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A LITERATURA BRASILEIRA
ESP
Reitor Jacques Marcovitch
VUe-reitor Adolpho José Melfi
|edu8P
EDITORA DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
Presidente Plinio Martins Filho (Pro-tempore)
nnlsido Editorial
Plinio Martins Filho (Presidente pro-
tempore)
José Mindlin
Oswaldo Paulo Foratimi
TupS Gomes Corrêa
Unioni Editorial
retara Comercial nr
Administrativo
idilora-assistenie
Silvana Biral Eliana Urabayashi Renalo
Calbucei Cristina Fino
J O S É A D E R A L D O C A S I
E L L O
A LITERATURA BRASILEIRA
ORIGENS E UNIDADE (1500 -1960)
VOLUME I
ed u s P
n depósito legal
il ui | 099 by Jostí Adcr.ddo ( aslc
'fr)à
Universidade Estadual de
Londrina Sistema de
Bibliotecas
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>•« Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(CAmura Brasileira do Livro, SP, Brasil)
>Ȏ Adcruldo, 1921-
•uitura Brasileira: Origens c Unidade (1500-1960) / José
astelli» /Silo Paulo : IvdèfciTn da Universidade de
São Pau-
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I\ i'miiMK.An INTELECTUAL DO PERIODO COLONIAL - II - SÉCULOS XVII/ X\ III PRESENÇA DO
BARROCO. 1. Primeiras reflexões sobre poética-. Bento Tei- ' i i i PosiçAcs barrocas: Manuel
Botelho de Oliveira, Gregório de Matos e Gurí i a 2, Poetas seiscentistas-. Bento Teixeira, Manuel
Botelho de Oliveira, (ilegòrio de Matos. 3. A oratória religiosa: Pe. Antônio Vieira. 4. Os cronistas:
Ainhrôsio Fernandes Brandão, Frei Vicente do Salvador, Sebastião da Rocha Pila. 5. O
movimento academicista: cronistas e genealogistas. 6. Dois destaques: Domingos do Loreto Couto e
Nuno Marques Pereira.
V PRODUÇÃO INTELECTUAL DO PERIODO COLONIAL - III - O ARCADISMO. 1. O Arcadismo
— Reações ao Barroco e reflexões internas. 2. A poesia arcádica — I — Os líricos. Cláudio Manuel da
Costa, Manuel Inácio da Silva Alvarenga, Tomás Antônio Gonzaga, Inácio José de Alvarenga
Peixoto. 3. A poesia arcádica — II - Os épicos: Frei |osé de Santa Rita Durão, José Basilio da Gama,
Cláudio Manuel da (Insta. 4. Poetas pré románticos,
VI A CAMINHO DA UNIDADE. 1. Esquema geral das manifestações literárias do Enlodo ( olonial, 2.
Nativismo. 3. Indigenismo!indianismo.
II II l) 2' PERÍODO OU O PERÍODO NACIONAL - I - O SÉCULO XIX E A IDENTIDADE
DEBATIDA
- RUPTURA E AUTO-RECONHECIMENTO. 1. Renovação pré-romântica epropostas nacionalizantes Os últimos
neoclássicos; Nossos primeiros periódicos; A vi- sao de estrangeiros e suas propostas
nacionalizantes. 2. A proclamação nacional da reforma romântica — a ação decisiva dos periódicos. 3.
Romantismo e identificação da nacionalidade: o Romantismo de época; o Romantismo interno; ação dos
influxos e transformação das coordenadas; a centralização da vida intelectual.
VII - AINDA A AUTOREFLEXAO COMO RECONHECIMENTO. 1. Poética romântica: O grupo de Gonçalves de
Magalhães e suas ideias; Restrições a Magalhães - novas posições; Alencar versus Magalhães
— nova poética romântica. 2. Um crítico de síntese e transição: Machado de Assis.
VIII - PRODUÇÃO LI TERÁRIA DO ROMANTISMO DE ÉPOCA - 1“ - POESIA E PROSA.
1. A poesia: Gonçalves de Magalhães, Gonçalves Dias, Casimiro de Abreu, Fagundes Varela,
Alvares de Azevedo, Junqueira Freire, Castro Alves, Tobias Barreto. 2. A narrativa ficcional os
iniciadores; Joaquim Manuel de Macedo, Manuel
Antônio de Almeida, Bernardo Guimarães, Franklin Távora. 3. Folhetim/Crônt
ca/Revista ou Hebdomadária.
259 X - PRODUÇÃO LITERÁRIA DO ROMANTISMO DE ÉPOCA - 2“ - AUTOR-SÍNTESE: JOSÉ DE
ALENCAR - SEU PROJETO DE LITERATURA NACIONAL E SUA OBRA.
281 XI - O ÚLTIMO QUARTEL DO SÉCUI.O XIX - Io - Ou A FALSA RUPTURA. 1. Novos estilos de época:
A poesia em crise ou a poesia científico-filosófica. A produção poética pós-romântica: a
contribuição “científico-filosófica” e realista; A poética parnasiana ou a “disciplina do
bom gosto”; Destaques da contribuição parnasiana: Machado de Assis, Alberto de
Oliveira, Raimundo Correia, Vicente de Carvalho, Francisca Júlia, Olavo Bilac.
329 XII - O ÚLTIMO QUARTEL DO SÉCULO XIX - 2" - AINDA A RENOVAÇÃO POÉTICA: O
SIMBOLISMO. 1. Decadismo, nefelibatismo, simbolismo ou "a arte pela arte” - poética, grupos e revistas.
2. As realizações simbo/istas: Cruz e Souza, Alphonsus de Guimaraens e outros. 3.
Reconsiderações sobre a poesia pós-romântica. APÊNDI- CE: grupos e revistas simbolistas nas
Províncias.
363 XIII - O ÚLTIMO QUARTEL DO SÉCULO XIX - 3" - A NARRATIVA FICCIONAL. 1. O Realismo-
naturalismo. 2. Machado de Assis, autor-síntese. 3. Contribuições realistas-naturalistas: Ar»pliação do
quadro social da “Corte” — Aluísio Azevedo e Raul Pompéia; Inglês de Sousa - um caso
de revisão; Outras contribuições: Coelho Neto, Manuel de Oliveira Paiva, Domingos
Olímpio e Rodolfo Teófilo; Manuel Benício, Afonso Arinos e Os Sertões.
415 XIV - As COORDENADAS INTERNAS - VERSO E REVERSO. I. Do nativismo ao na cionalismo e suas
derivações. 2. O primeiro grupo das derivadas nacionalistas: A lor tuna camoniana; Antilusismo,
língua e nacionalidade literária. 3. () segundo grupo de derivadas ou a narrativa ficcional de
representação do Rrasil: A narrativa social urbano-metropolitana; A narrativa de
ambientação rural c suas sequências temáticas; a) patriarcalismo; b) cangaço; c)
messianismo e fanatismo; d) outras sequências temáticas; e) regionalismos? O
urbano/provinciano. 4. Passado histórico e indianismo mítico.
441 ÍNDICF. REMISSIVO DE AUTORES
i (' i ll'RfODO OUO PERÍODO NACIONAL-II -O SÉCULO XX: i ' Mda
política colonizadora portuguesa, atuando diretamente e a partir de certo
momento simultaneamente sobre todos
Prático, Histórico e Sentimental de Cidade Brasileira, 3. ed. rev., atual, e aum. Rio dc Janeiro, José Olympio, I960;
Ernâni Silva Bruno, História e Tradição da Cidade de São Paulo, Rio dc Janeiro, José Olympio, 1953, 3 vols.;
Vivaldo Coaracy (V. Cy), Memórias da Cidade do Rio de Janeiro, Rio dc Janeiro, José Olympio, 1955.
11. Nos nossos estudos do Período Colonial, sempre adotamos a expressão “manifestações culturais" ou
“intelectuais" ou, mais precisamente, “literárias”, conforme o título do nosso ensaio A Literatura Brasileira - I -
Manifestações Literárias do Período Colonial (1500-1808/1836), ed. cit., uma ver que não se reconhece neste período
uma atividade literária regular, transformações ao mesmo tempo sistemáticas, sob o sentimento de
autonomia que se alimenta da identidade própria. Reconhecemos a origem da expressão em José
Veríssimo, como exemplifica a citação seguinte; “Entretanto no tempo de Vieira, a maior parte do século
XVII, já no Brasil havia manifestações literárias no medíocre poema de Bento Teixeira ( 1601 ) e nos poemas e
prosas ainda inéditos mas que circulariam cm cópias ou seriam conhecidas de ouvido, de seu próprio irmão
Bernardo Vieira Ravasco, do padre António de Sá, pregador, de Eusébio de Matos e de seu irmão Gregório
de Matos, o famoso satírico, dc Botelho de Oliveira, sem falar nos que incógnitos escreviam relações,
notícias e crónicas da terra, um Gabriel Soares (1587), um Frei Vicente do Salvador, cuja obra é de 1627, o
ignorado autor dos Diálogos das Grandezas do Brasil e outros de que há notícia” (cf. História da Literatura Brasileira -
De Bento Teixeira ( 1601) a Machado de Assis (1908), Rio de Janeiro, Francisco Alves. 1916, p. 26, o grifo da expressão
é nosso).
eles, fez convergir para a metrópole aquelas linhas de comunicação já
referidas, retransmissoras dos mesmos modelos, no seu movimento de vii
voltar-vir. O melhor exemplo neste sentido é a organização e freqUên- cia,
do século XVII para o XVIII, em todos os centros indicados, dos festejos
públicos comemorativos, dos atos acadêmicos e das academias científicas,
históricas e literárias14.
Mas não esquecer que a política colonizadora se exerceu no meio
brasileiro colonial sujeita às limitações, também já apontadas, da censura,
da implantação da tipografia, do ensino e do livre intercâmbio com a
Europa. Os efeitos só poderiam ser negativos para o surgimento de uma
mentalidade interna, cujo afloramento e expansão seriam continuamente
tolhidos ou refreados. A censura atuaria severamente sobre o pensamento
escrito, a criação literária, em suma sobre as atividades culturais e
intelectuais. Não contamos no Brasil com o aparato censório da metrópole,
mas seus efeitos foram os mesmos tanto lá quanto aqui. Nada se publicava
sem as licenças da tríplice censura, mais tarde Real Mesa Censória e de sua
sucessora15.
A ausência de estabelecimentos tipográficos no Brasil Colónia, além
das conseqtiências da vigilância censória, reflete interesse do governo da
metrópole de nos privar de poderoso instrumento ativador da inteligência
e da mentalidade, conforme opinião generalizada entre os nossos
historiadores. Eliminava-se a possibilidade, ainda que limitada e precária,
de uma imprensa informativa, de condições de atividade editorial, só
possível em Portugal e sob rigoroso controle. O que escrevíamos devia ser
remetido à metrópole, onde a publicação, sujeita ao crivo severo da
censura, ainda dependia do mecenatismo de poderosos ávidos de bajulação
e elogios1''. E havia a incerteza dos transportes: sabe-se de manuscritos
importantes que se extraviaram ou se perderam em naufrágios, além de
muita coisa que não logrou ser publicada16 17. Podemos então dizer que as
14 V. Josê Adcraldo Castello (org.), O Movimento Academicista no Brasil- 1641-1820/1822, São Paulo, Conselho Estadual
de Cultura, 1969-1978 (vol. 1, tomos I a VI: “Academias”, 1969, 1970, 1971, 1971, 1978; vol. 2, tomos I c II:
“Atos Acadêmicos”, 1977, 1978; vol. 3, tomos I aVI: “Festejos Públicos Comemorativos”, 1974, 1975, 1975,
1976, 1976, 1977). Com a colaboração de Ytdda Dias Lima e, para a leitura dos textos latinos, de Isaac
Nicolau Salum (a publicação ainda 11 .1o está concluída).
I I. V. notas I e 4 deste capitulo.
16 Nesse sentido, basta examinar as dedicatórias das obras impressas do século XVI ao XVIII, além da
literatura encomiástica nela contida.
obras publicadas representam seleções do que foi escrito. Sem dúvida a
justa avaliação do seu conteúdo continua a depender da pesquisa que
localize manuscritos, sobretudo dos editadas, para uma releitura criteriosa,
com a ajuda da edótica, de maneira que também se analise em extensão a
ação da censura.
A mentalidade que se desenvolveria no Brasil Colónia não poderia
ser senão a imagem da metrópole. Mas esse sistema político de vigilância
sobre a atividade intelectual na verdade teve sobretudo efeitos negativos
imediatos. Pois, à medida que tolhia a transformação e a expansão, em
contrapartida gerava tensões que mais cedo ou mais tarde eclodiriam em
reações quase agressivas, como foi o caso do antilusismo de princípios a
fins do século XIX, revigorando a ideologia nacionalista, antecipado pelas
revoltas nativistas do Período Colonial. Antes, portanto, da eclosão
patriótica a contar da Independência, é preciso considerar do Período Co-
lonial aquelas reações chamadas nativistas simultaneamente com as ten-
tativas, embora ainda incaracterizadas, de encontro com uma identidade
nova nascente. Demonstram-nas certos eventos da história, a temática
americana de exaltação das coisas da terra em confronto com os modelos
externos, reflexões críticas sobre transposições de estilos e formas literárias,
o louvor da participação igualmente de portugueses, negros e índios na
nossa formação, não obstante a subserviência e o elogio à metrópole18.
Por seu lado, o próprio Portugal se achava muito preso à tradição
insular ibérica. Escritores que se prendem às manifestações literárias
Brasil Colonia — desde Anchieta, com obras em português, espanhol, i
guarani e latim, mas sobretudo os escritores do século XVII ao XVIII
uderam conhecer com certa intimidade os autores espanhóis e escre- im
17 V. Capisrrano de Abreu, op. cit. Da nossa parte, desenvolvemos mais longamente os problemas indicados em
A Literatura Brasileira — I — Manifestações Literárias do Período Colonial, cit. (qualquer edição, a partir da terceira).
18 As chamadas lutas ou revoltas nativistas, traduzindo uma reação interna de afirmação própria, começam com
as insurreições maranhense c pernambucana, que resultaram na expulsão dos holandeses, que como
invasores, de 1630 a 1634, dominaram a faixa litorânea de Pernambuco ao Maranhão; prosseguem com a
Revolta dos Beckman (1684), a Guerra dos Emboabas (1708), a Guerra dos Mascates (1710), a Inconfidência
Mineira (1789) e a Conjuração Baiana (1798). Quanto aos
também em espanhol, latim e português. Na verdade, o estudo das
ercussões do barroco literário no Brasil não pode ser feito apenas e
■tamente com relação a Portugal. Reconhecemos um barroco penin- ir
ibérico do qual derivam as nossas manifestações barrocas e através
|ual repetimos e incorporamos processos, atitudes e ideologias que nos
am no movimento barroco em geral. A própria arquitetura barroca e te
plástica correspondente, assim também a música, devem ser penis
dentro desse contexto mais arejado de interinfluéncias e coinciden- de
freqüéncias universais. Nesse caso, a Companhia de Jesus, com lito de
ação e unidade universais, mas sem prejuízo de adaptações e ¡tamentos
a cada povo ou nação e respectivo condicionamento, exer- sem dúvida
uma elevada função de irradiação e inter-relação.
Ainda mais, no século XVIII, com a aberturadas reformas do Mar- s
de Pombal, atingindo o sistema de censura, e o ensino em geral,
tacadamente a universidade, Portugal procurou reconquistar a sua
dização no universo intelectual europeu17. E o momento em que há or
freqiiência de brasileiros na Universidade de Coimbra e em que ins, à
semelhança de portugueses, viajam e estudam pela Inglaterra, liça e
Itália18. Como os portugueses, brasileiros também podem assi- ar
diretamente influências agora notadamente da Itália.
nitrou aspectos enumerados — temática americana etc. serão demonstrados no desenvolvimento leste livro.
/, noi.i I deste capítulo.
'rltu ipnlmrme pelo século XVIII, vários brasileiros se destacam na Universidade de Coimbra: os tltiitos
h.iriolomeu c Alexandre de Gusmão, José Joaquim da Cunha de A/eredo Coutinho, Antô- iio de Moines
Silva, Alves Maciel (ligado à Inconfidência Mineira), os irmãos Antônio Carlos e o« ItoiiiUi lo de Andrnda
c Silva, o l’c. Antônio Pereira de Sousa Caídas. As viagens destes dois
... ........ pi la l .uropa liália, França, Inglaterra - foram importantes para as repercussões pré-ro-
... ........ ........... no,
Ora, a perspectiva geral até aqui esboçada marca pelo menos quatro
pontos destacáveis: a persistencia, do século XVI ao XVIII, do modelo
português sobreposto e preponderante; a participação do modelo espanhol,
notadamente barroco e atenuador do primeiro, à medida que acentúa o
denominador comum do modelo cultural e intelectual ibérico; o papel da
Companhia de Jesus como uma instituição universal, cuja mis- s.ío
espiritual se estendeu fecundamente sobre nossa vida intelectual e artística;
e a influência italiana19. Certamente o núcleo, o pivô de giro comparativo, é
Portugal, mas também é certo que sua ação, embora preponderante e
restritiva, não foi exclusiva nem exclusivista. Tivemos assim outros fatores
atuantes e atenuantes, fundamentais no processo de diferenciação de uma
atividade interna do Brasil Colónia, a qual tem sido correntemente apenas
posta em confronto direto com os modelos portugueses dominantes.
Reinsistimos, contudo, que é o pivô, isto é, a geratriz portuguesa,
que possibilita a visão de conjunto e de unidade, a qual de outra ma-
%
ncira seria seccionada ou intermitente, fracionada. E é por isso, como
também pelas circunstâncias gerais de condicionamento acima indicadas,
que no estudo das manifestações literárias do Período Colonial não nos
preocupamos tanto com o debatido problema da delimitação de períodos
caracterizados por determinados estilos ou por movimentos culturais.
Devemos antes pensar no conjunto mais abrangente daquele período,
conforme com sua delimitação na história geral do Brasil20. É aí, nesse
espaço amplo e pouco informal, que devemos investigar freqiiên- ci.ts,
incidências e imitações dos modelos de determinados estilos, como de suas
poéticas, com relação à expressão de uma temática de dupla origem -
externa e interna. É assim uma maneira de dar abertura à visão das
transformações internas sob a constante da ideologia nativista, a partir do
século XVI.
19 Ainda é matéria para pesquisa e estudo a presença espanhola nas manifestações literárias do Brasil Colónia;
quanto à Companhia de Jesus, veja-se a obra monumental do Pe. Serafim leite. História da Companhia de Jesus
no Brasil, ed. cit., 10 vols., e o trabalho pioneiro de Paulo F. Santos, O Barroco e Jesuítico na Arquitetura do Brasili,
Rio de Janeiro, Kosmos, 1951 ; sobre o Arcadismo e a in- fluência italiana, além da obra fundamental de
Antonio Candido, Formação da Literatura Brasileira (Momentos Decisivos), São Paulo, Martins, 1959, 2 vols. (v. voi.
1, 1750-1836); v. o ensaio de Carla Inama, Metastasio e i Poeti Arcadi Brasiliani, São Paulo, Faculdade de Filosofia,
Ciências e Letras- USP, 1961.
20 Mais uma vez damos razão a José Veríssimo, cujas sugestões temos retomado. Em primeiro lugar, ele
reconhece aquela bidivisão abrangente já referida, com fundamento na nossa formação e trans- fiu inação
históricas - Período Colonial, Período Nacional; em segundo lugar, ressaltando a subor-
2. AÇÃO DOS INFLUXOS EXTERNOS E INTERNOS
Já demarcamos a cronologia do Período Colonial, de 1500/1600 ao
1800, ou melhor, até princípios do século XIX, englobando o processo da
Independência, de 1808 a 1822 e projetando-se ao advento do Romantismo
nos anos de 1830. E se Portugal é o seu núcleo irradiador, veículo
preponderante dos fatores externos e modelos, caso se insista — na
verdade com validade didática - na reperiodização do Período Colonial, é a
Literatura Portuguesa que servirá de referência básica comparativa para a
análise da frequência de estilos - temática e formal, sem falar na língua
dominante que é a mesma. Assim, a seqúência sabida - é melhor dizer
sucessão, sem prejuízo da visão das transformações - são Humanismo e
Classicismo renascentista no século XVI, Barroco e academicismo
historiográfico do século XVII ao XVIII; Arcadismo e Pré-romantismo da
segunda metade do século XVIII, no Brasil, simultaneamente com a
persistência do Barroco, mas invadindo o princípio do século XIX, para
atingir o Romantismo. E seria quase inadmissível qualquer esquema que,
mesmo didaticamente, se subordinasse à definição rígida de datas deli-
dinaçáo do Período Colonial à literatura de Portugal, não reconhece, por isto mesmo, a possibilidade de
divisão sistemática ou metódica para este período; mas, em terceiro lugar, referindo-se de início ao
Romantismo e à nossa “emancipação literária”, dá relevo ao fato de que “o sentimento que
0 pinmovcu e principalmente o distinguiu, o espírito nativista primeiro e o nacionalismo depois,
1 MC a veio formando desde as nossas primeiras manifestações literárias, sem que a vassalagem ao
prmaitncnto e ao espírito português lograsse abalá-lo”. É exatamente essa persistência no tempo e no espaço
de tal sentimento, manifestado literariamente, que dá à nossa literatura a unidade e lhe justifica a
autonomia (v. op. dt., pp. 5 e 1).
limadoras. Reconhecem-se, no conjunto, a freqiiência e a transformação: lu)
da prosa informativo-descritiva e da crónica histórica ou da literatura de
expansionismo e da dominação portuguesa; 2fi) da poesia épica e lírica; 3“)
da poesia dramática (teatro e verso); e 4U) de formas quinhentistas
ncomedievalistas e clássicas, formas barrocas e finalmente arcádicas,
neoclássicas e pré-românticas. As formas refletem, pois, embora superfi-
cialmente, princípios das poéticas clássica, barroca e neoclássica. Já os te-
mas, ao mesmo tempo que exprimem os modelos externos, são enxertados
pela inspiração interna, tanto no dominio da historia que se compõe do
Brasil Colonia, do descobrimento aos contatos e reações com o habitante
autóctone, quanto nas impressões da paisagem física e dos recursos
humanos. Geram, alimentam e se alimentam do prenúncio do “sentimento
íntimo” que então nasce e desabrocha, o chamado sentimento nativista.
Reflexões sobre poéticas dominantes e sentimento nativista são duas
coordenadas que possibilitam a configuração da unidade interna das
manifestações literárias do Período Colonial brasileiro. Dessa maneira,
%
fundamentam e esclarecem a identidade de que se revestirá a Literatura
Brasileira posterior.
Em suma, admitimos que a produção e a criação literária brasileiras,
como a nossa cultura, são ativadas por fatores designados como influxos
externos e internos21. Eles são atuantes desde os primeiros contatos e
transplantações que vêm dos momentos iniciais. Os influxos externos
constituem os modelos transpostos por vias diversas: lu) sutes vivamente
de fora para dentro, com a ação do colonizador, e também, mais tarde, com
a presença de intelectuais estrangeiros que nos visitam n determinados
momentos; 2a) pela assimilação de dentro para fora >r parte do brasileiro,
seja de formação intelectual realizada em Porral, excepcionalmenteem
outros centros universitários europeus, seja mbém por brasileiros de
formação em nosso meio, notadamente nas dens religiosas. Graças a esse
mecanismo transmissor, os influxos ex- rnos estimulam o receptor
constituído pelos influxos internos. Eles se ojetam até nós: a) através de
ideais humanísticos como também de nbições diversas, nos limites do
21 A nossa posição, embora se harmonize com a de Antonio Candido, na verdade é distinta, pois que,
esclarecendo perspectiva semelhante, ele fala em “visão interna’’ e “visão externa”, conforme o seu ensaio
“Introducción a la Literatura de Brasil”: “EI sentido y Ia importancia de una literatura se hallan
íntimamente ligadas a la visión interna y a la visión externa que la misma determina. Expliquemos tales
expresiones. Visión interna es la que poseen los escritores, críticos o lectores directamente interesados, com
mayor o menor consciencia del hecho literario. Visión externa es la que se constituye en la sociedad en
general, o en otros ramos de la cultura, o en la vaga opinión colectiva, c incluso en la aparición de leyendas
y mitos sobre los escritores” (Venezuela, Monte Ávila, 1968).
século XVI; b) através de elementos spersos da poética clássica, barroca,
neoclássica ou arcádica conjunta- ente com reflexos do Iluminismo e Pré-
romantismo, de fins do sécu- XVIII para princípios do século seguinte. As
manifestações nativistas riam geradas pelos influxos internos, uma vez
estimulados pelos ex- rnos em reações e respostas ao condicionamento
novo em que estes cidem, desde os primeiros colonizadores à sua
descendência mestiça, o manifestações nativistas que se transformarão no
nacionalismo do rulo XIX, simultaneamente com o indigenismo e o
indianismo tamul provenientes do Período Colonial, em marcha, para
chegarmos fílmente à brasilidade do Modernismo.
C A P I T U L O I I I
PRODUÇÃO INTELECTUAL DO PERÍODO COLONIAL -1
O SÉCULO XVI - As FUNDAÇÕES
%
I. As ORIGENS
Admitida como nosso primeiro documento literário, a Carta de Pero
Vaz de Caminha22, ela anuncia o princípio da interação dos influxos
externos com os internos. Noticia, à maneira de diário, a presença inicial e
impressões do futuro colonizador em terras do Brasil, “novamente des-
cobcrtas”. Sua proposta, inspirada pelo Humanismo e expansionismo
portugueses, reflete-se nos séculos seguintes, XVII e XVIII, sujeita a re-
jeições e conflitos. É o ponto de partida da prosa informativo-descritiva,
que prossegue compondo uma visão unitária e enriquecida pelos três sé-
22 V. Jaime Cortesão, A Carta de Pero Vaz de Caminha, com um estudo de..., Rio de Janeiro, Livro de Pnuu|(4l, 1943.
culos do Período Colonial. Das impressões dos descobridores, esta
literatura evolui, amplia o conhecimento da terra, relata governo, fatos,
acontecimentos. Acompanha o surgimento do “sentimento nativista”, de
.mlo-reconhecimento. Podemos dizer o mesmo da poesia, ainda que não
tenha sido tão ampla quanto a prosa. No século XVI, porém, as formas
poéticas cultivadas demonstrariam melhor os ideais humanísticos defen-
didos pela Companhia de Jesus.
Projeção de influxos externos, a prosa e a poesia a serem consideradas
no todo do Período Colonial, com as características universais de épocas,
de que são portadoras, passam sucessivamente do humanismo
quinhentista, ao Barroco, ao Arcadismo e ao Pré-romantismo. Sua unidade
entre nós residirá na progressiva ação dos influxos internos, reconhecível
no que podemos designar como “temática do colonizado”, sempre a
caminho da identidade.
Durante o século XVI, o espaço de observação e ação, gerando a
perspectiva acima delineada, restringe-se à faixa litorânea de Pernambuco
a São Vicente e até mesmo ao Paraná. Mas os centros urbanos que aí sc
implantam e se desenvolvem, como São Vicente, São Paulo, Rio de Janeiro,
principalmente Salvador, Recife e Olinda, a contar da expedição de Martim
Afonso de Sousa, 1530-1532, aos primeiros governos gerais, 1549 em diante,
só paulatinamente apresentarão condições propícias a atividades de vida
cultural e intelectual. Prendem-se a grandes destaques desse século: à
instituição do Governo Geral, com a pacificação de índios, e à expulsão de
invasores, à prosperidade do comércio de pau-brasil e da cultura da cana-
de-açúcar; à ação da catequese jesuítica e à criação de seus colégios em
Salvador, Olinda, São Paulo, Rio de Janeiro2. A obra de observação e
informação descritiva sugere nitidamente o processo de adaptação ou a
rejeição à integração do colonizador na terra. Indica-nos o princípio do
cumprimento de uma missão humanística de cristianiza- i,.io que passa à
responsabilidade principal da Companhia de Jesus, en-
! V, noia •) (lo capitulo II: “Definição do Período Colonial”.
quanto permaneciam com o colonizador os objetivos da exploração da terra,
sempre motivada pelos sonhos do eldorado ou pela ilusão ú0 pa- raíso”23.
Contudo, as duas posições, a primeira, sob o desprendimento do apostolado
jesuítico, a segunda, sob os impulsos da ambição, estavam destinadas a um
contínuo conflito de objetivos espirituais e de interesses materiais. Constitui
exceção um dos momentos — e inicial — dos mais expressivos e nobres da
colonização portuguesa, representado pela ação do terceiro Governo Geral, o
de Mem de Sá (1556-1570)24 25.
O século XVI foi por excelência de contatos, com implantações iniciais
de núcleos urbanos, sob um clima a ser disciplinado tanto em nível de
consolidação de conquista quanto de organização administrativa e ordem
espiritual, conforme a primeira carta que Nóbrega escreveu aos seus
superiores em Portugal. Só lentamente surgiriam condições favoráveis à
vida cultural e intelectual. Sem dúvida, elas requeriam concentração urbana,
que lhes fosse ao mesmo tempo condicionadora, transmissora e receptora.
Neste caso, os pontos de partida foram Salvador e, em fins do século, Recife
do governo de Jorge de Albuquerque Goelho3. Contudo, no decorrer desse
nosso primeiro século, destacadamente com os colégios dos jesuítas, é
possível identificar núcleos iniciais comportando atividades culturais e
intelectuais, principalmente em virtude da adoção do teatro como
instrumento pedagógico26. É o caso de Salvador, centro que,
i o Recôncavo Baiano, desde cedo se apresentou como convergente e Jiador
de observações . Foi aí que aportou o primeiro jesuíta, o Pe. mel da Nóbrega
23 V. Sérgio Buarque de Holanda, Visão do Paraíso - Os Motivos Edênicos no Descobrimento e Coloniza- fão do Brasil, 2. ed.
rev. e ampl., São Paulo, Cia. Ed. Nacional, 1969.
24 O Pe. José de Anchieta dedicar-lhe-ia um poema épico descritivo de seus feitos - De Gestis Mendi de Soa. Adiante
comentado, foi publicado na época, mas por longo tempo esquecido. V. nota 18, a seguir.
3, lodos os historiadores são unânimes em falar da prosperidade de Pernambuco no século XVl( atingindo com o
governo de Jorge de Albuquerque Coelho o gosto pela vida intelectual, ele mesrtio homem dado às letras (cf.
A. V. A. Sacramento Blacke, Dicionário Bibliográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1898, vol. 4,
pp. 259-260). V. Oliveira Lima, Pernambuco - Seu Desenvolvi. mento Histórico, Leipzig, F. A. Brockhaus, 1895.
(}, Trata-sc da literatura informativa ou descritiva da terra e do homem e da obra de Anchieta, a seguir apreciadas.
Sobre expansão geográfica, v. Basílio de Magalhães, Expansão Geográfica do Brasil Colonial 3. ed. cor. e amp„ Rio
de Janeiro, Epasa, 1944; Sérgio Buarque de Holanda e outros, História Geral da Civilização Brasileira -1 - A Época
Colonial ed. cit.
e a seguir o Pe. José de Anchieta, síntese representarlo nosso século XVI ao
tentar harmonizar o universo de origem do mizador com o universo
conquistado e a ser colonizado. E também
ii imeiros cronistas portugueses.
t PROSA INFORMATIVO-DESCRITIVA
Grande partedessa prosa informativo-descritiva, com traços de crô- i
histórica, é variante da literatura de viagens portuguesa, francesa e esa8. Para
nós, no seu todo, ela relata: a) informação sobre a terra e seu itante primitivo;
b) fatos e acontecimentos que compõem a história «Ionização; c) em
destaque, a obra da catequese desde a preparação e K ilação interna para
executá-la, oriunda da observação direta do meio ) estudo da cultura e
língua indígenas; d) as aventuras, impressões e •s invasoras de estrangeiros.
Comporta a divisão em quatro, com tra- omum de unidade, a saber, a visão
de um novo mundo freqiiente- ne deslumbrada, a curiosidade e mesmo a
atração do exótico, sob o IUISO da aventura. E são implícitos, mas sob
enfoques distintos, os reros eventuais da história. Assim, em a) e b) se situam
os cronistas por- jeses; em c), como também em b), os jesuítas; em d) e b), os
viajantes ’entureiros estrangeiros. O fato de essa literatura ter sido em parte
1 içada na época, em parte só bem mais tarde, do século XIX aos dias loje,
não faz diferença. E isso naturalmente do ponto de vista em que
I'. Gabriel Soares de Sousa, Tratado Descritivo do Brasil em 1587 (ou Noticia do Brasil), a seguir ferido.
nino uma das primeiras tentativas de sistematização informativa em geral, inclusive de viagens, que m icvc sobre o
Brasil de 1 SOO aos séculos XVIII-XJX, lembramos o estudo de Almir de Andrade, >i ma\wg+rn* ?**£ ̂ v'lcJi
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ui Inltlitl iln mm, da Carta de Caminha, de Io de maio de 1500, com “Adaptação à
..... ...... ..... , d, laime Cortesão, A Carta de Pero Vaz de Caminha, Lisboa, Imprensa
m,il/t 1,1 di Moeda, 1944, pp. 156-157.
Senhor:
Posto que o Capitão-mor desta vossa frota, e assim os outros capitães escrevam a Vossa
Alteza a nova do achamento desta vossa terra nova, que nesta navegação agora se achou, não
deixarei também de dar minha conta disso a Vossa Alteza, o melhor que eu puder, ainda que —
para o bem contar e falar -, o saiba fazer pior que todos.
Tome Vossa Alteza, porém, minha ignorância por boa vontade, e creia bem por certo que,
para alindar nem afear, não porei aqui mais do que aquilo que vi e me pareceu.
Da marinhagem e singraduras do caminho não darei aqui conta a Vossa Alteza, porque o
não saberei fazer, e os pilotos devem ter esse cuidado. Portanto, Senhor, do que hei-de falar
começo e digo:
A partida de Belém, como Vossa Alteza sabe, foi, segunda-feira, 9 de Março. Sábado, 14
do dito mês, entre as oito e as nove horas, nos achámos entre as Canárias?mais perto da Grã-
Canária, onde andámos todo aquele dia em calma, à vista delas, obra de três a quatro léguas. E
domingo, 22 do dito mês, às dez horas, pouco mais ou menos, houvemos vista das Ilhas de Cabo
Verde, ou melhor, da Ilha de S. Nicolau, segundo o dito Pêro Escolar, piloto.
Na noite seguinte, segunda-feira, ao amanhecer, se perdeu da frota Vasco de Ataíde com
sua nau, sem haver tempo forte nem contrário para que tal acontecesse. Fez o capitão suas
diligências para o achar, a uma e outra parte, mas não apareceu mais!
E assim seguimos nosso caminho, por este mar, de longo até que, terça-feira das Oitavas
de Páscoa, que foram vinte e um dias de Abril, estando da dita ilha obra de 660 ou 670 léguas,
segundo os pilotos diziam, topámos alguns sinais de terra, os quais eram muita quantidade de
ervas compridas, a que os mareantes chamam botelho, assim como outras a que dão o nome de
rabo-de-asno. E, quarta-feira seguinte, pela manhã topámos...
\s impressões de Caminha, podemos juntar as do Pe. José de An- ., desta
vez captadas na divisão da orla marítima com a selva a ser lidada. Não
menos ricas literária e lingüisticamente do que as pri- s, essas outras
impressões também em carta foram escritas em quando Anchieta, já
peregrino amoroso de nossas terras, andava
0 Paulo ao Paraná10. Para arquitetarmos a perspectiva do século as cartas
de ambos dão a medida inicial do que se escreveu nesta ria: a prosa
informativa dos cronistas portugueses e a poesia do pró- úichieta. Nos dois
casos, ressaltam-se preocupações, quando não sos, dirigidos para a
adequação a um novo condicionamento. Su-
1 mesmo a identificação com a terra por amor, depois que o coloni-
impostoa converte em “terra de eleição” e logo mais em “terra de nento”11.
Paralelo com o sentimento de repulsa, depois de frustra- esde que o amor
da terra começa a fermentar os germes do “senti- > pátrio” - com o sentido
de local de nascimento - motiva-se o mento nativista” e suas derivações. E
aquelas duas cartas se comple- omunicando-nos o deslumbramento inicial
do colonizador caúsala exuberância e pela promessa de riqueza da terra a
ser revelada e ísões e dificuldades da perspectiva do desbravamento.
«las obras dos cronistas portugueses que virão a seguir, desdobra-se tetído
das cartas, isto é, as impressões da terra e de seu habitante :ivo, relacionadas
com os objetivos do expansionismo, acrescidas de 5 de fatos da história da
colonização. A primeira dessas obras é o fim Leite S. J„ Cartas dos Primeiros Jesuítas do Brasil - III
(1558-1563), São Paulo, Comissão V Centenário da Cidade de São Paulo, 1958 - v. carta “Do Ir. José de Anchieta ao
Pe. Diego tes, Roma”, datada de São Vicente, 31 de maio de 1560, pp. 202-236 e “Apêndices - I - Traio Portuguesa
da Carta de Anchieta, de São Vicente, Último de Maio de 1560 (Carta 34)”, pp. (II. V. também vol. 2 (1553-1558),
lug. cit., 1957, outra carta, “Do Ir. José de Anchieta ao Pc. io de Loyola, Roma”, de São Paulo, 1* de setembro de
1554, pp. 83-118; e Carta (...) seguida iiinas (...), traduzidas do latim por João Vieira de Almeida, prefácio de
Augusto César de mda Azevedo, São Paulo, Casa Eclesiástica, 1900.
lomie conceito de nativismo, com base em Oliveira Lima, a ser exposto no capítulo VI, “A inibo da l Jnldade”; v.
também no último capítulo “A Unidade na continuidade e Suas Etapas”.
Diário da Navegação, de Pero Lopes de Sousa28. Além do que oferece de
interessante para o estudo da expedição de Martim Afonso de Sousa, re-
gistra impressões do litoral, de Pernambuco a São Vicente. E é talvez, diga-
se de passagem, a primeira manifestação da “obnubilação” do português ao
contemplar a mulher índia, compensação que se lhe oferecia pela
companheira de origem que permaneceria ausente29 30. Com Gandavo
28 Pero Lopes de Sousa (século XVI), Ditino da Navegação de... (1530-1532), Estudo crítico pelo comandante Eugênio
de Castro, prefácio de J. Capistrano de Abreu, 2. ed., Rio de Janeiro, Comissão Brasileira dos Centenários
Portugueses de 1940, s. d., 2 vols.
29 A expressão, seguida de adjetivo e por ele mesmo grifada - obnubilação brasílica -, provém de Araripe Jr., com
bastante fundamento, e lhe surgiu a partir de suas reflexões sobre o nosso século XVI, cujo estudo não pode
se subordinar aos mesmos métodos dos séculos seguintes. Assim é que, depois de propor sua teoria ou
orientação metodológica, a da “obnubilação brasílica”, efeito da “poderosa influência do ambiente
primitivo” no homem civilizado, atenuando-lhe “todas as camadas de hábitos que subordinavam” esse
homem à civilização, o crítico interroga: “Qual foi o sentimento que se gerou no português, logo que se
sentiu abandonado às suas próprias forças no solo americano?” “Qual a nova direção que tomaram as suas
tivemos a primeira tentativa sistematizada de descrição da terra, acentu-
ando o enfoque comparativo com as coisas distantes de além-mar, e tam-
bém o primeiro esboço da história do Brasil Colónia, do descobrimento ao
Governo GeraPL Com ele, o índio não é mais visto com a simpatia dos
autores anteriores, e se põe em dúvida o programa da cristianização. E em
fins do século XVI surge Gabriel Soares de Sousa, com a Notícia do Brasil31. É a
grande obra descritivo-informativa do século. Acentuando as intenções
orientadoras da colonização e de suas possibilidades, com ricas observações
sobre o habitante autóctone, é a mais completa e objeti-
faculdades estéticas, em consequência dessa queda psíquica, ou, para exprimir-me melhor, dessa regressão
ao tipo mental imediatamente inferior, por desagregação da placenta européia?” (v. “Literatura Brasileira”,
em Obra Crítica de Araripe Júnior -1- 1868-¡887, Rio de Janeiro, Casa de Rui Barbosa-MEC, 1958, pp. 489-497 (trechos
citados da p. 497).
30 Pero de Magalhães de Gandavo (século XVI), Tratado da Terra e Gente do Brasil, no qual se Contém a Infortnação das
Coisas que Há nestas Partes e História da Província de Santa Cruz, a que Vulgarmente Chamamos Brasil (ed. conjunta), Rio de
Janeiro, Publicação da Academia Brasileira de Letras, 1934; Tratado da Província do Brasil Rio de Janeiro,
Instituto Nacional do Livro-MEC, 1965 (ed. fac-similar e diplomática, com introdução e comentários de
Emmanuel Pereira Filho).
31 Gabriel Soares de Sousa (século XVI), Tratado Descritivo do Brasil em 1587, ed. de Francisco Adolfo Varnhagen, 3.
ed., São Paulo, Cia. Ed. Nacional, 1938 (Col. Brasiliana, 5. série, voi. 117) ou Noticia do Brasil ed. de Pirajá da
Silva, São Paulo, Martins, s. d., 2 vols.
c então se escreveu sobre o Brasil. Todas elas, no conjunto, somam ição,
informação e história. Distinguem-se, em confronto com ou- ontribuições:
primeiro, por se voltarem para a colonização portu- , de maneira a propor e
a orientar; segundo, por exprimirem rea- jã conllitivas internamente;
terceiro, por registrarem o avanço das formações do comportamento geral
do colonizador e do autóctone ido a dilatação da presença, mais do que isto,
a permanência do coador, que logo passaria a enfrentar a certeza da sua
fixação na terra » um lato incontornável.
