal das normas ............................................................................................................ 15 2.4 Aplicação do direito público .................................................................................................................. 17 2.5 Jurisprudência relevante ....................................................................................................................... 22 DIREITO CIVIL CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO CIVIL E LINDB 3 DIREITO CIVIL: CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO CIVIL E LINDB TODOS OS ARTIGOS ⦁ LINDB – leitura inteira ⦁ Art. 1º ao Art. 78, CC ⦁ Art. 5º, XXX e XXXI, CF/88 ⦁ Art. 5º, XXXVI, CF/88 ⦁ Art. 37, §6º, CF/88 ⦁ Art. 173, §1º, CF/88 ⦁ Art. 133 a 137, CPC ARTIGOS MAIS IMPORTANTES – NÃO PODEM DEIXAR DE LER LINDB: ⦁ Art. 1º, 2º e 4º ⦁ Art. 6º ⦁ Art. 7º, §§ 3º, 4º, 6º ⦁ Arts. 8º a 10º. ⦁ Art. 12 ⦁ Arts. 20 a 30 CF/88 ⦁ Art. 5º, XXX, CF/88 1. CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO BRASILEIRO 1.1 Conceito O Direito Civil pode ser conceituado como o complexo de normas, princípios e regras que disciplinam as relações privadas desde antes do nascimento até depois da morte do ser humano. Tem como objeto o regramento da vida humana, acompanhando a existência humana em todos os seus momentos, daí ser chamado de direito comum. Contempla direitos patrimoniais (obrigações, responsabilidade civil, contratos, etc.) e direitos existenciais (família, vida, estado civil, etc.). É o direito do dia-a-dia, é o direito de todas as pessoas. O Examinador Anderson Schreiber traz, em seu Manual, que a ordem jurídica brasileira é unitária. Ademais, sustenta que atualmente a melhor doutrina reconhece o artificialismo na divisão entre direito provado e público uma vez que o direito privado é permeado pelo interesse público – pg. 46. DIREITO CIVIL CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO CIVIL E LINDB 4 O que é direito civil? “O direito civil exerce um papel bem mais amplo e, de certo modo, residual, disciplinando quaisquer relações jurídicas estabelecidas entre particulares (pessoas físicas ou jurídicas), como relações contratuais e relações de família, entre tantas lacunas” – pg. 47. Raízes do Direito Civil Brasileiro: “(...) a brutalidade do processo de colonização produziu tamanha ruptura cultural que essas fontes de um genuíno direito civil brasileiro foram quase inteiramente apagadas, em favor da aplicação integral das Ordenações do Reino de Portugal.”- pg. 51. O Examinador frisa que era preciso, em uma palavra, CONSTITUCIONALIZAR o DIREITO CIVIL. “O direito civil-constitucional pode ser definido como a corrente metodológica que defende a necessidade de permanente releitura do direito civil à luz da Constituição (...) mas também reconhecer que normas constitucionais podem e devem ser diretamente aplicadas às relações jurídicas estabelecidas entre particulares. A rigor, para o direito civil-constitucional não importa tanto se a Constituição é aplicada de modo direto ou indireto (distinção nem sempre fácil). O que importa é obter a máxima realização dos valores constitucionais no campo das relações privadas”. – pg. 53. 1.2 A Codificação Do Direito Civil Como se sabe, o Brasil foi colonizado por Portugal de modo que nos primeiros séculos da nação brasileira se experimentava neste território a aplicação do direito português. As denominadas Ordenações do Reino (Legislações de Portugal) eram as que se aplicavam a um Brasil rural, patriarcal, escravagista, colonizador e não-republicano. Em 07 de setembro de 1822 veio a lume a independência do Brasil. No ano de 1867, Portugal revogou as Ordenações Filipinas que, nada obstante, continuaram a viger no Brasil por longos anos, até o advento do Código Civil de 1916.Trata-se de um código patrimonialista, agrário, conservador, individualista, que seguiu a lógica do iluminismo. Criado sobre a égide de uma sociedade colonial, patriarcal, rural e escravagista, valores como o trabalho, a igualdade e a função social da propriedade não estavam presentes no primeiro Código Civil Brasileiro. Este código sobreviveu por mais de 80 (oitenta) anos. Não foram poucas as leis ordinárias e os microssistemas que surgiram após este Código Civil, que não foi capaz de se sustentar ante as mudanças sociais que se seguiram a sua publicação, máxime, diante do Dirigismo Estatal e da 1ª Grande Guerra Mundial. A gota d’água foi o advento de uma nova ordem constitucional em 1988, cidadã e fundada na tutela do ser humano digno, o que causava grave descompasso em relação a um Código Civil patrimonialista fincado na ordem do ter. 1.3 O Código Civil De 2002 Além de ab-rogar todo o Código Civil de 1916, o Código Civil de 2002 derrogou a parte geral do Código Comercial de 1850, redimensionando a disciplina dos atos e fatos jurídicos, ao eleger os negócios jurídicos como instrumento de trânsito das relações civis, além de alterar a ordem da parte especial e unificar as obrigações civis e mercantis (direito empresarial). DIREITO CIVIL CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO CIVIL E LINDB 5 Adentra o novo diploma na ordem do ser da Constituição Federal de 1988, promovendo a despatrimonialização e uma repersonificação do direito civil. O ser humano, antes esquecido em detrimento da propriedade, passa a ocupar papel central, sendo a propriedade funcionalizada em prol do ser humano (função social). O mesmo ocorreu com os contratos, a empresa, a família, etc. Ressocializa-se o direito civil. A legislação civilista passa a ter contato direto com os direitos e garantias fundamentais, sendo o direito civil constitucionalizado (“constitucionalização do direito civil”). Os direitos e garantias fundamentais, na feliz expressão do professor Daniel Sarmento, passam a ter eficácia radiante, aplicando-se às relações horizontais ou privadas.Exige-se, por exemplo, o devido processo legal para a exclusão de associado dos quadros da associação (art. 5 º, inciso LV, da CF/88 c/c art. 57 do CC), e confere-se direito a recurso à minoria vencida, na hipótese de alteração do estatuto funcional (art. 68 do CC). Contemplando 2046 artigos, o Código Civil de 2002 se dividiu em duas partes. A Parte Geral regular as pessoas, os bens e os fatos jurídicos, enquanto que a Parte Especial foi dividida em 05 (cinco) subpartes: o direito das obrigações, o direito da empresa, o direito das coisas, o direito de família e o direito das sucessões. 