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TEMA 2: DIREITOS FUNDAMENTAIS
A primeira declaração moderna de direitos fundamentais é de 1776: a Declaração de Direitos do Bom Povo de Virgínia, uma das treze colônias inglesas na América, à qual se seguiu a Constituição dos Estados Unidos da América, aprovada na Convenção de Filadélfia de 1787, e que foi objeto de diversas emendas garantidoras de importantes direitos fundamentais, como a liberdade de religião, o direito de propriedade etc.
Outro marco importantíssimo nesse processo histórico foi a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, fruto da Revolução Francesa e da sua luta contra o absolutismo.
Tivemos também a Declaração Universal dos Direitos do Homem, proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em Paris, em 10 de dezembro de 1948, reconhecendo diversos direitos, como a dignidade da pessoa humana, o direito à vida, à liberdade etc.
A partir desse processo histórico, podemos falar em três gerações de direitos fundamentais que surgiram ao longo do tempo:
PRIMEIRA GERAÇÃO
É formada por direitos individuais que buscavam proteger o indivíduo perante os excessos e abusos do Estado. São direitos ligados sobretudo às liberdades. Ex.: liberdade de reunião, direitode ir e vir etc.
SEGUNDA GERAÇÃO
																																																										Surge no século XX e caracteriza-se por direitos que exigem uma prestação do Estado. Não basta que o Estado se abstenha de cometer abusos e violar os direitos individuais. É preciso mais: ele deve atuar para consolidar direitos sociais e culturais. Essa é a geração dos direitos sociais e coletivos.
Ex.: direito à saúde, direitos da seguridade social.
TERCEIRA GERAÇÃO
Surge na segunda metade do século XX e está associada aos ideais de solidariedade e fraternidade. É nesse momento que surgem os direitos difusos, como o direito ao meio ambiente equilibrado (art. 225 da Constituição).
Atenção
Já existem defensores de uma quarta geração de direitos fundamentais, que seriam aqueles relacionados ao desenvolvimento tecnológico e biológico. São discussões delicadas em torno de assuntos jurídica e moralmente controvertidos, como clonagem, eutanásia etc.
Observamos que a consolidação dos direitos fundamentais em diferentes sociedades e ordenamentos jurídicos é fruto de um longo e complexo processo histórico, que se acentuou especialmente após a Segunda Guerra Mundial. Os horrores causados pela guerra e pelos regimes totalitários deixaram clara a necessidade de se reconhecer direitos inatos a todos os seres humanos, de modo a protegê-los de abusos e autoritarismos. É nesse contexto que os diferentes Estados modernos começam a se preocupar em elaborar um catálogo de direitos fundamentais que não seja meramente uma declaração política, mas também uma fonte para a sua aplicação concreta à realidade.
Conceito de direitos fundamentais
A Constituição de um Estado democrático, como é o caso do Brasil, possui, dentre as suas funções principais, a proteção de direitos fundamentais. A própria topografia dos dispositivos constitucionais que os preveem já indica a sua importância, tendo em vista que o catálogo de direitos fundamentais se encontra no início do texto constitucional.
Tradicionalmente, as Constituições brasileiras começavam tratando da estrutura do Estado e no final versavam sobre os direitos fundamentais. A Constituição de 1988 inverteu isso: os primeiros artigos tratam de direitos. Essa mudança topográfica transmite a ideia de que o mais importante são os direitos. O Estado existe em boa parte para protegê-los, promovê-los e assegurar que a pessoa humana seja respeitada.
O constituinte entendeu que os direitos são parte integrante da própria essência da Constituição, alçando-os à categoria de cláusulas pétreas, de modo que nem mesmo uma emenda pode suprimi-los (art. 60, §4º).
Conceituá-los, porém, não é tarefa fácil. Além de o seu conteúdo ter variado ao longo da história e dos diferentes contextos políticos e culturais, a sua nomenclatura muitas vezes se confunde com outras. Vamos, aqui, pontuar as principais diferenças entre as nomenclaturas mais comuns a fim de facilitar a compreensão da extensão e do conteúdo dos direitos fundamentais:
DIREITOS HUMANOS
São tratados no âmbito do direito internacional e se referem genericamente a todos os seres humanos, sem considerar as peculiaridades de cada país ou comunidade, como religião, etnia etc.