é
MUI Eli, SOARES DE SOUSA
Capa de Notícia do Brasil, também
editada sob o título Tratado
Descritivo do Brasil em 1587. A
primeira edição foi da Academia
de Lisboa, 1825.
ria do Brasil
COMENTARIOS E NOTAS
DE
iKN. PIRAJA DA SILVA E EDELWEISS
EDIÇÃO PATROCINADA
PELO
JTO DE ASSUNTOS CULTURAIS DO M E C.
SAO PAULO-BRASIL
MCMLXXIV
A obra dos jesuítas. Não resta dúvida de que os jesuítas ampliam a obra
dos cronistas portugueses. Mas o que eles escrevem — consideremos os
padres Manuel da Nóbrega, José de Anchieta, Fernão Cardim - deve ser
visto como programa de uma instituição que se distingue com proce-
dimentos próprios. A obra deles documenta e esclarece objetivos e reali-
zações precipuos da Companhia de Jesus no Brasil: a catequese do gentio e
o ensino. Além do mais, os jesuítas tiveram um desempenho notável na
colonização. Em contínuo conflito com os interesses portugueses, projetam
uma imagem talvez a mais discutida do Período Colonial. Nos limites do
século XVI, o que eles escreveram visava essencialmente à informação e à
orientação ligadas ao seu programa humanístico em execução. Com
fundamento na observação da paisagem física e humana, feita de maneira
disciplinada ou orientada, a obra deles proporcionou o conhecimento dessa
paisagem, do indígena e das relações com ele estabelecidas pelos jesuítas e
colonizadores; deixou informações sobre a sociedade que aqui se
implantava desde os contatos iniciais do adventício com o autóctone;
também sobre a obra espiritual e as manifestações intelectuais, in-
tensificadas nos colégios da Companhia de Jesus. Tudo isso é registrado a
partir de 1549, ano da primeira carta de Nóbrega, precioso documento sobre
o caos moral e espiritual de Salvador por ocasião da chegada do primeiro
Governo Geral32. Prosseguem as indicações em cartas, relatórios,
“narrativas”, sermões, pesquisas e trabalhos lingiiísticos. Do ponto de vista
ideológico, não se pode compreender a passagem do indigenismo para o
indianismo sem o recurso dessa soma considerável de cartas, que aumen-
taria enquanto os jesuítas participaram da nossa formação33.
Cronistas estrangeiros. O terceiro grupo de escritores situados no sé- culo
XVI é representado por aventureiros ou viajantes estrangeiros: Hans
32 Serafim Leite S. )., Cartas dos Primeiros Jesuítas do Brasil - / (1538-1553), São Paulo, Comissão do IV Centenário da
Cidade de São Paulo, 1956, v. carta “Do Pe. Manuel da Nóbrega ao Pe. Simão Rodrigues, Lisboa", datada daBahia, 10 de abril de 1549, pp. 108-115.
33 V. Serafim Leite S. J., Cartas dos Primeiros Jesuítas do Brasil, ed. cit-, 3 vols.; Manuel da Nóbrega, Cartas do Brasil -
1549-1560, Rio de Janeiro, Academia Brasileira, 1931; Cartas Avulsas (1550- 1568), lug. cit., 1931; José de Anchieta,
Cartas, Informações, Fragmentos Históricos e Sermões (1554- 1594), lug. cit., 1933; Fernão Cardim, Tratados da Terra e Gente
do Brasil, 2. cd., São Paulo, Cia. Kd. Nacional, 1939 (introdução e notas de Batista Caetano, Capistrano de
Abreu e Rodolfo Garcia).
àh II IIJ I , Al t II >. Il lu ntnliinn nu n Rcnlnnn nmnvilAI
Staden, Anthony Knivet, Jean de Léry e André Thevet18, os dois últimos
ligados à invasão francesa do Rio de Janeiro — a França Antartica, de 1555.
Escreveram um misto de relato de aventuras trabalhadas pela imaginação,
de observação sobre a paisagem e o autóctone e de matéria de interesse
histórico. Admitimos que eles se apresentam, de origem, seduzidos pelo
amor ou pela atração do exótico, que então se generalizava pela Europa,
estimulando a aventura e o seu relato. Também é preciso levar em conta o
aguçamento das ambições européias pelos sucessos dos descobridores
espanhóis e portugueses, descortinando-lhes visão de riquezas. Por isso
mesmo, Portugal evitou o quanto possível a revelação das possibilidades de
sua conquista na América, impedindo mesmo os contatos livres do
estrangeiro. Mas, iniciada essa obra informativo-descritiva e histórica de
estrangeiros, quer tenha sido ela produto de curiosidade e observação de
aventureiros ou invasores durante o Período Colonial, deve ser relacionada
com outras escritas bem mais tarde, a partir de Dom João VI, produto de
missões culturais e científicas que se estendem pelo século XIX. Ambas se
converteram, sabidamente, em fonte preciosa dos estudos sobre o Brasil, do
antropológico, social e histórico ao naturalista, e até ofereceram matéria
para a inspiração literária. Elas se situam na bibliografia estrangeira sobre o
Brasil, mas, particularmente nos limites do século XVI, oferecem confronto
curioso e ilustrativo com as impressões dos cronistas portugueses.
IH. Citamos divulgação recente de suas obras: Hans Staden, Duas Viagem ao Brasil - Arrojadas Aventuras no século
XVI entre Antropófagos do Novo Mundo, trad. de Guiomar de Carvalho Franco, com introdução c notas de
Francisco de Assis de Carvalho Franco, São Paulo, Hans Staden, 1942; 11 André Thevet, Singularidades da
França Antártica, a que Outros Chamam de América, pref., h,id c notas do Prol'. Estêvão Pinto, São Paulo, Cia.
Ed. Nacional, 1944; Jean de Léry, Viagem à tersa do Brasil, trad. int. c notas de Sérgio Milliet, São Paulo,
Martins, 1941. V. nota 8 deste I ,l|llllllo
Cf. Be. Serafim Leite S. J.,
História da Companhia de /etui no
BrasiL, Lisboa/Rio ile Janeiro,
Portugalia/ Civilização
Brasileira, 1938. t. 2.
3. JOSÉ DE ANCHIETA
Figura síntese do nosso século XVI, o Padre José de Anchieta é mo-
delo de linguagem, de formas e de criações literárias então cultivadas entre
nós. Reflete, no que escreveu, a sua formação humanística. E escreveu
bastante: teatro em verso e formas livres e dialogadas de declamação
instrumento pedagógico da catequese; poesia épica; poesia religiosa. Jesuíta
e apóstolo, humanista, cronista, poeta e lingüista, a obra em prosa c verso
de Anchieta é paralelamente instrumento e reflexo dos objetivos da
cristianização do gentio, propostos pelo expansionismo decorrente da
descoberta e conquistas portuguesas que culminaram no século XVI. Mas
ele conta também criações independentes destes compromissos, traduzindo
acentuado misticismo, sobretudo naquelas em que expri-
mc sua devoção à Virgem Maria. E todas elas, sejam voltadas para a
catequese sejam de sentimento religioso, apresentam características e valor
literários indiscutíveis, apoiados na cultura latina e na tradição literária
proveniente da Idade Média, do Humanismo à Contra-Reforma19.
A obra considerada instrumento da catequese se reveste de duplo
aspecto: um predominantemente pedagógico, outro narrativo e impregnado
de louvor ao mandatário, mas somente o merecido e justo. Na experiência
declamatória, Anchieta evoluiu das formas mais simples para o teatro em
verso, quando se identifica com o modelo do auto de Gil Vicente,
proveniente da tradição medieval ligada à Igreja. Seus objetivos eram a
transmissão da fé e dos ensinamentos básicos da Igreja, como norma de
conduta, portanto, didáticos e pedagógicos. O que escrevia era para ser
declamado e representado, sendo que o principal elemento visado era o
índio já agrupado pela ação missionária. Pressupunha simplicidade de
linguagem e de estrutura, acessibilidade à compreensão rudimentar que
devia ser tanto do catecúmeno quanto da maioria do colonizador. Um e
outro, mais o elemento religioso, comporiam um público relativamente
heterogéneo, levando o apóstolo ao emprego de três a quatro línguas em
19. São as seguintes as principais edições das obras conhecidas - poesia, teatro (em verso) e prosa informativa c
histórica do Pe. José de Anchieta: Cartas, Informações, Fragmentos Históricos e Sermões (1554-1549), ed. cit.;
Arte de Gramática da Língua mais Usada na Costa do Brasil, Rio de Janeiro, Biblioteca Nacional do Rio de
Janeiro-Imprensa Nacional, 1933: Poema da Bem-aventurada Virgem Mãe de Deus Maria, ed. c trad. Pc. A.
Cardoso, Rio de Janeiro, Arquivo Nacional, 1940; Poesias, manuscriro do século XVI, cm português,
castelhano, latim e tupi, transcrição, traduções e notas de Maria de Lourdes de Paula Martins, São Paulo,
Comissão do IV Centenário da Cidade de São Paulo, 1954; Excelentíssimo singularisque fidei ac pietatis uiro
Mendo de Saa, Australis seu Brasilicae Indiae praesidi praestantissimo - Conimbricae apud Joatinen Aluarum
Typographum Hegiurn - MDLXIII (cf. comunicação leita por Luís de Matos ao II Coloquium Internacional
de Estudos Luso-brasileiros, São Paulo, set. 1954, sob o título “O Poema de Anchieta sobre os Feitos de Mcm
de Sá”); De Gestis Mendi de Saa, original acompanhado da tradução vernácula pelo Pe. Armando Cardoso, S.
I„ Rio de Janeiro, Arquivo Nacional, 1958 (v. reedição nas Obras Completas, São Paulo, 1970, vol. 1); Poemas
Eucarísticos e Outros - De Eucaristia et aliis - Poemata Varia - Obras ( ompletas, São Paulo, Loyola, 1975, vol. 2;
Teatro de Anchieta, originais acompanhados de tradução versificada, introdução e notas pelo Pe. Armando
Cardoso S. I., São Paulo, Loyola, 1977 (Obnu Completas, vol. 3). O quarto volume das Obras Completas é uma
reedição do Poema da Bem- aventurada Virgem Maria, Mãe de Deus (sic), originais latinos, trad. e introdução do
Pe. Armando (lardoso, S. L, São Paulo, Loyola-INL, 1980, 2 tomos.
AS FUNDAÇÕES: O I” PERIODO OU O PERIODO COLONIA!
suas peças: a língua geral (tupi-guarani), o português, o espanhol e o latim,
conforme o assunto e a origem da parte do público diretamente visada.
Conhecedor da psicologia, língua e valores indígenas, ele os exploraria
simultaneamente com a psicologia e valores do cristão. Inauguraria assim
uma forma literária sincrética que se acentuaria desde então na nossa
formação. Foi um ponto de partida, produto de ação estimulada pelo
Humanismo, pela riqueza espiritual, tolerância e compreensão da própria
condição humana, sob o respeito devido. Certamente, Anchieta teve cons-
ciência crítica do seu procedimento, de tal maneira a poder cultivar formas
literárias simples com linguagem adequada à rusticidade da sociedade que
aqui se esboçava nos contatos do colonizador com o autóctone. Mais do que
um ensaio, foi um exemplo do que deveria ser a nossa verdadeira e ideal
expressão literária, marcada de início pela diversificação de linguagem e
sincretismo temático diferenciadores de matrizes européias? Sem dúvida,
embora o exemplo não tenha prosseguido, o missionário- poeta lançava
sementessuficientes para se fazer iniciador-precursor. Podemos enfatizar
que a obra do dramaturgo, mais do que a restante, salvo o poema Dos Feitos
de Mem de Sá, caracteriza-se em síntese pela ativação da interação de cultura e
de civilização do adventício com a cultura autóctone, sob a bandeira da
colonização e da cristianização.
A poesia dramática de Anchieta amplia-se com a poesia épica, escrita
em latim, língua também escolhida para a poesia religiosa, ascética ou
mística, uma e outra exemplificativas do humanismo e do sentimento
religioso do catequisador. Tanto num caso como noutro, ele se desprende
do comprometimento com a catequese à medida que ela lhe exigia a
comunicação de acordo com o receptor. É o caso do poema épico referido,
que só recentemente a nossa história literária pôde conhecer para leitura,
Dos Feitos de Mem de Sá (De Gestis Mendi de Saa/0.
Escrito em latim e publicado no século XVI, não se tem notícia,
contudo, da repercussão desta obra até a sua redescoberta recente. Mas, 34
Poesías, de Anchieta.
à semelhança do que já observamos sobre a aceitação pela historia tanto do
editado quanto do inédito, considerados representativos das manifestações
do da cidade de são paulo
JOSE DE AKCHIF.TA, S J.
POESIAS
Msnjwnta Uu *4«. XVI. tm portuguto «»Ulhaoo.
Istlm « tupi. TranscrlQâo, tratioçíe* a notas
de
M. DE L. DE'PAULA MARTINS
são paulo
literárias do Período Colonial, o poema de Anchieta amplia o significado de
sua obra de dramaturgo e se impõe igualmente como visão literária dos
contatos iniciais de culturas e de interesses, os do colonizador com o
habitante subjugado da terra conquistada. F. expressão dos ideais
humanísticos que presidiram o expansionismo portugués. Para esta
temática correspondente aos momentos e procedimentos dos contatos
iniciáis - conquista, dominação e esforço de assimilação do autóctone pelo
adventício -, impunha-se novamente urna forma que lhe fosse adequada. 1
OUtro prenuncio de uma expressão literária, que se auto-identi-
mm
. ESCLARECENDO AS RAÍZES
m U I l U h l / ' / * % I ? / \ • , 1 I l D D Í A n n r\ I t f\ n c o f n n n m i r \ M I A l
Capa do Gestis Mendi de Saa, edição (3a.)
do Pe. Armando Cardoso, com
original em larim c tradução para o
português.
\
OBRAS COMPLE
Ji VOLUME
ficava, relativamente livre no seu ajustamento ao conteúdo descritivo e
épico que propunha a presença do europeu no Novo Mundo. Mas aguar-
demos outro passo em que consideraremos o poema de Anchieta sob este
aspecto formal e temático, já diferenciador, propondo a nossa poesia de
inspiração indianista, ou mesmo americanista. Porque de fato ele se an-
tecipava às transformações subsequentes do indigenismo/indianismo,
este, bem mais tarde, já no século XVIII, ainda representado pelo poema dc
Frei José de Santa Rita Durão - Caramuru, com ressalvas ao de José Basílio
da Gama - O Uraguai, talvez exceção apenas para o de Cláudio Manuel da
Costa - Vila Rica.
A produção informativo-descritiva e literária do século XVI marca s
origens do que continua a ser escrito nos séculos seguintes, XVII e (VIII.
Para os estudos específicos da história literária por essa época, ela los
testemunha o sentido do Humanismo que presidiu os princípios da
olonização. É principalmente a fonte que gera e alimenta constantes te-
náticas, freqiiência de atitudes e inspirações: 1“) a curiosidade e o lou- or
dos recursos e aspectos naturais da terra; 2U) a relação homem —► pai-
agem americana —> terra brasileira, que se traduz, de início, pelo amor la
terra com o oposto paralelo do seu repúdio, de qualquer forma de-
encadeando o processo da identificação. Em outras palavras, inspira o jue
se chamaria - expressão já consagrada - de “sentimento nativista”, ambém
alimentador de valores e legendas criados no decorrer da nossa ormação.
E desde a Carta de Caminha, amplia-se com outros cronistas Hirtugueses e
com os jesuítas a visão comparativa da terra feita sempre om as
persistências evocadoras de além-mar e multiplicam-se os relatos le leitos
e acontecimentos históricos. Neste caso, ressaltam-se progressi- 'amente: a
participação portuguesa e a indígena (a africana seria desta- :ada mais
tarde) e a intromissão dos invasores estrangeiros enquanto o ndio, objeto
de programas humanísticos, é defendido pelos jesuítas con- ra a intenção
escravagista.
Sob o aspecto entrevisto, o século XVI é o fundamento indispensável
para os estudos e compreensão das origens da formação da Literatura
Irasileira. Nos seus limites e inserido nos do Período Colonial, ele deve á
ser pensado em termos da rusticidade e da agressividade da natureza
•nfrentada e, não obstante os ideais de cristianização, dos interesses ma-
criais. Mas não se impede o desabrochar da sensibilidade, da consciên- ia
peculiar e da imaginativa que exprimirão mais tarde a realidade e o aráter
do brasileiro. Os modernistas de 1922 reconheceriam a impor- Altcia c o
significado de ir até ao século XVI em busca das origens. Sob •ssc aspecto,
lembremos manifestações e atitudes que eles rotulariam de
“Pau-brasil”, “Primitivismo”, “Verde-amarelismo”, enquanto reviam os cronistas
. ESCLARECENDO AS RAÍZES
m U I l U h l / ' / * % I ? / \ • , 1 I l D D Í A n n r\ I t f\ n c o f n n n m i r \ M I A l
seiscentistas e neles se inspiravam35.
Sempre tendo em vista as interpenetrações dos procedimentos do século
XVI, é também aí que tem origem a visão guerreira do índio, não obstante as
críticas que seriam feitas à sua condição selvagem. Seria o princípio da sua
exaltação épica. Novamente evocamos Anchieta: além do que ele documentaria
como realização e registro do programa humanístico e cristão; da legítima criação
literária representada por poesias e autos; da poesia religiosa que inaugura a
poesia de inspiração no culto da Virgem Maria, projetada até princípios do século
XIX; o seu poema épico inaugura o nosso indianismo literário, cujo estudo
também deve levar em conta os fundamentos que provêm das impressões,
observações e reflexões dos cronistas, de Caminha, ao Diálogo sobre a Conversão do
Gentio do Pe. Manuel da Nóbrega36, e à obra de Pero Lopes de Sousa. Estes e outros
vão da ingenuidade, sensualismo e simpatia, às observações objetivas e
35 V. Revista de Antropofagia, São Paulo, ano I, 1928, 10 números (corresponde à chamada l" dentição); e Revista de
Antropofagia (órgão do clube de Antropofagia), 2‘ dentição, página do Diário de S. Paulo, semanalmente, 1929, 15
números, de 1 jul. 1929 a 1 ago. 1929 (v. edição fac-simi- lar, São Paulo, Abril-Metal Leve, 1975, com introdução de
Augusto de Campos); Monteiro Lobato, O Primeiro Livro sobre o Brasil, sobre Hans Staden, de 1926, e que integra o
livro Na Antevéspera, e a adaptação para a literatura infantil da obra desse viajante sob o título de Hans Stadetr, v.
Oswald de Andrade, destacadamente alguns poemas de Pau-Brasil, c alguns manifestos modernistas: Gilberto
Mendonça Teles, Vanguarda Européia e Modernismo Brasileiro, apresentação e crítica dos principais manifestos
vanguardistas, 6. ed. rev. e ampl. com does., Petrópolis, Vozes, 1976; alêm de outras referências.
36 V. Padre Serafim Leite S. J., Cartas dos Primeiros Jesuítas do Brasil - II (1553-1558), ed. cit.: “Diálogo sobre a conversão do
gentio do Pe. Manuel da Nóbrega”, datada da Bahia, 1556-1557, pp. 317-345; em pequeno “Prefácio” ao texto, o Pe.
Serafim Leite observa e resume: “Este Diálogo, pelo gênero, ó o primeiro documento verdadeiramente literário escrito
no Brasil. Tema de missio- logia fundamental, a capacidade dos índios para se converterem. Os índios, não obstante a
antiga condição em que vivem e se criaram, são capazes de se converter: em direito, porque são homens; e, dc fato,
porque já muitos se converteram. Mas imporra criar novas condições, extrínsecas aos índios, aptasa facilitar a
conversão: umas, da parte dos missionários, que devem tender cada vez mais á perfeição dc evangelizadores; outras da
parre dos índios, com uma sujeição moderada. Com santidade de vida, atrairão de Deus a graça da conversão dos
Gentios; com a sujeição, facilita-se a reedu- cação dos adultos com a aprendizagem e prática da lei cristã, na medida do
possível (sempre foi difícil em todas as partes do mundo a conversão de adultos), e promove-se a educação cristã dos
filhos sob um regime de autoridade paterna” (pp. 317-318).
C A P Í T U L O I V
rragmáticas. Mostram-se preocupados com o convívio com o selvagem, :om
a obra da catequese, além do conhecimento da terra a ser explorada. >.10 posições,
de colonizadores e jesuítas, conflitivas, que se tornarão fre- jücntes por quase toda
a história do Período Colonial, culminando, lite- ariamente, com o poema de José
Basilio da Gama - O Uraguai.
Do final do século XVI e princípios do seguinte, com a prosperida- 1c de
Pernambuco, aponta-se Recife como o primeiro centro urbano a ,'omportar nos
seus limites certa efervescência intelectual23. Continua a ucessão indicada de
centros idênticos no Período Colonial, precedidos ror Salvador. Em Pernambuco, a
nossa tradição histórica destaca Bento Peixeira, a rigor projeção do Quinhentismo
sob o modelo camoniano, lorém medíocre.
' I mu iimiim, ciiamiu, não obstante o toque de bairrismo: Aníbal Fernandes, Pernambuco, Berço da I ilrntlUM Hnuihira, Recife,
1953 (texto mimeografado).
PRODUÇÃO INTELECTUAL DO PERÍODO COLONIAL - II SÉCULOS XVII-XVIII -
PRESENÇA DO BARROCO
1. PRIMEIRAS REFLEXÕES SOBRE POÉTICA1
A incorporação de normas poéticas importadas contribuiu para a
formação da consciência crítica da Literatura Brasileira. Estimulou a nossa
inspiração própria e aquele “sentimento íntimo” de que falaria logo mais
Machado de Assis, e recentemente José Lins do Rego, que não fosse
simplesmente a “cor local”, a exaltação da natureza, a sensualidade e o
patriotismo37 38.
Podemos rastrear reflexões teóricas e posições polêmicas de poetas,
37 V. “Advertência" em apêndice no capítulo I, “Conceito de Literatura Brasileira".
38 Machado de Assis (Joaquim Maria), Crítica Literária, Rio de Janeiro, Jackson, 1955, p. 135- Nos nossos dias, José
Lins do Rego escreveria em um de seus comentários críticos reunidos em Bota de Sete Léguas (Rio de Janeiro, A
Noite, 1952, p. 195): “(...] Para Eliot os maiores poetas, aqueles que têm uma importância internacional ou
universal, são todos locais. Porque quanto mais são eles da
C A P Í T U L O I V
mancistas, ensaístas, críticos militantes - sem falar nos pesquisadores,
ógrafos e historiadores - através de prefácios, artigos e ensaios divulgais
em livros, revistas e jornais. Correspondem, no Período Colonial, às
anifcstações do Barroco, do Neoclassicismo e Pré-romantismo, ampli- rt-sc
no século XIX, com o Romantismo principalmente, e assim pros- guem com
o Modernismo. Esboçaremos o roteiro dessa seqiiência, à edida que se
processam as transformações históricas nos espaços indi- dos e de maneira
a delineá-la como uma das coordenadas de unidade i Literatura Brasileira.
* * *
Do período colonial a princípios do século XIX, é possível reconhe- r
reflexões sobre poética e orientação crítica, mesmo que sob a dependida
preponderante das posições externas. Provenientes de Portugal »Ionizador,
da Espanha e da Itália, apóiam-se em princípios, às vezes dtos, das “artes
poéticas” de origem clássica e se relacionam com o ccenatismo literário.
Reconhecemo-las em alguns autores, a rigor iso- dos no nosso espaço
geográfico: Bento Teixeira, Manuel Botelho de 'liveira, Domingos do Loreto
Couto, Cláudio Manuel da Costa, Ma- jel Inácio da Silva Alvarenga, José
Basilio da Gama, em participantes a “movimento academicista” e em
poetas dos antecedentes imediatos do omantismo, neoclássicos, do
primeiro quartel do século XIX.
Bento Teixeira. Entrevemos na obra de Bento Teixeira - o poemeto
rosopopéia (1601) — uma referência à Arte Poética de Horácio e crítica
terra natal, de seu povo, de sua língua nacional, mais são eles poetas eternos [...] E Eliot conclui: O lato é que um
poeta, se ele não é um grande poeta cm seu país, não será grande poeta em parte nenhuma”. Acresccnte-se, ainda
de José Lins do Rego, a propósito de Charles Vildrac e a discussão, na França, em torno do romance proletário:
“Vildrac, no entanto, insurgiu-se contra o evangelismo de Itarbussc para afirmar que a arte vai mais além da
pátria ou da classe (...) tudo que lhe revele qualquer coisa do mundo é obra que fica, pouco lhe importando o
local ou a qualidade das criaturas cvoi.idas, desde que a evocação seja autêntica e que comova. Assim, tudo que
sai do povo é vivo e palpitante e i arrega a seiva que vem das entranhas da terra e da gente” (v. Homens, Seres e
Coisas, Rio d. laurirn, MEC Serviço de Documentação, 1952, pp. 42-43).
ao estilo mitológico, não obstante a tentativa que ele mesmo fez de trans-
plantação do universo mitológico para a paisagem americana. Ressalte-se
também o caráter encomiástico do poemeto, dedicado a um nobre pode-
roso e escrito em seu louvor, procedimento geral, corrente por muito
tempo, mas contestado a certa altura.
O preceito horaciano aconselhava que, antes do desenho definitivo, o
poeta fizesse uni debuxo, escrevesse um rascunho, para depois refazê- lo
lentamente39. Admitimos que Bento Teixeira encontrava um apoio, embora
desvirtuasse seu verdadeiro sentido, para justificar a irregularidade, as
insuficiências e o caráter de obra inacabada, que é a Prosopopéia. Com
semelhante justificativa que se lê no prólogo e mais de uma vez no contexto
do poemeto40, evidencia-se uma formação literária falha, embora o poeta se
comprometa com o clássico, tanto pelo modelo camoniano, que
pretensiosamente corrige, quanto por contradição. Considera a mitologia
um “vão estudo”, opõe os deuses mitológicos ao Deus do cristianismo41,
mas termina adotando o estilo mitológico, ao atribuir a Proteu a
%
função de narrador dos acontecimentos perante uma assembleia de deuses
situada em recifes de Pernambuco. Poderíamos a propósito levantar a
hipótese da relação desta atitude com a condição de cristão novo, de Bento
Teixeira42. De qualquer forma, ele se antecipava à posição de princípios do
século XIX, com Frei Francisco de S. Carlos e logo depois à de Gonçalves de
Magalhães, quer dizer, de repúdio ao estilo mitológico.
Posições barrocas. O que pode aproximar o poeta seguinte, Manuel
Botelho de Oliveira (século XVII ao XVIII) de seu antecessor Bento Teixeira
é a preocupação com certos preceitos poéticos e com os compromissos
encomiásticos que ambos assumem. Porque, não resta dúvida, as idades de
39 Bento Teixeira, Prosopopéia, ed. cit. da Academia Brasileira, p. 22; e v. nota 15, a seguir.
40 Idem, pp. 22-23.
41 Idem, p. 27.
42 V. J. Galante de Sousa, Em torno do Poeta Bento Teixeira, São Paulo, IEB-USP, 1972; e Luís Roberto Alves,
Confissão, Poesia e Inquisição, dissertação de mestrado no Departamento de Lingüística c Letras Orientais,
USP, texto datilografado, 1977.
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Manuel Botelho de Oliveira são superiores. Ele foi porta- de pensamento
crítico importante sobre o estilo dominante, o Bar- i, conjuntamente com a
consciência de sua posição na atividade lite- i que se esboçava no Brasil. Na
dedicatória da Música do Parnasso )S), dirigida a um nobre da época, Dom
Nuno Alvares Pereira de o, Duque de Cadaval, e no “Prólogo ao Leitor”
está bem definido o cdimento indicado7. E isso sem contar com o contexto
da obra, npanhada de duas comédias — “Hay Amigo para Amigo e Amor,
años y Celos” —, escritas de acordo com o modelo da “Comedia /a", dado
por Lope de Vega8.
Manuel Botelho de Oliveira principia com um rápido esboçodas ¡situdes
da poesia: desde a Grécia com Homero, Roma antiga com ;ílio e Ovídio, até
a Itália com Tasso e Marino. Também a Espanha Lope de Vega e “o culto
Gôngora”, merecedor de “extravagante es- ição”, e Portugal com Camões,
Jorge Monte-Maior e Gabriel Pe- i de Castro. Evidenciam-se fontes ou
modelos preferidos. O poeta aproxima desses antecedentes, observando
que a “inculta habitação gamente de Bárbaros índios”, onde “mal se podia
esperar que as as se fizessem Brasileiras”, contava já em princípios do
século XVIII muitos poetas que imitavam os da Itália e Espanha. Manifesta
cônscia crítica que leva a reconhecer no Brasil - barroco e academicista
éculo XVII para o XVIII - condições de cultivar a literatura. Tan- ¡sim que
ele mesmo diz ter resolvido divulgar a sua obra “para ao os ser o primeiro
filho do Brasil, que faça pública a suavidade do •o Declaração que nos
remete ao problema da nacíonalida-
ívil do escritor, antecipando discussões do século XIX, voltada para
Manuel Botelho de Oliveira, Música do Parnasso - A Ilha de Maré, Academia Brasileira, pp. 49- (deilii .uória ao
Excelentíssimo Senhor D. Nuno Alvares Pereira de Melo, Duque de Cadaval) e 57 NH ("Prólogo ao Leitor”).
laipc d llm de ( Xivcira, op. cit., p. 51.
o critério de levantamento de autores e obras dos três séculos do Brasil
Colonia43 44.
Quanto à atitude encomiástica - em Manuel Botelho de Oliveira mais
do que em Bento Teixeira —, não foi somente expressão de servilismo, vi-
sava também a afugentar detratores da obra, preservando-lhe o valor:
[...] Por isso encolhido em minha desconfiança, e temeroso de minha insuficiência, me
pareceu logo preciso valer-me de algum Herói, que me alentasse em tão justo temor, e me
segurasse em tão racionável receio, para que nem a obra fosse alvo de calúnias, nem seu autor
despojo de Zoilos, cuja malícia costuma tiranizar a ambos, mais por impulso da inveja que por
arbítrio da razão para segurança pois destes perigos solicito o amparo de Vossa Excelência, em
quem venero relevantes prerrogativas para semelhante patrocínio; [...]1 ’.
E ninguém em pleno absolutismo ousaria desmerecer o que se fazia
digno de nome poderoso.
No “Prólogo ao Leitor” da Música do Parnasso, o autor dá conta do
conceito então vigente dç valorização formal da poesia, que ele definia
como “um canto Poético, ligando-se às vozes com certas medidas para
consonâncias do metro”45. A parte temática, em certo sentido, era um
denominador comum, universal. Portanto, continha-se a inspiração, a
experiência pessoal reduzia-se a uma expressão metafórica generalizada. Se
a essa temática, um tanto estereotipada, ele acrescentava outros “vários
assuntos”46, e escrevia em quatro línguas, era porque visava ao des-
43 José Veríssimo, ao colocar o problema da “nacionalidade literária”, prende-se a três critérios: primeiro, o da
distinção entre o Período Colonial e o Período Nacional, este, da Independência em dianre; segundo, o do
nascimento, que não se dissocia do sentimento nacional correspondente, donde excluir todos os
estrangeiros que aqui exerceram atividade literária; e, terceiro, relacionando o primeiro com o segundo
critério, a afirmação seguinte, referindo-se naturalmente à Literatura Brasileira: “No seu primeiro período
ela é a dos escritores portugueses nascidos no Brasil, no segundo dos escritores brasileiros de nascimento e
atividade literária” (op. cit., pp. 15-16). Mas o problema vem desde princípios do século XIX para atingir
Sílvio Romero e o citado José Veríssimo, dos quais se projeta ainda nos nossos dias, conforme veremos no
momento oportuno.
44 Manuel Botelho de Oliveira, op. cit., p. 51.
45 Idem, p. 57.
46 Idem, p. 57-58, onde se Ic: “!...] No princípio celebra-se uma dama com o nome de Anarda, estilo antigo de
alguns Poetas, porque melhor se exprimem os afetos amorosos com experiências próprias:
[ U S I C A
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Italianas, & Latinas.
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F F E R E G I D A
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Pàgina de rosto de A Mùsica do
Parnaso.
o, ao mesmo tempo que demonstrava “a notícia, que tinha de toda esia”, e
porque desejava que se estimasse a sua obra “quando não ■ pela elegância
dos conceitos, ao menos pela multiplicidade das lín- "M. Também, ao anexar
duas comedias à Música do Parnasso, pre- ia “que participasse este livro de
toda a composição poética”. Re- irma-se a compreensão
predominantemente formal ou a importância irtim porque não parecesse fastidioso o
objeto, se agregaram ourras Rimas a vários assuntos: e as- n como a natureza se preza da variedade para a
formosura das cousas criadas, assim também o irndímrnto a deseja, para tirar o tédio da lição dos livros”.
'rm. pp, S7-SB.
que então se dava à estrutura da composição literária. São normas e ati-
tudes próprias do estilo a que se prende, o Barroco, e dos modelos se-
guidos. Sob esse aspecto o poeta adquire relevo em sua época: demonstra
em primeira mão, com reflexões de valor crítico e realização, um aspecto da
poesia barroca, a ser relacionada com a que foi executada nas academias do
século XVIII.
2. POETAS SEISCENTISTAS
Bento Teixeira, de fins do século XVI para princípios do seguinte, em
Recife, é uma figura isolada e não pode ser considerada precursora ou
iniciadora, em detrimento da importância de Anchieta. Conforme vimos,
seu objetivo foi homenagear o segundo donatário da capitania de
Pernambuco, Jorge de Albuquerque Coelho, homem também dado à vida
intelectual, contemporâneo do poeta. Mas a ação administrativa e a
pacificação de lutas entre colonizadores e índios da parte do homenageado
e louvado ainda eram matéria insuficiente para as intenções do poeta47. Ele,
contudo, pode ser apontado como nossa primeira expressão literária de
influência camoniana, no verso, na estrofação, nas soluções mitológicas e
do maravilhoso da poesia épica, embora sem grandeza e sob uma
estruturação irregular e inconsistente. Foi assim mesmo o primeiro a
documentar a influência clássica quinhentista, além das veleidades críticas
já referidas. De qualquer maneira, ele se insere na história literária em
posição retomada pela poesia do movimento academicista e também por
árcades ou neoclássicos.
Salvador, por sua vez, amplia as condições de atividades literárias, em
que se destacam, neste século XVII, entre outros, Gregorio de Matos e
47 Bento Teixeira, Prosopopéia, reprodução fiel da edição de 1601 segundo o exemplar existente na Biblioteca
Nacional e Pública do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Tipografia Imperial Instituto Artístico, 1873 (ed. de
Ramiz Galvão); “Bento Teixeira Pinto [...] e a Prosopopéia , Revista de História de Pernambuco, Recife, ano I,
agosto de 1927, n. 1 ; Prosopopéia, Rio de Janeiro, Academia Brasileira, 1923 (sobre o problema
biobibliográfico que envolve o poeta e sua obra, v. J. Galante de Sousa, Em torno do Poeta Bento Teixeira, São
Paulo, Instituto de Estudos Brasileiros-USP, 1972).
iiicrra, Manuel Botelho de Oliveira e Frei Manuel de Santa Maria aparica,
além da oratória religiosa e do academicismo que então princi- ia. Mas não
podemos pensar em grupo literário. Eles atuam quase que ncessiva e
isoladamente, destacando-se Gregório de Matos a ser conside- ido figura-
síntese do seu século, ao lado do Pe. Antônio Vieira, prosador.
Manuel Botelho de Oliveira apresenta-se com uma dupla impor- Incia:
a das preocupações poéticassobre aspectos formais da poesia da poca, já
ressaltada; e a do ajustamento de linguagem cultista à expresso nativista,
independentemente da temática barroca. O nativismo des- ritivo do poeta,
exaltando e louvando as coisas da terra e a natureza, ncontra antecedentes
na prosa informativo-descritiva. O traço de sen- ualidade nele se excede por
força do estilo literário a que se prende. Lpresenta nesse sentido a
composição “Silva à Ilha de Maré”, responsá- el pelo renome do poeta e até
em detrimento do restante da sua obra, nde melhor reconhecemos
compromissos barrocos: a fugacidade dos entimentos e da beleza ou a
transitoriedade da vida e a exploração de ímbolos como o da rosa,
expressos com acentuada habilidade formal em |uatro línguas - português,
espanhol, italiano e latim. Acrescentem-se quelas duas comédias em
espanhol16, sob o modelo da “comedia nueva” le Lope de Vega, ampliando
a influência literária espanhola entre nós, i remarcável na obra de Gregório
de Matos. Completa-se sua expres- ão barroca com a inspiração religiosa
das composições até há pouco iné- litas sob o título de Sacra. Itaparica
seguiria igualmente a linha de poe- ia de sentimento e de inspiração
religiosa, escrevendo o poema sobre a ida de Santo Eustáquio, ao qual se
juntou também uma silva descriti-
6. Mainici Botelho de Oliveira, Música do Pamasso - A Ilha de Maré. Rio de Janeiro, Academia Brasileira
(reproduz apenas as poesias em português da 1. ed. de 1705); Música do Pamasso, Rio de Janeiro, Instituto
Nacional do Livro-MEC, 1953, 2 tomos, prefácio e organização do texto por Antenor Nascente. A edição
prínceps, em um só volume, traz como título completo: Música do Pai nano/ dividida em quatro coros/ de rimas/
Portuguesas, Castelha/ nas, Italianas, & Latinas/ Com ieu deu,mie comico reduzi/do em duas Comédias,/ oferecida!
[etc.]. São títulos das comédias, escritas i in espanhol! I lay Amigo para Amigo” e “Amor, Engafios, y Celos”.
De publicação recente é Lyra Sa, hi, San I 'nulo, c2¿¿b.
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Capa de um dos
apócrifos do poeta.
Portugal, como são do barroco hispánico e do Brasil. Mas é o primeiro
quem nos exemplifica modelarmente não apenas a sobreposição, também o
início da interação dos fluxos inspiradores de fora para dentro do contexto
da sociedade colonial, como Anchieta havia pressentido no sé- culo XVI.
Nesse caso, pesa consideravelmente a linguagem do poeta satírico. Na
linha de crítica social, caminha do improviso à elaboração literária, da
originalidade à paráfrase e verdadeira tradução livre de Quevedo ajustada
ao contexto social baiano. Em muitos casos, ressalta as formas flexíveis com
versos de fácil dicção em relação com o contexto inspirador e receptor.
Crítica aguda e desnuda, atinge o reinol, o “brasileiro”, brancos, negros e
mulatos, o clero como os mandatários, nivelando-os sem distinção,
anulando assim fatores de complexos que os “brasileiros” alimentavam -
como não obstante continuariam a alimentar - exaltações do nativismo
descritivo e louvores às autoridades. Também exprimiria as frustrações e
revoltas do homem, isto é, dele Gregorio de Matos, que não se readaptou
ao meio de origem, num processo de desajustamento que atinge as raias do
seu famigerado desregramento. De qualquer forma, chegaria a sofrer, por
um lado, a reação punitiva da autoridade colonial, em virtude da rebeldia
emancipadora - às avessas - de e contra uma sociedade que idealizaria
diferentemente. Por outro lado, o poeta acentuava a força, a elevação e a
beleza do lirismo amoroso e religioso. Expresso em formas já consagradas
da poesia portuguesa, a partir do soneto camoniano, traduziria, no
tratamento temático, os procedimentos barrocos: instabilidade e
transitoriedade dos valores e desejos humanos; reconhecimento, nos limites
da existência material, da supremacia de exigências e solicitações da
condição humana, mas sob a esperança da bem-aventurança no reino
espiritual, além morte; em suma, a confiança que o homem alimentaria,
mergulhado assim nas suas fraquezas, de ser redimido pela bênção e pelo
perdão incansavelmente concedido pela infinita compreensão, bondade e
tolerância de um Deus, que complacentemente o assistia aqui e o
aguardava em seu seio. O satírico que2. Ainda Monteiro
0 bato ou de Euclides da Cunha e Graça Aranha à Revista do Brasil. 3. Vanguar- /( europêias.
vil O MODERNISMO As PROCLAMAÇÕES DOS ANOS 20/30. l. Limites do Iodei ninini I h
lotos d.is proclamações modernistas, grupos e revistas; Os ma- ilrsios ■ I dotiiiMI.I,,ao.
Nacionalismo, regionalismo, brasilidade. Mário de mhadi i "hiasilidadc”; Um esclarecimento
de Tristão de Ataíde; Gilberto cvrc c o regionalismo ilo Congresso de 1926.
VIII PRI )i HJÇAO LITERARIA DO MODERNISMO - A FASE HERÓICA: 1“) A POE- A.
