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<p>INDIVIDUALIDADE #GOAHEAD</p><p>RODOLFO PERES INDIVIDUALIDADE #GOAHEAD edição São Paulo 2016</p><p>APRESENTAÇÃO Desde a década de 1990, eu e o Rodolfo Peres, confirmamos a doutrina que nos leva a analisar cada caso minuciosamente, a fim de elaborar da forma mais criteriosa possível um programa nutricional adequado ao treinamento, estilo de vida, possibilidades econômicas, logística e até às necessidades bio- químicas de cada indivíduo. Ora, há décadas, a própria geopolítica já nos indicava que a tentativa de equalizar a todos dentro de um mesmo padrão não dava certo, por isso o muro de Berlim foi esfacelado a marretadas no fim dos anos 80. Definitiva- mente, não somos iguais apesar de sermos 98,7% parecidos geneticamente com nossos parentes mais próximos, os macacos bonobos. Até o DNA "idên- tico" de gêmeos univitelinos vem sendo questionado ultimamente. Um pe- queníssimo percentual pode indicar grandes diferenças. Assim sendo, como posso crer em uma série de treino adaptada a todos? Como posso copiar uma proposta de dieta prescrita para outra pessoa? Se isso realmente funcionasse, não seriam mais necessários treinadores nem nutricionistas. Já está em tempo de verificarmos seriamente que cada indivíduo tem sua realidade, que percorre de seu imaginário a sua célula, de seu espírito ao seu comportamento. Este novo livro do Rodolfo Peres será mais um túnel a nos conduzir em direção à luz da verdadeira liberdade. Waldemar Guimarães Neto</p><p>AGRADECIMENTOS Tenho muito a agradecer a inúmeros amigos, professores e pacientes que me ajudaram, direta e indiretamente, a escrever este livro, através de conversas, debates, consultas e de muitas outras formas. Entre eles, cito nomeadamente: Waldemar Guimarães Neto, Simone Martins Pinto (in memorian), Sandra Fernandes, Fernando Marques, Rafael Silvestre Knack, Felipe Pereira Carlos de Souza e Marília Coutinho. Esclareço que a citação dessas pessoas não implica que elas concordem necessariamente com as opiniões pessoais expressas na obra. Este livro destina-se ao público em geral, razão pela qual o texto não inclui referências bibliográficas. Estas teriam provocado frequentes interrupções na leitura que só se justificam em trabalhos mais técnicos e acadêmicos, mas a sua preparação exigiu consulta de inúmeros livros e artigos, um precioso auxílio que faço questão de compartilhar. No final do livro, apresento, em apêndice, uma bibliografia pormenorizada.</p><p>Com muita alegria e satisfação recebi o honroso convite de prefaciar este livro do meu amigo e parceiro profissional Rodolfo Peres. Nossos cami- nhos se cruzaram no ano de 2005. Aos 15 anos de idade, eu, ávido por conhe- cimento, fui até a cidade de Bauru, no interior de São Paulo, assistir a um curso de treinamento de alto nível do professor Waldemar Guimarães e do Rodolfo Peres. Quis o destino que a palestra daquele jovem nutricionista me despertas- se a atenção e o desejo de agregar o papel do médico nessa equipe multipro- fissional de assistência ao paciente esportista. Os anos se passaram, uma gran- de amizade surgiu e a partir dela uma inevitável parceria profissional, pautada em valores humanos sólidos e no respeito à individualidade biológica. Ao ler este livro, mergulhamos em um caminho que desperta curiosi- dade crescente, onde o nutriente é valorizado como agente modificador do estado de saúde até chegar a outro polo, em que ele se torna determinante ao desempenho de um atleta profissional. Ao abordar as nuances relativas ao acompanhamento de atletas, o Rodolfo deixa claro que particularidades indi-</p><p>viduais e a modalidade praticada são determinantes na adoção de estratégias e, consequente, sucesso da intervenção. Outro ponto importante é a valori- zação e respeito ao trabalho em equipe multiprofissional e transdisciplinar, através de uma linguagem em comum, no qual todos convergem para um mesmo centro, o paciente. Através de uma leitura sutil, porém sem perder a profundidade e tec- nicismo necessários, todo e qualquer tipo de público, desde o entusiasta, es- portista recreativo, passando pelo atleta, até o profissional de saúde, irá reciclar e solidificar conhecimentos acerca de uma nutrição personalizada, como fer- ramenta de qualidade de vida, performance e longevidade no esporte. Com- partilhamos um objetivo comum: mostrar que desempenho e saúde podem e devem se aproximar e não serem aceitos passivamente como valências dis- tantes. Essa é a nossa missão como educadores em saúde. Exercício é remédio. Alimento é informação. Boa leitura a todos! Dr. Felipe Pereira Médico do Esporte</p><p>Introdução 13 1 - Por que somos tão obcecados pela nossa aparência? 17 2 - Transição Nutricional 25 3 - o corpo possível 33 Por onde começar? 35 Indivíduos obesos (características endomórficas) 36 Indivíduos magros (características ectomórficas) 38 Indivíduos com biótipo favorável (características mesomórficas) 38 4 - Onde foi que eu errei? 41 Não respeitar trabalho em equipe 42 Se iludir com o que vê nas redes sociais 45 Colocar toda esperança em suplementos 45</p><p>Confundir um alimento dito saudável 47 Se alimentar direito apenas no horário do treino 50 Uso de drogas para mudar a composição corporal 50 Não se preocupar com o acúmulo de gordura corporal 51 Priorizar a atividade aeróbica 52 Abusar no dia do lixo 55 Exagerar no consumo de bebidas alcoólicas 56 Compensar furos na dieta com sucos detox 58 Achar que nosso corpo precisa de açúcar 59 Falta de paciência 60 5 - A melhor proposta de dieta 63 Técnicas para a elaboração de um programa nutricional 65 Avaliação antropométrica 65 Memória metabólica 68 Interpretação de exames laboratoriais 70 Níveis de colesterol, homocisteína e triglicerídeos 71 Exames que apresentam alterações pelo exercício intenso 72 Vitamina D 73 Testosterona e tireoide 74 SHBG 77 Insulina 78 Ureia 78 Cortisol 79 IGF-1 e IGFBP3 80 Nutrigenômica 81 6 - Não se deixe enganar 85 Alimentos 85 Balança de precisão 90</p><p>Alimentação em viagens 91 Suplementos 93 Rotulagem 94 o milagre do colágeno 95 Whey Protein e BCAAs para mulheres 95 Óleo de COCO e de cártamo para redução de gordura 96 Barras de proteína 97 Termogênicos 97 Pré-hormonais 99 Doping 100 7 - que devemos comer 103 Carboidratos 108 Treino logo ao acordar 111 Dietas low carb 111 Jejum intermitente 113 Alimentos fonte de carboidratos 114 Proteínas 118 Lipídios 128 Vitaminas, sais minerais e antioxidantes 130 Hidratação 133 Intestino saudável 133 Saúde articular 135 8 - Como suplementar antes, durante e depois do treinamento 137 Estimulantes da síntese de NO 139 Glicerol 140 Beta-alanina 141 Cafeína 141 Adaptogênicos 143</p><p>Taurina 144 Suplementação logo antes do treino 145 Suplementação durante o treino 145 Suplementação logo após o treino 147 Creatina 149 Antioxidantes 150 Ácido Fosfatídico e HMB 151 Suplementação em atividades aeróbicas 152 Imunidade 155 9 - É possível mudar o físico em uma semana? 157 Qualquer um pode ser atleta de fisiculturismo? 160 10 - Periodização da dieta 163 Referências bibliográficas 167</p><p>#GOAHEAD "Não somos iguais e nem diferentes, somos únicos." Na minha rotina de trabalho é muito comum receber pessoas dispos- tas a fazer qualquer coisa para ter o corpo igual ao da modelo fitness ou do atleta famoso. A maioria deve sair do consultório frustrada, pois sempre digo que para conseguir isso elas teriam que morrer e nascer de novo, com carac- terísticas genéticas idênticas às daquela pessoa. A verdade é que você pode ter o mesmo peso, as mesmas medidas da pessoa que admira, mas nunca terá um corpo igual ao dela. Criar altas ex- pectativas ou se comparar com os resultados obtidos por outras pessoas não ajuda em nada, ao contrário. É uma grande besteira copiar o que outras pes- soas fazem porque a composição corporal só pode ser considerada de for- ma individual, de acordo com as características genéticas e o estilo de vida de cada um. Temos que aprender a conhecer nossas qualidades e limitações, a valorizar nossos pontos fortes e, o mais importante, buscar o equilíbrio. A quebra entre o padrão idealizado e o respeito às características individuais é fundamental para enxergarmos melhor nosso próprio corpo e valorizá-lo. o padrão magro e atlético que sempre foi mostrado na TV e nas revis- tas como sinônimo de saúde e felicidade hoje se potencializa nas redes digi- tais. Nos perfis fitness mais famosos o corpo perfeito parece estar ao alcance de todos. Se por um lado as frases e fotos postadas servem de estímulo para alguns, por outro, levam muitos seguidores a acreditar que eles só não têm o corpo do (a) fulano (a) - algo impossível fisiologicamente - porque não se esforçam o suficiente. Essa comparação pode aumentar em grande escala o 13</p><p>E INDIVIDUALIDADE número de pessoas com transtornos de imagem, sentimentos de inferiorida- de, inadequação social e distúrbios alimentares. Para não cair nessas perigosas armadilhas, o primeiro e mais importan- te passo é procurar ajuda profissional. Depois disso, deve-se encontrar o seu próprio