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<p>Olhos de Conceição Evaristo por Brunna Pinheiro Cardoso Poliedro AOL Sistema de Ensino Análise de Obras</p><p>Poliedro Sistema de Ensino COLEÇÃO AOL Copyright Poliedro Sistema de Ensino Ltda., 2023. Todos os direitos de edição reservados ao Poliedro Sistema de Ensino Ltda. Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal, Lei n° 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. ISBN Presidente: Nicolau Arbex Sarkis Autoria: Brunna Pinheiro Cardoso Gerência editorial: Fabíola Bovo Mendonça Coordenação de projeto editorial: Ana Paula Enes e Juliana Grassmann dos Santos Edição de conteúdo: Marina Ribeiro Candido e Letícia Morais Dantas de Castilho Gerência de design e produção editorial: Ricardo de Gan Braga Coordenação de revisão: Rogério Fernandes Salles Revisão: Anna Carolina Garcia, Flávia Baggio, Talita Pompeu e Barbara Benevides Produção de Textos Coordenação de arte: Leonardo Carvalho Diagramação: Typegraphic Ana Maria Sena Adaptação de projeto gráfico e capa: Leonardo Carvalho Coordenação de licenciamento e iconografia: Leticia Palaria de Castro Rocha Analista de licenciamento: Izilda Canosa Planejamento editorial: Maria Paula Ramos Paes Poliedro Sistema de Ensino Ltda., pesquisou junto às fontes apropriadas a existência de eventuais detentores dos direitos de todos os textos e de todas as imagens presentes nesta obra Em caso de omissão, de quaisquer créditos, colocamo-nos à disposição para avaliação e consequentes correção e inserção nas futuras estando, ainda, reservados os direitos referidos no art. 28 da Lei n° Poliedro Sistema de Ensino T. 12 3924-1616 sistemapoliedro.com.br</p><p>Olhos d'água de Conceição Evaristo por Brunna Pinheiro Cardoso Poliedro AOL Sistema de Ensino Análise de Obras</p><p>Olhos d'água de Conceição Evaristo Olhos d'água é uma obra que reúne quinze contos de autoria de Conceição Evaristo, escritora brasileira considerada uma das mais relevantes da nossa literatura. Em seus contos, Conceição retrata as nuances da vida da população afro-brasileira, bem como 0 modo de viver e sobreviver de grande parcela da sociedade, a fim de que tais acontecimentos possam ser narrados e denunciados. A vida da mulher negra nas periferias é um dos temas centrais da autora, que afirma que sua escrita é baseada no contexto em que viveu, tendo, portanto, conhecimento e autonomia para trabalhar a temática. Ao longo da leitura de Olhos d'água, obra lançada em 2014, é possível conhecer a história, a felicidade e 0 sofrimento de mulheres que vivenciam experiências de negritude, amor, maternidade, resistência e racismo. Os trechos da obra reproduzidos nesta análise foram extraídos do livro: EVARISTO, Conceição. Olhos Rio de Janeiro: Pallas, 2014.</p><p>5 INTRODUÇÃO nossa "escrevivência" não era para adormece a casa- A gente combinamos de não morrer! -grande, e sim para acordá-la de sonos injustos. EVARISTO, Conceição. Revista PUCRS. Entrevista: "Esse lugar também é nosso", por Ana Paula Disponível em: https://www.pucrs. Essa fala, presente em um dos contos do livro Olhos Acesso em: 5 dez. 2022. d'água (2014), de Conceição Evaristo, mostra o tom A escrevivência acompanha os acontecimentos do de sua obra, a qual apresenta personagens que vivem dia a dia, as memórias, as experiências pessoais e lutando por suas vidas em meio a uma sociedade pre- letivas. Por meio de linguagem poética, são contadas conceituosa e opressora, enfrentando condições precá- histórias de personagens negros, que não falam apenas rias de trabalho e moradia. A autora consegue retratar de um sujeito, mas sim de um grupo, amplificando as personagens que poderiam ser ela, outras mulheres ou vozes dos que não tiveram espaço para serem ouvidos homens negros que vivem a realidade de quem é colo- pela sociedade. A obra de Conceição Evaristo mostra cado à margem da sociedade. personagens negros que rompem com os estereótipos Conceição é consciente de seu lugar no mundo, cultivados na literatura tradicional e os coloca no cen- nhece seu ponto de vista e valoriza sua experiência. Com tro, como detentores de sua própria história. isso, a autoridade de quem sabe o que está narrando é visível em cada conto. Embora suas histórias partam de SOBRE A AUTORA uma perspectiva pessoal, ela também carrega consigo a responsabilidade de contar e compartilhar a experiência Pequena biografia da autora de todo um povo, tornando seus escritos extremamente relevantes nos âmbitos político e social. Os contos da obra em questão narram episódios de preconceitos de classe, etnia e gênero, além da violên- Evaristo cia cotidiana, seja doméstica ou seja urbana. Em con- Em 29 de novembro de trapartida, são repletos de amor, sentimentos, sonhos 1946, em Belo Horizonte, e força, esta última representada pela necessidade de Minas Gerais, nascia a resistir, assim como os antepassados da sociedade afro- autora que hoje é con- -brasileira fizeram, sobrevivendo à violência extrema do siderada uma das vozes tráfico escravo transatlântico. mais relevantes da litera- Em Olhos d'água podemos conhecer e ler exemplos tura contemporânea. do que a autora conceituou como "escrevivência", uma junção entre o escrever e o viver, ou seja, é a escrita do que se vive. Mulher negra, segunda filha entre nove irmãos, Maria da Conceição Evaristo de Brito morou na fave- Vinha maturando ao longo do tempo. Em 1994, la de Pindura Saia, extinta nos anos 1970. Trabalhou na minha dissertação de mestrado, fiz um jogo de pa- como empregada doméstica dos oito aos 25 anos, con- lavras entre escrever, viver, escrever-se vendo e escre- ciliando os estudos com a rotina de trabalho. Seguiu ver vendo-se e aí surgiu a palavra "escreviver". Mais morando em Belo Horizonte até se mudar para o Rio tarde, comecei a usar "escrevivência". Em 2005, se não de Janeiro em 1973, quando foi aprovada em um estou enganada, estive num seminário sobre mulher e concurso para trabalhar como professora do Curso literatura, no Rio de Janeiro, e houve uma mesa de es- Primário equivalente ao que, hoje, nomeamos como critoras bem diversa. Termino meu relato dizendo que Ensino Fundamental Anos Iniciais.</p><p>6 Sua mãe, Dona Joana Josefina Evaristo, gostava de escrever e colecionava cadernos com poemas e pen- samentos escritos, inspirada pela autora mineira Carolina Maria de Jesus, conhecida por seu livro Quarto de Despejo: diário de uma favelada (1960) um diário no qual relatou de maneira poética sua vida na favela do Canindé, em São Paulo. Dona Joana seguiu a tradição literária de Carolina Maria de Jesus e também fez seus registros, que até hoje são guardados por Conceição Evaristo. Dessa forma, mesmo sem possuir muitos livros, Conceição pôde crescer rodeada de palavras, com o exemplo de sua mãe e de seus familiares, que sempre gostaram de contar histórias. No poema a seguir, podemos notar a reverência da autora pela mãe: De mãe Glossário O cuidado de minha poesia aprendi foi de mãe, assuntar: observar, reparar. mulher de pôr reparo nas coisas, prenhe: em estado de gestação. yabá: significa "Mãe Rainha" e é o nome utilizado, no Brasil, para se e de assuntar a vida. referir às orixás femininas ligadas à gestação, ao parto e aos cuidados A brandura de minha fala maternos, podendo ser chamadas de Aiabás, Lyagbas, labá ou Aiabá. Nos povos africanos, esse termo só é utilizado para os orixás femininos na violência de meus ditos lemanjá e Oxum. ganhei de mãe, mulher prenhe de dizeres, fecundados na boca do mundo. Foi de mãe todo o meu tesouro veio dela todo o meu ganho mulher sapiência, do fogo tirava água do pranto criava consolo. Foi de mãe esse meio riso dado para esconder alegria inteira e essa fé desconfiada, pois, quando se anda cada dedo olha a estrada. Foi mãe que me descegou para os cantos milagreiros da vida apontando-me o fogo disfarçado em cinzas e a agulha do tempo movendo no palheiro. Foi mãe que me fez sentir as flores amassadas debaixo das pedras; os corpos vazios rente às e me ensinou, insisto, foi ela, a fazer da palavra artifício arte e ofício do meu canto, da minha fala. EVARISTO, Conceição. De mãe. In: Poemas da recordação e outros movimentos. Rio de Janeiro: 2021, p.