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DESENVOLVIMENTO COGNITIVO 1 Sumário O Desenvolvimento da Criança nos Primeiros Anos de Vida ............................. 2 Os Estádios No Desenvolvimento Cognitivo ...................................................... 3 Os Fatores do Desenvolvimento e O Processo de Equilibração ...................... 15 O Papel da Interação no Desenvolvimento da Criança e na Construção do Conhecimento .................................................................................................. 15 O CONCEITO DE CONSTRUTIVISMO EM JEAN PIAGET ............................. 19 EPISTEMOLOGIA GENÉTICA ......................................................................... 19 ESTÁGIOS DO DESENVOLVIMENTO COGNITIVO EM PIAGET .................. 23 AS INTERAÇÕES SOCIAIS NA TEORIA DE PIAGET .................................... 30 AS IMPLICAÇÕES DA TEORIA DE PIAGET PARA AS QUESTÕES EDUCACIONAIS ............................................................................................ 32 O SOCIOINTERACIONISMO DE VYGOTSKY ................................................ 34 TEORIA HISTÓRICO CULTURAL ................................................................... 34 PENSAMENTO E LINGUAGEM ...................................................................... 36 A APRENDIZAGEM ......................................................................................... 36 A APLICABILIDADE DAS TEORIAS DE VYGOTSKY NO ENSINO SUPERIOR ....................................................................................................................... 40 AS IMPLICAÇÕES DA TEORIA DE VYGOTSKY PARA AS QUESTÕES EDUCACIONAIS ............................................................................................ 41 BREVE HISTÓRICO DA NEUROCIÊNCIA COGNITIVA ..................................... DESENVOLVIMENTO PERCEPTIVO E COGNITIVO ..................................... 43 Referências ...................................................................................................... 47 2 O Desenvolvimento da Criança nos Primeiros Anos de Vida Um primeiro aspecto geral que merece ser explicitado refere-se à concepção de conhecimento proposta por Piaget. Um dos pontos fundamentais desta concepção diz respeite ao sentido atribuído por Piaget à palavra “conhecer”: organizar, estruturar e explicar o mundo em que vivemos — incluindo o meio físico, as ideias, os valores, as relações humanas, a cultura de um modo mais amplo — a partir do vivido ou experienciado. Se, para Piaget, o conhecimento se produz a partir da ação do sujeito sobre o meio em que vive, só se constitui com a estruturação da experiência que lhe permite atribuir significação. A significação é resultado da possibilidade de assimilação. Conhecer significa, pois, inserir o objeto num sistema de relações, a partir de ações executadas sobre esse objeto. A pergunta fundamental, que Piaget formulou pela primeira vez aos 15 anos de idade (em 1911), orientou suas pesquisas ao longo de toda a sua vida: como o ser vivo consegue adaptar-se ao meio ambiente? A partir dessa pergunta liga, rapidamente, o problema da adaptação biológica ao problema do conhecimento, chegando a duas de suas ideias centrais. A primeira é que a adaptação biológica de todo organismo vivo, assim como toda conquista intelectual, se faz através da assimilação de um dado exterior, no sentido de transformação. O conhecimento não é uma cópia, mas uma integração em uma estrutura mental pré-existente que, ao mesmo tempo, vai ser mais ou menos modificada por esta integração. A segunda ideia central é que os fatores normativos do pensamento correspondem às relações, às necessidades de equilíbrio que se observam no plano biológico. Para Piaget o conhecimento é fruto das trocas entre o organismo e o meio. Essas trocas são responsáveis pela construção da própria capacidade de conhecer. Produzem estruturas mentais que, sendo orgânicas não estão, entretanto, programadas no genoma, mas aparecem como resultado das solicitações do meio ao organismo. A modificação entre o organismo e o ambiente ocorre por meio do que Piaget descreve como o processo de adaptação, que envolve dois aspectos 3 interdependentes: assimilação e acomodação. Inicialmente, o conceito de adaptação, presente na obra de Piaget, é inspirado pela Biologia clássica, onde sugere um fluxo irreversível. Com o tempo, em seus estudos subsequentes, Piaget vai atribuindo a adaptação o significado de um equilíbrio progressivo (ou equilíbrio majorante). Por fim, essa adaptação é vista como um processo dialético, no qual o indivíduo desenvolve suas funções mentais, algo que ele chama de “abstração reflexiva”. A adaptação do ser humano ao ambiente ocorre por meio da ação, que é o elemento central da teoria de Piaget, pois ela é responsável por transformar a interação com o objeto em conhecimento. Ao tentar se adaptar ao meio ambiente, o indivíduo utiliza dois processos fundamentais que compõem o sistema cognitivo em nível de seu funcionamento: a assimilação, ou seja, a incorporação de um elemento exterior (objeto, acontecimento etc.) a um esquema sensório-motor ou conceitual do sujeito, e a acomodação, ou seja, a necessidade de a assimilação considerar as particularidades próprias dos elementos a serem assimilados. No sistema cognitivo do sujeito, esses processos estão normalmente em equilíbrio. A perturbação desse equilíbrio gera um conflito ou uma lacuna diante do objeto ou evento, o que dispara mecanismos de equilibração. A partir de tais perturbações, produzem-se construções compensatórias que buscam um novo equilíbrio, melhor do que o anterior. Nas sucessivas desequilibrações e reequilibrações, o conhecimento exógeno é complementado pelas construções endógenas, que são incorporadas ao sistema cognitivo do sujeito. Nesse processo, que Piaget denomina processo de equilibração, constroem-se as estruturas cognitivas que o sujeito emprega na compreensão dos objetos, fatos e acontecimentos, levando ao progresso na construção do conhecimento. Os Estádios No Desenvolvimento Cognitivo A capacidade de organizar e estruturar a experiência vivida decorre da própria atividade das estruturas mentais, que funcionam seriando, ordenando, classificando e estabelecendo relações. Há um isomerismo entre a maneira como a criança organiza sua experiência e a lógica de classes e relações. Os diferentes níveis de expressão dessa lógica são o resultado do funcionamento das estruturas mentais em diferentes momentos de sua construção. Esse 4 funcionamento, explicitado na atividade das estruturas dinâmicas, produz, no nível estrutural, o que Piaget denomina "estádios" de desenvolvimento cognitivo. Os estádios representam as etapas pelas quais ocorre a construção do mundo pela criança. Para que se possa falar em estádio nos termos propostos por Piaget, é necessário, em primeiro lugar, que a ordem das aquisições seja constante. Trata- se de uma ordem sucessiva e não apenas cronológica, que depende da experiência do sujeito e não apenas de sua maturação ou do meio social. Além desse critério, Piaget propõe outras exigências básicas para caracterizar estádios no desenvolvimento cognitivo: 1°) Todo o estágio o tem de e ser integrador, ou u seja, as estruturas elaboradas em determinada etapa devem tornar-se parte integrante das estruturas das etapas seguintes; 2°) Um estádio corresponde a uma estrutura de conjunto que se caracteriza por suas leis de totalidade e não pela justaposição de propriedades estranhas umas às outras; 3°) Um estádio compreende, ao mesmo tempo, um nível de preparação e um nível de acabamento; 4°) É preciso distinguir, em uma sequência de estádios, o processo de formação ou génese e as formas de equilíbrio final. Com esses critérios,útil e necessário à adaptação do homem ao mundo” (RODRIGUES et al., 2005, p. 119). Terra (2011) descreve contribuições da teoria piagetiana para o processo de aprendizagem, como a possibilidade de estabelecer parâmetros a partir dos estágios de desenvolvimento, a valorização dos erros como estratégias durante as tentativas de aprendizagem e a compreensão sobre os diferentes estilos individuais de aprender. Em complemento a isso, Balestra (2007) explica que o educador piagetiano tenta fazer de suas aulas momentos dinâmicos, eliminando rituais tradicionais e prezando pelas diferenças individuais, pois considera que existem diversas maneiras de aprender e de expressar um mesmo conhecimento, e que ensinar é socializar o conhecimento através de práticas cooperativas. Assim, ao mesmo tempo em que ensina, está atento às diferentes maneiras de aprendizado expressadas pelos alunos e, a partir disso, propõe estratégias de ensino diversificadas. Em resumo, as implicações da teoria de Piaget para o processo de aprendizagem escolar dizem respeito a estudos e teorizações que dão um direcionamento bastante específico sobre como ocorre a evolução do pensamento humano, como o conhecimento é adquirido, as possibilidades e impossibilidades de aprendizagem em cada estágio e a importância da estimulação e vivência constante de novas experiências. 34 O SOCIOINTERACIONISMO DE VYGOTSKY TEORIA HISTÓRICO CULTURAL Não há como introduzir as conceituações vygotskyanas sobre o desenvolvimento sem pontuar a centralidade do histórico e do cultural nessa teoria, em que o homem é concomitantemente produto e produtor de sua história pela e na interação social. Com influências da teoria marxista e do materialismo histórico-dialético, Vygotsky (1991) acredita que as alterações históricas na sociedade e a vida material produzem mudanças na natureza humana. As concepções desse autor sobre o desenvolvimento cognitivo trazem que este é produzido pelo processo de internalização da interação social com materiais fornecidos pela cultura, sendo que esse processo se constrói de fora para dentro. Para ele, o cérebro humano é a base biológica, e sua especificidade define limites e possibilidades para o desenvolvimento humano. Esse entendimento fundamenta a ideia de que as funções psicológicas superiores, como a linguagem e a memória, são construídas ao longo da história social do homem em sua relação com o mundo. Assim, essas funções referem-se a processos voluntários, ações conscientes, mecanismos intencionais e dependem de processos de aprendizagem. Dessa forma, o papel do social no desenvolvimento é muito mais marcante para Vygotsky do que para Piaget. O pensamento de Vygotsky sobre o desenvolvimento humano se relaciona fortemente, como explica Leite et al. (2009), à ideia da produção da cultura a partir das relações humanas, buscando conceituar o desenvolvimento intelectual a partir das relações histórico-sociais. Para ele, o conhecimento humano é formado pelas e nas relações sociais. Assim, com a aprendizagem, o sujeito internaliza as determinações históricas e culturais do contexto em que vive e as recria, sendo produto e produtor da realidade histórica. Conforme os mesmos autores, tendo sua base teórica no materialismo histórico, Vygotsky demonstrou que as origens das formas superiores de comportamento consciente deveriam ser buscadas na atividade prática, nas relações sociais que os sujeitos mantêm com o mundo exterior. Assim, para entender o que é especificamente humano, é preciso, para esse autor, se libertar das limitações do organismo, tecendo formulações que compreendam como os 35 processos orgânicos/maturacionais entrelaçam-se aos processos culturalmente determinados para produzir funções superiores. Entende-se que o desenvolvimento não precede a socialização; são as estruturas e relações sociais que levam ao desenvolvimento das funções mentais, ou seja, a aprendizagem é a força propulsora do desenvolvimento intelectual. Sendo o desenvolvimento socialmente construído, o que é inato, ou seja, a estrutura fisiológica, é insuficiente para produzir o que chamamos de humano. Dessa forma, o desenvolvimento não é um processo previsível e gradual, mas sim depende de como o indivíduo interage com o meio, já que o desenvolvimento do psiquismo humano é sempre mediado pelo outro. Para Vygotsky (1991), a aprendizagem provoca e precede, sendo uma força para que o desenvolvimento aconteça. Sobre isso, Davis et al. (1989) corrobora, dizendo que a interação social está intimamente ligada à proposta de Vygotsky (1991), já que ele se utiliza de uma visão de homem essencialmente social, que prega que é na relação com o próximo, numa atividade prática comum, que os sujeitos, por intermédio da linguagem, se constituem e se desenvolvem. Assim, o ser humano difere dos outros