padrão, sem pressões e expectativas irreais. Antes de começar mais uma dieta para emagrecer ou ganhar massa muscular, é preciso estabelecer uma consciência saudável em relação ao próprio corpo e adequar os obje- tivos às suas verdadeiras necessidades. O modelo de beleza ideal é sermos saudáveis e estarmos felizes com nós mesmos. nosso corpo é único, tem prazo de validade e merece respeito. Em um mundo com tanta diversidade, o respeito à individualidade é que deveria ser enaltecido e não a mesmice. Além disso, encontrar um corpo 100% simétrico, com uma relação per- feita entre massa muscular e gordura corporal, é mais difícil do que achar uma agulha no palheiro. Determinação e força de vontade fazem toda diferença, mas é preciso entender que sempre haverá um limite para cada um de nós. Esse limite pode levar o indivíduo a ser um campeão de fisiculturismo ou a simplesmente ter um físico harmonioso, dentro de uma média. Querer ter um corpo mais bonito, mais forte, para ser mais saudável e se sentir mais con- fiante, é absolutamente normal. Se a ciência descobriu meios para melhorar nossa aparência, é claro que devemos usufruir desses benefícios. problema é quando a busca pelo corpo perfeito chega à insanidade de tentar superar nossos limites biológicos. Querer ser fisiculturista, quando se tem biótipo e aptidão para ser um maratonista, por exemplo, é frustração na certa. A boa notícia é que todos nós, independentemente da constituição genética, podemos melhorar nosso físico, ter baixos níveis de gordura e uma massa muscular suficiente para envelhecermos de forma mais saudável, que é o que realmente importa. Só que a complexidade do processo de mudança corporal exige uma abordagem integrada e multiprofissional. caminho, seja qual for o objetivo, não é simples. Além de uma boa dose de determinação, tanto no treinamento quanto na dieta, é fundamental o acompanhamento de 14</p><p>#GOAHEAD profissionais que conheçam as estratégias e protocolos para ajudar o pacien- te ou o aluno nesta busca. Temos a obrigação de ajudá-lo a descobrir os seus limites e desafiá-lo a atingir o seu melhor. o objetivo deste livro é apresentar informações realistas para que você possa obter resultados significativos em seus treinamentos com uma correta nutrição. o nosso corpo é reflexo das escolhas que fazemos ao longo da vida. Não existe milagre para ter um corpo harmonioso e saudável. É preciso paci- ência, disciplina e equilíbrio na dieta, tratando a si mesmo com o máximo de cuidado e responsabilidade. Não desista de você. Continue. 15</p><p>POR QUE SOMOS TÃO OBCECADOS PELA A visão que temos sobre o nosso corpo é diretamente influenciada pelo corpo do outro. Como seres sociais nós consumimos não só alimentos, mas comportamentos, roupas e atitudes que atendam às expectativas da so- ciedade. Somos obcecados pela nossa aparência, porque entendemos o cor- po como um meio de aceitação social. Se hoje a mídia cria modelos, por outro lado, traduz conceitos, emo- ções e aspirações da sociedade. Os veículos de comunicação não são os úni- responsáveis pelos padrões estéticos, mas também o próprio público que acata consumir estes modelos que circulam em mão dupla. Dizer que belo e feio são relativos aos tempos e às culturas não significa que não se tentou, desde sempre, vê-los como padrões definidos em relação a um modelo está- vel. Na pré-história, o conceito de beleza feminino estava fortemente ligado à reprodução. Mulheres de seios fartos e quadris generosos eram as preferidas por passarem a ideia de que eram mais preparadas para gerar filhos. 17</p><p>E INDIVIDUALIDADE Arqueólogos que encontraram essa peça de 28 mil anos acreditam que ela represente um modelo de beleza feminina valorizado por nossos antepassados das cavernas. A Vênus de Wil- lendorf, uma escultura de apenas 11cm, seria uma representação da mulher-mãe, símbolo da fertilidade, da vida e do alimento. Já na Grécia antiga um corpo masculino bonito era prova de uma men- te brilhante. Eles tinham até uma palavra para identificar isso - kaloskagathos literalmente belo e bom ou belo e virtuoso. Hoje sabemos que um núme- ro considerável daquelas estátuas gregas reproduzia mesmo a realidade - a pessoa era coberta com gesso e o molde era usado para fazer a obra mas, de um modo geral, a escultura grega clássica era uma fantasia, um ideal aparen- temente impossível de ser atingido. Os "ginásios" eram não apenas academias no sentido moderno da palavra - mas uma parte essencial da vida cotidiana. Era nesses locais que os homens se tornavam melhores - não apenas através do exercício físico, mas também se dedicando aos estudos filosóficos. Uma visão completamente diferente se aplicava às mulheres. Hesío- do - um poeta grego que viveu de 750 a 650 a.C. - descrevia as mulheres simplesmente como kalon kakon "uma coisa perversa e bela". A mulher, criada para dar trabalho e sofrimento ao homem parecia personificar a essên- cia do mal. Ser um homem bonito era fundamental. Ser uma mulher bonita era sinal de problema. E como se isso já não fosse ruim o suficiente, a beleza 18</p><p>#GOAHEAD era frequentemente motivo de competição. Concursos de beleza - kallisteia - eram realizados regularmente nos centros de treinamento das Olimpíadas, em Lesbos, onde as mulheres eram julgadas pela forma como andavam. Os homens também participavam das competições, amarrando fitas nas partes do corpo que queriam destacar, sobretudo uma perna bem torneada ou um musculoso. Na Grécia, a educação física era considerada um pilar da formação dos homens que desde meninos frequentavam os gymnasiums, complexos esportivos que também eram centros de formação intelectual. Havia lugares específicos para treinamento de boxe e luta, as palaestras. Os atletas se exercitavam sem roupa (gymnos significa "nu" em grego). Mas como os guerreiros da Grécia antiga conseguiam ter um físico forte e definido, sem equipamentos musculação, suplementos e um conheci- mento profundo sobre Nutrição? Podemos pensar que, primeiro, eles tinham tempo para fazer muita atividade física e comiam moderadamente cereais, carne, legumes e frutos - não os alimentos industrializados que temos acesso nos dias de hoje. Por aí já é possível identificar uma grande diferença com a realidade mo- derna. Hoje, queremos ter um físico de guerreiro vivendo nossa batalha diária em empresas e escritórios, sentados a maior parte do tempo. Justamente para ame- nizar esta discrepância entre o estilo de vida moderno e nossos ideais estéticos é que foram desenvolvidas estratégias nutricionais e suplementos alimentares. 19</p><p>NUTRIÇÃO E INDIVIDUALIDADE conceito de beleza dos gregos, com proporções matemáticas e har- monia entre os elementos, mantém-se na Idade Média, mas para refletir a be- leza divina. Devido à grande religiosidade da época, a mulher passou a ser vis- ta como fonte de pecado e o corpo, a ser negado. Alguns registros mostram que a mulher considerada bonita tinha que ter pele branca, olhos negros, seios pequenos, rosto corado e uma barriga saliente que remeteria à ideia de maternidade. Algumas mulheres chegavam a colocar enchimento na barriga para ficarem mais atraentes. Suas características deveriam mostrar saúde em oposição à realidade da época, em que a sociedade era assolada pela fome e pelas doenças. Renascimento deu continuidade ao pensamento medieval de que a beleza estava relacionada à saúde e, como somente as famílias mais abas- tadas tinham acesso a uma boa alimentação, o corpo ideal relacionava-se ao que o rico podia comprar. Não por acaso, as mulheres gordas eram as mais admiradas. espartilho surgiu no século XVI com o objetivo de dar suporte e controlar as formas naturais do corpo. Servia para erguer e pressionar o busto, além de manter as costas em uma postura reta. o ideal de beleza feminino passou a exigir formas mais delicadas e a cintura cada vez mais reduzida. No século XVIII, as formas naturais passaram a ser valorizadas novamente em um curto período de tempo. o estilo neoclássico trouxe formas leves, fluidas e os espartilhos foram quase abandonados. Não demorou muito e eles voltaram com um novo material, a barbatana de baleia, que permitiu maior flexibilida- de ao material para que a cintura fosse ainda mais pressionada. Até as crianças foram submetidas ao uso de suportes, formas mais simples de espartilho, com a justificativa de melhorar a postura. Nessa época, os médicos já protestavam contra a pressão exercida nos órgãos internos. A Revolução Industrial iniciada no século XVIII acentuou as diferenças entre classes sociais e colocou em destaque, no século seguinte, tudo o que provinha da riqueza, recuperando o antigo ideal renascentista de beleza. As burguesas gordinhas com rosto corado ganharam novamente destaque du- 20</p><p>#GOAHEAD rante o século XIX. corpo desejado era o que tinha forma de ampulheta. Para adquiri-lo, as mulheres utilizavam espartilhos cada vez mais apertados. Em casos extremos, a cintura chegava a menos de 40 centímetros. Há relatos de que o exagerado uso de espartilhos causou inúmeros problemas para as