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<p>ISBN FUNDAMENTO SÉRIE S Como omo primeiro volume da História da língua portuguesa, organizada pelo professor Segismundo Spina, este livro contém, entre outros estudos, valiosa síntese sobre a origem Amini Boainain e formação da língua portuguesa, as remotas migrações do indo-europeu até a eclosão das línguas Para a caracterização dos séculos XII, XIII e XIV, a Autora Hauy de forma didática, a gramática do portugués arcaico, exemplificando os fatos da época com os textos anotados, comentados na segunda parte do procedimento que valoriza aspecto HISTORIA filológico desta Amini Boainain Hauy, ex-professora de Filologia e Língua Portuguesa da Universidade de São Paulo, é professora-adiunta de Lingua DA LINGUA Portuguesa da Academia da (AFA) e membro da Academia de Letras. Publicou Da necessidade de uma gramática-padrão da língua portuguesa Acentuação gráfica em vigor, desta PORTUGUESA Editora. Areas de interesse do volume I. Séculos XII, XIII e XIV Língua Portuguesa Literatura Outras áreas da série Administração Antropologia Artes Ciências Civilização Comunicações Direito Economia Educação Enfermagem Estética Farmácia Filosofia Geografia História Medicina Odontologia Política Saúde Sociologia</p><p>ORIGEM E FORMAÇÃO DA-LINGUA PORTUGUESA 9 le développement roman continue le développement qui conduit de 1 l'indo-européen au latin. II n'y a pas eu deux développements succes- sifs, mais un développement continu, tantôt lent et tantôt rapide, qui va de l'indo-européen aux parlers romans actuels (A. Meillet Linguis- tique historique et lingüistique generale, p. 114) (1). Origem e formação da Muitas são as hipóteses sobre o berço dos árias. Supõe-se, entre língua portuguesa outras teses, que seu hábitat era a região compreendida entre certa parte do centro da Europa e a leste, estendendo-se até o Turquestão e as estepes russo-siberianas. Em época muito remota (pelo menos de a 000 anos antes de Cristo, na estimativa do geólogo Montélius), saíram desse território diferentes tribos, as quais, disse- minando-se pela Europa e parte da Ásia, levaram consigo a sua E era toda a terra de uma mesma e de gua: o indo-europeu, também chamado indo-germânico ou ariano. umas mesmas palavras cap. XI). Nunca se conseguiu reconstruir esse idioma, que não foi fixado pela escrita: On ne restitue donc pas l'indo-européen (A Meillet Introduction à l'é- tude comparative des langues indo-européenes) (2). Entretanto, embora não se tenha chegado a uma recomposição dessa primitiva língua, da qual provêm quase todas as atualmente fa- ladas na Europa e na Ásia, pesquisas realizadas no começo do século A origem e o desenvolvimento de tão diferentes e numerosas XIX pelo filólogo alemão Franz Bopp demonstraram, pelo método línguas no mundo são um problema tão complexo e discutido quanto da gramática comparada, o parentesco das línguas indo- o da gênese humana. É possível que a linguagem se tenha desenvolvi- européias e provaram, dessa forma, pelo estudo comparativo de di- do independentemente em vários centros, ou, única, se tenha ramifi- versos fatos fonéticos, morfológicos e sintáticos das várias línguas cado em evoluções divergentes, na história dos povos. indo-européias, a existência do indo-europeu. A monogênese lingüística é, todavia, bíblica, e a ciência moder- Nas sucessivas e seculares migrações do povo ariano, o indo- na ainda não renunciou à pretensão de descobrir se houve uma lín- europeu, em contato com outros falares, fracionou-se em diversos ra- gua primitiva, da qual teriam derivado as línguas atuais. o fato é que, mos, como, por exemplo, o germânico, o itálico, o báltico, o eslavo, o celta, o o grego, o indo-irânico e o armênio (3). Desses, pela falta de documentos que permitam uma base sólida à indução o que mais interessa à história do português é o ramo itálico, ao qual pré-histórica, as doutrinas do poligenismo e do monogenismo, racial pertencem, entre outras, o umbro, o latim e o osco, línguas respecti- e atravessam os tempos, deixando sempre respostas hipo- vamente do noroeste, centro e sul da Península Itálica. Provavelmente téticas e divergentes. por volta do segundo milênio antes de Cristo, é que começou a pene- Sabe-se, com certeza, que a língua portuguesa e os demais idiomas tração ariana na Itália. românicos são o resultado de uma lenta e conturbada transformação, através dos séculos, de uma outra língua, o latim, que por sua vez era estes idiomas: sânscrito, grego, latim, lituânio, velho eslavônico e alemão são também transformação de outra, o indo-europeu, falado por um povo oriundos do indo-europeu. quase sem história, ao qual se convencionou chamar ariano ou ária (1): (1) Apud MAURER, Theodoro Henrique - A unidade da Paulo, Graf. José Magalhães, 1951, p. 16. (2) Apud SILVEIRA BUENO, Francisco da Estudos de filologia portuguesa. 2. ed. (1) Até o século passado julgava-se que a lingua latina fosse proveniente da grega, São Paulo, 1954, V., p. 37. e do grande filólogo alemão Franz Bopp provou, porém, que todos (3) Ao grupo germânico, também chamado teutônico, pertencem o o ale- mão, o sueco, o dinamarquês, o o e o norueguês.</p><p>10 HISTÓRIA DA PORTUGUESA ORIGEM E FORMAÇÃO DA PORTUGUESA 11 latim era a língua dos latinos, povo de costumes simples e Em 395 o imperador Teodósio, numa divisão mais administra- rudes que habitava o Lácio, região da Itália Central. Roma, fundada tiva do que política, dividiu o Império Romano em dois: o do Oci- hipoteticamente em 753 a.C., a princípio não passava de simples ci- dente, com capital em Roma, e o do Oriente, que abrangia a Penin- dadela; porém, dada a sua localização estratégica, não tardou a exer- sula Balcânica, a Ásia Menor, a Síria, a Palestina, o norte da Meso- cer uma suserania efetiva sobre algumas das cidades mais importan- potâmia e o nordeste da África, com capital em Constantinopla. Cons- tes, e os romanos, dotados de grande tino político e guerreiro, no sé- tantinopla (hoje Istambul), fundada em 330 pelo imperador Cons- culo III a.C. já tinham dominado toda a Itália, com exceção do Vale tantino, na antiga colônia grega de Bizâncio, tornou-se, por sua lo- do Pó, onde os gauleses permaneciam independentes. calização geográfica privilegiada e pela proteção das altas muralhas Com o aumento crescente do poder, aumentava a ambição da que a circundavam, a capital ideal numa época de convulsões militares. conquista, e os exércitos romanos espalharam-se durante séculos, por o Império do Ocidente já estava, então, em plena decadência, quase todo o mundo conhecido, numa ânsia desmedida de domínio, esfacelado pelas invasões sucessivas dos bárbaros, quando em 476 caiu subjugando os povos e a todos impondo seus costumes e sua língua: em poder do bárbaro romanizado Odoacro, um alto oficial do exér- o latim vulgar. De tal forma os povos conquistados assimilaram a in- cito romano, germano da tribo dos hérulos. Odoacro derrubou o úl- fluência do conquistador, que, mais tarde, o que se denominou de timo imperador do Ocidente (Rômulo e se fez proclamar "os romanos" foi, na verdade, o amálgama dos povos conquistados, rei da Itália, aliado do Imperador do Oriente. parecia, en- romanizados. A todos os habitantes do Império foi concedida pelo tão, reunificado, mas, na realidade, o Imperador mandava apenas imperador Caracala, no ano 212, a cidadania romana. no Oriente, pois, no Ocidente, reconhecidos como aliados, domina- As conquistas romanas começaram em fins do século IV a.C. vam os bárbaros. e continuaram até pouco depois do século I da Era Cristã. Roma, Depois da queda do Império Romano do Ocidente, as regiões que vivera uma lendária monarquia e uma áurea república, tornou- se isolaram, e cada uma teve um desenvolvimento peculiar; formaram- se a capital do mundo e implantou, oficialmente, em 27 a.C., o se, então, numerosos reinos bárbaros (franco, suevo, visigótico) que Império. se desenvolveram durante toda a Idade Média e, a partir do século Terminadas as conquistas, tal era a vastidão do Império, tantas IX, transformaram-se, cada um com sua história e romanço, nos as dificuldades de transporte e de locomoção, e tantas as vicissitudes ses europeus da Época Moderna. internas, que o controle de Roma se distanciava cada vez mais de seus Império Romano do Oriente, entretanto, teve uma política domínios e se enfraquecia nas mãos de um só imperador, muitas ve- mais de estabilização do que de expansão de domínio e, embora amea- zes inepto. Além disso, uma séria crise, iniciada a partir do século desde o século VI pelas invasões eslavas, conseguiu