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DIREITOS HUMANOS EM SEGURANÇA PÚBLICA Msc. Fabíola Adami GUIA DA DISCIPLINA 1 Direitos Humanos em Segurança Pública – Profa. Fabíola Adami Universidade Santa Cecília - Educação a Distância 1. HISTÓRIA E EVOLUÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS Objetivo Conhecer o conceito de Direitos Humanos. Identificar a diferença entre Direitos Humanos e Direitos Fundamentais. Introdução Ao analisar os cenários e fatos históricos relacionados às conquistas dos direitos humanos apresentados nesta primeira aula, convido você a refletir sobre os contextos que possibilitaram essas conquistas e a entender como o passado histórico se relaciona com a situação atual. As conquistas de direitos humanos foram impulsionadas por diversas circunstâncias históricas específicas. Por exemplo, no contexto pós-Segunda Guerra Mundial, a atrocidade dos crimes cometidos durante o Holocausto despertou uma consciência global sobre a necessidade de proteger os direitos fundamentais de todas as pessoas. Isso resultou na redação da Declaração Universal dos Direitos Humanos em 1948. Outro exemplo importante é o movimento pelos direitos civis nos Estados Unidos durante os anos 1950 e 1960. A luta contra a segregação racial e a discriminação levou a avanços significativos na legislação e na conscientização sobre a igualdade racial. Esse movimento inspirou outros grupos marginalizados ao redor do mundo a exigir igualdade e justiça. A relação entre o passado histórico das conquistas dos direitos humanos e a situação atual é complexa. Embora tenhamos alcançado progresso em várias áreas, como a igualdade de gênero, a luta pelos direitos humanos ainda persiste. Problemas como a discriminação racial, a violência de gênero e a desigualdade socioeconômica ainda são desafios enfrentados em muitos países. Além disso, novas questões surgiram com o avanço da tecnologia e o surgimento de desafios globais, como as mudanças climáticas. Esses desafios requerem uma abordagem atualizada dos direitos humanos, adaptando-se às necessidades da sociedade contemporânea. 2 Direitos Humanos em Segurança Pública – Profa. Fabíola Adami Universidade Santa Cecília - Educação a Distância Portanto, é fundamental compreender a história das conquistas dos direitos humanos para analisar criticamente a situação atual. Através dessa análise, podemos identificar as lacunas e os obstáculos existentes, bem como buscar soluções e avançar em direção a um mundo mais justo e igualitário. Com a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, temos no Brasil a criação e o debate acerca da Comissão da Verdade, responsável por examinar e esclarecer fatos que anunciam graves violações aos direitos humanos ocorridas no passado. Ao mesmo tempo, acompanhamos pelos noticiários fatos preocupantes, como as questões que envolvem a região paulistana conhecida como Cracolândia e em outros pontos da cidade, do Estado e do país. Cotidianamente tropeçamos em violações de Direitos Humanos, sem muitas vezes identificarmos que existem importantes violações de direitos em determinados fenômenos sociais. Pensar e refletir sobre os conceitos relacionados aos Direitos Humanos e torná-los uma práxis profissional não é das mais fáceis tarefas. Cada um de nós é um produto histórico-social. Digo, em outras palavras. Somos um reflexo do tempo em que vivemos, e da sociedade na qual nascemos e crescemos. Pensar e trabalhar na perspectiva dos direitos humanos é inegavelmente resgatar a história e compreender que a possibilidade (ou não) de acesso de cada cidadão aos direitos constituídos é também um produto histórico, relacionado com as lutas de cada época e de cada um dos muitos movimentos sociais. Ao mesmo tempo, se “Direitos Humanos” são direitos dos quais cada um de nós, em tese, poder gozar, a violação desses direitos ocorre no seio de uma sociedade norteada por uma série de valores, ideias e verdades, que ditam os rumos do que é ou não aceito, do que é entendido como “correto” ou “incorreto” em uma determinada época. E é do âmbito dessa(s) mesma(s) sociedade(s) que cada um de nós se origina. 3 Direitos Humanos em Segurança Pública – Profa. Fabíola Adami Universidade Santa Cecília - Educação a Distância Para transformamos esse conjunto teórico de conhecimentos em uma efetiva prática profissional, para não reproduzirmos as mesmas ideias que mais adiante poderão suscitar exclusões, violências, e determinadas violações de direitos deste ou daquele cidadão, devemos “enfrentar” nossos próprios valores. Precisamos colocar nossos valores em pauta e em perspectiva, a todo o momento e pensarmos em referenciais de conduta diferentes para que possamos “testar” o nosso próprio referencial social. 1.1. Histórico Documental dos Direitos Fundamentais Ao longo da história, as sociedades têm se deparado com a necessidade de reconhecer e proteger novos direitos. Essas concepções surgem a partir das transformações sociais e das demandas específicas de cada época. A expressão "direitos humanos", que foi gradualmente adotada, sempre foi alvo de polêmica devido à ampla gama de significados que pode abranger. Essa amplitude pode dificultar o reconhecimento e a efetiva proteção desses direitos. Antes de prosseguir na abordagem dos direitos humanos, é importante estabelecer uma distinção entre esse conceito e o de direitos fundamentais. Embora não sejam idênticos, os conceitos de direitos fundamentais e direitos humanos são frequentemente confundidos e considerados sinônimos. Direitos humanos são aqueles ligados a liberdade e a igualdade que estão positivados no plano internacional. Já os direitos fundamentais são os direitos humanos positivados na Constituição Federal. Assim, o conteúdo dos dois é essencialmente o mesmo, o que difere é o plano em que estão consagrados. Importante notar que o conceito de direitos humanos não nasce como uma espécie de “revelação à humanidade”, mas ao contrário, remete sempre ao processo histórico- construtivo no qual eles são percebidos e posteriormente constituídos, pelas modificações na realidade social, política, industrial, econômica e nos demais áreas da vida humana. 4 Direitos Humanos em Segurança Pública – Profa. Fabíola Adami Universidade Santa Cecília - Educação a Distância Os direitos humanos estão sempre em movimento e traduzem com fidelidade o seu tempo. Até a produção dos primeiros códigos, os governantes exerciam o poder despoticamente, ou seja, de forma dominadora. Os súditos não contavam com qualquer referência que lhes garantisse direitos. A obediência exigida era absoluta. Ainda mesmo na idade média, época na qual a sociedade era feudal, rural e agrícola, o direito de um soberano governar sobre um determinado povo era tido como atribuição divina, o que certamente constitui-se como um obstáculo para que a concepção de direitos humanos ganhasse corpo. Da mesma forma, a idade média foi marcada por uma sociedade organizada pelo feudalismo, fundamentalmente rural e agrícola, e o direito de um soberano governar sobre um determinado povo era tido como atribuição divina. Assim como na idade antiga, a idade média foi marcada por um hiato histórico na produção de conceitos relacionados aos direitos humanos, estagnando, portanto, sua evolução histórica à época. Os direitos humanos e os direitos humanitários são duas áreas distintas, mas inter- relacionadas, que visam promover e proteger a dignidade e os direitos fundamentais de todas as pessoas. Os direitos humanos referem-se aos direitos inalienáveis que todos os seres humanos possuem simplesmente por serem humanos. Eles são universais, indivisíveis e interdependentes, abrangendo diversas áreas como a liberdade de expressão, o direito à vida, à liberdade, à igualdade, à não discriminação, à justiça,seus atos. 38 Direitos Humanos em Segurança Pública – Profa. Fabíola Adami Universidade Santa Cecília - Educação a Distância 6.2. A Postura Legal do Agente de Segurança Pública e as Limitações do Agente e o Abuso do Poder Com a investidura legal e institucional para o exercício da sua função, o agente de segurança pública é o representante do Estado para intervir na chamada “tranquilidade pública”, ou estado de ordem pública, e pode realizar tal intervenção de duas maneiras principais: Preventivamente (ou profilaticamente): Atuar de maneira preventiva significa dizer que são planejadas e concretizadas medidas a fim de evitar que o desequilíbrio do estado de ordem pública cause danos e/ou consequências ao interesse comum; Reativamente: Quando as ações do agente de segurança pública visam minimizar e/ou eliminar os danos e suas causas, desequilíbrio do estado de ordem pública, a fim de retomar tal estado social. A ordem pública pode ser entendida como o conjunto de valores, princípios e normas que se pretende sejam observados em uma sociedade. Ainda do ponto de vista mais material, você pode conceituar a ordem pública como sendo uma situação ocorrente em uma sociedade que resulta da disposição harmônica de interação entre as suas diversas esferas, permitindo que o seu funcionamento garanta a liberdade de todos. Dentre os poderes vinculados ao Estado, o agente de segurança pública é investido do Poder de Polícia, que é o princípio jurídico que legitima a ação de um agente sobre a ordem pública. Conforme art. 78 do Código Tributário Nacional, pode-se considerar Poder de Polícia “(...) a atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do poder público, à tranquilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos.” 39 Direitos Humanos em Segurança Pública – Profa. Fabíola Adami Universidade Santa Cecília - Educação a Distância Todo agente de segurança pública, de acordo com as atribuições da sua função e do seu nível hierárquico, está investidos do Poder de Polícia, e tal investidura é o limite da competência da autoridade pública e do exercício do seu poder. Dessa forma, na investidura do poder, o agente de segurança pública deve ter muito claro em seu exercício os princípios anteriormente citados, sob pena de ser penalizado por incidir no abuso de poder ou abuso de autoridade. Tais situações podem ser ilustradas com muita propriedade se você as pensar a partir do Princípio de Legalidade, que prevê que o poder só pode ser exercido diante de uma situação prevista em lei. As ações do agente de segurança pública ainda serão notadamente marcadas por três características, no decurso de sua atuação: Discricionariedade: O agente público de segurança deverá decidir sobre a oportunidade e conveniência de atuação; Coercibilidade: É a característica imperativa ou impositiva do poder, o que significa dizer que o ato do agente de segurança pública terá implicado o respeito do cidadão, sob pena de que à desobediência da ação do agente seja aplicada as consequências legais do desacato à função pública; Auto executabilidade: Nos limites da sua investidura de poder, o agente de segurança pública pode agir de imediato, de acordo com a discricionariedade acima ilustrada, não necessitando da solicitação prévia. Ao passo que todos esses princípios e valores devem reger a conduta do agente de segurança, quando as ações extrapolam a investidura de poder do agente – por qualquer razão que seja, e ainda incorrem na inobservância de todos esses princípios, o agente pode incorrer no abuso de autoridade. 