animais por não estar limitado à sua própria experiência pessoal e/ou suas próprias reflexões. Ao contrário, a experiência individual alimenta-se, expande- se e aprofunda-se graças à apropriação da experiência social, que é veiculada pela linguagem, estando as origens das formas superiores de pensamento e comportamento nas relações sociais que o sujeito mantém com o mundo exterior. Consequentemente, o homem só se torna homem pelo contato social. Assim, é correto afirmar, a partir da teoria Histórico-Cultural, que a forma como as funções psicológicas superiores se manifesta está intrinsecamente ligada à história social do homem. O conhecimento se dá nas relações sociais, produzido na intersubjetividade e marcado por condições culturais, sociais e históricas. Para Vygotsky (1991), a criança nasce apenas com as funções cognitivas elementares, que se ampliam para as funções complexas a partir do contato com a cultura. O que não acontece automaticamente, mas sim por meio das 36 intermediações de outros sujeitos, sendo essas intermediações responsáveis por formar significados e valores sociais e históricos. O que proporciona a particularidade das subjetividades individuais é a forma como os conteúdos culturais são combinados e processados no interior de cada um de nós. Da mesma forma, o desenvolvimento mental ocorre de maneira única em cada pessoa, a partir de como o mundo é experienciado, e “a cultura se torna parte da natureza humana, num processo histórico, que ao longo do desenvolvimento da espécie e do indivíduo, molda o funcionamento psicológico do homem” (OLIVEIRA, 1992, p. 24). Como explica Kramer et al. (1991), a teoria sócio-histórica busca a compreensão de aspectos da dinâmica da sociedade e da cultura que interferem ativamente no curso do desenvolvimento do sujeito, transformando tanto sua relação com a realidade como sua consciência sobre ela. Para Vygotsky (1991), as estruturas do pensamento dos sujeitos se alteram ao longo da história, e essas mudanças estão enraizadas na cultura, que fornece elementos que circulam e integram as subjetividades. PENSAMENTO E LINGUAGEM As análises de Vygotsky (1989) sobre a construção do conhecimento e do pensamento estabelecem a unidade dinâmica entre pensamento e linguagem, que diferem em sua gênese, mas que, ao longo do desenvolvimento, se transformam em um todo indissociável. Pensamento e linguagem são processos interdependentes, sendo que a aquisição da linguagem pela criança modifica suas funções mentais superiores, dando forma definida ao pensamento e possibilitando a imaginação, a memória e o planejamento da ação. No contexto das relações sociais, de acordo com Oliveira (1992), a linguagem é essencial como sistema simbólico de mediação entre os indivíduos e entre estes e o mundo. Possui as funções de pensamento generalizante e intercâmbio social, pois, ao ordenar as experiências, produz significados que 37podem ser compartilhados e, assim, intermediam as relações sociais. Nas palavras de Vygotsky: "O sistema de signos reestrutura a totalidade do processo psicológico, tornando a criança capaz de dominar seu movimento. Ela reconstrói o processo de escolha em bases totalmente novas. O movimento descola-se, assim, da percepção direta, submetendo-se ao controle das funções simbólicas incluídas na resposta de escolha. Esse desenvolvimento representa uma ruptura fundamental com a história do comportamento e inicia a transição do comportamento primitivo dos animais para as atividades intelectuais superiores dos seres humanos" (VYGOTSKY, 1984, p. 39-40). Ao se pressupor, conforme Rodrigues et al. (2005), a internalização da língua como discurso interior, entende-se que a linguagem é um instrumento do pensamento. Assim, tudo o que é produzido culturalmente e está conectado à linguagem afeta o modo de pensar dos sujeitos. De acordo com Basso (2011), a teoria histórico-cultural entende que o homem se produz na e pela linguagem, pois a relação entre o homem e o mundo é uma relação mediada, na qual, entre o sujeito e a experiência, existem elementos que auxiliam a atividade humana. Esses elementos são os signos e os instrumentos. Os instrumentos são objetos sociais por ampliarem as possibilidades de transformar a natureza, e os signos auxiliam nas ações concretas e nos processos psicológicos superiores, organizando-os. Os signos, de acordo com Vygotsky (1989), constituem-se ao mesmo tempo como fenômenos do pensamento e da linguagem, estando intercruzados através da fala significativa e do pensamento verbal, mas preservando características estruturais específicas, na medida em que: "A estrutura da linguagem não é um simples reflexo especular da estrutura do pensamento. Por isso, o pensamento não pode usar a linguagem como um traje sob medida. A linguagem não expressa o pensamento puro. O pensamento não se expressa na palavra, mas se realiza nela" (VYGOTSKY, 1993, p. 298). Porém, é relevante destacar, pela utilidade prática que esse entendimento possui, que, conforme Siqueira e Nuernberg (1998), a expressão do pensamento 38 por meio da linguagem promove a reorganização deste. O trânsito dos significados das palavras possui um caráter de constante transformação. A APRENDIZAGEM É essencial na teoria de Vygotsky a compreensão de que a aprendizagem impulsiona o desenvolvimento, sendo um processo contínuo e intrinsecamente ligado às relações sociais. Ao nascer, a criança é imersa no universo simbólico e na linguagem, e, ao se relacionar, essa linguagem passa a ser dela também, organizando os processos mentais e impulsionando novas buscas. "A aprendizagem desperta processos internos de desenvolvimento que somente podem ocorrer quando o indivíduo interage com outras pessoas" (OLIVEIRA, 1992, p.33). Conforme Leite et al. (2009), por meio do aprendizado, a criança internaliza a vida intelectual dos que a cercam e, assim, se constitui como algo universal e indispensável ao desenvolvimento das características psicológicas "especificamente humanas e culturalmente organizadas" (p.206). Para lidar com a aprendizagem das crianças na concepção sócio- histórica, é necessário atentar-se não apenas para o que ela realiza sozinha, mas para o que faz com ajuda, pistas e orientação de alguém mais habilidoso na tarefa a ser realizada. Para isso, Vygotsky (1984) diferencia Desenvolvimento Potencial, Desenvolvimento Real e Zona de Desenvolvimento Proximal. Zona de Desenvolvimento Potencial: refere-se a toda atividade e/ou conhecimento que a criança ainda não domina, mas que se espera que seja capaz de saber e/ou realizar, independentemente da cultura em que está inserida. Zona de Desenvolvimento Real: é tudo aquilo que a criança é capaz de realizar sozinha, conquistas já consolidadas, "processos mentais que já se estabeleceram; ciclos de desenvolvimento que já se completaram" (LEITE et al, 2009, p.206). Nessa zona, pressupõe-se que a criança já tenha conhecimentos prévios sobre as atividades que realiza. 39 Zona de Desenvolvimento Proximal: é a distância entre o que a criança já pode realizar sozinha e aquilo que ela somente é capaz de desenvolver com auxílio de outra pessoa. Na zona de desenvolvimento proximal, o aspecto fundamental é a realização de atividades com a ajuda de um mediador, que possibilita a concretização do desenvolvimento que está próximo, ajudando a transformar o desenvolvimento potencial em desenvolvimento real. Assim, conforme Vygotsky (1984), essa é a zona cooperativa do conhecimento. Leite et al. (2009) destacam a importância dessa zona para o entendimento do desenvolvimento infantil e seus desdobramentos educacionais, pois possibilita a compreensão da dinâmica interna do desenvolvimento individual, não apenas dos ciclos já completados, mas também dos que estão em vias de formação. Isso permite o delineamento das competências atuais da criança e suas possibilidades de conquistas futuras, oferecendo estratégias pedagógicas que auxiliem nesse processo. Assim, além de ser importante discriminar o nível de desenvolvimento real (o que a criança realiza sozinha), é preciso identificar o nível de desenvolvimento potencial (o que ela faz com ajuda). A distância entre o nível real e o potencial configura a zona de desenvolvimento proximal, na qual ocorrem as aprendizagens, pois o que hoje a criança faz com ajuda, amanhã fará sozinha. A importância de considerarmos a zona de desenvolvimento proximal não significa que possamos ensinar qualquer coisa a qualquer criança, pois o auxílio deve ser significativo para ela, para que possa apropriá-lo, fazendo-o parte do seu desenvolvimento real. A criança não passa a ser social com o desenvolvimento, ela é um ser social desde que nasce. Ao longo do desenvolvimento, ela vai trocando os significados dos objetos e das palavras com os parceiros de seu contexto cultural e, a partir daí, ocorre o aprendizado. Dessa forma, é importante também conceituar a ideia de mediação, que é um elemento fundamental para a constituição dos processos mentais superiores. Segundo Oliveira (1997, p.26), a mediação consiste em um 40 “processo de intervenção de um elemento intermediário numa relação; a relação deixa, então, de ser direta e passa a ser mediada por esse elemento”. Na mediação simbólica, os signos ficam entre os sujeitos e os objetos do mundo, funcionando como representação social dos objetos e mediando a relação do homem com o mundo e com outros homens. É a partir da mediação simbólica que ocorrem as funções mentais superiores e, consequentemente, o aprendizado. Os signos auxiliam os processos psicológicos, organizando-os, e também “oferecem suporte concreto para a ação do homem no mundo” (OLIVEIRA, 1993, p.34). A APLICABILIDADE DAS TEORIAS DE VYGOTSKY NO ENSINO SUPERIOR Atualmente, é notável a importância de Vygotsky nos cursos superiores, principalmente nos de formação de professores, onde suas teorias são aplicadas nas mais diversas áreas do conhecimento, não apenas na Pedagogia. Dentro de sua influência na formação de professores, algumas linhas defendem que “a universidade necessita de uma nova organização, englobando e resinificando a maneira da sociedade produzir, criar e difundir seus valores, de forma a promover a melhoria da condição humana em suas múltiplas dimensões” (CARDOSO, 2004, p. 132). No entanto, o ensino superior no Brasil enfrenta um grande desafio em relação aos alunos ingressantes nos cursos de licenciatura, pois muitos acabam escolhendo esses cursos pelo menor custo ou pela falta de disponibilidade de outras opções, o que torna evidente que o aluno universitário necessita de uma atenção especial. Isso se deve ao fato de que os desafios encontrados na adaptação ao curso superiordevem estimular a transição da adolescência para a vida adulta, sem gerar consequências negativas no aproveitamento acadêmico desses estudantes. Em relação a isso, Cardoso (2004) defende que a universidade deveria implementar programas de intervenção psicopedagógica que facilitassem a adaptação acadêmica e minimizassem o impacto educacional sobre esses alunos. 