sobreviver III, levou o sistema econômico, social e político do Império Romano como unidade política até 1453, quando o Islamismo alcançou seus a uma completa desintegração no século V. A diminuição da produ- territórios, e os turcos, com os poderosos canhões de II, des- ção nos provocada pela escassez da escra- as grossas muralhas que protegiam Constantinopla. va, foi uma das várias causas dessa crise. A doutrina legaliza- Formado já sob o prestígio da mais rica e bela civilização da da pelo imperador Constantino em 313, com a publicação do Édito Antiguidade, a civilização grega, o Império do Oriente, embora ini- de e transformada em religião oficial do Império em 391, quan- cialmente se tivesse submetido à administração romana, continuava do o imperador Teodósio aboliu definitivamente o paganismo, proi- profundamente helenizado e exercia grande influência sobre a civili- bia a escravização. Além disso, desastrosas foram as pestes de ori- zação dos conquistadores romanos, sobretudo na língua. próprio gem asiática, que assolaram a Europa nos séculos II e III. Cristianismo italiano, até o século II, usava a língua grega na liturgia. Assim, à medida que o império se enfraquecia, aumentavam suas É claro que a Grécia, que, no dizer de Horácio, de avassalada se tor- dificuldades militares, e cresciam, nas fronteiras, as investidas dos po- nou avassaladora, contribuiu mais que nenhuma outra das nações com vos germânicos (bárbaros). A partir dos meados do século III, a his- que os Romanos se tinham posto em contato para esta tamanha revo- tória cultural de Roma entrou também na Era do Obscurantismo. a leitura dos seus poetas inspirou naturalmente o desejo de</p><p>DA LÍNGUA PORTUGUESA ORIGEM E FORMAÇÃO DA LINGUA PORTUGUESA 13 12 tação, e o conhecimento, cada vez mais difundido, do grego, foi um au- são geográfica do Império e sua fragmentação política e, principal- xiliar valioso para o da língua; de tal maneira aquele mente, a ação do substrato e do superstrato. influiu nesta, que por fim o seu léxico, a sua versificação e sintaxe eram Como língua falada o latim vulgar evidentemente se transfor- em grande parte gregos (1). mou com o tempo; entre uma conquista e outra, muitas vezes decor- A língua literária, no contato com civilizações mais adiantadas, riam séculos, e a língua imposta nas diversas regiões se apresentava, como a grega, vicejou extraordinariamente na vasta e rica literatura com certeza, distinta. Assim, o latim levado para a Península Ibéri- latina, até que, com a invasão dos bárbaros, desaparecendo a nobre- ca, por exemplo, em 197 a.C. mais ou menos, deve ter sido mais ar- za e, com ela, as escolas e a preocupação pela cultura intelectual, pas- caico que o levado para a Dácia em 107 d.C. sou a ser cultivada apenas nos mosteiros. Como herdeiro do latim Além disso, os povos que o latim encontrou nas regiões con- clássico, esse latim da Igreja, também chamado latim eclesiástico, me- quistadas, alguns eram de raças e civilizações diferentes, cada qual dieval ou baixo latim, escrito gramaticalmente, mais eivado de pala- com sua expressão idiomática, e, apesar de seu triunfo sobre essas vras novas, tomadas das línguas faladas e da contribuição grega, foi línguas pré-românicas, o latim sofreu, sobretudo na fonética e no lé- o latim literário do declinio do Império do Ocidente e a língua oficial xico, influências que representam vestígios das línguas anteriormente das ciências na Idade Média. Ao lado deste, surgiu um latim sem re- faladas nas regiões latinizadas. Ao conjunto dos falares diversos dos gra, também misturado com o léxico de outras línguas, empregado povos vencidos e conquistados, cuja língua se infiltrou na do povo pelos tabeliães; foi o latim bárbaro que os cartórios documentaram vencedor, dá-se o nome de substrato Eis alguns desses po- em contratos, testamentos, doações e outros escritos de ordem ju- vos cuja língua representou o substrato do latim: rídica. ilírios, etruscos, vênetos (na Península Itálica); celtas (na Bretanha); Enquanto a língua literária assim se transformava, o sermo vul- iberos, gregos, fenícios, cartagineses, celtas e bascos (na Península garis, levado pelos soldados e pela plebe às mais longínquas regiões Ibérica); cartagineses (ou púnicos) (no norte da África). do Império Romano, também se modificava (2). Das alterações des- Na Lusitânia pré-romana foram os celtas o elemento de maior se rude latim falado, resultaram, mais ou menos a partir de 600 da valor lingüístico para a estruturação do português. Era os romanços (ou romances) medievais e, posteriormente, Vestígios dos celtas no léxico temos, por exemplo, os substanti- as línguas românicas ou neolatinas. vos comuns: cavalo (< caballus), carro (< carrus), bico (< beccus), Como se explica que o latim vulgar, que, até o terceiro século berço bertium), camisa camisia), saio, saia sagum), caba- da Era conservara suas características fundamentais, se tenha na cappana), cerveja cerevisia), légua (< leuca), vassalo diferenciado tanto, nas diversas regiões, a ponto de se transformar, (< vassalus), manteiga (< mantica), caminho (< caminum), gato a partir do século IX, nas línguas neolatinas: francês, italiano, espa- (< cattus), lança lancea); os topônimos da Lusitânia: Coimbra nhol, romeno, rético, dalmático, sardo, galego e português? Conimbriga), Bragança (< Brigantium), Évora (< Ebora), Lis- Vários fatores concorreram para essa ebulição para boa (< Lisbona). a dialetação românica, para o aparecimento das línguas neolatinas: Metaplasmos provocados por influência celta foram: a sonori- o tempo, a política de dominação dos romanos, a exten- zação de p-t-c: lupu- > lobo, aqua- > água, datu- > dado; a apóco- pe da vogal, principalmente da vogal e depois de n e r nos substanti- (1) NUNES, José Joaquim Compêndio de gramática histórica portuguesa. 7. ed. vos: male > mal, bene > bem, mare > mar, fenômeno muito fre- Lisboa, Clássica Ed. [1969] p. 6. na Idade Média, do qual há numerosos exemplos nas poesias (2) "Desde tempos a cidade de Roma era constituída de duas classes distintas: os patrícios e os plebeus. A plebe, crescendo constantemente pela agregação trovadorescas; a palatização de (> e n (> nh) que precediam i, de novos elementos, pois nela se fundiam quase sempre os imigrados de toda parte, e ou a em hiato: vinea > vinha, filia > filha e a assibilação das con- veio a constituir a grande massa de de Roma e do Lácio e, mais de soantes d e na mesma posição: ardeo > arço, audio > ouço, gratia todas as regiões Theodoro Henrique problema do latim vulgar. Rio de Janeiro, Acadêmica, 1962, p. 56 (Bibl. Bras. Filologia). > graça, pigritia > preguiça, hodie > hoje, invidia > inveja etc.</p><p>14 DA LINGUA PORTUGUESA ORIGEM E FORMAÇÃO DA PORTUGUESA 15 Assim, da fusão entre romanos e povos conquistados foram, lia, que chegaram à Europa em 375, desencadeando a migração dos pouco a pouco, surgindo novos dialetos, diferenciando-se no povos germânicos para o sul e para o oeste. tempo e no espaço por força do substrato e, posteriormente, do su- Assim, no século V, o Império do Ocidente, abalado pelas in- perstrato. vasões dos bárbaros germânicos, e, já enfraquecido, desde o século No estudo das influências linguísticas sofridas pelo latim, no pro- III, por uma grave crise no seu sistema político, social e econômico, cesso da dialetação, considera-se o substrato como o elemento mais sucumbe catastroficamente. importante, especialmente pelo processo de adaptação imperfeita da As migrações mais importantes das tribos germânicas foram as base física da fonação materna ao novo idioma a ser aprendido. dos vândalos, alanos, visigodos, burgundos, alamanos, francos, lon- Os superstratos exercem influência menos significativa, limitan gobardos, normandos ou viquingues, suevos e saxões. do-se, na generalidade dos casos, ao vocabulário. Alguns desses povos foram rapidamente aniquilados, como os Como fator de diferenciação linguística o superstrato está liga- alanos e os burgundos; outros, como os francos, suevos do ao desmembramento do Império Romano e é representado pela e visigodos, estabeleceram-se e formaram reinos romanizados (1); e língua dos invasores germânicos e árabes. outros ainda, como os alamanos, não se romanizaram, mas, ao con- Invasões sucessivas fragmentaram o território e provocaram a trário, germanizaram na do Norte, a província da Récia, que ebulição que vai determinar, a partir do século IX, a for- antes da conquista romana era céltica. mação dos diversos No século V, o Império foi invadido Piratas germânicos da tribo dos saxões investiram contra