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Disciplinas
Para a Vida
Cristã
D o n a l d S. W h i t n e y
D is c ip lin a s
E s p ir i tu a is
P a r a a
V i d a
C R I S T Ã
Donald S. Whitney
EDITORA BATISTA REGULAR
* “ CO N STRU IN D O V IDAS NA PALAVRA D E D EU S”
Rua Kansas, 770 - Brooklin - CEP 04558-002 - São Paulo - SP
DISCIPLINAS ESPIRITUAIS
PARA A VIDA CRISTÃ
© 1991 por Donald S. Whitney
Nenhuma parte deste livro pode ser reproduzida, armazenada em sistema de
processamento de dados ou transmitida em qualquer forma ou por qualquer meio -
eletrônico, mecânico, fotocópia, gravação ou qualquer outro - exceto para citações
resumidas com o propósito de rever ou comentar, sem prévia autorização dos Editores.
Todas as citações bíblicas, são extraídas da Bíblia Sagrada, traduzida por João Ferreira
de Almeida, versão Revista e Atualizada no Brasil, 2a edição, São Paulo: Sociedade
Bíblica do Brasil, 1993; e Nova Versão Internacional (NVI) (traduzida pela Comissão
de Tradução da Sociedade Bíblica Internacional), São Paulo, Editora Vida, 2000.
Utilizada com permissão. Todos os direitos reservados.
Título original: Spiritual Disciplines For The Christian Life
Tradução: Talita Rose Baulé
Supervisão de produção: Edimilson Lima dos Santos
Diagrantação/Capa: Edvaldo Matos
Primeira edição em português: 2009
ISBN 978-85-7414-024-7
Publicado no Brasil com a devida autorização
e com todos os direitos reservados pela:
EDITORA BATISTA REGULAR DO BRASIL
Rua Kansas, 770 - Brooklin - CEP 04558-002 - São Paulo - SP
Telefone: (011) 5561-3239 - Site: www.editorabatistaregular.com.br
http://www.editorabatistaregular.com.br
C onteúdo
PREFÁCIO 5
Capítulo Um
AS DISCIPLINAS ESPIRITUAIS...
COM O OBJETIVO DE ALCANÇAR A PIEDADE
Capítulo Dois
ABSORÇÃO BÍBLICA (PARTE 1) 27
Capítulo Três
ABSORÇÃO BÍBLICA (PARTE 2) 46
Capítulo Quatro
ORAÇÃO 80
Capítulo Cinco
ADORAÇÃO 105
Capítulo Seis
EVANGELISMO 124
Capítulo Sete
SERVIÇO 148
Capítulo Oito
MORDOMIA 169
Capítulo Nove
JEJUM 209
Capítulo Dez
SILÊNCIO E SOLIDÃO 240
Capítulo Onze
DIÁRIO (ANOTAÇÕES) 272
Capítulo Doze
APRENDIZADO 296
Capítulo Treze
PERSEVERANÇA NAS DISCIPLINAS 313
Para a glória de meu Senhor e Salvador, Jesus Cristo.
A semelhança com Ele é o objetivo das Disciplinas Espirituais
Para Don e Dollie Whitney,
que primeiro me ensinaram sobre Cristo e sobre muitas
Disciplinas Espirituais
e para Caffy,
que sempre me encoraja nas Disciplinas Espirituais
Prefácio
❖ ❖ ❖
Pediram-me para escrever um prefácio para este livro antes
mesmo que eu o visse. Agora, porém, que já o li, constato que
teria me voluntariado para fazê-lo de qualquer maneira, para
poder oficialmente conclamar todos os cristãos a lerem o que
Don Whitney escreveu; na verdade, ao ler esta obra três vezes,
observando um intervalo de um mês (certamente não mais e,
idealmente, creio que não mais) entre cada leitura. Isto não só
fará com que o livro seja absorvido, como também dará a você
uma idéia realista de sua seriedade, ou da falta dela, como
discípulo de Jesus. A primeira leitura mostrará várias coisas
específicas que você deve começar a fazer. Na segunda e na
terceira leituras (para cada uma delas, deve-se escolher uma
data para concluir a leitura anterior), você irá rever o que tem
feito e como tem se saído. Isto será muito bom para você, mesmo
que a descoberta seja um pouco chocante no início.
Desde que Richard Foster nos despertou com a obra
"Celebration of Discipline" (1978), discutir as várias disciplinas
espirituais tem se tornado o principal elemento das discussões
cristãs conservadoras na América do Norte, o que é de fato
muito bom. A doutrina das Disciplinas (do latim disciplinae, que
significa cursos de aprendizado e treinamento) é realmente uma
reafirmação e uma extensão do ensino protestante clássico sobre
os meios da graça (a Palavra de Deus, oração, comunhão e Ceia
do Senhor). Com pés espirituais abençoadamente cimentados
na sabedoria bíblica, conforme muito bem exposto pelos mestres
evangélicos puritanos e mais antigos, ele traça o caminho da
disciplina com um toque certeiro. Os fundamentos por ele
6 Prefácio
lançados são evangélicos, e não legalistas. Em outras palavras,
ele nos chama a buscar a Piedade por meio da prática das
Disciplinas em gratidão pela graça que nos salvou, não como
esforço de autojustificação ou de autopromoção. O que ele
edifica sobre tais fundamentos é tão benéfico quanto sólido.
Ele, na verdade, nos mostra o caminho da vida."
Assim, se como cristão você deseja ser realmente verdadeiro
com o seu Deus, ir além do estágio de ser evasivo consigo
mesmo e com Ele, este livro fornece um auxílio prático. Um
século e meio atrás, o professor escocês "Rabbi" Duncan iniciou
os seus alunos na leitura de John Owen, o Puritano, sobre o
pecado que habita em nós, com a advertência: "Mas,
cavalheiros, estejam preparados para a faca". Ao conduzir você,
leitor, a Don Whitney, eu diria: "Agora, amigo, esteja preparado
para o ex ercíc ioE achará saúde para a sua alma.
-J.I. PACKER
A gradecim ento s
A o vencer os 100 metros rasos nas Olimpíadas de Moscou,
em 1980, o escocês Allan Wells disse: "Dedico esta vitória a
Eric Liddel". Ao fazê-lo, ele reconheceu a inspiração e a
influência que Liddel havia sido para ele e para todos os
escoceses desde as Olimpíadas de Paris, em 1924. Foi quando
Liddel abriu mão de uma grande chance de vencer a prestigiosa
competição dos 100 metros porque o dia escolhido para a
corrida conflitava com as suas convicções cristãs, mas acabou
por bater um recorde em outro dia, ao ganhar a medalha de
ouro nos 400 metros.
Assim como Wells reconheceu a influência de alguém morto
havia quase quarenta anos, desejo reconhecer a influência dos
homens a quem nunca conheci, senão por meio de seus escritos
e biografias. Foram homens cujos pensamentos e vidas têm
mudado profundamente a minha forma de viver.
