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Autor: Prof. Flávio Buratti Gonçalves Colaboradoras: Profa. Mônica Teixeira Profa. Carolina Kurashima Fisiopatologia das Doenças Endócrinas e Nutricionais Professor conteudista: Flávio Buratti Gonçalves Biomédico graduado pela Universidade de Mogi das Cruzes (1996), especialista em Diagnóstico Laboratorial de Doenças Tropicais pela FMUSP e em Acupuntura Tradicional Chinesa. Mestre em Saúde Pública pela Faculdade de Saúde Pública da USP (2000). Doutor em Patologia Ambiental e Experimental pela Universidade Paulista (UNIP) (2017). Possui habilitação nas áreas de análises clínicas, microbiologia, imunologia, parasitologia, saúde pública e acupuntura. Atualmente é coordenador do curso de Biomedicina na modalidade semipresencial e docente da UNIP, nas áreas de Microbiologia, Imunologia, Parasitologia e Bioquímica. Atua nas linhas de pesquisa de Patologia Ambiental e Experimental (Neuroimunopatologia), Microbiologia e Imunologia. É membro do Banco de Avaliadores (BASis) do INEP. © Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Universidade Paulista. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) G635f Gonçalves, Flávio Buratti. Fisiopatologia das Doenças Endócrinas e Nutricionais / Flávio Buratti Gonçalves. – São Paulo: Editora Sol, 2021. 168 p., il. Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e Pesquisas da UNIP, Série Didática, ISSN 1517-9230. 1. Patologia. 2. Distúrbios. 3. Sistemas. I. Título. CDU 613.2 U511.45 – 21 Prof. Dr. João Carlos Di Genio Reitor Prof. Fábio Romeu de Carvalho Vice-Reitor de Planejamento, Administração e Finanças Profa. Melânia Dalla Torre Vice-Reitora de Unidades Universitárias Profa. Dra. Marília Ancona-Lopez Vice-Reitora de Pós-Graduação e Pesquisa Profa. Dra. Marília Ancona-Lopez Vice-Reitora de Graduação Unip Interativa – EaD Profa. Elisabete Brihy Prof. Marcello Vannini Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar Prof. Ivan Daliberto Frugoli Material Didático – EaD Comissão editorial: Dra. Angélica L. Carlini (UNIP) Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR) Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT) Apoio: Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD Profa. Deise Alcantara Carreiro – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos Projeto gráfico: Prof. Alexandre Ponzetto Revisão: Auriana Malaquias Jaci Albuquerque Sumário Fisiopatologia das Doenças Endócrinas e Nutricionais APRESENTAÇÃO ......................................................................................................................................................9 INTRODUÇÃO ...........................................................................................................................................................9 Unidade I 1 CONCEITOS BÁSICOS DE PATOLOGIA GERAL ....................................................................................... 11 1.1 Homeostase e saúde .......................................................................................................................... 11 1.2 História da patologia .......................................................................................................................... 12 1.3 Patologia e fisiopatologia – conceitos ....................................................................................... 13 1.4 Agentes causadores de doença – estresse e estímulos nocivos ........................................ 14 1.4.1 Agentes biológicos ................................................................................................................................ 16 1.4.2 Agentes físicos ........................................................................................................................................ 17 1.4.3 Agentes químicos .................................................................................................................................. 22 1.4.4 Herança genética .................................................................................................................................... 22 1.4.5 Desequilíbrio nutricional ..................................................................................................................... 23 2 FISIOPATOLOGIA DA OBESIDADE .............................................................................................................. 55 2.1 Obesidade - aspectos gerais ........................................................................................................... 55 2.2 Regulação da ingestão de alimentos ........................................................................................... 57 2.3 Índice de massa corporal (IMC), forma e composição corporal, e risco de doença ...................................................................................................................................................... 59 2.4 Avaliação médica de pacientes com obesidade ..................................................................... 61 2.5 Obesidade – conduta terapêutica ................................................................................................ 62 2.5.1 Hábitos alimentares saudáveis .......................................................................................................... 62 2.5.2 Atividade física e qualidade de vida .............................................................................................. 63 2.5.3 Tratamento medicamentoso .............................................................................................................. 64 2.5.4 Tratamento cirúrgico – a cirurgia bariátrica, tipos e aplicações ........................................ 65 2.6 Síndrome de dumping ...................................................................................................................... 71 3 FATORES DE RISCO ASSOCIADOS À OBESIDADE ............................................................................... 72 3.1 Dislipidemia ........................................................................................................................................... 72 3.2 Aterosclerose .......................................................................................................................................... 74 3.3 Hipertensão............................................................................................................................................. 76 3.3.1 Papel nervoso no controle da PA ..................................................................................................... 76 3.3.2 Controle renal da pressão arterial .................................................................................................... 78 3.3.3 Disfunção endotelial ............................................................................................................................ 79 3.3.4 Sensibilidade ao sal ............................................................................................................................... 80 4 FISIOPATOLOGIA DOS DISTÚRBIOS CIRCULATÓRIOS ....................................................................... 81 4.1 Edema ....................................................................................................................................................... 81 4.1.1 Equilíbrio de Starling ............................................................................................................................. 81 4.1.2 Mecanismos de edema tecidual ....................................................................................................... 83 4.1.3 Edema por aumento da permeabilidade vascular ..................................................................... 84 4.1.4 Edema por aumento da pressão hidrostática sanguínea .......................................................suas funções biológicas Aminoácido Função biológica Triptofano Envolvido na síntese de serotonina, um importante neurotransmissor Lisina Proteína transportadora ligada a absorção de cálcio Fenilalanina Base para formação de neurotransmissores Arginina Faz parte da estrutura de anticorpos e outras células de defesa Histidina Presente na molécula de hemoglobina responsável pelo transporte de oxigênio pelo sangue Alanina Manutenção do tecido muscular, formação de anticorpos e metabolismo de carboidratos Adaptado de: Galante et al. (2012, p. 138-139). 31 FISIOPATOLOGIA DAS DOENÇAS ENDÓCRINAS E NUTRICIONAIS Proteínas globulares e fibrosas As proteínas são macromoléculas biológicas formadas por sequências específicas de aminoácidos essenciais para a vida. A palavra proteína se origina do grego (primeiro). Além disso, elas podem unir-se a outras moléculas, como carboidratos (glicoproteínas), lipídeos (lipoproteínas) ou até mesmo a outras cadeias de aminoácidos, formando dímeros, trímeros ou tetrâmetros. Existem, ainda, grupos não proteicos que podem ser unidos à estrutura da proteína (grupos prostéticos). A hemoglobina, por exemplo, é um tetrâmetro com um grupo prostético heme, importante para a ligação do oxigênio. Esse tetrâmetro se concentra principalmente dentro das células vermelhas do sangue, sendo responsável por conduzir o oxigênio proveniente da respiração até os órgãos e tecidos. Um grupo especial de proteínas são as enzimas que, por definição, são as proteínas com a capacidade de catalisar reações químicas. É por meio de várias enzimas que o alimento ingerido “se transforma” em energia. No interesse diagnóstico, as proteínas e as enzimas são utilizadas como marcadores da situação metabólica. São consideradas substâncias sólidas, incolores e têm solubilidade variável de acordo com a solução e a própria conformação da molécula de proteína. Algumas das principais funções das proteínas podem ser demonstradas na figura a seguir. Nucleoproteínas Proteínas Membrana Reserva Estruturais Transporte Anticorpos Enzimas Hormonais Motoras Figura 8 – Funções biológicas das proteínas Sendo as proteínas uma sequência específica de aminoácidos ligados entre si, atribui-se a essa ligação o nome de ligação peptídica. A ligação entre um aminoácido e outro acontece entre o grupo carboxila (COO-) de um e o grupo amina (NH3) do outro (figura 9). Essa ligação sempre gera como resíduo uma molécula de água. H3N + H2O H3N +N+ H H Cα Cα CαCα H H H R2 R1 R2H Ligação peptídica R1 H C C CN OC O O OO O- OH Figura 9 – Demonstração de uma ligação peptídica 32 Unidade I Nos seres humanos, a organela celular responsável por capturar e unir esses aminoácidos de maneira específica e eficiente são os ribossomos presentes no retículo endoplasmático rugoso (RER), sendo um processo extremamente complexo que demanda a interação de material nucleico (DNA e RNA) e enzimas específicas. Quando ocorre a ligação entre 2 até 40 aminoácidos, o produto dessa ligação recebe o nome de peptídeo (monômero), e devido à característica intrínseca dessa molécula de gerar polímeros (união espontânea e em sequência de várias moléculas quimicamente semelhantes), estes vão se unindo formando polipeptídeos (polímeros) e somente quando há formação de cadeias polipeptídicas atribuímos a estas o nome de proteínas. A) B) Figura 10 – Demonstração da união entre um peptídeo (A), e a formação de um polipeptídeo (B) Os peptídeos são classificados de acordo com o número de aminoácidos unidos entre si. • Dipeptídeo: ligação de apenas 2 aminoácidos unidos por uma ligação peptídica. • Tripeptídeo: ligação de 3 aminoácidos unidos por ligações peptídicas. • Oligopeptídeos: polímero contendo de 4 a 40 aminoácidos unidos por ligações peptídicas. • Polipeptídeos: polímero contendo mais de 40 aminoácidos unidos por ligações peptídicas. As proteínas são classificadas de acordo com sua estrutura molecular em proteínas de estrutura primária, secundária, terciária e quaternária. • Proteína de estrutura primária: representa uma ligação linear de aminoácidos. • Proteína de estrutura secundária: pode-se dizer que essa estrutura é formada por duas moléculas de estrutura primária unidas entre si por pontes de hidrogênio. Essa conformação dá origem a dois tipos de estruturas, as α-hélice e β-hélice. 33 FISIOPATOLOGIA DAS DOENÇAS ENDÓCRINAS E NUTRICIONAIS • Proteína de estrutura terciária: é a classe de proteínas formadas pelo “enovelamento” de polímeros de proteínas secundárias. • Proteína de estrutura quaternária: é a forma mais complexa e também a mais encontrada no organismo. Consiste em uma união de cadeias proteicas de estrutura terciária unidas por força iônica e pontes de hidrogênio. As proteínas podem ser distribuídas de acordo com as suas funções: • Enzimas: proteínas especializadas que catalisam a formação de um produto a partir de um substrato. Ex.: sacarase, amilase. • Proteínas transportadoras: se ligam a certos componentes carreando-os até seus destinos. Podem transportar hormônios, vitaminas, oxigênio ou lipídios. Ex.: hemoglobina, apoproteínas. • Proteínas de defesa: as imunoglobulinas são proteínas capazes de reconhecer e de neutralizar as estruturas estranhas ao organismo. • Fibrinogênio e trombina: são proteínas que atuam na coagulação sanguínea. • Proteínas estruturais: são capazes de dar sustentação ou suporte às estruturas biológicas. Ex.: queratina, colágeno, elastina. • Proteínas reguladoras: os hormônios são um grupo especial de proteínas que regulam várias atividades metabólicas. Ex.: insulina e glucagon. • Proteínas de armazenamento: a ferritina, responsável por armazenar ferro em sua estrutura. • Proteínas de motilidade: atuam na movimentação das células ou contração produzindo um movimento, como no caso da actina e miosina, na contração muscular. • Proteínas globulares: formadas por cadeias polipeptídicas que originam um formato esférico. São hidrossolúveis e formadoras de algumas enzimas, moléculas transportadoras, como a hemoglobina que transporta oxigênio no sangue, anticorpos e outras. • Proteínas fibrosas: formadas geralmente pela associação de moléculas de estrutura secundária e terciária e têm funções biológicas relacionadas a estruturas como o colágeno e a queratina, por exemplo. São insolúveis em água e têm um formato alongado e fibroso. Um exemplo de proteínas fibrosas são as alfa-queratinas ricas em aminoácidos hidrofóbicos. As alfa-queratinas são produzidas pelas células epiteliais de vertebrados e os principais constituintes da pele e estruturas relacionadas, como cabelos, unhas, chifres, cascos, bicos e penas. 34 Unidade I • Proteínas plasmáticas: o sangue total é composto de plasma (70% água), células vermelhas (eritrócitos ou hemácias), células brancas (leucócitos) e proteínas circulantes, sendo que a albumina representa cerca de 60% de todas as proteínas plasmáticas. O restante se divide entre as globulinas, fatores de coagulação e fibrinogênio (que também é um fator de coagulação, porém com função diferenciada quando comparado aos outros de sua categoria). • Albumina: proteína hidrossolúvel, pouco solúvel em soluções salinas e sofre intensa desnaturação com calor. É sintetizada no fígado (hepatócitos) e possui inúmeras funções: — transporte de íons, hormônios, ácidos graxos, medicamentos; — atuante na coagulação sanguínea; — manutenção da pressão intravascular; — equilíbrio ácido-base; — efeito antioxidante. • Globulinas: proteínas insolúveis em água, porém solúveis em soluções salinas, ácidas ou básicas. Quando expostas ao calor sofrem o processo de coagulação. São divididas em globulina – α1, globulina – α2, β-globulina e γ– globulina. Essa última classe, as gamaglobulinas, são conhecidas também como imunoglobulinas (anticorpos) e possuem cinco classes (IgG, IgM, IgE, IgA e IgD). Com exceção das imunoglobulinas que são produzidas pelos linfócitos B (plasmócitos), as outras classes também sãoproduzidas pelos hepatócitos. • Fibrinogênio: glicoproteína envolvida nas etapas finais do processo de coagulação sanguínea como precursor de monômeros de fibrina que vão “amarrar” todos os componentes envolvidos na coagulação dando origem ao coágulo propriamente dito. Assim como as outras proteínas plasmáticas, o fibrinogênio também é produzido no fígado, fazendo que sua produção seja diretamente relacionada a doenças hepáticas. Desnaturação de proteínas Algumas condições biológicas e experimentais pedem que as proteínas tenham sua conformação alterada e com isso percam suas atividades. A esse processo de “desmontagem” das proteínas atribuímos o nome de desnaturação. Entre as condições biológicas que envolvem desnaturação proteica, podemos citar a degradação (proteólise). Em base experimental utiliza-se uma variedade de técnicas que envolvem desnaturação, a fim de que se possa identificar e quantificar proteínas específicas. Quando desnaturada, a proteína sofre alterações de caráter físico (como aumento da viscosidade), químico (maior reatividade) e biológico (perda total e quase sempre irreversível de sua função). 35 FISIOPATOLOGIA DAS DOENÇAS ENDÓCRINAS E NUTRICIONAIS A desnaturação pode ocorrer de várias formas: • Calor: altas temperaturas são capazes de romper as ligações peptídicas e pontes de hidrogênio desmontando a proteína e tornando-a inativa. • Solventes orgânicos: esse tipo de desnaturação promove uma alteração na polaridade do meio onde se encontra a proteína levando à quebra das ligações peptídicas, por exemplo, o álcool. • Ácidos e bases: a alteração do pH leva à desnaturação pois causa um desequilíbrio de cargas elétricas (ionização) proteica. • Atividade enzimática: é um processo fisiológico e irreversível, uma vez que as enzimas proteolíticas são altamente específicas e quebram as ligações pépticas de uma maneira que a “remontagem” da proteína é inviável. Enzimas As enzimas são polipeptídeos construídos pelo organismo e têm como função principal serem catalisadoras de reações químicas. Alguns metabolismos (a maioria deles) são dependentes de atividade enzimática, o que quer dizer que, se não houver enzimas, ou se por algum motivo elas estiverem ineficientes, todo o metabolismo não funcionará ou será de forma deficiente, levando a uma série de distúrbios generalizados. Sendo proteínas, oferecem várias vantagens fisiológicas, como uma grande variedade estrutural, e obedecem a mecanismos de regulação genética, o que garante a síntese desta classe de proteínas de forma específica e eficiente. Como catalisadoras metabólicas, sua função é acelerar as reações, porém não devem ser consumidas e inutilizadas por este processo, assim, são capazes de transformar o reagente, aqui conhecido como substrato, transformá-lo em um produto diferente do inicial e, ao final da reação, regenerar-se para recomeçar o processo (figura adiante). Substrato Enzima Encaixe no sítio ativo Produtos Enzima recuperada Figura 11 – Representação esquemática da atividade enzimática Uma das principais características das enzimas é sua especificidade, isto é, cada enzima é responsável por reações próprias e não realizarão reações para as quais não foram sintetizadas. A especificidade das enzimas é determinada por uma região específica deste polipeptídeo chamado sítio ou centro ativo (CA). 36 Unidade I A nomenclatura das enzimas varia de acordo com o substrato ao qual são designadas, o sufixo -ase é característico de todas as enzimas e a primeira parte do nome varia: • Desidrogenase: grupo de enzimas responsável pela remoção de hidrogênio, por exemplo: lactato desidrogenase (retira um H + lactato). • Transferase: grupo de enzimas responsável pela transferência de moléculas de um local para outro, preservando a integridade de seu substrato, que será reaproveitado em outra reação, por exemplo metiltransferase (transfere um grupo metila). • Lipase: grupo de enzimas responsável pela hidrólise de lipídios. • Descarboxilase: grupo de enzimas responsável pela retirada de um grupo carboxila em forma de CO2. • Carboxilase: conhecida como coenzima responsável pela ligação entre átomos de carbono. As enzimas, via de regra, são constituídas por proteínas, sendo que, além da parte proteica, algumas possuem também uma região não proteica, que recebe o nome de cofator e é classificado como grupo prostético (baixo peso molecular com forte ligação com a enzima); coenzimas (em sua maioria são compostos orgânicos oriundos de vitaminas e possuem uma ligação fraca com a enzima); íons ativadores (geralmente são metais como Mg2+, Co2+, Fe3+) e íons ativadores não metais (Cl- e Br). Diferentemente do que acontece com as enzimas que não são degradadas após efetuarem suas reações, os cofatores sofrem degradação imediata após o final da reação. Substrato Enzima Coenzima Coenzima não recuperada Encaixe no sítio ativo Produtos Enzima recuperada Figura 12 – Representação esquemática da atividade enzimática utilizando uma coenzima ou cofator Alguns fatores (inibidores enzimáticos) interferem na atividade enzimática, inibindo ou retardando sua atividade a fim de controlar sua atividade. Tais fatores podem ser orgânicos (como mecanismo homeostático) ou medicamentoso (alguns fármacos têm como alvo a atividade enzimática para diminuir ou impedir sua função). A atividade desses inibidores pode ser: • Reversível competitiva: as estruturas tanto do substrato quanto do inibidor são muito semelhantes, porém o inibidor costuma ligar-se antes ao sítio ativo da enzima bloqueando a ligação do substrato. Um aumento na concentração do substrato leva então ao aumento na 37 FISIOPATOLOGIA DAS DOENÇAS ENDÓCRINAS E NUTRICIONAIS competição pela ocupação do sítio, o que promove um aceleramento da reação, com posterior “desligamento” do inibidor. Substrato Enzima Enzima + Substrato Enzima + Inibidor Inibidor competitivo Figura 13 – Representação esquemática dos fatores inibitórios da atividade enzimática – reversível competitiva • Reversível não competitiva: nesse tipo de reação, o inibidor se liga a um local diferente do sítio ativo, levando a uma mudança estrutural da enzima, alterando também o sítio ativo, o que impede que o substrato se ligue à enzima. Substrato Enzima Inibidor não competitivo Enzima + Inibidor não competitivoEnzima + Substrato Figura 14 – Representação esquemática dos fatores inibitórios da atividade enzimática – reversível não competitiva • Irreversível: o inibidor tem potencial de se ligar ao sítio ativo da enzima e a regiões próximas a ele, mudando completamente a estrutura da molécula que perde suas características e fica “invisível” para o substrato. Geralmente essa classe de inibidor é exógena e oriunda de produtos tóxicos, não sendo produzida pelo próprio organismo. A atividade enzimática é um processo complexo e harmônico controlado finamente pelo organismo, no qual não pode haver excesso nem falta dessa atividade. Por isso o organismo dispõe de mecanismos que fazem a regulação enzimática. Esses mecanismos de regulação ocorrem por meio de controle hormonal, controle da quantidade de substrato e inibição enzimática pelo próprio produto formado por ela. 38 Unidade I S B E2 A E1 C O excesso de C inibe E1 Requerida pelo organismo E3 Figura 15 – Representação esquemática de regulação enzimática Fatores que influenciam na atividade enzimática Como se trata de uma estrutura proteica, as enzimas podem sofrer desnaturação e consequente inatividade causadas por alterações de temperatura ou pH. Além disso, a concentração do substrato afeta diretamente, tanto aumentando quanto diminuindo a atividade enzimática. • Lipídios (estrutura, função e metabolismo): é um grupo de moléculas características pela insolubilidade em água. Os lipídios de armazenamento são os ácidos graxos, cuja degradação por oxidação produz energia via ATP, e, além de funcionarem como reservatório energético, são componentes importantesnas membranas celulares e na estrutura dos hormônios. Os lipídios de armazenamento também são importantes na formação dos adipócitos. Estes formam o tecido adiposo, que se concentra logo abaixo da pele, servindo como reservatório energético, proteção mecânica e isolamento térmico. O colesterol também é outro lipídeo importante, que faz parte das membranas celulares. Ele é o precursor dos ácidos biliares, de alguns hormônios e ainda compõe parte das lipoproteínas HDL (high density lipoprotein), LDL (low-density lipoprotein), VLDL (very low-density lipoprotein) e quilomícrons. Essas proteínas especiais ficam associadas ao colesterol, triglicerídeos e outros lipídeos transportando-os até seu destino final pela corrente circulatória. O LDL transporta o colesterol armazenado no fígado para a corrente circulatória e os órgãos. O HDL faz o inverso, removendo o colesterol do sangue de volta ao fígado. Por consequência disso, o LDL é considerado o colesterol ruim, justamente porque ele eleva os níveis de colesterol no sangue, relacionando-se ao aumento do risco de aterosclerose (entupimento dos vasos sanguíneos). Os distúrbios dos lipídeos no metabolismo são denominados dislipidemias. Vale ressaltar que a produção de cetonas provenientes da degradação de ácidos graxos para a produção de energia também é importante para o diagnóstico clínico. A detecção dessas cetonas na urina é um indicativo de que os lipídeos foram utilizados como fonte energética no lugar de carboidratos. Esse tipo de metabolismo pode decorrer de diabetes melito, jejum prolongado ou alcoolismo. Metabolismo dos lipídeos na dieta Um adulto ingere cerca de 60 g a 150 g de lipídeos diariamente (90% triglicerídeos) e o restante dos lipídeos é composto de colesterol, ésteres de colesterol, fosfolipídeos e ácidos graxos não esterificados (livres). 39 FISIOPATOLOGIA DAS DOENÇAS ENDÓCRINAS E NUTRICIONAIS Metabolismo dos ácidos graxos e dos triacilgliceróis A síntese de ácidos graxos tem, entre outras funções, o armazenamento de gorduras para utilização posterior. Portanto a insulina, hormônio que induz armazenamento, é estimuladora da síntese de malonil-CoA e consequentemente de ácidos graxos. Os hormônios glucagon e epinefrina são liberados quando se faz necessária a disponibilidade de energia para as células, sendo lógico pensar que esses hormônios inibem a síntese de ácidos graxos. O excesso de ácidos graxos formado fará um feedback negativo na transformação de acetil-CoA em malonil-CoA, modulando dessa forma a produção de ácidos graxos. Uma vez formado, o ácido graxo terá de ser conglomerado em triacilglicerol, que constitui a forma de armazenamento de lipídeos nos adipócitos. A formação do triacilglicerol ocorrerá em três etapas: formação do glicerol-3-fosfato; acilação dos dois grupos oxidrila livres do glicerol-3-fosfato; e adição do terceiro grupo acila com formação do triacilglicerol. Metabolismo dos lipídeos complexos, colesterol e esteroides Os lipídeos complexos são formados por triacilgliceróis (ou triglicerídeos), fosfolipídeos e colesterol. Os triglicerídeos são a forma mais abundante na alimentação, já os fosfolipídeos são o principal elemento estrutural das membranas celulares, enquanto o colesterol é precursor de hormônios e componente da bile. O colesterol é sintetizado e armazenado no fígado e entre suas principais funções está a síntese de vários esteroides ou esteróis importantes (precursor de vitamina D, sais biliares, aldosterona e hormônios sexuais). Classificação dos lipídeos Ácidos graxos São compostos cuja unidade estrutural é uma longa cadeia linear com ácido carboxílico em uma de suas extremidades. O- O C Ácido carboxílico Cadeia carbônica Figura 16 – Representação da estrutura de uma molécula de ácido graxo A maioria dos ácidos graxos encontrados na natureza possuem em sua cadeia 16 ou 18 átomos de carbono, e de acordo com a cadeia carbônica, são classificados em: 40 Unidade I • Ácidos graxos saturados: as ligações que unem os átomos de carbono são apenas do tipo simples. Esse tipo de ácido graxo é encontrado em gorduras de origem animal, em temperatura ambiente geralmente estão em estado sólido (próxima figura). O OH Ácido graxo saturado Figura 17 – Representação da estrutura de uma molécula de ácido graxo saturado O quadro a seguir mostra alguns ácidos graxos saturados. Quadro 4 – Nomenclatura usual e de acordo com a IUPAC, fórmula química de alguns ácidos graxos saturados. Nome usual Fórmula Nome IUPAC Ácido butírico CH3(CH2)2COOH Ácido butanoico Ácido valérico CH3(CH2)3COOH Ácido entaniço Ácido caproico CH3(CH2)4COOH Ácido etanoico Ácido caprílico CH3(CH2)6COOH Ácido occitânico Ácido cáprico CH3(CH2)8COOH Ácido mecânico Adaptado de: Galante et al. (2012, p. 215). • Ácidos graxos insaturados: há pelo menos uma ligação dupla entre os átomos de carbono e é encontrado principalmente em óleos de origem vegetal, em temperatura ambiente são encontrados em estado líquido. Insaturação O HO Ácido graxo insaturado Figura 18 – Representação da estrutura de uma molécula de ácido graxo insaturado O quadro a seguir mostra alguns ácidos graxos insaturados. 41 FISIOPATOLOGIA DAS DOENÇAS ENDÓCRINAS E NUTRICIONAIS Quadro 5 – Nomenclatura usual e fórmula química de alguns ácidos graxos insaturados Nome usual Fórmula Ácido palmitoleico (C16:1) CH3(CH2)5CH=CH(CH2)7COOH Ácido oleico (C18:1) CH3(CH2)7CH=CH(CH2)7COOH Ácido linoleico (C18:2) CH3(CH2)4CH=CHCH2CH=CH(CH2)7COOH Ácido linolênico (C18:3) CH3CH2CH=CHCH2CH=CHCH2CH=CH(CH2)7COOH Ácido araquidônico (C120:4) CH3 (CH2)4CH=CHCH2CH=CHCH2CH=CHCH2CH=CH(CH2)4COOH Adaptado de: Galante et al. (2012. p. 215). Fosfolipídeos São lipídeos complexos pois se compõem basicamente de ácido graxo, glicerol e ácido fosfórico. A complexidade dessa molécula atribui a ela características diferenciadas em relação a sua resistência a ação enzimática, garantindo sua eficiência como constituinte básico das membranas celulares. Ácido graxo Ácido graxo G l i c e r o l Fosfato Álcool Figura 19 – Estrutura básica da molécula de fosfolipídeo Essas moléculas possuem em uma extremidade um grupo fosfato polar e hidrofílico e na outra estão presentes as cadeias longas de ácidos graxos apolares e hidrofóbicos. Essa diferença na solubilidade em água nas diferentes extremidades recebe o nome de molécula anfipática. A estrutura desse tipo de molécula pode ser vista na figura a seguir. O O O- O C P C CH2 CH H2C R1 O R2 O O X(ácido graxo) O Apolar hidrofóbico Polar hidrofílico Figura 20 – Estrutura molecular do fosfolipídeo identificando as regiões polares e apolares 42 Unidade I Esteroides São um tipo peculiar de lipídeos que possuem cadeia longa assim como os outros, porém seus constituintes principais são as moléculas de colesterol que participam ativamente da síntese dos hormônios sexuais (testosterona e progesterona) além de hormônios como o cortisol e a aldosterona. Além dos hormônios, os esteroides participam como constituintes dos sais biliares. Essas moléculas são lipossolúveis e possuem basicamente 17 átomos de carbono em sua estrutura ligados em quatro anéis interligados e essa estrutura recebe o nome de ciclopentanoperidrofenantreno, em que há três anéis semelhantes ao fenantreno ligados a um ciclopentano, conforme mostra a figura. CC CC CC CC CC CC CC CC CC CC CC CC CC CC CH3 CH3 R H CC CC CC Figura 21 – Estrutura do ciclopentanoperidrofenantreno, componente básico dos lipídeos esteroides Os principais representantes dos lipídeos esteroides são os glicorticoides e mineralocorticoides, compostos produzidos pelo próprio organismo (endógenos) no córtex da glândula adrenal. O metabolismo dos glicocorticoides é estimulado pelo hormônio ACTH (hormônio adrenocorticotrófico), e o dos mineralocorticoides é regulado pela ação da aldosterona e angiotensina II. • Glicocorticoide – cortisol: é o principal representante dessa classe e o que o diferedos mineralocorticoides é o mecanismo de ação desencadeado pela ligação a receptores drasticamente diferentes. O cortisol está envolvido em uma diversidade de processos fisiológicos que vão desde a atividade cardiovascular e metabólica até a imunológica. É conhecido como hormônio do estresse pois têm uma estreita relação com a adrenalina, que, uma vez lançada em grandes quantidades, ativa as glândulas suprarrenais aumentando a produção de cortisol, que, por sua vez, é capaz de aumentar a frequência cardíaca, os movimentos respiratórios e outras ações relacionadas a momentos de estresse. Sabe-se que o estresse crônico está envolvido com uma série de doenças cardiovasculares devido à elevação constante dos níveis séricos de cortisol. A figura a seguir mostra a estrutura molecular do cortisol. 