Prévia do material em texto
ARQUITETURA E URBANISMO Programa de necessidades e anteprojeto Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Reconhecer as etapas iniciais do projeto. Sintetizar o estudo do partido geral. Selecionar técnicas de avaliação do partido geral. Introdução A construção de um edifício é um fenômeno complexo. Ela envolve relações de interdependência entre recursos, profissionais e saberes distintos. Uma tentativa de simplificação desse fenômeno pode ser feita para trazer maior clareza quanto a sua estrutura, ressalvadas as distorções inerentes a operações redutivas. Sendo assim, podemos afirmar que a construção de um edifício apresenta duas fases: projeto e obra, e que a fase projetual, por sua vez, divide-se em etapa inicial, intermediária e final. Neste capítulo, você estudará as etapas iniciais do projeto: do pro- grama de necessidades ao anteprojeto. Reconhecerá que são essas as etapas garantidoras da qualidade da edificação, uma vez que representam o momento em que o projetista tem controle do todo, e as consequências das decisões tomadas podem ser rapidamente reavaliadas. Além disso, você reconhecerá o partido geral, além de técnicas para sua avaliação. Etapas iniciais de um projeto de arquitetura Imagine que você está planejando uma viagem internacional. Em um pri- meiro momento, escolheu o país, as cidades, os hotéis e até mesmo separou alguns restaurantes e pontos turísticos que gostaria de visitar. Passada uma semana, alguns amigos se empolgaram com a ideia e resolveram viajar junto, desde que o destino fosse alterado para um país vizinho do destino original. Identificação interna do documento 9RPS73OHKU-X3BNCF1 Como até aquele momento a viagem era apenas uma ideia, uma mudança no planejamento original seria fácil e envolveria apenas um redirecionamento para outro destino. Agora, imagine que a mesma alteração fosse proposta na véspera da sua viagem, quando as passagens aéreas já estivessem compradas, o hotel confi rmado a reserva e algumas agências de turismo já houvessem enviado para o seu e-mail orientações sobre os passeios programados. Certa- mente seria possível abandonar o planejamento, esquecer os gastos feitos até aquele momento e elaborar um roteiro alternativo. No entanto, não há dúvida de que a mudança no segundo cenário seria mais custosa, tanto em termos de recursos como de energia. Algo semelhante ocorre com o projeto arquitetônico. A origem do verbo projetar é a palavra latina proiectus, que é a união do prefixo pro (à frente) com iactus (particípio passado do verbo iacere, jogar). Esse "jogar à frente" chegou até nós com o sentido de planejar algo. Logo, o projeto arquitetônico corresponde ao planejamento da arquitetura. Trata-se de uma ferramenta para testar, validar e invalidar hipóteses de concretização de um edifício. Assim como no exemplo da viagem, nas etapas iniciais desse projeto, correções ou alterações de curso são mais fáceis, pois envolvem menos interferência no trabalho de outras pessoas e menor custo. Tradicionalmente, os teóricos dividem o projeto de arquitetura em três fases: inicial, intermediária e final. A nomenclatura não é consensual, Ludovico Quaroni (1980) afirma existir uma fase inicial de “aproximação”; uma fase de “anteprojeto”, intermediária, na qual uma proposta é desenvolvida em nível esquemático levando em conta as críticas apresentadas pelo cliente e pelo projetista; e uma fase “executiva”, destinada aos executores do projeto arquitetônico. Alfonso Corona Martínez (2000) chama essas fases de “croquis preliminares”, “anteprojeto” e “projeto”. A nomenclatura mais comum, no entanto, que é a mesma adotada pela Norma Técnica (NBR) 6492, que disciplina a representação de projetos de arquitetura, é a divisão do projeto em estudo preliminar, anteprojeto e projeto executivo (ASSOCIAÇ Ã O BRASILEIRA DE NORMAS TÉ CNICAS — ABNT, 1994). Essas etapas dizem respeito à maneira de desenvolver um projeto arquitetô- nico. Em relação ao objeto, existe outra ferramenta chamada programa de necessidades, que é um documento que descreve as necessidades, exigências e expectativas do cliente. Programa de necessidades e anteprojeto2 Identificação interna do documento 9RPS73OHKU-X3BNCF1 Programa de necessidades O programa de