Agradeço aos Puritanos. Nos dias de hoje, eles são
freqüentemente difamados tanto por cristãos quanto por não-
cristãos, que muitas vezes pouco ou nada sabem sobre eles. As
percepções estereotipadas que temos deles revelam falta de
consciência de suas profundas contribuições à vida espiritual
e piedosa. Eles são gigantes espirituais em cujos ombros me
apóio.
Agradeço a Jonathan Edwards, C. H. Spurgeon e Martyn
Lloyd-Jones. Minha vida e ministério são imensuravelmente
melhores por causa dos deles.
Também quero demonstrar gratidão àqueles que têm, no
presente, enriquecido minha vida de maneiras que
8 Agradecimentos
influenciaram este livro diretamente.
Agradeço a Emie Reisinger por sua visão sobre reforma e
reavivamento, por sua disposição em ajudar um jovem pastor
a quem não conhece, e pelos livros.
Agradeço a John Armstrong, Jim Elliff e Tom Nettles, pela
amizade e por me desafiarem a pensar.
Agradeço a J. I. Packer por escrever sobre teologia de forma
tão clara e por comunicar tão cativantemente o fruto de tantos
anos de estudo sobre os Puritanos.
Agradeço a Jim Rahtjen por seu entusiasmo genuíno e
altruísta em relação ao livro e pela grande alegria que é tê-lo
como companheiro de trabalho.
Agradeço a Beth Mullins pela ajuda na inserção de dados e
pela assistência em relação a tantos detalhes.
Agradeço a David Larsen pelo seminário doutoral que
primeiro me impeliu a organizar grande parte deste material.
Agradeço a Roger e Jean Fleming pela amizade e
encorajamento sem os quais este livro provavelmente não teria
sido escrito e publicado.
Agradeço a Traci Mullins por ser um editor tão positivo,
do começo ao fim.
Agradeço à Igreja Batista de Glenfield por orar por mim e
por me apoiar com amor extra durante todo o processo de
escrita deste livro.
Agradeço a Caffy, que resistiu pacientemente a tantas coisas
para que este livro pudesse ser escrito.
Sobreo o A utor
Desde 1995, Don Whitney tem sido professor assistente de
formação espiritual no Midwestern Baptist Theological
Seminary em Kansas City, Missouri. Estaé uma posição pio
neira em um dos seis Seminários Batistas do Sul.
Don cresceu em Osceola, Arkansas, onde veio a crer em
Jesus Cristo como Salvador e Senhor. Foi atuante nos esportes
durante todo ensino médio e faculdade e trabalhou na estação
de rádio que seu pai gerenciava. Após formar-se na Universi
dade do Estado do Arkansas, Don planejou terminar a facul
dade de direito e fazer carreira em locução esportiva. Na Uni
versidade de Arkansas, durante o curso de Direito, ele sentiu o
chamado de Deus para o ministério cristão vocacional. Então,
matriculou-se no Seminário Teológico Batista em Fort Worth,
Texas, obtendo o grau de Mestre em Divindade, em 1979. Em
1987, Don concluiu o curso de Doutorado em Ministério na
Trinity Evangelical Divinity School, em Deerfield, Illinois. An
tes de ir para a Midwestern, Don foi pastor em na Igreja Batista
de Glenfield, em Glen Ellyn, Illinois (subúrbio de Chicago) por
quase quinze anos. Ele é autor de Spiritual Disciplines for the
Christian Life (Disciplinas Espirituais para a Vida Cristã) e do
guia de discussão que acompanha a obra (NavPress, 1991), How
Can I Be Sure I'm a Christian (Como Ter Certeza de que Sou Cris
tão) (NavPress, 1994) e Spiritual Disciplines Within the Church
(Disciplinas Espirituais dentro da Igreja) (Moody Press, 1996).
A esposa de Don, Caffy, ministra de seu lar em Kansas City
como artista e ilustradora freelance. O casal Whitney tem uma
filha: Laurelen Christiana.
A Vida N unca
F o i Tranquila
Disciplina é uma daquelas coisas que parecem maravilho
sas no papel. A idéia de progredir, especialmente na área de
seu relacionamento com Deus, é altamente motivadora. O pro
blema é que aplicar a disciplina é difícil. Envolve esforço. A
disciplina nunca parece se encaixar naturalmente numa agen
da.
Muitas vezes nos pegamos pensando: "Quando minha vida
ficar um pouco mais tranqüila, eu vou..." Mas, a esta altura, já
era para termos aprendido que a vida nunca fica tranqüila.
Aquilo que desejamos realizar, devemos fazê-lo com a vida
agitada. Da mesma forma, se pretendemos disciplinar a nós
mesmos com vistas à piedade, temos de fazê-lo com a vida as
sim como ela se encontra no momento.
Quer você já tenha tentado, sem conseguir, aplicar as Dis
ciplinas, quer esteja apenas em busca de um curso de reciclagem
que traga nova vitalidade a seu relacionamento com Deus, Dis
ciplinas Espirituais para a Vida Cristã fornecerá a inspiração e a
orientação de que você irá precisar, bem como o meio e o dese
jo de prosseguir com êxito.
Após tomar claro o propósito por trás das Disciplinas Es
pirituais: crescer em piedade, Whitney simplifica o objetivo,
dividindo-o em partes. "Disciplina sem direção é servidão",
diz ele. Mas, ao começar a experimentar os frutos da discipli
na, você se descobrirá apaixonadamente vivo. E ávido por con
tinuar.
Exercite-se na piedade.
I Timtóteo 4:7
C A P Í T U L O U M
A s D isciplinas Espirituais...
Com o Propósito de
A lcançar a P iedade
♦♦♦
Nossa era é uma era de indisciplina. As disciplinas de outrora
entraram em colapso... Sobretudo, a disciplina da graça divina,
tratada como legalismo ou desconhecida por inteiro de uma geração
que ignora grandemente as Escrituras. Precisamos da austera força
do caráter cristão que só pode advir da disciplina.
V. Raymond Edman
As Disciplinas da Vida
D isciplina sem direção é servidão.
Imagine Kevin, um menino de seis anos matriculado pelos
pais numa escola de música. Todas as tardes, depois da escola,
ele se senta na sala de estar e dedilha sem vontade 1 "Home on
the range" no violão, enquanto observa seus colegas jogando
baseball no parque, do outro lado da rua. Isso é disciplina sem
direção. É servidão.
Agora imagine que, numa tarde, ao estudar violão, Kevin
receba a visita de um anjo. Na visão, ele é levado ao Camegie
Hall, onde aparece como um grande concertista. Normalmente
enfadado com a música clássica, Kevin fica maravilhado com o
que vê e ouve. Os dedos dos músicos dançam animadamente
sobre as cordas, com fluidez e graça. Kevin pensa no quanto as
suas próprias mãos parecem bobas e desajeitadas quando
tocam, vacilando e tropeçando nas cordas. O concertista
/Is Disciplinas Espirituais 13
combina notas perfeitas, sublimes, em um aroma musical que
flui de seu violão. Kevin se lembra do som áspero, inexpressivo
e irritante que, tropegamente, ele produz.
Mas Kevin fica encantado. Sua cabeça pende ligeiramente
para o lado enquanto ouve e ele absorve tudo com deleite.
