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1 FONOLOGIA E MORFOLOGIA DAS LÍNGUAS DE SINAIS 1 Sumário NOSSA HISTÓRIA .................................................................................................... 2 1.1 Origem das línguas de sinais e da Libras ............................................ 4 2. A LINGUA DE SINAIS ........................................................................................... 6 3.FONOLOGIA DA LÍNGUA DE SINAIS ................................................................... 9 3.1 O sinal .................................................................................................. 11 a. Língua Oral .............................................................................................. 11 3.2 Fonologia da LIBRAS ........................................................................... 12 3.3 Configuração de Mão (CM)................................................................... 14 3.4 Movimento (M) .................................................................................................. 15 3.5 Locação (L) ou Pontos de Articulação (PA) .......................................... 17 3.6 Orientação da Mão (Or) ........................................................................ 18 3.7 Expressões Não-manuais: expressões faciais e corporais ................... 20 3.8 Restrições na formação de sinais ......................................................... 21 4. MORFOLOGIA EM LIBRAS ................................................................................ 23 4.1 Conceitos básicos de morfologia .......................................................... 24 4.2 Sintaxe .................................................................................................. 27 Ordem das palavras ......................................................................................... 29 4.3 Semântica e Pragmática ................................................................................... 30 Tipos de Verbos em Libras .............................................................................. 30 CONCLUSÃO.......................................................................................................... 34 REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 35 2 NOSSA HISTÓRIA A nossa história inicia com a realização do sonho de um grupo de empresários, em atender à crescente demanda de alunos para cursos de Graduação e Pós-Graduação. Com isso foi criado a nossa instituição, como entidade oferecendo serviços educacionais em nível superior. A instituição tem por objetivo formar diplomados nas diferentes áreas de conhecimento, aptos para a inserção em setores profissionais e para a participação no desenvolvimento da sociedade brasileira, e colaborar na sua formação contínua. Além de promover a divulgação de conhecimentos culturais, científicos e técnicos que constituem patrimônio da humanidade e comunicar o saber através do ensino, de publicação ou outras normas de comunicação. A nossa missão é oferecer qualidade em conhecimento e cultura de forma confiável e eficiente para que o aluno tenha oportunidade de construir uma base profissional e ética. Dessa forma, conquistando o espaço de uma das instituições modelo no país na oferta de cursos, primando sempre pela inovação tecnológica, excelência no atendimento e valor do serviço oferecido. 3 1.INTRODUÇÃO À LIBRAS E SUAS CONCEPÇÕES HISTÓRICAS E CULTURAIS As Línguas de Sinais (LS) são as línguas naturais das comunidades surdas. Libras é a sigla da Língua Brasileira de Sinais. As Línguas de Sinais Brasileira (LSB) é a língua natural da comunidade surda brasileira. As línguas de sinais são denominadas línguas de modalidade gestual-visual (ou espaço-visual), pois a informação linguística é recebida pelos olhos e produzida pelas mãos. A Federação Nacional de Educação e Integração de Surdos (FENEIS) define a Língua Brasileira de Sinais – Libras como a língua materna dos surdos brasileiros e, como tal, poderá ser aprendida por qualquer pessoa interessada pela comunicação com esta comunidade. Como língua, está composta de todos os componentes pertinentes às línguas orais, como gramática, semântica, pragmática, sintaxe e outros elementos preenchendo, assim, os requisitos científicos para ser considerado instrumento linguístico de poder e força. Possui todos elementos classificatórios identificáveis numa língua e demanda prática para seu aprendizado, como qualquer outra língua. (...) É uma língua viva e autônoma, reconhecida pela linguística. Sánchez (1990:17) afirma a comunicação humana “é essencialmente diferente e superior a toda outra forma de comunicação conhecida. Todos os seres humanos nascem com os mecanismos da linguagem específicos da espécie, e todos os desenvolvem normalmente, independentes de qualquer fator racial, social ou cultural”. Uma demonstração desta afirmação se evidencia nas línguas oral-auditivas (usadas pelos ouvintes) e nas línguas visoespacial (usadas pelos surdos). As duas modalidades de línguas são sistemas abstratos com regras gramaticais. Porém, da mesma maneira que as línguas oral-auditivas não são iguais, variando de lugar para lugar, de comunidade para comunidade a língua de sinais também varia. Dito de outra forma: existe a língua de sinais americana, inglesa, francesa e várias outras línguas de sinais em vários países, bem como a brasileira. É uma língua viva e autônoma, reconhecida pela linguística. Pesquisas com filhos surdos de pais surdos estabelecem que a aquisição precoce da Língua de Sinais dentro do lar é um benefício e que esta aquisição contribui para o aprendizado da língua oral como Segunda língua para os surdos. Os estudos em indivíduos surdos demonstram que a 4 Língua de Sinais apresenta uma organização neural semelhante à língua oral, ou seja, que esta se organiza no cérebro da mesma maneira que as línguas faladas. A Língua de Sinais apresenta, por ser uma língua, um período crítico precoce para sua aquisição, considerando-se que a forma de comunicação natural é aquela para o qual o sujeito está mais bem preparado, levando-se em conta a noção de conforto estabelecido diante de qualquer tipo de aquisição na tenra idade. 1.1 Origem das línguas de sinais e da Libras O que se sabe sobre a língua de sinais? Conforme Felipe (2009, p. 130), uma fonte de registro antigo remonta a 368 a.C., na obra Crátilo, de Platão: “Suponha que nós, seres humanos, quando não falávamos e queríamos indicar objetos, uns para os outros, nós o fazíamos, como fazem os surdos-mudos, sinais com as mãos, cabeça e demais membros do corpo?”