43 FISIOPATOLOGIA DAS DOENÇAS ENDÓCRINAS E NUTRICIONAIS H H H O OH OH HO Figura 22 – Estrutura molecular do cortisol • Mineralocorticoide – aldosterona: é considerado um hormônio com atividade renal responsável direto pela regulação do equilíbrio hidroeletrolítico, pois atua na reabsorção de Na e água nos túbulos renais. A produção da aldosterona ocorre na região conhecida como zona glomerulosa da glândula suprarrenal e tem atividade modulada pelo ATCH e pela angiotensina II (um dos componentes responsáveis pela regulação da pressão arterial). Como atuante na reabsorção de água, é capaz de regular o volume sanguíneo e consequentemente alterar a pressão arterial. A função principal dos mineralocorticoides é a regulação das concentrações de Na+ e P+ entre os meios intra e extracelular por meio da osmose e da ativação da bomba de sódio e potássio. A figura a seguir mostra a estrutura molecular do cortisol. H H H O O O OH HO Figura 23 – Estrutura molecular da aldosterona Corpos cetônicos Tendo em vista que os lipídeos representam uma importante fonte de energia para o corpo humano, especificamente o triacilglicerídeo, que se encontra armazenado no tecido adiposo, têm maior 44 Unidade I importância nesse papel energético. Sempre que necessário, essa molécula é acionada como fonte energética e sofre ação da lipase (enzima), que fornece glicerol e ácidos graxos. Assim que o glicerol é produzido e lançado na corrente circulatória, é aproveitado no fígado para a formação de glicose a partir da gliconeogênese. Já as moléculas de ácido graxo somente podem ser usadas como fonte energética após serem submetidas ao processo de betaoxidação, que fornece a acetil-CoA que será utilizada posteriormente no ciclo de Krebs e na glicólise. Durante a betaoxidação, além da acetil-CoA, algumas outras moléculas são geradas, sendo as de maior importância clínica conhecidas como corpos cetônicos, que são direcionados para o fígado e principalmente encéfalo, pois são facilmente movimentados pela corrente sanguínea por apresentarem boa hidrossolubilidade. São três tipos distintos de corpos cetônicos encontrados após a betaoxidação: acetoacetato, acetona e beta-hidroxibutirato. O OH OO O C C CC C H3C H3C H3CCH2 CH2 CH3OH OH Acetoacetato Beta-hidroxibutirato Acetona Figura 24 – Estrutura molecular dos corpos cetônicos A produção hepática dos corpos cetônicos ocorre de forma constante em estados fisiológicos, aumentando drasticamente durante estados de jejum prolongado a fim de garantir energia para o bom funcionamento dos órgãos vitais, como o sistema nervoso central, coração e córtex adrenal. Esse tipo de composto tem grande importância clínica quando pensamos que níveis elevados (hipercetonemia) se tornam tóxicos para o organismo como um todo e que podemos encontrar com relativa frequência hipercetonemia em indivíduos portadores de diabetes melito não tratada ou não diagnosticada, evoluindo para um quadro patológico chamado cetoacidose diabética, que se trata de um mal metabólico decorrente da acidificação sanguínea devido à doação de H+ pelos corpos cetônicos. Triacilgliceróis (C55H98O6) Os triacilgliceróis são considerados lipídeos mais simples em razão dos produtos gerados a partir de sua degradação (álcool e ácido graxo). Esse tipo de lipídeos em humanos tem como função principal a reserva de energia e são armazenados principalmente no tecido adiposo. 45 FISIOPATOLOGIA DAS DOENÇAS ENDÓCRINAS E NUTRICIONAIS Os triacilgliceróis são considerados moléculas apolares e altamente hidrofóbicas, o que representa ser insolúvel em água, como dito anteriormente, após ser hidrolisado libera moléculas de glicerol e ácido graxo. O metabolismo e a mobilização desse tipo de lipídeo estão esquematizados na figura a seguir. H2 H2 H2 H2 H H C C C C C C C C C O OH O OH Triacilglicerol O OH R1 R3 R2 O O O 3R C Ácido graxo livre (AGL) Glicerol O OH + +3H2O LHS Lançados na corrente sanguínea + albumina Tecidos (fonte energética) Levado até o fígado Figura 25 – Ilustração do mecanismo de hidrolise do triacilglicerol O triacilglicerol é degradado por meio da ação da LHS (lipase hormônio-sensível), liberando o ácido graxo na corrente sanguínea, onde se une à albumina e é levado a todos os órgãos que necessitam de energia. Já o glicerol não é reaproveitado pela ausência de uma enzima chamada gliceriquinase (presente apenas no fígado), então é transportado até o tecido hepático, onde é eliminado. Vale lembrar que diferente dos outros tipos de lipídeos, os triacilgliceróis são provenientes do metabolismo dos carboidratos, e não das gorduras de origem animal. Colesterol (C27H46O) O colesterol representa o lipídeo mais abundante no homem e é característico dos animais em geral, isso significa que não é encontrado em nenhum produto de origem vegetal. Tem importância biológica única por ser a molécula precursora de várias outras de mesma ou maior importância fisiológica, como os esteroides, os fosfolipídeos, presentes nas membranas celulares, e os sais biliares (emulsificantes – “detergentes”), que hidrolisam as gorduras provenientes da alimentação promovendo assim a sua absorção. A figura a seguir mostra a estrutura molecular do colesterol. 46 Unidade I H H H H HO Figura 26 – Estrutura molecular do colesterol A síntese do colesterol acontece em praticamente todos os tecidos do corpo humano, porém são órgãos prioritários desse tipo de síntese o fígado, o intestino e o córtex adrenal. Mesmo o corpo humano sendo capaz de sintetizar as moléculas de colesterol, as fontes exógenas (alimentação) representam cerca de 150 md/dia a 300 mg/dia, sendo que a absorção máxima do colesterol proveniente da alimentação é de aproximadamente 1 g/dia. O fígado aparece como órgão principal na manutenção do equilíbrio de todo o colesterol corpóreo, sendo que o colesterol hepático é excretado utilizando a bile como principal veículo de eliminação (através de sais biliares) e é também excretado para todos os tecidos não hepáticos sob a forma de lipoproteínas carreadoras conhecidas como frações do colesterol – VLDL, LDL e HDL (very low density lipoprotein, low density lipoprotein e high density lipoprotein, respectivamente). Essa nomenclatura em inglês se refere à densidade das moléculas de colesterol, onde o VLDL e o LDL são as moléculas de baixa densidade, conhecidas popularmente como “colesterol ruim”, e HDL é a molécula de colesterol de alta densidade, conhecida como “colesterol bom”, pois é capaz de transportar as moléculas de baixa densidade até o fígado (preferencialmente), onde serão metabolizados. Fígado Sistese de “novo“ colesterol Tecidos extra-hepáticos Bile Ácidos e sais biliares VLDL e LDL Colesterol livre Destinos Tecidos extra-hepáticos Dieta HDL Origens Figura 27 – Resumo do percurso do colesterol no organismos 47 FISIOPATOLOGIA DAS DOENÇAS ENDÓCRINAS E NUTRICIONAIS O metabolismo do colesterol é um processo complexo que envolve um sistema multienzimático e pode ser resumido em quatro etapas: Acetil-CoA Acetoacetil-CoA HMG-CoA MevalonatoAcetil-CoA Acetil-CoA HMG-CoA redutaseFigura 28 – Formação do mevalonato Mevalonato + Mevalonato descarboxilado Unidades isoprenoide UIP 3 ATP 3 ADP Acetil-CoA Acetil-CoA Acetil-CoA Figura 29 – Formação do unidades isoprenoides UIP + UIP Geranil-pirofosfato Farnesil-pirofosfato Esqualeno NADPH CH2 CH2 NADP+ P P Figura 30 – Formação do esqualeno ColesterolZimosterol 2H+ Lanosterol 3 - CH3 Esqualeno ½ O2 Figura 31 – Formação do colesterol 48 Unidade I Regulação da síntese do colesterol Tendo em vista a presença determinante da enzima HMG-CoA redutase como enzima atuante na primeira etapa da formação de colesterol, podemos afirmar que ela determina a velocidade com que o colesterol é sintetizado, sendo assim as vias que regulam essa síntese basicamente afetam a sua atividade, e são principalmente inibição retroativa da HMG-CoA redutase (em que o mevalonato e o próprio colesterol inibem a ativação da enzima); regulação hormonal (hormônios da tireoide e a insulina, por exemplo, atuam diretamente na HMG-CoA redutase aumentando sua atividade); inibição por drogas (alguns fármacos derivados das estatinas diminuem a velocidade de ação da HMG-CoA, e são usados em casos crônicos de hipercolesterolemia – aumento de colesterol sanguíneo – em indivíduos com predisposição a doenças cardiovasculares). Metabolismo dos ácidos graxos e dos triacilgliceróis A síntese de ácidos graxos tem entre outras funções o armazenamento de gorduras para utilização posterior. É evidente, pois, o papel da insulina, um hormônio que induz armazenamento, como estimuladora da síntese de malonil-CoA e consequentemente de ácidos graxos. Os hormônios glucagon e epinefrina são liberados quando é necessário disponibilizar energia para as células, portanto esses hormônios inibem a síntese de ácidos graxos. O excesso de ácidos graxos formado fará um feedback negativo na transformação de acetil-CoA em malonil-CoA modulando dessa forma a produção de ácidos graxos. Uma vez formado, o ácido graxo terá de ser conglomerado em triacilglicerol que constitui a forma de armazenamento de lipídeos nos adipócitos. A formação do triacilglicerol ocorrerá em 3 etapas: formação do glicerol-3-fosfato, acilação dos dois grupos oxidrila livres do glicerol-3-fosfato e adição do terceiro grupo acila com formação do triacilglicerol. 1.4.5.2 Micronutrientes De uma forma geral, processos biológicos necessitam de componentes inorgânicos para funcionarem de forma aceitável. A esses componentes atribuímos o nome de sais minerais e íons que provêm da alimentação e são metabólitos de muitas reações bioquímicas. São divididos em dois grandes grupos: Quadro 6 – Elementos químicos essenciais para a vida Elementos principais (≈60% a 80%) Elementos-traço Cálcio (Ca) Magnésio (Mg) Sódio (Na) Potássio (K) Ferro (Fe) Fósforo (P) Enxofre (S) Cloro (Cl) Iodo (I) Cobre (Cu) Zinco (Zn) Manganês (Mn) Cobalto (Co) Cromo (Cr) Flúor (F) Níquel (Ni) Adaptado de: Ferreira et al. (2010, p. 255). 49 FISIOPATOLOGIA DAS DOENÇAS ENDÓCRINAS E NUTRICIONAIS O metabolismo mineral é extremamente diferente do metabolismo dos carboidratos, lipídeos e proteínas simplesmente pelo fato de que não são produzidos no organismo e a sua absorção ocorre de forma grosseira e em pequenas quantidades. A concentração equilibrada desses compostos inorgânicos se dá pelo mesmo mecanismo responsável pela manutenção do equilíbrio eletrolítico. Funções biológicas do cálcio (Ca) O cálcio é um elemento químico de extrema importância, pois participa de inúmeras funções fisiológicas, como a coagulação sanguínea e a excitabilidade neuromuscular, atua como cofator enzimático, entre outras. De todo o cálcio do organismo, 99% estão localizados nos ossos e dentes. Em um homem adulto a concentração de Ca é de aproximadamente 10 mg/dL (5 mEq/L), sendo que um pouco mais da metade desta quantidade se encontra na forma ionizada (Ca+2) e o restante está ligado a proteínas plasmáticas como a albumina. As necessidades de ingestão de cálcio vão se alterando de acordo com o estágio da vida de cada indivíduo, pois crianças, adolescentes e idosos necessitam de uma quantidade maior do que um adulto jovem. Nos idosos, a ingestão de cálcio associado à vitamina D evita doenças de caráter osteomuscular. Segundo a Food and Nutrition Board of National Research Council (agência norte-americana que regulamenta as necessidades dietéticas), a recomendação de ingestão diária de cálcio deve ser de 800 mg na infância, 1300 mg na adolescência e 800 mg na vida adulta. É de senso comum que a principal fonte de cálcio na alimentação é o leite e seu derivados, porém existem algumas outras fontes, como hortaliças e vegetais escuros por exemplo. Apenas 20% a 40% do cálcio ingerido é totalmente absorvido pelo trato gastrintestinal, pois se trata de um elemento que sofre alterações de vários fatores limitando sua absorção, como a ingestão de cereais, que no trato intestinal se transformam em ácido oxálico e ácido fítico, formando sais insolúveis na presença de cálcio. A ingesta de grandes teores de gordura também dificulta sua absorção devido à formação de sabões. Já a presença de vitamina D e o pH do intestino (quanto maior a acidez, maior a ionização do cálcio e melhor sua absorção) costumam facilitar a absorção deste elemento tão importante. A regulação dos níveis de cálcio no organismo é um processo metabólico complexo que envolve a presença de dois hormônios produzidos nas glândulas paratireoide e tireoide, chamados paratormônio (PTH) e calcitonina, respectivamente. A glândula paratireoide é estimulada a produzir o PTH quando os níveis plasmáticos de Ca diminuem e as células produtoras de calcitonina têm atividade inibida; o inverso ocorre quando os níveis de Ca aumentam: há inibição da produção de PTH e produção de calcitonina. Funções biológicas do fósforo (P) O fósforo é um elemento de extrema importância biológica e está presente no organismo não como fósforo, mas sim como fosfato (PO4). Pode-se afirmar que em praticamente todos os compostos orgânicos é possível encontrar esse componente em sua forma fosfatada ou em sua forma iônica (PO4 3-). 50 Unidade I Podemos pensar na importância do P apenas de lembrar do metabolismo energético em que a molécula formada a partir da glicose e que fornece energia para todas as células é o ATP (adenosina trifosfato). Sua absorção ocorre em nível intestinal e, quando lançado na corrente sanguínea, o fosfato permanece livre no plasma. O fosfato plasmático é considerado fosfato inorgânico, pois não se liga a nenhuma proteína plasmática. A forma de eliminação é diretamente proporcional a sua absorção e ocorre pelas vias fecal (40%) e urinária (60%). Vale lembrar que os níveis de fosfato estão diretamente ligados aos níveis de cálcio, sendo que a relação entre esses íons é expressa da seguinte forma: [Ca++] x [PO4 -] = 50 Assim, sempre que houver aumento nos níveis séricos do cálcio, haverá uma queda nos níveis de fosfato no sangue. A regulação do fosfato também é dependente do cálcio uma vez que a retenção de PO4 leva à diminuição do cálcio plasmático. O cálcio tem sua regulação modulada pelo PTH (hormônio na paratireoide), logo, se a concentração de fosfato diminui no LEC, potencializa o efeito do PTH, levando ao aumento do fosfato plasmático. Funções biológicas do ferro (Fe) A manutenção dos níveis de Fe no organismo é realizada pela limitação da absorção, e não por sua eliminação. O ferro participa de vários metabolismos diferentes, como a respiração celular, por meio da fixação de hemoglobina, mioglobina e citocromos. Enzimas como peroxidases e catalases são dependentes de ferro para ter atividade preservada. As fontes de Fe são variadas, tais como o fígado, os ovos, os grãos integrais, os frutos do mar, o feijão e as verduras escuras. Apenas 10% do Fe ingerido é absorvido no duodeno e jejuno na forma ferrosa (Fe++), e por isso doenças ou cirurgias que afetam essas áreas, diminuem consideravelmente a absorção de Fe.Contudo dietas hiperproteicas e ricas em vitamina C melhoram sua absorção. Após ser absorvido pela mucosa intestinal, ao ser lançado na corrente sanguínea, o Fe sofre um processo de redução induzido pela vitamina C, que o transforma em sua forma ferrosa (solúvel). Assim que é reduzido, o Fe++ se liga à ferritina (glicoproteína plasmática responsável pelo transporte do ferro) e assim pode ser distribuído por todo o organismo. Funções biológicas do zinco (Zn) O zinco participa dos metabolismos proteicos e de ácidos nucleicos, sendo um elemento inorgânico essencial para as funções biológicas. É capaz de induzir a atividade de inúmeras enzimas e é parte estrutural das células de defesa. Pode ser encontrado em alimentos como frutos do mar, carnes vermelhas, aves e nozes. Funções biológicas do potássio (K) Assim como os outros elementos inorgânicos, o potássio também apresenta importância biológica, pois participa de vários processos bioquímicos, atuando diretamente no equilíbrio hidroeletrolítico e ácido-base, e está relacionado com a excitabilidade muscular. Podemos citar como uma das principais 51 FISIOPATOLOGIA DAS DOENÇAS ENDÓCRINAS E NUTRICIONAIS atividades do potássio a sua presença ativa nas membranas celulares, como um dos componentes básicos do mecanismo de transporte ativo transmembrana, conhecido como bomba de sódio e potássio. Bomba de Na e K Trata-se de uma proteína de membrana presente em todas as células do organismo que transporta o Na+ de dentro para fora da célula e o K+ no sentido inverso. Nesse tipo de transporte pela membrana celular ocorre o consumo de energia (ATP), por isso sua membrana carreadora tem atividade semelhante à de uma enzima capaz de promover a hidrólise de ATP e recebe o nome de sódio-potássio ATPase. A energia liberada pelo ATP na parte interna da membrana faz que os íons K+ sejam desligados da sódio-potássio ATPase em que irão se fixar os íons Na+ próximos a ela; já na parte externa da membrana, os íons Na+ são liberados e os íons K+ se fixam a ela. Esse mecanismo é ativado sempre que houver uma diferença de concentração de Na+ e K+ entre os meios intra e extracelular, sendo o íon Na+ o que “comanda” a ativação da bomba primariamente. Diante da extrema importância fisiológica desse mineral, deve-se manter uma alimentação equilibrada e buscar componentes como beterraba, couve-flor, abacate, banana, damasco, cereja, ameixa e pêssego, os quais são alimentos com altos teores de K. Estrutura e função das vitaminas As vitaminas são compostos orgânicos não sintetizados pelo organismo, sendo sua obtenção proveniente exclusivamente da dieta. Em alguns casos, o organismo consegue sintetizar quantidades muito pequenas consideradas insuficientes para o bom funcionamento fisiológico. Sendo assim, a carência nutricional acarreta uma variedade considerada grande de doenças. A estrutura das vitaminas varia quimicamente dos lipídeos, carboidratos, aminoácidos e sais minerais e são classificadas de acordo com suas propriedades relacionadas à solubilidade. Vitaminas lipossolúveis Essa classe de vitaminas apresenta em sua estrutura química uma associação com moléculas de lipídeos e depende da presença destes para serem absorvidas com eficiência. Sua absorção acontece no intestino por intermédio da propriedade emulsificante da bile, e, ao serem absorvidas e lançadas na corrente sanguínea, são distribuídas por todo o organismo como um complexo de proteínas. Por serem lipossolúveis, sua excreção por via urinária é bastante difícil e acabam sendo armazenadas no tecido hepático e adiposo. São vitaminas lipossolúveis: • retinol – vitamina A; • D2 ergocalciferol e D3 colecalciferol – vitamina D; 52 Unidade I • tocoferóis – vitamina E; • fitoquinona, menaquinonas – vitamina K. Vitaminas hidrossolúveis Essa classe de vitaminas não apresenta moléculas de lipídeos associadas a sua estrutura química, permitindo assim que sejam absorvidas, transportadas, diluídas e excretadas por via urinária com maior facilidade. Essa relativa facilidade de diluição faz que o excesso não seja armazenado nem prejudicial. São vitaminas hidrossolúveis: • ácido ascórbico – vitamina C; • complexo B: — vitamina B1 – tiamina; — vitamina B2 – riboflavina; — vitamina B3 – niacina; — biotina; — vitamina B6 – piridoxina; — ácido pantotênico; — ácido fólico; — vitamina B12 – cianocobalamina. Funções biológicas de vitaminas A, complexo B, C e D Vitamina A Pertence à classe das vitaminas lipossolúveis e é encontrada sob duas formas distintas: resinoides (tecido animal) e provitamina do tipo carotenos (tecidos vegetais). No homem, esse tipo de vitamina é encontrado em três formas diferentes: ácido retinoico, retinal e retinol. Dependendo da forma como é encontrada e ingerida por meio da dieta, a absorção e o transporte acontecem de maneira diferenciada. É uma vitamina de extrema importância biológica, pois está relacionada a visão, diferenciação celular e outras funções. 53 FISIOPATOLOGIA DAS DOENÇAS ENDÓCRINAS E NUTRICIONAIS A vitamina A e a visão O olho humano é um órgão muito sensível e delicado cuja adaptação ao claro/escuro depende de um equilíbrio químico relacionado à presença de estruturas chamadas bastonetes da retina e pigmentos fotossensíveis (sensíveis à luz). A vitamina A em sua forma oxidada (retinal) tem relação com a visão pois está diretamente relacionada à formação da rodopsina (púrpura retiniana), que atua como receptor de luz de baixa intensidade. Em linhas gerais, pode-se dizer que a vitamina A participa do delicado processo de o olho humano detectar o claro e o escuro, interferindo em várias outras funções biológicas, como a secreção do hormônio de crescimento que ocorre durante a noite. Além disso, o homem possui um ciclo de atividades fisiológicas chamado circadiano, no qual as funções fisiológicas variam entre o ciclo claro (durante o dia) e o ciclo escuro (durante a noite). A vitamina A e outras funções O ácido retinoico, uma vez dentro das células, é capaz de modular a expressão dos genes que estão relacionados à diferenciação celular. Outra função atribuída a essa vitamina é a manutenção da integridade epitelial, sendo responsável indireta pela produção e secreção de muco. A carência de vitamina A pode se manifestar com queratinização excessiva da pele, levando a uma alteração de textura e funcionalidade, já que a pele serve como barreira contra agentes externos e também como mecanismo de controle de temperatura, assim qualquer alteração que interfira na integridade da pele, pode levar a uma série de prejuízos diretos ou indiretos. Outra função atribuída à vitamina A é a participação na síntese de esteroides que estão relacionados com o colesterol, os hormônios sexuais e a produção de cortisol (hormônio do estresse). Vitaminas do complexo B É uma classe diferenciada de vitaminas pois é composta por um número enorme de substâncias hidrossolúveis e estão envolvidas em diferentes processos biológicos. • Vitamina B1 (tiamina): é considerada uma coenzima das descarboxilases e transferases (pirofosfato de tiamina – TPP). Também atua como neuroprotetora. • Vitamina B2 (riboflavina): também considerada coenzima de várias enzimas na forma de flavina-adenina-dinucleotídeo (FAD) diretamente ligada ao metabolismo energético. É transportadora de íons e hidrogênio e atua também no metabolismo dos carboidratos. • Vitamina B3 (niacina): também chamada ácido nicotínico, é outro tipo de coenzima ativa biologicamente como nicotinamida adenina dinucleotídeo (NAD). Sua forma fosforilada (nicotinamida adenina dinucleotídeo fosfato – NADP) participa do metabolismo de carboidratos, lipídeos e proteínas. 54 Unidade I • Biotina: coenzima de reações de carboxilação, atua como transportadora de gás carbônico nos metabolismos de carboidratos, lipídeos e proteínas. • Vitamina B6 (piridoxina): coenzima dos grupos das transaminases e descarboxilases sob as formas de PAL (piridoxal fosfato) ePAM (piridoxamina), está relacionada diretamente no metabolismo proteico. • Vitamina B5 (ácido pantotênico): é considerada o principal componente da acetil-CoA, enzima indispensável para o metabolismo energético. • Ácido fólico: é transportador de radicais metil e formil na síntese de bases nitrogenadas e coenzima importante na síntese de aminoácidos como a glicina e a serina. • Vitamina B12 (cianocobalamina): é considerada uma coenzima de conversão atuando como facilitadora da ação do ácido fólico. Vitamina C Conhecida também como ácido ascórbico, atua como coenzima das hidroxilases. Está relacionada à síntese de colágeno (estrutural), sendo assim ligada à qualidade de ossos, dentina, cartilagem e tecido conjuntivo. O metabolismo do ferro também é dependente da vitamina C, pois auxilia em sua absorção no intestino e na fixação das proteínas plasmáticas para transporte de oxigênio. Em conjunto com a vitamina E e o β-caroteno (vitamina A) funcionam como agentes antioxidantes diminuindo a incidência de radicais livres. Por fim, a vitamina C está ligada à formação de células de defesa do organismo (leucócitos). Vitamina D É ligada diretamente à manutenção dos níveis séricos de cálcio e fósforo. Sabe-se que uma das principais funções da vitamina D é o auxílio na fixação de cálcio nos ossos e em todas as estruturas que dele necessitam, de forma que partículas de colesterol são utilizadas para fabricar uma molécula denominada 7-de-hidrocolesterol, que, ao entrar em contato com os raios ultravioletas do tipo B (UVB) na epiderme, é transformada em pré-vitamina D. Esta é metabolizada no fígado e, depois, nos rins, até ser ativada em vitamina D e é somente na forma ativa (após o contato com UVB) que a vitamina D é capaz de transportar e fixar o cálcio nos ossos de forma geral. A ingestão excessiva de vitamina D pode levar à hipervitaminose D, que resulta na calcificação de tecidos moles, náuseas, pressão alta, perda de apetite, insuficiência renal, fraqueza muscular e dores nas articulações. 55 FISIOPATOLOGIA DAS DOENÇAS ENDÓCRINAS E NUTRICIONAIS Quadro 7 – Vitaminas lipossolúveis e hidrossolúveis: suas fontes nutricionais, funções biológicas, manifestações carências e doses necessárias por dia Vitaminas lipossolúveis Fontes nutricionais Funções Manifestações da carência Vitamina A (retinol) Fígado, leite e derivados, vegetais e frutas amarelas Rodopsina (ciclo da visão) Cegueira noturna, epitélio queratinizado Vitamina D D2 ergocalciferol D3 colecalciferol Ovos, peixe, leite e derivados, pele (endógena) Absorção e fixação de cálcio Raquitismo, deficiências osteomusculares Vitamina E (tocoferóis) Óleos vegetais, leite e derivados, vegetais verdes Antioxidante Não se conhece Vitamina K (menaquinona e fitoquinona) Vegetais verdes, ovos, fígado Síntese de fatores de coagulação sanguínea Deficiência no mecanismo de coagulação, hemorragias Vitamina C (ácido ascórbico) Frutas cítricas, tomate, repolho, morango, mamão, batatas, vegetais verdes Síntese de colágeno, metabolismo de ferro e ação antioxidante Escorbuto, sangramento de mucosas, deficiência imunológica Vitamina B1 (tiamina) Cereais integrais, carnes, legumes e leite Coenzima das descarboxilases e transferases Distúrbios neurológicos, alterações neuromusculares Vitamina B2 (riboflavina) Leite, verduras, carnes e ovos Coenzima transportadora de elétrons (FAD e FMN) Manifestações cutâneas, estomatites Vitamina B3 (niacina) Cereais integrais, carnes, legumes e leite Coenzima das desidrogenases (NAD e NADP) Manifestações cutâneas generalizadas Biotina Ovos, legumes cereais, leite, vísceras Coenzima das carboxilases Dermatites e dores musculares Vitamina B6 (piridoxina) Carnes, cereais, espinafre, batata, banana Coenzima das transaminases (PAL e PAM); descarboxilação dos aminoácidos Dermatites, irritabilidade Vitamina B5 (ácido pantotênico) Carnes, vísceras, ovos Acetil-CoA Não detectada Ácido fólico Vísceras, vegetais verdes Síntese de bases nitrogenadas Anemia megaloblástica Vitamina B12 (Cobalamina) Alimentos de origem animal Coenzima das redutases Anemia megaloblástica com degeneração da medula espinal Adaptado de: Ferreira et al. (2010, p. 237-238). 2 FISIOPATOLOGIA DA OBESIDADE 2.1 Obesidade - aspectos gerais A obesidade é uma doença crônica e tem avançado de forma acelerada em todo o mundo nos últimos anos. No Brasil, a situação não é diferente. Estima-se que mais da metade da população brasileira esteja com excesso de peso ou obesidade 56 Unidade I A Organização Mundial de Saúde (OMS) aponta a obesidade como um dos maiores problemas de saúde no mundo (WHO, 2010). O estudo Global Burden of Disease Brasil (GBD) (SOUZA, FRANÇA e CAVALCANTE, 2017), apontou aumento de obesidade, glicemia de jejum e uso de álcool consistente com os dados da maioria dos países no mundo. O excesso de peso e a obesidade constituem o segundo fator de risco mais importante para a carga global de doenças e estão associados com várias doenças crônicas não transmissíveis (DCNT), como doenças cardiovasculares, diabetes, câncer de cólon, de reto e de mama, cirrose, entre outras. De acordo com a OMS, mais de 1,6 bilhão de adultos se encontra com excesso de peso no mundo e pelo menos 400 milhões estão obesos. A urbanização e industrialização decorrente da evolução humana condicionaram as tendências nutricionais de forma que é maior a ingestão de alimentos com alto teor energético e a queima desse consumo vem decaindo ao longo do tempo e das mudanças de hábitos de vida. Considerando-se apenas o hábito alimentar (e não os fatores intrínsecos como os genéticos, por exemplo), constata-se que atualmente houve uma diminuição no consumo de frutas, cereais, verduras e legumes juntamente com o aumento de alimentos industrializados somado à diminuição da prática de atividades físicas, fatores que, analisados de forma conjunta, explicam como a obesidade vem se tornando uma doença de atenção pública e requer uma série de cuidados especializados. De maneira geral, são inúmeros os fatores que interagem e determinam a instalação da obesidade. São considerados: • fatores genéticos; • fatores endócrinos; • fatores alimentares; • fatores ambientais e comportamentais. Para que possamos compreender os mecanismos fisiopatológicos que induzem à obesidade, cabe conhecer a real importância e fisiologia do tecido adiposo. Antigamente julgava-se que esse tipo de tecido representava apenas o papel de reserva energética e atuava como um retentor de impactos e isolante térmico. Atualmente sabe-se que, além destas funções, o tecido adiposo é um órgão dinâmico, pois é produtor de citocinas inflamatórias e endócrinas, além de servir como órgão de depósito de uma série de moléculas. Diante disso, atualmente a obesidade vem sendo considerada uma doença caracterizada como um estado crônico inflamatório sistêmico de baixa intensidade. A inflamação proveniente da obesidade é diretamente proporcional ao aumento do tamanho do adipócito, particularmente quando se trata da população de macrófagos evidenciada por um aumento na produção de citocinas pró-inflamatórias, de modo que esse quadro contribui para todas as comorbidades ligadas à obesidade, como diabetes tipo 2, hipertensão arterial sistêmica, dislipidemias, aterosclerose e doenças cardiovasculares. Na verdade, a discussão sobre a patogênese da obesidade deve ser observada de duas formas paralelas, sob o ponto de vista nutricional e o energético. Sabe-se que o peso corporal (em um indivíduo adulto) é instável e sofre ação direta de fatores ambientais (podendo levar ao aumento ou à diminuição do peso). A maior parte dos estudos recentes concordam que o peso e/ou adiposidade são ativamente regulados. 57 FISIOPATOLOGIA DAS DOENÇAS ENDÓCRINAS E NUTRICIONAIS O ponto de vista mais aceitável atualmente pela comunidade científica indica que a obesidade é de fato um produto da interação entre o ambiente(disponibilidade ou falta deste de determinados grupos alimentares), estilo de vida (associado diretamente à prática de atividade física aeróbica ou de hipertrofia muscular) e suscetibilidade genética. Algumas abordagens iniciais sobre a hipótese da obesidade (como doença de adultos) provêm de estudos de que a doença pode ter início no desenvolvimento intrauterino em mães com distúrbios metabólicos, estados de subnutrição, a própria obesidade gestacional e a diabetes pré-gestação ou o diabetes gestacional. Essa hipótese é sustentada pelos já conhecidos mecanismos moleculares responsáveis pela indução de genes, cuja função é a programação metabólica no início da vida, que sofrem ação da epigenética por metilação, alteração na estrutura de histonas, remodelação da cromatina e mudanças não codificadas do RNA (CORDERO, 2015, p. 361-366). 