41 Esse processo evidencia a questão preocupante da educação brasileira. Em um trabalho recente realizado na cidade de Curitiba, foram coletados dados de 40 professores da rede pública de ensino, e os resultados mostraram que, no que diz respeito ao conhecimento sobre Vygotsky, 75% afirmaram conhecer suas teorias, enquanto 25% não tinham nenhum conhecimento sobre o autor. Quanto à linha pedagógica que seguiam, foram mencionadas: a histórico-crítica, a construtivista e, principalmente, a sócio-interacionista. Além disso, 100% dos educadores afirmaram considerar o contexto histórico de seus alunos e as informações que eles já detêm para trabalhar os conteúdos (OLIVEIRA, 1993). Isso evidencia que, mesmo com uma formação baseada em teorias ou pelo menos com algum conhecimento sobre os trabalhos de Vygotsky, uma boa parte dos professores ainda conhece pouco sobre o assunto, o que é de extrema importância para seu trabalho pedagógico. Nesse contexto, a teoria socioconstrutivista continua a ser essencial na formação do professor, pois, segundo Pino (2002), "se ignorar a história do meio, pode-se ver a criança como uma 'abstração genérica' ou implantar nela a ilusão de um 'futuro impossível'; levar em conta a história do meio pode conduzir à implantação da consciência do próprio fracasso e à desistência de toda a educação. O desafio, enquanto essas condições não forem transformadas, é levar em conta a história do meio e conseguir implantar na criança a consciência da sua realidade e da sua possibilidade real de superação das limitações que ela lhe impõe" (p. 60). AS IMPLICAÇÕES DA TEORIA DE VYGOTSKY PARA AS QUESTÕES EDUCACIONAIS A neurociência moderna, fundamentada em descobertas individuais que desvelaram os mistérios do cérebro e sua relação com o comportamento humano, tem uma longa trajetória marcada por avanços e revisões. Durante o século XIX, Franz Joseph Gall, frenologista, propôs que as saliências do crânio refletiam as circunvoluções cerebrais e estavam associadas a traços de personalidade, como generosidade e timidez. Ele sugeriu que a prática de 42 determinadas funções mentais causava o aumento de determinadas regiões cerebrais, o que distorcia o crânio. Embora o localizacionismo cerebral proposto por Gall fosse pioneiro, seus métodos e conclusões foram refutados, sendo a frenologia posteriormente descartada como pseudociência, mas seu trabalho teve importância histórica na evolução da neurociência moderna (BEAR; CONNORS; PARADISO, 2002; KANDEL; SCHWARTZ; JESSELL, 1997). Mais tarde, o neurologista francês Paul Broca (1861) influenciou a comunidade científica ao demonstrar que a capacidade de fala está localizada em uma área específica do cérebro. Ao estudar pacientes com dificuldades de fala, mas sem danos nas vias motoras, Broca identificou uma lesão no lobo frontal esquerdo, a região hoje conhecida como área de Broca, crucial para a expressão da fala. Esse trabalho levou à busca por áreas corticais responsáveis por outras funções comportamentais. Em 1870, Fritsch e Hitzig, ao estimularem eletricamente o cérebro de cães, mostraram que áreas específicas do córtex controlam movimentos, como os dos membros. Isso consolidou a ideia de que certas funções motoras e cognitivas são controladas por regiões cerebrais específicas, com o hemisfério esquerdo sendo predominantemente responsável por funções como fala e pensamento lógico (KANDEL; SCHWARTZ; JESSELL, 1997). A partir dessas descobertas, Carl Wernicke (1876) ampliou a compreensão sobre a linguagem, descrevendo um tipo de afasia que afetava a compreensão verbal. Ele sugeriu que, ao contrário do que Gall propunha, as funções mentais mais complexas não estariam localizadas em áreas específicas, mas sim em redes de regiões cerebrais interconectadas. Essa proposta de processamento distribuído se tornou central para a compreensão moderna do cérebro. Com o tempo, outras áreas do cérebro foram mapeadas, revelando uma complexa rede de especializações, mas também interdependências. Michael Posner e Marcus Raichle (1988) demonstraram que as emoções, assim como funções motoras e cognitivas, são anatomicamente definidas, embora a localização exata das emoções ainda seja uma questão de pesquisa. 43 No final do século XIX, os cientistas Camillo Golgi e Santiago Ramón y Cajal revolucionaram a neurociência ao descrever detalhadamente a estrutura das células nervosas. Golgi desenvolveu uma técnica para corar neurônios e visualizá-los ao microscópio, enquanto Cajal, com o uso das técnicas de Golgi, identificou a natureza unitária do neurônio e a direção da transmissão de sinais elétricos. Essas descobertas formaram a base do entendimento atual das conexões neurais (GAZZANIGA; IVRY; MANGUN, 2006). No século XX, Korbinian Brodmann usou a citoarquitetura para mapear 52 áreas distintas no córtex cerebral, um trabalho que mais tarde foi confirmado por estimulações elétricas e neurocirurgias em pacientes. Estudos mais recentes de George Ojemann descobriram que as redes neurais para a linguagem são mais amplas do que as identificadas por Broca e Wernicke, mostrando a complexidade das redes cerebrais. O desenvolvimento de tecnologias, como a Imagem por Ressonância Magnética Funcional (IRMf) e a Tomografia por Emissão de Pósitrons, a partir da década de 1990, permitiu visualizações mais precisas das atividades cerebrais durante processos cognitivos específicos, estabelecendo um novo marco na neurociência (EYSENCK; KEANE, 2007). Em resumo, as contribuições históricas de figuras como Gall, Broca, Wernicke e outros pavimentaram o caminho para a neurociência moderna, que hoje usa tecnologias avançadas para mapear e compreender de forma precisa a complexidade e especialização do cérebro humano. DESENVOLVIMENTO PERCEPTIVO E COGNITIVO Entender o desenvolvimento de habilidades mentais é fundamental para compreender a organização e o funcionamento da mente humana. Uma abordagem comum em neurociência é correlacionar a maturação de funções cognitivas específicas com um estágio particular do desenvolvimento neural. Segundo Gazzaniga, Ivry e Mangun (2006), a diferença existente entre as capacidades dos recém-nascidos e a dos adultos é visível. Recém-nascidos não caminham, não seguram objetos, não falam nem compreendem quando falamos com eles. Essas diferenças podem ser elucidadas de duas maneiras: os recém- 44 nascidos podem ter todas as capacidades dos adultos, mas ainda não obtiveram, pela experiência, suas habilidades; e, em contraste, os recém-nascidos podem diferir dos adultos em capacidades neurais e/ou cognitivas. A primeira hipótese coloca os recém-nascidos como possuidores de um circuito neural completamente formado, à espera das aferências e dos sinais do ambiente para que o desenvolvimento ocorra. A última propõe que os recém-nascidos ainda não possuem estruturas neurais e cognitivas para agir como um adulto e que esse desenvolvimento abarca mudanças radicais e qualitativas. Essa visão tem sido amplamente aceita pelas teorias do desenvolvinto, com base em evidências tanto neurais quanto psicológicas. Uma teoria clássica de que recém-nascidos diferem significativamente dos adultos vem do cientista suíço Jean Piaget. Piaget considerava que a aquisição do conhecimento é um processo e, como tal, deveria ser estudado de maneira histórica, abarcando o modo como o conhecimento muda e evolui. Desse modo,define sua epistemologia genética como a disciplina que estuda os mecanismos e processos pelos quais se passa de “[...] estados de menor conhecimento aos estados de conhecimento avançado.” (PIAGET, 1971, p.8). Para Piaget, no processo de aquisição de novos conhecimentos, o sujeito é um organismo ativo que seleciona as informações que lhe chegam do mundo exterior, filtrando-as e dando-lhes sentido. (PIAGET, 1971). Conhecer, em sua percepção, é atuar diante da realidade, modificando-a por meio de ações. Nesse sentido, atuar não significa essencialmente realizar movimentos e ações externas. Esse seria o caso de crianças pequenas, que precisam manipular a realidade que as envolve para entendê-la. Na maioria dos casos, essa atividade é interna, mental, ainda que possa se basear em objetos físicos. Ao contar, comparar, classificar, embora haja imobilidade do sujeito, ele está ativo mentalmente. De acordo com Piaget, todas as crianças passam por quatro estágios cognitivos mais ou menos na mesma idade, independentemente da cultura em que vivem. Nenhum estágio pode ser omitido, uma vez que as habilidades adquiridas em estágios anteriores são essenciais para os estágios seguintes. 45 No estágio sensório-motor, a criança explora o mundo e desenvolve seus esquemas principalmente por meio de seus sentidos e atividades motoras. Vai do nascimento até o período de “linguagem significativa” (por volta de 2 anos). Durante esse estágio, as crianças têm conceitos rudimentares dos objetos de seu mundo. Um conceito adquirido durante esse estágio é o de permanência do objeto: habilidade de saber que um objeto não deixa de existir simplesmente porque saiu de nosso campo de visão. Aos quatro meses, crianças que brincam com um objeto que será depois escondido agem como se ele jamais tivesse existido. Ao contrário, um bebê com 10 meses procura ativamente um objeto que foi escondido embaixo de um pano ou por trás de uma tela. “Ele tem a consciência de que o objeto continua existindo, mesmo quando não está visível.” (PIAGET; INHELDER, 2003, p.20). O sucesso em tarefas como essa marca o fim do estágio de inteligência sensório-motora, pois é o resultado de uma habilidade recém-desenvolvida para representar objetos e atos que não estão mais em seu campo de visão. Assim, as crianças exibem a permanência de objetos quando não têm mais dificuldade de conceitualizar a presença de um objeto fora do campo de visão. Estudos sugerem que Piaget possa ter subestimado as habilidades infantis, questionando sobre a natureza limitada das capacidades de um recém- nascido no domínio da integração sensório-motora, da integração intermodal e da percepção de objetos. Os críticos de Piaget argumentam que um recém- nascido tem alguma forma de integração de experiências sensoriais por meio das modalidades da visão, da audição e do tato. Por exemplo, crianças recém- nascidas, quando dado suporte de cabeça adequado, podem buscar localizar, visualmente, a origem de sons emitidos no ambiente. Isso sugere uma habilidade bem-desenvolvida de integração intermodal visual e auditiva. (GAZZANIGA; IVRY; MANGUN, 2006). Baillageron (1990) demonstrou que crianças pequenas de apenas alguns meses normalmente percebem objetos parcialmente escondidos. Ela mostrava um objeto para as crianças e colocava-o atrás de um painel vertical que impedia sua visão. O painel era, então, derrubado de duas formas distintas. Na primeira, o painel era derrubado e batia no objeto colocado atrás dele, como seria 46 esperado. Na segunda, o painel era derrubado, mas o objeto havia sido removido secretamente, fazendo com que o painel caísse direto na superfície da mesa. Nestas tarefas, as crianças mostravam mais surpresa na segunda condição do que na primeira. Após vários estudos em cognição, Flavell et al. (1999) assim se manifestam a respeito da teoria de Piaget quanto aos estágios: A teoria de Piaget, entretanto, não faz afirmações apenas gerais, mas muito fortes e específicas a respeito da preponderância dos estágios da cognição em bebês, e estas afirmações não têm se sustentado em pesquisas recentes. Existem simplesmente muitos exemplos de competência mais precoce do que a esperada, muitas discrepâncias no nível de desempenho que não parecem depender dos processos construtivos de ação sobre o mundo com os quais Piaget definiu seus estágios. (FLAVELL, et al., 1999, p.64). No modelo de Piaget, temos ainda três estágios que seguem o estágio de inteligência sensório-motora. No estágio pré-operacional (dos 2 aos 7 anos), a linguagem progride substancialmente e a criança começa a pensar simbolicamente, usando símbolos, tais como palavras, para representar conceitos. No entanto, a criança ainda não consegue fazer operações ou processos mentais reversíveis. Neste estágio, a criança também é egocêntrica, isto é, não consegue distinguir suas próprias perspectivas das de outras pessoas, nem consegue entender que há pontos de vista diferentes dos seus. (PIAGET, 1971). Dos 7 aos 11 anos, encontra-se o estágio de operações concretas. Nesse período, há a emergência de muitas habilidades importantes de raciocínio. O pensamento da criança, agora mais organizado, possui características de uma lógica de operações reversíveis. Entretanto, durante esse estágio, elas inicialmente podem realizar operações quantitativas somente com eventos concretos. Não são capazes de operar com hipóteses. (PIAGET, 1971). E, dos 11 anos em diante, durante o estágio de operações formais, as crianças aprendem a fazer representações abstratas de relações, de acordo com Piaget. Crianças nessa idade podem generalizar relações matemáticas e manifestar 47 pensamento hipotético-dedutivo – a habilidade de gerar e testar hipóteses sobre o mundo. Piaget trouxe contribuições importantes, delimitando a linha do tempo do desenvolvimento cognitivo e tentando mostrar quando as crianças são capazes de realizar tarefas perceptivas, motoras e cognitivas complexas. O fato de que a idade exata para um processo particular possa ocorrer antes do que Piaget propôs, ou de que os estágios descritos por Piaget possam ser mais graduais do que os mencionados, não diminui significativamente o valor de seu conceito de desenvolvimento cognitivo. Além disso, descrever uma linha do tempo de maturação cognitiva é, com modificações adequadas, útil, porque um objetivo da neurociência cognitiva é relacionar a linha do tempo de desenvolvimento cognitivo com o desenvolvimento neural para esclarecer as bases biológicas da cognição. Referências PIAGET, J. A construção do real na criança. Rio de Janeiro: Zahar, 1970. _______. A representação do mundo na criança. Rio de Janeiro: Zahar, 1971. _______. Biologia e conhecimento. Petrópolis: Vozes, 1973. _______. O nascimento da inteligência na criança. Rio de Janeiro: Zahar, 1974. _______. A formação do símbolo na criança. Rio de Janeiro: Zahar, 1976a. _______. A equilibração das estruturas cognitivas: problema central do desenvolvimento. Rio de Janeiro: Zahar, 1976b. _______. O julgamento moral na criança. São Paulo: Mestre Jou, 1977. _______. A epistemologia genética. Rio de Janeiro: Vozes, 1971. ______.; INHELDER, B. A psicologia da criança. Rio de Janeiro: Difel, 2003. NEUROCIÊNCIA COGNITIVA E DESENVOLVIMENTO HUMANO _______. Princípios da neurociência. 