. Compreendemos que esse questionamento acaba por registrar a existência de comunicação entre surdos já nessa época. É uma maneira de sobrevivência. De acordo com outros registros, uma língua de sinais era utilizada por monges beneditinos da Itália, em 530 d.C., para manter o voto de silêncio (FELIPE, 2009, p. 130). Segundo Moura (2000, p. 18), há registros de línguas de sinais iniciadas pelo filólogo e soldado a serviço secreto do rei da Castela, atual Espanha, Juan Pablo Bonet (1579 – 1629), sobre os métodos de ensino para os surdos através do uso do alfabeto digital, para alfabetizar e transmitir conhecimentos gramaticais. Ainda seguindo Moura (2000, p.19), os moldes manuais do alfabeto digital foram escritos pelo monge franciscano Melchior Yebra (1524 – 1586) e divulgados em livros publicados na época. Para Moura (2000, p. 22), o professor Charles-Michel L’Epée (1712 – 1789) é considerado por muitos como inventor da Língua de Sinais Francesa, apesar de saber que a língua já existia antes mesmo de iniciar seu trabalho. L’Epée defendia a ideia de que os surdos tinham uma língua, o que os colocou na categoriahumana. Foi fundador do Instituto Nacional para Surdos-Mudos em Paris (MOURA, 2000, p. 22 e 23). Um dos destaques de suas pesquisas foi ter reconhecido que esta língua existia, desenvolvia-se e servia como base comunicativa essencial entre os surdos. Segundo Berthier (1984, p.179 apud NASCIMENTO, 2006, p. 261): “(...) L’Epée foi o primeiro a vislumbrar, na linguagem mímica ainda imperfeita deles, meios mais seguros e simples de comunicação e uma mais direta e 5 clara tradução de pensamento”. Em relação à Libras, sabe-se que está relacionada com a vinda, para o Brasil, do professor francês Eduard Huet em 1855, a convite do imperador Dom Pedro II, com o objetivo de criar uma escola de surdos. Com a presença do professor, foi fundada a primeira escola para surdos no Rio de Janeiro, o Imperial Instituto de Surdos- Mudos, onde funciona atualmente o Instituto Nacional de Educação de Surdos – INES. Na escola, os alunos surdos aprenderam uma mistura de língua de sinais francesa com os sistemas já usados pelos surdos de várias regiões do Brasil, a Libras (FELIPE, 2009, p.131). Ainda segundo Felipe, o primeiro livro publicado no Brasil, de autoria do ex-aluno do INES Flausino José da Gama, foi escrito em 1875. Essa foi a primeira pesquisa sobre os sinais mais usados pela comunidade surda do Rio de Janeiro. Contudo, é fato que existiram sinais utilizados por surdos nas diversas regiões do nosso país, como afirma o historiador surdo Antônio Campos em vídeo gravado em Libras e postado no blog “Brasil – Língua Brasileira de Sinais – Libras – Libraslândia”. Para ele, a Libras teria surgido originalmente em Pernambuco. 6 2. A LINGUA DE SINAIS O termo linguagem remete a um sistema de comunicação qualquer que pode ser a linguagem de programação, matemática, corporal ou outra. Contudo, a língua se refere à materialização dessas formas de expressão por indivíduos que apresentam determinados traços culturais restritos a um espaço geográfico (BAGGIO; NOVA, 2017). O autor Chauí (2000) descreve as questões relacionadas à linguagem natural quando infere a linguagem como uma capacidade de expressão dos seres humanos de forma orgânica a partir do nascimento, em que os indivíduos dispõem do aparelho físico, anatômico, nervoso e cerebral que permite expressar a palavra. A língua seria algo convencional, surgido em meio às condições históricas, geográficas, econômicas e políticas de uma determinada cultura. A partir desse pressuposto, a linguagem humana ou natural seria “[...] aquela que pode ser desenvolvida espontaneamente pelo instrumental biológico e sensorial de que os seres são dotados, traduzindo-os em uma capacidade de expressão e reflexão por meio de signos” (BAGGIO; NOVA, 2017, p. 17). 7 A área da linguística consiste no estudo científico das línguas naturais e humanas, com a língua natural como algo que inicia com o homem. Ambas se relacionam com os pensamentos dos filósofos, mais precisamente com Platão e Aristóteles (QUADROS; KARNOPP, 2004). Aristóteles era naturalista em relação às proposições e convencionalista quanto à formação das palavras, afirmava que as coisas eram infinitas e as palavras finitas, determinadas pelo homem, desenvolvendo a linguística estruturalista. Platão era naturalista em relação à constituição das palavras, concebia que a linguagem nascia com o homem (QUADROS; KARNOPP, 2004). Para entender os princípios que organizam a linguagem humana, seria necessário conhecer a faculdade da linguagem como um componente advindo da mente humana. A teoria que se ocupa desses estudos, denominada Gramática Universal (GU), busca descobrir os princípios e os elementos comuns das línguas humanas (QUADROS; KARNOPP, 2004). A regularização de uma língua depende de sua efetiva utilização em nível nacional ou mundial. Sobretudo, quanto maior o índice de uso de uma determinada língua, mais ela é considerada viva, assim como ao contrário, seu uso reduzido a ameaça de extinção (SALLES et al., 2004). A vivência nas instituições sociais revela as necessidades de um coletivo, formando territórios sociais que regularizam seu funcionamento. Assim, a internacionalização das relações políticas e econômicas é organizada por meio das línguas oficiais no âmbito dos Estados (SALLES et al., 2004). Conforme Salles (2004), as línguas naturais apresentam uma imensa diversidade, em média 20.000 termos que designam línguas, dialetos e tribos, sendo de 5.000 a 6.000 as línguas consideradas vivas. Assim, a definição de língua se associa a “[...] uma língua nacional, expressão do conjunto de manifestações culturais e artísticas de um povo e de uma geopolítica, a que se pode associar o papel de língua oficial e quadro de referência” (SALLES et al., 2004, p. 79). Assim, a língua oficial apresenta um sentido de união e identificação cultural com funções institucionais e políticas. Aborda um quadro de referência que aponta [...] a um conjunto de formas linguísticas prestigiadas no contexto social, também referido como norma padrão. A norma padrão pode favorecer a manutenção de valores que promovem a situação de prestígio de certas formas linguísticas em detrimento de outras, como práticas de exclusão social (SALLES et al., 2004, p. 