2.2 Regulação da ingestão de alimentos Embora já se saiba que a ingestão de alimentos é regulada por uma série de fatores que envolvem regiões encefálicas e comportamentais, sabe-se também que os estímulos ambientais e comportamentais são mais decisivos no momento da escolha por comer ou não. Brobeck (1946, p. 541-559) afirmou que o hipotálamo é a estrutura central reguladora da fome e da organização do comportamento da alimentação (figura a seguir). Desde a época de seus estudos já se sabia que essa estrutura apresenta comunicações importantes como as mais periféricas, que regulam o impulso alimentar. Estímulos e sinais visual, olfativo e auditivo Busca e procura Ingestão, escolha, seleção, parada, rejeição Sabor Intestino Nutrientes absorvidos e armazenados Sistema corticolímbicos Recompensa, aprendizagem e memória, controle executivo Hipotálamo Sensor nutricional principal incentiva a motivação Rombencéfalo Controles oromotor e autonômico, saciedade Fluxo endócrino e autonômico Figura 32 – Vias e sistemas neurais que controlam o comportamento alimentar e o balanço energético 58 Unidade I O esquema mostra as principais áreas encefálicas conectadas entre si que formam o centro do controle comportamental alimentar e a relação com o trato gastrintestinal, assim como outros órgãos periféricos relacionados ao armazenamento e gasto energéticos. A relação do hipotálamo com outras regiões encefálicas (como o córtex e o sistema límbico) reforça a hipótese de que o processamento dos estímulos sensoriais externos, como controle emocional e tomada de decisão estão cada vez mais relacionados com sistemas complexos de recompensa, estimulando principalmente de forma visual e olfativa, o impulso de ingerir alimentos mesmo na ausência do estímulo fisiológico da fome (GADDE et al., 2018, p. 69-84). Peptídeos orexígenos e anorexígenos A compreensão atual sobre os diversos sistemas envolvidos na regulação do apetite indica que no hipotálamo, existem dois grandes grupos de neuropeptídeos orexígenos (estimulantes do apetite) e anorexígenos (inibidores do apetite). Peptídeos orexígenos Peptídeos Anorexígenos Neuropeptídeo Y NPY Peptídeo agouti AgRP Hormônio alfa-melanócito Estimulador (alfa-MSH) Transcrito relacionado à cocaína e à anfetamina (CART) Figura 33 – Neuropeptídeos orexígenos e anorexígenos envolvidos na regulação do apetite Os neurônios que expressam os neuropeptídeos interagem com cada um dos outros e com sinais periféricos (como a leptina, insulina, grelina e glicocorticoides), atuando na regulação do controle alimentar e do gasto energético. Ainda que seja possível identificar os locais hipotalâmicos envolvidos na regulação do apetite, a localização precisa dos receptores neurais para cada sinal orexigênico e anorexigênico ainda não está determinada. A leptina, produzida no tecido adiposo branco, atua nos receptores expressos no hipotálamo para promover a sensação de saciedade e regular o balanço energético. A leptina atua no sistema nervoso central por meio de mediadores como o neuropeptídeo Y, o peptídeo agouti (AgRP), o hormônio liberador de corticotropina (CRH), o hormônio estimulante dos melanócitos (MSH), a colecistocinina (CKK), entre outros. Em altas concentrações séricas, a leptina não consegue atuar devido à resistência que acaba limitando seu efeito anoréxico. 59 FISIOPATOLOGIA DAS DOENÇAS ENDÓCRINAS E NUTRICIONAIS Cálculo do IMC Perda de peso com melhora de comorbidade Manter tratamento crônico Perda de peso insatisfatória IMC > 35 e comorbidade IMC > 40 após 2 anos Tratamento cirúrgico IMC 25 e 30 kg/m2* Mudança de estilo de vida e medicamento Reforço para hábitos de vida saudáveis Figura 34 – Identificação do cuidado para os indivíduos com base no cálculo do índice de massa corporal – IMC 2.3 Índice de massa corporal (IMC), forma e composição corporal, e risco de doença São consideradas pessoas com excesso de peso aquelas que apresentam índice de massa corporal (IMC) igual ou superior a 25, e obesas as que possuem IMC igual ou superior a 30. O resultado é obtido pela divisão do peso do indivíduo pela altura ao quadrado. Vários estudos demostraram que as relações entre o IMC e resultados clínicos indicaram o risco de doenças e altas taxas de mortalidade quando o índice dos indivíduos resulta em obesidade graus I, II e III, ao passo que indivíduos com índices dentro da faixa de normalidade possuem maior sobrevida e melhor qualidade de vida, com baixo risco para doenças ligadas à obesidade (JENSEN, 2014). 60 Unidade I Fi gu ra 3 5 – Ta be la d e IM C de m on st ra nd o os g ra us d e co m or bi da de s d e ac or do c om o v al or d o IM C (p es o/ al tu ra 2 ) 61 FISIOPATOLOGIA DAS DOENÇAS ENDÓCRINAS E NUTRICIONAIS A OMS também subdivide a obesidade em termos de gravidade, classificando-a em grau I (moderado excesso de peso, no qual o IMC encontra-se entre 30 kg/m2 e 34,9 kg/m2), grau II (obesidade leve ou moderada, com IMC entre 35 kg/m2 e 39,9 kg/m2) e grau III (obesidade grave ou mórbida, na qual o IMC apresenta-se com valores superiores a 40 kg/m2). A adiposidade é definida como a porcentagem de gordura e aumenta como uma função curvilínea do IMC (JENSEN, 2014, p. 2985-3023). Além da adiposidade, existem outros fatores que aumentam a relação do IMC, como a gordura livre, que inclui massa magra (muscular) e os órgãos internos (HEYMSFIELD et al., 2014, p. 1455-1461). Outras medições associadas ao IMC auxiliam no prognóstico de doenças associadas à obesidade, como a amplitude da circunferência abdominal (SHEN et al., 2006, p. 727-736). Alguns índices são adicionados à medição da circunferência abdominal, que mostram associações melhoradas em relação à porcentagem de gordura corporal, adiposidade visceral e doenças relacionadas a esses fatores, tais como o índice de forma corporal, descrito por Krakauer e Krakauer (2012, p. e39504), e o índice de curvatura corporal (THOMAS et al., 2013, p. 2264-2271). Quando a obesidade é tratada, o resultado é percebido e resulta na melhora ou resolução de várias doenças associadas. Infelizmente apenas 10% dos pacientes com obesidade são diagnosticados e uma porcentagem inferior a 2% destes recebem tratamento. Sabe-se que o tratamento clínico (mudança de estilo de vida e medicamentos) reduz em média 10% do peso corporal, daí a importância de um diagnóstico e da intervenção precoces. O tratamento cirúrgico da obesidade reduz em média 30% do peso corporal (ABESO, 2016). O excesso de peso na infância aumenta o risco de obesidade na adolescência e consequentemente na vida adulta, com graves consequências para a saúde. O aumento da incidência da obesidade pode ter impacto na expectativa de vida a ponto de interromper sua tendência de crescimento. Compreender as relações entre hipertensão e obesidade em adolescentes e as diferentes características socioeconômicas e comportamentaispode contribuir na elaboração de estratégias mais eficazes de prevenção da obesidade em jovens, de forma a reduzir suas complicações e garantir não só a tendência de crescimento da expectativa de vida, mas também a qualidade de vida das futuras gerações (SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA, 2012). De acordo com os dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) (IBGE, 2010), coletados entre 2008 e 2009, no Brasil, 15% das crianças na faixa de 5 a 9 anos estavam obesas e 37% com excesso de peso. Na faixa de 10 a 19 anos, as taxas de sobrepeso eram de 34,8% para meninos e 32% para meninas, e de obesidade eram de 16,6% e 11,8%, respectivamente (IBGE, 2010). 2.4 Avaliação médica de pacientes com obesidade Em indivíduos com sobrepeso ou obesidade já instalada, existem protocolos já estabelecidos para avaliação, prognóstico e tratamento, que abrangem sono, história de ganho de peso, histórico familiar de obesidade ou sobrepeso, hábitos alimentares, prática de atividade física, fatores culturais, históricos de tentativas de perda de peso, avalição física básica, aferição da pressão arterial, glicemia e lipidograma de jejum. As intervenções clínicas na tentativa de diminuir o peso corporal visam atingir todos os fatores (exceto os genéticos) que levam à obesidade, 62 Unidade I como intervenções no estilo de vida (hábitos alimentares e atividade física), farmacoterapia, que pode envolver anfetaminas para diminuição do apetite, ansiolíticos e antidepressivos, e por fim técnicas cirúrgicas invasivas (permanentes ou não) de diminuição da capacidade de ingestão de alimentos. A seguir iremos discorrer mais sobre essas abordagens do tratamento de pacientes obesos. 2.5 Obesidade – conduta terapêutica 2.5.1 Hábitos alimentares saudáveis A base para o tratamento do excesso de peso e da obesidade consiste na promoção da alimentação saudável. No ano de 2014, foi publicado pelo Ministério da Saúde a segunda edição do Guia Alimentar para a População Brasileira, obra que apresenta de forma clara e objetiva quais os cuidados e caminhos que devem ser adotados pelo indivíduo a fim de alcançar uma alimentação saudável, saborosa e balanceada. O guia apresenta de forma contundente os cuidados desde a escolha dos alimentos até mesmo ao próprio ato de comer. “Os dez passos para uma alimentação adequada e saudável”, sistematizados pelo Guia Alimentar da População Brasileira, são transcritos a seguir (BRASIL, 2014, p. 127-128): 1. Fazer de alimentos in natura ou minimamente processados a base da alimentação. 2. Utilizar óleos, gorduras, sal e açúcar em pequenas quantidades ao temperar e cozinhar alimentos e criar preparações culinárias. 3. Limitar o consumo de alimentos processados. 4. Evitar o consumo de alimentos ultraprocessados. 5. Comer com regularidade e atenção, em ambientes apropriados e, sempre que possível, com companhia. 6. Fazer compras em locais que ofertem variedades de alimentos in natura ou minimamente processados. 7. Desenvolver, exercitar e partilhar habilidades culinárias. 8. Planejar o uso do tempo para dar à alimentação o espaço que ela merece. 9. Dar preferência, quando fora de casa, a locais que servem refeições feitas na hora. 10. Ser crítico quanto a informações, orientações e mensagens sobre alimentação veiculadas em propagandas comerciais. 63 FISIOPATOLOGIA DAS DOENÇAS ENDÓCRINAS E NUTRICIONAIS O consumo em excesso de açúcar, sal e de gordura saturada estão intimamente relacionados ao desenvolvimento das DCNT, entre as quais destacam-se a hipertensão, a diabetes e a obesidade. Portanto, torna-se essencial que o consumo desses ingredientes seja realizado com moderação, seguindo as recomendações nutricionais estabelecidas pela OMS e pelo Ministério da Saúde. A figura a seguir apresenta um algoritmo das recomendações voltadas para a ingestão dessas substâncias. Reduzir a ingestão de açúcar, gordura saturada e sal Reduzindo açúcar Açúcar livre* não devem ultrapassar 10% do VET Consumir doce, bolos, biscoitos, refrigerantes e sucos apenas ocasionalmente. Consumir frutas frescas, frutas secas castanhas ou lácteos em lanches. Usar com moderação açúcar em bebidas e receitas. *Açúcares livres: açúcar adicionado a alimentos ou bebidas, mel, sucos de frutas e concentrado de suco de frutas. Reduzindo gordura saturada Gordura saturadas* não devem ultrapassar 10% do VET Limitar consumo de carnes processadas (salsicha, linguiças salames e presuntos), alimentos preparados em frituras de imersão (batata frita e salgados). Consumir leite e derivados com menor teor de gordura, carnes brancas ou magras. Consumir alimentos assados ou grelhados. *Gorduras saturadas: manteiga, banha, óleo de palma, óleo de coco e gorduras de origem animal. Reduzindo sal Consumo máximo de sódio recomendado 2 g/dia (equivalente a 8 g de sal de cozinha) Não utilizar saleiro à mesa. Evitar consumo de refeições prontas, salgadinhos e caldos industrializados, carnes processadas (salsichas, linguiças, salames e presuntos). *Utilize sal iodado. Figura 36 – Algoritmo para redução da ingestão de açúcar, gordura saturada e sal 2.5.2 Atividade física e qualidade de vida O sedentarismo é um dos fatores de risco mais importantes e associados à grande maioria das mortes por doenças crônicas. A prática de atividade física, além de promover um bem-estar amplo, sob aspectos da saúde mental e social, é responsável também por promover benefícios que vão além do controle da obesidade, constituindo-se como uma importante ferramenta na prevenção e no tratamento da doença coronariana, da hipertensão arterial, das doenças musculoesqueléticas, das doenças respiratórias e da depressão (LEE et al., 2012, p. 219-229). O gasto energético diário é composto de três componentes principais: a taxa metabólica basal (TMB), que constitui de 60% a 75% do gasto energético diário e está associada à manutenção da maioria das funções corporais, o efeito térmico alimentar (ETA), que corresponde ao aumento cumulativo do gasto 64 Unidade I energético após as refeições (digestão) e constitui aproximadamente 10% do gasto energético diário, e o efeito térmico da atividade física (ETAF), que inclui o gasto energético relativo ao trabalho físico, à atividade muscular e ao exercício físico, sendo o componente com maior variação no gasto energético diário e pode constituir de 15% a 30% dele (SCHNEIDER; MEYER, 2007, p. 101-107). A adoção de um estilo de vida ativo deve começar ainda na infância. Segundo Santos, Carvalho e Garcia Júnior (2007, p. 203-213), há relação direta entre ter um estilo de vida ativo durante a infância e um estilo de vida ativo na fase adulta. Corroborando com os autores mencionados, o estudo de Ronque et al. (2005, p. 709-717), acompanhando o estilo de vida de 34 indivíduos não atletas desde a sua adolescência até a sua fase adulta, demonstrou que apenas 2 dos 34 indivíduos tornaram-se indivíduos fisicamente ativos, ou seja, de um grupo de 34 sedentários, apenas 5,88% destes adotaram um estilo de vida ativo na fase adulta. 2.5.3 Tratamento medicamentoso O objetivo do tratamento com medicamentos é a perda de 10% do peso corporal, de modo a diminuir as complicações da obesidade, como diabetes e hipertensão arterial (GARVEY et al., 2016, p. 1-203). A associação de fitoterápicos e benzodiazepínicos com medicamentos para perda de peso é proibida pelo Conselho Federal de Medicina (CFM). Além de desnecessária e sem evidência científica, esse tipo de abordagem é responsável por estigmatizar o tratamento da obesidade. Observa-se na prática clínica a utilização de algumas substâncias classificadas como fitoterápicas ou suplementos alimentares que não encontram amparo nas melhores práticas e evidências médicas. Por ser uma doença complexa e de difícil controle, diversas abordagens surgem como propostas de tratamento, geralmente sem nenhuma fundamentação científica ou baseadas em estudos curtose com pequeno número de pacientes. A figura adiante apresenta terapias que não possuem evidência científica suficiente para serem indicadas em uma abordagem médica ética no tratamento da obesidade (ABESO, 2016) Abordagens não recomendadas Fitoterápicos Ephedra sinica Erva-de-são-joão Garcinia cambogia ioimbina Psyllium Irvingia gabonensis Chia Ácido pinolênico Cacto indiano ou Caralluma fimbriata Pholia magra Centelha-asiática Laranja-amarga Forscolina Faseolamina Suplementos e outros Ácido linoleico conjugado Óleo de coco Cafeína Capsaicina Goma guar Cromo Cálcio Quitosana Hidroximetibutirato Piruvato Gonadotrofina coriônica humana (hCG) Figura 37 – Abordagens não recomendadas 65 FISIOPATOLOGIA DAS DOENÇAS ENDÓCRINAS E NUTRICIONAIS Saiba mais Você pode saber mais sobre o tema obesidade lendo: AGÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE SUPLEMENTAR. Manual de diretrizes para o enfrentamento da obesidade na saúde suplementar brasileira. Diretoria de Normas e Habilitação dos Produtos. Gerência-Geral de Regulação Assistencial. Gerência de Monitoramento Assistencial. Coordenadoria de Informações Assistenciais. Rio de Janeiro: ANS, 2017. Disponível em: https://bit.ly/3aI6kaH. Acesso em: 9 fev. 2021. 2.5.4 Tratamento cirúrgico – a cirurgia bariátrica, tipos e aplicações De acordo com Cavalieri e Moraes (2004, p. 49-54), a obesidade mórbida é definida como aquela que está associada diretamente a doenças (ou risco de as adquirir) ligadas ao excesso de peso. Para que o indivíduo seja candidato a um procedimento cirúrgico de controle do peso corporal, este deve preencher alguns critérios como IMC > 40 kg/m2 ou IMC > 35 kg/m2, ter doenças associadas (como cardiovasculares e diabetes, por exemplo), não ter tido sucesso em todos os tipos de intervenções conservadoras de perda de peso, ausência de risco cirúrgico, ausência de doenças endócrinas não tratáveis, não ter doenças psiquiátricas graves, incluindo vícios em drogas e álcool. A cirurgia bariátrica é indicada para pacientes obesos que não apresentaram resposta ao tratamento clínico medicamentoso nem às mudanças de estilo de vida. A cirurgia bariátrica determina perda de peso de 20-35% do peso inicial após uma média de 24 a 36 meses do procedimento, resultando em melhora geral e diminuição das complicações da obesidade, como diabetes tipo 2 e câncer. A recomendação de cirurgia bariátrica na saúde suplementar deve seguir a diretriz de utilização, conforme estabelecido no rol de procedimentos e eventos em saúde da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), que prevê a cobertura obrigatória por planos de segmentação hospitalar (com ou sem obstetrícia) e por planos-referência. As cirurgias diferenciam-se pelo seu mecanismo de funcionamento. Existem três procedimentos básicos em cirurgia bariátrica e metabólica, que podem ser feitos por abordagem aberta, por videolaparoscopia, por robótica e, mais atualmente (ainda em protocolo de estudo), por procedimento endoscópico, teoricamente menos invasiva, mais confortável ao paciente, mas cujo alcance de seus resultados ainda é incerto em perda de peso e em perfil de paciente. Os procedimentos são didaticamente divididos e classificados em: • Restritivos: diminuem a quantidade de alimentos que o estômago é capaz de receber e induzem a sensação de saciedade precoce. O resultado, no entanto, depende da colaboração do paciente, pois alimentos líquidos podem ser ingeridos quase no mesmo volume de antes da operação, e, se 66 Unidade I forem muito calóricos, irão atrapalhar ou até impedir a perda de peso. Existem métodos, sendo os principais, a saber: cerclagem dentária, balão intragástrico, gastroplastia vertical restritiva de Mason, banda gástrica ajustável por laparoscopia. • Disabsortivas: são cirurgias que teoricamente alteram pouco o tamanho e a capacidade do estômago em receber alimentos, porém impactam em uma mudança drástica na absorção dos alimentos no intestino delgado, o que permite ao paciente comer, porém atrapalham a absorção dos nutrientes e, com isso, levam o obeso ao emagrecimento. São, em geral, bem-sucedidas quanto ao emagrecimento, que pode chegar a 50% do peso original, porém necessitam de controle mais rígido quanto a distúrbios metabólicos de elementos minerais e vitaminas. Não são as operações de primeira escolha. Sempre há uma indicação especial para o seu emprego. Se os pacientes forem bem cuidados, terão boa evolução. As operações que utilizam a técnica disabsortiva são aquelas conhecidas como “desvios do intestino”, pois desviam uma boa parte do curso dos alimentos. Entre as diversas opções, em geral, uma delas é a que deixa vários metros de intestino delgado sem utilização, como a derivação jejuno-ileal e a biliopancreática. • Técnicas mistas: são procedimentos que apresentam elevados índices de satisfação, excelente controle das doenças associadas e excelente manutenção do peso perdido a longo prazo. São caracterizadas por causar restrição na capacidade de receber o alimento pelo estômago que está diminuído e possui um desvio curto do intestino com discreta má absorção de alimentos. Conhecida como cirurgia de bypass gástrico ou cirurgia de Fobi-Capella, divide o estômago original em dois: uma porção maior (grande) que fica fora do caminho dos alimentos e uma porção menor (pequeno) que ingere por vez não mais que 30 mL. Esse pequeno estômago é então ligado ao intestino. Além de limitar o volume do que entra, essa técnica também limita a velocidade de esvaziamento do estômago, pois é aplicada uma banda de contenção, ou seja, uma pequena gravata restritiva por fora do coto gástrico. Atualmente, a técnica mista tem sido considerada a melhor e por isso vem sendo a mais utilizada em todo o mundo. As técnicas de Fobi e de Capella são as mais utilizadas, sendo semelhantes entre si e guardando os mesmos princípios. A seguir apresentamos um resumo dos principais procedimentos utilizados para tratamento cirúrgico da obesidade. Bypass gástrico (gastroplastia com desvio intestinal em Y-de-Roux) Apesar do recente crescimento na indicação de gastrectomia vertical, o bypass gástrico em Y-de-Roux (BGYR) ainda é a operação mais realizada em todo o mundo e segue considerada por muitos como a técnica padrão-ouro. Desde sua descrição original em 1967 por Mason e Ito (MASON, 1969, p. 329), o BGYR vem passando por uma série de adaptações e melhorias técnicas, resultando no conceito moderno de pouch vertical, reconstrução em Y-de-Roux e anastomose calibrada. O maior avanço, todavia, se deu com a adoção da via de acesso laparoscópica, que proporcionou redução importante na morbidade associada ao procedimento (MASOOMI et al., 2012, p. 72). 67 FISIOPATOLOGIA DAS DOENÇAS ENDÓCRINAS E NUTRICIONAIS Figura 38 – Posicionamento dos cinco trocartes para realização do BGYR simplificado Figura 39 – A) Grampeamento horizontal – início da confecção do pouch gástrico; B) último grampeamento vertical na confecção do pouch gástrico mostrando detalhe técnico da perfeita visualização da ponta do endogrampeador mecânico junto ao ângulo esofagogástrico e da manutenção de distância segura do esôfago 68 Unidade I Figura 40 – Sutura contínua transfixante para reforço da linha de grampeamento no estômago excluso com fio absorvível Figura 41 – Endogrampeador posicionado para realização da anastomose gastrojejunal calibrada para 15 mm Figura 42 – Sutura contínua com fio inabsorvível para fechamento do espaço de Petersen 69 FISIOPATOLOGIA DAS DOENÇAS ENDÓCRINAS E NUTRICIONAIS Figura 43 – A) Delimitação do comprimento da alça alimentar para anastomose laterolateral com a alça biliopancreática (AA = alça alimentar; AC = alça comum; BP = alça biliopancreática); B) seção da alça biliopancreática junto à gastroenteroanastomose para conversão da técnica em Y-de-Roux O bypass gástrico é a técnica bariátrica mais praticada no Brasil, correspondendo a 75% das cirurgias realizadas, em razão de sua segurança e, principalmente, eficácia. A perda84 4.1.5 Edema na insuficiência cardíaca ...................................................................................................... 85 4.1.6 Edema na hipoproteinemia ................................................................................................................ 85 4.2 Hiperemia e congestão ...................................................................................................................... 86 4.3 Trombose .................................................................................................................................................. 88 4.3.1 Lesão endotelial ....................................................................................................................................... 89 4.3.2 Alterações do fluxo sanguíneo .......................................................................................................... 90 4.3.3 Hipercoagulabilidade ............................................................................................................................. 91 4.3.4 Trombose venosa (flebotrombose) ................................................................................................... 92 4.3.5 Coagulação intravascular disseminada ......................................................................................... 93 4.4 Embolia .................................................................................................................................................... 94 4.4.1 Tromboembolia pulmonar .................................................................................................................. 94 4.4.2 Êmbolos grandes ..................................................................................................................................... 94 4.4.3 Êmbolos de médio volume .................................................................................................................. 94 4.4.4 Êmbolos de pequeno volume ............................................................................................................. 95 4.4.5 Tromboembolia arterial ........................................................................................................................ 95 4.4.6 Embolia pulmonar ................................................................................................................................. 95 4.4.7 Embolia gasosa ....................................................................................................................................... 96 4.4.8 Embolia por líquidos ............................................................................................................................. 97 4.5 Hemorragia ............................................................................................................................................. 98 4.5.1 Hemorragia por rexe .............................................................................................................................. 98 4.5.2 Hemorragia por diapedese .................................................................................................................. 99 4.6 Infarto ....................................................................................................................................................... 99 4.7 Insuficiência cardíaca ......................................................................................................................102 4.8 Endocardite, miocardite e pericardite ........................................................................................102 4.9 Choque circulatório ...........................................................................................................................106 4.10 Doenças arteriais coronariana e oclusiva associadas à aterosclerose ......................110 Unidade II 5 FISIOPATOLOGIA DOS DISTÚRBIOS DO SISTEMA DIGESTÓRIO ...................................................115 5.1 Distúrbios da boca e do esôfago ..................................................................................................116 5.1.1 Obstrução esofágica e acalásia .......................................................................................................116 5.1.2 Esofagite ...................................................................................................................................................117 5.2 Distúrbios do estômago .................................................................................................................120 5.2.1 Gastrite aguda e gastrite crônica ...................................................................................................121 5.2.2 Úlcera péptica ....................................................................................................................................... 122 5.3 Patologias do intestino delgado e cólon ..................................................................................123 5.3.1 Doença celíaca ...................................................................................................................................... 123 5.3.2 Síndrome da má absorção ............................................................................................................... 124 5.3.3 Enterocolite infecciosa ...................................................................................................................... 124 5.3.4 Doença de Crohn ................................................................................................................................. 124 5.3.5 Colite e retocolite ulcerativa ........................................................................................................... 124 5.3.6 Hemorroidas ......................................................................................................................................... 125 5.3.7 Intolerância à lactose ........................................................................................................................ 125 5.3.8 Constipação............................................................................................................................................ 126 5.3.9 Síndrome do intestino irritável ..................................................................................................... 126 5.3.10 Disbiose .................................................................................................................................................. 