4. ed. São Paulo: Manole, 2003. LEDOUX, J. Synaptic self: how our brains become who we are. New York: Viking, 2002. 48 LEONARDO, E. D.; HEN, R. Genetics of affective and anxiety disorders. Annual Review of Psychology, Palo Alto, v. 57, p. 117-137, 2006. MENDONÇA, L. I. Z.; AZAMBUJA, D. A.; SCHLECHT, B. B. G. Neuropsicologia no Brasil. In: ______. Neuropsicologia: teoria e prática. Porto Alegre: Artmed, 2008. p. 411-424. MOURÃO-JÚNIOR, C. A.; ABRAMOV,D. M. Fisiologia essencial. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2011. PINHEIRO, M. Fundamentos de neuropsicologia: o desenvolvimento cerebral da criança. Vita et Sanitas, Goiânia, v. 1, n. 1, 2007. PINHEIRO, M. A inteligência: uma contribuição da biologia ao processo educativo. Revista Educar, Curitiba, n. 12, p. 39-49, 1996. POSNER, M. I.; ROTHBART, M. K. Influencing brain networks: implications for education. 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O desenvolvimento por estádios sucessivos realiza, em cada um desses estádios, um "patamar de equilíbrio", constituindo-se em "degraus" em direção ao equilíbrio final: assim que o equilíbrio é atingido em um ponto, a estrutura é integrada em um novo equilíbrio em formação. Os diversos estádios ou etapas 5 surgem, portanto, como consequência das sucessivas equilibrações de um processo que se desenvolve ao longo do tempo. Eles seguem um itinerário equivalente a um "creodo" (sequência necessária de desenvolvimento) e pressupõem uma duração adequada para a construção das competências cognitivas que os caracterizam, sendo que cada estádio resulta necessariamente do anterior e prepara a integração do seguinte. O "creodo" é, então, o caminho a ser percorrido na construção da inteligência humana, que vai do período sensório-motor (0-2 anos) aos períodos simbólico ou pré-operatório (2-7 anos), lógico-concreto (7-12 anos) e formal (12 anos em diante). É importante esclarecer que os estádios indicam as possibilidades do ser humano (sujeito epistêmico), não se referindo aos indivíduos (sujeitos psicológicos) em si mesmos. A concretização ou realização dessas possibilidades dependerá do meio no qual a criança se desenvolve, uma vez que a capacidade de conhecer é resultado das trocas do organismo com o meio. Da mesma forma, essa capacidade de conhecer depende também da organização afetiva, já que a afetividade e a cognição estão sempre presentes em toda a adaptação humana. O Estádio da Inteligência Sensório-Motora (0 a 2 anos) O período sensório-motor é de fundamental importância para o desenvolvimento cognitivo. Suas realizações formam a base de todos os processos cognitivos do indivíduo. Os esquemas sensório-motores são as primeiras formas de pensamento e expressão; são padrões de comportamento que podem ser aplicados a diferentes objetos em diferentes contextos. A evolução cognitiva da criança nesse período pode ser descrita em seis subestádios nos quais estabelecem-se as bases para a construção das principais categorias do conhecimento que possibilitam ao ser humano organizar a sua experiência na construção do mundo: objeto, espaço, causalidade e tempo. Subestádio I: O Exercício dos Reflexos (até 1 mês) Os primeiros esquemas do recém-nascido são esquemas reflexos: ações espontâneas que surgem automaticamente em presença de certos estímulos. 6 Nas primeiras vezes que se manifestam os esquemas reflexos apresentam uma organização quase idêntica. A estimulação de qualquer ponto de zona bucal do bebê, por exemplo, desencadeia imediatamente o esquema reflexo de sucção; uma estimulação da palma da mão provoca, automaticamente, a reação reflexa de preensão. Os esquemas reflexos caracterizam a atividade cognitiva da criança no seu primeiro mês de vida. Subestádio II: As Primeiras Adaptações Adquiridas e a Reação Circular Primária (1 mês a 4 meses e meio) No transcorrer dos intercâmbios da criança com o meio ambiente, logo os esquemas reflexos vão mostrar certos desajustes, exigindo transformações. O que provoca tais desajustes são as resistências encontradas na assimilação dos objetos ao conjunto de ações. Estes desajustes vão ser compensados por uma acomodação do esquema. Correspondem a uma perda momentânea de equilíbrio dos esquemas reflexos. Os reajustes que possibilitam o êxito consistem na obtenção momentânea de um novo equilíbrio. É através desse jogo de assimilação e acomodação, de desequilíbrios e reequilíbrios, que os esquemas reflexos passam por um processo de diferenciação, possibilitando a construção de novos esquemas adaptados a novas classes de situações e objetos que vão caracterizar o início do segundo subestádio. Estes novos esquemas já não são apenas esquemas reflexos, uma vez que resultam de uma construção. São os esquemas de ação: novas organizações de ações que se conservam através das situações e objetos aos quais se aplicam. Simultaneamente a esse processo de diferenciação dos esquemas reflexos iniciais, há também um processo de coordenação dos esquemas disponíveis que dá origem, igualmente, a novos esquemas. A coordenação entre os esquemas de olhar e pegar é um exemplo de um novo esquema desse tipo, que será seguido por muitos outros de complexidade crescente nas etapas seguintes: apanhar o que vê e levar à boca, apanhar o que vê para esfregar na grade do berço e explorar o ruído que isso provoca etc. 7 No decorrer do segundo mês, surgem duas novas condutas típicas do início desse período: a protrusão da língua e a sucção do polegar, que caracterizam a reação circular primária, na qual o resultado interessante descoberto por acaso é conservado por repetição. A reação circular primária refere-se a procedimentos aplicados ao próprio corpo da criança. Esta é a fase em que as ações ou operações de deslocamento da criança são realizadas mediante “grupos práticos”, através da coordenação motora, sem dar origem ainda à representação mental. A ação é que cria o espaço; a criança não tem consciência dele. Os espaços criados pela ação — oral, visual, tátil, postural, auditivo etc. — ainda não são coordenados entre si, portanto, são heterogêneos. A criança parece considerar o mundo como um conjunto de quadros que aparecem e desaparecem. O tempo é simples duração sentida no decorrer da ação própria. Neste subestádio das primeiras adaptações adquiridas, as condutas observadas ainda não são inteligentes no seu verdadeiro sentido. Elas fazem a transição entre o orgânico e o intelectual, preparando a inteligência. Subestádio III: As Adaptações Sensório-Motoras Intencionais e as Reações Circulares Secundárias (4 meses e meio a 8-9 meses) A terceira etapa desse período caracteriza-se pelo surgimento das reações circulares secundárias voltadas para os objetos. Pode-se defini-las como movimentos centralizados sobre um resultado produzido no ambiente exterior, com o único propósito de manter esse resultado. Após ter aplicado as reações circulares sobre o corpo próprio, a criança vai, pouco a pouco, utilizando esse procedimento sobre os objetos exteriores. Vai, então, elaborando o que Piaget chama de reações circulares secundárias, que marcam a passagem entre a atividade reflexa e a atividade propriamente inteligente. Pela primeira vez aparece um elemento de previsão de acontecimentos. A reação circular só começa quando um efeito causal, provocado pela ação da criança, é percebido como resultado desta ação. Por isso, se até então tudo era para ser visto, escutado, tateado, agora tudo é para ser sacudido, balançado, esfregado etc., conforme as diversas diferenciações dos esquemas manuais e visuais. 8 Os esquemas secundários são o primeiro esboço do que serão as classes ou os conceitos da inteligência refletida do jovem adulto. Apreender um objeto como sendo para sacudir, esfregar etc., é o equivalente funcional da operação de classificação do pensamento conceitual. Paralelamente a esta construção, constitui-se a conservação do objeto permanente. Nesse período, as crianças têm as primeiras antecipações de movimentos relacionados à trajetória de um objeto e já conseguem distingui-lo quando semioculto. Mas o objeto existe apenas em ligação com a ação própria. O mundo é, portanto, um mundo de quadros cuja permanência é mais longa, mundo que a criançaprocura fazer durar mais longamente, mas que se desvanece como antes. No terreno espacial, a criança mostra-se capaz de perceber, de modo prático, um conjunto de relações centralizadas em si própria (grupos subjetivos). A visão e a preensão já estão coordenadas. Começa a formar-se a noção de sucessão e há o início de consciência de “antes” e “depois”, embora, para a criança dessa fase, o tempo das coisas seja apenas a aplicação a estas do tempo próprio: o “antes” e o “depois” são relativos à sua própria ação. Há, também, alguma apreciação da causalidade, em ligação com as ações imediatas da criança, na procura das causas de acontecimentos e percepções inesperados. A causalidade é experimentada como resultado da própria ação. Subestádio IV: A Coordenação dos Esquemas Secundários e sua Aplicação Às Situações Novas (8-9 Meses A 11-12 Meses) A principal novidade do quarto subestádio é a busca, pela criança, de um fim não imediatamente atingível através da coordenação de esquemas secundários. A coordenação de esquemas observa-se no fato de a criança se propor a atingir um objetivo não diretamente acessível, pondo em ação, nessa intenção, esquemas até então relativos a outras situações. Há uma dissociação entre os meios e os fins e uma coordenação intencional dos esquemas. Já é possível, também, a imitação de respostas que a criança não vê em si mesma. A subordinação dos meios aos fins já é observada na atividade lúdica da criança. Quanto à construção do objeto, há a busca de objetos ocultos atrás de 9 anteparos, apesar de a procura sempre recair sobre o primeiro anteparo usado para esconder o objeto. A criança é capaz, por exemplo, de esconder um objeto sob um anteparo e depois retirá-lo novamente; mas, se o objeto escondido for deslocado para outra posição, ela ainda o procurará na primeira posição. Há, portanto, a busca do objeto desaparecido, porém, sem considerar a sucessão dos deslocamentos visíveis. A permanência do objeto ainda é subjetiva, isto é, ligada à própria ação da criança. Ao lidar com as relações espaciais, a criança se encontra numa situação intermediária entre os grupos subjetivos e objetivos, examinando a constância dos objetos. O mesmo ocorre em relação à causalidade: a criança aplica os meios conhecidos às situações novas e começa a atribuir aos objetos e às pessoas uma atividade própria, o que indica a transição entre a causalidade mágico-fenomenista (que caracteriza o subperíodo anterior) e a causalidade objetiva. Ela deixa de considerar suas ações como única fonte de causalidade e considera o corpo de outra pessoa como um centro autônomo de atividade causal, apreciando o arranjo espacial necessário para a ação bem-sucedida. O tempo também começa a se aplicar aos acontecimentos independentes do sujeito e a constituir séries objetivas. Este é, portanto, um subestádio de transição, no qual a eficiência da ação da criança ainda está marcada pelas características da ação própria. Subestádio V: A Reação Circular Terciária e a Descoberta dos Meios Novos por Experimentação Ativa (11-12 Meses A 18 Meses) Na quinta etapa a atividade imitativa apresenta a imitação deliberada e a atividade lúdica apresenta a reação circular terciária, na qual a criança explora objetos desconhecidos por todos os meios que conhece: pegar, levantar, soltar, sacudir e repetições destes esquemas. Este é o subestádio da elaboração do objeto e se caracteriza pela experimentação e pela busca da novidade. O efeito novo não é apenas reprodução, mas é modificado a fim de observar a sua natureza: são as chamadas “experiências para ver”. A reação circular aparece como um esforço para captar as novidades em si mesmas. A descoberta dos meios novos por experimentação ativa explicita-se em condutas que indicam as formas mais 10 elevadas de atividade intelectual da criança, antes do aparecimento da