Possuem a pretensão de serem atemporais e universais, aplicáveis a todos os povos e em todos os tempos.
DIREITOS FUNDAMENTAIS
São tratados de maneira diferente por cada Estado, de acordo com as suas próprias Constituições. Como cada ordenamento jurídico dispõe diferentemente acerca do rol de direitos fundamentais, eles nem sempre correspondem ao rol de direitos humanos.
São apenas aqueles estabelecidos pelo Estado, conforme o seu Direito Positivo interno.
Reconhecendo a dificuldade de se estabelecer um conceito preciso de direitos fundamentais, José Afonso da Silva (2020) prefere utilizar a expressão “direitos fundamentais do homem”. O autor explica:
No qualitativo fundamentais, acha-se a indicação de que se trata de situações jurídicas sem as quais a pessoa humana não se realiza, não convive e, às vezes, nem mesmo sobrevive; fundamentais do homem no sentido de que a todos, por igual, devem ser, não apenas formalmente reconhecidos, mas concreta e materialmente efetivados. Do homem, não como macho da espécie, mas no sentido de pessoa humana. Direitos fundamentais do homem significa direitos fundamentais da pessoa humana ou direitos fundamentais. É com esse conteúdo que a expressão “direitos fundamentais” encabeça o Título II da Constituição, que se completa, como direitos fundamentais da pessoa humana, expressamente, no art. 17.
É possível apontar também a diferença entre direitos e garantias fundamentais. Enquanto os direitos fundamentais são os enunciados que estabelecem o conteúdo de um direito (ex.: direito à vida, à liberdade religiosa), as garantias fundamentais são instrumentos previstos na Constituição para a defesa e proteção daqueles direitos (ex.: habeas corpus, que busca proteger o direito à liberdade de locomoção).
Características dos direitos fundamentais
Estudaremos a seguir as principais características dos direitos fundamentais apontadas pela doutrina:
UNIVERSALIDADE
Significa que os direitos são de todos. O que faz alguém ser titular de um direito? Ser pessoa humana. A sua titularidade independe de sexo, categoria ou qualquer tipo de classe ou segmentação. Todos os seres humanos possuem igual dignidade.
A partir dessa premissa, o caput do artigo 5º da Constituição pode suscitar algumas dúvidas. Vejamos a sua redação:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade [...] (CONSTITUIÇÃO FEDERAL, 1988)
As primeiras perguntas que surgem são: o estrangeiro que não reside no país não tem direitos fundamentais? O turista não tem direito à vida, por exemplo?
O entendimento majoritário é de que, apesar da redação do dispositivo constitucional, o estrangeiro não residente no país também é titular de direitos fundamentais desde que compatíveis com a sua condição, pois a universalidade não impede a existência de alguns direitos específicos de determinados grupos. Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal já decidiu que o réu estrangeiro sem domicílio no Brasil deve ter assegurados:
“Os direitos básicos que resultam do postulado do devido processo legal, notadamente as prerrogativas inerentes à garantia da ampla defesa, à garantia do contraditório, à igualdade entre as partes perante o juiz natural e à garantia de imparcialidade do magistrado processante” (HC 94.016, rel. min. Celso de Mello, j. 16-9-2008, 2ª T, DJE de 27-2-2009).
Em que pese afirmarmos a universalidade como uma característica dos direitos fundamentais, há direitosque pressupõem certos requisitos como, por exemplo, a nacionalidade no caso dos direitos políticos. Há outros que são específicos para determinados grupos, como o direito fundamental garantido às presidiárias.
RELATIVIDADE
Significa dizer que não há direitos absolutos. Eles podem sofrer restrições. Se o direito de propriedade fosse absoluto, como ficaria a proteção do meio ambiente, por exemplo? Ou no caso da liberdade de expressão, que é um direito que frequentemente se choca com outros, como ficaria a proteção da intimidade?