mulheres, como diminuição da capacidade respiratória, desmaios frequentes, dificuldade para sentar ou subir escadas, abortos e alguns casos de órgãos perfurados por costelas quebradas. Nas pinturas e esculturas renascentistas heróis gregos e bíblicos exibiam músculos definidos, corpos sem pelos e não tinham vergonha da nudez. Davi de Michelangelo é considerado até hoje modelo de perfeição das formas masculinas. A chegada do século XX trouxe a liberação dos costumes e a possibi- lidade das mulheres mostrarem mais o corpo. Na década de 1920, a emanci- pação feminina fez com que os espartilhos fossem substituídos pelo sutiã. As silhuetas cilíndricas, nas quais os seios, a cintura e o quadril tinham medidas semelhantes, passaram a ser mais valorizadas. Já a década de 1940, marcada pela Segunda Guerra Mundial, exigiu das mulheres formas masculinizadas, en- trando em voga os ombros largos. Nos anos de 1950, a cintura voltou a ser va- lorizada. Seios fartos, cintura fina e quadris avantajados também configuram a silhueta da mulher-violão na década de 1960. o cinema europeu foi pródigo em exportar esse padrão, como o da francesa Brigitte Bardot. Não muito longe, 21</p><p>E INDIVIDUALIDADE nos anos 70, a magreza extrema foi incorporada ao ideal de beleza. Twiggy Lawson, considerada a primeira supermodelo do mundo, di- tava um novo estilo. Mulheres sem barriga, sem seios, sem bunda e com per- nas finas era o padrão a ser seguido. Justamente nesse período, os primeiros "gurus" da nutrição começaram a surgir. Estratégias divulgadas hoje como novidade já eram muito populares na década de 1970, como a dieta com res- trição total de carboidratos. Naquela época, o conhecimento que se tinha sobre nutrição era relativamente pequeno, assim como a oferta de alimentos com baixo valor nutricional. o movimento hippie das décadas de 1960 e 1970 trouxe a moda do corpo sem curvas. A magreza passa ser o ideal de beleza da época. Modelos sempre ditaram os padrões de beleza, principalmente entre as mulheres. Cindy Crawford, Naomi Campbell, Claudia Schiffer, Linda Evan- gelista e Kate Moss desfilavam o padrão de corpo perfeito no fim dos anos 80 e início dos anos 90. Altas e magras, curvilíneas sem exageros, dominaram passarelas, capas das revistas e campanhas das grandes marcas. Já os homens, motivados pelos filmes de Arnold Schwarzenegger, Syl- vester Stallone e Jean-Claude Van-Damme passaram a sonhar com corpos mais musculosos. 22</p><p>#GOAHEAD Em 1966, o austríaco Arnold Schwarzenegger era mais um entre centenas de fisiculturistas. Tudo mudou após ser eleito Mr. Olympia por sete vezes (1970, 1971, 1972, 1973, 1974, 1975, 1980). Na década de 1980, ele se tornou referência para gerações de praticantes de musculação. No início do século XXI, a mulher magra foi mantida como ideal de beleza feminino, representado pela modelo brasileira Gisele Bündchen. Tam- bém houve grande destaque para a beleza sensual que passou a exigir das mulheres seios avantajados, quadril largo e pernas torneadas, além de um corpo malhado. As mesmas mulheres que antes evitavam qualquer tipo de pó proteico por medo de engordar, passaram a consumir suplementos esporti- vos. Inspiradas em musas fitness, elas lotam as salas de musculação na busca por físicos mais fortes e definidos. 23</p><p>INDIVIDUALIDADE É cada vez maior o número de mulheres que procuram as academias de musculação em busca de um corpo mais forte e definido. Aos poucos vão sendo derrubados os tabus relacionados à feminilidade e ao treinamento com pesos. Este breve resumo sobre a história dos padrões de beleza serve para mostrar como a ideologia do corpo perfeito muda de tempos em tempos. Não é de hoje que vemos homens e mulheres tentando conquistar um pa- drão inatingível. A diferença é que hoje ganhamos o peso da obrigação. o dever de ser belo é considerado absolutamente natural e acessível a todos. Nunca se falou tanto em alimentação e vida saudável como nos dias atuais. Nunca soubemos tanto sobre nutrição, dietas e alimentos que "fazem mal" como hoje. Temos pílulas, sucos, comidas diet, light e zero, aplicativos digitais com dietas prontas, aparelhos e cosméticos para perder medidas, re- vistas especializadas em perda de peso, cosméticos, cirurgias plásticas, redu- ção de estômago e, ironicamente, nunca tivemos números tão expressivos de obesidade ao redor do mundo. Isso nos leva a pensar que, se por um lado é positiva uma oferta maior de informações à população, por outro lado corremos mais riscos de nos sub- metermos aos modismos e reproduções que, na atual conjuntura, fazem par- te de tudo o que diz respeito ao corpo. 24</p><p>2 TRANSIÇÃO NUTRICIONAL Durante milhões de anos, o ser humano soube se alimentar, procuran- do intuitivamente os alimentos de forma adequada. Diversas linhas de pes- quisa argumentam que a prevalência de muitas doenças crônicas nas socie- dades modernas, entre elas a obesidade, a hipertensão, doenças coronarianas e diabetes, seria resultado da incompatibilidade entre padrões dietéticos mo- dernos e o tipo de dieta que nossa espécie desenvolveu para se alimentar como caçadores-coletores pré-históricos. Os aspectos alimentares influenciaram fortemente nossos ancestrais hominídeos tanto no aspecto físico como no social. A expansão do nosso cé- rebro (três vezes maior que o esperado para outros primatas) provavelmente não teria ocorrido se os hominídeos não tivessem adotado uma dieta rica em calorias e nutrientes. Até mesmo a locomoção sobre as duas pernas (bipeda- lismo) pode ter emergido - dentre outras hipóteses - como uma postura de alimentação, por ter permitido o acesso a alimentos que antes estavam fora de alcance. Sabe-se que o último ancestral comum dos humanos e dos chim- panzés, nosso parente vivo mais próximo, era quadrúpede. 25</p><p>NUTRIÇÃO E INDIVIDUALIDADE Conforme a teoria evolutiva corrente, por volta de seis e sete milhões de anos atrás, viveu nas florestas africanas um antepassado do homem do tamanho de um chimpanzé, que passava a maior parte do tempo nas árvores, em busca de seu alimento mas eventualmente descia ao solo. A presença de grandes molares e de pequenos caninos sugere que esses hominídeos tinham uma dieta baseada em vegetais, mas podemos supor que insetos e pequenos vertebrados também fizessem parte de sua alimentação. Após alguns milhões de anos, o continente africano foi ficando mais árido, transformando as florestas em pastos e savanas, o que deixou os re- cursos alimentares distribuídos mais irregularmente. Com isso, observa-se o início da caça de animais selvagens, pois a disseminação de pastos também resultou em um aumento na abundância relativa de mamíferos, como o an- tílope e a gazela, iniciando a Era do homem coletor e caçador. No início, nos- SOS antepassados tiveram grandes dificuldades, pois não estavam adaptados à caça. Quando encontravam um animal doente ou já morto, eles consumiam sua carne com voracidade. A ingestão de mais alimentos de origem animal foi uma forma de au- mentar a densidade calórica e nutricional, uma mudança que parece ter sido crítica na evolução da raça humana. Nesse período, estima-se que em torno de 60% do total de calorias da dieta eram provenientes de alimentos fonte de proteínas. Um valor que pode assustar muitos profissionais da área de nu- trição. Mas, se uma ingestão acima das atuais diretrizes fosse tão prejudicial como muitos pregam, nós não estaríamos aqui para contar essa história. Os alimentos do homem caçador e coletor tiveram como base a carne, frutos e oleaginosas. Com o passar dos anos foram surgindo adaptações para facilitar a caça, pois as condições em que a evolução humana se deu permiti- ram que o homem desenvolvesse sua inteligência para compensar seus des- vantajosos atributos físicos. Pedras lascadas para compensar a falta de garras e presas; lanças para compensar a pouca velocidade; além de estratégias e emboscadas para compensar a falta de resistência. A carne nos acompanhou 26</p><p>#GOAHEAD grande parte desse tempo, seja da carcaça abatida por outros animais ou da carne de outros humanos, única opção para não se morrer de fome. É fundamental lembrar que, nesse período, era frequente o homem passar um ou mais dias seguindo e caçando animais. Depois, ele levava a caça até sua caverna - provavelmente carregando a presa nas costas a passos re- lativamente rápidos. Mesmo quando não estava à procura de alimento, abri- go ou segurança, o homem pré-histórico era fisicamente ativo. Ele apreciava o exercício porque era parte de sua vida social e cultural. Cerca de 1,8 milhões de anos atrás, parte dos hominídeos começou a deixar a África, aventurando-se pelo mundo até então desconhecido. Esse período coincide com o início da utilização do fogo para cozinhar os alimen- tos. A cocção não só faz com que os vegetais fiquem mais macios e fáceis de mastigar, como aumenta substancialmente o conteúdo energético disponí- vel, particularmente em tubérculos feculosos como a batata e a mandioca. Quando crus, as féculas não são imediatamente quebradas pelas enzimas do corpo humano, mas