Prévia do material em texto
17/04/2024, 11:10 Pré-modernismo na literatura brasileira https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/05633/index.html?brand=estacio# 1/54 Pré-modernismo na literatura brasileira Prof. Rodrigo Jorge Ribeiro Neves Descrição Você vai aprender sobre o pré-modernismo na literatura brasileira a partir de autores representativos, como Júlia Lopes de Almeida, Euclides da Cunha, João do Rio e Lima Barreto. Propósito Analisar obras de autores de diversos estilos e tendências que anteciparam aspectos do modernismo e a atuação como profissional de literatura brasileira. Preparação Tenha em mãos um dicionário de literatura para compreender o vocabulário específico da área. Na internet, você acessa gratuitamente o E-Dicionário de Termos Literários, de Carlos Ceia, e o Dicionário de Cultura Básica, de Salvatore D’Onofrio. Objetivos Módulo 1 Júlia Lopes de Almeida 17/04/2024, 11:10 Pré-modernismo na literatura brasileira https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/05633/index.html?brand=estacio# 2/54 Reconhecer a literatura de Júlia Lopes de Almeida no contexto do pré- modernismo. Módulo 2 Euclides da Cunha Reconhecer a literatura de Euclides da Cunha no contexto do pré- modernismo. Módulo 3 João do Rio Reconhecer a literatura de João do Rio no contexto do pré- modernismo. Módulo 4 Lima Barreto Reconhecer a literatura de Lima Barreto no contexto do pré- modernismo. Introdução O pré-modernismo é um conceito cunhado pelo crítico literário Tristão de Ataíde, o Alceu Amoroso Lima, com o propósito de identificar e analisar as características dessa fase da literatura que antecedeu os modernistas. Alguns críticos enxergam nessa categoria uma busca por centralização do movimento modernista na história literária e 17/04/2024, 11:10 Pré-modernismo na literatura brasileira https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/05633/index.html?brand=estacio# 3/54 cultural brasileira. No entanto, também podemos pensar no conceito de pré-modernismo como maneira de dar conta de aspectos gerais de um dos períodos mais complexos em termos estéticos, percebendo de que modo eles se vinculam à série de mudanças e impasses pelos quais o país passava. Afinal, nenhum escritor é indiferente ao seu tempo. Neste conteúdo, você vai conhecer alguns dos principais nomes do pré-modernismo na literatura brasileira, na virada do século XIX para o XX, fase conhecida como Belle Époque. Como o Rio de Janeiro era a capital do Brasil na época, os quatro nasceram na cidade ou no Estado e têm, nela, seu principal cenário. Primeiro iremos estudar Júlia Lopes de Almeida, uma das escritoras mais lidas em seu tempo e autora do romance A falência. Depois, acompanharemos Euclides da Cunha em Os sertões, um marco da literatura regionalista e das relações entre ciência e arte. Em seguida, passearemos com João do Rio em suas crônicas-retratos, desaguando em A alma encantadora das ruas. Por fim, escutaremos a voz de Lima Barreto contra o racismo, a marginalização e os nacionalismos exacerbados, de Recordações do escrivão Isaías Caminha até o Triste fim de Policarpo Quaresma. Material para download Clique no botão abaixo para fazer o download do conteúdo completo em formato PDF. Download material javascript:CriaPDF() 17/04/2024, 11:10 Pré-modernismo na literatura brasileira https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/05633/index.html?brand=estacio# 4/54 1 - Júlia Lopes de Almeida Ao �nal deste módulo, você será capaz de reconhecer a literatura de Júlia Lopes de Almeida no contexto do pré-modernismo. Uma mulher de letras Já imaginou alguém chamar Machado de Assis de “salafrário”? Simplesmente Machado de Assis, nosso maior escritor! O autor de tal impropério é ninguém menos do que Jorge Amado, um dos nossos grandes romancistas. Mas qual a razão dessa ofensa e que relação ela tem com nosso conteúdo? Jorge Amado. Em seu livro de memórias Navegação de cabotagem (1977), o escritor baiano comenta sobre uma sessão na Academia Brasileira de Letras em que foi votada a permissão para que mulheres se candidatassem a uma de suas cadeiras. Um feito histórico, pois, desde a sua fundação, a ABL 17/04/2024, 11:10 Pré-modernismo na literatura brasileira https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/05633/index.html?brand=estacio# 5/54 não aceitava mulheres em seu quadro. Sim, você leu certo. Como seguia o modelo da Academia Francesa, só homens eram permitidos entre os ocupantes das 40 cadeiras, tornando-se “imortais”. Ora, mas e Machado de Assis, Jorge Amado e Júlia Lopes de Almeida nessa história? Segundo o autor de Capitães da areia, Machado foi um dos que apoiou o veto à entrada de mulheres como integrantes da Academia, sendo que, entre as pessoas que a fundaram, estava... Júlia Lopes de Almeida. Veja só! Uma das idealizadoras da entidade não poderia fazer parte dela por ser mulher. No lugar de Júlia, Machado propôs que entrasse o marido dela, o jornalista e escritor Filinto de Almeida. A primeira mulher a entrar na ABL foi Rachel de Queiroz, na década de 1970. Amado, ao celebrar a conquista, não deixa de jogar luz sobre o passado para trazer à tona esse intervalo tão longo de tempo, revelador de uma sociedade ainda profundamente marcada pelo domínio masculino. Júlia Lopes de Almeida entendia bem a questão do machismo e soube, como poucas, expressá-lo por meio de sua literatura. Rachel de Queiroz. Filha de um casal de portugueses, Valentim José da Silveira Lopes e Adelina Pereira Lopes, Júlia nasceu em 24 de setembro de 1862 em um casarão na rua do Lavradio, Centro do Rio de Janeiro. Estreou cedo nas letras. Aos 19 anos, já era colaboradora de um importante jornal de Campinas, para onde se mudara com a família na infância. 17/04/2024, 11:10 Pré-modernismo na literatura brasileira https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/05633/index.html?brand=estacio# 6/54 Júlia Lopes de Almeida. Poucos anos depois, com cerca de 21 anos, começou a publicar em um dos mais importantes periódicos da época, O País, atuando nesse jornal por mais de 30 anos. Estamos falando de uma época em que as diferenças de oportunidade entre homens e mulheres eram imensas. Para uma menina tão jovem se destacar assim em um veículo de grande prestígio nacional, e dominado por homens, ela realmente tinha que ser o máximo. E era. Comentário Você pode imaginar o quanto a experiência como jornalista exerceu influência na forma de escrever e pensar de Júlia Lopes por meio da literatura. Dizemos “pensar” por que, como toda grande escritora, Júlia Lopes fez da ficção uma maneira de refletir também sobre a realidade social. Afinal de contas, a literatura é uma forma de interpretação da sociedade e de seus principais aspectos, como nos ensina Antonio Candido (2006), um dos nossos maiores críticos literários. Atenta às transformações pelas quais o país atravessava na virada do século XIX para o XX, período também conhecido como Belle Époque carioca, Júlia buscou entender os mecanismos que mantinham (e ainda mantêm) o nosso atraso, que exclui as mulheres, a população negra e os menos favorecidos. Tudo isso acontecendo em um período de grande turbulência política, com o país mudando de regime, da Monarquia para a República. Entre 1888 e 1889, publicou seu primeiro romance, Memórias de Marta, por meio de folhetins em O País, logo após uma temporada como residente em Portugal, para onde voltaria anos mais tarde. Sua primeira 17/04/2024, 11:10 Pré-modernismo na literatura brasileira https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/05633/index.html?brand=estacio# 7/54 experiência como autora de livros foi em 1886, quando saiu Contos infantis, escrito com a irmã Adelia Lopes Vieira. Júlia Lopes em seu escritório. No ano seguinte, conheceu Filinto de Almeida, que se tornou seu companheiro de vida, além de grande colaborador literário. Filinto era diretor de uma importante revista chamada A Semana Ilustrada, que contou com intensa colaboraçãode Júlia. Júlia Lopes e Filinto de Almeida, em Paris. Ela era incansável! Publicou de tudo: romances, contos, peças de teatro, ensaios, além de ter participado ativamente de diversas associações femininas e ter dado conferências, no Brasil e no exterior, sobre a condição da mulher na sociedade. Júlia era sucesso de crítica e de público. Foi uma das nossas primeiras best-sellers! Perdeu a ABL? Sim, perdeu. Por outro lado, ganhamos todos nós por termos Júlia Lopes de Almeida como uma das mais importantes escritoras da nossa literatura. O papel de Júlia Lopes na literatura brasileira 17/04/2024, 11:10 Pré-modernismo na literatura brasileira https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/05633/index.html?brand=estacio# 8/54 Neste vídeo, apresentamos a biografia de Júlia Lopes, destacando sua importância na sociedade e na produção literária brasileiras. Cânone e (in)visibilidade Você deve ter se perguntado: “Afinal, o que escreveu essa autora? Como pode ter ficado tanto tempo no esquecimento?” São questões pertinentes, sem dúvida, pois uma escritora tão extraordinária assim, e que tratou de temas tão