79). Nesse sentido, às vezes, duas ou mais línguas são consideradas como oficiais, o que justifica a convivência de povos e etnias dividindo o mesmo território sob um mesmo 8 sistema político. Em meio a essa condição, emergem as condições psicossociais específicas, ocasionando o surgimento do bilinguismo ou multilinguismo (SALLES et al., 2004). Conforme Cristal (1996), o bilinguismo seria um fenômeno com aspectos complexos que envolvem questões de proficiência, regularidade e frequência de uso, juntamente com a função de uso referente às pressões sociais ou interesse pessoal. De modo geral, a língua se encontra intimamente conectada às relações sociais de um determinado povo. Na interação verbal, a língua seria o instrumento da ação social, como reguladora do comportamento verbal, que indicaria a cooperação, relevância, operações cognitivas de raciocínio e inferência. Já Salles (2004) afirma que na dinâmica social o fenômeno das línguas e variedades em contato inclui as comunidades minoritárias. Ou seja, as comunidades de surdos apresentam referenciais culturais e linguísticos próprios ao mesmo tempo que compartilham com os ouvintes os referenciais da cultura nacional e da cidadania. O estudo da linguística parte de alguns pressupostos que restringem a linguagem em determinados princípios, ou regras, que fazem parte do conhecimento humano. Nesse sentido, atuam ainda na produção oral ou visuoespacial, segundo a modalidade das línguas, falada ou sinalizada, na formação de palavras, construção de sentenças ou de textos (QUADROS; KARNOPP, 2004). As línguas apresentam algumas diferenças, contudo não interferem nas estruturas que demonstram aspectos comuns na linguagem humana. Assim, as áreas de estudo da linguagem humana se ocupam da fonologia, morfologia, sintaxe, semântica e pragmática. Inclui ainda as áreas interdisciplinares, como a sociolinguística, a psicolinguística, a linguística textual e a análise do discurso (QUADROS; KARNOPP, 2004). 9 3.FONOLOGIA DA LÍNGUA DE SINAIS Fonologia das línguas de sinais é uma área da linguística que tem como objetivo identificar a estrutura e a organização dos constituintes fonológicos, propondo descrições e explicações. Este capítulo tem como objetivo oferecer uma abordagem teórica e uma revisão da literatura na área da fonologia dos sinais. Aqui estão relacionados ao tema da presente disciplina, apresentando conceitos e exemplos na área da fonologia dos sinais, em especial, das unidades formacionais do sinal - locação, configuração de mãoe movimento. As línguas de sinais são denominadas línguas de modalidade gestual-visual (ou espaço-visual), pois a informação linguística é recebida pelos olhos e produzida pelas mãos. Apesar da diferença existente entre línguas de sinais e línguas orais, no que concerne à modalidade de percepção e produção, o uso do termo ‘fonologia’ tem sido usado para referir-se também ao estudo dos elementos básicos das línguas de sinais. Historicamente, entretanto, para evitar subestimar a diferença entre esses dois tipos de sistemas linguísticos, Stokoe (1960) propôs o termo ‘Quirema’ às unidades formacionais dos sinais (configuração de mão, locação e movimento) e, ao estudo de suas combinações, propôs o termo ‘Quirologia’ (do grego ‘mão’).1 Outros pesquisadores, incluindo Stokoe em edição posterior (1978), têm utilizado os termos ‘Fonema’ e ‘Fonologia’. O argumento para a utilização desses termos é o de que as línguas de sinais são línguas naturais que compartilham princípios linguísticos subjacentes com as línguas orais, apesar das diferenças de superfície entre fala e sinal (Klima e Bellugi,1979; Wilbur, 1987; Hulst, 1993). Os articuladores primários das línguas de sinais são as mãos, que se movimentam no espaço em frente ao corpo e articulam sinais em determinados pontos (locações) neste espaço. 10 Um sinal pode ser articulado com uma ou duas mãos. Exemplos: Pai (sinal articulado com uma mão)2 Televisão (sinal articulado com as duas mãos – condição de simetria) Votar (sinal articulado com as duas mãos – condição de dominância) Um mesmo sinal pode ser articulado tanto com a mão direita quanto com a mão esquerda; tal mudança, portanto, não é distintiva. Sinais articulados com uma mão são produzidos pela mão dominante (tipicamente a direita para destros e a esquerda para canhotos), sendo que sinais articulados com as duas mãos também ocorrem e apresentam restrições em relação ao tipo de interação entre ambas as mãos. Exemplo do sinal mãe (pode ser articulado com a mão esquerda ou com a mão direita) 11 3.1 O sinal As línguas de sinais, conforme um considerável número de pesquisas, contêm os mesmos princípios linguísticos que as línguas orais, pois têm um léxico (palavras) e uma gramática. A divergência básica entre línguas de sinais e línguas orais, segundo Stokoe e o grupo de pesquisadores que se dedicou à investigação das línguas de sinais durante os anos de 1960 e 1970, diz respeito à estrutura simultânea de organização dos elementos das línguas de sinais. Stokoe (1960) realizou uma primeira descrição estrutural da ASL, demonstrando que os sinais poderiam ser vistos como partes de um todo (fonemas que compõem morfemas e palavras). Stokoe descreve um modelo lingüístico estrutural para analisar a formação dos sinais e propôs a divisão de sinais na ASL em três aspectos ou parâmetros que não carregam significados isoladamente, a saber: a. Configuração de mão (CM) b. Locação da mão (L) c. Movimento da mão (M) A idéia de que CM, L e M são unidades que constituem morfemas nas línguas de sinais começou a prevalecer. Hulst (1993, p.210) ilustra essa diferença conforme o esquema abaixo (μ = morfema, [ ] = um fonema ou conjunto de especificações representando uma determinada CM, M ou L): a. Língua Oral Análises dos sinais, posteriores à de Stokoe, incluíram a orientação da mão (Or) e os aspectos não-manuais dos sinais: expressões faciais e corporais (Battison, 1974, 1978). Esses dois parâmetros foram, então, adicionados aos estudos da fonologia de sinais. Durante os últimos 30 anos, fonologistas procuraram estabelecer as unidades (parâmetros) dos sinais. A seguir serão apresentadas, detalhadamente, as propriedades de cada parâmetro em LIBRAS, isto é, propriedades de configurações de mão, movimentos, locações, orientação de mão, bem como dos aspectos não-manuais dessa língua, conforme descrição feita por Ferreira Brito (1990, 1995). 