Jamais imaginara que alguém pudesse tocar violão daquela
forma.
"O que você acha, Kevin?" pergunta o anjo.
A resposta é um brando e lento "U-A-U!", típico de uma
criança de seis anos.
A visão se dissipa e o anjo se põe novamente diante de Kevin
em sua sala de estar. "Kevin", diz o anjo, "o músico maravilhoso
que você viu é você daqui a alguns anos". Então, apontando
para o violão, o anjo declara: "Mas você tem que estudar!"
De repente, o anjo desaparece e Kevin fica sozinho com
seu violão. Você acha que a atitude dele em relação à prática
do instrumento será diferente agora? Contanto que se lembre
daquilo que ele irá se tomar, a disciplina de Kevin terá direção,
um objetivo que o conduza ao futuro. Sim, isso envolverá
esforço, mas certamente não será servidão.
Ao falarem sobre disciplina na vida cristã, muitos crentes
se sentem como Kevin em relação à prática do violão: é
disciplina sem direção. A oração pode se tornar servidão. O
valor prático da meditação nas Escrituras parece incerto. O
verdadeiro propósito de uma Disciplina como o jejum muitas
vezes não é claro.
Primeiro, devemos entender o que havemos de ser. Sobre
os eleitos de Deus, Romanos 8:29 diz: "Pois aqueles que de antemão
conheceu, também os predestinou para serem conformes à imagem de
seu Filho". O plano eterno de Deus garante que, ao final, todo
cristão será conformado à semelhança com Cristo. Seremos
14 /4s Disciplinas Espirituais
transformados "quando ele se manifestar" para que "[sejamos]
semelhantes a ele" (1 João 3:2). Não se trata de uma visão; trata-
se de você, cristão, daqui a alguns anos.
Assim, por que tanta discussão sobre a disciplina? Se Deus
predestinou nossa conformidade com Cristo, onde a disciplina
se encaixa?
Embora Deus vá nos tomar semelhantes a Cristo quando
Jesus voltar, até lá, Ele pretende que nós desenvolvamos a busca
de tal semelhança. Não devemos simplesmente esperar pela
santidade, devemos buscá-la. "Esforcem-se para viver em paz com
todos e para serem santos", ordena-nos Hebreus 12:14, pois "sem
santidade ninguém verá o Senhor".
Isso nos leva a fazer a pergunta que deveria ser feita por
todo cristão: "Como buscar a santidade? Como ser semelhante
a Jesus Cristo, o Filho de Deus?"
Encontramos uma resposta clara em 1 Timóteo 4:7:
"Exercite-se na piedade".
O versículo é o tema de todo este livro. Neste capítulo, o
autor tenta extrair o seu significado e o restante do livro é um
esforço para aplicá-lo de forma prática. O autor denominará
"Disciplinas Espirituais" as maneiras escriturísticas de os
cristãos disciplinarem a si mesmos em obediência ao versículo
acima. O autor sustenta que o único caminho para a maturidade
cristã e a Piedade (termo bíblico sinônimo de semelhança com
Cristo e santidade) passa pela prática das Disciplinas
Espirituais. Enfatiza que a Piedade é o objetivo das Disciplinas,
e quando nos lembramos disso, as Disciplinas Espirituais se
tomam um deleite, e não servidão.
Com o Propósito de Alcançar a Piedade 15
DISCIPLINAS ESPIRITUAIS:
O CAMINHO PARA A PIEDADE
Disciplinas Espirituais são as disciplinas pessoais e
corporativas que promovem crescimento espiritual. São hábitos
de devoção e cristianismo experimental que têm sido praticados
pelo povo de Deus desde os tempos bíblicos.
Este livro examina as seguintes Disciplinas Espirituais:
absorção bíblica, oração, adoração, evangelismo, serviço,
mordomia, jejum, silêncio e solidão, anotações (diário) e
aprendizado.Esta não é, de forma alguma, contudo, uma lista
exaustiva das Disciplinas da vida cristã. Uma pesquisa feita
em outra literatura sobre este assunto revelaria que confissão,
responsabilidade (prestação de contas), simplicidade,
submissão, direção espiritual, celebração, confirmação,
sacrifício, "observação" e outras também poderiam ser
qualificadas como Disciplinas Espirituais.
Qualquer que seja a Disciplina, sua característica mais
importante será o propósito. Assim como há pouco valor em
praticar escalas no violão ou no piano separadamente do
propósito de tocar músicas, há pouco valor na prática das
Disciplinas Espirituais aparte do único propósito que as une
(Colossenses 2:20-23, 1 Timóteo 4:8). O propósito é a piedade.
Portanto, a ordem de 1 Timóteo 4:7 é que nos exercitemos
(disciplinemos) na "piedade", ou com o propósito de alcançar a
piedade.
As Disciplinas Espirituais são o meio provido por Deus para
usarmos em nossa busca, plena do Espírito, da Piedade.
Povo piedoso é povo disciplinado. Sempre foi assim.
Recorde-se de alguns heróis da história da igreja, como
Agostinho, Martinho Lutero, João Calvino, John Bunyan,
16 /4s Disciplinas Espirituais
Susanna Wesley, George Whitefield, Lady Huntingdon,
Jonathan e Sarah Edwards, Charles Spurgeon e George Muller
- todos eles eram pessoas disciplinadas. Em minha própria
experiência cristã pastoral e pessoal, posso dizer que nunca
conheci alguém que tenha chegado à maturidade espiritual sem
disciplina. A piedade vem pela disciplina.
Na verdade, Deus usa três catalisadores básicos para nos
mudar e nos conformar à semelhança de Cristo, mas somente
um pode ser amplamente controlado por nós. Um catalisador
que o Senhor usa para nos mudar são as pessoas. "Assim como
o ferro afia o ferro, o homem afia o seu companheiro" (Provérbios
27:17). As vezes, Deus usa nossos amigos para tornar-nos
"afiados" num viver mais semelhante a Cristo, e, às vezes, Ele
usa nossos inimigos para aparar nossas ásperas e ímpias arestas.
Pais, filhos, cônjuges, colegas de trabalho, clientes, professores,
vizinhos, pastores - Deus nos molda por meio deles.
Outro agente de mudança usado por Deus em nossas vidas
são as circunstâncias. O texto clássico referente a isso é Romanos
8:28: "Sabemos que Deus age em todas as coisas para o bem daqueles
que o amam, dos que foram chamados de acordo com o seu propósito".
Pressões financeiras, condições físicas, e até o tempo são usados
nas mãos da Divina Providência para estimular os Seus eleitos
à santidade.
Depois vem o catalisador das Disciplinas Espirituais. Este
catalisador difere dos dois primeiros porque, ao usar as
Disciplinas, Deus opera de dentro para fora. Quando Ele nos
muda por meio das pessoas e das circunstâncias, o processo se
dá de fora para dentro. As Disciplinas Espirituais também
diferem dos outros dois métodos de mudança porque Deus nos
concede uma medida de escolha a respeito do envolvimento
com elas. Nós muitas vezes temos pouca escolha em relação às
Com o Propósito de Alcançar a Piedade 17
pessoas e circunstâncias que Deus traz a nossas vidas, mas
podemos decidir, por exemplo, se iremos ler a Bíblia ou jejuar
hoje.