</p><p>7 Em 1987, já morando no Rio de Janeiro, Conceição Evaristo cursou Letras na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Em 1996, defendeu a dissertação Literatura Negra: uma poética de nossa afro-brasilidade no curso de mestrado da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ). A autora seguiu com a carreira acadêmica e concluiu o doutorado pela Universidade Federal Fluminense (UFF) com a tese Poemas malungos, cânticos irmãos, em 2011. Conceição Evaristo começou a publicar poemas e contos literários em 1990, aos 44 anos, na edição de número 13 da série Cadernos Negros, importante publicação que existe desde 1978, editada pelo grupo Quilombhoje. Atualmente, o conjunto da obra de Conceição apresenta livros de contos, poemas e romances. Muitos de seus escritos já foram traduzidos para outros idiomas, e a autora já foi premiada várias vezes. Venceu o prêmio Jabuti de Literatura em 2015, na categoria Contos e Crônicas com seu livro Olhos d'água, e, em 2018, foi a vez do Prêmio de Literatura do Governo de Minas Gerais. Em 2017, foi tema da Ocupação Conceição Evaristo do Itaú Cultural e, dois anos mais tarde, foi a escritora homenageada da Olimpíada de Língua Portuguesa. Seu li- vro de estreia, Ponciá Vicêncio, foi publicado em 2003, e seu mais recente livro, Canção para ninar menino grande, foi publicado em 2018. A autora é bastante crítica em relação ao seu reconhecimento tardio como escritora. Ela só foi, de fato, valorizada pela comunidade literária aos 70 anos, após uma trajetória profissional A muito vasta. Essa denúncia é acompanhada de uma crítica ao racismo estrutural e ao machismo que escritoras mulheres negras enfrentam ao atuarem fora do lugar imposto a elas pela sociedade. Ao falar sobre seus escritos e sobre como costuma ser rotulada, Conceição defende que a obra de uma escritora negra deve ser lida com base em suas qualidades literárias e artísticas. [...] Estão no imaginário do brasileiro algumas competências para o sujeito negro. -se que ele saiba dançar, cantar, e principalmente no caso das mulheres, cozinhar. Mas as compe- tências intelectuais, principalmente as literárias, não. Quando se trata da literatura, talvez porque ela use o maior bem simbólico da nação que é a língua, essa escrita negra não é acreditada. Entrevista ao site Brasil de Fato, 2018. Disponível em: https://www.brasildefato.com.br/2018/11/20/ em: 2 jul. 2022. Em 2018, aos 71 anos, Conceição Evaristo perdeu a disputa para ocupar a cadeira número 7 da Academia Brasileira de Letras, que já foi do escritor abolicionista Castro Alves, autor do poe- ma Navio Negreiro. escolhido da vez foi o cineasta Cacá Diegues (1940-). A autora e seu período Escolher escrever é rejeitar o silêncio. Chimamanda Ngozi Adichie A mulher negra, tradicionalmente na literatura, é retratada em personagens sem fala ou autonomia, as quais, muitas vezes, são vistas como submissas, sem ação ou inteligência e, ainda, sem contextualizar sua história, família ou legado. Essa prática é fruto do papel imposto à mu- lher negra na sociedade brasileira, desde o período de escravização de pessoas negras que foram trazidas à força para o país do século XVI ao XIX.</p><p>8 Mesmo depois de 1888, quando houve a abolição da escravatura e negros e negras se viram legalmente livres, a sociedade não os acolheu como cidadãos. A população negra não obteve os mesmos direitos que os brancos e ficou por anos estagnada e oprimida, lutando até hoje por direitos iguais. A maneira como esses fatos se deram criou margem para estereótipos e visões cul- turalmente aceitas sobre a população negra que precisam ser quebrados diariamente. Em 2005, Conceição Evaristo falou sobre o tema: A representação literária da mulher negra ainda surge ancorada nas imagens de seu pas- sado escravo, de corpo-procriação e/ou corpo-objeto de prazer do macho senhor. Interessante observar que determinados estereótipos de negros/as, veiculados no discurso literário brasilei- ro, são encontrados desde o período da literatura colonial. EVARISTO, Da representação à auto-apresentação da mulher negra na literatura brasileira. Revista Palmares: Cultura Afro-brasileira, ano I, n. 1, ago. 2005, p. A escrita se tornou uma ferramenta para que essa parcela da sociedade pudesse contar sua própria história. O papel da mulher negra na literatura vem sendo restaurado por meio de escritas como a de Conceição Evaristo, mas esta prática teve início antes de Conceição se descobrir escritora. A busca da autorrepresentação, que permite falar de si por uma pers- pectiva pessoal e significativa, pode ser vista nas obras das autoras brasileiras Maria Firmina dos Reis (1822-1917), conhecida como a primeira abolicionista brasileira; Carolina Maria de Jesus (1914-1977) e Geni (1947-), por exemplo. Conceição Evaristo diz fazer parte de uma escola de escritoras negras e moradoras de fa- velas. Assim como Carolina Maria de Jesus, Conceição tem muito o que falar sobre a vida na periferia da cidade. Ela e sua família se enxergavam não apenas como leitores de Carolina, mas como uma de suas personagens. Para Evaristo, ocupar um espaço de trabalho intelectual é es- sencial para a libertação das mulheres negras, que possuem um papel, muitas vezes, inferiorizado na literatura canônica. Os primeiros escritos de Conceição Evaristo foram publicados na série Cadernos Negros, importante publicação criada em 1978, no final da ditadura militar, que deu espaço para que vários autores negros pudessem publicar e se apresentar para um público mais amplo. Conceição conheceu o trabalho do grupo Quilombhoje, responsável pelos Cadernos Negros, nos anos 1980, época em que os movimentos pela igualdade racial estavam crescendo. A série Cadernos Negros foi pensada durante os anos 1970, junto ao crescimento de ações e de pensa- dores que apoiavam a valorização e a igualdade de direitos para a população negra, no Brasil e em outras partes do globo, como os Black Panthers, o movimento Black is beautiful, ativistas como Lélia Gonzalez (1935-1994), Rosa Parks (1913-2005), Nelson Mandela (1918-2013), Abdias do Nascimento (1914-2011), Milton Santos (1926-2001) e Sueli Carneiro (1950-). Conceição Evaristo fez um longo percurso até ser reconhecida como escritora. Nesse ca- minho, podemos incluir sua trajetória acadêmica, a graduação em Letras, os títulos de mestra e doutora em Literatura, importantes passaportes para que sua experiência na escrita pudesse ser creditada e valorizada pela comunidade literária. Segundo a autora, a obra Becos da Memória ficou guardada por 20 anos, esperando ser aceita pelas editoras. Atualmente, Conceição é uma autora de renome e abre portas para que escritoras negras da nova geração percorram um cami- nho de maior aceitação na literatura, fazendo uso da "escrevivência" para narrar suas histórias.</p><p>A PRODUÇÃO LITERÁRIA condição de ser negra, que é compartilhada por gran- de parcela da população brasileira. Obras da autora Conceição coloca suas personagens no centro da narrativa, elas sentem, falam, agem, pensam, são Ponciá Vicêncio (2003) autônomas e capazes de fazer escolhas. Essa forma Becos da (2006) de escrever posiciona as personagens negras em um Poemas da recordação e outros movimentos novo lugar até então não comumente ocupado na (2008) literatura. A "escrevivência" torna-se uma bandeira Insubmissas lágrimas de mulheres (2011) de denúncia e de luta contra o machismo e o racismo Olhos d'água (2014) que estão no núcleo da sociedade brasileira. É uma Histórias de leves enganos e parecenças produção literária que denuncia e escancara a margi- (2016) nalização de um povo. Canção para ninar menino grande (2018) Alguns temas recorrentes da autora são amor, an- cestralidade, pobreza, desigualdade social e racial, re- ligião, resistência, relações de trabalho, família, laços amorosos e maternidade. São temas que resumem a existência e que aprofundam as experiências humanas Aspectos gerais da produção literária da vida em sociedade da comunidade negra. A autora da autora utiliza a subjetividade como ferramenta em seus tex- As experiências vividas e observadas por Conceição tos, conectando suas personagens às sensações e aos Evaristo e as histórias que ela cresceu ouvindo moldaram sentimentos humanos. o conjunto de temas utilizados pela autora em suas obras. Conceição Evaristo é autora de poemas, contos e Defensora da importância da oralidade, Conceição cos- romances, sendo capaz de transitar entre os diferentes tuma comentar em entrevistas de que modo essas narra- gêneros sem perder a qualidade poética de seus textos. tivas fizeram parte de seu percurso como escritora, uma Como dito anteriormente, a autora utiliza traços de ora- vez que não cresceu cercada de livros, mas de palavras. lidade em sua escrita, fazendo uso de neologismos, isto Ao valorizar os relatos que lhe eram contados por sua é, criando palavras e aproximando a linguagem da rea- família, a autora também enaltece sua ancestralidade, lidade de suas personagens, sempre com a poeticidade guardando na memória as histórias daqueles que já se em seus diálogos. A linguagem poética é muito presen- foram e que fazem parte de quem ela é, mas, sobretudo, te em suas obras e, por meio dela, Conceição conse- compartilhando tais acontecimentos em seus livros. gue traduzir cenas de extrema violência, sofrimento e conceito de "escrevivência" é o fio condutor que injustiça com sensibilidade e delicadeza. As situações podemos encontrar em sua produção literária. Citada narradas são sempre complexas, nada se torna raso ou pela primeira vez em 1995, a aplicação da "escrevivên- simples. Durante a leitura de seus textos é possível al- cia" parte do individual para o coletivo, ou seja, a his- cançar diferentes camadas do que está sendo dito, as tória de uma só pessoa é ampliada para a vida de toda personagens são múltiplas, sorriem, choram, brincam e uma comunidade. É a diferença entre ser observador brigam, são humanizadas. e ser personagem de uma narrativa. Por meio de sua A valorização da memória em sua obra permite que produção literária, a autora conta e revive questões da o passado também faça parte do presente, ampliando os negritude, aspectos que fazem parte de uma sentidos do que está sendo narrado, valorizando a origem cia pessoal, mas que também podem corresponder à das relações e resgatando a ancestralidade afro-brasileira.