I. A poética modernista em Mário de Andrade. 2. Mário de Andrade e a poética •monstrada. 3.
Manuel Bandeira - sob o signo da infância. 4. Oswald de Andrade: tu Brasil ou brasilidadét Raul
Bopp. Ascenso Ferreira. 5. “O verdeamarelismo"— assiano Ricardo e Menotti Del
Picchia. 6. Ainda entre o tradicional e o moder- ismtr. Guilherme de Almeida, Ronald de
Carvalho e Rui Ribeiro Couto. 7. O •upo de Festa - Tasso da Silveira, Cecília Meireles e
outros. 8. Continuadores.
IX - PRODUÇÃO LITERARIA DO MODERNISMO - A FASE HERÓICA: 2e) A PROSA
1 FlCÇAo. 1. O grupo paulista nos anos 20: Oswald de Andrade, Antônio de li .lniara
Machado, Plínio Salgado, Mário de Andrade..2. Memória, poesia e feto em Jorge de Lima. 3.
Ainda regionalistas anteriores a 22.
\ Pm >nu
terra1 com a presença do colonizador. Será revigorada pelo pensamento
u ■!se degrada com o meio social, ao
mesmo tempo que o critica, e o lírico que se reabilita espiritualmente
marcariam, portanto, com fundamento na conduta pessoal e na formação
intelectual, o dualismo contraditório que caracterizaria a personalidade e a
obra literária de Gregorio de Matos. Acrescente-se- Ihc o que representa
reação ao nativismo, e se justifica que ele seja distinguido como figura-
síntese do nosso século XVII.
3. A ORATÓRIA RELIGIOSA
É de relativa fortuna, com acentuada importância nos três séculos da
nossa formação colonial, dado o papel que a Igreja representou neste
período, destacadamente a Companhia de Jesus, a contar de Anchieta.
Sendo então a oratória religiosa ou o púlpito católico um dos veículos mais
combativos e de grande poder de irradiação e influência, desenvolveu-se,
na própria Companhia de Jesus, uma teoria da parenética jesuítica, da qual
o Pe. Antônio Vieira seria, no século XVII, não só o seu principal expositor
em língua portuguesa como igualmente o seu maior modelo. Nesse
contexto, a ação do jesuíta-missionário, no Brasil, do político-diplomata na
Corte portuguesa e além-fronteiras - considere-se a sua posição na questão
do domínio holandês no Brasil —, defensor dos cristãos- novos e vítima da
Inquisição, confunde-se com a obra do pregador e do missivista19. E ainda
teve tempo suficiente para o aprimoramento das suas qualidades literárias
- estilísticas e retóricas, sob a cerrada lógica do conceptismo barroco. Esse
envolvimento com o momento nos limites duplos ou múltiplos de seu
campo de ação - Brasil, Portugal e outros países da Europa - se fez em
função da sua formação e do compromisso com a Companhia de Jesus,
voltados para objetivos universais da Igreja. Por tudo isso, o Pe. Antônio
Vieira, enquanto jesuíta é ao mesmo tempo o exemplo mais significativo e
evidente de escritor que se reparte e o é
I'1 I'' AncAnlo Vieira, Sermões, reprodução fac-similada, organizada pelo Pe. Augusto Mague, São Piiulu, Aiulmt.i
(1943-1945) e Cartas, coordenadas e anotadas por J. Lúcio d’Azevedo, Coimbra, Imph nvi d.i Universidade.
1925, 1928, 1928, 3 vols.
Cf. Serafim Leite, História da
Companhia de Jesus no Brasil[ Rio de
Janeiro/Lisboa, INL/ 1’ortugalia,
1943, t. 4.
indistintamente de
Portugal, do Brasil
Colónia e da
Companhia de Jesus,
com a particularidade
de ser um clássico da
língua portuguesa.
Como pregador,
modelo da oratória
conceptista, irradia sua
influência e exige
confronto com outros
pregadores do século
XVII ao XVIII no Brasil
Colónia, notadamente
da sua época, com Frei Eusébio de Matos, na Bahia, e o Pe. Antônio de Sá,
no Rio de Janeiro. Mas o clássico da língua se projetaria mais longe. Depois
do período romântico — quando, entre nós, um Frei Francisco de Monte-
Alverne, como este mesmo o confessa, buscaria modelos franceses50 -, o Pe.
Antônio Vieira atingirá o último
50 V. Fr. Francisco de Monte Alverne, Obras Oratórias, nova edição, Rio de Janeiro, Garnier, s. d., 2 tomos. No
“Discurso Preliminar” (t. I, pp. V-XX), observa Monte Alverne: “[...] entregando-se i
dos nossos grandes oradores, Rui Barbosa, de reconhecido nível literário,
ostensivamente preocupado com a pureza da língua.
4. Os CRONISTAS
São exemplos três figuras de prosadores de princípios do século XVII:
Ambrosio Fernandes Brandão, em Pernambuco; Frei Vicente do Salvador,
na Bahia; e o Pe. Simão de Vasconcelos, da Companhia de Je- sus. Ainda
ligada a Pernambuco há a crónica da dominação holandesa.
O primeiro, autor admitido dos Diálogos das Grandezas do Brasil, ileixou
sua obra inédita21. Escreveu-a em forma dialogada, cujos interlocutores
representam: um, o português fixado na terra, conhecedor dela, de suas
possibilidades, do comportamento do colonizador com seus interesses
imediatistas de exploração; o outro, portador da curiosidade do recém-
chegado, comenta e, direta ou indiretamente, também critica o pro-
cedimento do colonizador que, mal fixado na terra, não sabe ou não quer
iproveitar os recursos naturais de sobrevivência e bem-estar que ela lhe
proporciona. Procedem, comparativamente com as coisas de Portugal ou
.la Europa, exaltando as de cá. E o ponto de partida de suas observações
reflete mesmo uma visão profética:
...) um astrólogo [diz o primeiro interlocutor, Brandônio] achara que a terra nova- ncnte
descoberta havia de ser uma opulenta província, refugio e abrigo da gente por- uguesa...
cultura da eloquência, o jovem orador brasileiro era condenado a ficar na obscuridade, estudando os
oradores portugueses, cujos sermonários eram comuns entre nós; ou procurar na leitura dos pregadores
franceses as inspirações, de que carecia para ilustrar o seu espírito, e abrilhantar seus discursos. Havia
porém neste estudo um grande inconveniente; c era a corrupção da língua portuguesa. I i i preciso
responder à glória, que nos chamava; era possível abnegar os pundunores do amor-pró- prio; convinha
ceder ao nosso entusiasmo. Não havia tempo para ler Freire de Andrade, estudar F. 1 uís de Sousa, c o Padre
Antônio Vieira” (p. XII).
11 Anthiósio Fernandcs Brandão (séculos XVI-XV11), Diálogos das Grandezas do Brasil, 2. ed. inte- gl il M gundo o
apógrafo de Leiden, aumentada por José Antônio Gonsalves de Mello, Recife, Im- piensa Universitária,
1966, pp. 11-12. (Sobre o problema de autoria que envolve essa obra, v. I I ii In > di is Santos Ramos, A
Autoria dos Diálogos das Grandezas do Brasil, Recife, Imprensa Ofi- i ial, l'M6, separata da Revista do
Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico de Pernambuco.)
\ I UNHAÇOESi O I PERIODO OU O PERÍODO COLONIAL
| ) D f \ n i i r I V l T n n C T U l l r - v
ao que retruca o segundo interlocutor, Alviano:
Não permita Deus que padeça a nação portuguesa tantos danos que venha o Brasil a
ser o seu refúgio e amparo.
E Brandônio, falando de jardins e pomares, ouviria de Alviano:
Se isso é assim, e se pode fazer desse modo, confessarei que lhes ficam inferiores os
jardins lavrados e cultivados a tanto custo no nosso Portugal, pois não vejo lá haja mais castas
de fruto de espinho do que tendes apontado51.
A linguagem, marcada por certa objetividade informativa, quebra a
sua monotonia, em casos semelhantes, pelos apostos caracterizadores das
qualidades e virtudes das coisas descritas, para as quais se dão nomes in-
dígenas ou batismos portugueses num processo de incorporação de um
novo vocabulário:
(...] camacarim apropriado para taboada; outro pau chamado d’arco, porque se fazem dele muita
fortaleza e rigidão; aflbucai também muito estimado para eixos de engenhos e estearia;
canafistula, de cor parda; camará, rigidíssimo, e por esse respeito assaz estimado; pau-ferro, que
lhe deram este nome por ser igual a ele em fortaleza52.
E a comparação com similares conhecidos de além-mar também é
uma maneira de definir, para orientar o uso, como agora neste trecho de
Frei Vicente do Salvador:
Mucurandubas, que é a madeira mais ordinária de que fazem as traves e todo o
mantimento das casas, por ser quase incorruptível; seu fruto é como cerejas, maior e mais
doce, mas lança de si leite como os figos mal maduros53.
Assim, marcada pelas descrições das coisas da terra, a obra de Frei
Vicente do Salvador desdobra e até mesmo corrige a obra de Ambròsio
51 Idem, p. 143.
52 Idem, p. 108 (as palavras grifadas são do próprio texto).
53 Frei Vicente do Salvador, História do Brasil - 1500-1627, 3. ed. rev. por Capistrano de Abreu e Rodolfo Garcia,
São Paulo, Melhoramentos, s. d., p. 32
ferras
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I dlvAo revista por Oapistrano de Abreu e Rodolfo ( iareia, I
sta obra, concluída em 1627, teve sua piiim iia pul)licanos Anuis du Biblioteca Nacional: IBMs IBH6, Rio de Janeiro, I »88,
vol. 13.
h RE! VICE* TE DO SALVADOR
Fernandes Brandão. Muito mais ampla e totalizante, também é história:
partindo da apresentação da terra, de excelentes possibilidades de cultivo
conjuntamente com as de exploração de recursos naturais, além das pers-
pectivas de sobrevivência saudável e farta, Frei Vicente do Salvador escreve
sobretudo a nossa história, quer dizer, a história da colonização desde o
descobrimento à invasão holandesa. E não disfarça a crítica às ambições e
erros da política colonizadora, defendendo, como então já propusera
Ambrosio Fernandes Brandão, o desenvolvimento do Brasil Colónia e os
interesses dos que aqui se haviam fixado e dos seus descendentes.
Se retroagirmos à visão histórica do século XVI, a obra de Ambrosio
Fernandes Brandão limita-se à perspectiva sua contemporânea, enquanto a
de Frei Vicente do Salvador abrange das nossas origens a princípios do
século XVII. Podemos considerá-la ampliada com as obras do Pe. Simão de
Vasconcelos - Crónica da Companhia de Jesus e Vida do Venerável Padre José de
Anchieta1’’, voltadas, evidentemente, para a ação no Brasil da Companhia de
Jesus.
Contamos, portanto, com a contribuição de obras de cronistas por-
tugueses, de jesuítas (e de estrangeiros) que escreveram sobre o Brasil,
desde o século XVI. De início, entrevemos as observações de adventícios
que acabavam de chegar; mas progressivamente eles a ampliariam com a
experiência da aventura e da conquista da colonização, duplamente
marcada pela exploração da terra com a utilização do índio e pela catequese
e defesa deste contra a escravização. E a partir de princípios do século XVII,
com os três nomes acima destacados, o que prossegue é marcado pelas
transformações das perspectivas entrevistas. Exprime-se a consciência que
se formaria da permanência do colonizador na terra e, ainda mais, o
conseqiiente conformismo dele com a continuidade da obra 54
54 Pe. Simão de Vasconcelos (século XVII), Crónica da Companhia de Jesus do Estado do Brasil\ 2. cd. cor. e aum.,
Lisboa, Fernandes Lopes, 1865, 2 vols. (1. ed. de 1663); Vida do Venerável Pe. José de Ancbieta, ed. de Serafim
Leite, Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1943, 2 vols. Na primeira obra, publica-se pela primeira vez, em
1663, o poema de Anchieta, Jesus Maria - De Beata Vtrgine Dei Matre Maria (vol. 2, pp. 139-274-8).
História da América Portuguesa.
de colonização e exploração, não obstante aqueles que vinham com a
intenção de retornar. E entre os que vinham aceitando a fatalidade da
permanência e os que se alimentavam da esperança do retorno, se
estabeleceria certa distinção, compensada pela valorização das nossas
coisas em comparação com similares de além-mar. Alimentava-se, então,
uma visão interna, de efeito retroativo, para compor-se aos poucos a nossa
própria história, da qual os primeiros exemplos marcantes foram Ambrosio
Fernandes Brandão, Frei Vicente do Salvador e o Pe. Simão de Vasconcelos.
Contadas outras contribuições do século XVII, seja a crítica contida
nos sermões e na correspondência do Pe. Antônio Vieira, seja a crónica da
guerra holandesa de um Frei Manuel Calado - O Valeroso Lucideno55, exprime-
se logo mais um sentimento de luso-brasileirismo paralelamente com as
posições que acabamos de esboçar. Trata-se de um falso equilíbrio de
posições - internas e externas, do brasileiro em formação e do reinol e
mandatário, traduzida em princípios do século XVIII por Sebastião da
Rocha Pita.
Com a História da América Portuguesa, desdobra modelos anteriores:
descrição informativa da terra e narrativa dos acontecimentos históricos do
descobrimento a princípios do século XVIII. Mas o espírito que impregna
essa obra gera aquele falso equilíbrio: traduz a transformação na maneira
de ver e apreciar, não propriamente na de criticar. Em primeiro lugar, o
louvor exagerado da visão material da paisagem e da terra, das suas
possibilidades incomensuráveis, superafeta o nativismo de des-
55 Frei Manuel Calado, O Valeroso Lucideno e o Triunfo da Liberdade, primeira parte, 2. ed., São Paulo, Cultura,
1945, 2 vols. Esta foi a única parte da obra publicada pela primeira vez em 1648. Sabe- sc que o autor, antes
de morrer, já tinha pronta para publicação a segunda parte, a qual, contudo, permanece desconhecida. A
publicação da Cultura, dada como “2. ed.”, é na verdade a terceira, sendo a segunda de 1668, conforme
Alfredo de Carvalho, op. cit., pp. 274-275. O texto da obra alterna prosa c verso. V. ainda Fr. Rafael de Jesus,
Castrioto Lusitano ou História da Guerra entre o Hrasil e a Holanda, durante os Anos de 1624 a 1654,... Obra em
que se descrevem os beróicos feitos de loão Fernandes Vieira... Nova edição segundo a de 1679..., Paris, Aillaud,
1844. E Gaspar Bailéu, História dos Fritos Recentemente Praticados durante Oito Anos no Brasil e noutras partes
sob o governo do ilustríssimo lodo Maurício conde de Nassau \etc...\, tradução e anotações de Cláudio Brandão,
Rio ile lanclro, Ministério da Educação, 1960. A primeira edição data de 1647.
NOSSO
SEXflfUI,
11 I S T 0 R 1 A
A M E R I C A
POHTDGUEZA,
DIWDR O ASNO DE MIL E QUINHENTOS, DO SEU DBflCOMIM ENTO,
A7É 0 I X :s
noturnos tão brilhantes: as Estrelas são as mais benignas, e se mostram sempre ale- cs: os
horizontes, ou nasça o sol, ou se sepulte, estão sempre claros: as águas, ou se unem nas
fontes pelos campos, ou dentro das Povoações nos aquedutos, são as mais iras: é enfim o
Brasil Terreal Paraíso descoberto, onde tem nascimento, e curso os aiores rios; domina
salutífero clima; influem benignos Astros, e respiram auras lavíssimas, que o fazem fértil, e
povoado de inúmeros habitadores, posto que por fi- ir debaixo da Tórrida Zona, o
desacreditassem, e dessem por inabalável Aristóteles, ínio e Cícero, e com Gentios os Padres
da Igreja Santo Agostinho, e Beda, que a rcm experiência deste feliz Orbe,seria famoso
assunto das suas elevadas penas, aon- ' a minha receia voar, posto que o amor da Pátria me
dê asas, e a sua grandeza me late a esfera" .
Sc esta foi a posição de Sebastião da Rocha Pita, a seguir outros re-
>marão a linha anterior já voltada para as distinções internas.
, O MOVIMENTO ACADEMICISTA
Entre os poetas, de Bento Teixeira, Gregório de Matos, Manuel otelho
de Oliveira a Itaparica e a poesia neoclássica e arcàdica da se- inda
metade do século XVIII para o XIX, situa-se o movimento aca-
Sebastião da Rocha Pita, História ria América Portuguesa, desde o ano de mile quinhentos, do seu descobrimento, até o de mil
e setecentos e vinte e quatro, 2. ed., Salvador, Imprensa Económica, 1878, pp. 3-4. Editada pela primeira vez em
1730, já na época se falou com certa reserva do seu caráter panegírico. Assim o diz Antônio Rodrigues da
Costa, da Academia Real da História Portuguesa, cm parecer sobre a obra: “[...| e ainda que me parece
mais elogio ou panegírico, que História, não entendo, que desmerece o Autor” (no início das “Licenças”,
sem numeração). E Rocha Pita era sócio provincial daquela Academia. Considere-se que um pouco antes
era publicada, e logo confiscada, a importante obra de André João Antonil, Cultura e Opulência do Brasil por
suas Drogas e Minas (li me de IVdilion tle 1 7 1 1 , traduction française et commcntaire critique par Andrée
Mansuy), Pa- i!» lusiluui tlt s I Unte» Êtudesde 1’Amérique Latine, 1965.
demicista, na prosa e na poesia. Movimento de ampla filiação barroca,
reflete a transposição de procedimentos europeus freqiientes em vários
países desde o século XVI ao XVIII, ligado à atividade cultural e intelectual
da nobreza, mas em alguns casos com a participação do povo, receptor'1.
Prestava-se, sob a ação vigilante da censura, às expansões do servilismo
áulico. E o foco de sua irradiação ao Brasil Colónia foi Portugal.
Manifestou-se entre nós em centros urbanos maiores e menores, nota-
damente Salvador, Rio de Janeiro, Recife, São Paulo, Ouro Preto, pelo
Norte/Nordeste, Centro e Sul. Ocorrência simultânea, excepcionalmcnte
intercomunicante, sua unidade derivava da irradiação do foco português
atuando sobre uma mesma uniformidade de vida e de condições culturais
e intelectuais. Imperava um comando único, controlando expansões sociais
em núcleos vigiados e isolados.
Amplamente documentado desde 1641, de quando conhecemos a
primeira notícia de um festejo público, estende-se até princípios do século
XIX. O seu caráter de movimento consiste tanto na distribuição geográfica
e na continuidade quanto na similitude de procedimentos no âmbito da
vida cultural e da atividade intelectual - literária, histórica e científica. A
análise de textos publicados e inéditos, que chegaram até nós, leva-nos à
tentativa de aglutinação e classificação das atividades e produção desse
movimento em três grupos:
1-’) O de celebrações oficialmente autorizadas e também regulamen-
tadas de festejos públicos e de comemorações solenes, subdivididos em: a)
atividades recreativas ou lúdicas, com festas tradicionais e populares -
¡luminárias, cavalhadas, procissões, cortejos, danças, representações tea-
trais; b) solenidades religiosas, com Te Deum, sermões, procissões; c) às
vezes, umas e outras ampliadas por “atos acadêmicos”. 56
56 V. Claude-Gilbert Dubois, Le Batoque - profondeurs de l'apparence, Paris, Larousse, 1973; Ycdda Dias Lima, O Festejo
Público de 1770 em São Paulo, edição diplomática, com estudo crítico e vocabulário, Aix-en-Provence, 1973
(monografia mimeografada); e Affonso Ávila, Resíduos Seiscentistas em Minas — Textos do Século de Ouro e as
Projeções do Mundo Barroco, Belo Horizonte, Centro de Estudos Mineiros, 1967, 2 vols.
i *
57a) Atos acadêmicos que resultavam do propósito de “fazer uma aca
demia”, com programa específico para um único ato, às vezes de longa
duração, dias ou semanas. Tinham base num programa previamente or-
ganizado, com indicação de temas, formas poéticas e língua - português,
latim e excepcionalmente espanhol, italiano e francês; eram abertos pela oração
acadêmica e comportavam também representação teatral. Convocava-se a elite
intelectual do centro urbano - naturalmente os mais desenvolvidos, onde
foram organizados aqueles atos, com presidente, secre
tário c censores. Correspondia, em suma, a uma sessão de uma academia,
le.ili/adn uma única vez, embora em horários consecutivos, contando
i. unbém com a participação religiosa.
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I S B O A : : m
MANOEL ALVARES SOLI.a:.-‘ ::
J Ú B I L O S
AMERICA,
NA GLORIOSA EXALTAÇAÔ,E PROMOÇÃO
IX) ILLUSTRISSIMO E EXCELLEJST1SS1MO SENHOR
GOMES FREIRE
DE A N D R A D A ,
Do Conte lho dc Sua Magefladc, Governador, e CapitaS General das Ca-
pitaniasduRio.MinasGeraes, eS. Pauto , Cavallciro profcffo na Ordem
dc Chriflo, ao Polio ,e Emprego de Mettrc de Campo General , e Pri-
meiro Commiffario da Mcdiçaõ , c Demarcaçaõ dos Domínios Mcri-
dionaes Americanos entre as duas Coroas, Fidelilfima, e Catholica:
COLLECÇAQ
Das Obras da Academia dos Seleäos , que na Cidade do Rio
de Janeiro (e celebrou em objequio , c applaufo do dito
Excellentijimo Heroe.
D E D I C A D A , E O F F E R E C I D A A O S E N H O R
TOZE* ANTONIO FAEIRE
D E A N D R A D A ,
Cavallciro profeíTò na Ordem de Chrifto , Tenente General
da Cavallaria , e Governador das Minas Geraes.
PELO DOUTOR
MANOEL TAVARES DE SEQUEIRA E SA*,
3*U At jirt, 4M fit At Vili* d* RtAtuAt MA PnvmtH At AUm-Hit, t Fx- Quvidtr Girti At Ctmtrtu dt
PtruttuÁ ut Elitit At trtfit,
íurtttrtt Attdtmt,
L
Na Officina do D**
_____ A ano dt MDCCUV.
Com todas as licenças ttecejjartas.
Página cie rosto de Os Júbilos da América.
mas de festejos públicos, comemorações solenes, atos acadêmicos e aca-
demias, documentados63 64.
Foi, pois, imensa a produção deixada, entre publicações, direta ou
indiretamente ligadas ao movimento, e inéditos, recentemente divulgados.
Do programa histórico das duas mais importantes, a Academia Brasílica dos
Esquecidos e a Academia Brasílica dos Acadêmicos Renascidos, conta-se
número considerável de “dissertações” e monografias sobre variados
assuntos de interesse para a história, para a geografia.
Estão ligados direta ou indiretamente ao movimento academicista: Frei
Antônio de Santa Maria Jaboatão, poeta acadêmico, cronista religioso do
Novo Orbe Seráfico Brasílico, e genealogista do Catálogo Genealógi- coV); o beneditino,
Dom Domingos do Loreto Couto, de Pernambuco, sócio correspondente da
Academia Brasílica dos Acadêmicos Renascidos, da Bahia, cronista dos
Desagravos do Brasil e Glórias de Pernambuco, e a quem devemos a visão mais
avançada do reconhecimento de valores, legendas, tradições, atividades
culturais e intelectuais resultantes dos contatos de portugueses, índios,
africanos, no processo da nossa formação; José Mírales, cuja história militar
do Brasil também está ligada àquela academia; o genealogista paulista Pedro
Taques de Almeida Pais Leme, que escreveu sobre a genealogia paulistana, e
Borges da Fonseca, sobre a genealogia pernambucana, ampliando, com
Jaboatão, a contribuição de Loreto Couto ao reconhecimento da linhagem
das famílias que, de origem portuguesa e outras, se faziam brasileiras65.
63 V. José Aderaldo Castello, “Éditos c Inéditos do Movimento Academicista no Brasil - 1641-1820/ 1822 -
Apresentação”, em O Movimento Academicista do Brasil, ed. cit., vol. 1,1.1, pp. VII-XXI, c A Literatura Brasileira -1 -
Manifestações Literárias do Período Colonial, ed. cit., pp. 97-124, na qual sc encontra a bibliografia conhecida sobre o
assunto. Acrescente-se: André Camlong, O Movimento Academicista no Brasil - A Academia Brasílica dos Esquecidos -
Étude de langue et de style - Thesepour le Doctorat d’État, Toulouse, Université de Toulouse-le-Mirail, 1976, 4 tomos;
João Palma-Ferreira, Academias Literárias dos Séculos XVII e XVIII, Lisboa, Biblioteca Nacional,
1982; Ycdda Dias Lima, op. cit., e Academia Brasílica dos Académicos Renascidos — Fontes e Textos, tese de doutoramento
apresentada à Área de Literatura Brasileira-FFLCH-USP, São Paulo, 1980 (mimeografada).
64 V. Novo Orbe Seráfico Brasílico, ou Crónica dos Frades Menores da Província do Brasil, por Fr. Antônio de Santa Maria
Jaboatão, impressa em Lisboa em 1761 c reimpressa por ordem do Instituto Illntôrico e (ieogrãflco Brasileiro,
vol. I, Rio de Janeiro, Tip. Brasiliense de Maximiano Gomes Ribeiro, IH58;c Parte Segunda (inédito), loc. cit.,
1859; Catálogo Genealógico das Principais Fami- lliil que 1‘rocederam de Albuquerques e Cavalcantes em Pernambuco e Caramurus
na Bahia, Salvador, lltsiilllto t ienealógico da Bahia-lmprensa Oficial da Bahia, 1950.
65 Domingos do I-orero Couto, Desagravos do Brasil e Glórias de Pernambuco. Datada de 1757, esta obra permaneceu
Por outro lado, ainda em complementação da criação em prosa, é
preciso considerar o exercício da oratória acadêmica. Juntamente com a
poesia, foi forma de comunicação imediata. Ambas corroboram o auli-
cismo, revigorado por uma temática de paralelos de autoridades da época
com grandes exemplos da história antiga. Enfatizava-se ao mesmo tempo o
gosto dominante da erudição, traduzida em linguagem rebuscada,
destacadamente nos períodos longos da prosa, em que predominavam as
comparações e alusões. A poesia, porém, mais do que a prosa, tem sido alvo
da crítica histórica, apontando-lhe a artificialidade e sensabo- ria,
depreciando-a como produção literária, sem levar em consideração que era
produto de uma atividade de origem associativa ou acadêmica marcada pela
erudição e pela habilidade formal. É, pois, primeiro dentro da perspectiva
da época e a seguir em relação com a evolução formal da poesia que se deve
dar atenção à produção literária academicista.
Na avaliação do movimento, o que nos parece verdadeiramente im-
portante, em primeiro lugar, é o princípio de disciplina e aglutinação dado
aos trabalhos e estudos históricos. Estimulava o esforço de equipe para o
desenvolvimento de pesquisas destinadas à elaboração de monografias que
pudessem levar à composição de obra geral e complexa. Sem dúvida
prenuncia-se uma atividade universitária, ausente entre nós, assim
compensada pelas academias. Marca-se de qualquer maneira um nível já
desenvolvido e relativamente condicionado de atividade intelectual apoiada
pelo espírito associativo. Poderíamos dizer que não há outro ca
inédita até que se publicou a sua primeira parte nos Anais da Biblioteca Nacional Rio de Janeiro, 1902-1903, vols.
24 e 25; José Mirales, “História Militar do Brasil" em Anais da Biblioteca Nacional Rio de Janeiro, 1900, vol. 22, pp.
1-238; PedroTaques de Almeida Pais Leme, Nobiliarquia Paulistana Histórica e Genealógica, São Paulo, Martins,
1953, 3 vols.; Antônio José Vitoriano Borges da Fonseca, Nobiliarquia Pernambucana, Rio de Janeiro, Biblioteca
Nacional, 1935, 2 vols.
A S H U N D A C Õ K S : o I " P F R f o n O O U O B C í l n n n r n i n m i i
minho para se enxergar e analisar a vida cultural e intelectual internas
do Brasil Colonia, sem que se pretenda subestimar outras atividades isola-
das e mesmo de grupos. Em segundo lugar, reconhecemos nos festejos
públicos sementes de muitas de nossas práticas folclóricas e de outras
manifestações de cultura popular simultaneamente com o interesse que
representam para o estudo da historia do teatro no Brasil Colonia e do
espetáculo aberto e lúdico. Em terceiro lugar, desenvolveram o princípio da
vida literária; levaram a criação poética e teatral à comunicação direta com o
público, erudito e seleto de um lado, popular de outro, numa época em que
as publicações impressas, além de raras, só se faziam em Portugal, e em que
eram poucos os letrados ou leitores; exerceram uma disciplina
preestabelecida, normativa, quase pedagógica, sobre a atividade criadora e
os trabalhos eruditos; em consequência desse procedimento, principiaram o
exercício da crítica,embora agravada pelo auto-elogio e pelo aulicismo
devido ao absolutismo e à censura ideológica; apresentam grande interesse
lingüístico. Finalmente, foi um movimento geral e concomitante por toda a
extensão do Brasil Colónia em que se pontilhava o desenvolvimento urbano,
simultaneamente com as manifestações barrocas na arquitetura e na pintura
acrescidas da atividade musical.
Entre os vários aspectos de que se reveste o movimento academi- cista
no Brasil, do século XVII ao XVIII, como vimos sugerindo, merece destaque
a função crítica exercida por academias e atos acadêmicos. Naquelas como
nestes, a criação literária em prosa e principalmente em poesia, esta em
observância às formas fixas e artifícios, consistiam no desenvolvimento de
temas ou assuntos militares, morais, religiosos e históricos, previamente
enunciados e distribuídos aos participantes do ato acadêmico, oficialmente
convidados, ou aos sócios das academias. E uma vez elaborados, estavam
sujeitos à apreciação dos dirigentes responsáveis pela programação. Misto
de crítica e censura, este procedimento predominou sobretudo nas
academias propriamente ditas cujas propostas dc trabalho pressupunham
planejamentos e avaliação extensivos â criação literária, aos trabalhos
científicos e aos históricos. Relem-
bremos a Academia Brasílica dos Acadêmicos Renascidos, que nos deu
o primeiro exemplo de trabalho de equipe66.
Academias e acadêmicos, porém, nem sempre atingiram seus obje-
tivos. Estas sociedades duraram pouco, interrompidas certamente contra a
vontade de seus idealizadores. Mesmo assim, contribuíram para o melhor
conhecimento do Brasil e estimularam nossa vida intelectual.
6. Dois DESTAQUES
Das obras da época, há duas já referidas de particular importância.
Uma do beneditino Dom Domingos do Loreto Couto, natural de Per-
nambuco, escrita um pouco antes da fundação da Academia Brasílica dos
Acadêmicos Renascidos, mas à qual se prende, por expressa vontade do
autor67. Até mesmo antecipa objetivos do programa monumental desta
academia. Datada de 1757, só veio a ser editada em princípios do século
atual. Com dedicatória a Dom José I, por intermédio do Marquês de Pombal,
o autor confessa no “Prólogo ao Leitor” as melhores e mais patrióticas
intenções:
[...] fui somente levado da justa mágoa de ver o grande descuido, que teve Pernambuco em
perpetuar as virtudes de seus filhos, que com elas o ilustraram: e que insensivelmente ia o
tempo consumindo a notícia de tantos esclarecidos Heróis, por faltar quem se resolvesse a
escrevê-las. Por esta razão, mais atento à glória da Pátria que à reputação do tneu nome,
pretendi romper o tenebroso caos, em que estavam sepultadas tantas glórias ilustres, para fazer
patentes aquelas notícias, que o Mundo ignorava. Acrescentando-se ao motivo referido outro
maior estímulo, que foi avaliar como obrigação precisa, refutar alguns erros, e calúnias, com
66 "Academia Brasílica dos Acadêmicos Renascidos, “Distribuição dos Empregos para os quais a Academia dos
Renascidos Elegeu por Votos Conformes, Depois de Repetidas Conferências, Alguns de Seus Sócios e
Dissertações Distribuídas pelos Sócios da Academia dos Renascidos”, cm Revista do Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro, 3. ed., 1908, t. I (t. I, 2 trimestre de 1939, n. 2, pp. 68- 76). E a recomendação: “Para compor na língua
portuguesa as Memórias Históricas para a Biblioteca Brasílica, incluindo todos os autores naturais do Brasil, e
todos que escrevessem na América, ainda que não fossem naturais da mesma, e os que ex-profcsso
escrevessem da América em qualquer parte do Mundo, ou as suas obras se achem impressas ou manuscritas.
Foram escolhidos nomeadamente quatro membros”, lug. cit.
67 Cf. carta de Domingos do Loreto Couto ao secretário da Academia dos Renascidos, transcrita por Alberto
Lamego, A Academia Brasílica dos Renascidos - Sua Fundação e Trabalhos Inéditos, Paris- Bruxelas, LÉdition d'Art
Gáudio, 1923, pp. 11-114.
que alguns Autores, que têm escrito do Brasil, mancharam a opinião dos nossos índios, e de
algumas pessoas beneméritas, sem mais fundamento, que o de umas tradições tão suspeitosas,
como mal nascidas, e falsas54.
Ressalta-se o espírito da obra, misto de crónicas históricas e de casos
exemplares, portanto, prosa moralista, além de panegíricos e dados biobi-
bliográficos, repassado de certo valor crítico. Os títulos das partes ou dos
livros de que ela se compõe são igualmente significativos e definidores dos
propósitos já ressaltados: “Pernambuco conquistado”, “Pernambuco
vencido, e gloriosamente restaurado”, “Pernambuco renascido”, “Per-
nambuco ilustrado com virtudes”, “Pernambuco ilustrado com as letras”,
“Pernambuco ilustrado pelas armas”, “Pernambuco ilustrado pelo sexo
feminino”, e “Pernambuco constante, valeroso e fiel nas calamidades”.
Capistrano de Abreu, grande entusiasta da obra de Loreto Couto, lhe
deu atenção destacada nos Capítulos de História Colonial. Apontou, sobretudo, a
posição que o beneditino pernambucano assumiu em defesa do índio
americano35, alvo de ataques e menosprezo de bom número de cronistas. A
defesa dispensa qualquer argumento ou fundamentação etnográfica, para
dar relevo à natureza e à condição humana do indígena. Através de
situações exemplares, em diversas conjunturas, o índio é comparado em
virtudes, em inteligência, em capacidade criadora, com o europeu ou com o
elemento civilizado colonizador36. Talvez seja este o aspecto da obra de
Loreto Couto que primeiro se impõe ao estudo da evolução de duas
constantes ideológicas fundamentais da literatura brasileira - o nativismo e o
indianismo. Somos levados a admiti-la como uma antecipação importante
do nosso indianismo romântico, contor- l't, l im ili ( omo, op. cil.
Vi ( I ( o i liai tuno de Abreu, op. cit., pp. 183-185.
Wi ( I I oino ( '.onto, op. cit.. p. exp. Livro VI, cap. 9, voi. 25, pp. 97-103; e outros passos da mesma obra.
Frontispício da Ia edição.
nando a noção que se fazia corrente da “bondade” rousseauniana. Consistiu
na reavaliação das qualidades do selvagem americano, consideradas agora
através dos contatos com o colonizador e seus herdeiros diretos.
Ainda se destaca a contribuição biobibliográfica desta obra, fonte
reavaliável a serviço do estudioso de certas manifestações artísticas no Brasil
Colonia, como a música e a pintura, do estudioso do ensino ou da instrução
pública e particular, e sobretudo do historiador de nossas manifestações
literárias nos três séculos coloniais. Neste último caso se situa o “Livro
Quinto — Pernambuco ilustrado com as Letras”. Merece reparos e correções,
mas em compensação nos leva a uma visão razoavelmente ampla e segura
de nossa atividade intelectual, do século XVI ao XVIII, notadamente em
Pernambuco. Mas o autor não fica só na informação erudita, nos dados
biobibliográficos, ou em referências a representações teatrais, de qualquer
forma passo inicial para a elaboração de nossa história literária.
Freqiientemente emite juízos críticos, ainda que encomiásticos, a exemplo do
seguinte:
%
Padre Miguel Ribeiro nasceu na vila do Recife em 9 de janeiro de 1716, sendo seus pais
Simão Ribeiro Riba fidalgo da casa real, cavaleiro professo da ordem de Cristo, comissário geral
da cavalaria; e Da. Clara Gomes de Figueiredo filha do coronel Miguel Correia Gomes, fidalgo
da casa de Sua Majestade, cavaleiro da ordem de Cristo, escrivão proprietário da fazenda real.
Quando contava a tenra idade de 16 anos recebeu a roupeta da Companhia de Jesus, em 24 de
dezembro de 1730. Nesta ilustre, e virtuosa palestra aprendeu as ciências severas com aplicação,
e saiu nelas muito perito. Por justas causas obteve de seus prelados faculdade para sair a tratar
de várias dependências da sua casa, e vive com exemplar procedimento retirado no seu
engenho novo do Cabo.
É elegantíssimo poeta, e entre os canoros cisnesdo Parnaso merece lugar eminente,
assim pela cadência do metro, como pela elegância das vozes, e discrição dos conceitos, ou seja
metrificando em assuntos heróicos, ou líricos. O sublime entusiasmo, de que o dotou a
natureza, se admira ornado de vária erudição, de cujos versos, em que imitou a majestade de
Virgílio, e a agudeza de Marcial, compôs em um tomo de 4.
Quinhentos epigramas ao nascimento do menino Deus5 . 68
68 Domingos do Loreto Couto, op. cit., vol. 25, p. 32.
M A R R A T I V O
D O
M Q J I E S C T R A T A M V Á R I O S DISCURSOS l
ípirmuc*, c moracs, com rr.imas auvcrttncías, c documentos
contra os abulos, que te achaò inuo- «Sufidov pela malícia
utabolica no tilado do Brafú.
Dedicado à Virgem
da
A U T O
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COMPENDIO
? E R E G R I N O
D A A M E R I C A
'JUNO MARQUES
P E R E I R A .
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L 1 S B O A OCCJDRNTAr
Ñ. Officina de MANOEL FERNANDES DÃÕÕSTÃ-
lir.nrííTnr IJA O, _ rwr
C-nr. iteci ei Lmnça.
A segunda obra é o Compêndio Narrativo do Peregrino da América, de Nuno
Marques Pereira, residente em Salvador. Compõe par com a
de I .oreto Couto, como se uma respondesse à outra. Mas não podemos
dizer que ela tenha antecedente interno, “brasileiro”, quando muito, va-
gamente, e pelo inverso, podemos apontar a sátira à sociedade colonial tie
Grcgório de Matos e Guerra. Seu modelo está na prosa moralista es-
punhola do século XVII e parece-nos mais interessante que venha a ser
onlronuda, de início, com obra semelhante do narrador inglês João
Ihmy.m (século XVII), O Peregrino. Escrita em forma de diálogo, fan- .isios.i c
comprometida com o ficcional, entremeia verso na prosa bar-
Frontispício da Ia edição.
roca, compondo um tecido de casos e fatos exemplares, episódios cie
fundamentação verídica com alegorias. O espaço da narrativa se estende de
Salvador pelos caminhos da mineração até Ouro Preto, com incursões em
Pernambuco, ao mesmo tempo que se sobrepõe a todo o Brasil uma visão
profética, de conjunto. E relevante nessa narrativa o conteúdo social e
moralizante refletido pelas descrições e narrações de situações e fatos,
convertidos em modelos exemplares subordinados à boa doutrina da Igreja,
conforme o autor. Narrativa com características ficcionais, tem sido por isto
mesmo apontada como precursora do gênero na Literatura Brasileira69.
Essas duas obras — Desagravos do Brasil e Glórias de Pernambuco e Compêndio
Narrativo do Peregrino da América - talvez sejam o ponto de maior relevo do
desenvolvimento da prosa escrita sobre o Brasil e no Brasil, já definida como
brasileira. E isso graças a um condicionamento que progressivamente
acentuava na sociedade colonial o sincretismo da participação portuguesa,
indígena e africana. Chegamos então à melhor compreensão das distinções
que presidiram manifestações nativistas e indigenistas/indianistas.
Queremos dizer que seus autores refletem a preocupação com o
conhecimento e a valorização do Brasil, não mais exclusiva ou
predominantemente através da paisagem física, de recursos naturais, mas
agora pelo relevo dado a acontecimentos notáveis aqui ocorridos e a
homens nascidos em nosso meio. Corroboram programas de estudos das
academias - históricos, políticos, económicos, sociais, religiosos, literários -,
destacadamente os da Academia Brasílica dos Esquecidos e da Academia
Brasílica dos Acadêmicos Renascidos, onde se concentrava o que havia de
mais expressivo da mentalidade da época.
69 Nuno Marques Pereira, Compêndio Narrativo do Peregrino da América, 6. ed. completada com a segunda parte, até
agora inédita, acompanhada de noras e estudos de Varnhagen, Leite de Vasconcelos, Afrânio Peixoto,
Rodolfo Garcia e Pedro Calmon, Rio de Janeiro, Academia Brasileira, 1939, 2 vols. (a 1. ed. data de 1728).
Sobre o problema referido do início da narrativa ficcional no Brasil, v. José Aderaldo Castello, A literatura
Brasileira - I - Manifestações Literárias do Período Colonial, ed. cit., pp. 124-130.
