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AULA 1 PERÍCIA CONTÁBIL Prof. Michael Dias Corrêa 2 INTRODUÇÃO Nesta aula, veremos os conceitos de perícia, ou seja, como esta pode ser relacionada às diferentes áreas do conhecimento humano. Adicionalmente, serão abordados os aspectos profissionais e técnicos ou ainda aqueles necessários para a operacionalização do trabalho do perito, seja em relação ao seu trabalho ou à sua pessoa. Posteriormente, serão apresentados os aspectos doutrinários, ou ainda relativos ao arcabouço dessa especialização da contabilidade. Esses serão seguidos dos aspectos processual e operacional que são também necessários para que a perícia possa ocorrer de forma prática. Por fim, será abordado um estudo de caso que apresenta as exigências em relação às formalidades da profissão e os passos que devem ser observados para que o profissional possa trabalhar como perito. TEMA 1 – CONCEITOS DE PERÍCIAS A perícia pode ser observada em diferentes áreas relacionadas ao conhecimento humano. Isso ocorre porque todos os âmbitos são passíveis de verificação e/ou contestação. Segundo Palombo (2012, p. 31), na área da saúde, por exemplo: Nos casos em que o objeto da perícia recai sobre a constatação ou avaliação de potenciais agentes capazes de ter provocado ou vir a provocar doenças, sequelas ou riscos à saúde, nada mais correto do que utilizar os serviços dos exercentes da profissão que detém a prerrogativa de cuidar, estudar, sanar ou tratar as doenças, ou seja, a de médico. Lógico, assim, que intitulemos a perícia como perícia médica. Ainda, segundo o autor, no caso específico da perícia contábil, é preciso relembrar que a Contabilidade em si é uma ciência, e, assim, utiliza-se de método científico que é aplicável a todas as ciências ou ainda possui metodologia própria. Já a perícia, por sua vez, entendida como uma especialização dessa ciência, tem grande influência, dessa ciência, ou seja, da contabilidade. Dessa forma, pode-se entender a perícia contábil segundo o que afirmam Magalhães et al. (2004), como um trabalho, de natureza específica, com rigor e profundida na execução. 3 A perícia contábil pode ser entendida, de forma adicional, como a busca pela geração de informações fidedignas confrontando o interesse de litigantes ou ainda por meio da requisição de interessados ou pelo meio judiciário, já que essa poderá ocorrer de diferentes formas. De acordo com o que é observado na A NBC TP 01 (R1) (CFC, 2016a), a perícia pode ser entendida da seguinte forma: 2. A perícia contábil é o conjunto de procedimentos técnico- científicos destinados a levar à instância decisória elementos de prova necessários a subsidiar a justa solução do litígio ou constatação de fato, mediante laudo pericial contábil e/ou parecer pericial contábil, em conformidade com as normas jurídicas e profissionais e com a legislação específica no que for pertinente. Dias da Costa (2017) afirma que a perícia possui uma conexão como a instância decisória, por isso deve colocar o cliente como ator principal nesse processo. Nesse contexto, o perito atua como auxiliar da justiça, quando de realização de perícia contábil ou ainda na área jurídica. Essa definição está presente no CPC (Brasil, 2015) que apresenta esses profissionais da seguinte forma: Art. 149. São auxiliares da Justiça, além de outros cujas atribuições sejam determinadas pelas normas de organização judiciária, o escrivão, o chefe de secretaria, o oficial de justiça, o perito, o depositário, o administrador, o intérprete, o tradutor, o mediador, o conciliador judicial, o partidor, o distribuidor, o contabilista e o regulador de avarias. Moura (2020), por sua vez, demonstra que a perícia contábil é um meio de prova pelo qual são verificados os fatos relacionados a uma certa causa ou lide. Para Sá (2019), a perícia contábil tem conexão com o reconhecimento de uma opinião, que é feita por meio do perito, ou seja, o profissional que atua na área. Hoog (2012) afirma que a utilização da opinião do perito é válida porque esse profissional possui notório conhecimento, saber e capacidade técnica que são comprovados