40 Direitos Humanos em Segurança Pública – Profa. Fabíola Adami Universidade Santa Cecília - Educação a Distância A ocorrência do abuso de autoridade não apenas pode gerar graves violações aos direitos humanos e ao respeito à dignidade humana, mas também prevê sanções de ordem administrativa, civil e penal ao agente de segurança que o cometeu, conforme prevê a lei nº 4.898, de 9 de dezembro de 1965. O artigo: “A Constituição Federal, princípios e valores informadores do estado democrático de direito e dignidade da pessoa humana como parâmetro de interpretação jurídica” Disponível em: https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-constitucional/a-constituicao- federal-principios-e-valores-informadores-do-estado-democratico-de-direito- e-dignidade-da-pessoa-humana-como-parametro-de-interpretacao-juridica/ Acesso em 10/07/2024. 6.3. A Gestão Voltada à Dignidade Humana Um arcabouço teórico conceitual consistente é fundamental na formação de qualquer profissional, independente da sua área de atuação. Sabemos que a implementação de um sistema de segurança depende de uma estrutura operacional bastante bem planejada e complexa, prevendo equipamentos, treinamento especializado para os agentes de segurança, que envolve conhecimento em diversas áreas (estratégia, informação, atuação operacional, treinamento físico...) e para lidar com situações adversas, dentre outros requisitos. Mas essa estrutura, ainda que de grandes proporções, conseguirá atender a apenas uma parte do complexo problema da ordem social. Cada profissional carrega consigo os valores e as informações colhidos ao longo do seu processo de formação profissional (que se inicia com a educação formal, mas se estende ao longo de toda a sua carreira e sua história de exercício profissional), e utilizará desses valores para atuar sobre a sociedade na qual vive. Cada um desses profissionais é originário de um meio social, carregando valores com os quais se identifica e através dos quais determina no mundo à sua volta, quanto ao que é bom ou o que é ruim, e assim por diante. https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-constitucional/a-constituicao-federal-principios-e-valores-informadores-do-estado-democratico-de-direito-e-dignidade-da-pessoa-humana-como-parametro-de-interpretacao-juridica/ https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-constitucional/a-constituicao-federal-principios-e-valores-informadores-do-estado-democratico-de-direito-e-dignidade-da-pessoa-humana-como-parametro-de-interpretacao-juridica/ https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-constitucional/a-constituicao-federal-principios-e-valores-informadores-do-estado-democratico-de-direito-e-dignidade-da-pessoa-humana-como-parametro-de-interpretacao-juridica/ 41 Direitos Humanos em Segurança Pública – Profa. Fabíola Adami Universidade Santa Cecília - Educação a Distância Se a nossa sociedade tem como norte a Dignidade da Pessoa Humana, como prevê a nossa Constituição Cidadã, e privilegia a promoção e proteção dos Direitos Humanos, deve-se ao mesmo tempo levar em conta que a efetividade dos direitos não se verifica simplesmente com o seu reconhecimento no ordenamento jurídico. Se o agente de segurança é responsável pelas possíveis mudanças dentro dos limites da sua investidura de poder, simultaneamente também é fruto da sociedade onde nasceu e cresceu, carregando consigo os benefícios e os problemas desse meio. Essas linhas até aqui escritas e que encerram este curso podem representar uma boa construção teórica no papel, mas você deve estar pensado de que forma contribuirão na sua atuação prática. Pois bem, esses conceitos certamente poderão permitir ao agente de segurança pública que não incida em erros nos extremos. A eficiência da ação do agente de segurança e os fundamentos dos Direitos Humanos não são incompatíveis entre si. Ao contrário,se fazem mutuamente necessários. Dessa forma, o agente de segurança não apenas deve representar o poder do estado, mas ao mesmo tempo carregar consigo a atitude preventiva de que a informação e a formação dos indivíduos sobre seus direitos são fundamentais para a concretização dos Direitos Humanos. Ao se falar em uma prática profissional que verdadeiramente incorpore e valorize as questões humanas, a DIGNIDADE HUMANA e os fundamentos relacionados aos Direitos Humanos se fazem especialmente importante o olhar para as diferenças, que ora pode ser cultural, ora socioeconômica, de forma a reconhecê-las e respeitá-las. É fundamental que políticas públicas que visem a atuação e a educação em Direitos Humanos estejam presentes em todos os níveis da administração pública e de forma transversal – seja municipal, estadual ou federal, e na segurança, saúde, educação e demais áreas. 42 Direitos Humanos em Segurança Pública – Profa. Fabíola Adami Universidade Santa Cecília - Educação a Distância BETINI, Eduardo Maia; DUARTE, Claudia Tereza Sales. Curso de UDF: uso diferenciado da força. 1. ed. São Paulo: Ícone, 2021. E-book. Disponível em: https://plataforma.bvirtual.com.br. Acesso em: 09 jul. 2024. BRUZACA, Ruan Didier; SOUSA, Mônica Teresa Costa (org.). Temas emergentes no direito internacional dos direitos humanos. 1. ed. Jundiaí: Paco e Littera, 2022. E-book. Disponível em: https://plataforma.bvirtual.com.br. Acesso em: 09 jul. 2024. GUIMARÃES, João Alexandre Silva Alves; ALVES, Rodrigo Vitorino Souza (coord.). Direitos humanos: contextos e perspectivas. 1. ed. Indaiatuba, SP: Foco, 2022. E-book. Disponível em: https://plataforma.bvirtual.com.br. Acesso em: 09 jul. 2024. IKEDA, Cátedra Daisaki. Direitos humanos. Rio de Janeiro: Processo, 2024. E- book. Disponível em: https://plataforma.bvirtual.com.br. Acesso em: 09 jul. 2024. MELLO, Cleyson de Moraes. Direitos humanos: da construção histórica aos dias atuais. 2. ed. Rio de Janeiro, RJ: Processo, 2023. E-book. Disponível em: https://plataforma.bvirtual.com.br. Acesso em: 09 jul. 2024. RODRIGUES JÚNIOR, Sérgio Assunção. O reconhecimento da proteção das vulnerabilidades: uma visão multidisciplinar através do olhar do direito coletivo e internacional dos direitos humanos. Rio de Janeiro: Processo, 2023. E-book. Disponível em: https://plataforma.bvirtual.com.br. Acesso em: 09 jul. 2024. SAMPAIO, José Adércio Leite. Direitos fundamentais: retórica e historicidade. 2. ed. Belo Horizonte, MG: Del Rey, 2010. E-book. Disponível em: https://plataforma.bvirtual.com.br. Acesso em: 09 jul. 2024. VASCONCELOS, Adaylson Wagner Sousa de (org.). Direitos humanos e sociedade: perspectivas, enquadramentos e desafios. 1. ed. Jundiaí, SP: Paco e Littera, 2021. E-book. Disponível em: https://plataforma.bvirtual.com.br. Acesso em: 09 jul. 2024. 1. HISTÓRIA E EVOLUÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS 1.1. Histórico Documental dos Direitos Fundamentais 1.2. As Primeiras Fontes Documentais de Afirmação de Direitos 2. O BRASIL E OS DIREITOS HUMANOS 1.2. A Constituição Cidadã e as questões dos Direitos Humanos 3. CARACTERÍSTICAS E ESTRUTURAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS 3.1. Características dos Direitos Humanos 3.2. As Gerações de Direitos Humanos 4. OS PRINCÍPIOS BÁSICOS DOS DIREITOS HUMANOS E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA 4.1. Princípio da Legalidade 4.1.2. Princípio da Dignidade da Pessoa Humana 4.1.3. Princípio da Isonomia ou Princípio da Igualdade 4.1.4. Princípio da Impessoalidade 4.1.5. Previsões Constitucionais do artigo 37 5. CRIMES DE VIOLAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS – UMA REFLEXÃO CONSTRUÍDA À PARTIR DO TRÁFICO DE PESSOAS 5.1. Conceito de Tráfico de Pessoas 5.2. Relações Étnico-Raciais E Violações De Direitos: Uma Construção Histórica 6. ESFERA DE ATUAÇÃO DO AGENTE DE SEGURANÇA PÚBLICA 6.1. A postura legal do agente de segurança publica 6.2. A Postura Legal do Agente de Segurança Pública e as Limitações do Agente e o Abuso do Poder 6.3. A Gestão Voltada à Dignidade Humanaentre outros. Os direitos humanos são fundamentais para garantir a dignidade de todas as pessoas, independentemente de sua raça, gênero, religião, nacionalidade, entre outros aspectos. Já os direitos humanitários referem-se ao conjunto de princípios e normas que buscam proteger a vida, a saúde e a dignidade das pessoas afetadas por conflitos armados, desastres naturais e outras emergências. Esses direitos são regulados pelo direito 5 Direitos Humanos em Segurança Pública – Profa. Fabíola Adami Universidade Santa Cecília - Educação a Distância internacional humanitário (DIH) e têm como objetivo salvar vidas, minimizar o sofrimento humano e garantir a assistência humanitária necessária em tempos de crise. Embora sejam áreas distintas, os direitos humanos e os direitos humanitários estão interligados. Os direitos humanitários emergem da necessidade de proteger as vítimas de conflitos ou desastres, reforçando os direitos humanos básicos. Além disso, em emergências, é fundamental garantir que os direitos humanos sejam respeitados e que as pessoas tenham acesso à assistência humanitária de forma igualitária e sem discriminação. A promoção e proteção dos direitos humanos e dos direitos humanitários são responsabilidades de todos os Estados, organizações internacionais, sociedade civil e indivíduos. É essencial que haja um compromisso contínuo para garantir a implementação e o respeito desses direitos, tanto em tempos de paz quanto em situações de crise. Comitê Internacional da Cruz Vermelha: “Direitos humanos e o DIH” Disponível em https://www.icrc.org/pt/direito-e-politicas/direitos-humanos-e- o- dih#:~:text=DIH%20e%20legisla%C3%A7%C3%A3o%20em%20mat%C3%A9ria% 20de%20direitos%20humanos&text=e%20da%20dignidade.