</p><p>10 Aspectos gerais da obra analisada São cenas do triste cotidiano das pessoas marginali- A obra Olhos d'água, publicada em 2014, apre- zadas do país. Outro assunto presente é o tema da senta quinze contos, sendo que alguns deles já ha- maternidade, que é evidenciada e, ao mesmo tempo, viam sido publicados na série Cadernos Negros. Esse desromantizada. A maternidade é retratada de forma é o quinto livro da autora. A leitura das histórias real, apresentando diversas situações em que ser mãe ocorre de maneira fluida; seu conteúdo é sensível, pode não ser o sonho de uma mulher ou nem mesmo envolvendo temas de violência, abandono e pobreza sua escolha. Os relacionamentos abusivos também que retratam a difícil realidade da vida de mulheres, fazem parte nas narrativas, carregados de violência crianças e homens negros. As narrativas curtas são e dor. protagonizadas por personagens completos e sensi- uso de neologismos é frequente e confere poe- veis, o que nos faz pensar que o que está sendo lido ticidade aos enredos, que, em grande parte, acabam pode estar acontecendo de verdade em algum canto de forma trágica, levando o leitor a refletir sobre a si- do nosso país. tuação exposta. É um um retrato do Conceição Evaristo explora a linguagem poética que a sociedade produz, mas que não quer enxergar ou em Olhos d'água, levando a realidade de seus escritos tomar partido. Conceição Evaristo diz que "escrever é ao olhar do leitor, sem sentimentalismos limitantes. uma maneira de sangrar".</p><p>11 Olhos d'água a cor de seus olhos, já que a mãe apenas chorava e só O conto que abre o livro leva o mesmo nome da se viam as lágrimas. obra, Olhos d'água. Nele, podemos acompanhar a re- flexão de uma mulher que tenta se lembrar da cor dos [...] Mas eram tantas lágrimas, que eu me pergun- olhos de sua mãe e começa a revisitar as memórias da tei se minha mãe tinha olhos ou rios caudalosos sobre infância e as lembranças que possui. a face. [...] A cor dos olhos de minha mãe era cor de Olhos d'água. Água de Mamãe Oxum! [...] E o que a princípio tinha sido apenas um mero pensamento interrogativo, naquela noite se transfor- conto é finalizado com a própria filha da nar- mou em uma dolorosa pergunta carregada de um tom radora (após uma brincadeira de se olhar fixamente) acusativo. Então eu não sabia de que cor eram os percebendo que os olhos de sua mãe também pos- olhos de minha mãe? suem uma cor úmida. Dessa forma, os olhos da mãe que agora é avó, se repetem nos olhos da filha, que O conto, relatado em primeira pessoa, segue re- agora é mãe. tomando a história da narradora e a de sua mãe. Ela Conceição Evaristo retoma a ancestralidade que diz que, em muitos pontos, as histórias se misturam vem da figura da mãe e das mulheres que ajudam a e se confundem. Lembra-se da mãe cozinhando e da criar as crianças. Ela também cita outra mãe, a Mamãe fome que sentiam, da panela sem cheiro de comida Oxum, orixá filha de conhecida como a ori- no fogo e de como sua mãe brincava ainda mais com xá das águas calmas e tranquilas. No choro da mãe, a os filhos nesses dias de angústia e falta de alimento. narradora pode encontrar a tranquilidade do cuidado Nessas ocasiões, a brincadeira era decorar os cabelos materno, mas também compreender a dor presente da mãe com flores, fingindo que ela era uma rainha nos sofrimentos pelos quais passaram. A prosa poética e, então, as filhas eram as princesas. Mesmo se recor- de Conceição Evaristo combina, ainda, dois elemen- dando desses momentos, a cor dos olhos da mãe não é tos nesse conto: a dor e o afeto, fazendo uso de termos revelada. Ela traz à memória também os dias de chuva da cultura afro-brasileira. e de medo, de como a mãe a protegia e entoava um "lamento-pranto". Neste momento, a autora alterna duas palavras para retratar o choro e lamento de sua mãe, que se confundiam com o barulho da chuva. [...] Nesses momentos os olhos de minha mãe se confundiam com os olhos da natureza. Chovia, chora- va! Chorava, chovia! A narradora fala sobre a importância da mãe em sua vida, assim como da presença de suas tias e ou- tras mulheres da família, mostrando a reverência da narradora por sua ancestralidade. A narradora decide, então, voltar para sua cidade natal para ver novamen- te os de sua mãe. Quando finalmente chega ao destino e olha para a mãe, que sorri, não consegue ver</p><p>12 Ana Davenga Nesse conto, narrado em terceira pessoa, acompanhamos momentos de ale- gria, medo e violência com Ana, a protagonista. Ela é companheira de Davenga, um chefe de gangue local. Quando percebe a falta de Davenga, Ana fica com medo, quer saber onde está o seu homem. Ao se perguntar sobre o paradeiro dele, Ana se lembra da fragilidade de seu companheiro e de como ele era outro homem ao lado dela, retomando a história de como eles se conheceram: os dois se gostaram imediatamente, o sorriso de Ana fez Davenga se lembrar das mu- lheres que fizeram parte de sua vida. Neste trecho, apresenta-se mais uma vez o resgate de ancestralidade, nas figuras da mãe, da avó, das irmãs e das tias. Ana sabia dos riscos que corria ao ser companheira de um bandido: [...] Ana sabia bem qual era a atividade de seu homem. Sabia dos riscos que corria ao lado dele. Mas achava também que qualquer vida era um risco e o risco maior era o de não tentar viver. [...] E também sabia que estava grávida, esperando seu primeiro filho. Os comparsas de Davenga estavam todos lá, mas ele não. Em um mo- mento de temor, Ana tem uma grande surpresa, Davenga chega e lembra a ela que é o dia de seu aniversário, Ana está completando 27 anos e terá uma festa surpresa, a primeira comemoração de aniversário de sua vida. [...] Ana estava feliz. Só Davenga mesmo para fazer aquilo. E ela, tão viciada na dor, fizera dos momentos que antecederam a alegria maior um profundo sofrimento. [...] O conto chega ao fim com o temor de Ana se con- cretizando, Davenga é abordado em casa pela polícia. casal, o filho na barriga de Ana e um dos policiais são assassinados. [...] Os noticiários depois lamentavam a morte de um dos policiais de serviço. Na favela, os companheiros de Davenga choravam a morte do chefe e de Ana, que morrera ali na cama, metralhada, protegendo com as mãos um sonho de vida que ela trazia na barriga. Em uma garrafa de cerveja cheia de água, um botão de rosa, que Ana Davenga havia recebido de seu homem, na festa primeira de seu aniversário, vinte e sete, se abria. [...] final mostra o assassinato frio e violento das per- sonagens, ao mesmo tempo que o botão de rosa desa- brocha na garrafa. Essas imagens podem ser vistas como uma alusão à vida e à resistência, que mesmo interrom- pida, desabrocha em outro lugar.</p><p>Duzu-Querença o desespero diante daquele viver-morrer, por maior Duzu era uma criança inteligente e que gostava de que fosse a dor, era proibido o sofrer. Ela gostava deste ler. Ao se mudar para a cidade, seu pai tinha a espe- tempo. Alegrava-se tanto! Era o carnaval. [...] rança de que ela pudesse estudar e ser uma pessoa ins- Nessa passagem, a autora faz remissão a uma festa truída. Porém, os planos não saíram como o desejado, popular: o carnaval. Duzu gosta do carnaval, sabe que e Duzu acabou trabalhando como empregada na casa esse é um momento para se alegrar, deixar a tristeza de de uma senhora, onde lavava e passava roupas de mui- lado, arrumar uma fantasia para o desfile da escola. No tas mulheres que ali moravam. A menina, com o tem- po, descobriu que estava em uma casa de prostituição dia do desfile, Duzu morre e vai abandonando a vida e acabou se tornando, logo cedo, uma prostituta. ao mesmo tempo que se lembra de seus ancestrais, pa- rentes que já se foram e de sua neta Querença. [...] Acostumou-se aos gritos das mulheres apa- A autora usou a seguinte passagem para situar a nhando dos homens, ao sangue das mulheres assas- morte de Duzu, explorando a poética em seu texto: sinadas. Acostumou-se às pancadas dos cafetões, aos mandos e desmandos das cafetinas. Habituou-se à [...] dia do desfile chegou. Era preciso inaugurar morte como uma forma de vida. [...] a folia. Despertou cedo. Foi e voltou. Levantou e Nesse trecho, a autora mostra a transição de Duzu aterrizou. E foi escorregando brandamente em seus fa- para a vida adulta, que se acostuma a viver em meio mintos sonhos que Duzu visualizou seguros plantios e à violência; a vida no era tudo o que ela fartas colheitas. Estrelas próximas e distantes existiam conhecia. Duzu cresce nesse ofício, tem filhos e netos e insistiam [...] Duzu deslizava em visões e sonhos por e, devido às adversidades da vida, torna-se uma men- um misterioso e eterno caminho... [...] diga. Ela vive nas ruas procurando por comida, mas Querença, a neta, descobre a morte da avó e tenta não se esquece de seus netos. Até que um dia recebe recordar a história de seus ancestrais. Então, ela herda a notícia da morte de um deles e, para tentar aliviar a tristeza, passa a ficar em frente a uma igreja. a luta de sua família e a busca por novos caminhos: [...] Estava chegando uma época em que o sofrer [...] E foi no delírio da avó, na forma alucinada de era proibido. Mesmo com toda dignidade ultrajada, seus últimos dias, que ela, Querença, haveria de sem- mesmo que matassem os seus, mesmo com a fome pre umedecer seus sonhos para que eles florescessem cantando no estômago de todos, com o frio rachando e se cumprissem vivos e reais. Era preciso reinventar a a pele de muitos, com a doença comendo o corpo, com vida, encontrar novos caminhos. [...]