Assim, por um lado, reconhecemos que mesmo a
autodisciplina mais ferrenha não nos fará mais santos, pois o
crescimento em santidade é dom de Deus (João 17:17; 1
Tessalonicenses 5:23; Hebreus 2:11). Por outro lado, podemos
fazer algo para favorecer o processo. Deus nos deu as
Disciplinas Espirituais como meio de receber a Suã» graça e
crescer em Piedade. Por elas, colocamo-nos diante de Deus para
que Ele opere em nós.
O Novo Testamento foi escrito originalmente em grego. A
palavra traduzida por "disciplina" na versão New American
Standard da Bíblia em inglês é a palavra grega gumnasia, da
qual derivam as palavras ginásio e ginástica.
Pense nas Disciplinas Espirituais como exercícios
espirituais. Ir a seu lugar favorito para orar ou tomar notas,
por exemplo, é como ir à academia e se exercitar em um
aparelho com pesos. Assim como as disciplinas físicas desse
tipo promovem a força, as Disciplinas Espirituais também
promovem a Piedade.
Há duas histórias bíblicas que ilustram outra maneira de
pensar a respeito do papel das Disciplinas Espirituais. Lucas
18:35-43 nos conta a história de um mendigo cego chamado
Bartimeu e seu encontro com Jesus. Sentado à beira da estrada
próxima a Jericó, Bartimeu percebeu aproximar-se uma
multidão de número e agitação incomuns. Quando perguntou
o que estava acontecendo, disseram-lhe que Jesus de Nazaré
passava por ali. Até mesmo um homem socialmente
marginalizado como Bartimeu tinha ouvido as incríveis
histórias de Jesus vindas de todo o Israel durante os últimos
18 As Disciplinas Espirituais
dois ou três anos. Imediatamente, ele começou a gritar: "Jesus,
filho de Davi, tem misericórdia de mim!" Aqueles que iam à
frente da procissão, possivelmente homens de elevada posição
naquele local, sentiram vergonha do comportamento
perturbador do mendigo e, duramente, mandaram que se
calasse. Mas ele gritou ainda mais alto: "Filho de Davi, tem
misericórdia de mim!" Para surpresa de todos, Jesus parou e
pediu que lhe trouxessem aquele que O chamava. Em resposta
à fé daquele pobre homem, Jesus, milagrosamente, curou
Bartimeu de sua cegueira.
A segunda história bíblica encontra-se no parágrafo
seguinte das Escrituras, Lucas 19:1-10. Trata-se do conhecido
relato da conversão de Zaqueu, o cobrador de impostos. Talvez
o fato tenha ocorrido somente alguns minutos após a cura de
Bartimeu. Por ser de estatura muito baixa, Zaqueu não
conseguiria ver Jesus em meio à multidão. Então, ele correu
adiante e subiu em uma figueira brava para poder ver Jesus
quando Ele passasse por ali. Chegando ao local, Jesus olhou
para cima, chamou Zaqueu pelo nome e disse a ele que descesse
da árvore. Os dois seguiram para a casa do cobrador de
impostos, onde este creu em Cristo para a salvação e decidiu
doar metade de seus bens aos pobres e devolver com juros todo
o dinheiro de impostos que, indevidamente, havia tomado para
si.
Pense nas Disciplinas Espirituais como maneiras de
podermos nos colocar no caminho da graça de Deus e buscá-
Lo, assim como Bartimeu e Zaqueu se colocaram no caminho
de Jesus e O buscaram. Da mesma forma que eles, nós O
encontraremos disposto a mostrar misericórdia por nós e a ter
comunhão conosco. Com o passar do tempo, nós seremos
transformados por Ele de um nível a outro de semelhança com
Com o Propósito de Alcançar a Piedade 19
Cristo (2 Coríntios 3:18).
As Disciplinas Espirituais também são, portanto, como
canais da graça transformadora de Deus. Quando nos firmamos
nelas para buscar comunhão com Cristo, a Sua graça flui até
nós e somos transformados. É por isso que as Disciplinas devem
se tomar prioridade para nós se pretendemos ser Piedosos.
Charles Spurgeon, o grande pregador britânico batista do
século XIX, enfatizou a importância das Disciplinas da seguinte
maneira: "Devo cuidar, acima de tudo, de cultivar a comunhão com
Cristo, pois embora ela não possa jamais ser a base de minha paz,
observe, ainda assim, ela será o canal pelo qual a paz irá fluir".2 As
Disciplinas Espirituais são os canais da paz e de tudo aquilo
que Cristo nos concede, que nos leva à santidade.
Tom Landry, treinador do time de futebol americano Dallas
Cowboys por quase três décadas, disse: "A tarefa de um treinador
de futebol é fazer com que os jogadores façam aquilo que não desejam
fazer para alcançar o que sempre quiseram ser".3 Da mesma forma,
os cristãos são chamados a fazer algo que naturalmente não
fariam: buscar as Disciplinas Espirituais, a fim de se tomarem
o que sempre desejaram ser, isto é, semelhantes a Jesus Cristo.
"Exercite-se", dizem as Escrituras, "na piedade".
AS DISCIPLINAS ESPIRITUAIS - O SENHOR
ESPERA QUE AS PRATIQUEMOS
A linguagem original das palavras "exercite-se na piedade"
torna evidente que este é um mandamento de Deus, e não
simplesmenteuma sugestão. A santidade não é uma opção para
aqueles que se dizem filhos do Santo (1 Pedro 1:15-16), assim
como o meio para se atingir a santidade, ou as Disciplinas
Espirituais, não são uma opção.
20 As Disciplinas Espirituais
O conselho inspirado de Salomão em Provérbios 23:12 é:
"[Aplique] Dedique à disciplina o seu coração, e os seus ouvidos às
palavras que dão conhecimento" (NVI). (Embora a disciplina em
Provérbios normalmente se refira à correção do Senhor,
versículos como esse se aplicam às Disciplinas Espirituais
quando percebemos que o Senhor nos disciplina para fazer com
que disciplinemos a nós mesmos). A idéia relacionada à palavra
aplicar é a de aplicar um decalque ou adesivo ao pára-brisa ou
ao pára-choque de um carro. Em outras palavras, o Senhor
espera que nós adiramos permanentemente às práticas
devocionais que promovem a Piedade.
A expectativa da espiritualidade disciplinada está implícita
no convite de Jesus em Mateus 11:29: "Tomai sobre vós o meu
jugo e aprendei de mim". O mesmo é verdadeiro em seu convite
ao discipulado: "Dizia a todos: Se alguém quer vir após mim, a si
mesmo se negue, dia a dia tome a sua cruz e siga-me" (Lucas 9:23).
