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~·lmelhor compreender o fenômeno em 
questão. Pode-se sugeri-la, considerando-se diferentes 
tempos, contextos, personagens ou possibilidades. Por 
exemplo, na pesquisa com os pais, na investigação 
3 A consideração da questão da diferença baseia-se na proposta sistêmica 
de Bateson (1973, p. 428). Ao referir-se à comunicação, aponta para a 
questão de que a informação é uma diferença que faz a diferença. 
51 
de diferentes tempos, temos os seguintes exemplos: 
"Houve alguma diferença na forma de vocês educarem 
seu segundo filho?" Diferentes personagens: "Há 
alguém na vizinhança que educa seus filhos de forma 
diferente da sua?" ou "Houve alguma mudança entre 
a forma como vocês foram educados e a forma como 
educam seus filhos?" Diferentes possibilidades: 
"Alguma vez, vocês experimentaram formas diferentes 
de lidar com seus filhos? Como foi?" Na comparação, 
podemos obter a compreensão de aspectos do fenômeno 
que podem não aparecer no fluxo discursivo da fala. 
Note-se que não estamos dirigindo a questão para uma 
informação específica, mas para a consideração da 
diferença, que provocará um delineamento mais nítido 
dos contornos do fenômeno que nos interessa. 
Na pesquisa sobre relação de gênero e livro 
didático, quando a professora referia-se ao trabalho que 
realizava com as personagens, associando-as à vida real 
dos alunos, questiona-se sobre os diferentes tratamentos 
dados às meninas e aos meninos nos livros didáticos. 
Indaga-se: "Mas os livros não trazem a menina jogando 
futebol?; ''Nas ilustrações dos livros, o menino está com 
boneca no colo?" (p. 86). A partir dessas intervenções, 
as professoras começam a dar-se conta do viés de 
gênero nos livros, reflexo dos valores da sociedade 
mais ampla. Até que uma das professoras comenta a 
respeito de uma ilustração em um livro de Matemática: 
52 
Tem até um que fala assim ... são "as menininhas". 
É a multiplicação. São todas menininhas que estão 
nas janelas do prédio! Não tem um menino na janela 
do prédio. Então, quer dizer, a dona da janela ainda 
continua sendo a mulher! (Sparti, 1995, p. 91). 
t 
t 
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t 
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I 
I 
As questões que pedem a perspectiva do 
observador4 favorecem o reconhecimento do contexto 
interacional do fenômeno, focalizando a interação outro/ 
outro, pois explora padrões interacionais, sem incluir a 
pessoa interrogada, que participa como observadora. 
Ao focalizar o outro, faz-se a primeira parte de um 
movimento reflexivo em que, momentaneamente, 
muda-se o papel de protagonista para observador e, na 
segunda parte, devolve-se o observador à cena, com 
uma informação a mais. Ao lançar-se o olhar reflexivo5 
para o outro, desenvolve-se um olhar comparativo para 
consigo e temos a compreensão de outras perspectivas 
do fenômeno. 
Um exemplo de questão na perspectiva do 
observador na pesquisa com os pais. Ao pai: "Como 
seus filhos reagem quando a mãe explica determinada 
regra, ou atua diante de uma desobediência?" Na 
pesquisa com as professoras: "Como a outra professora 
da sua série foi começando a utilizar a nova proposta?" 
Ou: "Como os alunos começaram a interagir quando 
você iniciou o trabalho com a proposta?" Note-se que 
aqui também há a questão da diferença. 
Nas questões que investigam relações 
interpessoais, pode-se aprofundar a compreensão 
do contexto interacional do fenômeno que se quer 
4 A consideração da perspectiva do observador baseia-se na contribuição 
de Maturana (1984) e sua epistemologia do observador, segundo a qual 
"o observador, o ambiente e o organismo observado formam agora um 
único e idêntico processo operacional-experiencial-perceptual no ser o 
observador". 
5 Por olhar reflexivo, entende-se expressar a compreensão que se tem 
do outro em interação - o que nem sempre é consciente no quotidiano. 
53 
estudar. 6 A finalidade dessas questões é de desenvolver 
uma reflexão, focalizando a relação eu/outro. Aí, 
pode-se tomar conhecimento de padrões relacionais 
e sua rigidez ou flexibilidade, sua repetividade ou 
transformação. Por exemplo, na pesquisa com os pais: 
"O que vocês fazem quando seus filhos desobedecem?" 
e "O que seus filhos fazem quando você os repreende?" 
Na pesquisa com as professoras: "O que vocês fazem 
quando os alunos não estão prestando atenção na sua 
aula?" e "O que os alunos fazem quando você está 
apresentando conteúdo novo?" 
A sugestão desses diferentes tipos de questões 
teve como objetivo demostrar algumas possibilidades 
de transformar a entrevista numa situação rica 
em informações e num momento de construção 
de conhecimento. Seria desejável que houvesse 
a r~alização de uma entrevista piloto para que se 
apnmorasse a questão geradora e se praticasse as 
atividades de síntese e questionamento. 
As intervenções, no momento da entrevista 
servirão de índices no momento de análise, par~ 
observar momentos de digressões, de confusão na 
expressão de fatos ou ideias e de superficialidade no 
tratamento de alguma delas. Essas observações podem 
ser reveladoras para a compreensão do fenômeno 
estudado. 
6 A consideração do contexto interacional baseia-se na proposta de 
Bronfenbrenner (1996, p. 54) sobre a necessidade de se analisar o 
"sistema interpessoal total operando num dado ambiente. Este sistema 
incluirá tipicamente todos os participantes presentes (não excluindo 0 
mvestlgador) e envolverá relações recíprocas entre eles". Ele refere-se 
ao planejamento de pesquisa como um todo, mas pode servir como 
referência para organizar questões de uma entrevista, quando o fenômeno 
em questão envolve interações pessoais e entre sistemas. 
54 
--··-·------ ---·-- ----~---...;;.;-
1.3.2.6 A devolução 
Trata-se da exposição posterior da compreensão 
do entrevistador sobre a experiência relatada pelo 
entrevistado, e tal procedimento pode ser considerado 
como um cuidado em equilibrar as relações de poder 
na situação de pesquisa. 
Podem ser apresentadas a transcrição da , 
entrevista e a pré-análise para consideração do · 
entrevistado. O sentido de apresentar-se esse material 
decorre da consideração de que o entrevistado deve 
ter acesso à interpretação do entrevistador, já que 
ambos produziram um conhecimento naquela situação 
específica de interação. A autoria do conhecimento é 
dividida com o entrevistado, que deverá considerar a 
fidedignidade da produção do entrevistador. 7 
Nesse momento, há a possibilidade de se ter 
conhecimento do impacto da primeira entrevista no 
modo de perceber o fenômeno por parte do entrevistado 
e obter-se uma ampliação da compreensão dele por . , . ' 
parte do pesqmsador. E quando o entrevistado pode 
apresentar modificações eventualmente geradas pelo 
processo de reflexão - primeiro durante a primeira 
entrevista, depois no período entre uma e outra e, em 
seguida, na comparação de sua interpretação com a 
do entrevistador. 
O desenvolvimento dessa segunda entrevista 
segue os mesmos procedimentos da primeira. 
7 Certamente, por motivos de ordem prática, esse procedimento nem 
sempre poderá ser seguido, mas é recomendado sempre que possível, até 
devido a razões éticas. Temos o exemplo de entrevistados que, ao verem 
a transcrição de sua fala, cuja gravação fora autorizada, não permitiram 
sua divulgação, por temerem o reconhecimento de sua pessoa e eventuais 
consequências. 
Prandini (2000, p. 148), depois de entregar a 
transcrição da entrevista com a professora apresentou 
sua compreensão da seguinte maneira: 
-Deixe-me confirmar com você ... A minha impressão 
ao transcrever a entrevista foi de que, na sua concepção, 
o ensino de arte não pode bloquear a criatividade do 
aluno, mas você tem que dar fundamentos que deem a ele 
condição de produzir ... [Nesse momento é interrompida 
pela professora, que elabora as ideias trazidas de forma 
sucinta pela pesquisadora.] Outra coisa que ficou 
para mim com muita força foi a questão da falta da 
continuidade do trabalho ... [Novamente interrompida 
pela professora que reafirma sua proposição]. 
No caso acima, a devoluçãotanto serviu para 
aprovação da compreensão da pesquisadora como para 
a ampliação de suas considerações anteriores. 
Na pesquisa sobre a identidade atribuída a 
trabalhadores de uma indústria química (Silva, 1999), 
a devolução teve uma consequência marcante na 
compreensão do fenômeno estudado, pois, ao se 
depararem com suas próprias falas, os participantes 
temeram as consequências de suas críticas, sugerindo 
modificações nos termos. Essa condição foi fundamental 
para o estabelecimento de uma situação de reflexão e 
desenvolvimento de consciência. 
Na pesquisa de Sodelli (1999, p. 73), sobre o 
sentido do trabalho do professor na prevenção da Aids, 
houve mudanças marcantes da primeira entrevista para 
a segunda, quando da devolução. A primeira diferença 
foi um sentimento de grupo entre os professores, que 
se localizaram em dois grupos: os favoráveis e os não 
favoráveis ao trabalho de professores na prevenção 
56 
da Aids. O pronome "eu" foi substituído por "nós", 
e o discurso dos professores, no segundo encontro, 
foi mais descontraído, tendo eles demonstrado mais 
confiança para expressarem suas ideias. Nas palavras 
do autor, "o grupo mostrou-se emocionado, ou seja, 
afetivamente ligado ao tema. O que parecia cansativo 
e sem graça falar transformou-se em oportunidade rara 
de expressão". O clima de participação foi tão intenso 
que, diante da sugestão de um novo encontro por parte 
do pesquisador, a aceitação foi imediata. O terceiro 
encontro constituiu-se uma síntese dos anteriores e a 
conclusão de um trabalho. 
Sodeili (1999, p. 75) percebeu em sua pesquisa 
[ ... ]um movimento de esclarecimento da compreensão 
sobre o tema da prevenção da Aids e a escola. 
Respostas simples e rasas foram apresentadas na 
primeira entrevista e, com o andamento das discussões, 
foram se transformando em respostas complexas. 
Novamente encontramos aqui um sentido de 
desenvolvimento de consciência nos procedimentos 
da entrevista reflexiva. Do ponto de vista da pesquisa, 
a tomada de conhecimento da elaboração feita pelo _ 
pesquisador, durante a devolução, constituiu-se para 
os participantes um estímulo para aprofundar a 
reflexão sobre o tema e, consequentemente, enriquecer 
seus dados. 
Sparti (1995) realizou quatro encontros com 
as professoras, sendo três na forma de devolutiva. Em 
todos os encontros, ele iniciava com uma síntese da 
reunião anterior e a apresentava para a consideração 
do grupo. À guisa de exemplo, a primeira devolutiva: 
57 
-Começando nossa atividade de hoje, eu quero dizer 
que ouvi duas vezes a gravação da semana passada e 
pontuei, de cada assunto que conversamos, o que cada 
uma das participantes deste grupo foi falando, mas não 
na íntegra ... Fui selecionando os pontos principais. 
[ ... ] Então, antes de continuarmos, pensei em fazer 
essa devolução. Seria uma recapitulação. [ ... ] Tem a 
finalidade de esclarecer (de repente eu falo alguma 
coisa e alguém diz: "Não, olha, você não entendeu 
direito; não é isto"), de aprofundar, ampliar, completar, 
ou, então, confirmar ("Foi isso mesmo; você entendeu 
corretamente"). Primeiro, falamos de sua trajetória 
como professoras. [ ... ] Depois, consideramos sua 
concepção de educação. [ ... ]A seguir, falamos sobre 
os livros didáticos. Em relação aos livros didáticos, 
eu havia perguntado a vocês quais estavam utilizando, 
que critérios levavam em consideração para adotá-los, 
o que achavam dos livros. [ ... ]As respostas foram estas 
daqui: que vocês receberam catálogos acompanhados 
de alguns exemplares dos títulos, mas não todos. 
Nesse momento, a pesquisadora expõe algumas 
dúvidas sobre quais instituições enviavam os livros 
e quais os problemas referentes à época de envio e 
quantidades menores do que as solicitadas. A seguir, 
sintetiza o que as professoras disseram gostar ou 
não gostar nos livros e fala do processo de escolha 
descrito por elas, lembrando suas falas em relação 
à discriminação de gênero, raça e classe social, e 
continua: 
58 
-Até aqui, o objetivo foi fazer uma devolução, uma 
recapitulação, mas é muito enriquecedor, porque na 
medida em que vou tentando confirmar, sistematizar 
o que vocês falaram, a gente vai esclarecendo (Sparti, 
1995, p. 74-84). 
- --·-- -------------__ , ______ . -----·----......- -
' 
I Pelo número de páginas da transcrição - 1 O -, 
pode-se induzir como a devolutiva se deu numa 
forma de diálogo, comportando esclarecimentos, 
reafmnações e, até mesmo, acréscimos às proposições 
anteriores. Deve ser notado que, nessa pesquisa, após as 
quatro reuniões, as professoras estavam desenvolvendo 
um projeto de escolha e uso de livro didático com mais 
discernimento e consciência em relação aos vieses de 
classe social, gênero e raça. Segundo Sparti (1995, 
p. 152), "o procedimento de dar voz a essas professoras 
(assemelhou-se a uma intervenção e) possibilitou 
mudanças". 
Assim, durante o processo de devolução, a 
síntese do que foi dito na reunião anterior toma-se 
estímulo para novas considerações e é um momento de 
solução de dúvidas que ficaram para o pesquisador. Os 
participantes deparam-se com suas ideias organizadas 
de modo compreensivo, o que, em muitos casos, 
ajuda os próprios participantes a sistematizarem suas 
concepções sobre o tema. Quando se trata de uma 
reunião coletiva, o texto trazido pelo pesquisador 
refere-se a uma produção do grupo. Como lembra 
Sodeili (1999, p. 74), 
a multiplicidade de discursos numa mesma entrevista 
[ ... ] revela diversos modos de ver e entender um mesmo 
tema. Observamos que o discurso de um entrevistado 
desperta no outro algum tipo de entendimento, seja 
de aceitação, de rejeição ou de indiferença [ ... ] 
É interessante notar que cada posicionamento foi se 
tomando mais e mais claro, a partir do desenrolar da 
entrevista, o que significa que a entrevista se constituiu 
como um momento de construção do conhecimento. 
59 
O caráter de intervenção fica muito claro nas 
entrevistas coletivas, pois a produção de conhecimento 
e a tomada de consciência dão-se de forma mais 
dinâmica, por estarem em jogo as influências mútuas 
entre todos os participantes. Sodeili (1999, p. 75) traz 
uma contribuição para essa condição de intervenção 
da entrevista reflexiva ao citar o que lhe disse um dos 
participantes de sua pesquisa: "Passei a semana inteira 
pensando sobre o que eu tinha falado, e queria falar 
mais coisas". É preciso ter claro que a participação de 
cada membro do grupo reflete a influência dos demais e 
o resultado final da entrevista refere-se a uma produção 
do coletivo. Deve-se considerar que o entrevistador 
deverá ter experiência de condução de grupos para a 
utilização dos procedimentos da entrevista reflexiva. 
1.4 Considerações finais 
O objetivo deste capítulo foi considerar a 
dimensão psicológica e ética da interação face a face 
presente numa situação de entrevista, no sentido de 
dimensionar os dados nela obtidos e situá-los dentro 
dos limites que se delineiam no encontro entre duas 
pessoas que se apresentam com determinado gênero, 
idade, nível socioeconômico, aparência, disposições 
afetivas, modo de compreender o fenômeno e 
intencionalidades. 
Como foi dito antes, isso não inviabiliza a 
entrevista como um rico instrumento de pesquisa. Pelo 
contrário, desvela novas possibilidades na compreensão 
dos fenômenos que se quer investigar. Informa que esse 
momento, muitas vezes, propicia uma reestruturação 
60 
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de ideias. É uma consideração que mostra o caráter 
dinâmico das informações que obtemos em nossas 
investigações e aponta para o cuidado de não apresentá­
las como algo definitivo, mas sim como um instantâneo 
que congela um momento, mas que traz em seu interior 
a possibilidade de transformação. 
Um aspecto a ser lembrado é que esse tipo de 
entrevista pode trazer informações muito ricas sobre 
o fenômeno que se quer estudar, mas o desempenho 
do entrevistador é muito importante. Por esse motivo, 
é necessário um período de treinamento, em especialpara aqueles pesquisadores que não tiveram, durante 
sua formação acadêmica, experiências de entrevistas 
face a face. 
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Católica de São Paulo. 
63 
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64 
CAPÍTUL02 
PERSPECTIVAS PARAAANÁLISE 
DE ENTREVISTAS 
2.1 Introdução 
Heloisa Szymanski 
Laurinda Ramalho de Almeida 
Regina Célia Almeida Rego Prandini 
Este capítulo propõe-se a oferecer subsídios 
para a análise de dados de entrevista, a partir da 
experiência das autoras com o desenvolvimento de seus 
trabalhos de análise. Embora trate especificamente de 
análise de entrevista, serão feitas inicialmente algumas 
considerações sobre análise de dados qualitativos. Esta 
se apresenta como uma atividade de interpretação que 
consiste no desvelamento do oculto, do "não aparente, );/ 
o potencial de inédito (do não dito), retido por qualquer 
mensagem" (Bardin, 1995, p. 9). 
Referindo-se à análise de conteúdo, mas em 
uma constatação que pode ser estendida a qualquer 
análise de dados obtidos em pesquisas qualitativas, 
a autora aponta para sua condição de "hermenêutica 
controlada, baseada na dedução: a inferência". Trata­
se de uma prática que auxilia o pesquisador a superar 
intuições ou impressões precipitadas e possibilita a \ 
65 
desocultação de significados invisíveis à primeira vista. 
É o que Bardin (1995, p. 9 e 28) chama de superação 
da "ilusão de transparência", via "vigilância crítica" e 
o emprego de "técnicas de ruptura", com a finalidade 
de manter o rigor, a validade e a fidedignidade dos 
procedimentos metodológicos. É na prática que se 
consolidam os procedimentos de análise, mas estes 
não deverão se "fetichizar" a ponto de afastar os 
pesquisadores de suas percepções e criatividade. 