de acordo com diversas etapas para que ele possa atuar na área. A perícia contábil ainda pode ser definida, conforme Sá (2019), como a que possui relação com qualquer procedimento necessário para a obtenção de uma opinião. Entre os procedimentos possíveis para esse processo estão: • arbitramentos; 4 • avaliações; • indagações; • investigações diversas; • vistorias; • exames; e • outras formas de obtenção de matéria para opinião e julgamentos. Sendo assim, a perícia ainda pode ser entendida como a necessidade de se conhecer algo, validada por meio da opinião de um especialista, seja do ponto de vista qualitativo ou quantitativo (Sá, 2019). Dessa forma, ainda de acordo com o autor, quando falamos de perícia judicial, de forma específica, ela visa servir de prova para que o juiz possa ser esclarecido sobre algum litígio que está sob julgamento, principalmente aqueles relacionados com os fatos relativos ao patrimônio de entidades ou de pessoas. Entende-se que na perícia judicial existe alguma coisa que precisa ser resolvida. Uma das possibilidades é um conflito entre as partes, e com o uso da perícia, dentro do âmbito do poder judiciário e com a determinação da perícia pelo juiz, serão discutidas as questões, e, posteriormente, serão resolvidas. Nesse caso, pode existir, por exemplo, um conflito de interesses ou qualquer discussão entre as partes. Uma situação comum é a ação de ex- colaboradores contra e empresa. Nesse tipo de litígio existe a necessidade de intervenção judicial, com atuação do perito, para cálculos e atualizações. A perícia também ocorre na área extrajudicial, sem o conflito entre as partes, o que gera um encontro e resolução consensual entre os envolvidos. Um exemplo bastante comum é o uso desse tipo em fusão de empresas. A função da perícia, conforme Hoog (2014), é derivada da função social do conhecimento contábil, sendo que, segundo o autor, ela busca prover o equilíbrio da justiça. Ainda, segundo o autor, desempenhando essa função, a perícia ocorre como uma verdadeira prestação de serviço jurisdicional para os cidadãos, de forma ampla, independente de: • situação financeira; • política; 5 • raça; e • credo. Para que isso ocorra, a perícia só pode ser realizada por meio da independência, ligada à liberdade, seja ela científica, que é necessária para emitir a opinião do perito que deve ser imparcial sobre a matéria julgada. E é essa opinião do perito, conhecida como juízo de realidade, que não deverá ser confundida com juízo de valor, uma vez que está pautada na lógica da Ciência Contábil, ou seja, possui conotação científica para a sua emissão. A perícia tem em sua base, ou seja, o profissional irá utilizar para a emissão do laudo os conhecimentos científicos de outras áreas. Entre elas estão o Direito, a Administração, a Matemática, a Estatística, entre outras que irão auxiliar no pensamento científico. TEMA 2 – ASPECTOS PROFISSIONAIS E TÉCNICOS Do ponto de vista profissional, a perícia contábil está ligada exclusivamente aos profissionais que possuem conhecimentos na área. Nesse contexto, para exercer a função de perito contábil, que se obtenha o título de bacharel em Ciências Contábeis. Tal atribuição ocorreu no ano de 1946, por meio de promulgação da Lei n. 9.295 (Brasil, 1946). CAPÍTULO IV DAS ATRIBUIÇÕES PROFISSIONAIS Art. 25. São considerados trabalhos técnicos de contabilidade: a) ...; b) ...; c) perícias judiciais ou extra-judiciais, revisão de balanços e de contas em geral, verificação de haveres revisão permanente ou periódica de escritas, regulações judiciais ou extra-judiciais de avarias grossas ou comuns, assistência aos Conselhos Fiscais das sociedades anônimas e quaisqueroutras atribuições de natureza técnica conferidas por lei aos profissionais de contabilidade. Art. 26. Salvo direitos adquiridos ex-vi do disposto no art. 2º do Decreto nº 21.033, de 8 de Fevereiro de 1932, as atribuições definidas na alínea c do artigo anterior são privativas dos contadores diplomados. Observa-se que já eram atribuições exclusivas técnicas de contabilidades as perícias tanto judiciais quanto extrajudiciais. No ano de 1983, com a resolução 