</p><p>14 Maria Essa passagem mostra uma cena cotidiana de uma mulher voltando do trabalho, refletindo sozinha sobre as compras da casa e sobre seus filhos, enquanto espe- ra o transporte público. Um episódio bem comum na vida de muitos trabalhadores. No entanto, no ônibus tão aguardado, algo lines- perado aconteceria. Nele, estava o pai de seu primei- ro filho; então, conversa rapidamente com ele, em baixa: [...] homem falava. Mas continuava estático, preso, fixo no banco. Cochichava com Maria as pala- vras, sem entretanto virar para o lado dela. Ela sabia o que o homem dizia. Ele estava dizendo de dor, de prazer, de alegria, de filho, de vida, de morte, de despedida. Do buraco-saudade no peito dele... Desta vez ele cochi- chou mais alto. Ela, ainda sem ouvir direito, adivinhou a fala dele: um abraço, um beijo, um carinho no filho. E logo após, levantou rápido sacando a arma. Outro lá gritou que era um assalto. [...] Nesse trecho, somos surpreendidos, assim como Maria, por um assalto. O que vem antes são gestos carinhosos, mesmo que escondidos. Maria guarda- Esse conto narra a história de Maria, uma mulher va consigo um recado para o filho, seu pai lhe havia que trabalha como empregada doméstica e tem três mandado um carinho. Conceição usa nesse trecho o filhos. Um dia, cansada após o trabalho, esperando termo "buraco-saudade" para descrever o sentimen- seu ônibus no ponto, Maria carrega algumas frutas to do homem. que ganhou de sua patroa para levar para casa. Em Maria não tinha nada a ver com o crime, mas por sua mente, vai repassando os afazeres pendentes e se não ter sido assaltada, acabou pagando preço, sendo alegra ao saber que seus filhos poderão provar uma linchada pelos outros passageiros, que logo decidiram fruta nova, já que ela estava levando um melão. que ela era cúmplice. [...] Estava feliz, apesar do cansaço. A gorjeta [...] Lincha! Lincha! Lincha! Maria punha sangue chegara numa boa hora. Os dois filhos menores es- pela boca, pelo nariz e pelos ouvidos. A sacola havia tavam muito gripados. Precisava comprar xarope e arrebentado e as frutas rolavam pelo chão. Será que os aquele remedinho de desentupir nariz. Daria para meninos iriam gostar do melão? [...] comprar também uma lata de Toddy. As frutas esta- vam ótimas e havia melão. As crianças nunca tinham Não houve tempo de Maria levar a fruta para os comido melão. Será que os meninos iriam gostar de filhos nem sequer dizer ao mais velho que o pai havia melão? [...] lhe mandado um abraço. Ela havia partido.</p><p>15 Quantos filhos Natalina teve? Na quarta gravidez, Natalina teria o filho e o cha- Esse conto, narrado em terceira pessoa, conta a maria de seu, foi estuprada e consegue matar o agres- história de Natalina e as escolhas que ela teve que fa- sor. Decide ter o filho e criá-lo como parte de zer durante a vida em relação à maternidade. Na primeira vez em que engravida, Natalina tem [...] A quem dizer? O que fazer? Só que guardou apenas 14 anos, e sua mãe pergunta se ela e o namo- mais do que ódio, a vergonha, o pavor, a dor de ter sido rado, Bilico, desejam ficar com a criança. Natalina violentada. Guardou mais do que a coragem da vin- não queria, mas também sentia medo da parteira Sá gança e da defesa. Guardou mais do que a satisfação Praxedes, a mulher que seria responsável por fazer o de ter conseguido retomar a própria vida. Guardou a aborto. Com medo, Natalina foge de casa, e, após o semente invasora daquele homem. Poucos meses de- parto, uma enfermeira decide ficar com a criança. A pois, Natalina se descobria grávida. [...] segunda gravidez também não foi desejada, e a crian- ça acabou ficando com o pai. Já na terceira gravidez, A autora narra os dilemas das mulheres em rela- Natalina foi convencida pelos patrões, para quem ção ao próprio corpo e ao seu destino, muitas vezes trabalhava como doméstica, a ter um filho com o ho- cercado por violências e caminhos tortuosos, seja por mem, já que a patroa não podia engravidar. conta de uma adolescência vulnerável pela falta de in- formação, pela discrepância de poder na relação entre [...] Um dia a criança nasceu fraca e bela. empregador e empregado ou pela ultraviolência de um Sobreviveu. Os pais choravam aflitos. Natalina quase estupro. É importante observar como em todos os ca- morreu. Tinha os seios vazios, nenhum vestígio de lei- SOS de gravidez a escolha de manter a criança sempre te para amamentar o filho da outra. Para o seu próprio foi da mulher, o que coloca a personagem de Natalina alívio foi esquecida pelos dois. [...] no centro da ação da narrativa.</p><p>16 Beijo na face Nesse conto, narrado em terceira pessoa, encontramos a história de Salinda, uma mulher casada e mãe. Ela se mostra apaixonada por outra pessoa, vivendo um amor proibido e sendo vigiada pelo marido. [...] Ela estava aprendendo um novo amor. Um amor que vivia e se for- talecia na espera do amanhã, que se fazia inesperadamente nas frinchas de um momento qualquer, que se revelava por um simples piscar de olhos. [...] [...] A vigilância sobre os seus passos pretendia, se possível, abarcar até pensamentos. Ela, que até então fora sempre distraída, teve de aprender a prestar atenção a tudo e em todos. A mulher ou homem que estivesse assentado ao seu lado poderia ser o detetive particular que o seu marido tinha contratado para segui-la. [...] A perseguição e o controle do marido se intensificam, ele começa a fazer ameaças, promete tirar as crianças de perto dela, matá-la ou tirar a própria vida. Logo Salinda consegue uma cúmplice, a Tia Vandu, que era um tipo de avó, mãe, amiga, irmã, uma presença feminina capaz de ofere- cer acolhimento. Tia Vandu passa a guardar o segredo do novo amor de Salinda em sua casa, em da Alegria. No entanto, o marido descobre tudo e promete vingança. conto se encerra com Salinda mirando-se no espelho e buscando a imagem de seu amor. Ao longo da narrativa, percebemos que seu novo amor é uma mulher e que, com ela, Salinda descobre como era estar com alguém que compartilhava o fato de ser uma mulher negra: [...] Tentando se equilibrar sobre a dor e o susto, Salinda contem- plou-se no espelho. Sabia que ali encontraria a sua igual, bastava o gesto contemplativo de si mesma. E no lugar de sua face, viu a da outra. [...] Mulheres, ambas se pareciam. Altas, negras e com dezenas de dreads a lhes enfeitar a cabeça. Ambas aves fêmeas, ousadas mergulhadoras na própria profundeza. [...] Luamanda é uma mulher de quase 50 anos, mas, por sua aparência, mui- tos acabam achando que não tem mais do que 35 anos completos. A perso- nagem segue em uma reflexão sobre sexualidade, amor e amadurecimento. Ao longo do texto, vai relembrando seus parceiros e parceiras, amores e de- samores, encontros e desencontros com o prazer. Há um questionamento sobre o amadurecimento da sexualidade, o envelhecer do corpo e sobre o que já havia feito de sua vida até ali.</p><p>17 [...] Entre encontros e desencontros, Luamanda [...] Encarou novamente o espelho e se lembrou estava em franca aprendizagem. Uma aprendizagem de um poema, em que uma mulher contemplando a no, por dentro e fora do corpo. A cada amor vivido, sua imagem refletida, perguntava angustiada onde é Luamanda percebia que a lição encompridava, mas que ela deixava sua outra face, a antiga, pois não se que ainda faltava testes, arguições, sabatinas e que reconhecia naquela que lhe estava sendo apresentada ela sabia só um pouquinho ou talvez nem soubesse naquele momento. [...] nada ainda. Havia os filhos, três mulheres e dois homens. Nessa reflexão da personagem, Conceição Evaristo Todos eles já inaugurados no mistério maior da vida. cria uma intertextualidade com o poema "Retrato", de [...] Luamanda, avó, mãe, amiga, companheira, aman- Cecília Meirelles (1901-1964), no qual há um ques- te, alma-menina no tempo. [...] tionamento sobre um rosto que envelheceu e já não é mais o mesmo. No trecho apresentado, a autora usa o termo "al- Com esse recurso, Evaristo pode fazer uma relação ma-menina", que pode significar "uma alma de me- entre os sujeitos poéticos que não conseguem ainda nina" e que também possui a sonoridade de "há uma perceber ou aceitar que o rosto no espelho não é o menina", ou seja, mesmo na maturidade, a menina que mesmo, mas ainda pertence ao mesmo dono. Luamanda já foi segue fazendo parte de quem ela é.