Tanto o delineamento dos procedimentos de uma 
pesquisa, quanto a análise de dados dependem da opção 
teórico-metodológica do pesquisador. Minayo (1996) 
cita três grandes tendências que orientam a análise de 
dados qualitativos: a análise de conteúdo, a análise 
de discurso e a hermenêutica dialética. Poderíamos 
chamar a esta última apenas de hermenêutica, de 
forma a contemplar outras possibilidades dentro desta 
proposta, como podemos verificar em Bleicher (1992). 
Na perspectiva de Bardin, a análise de discurso não é 
uma proposta diferente da análise de conteúdo. Rey 
(1999), por sua vez, sugere a análise de conteúdo, com 
uma conotação construtivo-interpretativa, como opção 
para a análise de discurso e a análise da narrativa, 
proposta por Bruner (1997). 
Como se pode observar, há diferentes propostas 
teórico-metodológicas e diferentes formas de articulá­
las. Não há, no momento, o objetivo de aprofundar-se 
nessas considerações. 
A análise de conteúdo e a de discurso 
desenvolveram técnicas elaboradas de tratamento de 
dados. Não é o caso da hermenêutica, que, por sua 
própria definição, indica um "caminho de pensamento" 
(Minayo, 1996, p. 199), orientador para a compreensão 
66 
r 
l 
da comunicação contida no texto, que, no caso da 
entrevista, estará expresso na forma de comunicação 
escrita. Iremos nos ater brevemente a esta teoria de 
análise, pois é a que embasa os trabalhos que serão 
apresentados neste artigo. 
Minayo (1996, p. 220), citando Gadamer, 
define a hermenêutica como "a busca de compreensão 
de sentido que se dá na comunicação entre os seres 
humanos". Ressalta a importância que a hermenêutica 
dá para as condições cotidianas da vida, situadas social 
e historicamente. 
Bleicher (1992, p. 13) defme, em termos 
genéricos, a hermenêutica como a "teoria ou filosofia 
da interpretação do sentido". O reconhecimento do 
componente significativo das expressões humanas a 
serem compreendidas criou o que Bleicher chamou 
de "problema da hermenêutica: saber como é possível 
este processo e como tomar objetivas as descrições de 
sentido subjetivamente intencional, tendo em conta 
o fato de passarem pela subjetividade do próprio 
intérprete". Tanto o pesquisador como o objeto de seu 
estudo estão ligados por um contexto de tradição, ou 
uma compreensão prévia, que impede a postura de 
neutralidade. 
Martins e Bicudo (1989, p. 99 e 102-104) 
trazem, em uma perspectiva hermenêutica, uma 
proposta de análise de dados na pesquisa qualitativa 
em psicologia. Classificam os seguintes momentos de 
análise: "imersão empática no mundo da descrição", 
"redução do ritmo de análise e permanência na 
descrição", "ampliaçãoda situação", "suspensão da 
crença" e "passagem dos objetos para os significados". 
Enfatizam a necessidade de começar buscando-se 
67 
o sentido do todo, como base para delinear-se as 
unidades de significado, como um procedimento 
que viabiliza o tratamento dos dados, uma vez que 
"a realidade psicológica não está pronta à mão no 
mundo e que não pode ser vista simplesmente, mas que 
precisa ser constituída pelo pesquisador. As unidades 
de significado também não estão prontas no texto. 
Existem somente em relação à atitude, disposição e 
perspectiva do pesquisador". Através da reflexão, as 
unidades são agrupadas em categorias segundo um 
critério comum. A síntese expressa em proposições 
irá indicar o sentido do todo, depois de passar pelos 
momentos de análise citados. 
Como lembra Bardin, é na prática que se 
definem os procedimentos de análise. Foi dessa 
forma que as autoras delinearam as próprias propostas 
de análise de entrevistas, partindo dos subsídios 
oferecidos por Giorgi (1985). O aspecto comum às 
três pesquisadoras foi o questionamento de um modo 
de análise de entrevista que permanecia em um nível 
de descrição que não contemplava o desvelamento de 
sentido do texto. 
Serão apresentados, a seguir, trechos do 
trabalho de análise de cada uma e as respostas que 
encontraram para suas indagações. 
2.2 Situando as propostas de análise 
O objeto de estudo de Almeida (1992) foi o 
Projeto Noturno, desenvolvido por 152 escolas, nos 
anos de 1984 e 1985, na rede pública estadual paulista. 
Cada uma das escolas elaborou o seu projeto, a partir 
68 
r 
de sua problemática específica, solicitando dos órgãos 
centrais da Secretaria de Educação o que consideravam 
necessário para viabilizá-lo. Foram entrevistados 
diretores, coordenadores, professores e alunos de 
seis das escolas que desenvolveram, com sucesso, tal 
projeto. O objetivo era compreender o que significou 
para educadores e alunos do noturno participarem de 
uma proposta elaborada por eles mesmos para atender 
às suas necessidades especificas. 
A linha de investigação escolhida foi a proposta 
por Amadeo Giorgi (1985). Essa orientação prevê os 
seguintes momentos: 
1. O pesquisador lê o depoimento todo para familiarizar­
se com o texto que descreve a experiência; nesse 
momento, está imerso em um enfoque gestáltico. 
Lê tantas vezes quantas necessárias para captar a 
essência do que foi descrito. 
2. Uma vez que o sentido do todo foi apreendido 
e como é impossível analisar um texto inteiro 
simultaneamente, o pesquisador deve quebrar o 
todo em partes: volta ao começo do texto uma vez 
mais e passa a pôr em evidência os significados, 
em função do fenômeno que está investigando; 
esses significados existem para o pesquisador que 
está interrogando e não são unidades rigidamente 
prescritas- são respostas para suas interrogações; 
assim procedendo, se obtêm "unidades de 
significado"; estas relacionam-se umas com -as 
o'titr~s indicam momentos distinguíveis na 
totalidade de descrição. 
3. Como as descrições feitas pelos depoentes expressam 
realidades múltiplas e como o pesquisador está 
interessado em extrair o que tem valor psicológico 
a respeito do fenômeno que está investigando, é 
necessário que as expressões cotidianas "ingênuas" 
69 
Pedro Milanesi
Realce
Pedro Milanesi
Realce
Pedro Milanesi
Sublinhado
Pedro Milanesi
Realce
do depoente sejam transformadas em linguagem 
psicológica e, 
4. finalmente, o pesquisador sintetiza todas as unidades 
de significado transformadas, ou seja, integra 
todas as unidades em uma descrição consistente, 
referente à experiência do depoente; todas as 
unidades transformadas devem estar, pelo menos 
implicitamente, contidas na descrição. Giorgi se 
refere à síntese assim conseguida como estrutura 
situada do fenômeno que está sendo investigado, 
a qual pode ser expressa em um nível mais 
específico, ou mais geral (Almeida, 1992, p. 30-31). 
Para o referido pesquisador, o trabalho termina 
neste ponto, pois chega-se à descrição dos significados 
que emergiram dos relatos. 
Embora tenha sido considerado satisfatório 
o procedimento empregado, principalmente por 
permitir a organização gradativa do vasto material 
recolhido, ficar no nível descritivo apenas não satisfez 
a pesquisadora. Parecia-lhe que o quadro estava, ainda, 
incompleto. Fazia falta o movimento que mostrasse, 
com maior colorido, o processo que se desencadeara 
durante o Projeto Noturno como um todo. Percebia­
se que algumas falas se sobressaíam e pensou-se que, 
se elas aparecessem com destaque, em algum lugar, 
evidenciariam, com maior vigor, as relações entre as 
pessoas e os grupos que foram a origem do estudo. Foi 
então elaborado um novo capítulo: "Algumas falas em 
destaque". 
O objetivo de estudo de Gomes Szymanski 
(1987) era o estudo do significado de família e, como 
perspectiva de análise, a fenomenológica. Em meados 
da década de 80, não havia entre nós muitos modelos 
70 
de análise qualitativa de dados nesse enfoque. Houve 
um empenho na busca de um procedimento rigoroso 
de análise, que garantisse a validade dos dados e a 
construção de um caminho que permitisse sempre a 
recorrência ao dado empírico. 
Giorgi (1985) oferecia um caminho 
metodológico em que aquele rigor era contemplado, 
e era uma das referências de que se dispunha, na 
época, para a realização de pesquisa empírica de base 
fenomenológica. 
Nessa proposta, a descrição era o recurso 
fundamental, constituindo-se o "processo de busca de 
significado de um fenômeno, partindo da materialidade 
do que se pretende descrever e caminhando no sentido 
de um aprofundamento" (Gomes Szymanski, 1987, 
p. 10) e compreensão. 
Na pesquisa, procurou-se utilizar a descrição, 
de forma que ela cumprisse essa função desveladora, 
sistematizando-se os dados com clareza e precisão, a 
partir do que foi visto nos encontros com as famílias. 
Assim, num primeiro momento, tem-se o relato 
da experiência, que depois é conceptualizado em 
categorias descritivas que devem englobar os 
elementos empíricos. Trata-se de uma redução em 
termos descritivos mais abstratos: uma reescrita 
depurada da factualidade imediata, mas sem perdê-la 
de vista (idem, p. 11). 
Começava, então, um trabalho de caracterização 
dos elementos constitutivos de uma experiência 
complexa, subdividido em categorias que expressassem 
o cunho psicológico da investigação e o aspecto 
tematizado (família). 
71 
·~------------- --
Pedro Milanesi
Realce
As categorias que emergiram das leituras e 
releituras não foram colocadas a priori, elas apenas 
denominaram aspectos comuns da experiência de viver 
em família que emergiram no trabalho de análise e 
refletiram o que se estudou e se apropriou sobre o tema. 
O momento seguinte apresentava uma 
reescrita, com base na compreensão desvelada pela 
_Eat~~ggriz~_ç_ã~. A intenção era traduzir o texto original 
para uma linguagem psicológica, apontando seus 
elementos constitutivos e apresentando uma síntese 
de cada categoria. Do ponto de vista de uma análise 
descritiva, o trabalho poderia terminar aí. 
Sentiu-se, entretanto, que faltava algo e 
incluiu-se mais uma etapa no processo de análise, a 
interpretação, definida como uma organização em 
contextos de significação dos aspectos estruturais do 
fenômeno pesquisado. No caso estudado, denominou­
se "contextos de significação" o modo como eram 
compreendidas as várias facetas da experiência de viver 
em família, como a casa, os filhos, aio companheiralo, 
a família extensa, a história, o próprio papel de mãe/ 
pai. Os contextos de significação, indo além da mera 
descrição, apontavam para o entrelaçamento dos vários 
elementos dela e de suas decorrências. Para cada 
categoria foi feita uma síntese parcial e no final uma 
síntese do conjunto dos dados. 
Foi referido o trabalho de interpretação como a 
"busca do oculto no aparente" (p. 16), baseando-se em 
Ricoeur (1978). Foi nesse momento que se desvelou a 
dicotomia entre o vivido e o pensado, que constituiu asíntese do trabalho de análise. 
O estudo de Prandini (2000) teve como objetivo 
estudar as concepções de professores de arte de uma 
72 
escola e de seus coordenadores sobre o ensino dessa 
disciplina. Foram realizadas, durante um semestre 
letivo, observações, principalmente em reuniões 
pedagógicas - HTPCs e, no semestre seguinte, foram 
realizadas entrevistas com os professores de arte e 
coordenadores, fundamentadas no texto "Entrevista 
reflexiva", de Szymanski (2002). 
Ao pensar em realizar a análise das entrevistas, 
houve um momento de desconforto gerado por 
uma insatisfação que se acreditava, então, dever-se 
ao fato de não encontrar entre os instrumentos 
disponíveis algum que não fragmentasse o discurso do 
entrevistado, mas que, ao contrário, permitisse realizar 
a análise do material de que se dispunha a partir de 
seu todo. Não se acreditava que a fragmentação em 
categorias permitisse a emergência de significados 
que se suspeitava existirem e que se julgava serem 
importantes para a compreensão do fenômeno. 
Giorgi (1985) ofereceu subsídios para o 
entendimento de que o desconforto devia-se não 
ao fato de fragmentar o discurso, mas de fazê-lo 
sem permitir que do todo emergissem as partes 
consideradas mais significativas, por expressarem as 
impressões da pesquisadora sobre o fenômeno, pois 
"já estava em andamento o processo de interpretação 
das informações, a partir do conjunto da experiência 
vivida na escola, orientada pelos meus pressupostos, 
em frente ao marco teórico de referência" (Prandim, 
2000, p. 76). 
73 
2.3 No tas para procedimentos de análise 
de entrevistas 
I A SUBJETIVIDADE NA ANÁLISE I 
Análise é o processo que conduz àexplicitação 
da compreensão do fenômeno pelo pesquisador. Sua 
pessoa é o principal instrumento de trabalho, o centro 
não apenas da análise de dados, mas também da 
produção durante a entrevista. 
O pesquisador, antes mesmo de iniciar o 
procedimento de entrevista, tem algum conhecimento 
e compreensão do problema, proveniente não apenas de 
seus referentes teóricos, mas também de sua experiência 
pessoal. Além disso, ele tem uma expectativa de 
resultados, e é necessário explicitar essa pré-condição. 
Considerar a subjetividade envolvida no processo de 
coleta de dados significa cuidado com o rigor. 
I A ENTREVISTA EM CONTEXTOS socws I 
Ao selecionar a entrevista como seu 
procedimento de produção de dados, o pesquisador 
deve estar atento não só à fala de seu entrevistado, mas 
também ao seu meio. Este inclui os diversos aspectos do 
ambiente físico e social, e também as interações que o 
entrevistado estabelece durante a situação de entrevista. 
74 
I EXEMPLIFICANDO I 
Na pesquisa com o Projeto Noturno, chegando, ao 
anoitecer, a um bairro da periferia da capital para 
entrevistar professores, surpreendi-me com o grande 
número de pessoas nas calçadas. Comentei o fato 
na escola, com minha entrevistada, e ela esclareceu 
que grande parte dos alunos morava em "casas de 
cômodos", apertadas e sem quintais, o que levava os 
moradores a permanecerem nas calçadas, onde havia 
mais espaço. Isso ajudou-me a compreender o valor 
que os alunos davam ao espaço escolar, nas suas falas 
(Almeida, 1992). 
I ANÁLISE COMO PROCESSO I 
A compreensão do fenômeno vai se modificando 
no decorrer do processo de pesquisa e é paulatinamente 
aprofundada durante o trabalho de análise. 
A análise de dados implica a compreensão da 
maneira como o fenômeno se insere no contexto do qual 
faz parte. Este inclui interrupções, clima emocional, 
imprevistos e a introdução de novos elementos. Nas 
pesquisas citadas, ocorreram imprevistos que foram 
incluídos e considerados como dados de pesquisa. 
I EXEMPLIFICANDO I 
Na pesquisa sobre significado de família, no decorrer 
de uma das visitas domiciliares, realizadas num 
barraco feito de madeira, no meio de uma fala em que 
a entrevistada discorria sobre a questão do ciúme entre 
ela e o marido, ouve-se uma voz, falando do barraco 
vizinho: "Pois eu tenho ciúme até de mim mesma 
quando estou perto". Foi quando percebi que a tábua 
de madeira que separava as duas casas deixava passar 
tudo o que se falava dentro delas. Desse momento 
em diante passamos a ter mais uma participante da 
conversa, incluída pela própria moradora que eu 
entrevistava, tomando sua participação como algo 
natural (Szymanski, 1998). 
Na pesquisa sobre o Projeto Noturno, ao entrevistar uma 
diretora de escola, na sua sala, fomos interrompidas 
75 
várias vezes pela secretária, que lhe trazia papéis 
para assinar. A cada momento que isso acontecia, a 
diretora pedia a confirmação para fatos que estava 
contando, e a secretária "entrava na conversa" fazendo 
esclarecimentos e contribuindo para a compreensão 
dos dados (Almeida, 1992). 
Na pesquisa com professores de arte, uma professora 
relutante em marcar a entrevista, por acaso, presenciou 
o final de uma realizada com outro professor, e 
dispôs-se a dar a sua naquele momento. Ao final do 
encontro, que se desenrolara sob um certo clima de 
tensão, o gravador foi desligado. Então, ela recomeçou 
a falar e, desta vez, a relatar coisas extremamente 
interessantes em vista de meus objetivos. Solicitei­
lhe que marcássemos nova entrevista, na qual 
ela desenvolvesse os temas que mencionara. Ela 
concordou, e a entrevista seguinte foi realizada num 
clima mais descontraído (Prandini, 2000). 
Como se pode observar, a entrevista em contextos 
sociais está sujeita a várias intercorrências, não é 
asséptica, não está sob controle total do entrevistador. 
É importante manter o foco nos objetivos de seu 
trabalho, para aproveitar os imprevistos, sem deixar 
que elas o tirem do eixo de seu problema de pesquisa. 
I REGISTRO CONTÍNUO I 
V árias percepções, impressões e sentimentos 
perpassam o pesquisador durante a entrevista. Devem 
ser anotados assim que possível, quer imediatamente, 
quer ao final da entrevista, para que não se percam e 
possam ser incorporados pelo pesquisador. 
76 
T 
I EXEMPLIFICANDO I 
Na pesquisa sobre o Projeto Notur~o, dura~te ? 
período no qual realizei minhas entrevistas, habttuet­
me a andar com fichas na bolsa, e quando me lembrava 
de algum fato ou sentimento que ocorrera no am~ient~ 
de entrevista eu o registrava rapidamente. Enrtquect 
assim meu "banco de ideias~' (Almeida, 1992). 
I TRANSCRIÇÃO I 
A transcrição é a primeira versão escrita do 
texto da fala do entrevistado que deve ser registrada, 
tanto quanto possível, tal como ela se deu. A~ escrever, 
faz-se um esforço no sentido de passar a lmguagem 
oral para a escrita, ou seja, há um esforço d~ tradução 
de um código para outro, diferentes entre s1. 
I TEXTO DE REFERÊNCIA I 
Numa segunda versão, deve ser feita uma 
limpeza dos vícios de linguagem e do_ texto grafado, 
segundo as normas ortográficas e de sm~ax~ ( qua~do 
não se tratar de um estudo cujo foco pnnc1pal seJa a 
construção da linguagem), mas sem substituição de 
termos. Esse texto passa a ser o principal referente 
para o pesquisador, daí para diante. 