127 6 FISIOPATOLOGIA DOS DISTÚRBIOS DO FÍGADO, VIAS BILIARES E PÂNCREAS .....................128 6.1 Cirrose .....................................................................................................................................................128 6.2 Hipertensão portal ............................................................................................................................129 6.3 Icterícia ..................................................................................................................................................130 6.4 Colestase ...............................................................................................................................................131 6.5 Colelitíase e colecistite ...................................................................................................................132 6.6 Pancreatite aguda .............................................................................................................................135 6.7 Pancreatite crônica ...........................................................................................................................136 7 FISIOPATOLOGIA DOS DISTÚRBIOS DO SISTEMA ENDÓCRINO ..................................................137 7.1 Hipófise, tireoide e paratireoide ...................................................................................................137de peso após o procedimento cirúrgico alcança em média 70% a 80% do excesso de peso inicial. Nesse procedimento misto, é feito o grampeamento de parte do estômago, que reduz o espaço para o alimento, e um desvio do intestino inicial, promovendo dessa forma o aumento de hormônios associados à sensação de saciedade e levando a uma diminuição da fome. A associação entre a menor ingestão de alimentos e o aumento da saciedade é o que leva ao emagrecimento, além de controlar o diabetes e outras doenças, como a hipertensão arterial (SBCBM, 2017). Gastrectomia vertical A gastrectomia vertical utilizada como procedimento bariátrico restritivo isoladamente é uma técnica mais recente, que se difundiu após ter se verificado que frequentemente permitiria uma perda de peso suficiente para diminuir as comorbidades dos doentes (DEITEL et al. 2007, p. 487-496; BOHDJALIAN, 2010, p. 535-540) ao retirar a maior parte da grande curvatura gástrica, a técnica ainda é responsável pela depletação do estômago de células produtoras de grelina, uma hormona gastrointestinal que estimula o 70 Unidade I apetite e promove o aumento ponderal (KARAMANAKOS, 2008, p. 401-407). É também conhecida como cirurgia de Sleeve ou gastrectomia em manga de camisa. Esse procedimento é considerado restritivo e metabólico e nele o estômago é transformado em um tubo, com capacidade de 80 mL a 100 mL. Essa intervenção também provoca uma boa perda de peso, comparável à do bypass gástrico e maior que a proporcionada pela banda gástrica ajustável (SBCBM, 2017). Duodenal Switch Essa técnica é a associação entre gastrectomia vertical e desvio intestinal. Nessa cirurgia, 60% do estômago é retirado, porém a anatomia básica do órgão e sua fisiologia de esvaziamento são mantidas. O desvio intestinal reduz a absorção dos nutrientes, levando ao emagrecimento. Criada em 1978, a técnica corresponde a 5% dos procedimentos e leva à perda de 75% a 85% do excesso de peso inicial (SBCBM, 2017). Banda gástrica ajustável Criada em 1984 e trazida ao Brasil em 1996, a banda gástrica ajustável representa hoje menos de 1% dos procedimentos realizados no País e se encontra praticamente abandonada. Apesar de não promover mudanças na produção de hormônios como o bypass, essa técnica é bastante segura e eficaz na redução de peso (50% a 60% do excesso de peso inicial), o que também ajuda no tratamento de todas as doenças. Um anel de silicone inflável e ajustável é instalado ao redor do estômago, que aperta mais ou menos o órgão, tornando possível controlar seu esvaziamento. É uma técnica puramente restritiva e tem contra ela a presença do anel, que é uma prótese, podendo a qualquer momento apresentar problemas e complicações decorrentes de sua presença na cavidade abdominal (SBCBM, 2017). A cirurgia é indicada para pacientes com IMC ≥ 35 com complicações ou ≥ 40, que não apresentaram resposta ao tratamento clínico com medicamentos e mudanças de estilo de vida. O tratamento clínico prévio é obrigatório por um período de dois anos, exceto para pacientes com IMC ≥ 50 kg/m2. Os pacientes a serem submetidos à cirurgia bariátrica devem ser encaminhados ao cirurgião pelo endocrinologista e passar por avaliação multidisciplinar minuciosa no pré-operatório. A cirurgia bariátrica é contraindicada para pacientes sem tratamento clínico prévio, existência de doenças psiquiátricas ativas, como depressão maior e transtornos psicóticos, alcoolismo e/ou dependência de drogas, doenças ameaçadoras à vida no curto prazo, e pacientes incapazes de se cuidar sem apoio familiar ou social (ABESO, 2016). A avaliação laboratorial básica no pré e pós-operatório e recomendações de suplementação nutricional no pós-operatório são apresentadas na figura a seguir. 71 FISIOPATOLOGIA DAS DOENÇAS ENDÓCRINAS E NUTRICIONAIS Cirurgia bariátrica: IMC > 35 kg/m2 com comorbidades ou IMC > 40 kg/m2 Após falha de tratamento clínico (2 anos) Avaliação pré-operatória Clínica: Avaliação e controle de comorbidades Laboratorial: Hemograma, coagulograma, tipo sanguíneo, glicemia, lipidograma, análise da função hepática, dinâmica do ferro, exame de urina, eletrocardiograma, radiografia de tórax, endoscopia digestiva alta e ultrassonografia abdominal Seguimento pós-operatório Clínica: Evolução de perda ponderal Seguimento de comorbidades Avaliação nutricional Laboratorial: Hemograma, perfil de ferro,* cálcio total, fósforo, 25-hidroxivitamina D, PTH e cálcio urinário de 24 horas, densitometria óssea (após 2 anos) e ultrassom de abdome Suplementação básica de rotina: Complexo de minerais e vitaminas Citrato de cálcio > 1200 mg/dia Vitamina D3 > 3000 UI/dia ou > 20.000 UI/semana Vitamina B12 5000 µg comprimido oral ou 1000 ou 5000 µg intramuscular Ferro (sulfato, fumarato, hidróxido, gluconato) > 45 mg/dia Figura 44 – Avaliação laboratorial no pré e pós-operatório da cirurgia bariátrica 2.6 Síndrome de dumping A síndrome de dumping ocorre quando alimentos com grandes concentrações de gordura e/ou açúcares passam aceleradamente do estômago para o intestino em pacientes submetidos a cirurgias bariátricas, sobretudo em razão da alteração anatômica do estômago gerada pelo processo cirúrgico. A ingestão de alimentos ricos em gordura, do tipo óleos vegetais e carnes gordurosas, e de carboidratos, como doces, leite condensado, mel, chocolates, geleias e refrigerantes, ocasiona frequentemente o surgimento de sintomas, como cefaleia, taquicardia, sudorese, náuseas, fraqueza e diarreia. Esses sinais podem ser precoces (de 30 a 60 minutos após a refeição) ou tardios (de 1 a 3 horas após a refeição). Não são todos os pacientes submetidos a essas cirurgias que apresentam a síndrome de dumping e isso se relaciona ao tipo de procedimento cirúrgico a que o paciente foi submetido. Infelizmente, somente após a cirurgia é que o paciente saberá se tem sensibilidade ou não para o aparecimento dos sintomas, na ingestão de alimentos mais suscetíveis. Apesar de não ter cura e poder acompanhar o indivíduo por toda a vida, a grande maioria das pessoas aprende a conviver com o dumping, evitando os alimentos que lhes são menos favoráveis. 72 Unidade I Os pacientes com sinais frequentes de dumping devem ser tratados com modificação dos hábitos alimentares, evitando assim o consumo de açúcar, doces e alimentos gordurosos, fracionando a alimentação em aproximadamente seis refeições por dia em menores volumes, evitando a ingestão de líquidos durante as refeições (consumir até uma hora antes e uma hora depois), aumentando o consumo de alimentos ricos em fibras, e melhorando a mastigação. É também aconselhável associar alimentos fontes de proteína no consumo dos carboidratos (torrada com queijo branco), para lentificar seu tempo de digestão. 3 FATORES DE RISCO ASSOCIADOS À OBESIDADE 3.1 Dislipidemia Os lipídeos são substâncias de extrema importância fisiológica pois são considerados cofatores enzimáticos, agentes emulsificantes (bile), reserva energética e elemento estrutural, como os lipídeos que compõem a membrana plasmática (LIMA, 2018, p. 67-69). Tais moléculas são encontradas em níveis plasmáticos (lipemia) considerados normais, nos quais qualquer parâmetro fora dos intervalos de referência recebem o nome de dislipidemia, considerada o principal fator de risco para doenças como aterosclerose e doenças cardiovasculares. As dislipidemias geralmente são diferenciadas em dois grandes grupos: • Primárias – natureza genética (dislipidemia familiar) – embora fatores ambientais como alimentação e ausência da prática de atividade física possam aumentar o risco. • Secundárias – derivadas de outras patologias como hipotireoidismo, insuficiência renal e obesidade. De acordo com Faludi (2017), os lipídeos fisiologicamente de maior relevância são os fosfolipídeos (estrutura da membrana plasmática), o colesterol (precursor de hormônios esteroides), os triglicérides (TG) (armazenamento energético em tecido adiposo e muscular)e os ácidos graxos (biliares e a vitamina D). A dislipidemia é considerada um dos principais determinantes para ocorrência de doenças cardiovasculares (DCV) e cerebrovasculares, entre elas a aterosclerose (espessamento e perda da elasticidade das paredes das artérias), o infarto agudo do miocárdio, a doença isquêmica do coração (diminuição da irrigação sanguínea no coração) e o AVC (derrame). Lipoproteínas: estrutura e função Considerando o fato de os lipídios serem moléculas hidrofóbicas, as lipoproteínas apresentam um papel importante, pois permitem a solubilização e o transporte dos lipídeos livres. As lipoproteínas são compostas por lipídeos simples e proteínas chamadas apolipoproteínas (apo), que possuem inúmeras funções ligadas ao metabolismo das lipoproteínas, como a formação intracelular das partículas lipoproteicas (apos B100 e B48), bem como a atuação como ligantes a receptores de membrana (apos B100 e E) ou cofatores enzimáticos (apos CII, CIII e AI). 73 FISIOPATOLOGIA DAS DOENÇAS ENDÓCRINAS E NUTRICIONAIS As quatro grandes classes de lipoproteínas são subdivididas em dois grupos: • Ricas em triglicérides (TG): maiores e menos densas, representadas pelos quilomícrons de origem intestinal e pelas lipoproteínas de densidade muito baixa (VLDL) de origem hepática. • Ricas em colesterol: estas são as lipoproteínas de baixa densidade, à base de colesterol (LDL) e as de alta densidade (HDL). Tabela 1 – Valores de referência (adultos até 20 anos) Valores de referência (adultos até 20 anos)* Baixo Desejável Limítrofe Alto Muito alto Colesterol total 240 mg/dL LDL - C 100 - 129 mg/dL 130 - 159 mg/dL 160 - 189 mg/dL > 190 mg/dL HDL - C Homens: 60 mg/dL Mulheres: 67 mg/dL Triglicérides 500 mg/dL As dislipidemias podem ser classificadas em: • Primária: também chamada hipercolesterolemia familiar, é uma patologia monogênica muito prevalente no mundo (1:500 indivíduos) (GARCÍA-GIUSTINIANI; STEIN, 2016, p. 434-438). Com o avanço da ciência foi possível identificar os genes envolvidos na manutenção dos níveis de lipídeos plasmáticos, sendo eles: LDLR, ApoB, PCSK9 e LDLRAP1. Existe uma relação entre a expressão desses genes e a doença, classificada como autossômica dominante (LDLR, ApoB e PCSK9), e a transmissão autossômica recessiva para os genes LDLRAP1. • Secundária: causada pelo estilo de vida e outros fatores (diabetes, hipotireoidismo). Tanto as causas primárias como as secundárias contribuem em graus variados para as dislipidemias. Por exemplo, a expressão da hiperlipidemia familiar combinada só pode ocorrer na presença de causas secundárias significativas. • Hipercolesterolemia isolada: ocorre a elevação isolada do LDL-C (≥ 160 mg/dL). • Hipertrigliceridemia isolada: ocorre a elevação isolada dos TG (≥ 150 mg/dL), que reflete o aumento do volume de partículas ricas em TG, como VLDL, IDL e quilomícrons. • Hiperlipidemia mista: valores aumentados de ambos LDL-C (≥ 160 mg/dL) e TG (≥ 150 mg/dL). 74 Unidade I A dislipidemia, por si só, não causa sintomas, mas pode provocar doença vascular sintomática e os níveis elevados de triglicerídeos [> 1.000 mg/dL (> 11,3 mmol/L)] podem causar pancreatite aguda. Níveis muito altos de triglicerídeos também podem causar hepatoesplenomegalia, dispneia e confusão mental. A hipertrigliceridemia grave (> 2.000 mg/dL [> 22,6 mmol/L]) pode causar aspecto cremoso nas artérias e veias retinianas (lipemia retiniana). Concentrações extremamente elevadas de lipídeos podem provocar aspecto lácteo (leitoso) do plasma sanguíneo. Os sintomas podem incluir parestesias, dispneia e confusão. 3.2 Aterosclerose É considerada uma doença vascular de origem multifatorial e fundamentada como um processo inflamatório crônico, vez que há participação intensa de células fagocitárias, principalmente macrófagos, que aparecem como fator determinante na formação da placa ateromatosa na camada íntima das artérias. Quando as moléculas de colesterol, em especial LDL, VLDL e TG, se depositam no leito arterial, uma série de eventos fisiológicos e protetores dão início a uma elevação no tecido matricial ao redor do núcleo lipídico. Fatores como dislipidemia, tabagismo, e HAS potencializam o depósito das moléculas lipídicas e diminuem a eficiência imunológica na remoção imediata delas. A atração de macrófagos para a região acometida pelo depósito de lipídeos no interior das artérias é causada pela oxidação das moléculas lipídicas, liberando toxinas pró-inflamatórias. O depósito de lipoproteínas na parede arterial, processo chave no início da aterogênese, ocorre de maneira proporcional à concentração destas no plasma. Os macrófagos repletos de lipídeos são chamados células espumosas, funcionando como o principal componente das estrias gordurosas, lesões macroscópicas iniciais da aterosclerose. Uma vez ativados, os macrófagos são, em grande parte, responsáveis pela progressão da placa aterosclerótica por meio da secreção de citocinas, que amplificam a inflamação, e de enzimas proteolíticas, capazes de degradar colágeno e outros componentes teciduais locais (HANSSON, 2005, p. 1685-1695). 75 FISIOPATOLOGIA DAS DOENÇAS ENDÓCRINAS E NUTRICIONAIS Nomenclatura e significado histológico Di sf un çã o en do te lia l Início Principal mecanismo de desenvolvimento Manifestações clínicas Progressão da aterosclerose Lesão inicial • histologicamente normal • acúmulo de macrófagos • células espumosas isoladas Ateroma • núcleos de lipídios extracelulares • acúmulo de lipídios intracelulares Fibroateroma • núcleos de lipídios simples ou mútiplos • camadas fibróticas Lesão complicada • superfície defeituosa • hemorragia, hematoma • trombose Lesão intermediária • acúmulo intracelular de lipídios • depósitos externos de lipídios Estria adiposa • acúmulo intracelular de lipídios A partir da primeira década A partir da terceira década Principalmente pela adição de lipídios Aumento do músculo liso e do colágeno Clinicamente silencioso ou manifesto Clinicamente silencioso A partir da quarta década Trombose e/ou hematoma Figura 45 – Desenvolvimento da aterosclerose A aterosclerose se caracteriza pela presença de placas ateromatosas que fazem protrusão nas luzes dos vasos. Uma placa ateromatosa consiste em uma lesão elevada com centro mole, amarelo e grumoso de lipídeos (principalmente colesterol e ésteres do colesterol), coberta por uma cápsula fibrosa branca. Além de obstruir mecanicamente o fluxo sanguíneo, as placas ateroscleróticas podem romper-se, levando a uma trombose catastrófica de vasos. As placas também enfraquecem a média subjacente e, assim, levam à formação de aneurisma. 76 Unidade I A aterosclerose causa muito mais morbidade e mortalidade (aproximadamente metade de todos os óbitos) no mundo ocidental do que qualquer outro transtorno. Como a doença das artérias coronárias é importante manifestação da doença, os dados epidemiológicos relacionados com a mortalidade por aterosclerose tipicamente refletem os óbitos causados pela doença cardíaca. Na verdade, o infarto do miocárdio é responsável por quase um quarto de todos os óbitos nos Estados Unidos. Morbidade e mortalidade significativas também são causadas por doença aterosclerótica da aorta e das carótidas e acidente vascular cerebral. Há três padrões gerais, com diferentes consequências clínicas e patológicas: • A arteriolosclerose afeta pequenas artérias e arteríolas e pode causar lesão isquêmica distal. As variantes anatômicas, hialina e hiperplásica, foram discutidas anteriormente em relação à hipertensão. • A esclerose medial de Mönckeberg caracteriza-se por depósitos calcificados nas artérias musculares em pessoas tipicamente acima dos 50 anos de idade. Os depósitos podem sofrer alteração metaplásica e se transformar em osso. Todavia, as lesões não invadema luz do vaso e geralmente não são clinicamente significativas. • A aterosclerose, das palavras de raiz grega athera (papa) mais sklerosis (endurecimento), é o padrão mais frequente e clinicamente mais importante. 3.3 Hipertensão A pressão arterial (PA) é definida como a força que o sangue exerce contra a parede endotelial das artérias, assim, deve-se considerar vários fatores que interferem nesses mecanismos: • O controle nervoso mediante a ativação do sistema nervoso periférico autônomo (SNPa) simpático. • O volume de sangue presente no interior das artérias. • A tensão da musculatura lisa das artérias. • A força de propulsão do músculo cardíaco. • A concentração de água (plasma) no sangue. 3.3.1 Papel nervoso no controle da PA A rede de nervos presente nas pequenas artérias e arteríolas é responsável pela estimulação simpática, aumentando a resistência da musculatura arterial ao fluxo sanguíneo e consequentemente reduzindo a velocidade do fluxo sanguíneo pelo corpo e, assim, elevando a pressão arterial. Dessa forma, pode-se dizer que a ativação do SNPa simpático eleva a PA. O sistema nervoso autônomo periférico é dividido em simpático e parassimpático, que são na maioria dos casos sistemas antagônicos (com funções opostas). 77 FISIOPATOLOGIA DAS DOENÇAS ENDÓCRINAS E NUTRICIONAIS As fibras nervosas simpáticas vasomotoras saem da medula espinhal por todos os nervos espinhais torácicos e pelos dois primeiros lombares, passam pela cadeia simpática e seguem por duas vias: a dos nervos simpáticos específicos que inervam principalmente a vasculatura das vísceras internas e do coração, e a dos nervos espinhais que inervam principalmente a vasculatura das áreas periféricas. A inervação das pequenas artérias e arteríolas permite que a estimulação simpática aumente a resistência e reduza o fluxo de sangue para os tecidos. Já nas veias, a estimulação simpática promove diminuição na complascência, o que leva à diminuição da capacidade de armazenamento de sangue, alterando, assim, o volume de sangue do sistema circulatório periférico. Já no coração, o sistema simpático atua aumentando a frequência cardíaca e a força de contração (MICHELINI, 2008, p. 571-593). O sistema nervoso parassimpático desempenha um pequeno papel na regulação da circulação. Seu efeito se caracteriza pela redução da frequência cardíaca e a contratilidade do miocárdio por meio de fibras parassimpáticas levadas até o coração pelo nervo vago (GUYTON, 2011, p. 771-783). O reflexo barorreceptor é o mais conhecido dos mecanismos nervosos de controle da pressão arterial (PA) (GUYTON, 2011, p. 771-783), sendo o principal responsável pela regulação momento a momento da pressão arterial. Os barorreceptores são pressorreceptores do tipo terminações nervosas livres que se situam na adventícia, próximo à borda médio-adventicial de grandes vasos sistêmicos. O reflexo quimiorreceptor atua da mesma maneira que o barorreflexo, porém este é estimulado por células sensíveis à falta de oxigênio e ao excesso de dióxido de carbono. Quando a pressão arterial cai, os receptores são estimulados pelo aumento de CO2 e pela diminuição de O2; os sinais transmitidos chegam até os centros vasomotores, excitando-os, levando a efeitos semelhantes àqueles provocados pela ativação do barorreflexo. Estimulação simplática aumenta a FC e a contratilidade Estimulação parassimpática diminui a FC e a contratilidade Aumento da frequência cardíaca Aumento da força de contração cardíaca Aumento do volume de bombeamento Acentuada diminuição da frequência Ligueira diminuição da contratilidade Figura 46 – Visão geral do controle nervoso da PA A pressão sanguínea sistêmica e nos tecidos locais precisa ser mantida dentro de uma faixa estreita para impedir consequências indesejáveis. Pressões baixas (hipotensão) resultam em perfusão inadequada dos órgãos e podem levar à disfunção ou à morte dos tecidos. Inversamente, pressões altas (hipertensão) podem causar dano ao vaso e ao órgão-alvo. 78 Unidade I 3.3.2 Controle renal da pressão arterial O papel do rim na gênese e na manutenção da hipertensão essencial vem ganhando importância nos últimos anos. Já foi demonstrada a relação entre a elevação da pressão arterial e o aumento proporcional na excreção urinária de sódio e água, a chamada relação pressão/natriurese. Sabe-se que na hipertensão essa relação está desviada para a direita, mas outros mecanismos também estão implicados, tais como modificações hemodinâmicas em nível de circulação medular renal e participação de vários hormônios, como endotelina-1, bradicinina, óxido nítrico e angiotensina II. A hipertensão também é causa importante de doença renal terminal, sendo essencial a abordagem terapêutica da doença pelo uso de fármacos que limitem a hipertensão glomerular, entre eles os inibidores da enzima conversora da angiotensina. A melhor forma de tratar a disfunção renal na presença de hipertensão consiste em controle adequado e efetivo dos níveis pressóricos e, quando necessário, intervenção dietética e controle da dislipidemia e da hiperglicemia. A longo prazo, o controle da PA pelos rins é dominante sobre qualquer outro sistema por meio da eliminação de água e eletrólitos, já o controle renal da PA em curto prazo, se dá pela secreção de hormônios e substâncias vasoativas. • Regulação a longo prazo Aumento no volume da diurese Alteração na concentração eletrolítica na urina Desidratação celular • Regulação a curto prazo ADH (controle central) Aldosterona (sistema endócrino) Sistema Renina - angiotensina Figura 47 – Visão geral do controle renal da PA Na hipertensão arterial, o rim exibe um comportamento ambivalente, podendo ao mesmo tempo ser a causa da hipertensão ou sofrer seus efeitos lesivos, o que contribui, à medida que a lesão evolui, para manter o “círculo vicioso de Klahr” que propicia a progressão da lesão até os estágios de insuficiência renal terminal (KLAHR, 1989, p. 731-733). Por outro lado, além de sua função excretora, o rim exerce importantes funções hormonais capazes de influenciar o sistema cardiovascular como um todo, bem como é importante determinante do comportamento farmacológico dos medicamentos, modificando sua absorção, distribuição, concentração e meia-vida plasmática. Tabela 2 – Classificação da PA de acordo com a medição casual ou no consultório a partir de 18 anos de idade Classificacção da PA de acordo com a medição casual ou no consultório a partir de 18 anos de idade Classificação PAS (mm Hg) PAD (mm Hg) Normal 180 > 110 Quando a PAS e a PAD situam-se em categorias diferentes, a maios deve ser utilizada para classificação da PA. Considera-se hipertensão sistólica isolada se PAS > 140 mm Hg e PADpacientes de alto risco para eventos cardiovasculares (MARTE; SANTOS, 2007, p. 252-257). 3.3.3 Disfunção endotelial Alguns dos aspectos fisiopatológicos que correlacionam a hipercolesterolemia e a hipertensão arterial estão relacionados à disfunção endotelial (SPOSITO, 2004, p. G8-G12). As células endoteliais que controlam o tônus vascular liberam fatores que determinam a atividade contrátil das células musculares lisas (VANHOUTTE, 1988, p. 512-513). O óxido nítrico (NO) é produzido continuamente pelas células endoteliais, por meio da oxidação do aminoácido L-arginina em L-citrulina. Esse processo é regulado pela ação de duas enzimas endoteliais: NO sintase (eNOS) e nicotinamida adenina dinucleotídeo fosfato 21(NADPH) oxidase (LASSEGUE; CLEMPUS, 2003). O NO está envolvido com mecanismos que regulam o fluxo sanguíneo, os quais participam da modulação da pressão arterial em indivíduos normotensos e hipertensos; entre eles estão o controle da resistência vascular, a adaptação do fluxo sanguíneo às demandas metabólicas e o remodelamento do diâmetro do vaso ao fluxo de volume circulante. Na hipercolesterolemia observa-se a redução da biodisponibilidade de NO. A hipercolesterolemia promove maior produção de radicais livres pela ação da NADPH oxidase, os quais inativarão as moléculas de NO (MARTE; SANTOS, 2007). O aumento de radicais livres nesse ambiente hipercolesterolêmico também resulta em maior formação de LDL oxidada, que irá interferir no processo de transcrição nuclear da enzima eNOS8, além de reduzir a estabilidade intracelular do RNA (ácido ribonucleico) mensageiro, que codifica essa enzima, diminuindo sua síntese e, consequentemente, a produção de NO (TOUYZ, 2005, p. 449-455). Em estudos experimentais da microcirculação, o aumento do fluxo das arteríolas induz à vasodilatação do lúmen arterial, proporcional ao aumento do fluxo local. Nos indivíduos normais, essa resposta é dependente da integridade do endotélio. Em hipertensos e hipercolesterolêmicos, que apresentam redução da atividade e biodisponibilidade do NO, essa vasodilatação não foi observada (CREAGER, 1990, p. 228-234). Mesmo em indivíduos normais, fatores metabólicos como colesterol plasmático e resistência à insulina podem influenciar a pressão arterial pelo aumento da reatividade vascular. Esses efeitos foram observados durante o exercício, em que aumentos da pressão diastólica se correlacionaram com os valores mais elevados de colesterol plasmático e de resistência à insulina (BRETT et al., 2000, 80 Unidade I p. 611-615). Isso pode contribuir para o desenvolvimento da hipertensão arterial observada em pacientes dislipidêmicos e com resistência à insulina. 3.3.4 Sensibilidade ao sal Outro mecanismo que correlaciona a hipercolesterolemia e a hipertensão é a sensibilidade ao sal. A hipertensão arterial, caracterizada por múltiplas alterações estruturais e funcionais da membrana celular, está frequentemente associada a anormalidades metabólicas que incluem hipertrigliceridemia, HDL-colesterol baixo e aumentos do LDL-colesterol. O aumento da microviscosidade das membranas celulares, observadas em indivíduos hipertensos, reflete as alterações de sua composição lipídica. O enriquecimento in vitro das membranas celulares com triglicérides ou colesterol modifica seletivamente as propriedades de microviscosidade das células. Na hipertrigliceridemia e hipercolesterolemia observa-se intensa troca entre os lipídios da circulação sanguínea e os que compõem as membranas celulares, resultando em menor fluidez da membrana e interferência no transporte dos íons (DOMINICZAK, 1994, p. 79-86). Em estudos in vitro, o enriquecimento de colesterol das membranas celulares foi associado a menor atividade da bomba Na+/ K+, diminuição do efluxo de Na+ e maior afinidade pelo Na+ intracelular (LIJNEN; PETROV, 1995, p. 52-62). Nas células renais, associou-se o aumento do conteúdo de colesterol das membranas celulares à redução do efluxo de Na+ ao longo do néfron, alterando a taxa de excreção de sódio, com maior retenção desse íon (LIJNEN; PETROV, 1995, p. 52-62). Tem sido extensamente estudada a influência do colesterol das membranas celulares no transporte de íons, em pacientes hipercolesterolêmicos e após a modulação in vitro do conteúdo de colesterol das membranas. A depleção progressiva do colesterol da membrana celular aumentou a velocidade de transporte de íons da bomba Na+ K+ (GIRAUD et al., 1975, p. 646-648). De forma similar, a redução do conteúdo de colesterol da membrana celular de eritrócitos de pacientes tratados com pravastatina aumentou o efluxo de Na+ e diminuiu o Na+ intracelular. O tratamento com estatinas reduz o colesterol das membranas celulares e a concentração intracelular de Na+, por aumento da atividade da bomba de Na+ K+. A relação entre sensibilidade ao sal, hipercolesterolemia e hipertensão foi avaliada em estudo experimental, no qual se dava dieta rica em sal para dois grupos de ratos: um grupo hipercolesterolêmico e outro normocolesterolêmico. Apesar do aumento significativo da pressão arterial sistólica em ambos os grupos, isso foi mais evidente no grupo hipercolesterolêmico (HAYAKAWA; RAIJ, 1999, p. 611-619). Exemplo de aplicação Quanto à hipertensão, existem sempre muitos mitos. Alguns dizem que tomar chás diuréticos ajuda a regular a pressão arterial, que o excesso de peso faz a pressão aumentar e que mulheres pós-menopausa tem risco maior de hipertensão. Esses exemplos são mito ou verdade? Que tal pesquisar sobre o assunto? 81 FISIOPATOLOGIA DAS DOENÇAS ENDÓCRINAS E NUTRICIONAIS 4 FISIOPATOLOGIA DOS DISTÚRBIOS CIRCULATÓRIOS São considerados distúrbios do sistema circulatório quaisquer alterações relacionadas ao sangue (fluidez, volemia) e aos vasos sanguíneos (arteriais ou venosos). 4.1 Edema É definido como o acúmulo de líquido no espaço intersticial podendo ser de pequenas ou grandes dimensões. Para que ocorra, primeiramente deve haver uma alteração dos mecanismos que controlam a distribuição da volemia no espaço intersticial. Esse tipo de alteração pode ser localizado, pois envolve apenas os fatores que influenciam o fluxo de fluido ao longo do leito capilar, ou secundária, o que envolve alterações dos mecanismos de controle do volume dos compartimentos extracelulares e o líquido corporal total, sendo na maioria das vezes a causa do que conhecemos como edema generalizado. 4.1.1 Equilíbrio de Starling Em 1896, Starling descreveu as forças fisiológicas que controlam o movimento de fluidos ao longo do leito capilar que, quando alteradas, podem causar edema. De forma resumida, o fluxo dos fluidos capilares depende da permeabilidade da parede do vaso (definida pela constante Kf), e pela diferença entre as variáveis da pressão hidrostática (Pc) e da pressão oncótica ou osmótica coloidal (pi). Em condições fisiológicas ideais, espera-se que a pressão hidrostática na extremidade arteriolar do leito capilar seja maior que a pressão oncótica plasmática. Esse gradiente de pressão faz que haja fluxo de fluido do compartimento intravascular para o interstício. Algumas alterações nas variáveis que regem o equilíbrio de Starling podem ocasionar o edema: • Pressão hidrostática do sangue (PHs), que força a filtração. • Pressão oncótica do plasma (POp), gerada por macromoléculas circulantes, tem sentido oposto à PHs. • Pressão hidrostática e pressão oncótica da matriz extracelular (MEC) (PHm e POm), ambas bem menores em condições normais, mas que podem aumentar se a quantidade de líquido intersticial aumenta. Considerando esses componentes, a formação e a reabsorção do líquido intersticial dependem de forças definidas pela seguinte equação: força de filtração ou força de reabsorção = (PHs - PHm) – (POp - POm). No lado arterial dos capilares, a PHs é maior do que a POp, e as pressões da MEC são muito menores do que as do sangue; a equação mostra uma força positiva, a força de filtração do plasma para a MEC. No lado venoso doscapilares, a PHs é menor do que a POp, resultando em uma força de reabsorção que força o líquido de volta para a circulação sanguínea. A pressão hidrostática no lado arterial da microcirculação é próxima à do lado venoso (mas sempre maior do que a POp), e é influenciada pela intermitência da abertura dos esfíncteres pré-capilares: quando estes se fecham, 82 Unidade I a jusante da PHs se reduz muito, facilitando a reabsorção, enquanto nos capilares cujos esfíncteres estão abertos predomina a filtração. A força de filtração gera um conteúdo filtrado que contém água, eletrólitos e pequenas moléculas orgânicas (carboidratos simples, aminoácidos, ácidos graxos e outras moléculas orgânicas de baixo peso molecular), que passam junto com a água pelos espaços endoteliais; as macromoléculas passam em pequena quantidade através de poros endoteliais e transcitose, variáveis em diferentes tecidos. As macromoléculas do conteúdo filtrado, junto a outras originadas na MEC, são reabsorvidas pelos vasos linfáticos, que possuem parede fenestrada e poros endoteliais; a pressão negativa nos canais linfáticos e a presença de válvulas nesses vasos permitem a drenagem do líquido em excesso e o carreamento de macromoléculas livres no líquido intersticial. O trânsito de macromoléculas da MEC para os vasos sanguíneos depende de mecanismos ativos ou facilitados de transporte através da parede capilar ou de poros endoteliais. O líquido acumulado na MEC ou em cavidades pré-formadas do organismo pode ser de dois tipos: transudato e exsudato. O transudato é constituído por água e eletrólitos e pobre em células e proteínas (sua densidade é 1.020 g/mL), formado quando a permeabilidade vascular está aumentada, como ocorre em inflamações, traumatismos na microcirculação e em vasos malformados no interior de neoplasias. Linfático Filtração PHs>POp PHm Reabsorção POp>PHs POm Figura 48 – Esquema da microcirculação, indicando a origem e o destino do líquido intersticial e as forças de Starling: PHs = pressão hidrostática do sangue; POp = pressão oncótica do plasma; PHm = pressão hidrostática da matriz extracelular; POm = pressão oncótica da matriz extracelular 83 FISIOPATOLOGIA DAS DOENÇAS ENDÓCRINAS E NUTRICIONAIS 4.1.2 Mecanismos de edema tecidual A pressão hidrostática do sangue força a saída de líquidos dos vasos para os tecidos. Os capilares intactos apresentam uma barreira à passagem de proteínas plasmáticas (tais como a albumina) para os tecidos. Pressão hidrostática Extravasamento de líquido Pressão osmótica coloidal Proteínas plasmáticas Pressão oncótica coloidal diminuída (síntese proteica diminuída, p. ex., doença; hepática; perda aumentada de proteínas, p. ex., doença renal) Extravasamento de líquidos e proteínas Vasodilatação e estase In fla m aç ão Espaços interendoteliais aumentados A. Normal B. Transudato C. Exsudato Pressão hidrostática aumentada (obstrução ao fluxo venoso, p. ex., insuficiência cardíaca congestiva) Figura 49 – Mecanismos de transudação e exsudação O edema pode ser localizado ou generalizado, denominado anasarca. Nomes especiais são utilizados para identificar edemas em cavidades naturais. De modo geral, utiliza-se o prefixo “hidro” seguido da palavra que indica a cavidade. Assim: hidroperitônio (ou ascite), hidropericárdio, hidrotórax, hidrocele (cavidade escrotal) etc. A patogênese do edema está relacionada com as forças que regulam o transporte de líquidos entre os vasos e o interstício, e, em princípio, pode resultar de quatro mecanismos: • aumento da pressão hidrostática vascular; • redução da pressão oncótica do plasma; • aumento da permeabilidade vascular; • bloqueio da circulação linfática. 