as cos- pelo povos germânicos (bárbaros), tribos nômades que ocupavam o tas da Gália e da província da Bretanha, hoje norte, o centro e algumas partes do sudeste da Europa; a partir dos Os longobardos, acossados pelo povo mongol, entraram na Itá- séculos VI e VII, pelos eslavos, e no século VIII pelos árabes (1). lia, então bizantina, em 568. Durante dois séculos, fortemente roma- A penetração germânica já se havia iniciado antes do século V, nizados, dominaram grande parte da Itália e deixaram traços muito mas tratava-se de uma penetração Ao passarem a fronteira, importantes na língua e na civilização italianas. a administração romana lhes dava terras, e eles se estabeleciam como Os vândalos, na África do Norte, formaram o Reino dos Vân- colonos, ou incorporavam-se aos exércitos romanos. Muitos altos ofi- dalos, com capital em Cartago, e em 455 saquearam Roma. ciais romanos do último período do império eram de origem ger- Os francos, que constituíram o reino mais poderoso da Europa mânica. Ocidental, tornaram-se, a partir do século VI, senhores do país que Os visigodos, por exemplo, que inicialmente haviam invadido lhes tomou o nome a França, que os romanos chamavam de Gália. a Itália várias vezes, na Espanha combateram, como soldados roma- Os suevos fixaram-se na Galiza e em parte da Lusitânia, e fun- nos, outros bárbaros. Na Gália estabeleceram-se como "federados" daram um reino mais tarde absorvido pelos visigodos. Foi nesse ter- e em 425 adquiriram independência. Ao serem expulsos pelos fran- ritório ocupado pelos suevos que se processou a gestação do roman- cos em 507, os visigodos retiraram-se para a Espanha onde se mes- claram inteiramente com a população romana. Os visigodos submeteram todo o território da atual Espanha e motivo principal da penetração agressiva dos bárbaros na Eu- fundaram um duradouro reino, cuja capital era Toledo. Caldeados ropa foi a pressão dos hunos, povos orientais, originários da Mongó- inteiramente com a população romana, seu reino hispano-gótico e cris- tão já alimentava algo parecido com sentimento nacional. Após dois (1) Os eslavos, que o último grupo da familia indo-européia a apare- séculos, em 711, esse reino foi destruído pelos árabes; todavia, do na- cer no cenário europeu, desceram das estepes da para a a partir dos séculos VI e VII, e eliminaram tudo que havia de latim; sobrevi vente foi dalmático foi um dialeto, hoje perdido, que também resistiu à invasão eslava. Enquanto os eslavos, que invadiram a Balcânica, puse- (1) Uma valiosa sintese das invasões germânicas e seu rastro político e ram, por muitos anos, em perigo, Império Bizantino, os germanos esfacelaram nas regiões conquistadas encontra-se na obra de AUERBACH, Erich Introdução aos estudos literários. Trad. de José Paulo Paes, Cultrix, São Paulo [1970] p. 65 a 73. Império Romano</p><p>16 HISTORIA DA LINGUA PORTUGUESA ORIGEM E FORMAÇÃO DA LINGUA PORTUGUESA 17 cionalismo cultivado pelos exércitos hispano-visigóticos nas monta- Sete séculos durou a dominação dos na Península nhas das Astúrias eclodiu o movimento da Reconquista. Ibérica (711-1492); Granada, o último reduto da resistência moura, Quando a violência das invasões germânicas foi aos poucos de- foi recuperada em 1492, no reinado dos reis católicos da Espanha, crescendo, os bárbaros passaram a se romanizar: adotaram a cultura Fernando e Isabel. dos povos vencidos, que lhes era superior, cristianizaram-se e assimi- Da interpenetração da língua árabe e da língua popular de es- laram o latim vulgar. Contribuíram, porém, para acelerar a evolução trutura românica resultou o falado pela população da língua. Assim, encontram-se, no vocabulário português, vários ter- que viveu sob o jugo islamítico. mos de origem germânica: guerra, trégua, roubar, bando, banda, ban- Além de representar um elemento significativo do superstrato deira, baluarte, escaramuça, dardo, brandir, galopar, arauto, feudo, a invasão dos árabes desencadeou o fato histórico da for- orgulho, rico, branco, franco, tacanho. vocabulário germânico mação de Portugal como Estado inundou o latim vulgar da Gália; o número de empréstimos do ger- Vários nobres de diversas regiões participaram das lutas para mânico para o francês é considerável: maréchal, robe, écharpe, gui- expulsão dos invasores. Pelo sucesso das armas de D. Raimundo e chet, bord, banc, bacon, danser, sauter, harpe, jardin, groseille, Nord, de seu primo D. Henrique, conde de Borgonha, no movimento da Sud, Est, Ouest, blanc, bleu, récompense, orgueil, gagner etc. (1). Reconquista, D. Afonso VI, rei de Leão e Castela, deu em casamen- Com a invasão dos árabes, no século VIII, acentua-se a to, como prêmio, a D. Raimundo a filha legítima, Urraca, e a região cia do superstrato no processo da dialetação românica. Mais de duas da Galiza, e a D. Henrique a filha bastarda, Tareja, e um feudo, o mil palavras de origem árabe estão no léxico português; dentre elas: Condado Portucalense, território desmembrado da Galiza, compreen- alface, algodão, arroz, laranja, azeitona, azeite, cenoura, es- dido, a princípio, entre o Minho e o Douro, e, a partir de 1095, entre pinafre, girafa, javali, jarra, almofada, alfange, arroba, quintal, qui- o Minho e o Tejo. late, alqueire, alfaiate, alcaide (2). Não só a língua desse território era a mesma da Galiza, como Os árabes, povo de origem semita, cuja religião, o Islamismo, também foi imposto a D. Henrique administrar o Condado Por- agredia os princípios da penetraram na Europa, tucalense sob a tutela de D. Raimundo, senhor da Galiza. apoderando-se do reino visigótico. Comandados por Tárique e Mu- Com a morte de D. Henrique, a viúva assume o poder, mas seus sa, transpuseram as colunas de Hércules (depois Gebel Tarik amores com o conde de Trava, da Galiza, desencadearam o descon- "montanha de "Gibraltar") e na batalha de Jérez de la tentamento do povo e de seu filho D. Afonso Henriques, que na Ba- Frontera (Xeres), em 711, venceram Ruderico (Rodrigo), o último che- talha de São Mamede (1128) tomou o poder e se fez proclamar rei. fe do reino romanizado dos visigodos. Em 1143, na Convenção de Zamora, Afonso VII, rei de Leão, lhe Foi rápida a conquista muculmana, mas penosa e apaixonada reconhece a realeza, solenemente ratificada em 1179 pelo papa Ale- a Reconquista. Refugiados nas montanhas das Astúrias (Montes Can- xandre III. tabros), os restos dos exércitos hispano-visigóticos e os cristãos re- Portugal tornou-se, assim, reino independente da Galiza. Ao beldes à invasão fundaram ali, no noroeste do país, o Rei- mesmo tempo que se separava da Galiza, estendia-se para o sul, ane- no das Astúrias e iniciaram, sob o comando de Pelágio, o movimen- xando as regiões reconquistadas. D. Afonso Henriques e seus suces- to da Reconquista. Era uma guerra militar, santa, abençoada e bene- sores prosseguiram na luta contra os mouros, até que em 1250 ficiada pelos papas. Avançando para o sul, foram recuperando aos D. Afonso III concluiu a conquista do Algarve, fixando, então, os poucos os territórios perdidos; assim se formaram os reinos cristãos limites de Portugal de hoje. de Leão, Aragão, Navarra e Castela. Delineado Portugal politicamente, a língua falada naquela fai- xa de terra continuou sendo o até o século XIV, quando fatores políticos, sociais e determinaram a que- (1) Cf. Ferdinand Lot Les invasions germaniques. (Cap. p. 223-35.) bra da relativa unidade galego-portuguesa (v. Cap. 3 (2) Cf. Miguel Influências orientais na lingua portuguesa. São Paulo, Escolas Profis. Salesianas, 1943, 2</p><p>18 DA LINGUA PORTUGUESA A partir do século XIV, já com feição própria, distinta dos ou- tros falares da região e com características que a distinguiam do gale- go, a língua portuguesa, levada pelas conquistas das epopéias 2 mas a outras partes do mundo, continuou evoluindo, transformando- se sob a ação de inúmeros fatores, e repetindo, através dos séculos, a sua história. A periodização Assim é que, atravessando "mares nunca de antes navega- dos" (1), "penetraram tudo o que o Mar Oceano cerca e consigo le- varam sua língua" (2). A perenidade do patrimônio português já fora vati- cinada no século XVI pelo cronista João de Barros: As armas e padrões portugueses postos em e em Ásia e em tan- tas mil ilhas fora da repartição das três partes da terra, materiais são, e pode-as o tempo gastar; pero não gastará doutrina, costumes, lingua- gem que os portugueses nessas terras leixarem ("Diálogo em louvor de nossa (3). De fato, hoje estão sob o domínio político deste idioma 10 686 145 onde cento e setenta e um milhões de pessoas falam o