1.4 Princípios Norteadores Do Novo Código: Eticidade, Sociabilidade E Operabilidade Também é interessante notar que o Código Civil de 2002 contempla inédita preocupação principiológica, elegendo a eticidade, a operabilidade e a sociabilidade como os três pilares fundamentais sobre os quais se construiu o texto legislativo do novo diploma. O novo código passa a adotar o modelo de cláusulas gerais (abertas), abandonando a concepção positivista pretérita, que defendia a possibilidade da normatização prever todos os problemas concretos. Por cláusula geral se infere uma norma, obediente ao devido processo legislativo, na qual há uma hipótese legal que confere tratamento jurídico a um domínio amplo de casos. É o antônimo das normas casuísticas, as quais abrangem um domínio específico de casos. a) Eticidade Consiste em um dever jurídico de condução das relações civis de forma proba, impondo um agir segundo os valores sociais e morais relevantes, fincados na boa-fé e na equidade. Manifesta-se pela boa-fé objetiva, nas relações patrimoniais e pela socioafetividade, nas relações existenciais. A boa-fé nas relações patrimoniais pode ser inferida sob seu prisma subjetivo e objetivo. A subjetiva revela um estado psicológico, enquanto a objetiva uma norma de conduta esperada pela comunidade. ATENÇÃO!!! Não se pode confundir boa-fé objetiva com boa-fé subjetiva. Deve-se decorar as principais diferenças entre esses conceitos: Boa-fé SUBJETIVA Boa-fé OBJETIVA DIREITO CIVIL CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO CIVIL E LINDB 6 Não é um princípio, mas sim um estado psicológico (um fato). Muito utilizada no Direito Real (exs: posse, usucapião, benfeitorias, etc). É uma regra de conduta. Significa manter uma conduta de acordo com padrões sociais de lisura, honestidade e correção. Tem como objetivo não frustrar a legítima confiança da outra parte. Para examinar a boa-fé subjetiva, deve-se analisar se a pessoa pensava, sinceramente, que agia ou não de acordo com o direito (é examinado se a pessoa tinha boas ou más intenções). Para examinar a boa-fé objetiva, deve-se analisar se a pessoa agiu de acordo com os padrões de comportamento(standards) impostos pelo direito em determinada localidade e em determinada situação. Deve ser examinada internamente, ou seja, de acordo com o sentimento da pessoa. Deve ser examinada externamente, ou seja, não importa qual era o sentimento da pessoa, mas sim a sua conduta. Aplicação nos ramos do direito Normalmente, o estudo da boa-fé objetiva é feito no Direito Civil. No entanto, indaga-se: É possível a aplicação da boa-fé objetiva nos demais ramos do Direito? SIM. A boa-fé objetiva surgiu inicialmente no Direito Civil, mas a sua aplicação foi expandida para todos os demais ramos do direito, inclusive para os ramos do chamado “direito público”, como é o caso do Direito Administrativo. Assim, por exemplo, de acordo com o STJ, a teoria dos atos próprios (venire contra factum proprium) é aplicada ao poder público. Em suma, a boa-fé objetiva deve estar presente em toda e qualquer relação jurídica. O atual código civil trouxe a boa-fé, em sua aplicação relacionada à esfera patrimonial, nos artigos 113 e 422, os quais dispõem respectivamente: Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração. Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé. A boa-fé objetiva possui 03 (três) funções: função interpretativa, integrativa e restritiva ou limitadora: ● A função interpretativa impõe ao operador do direito a leitura das relações patrimoniais calcada na ética, observando-se as interpenetrações sistemáticas do Código Civil e demais diplomas jurídicos, além dos fatores metajurídicos. ● O papel integrativo, com construção de deveres anexos de cooperação, traz a existência no contrato de certas obrigações, independentemente de disposição contratual expressa, como o DIREITO CIVIL CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO CIVIL E LINDB 7 dever de zelo, informação, confiança, lealdade, redução das perdas (duty of mitigate) e assistência recíproca. O descumprimento de um dever anexo é denominado de violação positiva do contrato ou adimplemento fraco/imperfeito/defeituoso. Para o STJ, a violação a quaisquer deveres anexos implica em inadimplemento contratual de quem lhe tenha dado causa (REsp 595631/SC). ● A função restritiva ou limitadora assevera a possibilidade de revisão do contrato sobre a ótica da boa-fé, sendo restringidas certas cláusulas. Por outro lado, destaque-se que as relações extrapatrimoniais não são estranhas a eticidade, sendo terreno fecundo no qual a ética é veiculada mediante a socioafetividade geradora de confiança. Tem-se como exemplo as relações de família, que hoje devem ser construídas pela via do afeto, da desbiologização, da igualdade, do caráter democrático e plural. b) Sociabilidade Sociabilidade é outro princípio geral marcante do vigente Código Civil, consistindo na quebra do paradigma liberal-individual e ascensão do transindividual. É a transmutação da visão individualista da codificação de 1916, para a solidária de 2002, em combate ao exacerbado individualismo possessivo de outrora. Traduz a consagração e materialização na órbita civil dos princípios do solidarismo social, justiça distributiva e diminuição das desigualdades sociais, todos de base constitucional (art. 3º, inciso I, III e IV, da CF/88), em afronta à visão egoística pretérita. A sociabilidade é instrumentalizada no Código Civil em três esferas principais: função social do contrato(art. 421), função social da propriedade e função social da posse (art. 1228). Dentre elas, é a função social da propriedade a única que, expressamente, tem sede constitucional, especificamente nos arts. 5º, XXIII; art. 170, inciso III; e artigos 182 e 186, todos da CF/88. A força obrigatória do contrato (pacta sunt servanda) não fica estranha a esse fenômeno de revisão, verificando-se a necessidade de estabelecer trocas úteis e justas, com vistas à promoção da equivalência material das prestações ou, como também é denominada, justiça contratual. c) Operabilidade Operabilidade é o terceiro princípio informador do atual Código Civil. Consiste no fato de as normas do vigente Código serem de mais fácil acesso, possibilitando que uma gama bem maior da sociedade as entenda e utilize mais corriqueiramente. É a qualidade de ser operável. Relaciona-se de forma perfeita com o princípio constitucional do acesso à justiça (art. 5º, inciso XXXV, da CF/88). Uma vez conhecida a norma, por ser operável e inteligível à maioria da população, tem-se maior acesso ao Poder Judiciário. DIREITO CIVIL CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO CIVIL E LINDB 8 Operabilidade é o princípio que remonta a construção do princípio vetor de interpretação constitucional da coloquialidade. Remete ao ideal do direito operável à sua maleabilidade, a qual foi deveras aumentada em virtude da inserção de cláusulas gerais. 