necessidades é um instrumento cujo objetivo é trazer maior entendimento para o que deve ser feito; qual será o objeto do projeto. Conforme a NBR 6492, não se trata de uma fase do projeto, mas sim da “(...) caracterização do empreendimento cujo(s) edifício(s) será(ão) projetado(s)” (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉ CNICAS — ABNT, 1994, p. 4). Ao enco- mendar um projeto de arquitetura, o cliente, em geral, tem uma ideia do que está contratando: uma casa ou um edifício para determinado terreno, uma loja em uma sala comercial etc. Essa noção inicial também já pode estar um pouco desenvolvida: uma casa com três quartos ensolarados e uma piscina. O programa de necessidades é a formalização dessas demandas, daí seu nome. Quanto a sua forma, geralmente é apresentado como uma lista de ambientes ou funções que podem vir acompanhados de informações complementares, como áreas e dimensões mínimas e máximas, dimensões de equipamentos que devem ser considerados e alturas. Trata-se, portanto, de um documento que reúne expectativas (conside- rações objetivas e subjetivas em relação ao projeto) e exigências de ordem técnica (previstas em normas, por exemplo). Portanto, sua elaboração tem chances maiores de êxito se for elaborada em conjunto pelo cliente (pois conhece melhor do que ninguém suas expectativas) e pelos projetistas, que contam com o saber técnico para auxiliá-los. Esse instrumento individualiza o objeto; logo, é possível utilizar desde técnicas simples (questionário para os clientes) a técnicas sofisticadas como pesquisa de marketing e levantamentos a partir de bancos de dados de projetos semelhantes, como em projetos de incorporação imobiliária. Independentemente das técnicas adotadas, sua função é criar subsídios para que os projetistas possam elaborar uma proposta precisa com base em critérios objetivos e na formalização de critérios subjetivos. Por fim, adiantando os pontos que veremos a seguir, a congruência entre o projeto e o programa de necessidades é uma das técnicas de avaliação da solução adotada. 3Programa de necessidades e anteprojeto Identificação interna do documento 9RPS73OHKU-X3BNCF1 No livro Manual do arquiteto: planejamento, dimensionamento e projeto, de Pamela Buxton, você encontra exemplo de programa de necessidades e mais informações sobre o tema. Estudo preliminar O estudo preliminar é a primeira aproximação feita pelo projetista em relação ao problema. É, por defi nição, uma etapa de alto grau de abstração. Imagine, por exemplo, que você desenha um esquema de distribuição dos espaços de uma residência em uma folha de papel. As linhas que o grafi te de sua lapiseira deixou no papel representam paredes de alvenaria? Se representam, qual a sua espessura? 15, 25, 30 cm? É natural, e veremos que também é desejável, que essas e outras defi nições não sejam abordadas nesse primeiro momento. É mais importante que a atenção e a energia do projetista estejam concentradas em aspectos mais amplos do projeto, como a relação das partes da edifi cação com o entorno, dos espaços previstos no programa de necessidades entre si, e em estratégias compositivas, para citar alguns exemplos. Uma das críticas feitas ao lançamento de projetos de arquitetura diretamente no computador, seja em softwares de CAD (Computer Aided-Design ou, em português, “desenho assis- tido por computador”), ou ainda ferramentas mais sofi sticadas como softwares BIM (Building Information Model ou, em português, Modelo da Informação da Construção), é o grau de precisão e defi nição que essas ferramentas exigem desde os estágios iniciais, o que pode constituir uma distração principalmente para aqueles que estãoiniciando o estudo da arquitetura. A NBR 6492 destaca que nesta primeira fase do projeto “(...) devem estar representados os elementos construtivos, ainda que de forma esquemática, de modo a permitir a perfeita compreensão do funcionamento do programa e partido adotados, incluindo níveis e medidas principais, áreas, acessos, deno- minação dos espaços, topografia, orientação” (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS — ABNT, 1994, p. 5). Giorgio Grassi (2003) é um arquiteto e teórico italiano que sustenta que uma boa solução arquitetônica sempre expressa o problema de onde se