Muitas vezes, a lei impõe uma restrição a um direito fundamental. É o caso das leis ambientais, que restringem o direito de propriedade e exigem o cumprimento de uma série de regras que visa à proteção do meio ambiente. Um exemplo é o Código Florestal (Lei n° 12.651), que possui diversas regras restritivas ao direito de propriedade.
O legislador, entretanto, não consegue prevê
nem solucionar todos os possíveis conflitos entre direitos fundamentais. Assim, muitas vezes, no caso concreto, é preciso que o Judiciário resolva essa colisão restringindo um direito em prol de outro, buscando, um equilíbrio. Um exemplo famoso é o caso Ellwanger, julgado pelo Supremo Tribunal Federal. Nesse julgamento, o Tribunal entendeu que a liberdade de expressão, apesar de ser um direito fundamental importantíssimo, não é um direito absoluto. Dessa maneira, ela não protege o discurso de ódio, o racismo nem a publicação de livros antissemitas.
Há um princípio de interpretação constitucional que norteia o intérprete diante desses casos difíceis de conflitos entre direitos e normas constitucionais, chamado princípio da concordância prática:
"Consiste, essencialmente, numa recomendação para que o aplicador das normas constitucionais, deparando-se com situações de concorrência entre bens constitucionalmente protegidos, adote a solução que otimize a realização de todos eles, mas ao mesmo tempo não acarrete a negação de nenhum." (MENDES; COELHO; BRANCO; 2007)
Daniel Sarmento e Cláudio Pereira de Souza Neto nos dão um exemplo do emprego da concordância prática pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento do Habeas Corpus 80.240 (STF, HC 80240, Relator(a): Sepúlveda Pertence, Tribunal Pleno, julgado em 20/06/2001, publicado no DJ 14-10-2005). ] 
Trata-se do caso de um líder indígena intimado para depor em uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI). Diante das normas constitucionais que garantem os poderes da CPI e os direitos dos indígenas à sua cultura, o Tribunal, para conciliar as normas em conflito no caso, decidiu que o depoimento poderia ser feito, mas apenas no interior das terras indígenas e na presença de antropólogo e de representante da FUNAI.
Ou seja, considerando a relatividade dos direitos fundamentais e os seus possíveis conflitos em um caso concreto, deve-se buscar sempre uma solução que leve ao equilíbrio entre eles.
HISTORICIDADE
Os direitos fundamentais foram conquistados historicamente e as mudanças na sociedade influenciam a leitura que se faz deles.
Os direitos não são realidades metafísicas e sim realidades históricas e concretas. Eles foram conquistados e ampliados ao longo da história, surgindo em diferentes etapas.
INALIENABILIDADE
Não possuem conteúdo econômico e não podem ser negociados ou transferidos:
“Se a ordem constitucional os confere a todos, deles não se pode desfazer, porque são indisponíveis.” (SILVA, 2020)
IMPRESCRITIBILIDADE
Os direitos fundamentais não se extinguem pelo decurso do tempo e o seu exercício não se sujeita a qualquer prazo.
IRRENUNCIABILIDADE
Não se pode renunciar aos direitos fundamentais. O titular do direito pode até não o exercer, mas isso não implica a renúncia ao direito.
APLICABILIDADE IMEDIATA
A Constituição Federal, no art. 5º, §1º, dispõe expressamente que:
“As normas definidoras dos direitos e das garantias fundamentais têm aplicação imediata”.
Houve aqui uma preocupação do constituinte em dar plena efetivação aos direitos fundamentais, evitando o que acontecera sob a égide de Constituições pretéritas, em que os direitos previstos na Constituição, muitas vezes, eram apenas retórica, uma simples proclamação política, sem qualquer aplicação concreta.
A ideia da aplicabilidade imediata é a de que os direitos valem imediatamente e independem de concretização legislativa, de regulamentação, para surtirem seus efeitos. O titular dos direitos pode invocá-los com base apenas na Constituição.