importantes, não pode ficar de fora de nossa lista de leituras, certo? Mas antes de comentarmos um pouco mais sobre a obra de Júlia Lopes de Almeida e o contexto de sua recepção, vamos discutir alguns aspectos que a mantiveram invisibilizada na historiografia literária, ou seja, na concepção da história da literatura brasileira. Por que uma escritora do nível de Júlia Lopes de Almeida, lida por tanta gente em seu tempo, pode ter ficado de fora do que chamamos de “cânone literário”? E de que modo autoras como Júlia Lopes são resgatadas desse esquecimento? Eurídice Figueiredo, professora e pesquisadora das literaturas de autoria feminina, aponta para alguns elementos estruturais que influenciam essa invisibilidade, ou seja, que estão presentes na engrenagem que forma e movimenta as relações sociais. Veja! O cânone ocidental se constitui, fundamentalmente, de obras de homens brancos, europeus e norte- americanos. São os monumentos da cultura que foram fixados e 17/04/2024, 11:10 Pré-modernismo na literatura brasileira https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/05633/index.html?brand=estacio# 9/54 consagrados por uma comissão divina e a-histórica. (FIGUEIREDO, 2020, p. 85) A estudiosa ressalta ainda alguns argumentos em torno do nacionalismo como um dos fatores de exclusão das mulheres no cânone; no entanto, ela defende que a situação socioeconômica foi mais preponderante para que algumas mulheres se destacassem. O caso de Júlia Lopes de Almeida é realmente espantoso, se considerarmos tudo o que vimos sobre ela. Colaboradora assídua em diversos periódicos importantes, escritora dedicada a diversos gêneros literários, lida por bastante gente, reconhecida pelos seus pares e uma das participantes da criação da principal entidade dedicada às letras no Brasil. Como é possível que uma autora assim tenha sido esquecida? O fato de ser mulher, sem dúvida, é fator decisivo para isso. Se pararmos para pensar, são poucas as escritoras que costumamos citar em relação às obras clássicas da literatura. Júlia Lopes não perdia em nada para os grandes de seu tempo, como José de Alencar, Aluísio Azevedo e até mesmo Machado de Assis. Veja que não estamos tratando aqui de competição. De forma nenhuma! Estamos falando do lugar que Júlia Lopes de Almeida merece ocupar tanto quanto qualquer um desses autores. Não se trata de substituir, ampliar ou excluir ninguém, mas de compreender o contexto histórico dessas produções e porque a existência de um cânone precisa ser revista (FIGUEIREDO, 2020). 17/04/2024, 11:10 Pré-modernismo na literatura brasileira https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/05633/index.html?brand=estacio# 10/54 Júlia Lopes. Júlia Lopes surge em um momento da história do país de intensas transformações sociais, econômicas e políticas. A virada do século XIX para o XX não representou apenas uma mudança de regimes políticos, mas de formas de visão sobre a sociedade brasileira. Em todo movimento como esse é natural que ocorram reações, ou seja, apareçam grupos que resistam a essas transformações. É como a famosa terceira Lei de Newton: para toda força de ação que atua sobre um corpo, há uma de reação em um corpo diferente. Mas, no caso das mudanças sociais e políticas, nem sempre a intensidade e a direção da reação são as mesmas. Depende de quem detém o poder, seja político ou econômico. Ou os dois. Por isso, apenas recentemente, essa invisibilidade vem sendo combatida. Além das pesquisas nas universidades, o trabalho em arquivos vem sendo fundamental nesse sentido. Dica O trabalho da professora e pesquisadora Anna Faedrich é notável, em especial seu livro Escritoras silenciadas: Narcisa Amália, Júlia Lopes de Almeida e Albertina Bertha e as adversidades da escrita literária de 17/04/2024, 11:10 Pré-modernismo na literatura brasileira https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/05633/index.html?brand=estacio# 11/54 mulheres, resultante de pesquisa realizada no acervo da Biblioteca Nacional. A disponibilização na internet, por meio de plataformas digitais, de manuscritos, edições de jornais antigos e primeiras edições de livros raros vem sendo um instrumento de grande importância no resgate dessas autoras e na democratização do acesso à literatura, um direito humano fundamental, como defendia Antonio Candido (2006). Também vale a pena citar o surgimento de editoras e selos editoriais especializados em literatura de autoria feminina, como a precursora editora Mulheres, que, apesar de extinta, deixou seus frutos, cujas sementes não param de brotar! Mulher e escritora Neste vídeo, abordamos a condição feminina de uma escritora no Brasil da virada do século XIX para o XX, destacando sua posição na literatura canônica e sua (in)visibilidade. A falência de uma modernidade Agora, mãos à obra! Sim, a de Júlia Lopes de Almeida, claro. Imaginamos a sua curiosidade para saber mais sobre a literatura dessa grande escritora e a razão de a inserirmos dentro do que chamamos de “pré-modernismo”. Júlia não foi apenas uma autora de livros e artigos de jornal, mas uma intelectual que pensou a realidade social do Brasil por meio de seus escritos. Ao mesmo tempo em que estava atenta às mudanças no país, como exímia cronista que era, ela não deixava de fazer suas críticas. Não que ela fosse contrária ao novo. Não! Mas ela defendia um modelo de sociedade que integrasse todas e todos, não apenas uma pequena camada de privilegiados. Atual? Você achou? E é mesmo! 17/04/2024, 11:10 Pré-modernismo na literatura brasileira https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/05633/index.html?brand=estacio# 12/54 Júlia Lopes. O romance que mencionamos, Memórias de Marta, é pioneiro ao tratar da precarização das moradias dos menos favorecidos na então capital federal, os cortiços. Lembrou de alguém? Isso mesmo! Aluísio Azevedo, em O cortiço, se consagrou ao desenvolver a temática em seu clássico romance de 1890, sendo que a narrativa de Júlia Lopes saiu um pouquinho antes, entre 1888 e 1889. Em livro, somente em 1899. Além desse romance, ela também publicou A família Medeiros (romance, 1892); O livro das noivas (ensaio, 1896); Ânsia eterna (conto, 1903); Correio da roça (romance epistolar, 1913); e A isca (novela, 1922). E isso porque não citamos suas peças de teatro e outras obras que vêm sendo resgatadas. Mas vamos falar aqui sobre um de seus principais livros: o romance A falência, publicado em 1901, e considerado uma obra-prima da literatura da Belle Époque brasileira. Quais são as características desse livro? Por que ele é tão importante? Do que ele trata? 17/04/2024, 11:10 Pré-modernismo na literatura brasileira https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/05633/index.html?brand=estacio# 13/54 A falência, de Júlia Lopes de Almeida. É um romance composto por 25 capítulos e narradoem terceira pessoa por um narrador onisciente. Ele conta a história de Camila e as consequências a serem enfrentadas após o suicídio do marido, o português e comerciante de café Francisco Teodoro, conservador e contrário à instauração da República. Ambientado, principalmente, no Rio de Janeiro, no final do século XIX, o romance de Júlia Lopes não é apenas uma narrativa sobre a ruína econômica de uma família mantida pelos lucros altíssimos do cultivo e exportação do café, mas um retrato da formação da burguesia urbana e de uma sociedade que, apesar de desenvolvida em alguns aspectos, se mantém presa a estruturas de exploração, aprofundando as desigualdades sociais. Para Anna Faedrich, o título do romance é polissêmico, ou seja, se abre para uma gama maior de significados. Confira! Para além do malogro da fortuna do chefe da família, podemos pensar 17/04/2024, 11:10 Pré-modernismo na literatura brasileira https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/05633/index.html?brand=estacio# 14/54 na decadência do modelo patriarcal de família, na ruína do casamento – visto como um contrato social, um jogo de interesses, passível de traições e desafetos –, na crise de um período da economia brasileira – declínio do ciclo do café, fim da mão de obra escrava e da monarquia –, ou, ainda, na desilusão amorosa de Camila. (FAEDRICH, 2022, p. 249) No romance, Júlia Lopes de Almeida, com sofisticada ironia, denuncia os vestígios da escravidão e ressalta o protagonismo feminino em situações de crise, como a enfrentada por Camila com seus filhos após o suicídio de Teodoro. Embora apresente traços naturalistas e se vincule ao romance realista, Júlia antecipa em alguns aspectos a narrativa modernista da década de 1930, com atenção à temática social, à descrição das dinâmicas da vida urbana e aos meandros complexos da psicologia das personagens. Como pode uma escritora assim ter ficado de fora da ABL? Acredito que você tenha feito a mesma pergunta ao se inteirar mais sobre essa autora. Júlia Lopes de Almeida, no entanto, vem ocupando cada vez mais espaço nas estantes de livros de diversos leitores hoje em dia. E não há lugar mais prestigiado que uma escritora ou escritor possa querer. Espero que ela também ocupe a sua! Curiosidade Dizem que o livro A falência fez tanto sucesso que Júlia Lopes conseguiu comprar um casarão só com o dinheiro das vendas. Não é pouca coisa! Se hoje ainda é difícil viver de literatura, imagine só como era naquele período. E não era por menos. A inovação da forma, o domínio da narrativa e a atualidade dos temas chamaram a atenção dos leitores e críticos da época. A obra de Júlia Lopes Neste vídeo, veremos as obras de Júlia Lopes de Almeida, destacando o título, a estrutura e as características do romance A falência. 