português. Estudando a evolução da lingua portuguesa, os autores costu- mam dividir sua história em fases, períodos ou épocas, com critérios que variam, conforme se considerem como pontos de referência, na periodologia, aspectos puramente ou São classificações apenas didáticas, uma vez que os limites en- tre os diversos períodos não podem, evidentemente, ser traçados com rigor. Uma língua não nasce em dia e hora certa, nem evoluciona, num mento, de um estado a outro (Carolina Michaelis de Vasconcelos) (1). Todas as vezes que se quis traçar uma linha nítida de separação entre a Idade Média e o Renascimento, pareceu necessário ir fazendo recuar essa demarcação. Foi-se verificando que já existiam desde século XIII as idéias e as formas que se estava habituado a considerar carac- terísticas do Renascimento. E por outro lado o Renascimento, quando estudado sem idéias preconcebidas, encontra-se cheio de elementos cujas características são indubitavelmente medievais (Johan Huizinga) (2). (1) Os I, 3. (2) Duardo Nunes de Origem da língua cap. XXIV, apud CUESTA, Pilar Vasquez & MENDES DA Luz, Maria Albertina Gramática da língua (1) Lições de filologia Lisboa, Revista de Portugal, 1946, p. 18. portuguesa. Lisboa, Edições 70, 1980, p. 41. (2) da Idade Média Livros Pelicano HL4. Lisboa, Ed. Ulisséia, Rio (3) Apud P. V. Cuesta e M. A. Mendes da Luz, obra cit., p. 43. de Janeiro [s.d.] cap. XXI.</p><p>20 HISTÓRIA DA LINGUA PORTUGUESA A PERIODIZAÇÃO 21 Ismael de Lima Coutinho, José Leite de Vasconcelos e Caroli- estrata (estrada, lat. via), conelio (coelho, lat. cuniculum), artigulo na Michaelis assim dividem a história da língua portuguesa (1): (artigo, lat. articulum), ovelia (ovelha, lat. ovicula), paredes (lat. pa- a) Época pré-histórica (das origens até o século IX). rietes), ad vobis (a lat. vobis), ut vunderemus (vendermos). São b) Época proto-histórica (do século IX ao século XII). documentos públicos, testamentos, doações, contratos de compra e c) Época histórica (do século XII em diante). venda, e também documentos jurídicos, como cartas, leis forais, in- A época pré-histórica é o período de evolução do latim falado quirições sobre propriedades, todos escritos em cartórios, naquele la- tim bárbaro, tabelionário, pretensiosamente gramatical, mas, na ver- na Galiza e na Lusitânia, desde a conquista da Península Ibérica até dade, estropiado, inorgânico, mistura de formulários tabeliônicos com a formação dos romanços, no século V, culminando com a definição locuções e vocábulos do romanço, numa forma pseudolatina. do romanço galaico-português como língua falada nas duas margens Assim, a língua desse período só pode ser reconstituída pelo mé- do Rio Minho. todo histórico-comparativo e pelo testemunho dos documentos em É reduzido o material documental dessa época: além latim bárbaro. de algumas inscrições peninsulares do latim vulgar, com elementos hispânicos, encontráveis nos diversos dialetos em formação na Pe- Apresenta-se geralmente como o mais antigo documento nínsula Ibérica, registram-se, em obras de autores gregos e romanos, escrito, portanto, em latim bárbaro, o que se refere à doa- breves alusões às línguas pré-latinas e à formação dos romanços. ção à igreja de Sozelo (Souzelo), documento do mosteiro de Pendura- da (entre Douro e Minho), existente no Arquivo Nacional (Torre do Tom- Na periodização dos autores acima citados, são limites da épo- bo), publicado nos Portugaliae Monumenta Historica (Diplomata et Char- ca o século IX e o século XII. século IX marca o tae, pgs. 4 e 5) (1). estágio de definição do romanço como língua cor- rente, falada a na região noroeste da Península Ibérica e A época histórica, que verdadeiramente se estende do século XIII em diante, subdivide-se em duas fases, a arcaica e a moderna, tendo levada, depois, com o movimento da Reconquista, para o sul, e o sé- como marco divisório o século XVI. culo XII registra o fato histórico da independência de Portugal. Até fins do século XII o latim era a língua de tradição escrita. Segundo esses filólogos, o século XII assinala também o apare- cimento dos primeiros textos redigidos numa língua distinta da Seu prestígio como forma escrita exclusiva das instituições tanto ecle- siásticas como oficiais durou até o início do século XIII, quando a gua latina, único instrumento, até então, da expressão escrita. Entre- "lingoagem" começou a merecer seu registro histórico; entretanto, tanto, embora durante muito tempo se tenha acreditado, como os re- os documentos em prosa que nos restam do século XIII são raros e feridos autores, que os mais antigos textos em da- se nos apresentam alterados pelos escribas dos séculos XIV e XV, co- tavam do fim do século XII, pesquisas recentes mostraram que não mo é o caso de A demanda do Santo Graal. Também a expressão es- foi no século XII, mas, sim, no começo do século XIII, que esses tex- crita dos tabeliães, que os documentos públicos nos legaram, conti- tos apareceram (2). Assim, em consequência desses estudos, para se nuou repleta de fórmulas jurídicas e frases feitas, tal como sucedia manter a coerência na criteriologia adotada por aqueles autores, anteriormente com o latim bárbaro. se avançar para o século XIII o limite demarcatório dessa época. Só depois do século XIV, com o desenvolvimento da prosa his- Na época proto-histórica, documentos escritos em latim bárba- tórica, é que a "lingoagem" adquiriu características essencialmente atestam já palavras e expressões do romanço portuguesas. Na fase arcaica a língua era, nos séculos XIII e XIV, o galego- (1) Pontos de gramática histórica. 6. ed. Rio de Janeiro, Acadêmica [1974] p. 56; português, denominação dada à expressão oral e escrita do romanço portuguesa. Rio de Janeiro, Livros de Portugal [1961] p. 20 e obra Paul História da língua portuguesa. Trad. de Celso Cunha. (1) Apud FONSECA, Fernando V. Peixoto Noções de história da língua portu- Costa (1982) p. 101, nota 9. guesa. Lisboa, Clássica Ed. [1959] p. 29.</p><p>22 DA LINGUA PORTUGUESA Essa foi também, nessa época, a língua exclusiva da poesia lírica em toda a Península Ibérica. A partir do século XIV, ainda na fase arcaica, por motivos his- 3 tóricos e sociais, a relativa unidade lingüística galego-portuguesa co- meça a se cindir, e tal excisão se completa no século XVI, quando a literatura, sob o influxo do Renascimento, e o trabalho dos gramá- O galego-português ticos e teóricos da língua, aliados à influência dos dialetos meridio- nais que tinham dado à fonética portuguesa cas especiais, marcam a fixação do português padrão (1). Quase no limiar da época moderna, como a extremá-la da arcaica, fato literário de maior importância é a publicação dos (1572). [...] Não é sem razão que se toma o século XVI por marco divisório nas duas mais importantes fases do idioma: a arcaica e a moderna. É que, a partir dele, a língua portuguesa começa a apresentar não poucos tra- que a distinguem da que se usou em Portugal, nos séculos ante- riores (Ismael de Lima Coutinho) (2). Segundo Carolina Michaelis de Vasconcelos e Serafim da Silva Neto, a fase arcaica da época histórica pode ser subdividida em dois períodos ou fases (Período é a denominação dada por Carolina Mi- chaelis e fase, por Serafim da Silva Neto.) (3). grupo que, a partir do século XII, predominou, fase: século XII a 1350 ou 1385 (Aljubarrota). É a fase trovado- por três séculos, em todo o Ocidente da Ibérica, tem raízes resca, galego-portuguesa. na história das conquistas romanas. fase: 1350 (ou 1385) até o século XVI (com Camões). É a fase da A romanização da Península Ibérica, as invasões dos bárbaros prosa histórica, verdadeira e exclusivamente portuguesa. e dos árabes e os fatos políticos, sociais e deles decorren- Para o estudo das características gramaticais do português ar- tes constituem uma perspectiva de estudo indispensável para a com- caico nos séculos XIII e XIV, neste trabalho, essa preensão da relativa unidade e da latente diversidade do romanço subdivisão, tanto quanto possibilitarem as pesquisas feitas. que explicam o desenvolvimento paralelo dos dois idiomas neolatinos: o galego e o português. Primitivamente a Ibéria era habitada pelo iberos. Com a inva- são dos celtas, povo de origem indo-européia, houve a fusão dos in- vasores com os iberos, formando os celtiberos. Parece não ter sido tranquila a dominação céltica, já que muitos topônimos dessa ori- gem contêm o elemento briga fortaleza) ou seu sinônimo, dunum, ou sego, segi vitória): Conimbriga, Segovia, Navardum. Nessa fusão, a língua que passou a predominar foi a dos celtas, (1) A dominação e a aculturação muculmanas foram predominantes no centro e alterando-se lentamente com a influência da língua dos fenícios, que no sul da a Galiza permaneceu isenta da infiltração dos tinham fundado colônias nas costas da Espanha, dois mil anos antes (2) Pontos de histórica. 