I TRANSCREVER/REVER/ ANALISAR I 
O processo de transcrição de entrevista é 
também um momento de análise, quando realizado pelo 
próprio pesquisador. Ao transcrever, revive-se a cena 
da entrevista, e aspectos da interação são relembrados. 
Cada reencontro com a fala do entrevistado é um novo 
momento de reviver e refletir. O texto de referência 
77 
pode incluir as impressões, percepções e sentimentos 
do pesquisador durante a entrevista e a transcrição. 
I EXEMPLIFICANDO I 
Na pesquisa com os professores de arte, ao transcrever 
a pesquisa feita com um dos professores, entendi 
o sentimento de desilusão dele, ao vislumbrar meu 
próprio futuro como professora, na perspectiva 
dele. Fui invadida por um sentimento de tristeza que 
favoreceu minha compreensão do sentido da desilusão 
para esse professor (Prandini, 2000). 
Como se pode observar no exemplo acima, foi durante 
a transcrição que ocorreu a compreensão de um aspecto 
presente na experiência docente: o sentimentode 
desilusão que pode se desenvolver ao longo da carreira. 
I CATEGORIZAÇÃO I 
Na relação com o texto de referência, emergem 
novas articulações conceituais. Leituras e releituras 
do texto completo das entrevistas, com anotações às 
margens, permitem ao longo do tempo a elaboração 
de sínteses provisórias, de pequenos insights, e a 
visualização das falas dos participantes, referindo-se 
aos mesmos assuntos. Estes, nomeados pelo aspecto do 
fenômeno a que se referem, constituem uma categoria. 
A categorização concretiza a imersão do 
pesquisador nos dados e a sua forma particular de 
agrupá-los segundo a sua compreensão. Podemos 
chamar este momento de "explicitação de significados". 
Diferentes pesquisadores podem construir 
diferentes categorias a partir do mesmo conjunto de 
dados, pois essa construção depende da experiência 
pessoal, das teorias do seu conhecimento e das suas 
crenças e valores. 
78 
. -" -- - -- --
-------~---------.---~·~ -----~-· ~----
I EXEMPLIFICANDO I 
Na pesquisa com professores de arte (Prandini, 
2000), feita a transcrição de todas as entrevistas, 
passou-se à leitura, cada uma com o objetivo de 
encontrar a concepção de ensino de arte de cada um 
dos entrevistados. As falas sobre o assunto, na maioria 
dos casos, apresentavam-se diluídas ao longo de cada 
depoimento. O agrupamento delas constituiu uma 
categoria: concepção de Ensino de Arte. 
Durante o trabalho de análise, ao passar de 
um para outro depoimento, percebeu-se que, além da 
concepção de arte, objeto de estudo da pesquisa, outros 
assuntos foram recorrentes, tanto na fala dos professores 
como na dos coordenadores. Resolveu-se, então, a 
partir de seu agrupamento por assunto, construir-se 
novas categorias, pois estas se mostraram relevantes 
para a compreensão do fenômeno. Essas categorias 
foram nomeadas de acordo com o assunto a que diziam 
respeito; assim, além da categoria Concepção de Arte, 
foram criadas as categorias Sala Ambiente, Relação 
com o Sistema Educacional, Parâmetros Curriculares 
Nacionais (PCN), Integração/Trabalho Integrado e 
Interesse/Desinteresse dos alunos. 
Durante as releituras do texto de referência, 
o assunto que em primeiro lugar "saltou aos olhos" 
da pesquisadora foi o que se tomou posteriormente a 
categoria Sala Ambiente. 
No exemplo a seguir, foram selecionados trechos 
das entrevistas de uma professora e de um professor, do 
coordenador e da coordenadora, referentes a essa categoria. 
A partir das falas, chamadas aqui de depoimentos, 
foi explicitada em forma de itens a compreensão da 
pesquisadora sobre elas, considerada como explicitação 
dos significados. 
79 
Depoimento 
- A gente não tem uma sala ambiente. Se eu quiser dar 
modelagem ou escultura, não pode, porque não pode 
usar a sala do jeito que a gente quer, porque a noite é 
utilizada por outro professor. Então, nós precisamos 
acabar com esta farsa de que existe sala ambiente, 
porque na realidade não existe. A gente passa só 
aqueles conteúdos que os alunos, bem ou mal, podem 
fazer dentro da sala de aula. Se a gente for fazer com 
que eles se expressem cantando, vai atrapalhar a aula 
vizinha, e os professores começam a reclamar. Ensinar 
a se expressar muitas vezes vai fazer barulho, que, 
de acordo com determinadas concepções de direção 
ou de coordenação, é só fazer barulho. Mas como a 
gente pode desenvolver estas atividades sem barulho? 
O espaço é pequeno. Não tem sala (Augusto). 
- A pior dificuldade eu acho que é esta mesmo: a escola 
abrir mais espaço. Você ter sala ambiente. Você ser 
livre para trabalhar. Não ter esta coisa: -Ai, barulho! 
Vai dar teatro? Não tem espaço. Está fazendo barulho! 
Tinta está sujando o chão! Ter esta liberdade ... É muito 
complicado trabalhar assim. Se você tem uma sala 
ambiente e os materiais que você precisa ... Material 
você ainda encontra, O que não tem é espaço fisico 
para trabalhar. Houve uma vez, uma outra escola 
onde eu não peguei as aulas, não porque não tivesse, 
mas porque a própria diretora falou: "Eu quero uma 
professora que fique na sala. Você fica muito fora da 
sala, tem que ficar aí com caderno, dar desenho, Não 
dá para ficar tirando aluno da sala de aula" (Angela). 
-Antigamente nós tínhamos infraestrutura, que falta 
hoje nas escolas. Uma sala ambiente de educação 
artística tem que ter todo um aparato. Você quer que 
o aluno trabalhe com barro, ele tem que enfiar a mão 
num tanque de barro. Falta este tipo de coisa. O que as 
escolas utilizam na prática: guache, tesoura, cruiolina, 
papel em geral, e acabou. As escolas superlotadas não 
têm sala para isso, e transformar sala de aula em uma 
sala ambiente de Educação Artística não vai resolver 
(Coordenador). 
-Só o que nós não podemos fazer é a música devido à 
acústica. Então a música teria que ser feita no salão de 
vídeo. Um ensaio na sala já prejudica as demais salas, 
quando o barulho aumenta. Essas coisas não dão ainda 
para encaixar na Educação Artística devido à acústica. 
Se eles quiserem no pátio ou no salão de vídeo, podem 
fazer (Coordenadora). 
80 
Explicitação dos 
significados 
• A sala ambiente é uma 
farsa. Não se pode usar 
do jeito que quiser, só 
para conteúdos que 
permitem trabalhar 
dentro da sala de aula. 
• Não dispomos de 
espaço para trabalhar 
devido à concepção da 
coordenação e da direção, 
que não compreendem o 
movimento e o rui do das 
atividades julgando-os 
falta de disciplina. 
• As dificuldades de 
conseguir espaço na 
escola para trabalhar. 
• Não dá para dar aulas 
que façam barulho. 
Só se o professor quiser 
outro lugar. 
• Antigamente a 
escola tinha infra­
estrutura adequada, 
sala ambiente. Hoje 
a limitação de espaço 
impõe limitações às 
atividades. 
• Não temos espaço para 
trabalhar. Trabalhar 
fora da sala de aula 
incomoda. 
Ao final do trabalho, realizada a análise de 
cada entrevista em separado, cada fala em relação ao 
todo de cada entrevista, e confrontando os significados 
atribuídos ao assunto "sala ambiente", a interpretação 
foi de que o assunto define o território de luta dos 
professores de arte por espaço, frente ao sistema 
educacional, constituindo-se, desta forma, uma 
categoria essencial para a compreensão do espaço para 
o ensino de arte na escola. 
A compreensão sobre o espaço (ou melhor, 
sobre a falta dele) para o ensino de arte na escola 
possibilitou uma nova visão sobre a forma como os 
professores concebem-no e qual o papel do professor 
de arte na escola. 
Arte é vista como uma disciplina sem conteúdos 
próprios, e por isso dispõe de espaço para incluir aquilo 
que se diz ser importante para o aluno, e que a escola 
deve fazer, mas que ninguém, por ter muito conteúdo 
a ensinar, tem tempo para fazer, como trabalhar temas 
transversais e organizar as festividades, O professor 
de arte assim é visto como um "faz de tudo", por 
não ter nada especificamente seu para fazer, pois o 
objetivo do ensino de arte (concepção de professores 
e coordenadores) é proporcionar condições para a 
expressão da afetividade e, para tanto, aceita qualquer 
conteúdo. 
* 
Na pesquisa sobre o Projeto Noturno (Almeida, 
1992), a partir dos depoimentos de seis diretores, 
seis coordenadores, 26 professores e 63 alunos 
(entrevistas coletivas com 11 grupos), foram elaboradas 
81 
I 
as categorias. No exemplo, seguem trechos de 
depoimentos de duas coordenadoras, uma diretora, 
e uma professora, que ilustram a construção de uma 
categoria, que foi chamada de "constituição do grupo". 
Depoimentos 
Explicitação de 
significados 
- É dificil enumerar um ou outro problema. Mas, • valorização das 
sempre que os problemas iam surgindo, nunca tomei reuniões para discutir os 
uma atitude, uma resolução da minha cabeça. Fazia problemas; 
questão de reunir os professores e discutir. Sempre, 
• os problemas eram 
nenhuma coisa de última hora, era com a discussão 
do conjunto de professores. E, sempre que foi 
discutidos em conjunto; 
necessário, a direção ajudou, às vezes a supervisão, • havia ajuda da direçãosempre estiveram atentos. Mas no dia a dia era o corpo e da supervisão quando 
docente (Maria, coordenadora). necessário; 
• as questões de rotina 
eram resolvidas pelos 
professores. 
-No segundo ano, a direção testemunhou que aqueles • Mudança de atitude dos 
professores que no início apresentavam postura bem professores em relação 
resistente contra o Projeto, contra qualquer ideia ao trabalho em conjunto. 
pensada em conjunto, esses professores faziam • Os professores passaram 
perguntas: "O que vamos fazer?" "Como vamos 
solucionar isso?" Usando o nós. Então, isso é a 
a usar o "nós", que não 
prova do "Vamos pensar juntos", que não havia antes 
havia antes. 
(Dalva, diretora). 
- Tivemos conquistas em vários níveis. Primeiro, • A integração entre os 
foi a integração entre os próprios professores. Essa professores levou 2 anos 
integração foi construída, levou dois anos para se para ser construída. 
conseguir ... Essa integração se deu principalmente 
• A integração se deu 
pela comunhão de ideal, Nós tínhamos uma causa 
- era como se fosse uma causa política, um ideal 
porque havia um ideal 
político a ser conquistado. Era um ponto de união 
comum a todos. 
maior - nós tínhamos um trabalho a ser feito em • O grupo tinha um 
conjunto (Carla, coordenadora). trabalho a ser feito por 
todos. 
-Com os colegas, aprendi a ouvi-los mais. E com • Aprender a ouvir pemitiu 
isso fui tentando uma troca de experiências. Passei a a troca de experiências. 
aceitar mais a i dei a de cada um. A gente tinha reuniões 
• Valorização das reuniões 
semanais, oportunidade de falar e ouvir. Todos os 
problemas que surgiram eram resolvidos em grupo 
semanais: oportunidade 
(Pedro, professor). 
de ouvir e falar. 
• Os problemas eram 
resolvidos pelo gmpo. 
82 
í 
l 
I Relendo a coluna "explicitação dos significados", 
foram reunidos os que se referiam a um assunto 
comum, resultando daí a categoria "constituição do 
grupo" na qual foram integradas as falas: 
os professores passaram a usar o "nós"; 
a integração entre os professores levou dois 
anos para ser conseguida; 
a integração se deu porque havia um ideal 
comum a todos; 
o grupo tinha um trabalho a realizar; 
aprender a ouvir permitiu a troca das 
experiências; 
todos os problemas eram discutidos por 
todos; 
os problemas eram resolvidos pelo grupo. 
Segundo a metodologia de Giorgi, as categorias 
foram utilizadas para elaborar as descrições e, para 
sua proposta, o processo se completaria aí. Mas, para 
a pesquisadora, essa metodologia não foi suficiente 
para explicitar a compreensão que eu tinha construído 
do fenômeno a partir da análise dos dados. 
Resolveu-se acrescentar um novo capítulo à 
tese, discutindo o movimento das pessoas durante o 
percurso no Projeto Noturno. Para tanto, as categorias 
foram agrupadas em grandes temas. Esses temas 
representaram o fio condutor que perpassava várias 
categorias. As categorias decorrentes dos trechos de 
depoimentos que aqui serviram de exemplo foram 
agrupadas ao tema: "De professores solitários a 
professores solidários", e nele foram discutidas as 
seguintes questões, que envolviam as categorias 
83 
levantadas nos exemplos, e outras que apareceram nas 
demais entrevistas: 
- a dificuldade de constituir um grupo na escola 
pública; 
- a coesão de um grupo não se consegue num 
passe de mágica; 
a aprendizagem de ouvir e ser ouvido; 
a valorização da coesão do grupo; 
a coesão do grupo levou à mudança de 
postura; 
- os alunos perceberam a diferença dessa 
mudança; 
- o papel das reuniões na elaboração da 
proposta coletiva. 
O conjunto de todas as entrevistas permitiu 
ainda a discussão de cinco outros temas: 
- a mudança no locus de poder; 
- uma nova maneira de ver o aluno do noturno· 
- é possível, sim, uma escola risonha e franca~ 
' - construir uma identidade de sucesso para o 
aluno, o professor, o diretor, a escola noturna; 
o difícil equilíbrio entre a autonomia e 
centralização. 
Resumindo, o movimento de análise foi: a partir 
da explicitação dos significados, elaborar as categorias. 
Estas foram agrupadas aos temas referidos. Para 
discutir os temas, voltou-se às categorias e, na redação 
final, foram utilizados trechos dos depoimentos para 
dar suporte às interpretações. 
84 
- ·----~-..-------­
~----~-
A consideração dos temas apontou para a sua 
relação com o contexto educacional mais amplo e tomou 
possível uma discussão sobre a escola pública, pois, 
quando nos aprofundamos, a compreensão do fenômeno 
estabelece a conexão dele com os contextos maiores. 
* 
Na pesquisa sobre Significado de Família 
(Gomes, Szymanski, 1987), o procedimento de 
coleta de dados consistiu em entrevistas coletivas 
com todo o grupo familiar, e o texto de referência 
não resultou de transcrição de depoimentos, mas de 
relatos de observações realizados a partir de visitas 
domiciliares às famílias. O texto incluiu as falas dos 
participantes, descrições do ambiente e de atividades 
que se realizavam ao longo da visita e era redigido 
imediatamente depois desta, com a ajuda das anotações 
feitas no decorrer da entrevista e em conjunto com 
outro pesquisador. Esse primeiro relato foi denominado 
Descrição ingênua - Descrição I. 
Uma vez obtida essa primeira descrição, teve 
início o trabalho de reflexão, aquilo que Giorgi (1985, 
p. 3) chama de trabalho "intradescritivo", a partir de 
leituras e releituras do texto de referência. Seguiu-se 
um procedimento de caracterização dos elementos 
constitutivos do fenômeno estudado, que consistiu 
numa reescrita da Descrição I, com o cuidado de não 
se acrescentar nada ao relato, no sentido interpretativo. 
Foi chamado de Descrição II o segundo texto, 
elaborado a partir da seleção dos itens emergentes da 
Descrição I, referidos como unidades de significados, 
aglutinadas sob uma mesma referência. 
85 
! . 
Nos exemplos anteriores, os itens emergentes 
das releituras das entrevistas foram chamados de 
"explicitação de significados". Nesse estudo, foram 
denominadas "unidades de significado". Aqui, o 
processo de categorização apresenta semelhanças com 
os anteriores, mas também traz algumas diferenças: 
Relatos/Depoimentos Unidades de Significado Categoria 
Descrição I Descrição II 
"Se eu pudesse trabalhar meu dinheiro, • Imposição de regras por 
dava para meu cigarro, minha mistura. parte do marido (9) (10). 
Dava para comprar roupa, o que o A. T. 
- Ser ele o único provedor gan.ba não dá para a roupa." 
da família(8). 
Conta que passou em um teste para 
- Ser ela a responsável pelo trabalhar em um salão que atende 
negros, na cidade, mas o marido não cuidado das crianças (lO). 
deixou.9 Pergunto a razão e diz que ele - Mantê-la afastada tanto 
quer que ela tique com as crianças.! O de homens (por ciúmes) 
"Mas ele não se mexe para fazer como de mulheres (para 
nada".3 evitar "fofoca" (19 e 19). 
Diz que o marido prometera um jogo • Marido estabelece Relação 
de mesa e cadeiras, mas que era muito proibições (15) (19) (19), Marido/ 
mentiroso.4 "Ele é ignorante. Perto impedindo-a de trabalhar Mulher 
dos outros é uma coisa, mas comigo ou exercer qualquer 
é ignorante" .5 atividade remunerada (15). 
Pergunto se, em casa, ele não a deixaria - Proibindo-a de abrir um 
trabalhar, uma vez que ficaria com as salão ( 19) ( 19k). 
crianças. Responde minha pergunta • Critica marido: (13) (14) 
dizendo que o marido argumenta que se (15). 
"começar a ter muita mulherada junta, 
- Quanto a sua falta de começa muita fofoca9 e, depois, se 
iniciativa (19). eu abrir um salão, ia aparecer homem 
para fazer unha. Aí ele ia começar com - Quanto a ser mentiroso 
gracinha ... o tal do ciúme".9 (14). 
Diz que às vezes faz penteados, que - Quanto à sua 
sabe fazê-los muito bem: "Ontem "ignorância" (modo .. 
mesmo fiz três penteados e, com o desrespeitoso de tratá-la) 
dinheiro, fui à feira".7 (15). 
• Mulher burla regras (7): 
" Ontem mesmo fiz três 
penteados e, com o 
dinheiro, fui à feira" (7). 