- ,O%20DIH%20se%20aplica%20a%20conflitos%20armados%2C%20ao%20passo %20que,e%20em%20tempos%20de%20guerra. Acesso em 09/07/2024 https://www.icrc.org/pt/direito-e-politicas/direitos-humanos-e-o-dih#:~:text=DIH%20e%20legisla%C3%A7%C3%A3o%20em%20mat%C3%A9ria%20de%20direitos%20humanos&text=e%20da%20dignidade.-,O%20DIH%20se%20aplica%20a%20conflitos%20armados%2C%20ao%20passo%20que,e%20em%20tempos%20de%20guerra https://www.icrc.org/pt/direito-e-politicas/direitos-humanos-e-o-dih#:~:text=DIH%20e%20legisla%C3%A7%C3%A3o%20em%20mat%C3%A9ria%20de%20direitos%20humanos&text=e%20da%20dignidade.-,O%20DIH%20se%20aplica%20a%20conflitos%20armados%2C%20ao%20passo%20que,e%20em%20tempos%20de%20guerra https://www.icrc.org/pt/direito-e-politicas/direitos-humanos-e-o-dih#:~:text=DIH%20e%20legisla%C3%A7%C3%A3o%20em%20mat%C3%A9ria%20de%20direitos%20humanos&text=e%20da%20dignidade.-,O%20DIH%20se%20aplica%20a%20conflitos%20armados%2C%20ao%20passo%20que,e%20em%20tempos%20de%20guerra https://www.icrc.org/pt/direito-e-politicas/direitos-humanos-e-o-dih#:~:text=DIH%20e%20legisla%C3%A7%C3%A3o%20em%20mat%C3%A9ria%20de%20direitos%20humanos&text=e%20da%20dignidade.-,O%20DIH%20se%20aplica%20a%20conflitos%20armados%2C%20ao%20passo%20que,e%20em%20tempos%20de%20guerra https://www.icrc.org/pt/direito-e-politicas/direitos-humanos-e-o-dih#:~:text=DIH%20e%20legisla%C3%A7%C3%A3o%20em%20mat%C3%A9ria%20de%20direitos%20humanos&text=e%20da%20dignidade.-,O%20DIH%20se%20aplica%20a%20conflitos%20armados%2C%20ao%20passo%20que,e%20em%20tempos%20de%20guerra https://www.icrc.org/pt/direito-e-politicas/direitos-humanos-e-o-dih#:~:text=DIH%20e%20legisla%C3%A7%C3%A3o%20em%20mat%C3%A9ria%20de%20direitos%20humanos&text=e%20da%20dignidade.-,O%20DIH%20se%20aplica%20a%20conflitos%20armados%2C%20ao%20passo%20que,e%20em%20tempos%20de%20guerra 6 Direitos Humanos em Segurança Pública – Profa. Fabíola Adami Universidade Santa Cecília - Educação a Distância 1.2. As Primeiras Fontes Documentais de Afirmação de Direitos Os primeiros códigos que fizeram referência aos direitos humanos e que neste capítulo serão brevemente mencionados para ilustrarem as diferentes concepções sobre a afirmação de direitos são: 1) Código de Hamurabi; 2) Cilindro de Ciro; 3) Grécia Antiga. Vale mencionar que na Antiguidade, o desenvolvimento dos direitos humanos não foi possível porque a noção de liberdade das pessoas, que lhe é inerente, ainda não existia. A escravidão era vista como natural. A ideia de democracia que havia na Grécia e na Roma republicana vinculava o indivíduo ao Estado e o absorvia completamente. Não se concebia que a liberdade pudesse ir de encontro à soberania do Estado. 1) Código de Hamurabi O Código de Hamurabi é um dos mais antigos conjuntos de leis escritas encontrados, datado da época da antiga Mesopotâmia e resultado da tradição local centrada na figura de um rei justo. Desta tradição também farão parte o Código de Manu e o Cilindro de Ciro. Segundo os cálculos, estima-se que tal código tenha sido elaborado pelo rei Hamurabi, por volta de 1.700 a. C., composto por um monumento monolítico de 46 colunas talhadas em pedra, onde se encontram grafadas 282 leis em escrita cuneiforma acádia. Algumas disposições importantes foram trazidas por este código, com especial destaque a: (1) Lei de Talião (olho por olho, dente por dente), (2) Falso testemunho, (3) Roubo e receptação, (4) Estupro, (5) Família e (6) Escravos. Você consegue se lembrar de algum outro código de conduta que possui algumas semelhanças com os princípios dessas 6 disposições do Código de Hamurabi? Essas leis lhe fizeram lembrar algo? Pare um pouco e pense. Se você pensou no velho testamento ou na Torá judaica, acertou! As disposições sobre o falso testemunho, sobre roubo, sobre a família, dentre outras, guardam muitas 7 Direitos Humanos em Segurança Pública – Profa. Fabíola Adami Universidade Santa Cecília - Educação a Distância semelhanças com os conhecidos mandamentos, ainda que tais semelhanças seja alvo de muitas discussões, a favor e contra tal pensamento. Outro ponto importante a se notar é que o Código de Hamurabi foi o primeiro código a estabelecer equivalência entre a o crime e a pena aplicada. 2) Cilindro de Ciro É um dos mais antigos documentos registrados na história, datando do século VI a.C. Feito de argila, possui grafado em escrita cuneiforme acádia uma declaração atribuída ao rei Aquemênida, da Pérsia. O artefato foi criado após a conquista persa da Babilônia em 539 a.C., quando o exército persa, sob o controle do rei, invadiu e conquistou o império caldeu, trazendo-o para o controle do Império Persa. O Cilindro de Ciro apresentava características inovadoras, especialmente em relação à religião. Nele era declarada a liberdade de religião e a abolição da escravatura. Valorizado por seu sentido humanista, já foi descrito como a primeira declaração de direitos humanos. 2) Grécia Antiga A Grécia Antiga também lançou bases para o reconhecimento dos direitos humanos. Sua primeira colaboração foi tornar a pessoa humana o centro da questão filosófica. Ao invés de valer-se exclusivamente do modelo mitológico para compreender e explicar os fenômenos sociais e da realidade, a explicação começa a tornar-se antropocentrista, ou seja, colocando o ser humano no cerne das questões, possibilitando a partir de então a reflexão sobre a vida humana. Além daqueles códigos já citados, que desempenharam um papel histórico em retratar como a afirmação de direitos era pensada em cada uma das épocas, alguns outros documentos trouxeram importantes avanços que, mais adiante, contribuíram para a conceitualização contemporânea dos direitos humanos. 8 Direitos Humanos em Segurança Pública – Profa. Fabíola Adami Universidade Santa Cecília - Educação a Distância Em 1689, na Inglaterra, um documento chamado Bill of Rights, trouxe constituídos 13 artigos que expressaram restrições ao poder estatal, regulamentação do princípio da legalidade, da liberdade religiosa e da imprensa. Este documento estabeleceua separação dos poderes, contrapondo dessa maneira o conceito de poder absoluto do soberano que governava. Em 1776, os Estados Unidos da América, através da Declaração da Virgínia, afirmaram o rompimento de laços com a Coroa britânica, e no mesmo ano, declararam sua independência, rompendo o conjunto das 13 colônias. Nesse momento histórico, os Estados Unidos da América afirmaram e confirmaram publicamente que os direitos à vida, à liberdade e à felicidade estavam sendo violados pelo rei britânico. Em 1789, na França, houve a denominada Revolução Francesa. Nesse momento, o povo enfurecido destitui o monarca que governava o país e proclamou a Declaração dos Direitos Humanos e do Cidadão. O grande lema da revolução francesa foi marcado por valores dos quais você certamente já ouviu falar. Você se lembra de já ter escutado a frase “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”? Sim, essa frase de autoria de Jean-Jacques Rousseau (Liberté, Egalité, Fraternité) marcou o ideal da revolução francesa, que aboliu a servidão e os direitos feudais, e trouxe o momento culminante em que foram redigidos os direitos universais, intitulados “Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão” (Déclaration des Droits de l'Homme et du Citoyen). Pela primeira vez na história, foi redigido um documento que afirma que toda pessoa é detentora de direitos, definindo, portanto, os direitos individuais e coletivos dos seres humanos como universais. 9 Direitos Humanos em Segurança Pública – Profa. Fabíola Adami Universidade Santa Cecília - Educação a Distância Dessa forma, a elaboração de tal documento, que possui ao todo 17 artigos, foi subsidiada pela ideia fundamental de que tais direitos são válidos universalmente, visto que se referem à própria natureza humana, e podem ser exigidos em qualquer território e a qualquer tempo. Muitas das ideias sintetizadas nos artigos que constituem a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão poderão ser muito familiares a você. Aqui estão transcritos alguns desses artigos: “Art.1º - Os homens nascem e são livres e iguais em direitos. As destinações sociais só podem fundamentar-se na utilidade comum (...) Art. 7º - Ninguém pode ser acusado, preso ou detido senão nos casos determinados pela lei e de acordo com as formas por esta prescritas. Os que solicitam, expedem, executam ou mandam executar ordens arbitrárias devem ser punidos; mas qualquer cidadão convocado ou detido em virtude da lei deve obedecer imediatamente, caso contrário torna-se culpado de resistência (...) Art. 9º - Todo acusado é considerado inocente até ser declarado culpado e, se julgar indispensável prendê-lo, todo o rigor desnecessário à guarda da sua pessoa deverá ser severamente reprimido pela lei. Art. 10º - Ninguém pode ser molestado por suas opiniões, incluindo opiniões religiosas, desde que sua manifestação não perturbe a ordem pública estabelecida pela lei (...) Art. 17º - Como a propriedade é um direito inviolável e sagrado, ninguém dela pode ser privado, a não ser quando a necessidade pública legalmente comprovada o exigir e sob condição de justa e prévia indenização.” A partir desses artigos transcritos da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, convido você a pesquisar os demais artigos que constituem o documento e encontrar semelhanças das ideias trazidas por ele com o Código Constitucional Brasileiro. 