1.5 Do Direito Civil-Constitucional A constitucionalização do direito civil, ou direito civil-constitucional,é um movimento doutrinário e jurisprudencial que visa a imprimir uma reinterpretação do Código Civil, em consonância com a Constituição Federal. Assim, relativiza-se o princípio da autonomia privada para abarcar outros princípios superiores, a saber, dignidade da pessoa humana, eficácia horizontal dos direitos fundamentais, função social da propriedade, entre outros. Em síntese, deve-se entender que as normas de direito civil têm que ser lidas e aplicadas à luz dos princípios e valores consagrados no texto constitucional. Este é um ditame do chamado Estado Democrático de Direito que tem na Constituição sua base hermenêutica. Ou seja: o direito civil-constitucional nada mais é do que um novo caminho metodológico que procura analisar os institutos privados a partir da Constituição, e, eventualmente, os mecanismos constitucionais a partir do Código Civil e da legislação infraconstitucional, em uma análise de mão dupla. A Constituição Federal de 1988, além de ser a norma superior do ordenamento, passa a ser um vetor interpretativo do novo Código Civil de 2002, complementando suas normas e princípios. Desse modo, o Código Civil não poderá deixar de observar esse novo modelo jurídico, que preza pelos direitos fundamentais, e aquelas normas que não observam tais preceitos deverão ser reinterpretadas ou simplesmente afastadas, já que esbarram na Lei Maior. Há, portanto, uma unificação do direito civil ao direito constitucional, formando um todo que regula as relações privadas, com fulcro na observância dos preceitos constitucionais. Esta civilização da constituição evidencia hoje o papel central do texto constitucional no ordenamento jurídico, passando institutos privados, a exemplo do trabalho, propriedade e contrato, a ocuparem locus constitucional. Assim, assume a Constituição Federal, com isto, o seu verdadeiro papel de elemento unificador, integrador e orientador de todo o sistema civil, sendo o vértice axiológico do qual necessitava o ordenamento para integrá-lo. Ocorre que, quando promove a Constituição de 1988, a reunificação do sistema, pautada no ideal do ser, encontra um então Código Civil fincado na ordem do ter, instalando-se um verdadeiro descompasso ideológico, sendo esse o fundamento da mudança da legislação civilista. Abre-se caminho para a despatrimonialização do direito civil, sendo retirados do seu centro imediato institutos como propriedade e o contrato, os quais cedem seus lugares ao homem, sua dignidade, bem-estar e procura de justiça social. Ao lado dessa respersonificação, infere-se o rompimento do individual, o qual cede espaço para o difuso e o socialmente relevante. Desse modo, mitiga-se o paradigma liberal-individual, pois o constitucionalismo de 1988 não mais confere espaço para o singular em detrimento do difuso. Chega-se ao solidarismo. Exemplo prático da referida constitucionalização do direito civil está na interpretação que o Supremo Tribunal Federal (STF) conferiu ao art. 1723 do Código Civil de 2002. A um primeiro momento era visto como regra proibitiva da união estável entre pessoas do mesmo sexo. A partir de uma interpretação conforme, em consonância com os preceitos constitucionais, houve uma revalorização do dispositivo, para nele albergar as DIREITO CIVIL CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO CIVIL E LINDB 9 uniões homoafetivas, com fundamento no princípio da dignidade da pessoa humana e da isonomia (art. 1º, inciso III c/c art. 5º, caput, ambos da CF/88). DIREITO DE FAMÍLIA. CASAMENTO CIVIL ENTRE PESSOAS DO MESMO SEXO (HOMOAFETIVO). INTERPRETAÇÃO DOS ARTS. 1.524, 1.521, 1.523, 1.535 e 1.565 DO CÓDIGO CIVIL DE 2002. INEXISTÊNCIA DE VEDAÇAO EXPRESSA A QUE SE HABILITEM PARA O CASAMENTO PESSOAS DO MESMO SEXO. VEDAÇAO IMPLÍCITA CONSTITUCIONALMENTE INACEITÁVEL. ORIENTAÇÃO PRINCIPIOLÓGICA CONFERIDA PELO STF NO JULGAMENTO DA ADPF N. 132/RJ E DA ADI N. 4.277/DF. 1. Embora criado pela Constituição Federal como guardião do direito infraconstitucional, no estado atual em que se encontra a evolução do direito privado, vigorante a fase histórica da constitucionalização do direito civil , não é possível ao STJ analisar as celeumas que lhe aportam "de costas" para a Constituição Federal, sob pena de ser entregue ao jurisdicionado um direito desatualizado e sem lastro na Lei Maior. Vale dizer, o Superior Tribunal de Justiça, cumprindo sua missão de uniformizar o direito infraconstitucional, não pode conferir à lei uma interpretação que não seja constitucionalmente aceita.2. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento conjunto da ADPF n. 132/RJ e da ADI n. 4.277/DF, conferiu ao art. 1.723 do Código Civil de 2002 interpretação conforme à Constituição para dele excluir todo significado que impeça o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar , entendida esta como sinônimo perfeito de família . (...)8. Os arts. 1.514, 1.521, 1.523, 1.535 e 1.565, todos do Código Civil de 2002, não vedam expressamente o casamento entre pessoas do mesmo sexo, e não há como se enxergar uma vedação implícita ao casamento homoafetivo sem afronta a caros princípios constitucionais, como o da igualdade, o da não discriminação, o da dignidade da pessoa humana e os do pluralismo e livre planejamento familiar.9. Não obstante a omissão legislativa sobre o tema, a maioria, mediante seus representantes eleitos, não poderia mesmo "democraticamente" decretar a perda de direitos civis da minoria pela qual eventualmente nutre alguma aversão. Nesse cenário, em regra é o Poder Judiciário - e não o Legislativo - que exerce um papel contra majoritário e protetivo de especialíssima importância, exatamente por não ser compromissado com as maiorias votantes, mas apenas com a lei e com a Constituição, sempre em vista a proteção dos direitos humanos fundamentais, sejam eles das minorias, sejam das maiorias. (REsp 1183378 RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, j. 25/10/2011, DJe 01/02/2012) 1.6 Da Eficácia Horizontal Dos Direitos Fundamentais DIREITO CIVIL CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO CIVIL E LINDB 10 Incialmente, é possível afirmar que os direitos fundamentais estão para a Constituição Federal, assim como os direitos de personalidade estão para o Código Civil brasileiro. São dois lados de uma mesma moeda denominada dignidade da pessoa humana. É consabido que os direitos fundamentais surgiram numa ideia de limitação do poder absoluto do Estado e proteção do indivíduo, conferindo-se direitos básicos e garantias a qualquer pessoa. Nesta relação Estado-indivíduo, diz-se que há uma eficácia vertical dos direitos fundamentais, pois nesta relação há um poder “superior” (o Estado) e um infinitamente “inferior” (o indivíduo), certo que não estão em posições iguais, sendo evidente a proeminência de força do Estado. Após a evolução da teoria dos direitos fundamentais, passou-se a reconhecer que os direitos fundamentais não incidem apenas em relações desiguais, porém também em relações particulares em que há uma igualdade de armas. Aqui, surge a eficácia horizontal dos direitos fundamentais que é justamente incidência e observância de todos os direitos fundamentais nas relações privadas (particular-particular). A teoria irradiante, ou da eficácia horizontal, disciplina que a direta aplicação dos direitos fundamentais às relações do direito civil, visando dar máximo efeito dos valores constitucionais a toda legislação brasileira, em prol da dignidade da pessoa humana. Nas palavras do Professor Ingo Wolfgang Sarlet: (...) a constatação de que os direitos fundamentais, na qualidade de princípios constitucionais, e por força do princípio da unidade do ordenamento jurídico, se aplicam relativamente a toda ordem jurídica, inclusive privada; bem como a necessidade de se protegerem os particulares também contra atos atentatórios aosdireitos fundamentais provindos de outros indivíduos ou entidades particulares (A eficácia dos direitos fundamentais, Livraria do Advogado, 2003, p. 356). À guisa de exemplo, cite-se o emblemático caso decidido pelo STF no RE 201819/RJ, publicado em 11/10/2005, que determinou a reintegração de associado excluído do quadro daquela pessoa jurídica, em direito à defesa e contraditório como comprovação forense da eficácia horizontal destes direitos fundamentais. Em outras oportunidades o Supremo Tribunal Federal prestigiou os direitos da personalidade e a teoria irradiante, como se infere nos RE’s de números 160222-8, 158215-4 e 161243-6. 1.8 A Eficácia Diagonal Dos Direitos Fundamentais É cediço que as relações entre particulares nem sempre se apresentam de forma equilibrada. Por isso, é relativamente comum nos depararmos com situações em que as pessoas estão em uma posição de desigualdade, com prevalência de uma sobre a outra. Os principais exemplos desses tipos de situação de desigualdade entre particulares são as relações trabalhistas e consumeristas. Tanto no direito do trabalho quanto no direito do consumidor o poderio econômico-financeiro das empresas/patrão pode resultar em graves violações aos direitos fundamentais de consumidores e trabalhadores, partes hipossuficientes nas respectivas relações jurídicas. DIREITO CIVIL CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO CIVIL E LINDB 11 Foi a partir dessa realidade que nasceu a teoria da eficácia diagonal dos direitos fundamentais. Para a referida teoria, os direitos fundamentais devem ser aplicados/respeitado em relações privadas caracterizadas por uma notória desigualdade de poder, em razão da hipossuficiência de uma das partes da relação. Essa teoria recebe a denominação de eficácia diagonal por que, em tese, as partes estão em situações equivalentes, não havendo uma preponderância de uma sobre a outra. Ocorre que, na prática, aquele que possui o poder econômico consegue se sobrepor perante a outra parte, razão pela qual se defende o devido respeito e a consequente aplicabilidade dos direitos fundamentais nas relações entre particulares. Desse modo, é possível concluir que a eficácia diagonal dos direitos fundamentais nada mais é que a efetiva aplicação dos direitos fundamentais em relações privadas marcadas pela desigualdade entre os particulares, em especial quando puder se verificar uma relação de intimidade entre o poderio econômico- financeiro e a vulnerabilidade da parte hipossuficiente. 2. LEI DE INTRODUÇÃO ÀS NORMAS DO DIREITO BRASILEIRO A LINDB disciplina o âmbito de aplicação das normas jurídicas, e possui natureza de norma de sobre direito ou de apoio, consistente no conjunto de regras cujo objetivo é disciplinar as próprias normas jurídicas, isto é, disciplina a emissão e aplicação de outras normas jurídicas. (=postulados normativos). O Examinador Anderson Schreiber aponta, em seu Manual, o seguinte: “O legislador brasileiro ocupou-se do direito internacional privado na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Decreto-lei n. 4.657/1942), em que, ressalvada a proteção inafastável à soberania nacional, à ordem pública e aos bons costumes (art. 17), traça, conforme a natureza e objeto do conflito que se pretende regular, diversos critérios para a identificação da lei aplicável.” – pg. 65. 2.1 Vigência, aplicação, obrigatoriedade, interpretação e integração das leis ATENÇÃO - VACATIO LEGIS: É o período entre a publicação e o início de vigência da norma. Pode ser definido como o tempo necessário para que o texto normativo se torne efetivamente conhecido, e variará de acordo com a repercussão social da matéria. Vacatio legis é o tempo entre a publicação da lei e o início de sua validade, independentemente de ser norma de direito material ou norma de direito processual. Esse período serve para que as pessoas tomem conhecimento da nova norma e está previsto no artigo 1º da LINDB: Art. 1º Salvo disposição contrária, a lei começa a vigorar em todo o país quarenta e cinco dias depois de oficialmente publicada. § 1º Nos Estados, estrangeiros, a obrigatoriedade da lei brasileira, quando admitida, se inicia três meses depois de oficialmente publicada. DIREITO CIVIL CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO CIVIL E LINDB 12 Destaca-se que, quando uma lei estabelece um período de vacância antes de entrar em vigor, a contagem desse prazo deve incluir tanto o dia da publicação quanto o último dia do período estipulado. Após o término desse prazo, a lei passa a valer no dia seguinte, independentemente de ser final de semana ou feriado, ou seja, não há prorrogação para o próximo dia útil. a) VIGÊNCIA: É critério puramente temporal da norma. Trata-se do lapso temporal em que a norma tem força obrigatória. O início da vigência marca o começo de sua exigibilidade. O Examinador Anderson Schreiber ensina, em seu Manual, que: “vigência é a qualidade impositiva da lei. Consubstancia-se em seu caráter obrigatório em certo espaço e por certo tempo” – pg. 64. b) Obrigatoriedade: Uma vez publicada a lei, presume-se o conhecimento geral, razão pela qual ninguém pode descumpri-la alegando que não a conhece: Art. 3o Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece. c) Interpretação: “Interpretar é descobrir o sentido e o alcance da norma jurídica” (Maria Helena Diniz). O Examinador Anderson Schreiber aponta, em seu Manual, o seguinte: “A interpretação das normas jurídicas consiste na identificação do seu sentido e alcance” – pg. 73. I. Classificação quanto ao