84 Unidade I Para facilitar a compreensão desses fatores nas diversas situações em que se forma edema, serão comentados, separadamente, os edemas localizados e os generalizados. Os edemas ditos localizados resultam de causas locais que alteram as forças de Starling ou que interferem com a drenagem linfática. Os principais exemplos são o edema por aumento da permeabilidade vascular, edema por aumento da pressão hidrostática sanguínea e o edema pulmonar. Como situações caracterizadas por edema generalizado tem-se o edema associado à insuficiência cardíaca e o edema associado à hiponatremia, comentados a seguir. 4.1.3 Edema por aumento da permeabilidade vascular O melhor exemplo desse tipo de edema é o que ocorre em inflamações agudas, em que se forma um exsudato rico em proteínas e células. O aumento da permeabilidade vascular ocorre predominantemente nas vênulas, nas quais se abrem espaços entre as células endoteliais por ação de vários mediadores inflamatórios. Com o aumento da permeabilidade, ocorre a passagem de macromoléculas para o interstício, as quais aumentam a pressão oncótica na MEC, aumentando a filtração para o interstício (PO aumentada na MEC gera uma força que puxa água do plasma). O edema inflamatório causado por agressões que induzem liberação rápida de mediadores de vasodilatação, como ocorre em queimaduras, traumatismos físicos, reações alérgicas ou picadas de inseto, desenvolve-se rapidamente e forma exsudatos pobres em células, razão pela qual são mais moles e mais compressíveis do que aqueles provocados por agressões que induzem grande exsudação celular e de fibrina. A fibrina depositada na MEC é responsável pelo aumento da consistência nos edemas. 4.1.4 Edema por aumento da pressão hidrostática sanguínea Provocado pelo aumento da pressão intravascular em veias e vênulas, pode ser localizado ou generalizado. No primeiro caso, o aumento é causado por obstrução de veias por trombos ou por compressão extrínseca, pela insuficiência de válvulas venosas (como em varizes); no segundo, pelo aumento da pressão venosa sistêmica por insuficiência cardíaca direita. Com obstrução venosa, o território drenado apresenta hiperemia passiva e edema. Na insuficiência valvular venosa e na insuficiência cardíaca direita, surge edema nos membros inferiores por mecanismos semelhantes. O aumento da pressão venosa reflete-se na microcirculação, sobrepondo-se à força de reabsorção da pressão oncótica do plasma; se o aumento do líquido intersticial não é drenado pela circulação linfática, surge edema. Nesses casos, trata-se de transudato típico, que é pobre em proteínas e compressível, com sinal do cacifo bem evidente. 85 FISIOPATOLOGIA DAS DOENÇAS ENDÓCRINAS E NUTRICIONAIS A) B) Figura 50 – Sinal do cacifo para identificar edema: A) compressão rápida com o polegar que provoca deslocamento do líquido intersticial; B) após a retirada do dedo, permanece uma depressão (sinal do cacifo) 4.1.5 Edema na insuficiência cardíaca Insuficiência cardíaca direita acompanha-se de edema, que é localizado inicialmente nos membros inferiores, mas que normalmente torna-se generalizado e acompanhado de hidropericárdio, hidrotórax e ascite, culminando em anasarca. Além do aumento generalizado da pressão hidrostática sanguínea pela dificuldade do retorno venoso sistêmico, a generalização do edema deve-se à ativação de mecanismos reguladores que tentam restaurar a volemia, diminuída pela saída de líquido para o interstício nos locais onde o edema se iniciou. A queda do débito cardíaco estimula o sistema adrenérgico com vasoconstrição e queda da filtração renal, causando retenção de sódio e água pela ativação do sistema renina-angiotensina-aldosterona. 4.1.6 Edema na hipoproteinemia Nesse caso, a redução acentuada na quantidade de proteínas plasmáticas, em geral por diminuição da albumina, acompanha-se de edema generalizado. A hipoalbuminemia reduz a pressão oncótica do plasma, diminuindo a reabsorção do fluido intersticial, que seacumula de modo sistêmico, com maior intensidade em tecidos frouxos. Como comentado no edema da insuficiência cardíaca, a retenção de líquido nos tecidos diminui a volemia, o que ativa o sistema renina-angiotensina-aldosterona, contribuindo para a generalização do edema. São causas comuns de edema por hipoproteinemia: desnutrição proteico-energética grave, hepatopatias que reduzem a síntese de albumina (por exemplo, cirrose) e perda excessiva de albumina na urina em algumas doenças renais, como a síndrome nefrótica, em que ocorre o aumento da permeabilidade glomerular a macromoléculas. 86 Unidade I Observação Na pele edemaciada, o acúmulo de líquido na MEC da derme e do subcutâneo pode ser identificado por compressão digital, que resulta em uma depressão que demora a voltar ao normal: é o clássico sinal do cacifo, utilizado pelos profissionais de saúde para identificar edema na pele. 4.2 Hiperemia e congestão É o aumento da quantidade de sangue no interior dos vasos de um órgão ou território orgânico. A hiperemia pode ser ativa ou passiva, aguda ou crônica. A hiperemia ativa consiste em dilatação arteriolar com aumento do fluxo sanguíneo local. A vasodilatação tem origem simpática ou humoral e leva à abertura de capilares “inativos”, resultando na coloração rósea intensa ou vermelha do local atingido e em aumento da temperatura. Ao microscópio, os capilares encontram-se repletos de hemácias. A hiperemia ativa pode ser: • Fisiológica, quando há necessidade de maior irrigação, como ocorre nos músculos esqueléticos durante o exercício, na mucosa gastrointestinal durante a digestão, na pele, quando em ambientes quentes (para aumentar a perda de calor) ou na face diante de emoções. • Patológica, a qual acompanha inúmeros processos patológicos, principalmente as inflamações agudas. A hiperemia passiva, também conhecida como congestão, decorre da redução da drenagem venosa, que provoca distensão das veias distais, vênulas e capilares; por isso mesmo, a região comprometida adquire coloração vermelho-escura devido à alta concentração de hemoglobina desoxigenada. Pode ser localizada (obstrução de uma veia) ou sistêmica (insuficiência cardíaca). Congestão pode ser causada por obstrução extrínseca ou intrínseca de uma veia (compressão do vaso, trombose etc.) ou por redução do retorno venoso, como acontece na insuficiência cardíaca. Na insuficiência cardíaca esquerda ou nos casos de estenose ou insuficiência da valva mitral, surge congestão pulmonar; na insuficiência cardíaca direita, há congestão sistêmica. Na congestão aguda, os vasos estão distendidos e o órgão é mais pesado; na crônica, o órgão pode sofrer hipotrofia e apresentar micro-hemorragias antigas. Como na hiperemia passiva há aumento da pressão hidrostática intravascular, congestão e edema encontram-se muitas vezes associados. As hiperemias passivas mais importantes são as dos pulmões, do fígado e do baço. Na congestão pulmonar, os capilares alveolares encontram-se dilatados e os septos tornam-se alargados por edema intersticial; a longo prazo, os septos sofrem fibrose e ficam espessados. Em decorrência das microrrupturas de capilares, há passagem de hemácias para os alvéolos e sua fagocitose 87 FISIOPATOLOGIA DAS DOENÇAS ENDÓCRINAS E NUTRICIONAIS pelos macrófagos alveolares, os quais passam a constituir as chamadas “células da insuficiência cardíaca”. Congestão é causa frequente e importante de edema pulmonar. A congestão hepática, aguda ou crônica é provocada na maioria das vezes por insuficiência cardíaca congestiva e, menos frequentemente, por obstrução das veias hepáticas ou da veia cava inferior. Na congestão aguda, o fígado apresenta-se discretamente aumentado de peso e volume e tem cor azul-vinhosa; ao corte, flui sangue das veias centrolobulares dilatadas. Na congestão crônica, o órgão tem cor vermelho-azulada, as regiões centrolobulares são deprimidas e ficam circundadas por parênquima hepático às vezes amarelado, conferindo o aspecto de noz-moscada. Ao microscópio, os sinusoides são alargados e os hepatócitos centrolobulares estão hipotróficos pela hipóxia. Em fase avançada, pode haver necrose e hemorragia centrolobulares e fibrose das veias centrolobulares e dos sinusoides (fibrose cardíaca). Por sua vez, a congestão aguda do baço é causada sobretudo por insuficiência cardíaca; o órgão encontra-se pouco aumentado de volume, cianótico e repleto de sangue. Congestão crônica é encontrada principalmente nos casos de hipertensão porta (cirrose hepática, esquistossomose etc.). O baço é aumentado de volume (às vezes de forma acentuada, podendo pesar até 700 g), endurecido por fibrose e com focos de hemorragia. A esplenomegalia congestiva pode ser acompanhada de hiperesplenismo, que se caracteriza por anemia, leucopenia e plaquetopenia, isoladas ou associadas. A hiperemia passiva crônica nos membros inferiores resulta de insuficiência venosa por incapacidade do mecanismo valvular das veias e da bomba venosa das pernas para manter o retorno venoso adequado. A estase sanguínea provoca inicialmente edema, que tipicamente se acumula durante o dia, enquanto o indivíduo permanece em pé, e é aliviado quando mantém o membro artificialmente elevado, ou está deitado. Ao longo de meses ou anos, forma-se hemorragia por diapedese, que resulta em pigmentação hemossiderótica da pele e provoca seu escurecimento, especialmente na metade inferior da perna e do pé. As veias superficiais dilatam-se progressivamente por deficiência das válvulas das veias perfurantes. A dilatação venosa e a lentidão do fluxo acabam favorecendo o desenvolvimento de trombos nas veias profundas, que é a fonte mais frequente e importante de tromboembolia pulmonar. Em alguns pacientes, formam-se úlceras cutâneas progressivas e de difícil tratamento. A origem dessas úlceras é complexa e envolve alterações no fluxo sanguíneo, no trofismo tecidual e na microbiota residente na pele afetada, a qual poderia estimular autoagressão pela resposta imunitária inata, responsável pela instalação e pela progressão da lesão. A hiper-reatividade do sistema imunitário parece justificar o processo inflamatório ulcerativo crônico que se associa comumente à insuficiência venosa nos membros inferiores. 88 Unidade I Figura 51 – Insuficiência venosa de longa duração no membro inferior: pigmentação castanho-escura da pele e dilatações varicosas das veias no dorso do pé e no tornozelo; detalhe: corte histológico da pele mostra macrófagos carregados de hemossiderina na derme profunda A síndrome de hiperviscosidade é entendida como um distúrbio da microcirculação caracterizado por aumento da viscosidade sanguínea que resulta em redução do fluxo capilar (hipoperfusão) e isquemia de órgãos; suas causas são muito variadas. 4.3 Trombose É o processo patológico caracterizado pela solidificação do sangue dentro dos vasos ou do coração, no indivíduo vivo. Trombo é a massa sólida formada pela coagulação do sangue. Coágulo, por outro lado, significa massa não estruturada de sangue fora dos vasos ou do coração (por exemplo, sangramento dentro da cavidade peritoneal) ou formada por coagulação após a morte (com a parada da circulação, o sangue tende a se coagular no interior do coração e dos vasos). Os trombos podem ser venosos ou arteriais. Os venosos são formados primariamente por hemácias presas em uma rede de fibrina, além de algumas plaquetas, e se formam em áreas de estase após ativação do sistema de coagulação. Os trombos arteriais contêm principalmente plaquetas, possuem relativamente pouca fibrina e se formam em locais com lesão endotelial e fluxo sanguíneo de alta velocidade. A trombose resulta da ativação patológica do processo normal da coagulação sanguínea que pode ocorrer quando existirem os sinais da chamada tríade de Virchow, a saber: 89 FISIOPATOLOGIA DAS DOENÇAS ENDÓCRINAS E NUTRICIONAIS • lesão endotelial; • alteração do fluxo sanguíneo (estase ou turbulência); • hipercoagulabilidadedo sangue. O crescimento progressivo de um trombo pode obstruir total ou parcialmente a luz dos vasos ou câmaras cardíacas (trombos oclusivos e semioclusivos), com prejuízo no fluxo sanguíneo. Uma vez iniciado, o trombo pode crescer e, após tempo variável, sofrer dissolução ou organização. Trombos recentes muitas vezes sofrem dissolução (trombólise) espontânea pelo sistema fibrinolítico. A organização faz-se por meio de reação inflamatória, em que os fagócitos englobam as células do coágulo e digerem a fibrina, ao mesmo tempo em que liberam fatores de crescimento e quimiocinas, que atraem e ativam células que originam o tecido de granulação, que acaba incorporando o trombo à parede dos vasos ou do coração (conjuntivização do trombo). Nos trombos oclusivos, durante o processo de conjuntivização, pode haver proliferação endotelial que origina canais que permitem o fluxo de sangue, restabelecendo parcialmente a circulação. É o que se denomina recanalização do trombo, a qual pode restabelecer em parte a circulação no território comprometido. Os trombos podem também sofrer colonização bacteriana ou fúngica e causar nos vasos e no coração diversas lesões, como endocardite valvar ou mural, e tromboflebite, a última favorecida pelo uso de cateteres intravasculares de demora. Quando se fragmentam, tais trombos originam êmbolos sépticos. A consequência principal dos trombos é a obstrução do vaso no local de sua formação ou a distância, esta quando o trombo se desprende ou se fragmenta e forma êmbolos (ver adiante). A obstrução arterial leva à isquemia (ver adiante) e a obstrução venosa reduz a drenagem sanguínea, provocando hiperemia passiva (congestão) e edema. Com base nos aspectos macroscópicos e, de forma especial, pela cor que apresentam, os trombos são denominados brancos, vermelhos e mistos. Os trombos brancos, também denominados trombos fibrinosos, são formados essencialmente de plaquetas e fibrina, dispostas em camadas alternadas, entremeadas de hemácias, que fornecem um aspecto lamelar característico, conhecido como estrias de Zahn, e ocorrem preferencialmente nas artérias e cavidades cardíacas. Os trombos vermelhos são úmidos, gelatinosos e se assemelham ao coágulo sanguíneo, sendo também designados de coagulação ou de estase. São constituídos predominantemente de hemácias e se localizam de preferência nas veias, já os trombos mistos são os mais frequentes, caracterizando-se pela associação de camadas fibrinosas (brancos) e de coagulação (vermelhos). 4.3.1 Lesão endotelial Como já comentado, a integridade do revestimento vascular pelas células endoteliais é essencial para a manutenção da fluidez do sangue, razão pela qual lesões estruturais ou funcionais do endotélio se associam muitas vezes à formação de trombos. Lesão ou perda endotelial ocorrem em inúmeras 90 Unidade I circunstâncias, especialmente sobre placas ateromatosas, por agressão direta de bactérias ou fungos, pela presença de leucócitos ativados em inflamações agudas (vasculite), por traumatismos e por invasão vascular por neoplasias malignas. A perda do revestimento endotelial permite contato direto do sangue com o conjuntivo subendotelial (ativação da via intrínseca), adesão e agregação plaquetárias e redução dos fatores anticoagulantes. Ressalte-se que o endotélio não precisa estar lesionado para contribuir para o desenvolvimento da trombose, qualquer desequilíbrio das atividades pró e antitrombótica do endotélio pode influenciar os eventos de coagulação local. 4.3.2 Alterações do fluxo sanguíneo Duas situações favorecem a trombose: • Retardamento do fluxo sanguíneo: é um fator importante na gênese de trombos venosos. A insuficiência cardíaca, a dilatação vascular, o aumento do hematócrito e da viscosidade do sangue ou a redução da contração (bomba) muscular (especialmente em pacientes acamados) diminuem a velocidade sanguínea, favorecem a agregação de hemácias e plaquetas e são causa frequente de trombose venosa. Na síndrome de hiperviscosidade, existem aumento da resistência do fluxo e estase sanguínea nos pequenos vasos; o baixo fluxo sanguíneo causa hipóxia endotelial, agravando o quadro. Além disso, retardamento do sangue aumenta a permanência dos fatores de coagulação ativados no local. Por tudo isso, a mobilização precoce de pacientes acamados é muito importante na prevenção da trombose venosa profunda após cirurgias. A redução da velocidade do sangue no interior do coração (insuficiência cardíaca, fibrilação atrial etc.) também favorece a formação de trombos intracardíacos. • Aceleração do fluxo e turbulência: o aumento da velocidade do sangue modifica o fluxo laminar, permitindo o contato das plaquetas com a superfície interna dos vasos. A turbulência provocada pelo fluxo promove lesão do endotélio, permite o contato das plaquetas com a parede vascular e diminui a velocidade do sangue. É encontrada em aneurismas, mas ocorre também em bifurcações ou na emergência de ramos arteriais, locais em que a direção do fluxo se modifica e a força de cisalhamento pode descolar células endoteliais. Defeitos cardíacos congênitos em que há comunicações anômalas entre átrios ou ventrículos associam-se a fluxo em jato ou turbulento, o que causa lesão endocárdica e trombose parietal. Figura 52 – À esquerda, fluxo laminar com elementos celulares (inclusive plaquetas) no eixo central do vaso, na região marginal flui predominantemente o plasma; turbulência de fluxo lesa o endotélio e aumenta o contato das plaquetas com a parede 91 FISIOPATOLOGIA DAS DOENÇAS ENDÓCRINAS E NUTRICIONAIS A) B) Figura 53 – A) Turbulência em locais de dilatação vascular, como em aneurismas; B) em ramificações dos vasos ou em locais de mudança de direção do fluxo 4.3.3 Hipercoagulabilidade Pode ser provocada por: • Aumento do número (trombocitose) ou modificações funcionais das plaquetas, como variações dos receptores da superfície plaquetária. • Alterações dos fatores pró ou anticoagulantes, que podem ser congênitas ou adquiridas. A importância de um componente genético na patogênese da trombose tem sido cada vez mais reconhecida nos últimos anos. No entanto fatores genéticos têm papel diferente na trombose venosa e na arterial. Entre as alterações congênitas, a mais importante é uma mutação pontual na molécula do fator V de Leiden (assim denominada devido ao nome da cidade na Holanda onde foi detectada pela primeira vez). O fator V de Leiden é resistente à inativação pela proteína C. Nos indivíduos com essa mutação, o risco de desenvolver trombose venosa é muito alto. Em muitas condições adquiridas pode haver aumento da coagulabilidade do sangue. A liberação de tromboplastina no plasma, que ativa a via extrínseca da coagulação, acontece frequentemente em politraumatismos, queimaduras, cirurgias extensas, circulação extracorpórea, neoplasias malignas, descolamento prematuro da placenta e feto morto retido. 92 Unidade I A associação entre trombose e câncer é frequente e importante: a síndrome de Trousseau consiste na existência de trombos venosos múltiplos, em diferentes locais e tempos, em pacientes cancerosos, especialmente aqueles com tumores do sistema digestivo. Durante a reação de fase aguda, pode haver aumento da fibrinólise e hipercoagulabilidade. O uso de anticoncepcionais orais contendo estrógenos está associado ao aumento de protrombina e fibrinogênio e apresenta maior tendência à formação de trombos. Por motivo semelhante, o risco de trombose aumenta no final da gestação. O tabagismo potencializa o risco de trombose coronariana ou venosa em mulheres em uso de anticoncepcionais orais. Os trombos podem se formar em qualquer local do sistema cardiovascular. Nas cavidades cardíacas e na aorta, em geral, são não oclusivos (trombos murais), por causa do grande calibre e do fluxo rápido; em artérias menores e nas veias, podem obstruir completamente a luz (trombos oclusivos). No coração e nas artérias, os trombos formam massas cinza-avermelhadas,compostas por áreas pálidas de fibrina e plaquetas alternadas com regiões escuras contendo hemácias (linhas de Zahn). Esse aspecto se deve à deposição rítmica dos componentes celulares seguindo a pulsação do sangue, semelhante à formação das ondulações de areia em uma praia. Como os trombos venosos se formam geralmente por estase (que ativa os fatores da coagulação, mas sendo a ativação plaquetária menos importante), quase sempre eles são vermelho-azulados, por serem formados predominantemente por hemácias e fibrina, muito semelhantes ao sangue coagulado em um tubo de ensaio. Nas artérias, os trombos são formados principalmente por plaquetas e fibrina e, por isso, são brancos. Trombos mistos, contendo componentes brancos e vermelhos, são os mais comuns. Trombos hialinos, constituídos essencialmente por fibrina, são encontrados sobretudo em arteríolas e vênulas. Os trombos são sempre aderidos à parede onde se formam e possuem cabeça, corpo e cauda. Além disso, são secos, opacos e friáveis (fragmentam-se com certa facilidade); já os coágulos são brilhantes, úmidos, elásticos e não aderidos à parede. 4.3.4 Trombose venosa (flebotrombose) A maioria dos trombos venosos ocorre nas veias superficiais e profundas da perna. Os trombos venosos superficiais ocorrem normalmente nas veias safenas, no contexto de varicosidades. Esses trombos podem causar congestão local, tumefação, dor e sensibilidade, mas raramente embolizam. No entanto o edema e a drenagem deficiente predispõem a pele a infecções após pequenos traumas e a formação de úlceras varicosas. A trombose venosa profunda (TVP) nas grandes veias da perna – ao nível ou acima do joelho (por exemplo, veias poplíteas, femurais e ilíacas) – é mais grave, pois esses trombos embolizam com frequência para os pulmões e causam infarto pulmonar. A trombose venosa profunda é complicação comum em pacientes acamados, principalmente após cirurgias. Além da liberação de tromboplastina por traumatismos prévios e pelo próprio ato cirúrgico, a redução do fluxo venoso pela imobilização favorece trombose nas veias profundas dos membros inferiores e região pélvica, acometendo 10%-15% dos pacientes submetidos a cirurgias de maior porte, 30% dos internados em unidades de terapia intensiva 93 FISIOPATOLOGIA DAS DOENÇAS ENDÓCRINAS E NUTRICIONAIS A) B) C) D) Figura 54 – Formação de um trombo em veia profunda dos membros inferiores: como tais veias possuem valvas, no recesso delas, o fluxo sanguíneo laminar torna-se turbilhonado; em condições normais, o turbilhonamento é pequeno, e as plaquetas mantêm-se longe do endotélio: A) quando existe redução do fluxo (por exemplo, insuficiência cardíaca ou imobilização), as veias dilatam-se, a velocidade do sangue diminui e o turbilhonamento do sangue aumenta no recesso valvar, aumentando o choque de plaquetas contra o endotélio nesse local; B) ao se chocarem com o endotélio, as plaquetas são ativadas, agregam-se e iniciam a formação; C) agregado plaquetário com bloqueio parcial; D) trombo estabelecido 4.3.5 Coagulação intravascular disseminada A coagulação sanguínea caracteriza-se pela formação de trombos múltiplos, enquanto a coagulação intravascular disseminada (CID) resulta de ativação sistêmica especialmente na microcirculação. Os microtrombos são comuns em rins, pulmões, encéfalo, coração e glândulas endócrinas. Em consequência da formação generalizada de trombos de fibrina, ocorre ativação sistêmica do sistema fibrinolítico, o que leva a consumo de fibrinogênio e de outros fatores da coagulação. Com isso, surge hemorragia sistêmica, caracterizando a chamada coagulopatia de consumo. A CID tem, portanto, uma fase trombótica e uma fase hemorrágica, que podem acontecer simultaneamente. As principais causas de CID são: • condições obstétricas: embolia amniótica; descolamento prematuro da placenta; feto morto retido; • traumatismo com destruição tecidual; • infecções sistêmicas de qualquer natureza, especialmente bacterianas; • neoplasias malignas; • pancreatite aguda necro-hemorrágica; • agressões acompanhadas de resposta inflamatória sistêmica e choque séptico. 94 Unidade I Lembrete Fatores que predispõem à tromboembolia: imobilização; traumatismo, idade avançada, neoplasias, gravidez, contraceptivos orais, obesidade e infarto do miocárdio. 4.4 Embolia A embolia consiste na presença de um corpo sólido, líquido ou gasoso (êmbolo) transportado pelo sangue e capaz de obstruir um vaso, a qual ocorre geralmente após uma ramificação, quando o diâmetro vascular fica menor do que o do êmbolo. Em mais de 90% dos casos, os êmbolos se originam de trombos (tromboembolia); menos comumente, são formados por fragmentos de placas ateromatosas, vesículas lipídicas ou bolhas de gases. Êmbolos originados de trombos venosos (exceto no sistema porta) são levados aos pulmões; trombos arteriais (coração ou grandes artérias) originam êmbolos que se dirigem à grande circulação e se alojam frequentemente no cérebro, nos intestinos, nos rins, no baço e em membros inferiores. 4.4.1 Tromboembolia pulmonar Na maioria dos casos, origina-se de trombos formados nas veias iliofemorais profundas ou veias profundas da panturrilha, especialmente em indivíduos acamados após cirurgias ou fraturas; menos frequentemente, os trombos se originam nas veias dos plexos pélvicos ou no átrio ou ventrículo direitos. As consequências da embolia pulmonar dependem principalmente do tamanho e do número dos êmbolos. 4.4.2 Êmbolos grandes Os êmbolos volumosos (5% dos casos de embolia pulmonar) que obstruem o tronco da artéria pulmonar causam bloqueio mecânico do leito arterial, agravado por vasoconstrição reflexa (provocada pelo menos em parte pelo TXA2 liberado pelos tromboêmbolos), o que cria redução anatômica e funcional do leito vascular pulmonar. Com isso, a pressão pulmonar aumenta rapidamente, causando sobrecarga aguda no ventrículo direito (cor pulmonale agudo). Também por causa do bloqueio arterial, há redução acentuada do sangue que chega ao átrio esquerdo, podendo resultar em choque. Clinicamente, o paciente apresenta dispneia, tosse, dor torácica e hipotensão arterial. Quando mais de 60% do leito arterial pulmonar é ocluído, o tromboembolismo é letal, e a maioria dos pacientes falece nos primeiros 30 minutos após tromboembolia maciça. Esse quadro ocorre tipicamente no pós-operatório: quando o paciente sai do leito pela primeira vez, os trombos são desalojados das veias dos membros inferiores e conduzidos aos pulmões. 4.4.3 Êmbolos de médio volume Em indivíduos previamente saudáveis, êmbolos que se alojam nos ramos pulmonares de médio calibre podem ser assintomáticos, pois a irrigação pelas artérias brônquicas é capaz de evitar a necrose 95 FISIOPATOLOGIA DAS DOENÇAS ENDÓCRINAS E NUTRICIONAIS no território que sofreu obstrução da artéria pulmonar. Em pacientes com insuficiência cardíaca, ao contrário, a pressão nas artérias brônquicas não é suficiente para superar o aumento da pressão nas veias pulmonares, e, assim, o fluxo sanguíneo se torna lento e incapaz de manter o parênquima vivo. A necrose que se instala é hemorrágica porque ainda existe um fluxo mínimo de sangue. A região de necrose tem forma triangular, com base voltada para a pleura. O paciente apresenta fraqueza temporária, dispneia, arritmias, dor pleural e hemoptise; às imagens de raio-X, aparecem sinais de derrame pleural. 4.4.4 Êmbolos de pequeno volume Êmbolos pequenos, mas múltiplos, repetidos e disseminados podem ocluir a circulação pulmonar. Oclusão de mais de 30% do leito pulmonar causa hipertensão pulmonar e cor pulmonale. Tromboembolia pulmonar é uma complicação comum de vários processos patológicos e é a doença pulmonar letal mais frequente em indivíduos internados em hospitais gerais. Em cerca de 15% dos indivíduos autopsiados, encontram-se êmbolos pulmonares, muitos deles responsáveis pelo óbito. Clinicamente, seu diagnóstico é complexo, e sua frequência real é subestimada. 4.4.5Tromboembolia arterial Na maioria dos casos, os êmbolos se originam de trombos formados no coração (infarto do miocárdio, fibrilação atrial, doença de Chagas, dilatação do VE por insuficiência cardíaca, aneurismas do ventrículo esquerdo, lesão de valvas cardíacas) ou na aorta, em aneurismas ou sobre placas ateromatosas. Os principais locais de obstrução vascular na embolia arterial são: • Encéfalo, gerando acidente vascular cerebral isquêmico. • Artérias mesentéricas, podendo provocar infarto intestinal, muitas vezes fatal. • Baço ou rins, resultando em infartos geralmente desprovidos de sérias complicações para o paciente. • Membros inferiores, provocando isquemia e dor; se a obstrução não é desfeita, surge necrose nas extremidades, podendo comprometer grande parte do membro afetado. 