parte. Uma das interpretações que pode ser dada a essa afirmativa é que um bom projeto Programa de necessidades e anteprojeto4 Identificação interna do documento 9RPS73OHKU-X3BNCF1 deve responder às premissas das quais parte, aos condicionantes do projeto (programa de necessidades, exigências normativas, condições topográficas, clima, etc.). Esses fatores nunca apontarão para uma única solução. Por isso, é normal que durante o estudo preliminar coexistam soluções distintas para o projeto, que o projetista poderá apresentar ou não para o cliente, conforme um juízo de conveniência. O mais usual, contudo, é que o cliente não chegue a conhecer a maioria das alternativas consideradas nesta etapa, uma vez que é normal o descarte de muitas soluções por se mostrarem inviáveis ou inferiores. A Figura 1, a seguir, mostra a etapa preliminar de um projeto, onde é realizado um estudo de zoneamento do ambiente. Figura 1. Planta baixa esquemática produzida em etapa de estudo preliminar de um projeto comercial. Observe que nessa etapa acontece um estudo mais geral de zoneamento dos ambientes. Anteprojeto O Instituto de Arquitetos do Brasil (2007, documento on-line) defi ne o anteprojeto como “[...] a confi guração fi nal da solução arquitetônica proposta para a obra, considerando todas as exigê ncias contidas no programa de necessidades e o estudo preliminar aprovado pelo cliente”. Se no estudo preliminar é comum, e desejável, que soluções distintas sejam colocadas à prova, há um momento, no entanto, em que essa postura se mostra inviável. Imagine que, para um determinado edifício, um escritório de arquitetura chegasse a três opções viáveis para construção e desenvolvesse as três até o nível de detalhamento. Isso seria ignorar uma das fi nalidades de um projeto, que é promover o uso racional e otimizado de recursos. Ao mesmo tempo que um projeto de arquitetura defi ne uma possibilidade ele exclui 5Programa de necessidades e anteprojeto Identificação interna do documento 9RPS73OHKU-X3BNCF1 inúmeras outras, promovendo a concentração de recursos fi nanceiros, materiais e humanos em uma alternativa que se julgou superior às demais. No anteprojeto, uma das alternativas apresentadas no estudo preliminar é desenvolvida. Esse avanço é feito em dois sentidos: no aprofundamento das questões globais consideradas na etapa anterior com cognição sumária, e na investigação de soluções técnicas da edificação. Um exemplo da primeira afirmativa seria o seguinte: imagine um projeto residencial em que a piscina foi locada em determinado lugar porque ali haveria insolação mais favorável. No âmbito do anteprojeto, um modelo poderia ser feito com as informações geográficas pertinentes à aferição da quantidade de horas que aquela piscina estaria exposta aos raios solares no período do verão e do inverno. Um exemplo da segunda afirmativa seria o desenvolvimento de um edifício de escritórios em que os projetistas estejam considerando a viabilidade técnica de soluções estruturais distintas, como estrutura metálica ou em concreto armado, ou ainda, dentro de uma estrutura de concreto armado, entre o uso de laje plana e laje nervurada. O diferimento dessas decisões para uma segunda etapa é compreensível, uma vez que não faria sentido tal aprofundamento para todas as alternativas rejeitadas. Isso não significa, porém, que não exista conside- ração por questões técnicas e construtivas no estudo preliminar; apenas que o refinamento dessas questões é feito em etapa posterior. É no anteprojeto que são chamados ao processo de projeto outras pessoas que atuarão como parceiros: consultores (p. ex., sustentabilidade, conforto térmico), representantes de soluções industrializadas (p. ex., tipos de revestimentos, soluções para piso, aquecimento), projetistas complementares (p. ex., projeto estrutural, hidrossanitário, elétrico). A NBR 6492 salienta que esta segunda fase é a “(...) definição do partido arquitetônico e dos elementos construtivos, considerando os projetos complementares (estrutura, instalações, etc.). Nesta etapa, o projeto deve receber aprovação final do cliente e dos órgãos oficiais envolvidos e pos- sibilitar a contratação da obra” (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS — ABNT, 1994, p. 5). A complexidade do