quando aquecidos, estes carboidratos complexos tor- nam-se mais digeríveis, liberando mais calorias. Com o início da agricultura, há cerca de 10 mil anos, o homem agricul- tor passou a ter a segurança de saber que se cuidasse da sua plantação teria alimento para o ano inteiro. cultivo de vegetais também permitia o sustento da família sem a necessidade de grandes deslocamentos, a fixação e o susten- to de um núcleo populacional maior em menor área. Mas isso não tornou o homem exclusivamente vegetariano. A criação de animais ficava concentrada nas terras menos propícias ao cultivo. A agricultura não é uma atividade natural como muitos pensam; ela não existiria sem a intervenção humana. Se considerarmos que o homem moderno tem cerca de 150 mil anos e a agricultura apenas 10 mil, ela representa algo ínfimo diante dos 6-7 milhões de anos de todo nosso período evolutivo. Para facilitar nossa compreensão temporal, se uma hora correspondesse ao período de existência do homem moderno, a agricultura 27</p><p>NUTRIÇÃO INDIVIDUALIDADE teria começado apenas nos últimos 4 minutos e 30 segundos. Como principal fonte de subsistência, apenas no último 1 minuto e 30 segundos. No entanto, suas consequências tiveram um impacto gigante em nossa evolução. Com a agricultura e a domesticação de animais, o homem deixou de ser nômade. Isso permi- tiu a formação das primeiras comunidades, como vilas, aldeias, tribos e cidades. o aperfeiçoamento das técnicas de colheita de alimentos alijou a maio- ria de nós de qualquer função caçadora, mas manteve em nosso inconsciente hábitos carnívoros que foram incorporados em nossa cultura. Em vez de nos empanturrar em duas enormes refeições bem distantes umas das outras, por que não inventar um sistema em que a comida pudesse ser ingerida em pe- quenas porções distribuídas ao longo do dia? Em vez de um longo intervalo para atender às duas refeições principais, poderíamos ter direito a cinco ou seis breves paradas diárias no trabalho para nos alimentar. Esta forma de es- paçar a alimentação poderia ser feita sem qualquer prejuízo de rendimento, desde que as regras culturais fossem ajustadas. Com a agricultura, gradativamente, ocorreu um acréscimo substancioso da oferta de carboidratos. Este aumento proporcionou alguns efeitos colaterais, tais como a obesidade, hipertensão arterial, diabetes, doenças psicossomáticas e a hipercolesterolemia doenças inexistentes no homem 28</p><p>#GOAHEAD pré-histórico ou entre qualquer outro mamífero terrestre não domesticado. As tendências de transição nutricional ocorridas principalmente no século passado em diferentes regiões do mundo também convergem para uma dieta mais rica em gorduras (particularmente as de origem animal), açúcares e alimentos processados; ao mesmo tempo em que esta dieta foi (infelizmente) reduzida em fibras, carboidratos complexos e alimentos funcionais. fato é que, quando nos sentamos à mesa, existe em nosso subcons- ciente um peso de aproximadamente 3,6 milhões de anos de evolução e luta pela vida na Terra. Só que para uma parcela privilegiada da população não existe mais escassez de alimentos. Temos que controlar a ação dos nossos genes que insistem em nos fazer comer até ficarmos totalmente saciados e armazenar energia quase ilimitadamente, além de tirar um bom cochilo após a refeição. Existem ainda evidências crescentes de que a fisiologia humana é configurada de forma mais eficiente para lidar com a minimização de poten- ciais consequências negativas da baixa ingestão calórica (fome) do que com as consequências negativas do excesso de calorias. Se nosso organismo não mudou muito desde os tempos pré-histó- ricos, em termos de dieta e exercício, a evolução não acompanhou nosso moderno estilo de vida. Não é preciso ser um especialista em nutrição para perceber que a nossa alimentação piorou muito. Comidas práticas, saborosas, riquíssimas em carboidratos e com teores elevados de aditivos químicos, to- mam conta das prateleiras dos supermercados, enquanto alimentos integrais ou orgânicos ficam escondidos nos cantos das gôndolas ou são muito mais caros. Em contrapartida, a demanda energética da vida moderna caiu drasti- camente pelo estilo de vida mais sedentário. Estima-se que o gasto energé- tico total do homem moderno sedentário seja o equivalente a 68% do gasto energético total do homem na idade da pedra. Até mesmo nossos avós gasta- vam entre 300 e 400 calorias a mais que nós. Não precisamos nos movimentar tanto quando há esteiras e escadas rolantes, carros, aviões e supermercados, sem falar nas facilidades advindas com a internet e o telefone celular. 29</p><p>NUTRIÇÃO INDIVIDUALIDADE o excesso de comidas industrializadas e o sedentarismo são apontados como os culpados dessa mudança na evolução humana. o mecanismo evolucionista que selecionou pessoas capazes de acumular gordura, decisão inteligente no passado, hoje se volta contra elas. Muitos países têm atualmente mais de 20% de sua população na condição de clinicamente obesa e mais da metade da população acima do peso. Nosso corpo precisa de exercício e de uma boa alimentação para per- manecer saudável e prevenir doenças. Evoluímos para nos movimentar, mas a modernidade nos condicionou a ficar parados. Somos vítimas do nosso pró- prio sucesso evolutivo, desenvolvendo uma dieta calórica concentrada, mas minimizando a quantidade de energia de manutenção despendida em ativi- dade física. o exercício e uma ótima nutrição devem ser incorporados à vida cotidiana para que pareçam completamente naturais, pois é isso que eles são. Outro problema é o crescente aumento da população. A necessida- de de desenvolver técnicas para melhorar a produtividade de alimentos foi necessária para dar conta da demanda e interferiu diretamente nos teores nutricionais. Verduras e legumes repletos de agrotóxicos, o amplo uso de an- tibióticos na criação de gado, aves e peixes, só para citar exemplos comuns de técnicas nocivas à saúde utilizadas para garantir e/ou aumentar a produtivi- dade. Agricultores já me relataram que não têm coragem de comer sua pró- pria produção por saber do volume de veneno utilizado no cultivo. Tomate é rico em licopeno, um poderoso antioxidante? Sim, mas será que com todas essas técnicas inovadoras para melhorar a desenvolvimento das sementes en- contraremos no tomate a quantidade de licopeno esperada? trigo, um dos 30</p><p>#GOAHEAD símbolos da agricultura, atualmente é muito menor do que o trigo de dois mil anos atrás. Será que essas modificações em sua estrutura não o tornaram menos nutritivo? Outro ponto que devemos considerar é o aspecto cultural. São as con- venções sociais que decidem o que é alimento, quem pode comer o que e quando. Podemos esperar uma relação mais ou menos íntima entre os tipos de alimentos conhecidos e aceitos por uma população e o gênero de estrutu- ração social da comunidade. Ao comer estamos reagindo a determinadas mo- tivações internas, isto é, às contrações de fome que decorrem da redução da taxa de açúcar na composição sanguínea. Em outro nível, porém, a sua reação não pode ser entendida apenas com recurso aos conhecimentos fisiológicos. o fato de um indivíduo sentir fome pela manhã, ao meio-dia, no meio da tarde e à noite, é um enquadramento cultural assim como é grande parte da quantidade de alimentos que é ingerida. A fome de um trabalhador rural não é idêntica ao apetite de um empresário; nem a disposição do brasileiro à mesa coincide com a do americano. Também não se pode comer e beber de uma maneira qualquer. Há alimentos para cada ocasião e alimentos proibidos a determinadas religiões. Encontramos quantidades estabelecidas para cada tipo de pessoa ou para cada sexo. Existem maneiras especiais de prepará-los, de servi-los e de comê-los. Certos assuntos podem ser mencionados duran- te uma refeição, outros são tabus e muitas vezes se exige silêncio. Há povos que usam mesas e povos que não as conhecem. Há grupos de indivíduos que usam talheres e outros que comem com as mãos. Como animais, fazemos par- te da natureza, mas como seres humanos nós somos parte da cultura. Nossa sobrevivência, como animais e homens, depende da ingestão de alimentos que pertencem à natureza, mas também ao domínio da cultura. 