4.4.6 Embolia pulmonar Os êmbolos nos pulmões originam-se na maioria dos casos de trombos nas veias profundas dos membros inferiores. Êmbolos grandes podem obstruir o tronco da artéria pulmonar ou se alojar na bifurcação do tronco principal (embolia pulmonar maciça com êmbolo “a cavaleiro” na bifurcação da artéria pulmonar), causando morte súbita (parada do fluxo sanguíneo pulmonar e de trocas gasosas nos pulmões). A embolização de ramos lombares, segmentares ou subsegmentares das artérias pulmonares, dependendo da extensão do comprometimento pulmonar, pode causar maior ou menor desconforto respiratório e dor, por redução da hematose, sobrecarga pressórica do ventrículo direito (cor pulmonale) e/ou broncoconstrição por difusão de serotonina do interior das plaquetas alojadas no interior dos 96 Unidade I êmbolos. Na embolia pulmonar, a dor torácica pode ser pleurítica ou de origem vascular, mas os mecanismos não são bem conhecidos. A circulação sanguínea pulmonar é feita pela artéria pulmonar e pelas artérias brônquicas. Em indivíduos sem alteração circulatória prévia, as artérias brônquicas são capazes de suprir adequadamente o território eventualmente privado de sangue por obstrução da artéria pulmonar por embolia. Por isso, quando os êmbolos são pequenos e pouco numerosos e chegam aos pulmões sem alterações circulatórias, a embolia pulmonar é geralmente discreta e desprovida de repercussão clínica. Na maioria desses casos, ocorre dissolução espontânea por pulverização do êmbolo ao se chocar com as dicotomizações vasculares, pela força de cisalhamento da circulação e por ação da plasmina sérica (trombólise). Uma vez retidos na circulação e se não são dissolvidos completamente, os êmbolos podem organizar-se (conjuntivizar), sendo vistos no interior de artérias pulmonares como bandas fibrosas atravessando ou ocluindo a luz vascular. A repetição desses fenômenos (embolização recorrente) repercute progressivamente sobre a pressão arterial pulmonar (hipertensão pulmonar por aumento da resistência ao fluxo sanguíneo). O processo de conjuntivização ou organização dos êmbolos é idêntico ao descrito para a organização de trombos. Quando eles, mesmo pequenos, obstruem ramos menores da artéria pulmonar em pulmões com hiperemia passiva, a consequência é um infarto vermelho (ver adiante). Quando existe insuficiência cardíaca (que causa hiperemia passiva pulmonar), a pressão no ramo da artéria brônquica é insuficiente para movimentar o sangue no território capilar, produzindo redução drástica na velocidade circulatória (estase sanguínea) e anoxia, que provoca necrose do parênquima e hemorragia. Infarto pulmonar é favorecido também quando existe qualquer condição que leva à hipóxia no território da artéria obstruída. A) B) C) Figura 55 – Tromboembolia pulmonar: A) embolia maciça causando obstrução do fluxo sanguíneo pulmonar e sobrecarga ventricular direita (cor pulmonale agudo); B) tromboembolia em ramo de médio calibre em paciente com insuficiência cardíaca causando infarto pulmonar; C) múltiplos pequenos êmbolos provocando hipertensão pulmonar 4.4.7 Embolia gasosa A embolia gasosa que classicamente ilustrava os textos de patologia (em mergulhadores de grandes profundidades e escafandristas) é hoje muito rara em razão do conhecimento que se tem sobre sua 97 FISIOPATOLOGIA DAS DOENÇAS ENDÓCRINAS E NUTRICIONAIS patogênese e, portanto, acerca das medidas de proteção disponíveis. Diversas causas de embolia gasosa iatrogênica surgiram pela utilização de procedimentos invasivos, propedêuticos ou terapêuticos, por meio da inserção de agulhas e cateteres em vasos ou em cavidades serosas. Aliás, hoje, as principais causas de embolia gasosa são acidentes iatrogênicos ou traumáticos, sendo o mecanismo semelhante em todas elas. Instrumentos de infusão de líquidos por via parenteral podem ter, nas vias de acesso arterial ou venoso, conexão com dispositivos de bombeamento com ar comprimido, podendo esse ar ser acidentalmente injetado na circulação. Desconexão acidental de cateteres para via de acesso em veia profunda ou durante punção para colocação de cateteres e passagem de sondas podem também produzir passagem acidental de ar para a circulação. Ventilação mecânica com pressão positiva e em condições de resistência pulmonar aumentada causa, às vezes, pneumotórax e enfisema intersticial; tal procedimento pode também forçar o ar do interstício para ramos da veia pulmonar, podendo gerar embolia gasosa. Pequenas bolhas de ar em pequenos vasos podem agredir o endotélio e causar icrotrombos, que agravam mais ainda o efeito obstrutivo dos êmbolos. As manifestações clínicas principais da embolia gasosa são relacionadas com o sistema nervoso central; paralisias, paresias e quadros diversos de isquemia cerebral são as mais importantes da síndrome de descompressão. A chamada síndrome de descompressão resulta da formação de bolhas de ar, especialmente nitrogênio, quando o indivíduo submerso em grande profundidade retorna à superfície. Em profundidade, a pressão atmosférica elevada aumenta a solubilização do nitrogênio do ar inspirado no sangue; quando o indivíduo retorna à superfície rapidamente, a pressão atmosférica cai e o nitrogênio dissolvido volta ao estado gasoso e forma bolhas que obstruem vasos na microcirculação. 4.4.8 Embolia por líquidos Os tipos mais comuns dessa forma de embolia são a de líquido amniótico e a gordurosa. A primeira resulta das contrações uterinas que forçam a passagem do líquido para o interior das veias uterinas expostas durante o trabalho de parto. Complicação rara da gestação (ocorre em cerca de 1 em cada 50 mil partos), esta embolia é grave e tem alta taxa de mortalidade, pois possui atividade pró-coagulante, desencadeando a formação de microtrombos disseminados (coagulação intravascular disseminada), e junto às lesões pulmonares (dano alveolar difuso), é responsável pela maioria dos óbitos. A embolia gordurosa pode ser provocada por: • infusão inadequada de substâncias oleosas na circulação sanguínea (injeções oleosas intramusculares); • esmagamento do tecido adiposo ou da medula óssea amarela em indivíduos politraumatizados; • lise de hepatócitos com esteatose acentuada, o que causa migração de gorduras para as veias hepáticas. 98 Unidade I O uso cada vez mais frequente de injeção intratecidual de silicone líquido com fins cosméticos tem aumentado a frequência de embolia por esse polímero. O risco de embolia relaciona-se à quantidade de silicone e a vascularização do local de injeção; quanto maiores a quantidade de silicone injetado e o número de vasos no local, maior a probabilidade de ele ganhar a circulação sanguínea. Os êmbolos localizam-se nos pulmões e causam manifestações proporcionais à intensidade e à extensão da obstrução vascular. 4.5 Hemorragia A hemorragia ou o sangramento é a saída do sangue do espaço vascular (vasos ou coração) para o compartimento extravascular (cavidades ou interstício) ou para fora do organismo. A hemorragia pode ser interna ou externa e recebe nomes específicos segundo sua localização. O sangramento pode ocorrer com ou sem solução de continuidade do vaso.Os tipos de hemorragia incluem: • Hematoma: a hemorragia para o interior do tecido mole pode ser de pouca importância (como em uma contusão muscular) ou fatal (se localizada no cérebro). • Hemotórax: hemorragia para o interior da cavidade pleural. • Hemopericárdio: hemorragia para o interior do espaço pericárdico. • Hemoperitônio: hemorragia para o interior da cavidade peritoneal. • Hemartrose: sangramento para o interior de um espaço articular. • Púrpura: hemorragia superficial difusa na pele, até um cm de diâmetro. • Equimose: hemorragia superficial maior (> 1-2 cm) na pele; pode gerar uma marca “preto-azulada”, refletindo alteração da cor da pele pelos produtos da degradação da heme, decorrente da liberação de hemoglobina das hemácias. • Petéquias: hemorragias puntiformes, em geral na pele ou na conjuntiva; representam o rompimento de capilares ou arteríolas e podem ocorrer associadas a coagulopatias ou vasculite. 4.5.1 Hemorragia por rexe É o sangramento que ocorre por ruptura da parede vascular ou do coração, com saída do sangue em jato. As principais causas são: • traumatismos; • enfraquecimento da parede vascular, que pode ocorrer por lesão do próprio vaso (vasculites, hipertensão arterial crônica com lesão de pequenas artérias cerebrais) ou nas suas adjacências, 99 FISIOPATOLOGIA DAS DOENÇAS ENDÓCRINAS E NUTRICIONAIS como na tuberculose que atinge a parede de vasos, na destruição de vasos no fundo de úlcera péptica ou na invasão da parede vascular por neoplasias malignas; • aumento da pressão sanguínea, nas crises hipertensivas. 4.5.2 Hemorragia por diapedese É a que se manifesta sem aparente solução de continuidade da parede do vaso e na qual as hemácias saem de capilares ou vênulas individualmente entre as células endoteliais, com afrouxamento da membrana basal. Por isso, quase sempre não se encontram lesões vasculares à microscopia de luz. Ao exame ultraestrutural, observam-se alterações nas células endoteliais e/ou na membrana basal. As causas desse tipo de sangramento são múltiplas. As hemácias extravasadas podem sofrer lise ou serem fagocitadas por macrófagos. A hemoglobina liberada transforma-se em biliverdina e depois em bilirrubina; o ferro da hemoglobina gera hemossiderina e pode ser encontrado no interior de macrófagos. Tais transformações são acompanhadas de alterações na cor da lesão hemorrágica. No primeiro dia, hematomas na derme ou subcutâneos são vermelhos, mudando para o tom azul-violáceo nos dias seguintes; por volta de uma semana, ficam esverdeados, adquirindo cor amarelada aproximadamente no décimo dia, depois desaparecem. Histologicamente, nas fases iniciais, encontram-se hemácias íntegras ou não no interstício; no período tardio, uma hemorragia pode ser constatada pela presença do pigmento hemossiderina. Algumas vezes, o sangramento adquire características peculiares. Hemorragia digestiva pode exteriorizar-se pela boca ou pelo ânus. Nos casos de hemorragia digestiva baixa, o sangue é eliminado junto com as fezes sem sofrer transformação e, por isso, tem cor vermelho-vivo. Nas hemorragias digestivas altas, após contato com o suco gástrico, a hemoglobina se transforma em hematina, que tem cor negra. O sangue que sai junto com as fezes é escuro (semelhante à borra de café), e o sangramento é chamado melena. Quando o sangue permanece por pouco tempo no estômago (por exemplo, ruptura de varizes do esôfago com sangramento volumoso que provoca vômito), o sangue não é “digerido” e tem cor vermelha; esse quadro constitui a hematêmese. 4.6 Infarto O infarto é uma área localizada de necrose isquêmica, por interrupção do fluxo sanguíneo arterial ou venoso. De acordo com o aspecto morfológico, pode ser branco ou vermelho (hemorrágico). O infarto denominado branco é aquele em que a região afetada fica mais clara (branca ou amarelada) do que a cor normal do órgão. É causado tipicamente por obstrução arterial em territórios sem ou com pouca circulação colateral. Em órgãos ou territórios supridos por ramos colaterais, estes podem evitar lesões isquêmicas, principalmente se formados por tecidos que, naturalmente, resistem mais à hipóxia ou à anoxia. Nos órgãos com circulação terminal ou com poucos ramos colaterais, obstrução arterial, especialmente em situações de aumento da demanda de oxigênio, queda abrupta da pressão 100 Unidade I arterial, choque ou anemia, resultam em infarto branco. É o que acontece tipicamente no coração, no encéfalo, nos rins e no baço. O infarto vermelho é assim denominado porque a região comprometida adquire coloração vermelha em razão da hemorragia que se forma na área infartada. Pode ser causado por obstrução tanto arterial como venosa, ocorre caracteristicamente em órgãos com estroma frouxo (por exemplo, pulmões) e/ou com circulação dupla ou com rica rede de vasos colaterais. Obstrução de uma artéria em órgão cujos ramos colaterais podem manter o suprimento sanguíneo não causa necrose isquêmica. É o que acontece nos pulmões; em pessoas sem problemas prévios, a circulação pelas artérias brônquicas é suficiente para manter a viabilidade do parênquima pulmonar quando há obstrução da artéria pulmonar (quase sempre por tromboembolia). No entanto, se o indivíduo tem insuficiência cardíaca, com hiperemia passiva e aumento da pressão venosa, o fluxo sanguíneo pelas artérias brônquicas não é mais suficiente para garantir a irrigação normal; nesse caso, surge necrose isquêmica. Como o pulmão é um órgão muito frouxo e o sangue continua chegando pelas artérias brônquicas, a área de infarto se torna hemorrágica (o sangramento ocorre também por diapedese e por ruptura de vasos na microcirculação por causa da estase sanguínea). Clinicamente, os pacientes com infarto pulmonar apresentam dificuldade respiratória (dispneia), dor torácica e tosse com expectoração sanguinolenta (escassos hemoptoicos) por causa da necrose hemorrágica no parênquima pulmonar. Nos intestinos, o infarto também é hemorrágico, tanto por obstrução arterial como venosa. Obstrução de um ramo da artéria mesentérica (por ateroma, trombose ou embolia) leva à isquemia e necrose no território correspondente, o qual continua recebendo sangue por outro ramo das arcadas mesentéricas. Macroscopicamente, o infarto branco apresenta-se como uma área em forma de cunha com ápice no ponto de obstrução vascular e base voltada para a superfície do órgão. No início, a região afetada é pálida (pela falta de sangue) e suas margens são pouco definidas. Nos dias seguintes, adquire coloração branco-amarelada e se torna bem delimitada; nas suas margens pode haver halo hiperêmico-hemorrágico. Após algumas semanas ou meses (dependendo do seu tamanho), o infarto é transformado em uma cicatriz conjuntiva, que forma uma depressão no local acometido. Nos casos de embolia séptica ou quando há colonização da área necrosada por microrganismos, o infarto transforma-se em um abscesso. O infarto vermelho tem a mesma configuração do branco, no entanto sua cor é vermelho-escura. Microscopicamente, o infarto é caracterizado por necrose de coagulação, exceto no cérebro, em que é do tipo liquefativo. A partir de 6 a 8 horas de sua instalação, começa a demarcação leucocitária. No segundo dia, torna-se bem evidente a reação inflamatória com exsudato de neutrófilos e macrófagos, os quais fagocitam os restos celulares. Em seguida, formam-se tecido de granulação e, finalmente, cicatriz fibrosa. No infarto do miocárdio (IM), popularmente conhecido como ataque cardíaco, a diminuição do fluxo sanguíneo em uma das artérias coronárias resulta em isquemia e necrose do miocárdio. Os principais fatores que predispõem a IM incluem: 101 FISIOPATOLOGIA DAS DOENÇAS ENDÓCRINAS E NUTRICIONAIS • histórico familiar de IM; • hipertensão; • tabagismo; • níveis elevados de triglicérides, colesterol total e LDL colesterol; • obesidade. Os sinais e sintomas do IM incluem entre outros a dor em aperto, persistente e que pode irradiar para o braço esquerdo,7.1.1 Hipopituitarismo ................................................................................................................................. 137 7.1.2 Hipertireoidismo ................................................................................................................................... 137 7.1.3 Hipotireoidismo .................................................................................................................................... 138 7.1.4 Hiperparatireoidismo .......................................................................................................................... 139 7.1.5 Hipoparatireoidismo ........................................................................................................................... 139 7.2 Pâncreas endócrino e glândulas suprarrenais .......................................................................139 7.2.1 Diabetes melito e síndrome metabólica .................................................................................... 139 7.2.2 Insulinoma (hiperinsulinemia) .........................................................................................................141 7.2.3 Síndrome de Cushing ..........................................................................................................................141 7.2.4 Insuficiência adrenocortical ............................................................................................................141 8 ALTERAÇÕES ANATOMOPATOLÓGICAS E APRESENTAÇÃO DE CASOS .....................................141 8.1 Sistema cardiovascular (coração) ................................................................................................141 8.2 Sistema gastrointestinal (estômago, intestino, fígado, pâncreas e vesícula biliar) ..............................................................................................................................................143 8.3 Sistema endócrino (tireoide) .........................................................................................................146 8 9 APRESENTAÇÃO Objetivamos com este livro apresentar os principais tópicos que norteiam a patologia geral, a patologia específica, bem como os conceitos fundamentais da anatomia patológica. Por meio do estudo dos processos patológicos básicos, será possível compreender os elementos celulares e todos os processos fisiológicos que regulam as funções normais dos nossos órgãos, tecidos e sistemas cuja função é manter a homeostase no nosso organismo. Uma vez que nos apropriarmos desses conhecimentos, é possível reconhecer os principais processos patológicos. Enfatizamos, portanto, os aspectos comuns a diferentes doenças quanto as suas causas, mecanismos patogênicos, lesões estruturais (microscópicas e macroscópicas) e alterações da função que envolvem com base no entendimento. Para melhor compreensão do leitor, abordamos inicialmente os processos básicos e, na sequência, os principais processos patológicos envolvendo os diferentes sistemas orgânicos, como os sistemas circulatório, digestório e endócrino e as principais alterações macroscópicas perceptíveis no exame anatomopatológico. INTRODUÇÃO Neste livro-texto, estudaremos os principais processos fisiopatológicos associados a distúrbios endócrinos e nutricionais. A fisiopatologia é entendida como uma quebra da homeostasia caracterizada por processos celulares, teciduais e orgânicos que não são revertidos por mecanismos fisiológicos, resultando em lesão (inicialmente celular, que se manifesta no tecido como um todo), que, se não for revertida, levará à instalação da doença propriamente dita. A patologia como ciência se baseia na observação do órgão ou sistema que apresenta funções padronizadamente fora do seu funcionamento normal (fisiológico). Assim, o estudo dessa ciência é fundamental no conhecimento da fisiologia, para que se compreenda as alterações causadas pela quebra da homeostasia que caracteriza a patologia. Desse modo, devemos nos atentar aos estudos não só da fisiologia, mas também de histologia e biologia celular (de forma geral e específica de cada tecido), para que possamos aplicar as possíveis alterações de forma assertiva em cada doença, aumentando a incidência de diagnósticos e tratamentos bem orientados a fim de reestabelecer a homeostasia. A patologia é a disciplina médica que descreve condições normalmente observadas durante um estado de doença, enquanto a fisiologia é a disciplina biológica que descreve processos ou mecanismos que operam dentro de um organismo. A primeira descreve uma condição anormal ou indesejada, enquanto essa última procura explicar as alterações funcionais que estão ocorrendo em um indivíduo devido a uma doença ou estado patológico. Este livro busca ser atrativo e didático destinando-se a servir como instrumento da aprendizagem para os estudantes de nutrição no estudo da fisiopatologia. Os conteúdos selecionados buscam atender de forma objetiva, clara e concisa os conceitos mais relevantes da patologia geral, da patologia específica e da anatomia patológica. Com esse aprendizado, o estudante deverá adquirir as habilidades e competências necessárias à formação de nutricionista, estando apto a reconhecer as alterações do estado de saúde, interpretar a evolução das doenças e elaborar um plano preventivo, além de propostas terapêuticas. Bons estudos! 11 FISIOPATOLOGIA DAS DOENÇAS ENDÓCRINAS E NUTRICIONAIS Unidade I 1 CONCEITOS BÁSICOS DE PATOLOGIA GERAL 1.1 Homeostase e saúde Para que seja possível o entendimento dos seus processos fisiopatológicos, é de fundamental importância que revisemos os conceitos básicos da fisiologia, de modo a melhor compreender o pleno e normal funcionamento do organismo. A célula normal é condicionada a manter-se em uma faixa razoavelmente estreita de função e estrutura por seu estado de metabolismo, diferenciação e especialização, por limitações das células vizinhas e pela disponibilidade de substratos metabólicos. Porém vale ressaltar que a mesma célula é capaz de sustentar as demandas fisiológicas, mantendo um estado normal chamado homeostasia. Nesse sentido cada célula que constitui nosso organismo está diretamente envolvida na manutenção de um estado dinâmico de equilíbrio, o qual denominamos homeostase. Qualquer alteração ou lesão, por menor que seja, eventualmente pode comprometer o organismo como um todo. A manutenção da homeostase é, de certa forma, uma responsabilidade integrada entre três estruturas cerebrais importantes, sendo elas a medula oblonga, que corresponde à parte do tronco cerebral ligada à manutenção das funções vitais, como respiração, circulação, entre outras; a hipófise, que regula a função de outras glândulas, estando diretamente associada ao crescimento, maturação e reprodução de um indivíduo; e o sistema reticular, que se configura como uma intrincada rede de núcleos e fibras provenientes de células nervosas no tronco cerebral e na medula espinal, diretamente associado ao controle dos reflexos vitais, como na função cardiovascular. A homeostase é sustentada por mecanismos de autorregulação que também são retroestimulados, sendo conhecidos, como: • Retroestimulação positiva: responsável por ampliar a alteração sistêmica, interferindo na homeostase. Exemplo disso é quando o coração bombeia sangue com maior velocidade e mais força numa situação de choque. Nessas situações, se houver evolução, a ação do coração pode demandar mais oxigênio do que a quantidade normalmente disponível, o que pode acarretar uma insuficiência cardíaca. • Retroestimulação negativa: o processo, estimulado pelas alterações no organismo, restaura a homeostase corrigindo deficiências. Pode-se exemplificar que, quando há alterações provocadas pela elevação da glicose, é desencadeado o aumento na produção de insulina pelo pâncreas, o que leva esse mecanismo a efetuar a redução dos níveis de glicose aos patamares normais, vindo a restaurar omandíbula, pescoço ou escápulas, por diminuição do aporte de oxigênio para as células do miocárdio. Entre as complicações mais comuns, apontam-se as arritmias, o choque cardiogênico, a insuficiência cardíaca com edema pulmonar associado e a própria extensão do infarto original. Para o diagnóstico, inúmeros exames podem ser realizados, como eletrocardiograma, dosagem de enzimas cardíacas como CK-MB, troponina, mioglobina, contagem de leucócitos, proteína C-reativa, velocidade de hemossedimentação em virtude do processo inflamatório. Além disso são extremamente úteis exames como ecocardiograma e radiografia de tórax, por exemplo. Figura 56 – Infarto do miocárdio Lembrete A hemorragia por diapedese ou diátese hemorrágica não apresenta lesão evidente nos vasos, geralmente ao nível capilar e frequentemente do tipo petequial ou púrpura. As hemácias fluem através da parede vascular intacta. Visto comumente nas coagulopatias (diáteses hemorrágicas) e nas congestões prolongadas em vênulas e capilares. 102 Unidade I 4.7 Insuficiência cardíaca Considerada mais uma síndrome do que uma doença, a insuficiência cardíaca ocorre quando o coração não consegue bombear sangue de forma satisfatória para tender as demandas metabólicas do organismo. A insuficiência acarreta sobrecarga de volumes intravascular e intersticial, bem como má perfusão tissular. Um indivíduo com insuficiência cardíaca apresenta resistência menor ao exercício, pior qualidade de vida e diminuição da expectativa média de vida. As causas para uma insuficiência cardíaca podem ser divididas em quatro categorias, a saber: enchimento ventricular esquerdo anormal, o qual pode ser decorrente de estenose de valva mitral, pericardite constritiva e hipertensão; função muscular cardíaca anormal, por miocardiopatia e por infarto do miocárdio; pressão ventricular esquerda anormal, por hipertensão pulmonar doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), e estenose de valva pulmonar ou aórtica; e por fim volume ventricular esquerdo anormal, provocado por situações como gravidez, septicemia, anemia crônica e fístula arteriovenosa. A classificação da New York Association fundamenta-se nas limitações físicas estabelecidas ao paciente portador de insuficiência cardíaca, sendo um medidor universal de gravidade. Dessa forma, divide-se em: classe I ou mínima, o paciente que não apresente limitações e cujas atividades físicas comuns não lhe causem fadiga excessiva ou desproporcional, dispneia ou palpitações; na classe II ou leve, o paciente apresenta uma atividade física limitada, sente-se confortável quando em posição de repouso, e a atividade física revela fadiga, palpitações e dispneia; o paciente em classe II ou moderado apresenta limitação importante ao exercício físico, o esforço físico pequeno impõe estado de maior fadiga e sente-se confortável em repouso; o paciente classe IV ou grave é aquele incapaz de realizar atividade física sem sentir desconforto, a presença de angina e mesmo de outros sintomas associados à insuficiência cardíaca tendem a se manter mesmo nas condições de repouso. 4.8 Endocardite, miocardite e pericardite A endocardite, também conhecida como endocardite infecciosa, é normalmente associada à infecção bacteriana. Essa é uma infecção do endocárdio, das valvas cardíacas ou das próteses cardíacas, resultante da invasão de bactérias e fungos. Se não tratada, é em geral, fatal, porém, com o tratamento correto, cerca de 70% ou mais dos pacientes se recuperam. 103 FISIOPATOLOGIA DAS DOENÇAS ENDÓCRINAS E NUTRICIONAIS Endocardite Válvula mitral Válvula aórtica Figura 57 – Representação de colonização microbiana em válvula aórtica e mitral Os agentes bacterianos mais comumente associados à endocardite são as bactérias do gênero Staphylococcus sp., sobretudo o Staphylococcus epidermides, além de bactérias menos comuns, mas igualmente importantes, como as pertencentes ao grupo HACEK, no qual encontram-se bactérias do gênero Haemophylus spp., Aggregatibacter spp., Cardiobacterium hominis, Eikenella corrodens e Kingella kingae. Na endocardite, procedimentos dentais ou urológicos podem introduzir o agente patogênico na circulação, o que acaba por promover a agregação de fibrina e de plaquetas nos folhetos valvulares. Esses agregados podem recobrir superfícies valvulares provocando ulceração e necrose. As características clínicas iniciais da endocardite em geral são bastante inespecíficas e incluem sinais como mal-estar, fraqueza, fadiga, perda de peso, anorexia, artralgia, insuficiência valvular e febre, que acometem cerca de 90% dos pacientes e são de característica intermitente. Para o diagnóstico é necessária a realização de uma hemocultura a partir da coleta de duas ou três amostras em um intervalo entre 24 e 48 horas, colhidas de venopunções separadas. Via de regra, o microrganismo causador é facilmente identificado, permitindo um antibiótico como terapia efetiva. A miocardite é a inflamação focal ou difusa do miocárdio, aguda ou crônica, podendo ocorrer em qualquer idade. As causas mais comuns de miocardite incluem as infecções virais, sobretudo pelos cosxsackievirus A, B e C, sarampo e rubéola, infecções bacterianas associadas ao Mycobacterium tuberculosis, Clostridium tetanii, infecções parasitárias, como na doença de chagas e na toxoplasmose, nas reações de hipersensibilidade imune, por exemplo na febre reumática, por contaminação por substâncias tóxicas como chumbo e cocaína. A lesão do miocárdio ocorre quando um organismo infeccioso desencadeia reações autoimune, celular e humoral e cuja resposta inflamatória resultante pode gerar um quadro de hipertrofia, fibrose 104 Unidade I e alterações inflamatórias do miocárdio e do sistema condutor. O músculo perde força e contratilidade, tornando-se frouxo e dilatado, podendo ocorrer hemorragias. Os sinais e sintomas podem ser não específicos, como fadiga, dispneia, palpitações e febre, além de ardor no tórax, taquicardia e sopro. As complicações mais frequentemente encontradas são os quadros de reincidência, arritmias, insuficiência cardíaca, tromboembolia, pericardite e morte súbita. A pericardite é uma inflamação do pericárdio, podendo ser aguda ou crônica. As desordens pericárdicas mais importantes causam acúmulo de líquido, inflamação e constrição fibrosa ou alguma combinação desses processos, geralmente em associação a uma doença em qualquer região do coração ou uma doença sistêmica; a doença pericárdica isolada é incomum. A inflamação pericárdica é, em geral, secundária a diversas doenças cardíacas, distúrbios torácicos ou sistêmicos, metástases de neoplasias que surgem em locais distantes, ou procedimentos cirúrgicos realizados no coração. A pericardite primária é incomum e quase sempre de origem viral. As principais causas de pericardite são aquelas associadas a agentes infecciosos: vírus, bactérias piogênicas, tuberculose e fungos; causas provavelmente mediadas pelo sistema imunológico, como febre reumática, lúpus eritematoso sistêmico, reação de hipersensibilidade a uma droga; entre outras, como infarto do miocárdio, uremia pós-cirurgia cardíaca, neoplasia, traumatismo e radiação (MONTEIRA, 2004). A pericardite aguda ainda pode ser classificada como serosa, tipicamente produzida por doenças inflamatórias não infecciosas e que sob o ponto de vista histológico demonstra a presença de infiltrado inflamatório leve na gordura epipericárdica consistindo predominantemente em linfócitos. A pericardite fibrinosa e serofibrinosa constituem os tipos mais frequentes de pericardite e são compostas de um líquido seroso misturado a um exsudato fibrinoso, enquanto a pericardite purulenta ou supurativa é provocada pela invasão de micróbios no espaço pericárdico, que podem alcançar a cavidade pericárdica Exemplo de aplicação Muitas infecções cardíacas podem ser advindas de processos infecciosos, mas será que o tratamento de uma simples cárie ou de uma periodontite seria capaz de promover uma infecçãosistêmica com envolvimento do tecido cardíaco? Que tal pesquisar e saber um pouco mais a respeito? 