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<p>O Centenário de John William Cooke. Trajetória de um peronista revolucionário</p><p>Gustavo Santos da Silva</p><p>Mestrando no programa de pós-graduação em História da Universidade Federal Fluminense – UFF</p><p>gustavosantos1@msn.com</p><p>ST - 17 Fluxo e refluxo na América Latina nos séculos XIX ao XXI: democracia, golpes,</p><p>ditaduras e revoluções</p><p>Introdução</p><p>No presente ano de 2019 se comemora o centenário de John William Cooke (1919-1968).</p><p>Cooke é um personagem praticamente desconhecido no Brasil, ou muitas vezes colocado como</p><p>simples nota de rodapé em passagens da História contemporânea da América Latina. Para além</p><p>de ter sido o delegado pessoal de Perón após o golpe da Revolución Libertadora em 1955 ele</p><p>foi um proeminente organizador da resistência peronista durante o período da proscrição e</p><p>clandestinidade do movimento. Ademais Cooke foi também um teórico marxista original e</p><p>atuante na Revolução Cubana, participando da resistência da invasão mercenária na Baía dos</p><p>Porcos (1961).</p><p>O presente trabalho pretende apresentar o personagem histórico à luz de suas contribuições</p><p>teóricas e políticas, sempre permeadas pelas lutas de classes que marcaram a Argentina entre</p><p>o Golpe de 1943 e sua precoce morte em 1968, assim como refletir sobre perspectivas de um</p><p>marxismo autóctone e não colonizado.</p><p>Palavras-chave: John William Cooke; Peronismo; Marxismo Latino-Americano</p><p>1- Cooke do radicalismo ao peronismo</p><p>Nascido em 14 de novembro de 1919 em La Plata (capital da província de Buenos</p><p>Aires), John William Cooke apesar de uma trajetória política fulminante, desaparecendo</p><p>fisicamente com apenas com 49 anos, deixaria em sua biografia um rastro dos capítulos mais</p><p>importantes da história política e social argentina e latino-americana no que sucede entre a II</p><p>Guerra Mundial e o conturbado ano de 1968 (ano de seu precoce falecimento).</p><p>mailto:gustavosantos1@msn.com</p><p>Seu pai Juan Isaac Cooke, de descendência irlandesa foi um notório dirigente da Unión</p><p>Cívica Radical (UCR), onde chegou ocupar o posto de secretário-geral e deputado nacional</p><p>durante 1938-1943. A UCR foi um partido que aglomerou durante as presidências de Hipólito</p><p>Yrigoyen (1916-1922; 1928-1930) expressões nacionalistas como na luta pelo monopólio</p><p>estatal do petróleo, culminando na criação da Yacimientos Petrolíferos Fiscales (YPF) em</p><p>1922, da defesa do controle estatal de outros setores estratégicos como as ferrovias, além de</p><p>aglutinar um largo campo intelectual nacionalista, representando sobretudo pelo grupo</p><p>F.O.R.J.A (La Fuerza de Orientación Radical de la Joven Argentina). Juan Cooke ainda seria</p><p>embaixador da Argentina no Brasil entre 1947-1954, já durante os governos Perón, a qual apoia</p><p>desde os primeiros momentos, e posteriormente foi delegado perante a Organização das Nações</p><p>Unidas (ONU) até a queda de Perón em 1955.</p><p>John William Cooke seguindo o caminho paterno ingressou em 1938 no curso de</p><p>Direito na Universidad Nacional de La Plata (UNLP), onde a partir dali começou suas</p><p>atividades partidárias na UCR adotando a corrente antipersonalista do Partido, dirigida por</p><p>Marcelo de Alvear. Formado em 1943, logo passaria a trabalhar no setor de Defesa do</p><p>Ministério das Relações Exteriores como funcionário de seu pai. Durante sua trajetória</p><p>estudantil formou a Unión Universitaria Intransigente combatendo as tendências liberais e</p><p>conservadoras hegemônicas dentro do curso de direito.1</p><p>A experiência do radicalismo (UCR), encerrava seu ciclo com o golpe de 1930, onde</p><p>passava-se a sintonizar a fluência entre governo e Estado, centrando o poder todo nas mãos dos</p><p>senhores da elite latifundiária. Nascia a chamada Década Infame onde a fraude eleitoral era</p><p>vista como artífice patriótico, para que os conturbadores sociais (classe operária e setores</p><p>progressistas da política) não desalinhassem a fórmula que levaria a Argentina ao caminho do</p><p>desenvolvimento econômico: substituição das exportações através de uma industrialização</p><p>1 RECALDE, Aritz, “El pensamiento de John William Cooke em las cartas a Perón, 1956-1966&quot;,</p><p>disponível em: https://www.lahaine.org/mundo.php/ya_on_line_el_periodico_solidaridad_obre,</p><p>acessado: 08/05/2019.</p><p>articulada ao capital externo; latifúndio exportador afetado pela crise de 1929 e a completa</p><p>submissão dos frigoríficos argentinos ao capital inglês através do Pacto Roca-Runciman2.</p><p>O breve processo de incorporação social e de legislação social promovido por Yrigoyen</p><p>ao ser interrompido pela restauração conservadora do golpe de 1930, acabou por restringir as</p><p>vias de acesso as reivindicações dos trabalhadores através da pressão sob o governo, por outro</p><p>lado a indústria argentina entrava num processo de amplo crescimento, devido à crise</p><p>internacional do capital eclodida em 1929 que somente seria superada com a fim do segundo</p><p>conflito mundial (1945). Os países latino-americanos foram forçados em alguma medida em</p><p>praticar políticas de substituições de importações. Latifúndio e industriais se coligam e se</p><p>beneficiam mutuamente do desenvolvimento dependente da industrialização, estabelecendo</p><p>uma aliança de classes, pactuando uma hegemonia de classe. A própria elite oligárquica que</p><p>travava o processo industrializante no período radicalista, assume as rédeas de um dos períodos</p><p>de maior acentuamento do processo industrializador argentino.