31</p><p>3 0 CORPO POSSÍVEL Feita essa digressão, vamos voltar ao ponto central deste livro. A ali- mentação tem obtido enorme espaço midiático nas últimas duas décadas. Os guias de cozinha e os livros de dieta invadem as prateleiras das livrarias e as pá- ginas da Internet. Jamais a ciência da nutrição foi tão comentada, investigada, posta em cena pela mídia. Mais do que uma valorização do poder nutritivo dos alimentos ou do bem-estar que eles podem trazer, há um enorme destaque, até mesmo obsessivo, na conquista do corpo ideal, magro e sem gordura. Muitas pessoas hoje treinam e fazem dieta com a desculpa de querer melhorar a saúde. Quando eu digo desculpa é porque boa parte dessas pes- soas parece estar disposta a tudo, até mesmo a prejudicar sua saúde, para transformar seus corpos e se encaixar em um determinado padrão de beleza. Se você pudesse comer qualquer coisa sem a preocupação de engor- dar, certamente comeria mais e pior. Trocaria as verduras e carnes magras por alimentos sem valor nutritivo, como pizzas, lanches gordurosos e doces; abandonaria os treinos regulares e passaria mais tempo em frente ao compu- 33</p><p>NUTRIÇÃO E INDIVIDUALIDADE tador ou no bar com os amigos. Seria uma pessoa magra e feliz até começar a sentir as consequências deste estilo de vida. A alimentação pode parecer algo trivial, mas diz muito sobre quem fomos, quem somos e o que queremos ser. Alimentação é a chave. Se você negligenciar a alimentação, tudo estará perdido. Como tentei mostrar no ca- pítulo anterior, o ser humano já sentiu muito prazer se alimentando de for- ma instintiva. maior problema é que o conceito de alimentação saudável da atualidade faz parte de uma indústria cultural altamente lucrativa, enganosa e quimérica. Nos últimos anos, foram criadas muitas cartilhas impondo regras quase dogmáticas do que deve ser uma boa alimentação, além das chamadas teorias condenatórias. Estamos habituados a uma alimentação muito saborosa - muito mais saborosa que a da natureza - e o nosso paladar é constantemente estimu- lado, desencadeando uma resposta alimentar exagerada. Daí resulta, muitas vezes, um aumento de peso pouco saudável. Para remediar este perigo os obesos são aconselhados a comer isso e aquilo, a evitar determinados nu- trientes ou a experimentar todos os gêneros de combinações. Infelizmente, só existe uma receita adequada: comer melhor e em menor quantidade. Essa medida funciona às mil maravilhas, mas como o paladar da pessoa continua a receber os mais variados estímulos, poucos conseguem seguir uma dieta mais equilibrada durante muito tempo. Quem busca resultados imediatos, em regimes de 12 semanas, pode até conseguir algum sucesso, mas dificil- mente conseguirá mantê-los. A manutenção é a parte mais difícil de qualquer programa de mudança da composição corporal. Sem uma mudança definiti- va em seu estilo de vida, todo e qualquer sacrifício produzirá resultados mo- mentâneos. É o que acontece com quem emagrece tomando remédios ou se privando de muitos alimentos por um determinado tempo. Na maioria das vezes, para o mesmo objetivo, pessoas diferentes per- correm caminhos diferentes. Parece óbvio, não? Mas poucos tem levado isso a sério. De um modo geral, as pessoas perdem tempo copiando estratégias 34</p><p>#GOAHEAD utilizadas por artistas, modelos e atletas; acreditam piamente que se fizerem a mesma dieta e o mesmo treino, terão exatamente os mesmos resultados, e ainda seguem dietas publicadas em revistas de grande circulação. Quer ser exatamente igual à determinada pessoa? Impossível! A individualidade bio- lógica é implacável. Há pouco mais de 10 anos, os pacientes me diziam: quero ficar com o corpo daquela pessoa que treina no meu horário. Hoje, como se eu fosse o gênio da lâmpada, eles me pedem para ajudá-los a ter um físico igual ao das pessoas que seguem nas redes sociais. Só que muitas vezes nada daquilo que veem é real. E nem estou falando de photoshop, mas da iluminação, bron- zeamento, posição, uso de filtros e de algumas estratégias de desidratação utilizadas antes de um ensaio fotográfico. Costumo orientar meus pacientes a se basearem no mundo real, não no virtual e, principalmente, a terem como parâmetro a imagem que veem no espelho. Temos que nos superar a cada dia, mas dentro dos limites da nossa fisiologia e saúde. Por onde começar? o primeiro passo é a adequação da dieta com as suas características e necessidades individuais. É de fundamental importância entender que cada organismo é único e funciona de uma forma particular. seu biótipo influen- cia sobremaneira na forma como você vai responder à dieta e aos exercícios, mas outros fatores podem ser tão ou mais importantes. Quem criou a teoria mais conhecida de classificação corporal foi o psi- cólogo americano, William Herbert Sheldon, na década de 1940. Ele dividiu a estrutura física do ser humano em três tipos diferentes: Endomorto (adiposi- dade), Mesomorfo (muscularidade) e Ectomorfo (magreza). Sheldon consta- tou ainda que não existe um tipo de corpo "puro", ou seja, apesar das caracte- rísticas identificadas na pesquisa serem predominantes, cada pessoa pode ter simultaneamente os três somatótipos em diferentes graus. 35</p><p>E INDIVIDUALIDADE Um fato curioso é que, inicialmente, o trabalho do Sheldon não tinha nada a ver com dieta e treinamento. Ele queria provar a existência de uma relação entre a estrutura física e o temperamento do indivíduo. Na época, a antropometria e as ideias da antropologia criminal eram usadas por diversas ciências. viés eugênico da pesquisa de Sheldon a crença na superioridade física e psíquica de uns tipos sobre os outros nunca foi admitido abertamen- te, mas na época deu o que falar. Após a segunda guerra mundial, todas as pesquisas relacionadas ao estudo da relação entre o corpo e o comportamen- to foram desestimuladas, combatidas e vetadas, mas a pesquisa de Sheldon serviu de base para estudos posteriores e, ainda hoje, é objeto de pesquisa pela sua importância na classificação das variáveis corporais. Hoje sabemos que é possível transformar uma criança muito magra em um forte atleta no futuro, mas seu sucesso muito dependerá da sua he- rança genética, alimentação, treinamento e de outros fatores externos. Em um processo de mudança corporal, seja qual for o objetivo, a base dietética é quase sempre a mesma, variando de acordo com características metabólicas individuais, gasto energético com atividades básicas do cotidiano e com o tipo, duração ou intensidade do exercício. Não é porque alguém tem dificul- dade para ganhar "peso" (na forma de massa muscular) que vai se preocu- par apenas com a quantidade de calorias ingeridas, almoçando batatas-fritas e adoçando suas bebidas com açúcares. Da mesma forma que o obeso não deve evitar alimentos nutritivos avaliando apenas seu valor calórico. Individuos obesos Quando iniciamos o trabalho com alguém que está com sobrepeso ou obesidade não podemos nos preocupar exclusivamente com a balança. É deste pensamento errado que vêm as inúmeras propostas de regimes que fa- zem as pessoas perderem tempo e saúde. Reduzir o peso corporal na balança 36</p><p>#GOAHEAD é muito fácil. Basta ingerir menos calorias do que se gasta. Por isso, as dietas baseadas exclusivamente na contagem de calorias, em que é possível substi- tuir peito de frango por chocolate, desde que tenham o mesmo valor calórico, fazem tanto sucesso. Da mesma forma é possível perder peso ao substituir o almoço e o jantar por shakes de baixas calorias. Um dos problemas destas dietas é que junto com a gordura corporal a massa muscular também será sacrificada e não será pouca. Sem contar a falta de reeducação alimentar que não trará nenhum benefício no longo prazo. Independentemente da quantidade de tecido gorduroso a ser elimi- nado deve-se poupar a massa magra desde o início do trabalho. Não importa se a pessoa precisa perder 10 kg ou 100 kg de gordura, a manutenção da massa magra é fundamental para um bom funcionamento metabólico. Ainda mais se considerarmos que a maior parte das pessoas obesas apresenta um metabolismo mais lento por alguns fatores que discutiremos mais adiante. Além da natural perda de músculos, um trabalho que não preserva a massa magra também levará a uma perda grande de colágeno e demais proteínas estruturais, piorando muito a qualidade da pele. A pessoa acaba com o pro- blema do excesso de gordura, mas perde o tônus muscular e pode ter outras possíveis deficiências, como um sistema imunológico debilitado e carências vitamínicas. É muito comum observarmos estes aspectos em obesos que re- alizaram cirurgia bariátrica ou que emagreceram sem fazer atividade física. Além da sensação de não ter completado o ciclo de emagrecimento e o cons- trangimento com o novo corpo, algumas pessoas podem desenvolver proble- mas que vão além dos estéticos, como distúrbios psicológicos. Para perder gordura corporal mantendo a massa muscular, além da correta distribuição dos nutrientes, principalmente no que diz respeito à in- gestão de proteínas em todas as refeições do dia, é fundamental a presença do treinamento com pesos, mesmo se tratando de um obeso com grande quantidade de gordura para ser eliminada. A recomendação dos treinadores experientes é sempre adequar a musculação com uma atividade aeróbica. 