NÃO EXAUSTIVIDADE OU ATIPICIDADE
Um direito não precisa estar positivado na Constituição para ser considerado fundamental. Vejamos a redação do art.5º, §2º da Constituição:
· "Os direitos e as garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte". (CONSTITUIÇÃO FEDERAL, 1988)
Isso significa que é possível ter direitos fundamentais fora do catálogo formal previsto na Constituição. Eles podem estar em tratados internacionais de direitos humanos, por exemplo. Qual é o principal critério para apontar direito fundamental fora do catálogo? O princípio da dignidade da pessoa humana.
Classificações
Existem inúmeras classificações que variam conforme o autor e o critério adotado. Uma delas, por exemplo, divide os direitos fundamentais de acordo com o conteúdo:
Eficácias dos direitos fundamentais
Além da aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais, eles também suscitam importantes questionamentos a respeito da sua eficácia.
Tradicionalmente, os direitos fundamentais eram aplicados à relação entre o indivíduo e o Estado, verticalmente. Isso se explica até mesmo pela primeira geração de direitos fundamentais, criados para a defesa do indivíduo contra o poder absoluto do Estado.
Essa noção, contudo, foi mudando ao longo do tempo, pois notou-se a existência de lesões a direitos que não provêm somente do Estado, mas podem se originar de relações entre patrão e empresa, entre loja e comprador, entre pai e filho, por exemplo. São relações muito variadas nas quais nem sempre o Estado está presente.
Surge, então, a ideia da eficácia horizontal dos direitos fundamentais (em contraposição à eficácia vertical), que significa a aplicação dos direitos fundamentais nas relações privadas. Mas, é importante ressaltar, há o risco de comprometer a liberdade individual e a espontaneidade das relações sociais.
Teoria da eficácia indireta ou mediata
Um primeiro entendimento defende que essa aplicação deve ser feita pelo legislador. E se a lei, ao tratar de direito privado, violar direitos fundamentais ou não os proteger adequadamente, será inconstitucional. Ou seja, os direitos fundamentais não devem ser automaticamente aplicados às relações entre particulares.
Teoria da eficácia direta ou imediata
Um segundo entendimento defende que essa aplicação deve ser feita diretamente pelo juiz, independentemente da atuação do legislador. Este, ao julgar as causas, deve levar em consideração os direitos fundamentais, mesmo que sejam causas privadas.
A principal porta de entrada dos direitos fundamentais na atividade jurisdicional são as cláusulas gerais de direito privado. Ex.: bons costumes, boa-fé, ordem pública. Elas devem ser concretizadas, devem ser lidas de uma maneira que protejam e promovam os direitos fundamentais.
Direitos individuais e coletivos consagrados na Constituição
Os direitos individuais estão previstos no artigo 5º e respectivos incisos da Constituição Federal. Podem ser conceituados, conforme ensina José Afonso da Silva (2020), como aqueles que reconhecem autonomia aos particulares, garantindo a iniciativa e independência aos indivíduos diante dos demais membros da sociedade política e do próprio Estado.
O rol de direitos elencados no art. 5º é extenso e, por isso, estudaremos mais detidamente a seguir aqueles que são mais relevantes e que suscitam maior controvérsia:
DIREITO DE PROPRIEDADE
Está previsto nos seguintes incisos do artigo 5º:
XXII – é garantidoo direito de propriedade;
XXIII – a propriedade atenderá à sua função social.
Existem também outros dispositivos constitucionais com previsões específicas acerca do direito de propriedade ao longo de toda a Constituição (ex.: artigos 5º, XXIV; 182 etc.).
A partir dos dispositivos citados, vemos que a própria Constituição já define um limite para o direito de propriedade, ao exigir que ela atenda à sua função social. Essa decisão do constituinte supera a antiga ideia de que a propriedade é absoluta.
Uma questão que se põe diz respeito ao conceito de função social. O artigo 1228 do Código Civil fixa alguns parâmetros:
§1º O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas.