C A P I T U L O V
C A P I T U L O V
PRODUÇÃO INTELECTUAL DO PERÍODO COLONIAL - III
O ARCADISMO 70
70 O ARCADISMO - REAÇOES AO BARROCO E REFLEXÕES INTERNAS
Dentre as figuras destacadas da Literatura Brasileira do Período Co-
lonial - Anchieta, Bento Teixeira, Manuel Botelho de Oliveira e outros,
barrocos ou árcades —, nenhum se manifestou com a consciência crítica de
Cláudio Manuel da Costa. É considerado um poeta de “transição”. Foi o
primeiro a reconhecer os fundamentos de sua formação nas últimas
manifestações barrocas, para aperfeiçoá-la sob a renovação arcádica ou
neoclássica. No “Prólogo ao Leitor” das Obras Poéticas (1768), informa que a
maior parte desta obra foi escrita quando estudante em Coimbra, “ou
pouco depois”, “tempo em que Portugal apenas principiava a melhorar de
gosto nas belas letras”, o que quer dizer, no início da refor-
ma arcádica. Ainda sob as sugestões do Barroco, compôs várias poesias,
notadamente as pastoris, ornados de elegância (deu relevo ao estilo, sem cogitar
da parte temática), enquanto em outras não ignorou “o estilo simples” e
soube “avaliar as melhores passagens de Teócrito, Virgílio, Sanazzaro, e
dos nossos Bernardes, Lobo, Camões etc.”. E conclui: “A li- ,ão dos Gregos,
Franceses e Italianos, sim, me fizeram conhecer a dife- ença sensível dos
nossos estudos, e dos primeiros Mestres da Poesia. É níelicidade, que haja
confessar, que vejo, e aprovo o melhor, mas sigo o ontrário na execução”1.
Fez severas restrições aos excessos do estilo bar- oco, à semelhança do que
também veremos em Silva Alvarenga. E justi- Ícou o louvor da autoridade,
se merecido, conforme seu discurso de bertura da “Academia” em
homenagem ao Conde de Valadares, embora academias” ou “atos
acadêmicos” tenham sido manifestações literárias ependentes do cultismo e
comprometidas com o louvor da autoridade onstituída. No caso, porém, ele
argumenta que a defesa e a valorização a poesia já haviam merecido a
atenção de ilustres e poderosos, também :us cultores, com exemplos na
ascendência do homenageado2.
No geral da posição assumida por Cláudio Manuel da Costa, a que os
parece mais relevante resultou na “Fábula do Ribeirão do Carmo” e :>
poema épico Vila Rica, este consequência daquela. Podemos entrever tenções
a propósito no “Prólogo ao Leitor”3 das Obras Poéticas, em que paisagem
luso-arcádica, de concepção límpida e tranquila, é confronta- i com a
rudeza da paisagem pátria.
( iláudio Manuel da Costa, Obras Poéticas, nova edição, Rio de Janeiro, Garnier, 1903; vol. I, pp. 99-101.
V. "O Parnaso Obsequioso” em O Inconfidente Cláudio Manuel da Costa, de Caio de Melo Franco, Rio de Janeiro,
Schmidt, 1931, pp. 80-90. A presença “academicista e cultista" na proposta de Cláudio Manuel da Costa,
confirmando a associação da iniciativa acadêmica - “atos acadêmicos”, “festejo* públicos” ou “academias” -
ao elogio do poderoso, está claramente expressa no “Problema”, constituído ile duas “perguntas” que deviam
ser confrontadas competitivamente, sem dúvida formuladas pui eh- mesmo (v. Caio de Melo Franco, op. cit., p.
92). E Cláudio foi sócio supranumerário da Aca- ilenii» brasílica dos Acadêmicos Renascidos, chegando a
rejubilar-se com a sua eleição e a se corres- ofn i,ilmcme com sócios efetivos, na Bahia (v. cartas de Cláudio
Manuel da Costa, em Alberti I dinego, op, cil., pp. 98-105).
I,linho Manuel da Costa, Obras, Rio de Janeiro, Garnier, 1902, vol. 1, pp. 98-105.
[...] destinado a buscar a Pátria, que por espaço de cinco anos havia deixado, aqui entre
a grossaria dos seus genios, que menos pudera eu fazer, que entregar-mc ao ócio, e sepultar-
me na ignorancia! Que menos, do que abandonar as fingidas Ninfas destes rios; e no centro
deles adorara preciosidade daqueles metais, que têm atraído a este clima os corações de toda
a Europa! Não são estas as venturosas praias da Arcádia; onde o som das águas inspirava a
harmonia dos versos. Turva, e feia a corrente destes ribeiros primeiro que arrebate as idéias de
um poeta, deixa ponderar a ambiciosa fadiga de minerar a terra que lhes tem pervertido as
cores71.
Consideremos, de início, a objetividade e o realismo da visão crítica
na maneira de sentir e compreender a paisagem americana, cuja recriação à
semelhança da paisagem arcádica lhe pareceria improvável. Contudo, ele
tentaria harmonizá-las, na “Fábula” e no poema, mal compreendido pela
crítica posterior. Ao contrário dela, o que vemos no poema, e
evidentemente na atitude crítica do poeta, é um impulso momentâneo de
liberdade de criação em benefício de nossa identidade literária. Sem
dúvida, depois da obra de Anchieta, a “Fábula do Ribeirão do Carmo” e o
Vila Rica são também sugestões para a poesia que o nosso romantismo
batizaria de americana. Eles rompem, mesmo que parcialmente, os cânones
clássicos e arcádicos. Podemos então conjecturar; se já não era possível a
transposição e a adaptação dos ideais de época à nossa paisagem, ao
mesmo tempo que reconhecemos o conflito do poeta entre a sua formação
lusa e o sentimento “pátrio” que nele despontava. Não exageramos, se de
alguma maneira ele antecipava o que alguns anos mais tarde nos
aconselharia Ferdinand Denis. Porque Cláudio Manuel da Costa debate a
impossibilidade de “substabelecer aqui as delícias do Tejo, do Lima e do
Mondego”, mas reconhece que uma “maior paixão” “o persuadiu a invocar
muitas vezes, e a escrever a Fábula do Ribeirão do Carmo, rio o mais rico
desta Capitania que corre, e dava o nome à Cidade Mariana, minha pátria,
quando era Vila”72. Viria a seguir o poema Vila Rica e ainda não esquecer
como precedente o segundo soneto das obras poéticas:
71 Idem, pp. 99-100.
72 Idem. p. 100.
l.ei.i a posteridade, ó pátrio Rio,
Em meus versos teu nome celebrado,
Porque vejas uma hora despertado O
sono vil do esquecimento frio:
Niio vôs nas tuas margens o sombrio,
Fresco assento de um álamo copado;
Niio vis Ninfa cantar, pastar o gado Na
tarde clara do calmoso estio.
lutvo banhando as pálidas areia Nas
porções do riquíssimo tesouro t t vasiu i
ampn de ambições recreias.
Página inicial do ms. existente na Torre
do Tombo, Lisboa, das Obras de Cláudio
Manuel da Costa, submetido à
Real Mesa Censória, que eliminou
alguns sonetos com riscos transversais.
Frontispício da Ia. edição.
O R B A S
CLAUDIO
MANOEL DA COSTA,
Arcade Ultramarino , chamado
GLAUCESTE SATURNIO,
OFFEitECIDAS
Ao
mo mo
I L L. E E X. S N R.
DJOZE LUIZ DE MENEZES
ABRANCHES CASTELLO BRANCO,
Conde de Valladares , Comm: idad >r di»% Com-
mendai de S Joaó da CjOanhcira. S Jtilia6 de
Aloiuc'iìegro, S. MJ ria d: V iode . eh Maria
de I.ocores. da Ordcm de Chnflo. Governa,
dor , e Opti ¿ó General da Capitanía das
Minas Geraes, dee. £u*. «xc.
*
* *
♦**
c O I M B R A.
Na Officina de Luiz Secco Ferrei™.’
M.DCC.LXV11I.
Cm / dm unientos
históricos, por J. Norberto de Sousa e Silva, Paris, Garnier, 1864, 2 tomos; Glaura Mi, ui,,, / iiHiivs Rio de
Janeiro, Instituto Nacional do Livro-MEC, 1943, p. 86.
mento generalizado, regular e oficioso, do elogio à autoridade, acentuou
ainda o seu artificialismo formal e temático, agravado pelo cultismo. Fez
dessa composição, portanto, um verdadeiro documento da reação que já se
processava contra a poesia encomiástica associada às persistências bar-
rocas, estereotipadas — vocabulário, paralelos, metáforas, lugares-comuns.
São críticas que atingem também o Arcadismo, fundamentado em
Aristóteles e Horácio diretamente ou através de divulgadores italianos,
franceses e portugueses do século XVIII. E as exemplifica com produções
correntes, melhor avaliando o estado geral das “artes” em Portugal, então
sob os influxos das reformas pombalinas, extensivas ao Brasil Colónia.
Escreveu a propósito três composições: a sátira “Os Vícios”, o poema “As
Artes” e o poema herói-cômico “O Desertor”. A sátira ainda é de pouca
importância: o poeta traçou um esboço das origens e evolução do gênero,
da Antiguidade ao século XVIII, e reconheceu, no momento em que vivia,
que novas e maiores possibilidades se apresentavam às musas para
entoarem o seu canto, uma vez favorecidas por mecenas ligados ao poder.
E condenou a vida cortesã, a vida na cidade, sem dúvida movido pelos
ideais do Arcadismo de exaltação do campo74. Na segunda composição,
“As Artes”, prevaleceu o reconhecimento dos melhores resultados das
reformas promovidas pelo Marquês de Pombal. Constitui uma síntese de
valor histórico, em que se destacam as inovações introduzidas nos estudos
superiores em Portugal, nesta época de D. José I. Neste caso, elereconheceu a função laudatória da poesia75 76, como se admitisse o dever de
fazê-la porta-voz de feitos e fama de heróis e reis. E através de Calíope, ele
prosseguiria com o canto de louvor à Dona Maria I ao lado de D. José, para
ser “recitado na sociedade Literária do Rio de Janeiro, no dia dos anos de
sua Majestade fidelíssima D. [sic\ Maria I, em 17 de dezembro de 1788”".
Infelizmente, Silva Alvarenga cumpria a obrigação que
cie mesmo havia satirizado, a do “anual tributo” devido aos poderosos,
ainda que se justifique, numa sociedade considerada de ideias avançadas,
74 Idem, pp. 307-317.
75 Idem, pp. 331-338, citação da página 331.
76 Idem, p. 341.
o reconhecimento da repercussão das reformas pombalinas “até nestes
confins do Novo Mundo”, a “inculta pátria minha”, como escreveu.
Devíamos ter apontado antes de “As Artes”, o poema herói-cômico
"O Desertor”, caricatura do estado da Universidade de Coimbra antes das
reformas de Pombal, pois desenvolve assunto que se encontra resumido
em “As Artes”. Contém, a mais, reminiscências nativistas e crítica a
determinadas obras, algumas do domínio da literatura, com circulação em
Portugal e Brasil, apontadas como expressão do mau gosto e do obs-
curantismo, dos vícios e defeitos do cultismo:
Dum lado o Sol nascido no Ocidente,
E a Mística cidade, doutro lado Cedem ao
pó e à roedora traça.
Por cima o Lavatório da consciência.
Peregrino da América, os Segredos Da
natureza, a Fénix Renascida,
Por baixo está de Sam Patrício a cova\
A Imperatriz Porcina, e quantos Autos A
miséria escreveu do Limoeiro para
entreter os cegos e os rapazes12.
Ao que acrescenta: “Todas as obras nomeadas neste lugar são conhe-
cidas, e quando o não fossem bastaria ver os títulos para julgar do seu
merecimento, e da barbaridade do século em que foram escritas. Talvez
não sejam estas as mais extravagantes à vista do Crisol Seráfico, da Tuba
concionatória, Sintagma comparístico, Primavera sagrada etc.”13.
Certamente, o melhor sobre a poética de então se encontra nas con-
siderações preliminares que Silva Alvarenga escreveu ao poema “O De-
sertor”. Aproximadas da epístola “A José Basilio da Gama - Termindo
11 lilnn, I. II, p. 67.
1,1, Hm, p. 77.
Cr L AU R A:
POEMAS EROTICOS,
D E
MANOEL IGNACIO DA SILVA
A L V A R E N G A ,
Bacharel pela Univer\fidade de Coim-
bra. e Vrofeffor de Rbetorica no
Rio de "Janeiro.
N A A H C A D I A ,
A L C I N D O P A L M I R E N O
V
L I S B O A :
» N A OPFICINA NUKESIAHA.
ANHO M. DCC. XClX.
CcmliçeH{S de Mefa do Dcfer.bargO do PdfO;
Página de rosto da Ia. edição, cf.
reedição de Afonso Arinos de
Melo Franco, Rio de Janeiro,
Imprensa Nacional, 1943.
Sipílio”, temos a medida dos conhecimentos teóricos que ele nos transmite.
Exalta as qualidades de O Uraguai e o toma como exemplo de livre
aplicação dos preceitos que deviam guiar a criação literária. Indica as fon-
tes das quais eles provêm: resumo parcial da poética retomada a Horácio,
Aristóteles, Lucrécio, aos seus divulgadores da época arcádica, nomeada-
mente Boileau. Tratava-se de procedimento geral, mas Silva Alvarenga só
propõe o que ele mesmo adota na criação literária ou reconhece em bons
exemplos. De O Uraguai, ressalta a pintura da natureza “em quadros mil
diversos” e o domínio da língua adequada ao assunto: se “trágico coturno”
não comportava arroubos furiosos nem humildade chã, e sim um tom
I : I I K l I I A 1 l l l > l\ I u ||| .| ) I/ M W \ /\ II nr nl nn n /^rt t r s i n «
nobre, sóbrio e elevado. Aborrece o mau gosto do preciosismo ainda fre-
quente, por ser contrário ao excitar “do humano coração a origem das
paixões”, a exemplo do episódio da morte de Lindóia, em que não cabiam
“alambicadas frases e aguados epigramas ”. Prossegue com observações,
sobre a boa arte de escrever, normas que fundamentam uma possível ori-
entação crítica adequada ao estilo arcádico. Ao comentar aquele preceito
sobre a pintura da natureza “em quadros mil diversos”, escreve que o
poeta precisa seguir as leis mais simples da própria natureza, com conhe-
cimento e senso de oportunidade, para não forçar o que pretende dizer ou
pintar. A pintura tanto quanto o fato narrado devem brotar espontâneos
da composição. A exibição erudita leva ao artificialismo de concepção e de
expressão, à semelhança do academicismo barroco. Em síntese, a forç.
criadora do poeta é a originalidade, ao passo que a imitação inferioriza, se
faz repetitiva e desordenada, sem interesse, pois “o que se fez vulgar
perdeu a estimação”. Modéstia, tempo e trabalho são privilégios de eleitos,
a exemplo de José Basilio da Gama77. Reconhece, enfim, que o Arcadismo,
salvo uma ou outra restrição, abriu novas perspectivas da criação
literária78, num momento adequado, o do governo de D. José I.
José Basilio da Gama completa o panorama que esboçamos. Sua
contribuição seria a da sátira “O Entrudo”79, que lhe é atribuída, e onde são
repudiados rivalidades e elogios fáceis. Mas o que a faz significativa é a
observação, coincidente com Filinto Elisio, sobre o abandono da “antiga
locução, áspera e dura”:
77 Idem, pp. 290 c 292.
78 Idem, pp. 5 e 7, onde conceitos e fontes se desdobram: a arte como imitação da natureza, segundo
Aristóteles, Poética (capítulo IV), e Lucrecio (liv. 1, v. 1378); ainda conforme a fonte grega, a definição do
épico, do trágico e do cómico; o reconhecimento a favor de sua obra de que a ação é mais direta e eficiente
no poema herói-cómico do que no cómico, satisfazendo melhor os fins da poesia; admite, cm consonância
com o épico c o trágico, a fusão do heróico com o cómico, firmado na autoridade de Platão (Diálogo 3 da
República) de “que autores trágicos e cómicos jamais serão per- leitos em ambos". K justifica-se pela escolha
do herói-cómico: “porque imita, move e deleita, e porque mostra ridículo o vício, e amável a virtude,
consegue o fim da verdadeira poesia”, evocando a A)ir Poética de I lorácio.
líi |nn‘ llasílio da ( l a m a , Obras Poéticas, precedidas de uma biografia crítica e estudo literário do poeta pui |nMl
Vei íntimo, Kio de Janeiro, Garnicr, s. d., p. 2 0 1 .
Faze outra vez viver as esquecidas,
Adota embora as novas, funde as velhas,
Lima os informes, pule as escabrosas,
Enriqueça-se a língua portuguesa Com
prudente licença e boa escolha;
Porém nunca vocábulos nos digas
Que arranham os bichinhos dos ouvidos80 81.
Outra contribuição de Basílio da Gama é a tradução parcial de obra
de Dorat, A Declamação Trágica — Poema Dedicado às Belas-artes™. De acentuado
caráter didático, a parte traduzida, sobre o ator, suas qualidades e a arte de
representar, é de interesse para o estudo da criação e da vida teatral da
época. Também admitimos que tenha tido repercussão nos momentos
definidores do nosso teatro romântico.
2. A POESIA ARCÁDICA - I - OS LÍRICOS
Na segunda metade*do século XVIII - ao mesmo tempo que persiste o
movimento academicista na prosa e na poesia, conjuntamente com o
Barroco na arquitetura, nas artes plásticas e na música -, registra-se a re-
ação renovadora da poesia arcádica, do neoclássico ao pré-romântico, em
dois centros urbanos já de acentuado desenvolvimento — Rio de Janeiro e
Ouro Preto. Neste último, apontam-se Cláudio Manuel da Costa, Inácio
José de Alvarenga Peixoto e Tomás Antônio Gonzaga, os dois primeiros
nascidos no Brasil, o último em Portugal, todos com formação na Uni-
versidade de Coimbra. Um segundo grupo é do Rio de Janeiro, mas apenas
com uma figura de destaque, Manuel Inácio da Silva Alvarenga. Também
brasileiro, formado em Coimbra, fundou a Sociedade Literária do Rio de
Janeiro, enquanto Cláudio Manuel da Costa promoveria a Arcádia
Ultramarina, isto é, um ato acadêmico em Ouro Preto. Os dois, portanto,
estão relacionados com o movimento academicista. Contam-se ainda
80 Idcrn, p. 202.
81 Idem,p. 151 .
ci José de Santa Rita Durão e José Basilio da Gama, este, noviço egres- da
Companhia de Jesus, brasileiros, com experiência brasileira, reabriam suas obras
em Portugal, mas sobre temática nossa.
Todos eles compõem um conjunto representativo da poesia arcàdica
neoclássica, de início ainda não contaminada pelo Iluminismo. Logo ais surgem
os poetas ditos pré-românticos: Pe. Antônio Pereira de >usa Caídas, com
viagens pela Itália, realizando sua obra em Portugal; ei Francisco de São Carlos,
religioso do Rio de Janeiro; José Bonifácio ■ Andrada e Silva, paulista que
retorna ao Brasil e se fixa no Rio de Ja- ■iro, depois de longa experiência em
Portugal e outros países da Euro- i; Domingos Borges de Barros, baiano que
também se fixará no Rio de neiro, com experiência na França. É quando o Rio de
Janeiro, com a esença da Corte Portuguesa e a consequente independência do
Brasil, issa a ser foco de convergência e irradiação da vida do país. Concentra
itão o nosso Pré-romantismo com suas reminiscências arcádicas e neo- íssicas, as
consequências políticas, intelectuais e culturais da passagem ) Estado colonial
para o Brasil-nação, as sugestões renovadoras de es- ingciros, e a busca
reativada e intensa da identidade nacional.
Com os dois agrupamentos indicados, o de Ouro Preto e o do Rio : Janeiro,
define-se, pois, de fins do século XVII1 para princípios do IX, uma fase arcàdica
e neoclássica ainda muito presa aos modelos ou íluxos externos portugueses
predominantes e também à influência ¡tana. A fase subsequente, a pré-
romântica, daria a abertura para a subs- uição dos modelos portugueses pelos
modelos franceses, que por sua z se tornariam igualmente predominantes. Mas
então a substituição é nossa livre escolha.
Do primeiro momento, não resta dúvida, provém, com Cláudio anuel da Costa,
Gonzaga, Alvarenga Peixoto, Santa Rita Durão e Baio da ( ¡ama, o melhor
conjunto da produção poética de todo o Perío- ie
riquezas geradas pela mineração; 3“) finalmente, a separação dos amantes por
força do “ideal” de libertar a “pátria adotiva”, o que levaria o poeta à condenação
e ao desterro, frustrando-se o seu outro ideal pessoal ou de vida íntima.
Elaboradas as poesias em Ouro Preto, no convívio com Marília, e na prisão no Rio
de Janeiro, é possível que Gonzaga já tivesse escrito algumas dessas liras (espécie
formal de ode lírica) em Portugal, e as tivesse adaptado às circunstâncias do seu
novo amor. No todo, elas caracterizam evidentemente o bafejo do clima e do
espírito da sociedade da mineração, contendo mesmo referências informativas
sobre processos de exploração do minério. Ouro Preto, com a mineração e a
revolta da Inconfidência Mineira, o amor, a ideologia da liberdade responsável
pela frustração do ideal de vida conjugal e sentimental (embora o poeta se
inocentasse da sua participação na revolta), a reconhecida beleza
permanentemente comunicativa da obra, são sem dúvida as qualidades pelas
quais os românticos a exaltaram. Essas qualidades seriam imitadas, com muita
artificialidade, mas prevaleceria a mitificação da vida e dos ideais do poeta,
projetados com sua amante, sa-
Retrato de Tomás Antônio Gonzaga,
cf. reprodução em Marílta de Dirceu, de
Fernando Cristovão, Lisboa, Temas
Portugueses, 1 9 8 1 .
Içados, na tradição brasileira22. Podemos dizer que é fato único de a a
produção do Período Colonial, espontaneamente aceito pela pos- dade. Nesse
caso, a tradição é mais importante do que a revisão da ória em busca da
exatidão biográfica e da veracidade do envolvimen- dcológico.
>» rmnílmicos não só mitificaram a Inconfidência Mineira como também o fizeram em destaque mu liimâs Antônio
Gonzaga, o lírico de Marília, que sacrifica o amor pela liberdade da pátria ado- i v , i ; I m a punir daí que sc falseou a
sua biografia, com o retrato do poeta desterrado, solitário e lumliisn. enquanto os românticos ainda se inspiravam em
sua vida e mesmo obra como assunto li- • i u|o i Imuuvam as suas liras. Contudo, não se pode falar da influência da
obra poética de iim/aga na pm sia brasileira, a não serem casos excepcionais.
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M A R I L I A
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L I S B O A :
NA TYPOGRAFIA NUNESIANA
ANUO M. DCC. xai.
Com Licença da Real Aíeyi da Commifsão Cera! Jobrc o
Exame, t Ccnfura dos Lixrct.
Silva Alvarenga deixou-nos a obra Glaura, Poemas Eróticos, composta de
rondós e madrigais, traduzindo seu amor por uma única musa83. Sem
dramaticidade, sem predominância de lamentações, exprime-se com a
ligeireza que caracteriza aquelas formas poéticas. Deu preferência às
comparações com a natureza, despojando-se do mitológico, e até desta-
cando árvores e frutos existentes no Brasil - a mangueira, a laranjeira -
como componentes de uma paisagem propícia aos idílios. Mas é apenas a
“cor local”, destituída de sentimentos e sem intenções de adequar a nos-
83 Manuel Inãcio da Silva Alvarenga, op. cit.
A k i i i . i i t i i I I • i i i . . i i i . n l i i i w t i \ i l / 1 i » i t > i / M \ / \ r m m i i A i
sa paisagem aos ideais da paisagem-modelo-arcádico. E continua uma li-
nha de tradição de fora para dentro, em outras composições poéticas, por
exemplo o poema “O Desertor”, sobre a reforma da Universidade de (
ioimbra pelo Marquês de Pombal, ou odes em que presta, como diz, o
"tributo”, indispensável e regular, à autoridade constituída, não obstante
ter-se manifestado em contrário84. Foi professor de retórica no Rio de Ja-
neiro, fundador da Sociedade Literária, que seria fechada pela autoridade
sob a alegação de difundir idéias avançadas para a época, as “idéias
francesas”, provenientes do Enciclopedismo e da Revolução. Deixou-nos
também, como vimos, a importantíssima “Epístola/A José da Gama,
Termindo Sipílio”, síntese admirável da poética arcádico-neoclássica es-
crita a propósito d’O Uraguai, e a tradução adaptada do poema “As Artes”,
de Dorat, sobre o teatro e a arte de representar85 86 87.
3. A POESIA ARCÁDICA - II - OS ÉPICOS
Frei José de Santa Rita Durão, Caramuru, José Basílio da Gama, O
Uraguaie Cláudio Manuel da Costa, Vila Rica21’, apresentam-se sob formas
tradicionais e transformadas, e sob a presença do modelo camoniano17,
mas inteiramente voltados para uma temática representativa da história do
Brasil Colónia. O primeiro se mantém fiel ao esquema básico da estrutura
de Os Lusíadas-, divisão do poema em cinco partes — invocação, proposição,
dedicatória, narrativa e epílogo; a oitava rima; e outros recursos da
narrativa épica, sobretudo o maravilhoso. Abrangendo a nossa
84 Idenr, v. “O Desertor ”, r. 11, pp. 3-44, e quintilhas “ao vice-rei Luís de Vasconcelos e Sousa no dia dc seus
anos”, t. 1, pp. 227-232.
23. Idem, "A José Basílio da Gama” (epístola), op. cit., 1.1, pp. 289-294.
26 Frei Josd de Santa Rita Durão, Caramuru (poema ¿pico do descobrimento do Brasil), Lisboa, 1 7 8 1 , c a nova
edição brasileira, precedida de biografia do autor pelo Visconde de Porto-Seguro, Rio de lanciro, Garnicr,
s. d.; José Basílio da Gama, O Uraguai (poema), Lisboa, Régia Oficina Tipográfi- i a, 1769, c Obnis Poéticas,
precedidas de uma biografia crítica e estudo literário do poeta por José Vi l Isaimo, Rio de janeiro,
Garnier, s. d.; Cláudio Manuel da Costa, “Vila Rica”, em Obras Poéticas, ed, cit,, 2 vols, w
' 1 illberio Mendonça Teles, Camões na Poesia Brasileira, 3. ed. rev., Rio de Janeiro, LTC, 1979.
historia do século XVI ao XVIII, toma como episodio central, unificador do
poema, a legenda de Diogo Álvares Correia, apelidado o Cara- muru, no
seu relacionamento com índios, cujos hábitos, costumes, valores, guerras
sáo minuciosamente descritos. Para a legenda do Caramuru, apóia-se em
cronistas, destacadamente em Sebastião da Rocha Pita, que lhe deu a
versão definitiva.
Se Santa Rita Durão se mantém na revivescência do nativismo e do
indigenismo mais do que do indianismo do século XVI, fiel ao mesmo
tempo às características formais do Quinhentismo clássico, os dois outros
épicos se enquadram no século XVIII entre os árcades, um passo à frente.
E certo que o modelo camoniano persiste no verso, sobretudo na sugestão
do episódio lírico: no Caramuru, Moema versus Diogo Alvares, em O Uraguai,
Lindóia e Cacambo; e no Vila Rica, diluindo-se no poema, Aurora e Garcia.
São reflexos da associação amor e morte, e caminho da repercussão no
Brasil do mito de Inês de Castro, fixado por
Camões88. Contudo, nos dois últimos épicos brasileiros a forma evolui %
para uma expressão menos disciplinada. O maravilhoso, se ainda está
presente, cede lugar às sugestões da cosmogonia indígena, embora comi
nuem fiéis à distribuição da matéria em partes, cantos e episódios.
Considere-se, em contrapartida, a limitação temporal c espacial da
matéria épica: em O Uraguai, as lutas de portugueses contra índios
catequizados e assistidos por jesuítas ao se fazer cumprir o tratado de 1750
entre Espanha e Portugal, afetando a situação dos Sete Povos das Missões
do Uruguai; no Vila Rica, a penetração bandeirante, a descoberta do ouro
das Minas Gerais e a fundação de Ouro Preto. Em José Basilio da Cama - o
nosso primeiro poeta engagé— o apoio à política do Marquês de Pombal,
antijesuítica, que culminaria com a expulsão da Companhia de Jesus dos
domínios portugueses; em Cláudio Manuel da Costa, o compromisso
único com a história interna. Nos dois últimos,
88 Lembramos apenas Jorge de Lima, “Invenção de Orfeu: Canto II - Subsolo e Supersolo - XIX", em Obra Completa - I
- Poesia e Ensaios, Rio de Janeiro, Aguilar, 1958, pp. 704-706.
i p .
DARAMUItU.
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DESCOBRIMENTO
D A
B A H I A .
COMPOSTO
POH
. JOSt- DE SANTA RITA DURÍO ,
)i-dcin dos20 e
30 do nosso século, para se diferenciar em “brasilidade”, con- le
esclareceremos oportunamente.
Evidentemente, no estudo da formação da Literatura Brasileira, não
>de fugir ao reconhecimento simultâneo dos legados europeus e áme-
los. O primeiro se achava há muito definido quando nos foi transmi-
durante a nossa formação, a contar do descobrimento do Brasil, co-
iicando-nos idéias, atitudes de vida, estilos e modelos literários. Mas é
» que, atuando em novo condicionamento ou sob circunstâncias de
íovo contexto, desencadearia o processo de interação com a paisagem
ultura nativas. Dessa maneira se transforma e ao mesmo tempo reativa
o i|iu |oaé Veríssimo escreve a propósito, referindo-se ao Romantismo, em História da Literatura
italtira, Hio de Janeiro, Francisco Alves, 1916, pp. 1 e ss., e o destaque que daí fazemos na nota do
capitulo II: “Definição do Período Colonial".
raízes americanas: desencadeia mútuas interferências nessa paisagem físi
ca c humana inteiramente nova, o Brasil. Quaisquer que sejam as ponde-
rações de ordem metodológica, pois, para fundamentar a compreensão in-
terna da Literatura Brasileira, é conveniente considerar a inspiração cons-
ciente ou não de uma temática originária do nosso universo e a linguagem
adequada à fixação e transmissão dessa temática. Esboça-se uma pers-
pectiva que abre a visão singular do processo literário interno para o com-
paratismo, sem ofuscar, porém, a preponderância da contribuição portu-
guesa e espanhola, ou seja, hispânica, entre outras. Resta então investigar,
para saber até que ponto a heterogeneidade continental em que nos situ-
amos é produto diversificado ou não do legado eurolatino transplantado
para um espaço geográfico novo3. Certamente, é preciso levar em conta a
diversificação de condicionamentos e o que tenha persistido em cada país
e entre países no todo hispano-americano.
Pressupomos desde o início o enquadramento do Brasil e sua litera-
tura no panorama mais geral dos estudos ditos ‘'latino-americanos”. Em
outras palavras, reconhecemos um ângulo de visão “latino-americano” em
busca da compreensão do papel histórico e cultural de Portugal e da I
spanha na América Latina. Mas também é possível admitir que as missões
portuguesa e espanhola são tanto expressões próprias quanto portadoras
de uma missão mais geral, a européia. E, do mais restrito cm âmbi to
peninsular ibérico ao mais amplo em âmbito europeu, o desempenho das
atribuições portuguesa e espanhola no novo contexto em que se pio jetam
pode ser pensado em quatro grandes etapas: lJ) .1 Iteróit .1 o épii .1 do
século XVI; 2a) a de exploração e de vigilante contenção, dos sei ulos
y Já sc generalizaram os estudos e discussões cm torno do conceito e idcmldiidr da Aun'iii ,i latina, retomada
recente de preocupações que, nos limites n.n ¡intuis, vmliiun sendo aguadas«ritlcnmcnti desde o
Romantismo, alargando-se em Ambito coiiiineiiiiil iniiudunn un di litis do siSatlo passado ao principio do
atual. As posições que assumimos neste lis io loiam pela pioneira Ve» sistematizadas em confprência
realizada em 1972 na Universidade di Ais en 1‘rnvenic e na de l’arls III Nouvcllc Sorbonne. É deste mesmo
ano a importante col« tilm a d> • mam oiguni/udii sob o patrocínio da Uncsco, América Latina cu su
Literatura, ttordonn nhi r intimliu iilu poi (lesar Fernandez Moreno, Mi'xicod’aris, Siglo Veintiuno, Uncsco.
1972,
II ao XVIII; 3a) a de reação nacionalista e afirmação ameritanis-
nlo XIX; 4a) finalmente, no século XX, a conquista definitiva da
ide.
eramos a nossa intenção de sugerir a perspectiva que se descor-
em i o para fora. Certamente, tal enfoque favorecerá, de maneira
da c autónoma, as buscas de explicação de culturas e de civiliza-
ditas “latino-americanas”, como incorporação de legados euro-
cos e fecundos no contexto americano portador de património ,
além da contribuição africana. Por outro lado, os expansionis-
nquistas de Portugal e da Espanha permanecem respeitados com
atidão histórica. E sem dúvida será possível avaliar com rigor o
cc singular, isto é, a transplantação que se faz sob a vigilância
administrativa, por um lado de Portugal e por outro da Espa-
|iii ( pacífico, conforme já admitimos, que aqueles países eram rs
ilc sementes comuns ou igualmente fecundadas no resto da uma
I i satamente a sobreposição ou soma do específico portu-
t. mhol mais o comum europeu que alimentará, para a definição
ii a I alma , os germes de um amplo arejamento aquém das frontil
as. f. o caso então de dizermos que os americanos de hoje se
"latino-americanos” à medida que todos aqueles germes fecun-
n ta mente com as sementes indígenas e também com as africa- ;
cedo ou mais tarde, a contar mesmo do Período Colonial, eles a
frutos de alimento comum. De fato, é em dado momento de e
mudança repentinas, com a Independência e o início do Ro- >,
que se verifica a retomada ostensiva de nossas fontes originá-
itrimônio autóctone, então glorificado e mitificado. Rompiam- de
contenção e vigilância impostos pela colonização.
u, AO HOMEM/TERRA, OS INFLUXOS E A PERIODICIDADE
lido a esclarecer origens, evolução e conseqüente definição da
brasileira, propomos um esquema de periodização fundamen- 2
2 I 111 RATURA BRASILEIRA
tacla na atuação do que consideramos “influxos externos” - tudo o que
resulta da ação adventícia, e “internos” - tudo o que resulta da reação
autóctone, “brasileira” e mestiça, ambas estimulando a relação homem «-»
terra.
lu) Período Colonial- Sécs. XVI/XVII/XVIII - Quinhentismo, Barroco,
Arcadismo, Pré-romantismo, em que inicialmente os “influxos externos”
são preponderantes sobre a “relação homem/terra”, constrangendo os
“influxos internos”. Logo a seguir, porém, com a fixação do colonizador e a
miscigenação, os primeiros começam a sofrer a interferência dos segundos.
Principia, então, o desencadeamento do processo, lento, de conquista da
identidade.
2°) Período Nacional - I — Séc. XIX - Romantismo, Poesia Científica,
Realismo, Naturalismo, Parnasianismo, Simbolismo. Cessada a pre-
ponderância do colonizador, diversificam-se espontaneamente as fontes
dos “influxos externos”, cuja interação com os “internos” passa a ser de
nossa livre preferência.
3°) Período Nacional — II - Séc. XX - Pré-modernismo, Modernismo.
Consolidando a nossa maturidade, sob a reflexão crítica de equilíbrio entre
aceitação e rejeição, possibilita-se definitivamente a expressão própria, e a
universalização do regional ao nacional, da nossa temática.
No Ia Período ou Período Colonial, as reações alimentadas pelos efeitos dos
“influxos esternos” e “internos” na “relação homem«-»terra” logo se
confundem ao tentarmos apreendê-las e caracterizá-las em termos gt>. rais
e envolventes de coordenadas - ideologia, freqiiências temáticas, idéias
críticas e poética. Registramos, assim: 1) nativismo dc exaltaçãoEremitas de Santo Agostinho,
turai da Catu-Preta nas Minas GeraeS.
BA H I A *
tv\ TYPOCRAPHIA or. SERVA E Conf« lina do
5 Co se ». ° ¿0.
18377
Página de rosto do
Caramuru.
contudo, a matéria é historicamente limitada, o que já por si só impunha um
tratamento diferente daquele que pudesse ser dado a uma matéria
abrangente, de projeção ou vinculação retroativa e prospectiva, como em
Santa Rita Durão. E Basílio da Gama encontraria soluções melhores do que as
de Cláudio Manuel da Costa. Sem prejuízo da força épica, ele abre um
cenário amplo, a um tempo cinza e luminoso, recortado pelo volume de água
em movimento e com detalhes de refugio quase sombrio na MU composição
de verde com a natureza tímida - considere-se a gruta em que I indóia se
isola à procura da morte. Nesse cenário, a açã® se desenvolve corrida em sua
sequência cronológica, traduzida em linguagem
Página de rosto de
O Uraguai.
OURAGUAY
P O E M A
JOSÉ BASIUO DA GAMA
N A A R C A D I A D E R O M A
TERMINDO SI PJLIO
D E D I C A D O
A O I LL . M O E E I C . " " S E N H O R
FRANCISCO XAVIER
D E M E N D O N Ç A F U R T A D O
S E C R E T A R I O D E E S T A D O
S. M A C E S T A D E F I D E L Í S S I M A
c?v. te.
L I S B O A
N A R E C I A O F F I C I N A T Y T O C R A P J C A
* A«NO HDpctxix
Com licença da Ru! Mexa
Cenftrlñ.
que foge aos lugares comuns da época, moldada em versos brancos e
estrofação livre, com imagens sóbrias. Tudo isso faria do poema um mo-
delo das transformações e renovação da poesia da época. Se o seu con-
temporâneo Silva Alvarenga foi o primeiro a louvá-lo como exemplo da
boa poesia a ser cultivada, os românticos o consagrariam como expressão
de poesia americana. E há razão em ambos, se considerarmos particular-
mente a visão do índio, ainda que tenha sido apreendida já em estágio
avançado de aculturação em conseqiiência da catequese jesuítica.
Se Basilio da Gama contou com o espaço plano e livre da paisagem dos
pampas, que ele conheceu, já Cláudio Manuel da Costa delinearia
im cenário denso, irregular e hostil, sugerindo a travessia dos bandeiran-
es até o local montanhoso da descoberta das minas. A ação do poema,
ambém em sequência cronológica, se agravaria com a monotonia do de-
assílabo emparelhado, embora de estrofação livre. É pesado, escoa len-
amente. E o poeta não atingiu as qualidades literárias do seu antecessor,
le quem chegou mesmo a refletir alguma influência. Sem dúvida, pro-
urou enobrecer a imponência da paisagem selvagem, mesmo sob o peso
Ic sugestões provenientes da linguagem mitológica dos clássicos e neo-
lássicos, enfatizando as alegorias. Assim, sua visão do índio talvez tenha-
E constituído na maior abertura até então sugerida para o tratamento li-
srário do indianismo romântico.
. POETAS PRÉ-ROMÂNTICOS
Em prosseguimento do Arcadismo, segue-se a fase de produção poé-
ca ligada às transformações pré-românticas. A partir de raízes setecen-
stas, ela preenche o primeiro quartel do século XIX, limitada ao Rio de
meiro. Para aí converge a ação do Pe. Antônio Pereira de Sousa Caídas,
rei Francisco de São Carlos, José Bonifácio de Andrada e Silva, Domin- ;>s
Borges de Barros e até Antônio Peregrino Maciel Monteiro. Os dois
rimeiros se destacam pela poesia de inspiração religiosa, cabendo a >usa
Caídas posição de maior relevo, não obstante estar mais enraizado o
século XVIII do que em princípios do XIX. Cultivando a poesia de
ispiração “profana”, ao lado da religiosa, em formas tradicionais, nos tria
uma obra de publicação póstuma, Poesias Sacras e Profanau29. Inspi- IU-SC na
Bíblia, nesse momento em que o Velho Testamento é descoberto »mo fonte de
poesia pelo Pré-romantismo, e foi o primeiro entre nós a sentir aspecto do
famoso discurso de Rousseau sobre a desigualdade
IV /\ni6llio Pcreiia ilc Sousa Caldas, Obras Poéticas, Paris, Oficina de P. N. Rougeron, 1820-1821, lumiM (ni.
pdsuima dévida a Antonio de Sousa Dias, com notas de Francisco de Borja^îarçâo Sim Ider),
IdlNUAl l O i ’ S i I ) 1 P U U l n n n n i t n D C D f n n n m i m . i n
entre os homens, opondo as vantagens do estado selvagem ao estado social.
Ele e Frei Francisco de São Carlos, autor do poema sobre Nossa Senhora - A
Assunção™, são as últimas expressões de uma poesia de inspiração religiosa e
de culto da Virgem Maria que provém do século XVI.