Esses versículos nos dizem que ser discípulo de Jesus significa
nada menos do que aprender Dele e segui-Lo. Aprender e seguir
envolve disciplina, pois pessoas que só aprendem
acidentalmente e seguem incidentalmente não são verdadeiros
discípulos. Gálatas 5:22-23, diz que a auto-disciplina espiritual
(ou "auto-controle") é uma das marcas mais evidentes do que
é controlado pelo Espírito, confirma que a disciplina está no
coração do discipulado.
O Senhor Jesus não só espera que pratiquemos as
Disciplinas, como foi exemplo delas para nós. Ele aplicou Seu
coração à disciplina e disciplinou-Se com o propósito de
alcançar a Piedade. Portanto, se pretendemos ser como Cristo,
devemos viver como Ele viveu.
Esta é a mensagem do livro O Espírito das Disciplinas, de
Dallas Willard:
Com o Propósito de Alcançar a Piedade 21
Minha principal alegação é que nós podemos ser como Cristo ao
fazermos uma coisa: seguindo-O de acordo com o estilo geral de
vida que ele escolheu para si mesmo. Se temos fé em Cristo,
devemos crer que ele sabia como viver. Podemos, por fé e graça,
tornar-mos como Cristo pela prática dos tipos de atividades em
que ele se envolvia, organizando nossas vidas inteiramente
conforme as atividades que ele mesmo praticava, a fim de
perm anecer constantem ente acostum ados / natural na / à
comunhão de seu P a i.4
Assim, muitos cristãos professos são tão indisciplinados
espiritualmente, que parecem ter pouco fruto e poder em suas
vidas. Tenho visto homens e mulheres que se disciplinam com
o propósito de se destacarem em suas profissões, mas
disciplinarem-se muito pouco com o propósito de alcançar a
piedade. Tenho visto cristãos fiéis à igreja de Deus, que
freqüentemente demonstram entusiasmo genuíno pelas coisas
de Deus e que amam verdadeiramente a Palavra de Deus,
banalizarem a sua eficácia para o Reino de Deus por falta de
disciplina. Espiritualmente, eles são enormes em comprimento,
mas rasos em profundidade. Não há canais profundos ou muito
habituais de disciplina de comunhão entre eles e Deus. Eles se
envolvem em tudo, mas não se disciplinam em nada.
Pense nas pessoas que se esforçam muito para aprender a
tocar um instrumento, sabendo que adquirir habilidades leva
anos, que praticam muito para se dar bem no golfe ou para
melhorar seu desempenho nos esportes, sabendo que tornar-
se proficiente leva anos, que se disciplinam por toda a carreira
porque sabem que o sucesso exige sacrifício. As mesmas pessoas
desistem rapidamente quando descobrem que praticar as
Disciplinas Espirituais não é fácil, como se tomar-se semelhante
a Jesus fosse algo que não deveria exigir tanto esforço.
22 /4s Disciplinas Espirituais
Os indisciplinados são como o autor de peças teatrais
George Kaufman, que estava assistindo pacientemente a uma
apresentação de um promotor de vendas de uma mina de ouro.
O vendedor estava elogiando a produtividade da mina com
esperanças de persuadir Kaufman a comprar ações dela. "Ora,
a mina é tão rica que é dá para pegar pedaços de ouro no chão".
"Você quer dizer", perguntou Kaufman, "que eu vou ter
que me abaixar?" 5
O ouro da Piedade não é encontrado na superfície do
cristianismo. É necessário escavá-lo nas profundezas, com as
ferramentas das Disciplinas. Mas para aqueles que perseveram,
os tesouros são mais do que compensadores.
MAIS APLICAÇÃO
Negligenciar as Disciplinas Espirituais é perigoso. Uma
famosa seleção dos escritos de William Barclay ilustra
poderosamente o perigo. Tecendo comentários sobre a
diferença entre a disciplina e a indisciplina, ele escreveu:
Nada jamais foi alcançado sem disciplina; e muitos atletas e
homens têm sido arruinados por abandonar a disciplina e relaxar.
Coleridge é a suprema tragédia da indisciplina. Nunca uma mente
tão grande produziu tão pouco. Ele saiu da Universidade de
Cambridge para ingressar no exército; mas deixou o exército
porque, apesar de toda a sua erudição, não conseguia tratar de
cavalos; ele voltou a Oxford e saiu sem se graduar. Ele lançou um
jornal chamado The Watchman (O Observador), que sobreviveu a
dez números e depois foi extinto. Sobre ele disseram: "Ele se
p erdeu em visões de trabalhos a execu tar, que sem pre
permaneciam por ser realizados. Coleridge tinha todos os dons
poéticos, exceto um: o dom do esforço constante e concentrado".
Em sua cabeça e em sua mente, ele tinha todos os tipos de livros,
Com o Propósito de Alcançar a Piedade 23
com o ele m esm o dizia, "com pletam ente g u ard ad os para
transcrição". "Estou prestes a", disse ele, "enviar aos editores dois
volumes em oitavo". Mas os livros nunca foram compostos fora
da mente de Coleridge, porque ele não se sujeitava à disciplina
de sentar-se para escrevê-los. Ninguém jamais atingiu a eminência
e ninguém que a atingiu conseguiu mantê-la sem disciplina.6
Ao negligenciar as Disciplinas Espirituais, enfrentamos o
perigo de produzir pouco fruto espiritual. Apenas alguns de
nós têm o intelecto e os dons poéticos de Coleridge, mas a todos
os crentes foram dados dons espirituais (1 Coríntios 12:4-7). A
simples presença dos dons espirituais, porém, não garante uma
produção abundante de frutos mais do que os dons mentais de
Coleridge garantiram a produção de poesia. Assim como os
dons naturais, os dons espirituais precisam ser desenvolvidos
pela disciplina para que haja produção de frutos espirituais.
Há liberdade no engajamento nas Disciplinas Espirituais.
A obra Celebration of Discipline (Celebração da Disciplina), de
Richard Foster, foi o livro mais popular sobre Disciplinas
Espirituais na última metade do século XX. A grande
contribuição dessa obra é o lembrete de que as Disciplinas
Espirituais, a que muitos vêem como restritivas e impositivas,
são, na verdade, o caminho para a liberdade espiritual. Ele
chama corretamente as Disciplinas de "Porta da Liberação".
Podemos ilustrar este princípio observando a liberdade que
vem pelo domínio de qualquer disciplina. Quando vemos os
violonistas Christopher Parkening ou Chet Atkins tocando,
temos a impressão de que o instrumento já fazia parte de seus
corpos quando nasceram. Eles têm tamanha intimidade e
liberdade com o violão que fazem parecer fácil tocar. Qualquer
pessoa que já tenha tentado tocar violão percebe que a liberdade
musical desses mestres resulta de décadas de prática
24 As Disciplinas Espirituais
disciplinada. A liberdade por meio da disciplina é vista não
somente em músicos proficientes, mas também em atletas bem
treinados, especialistas em carpintaria, executivos de sucesso,
estudantes com bom preparo e mães que tão bem administram
o lar e a família todos os dias.