§2º São defesos os atos que não trazem ao proprietário qualquer comodidade, ou utilidade, e sejam animados pela intenção de prejudicar outrem.
A Constituição também fixa requisitos para o atendimento da propriedade rural:
Art. 186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos:
I – aproveitamento racional e adequado;
II – utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente;
III – observância das disposições que regulam as relações de trabalho;
IV – exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores. (CONSTITUIÇÃO FEDERAL, 1988)
Atenção!
Seguindo essa linha, o Supremo Tribunal Federal já afirmou expressamente que o direito de propriedade não se revela absoluto, estando relativizado pela Constituição.
LIBERDADE DE EXPRESSÃO
Está prevista no art. 5º, IV: “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”.
É vital para uma democracia, que pressupõe debate público, amplo acesso a ideias e pontos de vista divergentes. Em qualquer espaço, pressupõe-se que cada pessoa, para poder decidir sobre algo, deva ter acesso às informações mais variadas.
A ideia subjacente a esse direito fundamental é de que a democracia exige um espaço público de discussão robusto, plural, dinâmico no qual diferentes pontos de vista possam ser devidamente debatidos sem a tirania de uma única ideia.
Tem por fim a autonomia, a realização pessoal de cada indivíduo, na medida em que o homem, como um ser social, tem a necessidade de se comunicar, moldando a sua personalidade conforme interage com os outros do seu meio.
A necessidade de se proteger a liberdade de expressão como corolário da própria democracia tem sido reiterado pelo Supremo Tribunal Federal em diversos julgados:
“A Democracia não existirá e a livre participação política não florescerá onde a liberdade de expressão for ceifada, pois esta constitui condição essencial ao pluralismo de 
ideias, que por sua vez é um valor estruturante para o salutar funcionamento do sistema democrático. A livre discussão, a ampla participação política e o princípio democrático estão interligados com a liberdade de expressão, tendo por objeto não somente a proteção de pensamentos e ideias, mas também opiniões, crenças, realização de juízo de valor e críticas a agentes públicos, no sentido de garantir a real participação dos cidadãos na vida coletiva. São inconstitucionais os dispositivos legais que tenham a nítida finalidade de controlar ou mesmo aniquilar a força do pensamento crítico, indispensável ao regime democrático” (STF, ADI 4451, Relator Alexandre de Moraes, Tribunal Pleno, julgado em 21/06/2018, publ. DJ 06/03/2019). Atenção!
Conforme visto no tópico relativo às características dos direitos fundamentais, o Supremo Tribunal Federal não inclui discursos de ódio ou racistas no âmbito de proteção da liberdade de expressão.
LIBERDADE RELIGIOSA
Liberdade de religião não é apenas o direito de professar publicamente determinada religião, mas também o direito de não ter nenhuma.
Tema mais polêmico diz respeito à possibilidade de, com base na liberdade religiosa, tentar converter outras pessoas e atrair fiéis para determinada seita religiosa.
O Supremo Tribunal Federal já se debruçou sobre o tema e entendeu que essas atitudes estão protegidas pela liberdade de religião:
“A liberdade religiosa não é exercível apenas em privado, mas também no espaço público, e inclui o direito de tentar convencer os outros, por meio do ensinamento, a mudar de religião. O discurso proselitista é, pois, inerente à liberdade de expressão religiosa. (...) 
A liberdade política pressupõe a livre manifestação do pensamento e a formulação de discurso persuasivo e o uso dos argumentos críticos. Consenso e debate público informado pressupõem a livre troca de ideias e não apenas a divulgação de informações. (...) (STF, ADI 2.566, rel. p/ o ac. min. Edson Fachin, julgado em 16/05/2018, publ. DJ 23/10/2018).
Outro ponto polêmico relacionado a esse direito envolve a discussão em torno da admissibilidade ou não do sacrifício de animais como manifestação religiosa. Como se sabe, essa é uma prática cultural presente em diversas religiões, especialmente nas de matriz africana. O debate nos coloca um conflito entre dois direitos fundamentais: a liberdade religiosa e a proteção ao meio ambiente.