105 FISIOPATOLOGIA DAS DOENÇAS ENDÓCRINAS E NUTRICIONAIS A) C) B) D) Figura 58 – Miocardite: A) miocardite linfocítica, associada à lesão do miócito; B) miocardite por hipersensibilidade, caracterizada por infiltrado inflamatório intersticial composto em grande parte de eosinófilos e de células mononucleares inflamatórias, estando localizada predominantemente na região perivascular e nos grandes espaços intersticiais; C) miocardite de células gigantes, com infiltrado inflamatório mononuclear que contém linfócitos e macrófagos, perda extensa de músculo e células gigantes multinucleadas; D) miocardite da doença de Chagas. Uma miofibra distendida com tripanossomas no seu interior (seta) está presente, juntamente com inflamação e necrose de miofibras individuais 106 Unidade I Figura 59 – Pericardite supurativa aguda 4.9 Choque circulatório O choque circulatório pode ser descrito como uma falha aguda do sistema circulatório para abastecer os tecidos periféricos e os órgãos com um suprimento sanguíneo adequado, o que resulta em hipóxia celular. Na maioria das vezes, há hipotensão e hipoperfusão, mas o choque pode ocorrer com sinais vitais normais. Choque não é uma patologia específica, mas uma síndrome que pode acontecer no decurso de muitas condições traumáticas ou de estados patológicos potencialmente fatais. Existem vários mecanismos de hipoperfusão de órgãos e choque; este pode ser decorrente de baixo volume circulante (choque hipovolêmico), vasodilatação (choque distributivo), diminuição primária do débito cardíaco (choques cardiogênico e obstrutivo) ou uma combinação desses fatores. O choque cardiogênico é caracterizado por dano ao miocárdio (infarto, contusão do miocárdio), arritmias sustentadas, danos valvares agudos, defeito septal interventricular e se instalam quando o coração não consegue bombear sangue suficiente para atender às demandas orgânicas. Clinicamente, é definido como uma diminuição do débito cardíaco, hipotensão, hipoperfusão e indicações de hipoxia tissular, apesar do volume intravascular adequado. Pode ocorrer de repente, por diversas causas, incluindo infarto do miocárdio, contusão miocárdica, arritmias sustentadas e cirurgia cardíaca. Também pode surgir como uma condição de estágio final de doença arterial coronariana ou miocardiopatia. O choque obstrutivo descreve o choque circulatório, que resulta da obstrução mecânica do fluxo sanguíneo pela circulação central (grandes veias, coração ou pulmões). Pode ser causado por uma série de condições, incluindo aneurisma dissecante da aorta, tamponamento, pneumotórax, mixoma atrial e evisceração do conteúdo abdominal para o interior da cavidade torácica devido ao rompimento da cúpula diafragmática. A causa mais frequente de choque obstrutivo é a embolia pulmonar. O choque hipovolêmico é caracterizado pela perda substancial de sangue total, perda de plasma e perda de líquido extracelular. É causado por uma diminuição significativa do volume intravascular. O retorno venoso diminuído resulta em diminuição do preenchimento ventricular e redução do volume 107 FISIOPATOLOGIA DAS DOENÇAS ENDÓCRINAS E NUTRICIONAIS de ejeção. Se não for compensado por aumento da frequência cardíaca, o débito cardíaco diminui. Uma causa comum é o sangramento (choque hemorrágico), tipicamente decorrente de trauma, intervenções cirúrgicas, úlcera péptica, varizes esofágicas ou aneurisma aórtico rompido. Também ocorre após perdas aumentadas de líquidos corporais diferentes do sangue, como o plasma (queimaduras extensas), ou desidratação (diarreia profusa e calor excessivo). O choque hipovolêmico pode ser devido à ingestão inadequada de líquidos (com ou sem aumento da perda de líquidos); pode haver indisponibilidade de água ou incapacitação neurológica que afete o mecanismo da sede. Observação Choque é um estado de hipoperfusão de órgãos, com resultante disfunção celular e morte. Os mecanismos envolvidos são volume circulante diminuído, débito cardíaco diminuído e vasodilatação, às vezes com derivação do sangue para não passar pelos leitos capilares de troca. Perda de líquidos Choque Renina Angiotensina Aldosterona ↓ Volume circulante ↓ Retorno venoso ↓ Pré-carga ↓ Volume sistólico ↓ Débito cardíaco ↓ Pressão arterial ↓ Perfusão tecidual ↓ Hipoxia/anoxia Falência de múltiplo órgãos ↑ ADP ↑ Adenosina ↑ Ácido lático ↑ AHD ↑ Na+ ↑ Frequência cardíaca Vasoconstrição periférica Vasodilatação Abertura de capilares Recuperação do volume circulante Receptores de volume Mecanismo de adaptação Centros autonômicos Resposta simpática Recuperação da perfusão tecidual Figura 60 – Choque hipovolêmico: havendo perda considerável de líquido, caem a pressão arterial e a perfusão tecidual, levando ao choque; com a hipóxia tecidual, aumentam ADP, adenosina e ácido lático, que induzem à liberação de mediadores que abrem a circulação terminal (arteríolas e capilares), reduzindo o retorno venoso e a perfusão tecidual, criando um círculo vicioso que agrava o choque; no lado direito da figura, estão representados os mecanismos de adaptação que são acionados na tentativa de compensar a perda de líquidos 108 Unidade I Lembrete Choque hipovolêmico caracteriza-se pela diminuição do volume de sangue de tal modo que torne insuficiente o enchimento do compartimento vascular. Isso ocorre quando existe uma perda aguda de 15% a 20% do volume de sangue em circulação. O choque distributivo resulta de uma inadequação do volume intravascular causada por vasodilatação arterial ou venosa; o volume de sangue circulante é normal. Em alguns casos, o débito cardíaco é alto, mas o fluxo sanguíneo aumentado nas anastomoses arteriovenosas se desvia dos leitos capilares; esse desvio, associado ao transporte de O2 celular dissociado, causa hipoperfusão celular (demonstrada por menor consumo de O2). Em outras situações, o sangue se acumula em leitos venosos de capacitância e o débito cardíaco diminui. O choque distributivo pode ser causado por anafilaxia (choque anafilático), síndrome clínica que representa a reação alérgica sistêmica mais grave. O choque anafilático é o resultado de uma reação imunológica, em que substâncias vasodilatadoras como a histamina são liberadas no sangue. Essas substâncias causam dilatação das arteríolas e vênulas, além de um aumento acentuado na permeabilidade capilar. Antígeno IgE Histamina Abertura de capilares Vasodilatação periférica ↓ Pressão arterial ↓ Retorno venoso ↓ Débito cardíacoHipoperfusão tecidual Hipóxia tecidual ADP ↑ Adenosina ↑ Ácido lático Choque Figura 61 – Choque anafilático: o mecanismo básico é a vasodilatação periférica, que se instala rapidamente, por causa da liberação de histamina quando mastócitos são estimulados por antígenos que se ligam a IgE na superfície deles; histamina provoca vasodilatação e queda brusca da pressão arterial, se não há intervenção rápida, o choque pode levar rapidamente à morte por hipoperfusão persistente do sistema nervoso central 109 FISIOPATOLOGIA DAS DOENÇAS ENDÓCRINAS E NUTRICIONAIS A resposta vascular na anafilaxia muitas vezes é acompanhada por condições potencialmente fatais, como edema de laringe e broncoespasmo, colapso circulatório, contração da musculatura lisa gastrointestinal e uterina, assim como urticária ou angioedema. Entre as causas mais frequentes, destacam-se reações a medicamentos, como a penicilina; alimentos como frutos do mar; e toxinas no veneno de insetos. A alergia ao látex provoca uma anafilaxia potencialmente fatal em um segmento crescente da população. Profissionais de saúde e trabalhadores de outras áreas, quando expostos, desenvolvem sensibilidade ao látex, que varia desde urticária leve, dermatite de contato e desconforto respiratório leve até o choque anafilático. O aparecimento e a gravidade dos sintomas de anafilaxiadependem da sensibilidade da pessoa e da taxa e da quantidade de exposição ao antígeno. O choque séptico é outra forma de choque distributivo. Representa o tipo mais comum de choque vasodilatador e está associado a processo infeccioso grave e resposta sistêmica a uma infecção. Atualmente, septicemia é definida como a suspeita ou confirmação de infecção, além de uma síndrome da resposta inflamatória sistêmica (por exemplo, febre, taquicardia, taquipneia, contagem elevada de leucócitos, alteração do estado mental e hiperglicemia sem diabetes). A septicemia grave é definida como um tipo com disfunção de órgãos (por exemplo, hipotensão, hipoxemia, oligúria, acidose metabólica, trombocitopenia). O choque séptico é um tipo de septicemia grave com hipotensão, independentemente da reposição volêmica. O choque neurogênico é causado pela redução do controle simpático sobre o tônus dos vasos sanguíneos devido a um defeito no centro vasomotor localizado no tronco encefálico ou no fluxo simpático para os vasos sanguíneos. O termo choque medular descreve o choque neurogênico que ocorre em pessoas com lesão na medula espinal. O fluxo do centro vasomotor pode ser interrompido por uma lesão cerebral, ação depressora de substâncias, anestesia geral, hipóxia ou falta de glicose (por exemplo, reação à insulina). A insuficiência circulatória resulta em hipoperfusão de órgãos e tecidos, que por sua vez resulta em oferta insuficiente de oxigênio e nutrientes para o funcionamento celular. Existem respostas fisiológicas compensatórias, que eventualmente se tornam descompensadas em diferentes estados de choque se a condição não for tratada adequadamente em tempo hábil. Os mecanismos compensatórios mais imediatos são o sistema nervoso simpático e o sistema renina, que são responsáveis pela manutenção do débito cardíaco e pela pressão arterial. Existem dois tipos de receptores adrenérgicos do sistema nervoso simpático: α e β. Os receptores β são subdivididos em receptores β1 e β2. A estimulação dos receptores α provoca vasoconstrição; a estimulação dos receptores β1, um aumento na frequência cardíaca e na força de contração do miocárdio; e nos receptores β2 causa vasodilatação dos leitos da musculatura esquelética e o relaxamento dos bronquíolos. No organismo em estado de choque, ocorre uma ampliação no fluxo simpático, que resulta em maior liberação de epinefrina e de norepinefrina e ativação dos receptores α e β. Assim, desenvolvem-se aumento na frequência cardíaca e vasoconstrição na maioria dos tipos de choque. Além disso, há o aumento da liberação de renina, elevando os níveis de angiotensina II, que leva à vasoconstrição e intensifica a retenção de sódio e de água pelos rins, mediada pela ação da aldosterona. Também ocorre a liberação local de vasoconstritores, incluindo norepinefrina, angiotensina II, vasopressina e endotelial, o que contribui para a vasoconstrição arterial e venosa. 110 Unidade I Os mecanismos compensatórios que o organismo recruta não são efetivos a longo prazo e se tornam prejudiciais quando o estado de choque é prolongado. A vasoconstrição intensa provoca uma diminuição da perfusão tissular e oferta insuficiente de oxigênio. O metabolismo celular é prejudicado, são liberados mediadores inflamatórios vasoativos, como a histamina, aumenta a produção de radicais livres de oxigênio e o excesso de íons hidrogênio e de ácido láctico resulta em acidez intracelular. Cada um desses fatores promove disfunção ou morte celular. Se a função circulatória pode ser restabelecida, se o choque é irreversível ou se o paciente sobreviverá é determinado, em grande parte, no nível celular. Observação A causa mais comum de choque cardiogênico é o infarto do miocárdio. A maioria das pessoas que entra em óbito por esse motivo apresenta grandes danos ao músculo em contração do ventrículo esquerdo, devido a um infarto recente ou a uma combinação de infartos recentes e anteriores. 4.10 Doenças arteriais coronariana e oclusiva associadas à aterosclerose Resulta de estreitamento ao longo do tempo das artérias coronárias em decorrência da aterosclerose. O desenvolvimento da placa aterosclerótica ocorre em etapas nas quais inicialmente a parede da artéria coronariana, formada por três camadas de células, conhecidas como interna, média e adventícia, sofrem lesões por fatores de risco e a partir disso há o desenvolvimento de uma estria de gordura na camada íntima. A placa fibrosa e os lipídeos que ali se depositam estreitam de forma progressiva o lúmen e impedem o fluxo sanguíneo para o miocárdio. A placa continua a se desenvolver e em situações mais avançadas pode tornar-se uma lesão calcificada, a qual pode acabar por se romper. As complicações DAC (doença arterial coronariana) incluem as arritmias, o infarto do miocárdio, e a miocardiopatia isquêmica. Como complicação da aterosclerose ainda pode-se apresentar um quadro de doença arterial oclusiva, a qual se resume num estreitamento do lúmen da aorta ou de seus ramos principais, causando interrupção do fluxo sanguíneo geralmente nas pernas e nos pés. A doença arterial oclusiva pode acabar por comprometer as artérias carótidas. A doença é mais comum em indivíduos do sexo masculino e o prognóstico depende da localização da oclusão. Os sinais e sintomas da doença arterial coronariana incluem angina, resultante da redução do aporte de oxigênio ao miocárdio, além disso, é comum a sensação de queimação ou compressão do peito que pode irradiar-se ao braço esquerdo. Já na doença arterial oclusiva, os sinais e sintomas dependem do local do processo obstrutivo. As complicações da doença oclusiva envolvem quadros de isquemia grave e necrose, ulceração cutânea, gangrena, AVC e embolia periférica ou sistêmica. 111 FISIOPATOLOGIA DAS DOENÇAS ENDÓCRINAS E NUTRICIONAIS Resumo Nesta unidade conhecemos mais sobre a ciência responsável pelo estudo das doenças, denominada Patologia. Também pudemos compreender que existem inúmeros fatores e agentes associados a cada processo de doença. Aprendemos, ainda, que a obesidade é um problema multifatorial e que implica uma discussão ampla acerca das condutas terapêuticas, mudança de hábitos de vida, sobre uso ou não de medicamentos, bem como dos processos cirúrgicos existentes para tratamento da obesidade. Entendemos que os distúrbios circulatórios são importantes e impactantes na população brasileira, muitos dos quais poderiam ser evitados com mudanças de comportamento, hábitos e costumes. Exercícios Questão 1. Leia o texto a seguir. O tecido adiposo expressa e secreta uma variedade de peptídeos bioativos conhecidos como adipocinas. Além disso, o tecido adiposo expressa receptores que permitem responder aos sinais aferentes do sistema hormonal tradicional, assim como do sistema nervoso central. Por meio dessa interação, o tecido adiposo é integralmente envolvido em diversos processos biológicos, incluindo o metabolismo energético, a função imune e a função neuroendócrina. As adipocinas influenciam diversos processos fisiológicos, entre eles, o controle da ingestão alimentar, a homeostase energética, a sensibilidade à insulina, a angiogênese, a proteção vascular, a regulação da pressão arterial e a coagulação sanguínea. Alterações na secreção de adipocinas, consequente da hipertrofia e/ou hiperplasia dos adipócitos, podem estar relacionadas à gênese do processo fisiopatológico da obesidade. Em relação aos peptídeos relacionados à gênese da obesidade, avalie as afirmativas. I – A leptina é um hormônio expresso principalmente nos adipócitos que atua no sistema nervoso central, regulando a ingestão alimentar e o gasto energético, e ainda reduz a ingestão alimentar, aumenta o gasto energético e regula o metabolismo da glicose e dos lipídeos. II – O neuropeptídeo Y (NPY) e o agouti related peptide (AGRP) são peptídeos orexigênicos, pois estão envolvidos nos mecanismos de aumento de ingestão alimentar e diminuição do gasto energético. III – A grelina é umpeptídeo produzido principalmente na mucosa do estômago e está diretamente envolvida na regulação do balanço energético, estimulando o apetite e a adipogênese. IV – O hipotálamo e o núcleo do trato solitário no tronco cerebral estão relacionados ao controle da ingestão alimentar e ao peso corporal. 112 Unidade I É correto o que se afirma em: A) I, II e III, apenas. B) I, II e IV, apenas. C) I, III e IV, apenas. D) II e IV, apenas. E) I, II, III e IV. Resposta correta: alternativa E. Análise das afirmativas I – Afirmativa correta. Justificativa: a leptina é um polipeptídeo expresso principalmente nos adipócitos. A ação da leptina no hipotálamo promove a redução da ingestão alimentar e o aumento do gasto energético, regula a função neuroendócrina e o metabolismo da glicose e das gorduras. A leptina atua em conjunto com a colecistoquinina, ativando os neurônios do núcleo hipotalâmico ventromedial, que estimulam a redução do consumo alimentar. II – Afirmativa correta. Justificativa: o neuropeptídeo Y (NPY) e o agouti related peptide são peptídeos orexigênicos, envolvidos nos mecanismos de aumento da ingestão alimentar e diminuição do gasto energético. III – Afirmativa correta. Justificativa: a grelina é um peptídeo orexígeno, produzido predominantemente na mucosa do estômago, e está envolvida na homeostase energética. Atua como um sinalizador do intestino para o cérebro e estimula o apetite e a adipogênese. É um antagonista da leptina. IV – Afirmativa correta. Justificativa: o núcleo arqueado hipotalâmico e o núcleo do trato solitário estão envolvidos no mecanismo de regulação da ingestão alimentar. 113 FISIOPATOLOGIA DAS DOENÇAS ENDÓCRINAS E NUTRICIONAIS Questão 2. Leia o texto a seguir. O grau de dislipidemia em portadores de síndrome metabólica correlaciona-se diretamente com a quantidade de tecido adiposo visceral, coerente com o papel metabólico crítico que os adipócitos dessa região parecem desempenhar na fisiopatologia desse distúrbio. Em relação à dislipidemia na síndrome metabólica, avalie as afirmativas. I – A dislipidemia associada à síndrome metabólica é caracterizada por hipertrigliceridemia, altos níveis de colesterol de lipoproteína de alta densidade (HDL-c) e a presença de partículas de lipoproteína de baixa densidade (LDL-c) pequenas e densas. II – Os adipócitos do tecido adiposo visceral produzem maior quantidade de ácidos graxos livres (AGL). No fígado, o aumento do fluxo de AGL estimula a síntese de triglicerídeos. III – O tecido adiposo visceral produz adipocitocinas relacionadas à resistência à insulina, como o fator de necrose tumoral alfa (TNF-α) e a interleucina-6 (IL-6). IV – A interleucina-6 (IL-6) e o fator de necrose tumoral alfa (TNF-α) podem inibir a atividade da lipase lipoproteica (LPL), reduzindo a hidrólise dos triglicerídeos presentes nos quilomícrons, que resulta na hipertrigliceridemia pós-prandial. É correto o que se afirma em: A) I, II e III, apenas. B) I, II e IV, apenas. C) II, III e IV, apenas. D) II e IV, apenas. E) I, II, III e IV. Resposta correta: alternativa C. Análise das afirmativas I – Afirmativa incorreta. Justificativa: há presença de baixos níveis de HDL-c. 114 Unidade I II – Afirmativa correta. Justificativa: os adipócitos do tecido adiposo visceral produzem maior quantidade de ácidos graxos livres, que são retirados para a circulação portal, e mantém um aporte elevado desses metabólitos para o fígado. O aumento do fluxo de AGL para o fígado estimula maior gliconeogênese hepática e a síntese de triglicerídeos. III – Afirmativa correta. Justificativa: o tecido adiposo produz citocinas inflamatórias (TNF-α, IL-6, resistina) que influenciam a ação insulínica no fígado e no músculo esquelético e apresentam ação parácrina (podem modificar a ação insulínica localmente), piorando a resistência à insulina. IV – Afirmativa correta. Justificativa: a IL-6 e o TNF-α inibem a atividade da lipase lipoproteica. Assim, há redução da quebra dos triglicerídeos presentes nos quilomícrons, sendo um mecanismo responsável pela hipertrigliceridemia e hiperquilomicronemia pós-prandial.equilíbrio sistêmico. 12 Unidade I Cada mecanismo de retroestimulação, independentemente se positivo ou negativo, apresenta três componentes básicos, sendo estes: um sensor responsável por detectar as mudanças na homeostase, normalmente expressa por alterações dos impulsos nervosos ou de níveis hormonais; um centro de controle no sistema nervoso central (SNC), o qual recebe sinais advindos do sensor e regula a resposta do organismo perante as alterações; dando início ao mecanismo de execução o qual é diretamente responsável por restabelecer a homeostase. O Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos EUA, no documento Healthy People 2020 (CENTERS FOR DISEASE…, 2019), descreve os parâmetros para as condições de saúde como: • Alcançar uma vida livre de doenças, incapacidade, lesões e morte prematura passíveis de prevenção. • Alcançar a equidade em saúde e eliminar as disparidades. • Promover a boa saúde para todos. • Promover comportamentos saudáveis por toda a vida. O desenvolvimento de doenças é denominado patogênese, e, a menos que sejam identificadas e tratadas com brevidade e eficiência, sua maioria evolui de forma sintomática bastante conhecida. Algumas são autolimitadas, o que determina uma evolução rápida com a necessidade de pouca ou nenhuma intervenção, outras podem ser crônicas e acabam por estabelecer longos períodos de eventuais manifestações sintomáticas conhecidas como remissões e/ou exacerbações. Observação Em 1948, o preâmbulo da Constituição da Organização Mundial da Saúde (OMS) definiu saúde como um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não exclusivamente a ausência de doenças e enfermidades. 1.2 História da patologia Entre tantos pesquisadores que contribuíram para o crescimento da patologia, destaca-se o alemão Rudolf Ludwig Karl Virchow (1821-1902). Suas contribuições científicas serviram de base para a integração dos métodos experimentais mais avançados da sua época. Virchow colocou a patologia no centro da prática da medicina, o que lhe valeu o reconhecimento como fundador da patologia científica moderna. Em 1858, publicou a sua obra principal, A patologia celular, baseada em histologia, fisiologia e patologia. Nela, apresentou a teoria celular, em clara oposição às teorias anteriores a sua, que defendiam que o nível básico de manifestação das doenças era o dos tecidos. Segundo Virchow, as doenças são causadas pela alteração das células do corpo, que constituem as unidades vitais das funções biológicas e da morfologia. Ao seu conceito de patologia, integrou descobertas e métodos da histologia e da fisiologia, e, para embasar seu estudo, o uso do microscópio foi primordial. 13 FISIOPATOLOGIA DAS DOENÇAS ENDÓCRINAS E NUTRICIONAIS A partir de seus achados, a atividade dos patologistas adquiriu grande relevância no campo da medicina, colocando em destaque o valor dos resultados das análises histológicas e citológicas para o diagnóstico das doenças e o desenvolvimento da atividade clínica. Virchow ainda contribuiu na identificação das células cancerosas da leucemia e no estudo sobre circulação e coagulação sanguínea, cunhou o termo trombose e descreveu o fenômeno da embolia. Rudolf Virchow é considerado o pai da patologia moderna e da medicina social. Em 1856, assumiu a cadeira de anatomia patológica na Universidade de Berlim. Durante a Guerra Franco-Prussiana, liderou o primeiro hospital móvel para atender os soldados no front. Preocupado com os aspetos sociais da medicina e da higiene, participou na fundação de vários hospitais e defendeu a necessidade de sistemas de esgoto para a eliminação das águas residuais das grandes cidades. Em 1847, junto a seu colega Benno Reinhardt, criou sua própria revista médica, hoje conhecida como Virchow’s Archiv. A revista aceitava apenas trabalhos originais, e diferentemente da maioria das outras revistas científicas, focadas num público especializado, sua revista era para todos, incluindo leigos, pois acreditava que não adianta mostrar os avanços científicos apenas na forma de teses. Tendo em vista uma vida dedicada à ciência, sem nunca negligenciar as causas sociais, podemos afirmar que Virchow foi um homem comprometido com o seu tempo. 1.3 Patologia e fisiopatologia – conceitos Patologia significa estudo das doenças (do grego pathos, doença, sofrimento, e logos, estudo). Essa ciência estuda as causas das doenças, os mecanismos que as produzem, os locais onde ocorrem e as alterações moleculares, morfológicas e funcionais que apresentam. Também fornece bases para compreender seus fatores essenciais, como manifestações clínicas, diagnóstico, prevenção, tratamento, evolução e prognóstico. Os quatro aspectos de um processo de doença que formam o cerne da patologia são sua causa – etiologia –, os mecanismos do seu desenvolvimento – patogenia – as alterações bioquímicas e estruturais induzidas nas células e nos órgãos do corpo – alterações moleculares e morfológicas – e as consequências funcionais dessas alterações – manifestações clínicas. Etiologia ou causa. A ideia de que as doenças eram causadas é extremamente antiga, datando desde 2500 a.C. Por meio de relatos históricos antigos, percebe-se que se alguém adoecesse, a culpa era do próprio paciente (por ter pecado) ou por obra de agentes externos, como maus odores, frio, maus espíritos ou deuses. Atualmente, surgiram duas principais classes de fatores etiológicos, sendo os de origem genética (por exemplo, mutações herdadas e doenças associadas com variantes genéticas, ou polimorfismo) e os adquiridos (por exemplo, infecciosos, nutricionais, químicos, físicos). O conceito de que um agente etiológico seja a causa de uma doença – desenvolvido a partir do estudo de infecções e distúrbios monogênicos – não é aplicável à maioria das doenças. Sabe-se que parte dos problemas de maior importância hoje, em termos de saúde pública, que afetam boa parcela da população, é em sua maioria multifatorial e surge dos efeitos de vários estímulos a um indivíduo susceptível. 14 Unidade I Patogenia. É a sequência de eventos na resposta das células ou tecidos ao agente etiológico, partindo da compreensão do estímulo inicial à forma como se apresenta no final da doença. Mesmo nas situações em que a priori a causa inicial de uma doença seja conhecida, como nas infecções, por exemplo, o estudo da patogenia continua a ser um dos principais domínios da patologia, destacando-se também os eventos bioquímicos e morfológicos eventualmente associados. As novas tecnologias vêm apresentando a possibilidade de abordagens inovadoras, sobretudo sobre aspectos terapêuticos, e, por essas razões, o estudo da patogenia nunca foi tão desafiador e estimulante aos profissionais da área da saúde. Alterações moleculares e morfológicas. São alterações estruturais nas células ou tecidos características de uma doença e que favorecem o diagnóstico de um processo sobre aspectos etiológicos. Nesse sentido, a utilização da patologia diagnóstica identifica os fatores causais, ou seja, a natureza do processo e de sua progressão, e, para isso, a patologia diagnóstica vale-se do estudo das alterações morfológicas nos tecidos e alterações químicas nos pacientes. Manifestações clínicas. As alterações e ou anormalidades funcionais são o resultado final das alterações genéticas, bioquímicas e estruturais nas células e tecidos, as quais acabam por gerar as manifestações clínicas (sinais e sintomas) da doença, bem como sua progressão (curso clínico e consequência). De forma geral, as doenças iniciam-se com alterações moleculares ou estruturais nas células, conceito formulado primeiramente, no século XIX, por Rudolf Virchow. Como já dito, as doenças têm causas que atuam por mecanismos variados, os quais produzem alterações moleculares e/ou morfológicas nos tecidos, resultando em alterações funcionais no organismo ou em parte dele produzindo manifestações subjetivas (sintomas) ou objetivas (sinais). A patologia cuida dos aspectosde etiologia (estudo das causas), patogênese (estudo dos mecanismos), anatomia patológica (estudo das alterações morfológicas dos tecidos que, em conjunto, recebem o nome de lesões), fisiopatologia (estudo das alterações funcionais de órgãos e sistemas afetados) e semiologia (estudo dos sinais e sintomas das doenças). Todas essas áreas objetivam determinar, de forma conjunta, o diagnóstico (propedêutica) a partir do qual se estabelecem o prognóstico, o tratamento e a prevenção da doença. Para ser mais bem compreendida e estudada, a patologia pode ser dividida em dois grupos ou temáticas, denominadas assim de patologia geral e patologia especial. A patologia geral estuda os aspectos comuns às várias doenças em relação as suas causas, patogênese, lesões estruturais e alterações funcionais; já a patologia especial, também conhecida como sistêmica, estuda as doenças de determinado órgão ou sistema (por exemplo, sistema respiratório, cavidade oral), ou as doenças agrupadas por suas causas (por exemplo, infecciosas, causadas por radiações etc.). 1.4 Agentes causadores de doença – estresse e estímulos nocivos Os agentes responsáveis pelo aparecimento de doença são conhecidos como fatores ou agentes etiológicos. Entre eles estão os biológicos (por exemplo, bactérias e vírus), os físicos (por exemplo, traumatismo, queimaduras, radiação), os químicos (por exemplo, pesticidas e nicotina), a herança genética (por exemplo, síndromes cromossômicas) e os excessos ou déficits nutricionais (por exemplo, obesidade e avitaminose). 15 FISIOPATOLOGIA DAS DOENÇAS ENDÓCRINAS E NUTRICIONAIS A maioria dos agentes etiológicos são inespecíficos, e agentes diferentes podem causar doenças em um mesmo órgão. Por outro lado, um único agente ou trauma pode desenvolver uma doença em diferentes órgãos ou sistemas. Na fibrose cística, por exemplo, um único aminoácido produz uma doença generalizada. Embora um agente patológico isoladamente possa afetar mais de um órgão e diferentes agentes patológicos possam afetar um único órgão, a maioria das doenças não tem apenas uma única causa, muitas têm origem multifatorial, ou seja, várias causas, por exemplo, o câncer e as doenças cardíacas. Os diversos elementos que predispõem o organismo a alguma doença são chamados fatores de risco. Em geral, as doenças evoluem em inúmeros estágios: • Exposição ou lesão: o tecido denominado alvo é exposto ao agente causal ou lesado por este. • Latência ou período de incubação: período em que o indivíduo não manifesta sinais e/ou sintomas da doença. • Período prodrômico: surgem os primeiros sinais e sintomas, no entanto, em sua maioria, são inespecíficos e não permitem uma clara identificação do agente causal. • Fase aguda: período em que normalmente apresentam-se sinais e sintomas em sua forma mais expressiva, podendo inclusive acarretar complicações. Pode ser denominada forma aguda subclínica se o paciente continuar a se comportar como se a doença ainda não estivesse instalada. • Remissão: uma nova e eventual fase de latência que deverá ser seguida por outra fase aguda. Remissões acontecem muitas vezes por falha no processo terapêutico, trazendo por vezes situações de maior agravamento quando comparadas à fase aguda inicial. • Convalescença: o paciente apresenta sinais compatíveis com o processo de recuperação. O objetivo é que ao término desse processo o paciente esteja completamente recuperado e apto a restabelecer suas atividades normais. • Recuperação: O paciente encontra-se completamente recuperado, em plena capacidade funcional, sem a presença de sinais e/ou sequelas do processo de doença ocorrido. A exemplo das situações de mudança de vida, como o término de um relacionamento, a perda de um emprego ou até mesmo algo positivo, como o nascimento de um filho, o indivíduo busca formas de se adaptar de maneira adequada a elas, e, quando há a incapacidade de adaptação, pode resultar em estresse. A dificuldade de uma pessoa motivada por esse estresse em responder de maneira positiva promove ou agrava uma doença ou condição (ABREU et al., 2002, p. 22-29). O quadro a seguir apresenta algumas condições por vezes consideradas bastante comuns associadas ao estresse. 16 Unidade I Quadro 1 – Condições favoráveis ao estresse Alterações menstruais Erupções cutâneas Angina Etilismo Ansiedade e ataques de pânico Fraqueza ou espasmo muscular Cefaleias (enxaquecas ou do tipo tensional) Hipertensão Depressão Insônia Desmaio Palpitações cardíacas Disfunção sexual (impotência) Síndrome do intestino irritável Distúrbios alimentares (bulimia, anorexia, entre outros) Úlcera péptica Hans Selye, grande pesquisador sobre estresse e doenças, define alguns estágios presentes na adaptação em face de algum evento estressante, conhecidos como alarme, resistência e recuperação ou exaustão. Na situação de alarme, o corpo detecta o agente ou a situação estressante e aciona o sistema nervoso central à liberação de substâncias químicas para o que conhecemos como resposta de luta e fuga. A liberação de epinefrina ocorre mediante a ação da medula simpática adrenal e a liberação de glicocorticoides pelo eixo hipotálamo-hipófise e adrenal. Esses sistemas, de forma integrada, executam uma resposta mais adequada do corpo ao estresse; tal evento é por muitos denominado liberação adrenérgica do pânico ou da agressão. No estágio de resistência, o corpo responde ao estresse e tenta se adaptar. Os mecanismos de cobertura são acionados e, se o corpo não conseguir se adaptar, inicia-se o estado de exaustão. Os hormônios não são mais produzidos como ocorria no estado de alarme, e em decorrência ocorre lesão de órgãos e tecidos, acarretando o aparecimento dos sinais e sintomas das doenças. 1.4.1 Agentes biológicos Os agentes biológicos incluem vírus, bactérias, fungos, protozoários, helmintos e artrópodes. Todos eles podem invadir e/ou colonizar o organismo a fim de encontrar condições ideais de abrigo e nutrição e em inúmeros casos acabam por produzir doenças, conhecidas em conjunto como doenças infecciosas. Um agente biológico pode produzir lesão por meio de inúmeros mecanismos, a saber: • Ação direta, por invasão de células, nas quais se multiplicam podendo ocasionar a morte e/ou destruição delas. A presença de um microrganismo no interior de uma célula pode ser definida com efeito citopático, e pode ocorrer associada a infecção celular por muitos microrganismos, especialmente vírus e alguns tipos de riquétsias, bactérias e protozoários. • Substâncias tóxicas (toxinas) liberadas pelo agente infeccioso: são as exotoxinas de bactérias, de micoplasmas e de alguns protozoários. Pode-se citar como exemplos as toxinas produzidas pelas espécies de Clostridium spp., como C. tetani e Clostridium botulinum, bactérias que podem provocar respectivamente o tétano e o botulismo. 