agente: ● Autêntica ou pública: Apresentada pela via legislativa; ● Judicial: Realizada pelos juízes e tribunais na atividade judicante, ao aplicar a lei na solução dos casos em julgamento. ● Doutrinária: Proveniente das obras de juristas, a partir de trabalhos teóricos ou pareceres. ● Administrativa, manifestada pelos órgãos da administração pública, ao editar atos normativos ou julgar processo administrativo. II. Classificação quanto à natureza: ● Literal ou gramatical: É a extração do sentido da norma através das regras linguísticas; DIREITO CIVIL CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO CIVIL E LINDB 13 ● Lógica ou racional: É a compreensão da norma por meio de raciocínios lógicos, analisando as leis e comparando-as com outros trechos, de forma a alcançar a perfeita compatibilidade; ● Sistemática: Proveniente da consideração do sistema em que se encontra a norma, relacionando-a com outras concernentes ao mesmo objeto; ● Histórica: Decorrente da análise do processo histórico em que surgiu a lei; ● Teleológica objetiva ou sociológica: É a compreensão da norma com o intuito de adaptar a sua finalidade às novas exigências sociais. Possui substrato legal, o art. 5º da LINDB. III. Classificação quanto à extensão: ● Extensiva ou ampliativa: Forma de interpretação que amplia o sentido da norma além do que indicam os seus termos; ● Restritiva: Redução da amplitude do preceito, com o objetivo de dar àquela norma aplicação razoável e justa; ● Declarativa: Extração do sentido da lei sem a necessidade de expansão ou retração do alcance do enunciado normativo. d) Integração: Utilização de mecanismos para suprir as lacunas da lei, quando inexiste norma aplicável diretamente ao caso concreto. De acordo com o art. 4º da LINDB, são formas de integração da lei: ● Analogia; ● Costumes; ● Princípios gerais do direito. Artigo 4º Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito. * Importante ressaltar que a EQUIDADE não consta do rol do art. 4º da LINDB, mas alguns doutrinadores, como Maria Helena Diniz, a incluem dentre as formas de integração da lei. No Direito Tributário, a equidade é expressamente previstacomo forma de integração da lei (art. 108, inciso IV, do CTN). O Examinador Anderson Schreiber conclui acerca do tema, em seu Manual, o que segue: “Com efeito, visto que os princípios constitucionais se aplicam independentemente da intermediação do legislador, não há que se cogitar em nenhuma hipótese de ‘lacuna’ no ordenamento jurídico. Como já se adiantou, ainda que haja omissão do legislador ordinário, cumpre ao intérprete extrair diretamente das normas constitucionais a solução do caso concreto. Restando superada a concepção segundo a qual a atividade do intérprete limita-se à subsunção mecânica da situação fática à lei e tendo passado a interpretação a exprimir a aplicação do ordenamento como um todo para a solução do concreto conflito de interesses, o problema da omissão do legislador ordinário se resolve no âmbito da própria interpretação” – fls. 83. DIREITO CIVIL CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO CIVIL E LINDB 14 ATENÇÃO: A interpretação pode ocorrer sempre, mesmo que a lei seja clara. Em contrapartida, a integração depende da existência de LACUNAS que, por sua vez, podem ser: ● AUTÊNTICAS (PRÓPRIAS) – ocorrem quando o legislador não identificou uma hipótese. ● NÃO-AUTÊNTICAS (IMPRÓPRIAS) – o legislador previu, mas preferiu não tratar sobre o assunto. OBS.: Silêncio Eloquente = Opção do legislador em excluir, intencionalmente, certo fato do comando legal (DINIZ, Maria Helena. Dicionário Jurídico. 3ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2008). É o contrário de lacuna da lei, pois nessas hipóteses não se pode fazer analogia (RE 130522, DJ 28.6.1991, pág. 529) I. Analogia: É a utilização de uma norma próxima ou semelhante para regular uma situação que não foi regulamentada pelo Direito. Pode ser dividida em: ● Analogia legal – a relação da semelhança toma por base outra lei; ● Analogia iuris – a relação de semelhança é estabelecida com base em outro caso concreto. ATENÇÃO: ANALOGIA X INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA - Na analogia rompe-se com os limites do que está previsto na norma, havendo integração da norma jurídica. Na interpretação extensiva apenas amplia-se o seu sentido. II. Costumes: São as práticas e usos reiterados, de conteúdo lícito e com relevância jurídica. Podem ser: ● Costume segundo a lei (secundum legem): Incide quando há referência expressa ao costume no texto legal. ● Costume na falta da lei (praeter legem): É aplicado quando a lei for omissa, sendo denominado de costume integrativo. ● Costume contra a lei (contra legem): É a aplicação do costume contrária a lei. Nesse caso, há abuso de direito. III. Princípios gerais do Direito: São as ideias centrais do sistema, estabelecendo suas diretrizes e dando um conteúdo harmonioso, lógico e racional. 2.2 Antinomias São o choque de duas normas jurídicas emanadas de autoridade competente. Para a solução desses conflitos, utilizam-se três critérios: ● Cronológico: norma posterior prevalece sobre norma anterior; ● Especialidade: norma especial prevalece sobre norma geral; ● Hierárquico: norma superior prevalece sobre norma inferior. Atenção: Quanto aos critérios de colisão, as antinomias podem ser classificas em: ● De primeiro grau: o choque envolve apenas um dos critérios de solução de conflito; ● De segundo grau: o choque envolve dois critérios de solução de conflito. DIREITO CIVIL CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO CIVIL E LINDB 15 Já quanto à possibilidade ou não de solução do conflito, classificam-se em: ● Aparente: quando, de acordo com os três critérios de solução, há possibilidade de resolução do conflito; ● Real: não se consegue resolver o conflito. ATENÇÃO: ● Se houver conflitos de segundo grau, envolvendo os critérios cronológico e da especialidade: prevalecerá o da especialidade – Conflito aparente; ● Se houver conflitos entre os critérios cronológico e hierárquico: prevalecerá o hierárquico – Conflito aparente; ● Se houver conflito de segundo grau, envolvendo os critérios da especialidade e hierárquico: haverá conflito real, pois, a doutrina aponta o critério hierárquico como mais forte e, ao seu turno, o critério da especialidade está na CF/88 (princípio da isonomia). Para os casos de conflito real Maria Helena aponta duas soluções: ∘ Legislativa: A edição de uma terceira norma para estabelecer qual prevalecerá; ∘ Judicial: O aplicador do direito escolherá uma das duas normas, tendo como base os arts. 4º e 5º da LINDB – analogia, princípios gerais do direito e função social da norma. 