6. ed. Rio de Janeiro, [1974] p. 57 e 65. de Cristo, da dos gregos, que lá estiveram, novecentos anos antes tam- (3) Obra cit., p. 19 e História da língua portuguesa. 2. ed. aum., Rio de Janeiro, Livros de Portugal, 1970, p. 398. bém da Era e, ainda, da dos cartagineses que já mantinham</p><p>24 HISTORIA DA PORTUGUESA 25 relações comerciais com os celtiberos, muito antes de Cartago ter domi- Por ocasião das invasões germânicas, a Gallaecia e parte da Lusi- nado a Península Ibérica. (O domínio cartaginês começou em 238 a.C.) exatamente onde floresceu, séculos mais tarde, o Em 200 a.C., após as Guerras Púnicas, desencadeadas pela ri- foram o território onde os suevos se fixaram e conseguiram manter um validade entre as potências do Mediterrâneo, Cartago e Roma, a Pe- domínio estável por quase dois séculos. Por muito tempo o Reino Sue- Ibérica tornou-se território romano. Entretanto, só duzentos resistiu aos visigodos, que tentavam reunificar a Península a seu fa- anos depois da conquista, já no reinado de Augusto, o primeiro im- vor, até que, por volta de 570, reduziu-se à Gallaecia e aos bispados perador, é que a influência romana se mostrou decisiva nos povos lusitanos de Viseu e Conimbriga, e em 585 todo esse território foi con- conquistados. Pelo do poder, pela superioridade da cultura quistado pelos visigodos e incorporado aos seus domínios. e pelo parentesco da língua latina com a língua céltica, ambas de ori- A contribuição dos suevos e dos visigodos, no que diz respeito gem indo-européia, a romanização foi quase completa. Todos os po- à língua, foi mínima; entretanto, com eles rompeu-se definitivamen- vos da Península Ibérica, com exceção dos bascos, não só adotaram te a unidade romana, e, enquanto o latim escrito se mantinha como o latim, como também se cristianizaram. a única língua de cultura, o latim falado evoluía rapidamente e Inicialmente a Península tinha sido dividida em duas províncias: diversificava-se. a Hispânia Citerior (a região nordeste) e a Hispânia Ulterior (a re- No século VIII, com a invasão árabe, esfacelou-se também o gião sudoeste). Império Visigótico. Os romano-godos, isto é, os bárbaros romaniza- No ano 27 a.C., Augusto divide a Hispânia Ulterior em outras dos que se submeteram ao jugo foram chamados "mo- duas províncias: a Lusitânia, ao norte do Rio Guadiana, e a Bética, palavra derivada de um particípio árabe que significa "sub- ao sul. Na Lusitânia, ao norte do Rio Douro, no noroeste da metido aos os rebeldes, refugiados nas montanhas das As- sula, estendia-se a Gallaecia, uma antiga província romana. túrias, organizaram o movimento da Reconquista e aos poucos fo- Antes da conquista, o Rio Minho separava tribos pertencentes ram recuperando as terras conquistadas pelos árabes. Assim se for- à mesma raça e com dialetos afins: ao norte os nórios, artabros e ta- maram os reinos cristãos de Leão, Aragão, Navarra e Castela. máricos e, ao sul, os galaicos, que tinham como fronteira meridional Partindo do Norte, a Reconquista foi expulsando os mou- o Rio Douro. Os romanos, reconhecendo a identidade étnica dessas ros para o Sul. Isso explica o fato de a influência e cultu- tribos, uniram toda a região noroeste, acima do Douro, numa só pro- ral dos ter sido mais fraca nas regiões setentrionais do víncia, a que chamaram Gallaecia a terra dos Callaeci), da mes- que no Sul. Na região onde se formou o a influên- ma raiz que Galli, designação dada pelos invasores a todos os celtas, cia árabe foi, então, superficial. de um modo geral, com exceção dos da Ásia Menor, denominados No Sul, o domínio e a diferença de estrutura da Galatas. gua árabe, que é semita, permitiram o livre desenvolvimento de vá- Supõe-se, pois, que eram celtas os povos pré-romanos da Gal- rios falares hispano-românicos. Assim, havia na Península Ibérica, laecia (Galiza); entretanto, embora características diferenciais dos dia- no século IX, além do catalão, do aragonês, do leonês e do galego- letos do norte e do sul do Rio Minho não tenham sido detectadas, português, o árabe e o romanço a diversidade entre os falares das duas margens deve ter permanecido Com a evolução dos dialetos românicos definiram-se, no sécu- latente na relativa unidade do futuro romanço lo XII, três grandes grupos em todo o Ocidente da Pe- Entre 7 e 2 a.C. essa região foi anexada à antiga Hispânia Cite- nínsula Ibérica, o no Nordeste, o catalão e, no res- rior; dessa forma, a Gallaecia (Galiza) ficou pertencendo à Hispânia tante, o castelhano. Citerior, e a Lusitânia, à Ulterior. A romana chegava Nas lutas pela Reconquista, muitas vezes os territórios retoma- até ao Douro, e só ao sul deste rio começava a Lusitânia. dos aos mouros ficavam despovoados, e os soberanos cristãos man- A região da Gallaecia permaneceu unida até o século XI, quan- davam repovoá-los em geral com habitantes vindos do Norte. Foi as- do D. Afonso VI a dividiu entre seus dois genros, D. Raimundo e sim que, pouco a pouco, o galego recobriu toda a parte central e me- D. depois da conquista de Toledo, em 1085. ridional do futuro território português.</p><p>26 HISTORIA DA LINGUA PORTUGUESA Quando Portugal se separou da Galiza, no século XII, era o o idioma falado em toda a região da Galiza e da nascente nação portuguesa e, por três séculos, ainda, foi o veículo 4 da produção poética trovadoresca em toda a Ibérica. Várias causas tinham determinado seu prestígio já desde o sé- Os textos culo XI: a fé envolvendo Santiago de Compostela, na Galiza, com a auréola do misticismo religioso, tornou o lendário túmulo do apóstolo lago o maior centro de devoção da Idade Média; conseqüen- temente, a intensa peregrinação fez da Galiza um centro de desenvol- vimento comercial que se refletiu nos aspectos sociopolíticos e cultu- le personnage important, en toute cette af- rais da região. faire est celui qui a tenu la plume (Jacques A educação dos reis e membros da nobreza dos reinos em for- Monfrin) (1). mação passou a ser feita na Galiza, que se tornou também o centro irradiador da produção poética trovadoresca. Além disso, esse foi, durante o período da Reconquista, o idio- ma de comunicação com as populações mouras e nesse contato sofreu e exerceu influências que aceleraram o pro- cesso de divergência entre os falares ao norte e ao sul do Minho. Falada pelos remanescentes da Reconquista, pe- los e por todos os estrangeiros participantes do repovoa- Os textos da fase do período arcaico eram produzidos e re- mento, a língua trazida do Norte e adotada durante três séculos pela Nação portuguesa sofreu gradativamente uma significativa transfor- produzidos manuscritamente, em folhas de pergaminho, inicialmen- mação, acelerada ainda pela decisiva influência dos dialetos moçára- te nos cartórios e conventos e, mais tarde, na Corte e Universidade. bes e pelos fatos políticos do prestígio de Lisboa, até adquirir, no sé- Assim, sua elaboração tornava-se lenta e dispendiosa, sua circulação, culo XIV, feição distinta que a caracterizou como língua portuguesa. muito restrita, e a reprodução por esse processo determinava varian- tes e interpretações divergentes. fato de terem sido escritos por diferentes notários ou escribas com variado grau de cultura, aliado à dificuldade de entendimento das relações entre os sistemas grafemáticos dos textos e o sistema fonológico-fonético da época, acentuou a intangibilidade de muitos desses textos, até hoje inéditos. Antes do século XIII, além dos cartórios, só nos conventos se permitia o trabalho de produção dos manuscritos. Em Portugal, os conventos com oficinas de manuscritos foram principalmente os de Lorvão, Santa Cruz de Coimbra e Alcobaça. Neste último formou-se a maior livraria medieval portuguesa. Representaram também esses (1) Apud MAIA, Clarinda de Azevedo História do Coimbra, Instituto Nacional de Investigação Científica, 1986, p. 10 9).