</p><p>A conjuntura histórica da Década Infame não é só a conjuntura da crise internacional</p><p>do Capital, também é a conjuntura da consolidação da dependência econômica da Argentina</p><p>perante Grã-Bretanha e a abertura de espaço para o capital estadunidense como uma massa</p><p>2 Firmado em 1933, o pacto entre Reino Unido e Argentina foi uma resposta desesperada e “vassala”</p><p>da elite latifundiária argentina perante a drástica redução de suas exportações após a Conferência</p><p>de Ottawa (1932), onde a Inglaterra perante a profunda crise acerta com os países da comunidade</p><p>chamada Commonwealth (países ex-colônias ou colônias inglesas) a prioridade das importações de</p><p>mercadorias do primeiro setor econômico. Tendo em vista a perda de mercado externo da noite</p><p>para o dia, Julio Roca, vice-presidente argentino, representando o interesse das elites agrárias, se</p><p>reúne com Walter Runciman (encarregado dos negócios britânicos) e através da criação de um pacto</p><p>entre os dois países, estabelece uma relação de completa submissão de setores chaves da economia</p><p>argentina ao capital britânico. Roca-Runciman firma que a Inglaterra não imporia restrições à</p><p>importação da carne bovina argentina, no entanto emitia-se uma série de “poréns” e obrigações dos</p><p>argentinos com os ingleses como ceder 85% das licenças de importação de carne, consolidando um</p><p>trust inglês dos frigoríficos, além de manter livre de impostos mercadorias como o carvão e outras</p><p>mercadorias importadas, reduzir taxas alfandegárias e não impor nenhum tipo de aumento as taxas</p><p>já existentes. Os grupos agrários consolidavam seu privilégio de dominação de classe, permitindo</p><p>uma leve industrialização articulada aos grupos financeiros internacionais para entender a demanda</p><p>interna, e ao mesmo manter sua participação no mercado internacional. MURMIS, Miguel e</p><p>PORTANTIERO, Juan Carlos, “Estudos sobre as origens do peronismo”, São Paulo: Brasiliense, 1973,</p><p>pp. 19-21.</p><p>cada vez mais a engordar no montante do capital argentino associado ao capital externo. As</p><p>antigas rivalidades políticas entre latifúndio e indústria, marcada sobretudo pela questão entre</p><p>“livre câmbio” ou “protecionismo” perante a crise internacional e a perda de potência de</p><p>exportações do primeiro setor, torna essas questões como debates de segunda instância. A</p><p>burguesia industrial passa a ser um setor incorporado ao bloco de poder da hegemonia de</p><p>Estado.</p><p>O Golpe de 1943, com seu programa nacionalista, antioligarquico,</p><p>anticomunista e</p><p>antiliberal, centrava sua crítica na fraude eleitoral que marcou a política argentina nos 13 anos</p><p>anteriores e no aprofundamento da dependência econômica do país ao capital externo,</p><p>principalmente o inglês, provocando cisões internas em grupos e partidos políticos que se</p><p>opunham a todo o processo posterior à derrubada de Yrigoyen, principalmente dentro do</p><p>radicalismo, partido no qual se encontrava Cooke com apenas 23 anos e que logo passaria a</p><p>apoiar o novo governo, no qual já destacava como proeminente figura o tenente-coronel Juan</p><p>Domingo Perón, diria Cooke:</p><p>Viva la revolución, terminó con el fraude y el Ejército Argentino volvió a sus cuarteles con</p><p>honor. Cualquiera hayan sido los errores que cometieron sus hombres, el hecho es que salió de los</p><p>cuarteles pare devolver las libertades cívicas, y volvió a ellos cuando cumplió con su misión.3</p><p>Perón fundava a Secretaria de Trabalho e Previsão vinculada diretamente a Presidência</p><p>da República, e nela passa a promover uma legislação social avançada e articulada com os</p><p>sindicatos, convocando os dirigentes a redigirem leis trabalhistas a serem executadas pela</p><p>Secretaria, combinando dirigentes da Confederación General del Trabajo (CGT) nº1, membros</p><p>da CGT nº2 e da Unión Sindical Argentina (USA), formulando e promulgando leis importantes</p><p>como a Lei da Proteção a Maternidade (1944), Lei de Administração Geral de Vivendas (1945),</p><p>Lei de Aprendizagem. O reconhecimento da classe trabalhadora como ator social, foi</p><p>acompanhada pela integração social dessa mesma classe tutelada e supervisionada pelo Estado,</p><p>subordinando o movimento sindical, na qual ascendiam novos líderes atrelados ao novo</p><p>3 COOKE, John William Cooke, “Accíón parlamentaria, Tomo I”, Buenos Aires: Colihue, 2007, p.175.</p><p>processo político, formando um monolítico movimento que conjurava os interesses entre</p><p>governo e classe trabalhadora, sob a conduta do líder político4.