12 3.2 Fonologia da LIBRAS A LIBRAS, assim como as outras línguas de sinais, é basicamente produzida pelas mãos, embora movimentos do corpo e da face também desempenhem funções. Seus principais parâmetros fonológicos são locação, movimento e configuração de mão, exemplificados na figura abaixo. Uma das tarefas de um investigador de uma língua de sinais particular é identificar as configurações de mão, as locações e os movimentos que têm um caráter distintivo. Isso pode ser feito comparando-se pares de sinais que são minimamente diferentes. 13 Para considerarmos esses processos na LIBRAS, é necessário refletirmos o que equivaleria à “integridade fônica” e o que seriam os fonemas nas línguas de sinais. O que forma um sinal na LIBRAS ou em outras línguas de sinais de forma mais geral? Em outras palavras, se decompusermos um sinal, quais são as partes menores, destituídas de significado que encontraremos? Stokoe (1960) é o primeiro pesquisador a analisar uma língua de sinais, olhando para a comunicação no que veio a ser chamado de Língua de Sinais Americana (ASL; do inglês, American Sign Languages). Ele descreve as unidades mínimas da ASL como quiremas ou queremas, que vem do grego, khéir, “mãos”. Mais tarde, essa terminologia é deixada de lado e o termo fonema é usado mesmo quando se tratando de línguas de sinais. Esse autor aponta três tipos de fonemas: configuração de mãos (o formato que a mão toma), locação (ou ponto de articulação, localização em relação ao corpo do sinalizador/falante) e movimento. Outros estudos que seguiram consideraram também: direcionalidade (ou orientação da palma da mão) e expressões não manuais (ou expressões faciais e corporais), como tipos de fonemas nas línguas de sinais. Esses compõem os cinco parâmetros da LIBRAS, ou seja, cinco tipos de fonemas, cinco grupos de partes menores, destituídas de significado por si só que, juntas, formam um sinal com significado. Assim, uma hipótese que se levanta é que podemos pensar que um processo de justaposição na língua de sinais seria um caso no qual os dois sinais que formam o composto são realizados em sua totalidade, ou seja, os dois sinais são completamente sinalizados. Já em um processo de aglutinação, algum ou alguns dos parâmetros de um ou ambos o sinal seria modificado ou não seria realizado. Como se dá a formação dos compostos na LIBRAS? Buscamos responder essa pergunta com base na literatura sobre composição nas línguas de sinais principalmente como em Klima e Bellugi (1979), Liddell (1984) e Del Giudice (2007), para a ASL, e Quadros e Karnopp (2004), Felipe (2006) e Figueiredo Silva e Sell (2009), para a LIBRAS. Ainda, na literatura de compostos no português brasileiro (PB), observa-se que os nomes compostos mostram uma série de peculiaridades, já relatadas em vários trabalhos,4 entre elas i) Podem carregar dois acentos; ii) Podem ter flexões entre os elementos que o constituem; iii) Os compostos, diferentemente dos vocábulos derivados, caracterizam-se somente como categorias lexicais [+N]: N, A, Adv, *V, *P; 14 iv) E permitem a formação do diminutivo através do acréscimo de sufixo entre constituintes; e v) Podem flexionar mais de uma vez. Considerando essas peculiaridades, outros pontos que ressaltamos para a análise dos compostos na LIBRAS têm relação com o que é, de fato, um morfema na LIBRAS? E um sufixo? Há flexão na LIBRAS? De que tipo? Brito (2010 [1995]), Quadros e Karnopp (2004), Felipe (2006), entre outros, passam por questões desse tipo, mas mostraremos no decorrer deste trabalho que alguns pontos ainda não são muito claros. 3.3 Configuração de Mão (CM) Conforme Ferreira Brito, a LIBRAS apresenta 46 CMs (ver Quadro abaixo), um sistema bastante similar àquele da ASL, embora nem todas as línguas de sinais partilhem o mesmo inventário de CMs. As CMs da LIBRAS foram descritasa partir de dados coletados nas principais capitais brasileiras, sendo agrupadas verticalmente segundo a semelhança entre elas, mas ainda sem uma identificação enquanto CMs básicas ou CMs variantes. Dessa forma, o conjunto de CMs da página seguinte refere-se apenas às manifestações de superfície, isto é, de nível fonético, encontrada na LIBRAS. 15 A CM pode permanecer a mesma durante a articulação de um sinal, ou pode passar de uma configuração para outra. Quando há mudança na configuração de mão, ocorre movimento interno da mão – essencialmente mudança na configuração dos dedos selecionados. 3.4 Movimento (M) Para que haja movimento, é preciso haver objeto e espaço. Nas línguas de sinais, a(s) mão(s) do enunciador representa(m) o objeto, enquanto o espaço em que o movimento se realiza (o espaço de enunciação) é a área em torno do corpo do 16 enunciador (Ferreira Brito e Langevin, 1995). O movimento é definido como um parâmetro complexo que pode envolver uma vasta rede de formas e direções, desde os movimentos internos da mão, os movimentos do pulso e os movimentos direcionais no espaço (Klima e Bellugi 1979). Em relação ao tipo de movimento, Ferreira Brito (1990) menciona que o movimento pode estar nas mãos, pulsos e antebraço. Os movimentos direcionais podem ser unidirecionais, bidirecionais ou multidirecionais. A maneira é a categoria que descreve a qualidade, a tensão e a velocidade do movimento. A frequência refere-se ao número de repetições de um movimento. O quadro abaixo mostra as categorias do movimento. Wilbur (1987), ao analisar o parâmetro movimento, argumentou que deveria ser dividido em dois tipos, movimento de direção (‘path movement’) e movimento local, conhecido também como movimento interno da mão. A razão para esta divisão é que um sinal pode apresentar somente um movimento de direção (path), somente um movimento local ou a combinação simultânea entre ambos. 17 3.5 Locação (L) ou Pontos de Articulação (PA) Stokoe define locação como um dos três principais aspectos formacionais da ASL. Friedman (1977, p. 4) afirma que ponto de articulação é aquela área no corpo, ou no espaço de articulação definido pelo corpo, em que ou perto da qual o sinal é articulado. Klima e Bellugi (1979, p. 50) utilizam a definição de Stokoe para o aspecto locação: "(...) o segundo dos principais parâmetros de sinais lexicais da ASL é o locus de movimento do sinal, seu ponto de articulação (PA)". Na LIBRAS, assim como em outras línguas de sinais até o momento investigadas, o espaço de enunciação é uma área que contém todos os pontos dentro do raio de alcance das mãos em que os sinais são articulados. Dentro desse espaço de enunciação, pode-se determinar um número finito (limitado) de pontos, que são denominados ‘pontos de articulação’. Alguns pontos são mais precisos, tais como a ponta do nariz, e outros são mais abrangentes, como a frente do tórax (Ferreira Brito e Langevin, 1995). O espaço de enunciação é um espaço ideal, no sentido de que se considera que os interlocutores estejam face a face. Pode haver situações em que o espaço de enunciação seja totalmente reposicionado e/ou reduzido; por exemplo, se um 18 enunciador A faz sinal para B, que está à janela de um edifício, o espaço de enunciação será alterado. O importante é que, nessas situações, os pontos de articulação têm posições relativas àquelas da enunciação ideal. 