</p><p>28 DA PORTUGUESA os TEXTOS 29 conventos os focos de uma atividade cultural importante, a que se é a versão portuguesa da Primeira Crónica General de España, redi- denominou literatura médio-latinista, monástica ou clerical, respon- gida por ordem de Afonso X, o Sábio, foram a principal forma his- sável pela tradução do latim, de obras religiosas, morais e didáticas. toriográfica da época e prepararam o advento de Fernão Lopes. Essas hagiografias vida de santos) e escritos eclesiásticos, embo- Os foros, além de sua importância histórica e jurídica, têm ra, na verdade, nenhum significado literário possuam, apresentam gável valor pois guardam um vocabulário riquíssimo e gável valor filológico. variado (1). Mais tarde, com a fundação da Universidade, corporações de No Portugaliae Monumenta Historica incluem-se como repre- escribas profissionais se filiaram ao novo centro de cultura, e na Corte sentantes de uma prosa sem mérito literário, algumas escritas em la- a produção de textos começou a ser feita por ordem e graça de um tim, as crônicas (ou e várias hagiografias e escritos de ma- mecenas, geralmente o rei, ou pelo próprio rei. téria Nos séculos XII, XIII e XIV, os textos eram documentos públi- nos livros de linhagem, encontra-se também nes- cos, de ordem jurídica (títulos de compra e venda, testamentos, in- sas crônicas o germe da historiografia nacional. Exemplificam-nas ventários, doações historiográficos e livros de linha- Chronicon Conimbricense, a Chronica Gothorum e a Crônica gem), hagiográficos, eclesiásticos e obras literárias (a poesia dos can- Breve do Arquivo Nacional. A Crônica Geral de Espanha de 1344 cioneiros e a prosa das novelas de cavalaria). é também considerada obra representativa da historiografia da Os documentos públicos, muito abundantes desde o século XII, época (2). estão, na sua maioria, publicados em coleções especiais ou Os escritos hagiográficos são exposições sobre a vida e os mila- cas; outros jazem inéditos em arquivos, principalmente na Torre do gres dos santos, e os de matéria eclesiástica, sobre os progressos da Tombo, ou em estabelecimentos públicos como a Biblioteca Nacio- religião principalmente das ordens monásticas e versões várias nal, Museu Etnológico e cartórios de Câmaras Municipais. Dessas co- das regras dessas ordens religiosas. Da Regra de São Ben- leções as mais notáveis são: o Corpus Codicum da Câmara do Porto, to, por exemplo, há inúmeras lições. Entre as várias hagiografias que os Documentos Inéditos dos Séculos XIII-XIV, por Gonçalves Perei- restaram, citam-se a de Santo Aleixo, São Bento, Santo Agostinho, ra, Évora, 1885-1891 e o Portugaliae Monumenta Historica; esta co- São Nicolau, dos Santos Mártires e Sancti Rudesindi Vita et Miracu- leção, organizada por Alexandre Herculano, divide-se em quatro se- la, esta última do século XII. Essas traduções, quer por ostentação ções: Scriptores, que contém os textos de relativo interesse literário, de erudição, quer por comodidade do tradutor, ou pela falta de ter- como os livros de linhagens, Diplomata et Chartae, Leges et Consue- mos que traduzissem a mesma idéia, introduziram na língua muitos tudines e Inquisitiones, seções que documentam as escrituras públi- latinismos. cas, os forais e as inquirições dos reis portugueses. Escritos com a finalidade de estabelecer os graus de parentesco o latim havia, até então, pautado a vida jurídica e eclesiástica. entre os nobres, os livros de linhagem, também chamados Entretanto, como a própria Igreja, para se fazer entender, já come- rios, continham listas de nomes, formando árvores genealógicas que a empregar o romanço no sermão e na administração dos sacra- serviam para as ligações em caso de herança ou de casa- mentos, a administração civil teve de substituir as praxes cartulárias mento em pecado casamento entre parentes até o sétimo grau). de outrora, em latim bárbaro, pelo romanço. galego-português Houve quatro livros de linhagens: os dois primeiros, do começo do século XIII, contêm meras árvores genealógicas; e os dois últimos, (1) o estudo de F. Lindley Cintra, A linguagem dos foros de Castelo Rodri- mandados organizar por D. Pedro, conde de Barcelos, apresentam go. Seu confronto com a dos foros de Alfaiates, Castelo Bom, Castelo Melhor, Coria, escassos resquícios literários, como a breve narrativa da Batalha do Caceres e Usagre, Lisboa (Publicações do Centro de Estudos 1959 (apud Clarinda A. Maia, Obra cit., p. 7), é, na verdade, como a intitula autor, uma exce- Salado, no Livro III, e a tentativa de uma história novelesca de Por- lente "contribuição para o estudo do e do do século tugal desde Adão e Eva até o movimento da Reconquista. Esses dois (2) A propósito destas crônicas, ler de Alfredo Pimenta Fontes medievais da livros e a Crônica Geral de Espanha de 1344, que em grande parte ria de Portugal, V. I (Anais e Crônicas), Lisboa, Sá da Costa, 1948, p. 1-47.</p><p>os TEXTOS 31 30 HISTÓRIA DA PORTUGUESA penetrou, então, no templo e no cartório, e dessa forma os escritos Apesar da grande revivescência do espírito de cavalaria oficiais e religiosos tornaram-se os primeiros documentos em prosa nos fins do século XIV, em Portugal, não se tem conhecimento de galego-portuguesa. Os mais antigos documentos em prosa, de que se nenhuma novela autenticamente portuguesa. tem notícia, são o Testamento de D. Afonso II e a Notícia de torto, Das várias que penetraram nos paços de Portugal, vertidas to- rascunho de uma queixa de Lourenço Fernandes contra os filhos de das do francês, somente permaneceram: História de Merlim, José de Gonçalo Ramires, em latim e romanço, sem data, mas que pesquisas Arimatéia e A demanda do Santo Graal. Entretanto, a versão portu- recentes remontam a princípios do século XIII (1). guesa da História de Merlin desapareceu (1); desta novela ficou ape- A primeira grande manifestação da literatura portuguesa é cons- nas a tradução espanhola, calcada sobre a portuguesa. José de Ari- tituída pela poesia trovadoresca, cujos textos representativos figuram matéia (manuscrito 634 da Torre do Tombo, em Lisboa) perma- nos Cancioneiros. A origem da poesia portuguesa não está, entretan- neceu inédito até 1967, quando Henry Hare Carter fez dele uma edi- to, nessas coletâneas de poemas em Precedeu a com- ção diplomática, e A demanda do Santo Graal só foi publicada em pilação das poesias dos Cancioneiros uma longa tradição oral, divul- 1944, pela Imprensa Nacional do Rio de Janeiro, numa edição orga- gada por jograis galegos. As cantigas chamadas "retornadas" ou "pa- nizada pelo Padre Augusto Magne. manuscrito que lhe serviu de remontam a uma época anterior à independência de Por- base é o 594, existente na Biblioteca Nacional de Viena. Em 1955 tugal; também as "carjas", cantigas escritas em que lem- Magne publicou uma edição fac-similar da Demanda, cujo volu- bram as de amigo, devem ter surgido já em meados do século XI. me só veio à luz em 1970. Repositórios das cantigas de amor, de amigo, de escárnio e de Novela de caráter místico e A demanda do Santo maldizer, poemas feitos para serem cantados ao som de instrumen- Graal é considerada o maior monumento literário em prosa da pri- tos musicais, vários foram os cancioneiros medievais; alguns se per- meira fase do período arcaico, pertencente como é aos meados do sé- deram, como o Livro de Trovas de D. Afonso ou de El-Rei e o Livro culo XIII, ou ao terceiro quartel do mesmo século. de Trovas de D. Dinis e, dos que restaram, são de especial relevo: o Cancioneiro da Ajuda, o Cancioneiro da Biblioteca Nacional (tam- bém chamado Colocci-Brancuti) e o Cancioneiro da Vaticana. Cancioneiro da Ajuda, composto em fins do século XIII, con- tém apenas cantigas de amor; o Cancioneiro da Biblioteca Nacional e o da Vaticana, que contêm todos os tipos de cantigas, são apógra- fos ou cópias italianas do século XVI, de originais provavelmente dos XIII, XIV e XV. Embora as composições poéticas desses Can- cioneiros não sejam os textos ideais para o conhecimento do galego- português (porque refletem uma linguagem estilizada, de caráter con- servador), significam, afinal, para o estudo da expressão da primeira fase do período arcaico, uma valiosa fonte e caracteri- zam um dos mais importantes momentos da história portuguesa. A riqueza dos textos poéticos dessa fase contrasta com a escas- sez da prosa literária. Além das hagiografias e de um fabulário de Esopo, manuscrito descoberto por José Leite de Vasconcelos na Bi- blioteca de Viena, merece referência apenas o que nos restou de A (1) Mas deve ter existido, pois do Livro de Merlim, parte do ciclo da Demanda, demanda do Santo Graal. figurava um exemplar na biblioteca do rei D. Duarte, como figuravam também o Li- vro de Tristam e o Livro de Galaaz (que devia corresponder à demanda do Santo Graal), testemunhos existentes de que a matéria se aclimatou às maravilhas em solo por- (1) Cf. Paul Teyssier, obra cit., p. 102, nota 9. tuguês (vide PIEL, Joseph Leal Conselheiro, Lisboa, Bertrand, 1942, p. 415).