37</p><p>E INDIVIDUALIDADE Um erro comum é observarmos obesos realizando incontáveis horas de ca- minhadas na esteira sem praticar musculação. Como veremos adiante, exis- tem alguns suplementos alimentares que podem contribuir para evitar uma grande perda de massa muscular, quando ingeridos antes, durante e/ou após o exercício. Se você está acima do peso e acha que vai emagrecer apenas com atividades aeróbicas e restrição alimentar severa é hora de rever esse conceito. Individuo magro É o conhecido magro de ruim. Tem uma grande dificuldade para ga- nhar massa muscular pelo seu metabolismo acelerado. Come muito e não costuma ganhar peso. Sem dúvida, essas pessoas precisam de um grande aporte calórico para conseguir resultados significativos quanto ao ganho de massa muscular, mas essa ingestão calórica deve ser com qualidade para evi- tar o ganho de gordura no processo. No passado, quando não havia tanto co- a respeito de nutrição, era comum um ganho de massa muscular com o acúmulo de gordura corporal. Só depois de um expressivo aumento de peso é que se iniciava o processo de definição muscular. Hoje já temos co- nhecimento suficiente para conseguir um resultado significativo de ganho de massa muscular sem aumentar os depósitos de gordura subcutânea. Individuo com um São aqueles que não precisam de grandes sacrifícios para alcançar seus objetivos. Quando começam um treinamento e uma dieta bem orien- tados, conseguem resultados surpreendentes. Assim como é no futebol, bas- quete e demais esportes, na musculação também existe o fator genético, ou seja, algumas pessoas já largam na frente dos demais. A grande característica 38</p><p>#GOAHEAD dos indivíduos com traços mesomórficos predominantes é a facilidade em ganhar massa muscular e reduzir os depósitos de gordura ao mesmo tempo. 39</p><p>4 ONDE FOI QUE EU ERREI? Uma das principais características que diferem o ser humano das de- mais espécies do reino animal é a capacidade de elaborar estratégias para tor- nar seu cotidiano mais fácil. Só que no caso da busca por uma mudança corpo- ral, esta habilidade muitas vezes pode atrapalhar. Temos limitações fisiológicas e genéticas que impedem o tão sonhado milagre de se tornar realidade. Basta pensar que a maioria das pessoas que procuram um nutricionis- ta já tentaram várias estratégias para atingir seus objetivos. A pessoa entra no consultório convencida de que já sabe tudo sobre treino e dieta. Um conhe- cimento desordenado, pois quase sempre ele é transmitido ou interpretado de forma errada. resultado é que tenho que usar boa parte da primeira con- sulta só para desconstruir mitos e crenças acumulados em meses ou anos de consultoria com o Google. A partir dessa experiência, posso listar os erros mais comuns que as pessoas cometem quando iniciam um processo de mudança corporal. 41</p><p>E INDIVIDUALIDADE respeitar trabalho em equipe Em qualquer processo de mudança corporal, a primeira medida a ser tomada é introduzir e/ou ajustar sua atividade física. Isso significa procurar um bom treinador e um local apropriado para a prática do exercício. É sempre mais difícil elaborar uma dieta adequada ao objetivo quando o paciente pro- cura o nutricionista antes de ter iniciado uma rotina de treinamento. A dieta deve se adaptar ao treino, não o contrário. Quando a pessoa chega ao consultório com uma programação de exercícios, podemos elaborar uma dieta que, de fato, atenda às demandas nutri- cionais exigidas no treinamento. Por isso, na hierarquia de uma equipe multipro- fissional esportiva, o treinador será sempre o chefe. É ele quem vai passar a maior parte do tempo com o aluno ou atleta e será o responsável por mantê-lo focado na busca pelos objetivos propostos. Durante a avaliação, o nutricionista ainda poderá observar a neces- sidade de encaminhar o paciente para um médico endocrinologista, se ele apresentar disfunções hormonais que dificultam a perda ou o ganho de peso: alterações na tireoide, resistência grave à insulina, síndrome de ovários po- licísticos, baixos níveis de testosterona, por exemplo. Também pode ser re- comendado o acompanhamento de um psicólogo ou psiquiatra, quando o paciente apresentar compulsão alimentar e transtornos dismórficos. Em se tratando de um atleta, a presença de um médico do esporte será sempre necessária, visando cuidar dos aspectos gerais da saúde e da prevenção de lesões. importante é que cada profissional use seus conhecimentos respei- tando sua área de atuação para beneficiar a estrela principal da equipe que é o paciente. 42</p><p>#GOAHEAD "Pedro, 35 anos, decidiu emagrecer e levar uma vida mais saudável. primeiro passo foi se matricular em uma academia. Fez uma ótima avaliação física com um treinador experiente. Na sequência, ele foi muito bem orientado a seguir um programa de treinamento individualizado de acordo com suas necessidades e aptidões físicas. Pedro aprendeu técnicas adequadas de treinamento e a trabalhar sua consciência corporal desde o primeiro dia. Paralelo a isso, ele por conta própria reduziu o consumo de alimentos inadequados, como açúcares, alimentos processados, excesso de sódio e frituras. Após algumas semanas, quando Pedro já tinha se adaptado à rotina de treinamento e mudado seu estilo de vida, decidiu agendar um horário com um nutricionista. Organizando sua alimentação de acordo com a rotina de exercícios, Pedro que já estava tendo bons resultados passou a potencializá-los após a consulta. Na segunda consulta, por meio da análise de exames bioquímicos, nutricionista observou que Pedro estava com baixíssimos níveis de testosterona, influenciando inclusive na sua disposição para o dia a dia e na libido sexual. Diante desse quadro, Pedro foi orientado a procurar um endocrinologista para adequação dessa questão hormonal. Com a intervenção médica, Pedro passou a ter mais disposição e melhorou ainda mais seus resultados. Enfim, tudo na hora certa, de acordo com a necessidade. Simples, não? Pois é... era para ser!" 43</p><p>NUTRIÇÃO E INDIVIDUALIDADE "Sabrina, 25 anos, decidiu emagrecer e levar uma vida mais saudá- vel. Começou a seguir várias blogueiras fitness e passou a fazer uma dieta extremamente restritiva que sua musa digital dizia fazer. Também passou a tomar todos os suplementos que a blogueira recomendava, sem se dar conta de que os posts eram patrocinados. Após ouvir muitas orientações sobre a importância de um acompanhamento médico, buscou profissio- nais com maior número de seguidores nas redes sociais e marcou uma consulta. Sabrina, que estava com seus exames bioquímicos perfeitos, saiu do consultório com receitas de esteroides, moduladores do apetite e outros medicamentos que prometiam melhorar seu físico. No início, foi tudo uma maravilha. Em pouco tempo ela percebeu a diminuição da gordura corpo- ral e um considerável aumento no tamanho dos músculos, na força física e na resistência. Só que após alguns meses Sabrina notou efeitos que não esperava, como aumento nos pelos do corpo e rosto, acne, queda de ca- belo, engrossamento da VOZ, aumento do clitóris, irregularidade nos ciclos menstruais e alterações comportamentais. Assustada, ela decidiu agendar um horário com um endocrinologista responsável para entender o que es- tava médico identificou várias alterações em seus exames e começou um trabalho para ajustar todas as disfunções ocasionadas pelo uso de medicamentos. No fim da consulta, o médico encaminhou Sabrina para um nutricionista que teve a missão de equilibrar seu metabolismo por meio de uma alimentação individualizada. Como Sabrina sempre seguiu os treinos das blogueiras fitness, ela também foi orientada a procurar um treinador do mundo real para adequar o treinamento aos seus objetivos. processo foi lento, mas Sabrina conseguiu ter os resultados que tanto que- ria. Tudo isso depois de colocar em risco sua saúde e pagar preço pelo imediatismo. Complicado, não? Pois é... não era para ser!" 44</p><p>#GOAHEAD Se iludir com 0 que vê nas redes sociais Como já mencionado, há pouco mais de uma década, meus pacientes se inspiravam em pessoas reais que frequentavam a mesma academia que eles. Hoje, o paciente chega ao consultório, tira o celular do bolso, me mos- tra a foto de uma modelo fitness ou blogueira famosa e diz: "Eu quero ficar exatamente assim!" Muitas vezes fico sem reação, pois só Deus conseguiria tamanho milagre. Como o processo de construção de um físico atlético ainda é novidade para a maioria das pessoas, muita gente realmente acredita que pode ter o mesmo corpo e/ou mesmo rendimento de seus ídolos. É como se alguém que joga futebol com os amigos no fim de semana, procurasse um treinador pedindo para aprender a jogar igual o Neymar ou o Messi. Foco, fé e força de vontade ajudam, mas não são suficientes. Para ser igual a alguém você precisa ter tempo, dinheiro, paciência e principalmente, a mesma genética dele, ou seja, impossível. Quando a pessoa insiste que nunca será feliz com o próprio corpo, mesmo tendo alcançado sua melhor condi- ção física, é hora de buscar ajuda psicológica. Procuro sempre orientar meus pacientes a encontrar seus próprios limites e a comemorar cada conquista. Vejo muitas pessoas frustradas por não conseguirem atingir o tão sonhado abdômen definido, quando na verdade deveriam estar felizes por terem con- seguido reverter um processo de sobrepeso ou obesidade. Colocar toda esperança em suplementos Quando comecei a treinar musculação, no início dos anos 90, buscava informações com atletas mais experientes e revistas da área. Gastava todo dinheiro que conseguia economizar comprando suplementos. Os mais cobi- çados eram aqueles com as palavras anabolic, gh, testo, monster, termogenic, hardocore, animal, no rótulo. A