2.3 Aplicação temporal das normas A irretroatividade é a regra prevista na LINDB. Adota-se a ideia do tempus regit actum, ou seja, a lei nova não atinge os fatos anteriores ao início de sua vigência. A lei nova não poderá prejudicar direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada. Em consequência, os fatos anteriores à vigência da lei nova regulam-se não por ela, mas pela lei do tempo em que foram praticados. Porém, podem existir hipóteses que se afastem dessa regra, impondo a retroatividade da lei nova, para alcançar fatos pretéritos ou os seus efeitos. Assim, a doutrina faz uma distinção entre retroatividade máxima, média e mínima: ● Retroatividade máxima ou restitutória: a lei alcança a coisa julgada (sentença irrecorrível) ou os fatos jurídicos consumados; ● Retroatividade média: a lei nova atinge efeitos pendentes de atos jurídicos verificados antes dela. A lei nova atinge os direitos exigíveis, mas não realizados antes de sua vigência; ● Retroatividade mínima, temperada ou mitigada: a lei nova atinge apenas os efeitos dos fatos anteriores verificados após a data em que ela entra em vigor. Logo, alcança apenas as prestações futuras de negócios firmados antes do advento de nova lei. DIREITO CIVIL CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO CIVIL E LINDB 16 O Examinador Anderson Schreiber conclui acerca do tema, em seu Manual, o seguinte: “O debate acerca da retroatividade das leis deixa, assim, de ser apresentar como terreno puramente formal para revelar seu aspecto substancial , o qual não pode deixar de influenciar a avaliação do grau de retroatividade permitido pela ordem jurídica” – fls. 72. 1.4. Aplicação espacial das normas (artigos 7 ao 19 - LINDB) A LINDB determina as regras de aplicação espacial das normas, dentre elas destacam-se: ● Começo e fim da personalidade – aplicam-se as normas do país em que for domiciliada a pessoa, inclusive quanto ao nome, à capacidade e aos direitos de família. ● Casamento – se realizado no Brasil o casamento, será aplicada a lei brasileira quanto aos impedimentos dirimentes e às formalidades da celebração. Tendo os nubentes domicílio diverso, regerá os casos de invalidade do matrimônio a lei do primeiro domicílio conjugal. Além disso, a LINBD estabelece que o regime de bens, legal ou convencional, obedece à lei do país em que tiverem os nubentes domicílio, e, se este for diverso, o do primeiro domicílio conjugal. ● Obrigações: a LINDB consagra a regra de aplicação das leis do local em que foram constituídas. ● Sucessão por morte ou por ausência: obedece às normas do país do último domicílio do de cujus. Atenção à jurisprudência: Aplica-se a lei brasileira para reger a sucessão de bem imóvel situado no exterior? A Justiça brasileira é competente para julgar inventário e partilha de bem imóvel localizado em outro país? NÃO. Ainda que o domicílio do autor da herança seja o Brasil, aplica-se a lei estrangeira da situação da coisa (e não a lei brasileira) na sucessão de bem imóvel situado no exterior. O art. 10 da LINDB afirma que a lei do domicílio do autor da herança regulará a sucessão por morte. Ocorre que essa regra não é absoluta e deverá ser interpretada sistematicamente, ou seja, em conjunto com os demais dispositivos que regulam o tema, em especial o art.8º, caput, e § 1º do art. 12, ambos da LINDB e o art. 89 do CPC 1973 (art. 23 do CPC 2015). Desse modo, esses dispositivos revelam que a lei brasileira só se aplica para os bens situados no Brasil e autoridade judiciária brasileira somente poderá fazer o inventário dos bens imóveis aqui localizados. Mas no caso em que há um bem imóvel no Brasil e outro no exterior, como fazer? Deverão ser abertos dois inventários: um aqui no Brasil para reger o bem situado em nosso território e outro no exterior para partilhar o imóvel de lá. DIREITO CIVIL CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO CIVIL E LINDB 17 STJ. 3ª Turma. REsp 1.362.400-SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 28/4/2015 (Info 563). (Via DoD) ● Vocação hereditária: serão aplicadas as regras nacionais no caso de vocação hereditária para suceder bens de estrangeiro situados no Brasil, salvo se mais favoráveis ao cônjuge e aos filhos as normas do último domicílio. ● Sociedades e fundações: deve ser aplicada a norma do local de sua constituição. 1.5. Revogação das leis É a perda de vigência de uma lei em razão do surgimento de outra lei no ordenamento, incompatível com a primeira. A revogação pode ser: ● Total (ab-rogação); ● Parcial (derrogação); ● Expressa: Expressamente exclui lei anterior do ordenamento jurídico; ● Tácita: A nova lei é absolutamente incompatível com a anterior; ● Global: A nova lei disciplina totalmente a matéria disciplinada pela lei anterior; O Examinador Anderson Schreiber ensina, em seu Manual, diz que “em imagem um tanto sinistra, afirma-se que a ab-rogação mata a lei anterior, enquanto a derrogação apenas a amputa”. – pg. 67. O QUE É REPRISTINAÇÃO? É POSSÍVEL SUA OCORRÊNCIA? Repristinação é a restauração da vigência de uma lei anteriormente revogada em virtude da revogação da lei revogadora. Segundo o art. 2º, §3º, da LINDB, salvo disposição em contrário, a lei revogada NÃO se restaura por ter a lei revogadora perdido sua vigência. 2.4 Aplicação do direito público A Lei nº 13.655/2018 incluiu diversos artigos na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro que cuidam de regras sobre segurança jurídica e eficiência na criação e na aplicação do direito público. São normas aplicadas nas esferas administrativa (como nos processos administrativos), controladora (como o Tribunal de Contas) e judicial (como nos processos que tramitam perante o Poder Judiciário). Nesses âmbitos, o art. 20 da LINDB prevê que não se decidirá com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão, sendo que a motivação demonstrará a necessidade e a adequação da medida imposta ou da invalidação do ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, inclusive em face das possíveis alternativas. O que são “valores jurídicos abstratos”. São inúmeros exemplos: “dignidade da pessoa humana” (art. 1º, III), “valores sociais do trabalho e da livre iniciativa” (art. 1º, IV), “moralidade” (art. 37, caput), “bem-estar e a justiça sociais” (art. 193), “meio ambiente ecologicamente equilibrado” (art. 225), todos da CRFB. Esses DIREITO CIVIL CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO CIVIL E LINDB 18 valores jurídicos abstratos são normalmente classificados como princípios (normas que possuem um grau de abstração maior que as regras). Desse modo, a decisão administrativa, judicial ou do órgão controlador pode ser fundamentada em valores jurídicos abstratos, como os princípios constitucionais da isonomia e da dignidade da