Obs.: Os números das chamadas naDescrição I remetem para as unidades de significado 
da Descrição !I, de acordo com o texto original (Gomes Szymanski, 1987). 
86 
Esse exemplo refere-se ao trecho de uma 
entrevista, mas a categoria "Relação Marido/Mulher" 
emergiu do agrupamento de todas as referências a 
esse tema, que apareceram em todas as entrevistas e 
observações. 
Esse agrupamento de falas e observações por 
temas foi feito sucessivamente: primeiro, de cada 
entrevista da família, uma a uma; depois, de todas as 
entrevistas da mesma família e, finalmente, de todas 
as entrevistas da pesquisa. 
A intenção foi traduzir o texto original para 
uma linguagem psicológica, apontando seus elementos 
constitutivos e apresentando uma síntese de cada 
categoria. Do ponto de vista de uma análise descritiva, 
o trabalho poderia terminar aí, porém, foi incluída 
mais uma etapa no processo de análise, chamada de 
"interpretação". Foi a "busca do oculto no aparente" 
baseada em Ricoeur (1978). Foi, nesse momento, que 
se desvelou a dicotomia entre o vivido e o pensado, 
que constituiu a síntese do trabalho de análise. 
Ao socializarmos nossos questionamentos e 
nossa proposta de análise, lembramos que não tivemos 
a pretensão de definir um caminho rígido, mas sim de 
oferecer orientações quepps~am facilitar o trabalho do 
pesquisador iniciante, contemplando sua criatividade 
e originalidade. Nosso trabalho de pesquisadores nos 
tem mostrado a veracidade das palavras de Guimarães 
Rosa: "O real não está na saída nem na chegada, ele se 
dispõe para a gente é no meio da travessia". 
87 
ALMEIDA, L. R. O projeto noturno: incursões no vivido 
por educadores e alunos de escolas públicas paulistas 
que tentaram um jeito novo de caminhar. São Paulo, 
1992. Tese (Doutorado) - Pontifícia Universidade 
Católica de São Paulo. 
BARDIN, L. Análise de conteúdo. Tradução de L. A. Antero 
e A. Pinheiro. Lisboa: Edições 70, 1995. 
BLEICHER, J. Hermenêutica contemporânea. Tradução de 
M. G. Segurado. Lisboa: Edições 70, 1992. 
BRUNER, J. Atos de significação. Porto Alegre: Artes 
Médicas, 1997. 
GIORGI, A. et al. Phenomenology and psychological 
research. Pitsburg: University Press, 1985. 
GOMES SZYMANSKI, H. Um estudo sobre significado 
de Jamil ia. São Paulo, 1987. Tese (Doutorado) -
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. 
MARTINS, J.; BICUDO, M. A. V. A pesquisa 
qualitativa em psicologia. São Paulo: Educ, 1989. 
MINAYO, M. C. 5. O desafio do conhecimento: pesquisa 
qualitativa em saúde. São Paulo: Hucitec-Abrasco, 
1996. 
PRANDINI, R. C. A. Ensino de arte na escola: para quê? 
São Paulo, 2000. Dissertação (Mestrado)- Pontifícia 
Universidade Católica de São Paulo. 
REY, F. G. La investigación cualitativa en psicologia: 
rumos e desafíos. São Paulo: Educ, 1999. 
RICOEUR, P. O conflito das interpretações. Traduzido por 
M. Japiassu. Rio de Janeiro: Imago, 1978. 
88 
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CAPÍTULO 3 
A DIMENSÃO AFETIVA NA SITUAÇÃO 
DE ENTREVISTA DE PESQUISA 
EM EDUCAÇÃO 
Laurinda Ramalho de Almeida 
Heloisa Szymanski 
A situação de entrevista é um momento de 
encontro entre duas pessoas, com diferentes histórias, 
experiências, expectativas e com diferentes disposições 
afetivas. Se, por um lado, para quem pesquisa, a 
intenção clara é a de colher informações para sua 
investigação, para quem é entrevistado, as intenções 
subjacentes à sua participação podem variar e serem 
ou não explicitadas. 
Afetar e ser afetado é condição inerente às 
interações humanas, e a situação de entrevista não 
escapa dessa condição. Apresentaremos um depoimento, · 
à guisa de exemplo, de um jovem pesquisador, 
professor em exercício, que valoriza sobremaneira o ser 
professor. Utilizou-se da entrevista reflexiva para obter 
infmmações para seu estudo e, depois de entrevistar 
oito professores, assim se expressou: 
-Procurava sempre deixar os entrevistados à vontade. 
Dava uma questão desencadeadora. Fazia poucos 
comentários, para puxar de volta ou para entender 
89 
. ---- -, 
melhor. Deu certo, menos com uma. Uma ficou 
presa, travada. Tinha concordado em dar a entrevista 
estava à minha espera. Mas quando começou .. : 
Olhava para mim, não sei se com medo ou ... Falava 
e olhava, pedindo aprovação, parecendo querer saber 
se o que falava era certo ou errado. Tentei destravar. 
Não deu. Se fechou em concha. Comecei igual com 
todos. Permitia que cada um conduzisse a fala para o 
lado que mais o tocasse. [Com] essa não deu. Então 
comecei a me perder, não via a hora de acabar. Percebi 
que ela não se sentia bem e passei a me sentir muito 
mal. Quando fui ouvir a entrevista, me perguntei: 
"Como pude me conduzir assim, o que ela precisava 
esconder de mim? Então por que concordou com a 
entrevista?". Essa entrevista me deixou muito mal. 
Com as outras sete, senti satisfação ao terminar as 
entrevistas: "Consegui dados! Ouvi muito mais do que 
esperava! Nossa! Que bom!" Com um [participante] 
em particular, senti empolgação. Vibrei! Pensava 
enquanto o ouvia falar: "Não acredito! É isso que eu 
precisava e queria ouvir!" Os olhos dele brilhavam, e 
o brilho dos olhos dele passou para os meus, quando o 
participante- "um peão de indústria", falou do orgulho 
que sentira na primeira vez em que foi chamado 
de professor quando ouviu: "Entra aí professor" e 
se sentiu valorizado, importante como nunca tinha se 
sentido antes. 
Escolhemos esse depoimento, pois ele retrata 
bem o tom emocional que a entrevista provoca, tanto 
para o entrevistador corno para os entrevistados. 
Embora o entrevistador tenha usado suas estratégias 
para deixar o outro à vontade: Procurava sempre 
deixar os entrevistados à vontade ... Fazia poucos 
comentários, para puxar de volta ou para entender 
melhor, isto não aconteceu igualmente com todos: 
Deu certo, menos com uma. Uma .ficou presa, travada. 
90 
Ele supôs que a concordância em fazer a entrevista 
refletia urna intenção de colaborar e urna disposição 
comunicativa, o que poderia ser verdadeiro antes da 
realização da entrevista: Então por que concordou 
com a entrevista? ... Tinha concordado em dar 
a entrevista, estava à minha espera ... Podemos 
imaginar várias possibilidades, corno, ao se ver na 
situação de entrevista, frente a alguém desconhecido, 
possivelmente com conhecimentos e com autoridade 
para avaliar suas proposições, a entrevistada percebeu­
se numa situação de desigualdade e deixou de colaborar: 
Se fechou em concha. Essa foi, aliás, urna das hipóteses 
do entrevistador, que definiu o estado emocional da 
professora como o de procura de aceitação: Falava e 
olhava, pedindo aprovação, parecendo querer saber 
se o que falava era certo ou errado. Segundo essa 
interpretação, a situação torna-se avaliativa. 
Para o pesquisador, havia a suposição de 
que um tratamento igual traria as mesmas reações 
de disponibilidade para colaborar com a pesquisa e 
espontaneidade para trazer as experiências: Comecei 
igual com todos. Permitia que cada um conduzisse a 
fala para o lado que mais o tocasse. Essa suposição 
está associada a uma concepção de pesquisa na qual 
a padronização ocupa lugar de destaque. Na situação 
de trocas interpessoais, entretanto, essa padronização 
é impossível, dada a singularidade dos participantes. 
Trocas interpessoais são embates intersubjetivos, e a 
situação de entrevista não foge dessa condição: [Com] 
essa não deu. 
Nessas trocas, a emoção circula, e o entrevistador 
relata que o fechar-se em concha levou-o a perder-se: 
Então comecei a me perder, não via a hora de acabar. 
Percebi que ela não se sentia bem e passei a me 
91 
sentir muito mal. Esse mal-estar se repetiu quando 
o entrevistador ouviu a entrevista gravada e avaliou 
seu desempenho: Como pude me conduzir assim? 
E continua sua perplexidade diante da reação da 
entrevistada. Levanta uma nova hipótese: O que 
ela precisava esconder de mim? Nesse momento, 
o entrevistador se depara com a complexidade da 
entrevista e do quanto a entrevista está atravessada 
pela dimensão afetiva: as pessoas podemter medo, 
podem querer aprovação, podem estar inseguras e, 
até mesmo, querer esconder coisas do entrevistador. 
Este, igualmente, é afetado pelos sentimentos do outro, 
interpretados por ele conforme sua própria história de 
vida, expectativas, valores e situações momentâneas. 
Suas interpretações se refletirão no seu estado 
emocional: Essa entrevista me deixou muito mal. 
Comparando essa entrevista com as demais, o 
pesquisador expressa sua satisfação por ter atingido 
seu objetivo: Consegui dados! Ouvi muito mais do 
que esperava! Nossa! Que bom! O êxito da entrevista 
- obter dados -provocou um estado de ânimo de 
satisfação, por ter atingido seus objetivos; portanto, 
ter tido um desempenho adequado como entrevistador. 
Ele não reconheceu o mal-estar da professora como 
fazendo parte dos dados de sua pesquisa. Talvez 
mudasse sua disposição diante da entrevista que lhe 
causou mal-estar se, no momento, a reconhecesse como 
tão informativa quanto as outras. Como todos nós 
partilhamos da mesma condição humana, é inevitável 
ser afetado pelo outro e construir interpretações sobre 
o outro, sobre si mesmo e sobre o ocorrido. 
Em contrapartida, a outra entrevista destacada 
revela um estado de euforia no pesquisador: Com 
um [participante] em particular, senti empolgação. 
92 
Vibrei! Pensava enquanto o ouvia falar: Não acredito! 
É isso que eu precisava e queria ouvir! Os olhos dele 
brilhavam, e o brilho dos olhos dele passou para os 
meus, quando o participante- "um peão de indústria", 
falou do orgulho que sentira na primeira vez em que 
foi chamado de professor quando ouviu: "Entra aí, 
professor" e se sentiu valorizado, importante, como 
nunca tinha se sentido antes. Esse trecho expõe a 
intensidade das emoções que perpassam a situação 
de entrevista, de parte a parte - aqui, focalizamos o 
entrevistador. Podemos supor que o mesmo ocorra com 
o entrevistado, que poderá expressá-las ou não, mas 
que certamente existem. 
No caso do entrevistador, também professor, 
o depoimento veio ao encontro de expectativas em 
relação às exigências de uma pesquisa acadêmica: 
Consegui dados, mas também de sentimentos e valores 
em relação à profissão de professor: É isso que eu 
precisava e queria ouvir!. 
A continuidade de seu depoimento revela 
novamente o quanto as emoções circulam na situação 
de entrevista, de forma contagiosa e, nesse caso, 
agradável, diferentemente do outro momento em que 
o contágio foi no modo do mal-estar: Os olhos dele 
brilhavam, e o brilho dos olhos dele passou para 
os meus. 
Comparando-se o fechar-se em concha com 
o brilho dos olhos, o primeiro reflete uma reação 
interpretada pelo entrevistador como de fechamento do 
entrevistado, o que acarretou um retraimento por parte 
do pesquisador. O brilho dos olhos foi visto como uma 
atitude de abertura para o entrevistador, o que o levou 
a afirmar: Era tudo o que eu precisava e queria ouvir. 
A primeira situação provocou questionamentos do 
93 
pesquisador sobre sua atuação, e a segunda não trouxe 
comentários ao seu depoimento. No primeiro caso, 
indagou-se: O que ela precisava esconder de mim?, o 
que é uma boa pergunta, que leva a um aperfeiçoamento 
como pesquisador. O prazer experimentado na segunda 
situação trouxe partilha do sentimento do outro, e 
a informação recebida foi considerada "um dado", 
ao contrário do que ocorreu na primeira: com essa 
não deu. 
Um outro depoimento ilustra como o impacto 
da fala dos entrevistados, conforme interpretado pela 
entrevistadora, pode provocar até mesmo mudança 
no rumo da pesquisa. Nesse caso, a investigação tinha 
como objetivo estudar a indisciplina em classes de 
sa. série do ensino fundamental. Ao contatar professoras 
de Português e Matemática, faz o seguinte comentário: 
O problema [de indisciplina] é delas, não é meu. 
Movimento não me atrapalha. Sou professora de 
educação fisica. Em vista disso, esse problema deixou de 
fazer sentido para ela e outras questões se puseram como 
mais relevantes. Não houve, por parte da pesquisadora, 
um envolvimento emocional que a mobilizasse a entrar 
na perspectiva das outras professoras, pois eventuais 
sentimentos expressos pelas professoras de sa série em 
relação à indisciplina dos alunos não a tocaram. Diante 
disso, desinteressou-se pela questão proposta por ela 
mesma, antes de iniciar a investigação. 
Esses depoimentos nos levaram a propor 
considerações sobre alguns cuidados que podem 
ser tomados por pesquisadores iniciantes. De quais 
cuidados estamos falando? Estes se referem ao foco 
da pesquisa, aos sentimentos, preconceitos, valores 
e expectativas, que podem ser fontes de vieses, ao 
contexto e clima da entrevista. 
94 
-r 
3.1 Priorizar o foco da pesquisa 
A entrevista é um instrumento utilizado para 
atingir os objetivos da pesquisa. Se estes pedem uma 
entrevista semiestruturada, não se pode perder de 
vista o foco do estudo e o tipo de informação de que 
se necessita. O momento da pesquisa e a situação 
de escuta atenta podem levar o entrevistado a fazer . 
digressões e a mudar de assunto, importantes para ele, 
mas que se afastam dos objetivos da pesquisa. No caso 
de uma entrevista aberta, essa questão não se coloca e é 
até desejável que ocorram digressões. Isso não significa 
desconsiderar as informações que vieram pelos 
diferentes caminhos tomados pelo entrevistado. No 
momento da análise, esses dados podem enriquecer a 
pesquisa e aprofundar a compreensão do problema. Não 
se deve, entretanto, esquecer a pergunta que a pesquisa 
pretende responder. No momento da entrevista, é o 
puxar de volta, como disse o entrevistador de nosso 
exemplo, o que não é tarefa fácil em alguns casos. 
Algumas vezes, entretanto, a situação de 
entrevista enseja um momento de comunicação que 
não acontece com frequência na vida do entrevistado, 
que se sente muito gratificado por ter um ouvinte 
atento e respeitoso. Pode ser o caso de pessoas que 
necessitam circunstanciar os fatos que dão sentido à sua 
resposta. A paciência e a compreensão do pesquisador 
são fundamentais nesses casos. Vejamos o seguinte 
exemplo: numa pesquisa sobre o ensino noturno, à 
pergunta "Como é ser uma aluna do noturno?" obteve­
se a seguinte resposta: 
- Acordo às cinco da manhã; faço almoço para meu 
marido, arrumo as duas crianças, deixo o pequeno na 
creche, deixo a mais velha com a avó, para ir mais 
95 
tarde para a escola e vou para o trabalho ... [continua 
a descrição detalhada de sua rotina diária]. .. Chego 
na escola, sempre atrasada, mas a diretora dá uma 
tolerância de 1 O minutos. Estou cansada, mas não 
durmo, como outros colegas, porque quero aprender. 
Contar sua rotina detalhadamente não foi 
propriamente uma digressão, mas foi o caminho que 
a entrevistada encontrou para situar o lugar do curso 
noturno em sua vida, considerando seu corpo cansado, 
as múltiplas solicitações de sua vida e sua relação com 
o saber. O curso não está separado de sua vida, e ela 
fez questão de pontuar o tamanho do seu investimento 
pessoal no curso noturno e o orgulho de sua realização. 
Seria inconcebível impedi-la de expressar seus 
sentimentos, pois estes eram fundamentais para a 
resposta à questão. 
3.2 Estar atento aos próprios sentimentos, 
preconceitos e valores 
O pesquisador deve estar atento no que diz 
respeito aos próprios sentimentos, preconceitos, 
valores e expectativas, que podem ser fontes de vieses. 
Isso pode ser feito se houver a preocupação de refletir 
antes da entrevista sobre o que ele pensa e sente em 
relação ao tema da pesquisa e aos participantes. Esse 
exercício pode ser extremamente útil na descoberta 
de ideias preconcebidas, das quais não se apercebeu. 
O pesquisador pode ter ideias e sentimentos cristalizados 
com os quais não teve muitos contatos. Por exemplo, 
se ela ou ele forem da classe média, podem ter 
ideias preconcebidas sobre os saberes, sentimentos 
e expectativas de crianças e professores da periferia 
96 
pobre, e isso pode influenciar o curso da entrevista, nas 
atitudes,no vocabulário ou nas intervenções. Por outro 
lado, abrir-se para a experiência do outro se constitui 
um momento de aprendizagem e de aprofundamento 
da compreensão do próprio problema de pesquisa. 
Considerações pessoais corno urna reserva 
excessiva por parte do pesquisador ou timidez podem 
se constituir em entraves que devem ser levados em 
conta, pois podem criar urna barreira diante do outro. 
e informações importantes deixam de ser dadas. 
3.3 Considerar o contexto do entrevistado 
O contexto diz respeito ao ambiente físico 
e social da entrevista, e urna atenção especial deve 
ser dada quanto à garantia de privacidade para 
que o entrevistado se sinta à vontade para trazer 
informações pessoais. Muitas vezes um ambiente 
considerado restrito não o é, corno casas de madeira 
muito próximas, salas de diretoria de escola, onde a 
todo momento entram pessoas, o que pode resultar em 
interrupções da entrevista ou intromissões no diálogo 
entrevistador -entrevistado. 
O pesquisador não pode ir para a entrevista 
sem conhecimento mínimo do ambiente sociocultural 
e institucional do entrevistado. O ambiente social 
envolve relações interpessoais no local da entrevista, 
decorrentes de hierarquias, exigências burocráticas, 
situação funcional e momentânea da pessoa entrevistada. 