</p><p>18 0 cooper de Cida [...] Descobriu no turbilhão da cidade um jogo de Cida corria pela praia de Copacabana, ela praticava caleidoscópios formado por peças, gente-máquinas se cooper. Tinha uma rotina cheia, fazia tudo com pressa. cruzando, entrecortando braços, rodas, cabeças, buzinas, Tinha até feito um curso de leitura dinâmica, assim pode- motos, pernas, pés e corpos aromatizados pela essência ria ler as manchetes de jornal na banca. Em casa ela tam- de gasolina. Cida descobriu outras pessoas também por- bém corria, ia de um cômodo ao outro sempre com pressa. tadoras da urgência de vida que ela trazia em si. [...] [...] Em casa corria ao banho, ao quarto, à sala, à texto segue com a rotina lotada de Cida e a pressa cozinha. Fervia o leite, arrumava a mesa, voltava ao com a qual ela segue a vida. No dia em que se passa o quarto, avançava sobre o guarda-roupa e atracava-se conto, Cida quer parar, seus pés não estão mais rápidos, a ao uniforme de trabalho, logo depois já estava na sala rotina se mostra monótona e previsível. Cida se lembrou fechando a porta e indo. Voava pelas escadas pois o de que não era uma máquina e parou para ver o mar. elevador era lento e no constante cooper ganhava a rua. Corria sobre a corda bamba, invisível e opressora [...] Se distraíra, esquecera das horas. [...] Hoje do tempo. Era preciso avançar sempre e sempre. ela não iria trabalhar, queria parar um pouco, não fazer nada de nada talvez. E só então falou signifi- A autora faz um uso diferente da palavra "cooper", cativamente uma expressão que tantas vezes usara e que costuma ser usada para designar uma prática espor- escutara. Mas falou tão baixinho, como se fosse um tiva. No caso de Cida, era uma rotina, sua vida era um momento único, de uma misteriosa e profunda prece. cooper, pois ela fazia tudo correndo. O conto segue com Ela ia dar um tempo para ela. [...] esse jogo de linguagem, comparando a vida de Cida com grandes desafios, por exemplo, o fato de sair de sua cida- final do conto mostra uma mulher que decide de natal é também comparado a uma prática esportiva: não mais seguir o tempo estabelecido para ela, mas "já saltara montanhas e divisas de um tempo-espaço". A viver em seu próprio ritmo, ignorando o tempo da ci- vida nessa cidade natal é lenta, devagar, mas Cida não é dade, ouvindo o mar e caminhando sentindo os pés assim. A urgência de Cida a levou para o Rio de Janeiro. no chão.</p><p>Zaíta esqueceu de guardar os brinquedos de outro modo e ficavam ricos. Era só insistir, só ter é uma criança que mora em uma favela, com coragem. [...] uma irmã gêmea, Naíta, e mais dois irmãos. Ela brin- cava com suas figurinhas quando percebeu que faltava seguia seu caminho em busca da irmã, que uma delas, justo aquela de que sua irmã gostava tan- estava no barraco ao lado do seu e já havia voltado to. Sua mãe lhe havia recomendado que guardasse os para casa. No caminho, começou de repente um tiro- brinquedos, não gostava de bagunça no barraco. teio, porém ela andava distraída sem nada perceber. As pessoas ao redor pediam que ela se afastasse, que [...] Ela ficava brava quando isto acontecia. Batia procurasse abrigo, mas ia em frente. Quando o nas meninas, reclamava do barraco pequeno, da vida tiroteio acabou, Zaíta estava entre as vítimas. de pobre, dos filhos, principalmente do segundo. [...] [...] Os moradores do beco onde havia acontecido queria achar sua irmã que tinha saído, então o tiroteio ignoravam os outros corpos e recolhiam só anda pela favela procurando por Naíta. Ninguém sa- o da menina. Naíta demorou um pouco para enten- bia onde ela estava, mas tinha esperanças de que der o que havia acontecido. E assim que se aproximou a irmã estivesse com a figurinha perdida. da irmã, gritou entre o desespero, a dor, o espanto e Em paralelo, o texto apresenta o irmão de o medo: como alguém vulnerável a ingressar na vida do crime. você esqueceu de guardar os brinquedos! A menina já o tinha visto com uma arma. final da narrativa mostra uma cena de extre- [...] moço via mulheres, homens e até mes- ma violência, e a fala de Naíta demonstra o desespero mo crianças, ainda meio adormecidos, saírem para de ver sua irmã sem vida. Nos textos de Conceição o trabalho e voltarem pobres como foram, acumu- Evaristo, podemos perceber a potência de uma escrita lados de cansaço apenas. Queria, pois, arrumar a que relata situações de extrema violência, contudo, vida de outra forma. Havia alguns que trabalhavam cotidianas da vida nas favelas.</p><p>20 Di Lixão fazer nas calças, pois era traumatizado por sua mãe - Agora conhecemos Di Lixão, um garoto de 15 anos já falecida que o julgava quando urinava nas calças. que mora na rua, no que Conceição Evaristo chama de Com muito esforçou, conseguiu se levantar e perce- "quarto-marquise". adolescente tem um colega de rua beu que estava urinando sangue. que dorme no mesmo lugar que ele. Um dia, Di Lixão, cheio de dor de dente, cospe nesse colega, que logo respon- [...] Assustou-se. Estava urinando sangue. Passou de com um chute. Agora Di Lixão está com duas dores. a língua no canto da boca. carocinho latejou. Num gesto coragem-desespero levou o dedo em cima da [...] O dente de Di Lixão latejava compassadamen- bola de pus e apertou-a contra a gengiva. Cuspiu pus e te. Ele era uma dor só. As dores haviam se encontra- sangue. [...] Deitou novamente, retomando a posição do. Doía o dente. Doíam as partes de baixo. Doía o de feto. Já eram sete horas da manhã. Um transeun- ódio. [...] te passou e teve a impressão de que o garoto estava morto. Um filete de sangue escorria de sua boca en- Di Lixão ficou sofrendo sozinho com suas dores, treaberta. Às nove horas o rabeção da polícia veio re- imaginando se ia morrer, tendo certeza de que sim. Ele colher o cadáver. [...] via as pessoas passarem com pressa, teve vontade de chamá-las, mas "silenciou o desejo na garganta". dia desfecho mostra como o garoto sofreu sozinho, estava quente, mas o garoto sentia frio e fome. sem nenhuma assistência, sem ninguém para pedir ajuda, só podia encarar sua dor e esperar que tudo aca- [...] Sentia um vazio na cabeça, no peito e no es- basse. Di Lixão já tinha sido vítima de várias outras tômago. Tinha um pouco de fome. Havia umas duas violências e, por fim, morreu desamparado por uma semanas que aquele tumorzinho na boca, junto ao causa tão banal e totalmente remediável. Esse é um dente, doía que ele não podia comer quase nada. [...] exemplo das questões sociais que envolvem o genocí- dio de jovens negros no país, os quais se veem desas- Somado a isso, Di Lixão estava com vontade de sistidos e invisíveis para a sociedade por conta de sua urinar, mas não conseguia levantar e tampouco podia condição de cor e de sua situação econômica.</p><p>21 Lumbia nasceu em uma manjedoura, enquanto seus pais fu- Lumbia é um garoto que vende doces na rua. Ele é giam de uma perseguição política. Lumbia tanto se encantado pelo Natal, por suas cores e luzes, pela cidade emocionou que fugiu com a imagem do enfeitada e principalmente pelos presépios com a ima- Em sua fuga, encontramos o desfecho da história, gem de "Deus-menino", nas palavras da autora. Certa Lumbia é atropelado, em mais um final trágico. vez, Lumbia fica sabendo que uma loja ia armar um gran- de presépio. Ele, então, começa a saga para poder visitar [...] sinal! carro! Lumbia! Pivete! Criança! e conhecer esse presépio tão especial. problema é que Erê, Jesus Menino. Amassados, massacrados, quebra- a loja não aceitava crianças desacompanhas, e Lumbia dos! Deus-menino, Lumbia morreu! [...] sabia que não teria a companhia de um adulto. Tentou entrar na loja em várias ocasiões e foi expulso. Um dia Nesse último trecho, podemos acompanhar o de- ele conseguiu entrar, sorrateiro, sem ninguém perceber. sespero dos que viram a cena de Lumbia correndo para a morte. A sequência de advertências e vocativos [...] Lá estava o Deus-menino de braços abertos. criam no texto uma sensação de alerta e lamento. Nu, pobre, vazio e friorento como ele. Nem as luzes da leitor consegue acompanhar a cena até chegar à in- loja, nem as falsas estrelas conseguiam esconder a sua formação final de que Lumbia morreu, quebrado com pobreza e solidão. [...] o que mais queria, estar perto do Deus-menino. Esse A tipo de desfecho pode nos trazer a ideia de que a po- Lumbia se reconhece na figura do menino Jesus, pulação negra está à deriva, exposta à violência, pelo aquela figura pobre, sem luxos, mas rica em amor, que lugar que ocupa na sociedade.