3.6 Orientação da Mão (Or) A orientação da palma da mão não foi considerada como um parâmetro distinto no trabalho inicial de Stokoe. Entretanto, Battison (1974) e posteriormente outros pesquisadores argumentaram em favor da inclusão de tal parâmetro na fonologia das línguas de sinais com base na existência de pares mínimos em sinais que apresentam mudança de significado apenas na produção de distintas orientações da palma da mão (Battison, 1974; Bellugi, Klima e Siple, 1975). Por definição, orientação é a direção para a qual a palma da mão aponta na produção do sinal. Ferreira Brito (1995, p. 41) enumera seis tipos de orientações da palma da mão na LIBRAS: para cima, para baixo, para o corpo, para a frente, para a direita ou para a esquerda. 19 20 3.7 Expressões Não-manuais: expressões faciais e corporais As expressões não-manuais (movimento da face, dos olhos, da cabeça ou do tronco) prestam-se a dois papéis nas línguas de sinais: marcação de construções sintáticas e de sinais específicos. As expressões não-manuais que têm função sintática marcam sentenças interrogativas sim-não, interrogativas QU-, orações relativas, topicalizações. As expressões não-manuais que constituem componentes lexicais marcam referência específica, referência pronominal, partícula negativa, advérbio ou aspecto. Com base em Baker (1983), Ferreira Brito e Langevin (1995) identificam as expressões não-manuais da LIBRAS, as quais são encontradas no rosto, na cabeça e no tronco. Deve-se salientar que duas expressões não manuais podem ocorrer simultaneamente, por exemplo, as marcas de interrogação e negação. 21 3.8 Restrições na formação de sinais Restrições físicas e linguísticas especificam possíveis combinações entre as unidades configuração de mão, movimento, locação e orientação de mão na formação de sinais. Algumas dessas restrições são impostas pelo sistema perceptual (visual) e outras pelo sistema articulatório (fisiologia das mãos). Siple (1978) mostrou que propriedades do sistema de percepção visual restringem a produção de sinais. A acuidade visual é maior na área da face, pois é em tal região que o interlocutor fixa o olhar. Nessa área de alta acuidade é mais fácil detectar pequenas diferenças em CM, L, ou M. Fora dessa área de proeminência perceptual, discriminações visuais não são tão precisas, dependendo mais da visão periférica do que da visão central. Battison (1978) demonstra que na região facial há um grande número de diferentes locações, comparada à região do tronco. Além disso, CM marcadas ocorrem com maior frequência na região da face do que na região do tronco. Essas observações relacionam-se perfeitamente com as colocações de Siple (1978) relatadas no parágrafo anterior. As restrições fonológicas de boa-formação de sinais podem ser exemplificadas pelas restrições em sinais produzidos pelas duas mãos. De um modo geral, pode-se fazer a seguinte classificação: (a) sinais produzidos com uma mão, (b) sinais produzidos com as duas mãos em que ambas são ativas e (c) sinais de duas mãos em que a mão dominante é ativa e a mão não-dominante serve como locação.3 Na classificação proposta por Battison (1978) há duas restrições fonológicas na produção de diferentes tipos de sinais envolvendo as duas mãos. A primeira restrição, denominada , estabelece que, caso as mãos se movam na produção de um sinal, então determinadas restrições aparecem, a saber: a CM deve ser a mesma para as duas mãos, a locação deve ser a mesma ou simétrica, e o movimento deve ser simultâneo ou alternado. 22 A segunda restrição, denominada Condição de Dominância, estabelece que, se as mãos não dividem a mesma CM, então a mão ativa produz o movimento, e a mão passiva serve de apoio e apresenta uma das CM não-marcadas do seguinte conjunto: A adição da mão passiva na articulação dos sinais serve para aumentar a gama de informação redundante apresentada para o interlocutor. As restrições na formação de sinais, derivadas do sistema de percepção visual e da capacidade de produção manual, restringem a complexidade dos sinais para que eles sejam mais facilmente produzidos e percebidos. O resultado disso é uma maior previsibilidade na formação de sinais e um sistemacom complexidade controlada. 23 4. MORFOLOGIA EM LIBRAS Seguindo os pontos apresentados e as questões levantadas até aqui, vale lembrar que a LIBRAS é uma língua de uma modalidade diferente das línguas orais, sendo essas já bastante estudadas enquanto seus processos de composição. Ou seja, a LIBRAS, e as línguas de sinais de forma mais geral, são línguas visuo-espaciais, “pois a informação linguística é recebida pelos olhos e produzida pelas mãos” (QUADROS; KARNOPP, 2004). Assim, no decorrer deste artigo, procuramos olhar para o que a literatura de línguas visuo- espaciais explica sobre os compostos e a morfologia, contrapondo com alguns pontos para esses estudos nas línguas orais. Discutimos a literatura da LIBRAS e da ASL, pois a segunda é uma língua de sinais mais estudada, desde Stokoe (1960), enquanto que a primeira só passa a ser mais estudada enquanto seus aspectos linguísticos a partir do fim da década de 80. Para tanto, este trabalho se divide da seguinte forma: na seção “Compostos na LIBRAS”, discutimos as possíveis formações de compostos na LIBRAS por meio do trabalho de Figueiredo Silva e Sell (2009); na seção “Felipe (2006) – processos de composição”, trazemos uma análise das formações dos compostos na LIBRAS apresentada por Felipe (2006) e discutimos alguns pontos dessa análise; na seção “Compostos nas línguas de sinais – análises da ASL”, trazemos duas análises sobre compostos na ASL, Klima e Bellugi (1979) e Lidell (1984); na seção “Morfologia”, discutimos alguns trabalhos sobre morfologia na LIBRAS, Brito (2010 [1995]), Quadros e Karnopp (2004), e Felipe (2006); e, na última seção, encontram-se as considerações e instigações para pesquisa futura. Como as línguas orais, as línguas de sinais exibem a dupla articulação, isto é, unidades significativas ou morfemas,10 constituídas a partir de unidades arbitrárias e sem significado ou fonemas (Klima e Bellugi, 1979). Nas línguas orais, os fonemas são produzidos pela passagem de ar pela laringe, nariz e boca, e nas línguas de sinais, a estrutura fonológica se organiza a partir de parâmetros visuais. (BRITO, 2010 [1995], p. 35) Ela fala, então, sobre os parâmetros da LIBRAS, ou seja, discute a parte concernente à fonologia. Na sequência, ela traz uma seção intitulada “Aspectos Morfológicos”, na qual trata de temas como gênero, número e quantificação, grau, pessoa, tempo e aspecto, passando depois para aspectos sintáticos. Ou seja, alguns aspectos morfológicos são discutidos, mas em nenhum momento explica-se o que é um morfema, um sufixo ou uma raiz. 24 A primeira dificuldade ao se tentar descrever e explicar a morfologia da língua de sinais brasileira é o peso da tradição, que dificulta a revisão e a adoção de novas posições. A questão é: realizar um estudo da morfologia a partir da análise da morfologia das línguas orais ou reduzir-se ao estudo da morfologia das línguas de sinais? Ao optar-se pela primeira, pode-se desconsiderar as especificidades das línguas de sinais, quanto à sua modalidade de percepção e produção. Ao optar-se pela segunda, depara-se com uma bibliografia reduzida e limitada, principalmente ao estudo da língua de sinais americana. Além disso, na língua de sinais brasileira, raros são os estudos lingüísticos realizados nesta área. (QUADROS; KARNOPP, 2004, p. 84) Ainda, sobre os processos combinatórios, apontam que: As línguas de sinais têm um léxico e um sistema de criação de novos sinais em que as unidades mínimas com significado (morfemas) são combinadas. Entretanto, as línguas de sinais diferem das línguas orais no tipo de processos combinatórios que frequentemente cria palavras morfologicamente complexas. Para as línguas orais, palavras complexas são muitas vezes formadas pela adição de um prefixo ou sufixo a uma raiz. Nas línguas de sinais, essas formas resultam frequentemente de processos não-concatenativos em que uma raiz11 é enriquecida com vários movimentos e contornos no espaço de sinalização (Klima e Bellugi, 1979). (QUADROS; KARNOPP, 2004, p. 87) 4.1 Conceitos básicos de morfologia Para Leite (2008), Mesquita (2008) e Quadros & Karnopp (2004), a maioria dos sinais em Libras são monomorfêmicos. Ou seja, um sinal apresenta apenas uma forma, um morfema, que é composto de todos os parâmetros da língua de sinais proposto por Stokoe. Vejamos isso nos exemplos abaixo, em que um único item lexical é utilizado para executar o sinal: 25 Conforme Leite (2008), haveria 3 tipos de sinais complexos, todos formados por composição: 1 – Sinais compostos: são executados dois sinais com apenas um significado. 2 – Sinais com incorporação de números: 26 Aqui o sinal apresenta configurações de mão distintas, para expressar a quantidade de dias. 3 – Sinais modificados aspectualmente: Com relação a esse último exemplo, o autor destaca que: Um processo bastante produtivo de modificação de aspecto nas LSs é a reduplicação, também documentada principalmente nas línguas indígenas e asiáticas. Por exemplo, na Libras, a reduplicação das sequências de movimento e suspensão acompanhada de sinais não-manuais pode expressar a ideia de iteratividade (ESTUDAR e ESTUDAR-MUITO). Além disso, a expressão de diferentes aspectos parece ser diferenciada formalmente por mudanças na qualidade dos movimentos reduplicados, e pelo possível acompanhamento de sinais não- manuais específicos. (LEITE, 2008 p.27) 1.5.3. 27 4.2 Sintaxe Segundo Leite (2008, p. 28), Os estudos de sintaxe da ASL e das demais LSs do mundo ganharam um novo impulso a partir da década de 70. Até então, a maior parte dos pesquisadores acreditava que a ordem das sentenças na ASL era basicamente livre, sem restrições, tendo em vista que, em diferentes contextos discursivos, os sinais correspondentes a sujeito e objeto apareciam posicionados de diferentes maneiras em relação ao verbo. Essa visão começou a mudar a partir dos estudos que vieram destacar o importante papel dos sinais não-manuais, principalmente relativos ao rosto e à cabeça, na identificação de fenômenos sintáticos. (LEITE, 2008 p. 28). E a sintaxe da Libras, no Brasil, começou a ser estudada a partir da década 1980. Namura (1982) fez uma dissertaçao com o tema A ordem sintática e a repetição em Mogi das Cruzes. Na sequência, vieram os estudos de Brito (1984) com pesquisas que tomaram como parâmetro o que se pesquisava em ASL. Reservamos o capítulo 2 desta dissertação para abordar melhor a sintaxe em Libras, sobretudo com relação aos temas sintáticos que nos interessam pesquisar aqui. Ao se discutir estrutura gramatical da Libras com foco na sintaxe, é preciso inicialmente conhecer o que pode estar constituindo essa estrutura em outros domínios linguísticos, como a fonologia e a morfologia. De acordo com Stokoe (1960), a partir de seus estudos sobre a American Sign Language (ASL), as línguas de sinais apresentam um nível linguístico sublexical que se assemelha à fonologia das línguas orais. O autor destaca que as línguas de sinais apresentam pares mínimos: há itens lexicais distintos e diferenciados por um único elemento discreto e sem significado. Nos sinais APRENDER e SÁBADO em Libras, é possível perceber a diferença de um único parâmetro que é o da localização, portanto, esses sinais têm a mesma configuração de mão que é uma representação do sinal da mão, mesmo movimento, mesma orientação quando a palma dos dois sinais estão orientadas para o lado e não têm expressão não-manual: 28 Stokoe (1965) propõe ainda que os sinais são compostos por três elementos fonológicos básicos: configuração de mão (CM); localização (L) e movimento (M). Em estudos posteriores, Battison (1974), Liddel e Johnson (1989) apud Crato (2010) acrescentam a orientação da palma da mão (OR) e as expressões não manuais (ENM) como doisoutros elementos que possuem um importante papel no que poderia ser chamado de estrutura fonológica dos sinais. Nas línguas de sinais, a unidade que unifica forma e significado é o sinal. Os sinais podem ser formados por mais de um componente que denota sentido e/ou função gramatical. Segundo Oliveira e Cunha (2011), os componentes dos sinais são simultâneos, o que, a nosso ver, dificulta a identificação de morfemas. Para Meir (2012) uma característica marcante das línguas sinalizadas é o fato de o léxico apresentar um número maior de elementos icônicos do que as línguas orais. Para Souza (2014), outro ponto de estudo sobre a morfologia são os estudos de processos sobre a formação e a modificação dos sinais. Há os processos de criação de novas palavras, conhecida como morfologia derivacional, e os processos de criação de novas formas da mesma palavra, morfologia flexional. A sintaxe, segundo Quadros & Karnopp (2004, p.20), é: “a parte da linguística que estuda a estrutura interna das sentenças e a relação interna entre suas partes”. Ao analisar as estruturas internas das sentenças na Libras, podem-se perceber as seguintes características: ausência de preposição, de conjunções e de verbos de ligação, a incorporação de verbos direcionais ou com concordância ou flexão, típico de línguas espaço-visuais. (FERNANDES, 1994). Os principais aspectos linguísticos da sintaxe de Libras, conforme Stumppf (2005 p. 25), são: exploração do uso do espaço (organização de objetos e referentes e não-presentes); uso da marcação de concordância nos verbos com concordância; uso dos elementos necessários para marcação de concordância com verbos sem concordância (auxiliar, 29 ordem linear, topicalização e foco); uso de estruturas complexas (interrogativo, relativas e condicionais); uso de topicalização; uso de estruturas com foco e uso de marcação não- manual gramatical para realização de concordância; perguntas QU e sim/não; negação. Todos esses aspectos são abordados por diversos autores, mas não foram ainda aprofundados. Para exemplificar essa sintaxe da Libras com suas regras específicas, a seguir abordamos o conceito de ordem de palavras na língua de sinais e a chamada concordância na língua a partir dos tipos verbais em Libras. Ordem das palavras Segundo Souza (2014), um dos temas mais discutidos na área da Sintaxe é a ordem básica dos constituintes na frase em diferentes línguas de sinais e em diferentes tipos de sentenças, principalmente as sentenças interrogativas e as construções de tópico e foco. Quadros (1999) afirma que a Libras tem uma estrutura da ordem dos constituintes semelhante à da ASL: (S) sujeito, (V) verbo e (O) objeto – SVO. Para Fisher (1973), a ordem básica em ASL também é SVO, porém “Se o verbo for transitivo e o sujeito e o objeto forem reversíveis, ou seja, há uma mudança na orientação da mão e da direção do sinal, a flexibilidade nas ordenações será mais restrita” (Fisher, 1973, p. 15 apud Quadros & Karnopp, 2004, p. 135). Fisher também constatou que as estruturas não-reversíveis, ou seja, flexíveis, apresentam quatro combinações SVO, OSV, VOS, e SOV, sendo que a OSV produz uma possível topicalização do objeto, que será analisada no capítulo da análise de dados. Quadros & Karnopp (2004, p.135), em consonância com Fischer (1973), confirmam que há diferentes padrões de ordenação em virtude da flexibilidade na ordenação dos constituintes, porém afirmam que essas ordens são arranjos existentes na língua derivados da ordem subjacente. Souza (2014) destaca que todas as sentenças com ordem SVO são gramaticais. 30 4.3 Semântica e Pragmática Atualmente, há poucas pesquisas sobre Semântica e Pragmática da Libras. Para Quadros & Karnopp (2004), o estudo da semântica averigua a natureza do significado individual das palavras e do agrupamento das palavras nas sentenças. Para McCleary e Viotti (2009, p. 6): “o estudo do significado linguístico com base apenas no sistema da língua – fora do contexto de uso – é o objeto específico de estudo da Semântica”. A Pragmática também é uma área da linguística muito importante para os estudos linguísticos. Segundo Fiorin (2008, p. 161): é a ciência do uso linguístico, que estuda as condições que governam a utilização da linguagem, a prática linguística. Um dos domínios de fatos linguísticos que exigem a introdução de uma dimensão pragmática nos estudos linguísticos é a enunciação, ou seja, o ato de produzir enunciados. McCleary e Viotti (2009, p. 6) definem pragmática como “o estudo do significado das expressões linguísticas em contextos de fala”. No capítulo teórico, voltaremos a falar de Semântica e Pragmática ao abordar os papéis semânticos (Agente, Paciente, sobretudo) e os papéis pragmáticos (Tópico e Foco), além do tema Topicalização, todos estes muito importantes para esta dissertação. Tipos de Verbos em Libras Ferreira-Brito (1995) dividiu os verbos em duas categorias: direcionais e não- direcionais. Crato (2010) afirma que os verbos direcionais são caracterizados por manifestar as flexões para pessoa e número e apresentar um movimento no qual o ponto de partida é o sujeito e o ponto final o objeto do enunciado ou vice-versa. Segundo Ferreira- Brito (1995), esta presença7 do sujeito e do objeto no verbo equivaleria às flexões verbais da Língua Portuguesa. Diferentemente, os verbos não direcionais não apresentam essa marcação em que o ponto de partida é o sujeito, e o ponto final é o objeto. Para Quadros (1999), os verbos flexionados, também chamados de verbos com concordância, utilizam os planos espaciais e pontos de articulação, considerados morfemas. Quadros e Karnopp (2004) dividem os verbos da Libras em duas classes: verbos com concordância e verbos sem concordância. 31 Verbos sem concordância Os verbos sem concordância, ou verbos simples, são aqueles que não apresentam nenhuma marca de concordância e são também conhecidos, na literatura, como verbos nãodirecionais. O vovô se sente triste. Crato (2010) divide os verbos simples (sem concordância ou não-direcionais) em três tipos: a) Ancorados no corpo – são verbos nos quais os sinais são feitos em contato com ou muito próximos ao corpo. Nesses verbos, em virtude da não flexibilidade do verbo e de ser próximo ao corpo, não há forma de marcar o sujeito e o verbo a não ser pelo sistema pronominal, ou seja, não há incorporação de indicadores, é necessário apresentar sujeito e objeto. b) Incorporam o objeto – nesta categoria ocorre a articulação simultânea do verbo e do objeto, ou seja, um único sinal traz informações a respeito do verbo e do objeto a que a ação se refere. É preciso destacar que os verbos possuem um sinal específico, porém mudam um dos parâmetros de constituição do sinal em virtude da especificidade do objeto incorporado. c) Apresenta flexão com o sujeito ou com o objeto – os verbos não possuem um movimento linear e concordam com o sujeito ou com o objeto da oração. Verbos com concordância O segundo grupo de verbos são os direcionais, aqueles que apresentam concordância. Quadros & Karnopp (2004) destacam que os verbos se flexionam em pessoa, número e aspecto, por meio da orientação das mãos, que indica o ponto de partida e o ponto de chegada do verbo. Alguns verbos incorporam somente o objeto. Outra classificação sobre os verbos com concordância é a apresentada por Souza (2014). Para Lillo-Martin e Meier (2011), esse fenômeno é denominado primazia do objeto, em que a concordância com o objeto é sempre obrigatória, enquanto a concordância com o sujeito é opcional, podendo ser omitida. Souza (2014) apresenta também os verbos com concordância dupla regular, que apresentam dois argumentos em uma sentença. 