projeto aumenta nesta etapa, e é impossível que o arquiteto domine todas essas competências. Contudo, é necessário que ele atue como coordenador desta equipe multidisciplinar, pois é o arquiteto que tem a imagem “do todo” em mente. Como disse René Descartes (2011), não há tanta perfeição nas obras feitas pelas mãos de vários mestres quanto naquelas trabalhadas por um único artista. Na Figura 2, vemos o mesmo projeto do exemplo anterior (Figura 1), mas agora na fase de anteprojeto. Programa de necessidades e anteprojeto6 Identificação interna do documento 9RPS73OHKU-X3BNCF1 Figura 2. O mesmo projeto do exemplo anterior representado agora na fase de anteprojeto, na qual podemos observar maior detalhamento, como disposição e tamanho do mobiliário. A NBR 6492 – Representação de projetos de arquitetura (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS — ABNT, 1994), visando a perfeita interpretação, trata das condições exigíveis para a representação gráfica destes projetos, elencando as definições das representações gráficas, as condições gerais e técnicas de como devem ser apresen- tadas e as condições gerais de cada uma das três fases do projeto, que envolvem o Estudo Preliminar, o Anteprojeto e o Projeto Executivo. Neste capítulo estamos nos reportando apenas aos dois primeiros, que compreendem as fases iniciais, antes da execução do projeto. Estudo do partido geral O termo partido pode ser defi nido como o resultado formal dos fatores consi- derados pelo projetista. Para formar essa imagem, é realizada uma sucessão de operações racionais e de menor racionalidade, dependendo da complexidade da operação sensível contemplada (QUARONI, 1980). O que signifi ca dizer que projetistas diferentes darão respostas diferentes para o mesmo problema. 7Programa de necessidades e anteprojeto Identificação interna do documento 9RPS73OHKU-X3BNCF1 O termo partido, usado com frequência nas escolas e escritórios de arqui- tetura, tem uma série de significados. Fernando Aliata (2013) cita a expressão francesa prende parti, ou “tomar partido”, como parte do léxico da École de Beaux-Arts. Edson Mahfuz (1995, p. 16) oferece uma análise mais extensa da origem do termo: (a) na Heráldica (estudo de brasões), “parti” é “emblema”, ou um objeto que representa outro; (b) também poderia representar um grupo de pessoas que compartilham uma mesma opinião, ex.: “parti politique”; (c) também pode ser uma conjugação do verbo "partage", que significa parcelar; e (d) “a expressã o ‘parti’ é a resoluç ã o que algué m toma a respeito da melhor maneira de abordar um problema”. Quando o arquiteto adota um partido arquitetônico, está expressando uma série de decisões valorativas que são expressas através da forma. Ao fazê-lo, demonstra preferência por certas soluções e condicionantes em detrimento de outros. Um conceito que pode gerar confusão com o de partido, em arquitetura, é o de tipo, ainda que sejam coisas bastante diferentes. Enquanto o partido é uma decisão, uma manifestação de tomada de posição do projetista, o tipo é um princípio ordenador segundo o qual uma série de elementos, governadospor relações precisas, adquirem uma determinada estrutura (MARTÍ ARÍS, 2014). O tipo pressupõe uma série de objetos que compartilhem características comuns; um exemplo é a planta em cruz latina para igrejas ou a casa-pátio romana. É equivocado, portanto, dizer que o projetista elaborou um tipo de projeto, uma vez que este é fruto da história e do acúmulo de experiências ao longo do século; ainda que os tipos arquitetônicos possam influenciar na solução individual. Segundo nosso exemplo, é possível que um arquiteto contemporâneo use a configuração da casa-pátio romana como partido de um projeto. Uma representação da casa-pátio romana pode ser vista na Figura 3, a seguir. Programa de necessidades e anteprojeto8 Identificação interna do documento 9RPS73OHKU-X3BNCF1 Figura 3. Representação da casa-pátio romana, estruturada ao redor de um pátio central. Fonte: Morphart Creation/Shutterstock.com. O partido geral em arquitetura é, portanto, uma tomada de posição. É uma síntese do que se estudou, analisou e testou em etapas anteriores, e apresenta-se como uma solução viável para o problema em questão. É importante lembrar que sua manifestação se dá pela forma, mas que intrinsecamente carrega decisões importantes em relação aos condicionantes do projeto. Assim, deve resistir ao escrutínio quanto à sua validade como alternativa projetual viável — o que analisaremos a seguir. 