Os três seguintes - José Bonifácio de Andrada e Silva - Poesias Avulsas de
Américo Elísio, Domingos Borges de Barros - Poesias Oferecidas às Senhoras Brasileiras
e Os Túmidos, e Maciel Monteiro - Poesias11 - são líricos e patrióticos: caminham
para os objetivos dos românticos. Além de influências portuguesas,
exprimem influências italianas, inglesas e sobretudo francesas, propagando o
Pré-romantismo europeu tomado a fontes diretas. José Bonifácio foi leitor e
tradutor de Walter Scott, de Byron, da Bíblia, de gregos e latinos, revela
consciência crítica da renovação literária que se processava e chegou mesmo
a propor o enriquecimento da língua pelo uso literário do nosso vocabulário
diferenciado. Domingos Borges de Barros encontrará consolo pela perda do
filho nas sugestões de confidência e lamentação da “poesia dos túmulos” que
se propagava nos primeiros momentos do romantismo europeu, lodos eles,
inclusive Maciel Monteiro, cultivam certo subjetivismo amoroso e
sensualista, ao lado da poesia já de feição patriótica e de exaltação da
liberdade.
Esses poetas, dos árcades aos pré-românticos, refletem os efeitos dos
influxos externos atuantes sobre nós, sujeitos às tensões dos influxos in-
ternos: o que predomina, como formas literárias, poéticas, deriva dos in-
fluxos externos, cujas transformações, no que pese a tradição da língua e do
verso, continuarão assim sob a aceitação de modelos, sugerindo uma 89 90
linha igualmente externa de propostas românticas para nós. Mas, o trata-
mento temático prossegue pressionado pelos influxos internos, envolvido
pelas coordenadas do nativismo e do indigenismo/indianismo, que por sua
89 Frei Francisco de São Carlos, A Assunção - Poema Composto em Honra da Santa Virgem..., Rio de Janeiro,
Impressão Régia, 1819, e nova ed. cor., Rio de Janeiro, Garnier, 1862 (introdução de J. C. Fernandes Pinheiro).
90 José Bonifácio de Andrada c Silva, Poesias Avulsas de Américo Elísio, Bordéus, 1825; ed. fac-simi- lar, Rio de
Janeiro, Academia Brasileira, 1942; Domingos Borges de Barros, Poesias Oferecidas às Senhoras Brasileiras,
por um Baiano, Paris, Aillaud Librairie, 1825, 2 vols.; Novas Poesias Oferecidas às Senhoras Brasileiras, por um
Baiano, Rio de Janeiro, Laemmert, 1841; Os Túmulos, Bahia, Tipografìa de Carlos Pongetti, 1850; Maciel
Monteiro, Poesias (ed. póstuma), texto organizado e apresentado por José Aderaldo Castello, São Paulo,
Conselho Estadual de Cultura-Comissão de Literatura, 1962.
vez alimentarão o nosso nacionalismo romântico, aguçando a busca de
identidade própria.
CAPITULO VI
A CAMINHO DA UNIDADE
1. ESQUEMA GERAL DAS MANIFESTAÇÕES LITERÁRIAS DO PERÍODO
COLONIAL
Visando a uma reapreciação conclusiva do Período Colonial, pro-
pomos o quadro a seguir, com esclarecimentos necessários e reconsidera-
ção das coordenadas - nativismo e indigenismo/indianismo, que unificam
as manifestações literárias deste período:
1. As Fundações - Século XVI
iK fUNDACÔES O 1« l>FRlnnn nu n i>EUÍíinri
mi/uim
1.1. O espaço litorâneo é predominante como foco
de observação e inspiração.
1.2. Surgem os primeiros centros urbanos que se
organizarão progressivamente — Salvador,
Recife/Olinda, Rio de Janeiro — onde principiará a
concentração de atividades culturais e intelectuais;
afirmar-se-ão neste sentido nos séculos seguintes,
ampliados, no século XVIII, por São Paulo (fundada no
século XVI) e por Ouro Preto e a constelação de cidades
da região aurífera.1.3. Prosa — informativo-descritiva, com conteúdo
histórico, de cronistas portugueses, jesuítas e viajantes
aventureiros estrangeiros.
1.4. Poesia - formas monologadas, dialogadas e
dramática, visando à catequese; épica e lírico-religiosa.
1.5. Figura-síntese — Pe. José de Anchieta.
1.6. Coordenadas que surgem e prosseguem em
transformação pelos séculos seguintes: a) nativismo e
suas diversificações; b) indigenismo/indianismo. O
conteúdo ideológico dessas coordenadas incide e se sur-
preende nas manifestações indicadas nos itens 1.3., 1.4.
e 1.5., com função de unificação interna, a caminho da
identidade própria.
2. As Construções - Séculos XVII e XVIII-XIX
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propagado. Essas sementes germinariam no século XVIII,
quando já estão definidos estilo e ideologia do Barroco. Neste momento contamos com
a implantação do que se tornou uma tra
91 V. Hernâni Cidade, Lições de Cultura e Literatura Portuguesas (Séculos XVa XVIII)t 2. ed. rct. e ampliada, Coimbra, 1942, vol. I;
Fidelino Figueiredo, História da Literatura Clássica (1502-1580), Lisboa, Clássica, 1917, vol. 1.
t.l là.1 I . A . . ^
ição de linguagem e de sentimentos contraditórios, cujas transfórmanos e
enriquecimento metafórico são propiciados exatamente pelo Bar- DCO, do século XVII
ao XVIII. Portanto, a prosa que se cultivou não só >lm- o Brasil e no Brasil, mas
também a própria prosa portuguesa, do ■culo XVI ao XVIII, caminham nas suas
transformações para a caracte- i/ação barroca. E é assim também que os nossos
cronistas e prosadores, ompreendida aí a oratória sacra e acadêmica, se nos
apresentam ao mes- 10 tempo distinguidos pelos influxos do condicionamento
interno. E bservemos que na literatura do Brasil Colónia, curiosamente, só pódelos
divisionar a diferenciação de estilos e formas literárias, a contar do dassicismo
quinhentista ao Barroco e Arcadismo, no domínio da poesia rica e épica, na qual,
contudo, prevalecerá o modelo camoniano. Mas, mto a prosa quanto a poesia
acentuarão sempre a sua marca diferencia- ora interna com relação aos modelos
externos por força da ação dos in- uxos do condicionamento interno, alimentadores do
sentimento nati- ista e do indigenismo/indianismo. Finalmente, consideremos ao
mesmo •mpo que, com as atividades literárias locais, se registram a partir de içados
do século XVII promoções e realizações de festejos públicos, en- (| nocidos no século
XVIII pelos atos acadêmicos e pelas academias his- íricas, literárias e científicas.
Em síntese, reconhecido o filão barroco do século XVI-XVI1 ao VIII, devemos
considerar através dos séculos indicados:
1“) A prosa descritivo-histórica, a genealógica e até a narrativa modista, além da
oratória sacra, cultivadas em centros urbanos em desen- ilvimento como Salvador,
Recife/Olinda, Rio de Janeiro e São Paulo.
2“) A poesia épica, a satírica e a lírica, que na segunda metade do VIII evoluem do
Barroco para o Arcadismo e Pré-romantismo. Foram iltivadas, desde o século XVI,
sucessivamente em Salvador, Recife, Rio • Janeiro e Ouro Preto. Elas traduziam, para
nós, como imposição dos fluxos externos, as repercussões e poéticas da época.
'“) A frcqüéncia de festejos, atos acadêmicos e academias, em todos indigenismo/indianismo —»
nalismo -> brasilidade - a contar de princípios do Período Colonial,
0 é que todas refletem aquela relação de ordem geral - homem/ter- er dizer,
adventício/autóctone/terra conquistada, estimuladora, pelo do tempo, da
representação da realidade e paisagem brasileiras pela
:ura. A terra ofereceria e proporia de início um condicionamento ao
colonizador, que oscilaria da sedução à repulsa, do amor ao des- 93 94
dade e malícia, pelo autóctone. Esboça a perspectiva da relação homem/ terra e das
duas coordenadas que daí resultariam: nativismo e indigenis- mo/indianismo:
Viu um deles [um índio] umas concas de rosário, brancas; fez sinal que lhas desse, e folgou muito
com elas, e lançou-as ao pescoço; e depois tirou-as e meteu-as em volta do braço, e acenava para a terra e
novamente para as contas e para o colar do Capitão, como se dariam ouro por aquilo.
, da solicitação do retorno à acomodação da permanência, sob o jogo jeranças e
ambições. (Subordinava-se à possível conciliação de pro- 5 das quais ele
mesmo era portador - com a indispensável ou ine-
94 procura de respostas a serem geradas pelo contexto novo e numa igem
que a este também correspondesse. Resulta em nativismo, de poi ii.i vez
desabrochará uma forma híbrida de sentimento pátrio. > primeiro contato por
ocasião do descobrimento e posse oficiais i .1. lixado por ( aminha, registra
impressões exteriores da paisagem,
dtide mais entrevista do que vista, e a simpatia, misto de ingenui-
Isto tomávamos nós nesse sentido, por assim o desejarmos! Mas se ele queria dizer que levaria as
contas e mais o colar, isto não queríamos nós entender, porque lho não havíamos de dar! E depois tornou [a
entregar] as contas a quem lhas dera.
[••.]
E segundo o que a mim e a todos pareceu, esta geme, não lhes falece outra coisa para ser toda cristã,
do que entenderam-nos, porque assim tomavam aquilo que nos viam fazer como nós mesmos; por onde
pareceu a todos que nenhuma idolatria nem adoração têm.
[...]
Até agora não pudemos saber se há ouro ou prata nela, ou outra coisa de metal, ou ferro; nem lha
vimos. Contudo a terra em si é de muito bons ares frescos e tempe- rados como os de Entre-Douro e Minho,
porque neste tempo dagora assim os achávamos como os de lá. [As] águas são muitas; infinitas.Em tal
maneira é graciosa que, querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo; por causa das águas que tem!
Contudo, o melhor fruto que dela se pode tirar parece-me que será salvar esta gente. E esta deve ser
a principal semente que Vossa Alteza em ela deve lançar. E que não houvesse mais do que ter Vossa Alteza
aqui esta pousada para essa navegação de Calicut [isso] bastava. Quanto mais, disposição para se nela
cumprir e fazer o que Vossa Alteza tanto deseja, a saber, acrescentamento da nossa fé95.
Caminha também sugere a busca às riquezas fáceis, visão de eldorado que,
porém, por mais de dois séculos esconderia os seus tesouros. Sob o ideal da
cristianização do gentio, portanto, o expansionismo de ambições materiais; e nas
relações de um com o outro, as posições que adviriam inconciliáveis. Mas pesa e se
propõe a expansão da fé, a ser compensada, em caso de inviabilidade, pela sedução da
riqueza ofertada com os estímulos para buscá-la. São dois pólos incertos de ideais e de
interes-
95 Pero Vaz de Caminha, Carla a El-rei D. Manuelcit. (Leonardo Arroyo), pp. 35, 65 e 67.
l'ONIIAl Ol'S n i* iMinlrtnn IMI r, ~
scs: o índio em estado pagão e selvagem, a perspectiva de exploração de
riquezas possíveis mesmo em terra ainda desconhecida. Dá-se origem ao nativismo,
com inspiração na paisagem a serjouvada em superlativo. Mas houve exceções, isto é,
descrições objetivas ou da paisagem realmente sentida em oposição à entrevista sob o
recurso das comparações. Como ponto de partida, Caminha é deslumbramento,
enquanto Anchieta- e o Pe. Manuel da Nóbrega o antecede da mesma maneira5 - é a
visão do observado e ao mesmo tempo sentido, mas sem que os sentidos perturbem a
objetividade. Quando não é possível, resta perplexidade, por :xemplo, sobre
superstições que chegaram até nós. Em carta de Anchie- a‘\ é longa a descrição de
partes sul do Brasil: situação geográfica; esta- ,óes do ano e frequência das chuvas;
peixes, cobras, lagartos, animais diversos, até formigas, abelhas, insetos, aves; ervas e
árvores, dando ênfase is medicinais; e, finalmente, antes de concluir com referência à
sanidade lo índio, a observação sobre superstições:
Quanto ao que costuma atemorizar os índios, os espectros noturnos ou antes emônios, o direi em
poucas palavras. É conhecido, e anda na boca de todos, haver ns demónios que os brasis chamam corupira,
que muitas vezes no mato acometem os idios c os ferem com açoites, atormentam e matam. Disto são
testemunhas os nossos mãos que viram algumas vezes os mortos por elas [sic\. Por isso, os índios, num ca-
linho, que por matos ásperos e montes íngremes vai para o sertão, ao passar no cimo D monte mais alto,
costumam deixar penas de aves, abanos, flechas e outros objetos melhantes, rogando-lhes muito que lhes
não façam mal. Há outros nos rios, que di- ■m igpupiara, isto é, “moradores da água”, que do mesmo modo
matam os índios, um rio, que fica perto de nós, antes de para lá irem os cristãos, afogavam muitas !Z£S os
índios ao atravessarem-no em pequenas canoas, que fazem de um só pau ou sca. Há outros, sobretudo nas
praias junto do mar e dos rios, que se chamam baè tá, isto é “coisa de fogo”, que é mesmo que uma faúlha de
fogo a correr com veloci- dc dum lugar para outro. Ataca os índios e os mata como o corupira. O que isto seja
ida não consta7.
'» iti fim Ixitc, Cartas lios Primeiros Jesuítas do Brasil-1- 1538-1553, cit., pp. 108-115 (carta datá- «l.idireitos à liberdade,
devidos ao índio. Não acataria a posição daqueles que apontavam o índio como
impermeável à civilização cristã ou o viam como atração exótica e como modelo
misto de ingenuidade e pureza. Dadas essas posições, damos a esta coordenada
interna a designação dupla de indigenismo/inçlianismo, acentuando de um lado
a visão que se tornará científica, além de política, do outro, a literária. O
96 V. Afonso Arinos de Melo Franco, O índio Brasileiro e a Revolução Francesa: As Origem Brasileiras da Icaria
da Bondade Natural, Rio de janeiro, José Olympio, 1937; Lewis Hauke, Aristóteles e os índios Americanos,
trad. de Maria Lúcia Galvão Carneiro, São Paulo, Martins, s. d.; Demetrio Reñios (apresen.) e outros,
Estudios sobre Política Indigenista Española en América, Seminario de Historia de América, Universidad
de Vallodolid, I - 1975; II - 1976; III - 1977.
A S I l I N D A C A l f S O I » P B B l n n n n u r > D B O f n r s r t e n i r u i m
Indigenismo, digamos, histórico, compreende propriamente a observação
empírica que daria materia para a antropologia e para a política de defesa e
proteção do índio, preservação da sua cultura, ou o inverso, a aculturação,
não só da época, mas sobretudo posterior, até os nossos dias". Das mesmas
observações e descrições empíricas, como da crónica sobre relações quase
sempre conflitivas entre colonizadores e catequi- sadores, em função do
índio, nasceria,o indianismo^ isto é, o tratameji- to literário da visão
tendente ao legendário e mítico. As interpenetrações de um no outro, do
indigenismo ao indianismo, geram a complexidade própria da coordenada,
distinguindo-a do nativismo.
No principio, o indio é visto como um dos elementos vivos que in-
tegravam os aspectos físicos da terra. De objeto de curiosidade, ele passará
logo mais a objeto de cristianização do programa expansionista com os
jesuítas, em confronto com os propósitos escravagistas do portugués, e
atuará na miscigenação do brasileiro. De início, ainda apenas descrito nos
limites da faixa litorânea, foi visto com simpatia por Caminha e^Pero Lopes
de Sousa. Os contatos que se seguem, com aproximações e conflitos entre
colonos e catequisadores, ampliam as observações que enriquecem as
descrições informativas. Se nem sempre os textos de outros cronistas
passam a exprimir antipatia e mesmo repulsa, de qualquer maneira eles
confirmam aquelas intenções escravagistas. Agravam-se então as pos-
sibilidades de integrar-se o índio na civilização cristã, conforme já entre-
vemos em Pero cie Magalhães de Gandavo, o primeiro cronista português a
tentar sistematizar informações gerais sobre o Brasil Colónia. Em
contrapartida, os jesuítas seriam mais observadores que os portugueses,
além de portadores de certa imparcialidade informativa e descritiva12. Era
fundamental para o programa de defensores da liberdade e da cristiani-
zação do índio. Eles precisavam de dados completos sobre o autóctone, pois
seria exatamente a objetividade das observações uma garantia para 97
97 V. I lerbert H.ildus, “Métodos e Resultados da Ação Indigenista no Brasil”, em Homem, Cultura e WIHIMU
no Uniu1 (org. Egon Schaden), São Paulo, Vozes, 1972, pp. 209-228.
12, V, upltulo III, •
os sucessos da catequese. Podemos lembrar que nem sempre se acreditava
nela, a exemplo do “Diálogo sobre a Conversão do Gentio”, do Pe. Manuel
da Nóbrega, lição de fé na obra que outros punham em dúvida, também
testemunho da posição oficial da Igreja, ao reconhecer o direito do índio à
liberdade e à religião, contradizendo argumentos e sustando propósitos
escravagistas, chegando mesmo a antecipar reflexões de Rous- seau sobre
a natureza do homem primitivo ou em estado selvagem, no confronto que
estabelece com o homem civilizado98 99:
M. N. Da parte do gentio digo que uns e outros tudo são ferro frio, e que quando [os]
Deus quiser meter na forja logo se converterão; e se estes na frágua de Deus ficaram para se
meterem no fogo por derradeiro, o verdadeiro ferreiro, senhor do ferro, lá sabe o porquê,
mas de aparelho de sua parte tão mau o têm estes como o tinham todas as outras gerações.
[••.]
M. N. Contai-me o mal de um destes e o mal de um filósofo romano. Um destes, muito
bestial, sua bem-aventurança é matar e ter nomes, e esta é sua glória por que mais fazem. A
lei natural não a guardam porque se comem; são muito luxuriosos, muito mentirosos,
nenhuma coisa aborrecem por má, e nenhuma louvam por boa; têm crédito em seus
feiticeiros: aqui me encerrareis tudo. Um filósofo é muito sábio, mas muito soberbo, sua bem-
aventurança está na fama ou nos deleites, ou nas vitórias de seus inimigos; muito malicioso,
que a verdade que lhe Deus ensinou, escondeu, como diz São Paulo; não guardam a lei
natural, posto, que a entendam; muito viciosos no vício contra a natura; muito tiranos e
amigos de senhoriar; mui cobiçosos e mui temerosos de perderem o que têm; adoram ídolos,
sacrificam-lhe sangue humano, e senhores de todo o gênero de maldade: o que não achareis
nestes porque, segundo dizem os padres que confessam, em dois ou três dos Mandamentos
tem que fazer com eles; entre si vivem mui amigavelmente como está claro: pois qual vos
parece maior penedo para desfazer?
G. A. De ruim gado não há que escolher, mas todavia queria que me respondêsseis as
razões de riba mais distintamente.
M. N. Pelo que está dito bem clara está a resposta1'1.
98 V. Jean Jacques Rousseau, Discours sur Ies sciences et les arts/Discours sur l'origine et les fondements de
l'inégalité parmi les hommes, Paris, Garnier-Flammarion, 1971.
99 Manuel da Nóbrega, “Diálogos sobre a Conversão do Gentio”, em Serafim Leite, Cartas dos Primeiros
Jesuítas do Brasil — II, ed. cit., pp. 317-345; citação de páginas 344-345. Modernizamos a ortografia,
respeitamos a pontuação e indicamos os nomes dos interlocutores pelas iniciais M. N.: Mateus Nogueira e
G. A.: Gonçalo Alvares.
C) certo é que o retrato composto por Caminha, ressaltando traços nireza e
ingenuidade, ou de beleza no caso de Pero Lopes de Sousa15, edendo espaço
aos traços negativos. Seria contestado, até mesmo com i agressividade, pelos
cronistas seguintes, salvo a objetividade de Ga- I Soares de Sousa e o fato,
quase singular, de ainda ter sido com eles primeiro se fixou a lenda de
Caramuru e Paraguaçu16. Também se •tua a compreensão cristã dos jesuítas.
Em última análise, os cronistas im sob o dualismo do programa
expansionista da Metrópole, oscilan- intre simpatia e repulsa, respeito ou
não à condição humana do au- one, deformação, fantasia ou objetividade
mesmo que fundamenta- em observações superficiais. Também narrariam
guerras e atritos •e portugueses e índios - estes às vezes solidários orà com
invasores, ranceses, ora com os próprios portugueses. No todo, cronistas e
poe- inclusive viajantes estrangeiros, do século XVI ao XVIII, forneceram
éria para a antropologia e para a história. Interligados pela posição da ja,
além da informação, são portadores de legendas e de procedimen-
ideológicos, devem ser relacionados com a mitificação posterior do «>
passado. Nesse sentido, não temos dúvida de que o ponto de parti- .1
cnlatizado é o Pe. José de Anchieta, síntese antecipadora de posi- i conflitivas
no condicionamento americano.
A poesia destinada à declamação constituiu a experiência inicial do anismo
de Anchieta. O conhecimento que adquiriu da língua, sensi- lade e costumes
do índio, o conduziu ao cultivo da poesia simples e à na teatral voltada para
a catequese. Expressão de tolerância e compre- io, tudo indica que Anchieta
aspirava integrar o indígena na civiliza-
Pcro Va/. dc Caminha, op. cit., em quase toda a sua extensão; e Pero Lopes de Sousa, op. cit., em tlc se lê,
rcfcrindo-sc à Bahia; “[...] A gente desta terra é toda alva; os homens mui bem dispostos, i, mulheres mui formosas,
que não hão nenhuma invejaàs da Rua Nova de Lisboa” (p. 157). I III Iaipis dc Sousa (op. cit., p. 155) faz referência
a Diogo Alvares Correia. Destacamos, a semi t iahlicl Soares dc Sousa, Noticiai do Brasil, vol. 1, p. 246; Frei Vicente
do Salvador, Histó- ,i ilo llimil 1100-1627, ed. cit., pp. 105 e 150-151; Sebastião da Rocha Pita, História da América
'oiinyiii > , i , ed, cit., pp. 38-41, cm que se lê a versão completa da aventura legendária de Diogo Ivarm Correia.
* ção cristã,
respeitando a sua cosmovisão ingénua e simplista, seu espírito guerreiro,
manifestações lúdicas, canto e dança: conseguia naquele momento o milagre
do sincretismo cultural. Ao mesmo tempo que desempenhava uma função
pedagógica, ele não “ensina” mas “realiza” a catequese, em função da qual
surge a criação literária. Ajustada a formas da tradição medieval, ela
exprime uma temática que é um misto de duas culturas em contatos iniciais,
a do adventício com a do autóctone, como se abrisse para o futuro a
perspectiva para a retrovisão romântica mitifi- cadora. Nesse sentido, avulta
a contribuição do poema épico sobre Os Feitos de Mem de Sá, no qual Anchieta
conciliou um duplo ângulo dc vi são, o do colonizador e o da Igreja, na
proposta do ideal de cristianização do indígena. Pacifica-se o índio rebelado,
vítima da escravização arbitrária, impõem-se a lei e a ordem, visando à
harmonia e à justiça entre as partes. Retoma-se a proposta da Carta de
Caminha, com a contribuição da Companhia de Jesus, que juntamente com o
governo estabelecia regras, nova maneira de vida e organização social do
subjugado, quer dizer, de convivência com o dominador:
Vão ter com o ilustre Chefe e imploram sua aliança e direitos de
amigos. Leis que impuser, sejam quais forem, prontificam-se a
cumpri-las. Pedem paz e perdão.
Recebe-os com mansidão o Chefe valente.
Dá-lhes a paz e mais as leis. Em seguida manda que se
abstenham das lestas sangrentas, onde dantes soíam cevar-se em
carne humana, como feras vorazes.
Reúnam-se em aldeias, onde possam aprender a lei santa e os
mandamentos divinos do Pai celestial.
Comecem finalmente a sacudir dos ombros o jugo do tirano cruel
e a voltar à justiça de Cristo.
Submetem-se alegres à invencível bandeira
do Rei supremo e regozijam-se de seguir no futuro
as divinas campanhas de Cristo. O furor e a cólera antiga
desaparecem por completo: das ávidas fauces desterram
o sanguinoso apetite de espedaçar membros humanos.
Também ordena por fim que, pacificados e mansos, paguem tributo
anual ao grande Rei lusitano, cujo maior anseio é espalhar entre os
povos selvagens a doutrina de quem é eterno Senhor do universo.
Não foram as pedrarias do Oriente e as riquezas do Ganges, nem as
especiarias perfumosas que a índia derrama do seio fecundo, terra
donde o sol lança à corrida seus chamejantes cavalos: foi, sim, o
zelo abrasado
de levar teu nome, ó Cristo, a todas as gentes, em qualquer clima da
terra, o que moveu o régio peito a afrontar sendas desconhecidas,
trabalhos na terra, ameaças no mar, e a rasgar com esquadras
inteiras oceanos enfurecidos e dantes jamais navegados.
Por isso o Pai onipotente, rei do imenso universo, tornou temido de
todos o nome do nosso monarca: depois da Europa, Ásia e África
com seus vastos desertos, deu-lhe agora o domínio desses povos
brasis, peitos ferozes, gente indomável que no sangue dos homens
dessedenta as fauces sequiosas. Ele os curvou ao Império c os fez
tremer diante das lusas quinas gloriosas.
Que alegrias não alvorotaram teu peito fiel, piedoso Chefe, ao veres
povos, selvagens há pouco, dobrar a cerviz, ao jugo, aceitar a
amizade
i
do Pai celeste e abraçar suas leis de bom grado, ansiosos por
conhecer o excelso nome de Cristo17.
Domados e aliados, esses índios contribuirão para a defesa da inte-
gridade do domínio português contra o invasor francês de 1555, en- pianto
este, por sua vez, contava com a colaboração de outros que con- inuavam
rebeldes. A batalha da expulsão dos franceses, episódio no >ncma de
Anchieta, reveste-se de proporções épicas, assim como também tutus
batalhas entre portugueses e índios ainda indomados do litoral
' |IIM i|r Atu hicta, l)r íirstis Mendi de Sua, ed. cit., das Obras Completas, vol. 19, p. 1portanto, em fidelidade à posição oficialmente assumida pela Igreja103.
102 V. Santa Rita Durão, “Reflexões Prévias e Argumento" ao Caramuru, ed. cit.
103 V. nota 14 deste capítulo.
CON1MBIUCÆ.
cdPnd loe.nntm cJìuttrum Tjpogra-
in todo caso, projetou um mito pouco convincente na tradição brasilei-
i, à imitação do de Inês de Castro, o de Moema e Caramuru, mas em et
ri mento daquilo que poderia ter resultado na recriação legendária de
araguaçu.
José Basilio da Gama e Cláudio Manuel da Costa também apare-
•in comprometidos com a história, mas não enfática e abrangentemente
im a história dos feitos portugueses na América. Sem dúvida, José Basí-
> da Gama se limita a um momento culminante de atritos entre man-
itários e jesuítas. Toma como matéria do poema o episódio guerreiro, ■
destruição de missões jesuíticas, decorrência imediata da execução do
s, o poeta assumia uma posição de engajamento, atuante sobre a visão is
acontecimentos. Mas não sacrificou as qualidades poéticas, justa-
ente reconhecidas, ressalva feita à visão histórica do índio submetido
■ jugo do vencedor, depois de lutar heroicamente. O poeta, porém, lhe
ribui dignidade e sentimento de liberdade, embora sob a visão dos
nipos e domínios devastados e o destroço de habitantes e habitações de
n índio já catequizado, no qual, muito do guerreiro que nele ressurge,
■mpanado pela obediência e submissão a uma ação e disciplina impos-
i. Também, o famoso episódio de Lindóia e Cacambo, amor e morte, ais
um conforme a mitificação camoniana de Inês de CastroT^ião con- nce
como poetização do índio, isto é, como criação que se lhe ajustasse que
emanasse dele mesmo. Não obstante, é inquestionável a sua bele-
poética, absorvido pela tradição a partir da exaltação que se tem feito
todo o poema, desde o Romantismo.
Cláudio Manuel da Costa, com o Vila Rica, ao contrário desses dois imos
antecessores, busca verdadeiramente o sentido épico da história
Secundo CMC tratado, celebrado em Madri, permutava-se, entre outras providencias, a Colónia do
Sacramento pela dos Sete Povos das Missões Orientais do Uruguai, o que motivou a rebelião de índio» i
jeiultai destas Missões, não só por ser materialmente uma violência como, por outro lado, porque não
convinlu aos missionários cm virtude da política antijesuítica do Marques de Pombal.
l U N D A C Ò t S i ( 1 1 I M Rlnnn n n n D K B l o n n r n m u i n
atado 22/ Defendendo ou justificando a política do Marquês de
>mbal, que resultou na expulsão dos jesuítas dos domínios portugue-
interna. Sob este aspecto, ele parece intencional, não importa que o poema
seja considerado medíocre104. Entende-se também que use um processo
criativo, que já podemos considerar experimental, embora ainda im-
proprio para suas verdadeiras intenções. Traduz o esforço de adequar ou
harmonizar a herança barroco-arcádica com as sugestões da paisagem e
com o aproveitamento poético do habitante primitivo. Procede surpre-
endendo-o no envolvimento de lendas, isoladamente ou em contatos com
os desbravadores do sertão, descobridores das minas e fundadores de Vila
Rica, que seria o nosso núcleo urbano mais agitado do século XVIII. Se se
deixa seduzir por mitos e alegorias camonianas - o gigante Adamastor -
não persiste, porém, na reelaboração do episódio amoroso clássico: dilui o
conteúdo essencial da associação amor e morte no desenrolar da ação.
Tenta assim harmonizar a idealização arcádica com a ingenuidade do
fantástico indígena, alimentado por lendas, na paisagem americana.
Aproximar-se-ia muito mais do que seria o traço essencial do indianismo
romântico - a mitificação.
Chegamos ao momento em que o desenrolar dessa temática indígena
se opõe à supremacia da visão da história externa, ou seja, da nossa
história tomada como capítulo da história do expansionismo português.
Então, a obra dos poetas épicos do Arcadismo, antecipados por Anchie- ta,
se completa com a posição assumida por Loreto Couto, e até mesmo com a
repercussão da teoria de Rousseau na famosa ode de Sousa Caldas105. Mas
é destacadamente o beneditino cronista que reconhece a participação
positiva do índio na nossa história interna e na nossa realidade, já bem
diferenciada das origens portuguesas.
104 Sempre subestimado pela crítica histórica, mesmo omitido, procuramos reabilitá-lo na parte que lhe coube
em nosso estudo - A Literatura Brasileira - /- Manifestações Literárias do Período Colonial, ed. cit., pp. 178-
188. Posteriormente Hélio Lopes também o fez de maneira exaustiva em Introdução à Leitura do Poema
“Vila Rica", São Paulo, 1979 (trabalho mimeografado, apresentado como tese de livre-docência na
Universidade de São Paulo).
105 Pe. A. P. de Sousa Caldas, “Ode. Ao homem selvagem", op. cit., pp. 125-132. Citamos ainda a observação de
Afonso Arinos de Melo Franco: “É interessante lembrar que um brasileiro do século dezoito também
aparece influenciado pelas doutrinas educacionais do ‘Emílio’. Santa Rita Durão leu, seguramente, o
tratado de educação de Rousseau”, op. cit., p. 147.
Não esquecer еще o quadro delineado com as coordenadas do nati- ю e
indigenismo/indianismo se completa com a poesia cultivada com lamento
em reflexões sobre as poéticas do século XVI/XVII e do Ar- smo.
Acompanhado de observações relativamente à inspiração inter- à
linguagem apropriada, juntamente com a prosa-informativa, desva e
histórica, de uma maneira geral a poesia do Período Colonial itua a
persistência de modelos e de outras linhas temáticas de procedas externas.
Primeiramente, aquelas próprias do Barroco, além da lição e das propostas
artificiais do academicismo; em segundo lugar, icolismo arcádico e o
Iluminismo neoclássico; e, finalmente, o prin- > das inovações pré-
românticas, tudo de mistura com motivos bragi- s já ressaltados. Além de
certas constantes: a poesia encomiástica, a .'nça camoniana e a poesia de
inspiração religiosa com destaque ao ) da Virgem Maria, provenientes do
século XVI. Com as formas po- s от voga, traduzem influxos externos sob
tensões dos internos, isto » nativismo e do indigenismo/indianismo.
Avançamos, finalmente, para o Romantismo, confirmado pelos anos 830,
e suas transformações subseqüentes. No caso da coordenada
'cnista/indianista, que vimos rastreando, opera-se definitivamente 1
bifurcaçãoásm indigenismo e indianismo, embora ambas continu-
nterpenetrantes; segundo, ainda relativamente ao índio, teorizam- Im-
posições humanísticas do século XVI, na linha que provém da a e de
Montaigne; terceiro, propõem-se novas sugestões de fora para ro em
termos de criação literária histórico-indianista. Dada, por sua i inter-relação
das duas coordenadas, reiteramos a observação de que de modo
abrangente, ao atingirem o século XIX, se constituem os »olientes
fundamentais do nosso nacionalismo romântico. A primei- ib os efeitos da
ruptura com a dominação portuguesa, gera o anti- no. O momento crítico
da ruptura são as três primeiras décadas do
0 X I X , literariamente caracterizadas pelo Pré-romantismo e suas |
nelas neoclássicas e pelas reformas administrativas e políticas de
1 Jn.io VI. Paralelamente se destacam, para se imporem, os progra-
«
mas literários renovadores de fora para dentro, mas agora amando num
contexto profundamente transformado por efeito daquelas reformas.
Caminha-se a passo largo para a progressiva afirmação crítica, teorica-
mente orientada, da busca da identidade própria. Será um novo período da
vida brasileira.
O 2o- PERÍODO OU O PERÍODO NACIONAL - I
O SÉCULO XIX EA IDENTIDADE DEBATIDA
C A P Í T U L O V i l
RUPTURA E AUTO-RECONHECIMENTO 106
106 RENOVAÇÃO PRÉ-ROMÂNTICA E PROPOSTAS NACIONALIZANTES
De 1808 a 1821, a permanencia de Dom João VI no Brasil criou
condições indispensáveis à nossa expansão cultural e intelectual.Não
custa rememorá-las, mesmo enumerativamente: contatos diretos com o
estrangeiro, abrindo perspectivas de intercâmbio; fim da ação estrangu-
ladora da censura; importação de livros e seu comércio; estabelecimento
de tipografias, dando início à atividade editorial e à implantação da im-
prensa periódica - jornais e revistas; formação de bibliotecas públicas e
particulares; criação das primeiras escolas superiores; desenvolvimento do
gosto pelo teatro, música e oratória religiosa nas freqúentes solenidades
da Igreja; museus, arquivos, associações culturais; e sobretudo a me-
Retrato de D. João VI.
horia das condições de vida social e a presença de estrangeiros — lembre-
:e a missão artística francesa de 1817 que vêm ao Brasil e realizam >bras
importantes sobre nosso país1. Pouco depois, em 1827, seriam cri- tdos os
cursos jurídicos de Olinda e de São Paulo, e em 1836 seria fun- lado o
Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, no Rio de Janeiro, os rês maiores
focos das atividades intelectuais do país no século XIX2. 107
107 (llivciru Lima, D. João VI no Brasil, ed. cit.
V. t Jòvi» Beviláqua, História da ¡-acuidade de Direito do Recife, Rio dc Janeiro, Francisco Alves, I '>27, 2 vols.;
Spcnccr Vampré, Memórias para a História da Academia de São Paulo, São Paulo, Sa- MÍVU , l‘)24. 2 vols.; J. L.
de Almeida Nogueira, A Academia de São Paulo - Tradições e Reminiscén-
A revolução atinge os principais centros urbanos - Recife e Olinda,
Salvador, São Paulo, mas é o Rio de Janeiro que desde então se torna o
grande polo de todas as atrações. Ai se concentra o melhor da representa-
ção da nossa vida política e intelectual. É onde se encontram remanescen-
tes do Arcadismo e a presença pré-romântica ao lado das manifestações
iniciais da narrativa ficcional, da oratoria, do jornalismo voltado para a
divulgação literária, a publicação de obras de ensaístas, finalmente, onde
mais se destaca a grande sedução que passaremos a cultivar pela França.
Se nos preocupasse uma periodicidade minuciosa, destacaríamos as três
primeiras décadas do século XIX como urna fase ainda de caracterís- i icas
neoclássicas, mas onde se acumulam impregnações anunciadoras da reforma
romántica que logo nos atinge. Internamente e consideradas aqui do ponto
de vista literário, aquelas reformas sociais, políticas, económicas e culturais
de D. João VI, superando limitações e restrições do Período Colonial, operam
livremente no campo que se abre e se prepara para o debate e a ação
románticos entre nos. Define-se um momento dos mais significativos do
nosso pensamento crítico, com os últimos árcades, as nossas primeiras
revistas literárias, até as propostas e sugestões de estrangeiros. Logo mais,
tudo isso seria apreendido e sistematizado por ' Gonçalves de Magalhães,
espécie de patriarca da independencia romántica do Brasil. Evidentemente,
essa fase seria de ruptura com a hegemonia do colonizador. Substitui
conscientemente modelos e reflexões poéticas canalizados por Portugal pela
presença francesa, simultaneamente com a investigação nacionalizante, sob o
clima propiciado pelas reformas. É o nosso pré-romantismo.
^
Os últimos neoclássicos. Foram Frei Francisco de São Carlos, José
Bonifácio de Andrada e Silva, Pe. Antonio Pereira de Sousa Caldas e mes-
mo Domingos Borges de Barros, os quais, contudo, já se apresentam ei-
cias: Estudantes, Estudantões, Estudantadas, São Paulo, s. ed., 1907/1912, 9 vols.; e Virgilio Correa Pilho,
“Como se Fundou o Instituto Histórico”, Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, v.
255 (separata), abr.-jun. 1962, 1963.
vados de procedimentos românticos, tanto do ponto de vista europeu
quanto brasileiro. Sem dúvida mais do que a criação poética, pesarão de
fato as propostas do pensamento crítico reformador. Destacadas do nosso
contexto, elas não passariam de diminutas reflexões críticas e poéticas.
Mas a posição daqueles poetas, do ponto de vista da perspectiva brasileira,
é importante para o estudo entre nós da evolução de temas e linguagem.
Por exemplo, em Frei Francisco de São Carlos - de lado o prefácio cm que
ele justifica a elaboração do poema religioso A Assunção, com referências a
antecedentes ou a fontes utilizadas - apontamos um pequeno trecho do
canto IV desta obra, em que o poeta renega o estilo mitológico:
Fugi do canto divinal, sublime,
Vós, ó fábulas vãs, fugi: que é crime
manchá-lo da falaz mitologia,
Com que a filha do Caos, a idolatria,
Banida já das terras, e dos mares, Proscrita
sem mais templos, nem altares, Inda quer
ostentar de majestade Nas inóspitas aras da
verdade!3
É claro que a contestação reflete a influência da formação religiosa do
autor. Anticipado põr~Bema,Teb(eira, é por sua vez, antecipador da
restrição que Gonçalves de Magalhães! oportunamente fará ao estilo clás-
sico e, em particular, à linguagem mitológica.
Nas mesmas condições, a formação religiosa do Pe. Antônio Pereira
de Sousa Caldas, com seus contatos culturais na Europa, levaram-no a um
ou outro pronunciamento crítico. Foi secundado pelo amigo, editor e
comentador de sua obra, Francisco de Borja Garção Stockler, a quem
coube fazer um estudo sobre a poesia hebraica, à guisa de prefácio ao
tomo 1 - Salmos de Davi, das Obras PoéticaE o fez num momento em 108
108 Frei Francisco de São Carlos, A Assunção, nova ed. corr., cit., p. 103. I IV
A. 1’ de Sousa Caldas, Obras Poéticas, ed. cit.
que a Biblia, considerada fonte de inspiração poética, correspondia a certas
manifestações pré-românticas\ Também assumiria outras atitudes crí- t
icas nas notas que acompanham a obra citada. Ressaltando-lhe o caráter
religioso e moralizador, admite que é missão de todo poeta despertar o
amor da virtude, os sentimentos nobres e generosos, o horror ao crime.
I outra antecipação da atitude igualmente religiosa e moralizante de
(ionçalves de Magalhães, várias vezes exposta em páginas críticas ou nas
próprias composições deste poeta.
Dentre os pré-românticos, quem chegou, contudo, a um melhor
pronunciamento crítico, foi José Bonifácio de Andrada e Silva, lambón se
prende à atitude, já dominante, de atribuir à poesia uma função mora
tizante e civilizadora. Veja-se a “Dedicatória” às Poesias Avulsas. Repudia
manifestações bajulatórias da poesia anterior, para advertir que o papel do
"escritor honrado” devia ser o de atacar o crime e o vício, o de procu- i.n
instruir e enobrecer a humanidade, estimular a virtude e ao mesmo lempo
“deleitar o coração”. E ao tecer considerações sobre aspectos formais da
poesia, José Bonifácio faz ainda algumas observações curiosas, realmente
inovadoras. É quando escreve a propósito dos seus versos:
[...] Fui neles assaz parco de rimas, porque nossa bela língua, bem como a ingle- '..I,
espanhola e italiana, não precisa, absolutamente falando, do zum-zum das conso- anics para
fixar a atenção e deleitar o ouvido; basta-lhe o metro e ritmo: e quanto à monotônica
regularidade das estanças, que seguem à risca franceses e italianos, dela às vr/cs me apartei
de propósito, usando da mesma soltura e liberdade, que vi novamen- lr praticadas por um
Scott e um Byron, cisnes da Inglaterra6.