indicação "não exceder a dosagem recomen- dada" tornava o produto ainda mais atraente, pois a gente acreditava que só 45</p><p>NUTRIÇÃO E INDIVIDUALIDADE os mais potentes nos trariam a tão sonhada definição muscular. o que eu ga- nhei com isso? Nada. Só perdi tempo e dinheiro. Mais de 20 anos se passaram e pouca coisa mudou. Vejo os mesmos er- ros sendo cometidos repetidamente pela maioria das pessoas e não só pelas mais jovens. Hoje, temos um acesso gigantesco à informação, mas as pessoas insistem em procurá-la nos lugares errados. Muitas indústrias de suplemen- tação ainda se valem de uma linguagem visual agressiva e impactante com o objetivo de destacar os produtos nos pontos de venda e adequar a comunica- ção ao público-alvo: atletas profissionais e praticantes de exercício físico. Até mesmo o tamanho dos comprimidos de alguns produtos é cuidadosamente pensado, pois na concepção do consumidor imediatista, quanto maior o com- primido, mais potente será o suplemento. Seja você um consumidor ou profissional da área de saúde, nunca se baseie pelo nome ou pelo marketing do produto. Analise sua composição e qualidade. Muitas vezes o produto de embalagem simples, que não é um campeão de vendas, foi produzido por uma indústria que focou seus investi- mentos no padrão de qualidade das matérias-primas e na equipe de desen- volvimento. Vejo muitas empresas gastando fortunas com propaganda, mas deixando de lado o mais importante: o investimento no desenvolvimento de produtos. Nenhum suplemento alimentar age sozinho. Para determinar qual su- plemento e quanto cada pessoa vai tomar é fundamental saber se ela precisa complementar algum nutriente que falta na alimentação, se a atividade que desempenha envolve força e qual o tempo e a intensidade do exercício. 46</p><p>#GOAHEAD Confundir alimento dito Tapioca não tem glúten, então eu posso comê-la, certo? Depende. Você é intolerante a esta proteína? Se não for, não há neces- sidade de uma restrição completa do glúten na sua dieta. Um cuidado com a tapioca que poucos tomam é que esse alimento fonte de carboidrato possui uma rápida velocidade de absorção. Pode ser uma boa opção para ser usada antes ou depois do treinamento, principalmente em dietas hipercalóricas, mas não é a melhor das opções para ser utilizada nos demais momentos do dia. Suco de laranja é fonte de vitamina C. Então posso tomar à vontade? Depende. Você realmente precisa de uma ingestão elevada de carboi- dratos no momento em que está tomando este suco? É logo após uma sessão intensa de exercícios ou quando você está em repouso? Um suco concentra- do de laranja tem grande quantidade de carboidratos e, em excesso, não é a melhor escolha. Troquei o rodízio de pizzas pelo de comida japonesa. Fiz bem? Depende. Além de evitar as frituras, você está moderando o consumo de shoyo (sódio), arroz e outras preparações da culinária japonesa acrescidas de açúcar? Se você come tudo o que oferecem em um de comida ja- ponesa, trocou seis por meia dúzia. é ótimo após o exercício, certo? Depende. Se você pedalou por duas ou três horas intensamente, pode até ser, mas se você fez apenas uma musculação leve por 30 minutos, com 47</p><p>NUTRIÇÃO E INDIVIDUALIDADE interrupções durante o treino para bate-papos ou uso do smartphone, certa- mente essa "bomba calórica" não será adequada. Água de COCO é natural, então eu posso tomar à vontade? Depende. A água de COCO é um ótimo repositor hidroeletrolítico, pois contém sais minerais, mas tem carboidratos. É uma boa opção para, por exem- plo, compor seu shake de proteínas pós-exercício, quando necessário. Posso tomar suco de uva integral no café da manhã, al- moço e jantar? Depende. Se avaliarmos os teores de resveratrol, potente antioxidan- te, sim. Mas se considerarmos a quantidade de carboidratos presente em um copo de suco de uva integral, seria uma boa opção apenas para pessoas com grande gasto energético. As frutas têm poucas calorias e podem ser consumidas à vontade? Depende. Cada fruta possui sua composição característica. Um abaca- te é muito diferente de uma banana. E para complicar ainda mais, o processo de amadurecimento também muda a composição nutricional da fruta. Quanto mais madura, maior a presença de carboidratos simples e maior sua velocidade de absorção. Algumas frutas, como melancia e abacaxi, por exemplo, são ótimas após um exercício intenso para repor os estoques de glicogênio (nossa reserva de carboidratos). Outras, como maçã, pera, ameixa, pêssego, goiaba e melão são excelentes para compor refeições intermediárias. Abacate é uma excelente fonte de gorduras monoinsaturadas, podendo ser um santo remédio se utilizado em quantidades adequadas ou um veneno se 48</p><p>#GOAHEAD usado em preparações açucaradas, pois tem um elevado teor calórico. Às vésperas de uma competição de fisiculturismo é comum o atleta tirar as frutas da alimentação e vejo muitas pessoas, que não são atletas, faze- rem o mesmo. o atleta faz esta restrição em uma fase específica, quando ge- ralmente a ingestão de carboidratos é muito baixa. Neste caso, a preferência é por alimentos que proporcionem maior fornecimento gradual de energia, como batata doce e arroz integral. No decorrer do livro, vamos apresentar ou- tras estratégias usadas por atletas de fisiculturismo que, erroneamente, pes- soas comuns tentam copiar para terem resultados mais rápidos. Barras de cereais e iogurtes sem gordura ajudam a emagrecer? Depende. Grande parte dos iogurtes sem gordura apresenta adição de açúcar para melhorar o sabor. produto que tem a palavra "zero" no rótulo não necessariamente será saudável. Pode ser isento em gordura, mas não de açúcar ou o contrário, ser zero açúcar e ter muita gordura. Quanto às barras de cereais, as mais vendidas quase sempre possuem chocolate, mel ou açúcar em sua composição. Novamente, é necessária uma minuciosa observação na lista dos ingredientes antes de consumir qualquer produto. Usar peito de peru nos meus lanches é uma boa ideia? Depende. Se você usa salame ou mortadela, a substituição pelo peito de peru será uma boa alternativa. Mas se você busca uma melhora signifi- cativa em sua alimentação, este embutido repleto de sódio e conservantes cancerígenos, não deve ser utilizado. Pasta de amendoim pode ser usada em qualquer dieta? Depende. Um grande erro é comer tapioca recheada de pasta de amendoim sem ter um gasto energético apropriado. Este alimento apresenta 49</p><p>NUTRIÇÃO E INDIVIDUALIDADE uma grande densidade calórica, ótimos níveis de gorduras monoinsaturadas, mas assim como o azeite de oliva extravirgem e o abacate, devem ser utiliza- dos com moderação. Tenho pacientes que comem grandes quantidades de pasta de amendoim sem açúcar, mas apresentam um grande gasto energéti- CO, com mais de duas horas ininterruptas de exercícios diários. Se alimentar direito apenas no do treino Não é difícil encontrar pessoas que usam o que existe de mais avança- do no mercado de suplementação alimentar, nos momentos antes, durante e pós-treinamento, mas que não mantêm uma boa nutrição nas demais refei- ções. Sempre ressaltamos que, antes de se preocupar com a suplementação alimentar, deve-se garantir a adequação de todas as refeições diárias. Misturar o pó com água e tomar após o exercício é muito fácil. Difícil é se programar para manter sua alimentação adequada o dia todo, independentemente do local onde você esteja. Usar drogas para mudar a composição corporal De uma vez por todas, acreditem: nenhuma droga, sozinha, produzi- rá o físico dos seus sonhos. Além dos inúmeros efeitos danosos à saúde que podem levar o indivíduo à morte por abuso ou propensão, não podemos nos esquecer da memória metabólica. Para toda ação há uma reação. Neste caso, o preço a pagar pelo curto período de glória com um físico bonito é um me- tabolismo debilitado para o resto da vida que na grande maioria das vezes, resultará em grande acúmulo de gordura corporal no futuro. Além disso, garanto que é impossível manter um físico conquistado com o auxílio de doses suprafisiológicas de testosterona após a retirada da medicação. Grande parte do ganho de massa muscular será perdida assim que os níveis hormonais retornarem ao normal. Com a suspensão do uso das 50</p><p>#GOAHEAD drogas os níveis de testosterona podem ficar ainda mais baixos do que antes da administração exógena. Por isso, as chances do indivíduo retomar o uso são muito grandes. Para manter o físico desejado, ele vai continuar com as medica- ções por muitos anos até o dia em que terá sérios problemas de saúde. A testosterona é o principal hormônio sexual masculino. Produzido, principalmente nos testículos, que controla o desenvolvimento das caracte- rísticas sexuais do homem e as funções de reprodução do seu corpo. Este hor- mônio está diretamente ligado ao crescimento das massas muscular e óssea. Baixos níveis de testosterona levam a alterações físicas e comportamentais: diminuição da massa muscular e da força física, acúmulo de gordura, cansaço, depressão e piora da função sexual são sintomáticos. É mais comum encon- trar baixos níveis