</p><p>A adesão e fidelidade foi demonstrada no episódio de 17 de outubro de 1945, quando a</p><p>classe trabalhadora marcha pelas ruas em nome de Perón, exigindo sua soltura após ser preso</p><p>em 12 de outubro como uma tentativa do governo de frear a ampla oposição das oligarquias no</p><p>campo econômico, e no plano político da chamada Unión Democrática, ainda influenciada</p><p>pelo contexto da II Guerra Mundial, além dos setores mais à direita que apoiaram o golpe de</p><p>1943, mas que não viam com bons olhos a promoção social da população mais humilde</p><p>promovida por Perón.</p><p>Perón após a resolução da crise de outubro de 1945, é eleito em 1946 como presidente</p><p>da República derrotando a Unión Democrática que abrigava radicais, comunistas, liberais e</p><p>socialistas. Cabe indagar que elementos levaram grande parte da classe trabalhadora a aderir</p><p>ao peronismo e não ao projeto da Unión Democrática? O que levaria jovens como Cooke</p><p>formados na tradição política do radicalismo a encontrarem no peronismo uma proposta</p><p>plausível a superação das mazelas da Década Infame?</p><p>Para Juan Carlos Torre, através da criação do Partido Laborista Perón conseguiu</p><p>ultrapassar a dualidade da ação política da classe trabalhadora, quando no plano político</p><p>depositavam suas fidelidades nos partidos de sua classe e nas questões imediatas votavam</p><p>massivamente em setores alheios, porém que os incorporava a esfera dos direitos. Ainda que</p><p>mantivesse a característica policlassista, o peronismo ao se apresentar como doutrina e não</p><p>apenas como programa passava aglutinar os trabalhadores tanto na fidelidade política,</p><p>ideológica como econômica5.</p><p>4 Como explica Daniel James na época do golpe de 1943, o movimento operário argentino era débil e dividido</p><p>em quatro centros gremiais: a Federación Obrera Regional Argentina (FORA) de hegemonia anarquista, a</p><p>Unión Sindical Argentina (USA) e a Confederación General del Trabajo (CGT), cindida em duas facções, CGT nº</p><p>1 e CGT º2, na qual todas juntas organizavam cerca 20% da força de trabalho operária. JAMES, Daniel</p><p>“Resistencia e Integración: El peronismo y la classe trabajadora argentina, 1946-1976”, Buenos Aires: Siglo XXI,</p><p>2006, p.20.</p><p>5 TORRE, Juan Carlos, “Ensayos sobre movimiento obrero y peronismo” In: GRIMSON, Alejandro e CAGGIANO,</p><p>Sergio (orgs), “Antologia del pensamiento crítico argentino contemporâneo”, Buenos Aires: CLACSO, 2015, p.</p><p>164.</p><p>A Unión Democrática Argentina, advogava no contexto de um projeto político</p><p>multipartidário e autonomia sindical, Perón por outro lado, defendia uma relação direta entre o</p><p>líder e as massas, ambos, porém lutavam em alguma medida contra a ordem oligárquica da</p><p>Década Infame. Não obstante a Unión Democrática cometeu o equívoco de contar com o apoio</p><p>de homens do mundo dos negócios e da embaixada do EUA, sob a figura do embaixador</p><p>Spruille Braden, nessa disputa pela adesão ideológica e logo de votos. Perón soube usar a seu</p><p>favor esse apoio externo a seus rivais, num país amplamente afetado pela dependência ao</p><p>capital externo, além disso Perón tirou proveito de sua coligação com elementos internos, como</p><p>os grêmios sindicais e a Igreja, além de contar com parte do aparato estatal do golpe de 19436.</p><p>Segundo Daniel James, outro aspecto da astúcia de Perón esteve centrado em ter formulado um</p><p>outro conceito de cidadania, ligado a questão social e não abstrata e acima das classes sociais</p><p>como a formulada pelo radicalismo7.</p><p>Desse modo, a Década Infame foi forjada na cultura política peronista como um período</p><p>dicotômico ao construído pelo peronismo no poder, uma espécie de interrupção do processo</p><p>histórico da construção nacional depois da derrocada de Yrigoyen. A Década Infame seria uma</p><p>época de frustação e humilhação aos trabalhadores, enquanto o peronismo inaugurava um</p><p>processo de reconhecimento social do proletariado e representativo dentro da vida política da</p><p>Nação. O processo político peronista que visava se configurar como uma nova ordem buscou</p><p>desse modo elos com o passado (Juan Manuel de Rosas e Hipólito Yrigoyen) assim como com</p><p>outros processos políticos buscaram elos que os fundamentassem e que os polarizassem</p><p>dicotomicamente como aconteceu com: Chávez em relação a Bolívar e a dicotomia com o</p><p>neoliberalismo dos anos 1980-90; Fidel como a continuidade da revolução interrompida de</p><p>Martí e a dicotomia com as ditaduras alinhadas a Doutrina Monroe e a Emenda Platt; Mao</p><p>Zedong e a continuidade da Revolução Nacional de Sun Yat-Sen e a dicotomia do período</p><p>comunista em relação ao século de humilhações que precedeu 1949.</p><p>Cooke será um formulador essencial do sentido de nacionalismo a ser construído com</p><p>o peronismo, um nacionalismo fundado na concepção de “liberação nacional” num país de</p><p>capitalismo dependente, um nacionalismo distinto do chauvinismo europeu. A Terceira</p><p>6 TORRE, Op. Cit, pp. 170-171.</p><p>7 JAMES, Op. Cit, p.30.</p><p>Posição elaborada por Perón (nem pró EUA, nem em favor do socialismo soviético na Guerra</p><p>Fria a eclodir), era propícia a diversas interpretações tanto por parte da oposição, quanto aos</p><p>diversos setores que apoiavam o peronismo. O ano de 1946 marca a adesão de fato de Cooke</p><p>ao movimento peronista, ao ingressar como deputado nacional através Unión Civíca Radical –</p><p>Junta Renovada (UCR-JR), facção do radicalismo que havia apoiado a eleição de Perón para</p><p>presidência. Isso até Perón centralizar todas as forças apoiadoras de seu governo e de sua</p><p>doutrina numa única organização, o Partido Justicialista em 21 de novembro de 1946.