17/04/2024, 11:10 Pré-modernismo na literatura brasileira https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/05633/index.html?brand=estacio# 15/54 Falta pouco para atingir seus objetivos. Vamos praticar alguns conceitos? Questão 1 Júlia Lopes de Almeida, uma das principais escritoras da Belle Époque, começou a escrever cedo em jornais e revistas de grande prestígio nacional. Assinale a alternativa que indique um importante periódico da época em que a autora colaborou. Parabéns! A alternativa D está correta. O jornal O País foi um dos principais periódicos do Brasil da virada do século XIX para o XX. Ele contou com a colaboração de importantes escritores, dentre eles, Júlia Lopes de Almeida. A atuação da autora durou muitos anos, chegando, inclusive, a publicar capítulos de livros em edições do jornal. A Careta B Fon-Fon C Jornal do Brasil D O País E O Globo 17/04/2024, 11:10 Pré-modernismo na literatura brasileira https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/05633/index.html?brand=estacio# 16/54 Questão 2 A produção de Júlia Lopes de Almeida se destaca no contexto do chamado pré-modernismo. Assinale a alternativa que contenha o título de três obras da autora: Parabéns! A alternativa A está correta. Júlia Lopes de Almeida foi uma autora prolífica. Publicou livros de diversos gêneros literários, como os romances A família Medeiros e A falência, bem como os contos de Ânsia eterna. A A família Medeiros, Ânsia eterna e A falência. B A falência, Ânsia eterna e Os sertões. C A alma encantadora das ruas, A falência e Vidas secas. D Macunaíma, A família Medeiros e A falência. E A isca, Correio da roça e Os sertões. 17/04/2024, 11:10 Pré-modernismo na literatura brasileira https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/05633/index.html?brand=estacio# 17/54 2 - Euclides da Cunha Ao �nal deste módulo, você será capaz de reconhecer a literatura de Euclides da Cunha no contexto do pré-modernismo. O engenheiro da história Coloque-se na seguinte situação. Você foi um militar de carreira, formado em engenharia, leitor atento, adora escrever e é contratado por um dos principais jornais do país para cobrir uma guerra em uma região distante e de difícil comunicação. Como a maioria das pessoas da capital, você soube que os responsáveis pelo conflito fazem parte de um grupo de radicais que quer o fim da República e o retorno da Monarquia. Esse grupo é liderado por um fanático religioso que quer acabar com o direito das pessoas de terem uma religião que não seja a pregada por ele. Você iria se interessar, claro, não só pelo prestígio do jornal, mas porque se sentiria no dever de ajudar a denunciar as ações desse grupo terrível. Chegando ao local, preparado com todo material necessário, você tem um baque. A realidade não era nada parecida com o que contaram a você. E agora? Esta foi a situação vivida por Euclides Rodrigues Pimenta da Cunha, nascido em Cantagalo, no interior do Rio de Janeiro, em 1866. Formou- se como engenheiro e primeiro-tenente na Escola Militar da Praia Vermelha (uma das antecessoras da Academia Militar das Agulhas Negras, a Aman), trabalhando na construção de ferrovias. Euclides da Cunha. A causa dos oprimidos sempre recebeu sua atenção. Durante o regime de Floriano Peixoto, nos primeiros raios da República, ficou do lado de presos políticos, sendo, por isso, exilado. Depois, abandonou a carreira militar. 17/04/2024, 11:10 Pré-modernismo na literatura brasileira https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/05633/index.html?brand=estacio# 18/54 Em 1897, o jornal O Estado de S. Paulo o envia como correspondente de guerra para cobrir um conflito em Canudos, interior do sertão baiano. A notícia era de que se tratava de um grupo de monarquistas que queria derrubar a República e o poder da igreja. Euclides também acreditava nisso e viajou esperando ver um quadro, mas encontrou outro completamente distinto. Na verdade, camponeses queriam um pedaço de terra para viver e se alimentar, liderados por Antônio Conselheiro, um religioso nascido no interior cearense que peregrinava por diversas regiões ajudando aos mais necessitados. Sua fama de homem santo e de enviado de Deus surgiu já na época da Grande Seca que acometeu o Nordeste em 1877. Cena retratando Antônio Conselheiro liderando um grupo de camponeses. O religioso acolhia esses grupos e organizava saques em fazendas e pequenas propriedades com o intuito de matar a fome dos flagelados pela seca. Após o fim da escravidão, em 1888, sendo a população negra jogada à própria sorte, muitos foram em busca de Antônio Conselheiro na esperança de conseguirem meios de sobreviver. Em Canudos, Euclides encontrou esses camponeses liderados por Antônio Conselheiro resistindo ao Exército Brasileiro, que, em quatro expedições, massacrou quase a totalidade daquele povo. Foram dezenas de milhares. Ele anotou a maior parte do conflito em seu Caderno de campo, não chegando a presenciar o massacre final, pois acabou indo embora quatro dias antes. Além de Euclides, havia também a presença de Flávio de Barros, fotógrafo expedicionário que passou a registrar o conflito a convite do Exército, depois da mortedo fotógrafo espanhol Juan Gutierrez, ferido em consequência das disputas. Pouco se sabe sobre a vida de Flávio, mas as dezenas de fotos que tirou se tornaram referência, sendo, inclusive, considerado um dos precursores do fotojornalismo brasileiro. Em 1902, Euclides da Cunha publicou Os sertões: campanha de Canudos, livro que o consagrou. Graças a ele, o autor se tornou membro da Academia Brasileira de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico 17/04/2024, 11:10 Pré-modernismo na literatura brasileira https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/05633/index.html?brand=estacio# 19/54 Brasileiro, duas das mais importantes entidades culturais e científicas do país. Os sertões: campanha da Canudos, de Euclides da Cunha. Embora seja mais aclamado por esse livro (com justiça, claro), esse não foi o único trabalho de Euclides. Vale a pena citar ainda o relatório O rio Purus, de 1906, sobre sua viagem pela Amazônia, Peru versus Bolívia, de 1907, em torno de questões de fronteira, e a publicação póstuma À margem da história, livro em que denuncia a exploração de seringueiros. Como você deve ter notado, Euclides da Cunha não era nada indiferente aos problemas do país, em especial aos que atingem os menos prestigiados. Em vez de ferrovias, estradas ou edificações, preferiu construir histórias e, com elas, transformar, de alguma maneira, a realidade social do país. Vida e obra de Euclides da Cunha 17/04/2024, 11:10 Pré-modernismo na literatura brasileira https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/05633/index.html?brand=estacio# 20/54 Neste vídeo, abordamos a vida e a obra de Euclides da Cunha, destacando o contexto do conflito de Canudos, na Bahia. Entre a Ciência e a Arte A relação entre ciência e arte não é nova. Se voltarmos ao período do Renascimento, no século XVI, por exemplo, vamos encontrar uma figura bastante representativa desse diálogo, o pintor Leonardo da Vinci. Você certamente já viu diversas de suas obras, ou, no mínimo, o seu quadro mais famoso, a Mona Lisa. Leonardo não era apenas um artista genial, mas um grande cientista. Não por acaso, inovou em diversas áreas das artes e das ciências. Michelangelo, embora não tivesse a mesma relação que seu contemporâneo com o campo científico, dominou como poucos a anatomia do corpo humano por meio de seus desenhos. Mona Lisa, de Leonardo da Vinci. E na literatura? Não faltam exemplos de autores, clássicos ou não, que se dedicaram às letras e ao conhecimento científico, como Johann 17/04/2024, 11:10 Pré-modernismo na literatura brasileira https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/05633/index.html?brand=estacio# 21/54 Wolfgang von Goethe, autor de Fausto, ou Lewis Carroll, autor de Alice no país das maravilhas. Na literatura brasileira, são vários os médicos, matemáticos, químicos e biólogos que se dedicaram à poesia, ao romance, ao teatro e outras formas de expressão literária. Cada um se dedicou a seu modo aos dois campos. Sabemos que Euclides da Cunha era um engenheiro formado em uma instituição militar, ou seja, um homem instruído em uma área científica, que utiliza metodologias próprias para construir alguma coisa. Além disso, era também jornalista, que, apesar de se aproximar mais da literatura em alguns aspectos, em outros se avizinha à ciência pela exigência de objetividade para o registro dos eventos. Como situar uma obra como Os sertões? É ciência ou arte? Antes