</p><p>22 Os amores de O conto apresenta um protagonista masculino e é narrado em terceira pessoa. A narrativa conta a história de um triângulo amoroso que acaba, como nos últimos contos do livro, em tragédia. Kimbá é um jovem pobre, que vive na favela e que detesta a realidade de sua situação de pobreza. O conto mostra como era seu cotidiano em um lugar onde, quando chovia, "o barro e a bosta" se confundiam. nome real de Kimbá era Zezinho, Kimbá era um apelido dado por um amigo rico. O texto mostra como a personagem não consegue mais aceitar sua vida na favela. Ele não gostava das pessoas do morro e, cada vez mais, se relacionava com a turma "lá de baixo", onde era ouvido sempre. [...] Frequentava a casa de alguns sonhando com o dia em que teria tudo como eles. Kimbá ia se distanciando do morro. Caminhava com passos seguros, tranquilos. A miséria e tudo o que detestava tinha ficado para trás. [...] Kimbá acaba se relacionando com Beth e Gustavo. Os três haviam se en- contrado na casa de Beth e, após o encontro, um turbilhão de questionamen- tos passou pela cabeça de Kimbá. Enquanto isso, Beth queria garantir que era só dela; mas Gustavo tinha a mesma intenção. O rapaz recebeu propostas dos dois para deixar a favela e morar com eles, caberia a ele escolher. Conceição Evaristo retoma no texto a origem de Kimbá, sua avó era filha de negros escravizados, a mãe passou a vida trabalhando em casas de gen- te rica, e as irmãs estavam seguindo o mesmo caminho. Ele trabalhava em supermercado. Uma família pobre, ainda sem chances de melhorar de vida. Em meio a tantos dilemas, Kimbá estava com a decisão tomada, prefe- riu morrer com os pretendentes "A morte selaria o pacto de amor entre eles" -, pois sabia que só lhe restava a vida e a morte por amor. [...] Kimbá não queria mais nada do céu, da terra ou do inferno. Ele sa- bia que o seu dia estava rompendo. Seria preciso coragem, muita coragem. Se as orações de Vó Lidumira nunca valeram de nada, agora era o que menos valia. Detestou, profundamente, mais uma vez, a avó. [...] Nesse conto, encontramos as marcas ancestrais da família de Kimbá, tanto em sua origem, descendentes de negros escravizados, como nos cui- dados da avó, que o enche de rezas e orações. No impasse entre origem e pertencimento, a autora nos mostra uma vida miserável e uma necessidade de escape. O ódio pela avó evidencia um rompimento com suas raízes, como se fosse uma preparação para a morte.</p><p>23 Ei, Ardoca autora alerta que Ardoca não quer mais viver e que O título chama por Ardoca, como se o alertasse de estar no trem o levava a essa conclusão. algum perigo. texto começa descrevendo a vida de Na sequência, nos deparamos com Ardoca pas- Ardoca desde o ventre de sua mãe. Parece uma vida sem sando mal, ele tomou veneno e escolheu ir morrer no paz ou tranquilidade, sempre usando o trem como meio trem. Como se já não fosse uma tragédia, há, ainda, de transporte e ligação com o centro, onde está a vida. um agravante: um conhecido de Ardoca o vê passan- do mal e o retira do trem, colocando-o no banco da [...] Cresceu em meio aos solavancos, ao empurra- estação. No entanto, o homem que aparentemente empurra, aos gritos dos camelôs, às rezas dos cren- iria socorrê-lo, começa a "arrancar-lhe os sapatos e o tes, às vozes dos bêbados, aos lamentos e cochilos relógio que ele trazia no pulso". Ardoca é assaltado dos trabalhadores e trabalhadoras cansados. Assistiu por um conhecido enquanto morre, que o chama pelo inúmeras vezes, como testemunha cega e muda, a as- nome: Ei, Ardoca!". saltos, assassinatos, tráfico e uso de droga nos vagões superlotados. A cada viagem, Ardoca mais estranhava [...] Naquela tarde, ainda no trabalho ele resol- e desacostumava à vida no trem. [...] vera tudo. Num gesto desesperado e solitário bebera lentamente um veneno e decidira levantar para mor- A passagem acima narra um contexto normal da rer no trem. outro levava os pertences de alguém vida nas periferias, na qual o trem serve como trans- que já despertencia à vida e jazia no banco da esta- porte para centro rico, que precisa da força de tra- ção. [...] balho dos pobres. Quem depende do trem e nele passa um período de sua vida, vê mais do que gostaria e é A frase final do conto transforma o barulho do testemunha do que não deveria existir. Em "Ardoca trem em uma homenagem a Ardoca, um réquiem, mais estranhava e desacostumava à vida no trem", a uma composição escrita para os mortos.</p><p>24 A gente combinamos de não morrer Conceição Evaristo utiliza nesse conto várias expressões que evidenciam o uso da linguagem oral, Esse conto apresenta vários narradores em uma só como o erro na conjugação do título do conto "A gen- narrativa. As principais personagens são Bica, Dorvi, te combinamos de não morrer", a presença de algu- Idago e Dona Esterlinda. texto se inicia com a se- mas expressões populares, como: "vacilou, dançou!" guinte passagem, pela do narrador Dorvi: e "Bica é escorregadia feito baba de quiabo". Também [...] A morte brinca com balas nos dedos gatilhos dos é possível notar um trabalho muito sensível com as meninos. Dorvi se lembrou do combinado, o juramento palavras, o texto poético é bem explorado e calculado. feito em gritado sob o pipocar dos tiros: Como podemos observar na fala de Dorvi: A gente combinamos de não morrer! [...] [...] Mar-amor, mar-amar, mar-morrente. É no Nesse trecho inicial, podemos ter uma ideia do profundo do fundo, que guardarei para sempre as lem- tema do conto, que vai narrar como a violência é branças do meu putinho e da dileta minha. [...] opressora na vida daqueles que estão à margem da so- Os novos termos "mar-amar" e "mar- ciedade, em sua maioria negros e pobres. -morrente" são utilizados quando Dorvi já sabe que juramento feito por Dorvi mostra que há uma pode morrer e que a vida com as pessoas que ama está luta pela vida que persiste, uma força, uma teimosia. condenada. No mar, irá repousar e seguir amando os Essa mesma vida muitas vezes é tirada por um de seus seus, guardados no profundo do fundo, onde nada iguais na luta por quem vai viver ou morrer. nome pode tocar. "Dorvi", ao contrário, torna-se "Vi uma senten- Já Bica apresenta uma predileção pelas palavras, ça a um jovem que é levado para a vida do crime e gosta de brincar com elas e de escrever. Em seu texto se vê em situações de "matar ou morrer" ao longo da é possível notar o uso da metalinguagem e também a narrativa. Como diz Bica, criando o jogo de palavras sombra da própria autora. Sua arma é a escrita e faz entre "dor por vir" e "Dorvi": das palavras uma nova maneira de sangrar e resistir: [...] Será que ainda há dor por vir? E Dorvi? Não [...] "Escrever é uma maneira de sangrar". [...] sei. [...] [...] Mas escrever funciona para mim como uma febre incontrolável, que arde, arde, arde... Bica é a mulher de Dorvi, juntos eles têm um filho. [...] Gosto de ver as palavras plenas de sentido ou Dorvi quer fugir com eles, mas já não é possível, ele carregadas de vazio dependuradas no varal da linha. não tem mais chances. Sobre seu filho, Dorvi diz: Palavras caídas, apanhadas surgidas, inventadas na [...] Quando Bica me mostrou nem tive coragem corda bamba da vida. de olhar direito. Pequeno, tão pequeno! Deveria ter fi- conto termina com a de Bica em uma men- cado na barriga da mulher [...] Quis cutucar o putinho sagem de resistência. Com a força de sua mãe, que com a ponta da minha escopeta. Bica se afastou como costurou a vida com fios de ferro, Bica ainda pode en- se o filho fosse só dela. Não sei para que o medo. [...] contrar uma nova saída e levar outras pessoas consigo. Nesse trecho vemos como Dorvi demonstra o [...] Minha mãe sempre costurou a vida com fios amor por seu filho, para protegê-lo de verdade, me- de ferro. Tenho fome, outra fome. [...] Quero conta- lhor seria se ele nem tivesse nascido. A escopeta para giar a esperança de outras bocas. [...] Eu sei que não ele já não carrega motivos para medo, o perigo está em morrer, nem sempre é viver. Deve haver outros cami- quem carrega a arma. nhos, saídas mais amenas.</p><p>25 Ayoluwa, a alegria do nosso povo Aqui podemos retomar a história de Dorvi, a ma- Seguindo a atmosfera de esperança que Bica deixa tança entre os jovens, a morte de Zaíta, o filho de Ana ao final do conto "A gente combinamos de não mor- Davenga que foi morto ainda na barriga. Conceição rer", o último conto do livro Olhos d'água, traz uma Evaristo traz para o texto as mazelas do abandono da história de nascimento. Ayoluwa é a alegria de um população negra, de suas crianças, jovens e a desvalo- povo, nasceu após um período de escassez. rização dos mais velhos. A autora reúne nesse texto as mazelas dos contos Ao saber da gravidez de Bamidele, cujo nome sig- anteriores, todas elas se passam antes do nascimento nifica a esperança, todos se alegraram: de Ayoluwa, quando tudo era falta, quando o sol não brilhava e a escassez imperava: [...] Ficamos plenos de esperança, mas não cegos diante de todas nossas dificuldades. Sabíamos que tí- [...] Então deu de faltar tudo: mãos para o traba- nhamos várias questões a enfrentar. A maior era a nossa lho, alimentos, água, matéria para os nossos pensa- dificuldade interior de acreditar novamente no valor da mentos e sonhos, palavras para as nossas bocas, cantos Mas sempre inventamos a nossa sobrevivência. [...] para as nossas vozes, movimentos, dança, desejos para os nossos corpos. Essa é uma potente mensagem para a população negra e uma denúncia para a sociedade, um reforço da Toda essa escassez citada pode ser vista nos contos luta em que todos nascem e da importância da união anteriores, no suicídio de Ardoca, no ódio pela favela para que a esperança possa ser renovada a cada dia, de Kimbá, a fomo de Duzu. O povo enfraquecido que "fermentando o pão nosso de cada dia". A autora reto- não pode cuidar mais de si ou dos seus, a falta da força ma o sentido de sua escrevivência, ao finalizar com um dos mais velhos, a falta de utilidade para seus saberes, conto que apresenta personagens que se relacionam não há como sobreviver. Assim, as crianças são aban- com as personagens dos contos anteriores, são vidas donadas, os adultos padecem, o opressor vence. A escritas que se entrelaçam e criam um pacto combi- quebra da força da ancestralidade enfraquece os mais nando de não morrer. novos, a narrativa da vida perde a força. [...] E até eles, os moços, começaram a se enca- fuar dentro deles mesmos, a se tornarem infelizes. Puseram-se a matar uns aos outros, e a tentarem contra a própria vida [...] Ou então se deixa- vam morrer aos poucos, cada dia um pouquinho, descrente que pudesse existir outra vida senão aquela, para viverem. [...]