</p><p>Cooke foi além na formulação do nacionalismo peronista colocando ingredientes</p><p>revolucionários na fórmula política. Interpretou a Terceira Posição peronista sob uma</p><p>perspectiva que superava o anticomunismo presente nas raízes políticas do peronismo. Desse</p><p>modo a Terceira Posição em Cooke rechaçava a espoliação de</p><p>mecanismos internacionais</p><p>como FMI e o Banco Mundial ao mesmo tempo que reforçava um não-alinhamento ao</p><p>socialismo soviético, sem cair no anticomunismo, de modo que o seu marxismo pudesse ser</p><p>teoria criativa, não subordinada a normas e modelos advindos de outros processos</p><p>revolucionários.</p><p>La tercera posición es, precisamente, todo lo contrario. Significa no tener compromisos con los</p><p>bloques mundiales, estar en libertad de tomar las decisiones más convenientes a los intereses nacionales</p><p>(...) Una cosa es que nosotros tengamos una visión de las cosas argentinas que difiere de la del Partido</p><p>Comunista y tratemos de mantener la adhesión de las masas trabajadoras; otra muy diversa unirnos al</p><p>fanatismo regimentado que ve a los comunistas como criminales y a los países socialistas como</p><p>enemigos del género humano. Esto es renunciar a la facultad de raciocinio y aceptar que el bando</p><p>imperialista piense por nosotros. No necesito ser comunista para considerar que el principal responsable</p><p>de la Guerra Fría es el imperialismo occidental, ni para comprender que el enemigo más grande que</p><p>hoy tiene el género humano es la brutal plutocracia norteamericana.8</p><p>Cooke se destaca como parlamentar combativo ao enfrentar os monopólios de</p><p>imprensa, defendendo energicamente a expropriação do jornal La Prensa, periódico de</p><p>oposição a Perón, acusando esse veículo de estar associada as oligarquias latifundiárias e ao</p><p>capital estrangeiro. La Prensa dedicava suas páginas a atacar medida por medida de Perón e</p><p>8 COOKE, John William, ”El peronismo y la revolución cubana”, Buenos Aires: enero 1988. Fin de Siglo</p><p>(7)/Dossier, pp.11-12.</p><p>sua figura. Os debates durariam na Assembleia Nacional de 1946 até 1951, quando finalmente</p><p>La Prensa foi expropriada.</p><p>Considero que la prensa comercial vinculada al imperialismo es uno de los mayores peligros</p><p>para los países que luchan por su liberación. La expropiación de La Prensa fue un acto realizado por los</p><p>procedimientos que autoriza la Constitución. No fue, como se dice, un atentado contra la libertad de de</p><p>opinión, por que La Prensa es una empresa comercial imperialista.9</p><p>O acalorado debate protagonizado por Cooke contra La Prensa, forneciam os primeiros</p><p>indícios do jovem deputado como teórico da realidade nacional e da revolução social. A</p><p>questão de liberdade de imprensa x liberdade de empresa, resvalava sobre um debate mais</p><p>amplo: censura como instrumento de uma revolução ou censura para transformar um governo</p><p>numa ditadura? O regulamento da imprensa e a expropriação de um dos principais jornais da</p><p>época pelo governo, seria logicamente um elemento para a oposição caracterizar o peronismo</p><p>como uma ditadura, Cooke respondia:</p><p>Nosotros sabemos que, para el imperialismo, el principio de la libertad de comercio, el principio</p><p>de la libertad de concurrencia, el principio de la libre actividad privada y el principio de la libre empresa</p><p>son todos fantasmas y mitos que a la larga sirven para acentuar cada vez más la desigualdad que ya</p><p>existe entre países coloniales y semicoloniales (…) A través de los años ha ido restringiéndose el</p><p>número de periódicos y formándose las grandes integraciones capitalistas que manejan todos los medios</p><p>de información, difusión y publicación de noticias escritas. Tanto Reuter como Associated Press y la</p><p>United Press poseen una red internacional y una organización privada, al margen de la cual hay poco</p><p>menos que una imposibilidad total para actuar a las demás agencias noticiosas, salvo que cuenten con</p><p>apoyos de gobiernos igualmente poderosos.10</p><p>Cooke não renova seu mandato parlamentar devido ao seu posicionamento crítico a</p><p>algumas medidas que Perón tomava no período como uma certa abertura ao capital</p><p>estadunidense, além de criticar a burocratização da condução renovadora iniciada em 1945.</p><p>Perón desde que assume a sua presidência em 1946, já havia retomado as relações diplomáticas</p><p>com a URSS. Fora do governo Cooke participa como delegado do Justicialismo na Conferência</p><p>da Paz dos Partidos Comunistas, realizado em Viena em 1953, aprofundando a cooperação</p><p>9 COOKE, Apud: MAZZEO, Miguel, “John William Cooke. Textos traspapelados, 1957-1961”, Buenos Aires: La</p><p>Rosa Blindada,2000, p.69.</p><p>10 COOKE, John William Cooke, “Accíón parlamentaria, Tomo I”, Buenos Aires: Colihue, 2007, pp. 398-400.</p><p>econômica com países do campo socialista, que seriam interrompidas com o golpe de 1955.