No entanto, o Supremo Tribunal Federal também já se manifestou sobre o assunto ao analisar uma lei, do Rio Grande do Sul, que permitia o sacrifício de animais em ritos religiosos. A Corte fixou a seguinte tese:
“É constitucional a lei de proteção animal que, a fim de resguardar a liberdade religiosa, permite o sacrifício ritual de animais em cultos de religiões de matriz africana”.
Dessa maneira, entendeu que a prática e os rituais relacionados ao sacrifício animal são patrimônio cultural imaterial e constituem os modos de criar, fazer e viver de várias comunidades religiosas, devendo tal direito ser protegido (STF, RE 494601, Relator Edson Fachin, Tribunal Pleno, julgado em 28/03/2019, publ. DJ 19/11/2019).
LIBERDADE DE REUNIÃO
Está prevista no art. 5º, XVI:
“Todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente”.
Da leitura do dispositivo, concluímos que se exige apenas o mero aviso à autoridade competente. Não cabe à autoridade definir o local, nem tomar medidas para dificultar a reunião. A Constituição, porém, ressalta que não se pode atrapalhar outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local. Busca-se, assim, evitar o abuso de direito que vise atrapalhar outras reuniões, além de se evitar eventuais conflitos que coloquem em risco a ordem pública.
Na lição de José Afonso da Silva (2020), reunião é qualquer agrupamento formado em certo momento com o objetivo comum de trocar ideias ou de receber manifestação de pensamento político, filosófico, religioso, científico ou artístico. Ela protege passeatas e manifestações nos logradouros públicos.
Note-se que a liberdade de reunião tem grande relevância, pois, por meio dela, é possível exercer outras liberdades, como as de expressão e de locomoção. Assim, tal direito fundamental é instrumento para proteção de outros direitos fundamentais.
Direitos sociais
Os direitos sociais são aqueles ligados à igualdade. Trata-se de prestações positivas a serem oferecidas direta ou indiretamente pelo Estado a fim de conceder melhores condições de vida àqueles que não possuem uma situação social digna.
Conforme vimos no módulo 1, os direitos sociais surgem na segunda geração de direitos fundamentais, caracterizados por exigirem uma prestação positiva do Estado para atender às necessidades dos indivíduos. Não é mais suficiente que o Estado se abstenha de violar direitos; é preciso que ele atue para protegê-los e concretizá-los.
O artigo 6ºda Constituição enumera como direitos sociais:
· EDUCAÇÃO
· SAÚDE
· ALIMENTAÇÃO
· TRABALHO
· MORADIA
· TRANSPORTE
· LAZER
· SEGURANÇA
· PREVIDÊNCIA SOCIAL
· PROTEÇÃO À MATERNIDADE E À INFÂNCIA
· ASSISTÊNCIA AOS DESAMPARADOS
Dentre eles, o direito à saúde merece uma análise mais detida. A Constituição deixa claro que a saúde é um direito de todos e dever do Estado. Ela é tratada com mais detalhes nos artigos 196 e seguintes da Constituição, onde também há regras de competências dos entes federados para a implementação de políticas públicas de saúde.
A consagração do direito à saúde tem provocado inúmeros debates em torno da extensão desse direito e dos limites da interferência do Judiciário na sua aplicação. Se a Constituição garante o direito à saúde, então é possível requerer judicialmente qualquer tratamento médico ou remédio em face do Poder Público? Esse é um tema que tem desafiado todos os entes federados no país, que recebem diariamente milhares de ações judiciais com demandas dessa natureza.
O STF, sempre que provocado, tenta estabelecer parâmetros para a interferência do Judiciário na concretização desse direito. A Corte Suprema já entendeu que, em regra, o Estado não é obrigado a fornecer medicamentos de alto custo solicitados judicialmente quando não estiverem previstos na relação do Programa de Dispensação de Medicamentos em Caráter Excepcional, do Sistema Único de Saúde (SUS).