E cita suas fontes de inspiração: o Velho Testamento, a poesia grega e
latina, “os cantos da soberba Albion e da Germânia culta”, enquanto cri- i
ica a poesia barroca e até mesmo a neoclássica: 109
109 Cf. Paul Van Ticghcm, Le Préromantisme, Études d’Histoire Littéraire Européenne, Paris, Sfclt, 1947/8, 3 vols.
(>, |osé Bonifácio de Andrada e Silva, Poesias (...), ed. fac-similar. cit. p. VI.
R l O I K ) O U O P F R f n n n K l A f í n K i * T O CÍrni n viv r> *
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MO DE SOUZA DIAS,
, 1 |.ioímo na Ordem «1« Christn ,
ii MrigctUili? Pidcliiisiiua na Cúlwledo llavre
' A H I Z ,
N H O U G E R O N , rua de
rondelle, N.° as,
1021.
Ia. edição
(...) Quem folgar de Marinismos e Gongorismos, ou de Pedrinhas no fundo do ri- dos
versejadores de freiras e casquilhos, fuja desta minguada rapsódia, como de imarela7.
Portanto, harmoniza a formação neoclássica com atitudes pré-ro- icas
do primeiro quartel do século XIX. Lembremos ainda algumas osições
poéticas e a “Advertência” a uma tradução de Píndaro. Des- mos a
proposta de criação de vocábulos novos necessários à expres- aética, a
exemplo de “auricômoda”, “roxicômoda”, “boquirubra”.
k p. VII.
IWliiis dc José Bonifácio dr
Aiulrada c Silva.
JOSÉ BONIFÁCIO
(Aincrico Elysio)
P O E S I A S
Edição fac-slmllar s encantos e a magia da ação. Assim verificou-se este
pensamento de um escritor fran- :cs: Que a língua de Camões, pronunciada por um
brasileiro, devia realizar todos os prodígios, e todas as seduções da harmonia10.
Nossos primeiros periódicos. Concomitantemente com as afirmações
denunciadoras do Romantismo, se manifesta o germe da imprensa peri-
klica no Brasil". Nossos primeiros jornais e revistas de feição literária,
ambém com veleidades filosóficas e científicas, são: As Variedades ou En- aios de
Literatura; O Patriota; Anais Fluminenses de Ciências, Artes e Lite- atura; Jornal Científico,
Económico e Literário; O Beija-flor, e o Correio brasiliense. Evidentemente, com uma
ou outra exceção, são superficiais. )e qualquer maneira, exprimem a
vontade consciente de ilustrar e de liscutir a realidade brasileira, que então
se nos apresentava em condições c ser por nós mesmos compreendida em
debate livre.
O primeiro dos periódicos indicados se define pelo título e melhor í
esclarece em palavras de apresentação:
>. Frei Joaquim do Amor Divino Caneca, Obras Políticas e Literárias, 1. ed., Recife, Tip. Mercantil, I87V76, 2
tomos (v. tomo I, Tratado de Eloquência, pp. 63-155).
I frei Francisco de Monte Alverne, Obras Oratórias, nova ed.. Rio de Janeiro, Garnier, s. d., 2 tomos, (. I, p.
VII.
I lêlio Vianna, Contribuição à História da Imprensa Brasileira (1812-1869), Rio de Janeiro, Imprendi
National, 1945; e Nélson Werneck Sodré, História da Imprensa no Brasil Rio dc Janeiro, Civili- /aiplo
brasileira, 1966.
>• l'l Mono OU O PP.RlOnn NArinUlI lduração e de escasso interesse tico e literário. Quando muito, alimentaram a
continuidade da cria- ) de periódicos, sem dúvida estimuladores da vida
intelectual e políti- Mas serão outros, de 1833 em diante, inaugurando nova
fase, que >rcssarão de fato a consciência crítica da atividade literária
brasileira, tforme veremos oportunamente. Foram eles a Revista da Sociedade
omática, a Niterói - Revista Brasiliense, a Minerva Brasiliense e a Guayara, as duas
primeiras ainda nos limites das manifestações pré-român- is e as duas
últimas de pleno romantismo no Brasil. Nesse caso, e por- ■ vem antes
dessas revistas, consideremos primeiramente a participação rst range iros
na renovação que se processava.
A visão de estrangeiros e suas propostas nacionalizantes. Em ordem lológica, e
sempre nos limites rigorosos das três primeiras décadas léi uln XIX,
contamos com as contribuições de Friedrich Bouterwek, nondc dc
Sismondi, Ferdinand Denis, Almeida Garrett e C.
Schlichthorst113. Sabidamente o mais completo ou abrangente de todos eles
113 V. Guilhermino César, Sismonde de Sismondi e a Literatura Brasileira, Porto Alegre, Lima, 1968; Bouterwek -
Os Brasileiros na “Gescbichte der Poesie un Beredsamkeit", Porto Alegre, Lima, 1968. Em ambos os trabalhos
se encontram, traduzidos, os respectivos textos dos dois historiadores estrangeiras. Posteriormente,
Guilhermino César nos daria trabalho mais completo, redivulgando cm tradução os textos críticos de
Bouterwek, Sismondi, Schlichthorst, de Ferdinand Denis (a parte relativa ao Brasil na íntegra), de
Ferdinand Wolf, além dos de Almeida Garrett, José da Gama e Castro e Alexandre Herculano, no volume
Historiadores e Críticos do Romantismo - l-A Contribuição F.uropíia: Crítica e História Literária. Introdução
I ' l M l i M m n u o l ’ l ' . R l O D O N A C I O N A I . - J - n c l i r u i n v i v c «
é Ferdinand Denis. Mas os dois primeiros, um em 1805, o outro em 1813,
fariam observações que repercutiriam na obra do escritor francês, de 1826.
Bouterwek comentaria de passagem a obra de Antônio José, acentuando-
lhe a influência da ópera italiana, sob a restrição de que, além de
popularesco, o comediógrafo não chegava a contribuir para a “renovação
estilística da língua portuguesa”. Sismonde de Sismondi, da mesma
opinião, estuda-lo-ia melhor, no que seria corroborado por Ferdinand
Denis. E todos eles destacam Antônio José com relação ao Brasil,
naturalmente levados pelo que seria então o discutível conceito de
nacionalidade literária apoiado na nacionalidade civil. São posições que
tomarão vulto na crítica brasileira do século XIX. Quanto ao mais,
Bouterwek aprecia apenas a obra de Cláudio Manuel da Costa, chamando a
atenção para a sua descoberta da poesia italiana de Petrarca e Me- tastásio:
são influências que fazem de Cláudio Manuel da Costa “um dos primeiros
que voltaram a introduzir um estilo mais nobre na poesia portuguesa”, nos
sonetos, “os mais perfeitos da língua”, nas cançonetas e cantatas. Aponta-o
também sujeito à influência francesa nos epicédios114.
Sismonde de Sismondi pensaria com o mesmo entusiasmo de Bou-
terwek ao destacar, com Cláudio Manuel da Costa, a contribuição do Brasil
Colónia para a Literatura Portuguesa:
e apresentação de... Rio de Janeiro/São Paulo, LTC/Edusp, 1978.
114 Idem, lug. cir., pp. 9-10. A obra de Bouterwek em que se encontra o trecho traduzido relativo ao Brasil
intitula-se Gescbichte der Portugiesischen Poesia und Bered-Samkeit, Gottingen, 1805, 412 pp. (História da
Poesia c da Eloquência Portuguesa).
I I ! H l D i l t l O U O I M . I t l O D O N A C I O N A L - 1 - 0 S É C U L O X I X K A
[...] O novo império dos portugueses, aquele sobre o qual repousam, doravante, odas as
suas esperanças de independencia e de grandeza futura, começou por sua vez i cultivar as letras,
e produziu neste século um homem superior na poesia lírica, Gálibo Manuel da Costa, natural da
circunscrição das Minas Gerais, Brasil1 .
Se Sismondi ressalta no poeta as canções e cantatas, censura-lhe, >orém,
o gosto da égloga ligada ao que considera uma falsa e artificial radição
portuguesa de poesia pastoril. Mas o que constitui uma adver- ência é o
comentário às elegias:
Costa escreveu muitas elegias em versos brancos ou iâmbicos não rimados, (tetro pouco
empregado até agora pelos poetas portugueses, o que parece ter feito ont que perdesse alguma
coisa do seu colorido e da sua elevação poética; como se as icas línguas do Sul tivessem sempre a
necessidade de enganar o ouvido com o estrépi- :> das rimas18.
Bouterwek já pensara semelhantemente, salvo quanto ao comentá- io
que coincide com o de Ferdinand Denis. E também, antes ou ao mesto tempo,
com o de José Bonifácio, a ser retomado por Gonçalves de áagalhães. E daqui
por diante, seria a fortuna do verso branco entre nós. leste caso, ao tempo de
Cláudio Manuel da Costa também é preciso ■mitrar José Basilio da Gama, a
ser estimado pelos românticos.
Um segundo nome destacado por Sismondi é o de Manuel Inácio a Silva
Alvarenga, cujo “principal atrativo é ainda a cor local, as imams sugeridas
pelas árvores, pelas borboletas, pelas serpentes da Améri- i". Com
fundamento em Silva Alvarenga e em Cláudio Manuel da Cos- , Sismondi
profetiza sobre o destino da nossa literatura, à semelhança : Ferdinand Denis,
também repercutindo nos nossos primeiros romaneos e historiadores:
[...] No mais aprazível dos climas e no mais rico dos solos, fundaram [os portu- I M-S| uma
colónia que ultrapassa doze vezes a superfície da antiga mãe-pátria; para 115
lá transportaram hoje a sede de seu governo, sua marinha e seu exército; acontecimentos de todo
imprevistos conferem à nação outra juventude e novas energias; e não estarão próximos os
tempos em que o império do Brasil venha a produzir, em Ifngua portuguesa, dignos sucessores
115 t iiillhrunino t.ésar, op. cu., p. 23. A obra de Sismondi em que este se refere ao Brasil intitula-se / >■ hi
liiifnilurr ilu Midi de L'Europe, Paris, 1813 (2. ed., 1819; 3. ed., 1827).
I ii|t tit., pp. 24-2V
I I I t l M M i i ( H l 0 1 ' H R l O D O N A C I O N A I . J - n « t f r i n r . v i v L - .
de Camões?1”'
Chegamos às reflexões e propostas objetivas, bastante amplas, de
Ferdinand Denis no capítulo introdutório “considerações sobre o caráter que
a poesia deve assumir no Novo Mundo” com que abre a parte de sua obra
dedicada ao Brasil116 117. Segue-se-lhe o apanhado sumário dos nossos três
séculos coloniais de produção literária, vistos com a simpa tia e entusiasmo
daquela introdução, que melhor se colocaria cm con clusão. Respeitamos a
vontade do autor, talvez contornando o impado que pudesse causar a
abertura estimuladora e meio profética que pro punha. O certo é que sua
proposta teve imediata repercussão, seria amplamente reaproveitada pela
criação, pela poética interna, pelos nossos historiadores. Em síntese: Ia)
Inicialmente delineia a situação passada da América, explorada em seus
recursos, enquanto o povo era mantido em subjugo e ignorância. Mas em
princípios do século XIX, as coisas mudam, quando Portugal, menos rigoroso,
favoreceria o Brasil graças à mudança da Corte portuguesa para o Rio de
Janeiro. Se até então tomávamos de empréstimo as glórias de lá, apesar de
contarmos com algumas nossas, logo se evidencia “a necessidade de ir beber
inspirações poéticas a uma fonte que verdadeiramente” nos pertencesse118. 2a)
O Brasil ou a sua literatura “não poderá passar sem tradições respeitáveis”:
primeiro, a conquista da nossa independência se revestirá com o decorrer do
tempo de “comovedoras evocações”; segundo, nossas “fábulas misteriosas e
poéticas serão os séculos em que viveram os povos que" os europeus
conquistadores exterminaram, povos de “grandeza selvagem”, em
116 Lug. cit., p. 26.
117 Ferdinand Denis, Résumé de l'histoirepredomina a visão do colonizador,
manifestações literárias no Período Colonial aos poucos se enraí-
ernamente. A reflexão crítica se torna de fato significativa já no
terra, ela alimenta constantes temáticas s: uma de ambientação rural,
envolvendo a sociedade rústica6; e ambientação urbano-metropolitana; e,
entre elas, outra de in- füral-urbano-provinciana. Desdobrando-se em séries
temáticas, iflguram ciclos regionalistas: patriarcalismo ou coronelismo lati-
io, cangaço, messianismo, seca etc. Naturalmente dão ênfase ao
0 rural brasileiro com suas características de sociedade rústica, mas ojeção
no universo urbano, desde que aí se observa o abalo, da- > século XIX, de
estruturas herdadas, concomitantemente com a •io c .1 extinção do trabalho
escravo7. Preenchendo o século XIX, itindo período tem como ponto de
partida o fermento das refor-
I > |u,u> VI no Brasil, de 1808-1820, e todas as conseqiiências Uiiil.e. A',
transformações literárias, com afirmações novas, en-
’ '■■.ui • .i ti iomnio, fundamentais para nós, provêm de Antonio Candido: “Convém agora “ i o mo, no texto, de
duas expressões: Cultura (c sociedade) rústica; cultura (e sociedade) l, O termo rilslicoí empregado aqui não como
equivalente de rural, ou de rude, tosco, embora lobt , Rural exprime sobretudo localização, enquanto ele pretende
exprimir um tipo social e ■d. indicando o que é, no Brasil, o universo das culturas tradicionais do homem do
campo; os snliaiam do ajustamento do colonizador português ao Novo Mundo, seja por transferência e tração dos
traços da cultura original, seja em virtude do contato com o aborígene” (v. Os Pardo Rio Hondo: Estudo sobre o
Caipira Paulista e a Transformação dos Seus Meios de Vida, Rio de t». José Olvmpio, 1964, p. 7). E Maria Isaura
Pereira de Queiroz observaria que aquela cultu- mada no decorrer dos dois primeiros séculos da colonização do
Bfasil, persiste “apresentando de cultura nativa com traços de cultura negra, mas tudo vitoriosamente colorido
com as to- des portuguesas”. E comenta ainda que, não sendo auto-suficiente, trata-se, no caso, com base •Hcito
de Gcorgcs Gurvith, de “sociedade parcial dotada de cultura parcial, isto é, de um pele sociedade global,
completada pela primitiva c pela citadina” (v. O Messianismo no Brasileño Sito Paulo, Dominus-Edusp, 1965, p.
140). Ainda mais, com relação aos dois conceitos reíos ui ¡111,1, i justo relembrar Euclidcs da Cunha (Os Sertões),
que batizou aquela mesma socie- le ",o, leiladc rude",
tu lai > ui II.IIIO e classe burguesa no Brasil, num esboço de perspectiva a partir do século XIX,
1 la 11,1111,1 IVu ira de Queiroz, Cultura, Sociedade Rural, sociedade Urbana no Brasil, São Paulo,
• dtlq, 19 ,'H
I juta / >om lo,lo VI no Brasil - IB0B-I82I, 2. ed„ Rio de Janeiro, José Olympio, 1945,
lã» sc operam em profundidade, entre elas uma de grande repercussão
social: a visão do índio em termos de condição humana e social, durante o
Período Colonial* cede esse lugar, no século XIX à do elemento escravo - o
negro, gerador de novas tensões4. Ao mesmo tempo, procede- se nessa nova
etapa da nossa história ao reconhecimento interno dos três séculos do
Período Colonial, agora não mais sob o ângulo de predominância do
colonizador, mas sob o de confrontos e aproximações entre ele e os
elementos e expressões nativas de identificação5 6.
Torna-se evidente que a partir do começo do século XIX, desde
quando se define o segundo período, se alternam os enfoques que eram
tidos como fundamentais para o primeiro. Atingimos naquele século a
definição nítida de campos culturais e intelectuais, com estímulos, ini-
ciativas e condições internas livremente atuantes, o que não foi de todo
possível no Período Colonial11. Portanto, no segundo período, modelos,
estilos, ideais, teorias e poéticas podem ser verdadeiramentelittéraire du Portugal suivi du résumé de l’histoire littéraire du Hrésil.
Paris, Lecointe et Durey, 1826. Continuaremos a usar os textos organizados e traduzidos por Guilhermino
César, op. cit.
118 V. Guilhermino César, op. cit., p. 36
Página de rosto da obra de
Fcrdinand Denis, um dos
principais fundamentos da
introdução do romantismo no
Brasil.
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DENIS.
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I nt\ WeiiMIN* , K- /,*>.
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os costumes se encontrará “o maravilhoso, tão necessário à poesia”, o oísmo
dos combatentes, sua resistência aos sacrifícios a que foram sub- tidos. 3“)
Também nas “viagens dos primeiros exploradores” se vis- tbra “todo o
heroísmo da Idade Média, todo o espírito ardente e aven- :iro dos tempos
da cavalaria22. 4a) Ferdinand Denis reinsiste em que ndoncmos a inspiração
numa natureza extenuada, a européia, subs- indo-a pela americana, cheia
de belezas, onde o homem vive com >i v liberdade. 5“) Adverte que se
relacionarmos o exposto acima, ad-
>lrm, p 37.
I I I t l M M i i ( H l 0 1 ' H R l O D O N A C I O N A I . J - n « t f r i n r . v i v L - .
mitiremos que um dia visitamos a Europa em busca de “lembranças poéticas”,
reconhecendo que lá também se prendem as nossas raízes, cujos reflexos
continuam em nós. 6a) Delineia finalmente os traços psicológicos do
brasileiro, portador de “disposições naturais para receber impressões
profundas”119 120, resultantes de três raças: arrebatado, como o africano;
cavalheiresco, como o português; sonhador e amante da liberdade, como o
indígena; amante e cultivador, no campo e nas povoações, dos relatos ou
narrativas da tradição oral, do canto aos acordes do violão ou do bandolim,
da poesia improvisada dos repentistas, talvez herança de longa data; ama
exaltar a pátria e é seduzido pela aventura na natureza. Relembra, também, o
papel desempenhado pelas três raças na expulsão dos holandeses,
representadas por Fernandes Vieira, Henrique Dias e Felipe Camarão, além
do mestiço Calaban
O panorama histórico, que se segue, arrola poetas de Bento Teixeira a
Domingos Borges de Barros; refere-se ao teatro; à “propensão dos brasileiros
pela música”; a oradqres; a historiadores, à geografia e às viagens. E tudo isso
depois de reflexão e conselho sobre a criação de periódicos que, sabemos,
desde então representam papel importante na nossa literatura:
Para a literatura, e mormente para as ciências, seria muito conveniente a fundação de um
jornal hebdomadário, onde se estampassem as memórias enviadas das províncias, ao lado das
tradições orais que diariamente fossem recolhidas; por esse meio, tão somente os produtos
naturais seriam mais bem conhecidos, e o comércio se enriqueceria, mas redundaria também em
se obterem informes do maior interesse a respeito dos povos selvagens que habitam ainda essa
vasta porção da América do Sul. Os habitantes do interior vêm incessantemente ao litoral realizar
suas trocas; conviria interrogá-los, e não desprezar nenhuma tradição interessante, mesmo
quando não agrade inteiramente ao homem instruído2'1.
Ferdinand Denis foi o primeiro a traçar um esboço de visão histórica das
manifestações literárias no Brasil Colónia e a sugerir a projeção de
119 Idem, p. 40.
120 Idem, p. 78.
I * I l ' h M n • I H I O l » l R l n n n N A r t O M A i I r\ r « V
uma Literatura Brasileira, traçando os rumos que lhe convinham25. Teria
sido conduzido por ideias que coincidiriam com características fundamentais
do romantismo nascente: a volta para o passado histórico de cada nação; e a
inspiração poética popular. Mas ele não se antecipa propriamente ao
Romantismo. Quer dizer, embora reflita o que já se inovava neste sentido, as
reflexões e o programa de reformas de Ferdinand Denis nasceram em função
do conhecimento direto de um país jovem, que surgia cheio de entusiasmo
sob a bandeira da independência recente. País moldado pelo subjugo, sem
condições de criação espontânea, ilém da agravante do sistema de censura,
Ferdinand Denis entendia que ¡ó lhe restava reconhecer-se em si mesmo, quer
dizer, na sua paisagem; ias suas raízes americanas; tradições; na imaginativa e
poética do seu )ovo. O momento histórico de então lhe era o mais propício.
Com a In- lependência e a nova organização que se imprimia no país, era
também ndispensável cuidar da independência literária. Era preciso ativá-la
in- crnamente, rejeitando uma linguagem anterior de empréstimo e inade-
[uada, e criando uma que fosse autêntica em comunhão com novos sen-
imentos, aspirações e idéias. Seria dar expansão às nossas próprias forças
juventude, abandonando a imitação européia. Se Ferdinand Denis se lorificou
ao reconhecer, no momento em que escrevia, a presença da ífluência francesa,
provavelmente já enxergava a nossa liberdade de es- ;>lha ou substituição de
modelos. Sem dúvida, ela seria estimuladora, e ão constrangedora, das nossas
expansões:
Mas, fato verdadeiramente notável é a influência que nossa literatura exerce hoje n dia sobre a dos
brasileiros. Orgulham-se estes dos autores que fixaram a sua lín- la; mas lêem os poetas franceses, conhecendo-os
a quase todos. O papel que nos cabe sempenhar nesse país é ainda muito significativo, e se os ingleses têm, mais
do que
Sobre papel dc ferdinand Denis na literatura brasileira, o primeiro trabalho significativo i o de Paul I l i/ird,
As Origens do Romantismo no Brasil”, Revista da Academia Brasileira de Letras, XXV, set. I‘)J7, pp, 24-4V
Recomendamos o escudo mais recente dc Guilhermino César não só sobre Ferdi- IMIUI I )cni» mas também
sobre os demais estrangeiros aqui abordados, em “Inrrodução” à op. cit., |*oi t Ir niganí/ada. com traduções
para o português, pp. IX-LVII.
nós, a influencia comercial que em toda a parte lhes caracteriza a atividade, devemos contentar-
I I 1 0 1 ) 0 O l l O P B R f O D O N A C I O N A I I - í i c e r n i r .
nos com ver uma nação esplendente de juventude e de engenho afeiçoar-se i\s nossas produções
literárias, por causa destas modificar suas próprias produções, e estreitar através dos liames
espirituais os que devem existir na ordem política121 122.
Acrescentem-se de 1826 a publicação do ensaio de Almeida Garre»,
“Bosquejo da História da Poesia Portuguesa” e de 1829 o livro de C.
Schlichthorst, O Rio de Janeiro como ele é11. Cabe aqui ressaltar pontos cm comum
entre estes dois e Ferdinand Denis, e também Bouterwek e Sismondi. Garre»
distingue novas contribuições dadas à Literatura Portuguesa por Santa Rita
Durão, Cláudio Manuel da Costa, Basílio da Cama e Tomás Antônio
Gonzaga, todos assinalados brasileiros. Destaca os três últimos, mas censura
“vários resquícios de gongorismo e afetação seiscentista' de Cláudio, e neste, e em
Gonzaga, o receio “de se mostrarem americanos”. Com preferências pelas
sugestões europeias, eles teriam desprezado a riqueza e variedade de cenas
da majestosa natureza que os rodeava, enquanto Josf Basílio da Gama
cultivaria uma poesia reconhecida “verdadeiramente nacional e legítima
americana”123. Os conselhos se repetem, de Ferdinand Denis a outros. Assim,
o conceito de legitimidade americana, sinónimo de nacional, repousa na
inspiração da paisagem e na linguagem adequada e despojada de artifícios
arcádicos e mitológicos, estes, quando muito, substituíveis pela cosmogonia
indígena. Propõe-se até a simplicidade da expressão. O mesmo diríamos da
compreensão de Schlichthorst, mais próximo de Ferdinand Denis pelo perfil
que traça do brasileiro, considerado produto de três raças. Reite rando o
historiador francês, distingue o brasileiro filho de português c
dia, e o mulato, com suas características próprias: contemplação e amor i
liberdade em um, vivacidade e imaginação nooutro, enquanto ao esmo
tempo os brasileiros - de ascendência branca? - se identificam m sentimentos
121 Guilhermino César, op. rit., p. 41.
122 Almeida Garrett, “Bosquejo da História da Poesia e Lingua Portuguesa", cm Parnaso Lusitano ou PoesiasSeletas
tlosAutoresPortugueses AntigoseModemos, Paris, Aillaud, 1826, 5 tomos, 1.1, pp. VII- LXV11; e Shlichthorst, Rio
de Janeiro wie es ist. Beitrage zur Tages - und Sittengeschichten der Hauptstadt von Brasilien, Hanöver, Im
Verlog der Harnischen Hofbuchhaudlung, 1829 (O Rio de Janeiro corno eie é (1824-1826), trad, de Emmy Dodt e
Gustavo Barroso, Rio de Janeiro, Gcttdio Costa, 1943).
123 Almeida Garrett, op. rit., pp. XLIV-XLVIII c Guilhermino César, op. rit., pp. 87-92.
do português, a saber, amor e vingança, linguagem ele- da c maneirosa
mesmo quando exprimem “violenta sensualidade”. E ida faz referência ao
gosto da música, do canto, da poesia improvisa- c da narrativa oral, e a visão
profética de um destino brilhante para a ssa literatura, uma vez encontrado o
caminho da originalidade que lhe nvinha29.
Tanta simpatia e tanto interesse de todos esses estrangeiros observares de
nossas transformações internas indicam que foram espontâne- voltados para
nós, nesse momento de elaboração e caracterização da isciência e do
sentimento nacionais. E foram não só oportunos, em nunhão com a conquista
da nossa independência, também ouvidos e uidos, forças externas de atuação
interna na nossa ruptura com os delos clássicos e neoclássicos anteriores,
salvo o barroquismo tão itificável conosco.
Dc uma maneira geral vivíamos reações contra a preponderância
strangedora dos modelos portugueses e de livre procura dos europeus
geral. Sobretudo e ao mesmo tempo, vivíamos um momento de sín- das
transformações internas voltadas para o reconhecimento da nos- nidade e
identidade histórica. Nativismo e indigenismo/indianismo nçariam assim
o século XIX, para estabelecer a conexão do Período miai com a autonomia
e a auto-escolha dos estímulos externos, lidos pela contribuição francesa,
em harmonia com os internos: da ica romântica européia à ideologia
nacionalista do nosso momento •rico. Ajustam-se engrenagens, refugando-
se peças desgastadas, ape- o problema maior, o do acabamento adequado
da infra-estrutura |UC a máquina pudesse operar livremente, mal grado o
seu aspecto nico.
llllu iitiiixi I > op. dl., pp. 03-102.
2. A PROCLAMAÇÃO NACIONAL DA REFORMA ROMÂNTICA - A AÇÃO DECISIVA DOS
PERIÓDICOS
De acordo, pois, com o pensamento anterior, o romantismo de época no
Brasil — tradicionalmente considerado dos anos de 1830 aos de 1870 - deve
incorporar as três primeiras décadas do século XIX. É a nossa lase pré-
romântica, em que se estabelece a engrenagem do Período Colonial com o
século da Independência, o do romantismo interno, esclarecido pelas
propostas externas. Compõem-se grupos de intelectuais abertos ao debate
crítico. Os periódicos se fazem veículo de difusão, através dos quais surgem a
narrativa ficcional e um gênero novo, a crónica dos acontecimentos do dia ou
da semana, ambos rotulados de “folhetim”.
Veiculam-se idéias teóricas e críticas de interesse literário, agora in-
comparavelmente mais ricas e voltadas para o Brasil do que aquelas do
Período Colonial. Mais importante, porém, é a correlação que as novas
posições estabelecem com a dupla visão do romantismo no Brasil, a externa e
a interna, principalmente à medida que dão abertura para a auto- avaliação
de nossas possibilidades e destino literários. Se os liames entre antecedentes
coloniais e o indianismo romântico - e de uma maneira geral o Romantismo -
se encontram na fase pré-romântica, os passos decisivos para os
pronunciamentos reformadores de Gonçalves de Magalhães principiam com
a Revista da Sociedade Filomática e a Niterói — Revista Hrasiliense, ligadas a grupos.
Desde então foi raro o escritor romântico que não oferecesse sua contribuição
ou teórico-poética ou de reflexões sobre o destino da Literatura Brasileira, sua
valorização e interpretação histórica. São pesquisadores, biógrafos,
historiadores, organizadores de antologias, Joaquim Caetano Fernandes
Pinheiro, J. M. Pereira da Silva, Varnhagen, Joaquim Norberto de Sousa e
Silva, Sotero dos Reis, e ainda os estrangeifosTerdinand Wolf e Eduardo
Perié. Também romancistas e poetas, José de Alencar, Bernardo Guimarães,
Franklin Távora, Álvares de Azevedo e outros, entre estes os dois pioneiros
da nossa crítica mili- :e c do ensaio de relativa ambição, Antônio Joaquim de
Macedo Soa- j Aureliano Cândido Tavares Bastos.
Em vários centros, capitais de províncias - Pernambuco, Bahia, Rio ndc do
Sul, principalmente Rio de Janeiro e São Paulo, surgirão reis, além de jornais,
em cujos objetivos se destacam a preocupação liria e a intenção crítica. Da
Faculdade de Direito de São Paulo, reper- ; em todo o país um entusiasmo
intenso, expresso em revistas não lorta que de vida efémera, congregando
esforços de grupos.
Datada de 1833, a Revista da Sociedade Filomática, órgão oficial des- jciedade,
também fundada no mesmo ano por professores e estudan- laquela
Faculdade. É o marco inicial de um movimento de sociedades urais e de
revistas que traduziriam muito bem a efervescência literária, ica e criadora
daquela instituição, principalmente durante o século i. Da apresentação da
revista, assinada por nomes já então representa- s do nível intelectual do
momento, transcrevemos o seguinte trecho:
Com estas vistas nós abaixo-assinados, Redatores nomeados, pretendemos dis- lir a Revista da
Sociedade Filomática em duas divisões — Literatura — Ciências — E uma destas se subdividirá
em três classes - trabalhos da Sociedade - trabalhos os trabalhos oferecidos.
Na parte Científica daremos maior apreço às Ciências Sociais, e procuraremos nder as mais
sólidas ideias que se têm discutido na Europa acerca da Economia ica, do Direito Público, e da
Metafísica da organização Social. Olhos fitos no bem uiblico sempre propugnaremos pela
estabilidade, e adequada aplicação dos princí- racionais: só defenderemos ideias justas que não
utopias ou sistemas quiméricos, idade - Indústria - Racionalidade - e Associação hão de ser a um
tempo nossa ola, e o Norte a que deveremos tender.
Entregando-nos ao estudo da Filosofia, isto é, da Metafísica geral, base dos princí- abstratos de
todas as Ciências, a que somos constantemente obrigados a descer na sc profunda de qualquer
dos seus ramos, procuraremos quanto em nós couber cin- IOS ao Ecletismo: nem por sombra
abraçaremos as doutrinas de Spinosa, e Gassen- n trotante não seremos também sectários cegos
do absoluto espiritualismo Alemão. I ni I iteratura nossos princípios serão os da razão, e do bom
gosto, combinados
0 espírito, e necessidades do século: tão longe estaremos do Romantismo frenéti- imo d.i servil
imitação dos antigos. Desde já estamos convencidos que a I.iteratu-
1 i spn V..HI colorida do pensamento da época: esta idéia nos servirá para extremar- i iiiodilh
.IÇ.IO justa, c adequada nas antigas conveniências - do esquecimento
absurdo dos princípios da Natureza. Voltando as vistas para a Literatura nacional, protestamos
não dar guarida ao Elmanismo, e Galicismo, filhos bastardos de nossa linguagem pura e nobre;
nem ao Arcaísmo insosso, que nodoa suas feições varonis, porém modernas: poremos todo o
peito em sustentar a casta sisudez da escola respeitável de Camões, Ferreira, e Garção; e
repeliremos com azurrague crítico toda a inovação desnecessária, e que não seja consentânea com
a índole do nosso desprezado, mas tão formoso idioma'0.
A Revista contou com a colaboração de José Marciano Gomes Batista,
Francisco Bernardino Ribeiro, Justiniano José da Rocha, Antônio Augusto
Queiroga. Destacam-se entre os artigos: “Ensaio sobre .1 Tragédia”, assinado
por F. Bernardino Ribeiro, Justiniano José da Rot ha e Aniònio Augusto
Queiroga; elogios dramáticos; poesias, traduções; o ensaio “Vista d’olhos à
poesia portuguesa desde os últimos anos do século XVIII e em particular
sobre o Poema Camões, geralmente atribuído ao Sr. Garrett”, sem assinatura e
parece que incompleto; o “Ensaio Crítico sobre a Coleção de Poesias do Sr. D.
J. G. Magalhães”, por Justiniano José da Rocha; e a tradução do prefácio de D.
Gavet e P. Boucher ao seu romance - Jakaré-ouassou, ou les Tupinambas, Chronique
Brésilienne", além de “elogios dramáticos” e poesias. Atinge o sexto número em
dezembro de 1833, quando se encerra com a extinção da sociedade, carente de
estímulos do público124 125 126.
Depois da iniciativa da Revista da Sociedade Filomática, surgiram vários
outros periódicos de real interesse, notadamente pelos anos de 1850 a 1870,
portanto em pleno Romantismo: Revista Mensal do Ensaio Filosófico Paulistano (1851-
1864); O Acaiaba (1852-1853); Guaianá 1856); Revista da Academia de São Paulo (1859);
Ensaios Literários do Ateneu Paulistano (1852-1860); Trabalhos Literários - Sociedade Amor à
Ciência (1860); Revista da Sociedade Recreio Instrutivo (1861); Revista Mensal do Instituto
Científico (1863); Revista do Ensaio Literário (1871);
ff /anos mais
tarde na Guanabara - “revista mensal - artística, científica, e literária - 128
128 Minerva Brasilieme, n. 1, p. V.
.•eligida - por uma Associação dcTiteratos - e - dirigida - por - Manu- I de
Araújo Porto Alegre, Antônio Gonçalves DiàTfc Joaquim Manuel c
Macedo”. Portanto, expressões do mesmo grupo já mencionado. Du- >u
de 1850 a 1855, coroando então um esforço congregado desde o rupo de
Paris. Foi mesmo a redação desta revista que a reconheceu em mtinuação
da Niterói — Revista Brasiliense e da Minerva Brasiliense'*. lompõem todas elas
uma cadeia, antes e depois, com outros periódicos: a Revista da Sociedade
Filomática aos Ensaios Literários, em São Paulo; o rogresso e a Aurora Olindense, em
Pernambuco; a Revista Nacional e Es- angeira, Voz da Juventude, Harpejos Poéticos,
Revista Popular, Iris, Quesees do Dia, ainda no Rio de Janeiro; o Partenon, no Rio
Grande do Sul. crescente-se, também, a importância literária de que se
revestirão al- ms jornais, destacadamente o Diário do Rio de Janeiro.
Através desses caminhos, incluindo publicações em livros, e tomada n
referência inicial a Revista da Sociedade Filomática, oportunamente lalisaremos:
primeiro, o debate em torno de idéias estéticas e atitudes erárias; segundo,
o esforço de pesquisadores, biógrafos, antologistas e storiadores no
sentido de reconhecerem a existência de fato da nossa eratura, de
conceituá-la, caracterizá-la e revigorá-la. Tanto um caso mo o outro, com
as reflexões que mergulham adentro de nossa forma- o colonial, se
completam num objetivo literário: o de alimentar a cons- íncia crítica da
própria criação. É assim, pois, que paralelamente se de- icm as formas e os
temas literários e se organiza o quadro caracterizador uma literatura que
se propõe nacional, inclusive em linguagem.
ROMANTISMO E IDENTIFICAÇÃO DA NACIONALIDADE
O século XIX, não obstante a sucessão de estilos literários que apre- ita, foi
para nós predominantemente romântico. E se aceitarmos as
Scilm a* duas revista», Minerva brasiliensee Guanabara, chamamos a atenção para o trabalho de I lt*IÍM I
aipes, A Divisão das Águas - Contribuição ao Estudo das Revistas Românticas", São Paulo, Vi U i.uia de passado histórico. Exaltavam-se as raízes americanas, reconhecidos
jonentes legitimadores dos sentimentos que eclodiam, quer dizer,
malistas, provenientes do Período Colonial, com o nativismo e in-
lismo/indianismo. É certo que estas coordenadas, juntamente com ido
que nos deixa o Barroco, já condicionavam muitos traços signi- vos de
característico nacional: sensibilidade, sensualismo, imaginarei
igiosidade complacente, amor exaltado da terra. Fundamentos do
> romantismo interno, foram reconceituados pela estética, poética e ¡
universais importados, do romantismo de época.
O romantismo interno. Considere-se a complexidade do movimento utico
na sua abrangência universal, isto é, européia: idéias, política, ;to,
música, pintura, escultura, sobretudo literatura e história. No particular
do Brasil, e acabamos de sugerir, confrontaram-se e en- ram-se com
aquelas posições outras tantas internas, a contar do Pe- Colonial. Foram
revigoradas pelas nossas experiências simultanea- e em dois campos, o
cultural e o intelectual, sob o ideal da unidade nal. Destaquemos o
apoio de duas instituições reconhecidas entre lis responsáveis pela
formação da nossa mentalidade em todo o sé- XIX: as Faculdades de
Direito de Olinda/Recife e de São Paulo. As oes preservadas por estas
instituições, ainda hoje vivas, são predo- ntemente românticas, até
mesmo na evocação da tentativa de rup- le uma delas com o
Romantismo, a do movimento chamado “Esco- Rccife".
!\ com o Romantismo que se desencadeia uma preocupação que
ii.ii.i .1 nossa literatura: o compromisso estreito da inspiração e da ¡o
mm a realidade brasileira, em última análise uma retomada da
tradição colonial alimentada por aquele binómio ou relação homem/ter- ra. E
no momento romântico, do ponto de vista da criação, sob formulações críticas
discutidas e aplicadas. É assim que se equaciona o universal das poéticas
importadas com o nacional fornecedor principal da matéria- prima da
Literatura Brasileira. Também se intensifica a intimidade entre nossa
literatura e outras áreas do conhecimento e da cultura do Brasil: a sociologia,
o folclore, as tradições populares, a literatura oral, a música. E o que a
literatura oferece de melhor para esse relacionamento provém notadamente
da narrativa ficcional e também do teatro, muito mais do que da poesia. A
crítica lhes fará eco, agitando de maneiras diversas o problema da
nacionalidade literária, da linguagem brasileira, de uma temática específica
nossa.
! Contudo, o entusiasmo romântico seria inevitavelmente levado aos
exageros de uma visão totalizadora ainda imatura. Pesaram nesse caso as
circunstâncias em que nos fizemos independentes, as conseqiientes agitações
internas e a procura de auto-suficiência política e administrativa. E também a
euforia nacionalista, logo alimentada pelo bovarismo e pelo otimismo
projetado daquele ângulo de visão único, o Rio de Janeiro, reconhecido desde
então e por largo tempo centro de convergências diversas, internas e externas,
e de irradiação. Tudo isso pode ser demonstrado através de figuras-síntese da
Literatura Brasileira, notadamente do Romantismo^ e tambémpor outras.
Citamos Gonçalves de Magalhães, Gonçalves Dias, destacadamente José de
Alencar; responsável pela redefinição do nosso romantismo. Virão logo mais
reações teóricas ao Romantismo, ditadas de fora para dentro, atingindo fins
do século XIX. Caracteriza-se então o dualismo da ideologia nacionalista, isto
é, o pessimismo final contra o otimismo deformador inicial. O melhor
exemplo da reação nos dois níveis ressaltados, externo e interno, e tendendo
contraditoriamente para o equilíbrio da síntese, é a obra de Sílvio Romero.
Delineia-se, pois, uma trajetória que preenche o século XIX, com a so-
brevivência do romantismo brasileiro, ao encontro com o Modernismo.
Ação dos influxos e transformação das coordenadas. Em suma, admiti- s uma
linha de unidade no nosso século XIX, que chamamos roman- no,
alimentada pelas transformações provenientes do Período Colo- 1. Mas
ao traçar essa linha de unidade interna, devemos levar em sideração suas
implicações com os influxos externos e reconhecer a essão de estilos
literários. Na primeira perspectiva, a do romantismo ■rno, distinguimos
a projeção no século XIX das coordenadas provenes do Período Colonial:
o nativismo e a sua derivada indigenismo/ ianismo. O nativismo
converte-se em nacionalismo, expresso inicial- íte através de
manifestações sucessivas e concomitantes de antilusis- e do patriotismo
exaltados, da deformação bovarista ao seu oposto. ;loba ainda outras
derivações ideológicas: língua nacional = literatura ional, e paradigma
urbano = sociedade em mudanças (cosmopolitiza- I x universos rurais =
sociedade tradicional (regionalismos). A segun- oordenada derivada do
nativismo, o indigenismo/indianismo, passa ra a relacionar-se com o
nacionalismo, distinguindo-se em indigenis- defensivo e indianismo
mítico. Tratamentos da temática daí decor- e e da temática universal
independente estariam sujeitos aos influxos poéticas e teorias externas
por nós aceitas, assimiladas e reelaboradas, este aspecto, é através da
evolução do pensamento crítico, ou seja, reflexões sobre poéticas e da
historiografia literária em formação que çamos, de dentro para fora, ao
reconhecimento e definição dos movidos e estilos literários de época:
Romantismo, Realismo/Naturalismo, lasianismo e Simbolismo, nos
limites englobantes do século XIX, igurando a segunda perspectiva.