10 Direitos Humanos em Segurança Pública – Profa. Fabíola Adami Universidade Santa Cecília - Educação a Distância 2. O BRASIL E OS DIREITOS HUMANOS Objetivo Conhecer a história dos Direitos Humanos no Brasil. Identificar as leis que tratam das questões de Direitos Humanos. Introdução A preocupação com os direitos humanos está hoje refletida nos mandatos de quase todas as Organizações Internacionais. O respeito a esses direitos é percebido como indispensável para a busca dos ideais da paz e para a promoção do desenvolvimento. Os Estados são, assim, responsáveis por manter progressos na realização dos direitos humanos mesmo em condições políticas e econômicas adversas, e não podem ser indiferentes a crises humanitárias que envolvam violações graves e sistemáticas às normas internacionais sobre o tema. Na época da sociedade colonial, ou seja, no período de 1500 a 1822, a organização social do Brasil baseava-se no latifúndio e utilizava a mão de obra escrava (indígena e africana), de forma que os direitos eram inexistentes. A partir da declaração da independência do Brasil, em 1822, o cenário social da época continuou sendo marcado pela permanência da exploração, com uma população analfabeta, uma sociedade ainda escravocrata e um Estado absolutista. Na primeira república ainda prevalecia o sistema político do coronelismo, no qual Coronéis, chefes políticos da área rural e representantes do poder público detêm o poder, marcada pela total inexistência dos direitos sociais. Em 1937, a decretação do Estado Novo inaugura o populismo, momento no qual o governante atende a parte das necessidades populares, mas não incentiva a participação política, mantendo-se dessa forma o sistema político centralizador e excludente. A esta altura, você deve estar reparando algumas semelhanças entre esses momentos históricos do Brasil, há mais de cem anos atrás, e os tempos atuais. 11 Direitos Humanos em Segurança Pública – Profa. Fabíola Adami Universidade Santa Cecília - Educação a Distância Apesar da paulatina democratização da informação, através do aumento dos meios de acesso – marcadamente o acesso à internet, será mesmo que o populismo como estratégia política, principalmente nas regiões mais periféricas e carentes de recursos no nosso país, permanece simples e comumente uma lembrança de um determinado momento histórico do país? Não obstante às semelhanças, o período entre 1946 a 1964 foi marcado pela volta das eleições, e a promulgação de uma nova Constituição (1946) manteve as conquistas sociais do período anterior, garantindo os direitos civis e políticos, a liberdade de imprensa e a organização política, ainda que fossem relativas em razão do contexto de guerra. Já em 1964 houve a tomada de poder pelos militares, e com o apoio de alguns setores da sociedade civil, foram instalados, por 21 anos, governos ditatoriais, em um ato conhecido como AI-5, ou Ato Inconstitucional nº 5. Nessa época, o direito ao habeas corpus foi suspenso. A privacidade do lar e da correspondência era violada impunemente. As prisões foram feitas sem mandado judicial. Os presos foram mantidos isolados e incomunicáveis, sem qualquer direito a defesa. Vale mencionar que os fatos históricos indicam que os direitos humanos surgem mais marcadamente como tema de interesse público e político apenas neste momento, no contexto das lutas contra a ditadura militar (1964-1985), e naturalmente com forte subsídio na Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) e em seus desdobramentos. 1.2. A Constituição Cidadã e as questões dos Direitos Humanos Em 1988 foi finalmente decretada a Constituição Brasileira de 1988, a 5ª Constituição do país. Através deste diploma legal foram trazidos importantes avanços sociais e trabalhistas. Alguns dos conceitos trazidos por este diploma ditam que: “Todos são iguais perante a lei”; “São invioláveis o direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”; 12 Direitos Humanos em Segurança Pública – Profa. Fabíola Adami Universidade Santa Cecília - Educação a Distância “São direitos sociais: educação, saúde, trabalho, moradia, lazer, cultura, previdência social, proteção à maternidade, à infância e assistência aos desamparados”. A partir da aprovação da Constituição Brasileira de 1988, também conhecida como “Constituição Cidadã”, os Direitos Humanos foram efetivamenteassumidos como Política de Estado no Brasil. A Constituição atribui ao Estado a tarefa de promover, mediante políticas públicas, a universalização do acesso aos direitos econômicos, sociais, políticos e culturais e de elaborar e executar políticas que assegurem a distribuição equitativa do direito à educação, à saúde, à habitação, ao transporte público, ao meio ambiente saudável, ao lazer e à livre produção cultural, metas que foram afinadas com a agenda internacional dos direitos humanos e com os Objetivos do Milênio, da Organização das Nações Unidas. A Constituição ainda afirma que a República Federativa do Brasil constitui um Estado democrático de direito, fundado, além da soberania e da cidadania, na dignidade da pessoa humana e no pluralismo político. A Declaração Universal dos Direitos Humanos é o documento mais traduzido do mundo - já foi traduzido para mais de 360 idiomas, tendo servido como fonte para a elaboração das constituições de muitos Estados e de democracias mais recentes. A Carta Internacional dos Direitos Humanos é composta pelo Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, seus dois Protocolos Opcionais, e pelo Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, juntamente com seu Protocolo Opcional. Esses documentos representam um conjunto abrangente de direitos e liberdades fundamentais reconhecidos internacionalmente. O Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos protege uma ampla gama de direitos civis e políticos, como o direito à vida, à liberdade de expressão, de religião, de associação e de participação política. Seus Protocolos Opcionais estabelecem mecanismos para a apresentação de queixas individuais à Comissão de Direitos Humanos e para a abolição da pena de morte. Por outro lado, o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais assegura direitos relacionados a padrões de vida adequados, incluindo o direito 13 Direitos Humanos em Segurança Pública – Profa. Fabíola Adami Universidade Santa Cecília - Educação a Distância ao trabalho, à segurança social, à saúde, à educação e à cultura. Seu Protocolo Opcional permite que indivíduos e grupos submetam queixas de violações desses direitos ao Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Esses documentos refletem o reconhecimento global da importância dos direitos humanos e da necessidade de protegê-los em níveis civil, político, econômico, social e cultural. A Carta Internacional dos Direitos Humanos é um marco significativo no desenvolvimento do direito internacional dos direitos humanos e serve como referência fundamental para a promoção e proteção dos direitos humanos em todo o mundo. Além da Declaração dos Direitos Humanos, uma série de outros tratados internacionais de direitos humanos merecem destaque no campo do direito internacional dos direitos humanos, dentre os quais podem ser mencionados a Convenção para a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio (1948), a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial (1965), a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres (1979), a Convenção sobre os Direitos da Criança (1989) e a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (2006). 14 Direitos Humanos em Segurança Pública – Profa. Fabíola Adami Universidade Santa Cecília - Educação a Distância 3. CARACTERÍSTICAS E ESTRUTURAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS Objetivo Conhecer características ou qualidades dos Direitos Humanos. Identificar a classificação dos Direitos Humanos em gerações. Introdução Conforme solenemente proclamado na Conferência Mundial dos Direitos Humanos de Viena (1993): “Todos os direitos humanos são universais, indivisíveis, interdependentes e inter-relacionados. A comunidade internacional deve tratar dos direitos humanos globalmente, de modo justo e equitativo, com o mesmo fundamento e a mesma ênfase. Levando em conta a importância das particularidades nacionais e regionais, bem como os diferentes elementos de base históricos, culturais e religiosos, é dever dos Estados, independentemente de seus sistemas políticos, econômicos e culturais, promover e proteger todos os direitos humanos e as liberdades fundamentais.” Depois da conceituação histórica que você estudou no texto anterior, você aprofundará o estudo sobre as características básicas - ou qualidades - dos direitos humanos e a sua estruturação. 3.1. Características dos Direitos Humanos Se no esteio dos séculos XX e XXI foram e continuam sendo apresentados grandes progressos científicos e tecnológicos, em velocidade cada vez mais rápida, também foram séculos que deixaram trágicas marcas históricas. Ao mesmo tempo, foram paradoxalmente apresentadas marcas muito grande de destruição e crueldade. 