de chegar em Os sertões, é importante entendermos de que modo, no contexto histórico em que a obra foi concebida, a relação entre ciência e arte se desenhava. E não me refiro aqui apenas à profissão de engenheiro do escritor. No final do século XIX, havia no Brasil a circulação de diversas correntes filosóficas e científicas que moldaram o pensamento e a sensibilidade de quem tinha alguma formação intelectual. Então, de que maneira sua atividade e essas correntes exerceram influência em Euclides? Em relação aos seus estudos de engenharia na Escola Militar, Walnice Nogueira Galvão destaca essa fase como de grande relevância para que o autor tenha mobilizado distintas áreas do conhecimento científico na construção de Os sertões. Dentre os estudos que realizou durante seu curso, havia química orgânica, mineralogia, botânica, astronomia, balística, mecânica racional, construção de estradas, tática e estratégia, geodésia etc. Como matérias de currículo, não teriam sido obrigatoriamente estudadas a fundo, conforme se percebe no livro, mas é com as 17/04/2024, 11:10 Pré-modernismo na literatura brasileira https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/05633/index.html?brand=estacio# 22/54 vistas a�nadas por esses saberes que Euclides avalia Canudos e a guerra. (GALVÃO, 1994, p. 615) É preciso, porém, citar uma influência anterior ao seu ingresso na Escola Militar: o professor, político e militar Benjamin Constant. Quando era aluno no colégio, Euclides teve Constant como docente, que lhe apresentou o positivismo, corrente filosófica, sociológica e política que via no conhecimento científico a única maneira de alcançar a verdade e o progresso humano. Um de seus principais idealizadores foi Auguste Comte. Benjamin Constant. Também teve importância em sua formação o evolucionismo de Charles Darwin, baseado na seleção natural dos seres vivos de acordo com sua adaptação às mudanças do ambiente. Vale ressaltar também o determinismo, formulado por Hippolyte Taine, para quem há três fatores para a compreensão do homem: Raça Meio Momento histórico De certo modo, essas ideias se ajustam umas às outras, dando base para formar uma visão da sociedade e dos indivíduos que a constituem. A própria estrutura do livro de Euclides da Cunha segue a tríade determinista de Taine, demonstrando a grande influência dessa corrente 17/04/2024, 11:10 Pré-modernismo na literatura brasileira https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/05633/index.html?brand=estacio# 23/54 na concepção da obra. Mas, como toda grande literatura, ela não se limita a isso. A linguagem literária, por mais que obedeça a pressupostos da ciência, não se deixa amarrar completamente, mas dialoga, não sem tensões, com eles. Afinal, se fazer ciência, às vezes, é uma arte, fazer arte seria também uma ciência? Os sertões: arte ou ciência? Neste vídeo, analisamos a obra Os sertões e a dificuldade de classificá- la entre a arte e a ciência. Epopeia sertaneja A epopeia é um dos mais antigos gêneros literários. Na Poética, Aristóteles a define como um texto narrativo longo, composto em versos, sobre feitos heroicos. A expressão “épico”, de maneira geral, nos remete a algum acontecimento grandioso e digno de ser lembrado. Você certamente já viveu momentos “épicos” ou talvez tenha ouvido o vizinho do amigo do primo contar histórias de “porres homéricos”. Ainda que o resultado tenha sido uma dor de cabeça daquelas, a expressão acompanha a recordação de uma experiência boa. Os sertões, em sua forma literária, não cumpre os requisitos aristotélicos do gênero, mas possui a dimensão de “uma epopeia negativa, uma denúncia, um panfleto gigantesco e impiedoso”, além de ser também um “documento histórico” (STEGAGNO-PICCHIO, 2004, p. 400). Sua grandiosidade não está na celebração de nenhum feito bom, ao contrário. Ela está na força da expressão literária para dar conta do entendimento do horror que estrutura as desigualdades sociais. O livro é dividido em três partes, conforme o determinismo de Taine. 17/04/2024, 11:10 Pré-modernismo na literatura brasileira https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/05633/index.html?brand=estacio# 24/54 A terra O homem A luta Talvez o estilo possa afastá-lo, em princípio, de sua leitura. Mas, é preciso compreender o que torna essa obra tão original e por que ela é escrita dessa maneira. Sim, sabemos que a agilidade dos tempos atuais (exigentes, inclusive, de uma aula mais dinâmica como esta por razões pedagógicas) pode acabar noscausando algum incômodo inicial em acompanhar as construções de Euclides. No entanto, vale a pena vencer essa dificuldade e adentrar em um mundo totalmente criado por palavras. A literatura é transgressora porque nos coloca diante de outras relações com o tempo, outros ritmos. E como o tempo é o tecido da nossa vida, a literatura também nos traz outras experiências com a realidade. Um dos pontos que faz de Os sertões uma obra literária de grande impacto é o seu domínio do tempo. Perceba como cada uma das partes são enquadramentos feitos por Euclides, como se estivesse filmando com uma câmera na mão, o que dá à obra uma grande modernidade. Em A terra, uma das partes da obra, Euclides nos apresenta um estudo da geografia do lugar com o uso de uma panorâmica lenta e meticulosa, não deixando escapar nada: 17/04/2024, 11:10 Pré-modernismo na literatura brasileira https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/05633/index.html?brand=estacio# 25/54 O parágrafo que abre essa primeira parte dá o tom que será empregado. A lente da câmera passa por tudo, do clima e relevo até chegar à fauna e flora. Tente destacar esse movimento em outras partes do livro e visualize suas imagens. Depois, procure registros na internet desses locais. Nessa parte, o escritor busca responder à pergunta “Onde é?” Do alto, a câmera épica de Euclides vai se aproximando e chega em O homem, descrevendo, por meio de um estudo etnológico, o sertanejo, suas relações sociais, seus costumes e sua composição étnico-racial. Aqui conhecemos os grupos, a figura de Antonio Conselheiro e como se organizaram ali. Euclides quer a resposta de “Quem é?” Por fim, o escritor dá um zoom nos acontecimentos do lugar que envolvem esses indivíduos que acabou de descrever. É a descrição da guerra por meio de um estudo historiográfico. Você vai notar que, nessa parte, a relação com o tempo muda e os eventos se sucedem em ritmo bem distinto das anteriores. Euclides da Cunha em Canudos, obra de Edmundo Migliaccio. É praticamente um filme de ação, pois ele descreve os conflitos entre os sertanejos e o Exército Brasileiro. Foram cerca de 20 mil habitantes mortos pelos militares em quatro expedições. A pergunta, nesse caso, é formulada no passado, como quem pesquisa na história a origem daquela catástrofe: “O que foi?” 17/04/2024, 11:10 Pré-modernismo na literatura brasileira https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/05633/index.html?brand=estacio# 26/54 Canudos não se rendeu. Exemplo único em toda a história, resistiu até ao esgotamento completo. Expugnado palmo a palmo, na precisão integral do termo, caiu no dia 5, ao entardecer, quando caíram os seus últimos defensores, que todos morreram. Eram quatro apenas: um velho, dois homens feitos e uma criança, na frente dos quais rugiam raivosamente 5 mil soldados. (CUNHA, 2009, v. 2, p. 484) A cena no penúltimo capítulo é trágica. Somos impactados pelos contrastes entre as forças que estão em campo, reforçados por meio da câmera estilística e narrativa de Euclides, que nos lança diante da epopeia de uma luta que parece não ter fim. Os sertões em três atos Neste vídeo, abordamos a estrutura de Os sertões, destacando as temáticas e características de suas três partes: A terra, O homem e A luta. Falta pouco para atingir seus objetivos. 17/04/2024, 11:10 Pré-modernismo na literatura brasileira https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/05633/index.html?brand=estacio# 27/54 Vamos praticar alguns conceitos? Questão 1 Para a concepção de Os sertões, Euclides da Cunha foi influenciado pelas principais correntes filosóficas e científicas que circulavam na época, bem como muitos escritores de sua geração. Assinale a alternativa que indique essas correntes: Parabéns! A alternativa E está correta. Euclides da Cunha teve formação positivista, especialmente pela influência de Benjamin Constant e de sua carreira militar. Outras tendências do período, como o determinismo de Taine e o evolucionismo de Darwin foram igualmente decisivos na concepção de sua principal obra. Questão 2 Assinale a alternativa que indique cada parte do romance Os sertões, de Euclides da Cunha, e o campo de estudo em que elas se estruturam, respectivamente: A Positivismo, socialismo e idealismo. B Idealismo, determinismo e monismo. C Socialismo, romantismo e determinismo. D Determinismo, darwinismo social e marxismo. E Positivismo, determinismo e evolucionismo. A A terra (biologia); A seca (etnologia); A luta (história). 