560 (CFC, 1983), outras atribuições foram adicionadas a esses profissionais, entre elas: • possibilidade de avaliação de acervos patrimoniais; • avaliação de haveres; e 6 • parecer em relação a fundos de comércio e participações em geral. Esses profissionais também podem desempenhar outras funções relativas a reorganizações societárias, assistências de conselhos fiscais, processos de concordatas, bem como docência. Entretanto, a categoria de técnico de contabilidade pode exercer tais funções. Logo, houve a promulgação da Lei n. 7.270 (Brasil, 1984). De acordo com a norma, observou-se o seguinte: Art. 1º - O art. 145 da Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973 - Código de Processo Civil, passa a vigorar acrescido de três parágrafos com a seguinte redação: “Art. 145 - § 1º - Os peritos serão escolhidos entre profissionais de nível universitário, devidamente inscritos no órgão de classe competente, respeitado o disposto no Capítulo VI, seção VII, deste Código. § 2º - Os peritos comprovarão sua especialidade na matéria sobre que deverão opinar, mediante certidão do órgão profissional em que estiverem inscritos (Brasil, 1984). § 3º - Nas localidades onde não houver profissionais qualificados que preencham os requisitos dos parágrafos anteriores, a indicação dos peritos será de livre escolha do juiz”. (Brasil, 1984). Assim, a partir da adoção dessa lei, somente os bacharéis em Ciências Contábeis, ou ainda, aqueles que tinham o grau universitário podiam exercer a perícia contábil. Depois de 2011, eles precisavam ser aprovados no exame do Conselho Federal de Contabilidade (CFC), com o devido registro no Conselho Regional de Contabilidade (CRC) de sua jurisdição, ou ainda da cidade em que atuavam. Novamente, no ano 2016, houve outra mudança, que culminou com a inserção da resolução n. 1.502 (CFC, 2016a). Esta passou a dispor de outra necessidade para que os profissionais atuassem na área em que era a inserção no Cadastro Nacional de Peritos Contábeis (CNPC). Durante dois anos da criação do CNPC, o ingresso dos profissionais ocorria de forma simplificada, ou seja, era necessário somente o registro do CRC e comprovação de única atuação como perito do juízo ou ainda assistente ou perito particular (CRCBA, 2020). Porém, a pedido da classe, o prazo para inserção no CNPC foi alterado para 2017, e, por meio da Resolução n. 1.513 (CFC, 2016b), a partir do ano de 2018, os profissionais teriam que fazer um teste denominado Exame de Qualificação Técnica (EQT) para que aí fizessem parte do CNPC. 7 Esse exame, observando a legislação vigente, visa, entre outros aspectos, medir o nível de conhecimento e da competência em relação aos conhecimentos técnico-profissionais para atuação na área de perícia contábil (CRCBA, 2020). Depois de devidamente aprovados e cadastrados no CNPC, os peritos poderiam participar de processos na justiça de acordo com suas especialidades e conhecimentos específicos. Para a manutenção desses conhecimentos específicos e de outros da área, adicionalmente, observa-se que os peritos, assim como diversos profissionais da área contábil, precisam cumprir o que é conhecido como Programa de Educação Profissional Continuada (PEPC), determinado de acordo com a NBC PG 12 (R3) (CFC, 2014): Campo de aplicação e obrigações dos profissionais 4. A EPC é obrigatória para todos os profissionais da contabilidade que: [...] Peritos contábeis (j) estejam inscritos no Cadastro Nacional de Peritos Contábeis (CNPC) do CFC. (Incluída pela Revisão NBC 02) [...] Os profissionais referidos no item 4 devem cumprir, no mínimo, 40 (quarenta) pontos de Educação Profissional Continuada por ano- calendário. Dessa pontuação anual no mínimo 8 (oito) pontos devem ser cumpridos com atividades de aquisição de conhecimento, constantes da Tabela I, do Anexo II. (Alterado pela Revisão NBC 02) Esse processo de educação continuada que ocorre no PECP visa garantir que o profissional esteja sempre atualizado e o seu saber técnico científico alinhado com as constantes atualizações das legislações vigentes. A necessidade constante de conhecimento é demonstrada no Conselho Regional