</p><p>A LÍNGUA: GRAMATICAIS 33 Na verdade, escrevia-se a língua para os ouvidos. Assim como 5 nas cortes o lirismo trovadoresco era expresso pela recitação das can- tigas, nas ordens religiosas, centros de cultura por excelência, a leitu- ra também se fazia oralmente: "No Mosteiro de Alcobaça prati- A língua: cava-se a Regra de São Bento, a mais antiga tradução do latim que chegou até nós, e que recomendava: Muy grande seenço seja feito aa características gramaticais mesa que musitaçó voz seja hi ouvyda salvo daquel que leer (Cód. Alc. 328/44 In RL, 21, p. 123)" (1). Os livros, em número reduzido por causa da censura eclesiásti- ca, eram copiados e, para isso, recorriam ao proces- so do ditado para vários copistas ao mesmo tempo. Os escribas, ten- L'on n'arrive à expliquer les mots ou les faits tando representar foneticamente os sons das palavras que escreviam, gramaticaux que par leur histoire (A. Bra- cometiam erros e multiplicavam a grafia, dependendo do ouvido e chet) (1). da ignorância de cada um. Muitas vezes grafavam o mesmo som de diferentes maneiras, bem como da mesma maneira, diferentes sons. Assim, não é raro encontrarem-se, no mesmo documento, va- riações gráficas de uma palavra. Vejam-se, por exemplo, os textos anotados: 7: cãaes cães caualeyro caualleiro A língua portuguesa, desde que foi fixada pela escrita até nos- 8: o - ho sos dias, tem sofrido várias e significativas modificações, reflexo que em cyma em cima é de uma cultura sempre dinamizada pela força convergente de inú- 9: bacharees bachares meros fatores. a vos - a uos A primeira fase do período arcaico revela um estágio dessa lín- As deficiências gráficas arcaicas justificam-se, afinal, por não gua (o cujas características ortográficas, fonéti- traduzirem "mais de que a natural hesitação numa escrita despreve- cas, morfossintáticas e estilísticas, embora a distingam da fase seguin- nida de quaisquer tradições" (2). te, a da prosa arcaica, verdadeiramente nacional, e do português co- A tendência a encorpar as palavras também contribuía para a mum, deixam entrever certas vacilações que se valorizam como las- arbitrariedade ortográfica da época, contrariando muitas vezes a eti- tro de transição. mologia das palavras: hi (por i, de ibi), (de unum), he (por etc. o alfabeto Ortografia A ortografia arcaica era essencialmente fonética, em- Na primeira fase do português arcaico, utilizavam-se as letras bora raramente transparecessem tendências etimoló- simples do alfabeto latino (menos o k) e as geminadas SS e rr (quase gicas na pena de alguns escribas, acostumados a trasladar e redigir sempre com as mesmas funções). documentos em latim medieval. (1) Albino de Bem Virgeu de Consolaçon (publicações da Universidade da Bahia). Globo, 1959, p. (1) Grammaire historique, apud CORTESÃO, A. A. Prefácio de Subsídios para um (2) SEQUEIRA, Martins Aspectos do português Lisboa, Tip. União dicionário completo (hist.-etimol.) da língua portuguesa. Coimbra, França Amado, 1900. 1943, p. 52. Separata de Liceus de Portugal.</p><p>34 DA LINGUA PORTUGUESA A GRAMATICAIS 35 Observações: Essa indistinção existe em todos os textos medievais, mesmo em a) desaparecimento de letras inúteis: não havia letras inúteis (exceto latim (1). Exemplos: nos dígrafos gu e qu); o h etimológico ou não e as geminadas com Textos anotados valor de singelas de um modo geral desapareceram. 5: ueio, traie, uos, uam, seia Há, todavia, manuscritos dessa primeira fase que atestam for- (veio, traje, vos, vam, seja) 6: auia, Aluaro, caualeiros, ualeo mas com h inicial e medial e letras geminadas. Exemplos: (havia, Alvaro, vencidos, cavaleiros, valeu) 7: muyto, desejaua, ujo, presumja Textos anotados (quisesse, muito, desejava, viu, presumia) 9: mj, conseruadores, liuros, mjl 3: homen (rei, mi, conservadores, livros, Coimbra, mil) ssem, ffor hervas, home emprego arbitrário do y ffisico, ffaley, elle 7: rrey, sseeta, ssaae, y ora aparece com o valor de vogal, ora com o de semivogal. ella, querria, sse Exemplos: 8: homrra, hunhas, rreprehemde quali Textos anotados Na explicação desses casos divergem os autores: 5: muy, reix (semivogal) assy, Estrolomya (vogal) Segundo Said Ali, o h inicial denotaria o pequeno esforço com 6: foy, muyto, ley (semivogal) que proferiam, ou supunham proferir a vogal inicial de alguns vocá- (vogal) 7: vay (semivogal) bulos. Quanto às geminadas, opina o mesmo autor: "possível é que vy (vogal) com essa curiosa geminação de e ff quisessem os antigos escritores 8: ajudarey (semivogal) cyma, mym, assy (vogal) significar que em alguns vocábulos, ou em algumas ocasiões, a vogal junto a ou ff recebia entonação ou icto forte, mas muito rápido" (1). troca de nh por nn Estudando este caso, Peixoto da Fonseca conclui que foi a pos- Segundo Carolina Michaelis, "a grafia dos sons palatais nh terior cópia de muitos trechos em apógrafos que alterou muito a es- ainda não estava fixada; oscilava entre II, nn; ly, ny ou yn, e I-n sim- crita arcaica, usando-se o h a torto e a direito, e introduzindo-se gra- ples" e "assim se continuou no século XIV" (2). fias atrabiliárias ou pseudo-eruditas (2). Fernando Peixoto da Fonseca explica que, por imitação do cas- Em palavras como sabha e ravha (da fase), que o galego- telhano, os trovadores erradamente usavam nn e para as atuais nh português escrevia sabya e ravya (ya = ditongo oral), o h tinha co- e que, "desde o século XIII, nas chancelarias portuguesas, já ti- mo função estabelecer diérese. nham sido empregadas com outros símbolos (ni, li etc.) para o mes- mo efeito" (3). Porém, continua este mesmo autor: "Parece que se b) confusão de grafias: vulgarizaram as grafias nh e de origem provençal, ainda na época indistinção entre i-u (vogais e semivogais) e j-v (consoantes) trovadoresca, na chancelaria de D. Afonso IV ou na de D. Dinis, re- formada por franceses (entre 1270 e 1280), e se enraizaram profundamente na escrita portuguesa" (4). Tratando-se de um texto estabelecido segundo normas de uma edição crítica, explica-se que a ortografia do texto 5 (v. p. 95) não reproduz a realidade ortográfi- ca da época; os exemplos do referido texto, citados neste trabalho, aparecem (1) Só do século XVI em diante é que se começa a distinguir, na ortografia, o valor com a forma apresentada pelos desses fonemas. (1) Gramática secundária e gramática histórica da lingua portuguesa. 3. ed., rev (2) Obra cit., p. 37. e atual. Ed. da Universidade de 1964, p. 44. (3) Obra cit., p. 67. (2) Obra cit., p. 69. (4) Loc. cit.</p><p>36 HISTÓRIA DA PORTUGUESA A CARACTERÍSTICAS GRAMATICAIS 37 De fato, o fac-símile do Cancioneiro da Biblioteca Nacional an- três palavras, seja para indicar o acento frásico, seja por falta de es- tigo Colocci Brancuti, e o do Il Canzoniere Portoghese della Biblio- paço; ao contrário, aparecem também palavras retalhadas, provavel- teca Vaticana documentam a grafia de origem occitânica, intro- mente para informar os cantores da sua distribuição musical (1). duzida no curso da segunda metade do século XIII, no Ocidente pe- Exemplos: ninsular (1). Também todos os textos anotados exemplificam, sem variações, Textos anotados as grafias e nh: 2: nona (non a) 2: venha, punhou, Ihi 5:9prou (comprou) 4: caminho ue iolhi (vejo-lhe) 5: melhor, sabel (sabe ele) 7: lhe, semelhou, montanha 8: lhe, velhaco Na fase do período arcaico, em que verdadeiramente se con- 9: tamanhas, lhes sidera o português como língua nacional, distinta já do galego- c) sonorização do t: nos primeiros documentos da língua, já se apre- português, a escrita apresenta-se, nos mais antigos textos em prosa, sentava abrandado em d o t da pessoa do plural dos verbos lati- muitíssimo menos correta, simples e uniforme que na fase. nos. Exemplos: Os prosadores empregavam letras inúteis e confundiam os bolos novos com os velhos. Como havia muitos novos sons inexis- Textos anotados tentes em latim e para os quais não se estabelecera uma tradição re- 4: buscade, busquedes, levade presentativa, viram-se obrigados a inventar novas grafias. Trocavam 9: sabede, consentades, constrangede, façades também e q e qu, ch e S, e d) origem do til (~): a síncope do n intervocálico e na- Além disso, a cópia dos textos distanciou os apógrafos das obras salização da vogal anterior registrava-se com uma forma menor genuínas e adulterou muito a feição arcaica da língua. do n, sobreposto à vogal nasalada. Posteriormente, do afastamento das extremidades deste n, convertido em sinal diacrítico, nasceu o til (~), cujo emprego se estendeu a outros casos de nasalização da vogal, substituindo muitas vezes m Exemplos: Fonética Para a reconstituição da prosódia e da ortoépia arcai- Textos