Por exemplo, um funcionário que esteja suspeitando ser 
demitido está em um estado emocional que interfere na 
situação de entrevista. Não podemos nos esquecer que 
o contexto envolve o próprio entrevistador, o que fica 
97 
evidente no caso da pesquisadora que, ao se deparar 
com as atitudes das professoras sobre a indisciplina de 
seus alunos, desistiu de falar com elas, pois discordava 
de suas ideias. 
Faz parte da consideração do contexto social a 
linguagem que se utiliza para a comunicação durante 
a entrevista, no sentido de se respeitar o vocabulário 
dos entrevistados, com o sentido regional das palavras 
utilizadas. 
3.4 Estar atento ao clima da entrevista 
Por clima entende-se a constituição de um 
espaço o mais livre possível de ameaças, no qual o 
entrevistado possa sentir-se acolhido e valorizado. 
O entrevistador deve ter a sensibilidade para perceber 
quando pode ou não insistir em uma pergunta ou 
observação. Pode-se citar o exemplo de um entrevistado 
que, ao ouvir a "expressão da compreensão" do 
entrevistador, respondeu impaciente Mas não foi isso 
mesmo que eu disse?, entendendo a observação como 
uma interrupção do seu fluxo de pensamento, ou uma 
avaliação sobre seu discurso. Para isso, precisa-se 
captar a contribuição do entrevistado, acompanhando 
seus argumentos e afetos, ser sensível aos seus entraves 
e às próprias expressões de agrado ou desagrado 
durante a entrevista. 
O sentido desses cuidados é o de manter uma 
relação respeitosa, não avaliativa e reflexiva entre 
os interlocutores, que é diametralmente oposta à 
experiência que muitos de nós tivemos ao longo de uma 
educação autoritária, cujo centro estava em um detentor 
do saber, sendo o outro uma figura passiva. Estar atento 
ao contexto do entrevistado, ao clima da entrevista, aos 
próprios sentimentos, preconceitos e valores possibilita 
a participação de ambos os interlocutores e pode dar 
um movimento formativo à entrevista. 
Vejamos o seguinte depoimento: 
- Engraçado. Nunca havia pensado nessa questão 
em meu trabalho de coordenação. Mas, ao realizar 
esta entrevista, lembrei-me de muitos momentos 
significativos. A primeira vez que me dei conta, de 
verdade, de como se deu meu processo de formação 
como professora e coordenadora foi nesta entrevista. 
A entrevista levou a entrevistada a uma revisão 
de sua atuação profissional, a uma reflexão sobre sua 
trajetória de vida, passando a ser também um processo 
formativo. 
Não se deve esquecer que o caráter formativo 
da entrevista estende-se também ao pesquisador. 
3.5 À guisa de conclusão 
Essas reflexões procuraram ressaltar a dimensão 
afetiva nos encontros entrevistador-entrevistado e, 
como essa dimensão engloba também os valores, pode­
se ressaltar o caráter ético que deve permear qualquer 
pesquisa realizada com seres humanos e balizar as 
decisões sobre o encaminhamento das intervenções 
ao longo da entrevista. Assim, em caso de dúvida 
sobre qual questionamento dirigir ao entrevistado, o 
escolhido deverá ser o eticamente desejável, colocando­
se no lugar do outro: "Se eu estivesse na situação do 
entrevistado, quais seriam meus s·entimentos? Como 
99 
me sentiria mais confortável?" O lugar do conforto 
para o outro, com certeza, encontrará reciprocidade no 
entrevistador, como o demonstrou o jovem pesquisador 
em nosso exemplo inicial. 
100 
SOBRE AS AUTORAS 
Heloisa Szymanski- Professora do Programa 
de Estudos Pós-Graduados em Educação: Psicologia da 
Educação, da Pontifícia Universidade Católica de São 
Paulo (PUC-SP), e coordenadora do Grupo de Pesquisa 
em Práticas Educativas e Atenção Psicoeducacional na 
Escola, Comunidade e Família. 
E-mail: pedpos@pucsp.br 
Laurinda Ramalho de Almeida- Professora do 
Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação: 
Psicologia da Educação, da Pontifícia Universidade 
Católica de São Paulo (PUC-SP), e líder do grupo de 
pesquisa Bases da Psicologia para a Educação. 
E-mail: pedpos@pucsp.br 
Regina Célia Almeida Rego Prandini -
Professora da Pontifícia Universidade Católica de 
São Paulo (PUC-SP), e membro do grupo Bases da 
Psicologia para a Educação. 
E-mail: pedpos@pucsp.br 
101 
~-----"-------,-------~----~~ ----- --- ~---
---~---~~-
J 
'~ Livro Verde 
Pequenas atitudes, grandes mudanças. 
Este livro que está em suas mãos é considerado um livro "verde". 
Seu processo de produção foi pensado com base em medidas que apeiam e 
sustentam a preservação do ambiente, com o mínimo de impacto possfvel. 
Suas páginas foram impressas com tinta à base de soja, em matéria-prima 
reciclável e de origem certificada. Todo resíduo foi controlado, e apenas o essencial 
foi corretamente descartado, conforme as mais exigentes práticas ambientais. 
Toda cadeia de fornecimento foi reavaliada e qualificada, desde o transportador 
até o fornecedor de soluções em reciclagem, 
o que garante uma produção limpa, segura e sustentável. 
A Viena também já adotou, voluntariamente, materiais auxiliares que são obrigatórios 
nas indústrias europeias, como, por exemplo, a redução no uso de álcool isopropílico, 
composto volátil que causa grandes prejurzos à natureza e 
é considerado perigoso no ambiente de trabalho. 
\ Por isso a Viena se orgulha em dizer que vem plantando ações concretas para construir 
'). um futuro melhor, trabalhando e fazendo sua parte para obter mais uma certificação- a ISO 14001, 
que revela uma empresa 100% preocupada com sua responsabilidade junto à sociedade, 
seus valores éticos e ambientais. 
· viena j gráfica 
Av. Dr. Pedro Camarinha, 31 T: (14) 3332.1155 
Sta. Cruz do Rio Pardo-SP www.viena.ind.br 
Empresa Associada 
1 
\ 
\ 
\de conflitos 
e contradições", considerando os "critérios de 
rep~esentatividade" da fala e a questão da interação 
soc1al que está em jogo na interação pesquisador/ 
pesquisado (Minayo, 1996, p. 109). Para Rey (1999 
p. 57 e 60), a investigação nas ciências humanas trat~ 
de um "sujeito interativo, motivado e intencional. 
A investigação sobre esse sujeito não pode ignorar essas 
características gerais.[ ... ] Os próprios instrumentos de 
investigação adquirem um sentido interativo". 
A? considerarmos o caráter de interação social 
da entrev1sta, passamos a vê-la submetida às condições 
comuns de toda interação face a face, na qual a natureza 
das relações entre entrevistador/entrevistado influencia 
tanto o seu curso como o tipo de informação que 
apare.ce. Como experiência humana, dá-se no "espaço 
relacwnal do conversar", que, segundo Maturana 
(1993.' p. :/' é "o entrelaçamento do linguajar e do 
~moc1?n~r . Es~e autor define o linguajar como um 
coex1st1r em mterações recorrentes" durante as 
quais os interlocutores coordenam su; conduta de 
forma consensual. Esse processo recorrente reflexivo 
não. ~ode acontecer separadamente das' emoções: 
deflmdas por Maturana como domínio de ações, 
classes de condutas. O linguajar poderá se modificar 
no decorrer do processo relaciona!, em face das 
mudanças no suporte emocional em que ocorre. No 
conversar, portanto, temos um contínuo ajuste de ações 
e emoções. Maturana (1993, p. 10) vai mais longe e 
afirma que é a emoção que define a ação: "a existência 
na linguagem faz com que qualquer atividade humana 
11 
tenha lugar numa rede particular de conversações, que 
se define em sua particularidade pelo emocionar que 
define as ações que nela se coordenam". 
Esse autor foi lembrado para enfatizar o 
caráter de entrelaçamento das emoções em todas 
as atividades relacionais humanas. Não se poderia 
esquecer dessa condição na situação de entrevista. 
Nessa perspectiva, serão focalizadas algumas questões 
como as condições psicossociais presentes numa 
situação de interação face a face, a relação de poder 
e desigualdade entre entrevistador e entrevistado, a 
construção do significado na narrativa e a presença 
de uma intencionalidade por parte tanto de quem é 
entrevistado como de quem entrevista, no jogo de 
emoções e sentimentos que permanecem como pano 
de fundo durante todo o processo. 
Partimos da constatação de que a entrevista face 
a face é fundamentalmente uma situação de interação 
humana, em que estão em jogo as percepções do 
outro e de si, expectativas, sentimentos, preconceitos 
e interpretações para os protagonistas: entrevistador 
e entrevistado. Quem entrevista tem informações e 
procura outras, assim como aquele que é entrevistado 
também processa um conjunto de conhecimentos e 
pré-conceitos sobre o entrevistador, organizando suas 
respostas para aquela situação. A intencionalidade do 
pesquisador vai além da mera busca de informações; 
pretende criar uma situação de confiabilidade para que 
o entrevistado se abra. Deseja instaurar credibilidade 
e quer que o interlocutor colabore, trazendo dados· 
relevantes para seu trabalho. A concordância do 
entrevistado em colaborar na pesquisa já denota sua 
intencionalidade - pelo menos a de ser ouvido e 
12 
considerado verdadeiro no que diz-, o que caracteriza 
o caráter ativo de sua participação, levando-se em 
conta que também ele desenvolve atitudes de modo a 
influenciar o entrevistador. 
Essas situações ocorrem em um encontro 
provocado por um dos atores sociais - o pesquisador. 
E ele quem elege a questão de estudo, como algo 
de importância, na maior parte das vezes escolhe 
quem entrevistar e dirige a situação de entrevista. 
O ent~evistado, ao aceitar o convite para participar da 
pesqmsa, está aceitando os interesses de quem está 
fazendo a pesquisa, ao mesmo tempo que descobre 
ser dono de um conhecimento importante para o outro. 
A questão desigualdade de poder e participação de 
quem é entrevistado no processo também foi alvo de 
preocupação por parte de muitos pesquisadores que 
apresentaram alternativas para modos convencionais 
de utilização de entrevista (Banister et al., 1994; 
Chambers, 1994; Lahire, 1997). 
Uma forma de refletir sobre a questão da 
desigualdade de poder na situação de entrevista é 
aceitar o pressuposto de que todo saber vale um saber 
(Freire, 1992; Héber-Suffrin, 1992) e a proposta de, 
pelo diálogo, buscar uma condição de horizontalidade 
ou igualdade de poder na relação. Trata-se de respeito 
e não de aderência, como lembra Freire (1992, p. 86), 
pelos "saberes da experiência", resultado de uma 
compreensão de mundo. 
Trata-se também da consideração de estratégias 
de ocultamento que entram em ação quando o 
entrevistado esconde informações que supostamente 
acha que podem ser ameaçadoras ou desqualificadoras 
para si ou para seu grupo, ou ao contrário, inclui 
13 
informações que, do seu ponto de vista, podem 
trazer uma visão mais favorável a eles. Não podemos 
deixar de considerar o entrevistado como tendo um 
conhecimento do seu próprio mundo, do mundo do 
entrevistador e das relações entre eles. Ao mesmo 
tempo em que há a representatividade da fala (Minayo, 
1996), há os ocultamentos e as distorções inevitáveis. 
Por outro lado, a entrevista também se toma um 
momento de organização de ideias e de construção de 
um discurso para um interlocutor, o que já caracteriza 
0 caráter de recorte da experiência e reafirma a 
situação de interação como geradora de um discurso 
particularizado. Esse processo interativo complexo 
tem um caráter reflexivo, num intercâmbio contínuo 
entre os significados e o sistema de crenças e valores, 
perpassados pelas emoções e sentimentos dos 
protagonistas. 
Conforme a interação que se estabelece entre 
entrevistador e entrevistado, tem-se um conhecimento 
organizado de forma específica; percebe-se, a partir d~í, 
a participação de ambos no resultado final., Holst~m 
e Gubrium (1995, p. 4) se referem ao carater ativo 
de todos os que participam da entrevista e enfatizam 
que "o processo de produção de signific~d~ é tão 
importante para a pesquisa social quanto o s1gmficado 
que está sendo produzido". _ 
Essas ideias estão de acordo com a concepçao 
de que o significado é construído na interação. ~á algo 
que 0 entrevistador está querendo co~ecer, ut1~1zando 
um tipo de interação com quem e en~r~v~sta~do, 
possuidor de um conhecimento, mas que Ira dispo-lo 
de forma única, naquele momento, para aquele 
interlocutor. Muitas vezes, esse conhecimento nunca 
14 
foi exposto numa narrativa, nunca foi tematizado. 
O movimento reflexivo que a narração exige acaba 
por colocar o entrevistado diante de um pensamento 
organizado de uma forma inédita até para ele mesmo. 
Foi na consideração da entrevista como um 
encontro interpessoalno qual é incluída a subjetividade 
dos protagonistas, podendo se constituir um momento 
de construção de um novo conhecimento, nos limites 
da representatividade da fala e na busca de uma 
horizontalidade nas relações de poder, que se delineou 
esta proposta de entrevista, a qual chamamos de 
reflexiva, tanto porque leva em conta a recorrência 
de significados durante qualquer ato comunicativo 
quanto pela busca de horizontalidade. 
A reflexividade, como veremos adiante, é a 
ferramenta que poderá auxiliar na construção de uma 
condição de horizontalidade e contornar algumas 
dificuldades citadas, inerentes a uma situação de 
encontro face a face, em especial quando os mundos 
do entrevistador e entrevistado forem muito diferentes 
social e culturalmente. A proposta de uma ação 
reflexiva determinou o formato desse tipo de entrevista 
em dois grandes momentos e sua condução, como será 
apresentado nos itens seguintes. 
Reflexividade tem aqui também o sentido 
de refletir sobre fala de quem foi entrevistado, 
expressando a compreensão dela pelo entrevistador 
e submeter tal compreensão ao próprio entrevistado, 
o que é uma forma de aprimorar a fidedignidade, ou, 
como lembraMielzinski (1998, p. 132), "assegurar­
nos que as respostas obtidas sejam 'verdadeiras'- isto 
é, não influenciadas pelas condições de aplicação e 
conteúdo do instrumento". Ao deparar-se com sua 
15 
fala, na fala do pesquisador, há a possibilidade de 
outro movimento reflexivo: o entrevistado pode voltar 
à questão discutida e articulá-la de outra maneira em 
nova narrativa, a partir da narrativa do pesquisador. 
Essa "volta" ao entrevistado, garantindo-lhe o 
direito de ouvir e, talvez, de discordar ou modificar 
suas proposições durante a entrevista, assim como 
os cuidados a ele dispensados, cumprem também um 
compromisso ético presente em qualquer situação em 
que se utilize a entrevista, desde a pesquisa em ciências 
sociais até o jornalismo (Cripa, 1998). 
1.2 Os protagonistas: entrevistador/entrevistado 
O entrevistador tem expectativas em relação 
ao interlocutor: espera que seja alguém disposto a 
dar as informações desejadas, que entenderá sua 
linguagem e suas solicitações. Pode ter a expectativa 
de deparar-se com um recipiente de informações que 
poderão ser "extraídas" como se extrai uma amostra de 
sangue com uma seringa. Pode, ingenuamente, esperar 
que o entrevistado discorra sobre sua experiência, 
expondo-se sem ocultamentos. Pode também esperar 
um parceiro no processo de construção de um 
conhecimento. Supõem-se diferentes modos de agir e 
diferentes sentimentos conforme as expectativas - até 
mesmo o planejamento da própria entrevista. 
Para o entrevistado, a situação também pode ser 
interpretada de inúmeras maneiras: uma oportunidade 
para falar e ser ouvido, uma avaliação, uma deferência 
a sua pessoa, uma ameaça, um aborrecimento, uma 
invasão. A sua interpretação define um sentido, uma 
16 
direção, que se manifesta diferentemente conforme 
a situação é percebida por ele. Esse sentido pode 
ser o de provocar uma determinada emoção no 
entrevistador (piedade, admiração, respeito, medo, 
solidariedade, etc.). Pode ser o de agradar, por julgá-lo 
importante, ou ainda, o de deixar claro seu desagrado 
com o que considera invasão ou imposição. Tantos 
sentidos quantas interpretações, que definem o rumo 
da entrevista e ·a seleção das informações que são 
lembradas, esquecidas, ocultas ou inventadas. 
Pode-se, assim, notar uma organização do modo 
de agir- nos domínios de ação, como diria Maturana 
(1993) ao referir-se a emoções-, no sentido de assumir 
ou evitar comportamentos verbais e não verbais, 
em especial quando se sente a própria integridade 
ameaçada. 
Essa organização do processo de interação 
inclui a emergência de significados não só referentes ao 
conteúdo da fala, mas também à situação de entrevista 
como um todo, à relação interpessoal que se instalou, 
à história de vida do entrevistado e a seu ambiente 
sociocultural. Esses níveis de significados interagem 
também reflexivamente, como, por exemplo, a história 
de vida com a situação interpessoal na entrevista, como 
em casos nos quais a interação é interpretada 
como apoio afetivo, fazendo lembrar, ou trazendo à 
tona, fatos específicos da história de vida. Uma outra 
situação de interação, combinando diferentes níveis 
de significados, pode ser o do conteúdo da fala do 
entrevistador na situação da entrevista, em casos nos 
quais o que ele diz pode ser percebido como uma 
invasão da privacidade; nesse caso, a situação de 
entrevista pode transformar-se numa ameaça. 
17 
I I 
I' 
O que é considerado intervenção, além da 
influência mútua, é o resultado de um processo de 
tomada de consciência desencadeado pela atuação do 
entrevistador, no sentido de explicitar sua compreensão 
do discurso do entrevistado, de tomar presente e dar 
voz às ideias que foram expressas por ele. 