da Bahia (CRCBA, 2020) que afirma que os profissionais precisam observar os seguintes requisitos para que possam se manter atualizados: • conhecimento e atualização sobre a legislação e normas brasileiras de contabilidade; • entendimento específico da legislação ligada à matéria julgada; • domínio das normas relativas à perícia; • atualização em relação ao Código de Processo Civil (CPC) e de Processo Penal; • conhecimento das Leis de Trabalho (CLT); • entendimento da Lei de Arbitragem; e 8 • domínio, caso necessário, de outras normas e princípios relativos à matéria julgada. Dessa forma, o profissional deve estar em constante atualização e em busca de conhecimentos específicos para atuar na área de perícia já que esta exige notório saber para aqueles que desejam atuar nesse ramo. Do ponto de vista técnico, a perícia, conforme afirma Palombo (2012), está norteada por uma série de procedimentos e questões que permitem que ela ocorra de forma prática ou que o trabalho seja operacionalizado. Uma das primeiras necessidades em relação à questão técnica é a observância dos preceitos previstos na NBC TP 01 – (CFC, 2016c). Esta tem como objetivo: “1. Esta norma estabelece diretrizes e procedimentos técnico- científicos a serem observados pelo perito, quando da realização de perícia contábil, no âmbito judicial e extrajudicial”. Ainda, de acordo com a NBC TP 01 – (CFC, 2016c), o profissional da área deve estar atento, já na elaboração do planejamento da perícia, aos seguintes tópicos: PLANEJAMENTO 1. O planejamento da perícia é a etapa do trabalho pericial, na qual o perito estabelece as diretrizes e a metodologia a serem aplicadas. Objetivos 2. Os objetivos do planejamento da perícia são: (a) conhecer o objeto e a finalidade da perícia para permitir a escolha de diretrizes e procedimentos a serem adotados para a elaboração do trabalho pericial; (b) desenvolver plano de trabalho onde são especificadas as diretrizes e procedimentos a serem adotados na perícia; (c) estabelecer condições para que o plano de trabalho seja cumprido no prazo estabelecido; (d) identificar potenciais problemas e riscos que possam vir a ocorrer no andamento da perícia; (e) identificar fatos importantes para a solução da demanda, de forma que não passem despercebidos ou não recebam a atenção necessária; (f) identificar a legislação aplicável ao objeto da perícia; (g) estabelecer como ocorrerá a divisão das tarefas entre os membros da equipe de trabalho, sempre que o perito necessitar de auxiliares. A norma, como um todo, apresenta outros aspectos elementares que devem ser observados para o desenvolvimento do trabalho do perito. Tópicos como equipe técnica, cronograma, termos e atas, execução, entre outros, servirão de guia para os profissionais da área. Crepaldi (2019) destaca o fato de que o profissional precisa estar atento ao fato de que é essencial o conhecimento das Normas Brasileiras de 9 Contabilidade, uma vez que elas também fazem parte do arcabouço teórico para a análise da matéria observada. Existem, de forma adicional, características relacionadas a possíveis vedações, uso do julgamento profissional e outras situações em que os peritos são confrontados com eventuais dilemaséticos. Tais acontecimentos estão dispostos na NBC PG 01 (CFC, 2019) que aprovou o Código de Ética Profissional do Contador (CEPC). Destacam-se alguns pontos: 1. Esta Norma tem por objetivo fixar a conduta do contador, quando no exercício da sua atividade e nos assuntos relacionados à profissão e à classe. 2. A conduta ética do contador deve seguir os preceitos estabelecidos nesta Norma, nas demais Normas Brasileiras de Contabilidade e na legislação vigente. 