inteligência sistemática. São exemplos característicos desta atividade: a conduta dos suportes (a criança descobre a possibilidade de atrair para si um objeto afastado puxando a seu encontro o suporte sobre o qual está colocado); a conduta do barbante (a criança puxa para si um barbante ao qual está amarrado um objeto, para atraí-lo em sua direção); e a conduta do bastão (utilização de um bastão como instrumento intermediário para alcançar um objeto distante, fora do campo de preensão da criança). Quanto à construção do objeto, há busca de objetos ocultos atrás de um anteparo, apesar da procura sempre recair no primeiro anteparo usado para esconder o objeto. Mas a criança considera os deslocamentos sucessivos do objeto, passando a buscá-lo na posição resultante do último deslocamento. Há, portanto, a descoberta da atuação sobre os objetos por meio de intermediários e se inicia o reconheci mento de que os objetos podem causar fenômenos independentemente de sua ação, bem como o domínio sobre objetos que foram ocultos sob anteparos. A criança leva em conta relações espaciais, conseguindo fazer grupos espaciais objetivos; ela agora está interessada não mais apenas em sua ação, mas, sobretudo, no objeto. Adquire a noção de deslocamento dos objetos em relação uns aos outros por contato direto. Mas, apesar de perceber as relações espaciais entre as coisas, ainda não consegue representá-las na ausência do contato direto: ela só considera os deslocamentos realizados dentro do seu campo perceptivo. Começa a ter percepção de certa sucessão no tempo e memória mais prolongada de uma sequência de deslocamentos. O tempo agora engloba sujeito e objeto, constituindo-se o elo contínuo e sistemático que une os acontecimentos do mundo exterior uns aos outros. A causalidade é objetiva sobre os objetos e as pessoas e situada no quadro espaço-temporal. Subestádio VI: A Invenção dos Meios Novos por Combinação Mental e a Representação (1 Ano e Meio A 2 Anos) Neste subestádio ocorre a transição entre a inteligência sensório-motora e a inteligência representativa, que começa em torno dos dois anos, com o aparecimento da função simbólica. A novidade, em relação ao subperíodo 11 anterior é que as invenções já não se efetuam de modo prático, mas passam ao nível mental. A criança começa a ser capaz de representar o mundo exterior mentalmente em imagens, memórias e símbolos, que é capaz de combinar sem o auxílio de outras ações físicas. Na atividade lúdica ela é capaz de “fingir”, “fazer de conta”, fazer “como se”: é o “símbolo motivado”. Invenção e representação seguem juntas, anunciando a passagem a um nível superior. A invenção aparece como uma acomodação mental brusca do conjunto de esquemas à situação nova, diferenciando os esquemas de acordo com a situação. O objeto agora já está definitivamente constituído: há a representação dos deslocamentos invisíveis de objetos ocultos, que procura a partir da ideia de sua permanência. Igualmente, procura causas que não percebeu: sendo capaz de representar os objetos ausentes, pode reconstituir causas em presença de seus efeitos, sem percepção dessas causas. Assim, ela pode prever os efeitos futuros do objeto percebido, que é capaz de representar. As relações do antes e do depois se constituem a partir da evocação dos objetos ou das situações ausentes: a criança é capaz de situá-las num tempo representativo que engloba a si mesma e ao mundo. A representação mental estende o tempo a acontecimentos lembrados. Em resumo, nestes dois primeiros anos de vida a criança se desenvolve no sentido de uma descentração progressiva. No início está num estado de confusão total, possuindo apenas seus reflexos hereditários. É a partir de sua tomada de contato com o mundo exterior que ela vai desenvolver condutas de adaptação: seus reflexos transformam-se em hábitos, depois, pouco a pouco, os processos de acomodação e assimilaçãolevam-na a estabelecer com o mundo relações de objetividade e, ao mesmo tempo, a construir sua própria subjetividade. Os três primeiros subestádios são de elaboração: a criança assimila o real a si própria. No terceiro já se percebe uma transição, na qual ocorre a dissociação para, no quarto subestádio, vermos a criança oscilar entre a descentralização objetiva que termina com o sexto subestádio, pela representação. No estádio sensório-motor o instrumento principal de apoio e de constituição de si mesma e do mundo é a percepção, pela qual a criança estabelece relações diretamente com o mundo exterior. A partir deste estádio 12 essas relações com o mundo serão mediadas pela função simbólica, no plano das representações. Até o final do segundo ano de vida, uma observação cuidadosa do comportamento da criança revela a existência de um grande número de esquemas de ação diferenciados. Esses esquemas vão se combinando entre si e se coordenando, traduzindo o aparecimento das primeiras estruturas intelectuais equilibradas, que permitem à criança a estruturação espaço- temporal e causal da ação prática. A criança construiu um universo estável onde os movimentos do próprio corpo e dos objetos exteriores estão organizados em um todo presidido por leis (leis dos “grupos de deslocamento”). O aparecimento da função simbólica, por volta do final do segundo ano tem, entre outras consequências, a de possibilitar que os esquemas de ação, característicos da inteligência sensório-motora, possam transformar-se em esquemas representativos, ou seja, esquemas de ação interiorizados. Esses esquemas interiorizados desempenham a mesma função que os esquemas de ação do período sensório-motor: atribuir significação à realidade. O Estádio Pré-Operatório ou Simbólico (2 a 6-7 anos) O período pré-operatório marca a transição entre a inteligência sensório- motora e a inteligência representativa. Essa mudança não ocorre de forma abrupta, mas através de transformações graduais. Ao alcançar o pensamento representativo, a criança precisa reconstruir conceitos como o objeto, o tempo, o espaço e as categorias lógicas de classes e relações, adaptando-os a esse novo plano de representação. Esse processo se estende dos 2 aos 12 anos, abrangendo tanto o estágio pré-operatório quanto o operatório concreto. A primeira fase dessa reconstrução, que Piaget chama de período pré- operatório, é dominada pela representação simbólica. Embora a criança ainda não pense de forma lógica, ela começa a visualizar mentalmente o que evoca. O mundo, para ela, não está organizado em categorias gerais, mas é composto por elementos individuais relacionados à sua experiência pessoal. Nesse estágio, o egocentrismo intelectual é a característica principal do pensamento infantil. O raciocínio da criança é baseado em analogias e transdução, sem a generalidade do raciocínio lógico. 13 A capacidade de representação que surge nesse período favorece o desenvolvimento da função simbólica, que é a principal aquisição dessa fase. A função simbólica se manifesta de diversas formas, como na linguagem, na imitação diferida, na imagem mental, no desenho e no jogo simbólico. Esses meios são expressões dessa função, permitindo à criança criar representações mentais de objetos e situações. Para Piaget, a transição da inteligência sensório-motora para a inteligência representativa ocorre por meio da imitação. Imitar, em seu sentido mais restrito, significa reproduzir um modelo. A imitação já existe no estágio sensório-motor, mas ela se interioriza no sexto subestádio, quando a criança começa a praticar o “faz-de-conta” ou o “como se”, o que Piaget chama de imitação deferida ou interiorizada. Com essa interiorização, as imagens se tornam substitutos dos objetos percebidos, e o significado se dissocia do significante, o que possibilita a elaboração do pensamento representativo. A criança, então, tem acesso ao nível da representação através da interiorização da imitação, o que a capacita a usar a linguagem e a desenvolver o pensamento. Ela pode criar imagens mentais que lhe permitem representar o mundo internamente, transportando-o para sua mente. Entre os 2 e os 5 anos, a criança adquire a linguagem e começa a formar um sistema de imagens. No entanto, para ela, a palavra ainda não tem o valor de um conceito, mas evoca uma realidade particular ou sua correspondente imagem. Durante essa fase de reconstrução do mundo no plano representativo, a criança ainda o faz a partir de si mesma, o que acentua o egocentrismo intelectual. Esse egocentrismo é mais evidente no jogo simbólico, onde a criança transforma a realidade de acordo com seus desejos e necessidades momentâneas. O pensamento simbólico transforma a realidade no jogo, fazendo com que o mundo real seja reinterpretado conforme o desejo da criança. Por isso, Piaget considera o jogo simbólico uma expressão do egocentrismo puro. Esse tipo de pensamento, dominado por símbolos pessoais e incomunicáveis, não é socializado, pois não se baseia em conceitos compartilhados, mas em pré-conceitos que são particulares a cada criança, correspondendo a experiências individuais e imagens próprias. 14 Entre os 5 e 7 anos, ocorre uma evolução no pensamento da criança, levando-a a uma maior generalização. Seu raciocínio agora se baseia em configurações representativas mais amplas, mas ainda é dominado por elas. A intuição, que caracteriza essa fase, é uma espécie de ação realizada no pensamento, representando o real de forma mental. A criança ainda pensa de forma imagística, mas agora considera o conjunto das imagens e não apenas coleções sincréticas, como ocorria anteriormente. Assim, o pensamento da criança entre 2 e 7 anos é marcado por representações imagísticas simbólicas. Ela trata as imagens como substitutos dos objetos reais e faz relações entre essas imagens. Em vez de agir diretamente sobre os objetos, a criança age mentalmente sobre as suas representações. No entanto, devido à imitação, a representação simbólica ainda tem um caráter estático, focando mais nas configurações do que nas transformações. Quando as estruturas operatórias se desenvolvem no período seguinte, a imagem se subordina às operações, e é possível entender melhor as relações entre as operações e a ação. Esse entendimento também ajuda a explicar certos distúrbios nos processos figurativos, como na percepção de espaço, tempo e esquema corporal. O Estádio Operatório Concreto (7 a 11-12 anos) Por volta dos sete anos a atividade cognitiva da criança torna-se operatória, com a aquisição da reversibilidade lógica. A reversibilidade aparece como uma propriedade das ações da criança, suscetíveis de se exercerem em pensamento ou interiormente. O domínio da reversibilidade no plano da representação — a capacidade de se representar uma ação e a ação inversa ou recíproca que a anula — ajuda na construção de novos invariantes cognitivos, desta vez de natureza representativa: conservação de comprimento, de distâncias, de quantidades discretas e contínuas, de quantidades físicas (peso, substância, volume etc.). O equilíbrio das trocas cognitivas entre a criança e a realidade, característico das estruturas operatórias, é muito mais rico e variado, mais estável, mais sólido e mais aberto quanto ao seu alcance do que o equilíbrio próprio às estruturas da inteligência sensório-motora. O Estádio das Operações Formais (11 a 15-16 anos) 15 Tanto as operações como as estruturas que se constroem até aproximadamente os onze anos, são de natureza concreta; permanecem ligadas indissoluvelmente à ação da criança sobre os objetos. Entre os 11 e os 15-16 anos, aproximadamente, as operações se desligam progressivamente do plano da manipulação concreta. Como resultado da experiência lógico-matemática,o adolescente consegue agrupar representações de representações em estruturas equilibradas (ocorrendo, portanto, uma nova mudança na natureza dos esquemas) e tem acesso a um raciocínio hipotético-dedutivo. Agora, poderá chegar a conclusões a partir de hipóteses, sem ter necessidade de observação e manipulação reais. Esta possibilidade de operar com operações caracteriza o período das operações formais, com o aparecimento de novas estruturas intelectuais e, consequentemente, de novos invariantes cognitivos. A mudança de estrutura, a possibilidade de encontrar formas novas e originais de organizar os esquemas não termina nesse período, mas continua se processando em nível superior. As estruturas operatórias formais são o ponto de partida das estruturas lógico-matemáticas da lógica e da matemática, que prolongam, em nível superior, a lógica natural do lógico e do matemático. Os Fatores do Desenvolvimento e O Processo de