A centralização da vida intelectual. As condições, progressivamente piadas de
intercomunicação e intercâmbio, favorecidas pela Indepen-
i.i e pela unidade política, concentraram-se, já o dissemos, no Rio liteiro,
então a capital do Brasil. Externas e internas, foram de irra- lo nacional. E o
Rio de Janeiro exerce o poder de revigorar a uni- llti iária, ao mesmo tempo
que proporciona a visão diversificada
cío país por força da confrontação que será feita entre ele, paradigma urbano,
e os centros provincianos, estes mais próximos dos universos rurais. Dos
provincianos, apontamos dois: São Paulo e Recife, além de outros menores,
que se definem notadamente na segunda metade do século XIX - Salvador,
São Luís, Fortaleza, Pelotas/Porto Alegre. Em todos, a atividade literária está
ligada ao pensamento crítico, ao ensaio e à historiografia geral. Mas a
literatura é agora uma unidade bem caracterizada, enquanto no Período
Colonial, momento de sementes e elaboração de raízes, as espécies ainda não
estavam definidas. Então, toda a atividade intelectual e cultural era
importante para valorizar aquilo que fosse reconhecidamente literário, a bem
dizer nivelando-se - da poesia, narrativa ficcional etc., até a informação
descritiva, a crónica e a genealogia, que eram do domínio da história e do
campo das idéias a prosa moralista. É evidente que no século XIX, e depois, as
correlações persistirão. Mas dos limites iniciais daquele século aos anos 60 do
atual, limitar-nos-emos à poesia, à narrativa ficcional, que surge logo
triunfante, e a mais duas outras formas que progressivamente ganham vulto
na nossa literatura - a crónica e a memória. Sobre todas elas, focalizamos os
reflexos de poéticas e teorias da criação literária, além de enfatizarmos as
coordenadas internas. A oratória religiosa e a acadêmica, transformadas, mais
a oratória política que surge e o teatro - este só excepcionalmente considerado
- ganham o seu destino próprio. No enfoque que nos propomos - ver nossa
introdução geral - continua nossa orientação fundamental do critério seletivo
de autores e o destaque de autores-síntese, ou obras-síntese, diluindo-se os
demais, explícita ou implicitamente, na visão do todo. E continuaremos a
ressaltar a função dos jornais, periódicos, associações e instituições culturais.
C A P I T U L O V I I I
AINDA A AUTO-REFLEXÃO COMO RECONHECIMENTO
1. POÉTICA ROMÂNT ICA
As reflexões sobre poética provenientes do Período Colonial se con-
vertem em passos iniciais do nosso percurso de imitação e definições
próprias. Continuados na fase pré-romântica, eles alcançam o romantismo
interno, revigorados pelo sentimento de nacionalidade em expansão. A
propósito, bem mais tarde, em 1870, Machado de Assis advertiria que não
bastavam à Literatura Brasileira, para ser nacional, somente “cor local”,
exaltação da natureza, sensualidade e patriotismo130. Relacio-
130 V. Machado de Assis, “Literatura Brasileira: Instinto de Nacionalidade”, em Crítica Literária, Rio dc Janeiro,
Jackson, 1955, pp. 129-136.
essas perspectivas, reconhecemos a necessidade de reapreciar o de-
lvimento do nosso pensamento crítico, com suas impregnações ticas e de
procedência externa, expresso por ensaístas, críticos, bi- >s, historiadores,
poetas e romancistas através de jornais, revistas e entre os limites que vão
da Revista da Sociedade Filomâtica2 ao apo- i crítica machadiana.
) grupo de Gonçalves de Magalhães e suas idéias. O ponto de parti- s idéias críticas da
Revista da Sociedade Filomâtica - ainda oscila as últimas pressões neoclássicas e o
começo da abertura românti-
0 caso do estudo sobre o Camões de Garrett, com opiniões con- loras,
contrariamente às inovações introduzidas pelo poema, ao nar-lhe o
desprezo das regras clássicas. Mas na mesma revista, uno José da Rocha
aplaude a reforma: necessidade de atividade ; estímulo justo às verdadeiras
vocações; os novos rumos da nos- piração poética, cm que aponta o
predomínio do “amor” e da nuosuladc". Ao referir-se ao romantismo
europeu, prevê que cer- ie seríamos sensíveis às novas tendências, a saber:
o “triunfo da
1 idade”; o desejo de “penetrar os corações”, dando os exemplos irrons, e
Delavignes; a oposição à tirania e à afirmação do “amor ria, e da
liberdadç!!A-Ê-5ê-doRm£eliz em destacar o livro recém- ado — Poesias,de
Gonçalves de Magalháes'V, provavelmente o fez íizade, limitando-se
apenãs~ao5Ttspeífõstemáticos da obra. Não a supor que Magalhães, no
prefácio aos Suspiros Poéticos e Sau-
Ito mais uma vez o aproveitamento dessas fontes do pensamento crítico brasileiro por Anto- andido, Formação da
Literatura Brasileira: Momentos Decisivos, ed. cit. (1. ed. de 1959); e io Cominho, A Tradição Afortunada, Rio de Janeiro, José
Olympio, 1968; além de outros. ISS . I parte, fundamentamo-nos em pesquisas que já divulgamos: A Polêmica sobre "A
Confede- dot Tamoiot“, críticas coligidas e precedidas de uma introdução por [...], ed. cit., 1953; An- i do Tnsaio Literário
Paulista, ed. cit. (1961); Textos que Intercsssam à História do Romantis- lv t l ta , vol. 1 (1961), vol. 3 (1964) (v. notas 33 e
34 do capítulo VII - Ruptura e Auto- luwlnunto),
dihl da Sociedade Filomâtica, ed. cit., n. 2, jul. 1833, pp. 47-57. e
l i k l m . i l i a » H U I » k i i / M A U * t • - A « . . . . . - .
dades, de 1836, renegasse aquele seu primeiro livro, sem dúvida de sabor
neoclássico. Nele, contudo, repousa a essência das idéias do autor,entrevista no prefácio, datado de 1832, em que o poeta se define: se havia
menosprezo pela atividade poética, observa, cumpria-lhe justificá-la e
enobrecê-la, atribuindo-lhe exaltação patriótica e, na parte da filosofia
moral, a elevação das virtudes humanas. Num momento em que a nação
era dominada por lutas, ódios e ambições, esclarece, nada mais oportuno e
necessário a todo bom patriota do que dirigir seu canto poético contra
vícios e crimes, reconhecer a bondade do coração humano e estimular as
ambições de glórias necessárias à ilustração da “cara Pátria”131. Destaca-se
ainda outra importante contribuição daquela revista, devida a D. Gavet e P.
Boucher, com a transcrição do prefácio ao romance da autoria de ambos -
Jakaré-ouassou, ou les tupinambas, cronique brési- lienne, reiterando a proposta
indianista de Ferdinand Denis e a inspiração na natureza e na paisagem
humana do “novomundo”132. São propostas que incidirão também nas
reflexões de José de Alencar )das Cartas sobre “A Confederação dos Tamoios”, e dão
à Revista da Sociedade Filomâtica e ao primeiro pronunciamento de Gonçalves de
Magalhães a função de elo entre o pensamento de Ferdinand Denis exmtras
colocações da Niterói — Revista Brasiliense, na qual Gonçalves de Magalhães
começa o seu desempenho de reformador, ao publicar õ “Ensaio sobre a
História da Literatura do Brasil — Estudo Preliminar”. Escrito com a ênfase
de manifesto, é síntese e ampliação do primeiro pronunciamento dele mes-
mo. Está dividido em quatro capítulos. O primeiro contém considerações
de natureza teórica, indicando as proposições básicas para o estudo da
nossa literatura: “Qual a origem da literatura brasileira? Qual o seu caráter,
seus progressos, e quais as circunstâncias que em diversos tem-
pos favoreceram ou tolheram o seu florescimento?” Magalhães considera
então a dificuldade de elaboração de uma história da literatura do Brasil em
virtude da escassez da bibliografia crítica e histórica: contava-se apenas
com os sumários de Bouterwek, Sismondi, Ferdinand Denis e Almeida
Garrett. O capítulo seguinte é de considerações sobre os três séculos
coloniais de nossa formação e sobre as condições da produtividade literária
131 V. Gonçalves de Magalhães, “Prefácio ”, Poesias, Rio de Janeiro, Agier, 1832. A exposição c comentário que
passamos a fazer do pensamento crítico de Gonçalves de Magalhães é extraído dos nossos trabalhos:
Gonçalves de Magalhães — Introdução, Seleção e Notas por (...), São Paulo, Assunção, 1946 c Gonçalves de
Magalhães - Trechos Escolhidos, Rio de Janeiro, Agir, 1961.
132 V. Revista da Sociedade Filomâtica, ed. cit., n. 3, ago. 1833, pp. 92-98.
de então. Já o capítulo terceiro assume valor de pronunciamento crítico,
primeira síntese de debates imediatamente anteriores: a precariedade do
ensino que nos foi dado por Portugal; a literatura dos nossos três primeiros
séculos, cultivada sob o modelo europeu, que transpôs para a paisagem
americana os deuses do paganismo e a impregnou de reminiscências de
origem extracontinental, sedução de todos os brasileiros daquele período.
Devíamos então buscar inspiração na natureza que nos cercava e no
verdadeiro sentimento religioso que nos animava. Também, com a
Independência, o Brasil se tornara “filho da civilização francesa”; enquanto,
com as mudanças experimentadas no princípio do século, se impunha uma
idéia absorvente, “a ideia de pátria”:
[...] Ela domina tudo, e tudo se faz por ela, ou em seu nome. Independência, liberdade,
instituições sociais, reformas políticas, todas as criações necessárias em uma nova Nação, tais
são os objetos que ocupam as inteligências, que atraem a atenção de todos, e os únicos que ao
povo interessam.
Desdobrando essas reflexões, Magalhães jmncipia a última parte do
seu ensaio com a pergunta: “Pode o Brasil inspirar a imaginação dos poetas,
e ter uma poesia própria? Os seus indígenas cultivam porventura a
poesia?” A sua resposta novamente retoma Ferdinand Denis: a natureza
brasileira apresenta imensa e variada beleza que tanto impressiona os es-
trangeiros que a conhecem. Nesse caso, é plausível admitir que os primi-
tivos habitantes do Brasil também se inspiraram nela e que pode e deve sei
fonte de inspiração para os nacionais. Se chegamos ao século XIX, pondera
Magalhães, sem contarmos com uma poesia original foi porque si mpiv
preterimos imitar os modelos antigos sugeridos pelas literaturas européias.
E conclui o ensaísta “que mais vale um vôo arrojado [do gênio] que a
marcha refletida e regular da servil imitação”133.
As observações e propostas de Gonçalves de Magalhães, por ele mes-
mo complementadas ainda no ano de 1836 com o prefácio “Lede” aos
Suspiros Poéticos e Saudades, foram igualmente reiteradas por Pereira da Silva e
133 V. Niterói — Revista Brasiliense, Paris, n. 1,1.1, 1836, pp. 132-159; o ensaio de Magalhães, mudado o título para
“Discurso sobre a História da Literatura do Brasil”, foi reproduzido na sua obra Opúsculos Históricos e
Literários, Rio de Janeiro, Garnier, 1815, pp. 241 -271.
Francisco Sales Torres Homem. Do segundo e último número da Niterói -
Revista Brasiliense, vejamos, primeiramente o ensaio de J. M. Pereira da Silva
— “Estudos sobre a Literatura”. Reiterativo, o que nos interessa nele é o
cotejo com ideias e atitudes já ressaltadas, no sentido de surpreender uma
orientação comum que se propunha: a poesia compreendida como
“representante dos povos”; “arte moral”, capaz de influir sobre a
civilização e a sociabilidade e de traduzir os ideais de liberdade. Cita o
exemplo da França, com Chateaubriand, B. Constant, Mme. De Staél,
Lamartine, Víctor Hugo; da Itália, com Manzoni, Foscolo, Pellico; e também
cita Schiller, Martínez de la Rosa e Garrett. Arremata: esse sopro renovador
ainda não nos atingira, senão agora com os Suspiros Poéticos e Saudades,
festejada obra de “chefe de urna nova escola”134. A seguir vem a apreciação
crítica de F. S. Torres Homem ao mesmo livro. Reiterando Pereira da Silva,
mas de maneira mais completa, ele ressalta a renovação poética que a obra
representa, contrária aos moldes poéticos greco-latinos, expressão agora do
infortúnio humano e da religião, sob a influencia do cristianismo. Se
seguíamos até então os velhos modelos, ainda distantes da renovação já
triunfante da Europa, chegava a propósito o exemplo de Maga i hijos. Sua
obra, pautada no novo gosto, era também expressão de uma poesia de
sentimento melancólico, impregnada de “pensamentos filosóficos,
inspirados pela escola idealista alemã e pelas doutrinas do cristianismo”.
Merecia destaque a pureza e pompa da versificação; e ainda mais - o que
sem dúvida seria muito mais grato para
lagalhães a obra era um “código de moral na sua expressão a mais iblime,
nas suas formas as mais ternas e consoladoras”, “produção de n novo
género”, “destinada a abrir urna era à poesia brasileira”8. Era, ifim, a
consagração de quem foi considerado, e também discutido, befo de escola”.
E não foram outros o pensamento e o desejo de Gonçalves de Ma- ihães.
Estão claramente expressos tanto no contexto dos Suspiros Poéti- s e Saudades,
quanto no prefácio “Lede”, que acompanha o livro. Se- mdo o autor -
mesmo que ele nos pareça artificial, mas bem à imitação mântica -, sua obra
resultou de impressões locais e de momento, da spiração motivada pelas
134 V. Niterói — Revista Brasiliense, ed. cit., n. 2,1.1, pp. 214-243.
saudades da pátria, pelas cenas da natureza. :us propósitos renovadores se
apresentam religiosos, morais e estéticos, :ntro do domínio da razão. Estaria
aí o “romântico arrependido” de que laria Alcântara Machado9.
Curiosamente - e agora se coloca a sua rea-
0 ao formalismo neoclássico —, condena a obra de Sousa Caldas, ressal- do
pelas traduções e destacado apenas pela sua ode “Ao homem selva- m”.
Também condena a poesia sensualistadaqueles que se voltaram ntra as
“leis da decência” - a decadente poesia arcádica, de inspiração igã, frígida
ou artificial. E aconselha, reinsistindo, a poesia pautada na oral da religião
cristã10. Salvo a liberdade formal proclamada, o mais que
1 dito por Magalhães é uma ampliação do que ele mesmo já havia escriño
prefácio das Poesias, de 1832". Entre neoclacissismo e Romantis-
o, Magalhães procuraria sempre manter o fiel da balança. Visava evitar
excessos e até mesmo o que ele consideraria “monstruosidades” român- :as.
O que lhe impressiona de fato no Romantismo são certos compontes
patrióticos, nacionalizantes e nacionalistas, os ideais de liberdade, 135
o sentimento religioso. E até o espiritualismo filosófico que aprendeu com
Frei Francisco de Monte Alverne, além do que ele assimilou ou fixou do
conhecimento de Jouffroy e Victor Cousin136. É o que concluímos da leitura
das Poesias Avulsas de 1864, reproduzindo parcialmente as Poesias de 1832, e dos
Cánticos Fúnebres137 138, também de 1864, revivescência um tanto tardia da
“poesia dos túmulos” de princípios do Romantismo.
A mesma preocupação reformadora pode ser reconhecida na intenção
de Magalhães de cultivar a poesia épica e o teatro. Sempre manifestou o
desejo de escrever um poema épico nacional, talvez porque visse na
135 Ittg. cit., pp. 246-256.
AI. ini.ii a Machado, Gonçalves de Magalhães ou o Romântico Arrependido, São Paulo, Saraiva, 1936. I) | wuvlit et Eontuinc, l.ibraires,
1836).
V nula 4, deste capitulo.
136 V. também Roque Spencer Maciel de Barros, O Significado Educativo do Romantismo Brasileiro: Gonçalves de
Magalhães, São 1’aulo, Grijalbo/Edusp, 1973.
137 Cânticos Fúnebres, Rio de Janeiro, Garnier, 1864.
138 Gonçalves de Magalhães, A Confederação dos Tamoios (poema), ed. de Sousa da Silveira, Rio de Janeiro, Paula
Brito, 1856 (in foL). A edição comum data do ano seguinte, Rio de Janeiro, Tip. de Paula Brito, 1857.
solenidade dessa forma poética a melhor maneira de exaltação patriótica.
Em pleno domínio do Romantismo, Magalhães tenta reativar essa forma da
tradição clássica, certo que com veleidades de modernização. Ainda
procede com o propósito de cumprir um programa patriótico confirmado
pelo patrocínio que lhe oferece o jovem imperador, Dom Pedro 11,
proporcionando-lhe a edição imperial do seu poema, A Confederação dos
Tamoios, em 1856'4.%Somente assim, portanto, se pode justificar a
apresentação desta obra já em estágio avançado do Romantismo. Apesar de
certas afirmações críticas no prefácio, pressupondo atitudes renovadoras,
Magalhães se apresenta diretamente filiado na tradição épica do Período
Colonial, em que avulta Frei José de Santa Rita Durão e José Basilio da
Gama. Do primeiro, além da sugestão indianista e do sentimento cristão ou
religioso, retomou as intenções patrióticas de realizar uma epo- péia
nacional; do segundo, à parte também a sugestão indianista, observou o
abandono das principais características de estilo e de estrutura externa
impostas pela épica tradicional: a linguagem mitológica (o que aliás a
formação religiosa de Magalhães de qualquer maneira renegaria) e
litava rima, substituída pelo verso decassílabo branco de estrofação li-
Ninguém melhor definiria este poema do que Frei Francisco de ante
Alverne, ao considerá-lo intensamente patriótico, religioso e mo-
izante15. Medíocre, como o conjunto da produção literária de Maga- ícs,
o seu valor reside de fato, e suficientemente, apenas naqueles sen- tentos
e nas intenções reformadoras e estimuladoras. Se o autor não nseguiu
realizar um poema épico nacional, exprimiu, porém, uma in- isa
vibração patriótica ao lado do sentimento antilusista que nos danava e
da preocupação de reconhecer raízes autóctones de tradições e lores
nacionais. Daí a defesa histórica do índio, feita ainda à maneira scritiva
do Período Colonial, para apontá-lo o mais legítimo elemento nossa
formação, em oposição a injustiças e menosprezo que lhe devora o
elemento adventício. Mas a valorização histórica fica muito aquém um
Loreto Couto. Também não conseguiu realizar o que propôs Fer- íand
Denis: explorar poeticamente as sugestões deixadas pelo passado noto e
pelas lutas entre índios e portugueses nos momentos iniciais da nquista
da terra. Talvez a grande projeção do poema no momento, ím de ter sido
lançado em edição imperial, tenha sido a polêmica que ■ motivou a
partir das críticas de José de Alencar, no Diário do Rio de nciro. Contou com
a defesa de Manuel de Araújo Porto Alegre, Dom dro II, Frei Francisco
de Monte Alverne, além de outros, motivando 1 Alencar idéias sobre
poética indianista e romântica em geral16.
Sempre conduzido pelo propósito de propor teoricamente e realizar
quanto possível criativamente a reforma romântica da Literatura Brasi-
ra, a ação de Gonçalves de Magalhães se completa neste sentido com
cocupações em torno do teatro. Pretendeu um teatro de legítima ex-
essão nacional, acatando sugestões temáticas de Ferdinand Denis. mtou
com a colaboração do grande ator da época, João Caetano17, o 139
primeiro a organizar uma companhia de teatro que pudesse ser conside-
rada brasileira. Antes de Gonçalves de Magalhães, de João Caetano e
Martins Pena, não podemos falar em teatro de tradição brasileira, com-
preendendo-se, nesta expressão, o autor, a obra, o ator ou companhia, o
edifício adequado à representação e o público realmente interessado.
Dentro dos limites da história, não se podia falar igualmente em literatura
dramática brasileira. E certo que houve espetáculos, foram escritas,
traduzidas e representadas peças no Período Colonial. Mas o que poderia
realmente ser teatro nosso, deixou suas raízes perdidas no século XVI, com
o exemplo de Anchieta. E já no século XIX, no momento da reforma de
Magalhães e João Caetano, o que interessava ao nosso público eram os
dramas febricitantes, que viciavam a imaginação e a sensibilidade, segundo
a crítica da época. Escritores, Sousa e Silva, Lemos Magalhães, Antônio José
de Araújo, Pinheiro Guimarães Júnior, Odorico Mendes e mesmo
Gonçalves de Magalhães limitavam-se a traduzir By- ron, Arnaud,
Delavigne, pucis (adaptações de Shakespeare)140. Mas, de qualquer forma,
Gonçalves de Magalhães - ele mesmo tendo traduzido Arnaud e Ducis, por
exemplo, a adaptação de Otelo ou o Mouro de Veneza - sentiu aquela
necessidade de estimular a criação de peças de assunto e de interesse
139 Monte Alverne, Obras Oratórias, ed. cit., t. II, pp. 461-482.
V |n«i*i in di' Almeida Prado, João Caetano - O Ator, o Empresãrio, o Repertório, São Paulo, Perspec- llvn/l dmp, l‘)72.
140 Cf. Múcio da Paixão, O Teatro no Brasil, Rio de Janeiro, Brasília Ed., s. d., p. 158.
nacionais. Seria o ponto de partida para a organização de um teatro que
correspondesse à nossa realidade. Mais uma vez o que vale é a intenção de
Magalhães, pioneiro, pois o teatro que ele escreveu, a ser considerado
nacional, é bastante discutível.
A sua primeira peça, a tragédia Antônio José ou o Poeta e a Inquisição, é de
1838141. A 13 de março foi representada pela primeira vez no teatro da Praça
da Constituição, no Rio de Janeiro, pela Companhia de João Caetano, que
acabava de ser organizada. Foi distorcidamente considerada de assunto
nacional pelo próprio autor. Dividida em cinco atos, escrita em verso, metro
decassílabo, nos moldes clássicos, inspirava-se
I1). Editada no Rio de Janeiro, Tip. de Paula Brito, 1839.
№
JANEIRO
A DE B. L.
QARKIEB
l'A HO OUVIDOR R»i».
c\ cénti n viv c A
'KDEBACÀO
i
008
M O YOS.
POEMA
ron
)E MAGALHAENS,i, CQRII.lTA V. AfWCÍCEUTAtoA rKWAUHW.
1804
A Confederação dos Tamoios.
iltimos momentos da vida do comediógrafo, que dá o nome ao títu- n 1739,
depois de submetido a segundo processo pela Inquisição, a queimado vivo
em Lisboa. Naturalmente — e é esta a única expli- i razoável - a peça seria
de assunto nacional apenas pelo fato de An- i José, um autêntico escritor
português, haver nascido no Brasil, tido, é preciso considerar que nos
momentos iniciais do nosso ro- ismo, sob a ação renovadora de Magalhães,
o que prevalecia era a ç.to patriótica, no caso presente levada ao extremo de
incorporar ao i passado um episódio da história e da literatura portuguesas.
Quan- oi ma c ás limitações impostas ao tratamento do assunto, novamen-
t
r i i l i t i i i i i t i i i i i i i . o f r m i i M i c i í u m i —
BRASILIANAS
POR
As Brasilianas.
te as vemos em função do já acentuado fundamento neoclássico e espírito
religioso que presidiram a formação de Magalhães. Ao prefaciar aquela
tragédia, ele declarava não seguir nem o “rigor” dos clássicos nem o
“desalinho” dos românticos, mas reconhecia o direito de fazer o que en-
tendia e podia142. Na verdade, manteve-se predominantemente clássico.
Ao mesmo tempo, mostra-se influenciado por Víctor Cousin, a quem cita
ao prefaciar a sua segunda tragédia - Olgiato, representada em 1839,
142 V. Gonçalves de Magalhães, Obras (de), t. Ill, Tragédias (Antonio José, Olgiato e Otelo), Rio de Janeiro, Garnier, 1864.
M. DE ABAUJO PORTO-ALEGRE.
VIENNA.
IMPKMAL K >1KAL. TtlMlC.ltAl'NIA 1803.
Ui III, l i t ,
ambém escrita conforme com a tradição. Fundamenta-a em episódio
história italiana e ainda à semelhança da anterior considerada propícia i
ítica aos abusos da tirania e às reflexões moralistas. E Magalhães en- issa a
opinião daquele pensador francês, reafirmando que o fim da arte > belo
moral, e a sua liberdade reside apenas nos meios de exprimi-lo. ,ií porque
renega o que considera verdadeiros “horrores” do estilo ro- ântico,
caracteres monstruosos, paixões desenfreadas, amores licencio- s. E ainda
que faça concessões ao teatro romântico, que diz conhecer ficientemente,
confessa preferir Alfieri a Corneille2'. Certamente, com lhas as tragédias
Gonçalves de Magalhães ampliou sua intenção de re- rma, abrangendo
criação e vida teatrais.
Restrições a Magalhães; novas posições. Ficou claramente implícito le o
pensamento dele é síntese das idéias, afirmações e atitudes prove- :-ntes de
Ferdinand Denis e de Almeida Garrett, revigoradas pelos con- os diretos
com o romantismo francês e italiano. Também se enraíza no isso passado
literário, tanto do ponto de vista das transformações das fias críticas,
quanto pela intenção de revê-las. Abre caminho igualmen- para a história
literária. Mas ele teve o seu momento, a partir de 1836, ando lidera grupo
renovador, até que se expõe, mais tarde, à contro- rsia c à contgstação. Ela
não tardaria: viria com o reconhecimento da esia de Gonçalves Diàs, desde
os Primeiros Cantos, de 1846, e se inten- icou cofn a crítica de José de Alencar
ao poema A Confederação dos moios. Gonçalves de Magalhães cumprira o seu
papel entre 1836 e 46, embora posteriormente continuemos a sentir a
projeção de suas fias básicas, quer dizer, exatamente aquelas inspiradas por
Ferdinand :nis. H o que também podemos constatar em revistas românticas
de o Paulo. Na Acaiaba, revista que circulou de 1852 a 1853, Manuel itônio
Duarte de Azevedo publicou uma série de artigos - “Literatura tua . cm que
se firmava exatamente na necessidade de estimularmos
uma expressão literária nossa. Parodiando o batido conceito de BufFon,
escrevia que a literatura é o povo, concluindo que foi “pela epopéia, pela
filosofia, ou pelo romance” que se distinguiram “no vasto quadro das
nações, aquelas que mais se têm compenetrado das ideias do grande, do
verdadeiro e do belo”. Combate o descaso em que eram tidas nossas ma-
nifestações literárias passadas. Aponta originalidade em Basílio da Gama,
Silva Alvarenga e Gregório de Matos, não obstante admitir que eles não
souberam compreender o espetáculo novo que lhe oferecia a paisagem
americana, deixando-se dominar por “antigas tradições”. F. evidente a re
petição de Ferdinand Denis, de Garrett e de Gonçalves de Magalhães. Mas
ao mesmo tempo aplaude a valorização que então j.i se lazia do indianismo
de Gonçalves Dias, por ele apontado “chefe de escola", 11 ia dor de uma
poesia que sugeria a matéria de nossa epopéia nacional, numa franca
oposição a Gonçalves de Magalhães. Referindo-se ainda a poetas do
passado, Basílio da Gama, Santa Rita Durão e até Frei Francisco de São
Carlos, concliú com uma advertência que já se fazia pensamento geral,
revertida em crítica ao programa de acentuada influência francesa que
culminou exatamente com Gonçalves de Magalhães: “Resta porém que não
sejam os Brasileiros os primeiros a esquecê-los e desprezá- los: convém que
o francesismo não invada até a literatura nacional, e que sejamos ao menos
gratos à memória dos que trabalharam para nós, e se esforçaram para dar
nome ao país e deixar-nos alguma coisa”143.
Entramos assim numa fase imediatamente posterior a das afirmações
quase dogmáticas, reconsiderando-as sob controvérsias e críticas. Aure-
liano Cândido Tavares Bastos escrevia para a Revista Mensal do Ensaio Filosófico
Paulistano, corroborando Antônio Joaquim de Macedo Soares sobre a
valorização literária do nosso passado histórico. Só o louvor ou a exaltação
da natureza, em termos puramente descritivos, não bastava para criar uma
expressão literária brasileira, opinião também de Duarte de
143 V. Textos que Interessam à História do Romantismo - //- Revistas da Epoca Romântica, José Aderaldo Castello (org.), ed.
cit., pp. 183-197.
Azevedo, acima citado. Coube a Macedo Soares formular melhor o pro-
blema ao traçar um paralelo da Literatura Brasileira com a norte-americana,
afrontando mais uma vez o modelo francês. Vale a pena relembrar
textualmente este excelente crítico da época romântica:
Deste esboço comparativo entre as literaturas norte-americana e brasileira
acerca do sentimento da natureza, decorrem conclusões das quais não tirarei senão a
que mais importa agora: há na poesia do Norte mais sobriedade de imagens, mais
sábia economia no emprego delas, de modo que o pouco que há de descritivo, é
asselado da elevação de idéias de que há pouco falei; o contrário é justamente o
defeito capital dos nossos poetas. A causa disto parece-me que se deve buscar na
maneira errada por que tem sido compreendido o nacionalismo na arte. Tem-se feito
deste caráter de toda verdadeira poesia um sistema, quando não devia ser senão uma
condição local, necessária embora, de sua projeção no espaço e no tempo. O próprio
chefe da escola nacional, o Sr. Gonçalves Dias não escapa a esta observação. Há nos
Timbiras demasiada profusão de cores, cruzam-se os ornatos como as laçarias de um
templo gótico, sobre as quais mal podem fixar-se por momentos os olhos do
observador23.
Datadas de 1859, as reflexões de Macedo Soares já exprimiam um grau
de amadurecimento crítico que marca de fato uma etapa nova no
romantismo brasileiro. Principiando pelo esvaziamento da onda nacionalista
de exaltação de nossa paisagem, ele põe em foco Gonçalves Dias,
confrontando-o mais uma vez com Gonçalves de Magalhães em nível de
“chefe” da Literatura Brasileira. Ele insiste no paraleloJ_çq^forme o que
lemos no seu excelente ensaio sobre a poesia de (Gonçalves Dias, de 186124.
E também com o que lemos em Duarte de ÀZevedo e ainda na resposta de
Luís Ramos Figueira, em 1864, em proposição claramente formulada sobre
se era “justo o título de chefe da Literatura Brasileira, dado ao Sr. Domingos
José Gonçalves de Magalhães”. Luiz Ramos Figueira, ao admitir que a
Literatura Brasileira era guiada apenas pela “imaginaçãodo brasileiro”,
quando muito reconhece que Gonçalves de Magalhães “chamou os
guerreiros à luta, mas não marchou adiante deles
), t V, l»n til., |i, 84. A Revista Mensal do Ensaio Filosófico Paulistano durou de 1852 a 1864.
1 l Mili i do Soarc«, "Tipos Literários Contemporáneos - I - Gonçalves Dias”, lug. cit., pp. 97-116.
e não mostrou mais valor no combate”. O articulista ressalva que foi grande
o papel de Magalhães na reforma do nosso teatro, desde a tragédia Antônio
José, com sugestões que foram retomadas por outros. Mas, no que concerne à
poesia, quem se faz modelo a ser seguido é Gonçalves Dias23. Podemos
reconhecer nesta opinião um equívoco de perspectiva histórica, projetando a
ação de Magalhães para depois dos Suspiros Poéticos e Saudades. Interessa,
porém, a agitação que o articulista documenta, caracterizando aquela fase
do processo de amadurecimento do pensa mento crítico da época romântica
no Brasil. Mas é novamente com Ma cedo Soares que reconhecemos uma
visão crítica e até mesmo histórica equilibrada. Ao discutir o valor e a
popularidade da poesia de ( ionçalvcs Dias, ele se firma numa perspectiva
igualmente válida para Gonçalves d a
expressão fiel da nova poesia?
Encerram em si elementos de duração? Que alcan- têm para as nossas letras? Que serviços
prestaram à literatura, à língua, à poesia, à ilização, enfim, do país?
f \
\
Sabemos que a poesia de Gonçalves Dias foi entusiasticamente aco-
ída pelo público e pela crítica, exaltando-se a beleza e o significado da a
expressão. Para Macedo Soares - ele valoriza sobretudo a temática - o
icta se apresenta essencialmente lírico, debaixo da inspiração americana
e dos sentimentos religiosos, resumindo-se em três pontos a sua poe-
“Deus, Pátria e Mulher”, firmados nas qualidades artísticas do verso26.
Certamente, porém, não devia ficar somente aí, no sentimento da
lurc/.a, nos temas tradicionais ou americanistas, sem falar no lirismo
igioso e amoroso, o caráter da poesia brasileira, a ser posta em confron-
com a poesia moderna em geral. Respondendo à pergunta, Macedo 145
145 lii|> til., |i|i. ‘>7-103-116, citações das pp. 98 e 99.
Soares, juntamente com Silva Prado e Salvador de Mendonça, apontariam a
mais a dúvida, a descrença, o desalento do espírito, traços dominantes da
poesia romântica universalmente considerada, entre nós representada por
Alvares de Azevedo, enquanto Gonçalves Dias exemplificava o sentimento
nacional e a temática americana146. E retomavam-se sob alguns aspectos
propostas românticas iniciais, entrevistas em Gonçalves de Magalhães, de
poesia associada à missão moral e social, sob o sentimento de Deus, voltada
para o progresso dos povos. Macedo Soares afirmaria mesmo que para o
Romantismo atingir seus objetivos era preciso “cia mar para a regeneração
das sociedades”, pois lhe faltava algo de essenci.il, aquilo que nasce do
trabalho alimentado pela fé: ordem, progresso, vida e movimento. E isso que
determina a “unidade na variedade”, a beleza, “alguma coisa de divino no
coração do homem”,
segredo da grande poesia, da filosofia do sentimento, da poesia como tém-na compreendido os
homens do Norte, Waldo Emerson, Longfellow, Poe, Nathaniel Hauthorne e toda essa plêiade
de poetas e j-omancistas de que se ufana a sábia literatura dos Estados Unidos,
embora reconheça, desalentadamente, que estávamos bem longe de atingir
esse ideal147.
Talvez a incerteza quanto ao que poderíamos fazer, levasse Macedo
Soares à reação, de maneira a combater o que denominou de “realismo
grosseiro dos talentos gastos”, isto é, a dificuldade da poesia nacional re-
lativamente à expressão da realidade quando uns apresentavam uma “rea-
lidade nua”, outros, deformada e exaltada “à altura do ideal”. Para ele, esta
última atitude parecia a mais conveniente para presidir a interpretação da
natureza “na vitalidade do espírito que a anima”. Volta-se, então, contra o
descritivismo, a superficialidade da nossa criação, tornando a nossa
literatura muito fácil:
nao consta um esforço generoso para a criação de obras duradouras, e no pouco : se faz
revela-se uma inconsistência, uma falta de estudo que força a descrer do so espírito
146 V. lug. cit., pp. 118-122. A proposição foi a seguinte: “Qual o caráter da poesia moderna cm geral, e da poesia
brasileira em especial?” (p. 118).
147 V. lug. cit., pp. 86 e ss.
literário29.
A coerência, o equilíbrio e também a penetração e advertencias con- as
na crítica de Macedo Soares fazem dele a primeira figura de desta- e do
nosso pensamento crítico de avaliação interna. Escrevia pelos anos 1860,
e vimos, a propósito de debates governados pelo espirito nació- lista e
patriótico ainda exaltado, espirito que presidiu a implantação do sso
romantismo e que não cessaria tão cedo. Era realmente urna toma- de
posição corajosa que atribuía ao crítico uma função de vigilancia m das
limitações pessoais e das consagrações fortuitas. Tratava-se de o de
compreensão mais ampla e arejada do sentido e do destino da nos-
literatura, superada a onda de programas e manifestos nacionalizantes 5
primeiras décadas da implantação do Romantismo, então proposto m o
objetivo de reformá-la. E para urna literatura ainda incipiente, reina que
se fazia debaixo da influencia francesa, logo a seguir também inglesa,
com a geração byroniana, mesmo que tenha sido via França30.
Nesta última linha se situam Alvares de Azevedo, Bernardo Guima- :s
e até certo ponto Fagundes Varela31. Se eles também se apresentam
¡pirados pelo patriotismo e nacionalismo sobre o propósito de criação
Literatura Brasileira, não quer dizer que se exprimissem sempre em
munhão com a maioria dos nossos românticos. Em páginas de Alvares
Azevedo também reconhecemos a repercussão das reações que foram
nivadas entre nós por atitudes de escritores portugueses, Antônio liciano
de Castilho e Pinheiro Chagas. Ao contrário de Garrett e Ale- ulre
Herculano, eles se opunham às sugestões favoráveis a nossa auto-
V, lug. ch„ pp. 96 c ss.
( I 1’lri-i de Almeida, A Escola Byroniana no Brasil. São Paulo, Conselho Estadual de Cultura - CuinUtAo dc l iteratura,
1972.
As págioni critica» dos três poetas - Alvares de Azevedo, Fagundes Varela e Bernardo Guimarães - i»lílo reunida»
no volume por nós organizado, Textos que Interessam à História do Romantismo,vol. I, tnl dt.
nomia literária, visando sobretudo ajosé de Alencar’LjNesse jogo, Alvares de
Azevedo - também Adolfo Varnhagen — às vezes assume posições
contrárias aos propósitos acentuadamente nacionalizantes do nosso ro-
mantismo. Ambos se igualam, quando fazem a defesa, clara ou implícita cm
suas páginas críticas, do reconhecimento e persistência do enraizamento da
Literatura Brasileira na tradição portuguesa, sobretudo no que diz respeito
ao problema da língua. Contudo, o que predominou em Alvares de
Azevedo foi a atitude crítica que reflete uma curiosidade de espírito ampla,
universalista e unlversalizante, em que se manifesta a impressionante
fecundidade e curiosidade intelectual do jovem poeta e crítico. Falecido aos
vinte e um anos de idade, foi de uma prematuridade espantosa, desde cedo
saturado de leituras que vinham dos clássicos aos românticos, da Bíblia aos
poetas byronianos, criadores dos seus protótipos e ideais, marcados pelo
destino de sofrimento físico e moral, de angústia, desespero, vício e
degradação. É mesmo difícil saber o que é crítica ou recriação nas páginas
em prosa de Alvares de Azevedo: até que ponto ele emite um juízo de valor,
algo ponderável ou objetivo, ou até quando a sua fantasia mórbida se
converte na única realidade ao seu alcance. Porque de fato a sua vida se
transformou em fantasia eivada de subjetivismo: o poeta, sobrepondo-se ao
homem, fez com que este último passasse para o plano da imaginação e da
conseqiiente imposição a si mesmo de uma antevisão literária do mundo ou
pelo menos do seu mundo próprio. É um caso curioso de aguda
sensibilidade e de inteligência bem dotada, que se deixaram arrebatar, em
mútuas interferências, pela confusão entre criação e criatura, entre
concepções estéticas mais tendências literárias exacerbadas e valores
humanos. Contudo, pressente-se que o crítico-poeta superaria esse estado
meio caótico de seu espírito e deixa- 148
148 Cf. José de Alencar, “Bênção paterna”, prefácio ao seu romance Sonhos d'Ouro e o periódico dirigido pelo
escritor português José Feliciano de Castilho com a colaboração do romancista Franklin Távora, intitulado
Questões do Dia, Observações Políticas e Literárias escritas por vários e coordenadas por Lúcio Quinto Cincinato, Rio
de Janeiro, Imparcial, 1871,2 tomos (reúnem um total de 40 números da publicação, em que José de Alencar e
sua obra foram os alvos principais).
i » M / i i l i t i i i » m u f n n n M A t i n \ i A i — i n ç t f r m n Y I Y P A
expandir a lucidez equilibrada de sua inteligência, a exemplo das pá- las
de reflexões sobre o estado do teatro brasileiro em sua época, cuja
portância documental e segurança de observação nos conduzem a re-
tões idênticas de Machado de Assis. Quanto ao mais, suas páginas so- ■
tendências, atitudes e criações byronianas documentam exatamente i
estado de espírito pessoal afetado pelas manifestações mais caracte-
icamente extranacionais do nosso romantismo. Mas é por onde pode- >s
penetrar no mundo deste poeta, na verdade irrealizado.
Embora ligados a Alvares de Azevedo pelas tendências byronianas, não
sentimos o mesmo conflito em Fagundes Varela e menos ainda Bernardo
Guimarães, quer em páginas críticas, quer na poesia. Ali-
0 que Fagundes Varela deixou, que possa ser considerado do ponto
vista crítico, é muito pouco significativo. Apresenta antes de mais la
valor de autojustificativa, de esclarecimentos, denotando às vezes lor
patriótico, outras vezes preocupações formais. Quase o mesmo emos de
Bernardo Guimarães, companheiro, com Aureliano Lessa (de rm ele traça
excelente perfil), do byroniano Álvares de Azevedo, quan- estudavam na
Faculdade de Direito de São Paulo. Certamente Berilo Guimarães se
destacaria como narrador ficcional, neste caso por- lor de algumas
reflexões críticas interessantes para a caracterização da ssa narrativa
romântica.