17/04/2024, 11:10 Pré-modernismo na literatura brasileira https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/05633/index.html?brand=estacio# 28/54 Parabéns! A alternativa C está correta. Baseado no determinismo de Taine, Euclides divide a obra em três partes, a fim de apresentar a campanha de Canudos a partir da influência exercida pelo meio ambiente, pela raça e pelo momento histórico. Assim, A terra é pautada em estudo geográfico; O homem, em estudo etnológico; e A luta, em estudo historiográfico. 3 - João do Rio Ao �nal deste módulo, você será capaz de reconhecer a literatura de João do Rio no contexto do pré-modernismo. B A terra (antropologia); O indivíduo (etnologia); A luta (historiografia). C A terra (geografia); O homem (etnologia); A luta (historiografia). D O planalto (geografia); As mulheres (psicologia); A luta (história). E A origem (arqueologia); O homem (literatura); A luta (historiografia). 17/04/2024, 11:10 Pré-modernismo na literatura brasileira https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/05633/index.html?brand=estacio# 29/54 Um dândi carioca Você é daquelas pessoas que conhecem o seu lado certo na hora de tirar uma foto? Vira o rosto, mexe o cabelo, abaixa um pouco a cabeça e... pronto! Uma selfie com amigos ou uma composição bem-feita em um lugar onde você foi fazer turismo. Afinal, quem não quer, literalmente, sair bem na foto? Há aqueles que não, de fato. Nem todo mundo gosta de tirar fotografia de si mesmo. Alguns preferem tirar dos outros ou apenas das paisagens. No mundo atual, as fotografias estão em toda parte. Há até uma rede social específica para elas. Não há como escapar: se você não é a pessoa que posta fotos sempre em suas redes sociais, seja de si mesmo ou dos lugares por onde anda, certamente você conhece alguém assim. Outro que possivelmente adotaria esse hábito seria João Paulo Emílio Cristóvão dos Santos Coelho Barreto, o João do Rio. Jornalista, contista, dramaturgo e cronista, ele nasceu em 1881, no Rio de Janeiro. Seus estudos elementares e de humanidades foram dados pelo pai, que era professor. João do Rio. O pai, adepto do positivismo, tentou influenciar o filho para que seguisse a mesma doutrina. Chegou até a batizá-lo na igreja positivista, de natureza agnóstica e não transcendental, mas Paulo Barreto não quis nada com a religião inspirada na doutrina de Comte. Nem com essa, nem com nenhuma outra. Entretanto, a educação dada pelo pai foi suficiente para que ele ganhasse ótima formação literária, ajudando-o a mostrar, muito cedo, seu talento com as palavras. Com apenas 16 anos publicou uma crítica teatral da peça Casa de bonecas, de Henrik Ibsen, encenada no então teatro Santana, que hoje se chama Teatro Carlos Gomes, próximo à praça Tiradentes, no Centro do Rio. 17/04/2024, 11:10 Pré-modernismo na literatura brasileira https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/05633/index.html?brand=estacio# 30/54 Nessa época, ainda assinava como Paulo Barreto, mas também utilizou vários pseudônimos em seus artigos na imprensa, em jornais como O País, Correio Mercantil e O Tagarela. Quer saber alguns deles? Aí vão: Claude, Caran d’Ache, Joe, José Antônio José etc. Mas foi na Gazeta de Notícias que nasceu o pseudônimo que o consagraria definitivamente. Em 26 de novembro de 1903, pela primeira vez, João do Rio aparece como autor de um artigo. Tratava-se de uma enquete sobre os hábitos de leitura do carioca, intitulada O Brasil que lê. A partirde agora, sai Paulo Barreto e entra João do Rio, ganhando fama por suas reportagens e entrevistas. João do Rio fez de seu trabalho na imprensa uma atividade profissional, não mais uma ocupação complementar, como era até então. Por isso, ele é considerado precursor do jornalismo moderno. As formas de escrever e publicar uma matéria nunca mais foram as mesmas! Dentre os seus trabalhos pioneiros como repórter, não há como deixar de mencionar a série As religiões no Rio e as entrevistas de O momento literário, depois reunidos em livro. Na época, foram muito celebrados, pois não havia nada parecido até então no Brasil. Era tido como o maior jornalista de seu tempo! Para você ter uma ideia, em praticamente todos os jornais por onde passou, atuando como redator, diretor, fundador ou colaborador, era uma figura de grande popularidade, pois conseguia aliar, como poucos, um extraordinário talento para reportagem com um estilo inconfundível de homem das letras. 17/04/2024, 11:10 Pré-modernismo na literatura brasileira https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/05633/index.html?brand=estacio# 31/54 João do Rio. Admirador de Oscar Wilde, João do Rio incorporava a figura do dândi, comportando-se e vestindo-se sempre com elegância e refinamento quase teatrais. Também teve papel importante nas relações entre Brasil e Portugal. Junto com o poeta e jornalista português João de Barros, criou e dirigiu a revista Atlântida: mensário artístico, literário e social para Portugal e Brasil, entre 1915 e 1920. Foi um projeto audacioso, pois o país vivia uma intensa rejeição a tudo relacionado aos portugueses e um aumento do nacionalismo. A revista buscava tratar de diversos temas em comum, que uniam as duas culturas em suas várias formas de expressão. As cartas trocadas entre os dois jornalistas revelam não apenas dedicação ao resgate dos laços entre os países, mas também a presença de uma sincera amizade. Talvez João não fosse apenas do Rio, mas também do Brasil e do mundo. A trajetória de João do Rio 17/04/2024, 11:10 Pré-modernismo na literatura brasileira https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/05633/index.html?brand=estacio# 32/54 Neste vídeo, apresentamos a trajetória de João do Rio, com destaque para seu trabalho na imprensa, suas realizações artísticas e seu estilo de vida. A crônica como retrato Quer saber de mais uma inovação de João do Rio? Ele foi o principal escritor a elevar a crônica de jornal à categoria de gênero literário, em uma relação entre literatura e jornalismo que não se via até então. Isso não quer dizer, claro, que não havia cronistas antes dele, mas a ideia de literatura estava ainda muito amarrada ao conceito de invenção, persistia alguma desconfiança com o valor estético dessa modalidade de registro dos eventos. Machado de Assis, Olavo Bilac e Júlia Lopes de Almeida, por exemplo, escreveram crônicas incríveis, tanto pela qualidade de sua escrita quanto pela riqueza de referências sobre a realidade de sua época. Mas foi João do Rio que deu o salto decisivo. O crítico literário Brito Broca (2005), em estudo sobre a história cultural da virada do século XIX para o XX, destaca João do Rio como “cronista por excelência” daquele tempo. E essa qualidade estaria justamente na inovação em aproximar literatura e jornalismo, ou seja, fazendo da crônica uma reportagem e conferindo a ela aspectos líricos e poéticos. Não que autores como Machado não fossem capazes de empregar essa dimensão em seus textos na imprensa, mas havia uma diferença fundamental. Broca sustenta o seguinte: Capazes de formular as considerações mais inteligentes e irônicas sobre um crime passional que abalara a cidade, jamais lhe passaria pela cabeça ir à cadeia ver de perto o criminoso e conversar 17/04/2024, 11:10 Pré-modernismo na literatura brasileira https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/05633/index.html?brand=estacio# 33/54 com ele. Foi essa experiência nova que João do Rio trouxe para a crônica, a do repórter, do homem que, frequentando os salões, varejava também as baiucas e tavernas, os antros do crime e do vício. [...] A crônica deixava de se fazer entre as quatro paredes de um gabinete tranquilo, para buscar diretamente na rua, na vida agitada da cidade, o seu interesse literário, jornalístico e humano. (BROCA, 2005, p. 321) A crônica de João do Rio era como um retrato. Para tirar a foto de algum evento, você precisa estar no lugar onde as coisas acontecem, não é? Você pode pintar, escrever e até mesmo falar a respeito do que nunca viu, baseado apenas nas descrições que lhe deram. Mas não há como tirar um retrato do que não se vê. É preciso estar diante do objeto, ainda que com relativa distância, para que ele possa ser retratado. Nenhuma imagem é inteiramente fiel à realidade, sem dúvida. Não é disso que estamos tratando. Independentemente da perspectiva da foto, o que importa é que o fotógrafo precisou estar lá, onde ela foi tirada. A presença diante da vida acontecendo muda inteiramente nossa relação com a própria experiência humana. Não é por acaso que as crônicas de João do Rio nos pareçam tão vivas e palpáveis, como se fôssemos testemunhas daqueles registros. E por serem retratos sociais, ou seja, descreverem hábitos e costumes da sociedade, com todos seus contrastes e relações, as crônicas de João do Rio conseguem captar também suas transformações. Os efeitos da urbanização e do surgimento das novas tecnologias aparecem como índices da modernização que o Rio de Janeiro da Belle Époque atravessava. Como sabemos, a arte é expressão humana e, portanto, reflete as questões de seu tempo, cada uma à sua maneira. Por isso, nos textos desse dândi carioca também acompanhamos diversos cenários em 17/04/2024, 