</p><p>No período entre 1952 e 1955, Cooke passa a condição de professor titular na cátedra de</p><p>Economia Política da Faculdade de Direito da Universidade de Buenos Aires, além de</p><p>participar do Instituto de Investigaciones Históricas Juan Manuel de Rosas, formulando um</p><p>grupo de pesquisa em torno da revisão histórica sobre a Ocupação Britânica nas Ilhas Malvinas</p><p>durante o governo de Rosas. Assim como passa a publicar o periódico De Frente, momento</p><p>em que se dedica intensamente a produção intelectual crítica quanto as questões nacionais da</p><p>Argentina, sobre a formulação da condução revolucionária do peronismo e da via argentina ao</p><p>socialismo11.</p><p>2-Cooke entre a questão nacional e o socialismo</p><p>As lutas de classes ocorridas entre o massacre de 16 de junho de 1955, em que militares</p><p>centralizados na Aviação Naval bombardeiam Buenos Aires e leva mais de 400 pessoas à</p><p>morte, e as batalhas encarniçadas em setembro entre militares golpistas e forças civis e militares</p><p>fieis a Perón, levando o presidente a renunciar no dia 19 de setembro, conduziram ao processo</p><p>golpista autoproclamado como Revolución Libertadora. O peronismo, el hecho maldito del</p><p>país burgués, passa a ser proscrito com a lei 4161. Nenhuma imagem, citação ou o canto da</p><p>marcha peronista é permitida, para Cooke ali se sinalizaria o fim das ilusões com a burguesia</p><p>nacional, a terceira posição de Perón que dividia o capital em progressista (nacional) e</p><p>explorador (imperialista), passaria a uma reformulação teórica mais profunda desde os</p><p>subterrâneos da resistência e da clandestinidade em Cooke e noutros jovens peronistas ou que</p><p>passariam ao peronismo após a tragédia da contrarrevolução fuziladora.</p><p>Quando a rebeldia cubana das selvas de Sierra Maestra se instaura como poder</p><p>revolucionário ao assaltar o Estado em 1959, Cooke imediatamente vai se instalar na maior das</p><p>Antilhas do Caribe para se encontrar com o comandante Ernesto “Che” Guevara que</p><p>simbolicamente passa a ser o elo principal entre revolução cubana e argentina e logo latino-</p><p>americana. Sua estádia que vai do convite do Movimiento 26 de Julio para o Primeiro Encontro</p><p>Latinoamericano de Solidariedade com Cuba até o ano 1963, é um período célebre na trajetória</p><p>de Cooke, onde o mesmo ao lado de sua companheira Alicia Eguren chega a participar da</p><p>11 MAZZEO Miguel. “En Pensar a John William Cooke”, Buenos Aires: Manuel Suárez, 2005. p. 49.</p><p>resistência à invasão organizada pelos EUA a Baía de Cochinos. Tal período é comumente</p><p>citado como o momento em que Cooke encontra a trajetória da luta peronista com a revolução</p><p>socialista. Entretanto nossa hipótese é que esse momento é uma afirmação de ideias</p><p>revolucionárias de Cooke que foram gestadas no seio da própria resistência peronista após a</p><p>Revolução Libertadora, ou seja que a militância em Cooke para transformar o peronismo num</p><p>movimento revolucionário não se dá como mero reflexo que a Revolução Cubana oferece para</p><p>a América Latina, mas das próprias lutas sociais internas na Argentina e ao caráter particular</p><p>do movimento peronista e da classe operária organizada inserida nesse movimento.</p><p>Cooke perante o golpe é um dos primeiros dirigentes peronistas a organizar grupos de</p><p>resistência e por isso é perseguido e logo encarcerado, primeiro no conurbano bonaerense de</p><p>Caseros, logo após seria enviado</p><p>para Ushuaia, nos confins da América do Sul e finalmente</p><p>para o presídio de Rio Gallegos, na província de Santa Cruz, onde teria como companheiros de</p><p>masmorra alguns nomes conhecidos da política argentina dos 10 anos anteriores. Figuras como</p><p>Guillermo Patricio Kelli, Pedro Gomis, José Espejo e o futuro presidente do país Hector</p><p>Campora. No cárcere viveu entre a tensão permanente do fuzilamento, principalmente após o</p><p>decreto da lei marcial por parte do General Aramburu em junho de 1956 e as humilhações</p><p>psicológicas submetidas pelos vitoriosos da Revolución Libertadora. Tal penúria que duraria</p><p>até 18 de março de 1957, quando esse grupo de presos políticos fogem ao Chile, e lá formam</p><p>a División de Operaciones del Comando Superior, agrupamento de organização da resistência</p><p>peronista desde o exilio, sob a chefia de Cooke. Foi justamente durante seu cárcere que em 2</p><p>de novembro de 1956 Perón desde o exílio no Panamá nomeia Cooke como seu representante</p><p>pessoal na Argentina:</p><p>Por la Presente autorizo al compañero Dr. D. John William Cooke, actualmente preso, por</p><p>cumplir con su deber de peronista, para que asuma mi representación en todo acto o acción política. En</p><p>ese concepto su decisión será mi decisión y su palabra la mía. En él reconozco al único jefe que tiene</p><p>mi mandato para presidir a la totalidad de las fuerzas peronistas organizadas en el país y en el extranjero</p><p>y, sus decisiones, tienen el mismo valor que las mías. En el caso de mi fallecimiento, delego al Dr. D.</p><p>John William Cooke, el mando del movimiento12.</p><p>12 PERÓN, Apud: RECALDE, Op.Cit, p.95.