9Programa de necessidades e anteprojeto Identificação interna do documento 9RPS73OHKU-X3BNCF1 Técnicas de avaliação do partido geral Até meados do séc. XVIII, boa arquitetura era aquela que apresentava um equilíbrio entre os três componentes da tríade vitruviana: fi rmitas, utilitas e venustas (QUARONI, 1980). Edison Mahfuz (2003) propõe uma redefi nição de seus aspectos essenciais através de um quaterno composto por três condições internas e uma externa ao problema projetual: lugar, construção ( fi rmitas), programa (utilitas) e materiais de projeto (venustas), respectivamente. Piñ ó n transpõe para a arquitetura quatro conceitos de textos de Le Corbusier e Ozenfant sobre o purismo: economia, rigor, precisão e universalidade (MAHFUZ, 2003). Francisco de Gracia Soria (2013) apresenta como valores universais da arquitetura — cujo resgate acredita necessário — os ideais de ordem e de perfeição. Esse panorama demonstra o esforço constante para formular categorias, conceitos e critérios que sejam aceitos como válidos para projetar e para avaliar a arquite- tura produzida; sã o exemplos de um processo de racionalização da experiência precedente enquanto noções culturais através das quais se procura obter um resultado justo (GREGOTTI, 2010). Demonstra também que um consenso sobre quais sejam esses critérios não foi alcançado. Ainda assim, é possível elencar algumas técnicas de aferição de validade das soluções projetuais. A primeira dela, como mencionado no início deste capítulo, é a congruência entre o programa de necessidades e a solução proposta. Segundo Alfonso Corona Martínez (2000), Guadet dizia que os arquitetos deveriam utilizar o programa de necessidades dado pelo cliente sem interferir neste, enquanto Viollet-le-Duc “[...] mencionava como origem ou motor do processo projetual um programa escrito” (MARTINEZ, 2000, p. 89). Imagine o projeto de um edifício institucional que preveja espaço para 500 funcionários, e cuja proposta contemple 100 espaços de trabalho. Independentemente dos méritos que a proposta possa ter, é difícil sustentar que se trate de uma proposta adequada. Além dos aspectos objetivos, a compatibilidade com demandas subjetivas dos clientes também deve ser avaliada, embora sua avaliação seja mais difícil. A tríade vitruviana Marcus Vitruvius Pollio apresentou, na sua obra De architectura, uma tentativa de sistema- tização daquilo que seriam os três elementos fundamentais da arquitetura: firmitas, que se refere à estabilidade e ao aspecto construtivo da arquietura; utilitas, associada à utilidade ou finalidade da construção; e venustas, correspondente à beleza e à apreciação estética. Programa de necessidades e anteprojeto10 Identificação interna do documento 9RPS73OHKU-X3BNCF1 O paradigma do funcionalismo restrito (mensuração da qualidade do projeto levando em consideração estritamente o atendimento ao programa de necessi- dades) foi superado. Obviamente, o atendimento ao programa continua sendo um critério importante, porém, um rol significativo de outras preocupações se faz presente, como as de ordem ambiental e social, por exemplo. Edson Mahfuz (2003) coloca o atendimento ao programa como um dos quatro pilares para a construção do que ele chama de “forma pertinente”, ou, em outras palavras, um projeto arquitetônico de qualidade. Na Figura 4, vemos resumido o quaterno contemporâneo de Mahfuz. Figura 4. Imagem resumo do quaterno contemporâneo de Mahfuz. condição INTERNA ao projeto condição INTERNA ao projeto condição INTERNA ao projeto LUGAR CONSTRUÇÃO PROGRAMA ESTRUTURAS FORMAIS condição EXTERNA ao projeto FORMA PERTINENTE Segundo Edson Mahfuz (2003), o atendimento ao programa de necessi- dades não deve ser utilizado apenas como uma lista de espaços necessários, mas sim como um conjunto de atividades humanas que serão realizadas naquele espaço. Levar em consideração apenas o atendimento ao programa de necessidades seria desconsiderar que as construções são objetos perenes. Aldo Rossi (2001), no clássico Arquitetura da Cidade, chama a