Essa intervenção pode ser mais profunda ou 
superficial, atingir áreas mais ou menos expostas 
ou secretas de sua experiência, mais ou menos 
estruturadas em discurso. A entrevista também se 
refere, frequentemente, a aspectos importantes da 
vida do entrevistado, especialmente nas pesquisas 
que se utilizam da sua história de vida, e pode ainda 
constituir um momento de "exame de consciência" ou 
"balanço geral", dependendo do grau de envolvimento 
que o entrevistado apresente. Os relatos dos 
pesquisadores sobre o envolvimento emocional de 
entrevistados são frequentes; cabe até o inesperado, 
quando uma "inocente" questão provoca uma 
reação emocional imprevista e transformação do 
comportamento comunicativo, desencadeada por 
mudanças de significados nos diferentes âmbitos de 
comunicação, ou seja, do conteúdo específico, da 
situação interpessoal, do discurso como um todo, do 
social ou do cultural. 
Conforme o grau de envolvimento do 
entrevistado, às vezes a simples escuta, atenta e · 
respeitosa, é interpretada como "ajuda", ainda mais 
se ocorrer desenvolvimento de consciência do 
entrevistado a respeito de um tema importante na 
sua experiência. Obviamente, porém, esse não é um 
dos objetivos da entrevista científica, embora não 
possamos ficar alheios a essa possibilidade. Caso haja 
18 
tal efeito, o entrevistado deve ser informado que esse 
não era o objetivo do encontro. 
Essa complexidade não inviabiliza a entrevista 
como uma fonte de informações, mas deve ser 
reconhecida, pois podemos criar condições para a 
obtenção de dados mais fidedignos, e é tendo em mente 
os dif~rentes significados e sentidos emergentes em 
uma situação de entrevista, tanto para o entrevistado 
como para o entrevistador, que poderemos caminhar 
para uma compreensão daquilo que está se revelando 
na situação de entrevista. 
1.3 Desenvolvimento da entrevista 
. Como procedimento de pesquisa, pode-se 
considerar uma entrevista semidirigida, realizada no 
mínimo em dois encontros, individuais ou coletivos. 
Não há um roteiro fechado - ele pode ser visto como 
aberto no sentido de basear-se na fala do entrevistado 
como veremos adiante; mas os objetivos da entrevist~ 
devem estar claros, assim como a informação que se 
prete~de obter, a fim de se buscar uma compreensão do 
matenal que está sendo colhido e direcioná-la melhor. 
Conco.rdamos com Banister et al. (1994, p. 50) 
quando consideram que a entrevista aberta muitas 
vezes mascara pressupostos, agendas e expectativas. 
Por.esse mot~vo é importante ter claros os objetivos­
qums conhecimentos efetivamente ela estará trazendo 
e em que contribuirá para responder ao problema a ser 
pesquisado. Por outro lado, a entrevista estruturada 
P?de tender a aproximar-se mais de questionários, 
dificultando a investigação de significados subjetivos 
19 
e de temas muito complexos para a investigação 
quantitativa. 
Serão apresentados a seguir os vários momentos 
da entrevista: o contato inicial e a condução da 
entrevista propriamente qita, que pode incluir 
atividades de aquecimento (especialmente no caso 
de entrevistas coletivas), seguidas da apresentação 
da questão geradora, planejada com antecedência, e 
das expressões de compreensão do pesquisador, das 
sínteses, das questões de esclarecimento, focalizadoras, 
de aprofundamento e, finalmente, a devolução. 
1.3 .1 Contato inicial 
Nesse primeiro momento, o entrevistador se 
apresentará ao entrevistado, fornecendo-lhe dados 
sobre sua própria pessoa, sua instituição de origem e 
qual o tema de sua pesquisa. Deverá ser solicitada sua 
permissão para a gravação da entrevista e assegurado 
seu direito não só ao anonimato, acesso às gravações 
e análises, como ainda ser aberta a possibilidade de 
ele também fazer as perguntas que desejar. Sem se 
referir especificamente à entrevista, Rey (1999, p. 63) 
nos informa que costuma trabalhar esclarecendo 
o sujeito da melhor forma possível no primeiro 
contato, solicitando-lhe sua participação voluntária e 
cooperação. Começa "com intercâmbios infonnais e 
relaxados que favoreçam a disposição dos participantes 
em trazer suas próprias reflexões e problemas, que 
seriam utilizados para estimular construções cada vez 
mais profundas dos sujeitos estudados". 
20 
Seria desejável queparte do primeiro encontro 
fosse tomada pela apresentação mútua, e que se 
buscasse esclarecer a finalidade da pesquisa, abrir um 
espaço para perguntas e dúvidas, estabelecendo uma 
relação cordial. 
Vejamos, a seguir, um exemplo de contato 
inicial, num trabalho que visava ao estudo da percepção 
dos livros didáticos por parte das professoras, 
em especial, sua sensibilidade para a questão da 
discriminação de gênero: 
S.ou [nome da pesquisadora] e estou fazendo esta 
pesquisa, que é parte do meu curso de mestrado, 
na Universidade X. Gostaria de saber como o livro 
didático é visto pelas professoras nesta escola, como 
ele é escolhido, o que vocês consideram importante 
ser tratado nele e como o utilizam. O objetivo dessa 
pesquisa é desenvolver posteriormente um trabalho de 
orientação às professoras na sua escolha e utilização. 
Seu depoimento é muito importante para nós, pois ao 
·longo de sua experiência vocês devem ter descoberto 
muitas coisas. Para obtennos essas informações, é 
preciso conversar, e eu gostaria de saber se poderiam 
dispor de um tempo para isso, sem prejudicar seu 
trabalho ou seu descanso. Tenho a autorização da 
direção da escola para nos reunirmos e gostaria que 
sua participação fosse voluntária, mas não há problema 
algum se vocês não puderem participar. Como 
considero muito importante tudo o que for dito na nossa 
conversa, gostaria de gravá-la, com sua permissão, 
mas já adianto que só eu e minha orientadora teremos 
acesso ao que for dito e, no meu trabalho final usarei 
nomes fictícios, sem identificações dos participantes, 
e apenas trechos de nossa conversa. Além disso, vocês 
serão as primeiras a ouvirem a fita e lerem a transcrição 
e, se desejarem, poderão retirar dela o que acharem 
21 
necessário. Terão acesso, sempre que desejarem, a 
todos os dados referentes aos seus depoimentos e, 
também, ao trabalho final. Sintam-se à vontade para 
trazerem qualquer dúvida (Sparti, 1995, p. 47). 
É certo que esse discurso não precisa ser 
apresentado num bloco só. Pausas podem ser feitas, 
abrindo espaço para perguntas, considerando o 
aspecto não verbal do encontro pessoal, expresso 
nas expressões faciais. Pode-se notar que foram 
tomados alguns cuidados no sentido de oferecer às 
participantes um mínimo de segurança em relação 
à pesquisadora, tais como obter consentimento da 
direção e, eventualmente, de outras profissionais 
diretamente ligadas àquelas, para realizar a pesquisa 
na escola (o que pode, às vezes, ser uma faca de dois 
gumes, pois isso pode despertar desconfianças, caso 
não haja um bom relacionamento entre a diretoria e 
as docentes), dar-lhes liberdade para não participarem 
da pesquisa, protegê-las por meio do sigilo quanto 
aos depoimentos, possibilitar-lhes acesso aos dados e 
análises. Também foi lembrada a importância atribuída 
às informações e à experiência docente. 
Acreditamos que o procedimento de tornar 
disponíveis as análises tenha algum efeito na forma 
como o pesquisador as apresenta, pois deverão ser 
fiéis à sua compreensão, objetivas, claras, passíveis 
de serem apresentadas ao participante que colaborou, 
com suas informações, para a compreensão do tema 
da pesquisa. 
É importante, no contato inicial, assegurar-se da 
compreensão das pessoas acerca dos objetivos de um 
trabalho de pesquisa. Assim, temos o seguinte exemplo 
22 
de um contato inicial de uma equipe de pesquisa com 
um grupo de pais de um bairro da periferia pobre de São 
Paulo, num estudo sobre práticas educativas familiares, 
que tem como objetivos amplos: 
- identificar práticas educativas familiares; 
- compreender princípios subjacentes às 
práticas; 
compreender a questão da identidade 
associada às práticas dialógicas; 
como se dá a compreensão das práticas 
dialógicas; 
acompanhar o processo de implantação de 
práticas dialógicas nas famílias. 
Antes de tudo, gostaríamos de agradecer a vocês por 
terem aceitado nosso convite para participar desta 
pesquisa. Sou (nome da pesquisadora), psicóloga 
e professora da PUC-SP, e os demais membros da 
equipe são alunos e profissionais em psicologia 
e educação, fazendo suas pesquisas de Iniciação 
Científica, Mestrado e Doutorado na PUC. (Todos se 
apresentam). Nossa pesquisa tem o objetivo de estudar 
como fazem os pais desta comunidade para educar 
seus filhos. Gostaríamos também de compreender 
o que consideram importante transmitir para seus 
filhos e que tipo de pessoas pretendem formar, e 
de ver com vocês modos de se educar as crianças 
e adolescentes, baseados no diálogo. Pretendemos 
também verificar se há o interesse em experimentar 
essa forma de educação dos filhos. Está claro para 
vocês? Há alguma dúvida no momento? Sempre 
que houver alguma dúvida, estaremos dispostos a 
conversar com vocês. A cada encontro, faremos um 
breve resumo do anterior e vocês têm acesso a todos 
nossos relatórios, sempre que o desejarem. Gostaria 
23 
de esclarecer que sua participação é muito importante 
para nós, para que possamos compreender melhor 
o processo educacional das crianças deste bairro e 
contribuirmos com o conhecimento de que dispomos. 
Nossa reunião terá a duração de duas horas e nós nos 
subdividiremos em pequenos grupos. Está bem para 
vocês? Agora nós gostaríamos de conhecê-los também 
(Szymanski, 2002). 
Note-se que houve a preocupação em adaptar 
a linguagem para a compreensão dos entrevistados e 
solicitar continuamente que expressem suas dúvidas. 
Mesmo assim, na linguagem oral, esse texto é 
apresentado de modo mais coloquial, sem a conotação 
de discurso. 
Sodeili (1999, p. 70) realizou o primeiro contato 
da seguinte forma: 
Começamos a primeira entrevista com a apresentação 
do pesquisador, em seguida alguns esclarecimentos: 
quais eram os objetivos da pesquisa, qual a duração 
e quantos encontros teríamos. Propusemos um 
"contrato" para o grupo, que seguia três regras básicas: 
todos tinham o direito de falar o que quisessem, cada 
opinião deveria ser ouvida e respeitada por todos e 
não haveria obrigação de que cada um falasse sobre 
o tema proposto. 
Como o tema a ser discutido pelo grupo era 
polêmico e havia professores que não compartilhavam 
as mesmas opiniões, fez-se necessária essa introdução. 
É sempre interessante, no caso de pesquisadores 
iniciantes, praticar esse tipo de entrevistas com colegas, 
exercendo o papel de entrevistador e de entrevistado, 
para familiarizar-se com o procedimento e para avaliar 
os sentimentos e as sensações do participante. 
24 
-~--y -------~~----~ 
É importante, também, nunca perder de vista 
q~e os entrevistados numa pesquisa estão sempre 
situados _num ambiente social; é necessário que 
algumas mformações sejam obtidas sobre a cultura 
do grupo ou a instituição onde se vai desenvolver o 
tra~alh~. No caso de uma escola, por exemplo, faz 
mmta d1ferença se a diretora é uma pessoa autoritária 
e perseguidora ou, ao contrário, é alguém que tenha 
uma postura democrática e respeitadora; se o clima da 
escola é tenso, dado a falatórios e favoritismos ou se 
o clima é de confiança e abertura. ' 
Em certos ambientes conflituosos, como 
em alguns bairros da periferia das grandes cidades 
comunidades fechadas, prisões, abrigos, ou outros: 
como na rua, em que há necessidade de se conhecer 
melhor os códigos de interação, a aproximação com 
os participantes deverá ser mais lenta e gradual e com 
a mediação de pessoas de confiança do entrevistado. 
As razões para esses cuidados são principalmente 
éticas, mas também metodológicas no sentido de se 
procurar maior fidedignidade nas informações. 
1.3 .2 A condução da entrevista 
1.3 .2.1 Aquecimento 
A fase inicial da entrevista, deppis da apresentação 
formal da pesquisa, poderá ter um pequeno período de 
aquecimento para uma apresentação mais pessoal e o 
estabelecimento de um clima mais informal. É nesse 
momento que se obtêm os dados que se consideram 
necessários a respeito dos participantes, os quais, 
eventualmente, poderão ser completados ao final. 
25 
Em estudos coma família, é importante obter-se 
urna descrição de sua origem, composição, das idades, 
rotinas diárias e atividades, de seus membros. Nesse 
momento, pode-se pedir que falem livremente sobre 
o objeto amplo da pesquisa. Exemplificando, no caso 
da família, pode-se solicitar: "Corno você descreveria 
sua família em poucas palavras, corno você contaria 
a história de suafamília?" Num estudo, logo depois 
dessa solicitação: 
D. Cenira começa a falar sobre seus princípios 
educacionais, referindo a dois meninos que estão 
presentes, 7 e 9 anos. Valoriza o estudo, mas diz que 
não estão indo bem na escola. Um deles deitou-se na 
cama e começou a brincar com um bebê. Ela disse: 
"Eu não deixaria fazer isso, mas como tem gente aqui 
[os pesquisadores], ele está fazendo. Ele sabe que não 
deve fazer isso" (Gomes Szymanski, 1987, p. 164). 
Pode-se notar que, antes de tudo, a participante 
quis expor seus princípios educacionais para depoi~ 
informar os dados biográficos de sua família. E 
importante haver esse tempo inicial, mas o pesquisador 
deve usar de bom senso para, gradualmente, ir 
aproximando-se da sua pergunta geradora. 
Em estudos com professoras, é necessário saber 
qual sua formação, tempo de magistério, um pequeno 
histórico de seu percurso profissional e o que mais 
for necessário, conforme os objetivos da pesquisa. 
A coleta dessas informações pode constituir-se a fase 
de aquecimento da entrevista. 
Sodelli (1999, p. 71), após a apresentação 
inicial, pediu que cada professor se apresentasse, 
"falando um pouco de si: a disciplina que lecionava, 
26 
quanto tempo trabalhava corno professor, a idade e 
corno foi a escolha de sua profissão". 
À guisa de aquecimento, em urna pesquisa 
sobre a utilização de livros didáticos, Sparti ( 1995) 
solicitou às professoras, antes de entrar no terna, que 
falassem sobre o seu processo de escolha profissional. 
Esse momento propiciou um encontro mais pessoal, 
um aprofundamento do conhecimento mútuo entre 
as participantes do grupo e um delineamento da 
biografia de cada urna, assim corno do contexto de 
suas vidas. A seguir, solicitou que falassem sobre sua 
concepção de educação, sobre o papel da escola. As 
informações propiciadas nesse momento possibilitaram 
a compreensão das concepções que as orientavam nas 
suas escolhas sobre os livros didáticos, ao mesmo 
tempo que a discussão as predispunha a urna atividade 
reflexiva. 
Em estudo realizado em urna fábrica, cujo 
objetivo era o estudo do impacto da identidade 
atribuída pela empresa na identidade dos trabalhadores, 
foi feita a seguinte sugestão de atividades: 
Cada um dos participantes contaria a história do seu 
nome. Essa atividade foi bastante enriquecedora para 
o grupo, pois, além de realizar um aquecimento inicial, 
propiciou também uma pequena reflexão sobre o tema 
da identidade e uma rápida apresentação da história 
de vida de cada um. [ ... ] Em seguida, foi proposto 
que cada um contasse a história de algum apelido 
que possuísse na família e na empresa. Essa atividade 
também foi bastante enriquecedora, pois ocorreu 
uma pequena reflexão sobre a identidade atribuída 
pela família, pelos amigos e os contextos em que são 
utilizados esses apelidos. Por exemplo, nessa atividade 
surgiu a narrativa de um dos participantes que, ao 
27 
ingressar na escola primária, recebeu várias faltas 
porque não respondia quando era chamado pelo nome. 
Ele se reconhecia apenas pelo apelido. Após essa 
atividade, foi solicitado que cada um narrasse a sua 
trajetória profissional até trabalhar na [tal] indústria 
(Silva, 1999, p. 65). 
Em uma situação de pesquisa em que se 
objetivava compreender o processo de comunicação 
entre pais e filhos, numa comunidade de baixa 
renda, propôs-se como atividade de aquecimento, 
antes de uma entrevista coletiva, atividades de 
aprendizagem motora (dobraduras de diferentes graus 
de dificuldade) e de informações simples (uma breve 
informação alimentar) e complexas (o que são sintomas 
psicossomáticos e procedimentos de prevenção à 
gravidez), nas quais os grupos eram subdivididos de 
forma que, ao aprenderem, deveriam também ensinar 
os participantes dos demais grupos. O objetivo dessas 
atividades era apontar para as dificuldades inerentes 
ao processo de comunicação e transpor essa condição 
para a situação entre pais e filhos. Ao mesmo tempo 
pode-se obter informações sobre o grupo, suas atitudes 
e informações a respeito de questões importantes para 
a vida familiar (Szymanski, 2002). 
Pode-se notar que as atividades de aquecimento 
propostas acima criaram um clima de descontração, 
deram interessantes informações sobre os participantes 
e se constituíram uma introdução ao tema que estava 
sendo estudado. A preparação de uma entrevista é 
um processo cuidadoso, e esses períodos iniciais não 
devem ser considerados como "perda de tempo", 
pois eles propiciam informações importantes para o 
pesquisador. 
28 
1.3 .2.2 A questão desencadeadora 
Na entrevista reflexiva, os objetivos da 
pesquisa serão a base para a elaboração da questão 
desencadeadora, que deverá ser cuidadosamente 
formulada. Ela deve ser o ponto de partida para o início 
da fala do participante, focalizando o ponto que se quer 
estudar e, ao mesmo tempo, ampliando o suficiente 
para que ele escolha por onde quer começar. Com 
isso, já teremos um direcionamento das reflexões do 
entrevistado, ao qual será oferecido, inicialmente, um 
tempo para a sua expressão livre a respeito do tema que 
se quer investigar. A questão tem por objetivo trazer 
à tona a primeira elaboração, ou um primeiro arranjo 
narrativo, que o participante pode oferecer sobre o 
tema que é introduzido. 