15 Direitos Humanos em Segurança Pública – Profa. Fabíola Adami Universidade Santa Cecília - Educação a Distância Mesmo considerando-se os avanços registrados nas últimas décadas na proteção internacional dos direitos humanos, graves e maciças violações aos direitos humanos continuam persistindo. As violações mais “frequentes”, em particular de alguns direitos civis e políticos (como o da liberdade de pensamento, de expressão e da informação), que continuam ocorrendo, infelizmente têm se avolumado à graves discriminações, que se sucedem com foco em bases étnicas, de nacionalidade, de religião ou até mesmo linguística. Além, é claro, das violações de direitos fundamentais e do direito internacional humanitário. A tese da indivisibilidade dos direitos humanos é aceita de forma bastante maciça, de forma que só se pode conceber a promoção e a proteção dos direitos humanos a partir de uma concepção integral do conjunto desses direitos. Ainda de acordo com essa ideia, Comparato (1989) afirma que, quanto aos princípios estruturais dos direitos humanos, eles são de duas espécies: irrevogáveis e complementares de maneira solidária. Assim, existem nove características ou qualidades dos Direitos Humanos que podem ser destacadas, e que merecem que você as compreenda mais atentamente. São elas: Qualidades dos Direitos Humanos: 1. Imprescritibilidade 2. Inalienabilidade 3. Irrenunciabilidade 4. Inviolabilidade 5. Universalidade 6. Efetividade 7. Indivisibilidade 8. Interdependência 9. Historicidade Você pode dessa forma afirmar que os direitos humanos são: 16 Direitos Humanos em Segurança Pública – Profa. Fabíola Adami Universidade Santa Cecília - Educação a Distância 1. Imprescritíveis: Os Direitos Humanos não se perdem pelo decurso de prazo. Se são sempre exercíveis e, portanto, passíveis de serem exercidos, não há que se falar de qualquer intercorrência relacionada ao não-exercício que fundamente sua eventual perda por prescrição; 2. Inalienáveis: Os Direitos Humanos não se transferem de uma pessoa para outra. São direitos que não são de conteúdo econômico-patrimonial, portanto intransferíveis e inegociáveis. Se a ordem constitucional confere tais direitos a todos, não há dessa forma como serem desfeitos; 3. Irrenunciáveis: Não se pode renunciar a Direitos Humanos, sob qualquer justificativa. Alguns deles podem não ser exercidos eventualmente, entretanto não se pode aceitar que eles sejam renunciados; 4. Invioláveis: Sob nenhuma lei ou justificativa os Direitos Humanos podem ser desrespeitados; 5. Universais: Os Direitos Humanos se aplicam a toda pessoa humana; 6. Efetivos: Os Direitos Humanos não são satisfeitos apenas com o reconhecimento abstrato de que eles existem. Eles devem ser efetivados; 7. Indivisíveis: Os Direitos Humanos devem ser interpretados de forma conjunta, não cabendo interpretações ou leituras que dissociem o conjuntodesses direitos; 8. Interdependentes: As leis constitucionais e infraconstitucionais não podem chocar-se com os direitos fundamentais. Ao contrário, devem relacionar-se com eles; 9. Históricos: Foram e continuam sendo construídos através do processo histórico. 17 Direitos Humanos em Segurança Pública – Profa. Fabíola Adami Universidade Santa Cecília - Educação a Distância 3.2. As Gerações de Direitos Humanos Após o estudo das sucessões históricas que alteraram as garantias de direitos, você agora estudará as chamadas Gerações de Direitos Humanos. A classificação dos Direitos Humanos em gerações foi proposta por Karel Vasak, em 1979, na ocasião de uma conferência do Instituto Internacional de Direitos Humanos, com forte inspiração no lema da Revolução Francesa (Liberdade, Igualdade e Fraternidade). Atualmente são consolidadas 4 gerações de direitos humanos, e ainda uma 5ª geração. A primeira geração de direitos humanos, também conhecida como direitos civis e políticos, surgiu no final do século XVIII e início do século XIX, após a Revolução Francesa e a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. Esses direitos incluem a liberdade de expressão, o direito à vida, à igualdade perante a lei, entre outros. A segunda geração de direitos humanos, conhecida como direitos econômicos, sociais e culturais, emergiu no século XX, após as lutas trabalhistas e a criação de sistemas de proteção social. Eles abrangem direitos como o acesso à saúde, educação, moradia adequada, emprego digno, entre outros. Esses direitos visam garantir condições de vida dignas para todos os indivíduos. A terceira geração de direitos humanos, também chamada de direitos de solidariedade, surgiu na segunda metade do século XX, com foco na proteção dos direitos coletivos e difusos. Esses direitos incluem o direito ao desenvolvimento sustentável, ao meio ambiente saudável, à paz, à autodeterminação dos povos, entre outros. Eles refletem a necessidade de um mundo mais justo e equitativo, no qual os interesses coletivos sejam levados em consideração. A quarta geração de direitos humanos, embora não seja amplamente aceita ou consolidada, refere-se aos direitos relacionados à era digital e às tecnologias da informação. À medida que a sociedade se torna cada vez mais conectada e dependente de tecnologia, surgem questões sobre privacidade, acesso à internet, proteção de dados, entre outros. Esses direitos ainda estão em fase de desenvolvimento e discussão, à medida que a sociedade se adapta às rápidas mudanças tecnológicas. 18 Direitos Humanos em Segurança Pública – Profa. Fabíola Adami Universidade Santa Cecília - Educação a Distância A quinta geração de direitos humanos refere-se a um conjunto de direitos que emergiram no contexto da sociedade globalizada e tecnologicamente avançada. O direito à paz e segurança global reconhece que todas as pessoas têm o direito de viver em um mundo livre de conflitos e violência. Isso implica em promover a diplomacia, a mediação de conflitos e a cooperação internacional para prevenir e resolver conflitos, bem como garantir a proteção da população em situações de guerra e conflitos armados. O direito à autodeterminação dos povos reconhece o direito de cada povo de determinar livremente seu status político, econômico, social e cultural, sem interferência externa. Isso implica em respeitar a diversidade cultural e promover a participação ativa dos povos na tomada de decisões que os afetam. O direito à comunicação e informação reconhece o acesso livre e igualitário à informação como um direito. Apesar dessa sistematização, é importante salientar que a divisão dos direitos humanos em gerações não implica em hierarquização desses valores ou direitos, mas somente corresponde ao reconhecimento em dado momento histórico e em determinados ordenamentos jurídicos. Você se recorda da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), estudada no final do capítulo anterior? Você consegue reconhecer nela quais são os direitos individuais e sociais que ali existem previstos? Abaixo estão mencionados alguns exemplos. Os artigos 1 ao 21 são tradicionalmente denominados de direitos e garantias individuais, ou classificados como direitos humanos de primeira geração. Já os artigos de 22 a 28 contemplam os direitos econômicos, sociais e culturais, ou os denominados direitos sociais do homem, também conhecidos como direitos humanos de segunda geração. O artigo 29 trata dos deveres do indivíduo com a comunidade, classificando-se como direitos humanos de terceira geração. 19 Direitos Humanos em Segurança Pública – Profa. Fabíola Adami Universidade Santa Cecília - Educação a Distância Por fim, o artigo 30 menciona que a interpretação de qualquer dispositivo contido na Declaração somente pode ser feita em benefício dos direitos e das liberdades nela proclamados. Violações de Direitos Humanos: Trabalho forçado, escravidão moderna e tráfico de pessoas https://www.ilo.org/topics/forced-labour-modern-slavery-and- trafficking-persons acesso 10/07/2024 Após os estudos sobre a história dos direitos humanos, suas estruturas e características, e as denominadas Gerações dos Direitos, é fundamental que por fim, você possa refletir sobre a efetividade desses direitos. O valor maior colocado pelo cumprimento da Declaração Universal dos Direitos Humanos é moral, de forma que os Estados sigam e internalizem as diretrizes do documento, ainda que os direitos e liberdades que nele estão expressos já são princípios gerais de direito. A Declaração Universal dos Direitos Humanos é um conjunto de recomendações comumente qualificada como “proclamação”. Inúmeros obstáculos existem e ainda persistem. A sensibilidade com as questões e os sofrimentos humanos. Um olhar que não seja, à priori, imbuído e carregado de valores e ideais moralistas e de julgamento, em detrimento à percepção de que o contato com um fenômeno social e humano demanda muito mais de cada um de nós. Da mesma forma, não se pode reduzir a questão dos direitos humanos à uma visão jurista operativa. Isso não apenas reduziria as questões humanas a um conjunto teórico, enquanto cada um de nós tropeça cotidianamente em violações de direitos fundamentais. Outro ponto relevante é a garantia de efetividade do conjunto dos direitos humanos. https://www.ilo.org/topics/forced-labour-modern-slavery-and-trafficking-persons https://www.ilo.org/topics/forced-labour-modern-slavery-and-trafficking-persons 20 Direitos Humanos em Segurança Pública – Profa. Fabíola Adami Universidade Santa Cecília - Educação a Distância 4. OS PRINCÍPIOS BÁSICOS DOS DIREITOS HUMANOS E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA Objetivo Conhecer os princípios que norteiam os Direitos Humanos. Identificar a importância dos princípios no exercício profissional da administração pública. Introdução Depois da conceituação histórica que você estudou, você aprofundará o estudo sobre alguns princípios do direito que são norteadores e merecem destaque no exercício profissional da administração pública, correlacionando mais adiante tais princípios com as questões dos Direitos Humanos. Você se lembra de que os Direitos Humanos não podem ser divididos? Que os Direitos Humanos são uma unidade? Afinal, a liberdade e a igualdade não são dois pilares fundamentais da prática dos direitos humanos? 4.1. Princípio da Legalidade Como o próprio nome diz, o princípio da Legalidade significa a submissão e o respeito à lei. O princípio da legalidade está presente em todas as constituições elaboradas no Brasil. Constituição Política do Império do Brasil, de 1824; Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 1891; Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 1934; Constituição dos Estados Unidos do Brasil, de 1937; Constituição dos Estados Unidos do Brasil, de 1946; Constituição da República Federativa do Brasil, de 1967; Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988. 