Equilibração Para compreender melhor a resposta de Piaget ao problema do desenvolvimento do pensamento racional, é preciso explicitar os fatores considerados por ele como responsáveis por tal desenvolvimento. Podem-se identificar quatro fatores gerais do desenvolvimento das funções cognitivas, cuja responsabilidade nesse processo é, entretanto, variável. O primeiro fator a considerar é a maturação nervosa. A maturação abre possibilidades, aparecendo como condição necessária para o desenvolvimento de certas condutas. Entretanto, não é sua condição suficiente. Não se sabe, sequer, das condições específicas de maturação que tornam possível a constituição das estruturas operatórias da inteligência. Além disso, se é certo que o cérebro contém conexões hereditárias, ele contém sempre um número crescente de conexões, a maioria das quais adquirida pelo exercício e reforçada 16 pelo funcionamento. Portanto, a maturação é um fator necessário na gênese, mas não se sabe exatamente qual o seu papel além da abertura de possibilidades. Um segundo fator é o do exercício e da experiência adquirida na ação sobre os objetos e acontecimentos. A experiência comporta dois polos diferentes: a experiência física (que consiste em agir sobre os objetos para abstrair suas propriedades) e a experiência lógico-matemática (agir sobre os objetos para conhecer o resultado da coordenação das ações). O exercício implica a presença de objetos sobre os quais a ação é exercida, mas não implica necessariamente que todo conhecimento seja extraído destes objetos. O exercício tem um efeito positivo na consolidação, quer dos reflexos, quer das operações intelectuais, que podem ser aplicadas a objetos; ele relaciona-se mais com as estruturas dependentes da atividade do sujeito do que com um aumento do conhecimento do ambiente externo. Quanto à experiência propriamente dita, no sentido de aquisição de conhecimento novo através da manipulação dos objetos, é preciso considerar os dois aspectos indicados desta experiência — a experiência física e a experiência lógico-matemática — que expressam a complexidade desse fator. Ela envolve, pois, sempre dois polos: aquisições derivadas dos objetos e atividades construtivas do sujeito. Mesmo a experiência física nunca é pura; ela implica sempre um quadro lógico-matemático que a organiza. A experiência física é uma estruturação ativa e assimiladora a quadros lógico-matemáticos. Portanto, nesse sentido, a elaboração das estruturas lógico-matemáticas precede o conhecimento físico. O terceiro fator é o das interações e das transmissões sociais. A linguagem é, inegavelmente, um fator de desenvolvimento, embora não seja sua fonte. Para poder assimilar a linguagem e, especificamente, as estruturas lógicas que ela veicula, são necessários instrumentos de assimilação adequados, que lhe são anteriores na gênese. A socialização começa pelas condutas, mas a socialização do pensamento só se torna possível quando as estruturas de reversibilidade estão adquiridas. Assim, a reciprocidade nas trocas só aparece em torno dos oito anos. Um terceiro aspecto das interações e transmissões 17 sociais é constituído pela educação, cuja ação versa sobre inúmeros fatores e assume variadas formas. No que se refere às transmissões escolares (aprendizagem), elas só são possíveis e eficazes se se apoiarem sobre estruturas já presentes e se contribuírem, tanto para reforçá-las pelo exercício, quanto para favorecer o seu desenvolvimento. De todo modo, para assimilar, é preciso ter desenvolvido estruturas de assimilação. Aos três fatores indicados, que explicitam três condições do desenvolvimento representados pela herança, o meio e o funcionamento, é preciso, entretanto, acrescentar uma terceira característica essencial dos sistemas vivos, que é a autorregulação, chamada por Piaget de fator de equilibração. É a autorregulação que explica a evolução e define o estado mesmo do vital. Embora não se possam identificar os órgãos mentais com os órgãos físicos, é possível estabelecer uma correspondência entre os fatores responsáveis pelo desenvolvimento morfogenético e aqueles que entram no desenvolvimento psicológico. Assim, à noção de herança ou estrutura pré- construída corresponde a de maturação orgânica que, embora não dependa apenas de programação hereditária, desempenha, em relação ao comportamento, o mesmo papel de fator preliminar que os genes em relação à epigênese. Ao fator funcionamento corresponde o de atividade e ao meio físico se acrescentam as transmissões sociais e culturais. Estes três fatores, entretanto, só podem operar de forma coordenada, e é essa a função do quarto fator — a autorregulação ou equilibração — que também é fundamental no caso do desenvolvimento psicológico. A equilibração é, pois, o processo pelo qual se formam as estruturas cognitivas e constitui, em última análise, a expressão da lei funcional que afirma a atuação das estruturas. É esse fator interno do desenvolvimento, espécie de dinâmica, de processo que conduz, por desequilíbrios e reconstruções, a estados de estruturações superiores, o fator determinante do progresso no desenvolvimento cognitivo. Se a perspectiva de Piaget sobre o desenvolvimento mental é a do conhecimento, e como só pode haver conhecimento por parte do indivíduo que 18 conhece, é preciso partir da perspectiva do sujeito e tentar identificar que estruturas ele põe em ação para constituir o saber. Inicialmente vemos um ser estruturado por seus componentes hereditários, que se adapta assimilando-se e acomodando-se e, fazendo isso, vai modificando suas estruturas de assimilação para melhor assimilar, num círculo sem-fim, cujo movimento vai alargando o processo numa espécie de espiral. Este processo expressa o que Piaget indicou, ao afirmar que não há gênese sem estrutura nem estrutura sem gênese. Se a inteligência, como instrumento de adaptação, é pensada em termos de equilíbrio entre a assimilação e a acomodação, o resultado disso é o conhecimento, meio que possui a mente humana para se adaptar. Assim, se o sujeito constitui o objeto, ele se constitui ao se reconstituir de volta. O Papel da Interação no Desenvolvimento da Criança e na Construção do Conhecimento Para Piaget, a interação apresenta-se como o principal elemento estimulador do desenvolvimento intelectual. A concepção construtivista do conhecimento, postulada por Piaget, tem como ponto central o fato de que o ato de conhecimento consiste em apropriação progressiva do objeto pelo sujeito; de tal maneira que a assimilação do objeto às estruturas do sujeito é indissociável da acomodação destas últimas às características próprias do objeto. O caráter construtivo do conhecimento se refere tanto ao sujeito que conhece quanto ao objeto conhecido; ambos aparecem como resulta do de um processo permanente de construção. O construtivismosubjacente à teoria piagetiana supõe a adoção de uma perspectiva ao mesmo tempo relativista — o conheci mento é sempre relativo a um momento determinado do processo de construção — e interacionista — o conhecimento surge da interação contínua entre sujeito e o objeto ou, mais precisamente, da interação entre os esquemas de assimilação do sujeito e as propriedades do objeto. Essa concepção tem como principal consequência a afirmação de que o ser humano — criança, adulto ou adolescente — constrói seu próprio conhecimento através da ação. A natureza da atividade necessária a essa 19 construção vai de pender, evidentemente, da natureza do conhecimento que se pretende seja construído. A interação com objetos vai facilitar o desenvolvimento do conhecimento — tanto físico como lógico-matemático — que diz respeito aos objetos, suas propriedades e as relações que se estabelecem entre eles. Entretanto, conhecimento de natureza social e afetiva só pode se desenvolver a partir da interação com pessoas. Este aspecto do desenvolvimento da criança é tratado por Piaget especialmente num texto de 1932, O Julgamento Moral na Criança, que serviu de ponto de partida para muitas pesquisas e trabalhos teóricos sobre o assunto. Nesse texto, Piaget mostra como a interação que se estabelece entre as crianças vai tornar possível o desenvolvimento de relações cooperativas no plano social, correspondendo às relações de coordenação de perspectivas do pensamento operatório no plano do desenvolvimento intelectual. Isso significa que, além de possibilitar o desenvolvimento afetivo e social, as interações entre as crianças constituem um fator fundamental para o seu desenvolvimento cognitivo. O CONCEITO DE CONSTRUTIVISMO EM JEAN PIAGET EPISTEMOLOGIA GENÉTICA A epistemologia da palavra "conhecimento" define que este é fruto da relação do homem com os objetos do meio, não estando previamente definido, assim como não está o sujeito que o constrói. De acordo com Rodrigues et al. (2005, p. 121), apesar de a experiência ser externa, ela está inter-relacionada com a base cognitiva interna da estrutura biológica do homem, de tal forma que a experiência sensível não pode ser tomada como o único mecanismo que viabiliza o processo de construção do saber. No entanto, não se confirma a existência de uma composição cognitiva totalmente formada ao nascimento, pois grande parte dessa estrutura é construída e aprimorada a partir da experiência com os objetos. Mesmo que alguns aspectos primários da cognição estejam presentes no neonato, eles se desenvolverão somente no contato com o mundo. 20 Piaget, na condição de epistemologia, buscava compreender o “sujeito epistêmico”, fundamentando seus estudos sobre o desenvolvimento na ideia de que o indivíduo está em processo de construção do conhecimento (BALESTRA, 2007, p. 145). A “epistemologia genética” surgiu a partir das frequentes afirmações de Piaget (1971) de que “não há gênese sem estrutura, nem estrutura sem gênese”. Diante disso, é preciso compreender, de acordo com o autor, que o conhecimento é resultado de uma construção simultânea, que se relaciona entre desenvolvimento e aprendizagem. Para ser estudada de forma abrangente, essa construção necessita da contribuição teórica e do intenso intercâmbio das disciplinas de biologia e psicologia, áreas nas quais Piaget dedicou seus estudos. Segundo Terra (2011), a epistemologia genética se destaca por superar as posições dicotômicas entre materialismo mecanicista e idealismo, objetivismo e subjetivismo, ou seja, por sobrepujar a dualidade corpo versus mente. Nesse contexto, ela busca contrastar essas correntes e gerar, a partir delas, uma base teórica de apoio à epistemologia genética. A epistemologia genética tem como objetivo estudar a gênese das estruturas cognitivas, explicando-a pela construção, surgindo, assim, o conceito de construtivismo. Esse estudo ocorre mediante a interação radical entre sujeito e objeto. Para a perspectiva interacionista, o conhecimento deve ser considerado como uma relação de interdependência entre o sujeito conhecedor e o objeto a ser conhecido, e não como a justaposição de duas entidades dissociáveis (INHELDER, BOVET e SINCLAIR, 1977, p. 17). Nesse sentido, Piaget (1971) busca ultrapassar tanto a ideia de que todo o conhecimento provém unicamente da experiência, quanto o argumento de que todo conhecimento é anterior à experiência, tendo o indivíduo a primazia sobre o objeto. Ele considera insuficientes essas duas posições e propõe, originalmente, suas teorias de que ocorrem construções sucessivas a partir de uma origem biológica ativada pela interação com o meio, resultando na construção de um novo conhecimento. 