Por exemplo, numa pesquisa que tinha por 
objetivo investigar práticas educativas familiares, a 
pergunta geradora foi a seguinte: "Estou vendo que 
vocês têm [tantos] filhos. Gostaria de saber como é 
que os educam, o que fazem para que aprendam as 
coisas que lhes querem ensinar?" (Szymanski, 1999a). 
Observe que essa questão focaliza ações, e o que 
se deseja é um relato delas e não de um sistema de 
crenças, embora estas possam aparecer atreladas aos 
relatos dos pais. 
Se o objetivo fosse estudar as crenças referentes 
às práticas educativas na família, a questão orientadora 
seria: "Qual a maneira que vocês consideram mais 
adequada, ou correta, de educar seus filhos?" Com 
essa questão, procura-se saber quais são as orientações 
quanto ao modo de tratamento que os pais acham 
fundamentais à prática educacional de sua família. 
29 
Se a intenção fosse investigar valores, a questão seria, 
por exemplo: "Quais ideias vocês acreditam serem as 
mais importantes a serem transmitidas aos seus filhos 
no mundo de hoje? Em que princípios vocês gostaria~ 
que eles pautassem suas vidas?" Nessa questão, o que 
se investiga é o sistema de valores e as visões de mundo 
subjacentes às práticas. 
Nesse mesmo estudo, se a intenção fosse associar 
as práticas educativas ao processo de constituição da 
identidade que a família espera que o filho ou filha 
desenvolva, a questão seria: "Que tipo de pessoa você 
espera que seu filho ou sua filha se tome no futuro?" 
Aqui a discriminação de gênero é muito importante, 
dadas as diferentes expectativas sociais para homens 
e mulheres. 
No exemplo citado, é muito importante que 
sejam discriminados procedimentos, crenças, valores, 
constituição da identidade, embora esses fenômenos 
estejam muito relacionados e possam ser desenvolvidos 
no decorrer do discurso. 
Às vezes, é interessante ter a questão 
desencadeadora elaborada de diferentes maneiras 
no caso de haver pedidos de esclarecimentos, par~ 
evitar formulações que se distanciem do objetivo 
da investigação. Numa pesquisa sobre o processo 
de introdução de uma proposta pedagógica de 
ensino ativo na prática cotidiana de um grupo de 
professoras (Szymanski, 1999b ), a questão geradora 
foi: "Gostaríamos que vocês nos contassem como foi 
que começaram a utilizar essa proposta pedagógica 
habitualmente". 
Formulaçõesalternativas poderiam ser: "Como 
vocês fizeram para introduzir a proposta "x" de ensino 
30 
no seu dia a dia com as classes?" ou "Como foi desde 
o início, sua forma de utilizar a proposta "x" de,ensino 
em seu quotidiano?" A resposta a qualquer uma dessas 
formulações seria um relato da forma como se deu 
~ ~n~orpor~~ão na prática diária. Para o pesquisador 
Imcmnte, e Interessante levar já preparadas as várias 
versões da questão desencadeadora, para que ele não 
mude sua formulação essencial, referente ao fenômeno 
que deseja estudar, no caso de o participante solicitar 
esclarecimentos. 
No exemplo citado, o interesse era verificar os 
proc~dimentos utilizados pela professora para adotar a 
refenda proposta como uma forma habitual de ensino· 
emb_ora, no decorrer da entrevista, possam surgir o~ 
sentimentos envolvidos, a dificuldade de compreender 
a proposta, a crença em diferentes métodos de ensino 
~ão se pode afastar da questão que se quer estuda; 
E ~ aderência ~os objetivos que irá contribuir para 
apnmorar a validade das questões, o que Mielzinski 
(1998, p. 133) chama de "validade de constructo" isto 
é, quando as perguntas "correspondem às intençõ~s de 
quem está pesquisando". 
A experiência tem demonstrado que a elaboração 
da pergunta desencadeadora não é uma tarefa tão fácil 
como se pensa de início. Há vários critérios a serem 
levados em conta, tais como: 
a) a consi~eração dos objetivos da pesquisa; 
b) a amplitude da questão, de fonna a permitir 
o desvelamento de informações pertinentes 
ao tema que se estuda; 
c) o cuidado de evitar indução de respostas; 
31 
- .. ~----~-- --------,-----------~--~-~-------
d) a escolha dos termos da pergunta, que 
deverão fazer parte do universo linguístico 
do participante; 
e) a escolha do termo interrogativo. Questões 
que indagam o "porquê" de alguma 
experiência do entrevistado receberão 
respostas indicadoras de causalidade, na 
maioria das vezes elaborações conceptuais 
mais do que narrativas de experiências. Se o 
objetivo da pesquisa for a compreensão das 
relações de causalidade que os participantes 
atribuem às suas experiências, a escolha 
do "porquê" é justificada. Questões que 
indagam o "como" de alguma experiência 
induzem a uma narrativa, a uma descrição. 
A partícula "para que" indaga pelo sentido 
que orientou uma escolha. 
Observe-se a diferença de respostas às seguintes 
questões: "Por que você escolheu ser professora?"; 
"Como vocês vieram a se formar professoras e atuar 
como professoras?" (Sparti, 1995); "Para que função 
você se preparava durante sua formação para o 
magistério?" 
Na primeira questão - por que? - obtem-se 
uma elaboração das causas que a participante define 
como definidoras de sua escolha: "por gostar de 
ensinar", "por gostar de crianças", "por dificuldades 
econômicas", "porque na minha cidade era o único 
curso que havia", "porque era a única profissão que 
meu pai permitia às mulheres da família". 
Na segunda questão, que indagava o "como", 
obteve-se, por exemplo, a seguinte resposta: 
32 
- Bom ... eu, na verdade, quando comecei o segundo 
grau, ainda não tinha definido o que eu gostaria de 
ser, apesar de, desde pequena, gostar de brincar de 
ser professora. Mas eu tinha uma dúvida: se era, 
realmente, aquilo que eu gostaria de fazer. Então eu fiz 
o Magistério, na primeira vez em que eu fiz o segundo 
grau. Daí quando eu fui escolher o curso superior, aí eu 
já fiquei balançando e escolhi Pedagogia. Completei o 
curso e, então, voltei para fazer o Magistério (Sparti, 
1995, p. 47). 
Pode-se notar, nesta resposta, a narrativa de sua 
trajetória, em uma pesquisa que tinha por objetivo: 
[ ... ] apresentar uma reflexão sobre como professores 
de Arte e coordenadores concebem o ensino de Arte 
na escola, partindo da análise de observações das 
condições de existência desses profissionais em 
uma escola pública paulista, e dos seus discursos 
produzidos em entrevistas (Prandini, 2000, p. 23). 
A questão desencadeadora foi: "Como você vê 
o ensino de Arte na escola?" (Entrevistas individuais). 
Observe algumas respostas (Prandini, 2000, 
p. 83, 110 e 153): 
Prof. A: - Em relação ao ensino fundamental e 
médio, a gente tenta passar os meios de expressão. 
Não importa a estética. Vai importar o conteúdo da 
expressão de cada aluno [ ... ] Mas na arte temos a 
expressão cênica, teatro, música e artes plásticas. Só 
que é impossível para um mesmo professor ensinar 
todas essas formas de maneira séria e correta. Acho 
que deveriam ser professores especializados em cada 
uma dessas áreas. 
33 
Prof. B:-Eu acho que os livros estão muito defasados. 
Não há uma mudança há anos. [ ... ] Outro problema 
é o de se trabalhar de uma forma tão tradicional. [ ... ] 
Existe respeito. Mas, normalmente, aquele que sai 
do esquema, do tradicional, sofre uma... não uma 
perseguição, mas a escola ainda não está preparada 
para esta coisa. [ ... ] Tem que ficar mais dentro da sala 
de aula! 
Coordenador: - Primeiro é bom conceituar. A arte 
quando é bem trabalhada ... A Educação artística 
quando não é bem trabalhada só leva o aluno a pensar 
que é aula de nada a fazer. Quando é bem trabalhada, 
dá noção para o aluno de coisas de todas as disciplinas. 
Matemática," quando trabalha Geometria. História 
quando trabalha História da Arte. Português quando 
trabalha poesia, música, canto. 
Como se pode perceber, emergiram várias 
concepções do que seria ensino de arte. A questão 
aberta, buscando o "como", permitiu várias abordagens 
ao tema e, consequentemente um enriquecimento 
posterior da análise. 
A questão "para que" provoca o participante a 
explicitar o sentido de sua escolha: "Para realizar um 
sonho de infância", "Para levar às crianças pobres um 
ensino de qualidade", "Para provar a meus pais que eu 
era capaz de sustentar-me sozinha". 
As partículas "o que" e "qual" também pedem 
uma descrição, o que não evita, entretanto, que as 
respostas venham carregadas de "teorias" ou de 
articulações causalistas elaboradas pelos participantes. 
Vejamos o seguinte exemplo e as respostas que 
suscitaram: 
34 
"O que vocês pensam a respeito da prevenção 
à Aids e a escola?" (Sodeili, 1999, p. 71, 91-92) 
(Entrevista coletiva). 
Pro f. A: -O professor deve conscientizar a comunidade, 
a importância da preservação da vida, viver bem, viver 
saudável, tem que aconselhar, ter amizade, ser amigo. 
A amizade fortalece a confiança, temos que ter 
liberdade e distanciamento. 
Prof. B:- O professor não deveria ficar preocupado 
com outras coisas a não ser ensinar, mas como o aluno 
é muito carente, o professor é obrigado a ser psicólogo, 
dar comida, dar carinho, e é claro que o professor não 
dá conta, nosso trabalho fica muito sobrecarregado. 
A resposta à questão ampla permitiu que se 
manifestassem opiniões contrárias dos professores em 
relação à prevenção da Aids na escola. 
Vejamos a seguir um exemplo com a partícula 
"qual" orientando a resposta, em um estudo que 
indagava pelo "sentido que o novo trabalhador dá à 
identidade atribuída pela empresa que afirma aplicar 
gestão participativa": "Qual a expectativa [da empresa] 
em relação ao seu empregado?" (Silva, 1999, p. 49, 66). 
entre 
As respostas que obtiveram foram congruentes 
o discurso da empresa sobre os atributos esperados 
para a constituição da identidade dos seus funcionários 
(que são desenvolvidos pedagogicamente nos diversos 
setores da empresa) e o discurso dos trabalhadores 
sobre esses mesmos atributos de sua identidade (Silva, 
1999, p. 86). 
Em um estudo que objetiva identificar o 
significado do dirigir para jovens universitários 
35 
condutores de veículos automotores, foi feita a seguinte 
questão: "O que significa dirigir, para vocês?" (Sparti, 
2002, p. 4) (Entrevista coletiva). Eis algumas: 
Participante A: - Dirigir é prazeroso, mas eu acho 
que, às vezes, também é perigoso. Pode ser perigoso ... 
Mas nem todo perigo é ruim. Você tem uma situação 
de perigo ali, você passa por ela. Na hora é perigoso,você pensa. Depois, já passou e tal... dá um certo 
prazer. Mas é perigoso e prazeroso, às vezes. Outro 
dia eu peguei uma estrada com chuva, e foi perigoso, 
mas não deixou de ser prazeroso. Mas quando cheguei 
em casa ... , que alívio! 
Participante B:- Locomoção. 
Participante C: -Praticidade. 
Participante D: -Prazer, independência. 
As respostas, mais ou menos elaboradas, 
referem-se aos sentidos que são expressos. Certamente 
haverá outros, que serão desvelados ao longo da 
entrevista. 
Como se pôde observar, o primeiro cuidado 
na entrevista reflexiva está na elaboração da questão 
a ser dirigida ao participante, pois, proposta de forma 
correta, a resposta trará insumos para a pesquisa que 
se está realizando. 
Compreendida a questão desencadeadora, é 
importante deixar o entrevistado discorrer livremente, 
mesmo que se afaste do tema proposto, bem como 
verificar os entrelaçamentos entre as várias facetas do 
fenômeno estudado. 
36 
.~-·~ 
1.3.2.3 A expressão da compreensão 
Gradativamente, o entrevistador vai apresentando 
a sua compreensão do discurso do entrevistado, 
sem perder de vista os objetivos de seu estudo. 
É importante notar a diferença entre compreensão e 
interpretação, baseada em alguma teoria ou hipótese 
preestabelecida. A compreensão tem um caráter 
descritivo e de síntese da informação recebida e pode 
ser definida como "relação dialogal que nada reduz a 
objeto e exige do intérprete empatia, capacidade de se 
colocar no lugar" (Demo, 1992, p. 249). Refere-se ao 
conteúdo verbal, basicamente, mas pode trazer alguma 
referência ao tom emocional e aos índices não verbais 
percebidos, "caso estes esclareçam a compreensão 
do tema em questão. Jamais deverá assumir a forma 
de uma avaliação pessoal". Procura-se expressar a 
compreensão da fala nas palavras do pesquisador. 
Em um estudo sobre o livro didático, as 
professoras, numa entrevista coletiva, assim 
responderam à seguinte questão desencadeadora: 
"O que levou vocês a adotarem os livros didáticos? 
Em relação às quatro disciplinas: Estudos Sociais, 
Comunicação e Expressão, Ciência e Matemática" 
(Sparti, 1995, p. 61): 
Prof' A: -Eu trabalho na lousa; pego as coisas deles 
[dos livros] e passo para a lousa ... 
Prof' B:-Nós chegamos à conclusão de que um livro 
sozinho não ia resolver o nosso problema, porque eu 
.acho que, para que uma criança construa um texto 
criativo, interessante, como eles constroem hoje, um 
livro só seria "podar" a criança. 
37 
Pro f' C: -Então nós temos vários exemplares e, então, 
a gente tira um texto de um, um texto de outro, e 
"bola" as atividades para a classe,trabalha com jornal, 
trabalha com a fábula, trabalha com a poesia, com 
revista, tudo o que a gente puder ... os mais diversos 
materiais possíveis. Então a gente vai passando isso 
para eles. Poesia ... trabalha a rima; fábula, tudo o que 
imaginar. 
A entrevistadora, ao final das falas, intervém 
dizendo: "Eu estou entendendo que o livro está sendo 
um apoio para vocês; não está sendo a única fonte de 
informação". 
Nessa mesma pesquisa (Sparti, 1995, p. 88), 
uma professora faz várias afirmações, referindo-se às 
atividades que desenvolve com os meninos e meninas 
de sua classe de Ciclo Básico: 
- Eu trabalhei com CB Concluinte, no ano passado, 
e, este ano, estou com quase todos os mesmos alunos 
que foram meus, no ano passado. O comportamento 
deles mudou muito, pois no ano passado eles sentavam 
no chão com as meninas, brincavam de passar lenço, 
faziam brincadeira de roda, pulavam amarelinha, 
tudo junto com as meninas.[ ... ] Agora, este ano, não. 
Só bola. E as meninas ... às vezes, elas jogam bola ... 
até que eu impus que eles jogassem, quatro semanas, 
"queimada", pra ver se juntava. Saía muita briga. 
[ ... ]Eu acho que é a idade, é o passar do tempo ... ele 
mesmo vai separando as coisas que menina pode e 
não pode fazer. [ ... ] Aqui eu acho que é a cobrança 
que já vem da família, dos amigos, dos mais velhos 
e dos colegas. 
A pesquisadora expressa assim sua 
compreensão: 
38 
- Isso que você faz, Débora, não é uma tentativa 
de ir contra essas expectativas da família ou dos 
coleguinhas? Quer dizer, você coloca uma bola, você 
coloca meninos e meninas brincando com a bola ... É a 
questão da idade? A Débora está colocando a mudança 
que ela percebeu da segunda para a terceira série. Os 
da segunda, mais crianças ... Foi isso que você quis 
dizer? (Sparti, 1995, p. 89). 
Note-se que a pesquisadora está expondo sua 
compreensão para a consideração do grupo. 
Uma professora, ao indicar as razões para a 
escolha do magistério, afirma o seguinte: 
- Quando comecei a fazer faculdade, eu fiz serviço 
social dois anos, mas quando eu fui fazer estágio, foi 
um horror, tudo o que você aprende na faculdade, na 
empresa, é ao contrário, não consigo viver na mentira; 
na empresa, o chefe não gostou da cara do empregado, 
manda ele embora, e a gente tem que inventar 
desculpas. Precisava arrumar alguma atividade, então 
resolvi fazer Letras, porque eu gosto de português e 
precisava ganhar algum dinheiro (Sodelli, 1999, p. 80). 
O pesquisador demonstra sua compreensão, 
afirmando: "A razão principal de sua desistência do 
Serviço Social pareceu-me ser de ordem ética, a da 
escolha de Letras, por interesse na área, e a da escolha 
do magistério, como necessidade econômica". Observe 
como o pesquisador, além de mostrar sua atenção ao 
discurso da professora, apontou os vários sentidos que 
orientaram suas escolhas. 
Numa pesquisa sobre o significado de família 
(Gomes Szymanski, 1987, p. 168), uma mãe fala 
o seguinte a respeito de suas práticas educativas: 
39 
"Quando querem alguma coisa, não dou; quando 
querem ir a alguma parte, não deixo". 
A compreensão da pesquisadora foi expressa 
numa questão: "A senhora, então, não deixa valer a 
vontade dos meninos, mas a sua?" A compreensão, 
posta na forma de pergunta, abre a possibilidade de 
diálogo, na aceitação ou não da questão. 
Nessa mesma pesquisa, no relato que se 
segue, podem-se observar as informações advindas 
de uma intervenção de compreensão por parte da 
entrevistadora, referente aos sentimentos de Ana em 
relação à D. Cenira: "Aponto um profundo afeto de 
Ana por sua mãe de criação". 
No barraco moram D. Cenira e Ana (mãe do bebê de 
seis dias). Diz Ana: "Moro aqui e daqui não saio por 
nada!" Aponto um profundo afeto de Ana por sua mãe 
de criação. Ela reafirma isso e informa que D. Cenira 
criou nove crianças. Ela casou-se, morreu sua família, 
e o marido abandonou-a. Ela, então, passou a criar os 
filhos de parentes (Gomes Szymanski, 1987, p. 165). 