11:10 Pré-modernismo na literatura brasileira https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/05633/index.html?brand=estacio# 34/54 movimento, com personagens tão reais, ainda que nos pareçam também distantes em termos culturais. Moda e costumes da sociedade durante a Belle Époque. Afinal, quanta coisa mudou de lá para cá? Além disso, as mudanças também influenciam na estruturação do gênero literário. O que isso quer dizer? Ora, se a sociedade muda, as formas de expressão também mudam. Então, surgem maneiras que passam a dar conta da nova configuração da realidade. Flora Süssekind, em seu belo ensaio Cinematógrafo de letras: literatura, técnica e modernização no Brasil (1990), aponta para essa tendência, no período anterior ao modernismo, em que as novas tecnologias surgem não apenas como tema, mas também como influência na forma de construção do texto. Por isso, a crônica se desenvolveu bastante nessa fase, pois era preciso um gênero que desse conta das aceleradas transformações da vida urbana. E João do Rio, atento a tudo isso, era seu fotógrafo ideal. Crônica, um gênero literário Neste vídeo, abordamos a crônica enquanto gênero literário, destacando as principais características das escritas por João do Rio. 17/04/2024, 11:10 Pré-modernismo na literatura brasileira https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/05633/index.html?brand=estacio# 35/54 As ruas de João Como sabemos, não se tiram fotos de uma sociedade estando no gabinete. A crônica social de João do Rio inovou justamente por não fazer do texto apenas um espaço em que a imaginação saltaria livremente. Era necessário ter contato com as pessoas, os lugares e os movimentos em que estão todos atravessados. Carlos Drummond de Andrade, que, além de poeta, é um dos nossos grandes cronistas, disse no poema Mãos dadas: “O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes, a vida presente” (ANDRADE, 2004, p. 158). Embora o mineiro de Itabira estivesse tratando do processo de criação poética, podemos pensar também nesses versos em relação à crônica de João do Rio. Carlos Drummond de Andrade na Biblioteca Euclides da Cunha. Não por acaso, a palavra “crônica” vem do grego khrónos, que quer dizer“tempo”. Antigamente, crônica era usada para designar narrativas históricas. Não que ela tenha perdido essa tarefa. No entanto, a crônica social moderna de João do Rio não tem contas a prestar com a história como ciência, mas com as histórias enquanto narrativas da vida. Por isso, as ruas foram o laboratório ideal para que João desenvolvesse seu trabalho. Um dos livros mais importantes de sua cronística (e da história do gênero no Brasil) é A alma encantadora das ruas, com textos publicados na imprensa entre 1904 e 1907. A edição do livro saiu em 1908 pela H. Garnier. São 37 crônicas que nos levam a um passeio pelas ruas do Rio de Janeiro da Belle Époque e a encontros com diversos de seus personagens. Para João, as ruas não são apenas “um alinhado de fachadas por onde se anda”, como dizem os dicionários e enciclopédias: “a rua é mais do que isso, a rua é um fator da vida das cidades, a rua tem alma!” (RIO, 2008, p. 29). 17/04/2024, 11:10 Pré-modernismo na literatura brasileira https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/05633/index.html?brand=estacio# 36/54 A alma encantadora das ruas, de João do Rio. Note que, ao mesmo tempo em que o cronista admite recorrer a obras de referência, ou seja, como um bom repórter, ele estuda e pesquisa o tema sobre o qual vai escrever, ele não se restringe a isso. As ruas de João ganham vida porque nascem da vida das pessoas. Uma rua vazia é uma rua sem vida, sem história, e pode, inclusive, morrer. Na mesma crônica que abre o livro, o autor explica a razão desse vínculo tão estreito entre a rua e as pessoas. Veja! 17/04/2024, 11:10 Pré-modernismo na literatura brasileira https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/05633/index.html?brand=estacio# 37/54 O tom poético e lírico conta, de certa maneira, um fato. As ruas surgem da atividade humana e nela se confundem, pois não basta simplesmente construí-la. É essencial ocupá-la, para que ela assuma o sentido pelo qual foi concebida. No entanto, em A alma encantadora das ruas, João do Rio não é condescendente e ingênuo. Não mesmo! Há críticas bastante incisivas, embora tratadas com muito humor pelo cronista. Nelas, você encontra de tudo: violência, pobreza, conflitos, festa, amor e alegria. Tudo que a modernização das cidades apresenta. Nesse sentido, João do Rio é como a figura do flâneur, que tem no poeta francês Charles Baudelaire o seu principal símbolo. O flâneur circula, observa e se confunde com as dinâmicas da cidade em transformação, que parece não ter mais fim. Os foliões no carnaval, os presos, os músicos ambulantes, os estivadores, as prostitutas, os mendigos, os apaixonados, os criminosos, todos são capturados pela lente do cronista do Rio, de um Rio do passado, mas que nos parece hoje, às vezes, tão familiar. Charles Baudelaire. Um �âneur carioca 17/04/2024, 11:10 Pré-modernismo na literatura brasileira https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/05633/index.html?brand=estacio# 38/54 Neste vídeo, falamos sobre a temática das ruas nas crônicas de João do Rio, destacando a relação entre ele e a figura do flâneur. Falta pouco para atingir seus objetivos. Vamos praticar alguns conceitos? Questão 1 Paulo Barreto, desde jovem, se dedicou à imprensa com notável talento, assinando diversas matérias com o nome próprio ou pseudônimos. Entretanto, ficou famoso como João do Rio. Assinale a alternativa que indique a matéria e o respectivo jornal em que João do Rio apareceu pela primeira vez: Parabéns! A alternativa A está correta. Foi em 26 de novembro de 1903, na Gazeta de Notícias, que Paulo Barreto assinou pela primeira vez como João do Rio. A matéria O A O Brasil que lê, Gazeta de Notícias. B O Brasil que lê, O País. C As ruas do Rio, Gazeta de Notícias. D Casa de bonecas, Jornal do Commercio. E A República, O Globo. 17/04/2024, 11:10 Pré-modernismo na literatura brasileira https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/05633/index.html?brand=estacio# 39/54 Brasil que lê é uma enquete com informações sobre o hábito de leitura dos cariocas, gênero, aliás, que ele irá desenvolver. Questão 2 A crônica moderna no Brasil nunca mais foi a mesma depois de João do Rio. Qual foi sua principal inovação? Parabéns! A alternativa E está correta. Ao aproximar o escritor e o repórter, João do Rio levou a crônica a outro patamar entre os gêneros literários. Para escrever sobre os eventos, ele ia até o local, conhecia seus personagens e vivenciava muitas das experiências relatadas em seus textos, tarefa que só mesmo um repórter iria realizar. A Afastar o jornalista do escritor. B Reunir o escritor e o cientista. C Escrever sem se preocupar com os fatos. D Escrever apenas sobre o que leu. E Aproximar o escritor e o repórter. 17/04/2024, 11:10 Pré-modernismo na literatura brasileira https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/05633/index.html?brand=estacio# 40/54 4 - Lima Barreto Ao �nal deste módulo, você será capaz de reconhecer a literatura de Lima Barreto no contexto do pré-modernismo. A voz que vem das margens Vamos começar pelo fim. Veja! ’Afonso morreu?’ A pergunta dolorosa irrompeu das névoas da loucura que o envolvia, como se retomasse a razão por um minuto. Há anos João sofria de distúrbios mentais. Funcionário público de um manicômio, em determinado momento da vida é tomado pela loucura, que o faz esbravejar contra inimigos imaginários e, às vezes, cair numa mudez absoluta. A grave condição em que se encontrava o obrigou a se aposentar. Seus filhos cuidavam dele, em especial Afonso e Evangelina. Afonso também acabou parando em um hospital 17/04/2024, 11:10 Pré-modernismo na literatura brasileira https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/05633/index.html?brand=estacio# 41/54 psiquiátrico, consequência do alcoolismo e da depressão. Foram anos sendo devastado pelo álcool, pelo preconceito e pelas lutas contra as mazelas sociais de um país injusto, violento e desigual. A doença de João se agravou e era questão de horas que partisse, mas Afonso, que não estava tão bem, morreu antes, de forma inesperada. Amigos, admiradores e outras tantas pessoas foram até à casa prestar suas homenagens. No dia seguinte ao enterro do filho, próximo ao seu fim, João pareceu despertar de um sono profundo e questionou a filha: ‘Que foi que aconteceu? Afonso morreu?’ O último instante de lucidez de sua vida em décadas. Dois dias depois, morreu e foi enterrado junto ao filho. (BARBOSA, 2017) Esse foi o triste fim de Afonso Henriques de Lima Barreto, ocorrido justamente no ano do centenário da Independência e da Semana de Arte Moderna, em 1922. De certa forma, muitos dos elementos que o acompanharam em vida e aparecem em sua obra estão nesse relato de sua morte, descrita por Francisco de Assis Barbosa (2017) em célebre biografia sobre o escritor. Nascido em 1881 no Rio de Janeiro, Lima Barreto foi jornalista, romancista, contista, dramaturgo e crítico. Seus pais eram descendentes de negros escravizados, por isso, as questões em torno do racismo e outras consequências da escravidão foram enfrentadas por ele como poucos o fizeram em seu tempo. Isso rendeu-lhe a admiração de muitos, mas também a rejeição de tantos outros, especialmente da elite intelectual, como, por exemplo, os imortais da ABL. 17/04/2024, 11:10 Pré-modernismo na literatura brasileira https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/05633/index.html?brand=estacio# 42/54 Lima Barreto. Lima estudou no Colégio Pedro II e depois ingressou na Escola Politécnica, para cursar engenharia, mas acabou não completando a formação. Como praticamente todos os escritores da época, atuou intensamente na imprensa. Com cerca de 26 anos, teve sua estreia em uma das principais publicações da Belle Époque, a revista Fon-Fon. Embora não tenha ficado muito tempo, a experiência foi importante para que ele, poucos meses depois, criasse sua própria revista e continuasse a colaborar com outros periódicos, como a prestigiada Careta e o Jornaldo Commercio. Foi nessa publicação, aliás, que ele lançou sua obra- prima, Triste fim de Policarpo Quaresma, que só ganharia edição em livro em 1915, depois de sua primeira internação no manicômio. Em suas crônicas, contos e romances, Lima se destacou por críticas ao processo de modernização do Rio de Janeiro, que, como consequência, deixava de lado os que mais necessitavam, a população pobre dos subúrbios e cortiços, a maioria negra, à margem do desenvolvimento da cidade. Na crônica A biblioteca, por exemplo, Lima ironiza a construção da Biblioteca Nacional: Como é que o Estado quer que os malvestidos, os tristes, os que não têm livros caros, os maltrapilhos ‘fazedores de diamantes’ avancem por escadarias suntuosas, para consultar uma obra rara, com cujo manuseio, num dizer aí das ruas, 17/04/2024, 11:10 Pré-modernismo na literatura brasileira https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/05633/index.html?brand=estacio# 43/54 têm a sensação de estar pregando à mulher do seu amor? (BARRETO, 2004, v. 1, p. 149) Como? Um escritor contra a construção de bibliotecas? Não é bem assim. Ao contrário, Lima Barreto era amante dos livros e via na literatura uma missão. Sua crítica, na verdade, era dirigida às prioridades de uma cidade com tanta gente passando dificuldades e tendo que sobreviver com tão pouco. Até mesmo o Theatro Municipal foi alvo de suas críticas pelo mesmo motivo. Morador do subúrbio carioca, Lima Barreto era grande conhecedor não só de seus problemas, mas também de sua diversidade cultural. Não atuava como João do Rio, feito repórter, mas como mais um dos suburbanos de suas histórias. Ao lançar mão de um “dizer aí das ruas”, Lima demonstra estar bem atento e familiarizado com a linguagem popular das ruas dos subúrbios, fundamental para sua vida e, também, para sua obra. Biogra�a de Lima Barreto Neste vídeo, apresentamos uma breve biografia de Lima Barreto, com destaque para o contexto de suas obras. Negro drama na Belle Époque Os versos da canção Negro drama, um clássico dos Racionais MCs, ecoam os conflitos vividos por Lima Barreto e transformados por ele em literatura. “Negro drama/ Cabelo crespo e a pele escura/ A ferida, a chaga, à procura da cura// Nego drama/ Tenta ver e não vê nada/ A não ser uma estrela/ Longe, meio ofuscada”. 17/04/2024, 11:10 Pré-modernismo na literatura brasileira https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/05633/index.html?brand=estacio# 44/54 (MANO BROWN. Negro drama. In: Racionais MCs. Nada como um dia após o outro dia, Vol. 1 & 2. Cosa Nostra, 2002) Racionais MCs. Como Mano Brown e outros integrantes do grupo, Lima viveu nas frestas ainda mais profundas da sociedade brasileira, não apenas por sua condição econômica, mas, principalmente, por sua cor. Suburbano e negro, Lima Barreto sentiu na pele a dor do preconceito e das privações de alguém de sua origem. Apesar disso, não se calou. Uma das obras em que expressou o drama do racismo no contexto pós- abolição foi Recordações do escrivão Isaías Caminha, primeiro romance do escritor. O livro saiu no ano de 1909 pela Livraria Clássica de Lisboa, e conta a história de Isaías Caminha, jovem negro do interior, que se muda para o Rio de Janeiro a fim de se distinguir socialmente, mas encontra uma série de empecilhos devido à cor de sua pele. Ele chega com uma carta de recomendação para iniciar seus estudos na cidade e se tornar “doutor”. Não consegue estudo nem emprego, sendo forçado a viver nas ruas. Tudo muda quando um homem que ele conheceu o leva para trabalhar num grande jornal. Na redação, ele passa a enfrentar uma série de conflitos. 17/04/2024, 11:10 Pré-modernismo na literatura brasileira https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/05633/index.html?brand=estacio# 45/54 Recordações do escrivão Isaías Caminha, de Lima Barreto. Em Recordações do escrivão Isaías Caminha, Lima Barreto demonstrou uma audácia e tanto para um iniciante no gênero. Não apenas por colocar em discussão a temática racial em um país recém-saído da escravidão, mas também por expor a mediocridade, os jogos de interesses e a hipocrisia do meio jornalístico, o que acabou lhe custando desafetos e dificultando suas chances de emprego na área. E por quê? Lima faz uso de uma forma narrativa conhecida como roman à clef, expressão francesa que, numa tradução literal, significa “romance com chave”. Nesse tipo de narrativa, pessoas reais são representadas por personagens fictícios, de maneira que a referência consiga ser identificada. Apesar das críticas negativas à obra, Lima contou com ótima recepção de Monteiro Lobato, que elogiou bastante sua escrita. Outro romance em que o tema do racismo aparece de forma contundente é Clara dos anjos, terminado em 1922, mas publicado apenas postumamente, em 1948, pela editora Escala. Ambientado no subúrbio do Rio de Janeiro, o livro conta a história de Clara, uma jovem negra e pobre, filha única de Joaquim dos Anjos e dona Engrácia, que sempre a educaram com amor e dedicação. Em seu aniversário, é apresentada a Cassi Jones, rapaz branco e de classe social mais privilegiada. Ele é um indivíduo sem escrúpulos, 17/04/2024, 11:10 Pré-modernismo na literatura brasileira https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/05633/index.html?brand=estacio# 46/54 perigoso e com fama de sedutor. A menina, ao contrário, é ingênua e romântica, e acaba caindo nas garras dele. Clara engravida, mas o rapaz foge para não a assumir. Arrasada, Clara pensa em abortar, mas segue o conselho de sua mãe e vai até à casa de Cassi. Chegando lá, é humilhada pela mãe dele, que, além de soltar ofensas racistas, culpa a jovem pelo que lhe ocorrera. Clara sai de lá arrasada e com a dolorosa consciência de sua condição de mulher, negra e pobre em uma sociedade como esta. “Não somos nada nesta vida”, admite a personagem, como se fosse uma sentença, imposta por um sistema que não se rompeu com a Abolição. Clara dos anjos, de Lima Barreto. A forma como Lima Barreto constrói a narrativa nos ajuda a pensar nas dinâmicas sociais do Rio de Janeiro que, por um lado, avançava, mas, por outro, estava amarrado a estruturas de exploração ainda tão arcaicas que remontam ao período colonial no Brasil. A descrição dos subúrbios, sua paisagem e arquiteturas merece destaque, bem como as culturas populares que deles emergem. 17/04/2024, 11:10 Pré-modernismo na literatura brasileira https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/05633/index.html?brand=estacio# 47/54 Negro e escritor Neste vídeo, abordamos a condição social de Lima Barreto, destacando o tema do racismo. Sobre loucos, saúvas e heróis "De gênio e louco todo mundo tem um pouco.” Quantas vezes você já escutou esse ditado? Claro que uns têm mais do que outros. Há casos em que genialidade e loucura são quase indistinguíveis. Onde começa um e termina o outro? Difícil saber. Mas, independentemente da dose que você leve de gênio ou de louco, é fato que vivemos em uma sociedade que parece, muitas vezes, viver no limite da razão, ou da desrazão. O filósofo francês Michel Foucault (2019), em sua História da loucura, buscou pensar a relação entre essas duas dimensões e discutir o papel da psiquiatria como instrumento de poder e controle social, na medida em que a loucura começou a ser associada a todo tipo de conduta considerada “anormal”, ou seja, fora das normas sociais. Michel Foucault. Falamos sobre o caso do pai de Lima Barreto, que sofreu durante anos, até sua morte, de distúrbios mentais. O próprio escritor passou por mais de uma internação no manicômio, experiência que relatou no romance 17/04/2024, 11:10 Pré-modernismo na literatura brasileira https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/05633/index.html?brand=estacio# 48/54 inacabado Cemitério dos vivos, narrativa dolorosa e impactante sobre as condições desumanas em que viviam os internos. O livro foi escrito entre 1919 e 1921, quando Lima esteve internado. É dividido em duas partes.Veja quais são! Composta pelo Diário do hospício, com recordações do escritor sobre sua passagem no hospital psiquiátrico. Composta por uma narrativa ficcional inacabada, contendo elementos autobiográficos. O protagonista, Vicente Mascarenhas, é como um alter ego de Lima Barreto. Ficção e realidade se misturam, contribuindo para lançar luz sobre aspectos mais amplos, como a marginalização e a precariedade para manutenção do poder e do controle social, a fim de garantir o desenvolvimento econômico do país. Uma crítica contundente aos projetos de modernização do Brasil. A loucura também aparece de forma crítica em seu romance mais célebre, Triste fim de Policarpo Quaresma, de 1915, uma das interpretações mais originais do Brasil e de sua formação. O major Quaresma, personagem título, é inspirado no pai de Lima Barreto, João Henriques. Ao acompanharmos as peripécias desse anti-herói ingênuo e entusiasmado pela causa nacional, não há como não lembrar de outro personagem da literatura ocidental: Dom Quixote, do livro homônimo de Miguel de Cervantes. 