O direito à alimentação e à moradia buscam consagrar o direito à saúde e a uma vida digna, tendo servido de esteio para diversos programas sociais de renda mínima e de crédito à moradia implementados nas últimas décadas. Em 2020, eles voltaram a ter destaque nacional com o auxílio emergencial implementado pelo governo federal diante dos impactos econômicos e sociais da pandemia de COVID-19.
Com base no direito à moradia, os tribunais, inclusive o Supremo Tribunal Federal, têm entendido que, no caso de construções irregulares, ainda que se reconheça o poder-dever do poder público de demoli-las, ele é obrigado a implementar medidas para mitigar os efeitos sobre as famílias que ali se encontram. É muito comum que o poder público, em especial o município, seja obrigado a oferecer alguma opção de moradia ou algum benefício assistencial antes de retirar as pessoas que ocupam áreas irregulares ou de risco.
O artigo 7º da Constituição também estabelece uma série de outros direitos sociais aos trabalhadores urbanos e rurais, como por exemplo:
· Irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo;
· Garantia de salário, nunca inferior ao mínimo, para os que percebem remuneração variável;
· Décimo terceiro salário com base na remuneração integral ou no valor da aposentadoria;
· Remuneração do trabalho noturno superior à do diurno.
Tema 2: Criatividade
O que é Antropologia?
De uma forma bem simples, podemos dizer que Antropologia é a ciência cuja finalidade é, por meio do método comparativo, descrever e analisar as características culturais do homem. A Antropologia, portanto, estuda a cultura.
Mas, afinal, o que é a cultura, objeto privilegiado da ciência antropológica?
Existem incontáveis definições de cultura, mas aqui adotaremos uma bem ampla e compreensível para todos.
A cultura é uma lente através da qual se vê o mundo. As pessoas não sobrevivem simplesmente. Elas sobrevivem de uma maneira específica, de acordo com a cultura em que vivem.
A cultura é um complexo de padrões de linguagem, costumes, comportamentos, crenças, instituições e outros valores simbólicos e materiais transmitidos coletivamente e característicos de uma sociedade.
Pode ser simbolizada como um mapa, um receituário, um código segundo o qual os nativos de um grupo social pensam, classificam, estudam e modificam o mundo e a si mesmos. 
É justamente porque compartilham de parcelas importantes desse código, que um conjunto de seres humanos com interesses e capacidades distintas e até mesmo opostas transformam-se em um grupo e podem viver juntos, sentindo-se parte de uma mesma totalidade.
Vamos entender os caminhos que a ciência antropológica percorreu e desenvolveu para compreender a cultura.
MÓDULO 1
A Antropologia e o trabalho de campo
No final do século XIX e início do século XX, os estudos dos antropólogos nas chamadas sociedades “primitivas” foram determinantes para o desenvolvimento das técnicas de pesquisa que permitem recolher diretamente observações e informações sobre a cultura nativa. Esses sujeitos, também conhecidos como antropólogos de gabinete, pensavam o mundo pelo olhar de suas sociedades, como algo estranho. 
As sociedades estudadas diretamente por esses antropólogos eram sociedades sem escrita, longínquas, isoladas, de pequenas dimensões, com reduzida especialização das atividades sociais, sendo classificadas como “simples” ou “primitivas” em contraste com a organização “complexa” das sociedades dos pesquisadores.
Foram os trabalhos de campo de Franz Boas (1858-1942) entre 1883 e 1902 e, particularmente, a expedição de Bronislaw Malinowski (1884-1942) às ilhas Trobriand, que consagraram a ideia de que os antropólogos deveriam passar um longo período na sociedade que estivessem estudando para encontrar e interpretar seus próprios dados, em vez de depender dos relatos dos viajantes, como faziam os “antropólogos de gabinete”.
Franz Boas
Antropólogo americano que inaugura a construção do entendimento da cultura do outro e seu espelho para quem analisa.
Bronislaw Malinowski
Antropólogo polonês radicado em Londres que fundamenta a atuação do antropólogo atuando no campo.