anotados cas são elementos de grande valia os princípios da 4: técnica versificatória trovadoresca, principalmente os da rima e da 6: 7: contagem silábica. E isto porque, como afirma Celso Cunha, "a nor- 8: huu, ma poética revela, sem dúvida, uma realidade condiciona- 9: da a fatos fonéticos, também coercitivos, vigentes no galego-por- tuguês" (2). Junção, separação e abreviação de palavras Esse estudo, entretanto, encontra inúmeras barreiras, determi- nadas pelas deformações com que as edições dos textos medievais os Inúmeras abreviaturas dificultam a leitura dos textos manuscri- apresentam. Daí a necessidade de sua canonização, para aproximá- tos. Além disso, se encontram aglutinadas duas ou los das obras genuínas; este é o objetivo da ciência edótica, cujos pro- cedimentos, permitindo a recomposição e a fixação do texto como (1) Cf. Cancioneiro da Biblioteca Nacional antigo Colocci-Brancuti. Leitura, comen- tários e glossário seguidos de reproduções por Elza Paxeco Machado e José Pedro Edições da Revista de Portugal. Lisboa, 8. e Il Can- (1) Cf. Fernando Peixoto da Fonseca, obra cit., p. zionere Portoghese della Biblioteca Vaticana messo a stampa da E. Monaci con una pre- (2) Estudos de poética trovadoresca [Rio de Janeiro] Instituto Nacional do Livro, fazione, con fac-sim. e con altre illustrazioni. Halle A/S., Max Niemeyer, 1875. 1961, p. 59 (Col. de Filologia II Versificação e Ecdótica).</p><p>38 HISTÓRIA DA PORTUGUESA A CARACTERÍSTICAS GRAMATICAIS 39 uma complexa realidade fornecem subsídios para a final ou antes de consoante surda soava c; do contrário, compreensão de seus aspectos material, essencial e referencial. pronunciava-se dz. Distinção de sons a) Fazia-se distinção entre sez intervocálicos pronunciando-se dife- Na fase do português arcaico fazia-se perfeita distinção en- rentemente, consoante a sua origem, palavras como coser e cozer. tre o valor do e S (intervocálico) e ch e b) o Z final ou medial antes de consoante surda, que hoje equivale S e C ao som de S fraco, tinha o valor de c, distinto, portanto, do S final. c) Na poesia, palavras terminadas em não rimavam com palavras S (surdo, quando inicial, final ou dobrado medial) valia SS. terminadas em S, assim como também não rimavam eza com esa, (ou antes de e ou i) valia por exemplo, vez com mês ou riqueza com presa. Observações: ch e a) S final era fraco e assimilava-se quase constantemente a além disso, já na fase tinha começado a se palatizar. Exemplo: Ch e proferiam-se, respectivamente, tch e ch. Texto anotado Observação: 4: levades-lo levade-lo proferia ch como oclusivo, quase como tch, antes de consoante sonora também se palatizava: Lixboa. e como ch. Hoje a distinção é apenas ortográfica. b) "O S inicial ou dobrado tinha a pronúncia que ainda hoje lhe dão Tal era a distinção que se fazia nessa fase, entre o valor do os naturais de Trás-os-Montes e parte do Minho e Beiras, que o S e S (intervocálico) e Z, ch e X, que raramente se registram confu- distinguem do antes de e ou i, ou proferindo de modo diverso sões gráficas na transcrição desses fonemas. segar e cegar, passo e paço, ao contrário do resto do país, que des- de o século XVI o confunde, do que resultaram grafias erradas, om e am tais como: sapato Na fase não se confundiam as terminações nasais om e am. sarça carça Contadas sempre como duas sílabas (o-m, a-m), transformaram-se ceia em vez de seia no ditongo na fase, formando, pois, uma só sílaba. Cintra Sintra A terminação -om (escrita -on, -om) corresponde às formas pêcego pêssego" (1) latinas da declinação em -one e -udine e a -unt das formas verbais. Assim: sez fase 2. fase S era sonoro quando intervocálico ou antes de consoantes substantivos latinos terminados em -one -udine -om -ão sonoras. verbos p. pl.) terminados em (1) NUNES, José Joaquim Compêndio de gramática histórica portuguesa (Fo- A terminação -am (escrita -an, -am) provém de -ane dos subs- nética e Morfologia). 7. ed. Lisboa, Clássica Ed. [1969] p. 191. tantivos e de -ant de formas verbais.</p><p>40 DA LÍNGUA PORTUGUESA A CARACTERÍSTICAS GRAMATICAIS 41 Assim: eram iguais, dava-se a crase e, quando diferentes, eo e ea, dava-se fase fase a ditongação. substantivos latinos terminados em -ane -ão No caso de eo e ea, por serem diferentes as vogais, evidente- -am ou mente não podia crase; houve, então, o desenvolvimento de uma verbos p. pl.) terminados em -ant -am semivogal, provocando uma ditongação, por ser o e tônico e pré- (quando desinência vocálico. Entretanto a ditongação destas formas ocorreu na transi- átona de verbo) ção da fase arcaica para a moderna, na segunda metade do século Exemplos: XVI. Camões testemunha o processo, pois n'Os lusíadas encontram- Textos anotados se formas ainda não ditongadas como cadeas, feo, area mas 4: sazon, chegaron feo já alterna com feio, e as formas ditongadas receio, arreio 5: vam Assim: 6: feriã, seguiã, 7: ujrom fase fase 8: coraçom, forom mala > maa má 9: som legere > leer ler dolore > door dor o e e (abertos e fechados) unu > um bene > bem estudo da rima mostra que não se confundiam o e e abertos sedere > seer ser com o e e arena areia Assim: credo creo creio cena > ceia a) Os infinitivos em er (fechado) não podiam rimar com palavras ter- minadas em er (aberto). Então, os infinitivos em er (fechado) não Exemplos: rimavam com o futuro do subjuntivo dos verbos irregulares, co- Textos anotados mo quiser, souber, prouguer (= prouver), nem com molher, mes- ter, quer, que são palavras com e 4: seend' 5: meestre, veede b) Os comparativos irregulares terminados em -or só rimavam com 8: veo, ueo, pee, maas, teem, rrãa palavras terminadas em o fechado, na fase. 9: lea, leerem, leer, c) Na fase o pronome eu soava com e aberto (correspondente ao e aberto da forma latina ego) e, na fase, com e Nasalidade Exemplos: Textos anotados Na fase do português arcaico sempre soava a nasalidade co- municada por -n- intervocálico à vogal anterior. Exemplos: 3: mayor rima com amor 5: saber rima com guarecer (é) Textos anotados melhor rima com senhor quer rima com Montpisler (é) 4: eu rima com Andreu (é) 6: 8: huu, 9: Subsistência do hiato Na fase e no português moderno, essa nasalidade mantém- A síncope das consoantes sonoras intervocálicas n, b, d, g, se, desaparece sem deixar vestígio, ou faz desenvolver um fonema v) provocava, na fase, hiato; na fase, quando as duas vogais nasal.</p><p>42 DA PORTUGUESA A CARACTERÍSTICAS GRAMATICAIS 43 Assim: Assim: mantém-se: fase fase lana > > piôr pión canes > melhôr ou melhór manu > mão (= menor) vanu > vão ou iliunu > > jejü > jejum sonu > > > som Exemplo: desaparece, sem deixar vestígio: Texto anotado 5: melhor rimando com senhor sinu > senu > > seio arena > area > area > areia corona > > coroa Tonicidade dos monossilabos luna > > lua ou Os monossilabos, hoje átonos, e (conj.), ca (conj. = porque), faz desenvolver um fonema nasal: se (conj.) e que (conj. ou pron.), quando a palavra seguinte começa- nh (regina > > reinha > rainha; va por vogal, não se elidiam, na fase; conservavam, portanto, o vinu > >vinho) e, muito raramente, hiato. Na fase elidiam-se todos (1). talvez num só caso, m > uma) Observações: Escassez de a) se, quando pronome oblíquo, já se elidia na fase. No português arcaico predominavam as palavras paroxítonas. b) hiatismo sistemático das vogais desses com uma No as raríssimas que de vogal evidencia a apreciável tonicidade com que eram origem grega, geralmente se tornavam pelo uso; assim, pronunciados (2). a forma latina clericu, de origem grega, transformou-se em crelgo. Exemplo: Metafonia Texto anotado Parece que na fase não se constatara a metafonia nos subs- 5: crelgo tantivos, adjetivos, pronomes e verbos, ao contrário do que se verifi- Na fase, todavia, em razão de uma profunda latinização da cou na fase. Assim, no o pronome pessoal ela cultura, alguns se incorporaram ao léxico. apresentava e fechado e na fase do português comum, aberto; os pro- nomes demonstrativos esto, esso, aquelo pertenciam à fase, e isto, Pronúncia dos comparativos em -or isso, aquilo, à Também na fase, o i postônico fechava o o e o e tônicos, nos verbos (dormio > durmo; feci > fiz). Exemplos: Os comparativos irregulares terminados em -or se, na fase, com o fechado e na fase, com aberto (ó). Foi Textos anotados a pronúncia clássica mor (de moor), com o aberto, que influenciou 8: esto 9: d'esto a dos restantes comparativos etimológicos (1). (1) Cf. Celso Cunha, obra cit., p. 56, 59, 83. (1) Cf. Fernando Peixoto da Fonseca, obra cit., p. 66. (2) Cf. loc. cit.</p>

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