3. Este Código de Ética Profissional do Contador se aplica também ao técnico em contabilidade, no exercício de suas prerrogativas profissionais. Destaca-se o fato de que o perito contábil é, antes de mais nada, um contador, logo, possui a obrigatoriedade de observação de tal norma. Os profissionais da área precisam, adicionalmente NBC PG 01 (CFC, 2019): • abster-se de convicção pessoal nos trabalhos realizados; • interpretações tendenciosas sob a matéria analisada; • manter sua competência nos trabalhos realizados; • comunicar eventual circunstância adversa que possa gerar risco ou que possa influenciar sua decisão; • renunciar suas funções, caso se positive desconfiança em relação ao cliente ou empregador; • quando substituído, informar ao substituto os fatos necessários que devem chegar ao seu conhecimento; e • outras situações dispostas em deveres, vedações e permissibilidades do CEPC. Entende-se que esse profissional deve ter ampla formação na área, conhecimentos técnicos e manter uma conduta ética ilibada, o que irá lhe proporcionar a autoridade técnico/científica necessária para a emissão do laudo ou parecer. 10 Segundo Palombo (2012), observando a questão ética, o profissional deve entender os seguintes pontos: • a razão deverá comandar o seu pensamento, com observância do rigor lógico, evitando aceitar as situações todas como verdadeiras, ou seja, desconfiando e investigando os casos analisados; • não fazer julgamentos ou ainda emitir opiniões baseados somente em aproximações; • partindo do princípio de que a perícia tem uma base científica, não fazer presunções, utilizando todas as bases técnicas e legais disponíveis; • o profissional deverá estar livre de qualquer preconceito prévio em relação à matéria analisada; • devem ser observadas, com cuidado, todas as circunstâncias e as características psicoambientais em que o exame ocorre; • deve-se manter distância em relação ao objeto periciado para que não exista nenhum tipo de confusão ou má intepretação; e • o objeto que está sendo analisado é só um recorte da realidade, sendo que sua análise e conclusão não podem escapar a esse fato. Nota-se que existe uma complexidade de normas que precisam ser observadas no trabalho do perito, envolvendo aspectos profissionais e técnicos e que precisam ser respeitadas devido à natureza dos trabalhos desenvolvidos. TEMA 3 – ASPECTOS DOUTRINÁRIOS De acordo com Hoog (2019), a perícia judicial possui conexão com as regulamentações do CPC, bem como as que são emitidas pelo CFC, entretanto, o autor lembra que existe um caráter superior com aspectos científicos sendo estes de alta precisão e complexidade. Os aspectos doutrinários ou ainda teóricos da perícia possuem relação com a base que é utilizada para a sua opinião ou com a ciência tomada para as posições e tomada de decisões (Hoog, 2015). O autor cita que a necessidade de perícia derivada do CPC é alinhada com métricas da ciência contábil, que são utilizadas, por exemplo, para cálculos periciais, entre eles (Hoog, 2019): 11 • cálculo do investimento e seu retorno; • desempenho das empresas; • comparações com o mercado; e • entre outras derivadas da contabilidade. Ainda, segundo o autor, o uso de medidas quantitativas e que são mensuráveis permite criar métodos e testá-los, aplicando seus conceitos na perícia. Já Sá (2019) afirma que a o conhecimento científico da contabilidade, com ênfase na doutrina neopatrimonialista, é uma das bases para a construção dos modelos que serão utilizados na perícia, por exemplo, para a formulação dos quesitos. O neopatrimonialismo como definido pelo autor é baseado em teorias que implantaram uma doutrina compatível com a evolução e que adota o estudo dos fenômenos da riqueza dos empreendimentos. Com base nesse raciocínio, não basta, por exemplo, estudar a venda de uma empresa, se esta não for observada em relação ao mercado, as condições políticas e financeiras, a inflação e outros aspectos que estão relacionados com o fenômeno. Seguindo esse raciocínio, o método sempre irá depender do objeto que é examinado ou com base na matéria é que serão estabelecidos os cursos dos trabalhos que precisam ser elaborados. Sá (2019) afirma que quando a matéria é alcançável, examina-se tudo, já quando ela é ampla, o objetivo pode ser ligado à amostragem pela exceção. Outra possibilidade de entendimento são as opiniões particulares que ocorrem a respeito de um determinado objeto. Segundo o autor, observando a perícia, pode-se levar em consideração os seguintes pontos: • análises críticas de artigos e textos da área; • legislação própria pertinente; e • outros referenciais que servem de arcabouço teórico. Palombo (2012) relembra que a perícia contábil é uma especialização da contabilidade e, como tal, influenciada por tal metodologia. Logo, a perícia, irá valer-se dos seus princípios expressos na lógica formal para desenvolvimento de sua metodologia. 