</p><p>26 QUESTÕES 1. UPF-RS 2021 E Em várias das histórias, imaginação e fantasia temperam um cotidiano de carências e ausências, No livro estão presentes mães, muitas mães. E em figuras como nuvens, algodão doce, uma festa também filhas, amantes, homens e mulheres de aniversário. todos evocados em seus vínculos e dilemas sociais, sexuais, existenciais, numa pluralidade e vulnerabili- 3. UFSC 2018 dade que constituem a humana condição. Sem quais- quer idealizações, são aqui recriadas com firmeza e Uma noite, há anos, acordei bruscamente e uma talento as duras condições enfrentadas pela comuni- estranha pergunta explodiu de minha boca. De que dade afro-brasileira. cor eram os olhos de minha mãe? Atordoada, custei a reconhecer o quarto da nova casa em que eu es- fragmento anterior, de um texto de Heloisa T. tava morando e não conseguia me lembrar de como Gomes, que, inclusive, prefacia a obra, trata de: havia chegado até ali. E a insistente pergunta mar- A Alguma poesia, de Carlos Drummond de Andrade. telando, martelando. De que cor eram os olhos de minha mãe? Aquela indagação havia surgido há dias, B O cavalo cego, de há meses, posso dizer. Entre um afazer e outro, eu C Entre as mãos, de Juliana Leite. D Álbum de família, de Nelson Rodrigues. me pegava pensando de que seriam os olhos de minha mãe. E o que a princípio tinha sido um mero E Olhos d'água, de Conceição Evaristo. pensamento interrogativo, naquela noite se transfor- 2. mou em uma dolorosa pergunta carregada de um tom UPF-RS 2021 Sobre a obra Olhos d'água, de acusativo. Então eu não sabia de que cor eram os Conceição Evaristo, é incorreto afirmar: olhos de minha mãe? A A falta de solidariedade da narradora com o que narra expressa-se pelo que a autora declara como Evaristo, Olhos d'água. In: Olhos d'água. Rio de Janeiro: uma deliberada recusa ao sentimentalismo, em um Pallas, Fundação Biblioteca Nacional, 2015, p. 15. mundo igualitário, de oportunidades abertas a todos. Considerando o texto, o livro Olhos d'água, de B As personagens principais quase sempre são femi- Conceição Evaristo, bem como o contexto sócio-his- ninas, velhas, moças, crianças, quase todas negras tórico e literário, é correto afirmar que: e pobres. 01) o conto "Olhos d'água" explora relações de C Por mais que dor e sofrimento pontuem suas descendência da inominada personagem que rias, há também em todas elas uma vontade forte, recorre aos tempos da infância, com suas uma consciência que desperta, um aprendizado dificuldades na favela, em busca de respostas a dos extremos da vida e da morte. uma pergunta que lhe ocorre em vários momentos D Para registrar histórias como as dos homens e mu- do texto. lheres, a autora compõe uma narradora forte e 02) a narradora do conto "Olhos d'água" elabora uma envolvente. Alguns Ys e Ks, ao lado dos nomes de construção metafórica do olhar, motivada por uma muitas personagens, conferem ao livro a marca da pergunta que revela seu veemente esquecimento mestiçagem de nossa cultura. da cor dos olhos de sua mãe e da cor dos olhos dos</p><p>27 parentes africanos, cuja resposta é dada ao final de classe expresso pelo relacionamento às do texto pela última descendente. escondidas de Davenga com Maria Agonia, filha 04) alguns contos da coletânea, como "Ana Davenga" de pastor. e "Maria", exploram a condição de personagens à 04) em sua maioria, os contos possuem como título margem da sociedade, evidenciando a pobreza e a o nome de seus protagonistas, evidenciando a violência urbanas, ao passo que outros, como "Ei, simplicidade de sua origem social, fato destacado Ardoca" e abordam a prosperidade e a pela escolha de nomes comuns, tais como os dos tranquilidade da vida rural. personagens Zé Ninguém, Creuza, Mariazinha, 08) o conto "Beijo na face" permite realizar discussões João, Silva. tanto sobre o gênero e diversidade, porque revela 08) o conto "O cooper de Cida" apresenta a trajetória o relacionamento entre duas mulheres, quanto de uma atleta negra, sem condições econômicas sobre relacionamentos abusivos, porque aborda propícias à prática desportiva competitiva, que um casamento infeliz e violento. precisa treinar na orla da praia de Copacabana, 16) no texto, em "não conseguia me lembrar de como sem qualquer patrocínio ou equipamento havia chegado até ali", a narradora dá os primeiros qualificado. indícios de perda de memória, a qual envolve 16) "Ei, Ardoca" desenvolve conteúdo simbólico suas relações afetivas com a mãe, e recrimina-se poético com base no meio de transporte do conto: constantemente, ao longo da narrativa, por não a linha do trem é uma metáfora da jornada da conseguir recuperar suas lembranças. vida, e o "fim da linha" para Ardoca se dá quando 32) com exceção de "Olhos d'água" e "A gente ele decide suicidar-se com veneno, tendo na combinamos de não morrer", os demais textos morte sido despojado de todos os seus bens por da coletânea são escritos com foco narrativo em um assaltante, ironicamente, um conhecido dele. primeira pessoa e têm predominantemente figuras 32) Olhos d'água é uma coletânea de narrativas masculinas como personagens principais, o que curtas na qual está ausente sentimentalismo ou caracteriza a sociedade patriarcal da época. julgamentos de valor moral, sendo caracterizada Soma: essencialmente pela crueza e complexidade no tratamento da realidade, podendo-se citar, por 4. UFSC - 2017 Sobre a coletânea de contos Olhos exemplo, o caso da personagem-título de "Quantos d'água, de autoria de Conceição Evaristo, é correto filhos Natalina teve?", vítima de violência sexual afirmar que: que vê na criança a única gravidez desejada. 01) Conceição Evaristo, representando da literatura Soma: brasileira contemporânea, por meio de sua obra Olhos d'água, permite ao leitor tomar contato com 5. UPF-RS 2022 Leia os fragmentos da entrevista a questões de literatura e consciência negra, não seguir, realizada por Juremir Machado da Silva e publi- apenas em razão do conteúdo desses contos, mas cada no Correio do Povo, em 14 de abril de 2021: também em vista da figura politizada da autora negra e de origem humilde. Nascida e criada numa favela de Belo Horizonte, 02) o conto "Ana Davenga" explora a violência (a autora) não para de lutar contra o racismo nem de urbana, o espaço criminoso e marginal das favelas, produzir literatura original contundente. Obteve o a luta pela sobrevivência de uma faixa ignorada seu doutorado na Universidade Federal Fluminense da população, além do tema do preconceito aos 65 anos de idade, tornou-se uma das escritoras</p><p>28 mais importantes da literatura brasileira atual, con- A julgar pela biografia da autora e pelo conteúdo da correu à Academia Brasileira de Letras, não tendo entrevista, pode-se inferir que a autora em questão seja: sido eleita, tem livros traduzidos para outras línguas A Martha Medeiros. e disseca o racismo dominante na vida brasileira com B Clarice Lispector. frases certeiras. Nesta entrevista para o Caderno de C Conceição Evaristo. Sábado ela mostra o seu conhecimento minucioso dos D Zélia Gattai. mecanismos de reprodução da discriminação e analisa E Hilda Hilst. complexamente paradoxos e contradições do imagi- nário brasileiro. Não "passa pano" nem "cancela". Vai direto aos pontos. Com surgimento de nova vaga Textos para as questões 6 e 7. na Academia Brasileira de Letras, com a morte de Alfredo Bosi, a casa de Machado de Assis tem a chan- Texto 1 ce de se redimir se (a autora) for candidata. Lá na úmida senzala, (CP. Caderno de Sábado) Djamila Ribeiro fala Sentado na estreita sala, que algumas instituições dizem: "Temos o nosso ne- Junto ao braseiro, no chão, gro". Um álibi para sugerir que não são racistas. É uma Entoa o escravo o seu canto, artimanha que acaba por revelar que a sociedade con- E ao cantar correm-lhe em pranto tinua excludente? Saudades do seu torrão... (Autora) - Depois de uma mesa com ela, um jor- nalista veio falar comigo dizendo que a Djamila era De um lado, uma negra escrava mais belicosa e eu mais tranquila. Respondi: estamos Os olhos no filho crava, falando a mesma coisa. O que dizemos é que a socieda- Que tem no colo a embalar... de brasileira elege determinados sujeitos ou eles con- E à meia voz lá responde seguem furar cerco e cria-se essa ilusão de que está Ao canto, e filhinho esconde, tudo bem. A exclusão continua. Há mais um risco: a Talvez pra não o escutar! visibilidade de determinados sujeitos pode confirmar o discurso da meritocracia. Algumas pessoas me falam: "Minha terra é lá bem longe, que bonita a sua trajetória, uma mulher que nasceu na Das bandas de onde o sol vem; favela e chegou lá. Eu pergunto: lá aonde? A impres- Esta terra é mais bonita, são é que meu sucesso se deve muito ao meu esforço Mas à outra eu quero bem! pessoal. Claro que sim. Não serei tão modesta a ponto de dizer que não. Será que chegar lá para uma mulher "O sol faz lá tudo em fogo, branca exige tanto sacrifício? Conheço muitas mulhe- Faz em brasa toda a areia; res cheias de sonhos e de competência que trabalham, sabe como é belo trabalham, trabalham e ficam pelo caminho. Há me- Ver de tarde a papa-ceia! canismos que impedem a grande maioria de conseguir chegar lá. Quando um ou outro consegue temos a falsa "Aquelas terras tão grandes, impressão de que está tudo resolvido, que não existe compridas como o mar, exclusão. Não chega lá quem não quer? A história não Com suas poucas palmeiras é essa. Há várias interdições pelos caminhos. Dão vontade de pensar...