21 Direitos Humanos em Segurança Pública – Profa. Fabíola Adami Universidade Santa Cecília - Educação a Distância O princípio da legalidade guarda para o ente privado a prerrogativa de que é possível fazer, tudo o que a lei não proíbe. Já o agente público, representante da administração pública, poderá apenas fazer o que a lei autoriza ou determina. Esse princípio tem como objetivo principal garantir a segurança jurídica e a previsibilidade das ações estatais, assegurando que os cidadãos possam conhecer com antecedência quais são suas obrigações e quais são seus direitos. Além disso, o princípio da legalidade também impede o abuso de poder, estabelecendo limites claros para a atuação do Estado e de seus agentes. No âmbito penal, o princípio da legalidade é ainda mais rigoroso e é conhecido como princípio da reserva legal. Isso significa que apenas a lei, e não qualquer outra fonte normativa, pode definir quais são os crimes e suas respectivas sanções. Ninguém pode ser punido ou ter seus direitos restringidos senão em virtude de lei anterior que assim o estabeleça. Em resumo, o princípio da legalidade é um dos pilares fundamentais do Estado de Direito e garante a segurança jurídica, a previsibilidade das ações estatais e impede o abuso de poder. Ele estabelece que ninguém pode ser obrigado a fazer ou deixar de fazer algo, senão em virtude de uma lei previamente estabelecida. Esse princípio aplicado à administração pública guarda ao agente público uma forma muito mais restritiva em relação àquela aplicável à conduta de um ente particular. Isso significa dizer que na atuação da administração pública não é suficiente a inexistência de uma proibição legal, mas é necessária a existência de determinação ou autorização da atuação administrativa na lei. Se tal forma legal impõe ao exercício do agente público algumas restrições, também representa àqueles que se valerão dos serviços da administração pública uma garantia constitucional, tendo em vista que a atuação da administração estará limitada ao disposto pela lei. Você se lembra de ter estudado anteriormente de que apenas e tão somente a lei cria obrigações para o indivíduo? 22 Direitos Humanos em Segurança Pública – Profa. Fabíola Adami Universidade Santa Cecília - Educação a Distância É essa a previsão do princípio de legalidade, constante no inciso II do artigo 5° da Constituição, que foi responsável por criar um mecanismo visando essencialmente combater o poder arbitrário do Estado. Vale dizer que o princípio da legalidade é a base fundamental do Estado democrático de Direito. No tocante aos Direitos Humanos, alguns princípios que também coadunam com o princípio da legalidade são: Princípio da prevalência dos Direitos Humanos; Princípio in dúbio pro Direitos Humanos (interpretação favorável); Princípio da taxatividade (reserva objetiva de direitos fundamentais). 4.1.2. Princípio da Dignidade da Pessoa Humana A Constituição Brasileira de 1988, também conhecida como Constituição Cidadã, afirma que a República Federativa do Brasil constitui um Estado democrático de direito, fundado, além da soberania e da cidadania, na dignidade da pessoa humana. Dessa forma, tal princípio pode ser tido como um “guia” para o ordenamento jurídico. Logo de início, no 1º artigo redigido na Constituição Cidadã, pode-se conferir: “Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I. a soberania; II. a cidadania; III. a dignidade da pessoa humana; IV. Os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V. O pluralismo político.” Mas não apenas a constituição brasileira tem tal valor como prerrogativa essencial. A Declaração Universal dos Direitos Humanos, também inaugura os seus trinta artigos com o seguinte texto: “Art. 1º Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade.” 23 Direitos Humanos em Segurança Pública – Profa. Fabíola Adami Universidade Santa Cecília - Educação a Distância 4.1.3. Princípio da Isonomia ou Princípio da Igualdade Quando você leu sobre a Declaração do Homem e do Cidadão, você se recorda uma das grandes contribuições históricas deste documento? Retomando o conteúdo da aula 1, pela primeira vez na história, foi redigido um documento afirmando que toda pessoa é detentora de direitos, definindo dessa forma os direitos individuais e coletivos dos seres humanos como universais. Diante disto, quais são os principais pilares dos direitos individuais? Você se recorda? - Caso você tenha dito a liberdade e a igualdade, acertou! É por conta desses conceitos, hoje concretizados no princípio da isonomia ou princípio da igualdade, que insurge a ideia de que todos são iguais perante a lei. Ou melhor, dizendo, a lei deverá ser igual para todos, independentemente da classe socioeconômica ou de discriminações relacionadas às questões de gênero, raça e/ou etnia. O princípio de isonomia ou princípio da igualdade são equivalentes e presentes nas constituições de muitos países. Na Constituição Brasileira, podemos encontrar a menção textual no artigo 5º. Da mesma forma como acontece com o princípio de Legalidade, no que se refere aos Direitos Humanos, alguns princípios que também coadunam com o Princípio da Isonomia e da Igualdade. São eles: Princípio da Proibição de Discriminação (racial, status social, sexo, idade); Princípio do Contraditório e da Ampla Defesa (para todos os processos e procedimentos). 24 Direitos Humanos em Segurança Pública – Profa. Fabíola Adami Universidade Santa Cecília - Educação a Distância 4.1.4. Princípio da Impessoalidade Você já foi alguma vez atendido em algum serviço público em que lhe foi sugerido de que algum benefício dado ao agente público poderia eventualmente favorecer ou agilizar o seu requerimento? Apesar de abusiva e desrespeitosa, essa situação não é estranha à totalidade da população. Mesmo diante da progressiva profissionalização do atendimento no serviço público, um país de dimensões continentais como o Brasil não goza das mesmas condições em toda a sua territorialidade. O princípio da impessoalidade diz respeito à conduta do agente público em sua função, de forma que os atos praticados pelo agente público não podem visar o benefício pessoal. Dessa forma, todo o ato da administração pública deve obedecer a um objetivo legal, impessoal, não podendo ser realizado por mera liberalidade do administrador público, motivado pelo interesse pessoal de qualquer ordem: desapreço a um membro da sociedade, favorecimento a um membro ou determinado grupo, objetivos de enriquecimento pessoal. Este princípio está previsto na Constituição Federal com a seguinte redação: “Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (...) Ou ainda, de igual forma: “Art. 111. A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência (...)” Você consegue imaginar a prática dos direitos humanos a partir deste princípio?Você se recorda das qualidades dos Direitos Humanos? 25 Direitos Humanos em Segurança Pública – Profa. Fabíola Adami Universidade Santa Cecília - Educação a Distância Se os Direitos Humanos são efetivos, indivisíveis, invioláveis (dentre outras características), existiria a possibilidade de se pensar na defesa dos direitos humanos, de forma integral, sem a efetiva aplicabilidade do princípio da impessoalidade? 4.1.5. Previsões Constitucionais do artigo 37 Você se recorda que, de acordo com o princípio da legalidade, a administração pública poderá apenas fazer o que a lei determina? Dessa forma, para que as diversas instâncias da administração pública – seja Municipal, estadual ou Federal – sigam os princípios aqui estudados por você, deverá ser realizada em texto constitucional uma menção para tanto. Conforme você pode conferir na citação da constituição presente no item anterior, o artigo 37 da Constituição Federal traz a menção textual de que a administração pública de todos os poderes, seja da União, Estados ou ainda dos Municípios, deverão obedecer a cada um dos princípios mencionados no artigo, e alguns dos quais explanados. O artigo 5° da Constituição Federal O artigo 37 da Constituição Federal Conforme o texto constitucional, todos os atos da administração pública, seja ela municipal, estadual ou federal, deverão obrigatoriamente observar os seguintes princípios: Princípio da Legalidade; Princípio da Impessoalidade; Princípio da Moralidade; Princípio da Publicidade; Princípio da Eficiência. Não obstante a aplicabilidade destes princípios nos atos públicos, o artigo ainda regula sobre os meios de entrada para o exercício de uma função ou cargo 26 Direitos Humanos em Segurança Pública – Profa. Fabíola Adami Universidade Santa Cecília - Educação a Distância público, que de acordo com o texto, aos quais os cidadãos poderão ter acesso por meio de concurso público, destinado a prover vagas funcionais específicas, ou ainda ocupar os cargos chamados de “Confiança” ou “Cargos de Comissão”, esses de investidura da autoridade que dirige a instituição, restritos, conforme o texto, às atribuição de direção, chefia e assessoramento. 