21 Compreende-se, então, que as formas biológicas e primitivas da mente estão reorganizadas pela psique em socialização, sendo o indivíduo o conhecedor e o objeto a ser conhecido aspectos interdependentes. Rodrigues (2005) explica que a criança desenvolve seus equipamentos neurológicos herdados geneticamente, sendo que, desde tenra idade, os indivíduos exercem o controle sobre a aquisição e a organização de sua experiência com o mundo externo. Tal ação realiza a adaptação dos conhecimentos na estrutura cognitiva já pré-definida. Ainda segundo o mesmo autor, as definições e conceitos de Piaget dão primazia à condição ativa do homem no processo de produção do próprio conhecimento. Nesse contexto, a inteligência não é herdada, mas construída no processo interativo entre o indivíduo e o meio ambiente em que está inserido. O desenvolvimento humano se estabelece a partir de uma conjuntura de relações interdependentes entre o indivíduo conhecedor e o objeto a ser conhecido, envolvendo mecanismos extremamente complexos de entrelaçamento entre fatores como a maturação do organismo, a experiência vivida com objetos, o contexto social e, principalmente, a adaptação e a equilibração do organismo ao meio. De acordo com os conceitos de Balestra (2007), a formação teórica em biologia de Piaget influenciou na elaboração do conceito de adaptação, que se desdobra no entendimento de que a inteligência é uma adaptação que tem a função de estruturar a organização do universo, visando à sobrevivência. Na formação de Piaget, nota-se a presença de elementos teóricos e práticos, devido ao fato de ele ter utilizado seus filhos como método de observação participativa. Suas observações chegaram à conclusão de que a inteligência é a resolução de um novo problema, sendo um instrumento de coordenação dos meios para atingir determinado objetivo. Ainda segundo Balestra (2007), a equilibração é resultado da reestruturação do conhecimento após a resolução de um problema prático e da realização de uma nova experiência. O construtivismo tem a equilibração como um conceito de importância central, pois, de acordo com Rodrigues (2005), ela é o fundamento que explica todo o processo de desenvolvimento humano. A 22 equilibração é o direcionamento do organismo em busca do pensamento lógico, caracterizando-se como universal para todos os indivíduos. Porém, é importante ressaltar que o termo sofre variações conforme os conteúdos culturais do meio em que se está inserido. Piaget ainda observa que o construtivismo diferencia fatores invariantes de variantes no desenvolvimento cognitivo humano. Para Piaget (1971), os fatores invariantes são aqueles que, ao nascer, o indivíduo recebe como herança uma série de estruturas biológicas pré- determinadas — sensoriais e neurológicas — que irão permanecer constantes ao longo de sua vida. Essas estruturas biológicas predisporão o surgimento das estruturas mentais. Partindo desse pressuposto, na corrente piagetiana, considera-se que o indivíduo carrega consigo duas marcas inatas: a tendêncianatural à organização e à adaptação, sendo, portanto, o motor do comportamento básico do sujeito inerente ao ser. Já os fatores variantes podem ser representados pelo conceito de esquema, que conota a unidade básica de pensamento e ação estrutural do modelo piagetiano, caracterizando-se como um elemento que se transforma no processo de interação com o meio, buscando a adaptação do indivíduo ao que está ao seu redor — o real —, onde a busca pelo equilíbrio, paradoxalmente, segundo Terra (2011), nunca é alcançada. Isso se deve ao fato de que, nesse processo de interação, sempre ocorrem desajustes que rompem o equilíbrio do organismo, delegando esforços para que a adaptação seja reestabelecida. Tal busca por novas formas de adaptação é constante e envolve dois mecanismos indissociáveis e complementares: a assimilação e a acomodação, também conceitos centrais do pensamento piagetiano. A assimilação é a tentativa do indivíduo de solucionar uma determinada situação a partir da estrutura cognitiva que possui naquele momento de sua vida. Esse conceito representa um processo contínuo, onde, à medida que se está em constante atividade de interpretação da realidade, busca-se adaptar-se a ela. Nesse contexto, a assimilação é uma tentativa de integração de aspectos experienciais aos esquemas previamente estruturados. Conforme Balestra (2007), a assimilação é a entrada de novos elementos no contexto e na estrutura mental já existente, onde assimilar significa apreender novas experiências. 23 Na tentativa de manter o equilíbrio do organismo, a acomodação é responsável por modificar a estrutura mental antiga para acomodar um novo objeto de conhecimento. Isso mostra que ela está intimamente relacionada com a ação do objeto sobre o indivíduo, eclodindo como um elemento complementar da interação entre homem e mundo. Para Rodrigues et al. (2005), a acomodação é a alteração da estrutura, ou seja, o ajuste que a cognição faz para receber novas informações no subconsciente do indivíduo. Ao analisarmos ambos os conceitos, conclui-se que toda nova experiência está interligada a uma estrutura de ideias preexistentes, os denominados esquemas, podendo transformar esses esquemas, causando assim a acomodação. Por esses fatores, pode-se dizer que a assimilação e a acomodação são interdependentes e complementares, pois, diante de uma situação nova e desafiadora, o indivíduo depara-se com um novo problema, e esse contexto exerce certa desorganização em sua mente (desequilibração). Um novo equilíbrio nas estruturas mentais somente ocorrerá quando a reestruturação do pensamento for concretizada por meio dos processos de assimilação e acomodação. De acordo com Balestra (2007), a busca pela equilibração desenvolve as ações nos sujeitos, estimulando o desenvolvimento das estruturas mentais, psíquicas e intelectuais, de modo que, quanto mais desafios são propostos, maior é a ampliação do conhecimento do indivíduo. Como resultado da adaptação e por meio da assimilação e da acomodação, o indivíduo ajusta-se ao ambiente, estabelecendo e equilibrando uma descoberta com outras, possibilitando a reversão do pensamento. Ainda na teoria piagetiana, de acordo com Basso (2011), o desenvolvimento ocorre espontaneamente a partir de suas potencialidades neuronais e da interação com o meio, sendo o processo lento, ocorrendo por meio de graduações sucessivas através de estágios. ESTÁGIOS DO DESENVOLVIMENTO COGNITIVO EM PIAGET Piaget, ao propor que o desenvolvimento precede a aprendizagem, considerou o desenvolvimento relativamente previsível e linear, visto que 24 determinados conhecimentos só são adquiridos após a maturação das estruturas biológicas, sendo essas lineares e previsíveis; sequentemente a esse conceito Piaget (1971) elaborou os estágios do desenvolvimento cognitivo, sendo um dos principais pontos de suas teorias. Ao conceituar como se estabelece o desenvolvimento mental, Piaget (1971) considerou quatro períodos no processo evolutivo do desenvolvimento do homem, que se desmembram no decorrer das faixas etárias: estágio da inteligência Sensório-motora (0 – 2 anos), estágio Pré-operatório (2 – 6 anos), estágio operatório concreto (6 – 12 anos) e estágio operatório formal (12 anos em diante). Mas vale ressaltar que os valores cronológicos são estreitados e podem variar individualmente, mas a sequência em que ocorrem é invariável. Antes de detalhar as características e o funcionamento de cada fase é importante ressaltar alguns critérios utilizados na descrição e classificação de tais estágios. Os critérios pontuados por Balestra (2007, p. 185) são: A ordem em que as estruturas mentais se sucedem e evoluem é sempre constante, mesmo que cronologicamente não seja exata podendo a idade variar, mas não a ordem de sucessão das aquisições. A cada nova fase os novos conhecimentos se integram ao saber pré- existente, ou seja, há um caráter integrativo em cada estágio. Cada estágio apresenta-se como uma estrutura de conjunto, pois as aquisições se integram e passam a formar um todo. Os estágios estão interligados no sentido de que cada estágio compreende um nível de preparação de uma nova etapa e de acabamento de outra. O estágio inicial do desenvolvimento é o sensório-motor onde, como o próprio nome prevê, a inteligência da criança é essencialmente constituída, conforme descreve Rodrigues et al (2005), por uma sequência de práticas e as ações reflexivas. Nesse momento as funções mentais limitam-se ao exercício dos aparelhos reflexos inatos, onde o universo é tido como a percepção de movimentos que vão se aperfeiçoando e adquirindo novas habilidades. As realizações do bebê consistem em grande parte na coordenação de suas percepções sensoriais e em comportamentos motores simples. Neste período, conforme Balestra (2007), o bebê não demonstra possuir consciência da fronteira entre seu mundo interno e o mundo externo, onde 25 psicologicamente não se distingue do mundo, e a toda referência que tem do mundo externo é o seu próprio corpo, devido à ausência de experiências, como se ele fosse centro do universo, acarretando em uma indiferenciação completa entre os aspectos subjetivos e objetivos (egocentrismo) sendo que esse se prolonga até o início das operações concretas do sujeito. Nesse contexto, o egocentrismo se define essencialmente pelo artificialismo, onde a criança acredita que tudo que ocorre ao seu redor é provocado intencionalmente por alguém e destinado a ela; pelo finalismo, onde tudo tem uma finalidade estabelecida; pelo animismo em que a compreensão de que tudo ao redor tem vida própria, tal como ela tem e o realismo infantil, que se define em uma concepção particular e subjetiva do meio onde está inserida. Nesse estágio as atividades são de natureza prática, e ocorrem manifestações bem específicas dessa fase do desenvolvimento divididas em reações circulares, sendo primárias, secundárias e terciárias. As reações circulares primárias são os reflexos e hábitos que marcam os primeiros dias de vida do bebê, que, com o tempo (entre 3 a 6 meses), vão se transformando em ações mais inteligentes e práticas. Na fase seguinte, surgem as reações circulares secundárias, onde as ações do bebê ainda são marcadas por hábitos básicos, mas já se torna perceptível o surgimento da intencionalidade, com o bebê começando a agir com um objetivo em mente. Nesse estágio, já ocorre a assimilação dos objetos e, consequentemente, a construção de esquemas de ação por parte do bebê. Dos 10 aos 24 meses de vida, são observadas as reações circulares terciárias, onde as ações reproduzidas pela criança, intencionalmente, envolvem a repetição de um movimento, mas de maneira variada, sempre que desejar alcançar um novo objetivo. Isso demonstra que a criançajá utiliza esquemas mais complexos diante de novas situações, com a intenção de obter um novo resultado, marcando o início da construção de novas estruturas que fundamentam o juízo experimental. 26 No estágio de desenvolvimento sensório-motor, existem subestágios importantes para entender como o bebê se adapta ao mundo e nele se desenvolve. Conforme Piaget (1971), são os seguintes subestágios: Subestágio 1 (0 a 1 1½ mês): o recém-nascido possui esquemas de reflexos como giro involuntário da cabeça, sucção, movimentos de agarrar e olhar. Subestágio 2 (1½ a 4 meses): surgem as reações circulares primárias e há a repetição de reações agradáveis. Subestágio 3 (4 a 8 meses): já se inscrevem as reações circulares secundária, e começa a existir uma consciência ampliada dos efeitos das próprias ações sobre o ambiente. Subestágio 4 (8 a 12 meses): ocorre a coordenação das reações circulares secundárias e o bebê realiza combinação de esquemas para atingir um efeito desejado. Subestágio 5 (12 a 18 meses): é o início das reações circulares terciárias em que é possível à criança variar deliberadamente os meios de resolução de problemas e também experimentar consequências. Subestágio 6 (18 a 24 meses): surge a representação simbólica e as imagens e palavras passam a representar objetos familiares e a possibilidade de invenção de novos meios de resolução de problemas através de combinações simbólicas. Assim, como explica Balestra (2007), a criança vai se diferenciando do mundo e tornando possível a permanência do objeto, onde ele permanece existindo mesmo quando desaparece de seu campo visual, ganhando assim a noção de que o mundo não está mais concentrado em seu ser. É o processo de descentralização, um domínio que proporciona para a criança a condição de deslocar seu pensamento livremente entre passado, presente e futuro. No estágio sensório motor, segundo a mesma autora é alcançado o equilíbrio quando a criança consegue atingir objetos afastados ou escondidos pelas pessoas que a rodeiam, pois ao conquistar isso o bebê demonstra que sua ação se apresenta estruturada quanto aos aspectos espaço-tempo-causa, ressaltando também a capacidade de permanência do ser e a superação do egocentrismo, e consequentemente o aparecimento da função simbólica. Estágio Cognitivo Pré-operatório Com o aparecimento da capacidade simbólica por volta dos dois anos ocorre, como ressalta Terra (2011), o surgimento da linguagem, que traz 27 modificações importantes nos aspectos cognitivos, afetivos e sociais da criança, visto que há a possibilidade de interações interindividuais e que consequentemente propicia, principalmente a capacidade de trabalhar com representações para atribuir significados à realidade, haja visto que o desenvolvimento do pensamento é mais acelerado nessa fase devido aos contatos sociais possibilitados pela linguagem. Nesse momento