12 Com isso, é preciso lembrar que apesar do objeto da contabilidade ser o patrimônio, é formado pelo conjunto de bens, direitos e obrigações. Sendo que ele pode pertencer a uma pessoa física ou jurídica. O objeto da perícia é um pouco mais amplo, e inclui o fato principal discutido nos autos ou o motivo que iniciou a lide entre as partes (Costa, 2017). O entendimento do objeto da perícia possui relação com os seguintes aspectos: • questões de contabilidade; • aspectos fiscais; • situações trabalhistas; • tratativas societárias; e • outras demandas de acordo com a Lide. O autor complementa esse raciocínio afirmando que o laudo pericial contábil, que é o produto final da perícia, é o elemento de prova do especialista mostrando o conhecimento que prova a verdade, envolvendo os aspectos contábeis e que auxilia o juiz na tomada de decisão. Palombo (2012) afirma que esse objeto permite entender diferentes nuances, entre elas: onde, quando, como e por que certos fatos aconteceram em relação à riqueza patrimonial, por exemplo. Para Hoog (2014), o objeto está relacionado à prova ou à revelação da verdade, principalmente na possibilidade de conhecimento do patrimônio empresarial, incluindo as nuances da pessoa física. A perícia tem por finalidade atender àquele que dela se utiliza ou o usuário, seja ele judicial ou extrajudicial, transmitindo uma opinião sobre o verdadeiro estado da matéria analisada sobre o qual foi inquerida a se manifestar (Palombo, 2012). Logo, entende-se que a perícia, nessa área, e com base nesse arcabouço, é utilizada para entender alguns questionamentos. Ela mostra, por exemplo, onde estão recursos financeiros ou atualiza valores históricos, representando quanto cada sócio realmente possui na sociedade ou outras variações patrimoniais. 13 A perícia contábil irá se adaptar à cada situação apresentada, mostrando as respostas de acordo com as demandas, ou seja, de acordo com o que for requisitado. Hoog (2015) destaca mais um ponto, que é o uso da Teoria Contábil como base para a perícia. De acordo com o autor, esta fornece um conjunto de saberes que apresentam uma sistematização e credibilidade que podem auxiliar no entendimento ou na interpretação de um determinado acontecimento. Para o autor, esses conhecimentos advindos da Teoria da Contabilidade: [ ...] oferecem à atividade da práxis da ciência. Cria um ponto de vista estritamenteformal em que não se encontram proposições contraditórias, nem nos axiomas, nem nos teoremas que deles se deduzem. A teoria deve alcançar o domínio filosófico e consiste em considerar esses fenômenos ou acontecimentos, não como a soma de elementos isolados para que constituem unidades autônomas de uma célula social. Manifesta um vínculo da práxis contabilística, além de possuir leis próprias, donde resulta que o modo de ser de cada elemento depende da estrutura do conjunto e das Leis que o regem. (Hoog, 2015). Para Hoog (2015), a Teoria Contábil, uma das bases da perícia é um conjunto de conhecimentos, que apresenta uma sistematização e credibilidade. Ela permite, por exemplo, explicar, elucidar, ou interpretar fenômenos que estão ligados à ciência de forma geral. Com isso, conclui-se que a perícia utiliza a Contabilidade como sua base doutrinária primordial, já que, segundo Palombo (2012), o objetivo fundamental é o reconhecimento dos efeitos no patrimônio e suas consequências como forma de fornecer subsídio para a decisão correta. Entretanto, reforça-se o fato de que outras ciências auxiliam o profissional no reconhecimento da matéria analisada e são essenciais para que ele possa desenvolver o seu trabalho. TEMA 4 – ASPECTO PROCESSUAL E OPERACIONAL De acordo com as mudanças observadas com a adoção do CPC, (Brasil, 2015), houve uma evolução no processo da perícia e nas atividades relacionadas a ela. Assim, a própria exigência de exame e cadastro dos profissionais no CNPC fez parte desse processo, já que buscou-se dar mais agilidade e praticidade ao poder judiciário. 