atenção para aquilo que denomina “funcionalismo ingênuo”, uma vez que as edificações serão usadas por décadas ou até mesmo séculos. Por este motivo, é preciso que o projeto seja flexível o suficiente para receber, de maneira satisfatória, novos usos. Além dos aspectos funcionais, as soluções adotadas podem ser avaliadas quanto a sua eficiência energética. Nos últimos anos, os selos de qualificação ambiental se tornaram um verdadeiro fetiche no mercado arquitetônico. À 11Programa de necessidades e anteprojeto Identificação interna do documento 9RPS73OHKU-X3BNCF1 parte da função mercadológica, também sustentam preocupações legítimas como as consequências sociais e ambientais da construção. Como foi dito no início deste tópico, os critérios utilizados para avaliar a qualidade de um projeto variam de acordo com a época e os valores vigentes. Alguns permanecem constantes, como o atendimento ao propósito da edifi- cação — feita a ressalva de que podem acumular tipos diferentes de usos ao longo da sua existência. Preocupações mais recentes, como as reflexões sobre os impactos sociais e ambientais da construção, começar a ser apontadas como critérios de avaliação. O partido arquitetônico deve traduzir o programa de necessidades, levando em consideração os condicionantes internos e externos ao projeto, e responder aos problemas e necessidades apresentados. A solução projetual apontada deve organizar as partes e fornecer condições para a materialização do projeto em uma obra construída. Como já tratado por J.N.L Durand no século XIX. Combinar entre si os diversos elementos, passar seguidamente às diferentes partes do conjunto; este é o caminho que deve ser seguido quando se aprende a compor [...]. Dado o programa de um edifício, deve-se examinar antes de tudo se, de acordo com o uso a que está destinado esse edifício, todas as partes que o compõem devem estar reunidas ou separadas, e se, consequentemente, deve oferecer em sua planta uma única massa ou várias; se essa massa ou massas devem ser cheias ou vazadas [...], examinar quais são as partes principais e quais que estão subordinadas a elas [...] (MARTINEZ, 2000, p. 20). Esta definição vai de encontro ao conceito do quaterno contemporâneo de Mahfuz, no qual os condicionantes internos ao projeto — programa, lugar e construção — devem ser sintetizados através do repertório de estruturas formais. A composição das partes deve responder a esses condicionantes para que exista uma arquitetura coerente com seu lugar, seu tempo e suafunção. ALIATA, F. Estrategias proyectuales: los géneros del proyecto moderno. Buenos Aires: Sociedad Central de Arquitectos, 2013. ASSOCIAÇ Ã O BRASILEIRA DE NORMAS TÉ CNICAS — ABNT. NBR 6492: representação de projetos de arquitetura. Rio de Janeiro, 1994. Programa de necessidades e anteprojeto12 Identificação interna do documento 9RPS73OHKU-X3BNCF1 DESCARTES, R. Discurso do método. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2011. GRACIA SORIA, F. Pensar, componer, construir: una teorí a (in)ú til de la arquitectura. San Sebastiá n: Nerea, 2013. GRASSI, G. Arquitectura lengua muerta y otros escritos. Barcelona: Ediciones del Serbal, 2003. GREGOTTI, V. Territó rio da arquitetura. Sã o Paulo: Perspectiva, 2010. INSTITUTO DE ARQUITETOS DO BRASIL. Roteiro para desenvolvimento do projeto de arquitetura da edificação. 2007. Disponível em: http://www.iab.org.br/sites/default/ files/documentos/roteiro-arquitetonico.pdf. Acesso em: 13 jul. 2019. MAHFUZ, E. C. Ensaio sobre a razão compositiva. Viçosa: UFV/AP, 1995. MAHFUZ, E. C. Reflexões sobre a construção da forma pertinente. In: LARA, F.; MAR- QUES, S. (org.). Projetar: desafios e conquistas da pesquisa e do ensino de projeto. Rio de Janeiro: Editora Virtual Científica, 2003. MARTÍ ARÍ S, C. Las variaciones de la identidad: ensayo sobre el tipo en arquitectura. Barcelona: Fundació n Caja De Arquitectos, 2014. MARTINEZ, A. C. Ensaio sobre o projeto. Brasília: UNB, 2000. QUARONI, L. Proyectar un edificio: ocho lecciones de arquitectura. Madrid: Xarait, 1980. ROSSI, A. A arquitetura da cidade. São Paulo: Martins Fontes, 2001. 13Programa de necessidades e anteprojeto Identificação interna do documento 9RPS73OHKU-X3BNCF1 Identificação interna do documento 9RPS73OHKU-X3BNCF1