de testosterona em pessoas com mais de 40 anos de idade e nos casos de hipogonadismo primário ou secundário. Nestas situações o acompanhamento médico para uma adequada reposição hormonal é reco- mendado, mas sempre com um profissional experiente e responsável que avalie cuidadosamente todas as características do paciente. Muito diferente do uso indiscriminado que encontramos no "mundo fitness". Nas mulheres, a testosterona é produzida nos ovários, mas em quan- tidade muito inferior em relação aos homens. Como a testosterona também estimula o aumento da massa muscular, algumas mulheres usam esse hormô- nio para obter resultados rápidos. Infelizmente, no médio prazo, os resultados são desastrosos. Vejo meninas muito jovens, com 20, 25 anos abusando de es- teroides para conquistar o corpo dos sonhos, sem nenhum acompanhamento médico ou sendo acompanhadas por profissionais que prescrevem medica- mentos para resultados estéticos imediatos. se preocupar com 0 de gordura corporal No passado era comum uma ingestão excessiva de alimentos para au- mentar a massa muscular. A matemática era simples: quer ganhar músculos, 51</p><p>NUTRIÇÃO E INDIVIDUALIDADE então coma muito. Em parte, esse princípio está correto, pois realmente é possível ganhar massa muscular com a associação de um treinamento inten- e uma alimentação hipercalórica. problema é que essa estratégia resulta em um considerável ganho de gordura corporal em conjunto, exceto se o in- divíduo tiver um metabolismo extremamente acelerado. Nos anos 80 e início dos anos 90, os suplementos hipercalóricos eram os mais populares. Hoje em dia, por existir um maior conhecimento sobre nutrição, sabe-se que é totalmente possível conseguir um ganho de massa muscular sem o acúmulo de gordura corporal e a popularidade dos hipercaló- ricos têm caído muito. Com algumas estratégias que discutiremos mais adian- te neste livro é possível trabalhar os dois aspectos em conjunto, adquirindo massa muscular com qualidade. Priorizar a atividade Nos últimos anos, houve um aumento no número de pessoas que pra- ticam atividade física no Brasil, e, em contrapartida, os índices de sobrepeso/ obesidade também aumentaram. A progressiva piora da alimentação da nos- sa população foi o grande determinante, mas o consenso de que atividade aeróbica é primordial para mudar a composição corporal também atrapalha muito. Sem dúvida, para redução da gordura corporal mantendo a massa ma- gra, a musculação é a melhor atividade. Complementá-la com atividade aeró- bica é uma excelente ideia, mas longe das intermináveis sessões de caminha- das, corridas ou pedaladas que observamos as pessoas fazerem. Quando o objetivo é melhorar a performance, como no caso de um maratonista, triatle- ta ou adepto de outra modalidade de endurance, tudo bem. Mas se você faz uma hora por dia de caminhada pensando que com isso vai reduzir gordura corporal, dê meia volta e procure uma sala de musculação. A intensidade, duração e necessidade da atividade aeróbica devem ser muito bem definidas pelo treinador e informadas ao nutricionista. Tanto nas 52</p><p>#GOAHEAD fases de ganho de massa muscular quanto nas fases de redução da gordura corporal, é primordial este entrosamento. mais importante é conhecer as respostas metabólicas do indivíduo e, de acordo com sua evolução, direcionar a quantidade de exercício aeróbico e de carboidratos da dieta. Uma pessoa com um metabolismo baixo, resultado de várias perdas e ganhos de peso ao longo da vida, por exemplo, talvez precise de duas sessões de aeróbico por dia, além da sessão de treinamento com pesos, para conse- guir eliminar o que recomendamos, entre 500 gramas a 1 kg de gordura por semana. Já outra pessoa que nunca prejudicou o funcionamento do seu me- tabolismo com estratégias inadequadas, com a mesma idade e peso corporal, pode conseguir igual resultado apenas com a dieta e treinamento com pesos, sem a necessidade da introdução de atividade aeróbica significativa. No caso de um atleta de competição (fisiculturismo), os ajustes devem ser semanais, de acordo com a resposta do indivíduo. Em uma semana pode- se aumentar a atividade aeróbica e na outra pode ser necessária uma redução ou interrupção. Uma dieta restritiva associada a excesso de atividade aeróbica pode gerar grande perda da massa muscular adquirida com tanto sacrifício. Além disso, perder gordura junto com massa muscular não trará uma melhora visual significativa, ocasionando inclusive uma baixa na qualidade da pele por perda de colágeno. Daí a importância da integração entre a equipe multiprofissional, pois se o treinador aumentar a atividade aeróbica e não avisar o nutricionista, o aluno poderá ter um desgaste excessivo da musculatura e perder massa magra, mesmo seguindo a dieta corretamente. Se a pessoa faz duas atividades aeróbicas no dia, o ideal seria dar pelo menos seis horas de intervalo entre a atividade aeróbica extra e o treinamen- to com peso. Aeróbico em jejum é uma estratégia válida apenas para aqueles que treinam com pesos nos períodos da tarde ou noite. Para quem faz muscu- lação pela manhã seria mais interessante realizar a atividade aeróbica extra no período noturno. Para quem tem uma rotina intensa de estudos ou trabalho e não tem tempo para se exercitar duas vezes ao dia, a única alternativa é adi- 53</p><p>NUTRIÇÃO E INDIVIDUALIDADE cionar a atividade aeróbica logo após o treinamento com pesos. Não pretendo aqui entrar na discussão sobre a eficácia ou não da ativi- dade aeróbica em jejum. Sou da opinião de que o mais importante é o indiví- duo fazer a atividade aeróbica da forma prescrita pelo treinador, seja no início do dia, após o treino com pesos ou em algum outro momento. As publicações científicas mais recentes não são nem a favor, nem contra o aeróbico em je- jum. A dúvida que paira é se ele seria mais eficaz do que a atividade aeróbica feita em algum outro horário do dia. A princípio, com níveis de glicogênio (reserva de carboidratos) mais baixos, nosso organismo usaria mais gordura como fonte energética do que em um estado bem alimentado, com maiores níveis de glicogênio. Sendo re- alista, mesmo que realmente isso faça alguma diferença, será algo muito pe- queno dentro de uma avaliação macroscópica. Para melhor compreensão, o resultado de uma pessoa que faz atividade aeróbica em jejum, mas não realiza 100% sua prescrição dietética, será pior do que uma pessoa que faz atividade aeróbica em outro horário do dia, mas que realiza 100% sua dieta. A preocupação em obter um maior uso de gordura como fonte ener- gética na atividade feita em jejum pode ser interessante para um fisiculturis- ta ou para alguém que mantenha uma vida de atleta, desejando resultados muito avançados. Em vez de perder tempo discutindo se existe maior uso de gordura como fonte de energia na atividade aeróbica em jejum, o mais im- portante é adequar a atividade aeróbica ao seu dia a dia, de modo que seja possível mantê-la ao longo do tempo, ou seja, que faça parte da sua rotina de treinamento. o importante é respeitar a recomendação do treinador. Se ele acha interessante fazer a atividade aeróbica em jejum e sua evolução for adequada, que assim seja. o catabolismo muscular também é algo individual. Alguém que treina há muitos anos e tem uma massa muscular já consolidada vai pre- cisar de menos cuidado do que alguém que acabou de adquirir alguns quilos de músculos. 54</p><p>#GOAHEAD Por essas e outras razões, não vale a pena acreditar nas GENERALIZA- ERRADAS ditas nas academias: Aeróbico em jejum fará você perder massa muscular; Nunca faça aeróbico após o treinamento; Dieta restrita em carboidratos fará você perder músculos; Nunca faça aeróbico quando o objetivo for ganhar massa magra; Sem fazer aeróbico é impossível perder gordura corporal. Mais uma vez, avaliar as características individuais é o mais importan- te. Fuja das regras e dos modismos. Não copie o treino de ninguém na aca- demia. Caminhos diferentes podem levá-lo a atingir os mesmos resultados. o segredo é descobrir os atalhos que melhor funcionam para cada um de nós. Abusar no dia do lixo Partindo do princípio que a manutenção de uma dieta hipocalórica durante um período muito longo causa redução do metabolismo basal, mui- tas pessoas viraram adeptas do famoso dia do lixo. Quando em estado de pri- vação de alimentos por um tempo prolongado, muitos processos fisiológicos operam nesta redução da atividade metabólica, tais como: diminuição da ati- vidade do sistema nervoso simpático; mudanças periféricas no metabolismo tireoidiano; redução na secreção de insulina; alterações na secreção de glu- cagon e hormônio do crescimento (GH). Analisando esta reação metabólica é interessante que, ocasionalmente, se faça a ingestão de mais calorias, mas não de calorias vazias. o ideal é aumentar um pouco a quantidade dos alimentos, manten- do a ótima qualidade nutricional. Se você estiver com vontade de comer um doce ou uma pizza, pode comer (sem exagero) e em apenas uma refeição. Du- rante o processo de reeducação alimentar sempre oriento os pacientes a não 55</p>