14 Segundo o CFC (CFC, 2021), entende-se que a necessidade do cadastro dos profissionais se justifica pela assistência que deve ser dada aos juízes. No CPC (Brasil, 2015) observamos a demanda pelo perito de acordo com o art. 156: Do Perito Art. 156. O juiz será assistido por perito quando a prova do fato depender de conhecimento técnico ou científico. § 1º Os peritos serão nomeados entre os profissionais legalmente habilitados e os órgãos técnicos ou científicos devidamente inscritos em cadastro mantido pelo tribunal ao qual o juiz está vinculado. § 2º Para formação do cadastro, os tribunais devem realizar consulta pública, por meio de divulgação na rede mundial de computadores ou em jornais de grande circulação, além de consulta direta a universidades, a conselhos de classe, ao Ministério Público, à Defensoria Pública e à Ordem dos Advogados do Brasil, para a indicação de profissionais ou de órgãos técnicos interessados. § 3º Os tribunais realizarão avaliações e reavaliações periódicas para manutenção do cadastro, considerando a formação profissional, a atualização do conhecimento e a experiência dos peritos interessados. § 4º Para verificação de eventual impedimento ou motivo de suspeição, nos termos dos arts. 148 e 467 , o órgão técnico ou científico nomeado para realização da perícia informará ao juiz os nomes e os dados de qualificação dos profissionais que participarão da atividade. § 5º Na localidade onde não houver inscrito no cadastro disponibilizado pelo tribunal, a nomeação do perito é de livre escolha pelo juiz e deverá recair sobre profissional ou órgão técnico ou científico comprovadamente detentor do conhecimento necessário à realização da perícia. De acordo com a legislação e com as mudanças adotadas no processo ligado à perícia, os profissionais passaram a ter que fazer um registro no Poder Judiciário, seja na esfera Federal, Estadual ou na justiça do Trabalho (CRCBA, 2020). Observando a evolução decorrente da modernização conjunta da legislação, do judiciário e da própria profissão, os processos passaram a ser eletrônicos, com a utilização do Processo Judicial Eletrônico (PJe) que substituiu o que antes era feito em papel ou de forma manual. A adoção do PJe permitiu que os processos passassem a ser digitalizados. No ano de 2019 esse sistema foi modernizado, o que permitiu a sua divisão em módulos, uso de computação distribuída e utilização em nuvem. Essa determinação está disponível no art. 193 e seguintes do CPC que relatam sobre as exigências que devem ser observadas para a modernização deste processo. “Art. 193. Os atos processuais podem ser total ou parcialmente digitais, de forma a permitir que sejam produzidos, comunicados, armazenados e validados por meio eletrônico, na forma da lei ” (Brasil, 2015). http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm#art148 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm#art467 15 Outro avanço foi o PJe-CALC que auxilia nos cálculos trabalhistas, de forma eletrônica. A utilização de tal sistema, a partir de 2021, nas Justiças de Trabalho e como padrão por todas as partes envolvidas, tornou-se natural e compulsória segundo o CRCBA (2020). Tanto a questão processual quanto operacional da perícia passou não só pela mudança relacionada com os profissionais e ligada ao processo eletrônico, mas também a outras questões que tentam deixar a justiça mais célere e ao alcance de todos os brasileiros. O CRCBA (2020) cita, também, o Projudi – Processo Judicial Digital que auxilia no procedimento judicial substituindo procedimentos que eram gerados em papel. Foi inserida, de forma adicional, a figura do E-SAJ – Sistema de Automação da Justiça que ajuda em rotinas jurisdicionais e administrativas e, por fim, o E-Proc ligado à Justiça Federal e aos processos dessa esfera. As mudanças, como exigência de perito para acompanhamento dos cálculos e modernização do processo judicial, sejam para a escolha, prática ou transmissão dos