Elton Trueblood demonstra o relacionamento entre
disciplina e liberdade ao afirmar:
Não teremos avançado muito em nossas vidas espirituais se aindanão encontramos o paradoxo básico da liberdade...que somos mais
livres quando estamos sob imposição. Mas nem toda forma de
imposição será suficiente; o que importa é o caráter do que nos é
imposto. Aquele que poderia ser um atleta, mas que não está
disposto a disciplinar o seu corpo com exercícios regulares e
abstinência, não está livre para se destacar no campo ou na pista.
A falta de treino nega rigorosamente a ele a liberdade de correr
com a velocidade e a resistência desejadas. Com vozes em
uníssono, os gigantes da vida devocional aplicam o mesmo
princípio à vida como um todo: Disciplina é o preço da liberdade.7
Enquanto Trueblood está certo em chamar a disciplina "o
preço" da liberdade, Elisabeth Elliot nos lembra que "liberdade
e disciplina passaram a ser consideradas mutuamente exclusivas,
quando na verdade a liberdade não é deforma alguma o oposto, mas a
recompensa final, da disciplina".8 Ao enfatizarmos que a disciplina
é o preço da liberdade, não nos esqueçamos de que a liberdade
é a recompensa da disciplina.
O que é a liberdade da Piedade? Pense novamente em
nossas ilustrações. Por exemplo, um virtuoso do violão, é "livre"
para tocar um arranjo difícil de Segovia, ao passo que eu não
sou. Por quê? Por causa dos anos de prática disciplinada que
ele teve. Semelhantemente, as pessoas que são "livres" para
Com o Propósito de Alcançar a Piedade 25
citar as Escrituras decoradas são aquelas que disciplinaram a
si mesmas para memorizar a Palavra de Deus. Nós podemos
experimentar uma medida de liberdade da insensibilidade
espiritual por meio da Disciplina do jejum. Uma liberdade do
egoísmo é encontrada em Disciplinas como adoração, serviço
e evangelismo. A liberdade da Piedade é a liberdade de fazer o
que Deus nos chama para fazer por meio das Escrituras e a
liberdade de expressar as qualidades do caráter de Cristo por
meio de nossa própria personalidade. Este tipo de liberdade é
a "recompensa" ou o resultado da bênção de Deus sobre nosso
engajamento nas Disciplinas Espirituais.
Mas nós temos que nos lembrar que as liberdades totais da
Piedade nutrida pela disciplina não se desenvolvem da noite
para o dia ou durante um seminário de fim de semana. A Bíblia
nos lembra que o autocontrole, tal como aquele expresso por
meio das Disciplinas Espirituais, deve perseverar antes que o
fruto maduro da Piedade amadureça. Observe a seqüência de
desenvolvimento em 2 Pedro 1:6: "ao domínio próprio a
perseverança; à perseverança a piedade". A Piedade é uma
busca permanente.
Há um convite para que todos os cristãos desfrutem as
Disciplinas Espirituais. Todos em quem o Espírito de Deus
habita são convidados a experimentar a alegria do estilo de
vida nas Disciplinas Espirituais.
Lembra-se de Kevin e seu violão? Sua prática diária
assumiria um espírito totalmente novo se ele percebesse aonde
isso o levaria. A disciplina da prática gradualmente se tomaria
o caminho para um dos grandes prazeres de sua vida.
Disciplina sem direção é servidão. Mas as Disciplinas
Espirituais nunca irão significar servidão se nós as praticarmos
com o objetivo da Piedade em mente. Se sua idéia de cristão
26 As Disciplinas Espirituais
disciplinado é a de um ser robotizado, carrancudo, sisudo e
sem alegria, então você não entendeu bem o ponto. Jesus foi o
Homem mais disciplinado que já existiu e, ao mesmo tempo, o
mais alegre e apaixonadamente vivo. Ele é o nosso Exemplo
de disciplina. Sigamo-Lo para obter alegria por meio das
Disciplinas Espirituais.
1 Nota da Tradutora: "Home on the Range" é o hino, em ritmo country, do estado
norte-americano do Kansas e também um longa-metragem de animação dos
estúdios Disney.
2 C.H. Spurgeon, "Peace By Believing", em Metropolitan Tabernacle Pulpit
(Londres: Passmore and Alabaster, 1864; reimpressão, Pasadena, TX: Pilgrim
Publications, 1970), vol. 9, página 283.
3 Tom Landry, citação de Ray Stedman em Preaching Today (Carol Stream, IL:
Christianity Today, n.d.), fita número 25.
4 Dallas Willard, O Espírito das Disciplinas (São Francisco, CA: Harper and Row,
1988), página ix.
5 George Kaufman, citação em The Little, Brown Book of Anecdotes (Boston, M A: Little,
Brown and Company, 1985, página 321.
6 William Barclay, The Gospel of Matthew (O Evangelho de Mateus) (Filadélfia, PA:
Westminster, 1958), vol. 1, página 284.
7 Elton Trueblood, citado em Leadership (Liderança), vol. 10, n° 3, verão de 1989,
página 60.
8 Elisabeth Elliot, citada em Christianity Today (Cristianismo Hoje), 4 de novembro
de 1988, página 33, ênfase do autor.
C A P Í T U L O D O I S
A b so rçã o B íb lica a* partek.
Com o P ro p ó sito d e
A lc a n ç a r a P ied a d e
♦♦♦ ♦♦♦ ♦♦♦
A alternativa à disciplina é o desastre.
Vance Havner
Citação em John Balnchard, compilador,
"More Gathered Gold" (Juntando Mais Ouro)
E m agosto de 1989, tive o privilégio de participar de uma
viagem missionária para o sertão do leste africano. Éramos
quatro, eu e três membros da igreja que pastoreio, dormindo
em tendas em frente ao prédio da minúscula igreja inacabada,
de pau-a-pique, a quase dez quilômetros do acampamento mais
próximo.
Eu já havia estado em outros países o suficiente para saber
que muitos hábitos que passei a identificar com o cristianismo
conflitam em alguns pontos com a cultura de nossos anfitriões.
Minha experiência me ensinou a prever ter que engolir com
dificuldade algumas de minhas expectativas americanas (isso
sem falar em algumas outras coisinhas!) sobre como os cristãos
devem viver. Mas eu estava despreparado para alguns dos
encontros que tive com muitos cristãos professos daquele
cenário equatorial. Mentira, roubo e imoralidade eram práticas
comuns e normalmente aceitas, até entre a liderança da igreja.
Ali, o conhecimento teológico era escasso como a água e a
doença do erro doutrinário, tão comum quanto a malária.
28 Absorção Bíblica (Parte 1)
Logo descobri uma das principais razões para aquela igreja
parecer ter sido fundada por missionários de Corinto. Ninguém
tinha Bíblia, nem o pastor, nem o diácono, ninguém. O pastor
possuía apenas uma meia dúzia de sermões, todos meio-
preparados sobre as brasas de algumas recordações de histórias
bíblicas. A cada seis semanas, o mesmo sermão se repetia. O
único verdadeiro contato com as Escrituras acontecia com a
visita ocasional de um missionário (o mais próximo ficava a
mais de cem quilômetros dali) ou quando algum obreiro
denominacional da área pregasse. Para quase todos da igreja,
essas pinceladas infreqüentes e substitutivas da Bíblia eram
tudo o que sabiam. Somente um homem apresentava alguma
medida de maturidade espiritual, e isso porque ele havia
morado a maior parte de sua vida em outros lugares e
freqüentado uma igreja que ensinava a Bíblia.