</p><p>Cooke como uma das principais lideranças da resistência, se inquietava perante o</p><p>projeto político estratégico fundamental do peronismo. Julgava que a estratégia deveria ser a</p><p>preparação para a insurreição que levaria o peronismo não a uma nova condução reformista,</p><p>mas a uma revolução social, para ele já não bastava ser contra uma política, mas contra um</p><p>sistema:</p><p>Un movimiento como el Peronismo se nutre de absolutos. Es la gloria y es el inconveniente de</p><p>las fuerzas nacional-libertadoras. Deben llegar incorruptos, deben estar encima de las politiqueras, al</p><p>margen del juego común que desarrollan los partidos tradicionales13.</p><p>Cooke ainda se queixava com Perón de não existir as condições objetivas para</p><p>desencadear imediatamente a insurreição através de greve geral revolucionária. A repressão</p><p>generalizada da Revolução Libertadora e a clandestinidade de grande parte dos militantes</p><p>acabavam por reforçar as “camadas brandas” do peronismo. O embate durante o período</p><p>consistia sobretudo entre os sindicatos e os comandos de resistência (na qual se encontrava</p><p>Cooke). Enquanto os sindicatos eram instituições enraizadas na sociedade industrial, sua</p><p>atuação no contexto lhe conferia possibilidades limitadas e ainda um certo grau de imunidade</p><p>perante as mudanças de situação política devido ao seu papel intrínseco na sociedade. Os</p><p>comandos de resistência por outro lado eram organizações estritamente políticas, cuja atuação</p><p>e existência dependiam diretamente da correlação das circunstâncias históricas objetivas para</p><p>sua atuação, distinto aos sindicatos esses comandos não respondiam a demandas imediatas da</p><p>sociedade, mas sim tentavam criar novas situações políticas através de suas atuações táticas e</p><p>estratégicas14.</p><p>Nesse contexto em que o regime militar instaurado concedia certa liberdade relativa de</p><p>atuação dos sindicatos, pois considerava que a burocracia sindical formada no peronismo era</p><p>contentora do avanço do comunismo, ficava latente o conflito entre essas esferas legais de</p><p>atuação e os setores semilegais ou clandestinos de resistência. O embate chegou ao ápice</p><p>perante a articulação de Perón com Arturo Frondizi (UCR) para as eleições a serem abertas em</p><p>1958, na qual a “camada branda” ou “neoperonista” eleitoreira poderia sair fortalecidas. A</p><p>afirmação do pacto entre Perón e Frondizi, na qual foram representados respectivamente por</p><p>13 COOKE, Apud: JAMES, Daniel, Op. Cit, p.121.</p><p>14 Idem, p. 123.</p><p>Rogelio Frigerio e Cooke na assinatura do pacto secreto, foi para Daniel James o</p><p>reconhecimento da derrota tática de Cooke com a ideia de insurreição revolucionária. A</p><p>tentativa de capitalizar as greves dirigidas pelas 62 Organizaciones que vinham sofrendo</p><p>também com a repressão política fracassava, a greve geral revolucionária se tornava uma ideia</p><p>muito vaga e distante. Durante as eleições de fevereiro de 1958, Frondizi viria a triunfar com</p><p>44,79% com apoio oficial do peronismo. Entretanto cerca de 800.000 trabalhadores peronistas</p><p>desobedeceram às ordens do condutor votando branco ou boicotando o quórum, enquanto</p><p>grupos clandestinos frente a impossibilidade de traçar a luta armada viram o boicote eleitoral</p><p>como um rechaço ao antiperonismo e ao antinacionalismo, de modo que o voto seria uma</p><p>capitulação, sinalizando marcas entre formas de peronismo “à esquerda” e que se</p><p>aprofundariam na história do país ao longo das décadas seguintes15.</p><p>O período denominado Resistência Peronista (1955-1973) consolidou uma imagem na</p><p>cultura política argentina traçando um imaginário revolucionário que refletiu sob os jovens que</p><p>iam se engajar na luta armada tanto contra as ditaduras de Onganía (1966-1970), quanto de</p><p>Lanusse (1971-1973) e posteriormente a ditadura mais sangrenta da história do país, a</p><p>autodenominada Processo de Reorganização Nacional (1976-83). Cooke certamente teve uma</p><p>importância primordial na concepção de luta peronista e revolução peronista que</p><p>posteriormente iriam colocar em prática os principais grupos de luta armada como a Acción</p><p>Revolucionária Peronista (na qual Alicia Eguren, companheira de Cooke fazia parte e</p><p>desaparecia em combate em 1977), o Ejército Revolucionário del Pueblo – Partido</p><p>Revolucionário de los Trabajadores, os Montoneros, entre outros. Suas correspondências com</p><p>Perón seriam compiladas e publicadas em 1972, assim como seus livros e artigos seriam</p><p>reproduzidos em periódicos dos agrupamentos revolucionários argentinos após sua morte em</p><p>1968, consistindo em material de formação política daquela juventude que buscava em Cooke</p><p>um outro sentido do peronismo.</p><p>A Resistência Peronista passaria a ressignificar o próprio termo “resistência” na política</p><p>argentina, como sinônimo de política de esquerda e revolucionária. Sinônimo reforçado pelos</p><p>números das greves naquela conjuntura, segundo Daniel James, sem comparação a nenhum</p><p>outro momento da política argentina, 5 milhões de dias de trabalho perdidas em 1956 e</p><p>15 Idem, pp.124-125.</p><p>3.300.000 em 195716, além de movimentos espontâneos míticos como a tomada pelos próprios</p><p>operários do Frigorífico Nacional Lisandro de La Torre no bairro de Mataderos (Buenos Aires).