a situação muda drasticamente, pois com a linguagem e a capacidade de representação por meio do jogo simbólico e da imagem mental a criança pode internalizar as ações, ganhando assim significado. O estágio pré-operacional é representado por um grande avanço para o desenvolvimento com a gênese da capacidade simbólica. O desenvolvimento da linguagem traz consigo três consequências para a vida mental da criança, sendo: a socialização da ação com trocas entre os indivíduos; o desenvolvimento da intuição e desenvolvimento do pensamento a partir do pensamento verbal que traz consigo o finalismo (porquês), e os animismos, e por fim o artificialismo. Segundo Papalia (2000), além da função simbólica (pensar em algo sem precisar vê-lo), as crianças nessa fase podem desenvolver a compreensão de identidades (a ideia de que as pessoas e muitas coisas continuam as mesmas, mesmo mudando de aparência), de causa e efeito (o mundo é organizado e ela pode fazer as coisas acontecerem), capacidade de classificar (organizar objetos, pessoas e eventos em categorias de significado) e compreensão de números (contar e lidar com quantidades). Esse avanço ocorre porque, segundo Biaggio (2000), nesse período a criança já não lida apenas com sensações e movimentos, mas também distingue um significador (imagem, palavra ou símbolo) de um significado concreto (objeto ausente), ampliando significativamente seu vocabulário e formando sentenças mais complexas. Embora Papalia (2000) destaque que a segunda infância é uma fase de grandes realizações, Biaggio (2000) acrescenta que, além disso, o estágio pré- operacional também é definido por meio de tarefas que não são realizáveis pelas crianças dessa faixa etária. Essas limitações são, conforme Papalia (2000), as seguintes: 28 a) Centração: a criança não consegue pensar simultaneamente sobre vários aspectos, focando-se apenas em um. b) Confusão entre aparência e realidade: é a incompreensão entre o que parece ser e o que realmente é. Por exemplo, se uma criança vê um recipiente com leite e, em seguida, coloca óculos que fazem o leite parecer verde, ela pode responder que a cor do leite é verde. c) Irreversibilidade: a criança não compreende que uma operação pode ter dois ou mais sentidos e que certos fenômenos são reversíveis, como a água que vira gelo e pode se transformar novamente em água. d) Foco nos estados, não nas transformações: a criança vê o mundo em quadros estáticos e não compreende o processo de transformação que leva de um estado a outro. e) Raciocínio transdutivo: a criança vê uma situação como base para outra e estabelece um relacionamento causal entre elas, como, por exemplo, a crença de uma criança de que seus pais se divorciaram porque ela se comportou mal. f) Egocentrismo: caracteriza-se pela incapacidade da criança de ver o ponto de vista do outro, com a compreensão do mundo centrada em si mesma. Embora o pensamento da criança se transforme rapidamente, o egocentrismo ainda persiste. Nesse estágio, o sujeito ainda não concebe uma realidade da qual não faça parte, devido à ausência de esquemas conceituais e da lógica. Rodrigues et al. (2005) acrescentam que, nesse estágio, a leitura da realidade é incompleta e parcial, pois a criança prioriza aspectos que são mais relevantes para ela. Além disso, não é possível a reversibilidade do pensamento, já que a criança não consegue organizar os objetos e acontecimentos em categorias lógicas gerais. O aspecto central dessa fase é o desenvolvimento da linguagem, que, segundo Balestra (2007), gera novos esquemas e favorece a reconstrução daqueles anteriormente formados. Isso oportuniza a edificação do pensamento simbólico, substituindo a ação direta do sujeito sobre o objeto pela sua evocação e representação mental. O pensamento simbólico possibilita a superação dos limites relacionados à noção de tempo e espaço da fase anterior, e essa nova 29 habilidade de operar a partir de representações mentais conduz à superação gradativa do subjetivismo da criança, permitindo maior objetividade na aquisição do conhecimento. Estágio de Desenvolvimento Cognitivo Operatório-concreto Quando entram na segunda infância, entre aproximadamente os 6 e 12 anos, as crianças se tornam capazes de realizar operações mentais, que são ações internalizadas e ajustadas a um sistema lógico. O pensamento operatório permite às crianças combinar mentalmente, separar, ordenar e transformar objetos e ações. Essas operações são consideradas concretas porque são realizadas na presença de objetos e eventos sobre os quais se está pensando. O pensamento nesse estágio apresenta novas características, como a descentração, que permite à criança perceber e considerar mais de um atributo de um mesmo objeto de uma vez, formando categorias com base em critérios múltiplos, e a conservação, que é a compreensão de que algumas propriedadesde um objeto permanecem as mesmas, mesmo quando outras são alteradas. A partir do estágio de desenvolvimento cognitivo operatório-concreto, a criança adquire a convicção de que é logicamente necessário que algumas qualidades sejam conservadas, apesar das mudanças de aparência (conservação). Ela também começa a comparar mentalmente as mudanças em dois aspectos de um problema e percebe como um compensa o outro (compensação). Além disso, a criança entende que algumas operações podem negar ou reverter os efeitos de outras (reversibilidade). Um aspecto marcante nesse estágio é o declínio do egocentrismo, pois a criança começa a se comunicar de maneira mais eficaz sobre objetos que o ouvinte não consegue ver. Ela passa a pensar sobre como os outros a percebem e entende que uma pessoa pode sentir de uma maneira e agir de outra. Com isso, a criança é capaz de regular melhor as interações sociais, levando em conta as regras e começando a brincar de jogos baseados em regras. Ela também começa a considerar as intenções ao julgar o comportamento de outros e acredita que o castigo deve ser adequado ao crime. 30 Conforme Terra (2011), nesse estágio, a criança adquire a capacidade de estabelecer e coordenar pontos de vista diferentes e de integrá-los de maneira lógica e coerente. Além disso, ela interioriza ações, sendo possível, como aponta Balestra (2007), construir raciocínios com um arcabouço lógico. Estágio de Desenvolvimento Cognitivo Operatório Formal No período operatório formal, que se inicia por volta dos 12 anos e segue durante a vida, as estruturas cognitivas da criança estão mais maduras, e seu pensamento já não está ligado às experiências diretas. O pensamento atinge seu grau máximo quando as operações formais se desenvolvem completamente, formalizando-se. Nesta fase, o pensamento lógico pode ser aplicado a todos os problemas que surgem, e o sujeito pode elaborar operações de lógica proposicional, e não apenas operações de classe, ordem e número. O raciocínio é baseado em hipóteses verbais e não apenas em objetos. De acordo com Balestra (2007), são as estruturas formadas nos estágios anteriores que constroem as possibilidades de pensamento existentes nesse estágio. As aquisições estruturais formadas nesses períodos ocorrem de forma integrada, sendo que as operações formais são possíveis a partir da ordem de sucessão das aquisições dos períodos precedentes. O sujeito, nessa etapa, exibe facilidade em elaborar teorias abstratas. A passagem para o pensamento formal torna o raciocínio hipotético-dedutivo, ou seja, capaz de deduzir conclusões a partir de puras hipóteses e não apenas por observação real. Assim, as operações lógicas começam a ser transportadas do plano da manipulação concreta/direta para o das ideias, expressas em linguagem, mas sem o apoio da percepção, da experiência ou da crença. No estágio das operações concretas, havia uma representação de uma ação possível. Agora, no estágio das operações formais, ocorre uma “representação de uma representação” de ações possíveis, ou seja, os mesmos tipos de operações do nível anterior são aplicados agora a hipóteses ou proposições. Nesse estágio, as operações lógicas eram aplicadas simplesmente às operações de classe, relações e números. No estágio operatório formal, serão 31 construídas novas operações, de lógica proposicional, ou seja, a lógica de todas as combinações possíveis de pensamento. A universalidade do pensamento operacional formal, mesmo entre os adultos, é um assunto de muitas discussões, pois os três primeiros estágios do desenvolvimento cognitivo são impostos à maioria das pessoas pelas realidades físicas, ou seja, os objetos são realmente permanentes, e a quantidade de água não muda quando é passada para outro copo. As operações formais, no entanto, não estão ligadas ao mundo físico. Elas podem ser o produto da experiência e da prática com a solução de problemas hipotéticos e do uso do pensamento científico formal, sendo essas habilidades valorizadas e desenvolvidas nas culturas intelectualizadas, particularmente nas universidades. O próprio Piaget (1971) sugeriu que a maioria dos adultos pode ser capaz de usar o pensamento operacional formal em apenas algumas áreas nas quais tenham mais experiência ou interesse. Portanto, não se espera que todos os alunos do ensino médio sejam capazes de pensar hipoteticamente sobre todos os problemas apresentados. Alunos que não aprendem a ir além das informações repassadas a eles provavelmente ficarão no meio do caminho. Alguns alunos encontram atalhos para lidar com problemas além de sua compreensão e podem memorizar fórmulas ou listas de passos, o que pode ser útil para realizar provas. No entanto, a verdadeira compreensão só ocorre se forem capazes de ir além do uso superficial da memorização, utilizando de fato o pensamento operatório formal. AS INTERAÇÕES SOCIAIS NA TEORIA DE PIAGET É fácil observar, mesmo através do senso comum, que as diferentes interações sociais vividas influenciam expressivamente os sujeitos, sendo que a própria humanização e, consequentemente, o aprendizado resultante das interações humanas. Rodrigues et al. (2005) acrescentam que as interações sociais que ocorrem em cada momento da vida são elementos definidores das ações e comportamentos humanos. 32 O mesmo autor conceitua que a teoria piagetiana entende o homem como um ser social que se relaciona com os outros de forma equilibrada, sendo que essa “relação equilibrada” somente pode existir entre pessoas que estejam no mesmo estágio de desenvolvimento, pois é necessário haver um equilíbrio nas trocas intelectuais. Isso porque, dependendo do estágio de desenvolvimento em que o sujeito se encontra, pode-se identificar um grau maior ou menor de socialização. Ou seja, a socialização possui vários graus, entendendo-se que o “zero” pertence ao recém-nascido e o máximo está relacionado à definição da personalidade, em que o egocentrismo já foi superado e é possível estabelecer relações de trocas intelectuais recíprocas. Assim, a compreensão da socialização da pessoa depende da definição do estágio de desenvolvimento em que ela se encontra. Entendendo que a socialização vai se consolidando durante a infância, é importante considerar que o trabalho coletivo medeia as relações e possibilita a capacidade de participação, cooperação e respeito mútuo. “O trabalho coletivo socializa, estabelece laços de afetividade e permite à criança perceber-se como parte de uma coletividade, superando o egocentrismo” (RODRIGUES et al., 2005, p. 119). AS IMPLICAÇÕES DA TEORIA DE PIAGET PARA AS QUESTÕES EDUCACIONAIS Ao entrar em contato com a obra de Piaget, fica claro que o conhecimento deve ser entendido como uma ampla construção que vai se solidificando com o tempo e com a interação do sujeito com os objetos a serem conhecidos. Assim, como explica Rodrigues et al. (2005), isso implica que o professor não é o possuidor de todo o saber, mas o facilitador da aprendizagem, pois o aluno é um agente ativo que constrói o conhecimento, e não um mero receptor. Nesse sentido, o erro não deve ser visto como falha, defeito e/ou incapacidade, mas sim como algo necessário à aprendizagem, sendo que a inexistência de erro indica a possibilidade de ausência de experimentação e, consequentemente, ausência de aprendizagem. A própria prática pedagógica 33 deve se valer desse conceito e se prover de experimentações que possam renovar o ato de ensinar. O mesmo autor supracitado pontua que o conhecimento é resultado do esforço do homem em compreender e dar significado ao mundo, sendo que a “organização seletiva que a cognição realiza dá-se em um processo permanente de interação do homem com o meio ambiente, através da apreensão do que é