Nós quatro reunimos os recursos que tínhamos e
compramos Bíblias baratas para vários membros da igreja. Após
visitas evangelísticas a cada dia, conduzíamos estudos bíblicos
para a igreja à tarde e novamente à noite, à luz de lanternas.
Saímos dali orando para que o Espírito Santo fizesse com que a
Palavra de Deus criasse profundas raízes naquele ajuntamento
árido e sertanejo.
A maioria de nós chacoalha a cabeça de dó diante de
condições tristes assim. E difícil imaginar que há mais Bíblias
nos lares de muitos de nós do que em certas igrejas inteiras do
Terceiro-Mundo. Mas uma coisa é desconhecer as Escrituras
por não possuir a Bíblia; outra é desconhecê-la quando se tem
uma estante cheia delas.
Nenhuma Disciplina Espiritual é mais importante do que
a absorção da Palavra de Deus. Nada pode substituí-la.
Simplesmente não pode haver cristão saudável aparte de uma
Com o Propósito de Alcançar a Piedade 29
dieta de leite e came das Escrituras, e as razões para isso são
óbvias. Na Bíblia, Deus nos fala sobre Si mesmo, e especialmente
sobre Jesus Cristo, a encarnação de Deus. A Bíblia revela a Lei
de Deus para nós e mostra como todos a infringimos. Nela,
descobrimos como Cristo morreu comoSubstituto, voluntário
e sem pecado, daqueles que infringem a Lei de Deus, e como
devemos nos arrepender e crer Nele para sermos justos diante
de Deus. Na Bíblia, aprendemos os caminhos e a vontade do
Senhor. Nas Escrituras, descobrimos como viver de maneira
agradável a Deus e também melhor e mais satisfatória para
nós mesmos. Nenhuma dessas informações eternamente
essenciais pode ser encontrada em qualquer outro lugar, exceto
na Bíblia. Portanto, se pretendemos conhecer a Deus e ser
Piedosos, devemos conhecer a Palavra de Deus intimamente.
Contudo, muitos que já o sabem muito bem e fazem sinal
afirmativo com a cabeça em concordância com essas declarações
não gastam mais tempo com a Palavra de Deus num dia típico,
do que aqueles que nem possuem a Bíblia. Minha experiência
pastoral é testemunha da validade de pesquisas que
freqüentemente revelam que um grande número de cristãos
professos conhece pouco mais da Bíblia do que cristãos do
Terceiro-Mundo, os quais não possuem nem mesmo uma
pequena parte das Escrituras.
Alguém comentou que a pior tempestade de poeira da
história aconteceria se todos os membros da igreja que
estivessem negligenciando suas Bíblias tirassem a poeira delas
ao mesmo tempo.
Assim, mesmo que honremos a Palavra de Deus com nossos
lábios, devemos confessar que nossos corações, bem como
nossas mãos, ouvidos, olhos e mentes, muitas vezes estão longe
dela. Independentemente de quão ocupados nos tornemos com
30 Absorção Bíblica (Parte 1)
tantas coisas, cristão, devemos nos lembrar de que a prática
mais transformadora disponível a nós é a absorção disciplinada
das Escrituras.
A absorção bíblica não só é a Disciplina Espiritual mais
importante, como também a mais ampla. Na verdade, ela
consiste em várias subdisciplinas. Seria como uma
universidade, que é composta de muitas faculdades, cada qual
especializada em uma disciplina diferente, porém, todas unidas
sob o nome geral da universidade.
Examinemos as "faculdades", ou subdisciplinas, da
absorção bíblica, desde a menos até a mais difícil.
OUVINDO A PALAVRA DE DEUS
A mais fácil das Disciplinas relacionadas à absorção da
Palavra de Deus é simplesmente ouvi-la. Por que considerar
esta uma Disciplina? Porque se não disciplinarmos a nós mesmo
para ouvir a Palavra de Deus regularmente, poderemos ouvi-
la apenas acidentalmente, só quando tivermos vontade de ouvir,
ou podemos jamais ouvi-la. Para a maioria de nós, disciplinar-
se a si mesmo para ouvir a Palavra de Deus significa
desenvolver a prática de freqüentar firmemente uma igreja neo-
testamentária onde a Palavra de Deus seja pregada com
fidelidade.
Jesus disse uma vez: "Antes, bem-aventurados são os que ouvem
a palavra de Deus e a guardam!" (Lucas 11:28). Não se trata
simplesmente de ouvir as palavras inspiradas por Deus. O
propósito de todos os métodos de absorção da Bíblia é a
obediência ao que Deus diz e o desenvolvimento de semelhança
com Cristo. Mas o método que Jesus encoraja neste versículo é
ouvir a Palavra de Deus.
Com o Propósito de Alcançar a Piedade 31
Outra passagem que enfatiza a importância de ouvir é
Romanos 10:17: "E, assim, a fé vem pela pregação, e a pregação, pela
palavra de Cristo". Isso não significa que alguém possa vir a ter
fé em Cristo tão-somente por ouvir as Escrituras, pois multidões
de pessoas têm se tornado crentes como Jonathan Edwards,
por meio da leitura da Bíblia. Mas este versículo fala sobre ouvir.
Podemos acrescentar, contudo, que a maioria que, como
Edwards, foi convertida ao ler as Escrituras, também são como
ele, pois ouviram a proclamação da Palavra de Deus antes da
conversão. Além disso, enquanto esta passagem ensina que a
fé inicial em Cristo vem de ouvir a Palavra inspirada sobre Jesus
Cristo, também é verdade para os cristãos que muito da fé que
precisamos para a vida diária vem de ouvir a mensagem bíblica.
De uma palavra escriturística sobre a provisão de Deus pode
vir a fé que uma família com problemas financeiros precisa.
Ouvir um sermão baseado na Bíblia sobre o amor de Cristo
pode ser o meio de Deus para conceder segurança de fé a um
crente abatido. Recentemente, ouvi uma mensagem gravada
em fita que o Senhor usou para me conceder a fé para perseverar
em determinado assunto. Dons de fé são muitas vezes
concedidos àqueles que se disciplinam em ouvir a Palavra de
Deus.