</p><p>Fundamental no abastecimento do mercado interno de carne no país, a empresa estava para ser</p><p>privatizada por Frondizi em janeiro de 1959, enquanto esse visitava os EUA, desencadeando</p><p>uma ocupação por parte tanto dos trabalhadores locais, moradores do bairro, quanto de</p><p>sindicatos organizados nas 62 Organizaciones, levando a uma resistência encarniçada perante</p><p>a repressão do exército e da polícia, que conduziria 95 operários ao cárcere. Nesse episódio</p><p>não apenas se questionava a desnacionalização do Frigorífico, mas também se reivindicava o</p><p>retorno de Perón e um modelo de autogestão dos operários na empresa sob o lema ¡Patria sí,</p><p>colonia no!. Cooke com ativa participação no caso ficou responsável pela redação do</p><p>documento da proclamação greve em Mataderos:</p><p>Esta huelga es política, en el sentido de que obedece a móviles más amplios y trascendentes</p><p>que un aumento de salarios o una fijación de la jornada laboral. Aquí se lucha por el futuro de la clase</p><p>trabajadora y por el futuro</p><p>de la Nación. Los obreros argentinos no desean ver a su patria sumida en la</p><p>indignidad colonial, juguete de los designios de los imperialismos en lucha.17</p><p>A Resistência Peronista ademais permite traçar a hipótese de que um movimento</p><p>político-ideológico enraíza e aprofunda sua influência numa determinada realidade não apenas</p><p>nos seus momentos de ascensão, mas sobretudo quando consegue demonstrar seu poderio</p><p>organizativo na retaguarda e nos momentos desfavoráveis a sua existência e manutenção,</p><p>outros exemplos comparativos estão na resistência soviética perante a agressão nazista que</p><p>alimentou o crescimento dos Partidos Comunistas por todo o mundo após aos seus feitos</p><p>heroicos como Stalingrado e a marcha sob Berlim, e a resistência da revolução cubana perante</p><p>os embargos econômicos por parte dos EUA e a vitória sob tentativas de invasões a Ilha como</p><p>na Baía dos Porcos em 1961 que feito sua capacidade de resistência aumentou sua influência</p><p>sob movimentos revolucionários e anti-imperialistas por toda a América Latina.</p><p>Considerações finais</p><p>16 Idem, p.128.</p><p>17 COOKE, John William, ”Proclama del Frigórifico Lisandro de La Torre” In: BASCHETTI, Roberto, ”Documentos</p><p>de la Resistencia Peronista, 1955-1970, Vol I” La Plata: De La Campana, 2012, pp. 160-161.</p><p>Em uma conjuntura de ascensos de governos neoliberais, contrainsurgentes e</p><p>filofascistas na América Latina em que se abre um novo período de resistências tal qual marcou</p><p>o subcontinente do pós-guerra ao fim das ditaduras militares, suscita-se um exercício de pensar</p><p>desde a crise e desde a derrota. Podemos aprender em Cooke um teórico para além da esquerda</p><p>nacional argentina, que da experiência da derrota se abre dialeticamente a possibilidade da</p><p>superação crítica das deficiências teóricas que implica inevitavelmente na reformulação tática</p><p>e estratégica.</p><p>Quando se reflete em toda uma herança de aplicação mecânica de modelos estrangeiros</p><p>e de modismos acadêmicos advindos do centro do capital, apresentar a contribuição de Cooke</p><p>emerge sob o plano da descolonização do próprio marxismo, em cindir o divórcio entre teoria</p><p>e práxis, academia e política e entre cientificidade e compromisso revolucionário como diz</p><p>Nestor Kohan18. A ”apresentação” de Cooke para fora do âmbito da esquerda nacional</p><p>argentina implica em questões do resgaste ao passado como tarefa de buscar um processo de</p><p>aprendizagem em que seja necessário um revisionismo histórico no combate ao monopólio da</p><p>interpretação desde as classes dominantes e os modismos estrangeiros no pensamento crítico,</p><p>assim pensando uma ideia de consciência nacional, como consciência viva, dialética e em</p><p>constante transformação, uma consciência histórica.</p><p>A originalidade do pensamento de Cooke não pode ser compreendida deslocada da</p><p>esfera das lutas de classes que se arrebentavam por todo o Terceiro Mundo, as vitórias</p><p>anticolonialistas de Argélia, Congo, Líbia, os processos das guerras de Libertação Nacional</p><p>que indicavam a construção de uma sociedade em superação as estruturas econômicas vigentes</p><p>como China, Coreia, Cuba e Vietnã, o pensamento descolonizador de Ho Chi Minh, Che</p><p>Guevara, Fidel Castro, Frantz Fanon dialogavam a proposta cookiana, a Terceira Posição não</p><p>apenas ganhava novo sentido na conjuntura internacional, mas se inseria num movimento mais</p><p>amplo onde o monolítico monopólio do socialismo soviético, passava a dividir espaços com</p><p>criações marxistas e socialistas autóctones, que pensavam um Marx desde seu (terceiro)</p><p>mundo. O Peronismo revolucionário nesse sentido em Cooke ao se diferenciar do marxismo</p><p>clássico e eurocêntrico propagado desde Juan B. Justo e dos modelos mecânicos do PC</p><p>18 KOHAN, Nestor, ”Marx en su (Tercer) Mundo: Hacia um socialismo no colonizado”, La Habana: Centro de</p><p>Investigación y desarollo de cultura cubana Juan Marinello, 2003, p.260.</p><p>argentino, poderia também ser enquadrado como um marxismo oriental, ou seja, o que</p><p>Domenico Losurdo caracteriza como o marxismo que quer se ver livre da dominação colonial,</p><p>da desumanização e da humilhação dos povos do Terceiro Mundo, fundando na luta pela</p><p>autodeterminação, no direito a exercer seu humanismo próprio19.