Na pesquisa citada sobre o livro didático, uma 
professora, ao comentar a questão dos deveres dos 
alunos, afirmou: 
40 
- E eu achei assim: "Não vou pensar nisso, vou partir 
como se ninguém me tivesse falado nada sobre eles, 
para não ter um preconceito sobre eles". Então, eu 
comecei como se não soubesse daquilo ... Só que eles, 
realmente, não conseguem se enquadrar naquelas 
regras que eles mesmos fizeram! Os outros conseguem 
e eles não! Às vezes, são regras que eles mesmos 
propuseram, e eles são os primeiros a não seguir. 
A expressão de compreensão da entrevistadora 
foi: "Você está colocando essa questão do pensamento 
e da ação? Eles sabem as regras, eles sabem que têm 
os deveres, também, mas nem sempre se comportam 
daquele jeito desejável?" (Sparti, 1995, p. 79). 
Essa intervenção, expressando a compreensão da 
entrevistadora, propiciou uma nova forma de reflexão, 
saindo do círculo vicioso que se anunciava no discurso 
da professora. 
Na pesquisa com professores de Arte (Prandini, 
. 2000, p. 84), diz um professor: 
-A gente teria que ter habilitações específicas. [ ... ] 
Se eu, formado em artes plásticas, entrar no setor de 
Teatro, o especialista em artes cênicas vai dizer: ele 
está falhando em tal, tal, tal. Assim como o professor 
de música, que vai dar artes plásticas, encontra várias 
lacunas que ele não consegue preencher, por sua 
deficiente formaçãoem artes plásticas: na linguagem, 
em textura, composição no campo, etc. Se você for 
levar a sério, a gente teria que ter três professores; um 
de música, outro de teatro e outro de artes plásticas. 
A intervenção de compreensão foi a seguinte: 
"Então o senhor centra suas aulas em artes plásticas?" 
A partir daí, o professor passa a descrever sua trajetória 
profissional, lembrando que antigamente procurava 
dar outras expressões artísticas e admite que hoje está 
"meio acomodado". 
Nessa mesma pesquisa (p. 85), o professor 
continua: 
-Em 1970, quando eu comecei a lecionar, fiz uma 
vez teatro de marionetes, e o pessoal fazia muito 
bem.[ ... ] A minha matéria chamava-se desenho, mas 
41 
a gente fazia isso: numa aula era linguagem de teatro, 
noutra, artes plásticas, noutra modelagem. A gente 
tinha oportunidade de fazer.[ ... ] Eu já dei aulas para 
o magistério, também. E o que eu tentava ensinar era 
nunca dar desenhos mimeografados para os alunos 
colorirem, o que é comum ver os professores fazendo, 
principalmente os de la, 2a, 3a série. Eu achava isso 
errado. As crianças de 3 ou 4 anos, quando fazem um 
rabisco, ficam contentes e mostram: "Essa é a minha 
expressão!". Mais tarde é que vêm os conceitos de feio 
e bonito, e ela vai esquecendo, deixando de desenhar. 
A expressão de compreensão da pesquisadora 
foi: "Eu poderia resumir dizendo que, para o 
senhor, o mais importante é ensinar o aluno a se 
expressar, utilizando as várias linguagens?" Com essa 
intervenção, Prandini aponta para as mudanças na 
prática desse professor ao longo de sua vida, muitas 
vezes contrárias às suas próprias ideias. 
Se, na sua essência, uma entrevista é uma 
situação de interação humana, estamos respondendo 
aos estados emocionais e índices não verbais que 
nosso interlocutor está emitindo, o que não significa 
"adivinhar" o que o outro está sentindo - o que é 
impossível -, mas descrever a impressão que nos 
causou. A utilização de tal feedback tem, entretanto, 
uma limitação: só deve ser utilizado por pesquisadores 
com muita prática de pesquisa, e conhecimento dos 
processos psicológicos envolvidos em situações 
de interação humana. Esses cuidados remetem à 
"vigilância interpretativa", de Figueroa e López 
(apud Banister et al., 1994, p. 52). As intervenções 
referentes aos índices não verbais devem ter o caráter 
de comentário sobre uma impressão pessoal e o 
42 
cuidado de oferecer ao entrevistado a possibilidade de 
não concordar e de não responder. 
Um exemplo de que o índice verbal foi 
considerado ocorreu numa segunda entrevista com 
uma mulher que, na primeira, havia se mostrado 
muito alegre e disposta. Diante da observação da 
entrevistadora, de que naquele dia ela estava lhe 
parecendo muito séria, respondeu: "Não dá para viver 
só de resto dos outros" (Gomes Szymanski, 1987, 
p. 76), referindo-se às suas roupas, e seguiu falando das 
dificuldades pelas quais tem que passar, pois o marido 
não a deixava trabalhar e a queria em casa, cuidando 
das crianças e dos afazeres domésticos. A compreensão 
da expressão da mulher como de "seriedade" foi 
corrigida e acabou por provocar a emergência de um 
importante aspecto da relação entre o casal. Deve-se 
notar que, ao descrevê-la como "séria", não se atribuiu 
nenhum sentimento à entrevistada, mas apenas a 
expressar a impressão causada por sua expressão facial. 
Esta observação revela um aspecto importante das 
questões de compreensão: a possibilidade de correção 
por parte do participante. No caso da pesquisa citada, 
o que foi dito pela mulher pode ser interpretado como: 
''Não estou séria, estou ressentida por ter que viver dos 
restos dos outros e por ser proibida por meu marido de 
buscar trabalho fora de casa". 
Além de indicar sua compreensão, a atuação do 
entrevistador pode dar-se no sentido de manter o foco 
do problema estudado na sua pesquisa. Sua participação l \
1 
pode ocorrer de diferentes formas: elaborando sínteses, 
formulando questões de esclarecimento, questões 
focalizadoras, questões de aprofundamento. 
43 
1.3.2.4 Sínteses 
A finalidade de se oferecer sínteses, de tempos 
em tempos, é a de se apresentar qual o quadro que está se 
delineando para o/a entrevistador/a, isto é, como se está 
acompanhando a fala do/a entrevistado/a. É uma forma 
de manter uma postura descritiva, além de buscar uma 
imersão no discurso do/a entrevistado/a. Essas sínteses 
podem também ter a função de trazer a entrevista 
para o/s foco/s que se deseja estudar e aprofundá-los, 
ao encerrar uma digressão. Preferencialmente, as 
sínteses devem ser feitas usando-se o vocabu1irio do/a 
entrevistado/a. 
Em uma entrevista, uma das participantes expôs 
os motivos que a levaram ao magistério: 
44 
- Bom ... no meu caso ... há 24 anos atrás, depois da 
s• série [ ... ] tinha somente três opções, no segundo 
grau: era o Científico, era o Clássico ou o Normal, né? 
[ ... ]E só o Magistério é que dava, assim, um diploma 
de curso profissional. [ ... ] Sempre a parte financeira 
também existe. Aí eu fiz "vestibulinho" para entrar 
no [nome da escola], naquela época, mas eu gostei, 
apesar de ser uma coisa assim mais para... não é 
imposta, mas aquilo que a família orientou. [ ... ]Logo 
em seguida ... não fiz faculdade porque eu tive que 
trabalhar. Então eu entrei na faculdade de Pedagogia. 
E daí, eu fiquei. Claro que gostei! E daí fui lecionar ... 
Foi feita a seguinte síntese: 
Você colocou essas três possibilidades do segundo 
grau, que foram o Clássico, o Científico e o Normal. 
Você fez referência ao aspecto financeiro e à 
continuidade do ensino superior (porque senão você 
sairia sem nenhuma profissão) que teria que ser 
fora de [nome da cidade]. Então tudo isto acabava 
convergindo para o curso Normal, que era um curso 
profissionalizante (Sparti, 1995). 
Numa entrevista coletiva, em que membros 
de uma comunidade explicavam a questão do não 
envolvimento da população em iniciativas de interesse 
coletivo, sua exposição, num determinado momento, 
foi sintetizada da seguinte forma: "Então, a seu ver, as 
pessoas não participam de projetos coletivos porque 
jogam tudo nas costas de alguns, 'ficam na sua' e só 
se envolvem em troca de algum favor" (Szymanski, 
1998). Essa observação possibilitou que se falasse 
sobre a percepção a liderança dos moradores da 
comunidade. 
Nas sínteses apresentam-se, nas palavras dos 
entrevistados, os pontos principais de um discurso. 
Note-se a diferença das intervenções de compreensão, f 
que apresentam uma elaboração maior por parte do 
entrevistador. 
1.3 .2.5 Questões 
• De esclarecimento 
Trata-se de questões que buscam esclarecimentos 
quando o discurso parece confuso ou quando a relação 
entre as ideias ou os fatos narrados não está muito 
clara para o/a entrevistador/a. É significativo para 
análise posterior verificar em quais momentos o 
discurso era menos elaborado ou estruturado, e é 
informativo também verificar como foram respondidas 
as questões de esclarecimento - se a questão pedindo 
esclarecimento gerou ou não uma nova articulação. 
45 
A expressão truncada ou confusa pode indicar 
ocultamentos e, não havendo uma nova articulação 
para esclarecer, é o caso de respeitá-los. 
Os esclarecimentos podem se referir a sequências 
de eventos no tempo, a funções e características dos 
diversos personagens da narrativa, a atribuições de 
causalidade, sentimentos, emoções, interpretações. 
Ao formular-se a questão, pode-se expressar o 
que não ficou claro, como, por exemplo, na pesquisa 
sobre práticas familiares: "Eu não entendi bem como 
é que vocês dividem as suas funções educativas com 
as crianças. Quais as do pai e quais as da mãe?" Ou, 
no exemplo da pesquisa com professoras: "Você 
poderia repetir como foi deixando de achar a nova 
proposta uma 'moda' e uma trabalheira a mais e a 
foi introduzindo aos poucos nas suas aulas?" Note-se 
a preocupação em não sair da narrativa que o 
entrevistado estiver fazendo. 
Muitas vezes, o discurso confuso tem o 
sentido da ocultação.Numa pesquisa sobre identidade 
de crianças que nunca frequentaram a escola, um 
dos participantes, de 12 anos, contou uma história 
muito confusa sobre a razão de seus pais não terem 
providenciado sua certidão de nascimento, fato que 
o impedia de matricular-se. Diante das questões da 
entrevistadora, ele acabou por dizer: "Meu registro 
molhou. Molhou e caiu dentro do brejo. Caiu no brejo" 
(Souza, 2001). 
Ele não queria ou não sabia dar mais 
informações. O motivo, nesse caso, está sendo 
ocultado. No exemplo, como se observou ao longo 
da entrevista, era a separação dos pais, o desinteresse 
deles pela vida escolar do filho e o mau relacionamento 
46 
entre pai e filho. Insistir nas questões só iria criar 
constrangimento. 
Algumas vezes o entrevistado continua um 
diálogo interno e não o expressa. Como no seguinte 
exemplo: "Para você manter um ideal precisa olhar 
nos olhos dos alunos e acreditar. Você tem que olhar 
a acreditar que ainda é possível" (Prandini, 2000, 
p. 112). A entrevistadora pergunta: "É possível o quê?" 
Ao que a professora responde: "É possível continuar, 
ter paciência. Por exemplo, a minha saída, agora, foi 
gratificante, porque, em nove anos, eu nunca tive tanta 
retribuição de amor e carinho", indicando, segundo 
Prandini, que ela busca no aluno a força para continuar 
acreditando no seu ideal. 
Na pesquisa sobre significado de família, 
pode-se ver como uma questão que busca informação 
pode esclarecer aspectos do relacionamento interpessoal 
na família: 
- Eu observo que Clara está fazendo todo o serviço 
doméstico sozinha e pergunto se a outra irmã a ajuda. 
A mãe responde: "Ela só faz quando a Clara não 
está. Ontem precisei sair para levar a minha mãe no 
pronto socorro e a Clara não estava. Estava na escola." 
Quando chegou do médico, a segunda filha havia feito 
tudo, lavado tudo e só faltava lavar a roupa. Estando 
a Clara em casa, "a outra não assumia nada" (Gomes 
Szymanski, 1987, p. 431). 
As questões de esclarecimento apresentadas a 
seguir apontam para um importante aspecto desse tipo 
de entrevista: o de possibilitar um aprofundamento na 
reflexão e expressão delas por parte dos participantes 
(Sparti, 1995, p. 86): 
47 
Pro f' A:- Então eu falo para cada aluno: "O que você 
acha? Fulano é parecido com o "dono do mundo"? 
Então, todos da classe ... Então, não sei ... eu trabalho 
muito os personagens ... eles ... sempre eles. 
Como se pode observar, o discurso está 
confuso. A entrevistadora faz a seguinte questão: "Você 
relaciona as personagens do livro e as da realidade?" 
Prof' A: - Eles falam: "A professora tal é parecida 
com ... " [ ... ] Sempre dando esses textos e sempre na 
realidade deles, das crianças. Inclusive na parte de 
esportes, também: "Quem você acha aqui que pode 
ser o Pelé?" Eles já sabem quem gosta mais de futebol. 
Note-se que a professora utilizou-se da 
expressão da entrevistadora: "na realidade deles". 
A entrevistadora obtém a informação de que este é 
um procedimento utilizado com vários textos quando 
indaga: "Saindo do texto, vindo para a realidade e 
voltando para o texto?" 
Prof' A: - É sempre assim. Vale para vários textos. 
As questões esclarecedoras também têm um 
efeito de apresentar a compreensão do entrevistador, 
como se pode observar nas questões acima. 
• F ocalizadoras 
A participação em uma pesquisa é, muitas 
vezes, uma rara ocasião para se falar a um interlocutor 
atento e interessado. Por esse motivo, muitas vezes, 
no período inicial da pesquisa, ao se solicitar alguns 
dados pessoais, como motivos da escolha da carreira, 
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história da família ou história da vida profissional, os 
entrevistados podem alongar-se. A própria questão 
desencadeadora pode ter um sentido de voltar ao tema 
da conversação. 
Mas, se a digressão ocorrer ao longo da entrevista, 
pode-se lançar mão das questões focalizadoras. 
São aquelas que trazem o discurso para o foco 
desejado na pesquisa, quando a digressão se prolonga 
demasiadamente. Sem dúvida é informativo, na análise, 
observar em que momentos houve digressão, que tipo 
de digressão e qual a reação da chamada de volta ao 
tema principal da pesquisa. Obviamente, respeita-se 
o entrevistado, se ele não se dispuser a voltar para o 
foco. Isso é também significativo e deve ser apontado 
na análise. Todas as intervenções apresentadas aqui 
têm, na verdade, uma função focalizadora: a síntese, 
as questões de aprofundamento e mesmo as de 
esclarecimento, já que a entrevista está organizada em 
tomo de um objetivo. 
Exemplo de questão focalizadora, no caso 
da pesquisa com famílias sobre os procedimentos 
envolvidos nas suas práticas educativas (Szymanski, 
1999a), depois da digressão de uma mãe no sentido 
de considerar valores e crenças na educação dos filhos 
e afastando-se das ações educativas, que era o que 
interessava aos pesquisadores: "Você falou sobre o 
que considera certo e errado na educação dos filhos, e 
agora eu gostaria de saber como é que foi ensinando­
os a agirem do jeito que aprova? Você teria algum 
exemplo?" A questão focalizadora pediu uma volta 
às práticas. 
Na pesquisa que tratava da percepção pelas 
professoras, das relações entre os gêneros no livro 
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didático (Sparti, 1995), a conversação enveredou 
para as relações família/escola e a volta ao tema teve 
que ser realizada, cortando-se a discussão: "Bom, em 
relação ao livro didático, então, eu havia perguntado 
a vocês quais haviam utilizado, que critérios levavam 
em consideração para adotá-los, o que achavam dos 
livros ... " 
Na pesquisa sobre o ensino de arte (Prandini, 
2000, p. 133), temos o seguinte exemplo de questão 
focalizadora, depois da digressão da professora Cecília: 
-Então eu costumo dizer o seguinte: para chegar no 
desenho, eu tenho que entender o traço, como é o traço, 
como é a letra. Eu preciso ter o domínio da minha 
mão, para fazer uma linha reta ou uma curva, e a partir 
daí eu, juntando essas linhas, eu dar uma forma. [ ... ] 
Eu acho que quando o aluno começa a entender que 
existe uma proposta, um objetivo, o interesse aumenta. 
É como o adulto. Você vai, por exemplo, fazer uma 
entrevista, você tem que ter um objetivo, senão você 
fica falando, falando e não chega a lugar nenhum. 
A entrevistadora interrompe e pergunta: "Então 
me diga, o que você considera mais importante no 
ensino de arte?" A professora responde: 
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- Acho que primeiro o próprio professor precisa 
fundamentar tudo isso para ele próprio. Para propor 
algo para os alunos, ele tem que partir de um princípio. 
[ ... ] Eu particularmente acho isso: se não ficar claro 
para o aluno que existe um objetivo, uma proposta, 
uma meta, para estas aulas de arte, ele vai achar que 
é desenho livre, uma coisa solta que não tem uma 
sequência. 
------ ------- ,~-~ 
A entrevistadora questiona novamente: "Você 
está falando, assim, genericamente, o professor, mas 
você ainda não colocou a sua meta". A partir dessa 
segunda intervenção, a professora passa a falar como 
desenvolve seus cursos e quais atividades realiza. Ao 
mesmo tempo que a professora é solicitada a voltar ao 
tema da entrevista, é informada de que está afastando­
se da resposta por meio de um discurso generalizado. 
E óbvio que o bom senso e o respeito ao 
entrevistado devem prevalecer. Caso os esforços de 
voltar ao tema não sejam bem,sucedidos, deve-se seguir 
a tendência daquele e adotar um curso mais livre. 
• De aprofundamento 
São aquelas perguntas que podem ser feitas 
quando o discurso do entrevistado toca nos focos de ,~ 
modo superficial, mas trazem a sugestão de que uma -?I\ 
investigação mais aprofundada seria desejável. Assim 
como nas anteriores, na análise, é informativo observar 
quais os itens que foram aprofundados e quais os que 
foram tratados superficialmente. 
Nas questões de aprofundamento, podemos 
utilizar indagações que investigam diferenças, 
relações interpessoais e a perspectiva do observador. 
Nas questões que investigam diferenças, 3 utiliza-se a 
comparação, para

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