27 Direitos Humanos em Segurança Pública – Profa. Fabíola Adami Universidade Santa Cecília - Educação a Distância 5. CRIMES DE VIOLAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS – UMA REFLEXÃO CONSTRUÍDA À PARTIR DO TRÁFICO DE PESSOAS Objetivo Identificar os crimes de Violação dos Direitos Humanos. Conhecer o conceito de Tráfico de Pessoas. Introdução Inúmeros fenômenos sociais (criminosos) ou até mesmo ações do Estado (ou a prevaricação ou ausência do Estado em algumas situações) podem apresentar violações aos Direitos Humanos, matéria que você pôde estudar até este momento. Dentro do nosso sistema econômico capitalista, qualquer um de nós pode comprar um bem de consumo, seja uma cadeira, um relógio, ou até mesmo um avião. Basta você dispor da quantia de dinheiro necessária. É notório que as sociedades globalizadas capitalistas valorizam sobremaneira o “ter”, ou ser proprietário de algo. Mas você já pensou em comprar uma pessoa? O Ser Humano é passível de ser comercializado? Infelizmente, se você respondeu negativamente a esta última pergunta, errou. Se não fosse possível “comercializar” Seres Humanos, não teríamos tantas grifes de roupas que nas lojas e nas vitrines ostentam sua fama e seu status, mas guardam oculta toda a mão-de-obra que trabalhou em regime de escravidão e de severas violações de direitos para que as peças fossem produzidas e estivessem expostas nas araras e nas vitrines. Se não fosse possível “comercializar” Seres Humanos, o mercado do sexo não estaria tão abastecido de mulheres, crianças, transexuais e travestis, cada qual com um preço de mercado de acordo com a sua idade, sua estética e outros atributos, que são vendidos para serem comercializados à satisfazerem os desejos de outras pessoas, prontas para consumi-los. 28 Direitos Humanos em Segurança Pública – Profa. Fabíola Adami Universidade Santa Cecília - Educação a Distância Se não fosse possível “comercializar” Seres Humanos, também não existiria um aquecido mercado de comercialização de órgãos humanos, abastecido de forma ilegal e colocando em risco a vida de qualquer pessoa que por alguma razão foi levada ou coagida a vender um rim ou outra parte de seu corpo. Como você pode perceber, esse crime que reduz a vida humana à situação de “coisa”, de algo que pode ser vendido e comprado como um outro bem de consumo qualquer, poderia verdadeiramente ser chamado de “Comércio de Vidas”. 5.1. Conceito de Tráfico de Pessoas Conforme a definição do protocolo adicional da Convenção das Nações Unidas Contra o Crime Organizado, chamado Protocolo de Palermo e assinado pelos países- membros em 1999, esse crime é intitulado Tráfico de Pessoas, e ainda, segundo a própria ONU, um dos mais violentos atentados à dignidade humana e, portanto, aos direitos humanos. Se a humanidade já foi capaz de produzir o holocausto, que dizimou de forma covarde, cruel e inescrupulosa milhões de judeus, o comércio de escravos, e outros crimes que devem permanecer vivos no processo histórico para que não nos esqueçamos das maiores atrocidades cometidas, como devemos nos posicionar diante das violências e dos desrespeitos “menores”, cometidos nas situações da vida cotidiana e nos diversos locais por onde circulamos? É importante salientar a partir das situações envolvendo o Tráfico de Pessoas, que serão expostas adiante, que até mesmo esses crimes contra a humanidade, que envolvem grandes dimensões de poder e corrupção para que ocorram, também são alimentados por situações da vida cotidiana, presentes ao alcance de cada um de nós. Segundo a definição trazida pelo Protocolo de Palermo, Tráfico de Pessoas significa: “(...) o recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de pessoas, recorrendo à ameaça ou uso da força ou a outras formas de coação, ao rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou à situação de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tenha autoridade sobre outra para fins de exploração.” 29 Direitos Humanos em Segurança Pública – Profa. Fabíola Adami Universidade Santa Cecília - Educação a Distância A partir dessa definição, convido você a dissecá-la a fim de que seja possível refletir sobre as situações envolvendo esta modalidade criminosa que gravemente viola qualquer possibilidade de acesso aos direitos humanos. Conforme as primeiras linhas da definição, que se refere ao “(...) recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de pessoas (...)”, você pode imediatamente perceber: a) A existência e descrição de fases que ocorrem na prática deste crime. Simplificando- as, é possível categorizá-las como: (1) A etapa do recrutamento, (2) a etapa do transporte, e (3) a etapa da exploração, propriamente dita; b) Ao mesmo tempo que contemplar essas etapas significa referir-se a uma complexidade de situações nas quais esse crime ocorre, denota ao mesmo tempo uma complexa REDE DE ATUAÇÃO, com papéis e responsabilidades de inúmeros atores do crime, que operacionalizam cada qual uma etapa da prática criminosa. Ora, aqui pode-se referir não a uma prática pontual e eventual deste ou daquele ator envolvido no processo criminoso, mas sim a trama de uma REDE CRIMINOSA, ou seja, ao CRIME ORGANIZADO. A definição trazida pelo Protocolo de Palermo menciona: “(...) recorrendo à ameaça ou uso da força ou a outras formas de coação, ao rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou à situação de vulnerabilidade ou à entregaou aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tenha autoridade sobre outra (...)”. Mas a que isso se refere exatamente? Pois bem, quando a definição se refere ao engano, ao abuso de autoridade, formas de coação, e/ou a situações de vulnerabilidade, ela está remetendo o leitor não apenas à 30 Direitos Humanos em Segurança Pública – Profa. Fabíola Adami Universidade Santa Cecília - Educação a Distância situação de engodo e engano, ou ao famoso jargão “171”, com referência ao artigo do código penal brasileiro que se refere ao engano como forma de obter vantagem ilícita, mas a uma grande massa populacional marginal: À margem do acesso à educação que a torne efetivamente um sujeito de direitos, à margem do acesso aos serviços básicos de saúde, de moradia, muitas vezes de acesso à alimentação ou até mesmo à água potável, e muito frequentemente daquela parte da população que está à margem da sociedade pelo viés do preconceito e da rejeição (frutos primeiros da incompreensão), como ocorre com as travestis e transexuais, e até mesmo com a população sujeitada ao racismo. O Tráfico de Pessoas figura no ranking dos 3 crimes mais lucrativos da economia criminosa do planeta. Apenas em uma das várias modalidades possíveis, os dados apresentados pela ONU estimam que o Tráfico de Pessoas movimente próximo a US$ 32 bilhões/ano. Por fim, a definição do Protocolo de Palermo ainda faz referência a “(...) para fins de exploração.”. Se o objeto do Tráfico de Pessoas é o próprio Ser Humano, a forma como ele se tornará produto é exatamente o tal “fim de exploração”, ou as modalidades como esta prática criminosa tomará forma, mencionadas na tabela a seguir. Modalidades do Tráfico de pessoas: 1. Exploração Sexual; 2. Exploração da mão-de-obra em regime análogo à escravidão; 3. Remoção ilegal de órgãos; 4. Adoção ilegal; 5. Servidão doméstica; 6. Outros tipos de exploração. Cada uma dessas modalidades guarda características próprias, especificidades quanto ao “produto”, ou seja, com relação às pessoas que serão aliciadas e exploradas pelas redes criminosas. 31 Direitos Humanos em Segurança Pública – Profa. Fabíola Adami Universidade Santa Cecília - Educação a Distância Entretanto, todas as modalidades do Tráfico de Pessoas, assim como das outras modalidades de Tráfico (drogas e armas) e de tantos outros crimes que são duros casos de agressiva violação aos direitos humanos, guardam em comum um objetivo, ou a sua finalidade última. Você pode imaginar qual seja essa finalidade? - Para essa pergunta não há resposta mais direta do que o LUCRO FINANCEIRO. Em outras palavras, significa gerar dinheiro a partir de uma economia de mercado, através da exploração de um produto, que neste caso é o próprio Ser Humano, levado a condições últimas de exploração e violência para gerar o maior lucro possível a partir das suas possibilidades: Trabalhando em lavouras, canaviais ou em oficinas de produção têxtil para grandes marcas, escravizados no mercado do sexo, vendendo órgãos do seu próprio corpo. Mas de que forma, afinal, isso é possível? Destituir um Ser Humano da sua condição de sujeito de direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais para vendê-los? Mas para quem? Eis a pergunta que finaliza este capítulo, questionando que a possibilidade de um mercado bilionário como esse só existe enquanto houver igual demanda de mercado. Ou seja, pessoas que efetivamente consumam outras pessoas como produto, direta ou indiretamente, tendo ou não conhecimento sobre tal situação de exploração. Afinal, deve-se pensar quem é o consumidor das grandes marcas que se utilizam de mão de obra escrava em seu processo produtivo? Você já tentou alguma vez realizar uma busca na internet e descobrir se alguma das marcas que você consome e estão presentes no seu guarda-roupas ou na dispensa de sua casa se utiliza de mão de obra escrava? Tal mercado ainda persistirá e continuará a existir enquanto cada um dos grupos sociais dos quais nós fazemos parte e com os quais guardamos identificação de valores que acabarão por sua vez constituindo a nossa identidade pessoal – seja família, trabalho, grupos de amigos ou outros, em maior ou menor escala, persistirem em manter vivos os 32 Direitos Humanos em Segurança Pública – Profa. Fabíola Adami Universidade Santa Cecília - Educação a Distância preconceitos e as incompreensões sobre outros grupos sociais, negando-lhes da mesma forma sua condição de sujeito de direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais. Que tal você pensar sobre o preconceito sobre a população negra? E quanto as mulheres? Elas já estão com os seus direitos garantidos em pé de igualdade àqueles garantidos aos homens? E quanto ao lugar ocupado pelas travestis e transexuais em nossa sociedade? Em todos os casos, torna potenciais vítimas do mercado de vidas! 