Alencar versus Magalhães - nova poética romântica. A reação às pro- stas de
Gonçalves de Magalhães manifesta-se no Rio de Janeiro e para- imente
em São Paulo. Retornando ao Rio de Janeiro depois de recém- lo da
Faculdade de Direito de São Paulo, e de haver passado por Recife, ■ncar
é o primeiro a discutir o significado nacional da obra de Maga- es, ao
apreciar o poema A Confederação dos Tamoios, em 185633. Provo-
1 uma polêmica que lhe deu oportunidade, como já referimos, de refle-
sobre os fundamentos estéticos do indianismo romântico, sua poética e
149
149 il» Alrikut r outros, A Polemica sobre A Confederação dos Tamoios", cd. cit.
o problema sempre agitado do nacionalismo literario. Pomos agora em re-
levo apenas o debate em torno de unta poética em transformação, preocu-
pação que foi também, em outro sentido, do grupo de revistas paulistas.
A “Advertência” à reedição de 1864 de A Confederação dos Tamoios (a
primeira edição data de 1856) é mais um passo retardado de Gonçalves de
Magalhães. Ele continuava fiel às primeiras posições, sem querer reconhecer
as transformações subseqiientes. Preocupava-se ainda com problemas já
superados do verso em correlação com a linguagem romântica. E a
explicação que nos dá, persistentemente tardia, não diferia da posição
retrógrada daqueles que, por volta de 1856, haviam reclamado para o poema
dele o uso da oitava rima. Só admitindo recnquadramento histórico anterior
à reforma romântica, podemos levar em conta suas observações de 1864
sobre métrica e outros aspectos do poema épico tradicional, uso da oitava
rima, sua estrutura, ritmo proveniente da rima. Enquanto Basilio da Gama já
havia avançado ao abandonar o uso do maravilhoso pagão e da linguagem
mitológica, Magalhães se insurgiria contra um e outra levado, porém, por
princípios religiosos moralizantes e não por compromisso romântico e
muito menos estético. Na verdade, faz substituições: invoca o sol em vez das
musas; os gênios feiticistas da tradição indígena em lugar das
representações mitológicas; finalmente, transforma valores religiosos em
instrumentos vaticinadores e forças protetoras dos seus heróis.
Todavia, Gonçalves de Magalhães, com a tentativa de poesia épica, não
desmerece a posição conquistada de reformador, se levarmos em conta o
papel dela de proporcionar aproximações e motivar reações. Por exemplo,
exatamente porque era uma deficiência do poema, deu-se destaque na
polêmica, que o envolveu, aos aspectos sonoros e plásticos da palavra, traços
da aventura expressiva e da sensibilidade românticas. Em três passos
significativos da segunda das Cartas sobre “A Confederação dos Tamoios”34, José de
Alencar insiste na tentativa de conceituação da poesia '4. Indicamos aí o título do
volume cm que Alencar reuniu as suas “Cartas”, publicadas no Diário do ̂ relacionada com o valor da
palavra, considerada exatamente na sua otcncialidade plástica e sonora. O
poeta épico - e mais tarde Raul ampéia também o diria a propósito do
romancista - é considerado au- >r c ator, devendo por isso mesmo
preocupar-se com a propriedade da nguagem adequada aos grandes
sentimentos e pensamentos. Alencar rnbra o exemplo e modelo do segundo
canto do Paraíso Perdido. E centra Gonçalves de Magalhães, que não soube
explorar lances teatrais e Feitos cênicos, nem os correspondentes e
necessários recursos plásticos, cm a sonoridade da palavra35.
Ao procurar definir melhor a associação entre poesia, música e pin- tra,
um ideal romântico, Alencar é mais explícito na quarta carta. Diva- a sobre a
poesia, lembra a Grécia, Roma antiga, a França com Racine, fictor Hugo e
Lamartine, e insiste finalmente no profundo traço de ir- tandade entre
aquelas três artes: “a forma, o som e a cor são as três mi- rgens que
constituem a perfeita encarnação da idéia; faltando-lhe um esses elementos,
o pensamento está incompleto”, pois ele fala pela tríplice frase da razão, do
coração e dos sentimentos”36.submetidos ao
comparatismo, independçnte da conceituação de preponderância, uma vez
que evidenciam um movimento de procura com aceitação seletiva da nossa
parte, acompanhada de reflexão crítica, isto é, adequação e programação.
Modelos, teorias e poéticas passam a ser progressivamente submetidos à
nossa reanálise crítica intimamente comprometida com a representação da
realidade brasileira. Desde então até hoje, é o caso em que às designações
dos sucessivos movimentos ou estilos podemos apor seguramente o
adjetivo “brasileiro”: Romantismo, Realismo-Naturalismo, Parnasianismo,
Simbolismo. E o mesmo também com o Modernismo, no século,
compreendido como um complexo de atitudes e tendên- mutismo,
dadaísmo, surrealismo, primitivismo, inclusive aque- |.i se apresentam
brasileiras, como “antropofagia”, “verde-amare- "pau-brasil”.
IIc segundo momento, ou Período Nacional - I - Século XIX, é i nte marcado
pelo Romantismo. Poderia mesmo ser chamado de ;> Romântico. E isso se
4 V. Raymond S. Sayers, The Negro in Brazilian Literature, New York, Hispanic institute in the United States,
1956; Evaristo de Morais, A Escravidão Africana no Brasil- Da Origem à Extinção, São Paulo, Cia. Ed.
Nacional, 1933; Eduardo Etzel, Escravidão Negra e Branca: O Passado através do ¡‘resettle, São Paulo,
Global, 1976.
I (I. Considere-se a bem dizer toda a historiografia do século XIX, do Romantismo, com um Francisco Adolfo
Varnhagen por exemplo, até a revisão de pesquisa e crítica de um Capistrano de Abreu.
I I. V. Oliveira Lima, op. cit., e José Aderaldo Castello, A Literatura Brasileira - /- Manifestações Literárias do
Período Colonial, 3. ed., 5. imp., São Paulo, Cultrix, 1981.
deu porque o Romantismo encontrou mre nós. É certo que, no Brasil,
pronunciamentos e posturas lite- imediatos ou paralelos à implantação do
Romantismo pesaram „•ravelmente no sentido da formação da consciência
crítica interna 'el à sua aceitação. Também, e ainda internamente, devemos
con- os reflexos dos estímulos anteriores. É o caso da experiência do o
Colonial, com o nativismo e o indigenismo/indianismo, em par- o Barroco -
ainda mais se lembrarmos a aceitação hoje generaliza- aproximações do
Barroco com o Romantismo12. E ainda a relação itica”, que se tornou
tradicional, do movimento da Independência Inconfidência Mineira e o
Arcadismo. Tudo isso alimentou a defi- r o reconhecimento da consciência
da nacionalidade e possibilitou ição das nossas origens européias às raízes
americanas, para a inves- > dos componentes autóctones de valores e
tradições e de pesquisa sibilidade nacional. Dessa maneira, não resta
dúvida, a valorização adismo em Minas Gerais com a sua associação ao
episódio da In-
Rousset, depois de admitir i]ue um romantismo interior a Rousseau, Nerval, Victor Hugo, alis, não se apresenta
idêntico ao Barroco, reconhece outro romantismo “mais periférico, tea- ilusionista, que carrega certos caracteres
exteriores do Barroco”. Mas interroga, com dúvida, is semelhanças são apenas exteriores, lembrando crítica de
Baudelaire a Delacroix e a aplicação .ritérios de Wõlfflin, para reconhecer que Barroco e Romantismo apresentam
pontos comuns nsihilidade: o movimento, a denúncia da violência e dos contrastes, a visão de um destino hu-
0 sujeito .1 instabilidade etc. Isso explicaria a posição de alguns, “Eugenio d’Ors à frente, coñudo uni barroco
permanente, do qual o Romantismo e o pós-romantismo dos impressionistas, uniliiilislas do I ')()() seriam
encarnações sucessivas. Pode-se ver assim a história como um longo , inin.iiitíin barroco que classicismos
precários interrompem” (e a propósito cita M. Schmidt, •loiiiieinenl de poésie”, cm La Jeune poésie et ses
harmoniques, Paris, Alain Michel, 1942). V. La hiKMiiAinda voltaria a nsistir no assunto ao escrever
a quinta Carta, onde o estudo da lingua- ;em e o emprego da palavra são
considerados arte e ciência, para a expressão fiel do pensamento e o ornato
fascinante da idéia. Para ele, “o erso é a melodia da palavra, como a música
é a melodia do som”37. Mon- e Alverne já havia pensado de maneira
semelhante, embora não fale em nelodia mas em harmonia, conforme
observa ao escrever que “a língua 1c Camões, pronunciada por um
brasileiro, devia realizar todos os pro- lígios, e todas as seduções da
harmonia”38. E essa observação se desdobra
Rio, sob o pseudónimo de Ig, nos meses de julho c agosto de 1856, Rio de Janeiro, Emp. Tip. do Didrio, 1856.
5. V A PoUmica sobre “A Confederação dos Tamoios", ed. cit., p. 11. Conferir o que se segue com a IntrnduçAu que
escrevemos à reunião dos rextos sobre a polêmica indicada.
6. I U(i,. dl,, pp. 11 c ss.
7. I ng, i !i„ p. 32.
M I u i I nindu n de Monte Alverne, op. cit., v. “Discurso Preliminar”, t. I, pp. V-XX.
c melhor se identifica com Alencar, quando o orador sacro, ao tomar partido
na polêmica, embora a favor de Magalhães, comenta:
É incontestável que o poema dos Tamoios contém muitos defeitos de estilo; uma grande
quantidade de versos carece de harmonia e cadência; falta mecanismo no metro; o número e a
colocação das sílabas é muitas vezes mal empregado.
No bom uso destes meios consiste o principal segredo da poesia que, semelhante à
música, possui a gama e o compasso.
Elas vão ao entendimento pela palavra e pelo som; por isso se chama canto as diferentes
frações da epopeia. Na justa distribuição da luz c da sombra está o auano da pintura; sua
linguagem é muda; fala à inteligência pelos olhos.
Na música, assim como na poesia, o elemento primordial repousa ua exata apir ciação
dos sons ou das sílabas, que constituem a cadência e harmonia dos versos. I l.i mister cantá-los;
e o canto supõe as gradações da escala.
Essas condições exigem-se mesmo em prosa. Não é preciso ser contrapuntista para
conhecer o desafinamento e a desarmonia dos tons; nem pintor c arquiteto para julgar da beleza
de um quadro ou da fachada de um edifício. Aqui cabe o epifonema de Montesquieu:
‘Desgraçado do artista se pretende que só os homens da arte conheçam os seus defeitos’39.
São reflexões duradouras, no domínio da estética e da poética, de largo
curso do Romantismo ao Simbolismo. Nesse caso, ainda no Romantismo é
preciso lembrar Junqueira Freire, do prefácio às Inspirações do Claustro, em 1855:
Pelo lado da arte, meus versos, segundo me parece, aspiram a casar-se com a prosa
medida dos antigos.
Sabe-se que os Latinos modulavam os períodos do discurso. Sabe-se que os Italianos, em
seu século clássico, imitaram miudamente àquele, de quem tinham herdado a literatura. Sabe-
se que os primeiros escritores portugueses cadenciavam igualmente suas construções. Sabe-se
que, atingindo a música prosaica a uma perfeição absurda, desterrou-se completamente do
discurso todo o artifício. A versificação triunfou sobre as ruínas da prosa. Bocage deixa de ser
poeta, para ser músico. A prosa tinha expirado.
Começa-se então a procurar um acordo. O módulo dos Latinos, estudado e seguido
pelos Italianos, quase aperfeiçoado pelos Portugueses, tinha algum tanto de justo c de belo. A
prosa recobrou os seus direitos.
.W. Monte Alverne, cm A Polêmica sobre “A Confederação dos Tamoios", ed. cit., pp. 130-131.
ludo isso traz consigo algumas perguntas necessárias:
Até onde irá a melodia da prosa? Será a prosa um dia tão acabada de melodia, de mo, de
harmonia mesmo, que venha a ser inútil a música da forma poética? Chega- um dia a literatura
a um tal grau, que distinga a prosa e a poesia tão somente pelo anee dos pensamentos? Nascerá
um dia destas duas expressões mais ou menos belas ia forma intermediária, que espose tanto
da singeleza da prosa, quanto do artifício versificação? Será o futuro o mesmo que o passado, -
e a prosa, em um círculo nstantemente vicioso, voltará para a poesia e a poesia de novo para a
prosa? O lêmaco de Fénelon, os Mártires de Chateaubriand, os Dramas modernos, os Roman- ¡
mesmo de agora, que são por ventura, arremedos de epopéias, não se levantam, mo brados
majestosos, contra esta última hipótese?
[...]
Presentemente, - cuido eu, — nenhuma resposta pode dar-se a estas questões, tão uma
dúvida. Pois bem: - meus versos representam esta hesitação, segundo pen- Procuram, a pesar
meu, a naturalidade da prosa, se receiam desprezar completarme a cadência bocageana40.
E já em pleno triunfo do Simbolismo, qualquer que seja a classifi- ção que
se dê a Raul Pompéia, estas reflexões repercutem tanto nas inções sem Metro
quanto no pensamento de um dos figurantes de O 'eneü". E nos aproximamos
de Mário de Andrade.
UM CRÍTICO DE SÍNTESE E TRANSIÇÃO: MACHADO DE ASSIS
No quadro que delineamos, é esta a posição de Machado de Assis, ítico:
síntese e transição. Sua atividade estende-se de 1858, com o en- io “O
Passado, o Presente e o Futuro da Literatura”, até 1879, com a iblicação de
outro sobre “Nova Geração”42. Evidentemente as datas são
lunqticira Freire, Obras Poéticas, 4. ed. org. por J. M. Pereira da Silva, Rio de Janeiro, Garnier, s. d., 2 tomo», t. I, pp.
4-6.
V K.ml Pompéia, O Ateneu (Crónicas de Saudades), 6. ed. definitiva, Rio de Janeiro, Francisco Alves, s. d, (
Jiamamos a atenção para as reflexões sobre a arte feitas através do personagem Dr. t láudío, em forma de
conferência, pp. 134-144.
Mac liado de Assis, Critica (coleção feita por Mário de Alencar), Rio de Janeiro, Garnier (1910?) e i 'itili a II lenirla, Rio
de Janeiro, Jackson, 1938; Crítica Teatral, ibidem, 1938; e Critica, em Obra i innfilrln, s ol, 3, Poesia, Crónica, Crítica,
Miscelânea e Epistolàrio, Rio de Janeiro, Aguilar, 1959, pp 'ISO, (atamos a» edições Jackson.
apenas pontos de referencia para melhor situá-lo no momento histórico da
sua atuação de crítico, considerada regular e intensa. Correspondem dentro
da nossa perspectiva literária ao apogeu, já pelos anos 70, e declínio do
romantismo de época, quando sofre o impacto de teorias renovadoras: com
o surgimento da “Escola do Recife” e o advento do Rea- lismo/Naturalismo,
da poesia científica e da parnasiana, conforme páginas críticas do próprio
Machado de Assis: “O Primo Basilio, por Eça de Queirós”, de 1878 e do ano
seguinte “Nova Geração”150. E aquela década
150 Idem, Crítica Literaria, ed. cit., pp. 160-186 e 187-255.
csponde também à maturidade do escritor, com a passagem da sua ncira
fase de formação, sob os influxos do Romantismo, para a segun- ein que,
livre de compromissos limitadores, ele conquista uma forma cadamente
singular, de expressão original adequada à sua criação ional analítica e
reflexiva. Neste sentido, diga-se de passagem, o exer- ) da crítica lhe foi
fundamental44.
Nos antecedentes nacionais da crítica machadiana, assinalamos dois •is de
cogitações. O primeiro foi sobre poética, com relevo dado aos ;ctos formais,
mas sempre equacionados com o conteúdo ou com o amento temático, o
qual, em última análise visava ao problema da sa identidade. Relaciona-se,
pois, com debate histórico, que constitui gundo núcleo de cogitações sobre a
caracterização e o destino^pató^ 5, presente e futuro - da nossa literatura45.
Veremos a seguir José de :icar, o promotor da revisão desse processo
complexo, transformando projeto nacionalista o nosso romantismo interno46.
Concomitante- ite, Machado de Assis assumia aqueles dois níveis de
cogitações com ituado grau de coerência e maturidade, universalizante,
embora sem ibjetivos da dimensão e sistematização do projeto nacionalista
de Alen- Pois a atuação de Machado de Assis, crítico, foi de militante, sob
ân- ) de visão de quem observa, assimila e reflete. A sistematização de suas
as revela a busca da teoria, relacionada com as posições indicadas.das
contribuições passadas. Assume uma amplitude de visão
perspectiva romântica ainda não podia alcançar, mas para a qual
buiria poderosamente. Sob muitos aspectos, do ponto de vista in-
0 Modernismo é uma forma de neo-romantismo.
nscrindo a nossa história literária no sistema geral da História do ,
podemos investigar esse terceiro momento, em que vivemos,
■IIIIII ¡ empregado conforme conceituação de Mário de Andrade, exposta neste trabalho no ■ I oí rilo
"Nai lunatismo, regionalismo, brasilidade. Mário de Andrade, a brasilidade. Um cs-
1 i ui. ui ■ • de I Vial Ao de Araíde. Gilberto Freyre e o Regionalismo do Congresso de 1926”, do
mio XVII
i bm .ild .1. Andrade. "Manifesto Antropófago’1, em Revista de Antropofagia, ano 1, n. 1, maio N |i|> I
ii /,
como período tendente para a síntese, apesar dos seus programas e pro-
postas, tidos como inovadores. Da bipartição tradicional de nossa história
literária - Período Colonial, Período Autonômico ou Nacional -, passamos,
portanto, para a tripartiçao, com o Modernismo incorporando experiências
dos momentos anteriores de nossa formação. Implicitamente se supõe o que
vem antes ou depois de cada um deles, quer dizer, as manifestações
estéticas e poéticas, com a presença de estilos de abrangên- cia limitada,
preenchendo fases consideradas de transição. E admitimos que a unidade
que se reconhece entre os três movimentos resulta das coordenadas
ideológicas e temáticas, indicadas.
Finalmente, no todo ou em etapas sucessivas dos espaços históricos
propostos, se distribuem presenças centralizadoras, nomeados autores-sín-
tese ou apenas obra-síntese8, para os quais, em definição, convergem re-
flexão, reação e expansão afetivas da inteligência, da sensibilidade, da
imaginativa e do potencial expressivo do brasileiro. Permitem-nos avaliar
melhor o nosso anseio de identidade através da representação literária,
primeiro voluntária, depois intencionalmente dirigida, de quadros que se
justapõem de nossa vida, organização, tradições e paisagem. Autores e
obra-síntese se exprimem assim atentos à formação da consciência crítica
que tem presidido a transformação literária simultaneamente com o pro-
cesso de nossa formação. Em última análise, sob a intuição capaz de gerar
visões antecipadoras ou mesmo proféticas e a sensibilidade mais a reflexão
voltadas para a sondagem do Brasil, exprime-se um esforço descritivo e a
seguir analítico de compreensão. Da descrição à análise é que se caminha
para a síntese, concomitantemente com teorias e ideologias.
* * *
Pensamos esboçar um quadro geral em que fique delineada a busca
progressiva da criação literária interna, distinguida até se tornar distinta,
8 Neste sentido, e com referência específica às origens, é importante lembrar a observação de Sílvio Romcro:
“Todo o movimento literário do Brasil no século XVI deve girar em torno do nome de José de Anchieta”
(História da Literatura Brasileira, 2. ed. melhorada pelo autor, Rio de Janeiro, Garnier, 1902, 2 vols., vol. 1, p.
141).
I I III III I II I II M PUA hit ASI I I MM
mesmo tempo assimiladora de modelos externos. Equivale a dizer: si ,i
de identidade própria rastreada em sucessivas etapas, três enfoques tu
ip.iis, interpenetrantes. Um, de estudo dos estilos de época, inclusi-
form.is literárias, ideais e atitudes de cada momento, com ênfase nas
lições críticas e no conhecimento das poéticas dominantes. Outro, de
onhecimento do substrato americano, alimentador de constantes e
dências temáticas e ideologias internas. E o terceiro, voltado para o 01
ou para a obra-síntese, situados, entre outras contribuições, nos •
grandes movimentos que progressivamente se erigiram em totalizais de
nossa cultura e civilização - Barroco, Romantismo e Modernis- ,
naturalmente sem omissão das posições intermediárias.
Em suma:
1“) Reconhecemos o que se escreveu sobre o Brasil e no Brasil desde
•culo XVI.
2“) Ressaltamos as condições indispensáveis à atividade intelectual
ultaneamente com a formação de centros que a comportavam.
3") Fundamentados na pesquisa17, rastreamos constantes e freqiiên-
temáticas e atitudes críticas, em busca do reconhecimento de cooradas
visando à unidade, tradição e identidade. Elas são expressas e ivadas,
numa primeira etapa, por escritores que no Período Colonial istiveram
no Brasil, passando a admiti-lo como pátria “imposta” ou eleição”18, ou
nasceram brasileiros. Traduzem, por um lado, a forma- dc origem e, por
outro, aquilo que provém de Portugal, da Espanha nbém da Itália, no
decorrer da colonização, e finalmente o que se ela- i e rcelabora entre
nós. Então foi também íundamental o papel da npanhia de Jesus19 e de
outras ordens religiosas (precariamente, a ini- va leiga) no
desenvolvimento do ensino das humanidades e na pró-
Uhrr limiti, cm anexo.
I t lllvtliii ! .utili c «cu conceito de nativismo, cm Aspectos da Literatura Colonial Brasileira, 111 • /111. I A Unii
khuus, 18%, pp. 65 c ss.
IS ‘ ....... Imi I clic, S. | História da Companhia de Jesus no BrasilLisboa-Rio de Janeiro, Portugá-
i i ivilo n, io Itiiinilflru, I'MH-1950, lOvols.
pria formação religiosa da maioria dos escritores do Período Colonial,
lunadamente cronistas. Sem dúvida, os colégios da Companhia de Jesus,
juntamente com os conventos de outras ordens religiosas, marcam, su-
cessivamente - no que pese de modo fundamental o desenvolvimento geral
da colonização —, os principais campos de atividade intelectual e cultural
do Brasil Colónia, situados em Salvador - Bahia (século XVI em diante);
Recife/Olinda - Pernambuco (século XVI em diante); Rio de Janeiro (século
XVII em diante); São Paulo (século XVIII em diante); Ouro Preto ou Minas
Gerais do século XVIII.
4“) Acentuar, a partir do Período Colonial, o traço de unidade,
constituído por constantes e freqiiências temáticas e por atitudes críticas
que se revigoram a partir do Romantismo.
5“) No estudo das origens e transformações da literatura no Brasil c
brasileira, cremos que as tensões se diluem, não chegam à marca de
rupturas profundas, salvo como reflexo do nosso processo histórico global
com a passagem do colonialismo à autonomia. Mesmo assim, a maior
%
interferência no campo literário foi a do enriquecimento rápido de
condicionamentos favoráveis às tendências e coordenadas, que delineiam a
unidade, e ao nivelamento de discrepâncias e contradições internas, em
busca da representação ideal. Por isso mesmo, a periodicidade,
compromissada com o modelo europeu, é uma hipótese de trabalho que
facilitará essencialmente a compreensão totalizadora e inter-relacionada de
certos componentes de transformação: freqtiência de idéias críticas,
persistências temáticas, teorias, ideologias relacionadas com formas ou
gêneros literários e estilos, enquanto as especificidades internas, que de-
terminam as limitações temporais, só se explicam esclarecedoramente se
subordinadas à evolução do quadro abrangente do nosso processo histórico
geral, a partir das nossas origens.
Dado o critério proposto, não pretendemos traçar o panorama da
scqiiência de autores sob o enfoque predominante e praticamente “isolado”
das obras. Embora pressuposto que partimos da obra, como objeto de
investigação, visamos à apreensão da linha temática, formal e
eológica, que possa reverter-se em benefício do estudo do indivíduo/ itor e
obra.
I .sforçamo-nos em busca de uma teoria interna, quer dizer, própria, i I
itera tura Brasileira: o que se pensou como autocrítica, qual o senti- t e .1
repercussão entre nós de teorias e propostas de procedência exter- t; qual a
contribuição da pesquisa e quais os seus vazios. Em síntese, tal o estágio de
evolução de ideias atingido pela nossa crítica com rela-
0 a uma compreensão da identidade interna tão marcadamente busca-
1 pela criação literária. Se admitimos que, de início, ela se manifestou
conscientemente voltadapara o problema, para a seguir se pronunciar
inscientemente dirigida e aplicada pelo próprio criador à sua criatura, tais
os caminhos que seguimos e sobre os quais podemos refletir.
Preocupados com conteúdos novos cultivados, ao mesmo tempo
>rimos pistas para o estudo das formas em condições ou de transferên- as c
persistências ou de transformações em linguagem que se fará igual- icnte
adequada aos aspectos físicos e socioculturais de nossa paisagem e alidade.
Também em função do porquê, do como e para quem dirigir * estudos
literários20, aspiramos de alguma maneira a estimular a inves- gação ou a
pesquisa, para que ela se desenvolva em condições adequa- as e planejadas
e enriqueça os fundamentos da nossa auto-reflexão.
Ao cabo, não custa lembrar que não temos uma literatura como tan- is
outras do Velho Mundo. Estas - nossas matrizes - são expressão de altura e
civilização de longo e remoto passado, tanto mais obscuras uanto distantes
no tempo e difusas no espaço, de maneira que seus pri- «órdios estão presos
a um conglomerado de legendas e mitos. Desde o lício conquistariam
formas progressivamente incorporadas a modelos ássicos simultaneamente
com o aprimoramento do gosto estético. Ao asso que nós somos projeção
dessa experiência já amadurecida. Parcial- tente transferida a um
condicionamento novo, exigiria adequação para inirgiaçao, dc maneira a
proporcionar a formação da consciência críti- 9
ca da diferenciação com ou para a conquista de nova identidade. Só isto
basta para que a nossa literatura imponha a si mesma uma orientação de
abordagem e compreensão históricas próprias. Assim, pois, ainda que se
inspire nos métodos de estudo das matrizes externas, estes certamente não
podem nem devem ser exclusivistas e abrangentes.
APÊNDICE
Advertimos que nos fundamentamos em pesquisas em revistas e
jornais do século XIX, em arquivos e bibliotecas e também sobre o Período
Colonial. O material recolhido, de interesse crítico, teórico e histórico, nós já
o divulgamos em livros: A Polêmica sobre “A Confederação dos Tàmoios”{\953);
Textos que Interessam à História do Romantismo (4 vols., 1960, 1963, 1964); O
Movimento Academicista no Brasil (¡641-1820) (14 vols., 1969-1978). Já os
aproveitamos parcialmente para elaborar dois capítulos para a obra
coordenada por Afrânio (ioutinho, A Literatura no Brasil{ 1955), para volumes
na coleção “Nossos Clássicos”: e publicações em revistas e suplementos
literários. Quanto à minha história anterior, A Literatura Brasileira -1—
Manifestações Literárias do Período Colonial (1962), com relação ao presente livro,
ela continua autónoma: aqui, o Período ( ólonial é submetido a novo ângulo
de visão e se apresenta bastante resumido. Vem a propósito lembrar
pesquisas semelhantes e ensaios de Afrânio Coutinho: A Polêmica Alencar-
Nabuco (organização e introdução de Afrânio Coutinho, Rio dc Janeiro,
Tempo Brasileiro, 1965); A Tradição Afortunada: O Espírito de Nacionalidade na Crítica
Brasileira (Rio de Janeiro, José Olympio, 1968); e Caminhos do Pensamento Crítico
(organização de A. Coutinho, Rio de Janeiro, Palias, 1980, 2 vols., reedição,
sendo a primeira pela Editora Americana, 1974).
Esclareço, também, que, fundamentado direta e essencialmente nas
9 i I Si i |ii I )iiul>roviky ct T/vcnin Todorov (dirs.), LEmeignement de la littérature. Paris, Plon, 1971.
obras ilos autores selecionados e estudados do século XVI ao XX, só
excepcionalmen- tc cito críticas e histórias da bibliografia geral sobre a
Literatura Brasileira. Neste caso, remetemos o leitor para o “Apêndice II —
Roteiro bibliográfico” e recomendamos a consulta a um bom dicionário
biobibliográfico.
* * *
I )urantc a elaboração deste trabalho, por mais de vinte anos,
contamos .1 assistência da Profa. Yêdda Dias Lima, do Instituto de
Estudos Brasilei- ,i Universidade de São Paulo, a quem registramos
aqui nosso reconheci- o c gratidão; e à Profa. Maria Neuma Barreto
Cavalcante pela digitação igilAncia critica. 10
10 lio DI' IITKRATURA BRASILEIRA
AS FUNDAÇÕES: О 1° PERIODO
OU O PERIODO COLONIAL
CAPITULO II
DEFINIÇÃO DO PERÍODO COLONIAL 11
s descobrimentos, quando se propagava o Humanismo, e só pouco
tarde Portugal sofreria o constrangimento da barreira, que se im- lo
sistema de censura1.
Curiosidade e ambições despertadas, com incursões e invasões de is
europeus2, levam o colonizador português à ação de defesa de >s da
extensão litorânea e de combate aos invasores. Consolida-se a
ominação, enquanto a penetração continental, com o apresamento
avização do índio e a busca de riquezas, ampliava as nossas frontei-
Jentro. Na perseguição ao índio, feriam-se os ideais humanísticos,
iados à propagação da cristandade, inspiração do expansionismo,
ontrapartida, a Companhia de Jesus se oporia à política do coloni- r,
11 CONDICIONAMENTO
Os limites do primeiro período da Literatura Brasileira são os da
história da colonização - 1500 a 1808/1822-, preenchido pela transmissão
de cultura, civilização e de modelos intelectuais de procedência euro-
péia. Ao chegar à parte da América que nos caberia, o adventício-con-
quistador principiou por interrogar-se sobre seu novo comportamento,
sob intenções de posse da terra e colonização. Entre valores e objetivos de
que foram portadores, ganhariam vulto algumas possíveis respostas de
início contidas na criação literária, da Carta de Caminha à obra do Pe. |osé
de Anchieta. Transmitiam a impressão de que, além do contexto his-
pânico, Portugal refletia o mais geral, do europeu. Estava-se então à altu-
empenhando-se na obra de catequese e de defesa do índio. No selo
caso, revigora-se a “visão do paraíso”. E, em conseqiiência de ,
surgiria o sentimento nativista e suas derivações.
Apesar da reação da Companhia de Jesus, Estado e Igreja estavam
lamente associados na organização portuguesa, interpenetrando-se
nlítica e na administração. Coube à Igreja o domínio e a liderança
n,sino, atingindo a vida cultural e intelectual3. Distingue-se o papel
irdens religiosas beneditina, franciscana, carmelita, sobretudo da
ipanhia de Jesus, de 1549 até sua extinção no domínio português,
1759, por força do Marquês de Pombal. Assim, na abrangência do >do
Colonial, predominaria entre nós o ensino de orientação religio- hens
Borba de Moracs, Livros e Bibliotecas no Brasil Colonial, Rio de Janeiro-São Paulo, LTC- usp, 1979, v. capítulo
“A Censura", p. 52.
iresença espanhola se faz sobretudo como reflexo do próprio domínio espanhol em Portugal, de Hl a
1640, período também de frequentes incursões de estrangeiros pelo Brasil, além das inva- •v as francesas
de 1555-1560, 1612-1615, 1710 e 1711 ; a holandesa, de 1624 e 1630-1654. Ao •smo tempo, o próprio luso-
brasileiro alargava as nossas fronteiras para o Centro e Sul e para o irte, com a conquista da Amazônia (v.
Sérgio Buarque de Holanda e outros, História Geral da i'tltM\iUi Brasileira, tomo 1, vol. 1: A Época Colonial,
Do Descobrimento à Expansão Territorial 5.
, San Paulo Rio de Janeiro, Difel, 1976, e vol. 2: Administração, Economia, Sociedade, 4. ed., lug. „ 1977),
I a, H, U.unos de ( ai valho, As deformas Pombalinas da Instrução Pública, São Paulo, J. Magalhães, V, I os,' 11
neii.i ( 'arraio, Igreja, Iluminismo e Escolas Mineiras Coloniais, São Paulo, Cia. Ed. Nain il I do ,|> I9ÍIM; |. P (
àilógeras, Os Jesuítas e o Ensino, Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1911.
sa. Sem ensino superior leigo, o brasileiro que o aspirasse devia ir para
Portugal.
A participação da Igreja também se fez presente através da censura,
que exerceu conjuntamente com a do Estado e a da Inquisição, a partir de
1536, compondo-se um sistema tríplice, severamente atuante na Mo-
narquia Portuguesa e seus domínios do século XVI até o XVIII, quando
0 Marquês de Pombal o substituiu por um órgão único deação moderada
- a Real Mesa Censória. Com a queda do instituidor, esta por sua vez se
transforma em Comissão Geral para o Exame e a Censura dos Livros,
continuando atuante, entre nós, até a Independência. Decorrente desse
esquema, são impostas as restrições voltadas especificamente para a vida
cultural e intelectual do Brasil Colónia: proibição da implantação de es-
tabelecimentos tipográficos, vigilância oficial sobre a perspectiva e efeti-
vação de organizações ou de associações culturais e intelectuais e publi-
cações só feitas em Portugal4.
Finalmente, constata-se a extrema precariedade do sistema de co-
municações: utilizavam-se preferencialmente as vias naturais, o mar na
extensão litorânea, os rios para o interior adentro. As estradas eram pre-
cárias e o correio se fazia por meio de particulares ou “próprios”5. Tam-
bém a administração pública, o poder militar e o judiciário permaneceram
sob a dependência da metrópole portuguesa, apesar da criação em 1549 do
Governo Geral com sede em Salvador, com a outorga, a partir de 1640, do
título de Vice-rei e com sua sede transferida em 1763 para o Rio de Janeiro.
Contudo, a convergência das diretrizes administrativas, que internamente
deveriam incidir em Salvador, depois no Rio de Janeiro, relacionavam-se
com além-mar, onde se achava a sede da monarquia portuguesa.
Transforma-se a bem dizer em virtualidade a ação do Governo Geral,
como também a seguir a do Vice-rei, ambos convertidos em 12
ciarários. Toda essa perspectiva se agrava com as limitações de comér-
12 V. Rubens Borba de Moracs, op. cif, Carlos Rizzini, O Livro, o Jornal e a Tipografia no Brasil, Rio de janeiro,
Kosmos, 1946.
V V, ( apistrano de Abreu, Capítulos de História Colonial (1500-1SOO), Rio de Janeiro, Briguier, 1934 (edição da
Sociedade Capistrano de Abreu).
intercâmbio externos, só possíveis com a metrópole, uma vez que o il
Colónia estava fechado aos contatos livres com o resto da Europa6, i
vedadas também a entrada de estrangeiros e as viagens de brasilei-
lém-Portugal, as quais, sobretudo para estudos, só seriam registradas
ficativamente em fins do século XVIII.
Outro aspecto fundamental a ser considerado é a ocupação do espa-
•ográfico descoberto e conquistado. Em virtude da defesa de sua in-
dade, alongou-se de um extremo a outro da faixa ocidental do con- ite
sul-americano e alargou-se continente adentro com a penetração
onções, entradas e bandeiras em busca de riquezas ou em lutas pelo
amento e escravização do indígena7. Mas, na verdade, a colonização
começo do século XVIII foi predominantemente litorânea. Pelo JS é
assim que a delineamos em relação à investigação cultural e in- ual,
voltada para a literatura que aqui se projetou ou foi cultivada, eiro
para traduzir impressões e reações geradas pelos contatos inici- >m a
paisagem física e humana autóctone, depois para exprimir um rsso
progressivo de identificação da e com uma nação mestiça que
trochava.
A história responde à avaliação dos efeitos do rápido panorama aci-
elineado. Comecemos pela visão inicial do espaço ocupado, que nos a
pela literatura dita informativa ou, antes, testemunha do expan- ¡mo.
Do descobrimento ao primeiro Governo Geral, colhemos, a • da data
do próprio descobrimento, as impressões da Carta de Pero le Caminha
e, de 1530/1532, as do Diário da Navegação de Pero 5 de Sousa; essas
impressões ou, mais do que isso, descrições e infor- es, continuam a
enriquecer-se com o estabelecimento do primeiro
Hlvm.i Urna, oft. cit., c Formação Histórica da Nacionalidade Brasileira, trad. de Aurelio «, Kio de Janeiro,
Leitura, 1944; Brasil Bandccchi, História Económica e Administrativa tiaid I eil, rcv., SJo Paulo, Obelisco,
1967; Rodolfo Garcia, Ensaio sobre História Política c liililtnillM ilo llnisil (I “¡00-1H10), Rio de Janeiro, José
Olympio, 1956.
V" llinm|UC de I Iolanda, p. cit.
>.M ili S O I l'l 1(101)0 OU 0 1’KRÍODO COLONIAL
(iovcrno Geral e a chegada, ao mesmo tempo, dos primeiros jesuítas, de
quando data a primeira carta que escrevem13. A rigor, entre 1500 e 1549 se
conhecem apenas estes três documentos significativos. É explicável, uma
vez que só a partir da implantação do Governo Geral é que se intensifica a
obra de colonização e o florescimento de núcleos urbanos; antes,
registram-se o estabelecimento de feitorias para defesa do litoral; a
expedição de Martim Afonso de Sousa (1530/1532), tocando do litoral
pernambucano ao de São Paulo, onde se funda São Vicente; e a implan-
tação do sistema de capitanias hereditárias. Finalmente, é sabido que o
Governo Geral foi instituído em virtude dos resultados nem sempre fa-
voráveis do sistema de capitanias hereditárias. Implantou-se com o apa-
rato administrativo e de poder irradiador necessário e contou destacada-
mente com o apoio da Companhia de Jesus para a vida espiritual e para a
catequese do índio. Data do mesmo ano de sua instalação a fundação do
primeiro colégio da Companhia de Jesus. Ainda com o apoio de outras
ordens religiosas — franciscana, beneditina, carmelita, a ação colonizadora
expande-se pela vida cultural e intelectual. Salvador seria, assim, a partir
de 1549, o primeiro centro urbano do Brasil Colónia a criar condições de
vida cultural e intelectual. Cresce em significado sobretudo pelo século
XVII, com projeções no XVIII. Acumula um património arquitetônico e
artístico paralelo à atividade religiosa e caldeia uma população de
brancos, negros e índios.
Cronologicamente, o segundo centro de formação urbana se biparte
entre Olinda e Recife, em Pernambuco, a contar ainda do século XVI, no
qual se destaca Jorge de Albuquerque Coelho, segundo donatário e
capitão-mor dessa capitania. Acumularia com o tempo rico património
arquitetônico e artístico-religioso, à semelhança de Salvador, e já no século
XVIII, também das Minas Gerais. O Rio de Janeiro é outro núcleo
13 A primeira carta foi escrita pelo Pe. Manuel da Nóbrega, em 10 de abril de 1549 (v. Serafim Leite, S.J., Cartas
dos Primeiros Jesuítas do Brasil / (1538-1553), São Paulo, Comissão do IV Centenário da Cidade de São Paulo, 1956,
pp. 108-115).
mbém proveniente do XVI. Desde então contou com a obra
intelectual dos jesuítas, que lá implantaram o colégio da Com-
Je.sus, além dos conventos de outras ordens9. Mas só registraria
içôes literárias no século XVII, quando também principiam i
uções arquitetônicas religiosas e civis e a acumulação de patri-
tístico-religioso. São Paulo, apesar de fundada no século XVI,
ítaria vida cultural e intelectual digna de nota bem mais tarde,
XVII1, e não apresenta destaque de património arquitetônico . O
que ainda possui do seu passado é a imagem do antigo Co-
(csuítas, fundado no século XVI, reconstruído conforme com o
/111; contam-se também a sede de um convento setecentista e
¡»rejas pobres. Finalmente, nos limites do Período Colonial, mas
ilo XVIII, surgem a Vila Rica de Ouro Preto e outros núcleos la
região aurífera, no Brasil Central. Ouro Preto, sede da Capi-
Minas Gerais, se fez em cerca de cinquenta anos um centro de
jueza arquitetônica e artística, com atividade igualmente artís-
iosa e literária, o que Salvador só conseguiria de dois a três sé- ia,
para a posteridade, a vantagem da preservação da integrida- todo
urbano. Confrontado com outros centros da constelação •
possível entrever e sentir a atmosfera do século XVIII, barro- oso,
ambicioso e despótico, que o envolveu10.
> XVI, tendo como ponto de partida Salvador, os jesuítas se expandiram para o Nordeste Grande
do Norte c Ceará, para o Sul até Santa Catarina e Rio Grande do Sul, com incur- interior.
Estabclcccram-se em diferentes lugares, cabendo destaque a Salvador, a partir de ’ernambuco,
desde 1550, Rio de Janeiro, a contar de 1552-1560-1565, e São Paulo, de 554. Nas très primeiras
capitanias fundaram colégios com dotações reais, devendo-secon- mbém o Colégio de São Paulo.
V. Serafim Leite, S. J., História da Companhia de Jesus no I : Século XVI - O Estabelecimento, ed. cit.; Eduardo
Hoornaerf e outros, História da Igreja Ensaio de Interpretação a partir do Povo — Primeira Época, 2. ed.,
Perrópolis, Vozes, 1979,