32 E uma última classificação denominada por Quadros & Karnopp (2004) de backward verbs, em que iniciam a trajetória do sinalna posição do objeto e concluem na posição de sujeito, ao contrário dos demais verbos que começam a trajetória na posição de sujeito e vão em direção à posição do objeto (QUADROS & KARNOPP 2004, p. 203). Pessoa (referência) Quadros, Pizzio e Rezende (2009, pag. 34) afirmam que a flexão é utilizada para marcar as referências pessoais nos verbos com concordância. O referente é realizado por meio da apontação para diferentes locais no espaço, estabelecidos para identificá-los, quando estes não estão presentes no discurso. No caso de referentes presentes, a apontação é direcionada para a posição real do referente. Se isso é ou não efetivamente um caso de flexão não será aqui discutido por nós. Segundo Castro (2010), essa apontação não ocorre de forma caótica. A primeira distinção refere-se à pessoa do discurso. A autora apresenta uma distinção entre 1ª pessoa e não-1ª pessoa: ao se fazer referência à 1ª pessoa, aponta-se diretamente para o peito do sinalizador. Para referência a outras pessoas do discurso, há uma associação com um ponto distinto do espaço. O ponto será estabelecido de acordo com o referente. E este ponto pode ser estabelecido de forma diferenciada se o referente estiver presente ou ausente no momento da enunciação. Se o referente estiver presente, aponta-se diretamente para o local, ou seja para sua posição real. No caso da 2ª pessoa, ela é identificada imediatamente à frente do falante. Para Berenz (2002) apud Souza (2014) essa regularidade constatada de sempre a segunda pessoa estar à frente do falante levou alguns autores a discutirem se as línguas de sinais fazem ou não distinção entre 1ª pessoa, 2ª pessoa e 3ª pessoa. Porém, os estudos ainda são novos e não iremos detalhar nesta pesquisa. A 3ª pessoa é marcada ao se fazer referência à localização real do referente, se este estiver presente na discussão, ou ainda, ao se atribuir um ponto abstrato específico no espaço de sinalização. Para Meir (2002): “(...) devido a modalidade visual, cada nominal do discurso pode receber uma localização distinta e, portanto, cada localização contém informações suficientes para identificar unicamente seu referente”. Para se determinar a pessoa, em todos os casos, a configuração usada é a mão em G. Na primeira pessoa, o dedo indicador aponta para o peito do locutor e, na segunda pessoa, o indicador aponta para o interlocutor. Pontos no 33 espaço estabelecidos durante o discurso representam as terceiras pessoas. Uma das formas de expressar o plural é por meio do movimento semicircular para a segunda pessoa e do movimento circular para a primeira pessoa. Tempo/Modo/Aspecto Para Ferreira-Brito (2010), o tempo é expresso através de locativos temporais relacionando-se entre si dentro do espaço, como os sinais HOJE e/ou AGORA. O plano vertical em frente ao corpo do locutor representa o presente, já o futuro é indicado por um movimento curto que se direciona para frente do locutor e representa o sinal AMANHÃ. O passado é indicado por um movimento sobre o ombro até atingir o espaço imediatamente anterior ao ouvido, como ONTEM, e já o passado distante é obtido por um movimento amplo que se estende além das costas como o sinal HÁ MUITO TEMPO. As realizações desses sinais podem ser descritas como se estivessem se valendo de linhas temporais imaginárias situadas no espaço de sinalização: futuro bem à frente do tronco, passado atrás e presente próximo. Na Libras, como não parece haver flexão gramatical para tempo, a noção de temporalidade pode ser explicada por essa composicionalidade do sistema de referência temporal e aspectual. Ou seja, há marcas específicas que estabelecem relações dêiticas com o momento de fala e expressam os tempos futuro, passado ou presente. Porém, quando essas marcas não são empregadas, é possível ter leitura de presente ou passado dada pela interação entre tempo e aspecto, isto é, pela lexicalidade do verbo e seus argumentos, é possível interpretar sentenças como estando no presente quando a lexicalidade dos verbos e de seus complementos não estiver denotando um evento pontual, cujo tempo de referência pode ser interpretado como um todo ocorrido antes do momento de fala, pois, nesse caso, o tempo que se coloca é de passado. 34 CONCLUSÃO Vimos os principais conceitos existentes nos estudos morfológicos da libras, como unidade mínima, morfologia e composição. Vimos como se comportam os compostos em libras e os parâmetros dessa língua são compreendidos como unidades mínimas. Porém, como observado, várias questões ainda estão em aberto sobre a morfologia da libras, por isso tal estudo carece de mais aprofundamento. A maneira pela qual a libras é realizada, através do canal visual-gestual, permite a ocorrência de eventos que não ocorrem nas línguas orais, pois ambas são línguas com realizações e realidades distintas. Por isso é observa-se a necessidade de que estudos específicos sobre a morfologia da libras sejam realizados, pois do contrário muitos perguntas podem continuar sem respostas. 35 REFERÊNCIAS Ensino de língua portuguesa para surdos : caminhos para a prática pedagógica / Heloísa Maria Moreira Lima Salles ... [et al.] . _ Brasília : MEC, SEESP, 2004. 2 v. : il. . _ (Programa Nacional de Apoio à Educação dos Surdos) Ensaios pedagógicos - construindo escolas inclusivas : 1. ed. Brasília :MEC, SEESP, 2005.180 p. : il. ABREU, A. C. de. Brasil - Língua Brasileira de Sinais Libraslândia. Blog. 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