</p><p>Em sua obra, ainda que de forma extremamente didática voltada para as bases da</p><p>militância há diversos apontamentos que o indicam como leitor de Lukács, Lênin e Gramsci.</p><p>Compartia com o filosofo húngaro a perspectiva crítica a um “utopismo messiânico” ou</p><p>“sectarismo messiânico” propagada parte dos socialistas de seu país, criticava a possibilidade</p><p>imediata de superação de toda a estrutura herdada do mundo burguês, compartindo com Lênin</p><p>a visão de que uma revolução social “pura” é impossível: No hay liberación sin el peronismo</p><p>pero el peronismo solo no puede hacer la liberación20 ; fundamentava sua visão de mundo em</p><p>acordo com as sínteses contidas em O Imperialismo de Lênin, em que a etapa monopolística</p><p>do capital passava a dividir substancialmente a luta revolucionária entre nações dominantes</p><p>opressoras e nações dominadas oprimidas: El nacionalismo sólo es posible como una política</p><p>antiimperialista consecuente21. Além do aspecto do pensar a hegemonia no que tange a um</p><p>movimento de origem policlassista no qual se aglutina diversos interesse particulares (ainda</p><p>que não antagônicos) em torno de uma unidade política.</p><p>Por outro lado, o traço fundamental da originalidade de concepção revolucionária em</p><p>Cooke foi possível devido a característica de ter partido do nacional ao internacional, a derrota</p><p>de 1955 suscitou em toda uma geração de esquerda uma completa revisão de suas concepções,</p><p>uma ressignificação do próprio peronismo e do caráter da revolução no país. A derrota nesse</p><p>sentido dialético pode ser entendida pela riqueza de não significar o sepultamento histórico,</p><p>mas a possibilidade de liberar de interior forças criadoras, não à toa nesse contexto pós</p><p>Revolución Libertadora, surgem clássicos da esquerda argentina como: Imperialismo y Cultura</p><p>(1957) de Juan Hernandez Arregui, História Crítica dos Partidos Políticos Argentinos (1956)</p><p>de Rodolfo Puiggrós e Revolución y Contrarrevolución em la Argentina (1957) de Abelardo</p><p>19 LOSURDO, Domenico, “O Marxismo Ocidental: Como nasceu, como morreu, como pode renascer”, São</p><p>Paulo: Boitempo, 2018.</p><p>20 COOKE, John William, ”Apuntes para la militancia”, disponível</p><p>em:http://www.labaldrich.com.ar/wpcontent/uploads/2013/05/John-William-Cooke-Apuntes-parala-</p><p>militancia.pdf, acesso em: 14/07/2019, p.5</p><p>21 Idem, p.5.</p><p>Ramos, entre outros clássicos da literatura marxista argentina, que tiveram como originalidade</p><p>fundamental promover o casamento entre as tradições do pensamento crítico nacional com o</p><p>marxismo, contribuições essas que merecem ser resgatadas e inseridas dentro do debate</p><p>marxista e do pensamento crítico brasileiro, como forma de integração ao pensamento social</p><p>latino-americano como uma totalidade histórica, onde o marxismo e o pensamento crítico não</p><p>seja decalque, nem cópia de experiências exteriores ou subordinado aos modismos acadêmicos</p><p>formulados desde as metrópoles do capital.</p><p>Referências bibliográficas</p><p>BASCHETTI, Roberto, ”Documentos de la Resistencia Peronista, 1955-1970, Vol I” La Plata:</p><p>De La Campana, 2012.</p><p>COOKE, John William, ”El peronismo y la revolución cubana”, Buenos Aires: enero 1988.</p><p>Fin de Siglo (7)/Dossier, pp.11-12.</p><p>_______, “Accíón parlamentaria, Tomo I”, Buenos Aires: Colihue, 2007.</p><p>_______, ”Peronismo y revolución”, Buenos Aires: Granica Editor, 1973.</p><p>_______,”Apuntes para la militancia”, disponível em: http://www.labaldrich.com.ar/</p><p>wpcontent/uploads/2013/05/John-William-Cooke-Apuntes-para-la-militancia.pdf, acesso em:</p><p>14/07/2019.</p><p>_______, “La lucha por la liberación nacional“, disponível</p><p>em:http://www.labaldrich.com.ar/wp-content/uploads/2013/03/John-William-CookeLa-</p><p>lucha-por-la-liberacion-nacional-1959.pdf, acesso em: 04/07/2019.</p><p>JAMES, Daniel “Resistencia e Integración: El peronismo y la classe trabajadora argentina,</p><p>1946-1976”, Buenos Aires: Siglo XXI, 2006.</p><p>KOHAN, Nestor, ”Marx en su (Tercer) Mundo: Hacia um socialismo no colonizado”, La</p><p>Habana: Centro de Investigación y desarollo de cultura cubana Juan Marinello, 2003.</p><p>LOSURDO, Domenico, “O Marxismo Ocidental: Como nasceu, como morreu, como pode</p><p>renascer”, São Paulo: Boitempo, 2018.</p><p>MAZZEO Miguel. “En Pensar a John William Cooke”, Buenos Aires: Manuel Suárez, 2005.</p><p>_______, “John William Cooke. Textos traspapelados, 1957-1961”, Buenos Aires: La Rosa</p><p>Blindada, 2000.</p><p>MURMIS, Miguel e PORTANTIERO, Juan Carlos, “Estudos sobre as origens do peronismo”,</p><p>São Paulo: Brasiliense, 1973.</p><p>RECALDE, Artiz, “El pensamiento de John William Cooke em las cartas a Perón, 1956-</p><p>1966",disponível</p><p>em:https://www.lahaine.org/mundo.php/ya_on_line_el_periodico_solidaridad_obre.</p><p>TORRE, Juan Carlos, “Ensayos sobre movimiento obrero y peronismo” In: GRIMSON,</p><p>Alejandro e CAGGIANO, Sergio (orgs), “Antologia del pensamiento crítico argentino</p><p>contemporâneo”, Buenos Aires: CLACSO, 2015, pp. 157-176.</p>

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