5.2. Relações Étnico-Raciais E Violações De Direitos: Uma Construção Histórica O Brasil parece ser um país onde é possível se pensar uma civilização “natural” e harmoniosamente miscigenada, tendo sua história marcada pela mistura étnica de brancos, negros e índios. Mas apesar disso, estima-se que houve no Brasil a importação aproximada de 5 milhões de africanos para abastecer o mercado de trabalho, até a abolição do trabalho escravo, e não obstante, o Brasil também foi o último país do mundo a abolir o trabalho escravo de pessoas de origem africana, em 1888, através da Lei Áurea. O que você observa e vivencia cotidianamente? As diferenças que existem entre as pessoas (cor da pele, gênero (feminino/masculino/transgênero), ser mais “bonita” ou não tão “bonita” …) são irrelevantes na vida cotidiana de cada um de nós? Convido você a refletir sobre as relações no mundo do trabalho. Imagine que uma incorporadora de imóveis de alto padrão necessita de uma recepcionista para uma nova unidade de vendas, ou ainda uma nova loja de automóveis exclusivos e de alto padrão igualmente necessitando de uma recepcionista. Quais serão os 33 Direitos Humanos em Segurança Pública – Profa. Fabíola Adami Universidade Santa Cecília - Educação a Distância critérios requeridos para a vaga, e que certamente serão levados em consideração pelo departamento responsável pelo processo de seleção da funcionária? Você conseguiu imaginar? Alguns critérios serão essenciais para encontrar o perfil da nova profissional: Fluência e facilidade de comunicação, eventualmente fluência em um idioma estrangeiro, organização, capacidade de concentração caso a profissional também vá exercer atividades de secretariado. Esses serão os critérios utilizados para a seleção dos currículos das profissionais. Entretanto, qual é a probabilidade de que sejam utilizados outros critérios, mais subjetivos, para encontrar a profissional ambicionada pela empresa? Com bastante certeza, ouso mencionar que critérios como altura, cor da pele, beleza conceituada e percebida através de determinados padrões estéticos, idade, dentre outros critérios que eventualmente não estarão formalmente descritos na ficha do selecionador, serão levados em consideração para escolher a profissional “correta”. Historicamente, apenas em 1952 pode-se verificar uma lei que efetivamente reconheceu a existência de preconceito racial no país, punindo-o como contravenção legal, conhecida como Lei Afonso Arinos. Apesar da criação desse instrumento legal, a prática da discriminação e da segregação continuou disseminada e sem ações efetivas para sua coibição. Após a abolição da escravatura, e a proclamação da República Federativa do Brasil, em 1889, a população negra foi marginalizada não apenas pela falta de oportunidade, de ausência de direitos civis e de espaço político nasociedade, mas também foi vitimizada por inúmeras teorias de diversos campos do conhecimento. É importante notar que os direitos ora reivindicados por uma determinada parcela da população (população negra, movimento feminista...), são indissociáveis e estão fundamentalmente relacionados com Defesa dos Direitos Humanos. Ou seja, o processo histórico de conquista de direitos sociais faz parte da construção histórica de conquista dos direitos humanos. 34 Direitos Humanos em Segurança Pública – Profa. Fabíola Adami Universidade Santa Cecília - Educação a Distância No lastro de uma identidade nacional pluralista e multicultural, encontramos no Brasil inúmeros processos mais ou menos “silenciosos” de segregação e marginalização social, construídos através do tempo e da história. Alguns exemplos podem ser citados: - Segregação por Gênero: Através da ideia de que as mulheres são “melhores” ou “piores” em determinadas atividades, meios sociais, ou outros, demonstram- se estratégias de dominação masculina sobre o gênero feminino; - Segregação por Orientação Sexual: Da mesma forma, utilizando-se de critérios, preconceitos e ideias estereotipadas associados à orientação sexual de um indivíduo, exclui-se da malha social a(s) orientação (ões) sexual (is) não aceitas pela classe dominante; - Segregação por Raça/Etnia: Igualmente através de conceitos ou ideias pré- determinadas, busca-se pela classe ou estrutura dominante que determinada raça ou etnia permaneça em determinadas “zonas permitidas ou esperadas” da malha social. A dignidade humana é um valor compartilhado por todos nós, indiferentemente de classe social, cor da pele, ou qualquer outra característica utilizada como a simples e pura finalidade de excluir. Se a bandeira de cada um de nós for a dignidade humana, enquanto ela estiver sendo açoitada pelo interesse econômico e de manutenção de poder que ganham corpo em ideologias sociais que se traduzem em formas de preconceito e segregação, estaremos não apenas excluindo esta ou aquela pessoa ou grupo social. Continuaremos a excluir e a vitimizar a humanidade como um todo. 35 Direitos Humanos em Segurança Pública – Profa. Fabíola Adami Universidade Santa Cecília - Educação a Distância 6. ESFERA DE ATUAÇÃO DO AGENTE DE SEGURANÇA PÚBLICA Objetivo Identificar a postura legal do agente de segurança pública Conhecer as limitações do agente e o abuso de poder Introdução Os direitos humanos constituem um constructo teórico em conjunto com o qual a atuação profissional deve ser colocada em prática. A construção dos direitos humanos é histórica, ou seja, está em constante mudança, o que significa dizer, na prática, que a antiga premissa que às vezes se vinculava à prática do agente público “assim sempre foi feito, assim deverá ser feito”, justificando que os procedimentos operativos de um determinado exercício profissional se justificam apenas pelo hábito histórico, criados pelo próprio agente público ou adquiridos/aprendidos com outrem, não contempla a necessária visão que deverá acompanhar a todo agente comprometido em sua função com a ampla garantia aos direitos humanos. 6.1. A postura legal do agente de segurança publica O conceito e o exercício da cidadania, ou seja, a atuação na esfera pública da sociedade, não apenas antecede a atividade profissional que cada um de nós exercerá, como também estará presente em todos os atos da vida pública, e, portanto, na práxis profissional de todo e qualquer cidadão. Seria possível imaginar uma situação na qual esteja ocorrendo uma emergência que necessite da imediata intervenção de um agente de segurança, e este agente, ao identificar as informações da situação, restringir-se a não a atender, uma vez que a vítima é o seu vizinho pelo qual o agente não possui qualquer simpatia pessoal? Seria igualmente possível imaginar uma determinada demanda para a qual seja acionado um agente de segurança, e na qual ele oriente suas ações e procedimentos simplesmente pelos seus valores pessoais, em detrimento a todo e qualquer princípio legal? 36 Direitos Humanos em Segurança Pública – Profa. Fabíola Adami Universidade Santa Cecília - Educação a Distância Os princípios previstos legalmente pela Constituição Federal são fundamentais para nortear a conduta do agente público, e igualmente a postura do agente de segurança, conforme exposto adiante. a) Princípio da Legalidade Os atos dos agentes públicos devem estar em acordo e consonância com as disposições e determinações legais. Conforme já estudado, o agente público deve seguir estritamente as determinações da lei, em detrimento de um particular, que pode nortear suas ações de forma a não incidir nas infrações da lei. b) Princípio da Dignidade da Pessoa Humana O princípio da Dignidade Humana não pode apenas ser um dos princípios que orientam a Constituição Federal de nosso país. Ele deve ter um caráter prático, operativo, presente na conduta profissional de cada cidadão. Sobremaneira, este princípio demanda não apenas uma formação legalista e teórica para o agente de segurança, sob pena de que cada um de nós continue testemunhando e tropeçando, na vida cotidiana, com as infrações a todas as garantias de acesso aos direitos humanos, indo na contramão de toda a discussão deste curso. Com especial importância, o princípio da dignidade humana requisita do agente de segurança uma formação teórico-conceitual consistente, aliada em pé de igualdade e de importância à internalização dos valores de conduta e postura trazidos por tal princípio, o que requer que esses valores efetivamente dialoguem com os valores pessoais de cada um dos agentes de segurança, para que estejam presentes de forma perene em cada momento de atuação profissional. c) Princípio da Isonomia ou Princípio da Igualdade O agente de segurança é institucional e legalmente investido de poderes, de acordo com o seu grau de atuação, para representar os interesses do Estado em suas ações. 37 Direitos Humanos em Segurança Pública – Profa. Fabíola Adami Universidade Santa Cecília - Educação a Distância É imaginável, dessa forma, que o exercício de tal poder ocorra de forma discricionária, ou seja, levando-se em consideração critérios pessoais ou de origem diversa da lei, para privilegiar este ou aquele cidadão? Se há previsão legal de que todos os cidadãos são iguais perante a lei, é probo ao agente de segurança que exerça por razões diversas uma discriminação ou distinção pela cor da pele, por questões de gênero, ou utilize-se de qualquer outro parâmetro que construa distinções de acesso à lei e à cidadania? d) Princípio da Impessoalidade Você pensou na situação acima, na qual o agente de segurança não atende a uma demanda em razão de diferenças pessoais com a vítima envolvida na situação? A direção que deve marcar a atuação do agente de segurança é a do interesse público e comum, e, portanto, marcada pela impessoalidade, em detrimento às predisposições ou à tendência de humor pessoal. Além desses princípios, é importante notar que a conduta do agente de segurança também deverá observar: Princípio da Moralidade – Subsidiar as ações atendendo às disposições morais aceitas pela sociedade. Princípio da Eficiência – A ação do agente deve ser instrumentalizada por meios que atendam aos fins do bem público da melhor forma possível, ou seja, da forma mais rápida, econômica e que apresente os melhores resultados. Os meios utilizados para a atuação do agente de segurança devem ser meios apenas nas missões públicas do agente de segurança. Princípio da Publicidade – A transparência deve conceituar e subsidiar as ações do agente de segurança, uma vez que atendem ao bem público, tornando notório o conhecimento dos