dados, permitiram que a atividade pericial seja desenvolvida de forma cada vez mais dinâmica. Os profissionais podem acessar e inserir dados de maneira digital, o que confere segurança e agilidade ao processo, deixando este cada vez mais rápido e permitindo com que a justiça esteja acessível aos que necessitam. TEMA 5 – ESTUDO DE CASO OU PRÁTICA Um aluno que cursava o último semestre da faculdade de Ciências Contábeis, depois de ter estudado a disciplina de Perícia Contábil, acreditou que ela seria uma área interessante para atuar após a graduação. Como ele era bastante interessado, procurou o site do Conselho Federal de Contabilidade (CFC) e viu, por exemplo, que teria que, mesmo depois de Bacharel em Ciências Contábeis, obedecer a uma série de exigências. Primeiro teria que passar no exame do próprio CFC, fazer o registro no CRC de sua região e, na sequência, teria que fazer outro teste para atuar como perito. Como ainda tinha tempo, resolver buscar informações sobre a rotina da profissão. Seu tio, que lhe inspirou e era perito, tinha alguns processos, e concordou em mostrar como funcionava o trabalho na prática. Esse estudante já sabia que após a adoção do CPC em 2015, muitas mudanças tinham ocorrido, que houve 16 uma modernização, tanto para o perito quanto para o judiciário, com processos eletrônicos e digitalização das informações. Mas o seu tio apontou para alguns cálculos feitos à mão e comentou que iria levá-los até o tribunal. Tais questões se referiam a um processo antigo de cálculo de pensão alimentícia, ligado à revisão de valores. Ambos foram até o Tribunal de Justiça local e apresentaram o cálculo feito pelo tio do aluno. O juiz recebeu, em papel, mas queixou-se da falta do documento eletrônico. Ele ainda questionou o perito sobre o valor, que ao seu ver, parecia baixo, perguntando qual era a base utilizada, sendo que o tio do aluno não tinha os documentos referentes ao cálculo. Sendo assim, o juiz decidiu nomear outro profissional, já que denotou falta de conhecimento e uso das tecnologias inerentes ao processo. Assim, o aluno pôde notar que seu tio estava desatualizado, e não buscava acompanhar, por exemplo, a necessidade de inserção dos dados referentes ao processono sistema, entre outros problemas. Outra questão foi a falta de demonstração dos cálculos, já que a perícia, que utiliza metodologia científica, precisa da comprovação dos fatos, o que não ocorreu na situação em questão. 17 REFERÊNCIAS BRASIL. Lei n. 9.295, de 27 de Maio 1946. Disponível em: . Acesso em: 17 jan. 2022. _______. Lei n. 7.270, de 10 de dezembro de 1984. Disponível em: . Acesso em: 17 jan. 2022. _______. Lei n. 13.105, de 16 de março de 2015. Disponível em: . Acesso em: 17 jan. 2022. CFC. Resolução CFC n. 560/1983. Disponível em: . Acesso em: 17 jan. 2022. _______. NBC PG 12 (R3) – Educação Profissional Continuada. Disponível em: . Acesso em: 17 jan. 2022. _______. Resolução CFC n. 1.502/2016. Disponível em: . Acesso em: 17 jan. 2022. _______. Resolução CFC n. 1.513/2016. Disponível em: . Acesso em: 17 jan. 2022. _______. NBC TP 01 – Norma Técnica De Perícia Contábil. Disponível em: . Acesso em: 17 jan. 2022. _______. Norma Brasileira de Contabilidade, Nbc PG 01. Disponível em: . Acesso em: 17 jan. 2022. _______. CNPC. Disponível em: . Acesso em: 17 jan. 2022. 18 CRCBA. Cartilha de perícia contábil, mediação, conciliação e arbitragem. Bahia: CRCBA, 2020. Disponível em: . Acesso em: 17 jan. 2022. COSTA, J. C. D. da. Perícia Contábil: aplicação prática. 1. ed. São Paulo: Atlas, 2017. CREPALDI, S. A. Manual de perícia contábil. São Paulo: Saraiva Educação, 2019. HOOG, W. A. Z. A perícia contábil e as questões doutrinárias. 2015. MAGALHÃES, A. DE D. F. et al. Perícia Contábil uma abordagem teórica, ética, legal, processual e operacional. São Paulo: Atlas, 2004. MOURA, R. Perícia Contábil: Judicial e Extrajudicial. Rev. Atualizada. 6. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2020. PALOMBO, A. L. Perícia Contábil. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2012. SÁ, A. L. de. Perícia Contábil. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2019.