Nos primeiros trinta anos do século XX, o trabalho de campo passou a orientar as pesquisas antropológicas. Franz Boas, um geógrafo de formação, crítico radical dos antropólogos evolucionistas, ensinou que no campo tudo deveria ser anotado meticulosamente e que um costume só tem significado se estiver relacionado ao seu contexto particular. Ensinou também que, no “relativismo cultural”, o pesquisador deveria estudar as culturas com um mínimo de preconceitos etnocêntricos.
Para Boas, o que constitui o “gênio próprio” de um povo é o que se dá nas experiências individuais e, portanto, o objetivo do pesquisador é compreender a vida do indivíduo dentro da própria sociedade em que vive.
Boas foi o grande mestre da antropologia americana na primeira metade do século XX. Formou uma geração de antropólogos, como Ralph Linton, Ruth Benedict e Margaret Mead, considerados representantes da antropologia cultural americana, caracterizada por métodos e técnicas de pesquisa qualitativa somados a modelos conceituais próximos da Psicologia e da Psicanálise.
A primeira experiência de campo de Malinowski foi em 1914, entre os mailu na Melanésia. Impedido de voltar à Inglaterra no início da Primeira Guerra Mundial, ele começou sua pesquisa nas ilhas Trobriand, de 1915 a 1916, retornando em 1917 para uma estada de mais um ano.
Essa longa convivência com os nativos teve uma influência decisiva na inovação do método de pesquisa antropológica. Os argonautas do Pacífico Ocidental, publicado em 1922, é um verdadeiro tratado sobre o trabalho de campo.
A convivência íntima com os nativos passou a ser considerada o melhor instrumento de que o antropólogo dispunha para compreender “de dentro” o significado das lógicas particulares características de cada cultura. Malinowski demonstrou que o comportamento nativo não é irracional, mas se explica por uma lógica própria que precisa ser descoberta pelo pesquisador. Colocou em prática a observação participante, criando um modelo do que deve ser o trabalho de campo:
O pesquisador, por meio de uma estada de longa duração, deve mergulhar profundamente na cultura nativa, impregnando‐se da mentalidade nativa. Deve viver, falar, pensar e sentir como os nativos.
Malinowski é considerado o pai do funcionalismo, pois acreditava que cada cultura tem como função a satisfação das necessidades básicas dos indivíduos que a compõem, criando instituições capazes de responder a essas necessidades.A conduta de observação etnográfica, assim como a apresentação dos resultados sob a forma monográfica, obedece aos pressupostos do método funcional.
Saiba mais
A análise funcional consiste em analisar todo fato social do ponto de vista das relações de interdependência que ele mantém, sincronicamente, com outros fatos sociais no interior de uma totalidade.
Grande parte da renovação das ciências sociais se deve às influências diretas ou indiretas dos métodos de pesquisa de Malinowski. Os argonautas do Pacífico Ocidental, uma obra seminal, provocou uma verdadeira ruptura metodológica na Antropologia, priorizando a observação direta e a experiência pessoal do pesquisador no campo.
Malinowski sugeriu três questões para o trabalho de campo:
O que os nativos dizem sobre o que fazem? (os discursos)
																																																																																				O que pensam a respeito do que fazem (os valores e os pensamentos)
O que realmente fazem ? (os comportamentos e as práticas)
Por meio do contato íntimo com a vida nativa, exaustivamente registrado no diário de campo, Malinowski buscou as respostas para essas questões preocupando‐se em compreender o ponto de vista nativo.
A Antropologia seria, portanto, o estudo segundo o qual, compreendendo melhor as chamadas sociedades “primitivas”, poderíamos chegar a compreender melhor a nós mesmos. A rica experiência de campo de Malinowski, assim como suas propostas metodológicas, influenciou decisivamente a aplicação de técnicas e métodos de pesquisa qualitativa na Antropologia e nas ciências sociais.
MÓDULO 2
Caracterizar correntes teóricas da Antropologia durante o século XX

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