17 FISIOPATOLOGIA DAS DOENÇAS ENDÓCRINAS E NUTRICIONAIS • Componentes estruturais ou substâncias armazenadas no interior do agente biológico e liberados após sua morte e desintegração: são as toxinas endógenas, ou endotoxinas. • Antígenos/componentes do agente agressor os quais podem aderir à superfície celular ou de outras estruturas teciduais, tornando-se alvo da ação de anticorpos e da imunidade celular dirigida aos epítopos desses microrganismos. • Antígenos do microrganismo, que podem ter epítopos semelhantes a moléculas dos tecidos humanos. A resposta imunitária contra esses epítopos faz-se também contra componentes similares existentes nos tecidos (autoagressão), a exemplo do que pode vir a ocorrer após sucessivas infecções de repetição por Streptococcus pyogenes e o aparecimento posterior de febre reumática, glomerulonefrite de Bruton e endocardite estreptocócica, por similaridade antigênica entre a estreptolisina O e proteínas do tecido cardíaco. • Integração ao genoma celular (por exemplo, vírus) e alterações na síntese proteica, o que pode levar a neoplasias. Inúmeros vírus, por exemplo, apresentam o chamadopotencial oncogênico, como o já conhecido vírus do papiloma humano (HPV), causador de casos de neoplasia como os de útero e ovário, e o vírus de Epstein Barr, causador de linfomas, como o de Burkitt, e carcinomas como o de nasofaringe. Todos esses mecanismos agem com maior ou menor intensidade de acordo com a constituição genética do organismo. São também importantes as condições do organismo no momento da invasão pelo microrganismo (estado nutricional, lesões preexistentes etc.). 1.4.2 Agentes físicos Dependendo da intensidade e duração de sua ação, qualquer agente físico pode causar lesão. Entre os agentes físicos, estão a força mecânica, as variações da pressão atmosférica, as variações de temperatura, a eletricidade, a radiação e as ondas sonoras (ruídos). 1.4.2.1 Força mecânica A ação da força mecânica sobre o organismo produz vários tipos de lesões, denominadas lesões traumáticas (ou impropriamente chamadas trauma mecânico, já que esse é o agente causal, e não a consequência). Estas são as características das feridas: • desprendimento ou remoção de células da epiderme; • laceração, separação de tecidos, por excessiva força de estiramento (laceração de tendões ou vísceras); • contusão, na qual o impacto é transmitido da pele aos tecidos subjacentes, levando à ruptura de pequenos vasos, com hemorragia e edema; • incisão ou corte, lesão produzida por ação de instrumentos cortantes; 18 Unidade I • perfuração, produzida por instrumentos pontiagudos sobre os tecidos, sendo a ferida mais profunda do que extensa; • fratura, caracterizada por ruptura de tecidos duros, como ósseo e cartilaginoso. 1.4.2.2 Variações de pressão atmosférica O organismo humano suporta melhor o aumento da pressão atmosférica do que sua diminuição. Veja a seguir. Síndrome de descompressão A doença por descompressão ou barotrauma é causada por uma diminuição rápida da pressão do meio circundante, ocorrendo algumas vezes em mergulhadores. Essa condição se desenvolve devido à formação de bolhas de nitrogênio na corrente sanguínea e nos tecidos do corpo, normalmente quando o mergulhador se desloca de águas profundas para a superfície num curto espaço de tempo. Os sintomas da descompressão variam de acordo com a localização de formação das bolhas no corpo, sendo frequentes dores de cabeça ou vertigens, cansaço ou fadiga, erupções cutâneas, dor nas articulações, fraqueza muscular ou paralisia. Cerca de 50% dos mergulhadores com problemas de descompressão desenvolvem sintomas na primeira hora após o mergulho ou dentro das primeiras 24 horas. Em casos mais graves, podem desenvolver dificuldades respiratórias, choque ou perda de consciência. Efeitos de grandes altitudes A doença da altitude ocorre em indivíduos não adaptados que se deslocam para grandes altitudes. Até uma altura de 2.500 m, geralmente, não ocorrem manifestações; entre 3.000 m e 4.000 m, as alterações são frequentes, mas pouco importantes; e acima de 4.000 m, podem aparecer alterações graves. À medida que a altitude aumenta, a pressão atmosférica diminui e menos moléculas de oxigênio encontram-se disponíveis no ar rarefeito. A diminuição do oxigênio disponível afeta o corpo de várias maneiras: a frequência e a profundidade da respiração aumentam, alterando o equilíbrio de gases nos pulmões e no sangue, elevando a alcalinidade do sangue e prejudicando a distribuição de sais, como o sódio e o potássio nas células. Como consequência, a água é distribuída de modo diferente entre o sangue e os tecidos. Nas altitudes elevadas, o sangue contém menos oxigênio, produzindo coloração azulada na pele, nos lábios e nas unhas. Depois de alguns dias, o organismo produz mais hemácias, transportando então mais oxigênio aos tecidos. Muitas pessoas que vivem no nível do mar, quando ascendem a uma altitude moderada (2.400 m), em um ou dois dias apresentam falta de ar, aumento da frequência cardíaca e cansaço fácil. A maioria melhora em poucos dias. 19 FISIOPATOLOGIA DAS DOENÇAS ENDÓCRINAS E NUTRICIONAIS 1.4.2.3 Variações de temperatura O organismo submetido a baixas temperaturas tenta se adaptar produzindo maior quantidade de calor. A adaptação é temporária, e, se não há proteção adequada, a temperatura corporal começa a baixar, instalando-se a hipotermia (considera-se hipotermia a temperatura corporal abaixo de 35 °C). Quando a temperatura cai, ocorre vasoconstrição periférica, palidez acentuada e redução progressiva da atividade metabólica de todos os órgãos, especialmente do encéfalo e da medula espinal. A causa de morte no resfriamento é, geralmente, falência cardiorrespiratória por inibição dos centros bulbares de controle da respiração e da circulação. A ação local do calor produz queimaduras, cujas lesões podem ser por: • liberação de histamina pelos mastócitos, que produz vasodilatação e edema; • liberação de substância P das terminações nervosas aferentes; • ativação das calicreínas plasmática e tecidual, com liberação de bradicinina, que aumenta a vasodilatação e o edema; • lesão direta da parede vascular, que pode aumentar o edema, produzir hemorragia e levar à trombose de pequenos vasos, resultando em isquemia e necrose. Se o indivíduo é submetido a temperaturas elevadas (excesso de sol, proximidade de caldeiras), pode haver elevação progressiva da temperatura corporal, a hipertermia. Quando a temperatura corporal atinge ou ultrapassa 40 °C, ocorre vasodilatação periférica, abertura dos capilares e sequestro de grande quantidade de sangue na periferia, iniciando quadro de insuficiência circulatória periférica (choque térmico clássico). 1.4.2.4 Radiações ionizantes As lesões causadas por radiações ionizantes em humanos decorrem de inalação ou ingestão de poeira ou alimentos que contenham partículas radioativas, o que ocorre em: • trabalhadores de minas em que são abundantes os minerais radioativos, como o rádio; • exposição a radiações com fins terapêuticos ou diagnósticos; • contato acidental com radiações emanadas de artefatos nucleares, como reatores, aparelhos de radioterapia ou de radiodiagnóstico; • bombas nucleares. A radiação ionizante de uma forma dose-dependente pode causar mutação nas células e as matar por múltiplas vias, incluindo morte celular por apoptose, necrose ou redistribuição de células para outros compartimentos. A radiação ionizante interage com alvos intracelulares produzindo radicais livres e causando uma ruptura no DNA. 20 Unidade I O dano tecidual é dependente da radiossensibilidade dos diferentes tecidos, com o efeito particularmente alto em espermatócitos nos testículos, linfócitos circulantes, células hematopoiéticas na medula óssea e células da cripta nos intestinos. O dano nas células é em grande parte dependente das doses de radiação. A ruptura do DNA geralmente é reparada por uma variedade de mecanismos. Esse reparo pode levar a pequenas mutações, enquanto falhas de cadeia dupla podem levar a translocações cromossômicas, inversões e fusões de telômeros. Embora as translocações cromossômicas, inversões e mutações pontuais sejam tipicamente lesões não letais, tais aberrações cromossômicas induzidas por radiação podem ser as lesões iniciais que levam ao efeito atrasado de carcinogênese. 1.4.2.5 Efeitos da luz solar A luz solar contém amplo espectro de radiações. A radiação infravermelha produz calor, sendo responsável em parte por queimaduras solares. As radiações ultravioletas são potencialmente mais lesivas. Os raios UVC são absorvidos pela camada de ozônio e não chegam à superfície da Terra (a proteção da camada de ozônio tem, pois, grande importância para as pessoas). Os raios UVA e UVB são os responsáveis pelas lesões provocadas pela luz solar, que podem ser agudas ou crônicas. Insolação e queimaduras são lesões agudas, caracterizadas por eritema, edema e formação de bolhas; em seguida, surgem descamação e hiperpigmentação. Os efeitos crônicos são mais relevantes. Os raios UVB têm ação melanogênica, que induzemà pigmentação, são responsáveis principais por fenômenos de fotossensibilização, aceleram o envelhecimento e provocam lesões proliferativas, incluindo neoplasias. As reações de fotossensibilização são induzidas por substâncias que se depositam na pele e, por absorverem raios UV, podem ser ativadas, originar radicais livres e ter efeitos tóxicos sobre células epidérmicas; podem surgir erupções, com coceira, área de vermelhidão e inflamação nas manchas de pele expostas ao sol. A luz pode provocar reações do sistema imunológico, visto que determinadas doenças, como lúpus eritematoso sistêmico, podem provocar reações cutâneas mais sérias se houver exposição à luz solar. Os raios UVA causam degenerações dos ceratinócitos e alterações no seu DNA, o que pode provocar lesões proliferativas benignas ou malignas (carcinoma basocelular e melnomas). UV-A Provoca bronzeamento. Acumulação sobre um período de tempo pode levar a cataratas UV-B Causa queimaduras solares. Sobre-exposição aos raios UVB pode causar danos à córnea UV-C Absorvido e bloqueado pela camada de ozônio antes de alcançar a Terra Figura 1 – Tipos de radiações ultravioletas e seus efeitos 21 FISIOPATOLOGIA DAS DOENÇAS ENDÓCRINAS E NUTRICIONAIS Saiba mais Você pode saber mais sobre câncer de pele no site do Inca. INSTITUTO Nacional do Câncer (INCA). Tipos de câncer. Câncer de pele não melanoma. Brasília: Ministério da Saúde, 2021. Disponível em: https://bit.ly/3dUqe44. Acesso em: 9 fev. 2021. 1.4.2.6 Som (ruído) Observações epidemiológicas indicam que uma pessoa submetida a ruídos intensos (no ambiente de trabalho, em casa, nas ruas) apresenta distúrbios de audição caracterizados por perda progressiva da capacidade de distinguir sons de frequência mais alta. Admite-se que ruídos muito altos induzam a lesões nas células ciliadas do órgão de Corti, responsáveis pela acuidade auditiva. É notório que indivíduos idosos da zona rural tenham audição mais conservada do que os de grandes centros urbanos, onde o nível de ruídos é maior. Membrana tectorial Células ciliadas internas Estereocílios Células ciliadas externas Membrana basilar Célula de suporte Célula de Deiter Nervo auditivo Túnel Célula pilar Nervo Figura 2 – Estrutura do ouvido interno O ultrassom, gerado pela transformação de energia elétrica em ondas sonoras com frequência acima de 20.000 Hz, é muito utilizado no diagnóstico por imagens (ultrassonografia). Até o momento não há relatos de efeitos deletérios decorrentes da ultrassonografia, inclusive na vida embrionária. 22 Unidade I 1.4.3 Agentes químicos Quer sejam substâncias tóxicas, quer sejam medicamentos, ambos podem provocar lesões a partir de dois mecanismos distintos: • Ação direta sobre células ou interstício, mediante transformações moleculares que resultam em degeneração ou morte celular, alterações do interstício ou modificações no genoma, induzindo transformação maligna (efeito carcinogênico). Quando atuam na vida intrauterina, podem induzir a erros do desenvolvimento (efeito teratogênico). • Ação indireta, atuando como antígeno (o que é muito raro), induzindo resposta imunitária humoral ou celular responsável pelo aparecimento de lesões. Seja um medicamento, seja uma substância tóxica, o efeito do agente químico depende de vários fatores: dose, vias de penetração e absorção, transporte, armazenamento, metabolização e excreção; depende também de particularidades do indivíduo: idade, gênero, estado de saúde, momento fisiológico e constituição genética. As substâncias químicas capazes de danificar as células estão no ar, por toda parte do ambiente. Algumas das substâncias mais prejudiciais existentes são gases como o monóxido de carbono, os inseticidas e os metais pesados como o chumbo. Muitas drogas, como o álcool, os medicamentos e seus excessos e as drogas ilícitas são capazes de danificar os tecidos, direta ou indiretamente. O álcool etílico danifica a mucosa gástrica, o fígado, o feto em desenvolvimento e outros órgãos. As drogas antineoplásicas (anticâncer) e imunossupressoras podem danificar diretamente as células. Outras drogas produzem produtos finais metabólicos tóxicos às células. O acetaminofeno, droga analgésica bastante usada, é detoxificado no fígado, onde pequenas quantidades da droga são convertidas em metabólitos altamente tóxicos. Esse metabólito é detoxificado por uma via metabólica que se utiliza de uma substância (por exemplo, glutationa) normalmente presente no fígado. Quando grandes quantidades da droga são ingeridas, essa via é superada e os metabólitos tóxicos se acumulam, causando intensa necrose hepática. 1.4.4 Herança genética Herança genética ou biológica é o processo pelo qual um organismo ou uma célula adquire ou se torna predisposto a adquirir características semelhantes à do organismo ou célula que o gerou, por meio de informações codificadas (código genético) que são transmitidas à descendência. A combinação entre os códigos genéticos dos progenitores (em espécies sexuadas) e os erros (mutações) na transmissão desses códigos são responsáveis pela variação biológica que, sob a ação da seleção natural, permite a evolução das espécies. A ciência que estuda essa herança é a genética. As doenças genéticas são aquelas que envolvem alterações no material genético, ou seja, no DNA. Algumas delas podem possuir o caráter hereditário, sendo repassadas de pais para filhos. Entretanto nem toda doença genética é hereditária. Um exemplo é o câncer, ele é causado por alterações no material genético, podendo ser transmitido aos descendentes. 23 FISIOPATOLOGIA DAS DOENÇAS ENDÓCRINAS E NUTRICIONAIS Existem três tipos de doenças genéticas: • monogenéticas ou mendelianas: quando apenas um gene é modificado; • multifatorial ou poligênicas: quando mais de um gene é atingido e ocorre ainda a interferência dos fatores ambientais; • cromossômicas: quando os cromossomos sofrem modificações em sua estrutura e número. As doenças de origem genéticas mais comuns no Brasil são a síndrome de Down, a anemia falciforme, o diabetes, o câncer e o daltonismo. 1.4.5 Desequilíbrio nutricional São considerados o estado nutricional geral as condições alimentares individuais, ou seja, o tipo de alimento ingerido, a qualidade, a quantidade e os intervalos de tempo entre uma refeição e outra. De forma geral o estado nutricional é diretamente influenciado pela ingestão de alimentos e o consumo de energia fornecida por estes. Assim, considera-se um estado nutricional desequilibrado quando há diminuição ou ausência da ingestão de um ou mais dos diversos grupos alimentares e o gasto energético que de alguma forma se mostra comprometido. Considera-se adequada a ingestão alimentar quando esta corresponde às necessidades nutricionais individuais equivalentes ao consumo energético. As necessidades individuais devem levar em consideração fatores como fase da vida (fase de crescimento ou gestação, por exemplo); prática de atividades físicas regulares (o que altera o consumo de energia – metabolismo basal) e a presença de doenças crônicas ou agudas. O corpo precisa de mais de sessenta substâncias orgânicas e inorgânicas em quantidades que variam de microgramas a gramas. Esses nutrientes consistem em minerais, vitaminas, alguns ácidos graxos e aminoácidos específicos. As deficiências dietéticas podem ocorrer sob a forma de inanição, na qual há deficiência de todos os nutrientes e vitaminas, ou por deficiência seletiva de um único nutriente ou vitamina. A anemia por deficiência de ferro, o escorbuto, o beribéri e a pelagra podem causar lesões pela falta de vitaminas específicas ou minerais. Os excessos e as deficiências nutricionais predispõem a uma série de alterações metabólicas que podem causar direta ou indiretamente diferentes tipos de lesões celulares. Tendo em mente que um estado nutricional balanceado é aquele em que a ingestão de alimentos se equipara ao consumo energético proveniente deste, pode-sepresumir que, quando houver um desequilíbrio nutricional, uma série de doenças ou de fatores que predispõem a doenças se faz presente. Uma das doenças que apresentam alto risco à saúde de maneira ampla é a obesidade, patologia que vem se disseminando de forma alarmante e que coloca todo o organismo em um estado de predisposição a outras doenças crônicas que abrangem todos os órgãos e sistemas. 24 Unidade I Condições especiais (ex.: doença, febre, estresse)Fatores sociais e culturais Manutenção das necessidades corporais Fatores físicos (ex.: doenças, má-absorção) Fatores emocionais Desenvolvimento e crescimento Fatores econômicos Necessidade de nutrientes Ingestão de nutrientes Figura 3 – Equilíbrio nutricional e ingesta de alimentos 1.4.5.1 Calorias, macronutrientes e micronutrientes A definição de caloria está relacionada a uma representação métrica (unidade de calor) gerada por certos nutrientes quando sofre a ação da digestão e somente assim é utilizada como fonte de energia para o funcionamento fisiológico do corpo. Cada tipo de nutriente fornece variadas quantidades de unidades calóricas, e quanto maior a diversidade de nutrientes nos alimentos, maior e melhor será seu aproveitamento pelo organismo como energia, estrutura e manutenção do funcionamento do corpo. A obtenção de calorias se dá, então, pela ingestão de nutriente que são divididos em macronutrientes, micronutrientes e vitaminas. Os macronutrientes são considerados os maiores fornecedores de energia e representados pelos carboidratos, proteínas e lipídeos. Os carboidratos ou glicídios são a principal fonte de fornecimento de energia utilizada para manutenção das atividades vitais. Geralmente recomenda-se que a ingestão desse tipo de macronutriente seja de aproximadamente 50% a 60% do total diário de calorias ingeridas. A partir da década de 1970, o surgimento de técnicas avançadas de cromatografia, eletroforese e espectrometria permitiu ampliar a compreensão das funções dos carboidratos. Hoje, sabe-se que os carboidratos participam da sinalização entre células e da interação entre outras moléculas, ações biológicas essenciais para a vida. Além disso, sua estrutura química se revelou mais variável e diversificada do que a das proteínas e dos ácidos nucleicos. Os carboidratos são formados fundamentalmente por moléculas de carbono (C), hidrogênio (H) e oxigênio (O), por isso recebem a denominação hidratos de carbono. Alguns carboidratos podem possuir outros tipos de átomos em suas moléculas, como é o caso da quitina, que é composta de átomos de nitrogênio em sua fórmula. Classificação dos carboidratos De acordo com a quantidade de átomos de carbono em suas moléculas, os carboidratos podem ser divididos em monossacarídeos, dissacarídeos e polissacarídeos. 25 FISIOPATOLOGIA DAS DOENÇAS ENDÓCRINAS E NUTRICIONAIS Os monossacarídeos, também chamados de açúcares simples, consistem em uma única unidade cetônica. O mais abundante é o açúcar de seis carbonos D-glucose, monossacarídeo fundamental do qual muitos são derivados. A D-glucose é o principal combustível para a maioria dos organismos e o monômero primário básico dos polissacarídeos mais abundantes, tais como o amido e a celulose. São os carboidratos mais simples, dos quais derivam todas as outras classes. Quimicamente, são poli-hidroxialdeídos (aldoses), ou poli-hidroxicetonas (cetoses), sendo os mais simples monossacarídeos compostos de no mínimo três carbonos: o gliceraldeído e a di-hidroxicetona. Com exceção da di-hidroxicetona, todos os outros monossacarídeos, e por extensão todos os outros carboidratos, possuem centros de assimetria e fazem isomeria ótica. A classificação dos monossacarídeos também pode ser baseada no número de carbonos de suas moléculas; assim, as trioses são os monossacarídeos mais simples, seguidos das tetroses, pentoses, hexoses e heptoses. As hexoses mais importantes são a glicose, a galactose, a manose e a frutose. OHH C2 OHH C4 C6H2OH O H C1 HHO C3 OHH C5 Figura 4 – Estrutura química da D-glucose São carboidratos glicosídeos os dissacarídeos, pois são formados a partir de dois monossacarídeos por meio de ligações especiais denominadas glicólicas. Esta ligação se dá entre o carbono anomérico de um monossacarídeo e qualquer outro carbono do monossacarídeo próximo, por meio de suas hidroxilas e com a saída de uma molécula de água. Também podem ser formados pela ligação de um carboidrato a uma estrutura não carboidrato, como uma proteína. Os principais dissacarídeos incluem a sacarose, a lactose e a maltose. Os polissacarídeos são carboidratos complexos, macromoléculas formadas por milhares de unidades monossacarídicas ligadas entre si por ligações glicosídicas, unidas em longas cadeias lineares ou ramificadas. Os polissacarídeos possuem duas funções biológicas principais, como forma armazenadora de combustível e como elementos estruturais. Os polissacarídeos mais importantes são os formados pela polimerização da glicose, em número de três e incluem o amido, o glicogênio e a celulose. 26 Unidade I O amido é o polissacarídeo de reserva da célula vegetal, formado por moléculas de glicose por meio de numerosas ligações entre si, α (1,4) e poucas ligações (1,6), ou “pontos de ramificação” da cadeia. Sua molécula é muito linear, e forma hélice em solução aquosa. Função dos carboidratos no organismo Os carboidratos são a principal fonte de energia do organismo, a qual deve ser suprida regularmente e em intervalos frequentes de modo a satisfazer as necessidades energéticas do organismo. Em um homem adulto, 300 g de carboidratos são armazenados no fígado e nos músculos na forma de glicogênio e 10 g estão em forma de açúcar circulante. Essa quantidade total de glicose é suficiente apenas para meio dia de atividade moderada, por isso os carboidratos devem ser ingeridos a intervalos regulares e de maneira moderada. Cada grama de carboidrato fornece 4 Kcal, independentemente de sua fonte (monossacarídeos, dissacarídeos ou polissacarídeos). Os carboidratos regulam o metabolismo proteico, poupando proteínas. Uma quantidade suficiente de carboidratos impede que as proteínas sejam utilizadas para a produção de energia, mantendo-se em sua função de construção de tecidos. A quantidade de carboidratos da dieta determina como as gorduras serão utilizadas para suprir uma fonte de energia imediata. Se não houver glicose disponível para a utilização das células (jejum ou dietas restritivas), os lipídeos serão oxidados, formando uma quantidade excessiva de cetonas, que poderão causar acidose metabólica, podendo levar ao coma e à morte. Os carboidratos são necessários para o funcionamento normal do sistema nervoso central. O cérebro não armazena glicose, então necessita de suprimento de glicose sanguínea. Sua ausência pode causar danos irreversíveis ao cérebro. A celulose e outros carboidratos indigeríveis auxiliam na eliminação do bolo fecal, estimulam os movimentos peristálticos do trato gastrointestinal e absorvem água para dar massa ao conteúdo intestinal. Os carboidratos apresentam função estrutural nas membranas plasmáticas das células. Proteínas (estrutura e função) Aminoácidos Os aminoácidos e as proteínas são os integrantes das primeiras formas de vida organizada. Houve uma combinação nos primórdios da História entre nucleotídeos e nucleosídeos dando origem a estruturas estáveis capazes de cumprir as funções básicas da vida. Atualmente, sabe-se que a principal fonte de aminoácidos é proveniente da ingestão de proteínas que, após sofrerem ações digestórias e metabólicas, fornecem o suficiente para a manutenção de todas as funções para as quais estas são necessárias. Assim, consideramos os aminoácidos como as menores estruturas provenientes da degradação proteica. Geralmente são compostos por C, N, H e O, sendo que alguns tipos específicos apresentam em suas composições enxofre (S). Entre as diversas funções que esses compostos apresentam,estão a 27 FISIOPATOLOGIA DAS DOENÇAS ENDÓCRINAS E NUTRICIONAIS constituição de proteínas, hormônios e neurotransmissores. A estrutura básica dos aminoácidos pode ser vista na figura a seguir. Grupo RH H H O C S Carbono α Grupo amina Figura 5 – Molécula de aminoácido demonstrando o grupo amina, cadeia lateral R A estrutura geral dos aminoácidos contém um grupo amina (NH2) e um grupo carboxila (-COOH) unidos a um carbono α que os conecta à cadeia lateral (R), que, de fato, determina a “identidade” do aminoácido. Existem 20 tipos diferentes de aminoácidos encontrados na natureza, porém apenas 10 são considerados essenciais para o homem e são exclusivamente obtidos mediante a dieta. São eles: isoleucina, leucina, lisina, metionina, fenilalanina, treonina, triptofano, valina, histidina e arginina. Grupo amina Ácido carboxílicoH2N CH C R O O H Figura 6 – Fórmula geral dos aminoácidos indicando os grupos carboxila e amina Existem 20 aminoácidos principais denominados aminoácidos primários. Cada um tem um tipo de comportamento, e cada sequência de aminoácidos pode sintetizar uma proteína diferente. Um gene pode codificar uma ou várias proteínas (splicing alternativo). Uma mesma proteína pode ser codificada por mais de um gene. Além de DNA codificador, existe o DNA não codificador, o qual tem função incerta, porém alguns cientistas acreditam que possua função estrutural ou reguladora. Os 20 aminoácidos são formados por três nucleotídeos. Existem 64 códons diferentes para codificar um aminoácido. O processo que extrai o gene do DNA e o transforma em proteína ocorre da seguinte maneira: o RNA mensageiro (mRNA) é transcrito a partir do DNA, a diferença entre DNA e RNA é que o DNA possui fita dupla e timina, enquanto o RNA possui fita simples e a timina dá lugar à uracila (U); o RNA mensageiro sai do núcleo e vai ao encontro dos ribossomos (codificantes de proteínas) que possuem o RNA ribossômico (rRNA); nos ribossomos, o RNA será lido gerando proteína. Esse processo, realizado pelo RNA transportador (tRNA), é conhecido como tradução. 28 Unidade I Os aminoácidos são classificados de acordo com os seguintes critérios: Classificação nutricional • Aminoácidos não essenciais: também são conhecidos como dispensáveis sob o aspecto nutricional, pois o corpo é capaz de sintetizar esse tipo de aminoácido. Ex.: ácido aspártico e ácido glutâmico. • Aminoácidos essenciais: são considerados os mais importantes sob o ponto de vista nutricional, pois é uma classe de aminoácidos não sintetizados pelo organismo, sendo a dieta sua única fonte. Fazem parte das principais funções bioquímicas do organismo. Ex.: fenilalanina, metionina, isoleucina, leucina, triptofano, valina e lisina. • Aminoácidos essenciais específicos: são aminoácidos que, em condições normais, são sintetizados pelo corpo, porém, em algumas patologias específicas, este se torna incapaz de os sintetizar, tornando necessária a ingestão pela dieta ou até medicamentosa. Ex.: arginina, glicina e cisteína. Quadro 2 – Classificação dos aminoácidos de acordo com a necessidade nutricional Aminoácidos nutricionalmente essenciais Aminoácidos nutricionalmente não essenciais Nome Símbolo Nome Símbolo Arginina Arg Alanina Ala Histidina His Asparagina Asn Fenilalanina Phe Aspartato/ácido aspártico Asp Isoleucina Ile Cisteína Cys Leucina Leu Glutamato/ácido glutâmico Glu Lisina Lys Glutamina Gln Metionina Met Glicina Gly Treonina Thr Prolina Pro Triptofano Trp Serina Ser Valina Val Tirosina Tyr Adaptado de: Galante et al. (2012, p. 136). Classificação estrutural (relacionada às cadeias laterais) • Aminoácidos com cadeia R apolar: podem apresentar em suas cadeias laterais um grupo hidrocarboneto alifático (alanina, valina, leucina). • Aminoácidos com cadeia R polar neutra: possuem cadeia lateral de caráter eletricamente neutro em pH neutro, em alguns exemplos deste grupo (serina, treonina), sua cadeia polar é uma hidroxila (-OH) ligada a hidrocarbonetos alifáticos. 29 FISIOPATOLOGIA DAS DOENÇAS ENDÓCRINAS E NUTRICIONAIS • Aminoácidos com cadeia R polar ácida: esta classe possui uma carboxila (-COOH) em sua cadeia lateral. Ex.: ácido glutâmico e ácido aspártico. • Aminoácidos com cadeia R polar básica: possuem carga eletricamente positiva em pH neutro. Ex.: histidina, lisina e arginina. H H H H H H H H H H H H H H H H H H H H C C C C C C C C C C C CC C C C C C C N N N N N N N N N H H H H H H H H O O O O OH2N O O O O O O N H HO HO HO HO HO HO HO HO HO OH OH CH CH2 CH2CH CH CH2 H CH3 CH3 CH3 H3C H3C H3C Alanina Valina Leucina Isoleucina Glicina Serina Tirosina Histidina Asparagina Lisina Cisteína Ácido glutâmico Treonina Ácido aspártico Glutamina Arginina Prolina Metionina Fenilalanina Triptofano H H H HH H H H H H H H C C C CC C C CN N N N O O OO O O HO HO OH OH HO HO HN CH2 CH2 NH2 H2N CH2 CH2 CH2 CH2CH2 CH2 CH2 CH2 CH2CH2 CH2 CH2CH2 CC CH2 OO H2NNH2HOHO NH HOHO HO HO HO CC C C CCC C C C C C C N N NN N N N HH H H H HH H H H H H H HH H H HOO O O O NH C CH3 S CH3 CH CH2 CH2 CH3HO SH Aminoácidos apolares Aminoácidos polares Aminoácidos ácidos Aminoácidos básicos Figura 7 – Classificação dos aminoácidos em polares, apolares, ácidos e bases Classificação de acordo com o produto de degradação Como todos os compostos, os aminoácidos também sofrem processo de degradação levando à formação de resíduos, e, dependendo do tipo de aminoácido, esse resíduo deverá ser excretado ou reaproveitado. Os resíduos tóxicos gerados a partir da degradação dos aminoácidos são conhecidos como corpos cetônicos, já os resíduos reaproveitados costumam ser na forma de piruvato, fumarato e outros, conhecidos como glicogênios, os quais participam de processos como a glicogenólise – formação de glicose em estados de jejum prolongado. 30 Unidade I Degradação e excreção de aminoácidos O processo de síntese de proteína acontece de forma dinâmica utilizando e reutilizando os aminoácidos constantemente, assim como a quebra dessas proteínas (proteólise) de acordo com a necessidade, dando origem à presença de aminoácidos livres que não são armazenados em forma de estoque, ou seja, o organismo apenas mantém o que é necessário, excretando o excedente. O grupo amina (NH3) de um aminoácido quando sobra degradação, libera o nitrogênio que é convertido na forma de ureia (CH4N2O) e representa a forma mais significativa de excreção deste metabólito. O restante da cadeia acaba sendo reaproveitado para usos energéticos. O processo de degradação dos aminoácidos envolve três fases: transaminação, desaminação oxidativa e ciclo da ureia. • Transaminação: nesta fase ocorre a transferência do grupo amina para um cetoácido (ka). Como dito anteriormente, dependendo do tipo de aminoácido em questão, é nessa fase que ocorre a formação dos corpos cetônicos, em que há atividade enzimática representada pelas transferases ou aminotransferases (tema abordado com mais detalhes adiante). • Desaminação oxidativa: o termo desaminação significa, grosso modo, eliminar uma amina. Nesse processo, a amina do aminoácido é liberada em forma de amônia (NH3 +) também por meio de atividade enzimática. Nesse caso, as enzimas fazem parte da classe das desidrogenases. • Ciclo da ureia: a ureia é o composto nitrogenado mais abundante encontrado na urina, pois é altamente hidrossolúvel. O ciclo de formação da ureia é complexo e envolve inúmeras etapas, metabólitos e enzimas. Importância biológica dos aminoácidos Os aminoácidos participam de praticamente todas as funções vitais originando as proteínas que possuem importância biológica incontestável, tanto do ponto de vista microscópico quanto macroscópico. Sendo assim, podemos citar alguns deles e suas funções biológicas a fim de obter a real compreensão da relevância desses compostos. Quadro 3 – Exemplos de alguns aminoácidos e