17/04/2024, 11:10 Pré-modernismo na literatura brasileira https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/05633/index.html?brand=estacio# 49/54 Triste fim de Policarpo Quaresma, de Lima Barreto. No entanto, o mundo de Policarpo e de Quixote são bem distintos, pois o primeiro é, aparentemente, integrado à realidade cotidiana: trabalha numa repartição pública, conhece o presidente, compra um sítio, dedica- se à agricultura etc. Nada que uma pessoa dita “normal” não fizesse. Porém, seu nacionalismo exacerbado, sua recusa ao que é estrangeiro e sua disposição inconsequente de querer mudar o Brasil acabam colocando-o diante de situações que se tornam risíveis, principalmente para a elite política e intelectual. Ele tenta de tudo: alista-se no exército para ir à guerra, defende o tupi como língua oficial, usa apenas roupas nacionais e passa a cultivar o solo de sua nova propriedade, baseado na crença de que, no Brasil, em se plantando, tudo dá. Mas nada foi como ele esperava. As saúvas e ervas daninhas que invadem sua plantação são uma das metáforas das séries de insucessos que o levam ao triste fim. As personagens femininas de Lima, como Olga, são um contraponto a esse idealismo. O crítico literário Silviano Santiago, em ensaio sobre o romance, aponta para uma das principais forças da ficção de Lima Barreto: a desmetaforização dos discursos sobre o Brasil. O que signi�ca desmetaforizar os discursos? 17/04/2024, 11:10 Pré-modernismo na literatura brasileira https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/05633/index.html?brand=estacio# 50/54 Ao interpretar literalmente a linguagem nacionalista e religiosa em torno do Brasil, ou seja, não mais como metáfora, Lima provoca uma nova percepção sobre ela, ressaltando que essa forma de enxergar o país é alienante. Assim, “a escrita ficcional ao mesmo tempo compartilha dos valores sociopolíticos e econômicos que vinham sendo veiculados por aquele discurso, e marca a necessidade de uma reviravolta – a nível de discurso – para que melhor se coloquem e se estudem os verdadeiros problemas nacionais” (SANTIAGO, 1982, p. 175). O fim de Policarpo, esse visionário, é triste porque evidencia o fracasso dos que buscam um país melhor e tentam sobreviver nas margens desses discursos. A loucura como temática Neste vídeo, falamos sobre a obra Triste fim de Policarpo Quaresma, destacando suas características e o tema da loucura. Falta pouco para atingir seus objetivos. Vamos praticar alguns conceitos? Questão 1 Qual romance de Lima Barreto tematiza, além da questão racial, as disputas, os interesses e a hipocrisia do ambiente jornalístico de sua época? A Recordações do escrivão Isaías Caminha. 17/04/2024, 11:10 Pré-modernismo na literatura brasileira https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/05633/index.html?brand=estacio# 51/54 Parabéns! A alternativa A está correta. Publicado em 1909, pela Livraria Clássica de Lisboa, Recordações do escrivão Isaías Caminha foi o primeiro romance de Lima Barreto. Nele, o escritor discute questões como o racismo, a marginalização da juventude negra e periférica, os jogos de poder da imprensa e os contrastes entre a província e a cidade. Questão 2 Autor de diversas obras fundamentais da nossa literatura, Lima Barreto se destacou, especialmente, pelo romance Triste fim de Policarpo Quaresma. Assinale a alternativa que indique uma das características do protagonista: B Triste fim de Policarpo Quaresma. C Numa e a ninfa. D Os sertões. E A falência. A Racionalidade B Ufanismo C Arrogância D Incerteza E Criminoso 17/04/2024, 11:10 Pré-modernismo na literatura brasileira https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/05633/index.html?brand=estacio# 52/54 Parabéns! A alternativa B está correta. O ufanismo é a expressão do sentimento nacionalista de maneira excessiva, assim como acontece com o personagem Major Quaresma, do romance de Lima Barreto. Essa postura o coloca diante de vários conflitos e confere comicidade ao personagem na narrativa. Considerações �nais A literatura brasileira, na virada do século XIX para o XX, tem uma série de escritoras e escritores que souberam pensar a realidade social do Brasil com o vigor que o tempo exigia. Foi uma fase de intensas mudanças sociais, políticas e econômicas, resultando em autoras, autores e obras tão diversos que é quase impossível classificá-los em uma só categoria. O conceito de pré-modernismo é um esforço de buscar identificar alguns dos elementos que, posteriormente, serão decisivos para a consolidação dos principais aspectos do programa modernista, que tem, na Semana de Arte Moderna, de 1922, um de seus maiores marcos. Entretanto, eles também apontam para relações estruturais que persistem até os dias de hoje. Júlia Lopes de Almeida, Euclides da Cunha, João do Rio e Lima Barreto são escritores bastante distintos não só em termos de estilo, mas de projetos literários para analisar e discutir os rumos deste país por meio da ficção. No entanto, em todos podemos perceber uma disposição igualmente crítica de desvelar os mecanismos que mantêm o nosso atraso, a contrapelo dos processos daquilo que chamamos de modernização. Explore + Consulte a Biblioteca Digital de Literatura de Países Lusófonos e encontre dados bibliográficos e obras digitalizadas de diversos autores 17/04/2024, 11:10 Pré-modernismo na literatura brasileira https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/05633/index.html?brand=estacio# 53/54 de literatura em língua portuguesa. Leia o livro de Luiz Antonio Simas, O corpo encantado das ruas, influenciado pelo clássico de João do Rio. É um mergulho atual na cultura popular dos subúrbios cariocas. Confira as edições Cadernos de Literatura Brasileira - Euclides da Cunha e Cadernos de Fotografia Brasileira - Canudos, do Instituto Moreira Salles. A instituição mantém em seu arquivo documentos e imagens do autor de Os sertões. Procure vídeos e imagens do Rio de Janeiro no período da Belle Époque, em especial depois da Reforma de Pereira Passos. O Teatro Oficina, grupo teatral dirigido por José Celso Martinez Correa, realizou uma montagem de Os sertões. Vale a pena procurar trechos da peça no YouTube. Referências ANDRADE, C. D. Antologia poética. Rio de Janeiro: Record, 2004. BARBOSA, F. A. A vida de Lima Barreto. Belo Horizonte: Autêntica, 2017. BARRETO, L. Toda crônica. Rio de Janeiro: Agir, 2004. BROCA, B. A vida literária no Brasil – 1900. Rio de Janeiro: José Olympio: ABL, 2005. CANDIDO, A. Literatura e sociedade. Rio de Janeiro: Ouro sobre azul, 2006. CUNHA, E. Obra completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2009. FAEDRICH, A. Escritoras silenciadas: Narcisa Amália, Júlia Lopes de Almeida e Albertina Bertha e as adversidades da escrita literária de mulheres. Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional: Macabéa, 2022. FIGUEIREDO, E. Por uma crítica feminista: leiturastransversais de escritoras brasileiras. Porto Alegre: Zouk, 2020. FOUCAULT, M. História da loucura. 11. ed. São Paulo: Perspectiva, 2019. GALVÃO, W. N. Euclides da Cunha. In: PIZARRO, Ana (org.). América Latina: Palavra, literatura e cultura. São Paulo/Campinas: Memorial/Unicamp, 1994, v.2, p. 615-633. RIO, J. A alma encantadora das ruas. São Paulo: Companhia das Letras, 2008. 17/04/2024, 11:10 Pré-modernismo na literatura brasileira https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/05633/index.html?brand=estacio# 54/54 SANTIAGO, S. Uma ferroada no peito do pé (Dupla leitura de Triste fim de Policarpo Quaresma). In: Vale quanto pesa: ensaios sobre questões político-culturais. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982, p. 163-182. STEGAGNO-PICCHIO, L. História da literatura brasileira. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2004, p. 400. SÜSSEKIND, F. Cinematógrafo de letras: literatura, técnica e modernização no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1990. Material para download Clique no botão abaixo para fazer o download do conteúdo completo em formato PDF. Download material O que você achou do conteúdo? Relatar problema javascript:CriaPDF()