pessoa humana, porém o julgador deve esclarecer suas considerações quanto às consequências práticas da decisão, como, por exemplo, as repercussões econômicas da medida. Constata-se, ainda, que a norma legal trata expressamente dos corolários do princípio da proporcionalidade, quais sejam a necessidade e adequação. Assim, a medida deve ser necessária, não excedendo os limites indispensáveis à conservação do direito, e adequada, mostrando-se efetivamente apta a alcançar os objetivos pretendidos. Destaca-se que o princípio da proporcionalidade se divide em três subprincípios: a) subprincípio da ADEQUAÇÃO: no qual deve ser analisado se a medida adotada é idônea (capaz) para atingir o objetivo almejado; b) subprincípio da NECESSIDADE: consiste na análise se a medida empregada é ou não excessiva; e c) subprincípio da PROPORCIONALIDADE EM SENTIDO ESTRITO: representa a análise do custo- benefício da providência pretendida, para se determinar se o que se ganha é mais valioso do que aquilo que se perde. O art. 21 dispõe que: Art. 21. A decisão que, nas esferas administrativa, controladora ou judicial, decretar a invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa deverá indicar de modo expresso suas consequências jurídicas e administrativas. Parágrafo único. A decisão a que se refere o caput deste artigo deverá, quando for o caso, indicar as condições para que a regularização ocorra de modo proporcional e equânime e sem prejuízo aos interesses gerais, não se podendo impor aos sujeitos atingidos ônus ou perdas que, em função das peculiaridades do caso, sejam anormais ou excessivos. Busca-se, assim, uma reflexão aprofundada do julgador sobre as consequências jurídicas e administrativas de sua decisão, que - ao invalidar ato, contratos, ajuste, processo ou norma administrativa – atingirá, direta ou indiretamente, a coletividade. Nesse sentido, sendo possível a regularização, a decisão deverá indicar os meios para tanto, de modo proporcional e equânime e sem prejuízo aos interesses gerais. No tocante à interpretação das normas sobre gestão pública, o art. 22 estabelece que serão considerados os obstáculos e as dificuldades reais do gestor e as exigências das políticas públicas a seu cargo, sem prejuízo dos administrados. Dessa maneira, as normas de gestão pública devem ser interpretadas considerando as peculiaridades de cada ente público, especialmente, por exemplo, dos Municípios – na maioria das vezes menores e localizados no interior do Estado – onde a estrutura administrativa e técnica é precária. Além disso, os parágrafos do art. 22 dispõem que, em decisão sobre regularidade de conduta ou validade de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, serão consideradas as circunstâncias práticas que houverem imposto, limitado ou condicionado a ação do agente. Na aplicação de sanções, serão DIREITO CIVIL CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO CIVIL E LINDB 19 consideradas a natureza e a gravidade da infração cometida, os danos que dela provierem para a administração pública, as circunstâncias agravantes ou atenuantes e os antecedentes do agente, sendo que as sanções aplicadas ao agente serão levadas em conta na dosimetria das demais sanções de mesma natureza e relativas ao mesmo fato. Art. 22. Na interpretação de normas sobre gestão pública, serão considerados os obstáculos e as dificuldades reais do gestor e as exigências das políticas públicas a seu cargo, sem prejuízo dos direitos dos administrados. (Regulamento) § 1º Em decisão sobre regularidade de conduta ou validade de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, serão consideradas as circunstâncias práticas que houverem imposto, limitado ou condicionado a ação do agente. (Incluído pela Lei nº 13.655, de 2018) § 2º Na aplicação de sanções, serão consideradas a natureza e a gravidade da infração cometida, os danos que dela provierem para a administração pública, as circunstâncias agravantes ou atenuantes e os antecedentes do agente. (Incluído pela Lei nº 13.655, de 2018) § 3º As sanções aplicadas ao agente serão levadas em conta na dosimetria das demais sanções de mesma natureza e relativas ao mesmo fato. (Incluído pela Lei nº 13.655, de 2018) O art.23 prevê uma espécie de modulação de efeitos ao prescrever que a decisão administrativa, controladora ou judicial que estabelecer interpretação ou orientação nova sobre norma de conteúdo indeterminado, impondo novo dever ou novo condicionamento de direito, deverá prever regime de transição quando indispensável para que o novo dever ou condicionamento de direito seja cumprido de modo proporcional, equânime e eficiente e sem prejuízo aos interesses gerais. O CPC/2015 possui um dispositivo tratando sobre a possibilidade de modulação dos efeitos de decisão judicial. Ressalte-se, contudo, que a redação do CPC é bem superior à do art. 23 da LINDB, sendo mais clara e objetiva. Art. 927 (...) § 3º Na hipótese de alteração de jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos, pode haver modulação dos efeitos da alteração no interesse social e no da segurança jurídica. Dispõe o art. 24 que: Art. 24. A revisão, nas esferas administrativa, controladora ou judicial, quanto à validade de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa cuja produção já se houver completado levará em conta as orientações gerais da época, sendo DIREITO CIVIL CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO CIVIL E LINDB 20 vedado que, com base em mudança posterior de orientação geral, se declarem inválidas situações plenamente constituídas. Parágrafo único. Consideram-se orientações gerais as interpretações e especificações contidas em atos públicos de caráter geral ou em jurisprudência judicial ou administrativa majoritária, e ainda as adotadas por prática administrativa reiterada e de amplo conhecimento público. Cuida-se de previsão que busca garantir a segurança jurídica às situações constituídas à luz de um entendimento geral válido. O art. 26 estabelece que para eliminar irregularidade, incerteza jurídica ou situação contenciosa na aplicação do direito público, inclusive no caso de expedição de licença, a autoridade administrativa poderá, após oitiva do órgão jurídico e, quando for o caso, após realização de consulta pública, e presentes razões de relevante interesse geral, celebrar compromisso com os interessados, observada a legislação aplicável, o qual só produzirá efeitos a partir de sua publicação oficial. Art. 26. Para eliminar irregularidade, incerteza jurídica ou situação contenciosa na aplicação do direito público, inclusive no caso de expedição de licença, a autoridade administrativa poderá, após oitiva do órgão jurídico e, quando for o caso, após realização de