</p><p>29 "Lá todos vivem felizes, sem ser convidada, incomodava vários professores, mas Todos dançam no terreiro; também conquistava a simpatia de muitos outros. Além A gente lá não se vende de minhas inquietações, de meus questionamentos e Como aqui, só por dinheiro." brigas com colegas, havia a constante vigilância e brança de minha mãe à escola. Ela ia às reuniões, mes- O escravo calou a fala, mo odiando o silêncio que era imposto às mães pobres Porque na úmida sala e quando tinha oportunidade de falar soltava o verbo. O fogo estava a apagar; Ao terminar o primário, em 1958, ganhei o meu E a escrava acabou seu canto, primeiro prêmio de literatura, vencendo um concurso Pra não acordar com pranto de redação que tinha o seguinte título: "Por que me O seu filhinho a sonhar! orgulho de ser brasileira". Quanto à beleza da redação, CASTRO ALVES. Disponível em: Acesso em: 20 ago. 2020. reinou o consenso dos professores, quanto ao prêmio, houve discordâncias. Minha passagem pela escola não tinha sido de uma aluna bem-comportada. Esperavam Texto 2 certa passividade de uma menina negra e pobre, assim como da sua família. E não éramos. Tínhamos uma Foi em uma ambiência escolar marcada por práticas consciência, mesmo que difusa, de nossa condição de pedagógicas excelentes para uns, e nefastas para outros, pessoas negras, pobres e faveladas. que descobri com mais intensidade a nossa condição de EVARISTO, Conceição. Disponível em: http://www.letras.ufmg.br/ negros e pobres. Geograficamente, no Curso Primário Acesso em 20 ago. 2020. um "apartaid" escolar. O prédio era uma 6. PUC-RJ - 2021 O depoimento de Conceição construção de dois andares. No andar superior, ficavam as classes dos mais adiantados, dos que recebiam meda- Evaristo, uma das mais importantes escritoras con- temporâneas, aproxima-se do poema de Castro Alves lhas, dos que não repetiam a série, dos que cantavam e dançavam nas festas e das meninas que coroavam pela A Nossa Senhora. O ensino religioso era obrigatório e luta por um ensino público de qualidade. ali como na igreja os anjos eram loiros, sempre. Passei B valorização de práticas pedagógicos tradicionais. Curso Primário, quase todo, desejando ser aluna de C crítica às políticas e práticas de umas das salas do andar superior. Minhas irmãs, irmãos, D afirmação da arte e da cultura das populações fa- todos os alunos pobres e eu sempre ficávamos alocados veladas. nas classes do porão do prédio. Porões da escola, porões dos navios. Entretanto, ao ser muito bem aprovada da 7. PUC-RJ - 2021 A expressão que resume a mensa- terceira para a quarta série, para minha alegria fui colo- gem principal do Texto 2 é cada em uma sala do andar superior. Situação que des- A simpatia pelos marginalizados. gostou alguns professores. Eu, menina questionadora, B raiva dos privilegiados. teimosa em me apresentar nos eventos escolares, nos C consciência política. concursos de leitura e redação, nos coros infantis, tudo D o espírito competitivo.</p><p>30 GABARITO 1. E representadas por mulheres negras, não homens negros fragmento de Heloísa T. Gomes refere-se à obra Olhos exceto nos contos "Di Lixão", "Os amores de d'água, de Conceição Evaristo. livro, composto de quin- e "Ei, Ardoca". ze contos, retrata os inúmeros dilemas vividos pela co- 4. Soma: 01 + 02 + 16 + 32 = 51 munidade afro-brasileira. Em suas narrativas, Conceição Afirmativa 04: incorreta. As personagens apresentam no- Evaristo coloca em foco histórias de mulheres negras, mas mes diferenciados e com sonoridade que remete à cultu- também de crianças e homens negros que vivem em situa- ra afro-brasileira, como Ana Davenga, Duzu-Querença, ções precárias nas favelas, envolvendo temas densos como Luamanda, Ardoca e Ayoluwa. violência urbana, situação de pobreza e prostituição. A Afirmativa 08: incorreta. Cida não era uma atleta. Ela obra leva o leitor a uma reflexão acerca de preconceitos de gostava de correr na praia, mas, além disso, levava uma classe, etnia e gênero, dando que não tiveram vida literalmente corrida. Estava sempre andando rápi- espaço para serem ouvidos pela sociedade. do para resolver as questões do cotidiano, até que um 2. A dia resolveu desacelerar. A alternativa a é a única que não condiz com a obra 5. C Olhos d'água, justamente pelo fato de que a autora A autora em questão é Conceição Evaristo. Sua traje- Conceição Evaristo manifesta imensa solidariedade em tória de vida retrata a dificuldade de mulheres negras relação aos fatos narrados, bem como aos personagens, para conseguirem conquistar seu espaço na sociedade. inclusive, demonstrando conhecimento e propriedade A autora nasceu e cresceu em uma favela de Minas para tratar do assunto, tendo em vista a sua própria vi- Gerais, trabalhou como empregada doméstica e, nes- vência. Muitas das histórias relatadas pela autora fazem se período, conseguiu conciliar os estudos acadêmicos. parte do seu repertório de vida e do lugar em que cresceu, Mudou-se para o Rio de Janeiro com o intuito de tra- demonstrando enfaticamente o mundo desigual e a falta balhar e alcançar melhores condições de vida. Sua luta de oportunidade para a população negra e periférica. como mulher negra reflete as mazelas enfrentadas por 3. Soma: 01 + 08 = 09 essa parcela da população que, muitas vezes, se vê mar- Afirmativa incorreta. O questionamento da autora ginalizada e sem oportunidades. é em relação à cor dos olhos de sua mãe, da qual não 6. C se recorda. A única imagem que tem em mente é dos Em ambos os textos podemos evidenciar a crítica às olhos de sua mãe cheios d'água, que a impossibilitava políticas e práticas de exclusão. O texto 1 trata de um de saber a real cor deles. escravizado que se vê preso em uma senzala e distante Afirmativa 04: incorreta. Ao contrário do que foi ex- de sua terra natal; já o texto 2 faz referência ao "apar- posto, os contos "Ei, Ardoca" e não abordam taid" (apartheid) regime de segregação racial aplicado prosperidade nem tranquilidade na vida rural. Eles re- na África do Sul em que a autora diz ter sofrido distin- tratam dilemas vividos na periferia urbana, apresentan- ção na escola, uma vez que no andar superior ficavam os do, inclusive, finais trágicos. mais adiantados e, no andar inferior, ficavam os alunos Afirmativa 16: incorreta. Não há perda de memória da pobres e negros. autora. Ela não reconhecia a cor dos olhos de sua mãe, 7. C pois, estes tinham cor de olhos d'água, como é Ao analisar o texto 2, é possível concluir que a princi- vel identificar no trecho do livro que diz Minha mãe pal mensagem que a autora quis transmitir diz respeito trazia, serenamente em si, águas correntezas. Por isso, à consciência política. "Tínhamos uma consciência, prantos e prantos a enfeitar seu rosto. A cor dos olhos mesmo que difusa, de nossa condição de pessoas ne- de minha mãe era cor de olhos d'água". gras, pobres e faveladas". As demais alternativas não Afirmativa 32: incorreta. "Olhos d'água" e "A gente com- condizem com que foi relatado no texto, uma vez binamos de não morrer" são narrados em primeira pes- que a autora não disserta sobre simpatia pelos margi- soa; outros contos são escritos em terceira pessoa. Em nalizados nem raiva dos privilegiados tampouco espí- relação às personagens principais, em sua maioria, são rito competitivo.</p><p>31 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BIBLIOTECA NACIONAL. Entrevista com Conceição EVARISTO, Conceição. Entrevista ao site Brasil de Evaristo. 2015. Disponível em: https://www.bn.gov.br/ Fato, 2018. Disponível em: es/node/1774. Acesso em: 21 set. 2022. minha-biografia-leiam-meus-textos. Acesso em: 21 BIBLIOTECA NACIONAL DIGITAL BRASIL. set. 2022. Tráfico de escravos no Brasil. Disponível em: https:// EVARISTO, Conceição. 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Entender e desvendar uma obra é prazer da leitura e da busca de novos saberes. É encontrar a beleza da essência de cada autor. sistemapoliedro.com.br São José dos Campos-SP Telefone: 12 3924-1616 editora@sistemapoliedro.com.br QUE Poliedro Sistema de Ensino 2023-A+P AMBIENTE 10015127</p>

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