consulta pública, e presentes razões de relevante interesse geral, celebrar compromisso com os interessados, observada a legislação aplicável, o qual só produzirá efeitos a partir de sua publicação oficial. (Incluído pela Lei nº 13.655, de 2018) (Regulamento) § 1º O compromisso referido no caput deste artigo: I - buscará solução jurídica proporcional, equânime, eficiente e compatível com os interesses gerais; II – (VETADO); III - não poderá conferir desoneração permanente de dever ou condicionamento de direito reconhecidos por orientação geral; IV - deverá prever com clareza as obrigações das partes, o prazo para seu cumprimento e as sanções aplicáveis em caso de descumprimento. Esse compromisso tem por escopo buscar solução jurídica proporcional, equânime, eficiente e compatível com os interesses gerais, não podendo conferir desoneração permanente de dever ou condicionamento de direito reconhecidos por orientação geral e deverá prever com clareza as obrigações das partes, o prazo para seu cumprimento e as sanções aplicáveis em caso de descumprimento. Consoante o art. 27: Art. 27. A decisão do processo, nas esferas administrativa, controladora ou judicial, poderá impor compensação por benefícios indevidos ou prejuízos anormais ou injustos resultantes do processo ou da conduta dos envolvidos. DIREITO CIVIL CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO CIVIL E LINDB 21 § 1º A decisão sobre a compensação será motivada, ouvidas previamente as partes sobre seu cabimento, sua forma e, se for o caso, seu valor. § 2º Para prevenir ou regular a compensação, poderá ser celebrado compromisso processual entre os envolvidos. Com relação à responsabilidade civil do agente público, o art. 28 prevê que o mesmo responderá pessoalmente por suas decisões ou opiniões técnicas em caso de dolo ou erro grosseiro. Ressalta-se, contudo, que essa previsão se afasta da regulamentação constitucional que estabelece a responsabilidade do agente público, somente de forma regressiva, quando tiver agido com dolo ou culpa. Ademais, o Código de Processo Civil (arts. 143, 181, 184 e 187) possui dispositivos específicos que tratam da responsabilidade dos magistrados e dos membros do Ministério Público, da Defensoria Pública e da Advocacia Pública, o que afastaria a aplicação do art. 28 da LINDB. Conforme no site dizerodireito: Segundo a doutrina e o voto do Min. Joaquim Barbosa no MS 24.631/DF (DJ 01/02/2008), existem três espécies de parecer: FACULTATIVO OBRIGATÓRIO VINCULANTE O administrador NÃO É obrigado a solicitar o parecer do órgão jurídico. O administrador é obrigado a solicitar o parecer do órgão jurídico. O administrador é obrigado a solicitar o parecer do órgão jurídico. O administrador pode discordar da conclusão exposta pelo parecer, desde que o faça fundamentadamente. O administrador pode discordar da conclusão exposta pelo parecer, desde que o faça fundamentadamente com base em um novo parecer. O administrador NÃO pode discordar da conclusão exposta pelo parecer. Ou o administrador decide nos termos da conclusão do parecer, ou, então, não decide. Em regra, o parecerista não tem responsabilidade pelo ato administrativo. Contudo, o parecerista pode ser responsabilizado se ficar configurada a existência de culpa ou erro grosseiro. Em regra, o parecerista não tem responsabilidade pelo ato administrativo. Contudo, o parecerista pode ser responsabilizado se ficar configurada a existência de culpa ou erro grosseiro. Há uma partilha do poder de decisão entre o administrador e o parecerista, já que a decisão do administrador deve ser de acordo com o parecer. Logo, o parecerista responde solidariamente com o administrador pela prática do ato, não sendo necessário demonstrar culpa ou erro grosseiro. DIREITO CIVIL CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO CIVIL E LINDB 22 Ressalta-se, ainda, a MP 966/2020 que dispunha sobre a responsabilização de agentes públicos por atos relacionados com a pandemia da covid-19. O caput do art. 1º da MP previa o seguinte (quadro retirado do site dizerodireito): REGIME DE RESPONSABILIDADE DOS AGENTES PÚBLICOS NAS ESFERAS CIVIL E ADMINISTRATIVA POR MEDIDAS DE ENFRENTAMENTO DA PANDEMIA DA COVID-19 Os agentes públicos somente poderão ser responsabilizados pela prática de atos relacionados com as medidas de: I - enfrentamento da emergência de saúde pública decorrente da covid-19. Ex: dispensa de licitação para compra de respiradores. Se tiverem agido ou se omitido com: • DOLO ou •ERRO GROSSEIRO. II - combate aos efeitos econômicos e sociais decorrentes da covid-19. Ex: concessão de anistia ou remissão para empresários. Cabe esclarecer que a doutrina divide a culpa em três subespécies: culpa grave, leve e levíssima. O erro grosseiro é sinônimo de culpa grave. Assim, é como se o art. 1º da MP dissesse: o agente público somente responderia em caso de dolo ou culpa grave. A MP 966/2020 teve seu prazo de vigência encerrado no dia 10/09/2020. O art. 1ºda MP 966/2020 se aproximava daquilo que prevê o art. 28 da LINDB:Art. 28. O agente público responderá pessoalmente por suas decisões ou opiniões técnicas em caso de dolo ou erro grosseiro. (Incluído pela Lei nº 13.655/2018) O art. 29 estabelece que em qualquer órgão ou Poder, a edição de atos normativos por autoridade administrativa, salvo os de mera organização interna, poderá ser precedida de consulta pública para manifestação de interessados, preferencialmente por meio eletrônico, a qual será considerada na decisão. A convocação conterá a minuta do ato normativo e fixará o prazo e demais condições da consulta pública, observadas as normas legais e regulamentares específicas, se houver. Ressalva-se, apenas, que apenas esse dispositivo (art. 29) entrará em vigor após decorridos 180 dias de sua publicação oficial, que ocorreu em 25/04/2018. Por fim, o art. 30 dispõe que as autoridades públicas devem atuar para aumentar a segurança jurídica na aplicação das normas, inclusive por meio de regulamentos, súmulas administrativas e respostas a consultas, sendo que esses instrumentos terão caráter vinculante em relação ao órgão ou entidade a que se destinam, até ulterior revisão. 2.5 Jurisprudência relevante A cobrança de dívida de jogo contraída por brasileiro em cassino que funciona legalmente no exterior é juridicamente possível e não ofende a ordem pública, os bons costumes e a soberania nacional. DIREITO CIVIL CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO CIVIL E LINDB 23 STJ. 3ª Turma. REsp 1.628.974-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 13/6/2017 (Info 610). Referências Bibliográficas: Flávio Tartuce. Manual de Direito Civil. Nelson Rosenvald. Curso de Direito Civil – Parte Geral e LINDB. Site Dizer o Direito