Há outras formas de nos disciplinarmos para ouvir a
Palavra de Deus, além da mais importante que é ouvi-la pregada
como parte do ministério de uma igreja local. (Digo isto
percebendo que alguns não têm oportunidade de ouvir a
Palavra de Deus por meio do ministério de uma igreja local.) A
mais óbvia delas é por rádios e fitas cristãos. Tais recursos
podem ser usados de modo criativo, enquanto nos vestimos,
cozinhamos, viajamos etc. Se nenhum desses meios estiver
disponível em sua área, considere os rádios de ondas curtas e
32 Absorção Bíblica (Parte 1)
as bibliotecas de empréstimo de fitas por pedido postal. Embora
o rádio de ondas curtas seja comum fora dos Estados Unidos, a
maioria dos americanos não tem um e raramente pensam nesse
meio. Mas a maioria dos melhores professores da Bíblia das
estações tradicionais de AM e FM dos Estados Unidos também
pode ser ouvida praticamente em qualquer lugar do mundo
(inclusive nos Estados Unidos) nas poderosas, sem sinal de
qualidade inferior, estações de ondas curtas. E há várias
bibliotecas de empréstimos de fitas em todo o país, cada qual
com milhares de sermões gravados. Normalmente, elas exigem
pagamento somente para cobrir despesas com frete ou uma
taxa de aluguel nominal por fita. Verifique os anúncios
classificados de publicações cristãs, entre em contato com o
escritório de ministérios que distribui fitas-cassete, ou verifique,
junto às várias igrejas locais, os nomes e endereços de algumas
dessas bibliotecas de fitas.
Um outro texto digno de nota sobre o assunto é 1 Timóteo
4:13, onde o Apóstolo Paulo instrui a seu jovem amigo no
ministério: "Até a minha chegada, dedique-se à leitura pública da
Escritura, à exortação e ao ensino". Embora muitas outras
explicações pudessem ser dadas, é suficiente dizer que era
importante para o ministério de Paulo e importante para o
Senhor, que inspirou tais palavras, para o povo de Deus ouvir
a Palavra de Deus. Já que é assim, deve se tornar uma
prioridade disciplinada para nós ouvi-la. Se alguém diz: "Não
preciso ir à igreja para adorar a Deus; posso adorá-Lo
igualmente ou até melhor do que na igreja estando no campo
de golfe ou no lago", podemos concordar que Deus pode ser
adorado nesses locais. Mas a adoração contínua de Deus não
pode se dar aparte da Palavra de Deus. Devemos nos disciplinar
para ir e ouvir a Palavra de Deus.
Com o Propósito de Alcançar a Piedade 33
Um comentário se faz apropriado aqui sobre nos
prepararmos para ouvir a Palavra de Deus. Se você entrar numa
igreja evangélica típica dois minutos antes de o culto começar,
vai parecer que você entrou num estádio dois minutos antes
do jogo de futebol. Parte de meu coração pastoral aprecia as
boas coisas representadas pelas pessoas que ficam felizes em
ver e falar umas com as outras. Há um espírito de reunião de
família no ar quando a família de Deus se reúne. Contudo, acho
que uma parte maior de meu coração anseia por reverência e
espírito de busca de Deus dentre aqueles que vêm para ouvir a
Sua Palavra.
Por um tempo, uma congregação de cristãos coreanos usou
o prédio de nossa igreja para realizar os cultos do meio da
semana. Eu ficava impressionado com a maneira como eles
entravam no centro de adoração. Quer fossem os primeiros a
chegar ou chegassem após o culto já ter começado, eles
imediatamente se prostravam em oração por vários momentos
antes de ajeitar seus pertences, desabotoar o casaco ou
reconhecer a presença de qualquer outra pessoa. Isso servia
como um efetivo lembrete a seus próprios corações e a todos
os demais, sobre o principal propósito daquele tempo. A maioriadas igrejas que conheço bem poderia ter mais momentos assim.
Em 1648, Jeremiah Burroughs, um puritano inglês, escreveu
as seguintes palavras de conselho a respeito da preparação para
a disciplina de ouvir a Palavra de Deus:
Primeiro, quando se ouve a Palavra, para santificar o nome de
Deus, você deve possuir/encher sua alma com o que vai ouvir.
Isto é, o que você vai ouvir é a Palavra de D eus...A ssim ,
percebemos que o Apóstolo, ao escrever para os Tessalonicenses,
fornece o motivo pelo qual a Palavra fazia tanto bem a eles: é que
eles realmente a ouviam como a Palavra de Deus. "Também
34 Absorção Bíblica (Parte 1)
agradecemos a Deus sem cessar o fato de que, ao receberem de nossa
parte a palavra de Deus, vocês a aceitaram, não como palavra de homens,
mas conforme ela verdadeiramente é, como palavra de Deus" (1
Tessalonicenses 2:13). 1
Assim, ouvir a Palavra de Deus não é apenas ouvir
passivamente, mas sim, uma Disciplina a ser cultivada.
LENDO A PALAVRA DE DEUS
Se você ainda duvida que os cristãos precisam ser exortados
a se disciplinarem para ler a Bíblia, considere o seguinte: "Uma
pesquisa do jornal USA Today revelou, apenas três meses antes deste
livro ser publicado, que somente 11% dos americanos lêem a Bíblia
todos os dias. Mais de metade a lê menos de uma vez por mês ou
simplesmente não a lê" .2
Evidentemente, tentamos nos consolar observando que a
pesquisa inclui todos os americanos, não somente cristãos
professos. Lamentavelmente, pode-se encontrar pouco consolo.
Uma pesquisa realizada menos de um ano antes pelo grupo de
pesquisa Barna, dentre aqueles que se diziam ser "cristãos
nascidos de novo" revelou os seguintes números
desalentadores: somente 18%, menos de dois a cada dez, lê a
Bíblia diariamente. Pior de tudo, 23%, quase um entre quatro
cristãos professos, diz que nunca lê a Palavra de Deus.3
Considere estas estatísticas à luz de 1 Timóteo 4:7: "Exercite-se
na piedade" (NVI).
Jesus muitas vezes fazia perguntas a respeito do
entendimento do povo sobre as Escrituras, começando com as
palavras: "Vocês não leram...?" Ele presumia que aqueles que
diziam ser o povo de Deus tinham lido a Palavra de Deus. E há
boas razões para se dizer que esta pergunta implica
Com o Propósito de Alcançar a Piedade 35
familiaridade com toda a Palavra de Deus.
Quando Jesus disse: "Nem só de pão viverá o homem, mas de
toda palavra que procede da boca de Deus " (Mateus 4:4), certamente
Ele pretendia, no mínimo, que lêssemos "cada palavra".
Uma vez que "toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para
o ensino, para a repreensão, para a correção e para a instrução na
justiça" (2 Timóteo 3:16), não é certo que deveríamos lê-la?
Apocalipse 1:3 nos diz: "Feliz aquele que lê as palavras desta
profecia e felizes aqueles que ouvem e guardam o que nela está escrito,
porque o tempo está próximo". Deus promete que aqueles que
lêem e observam a Sua Palavra serão abençoados. Mas apenas
aqueles que se disciplinam a fazê-lo receberão tais bênçãos.
A principal razão, lembre-se, para nos disciplinarmos é a
Piedade. Aprendemos que as Disciplinas Espirituais são
caminhos escriturísticos em que podemos esperar encontrar a
graça transformadora de Deus. A Disciplina mais crucial é a
absorção da Palavra de Deus. Uma pesquisa realizada em 1980
por Christianity Today e Gallup Poli confirmou isto ao concluir
que nenhum fator influencia mais a formação do
comportamento moral e social de uma pessoa do que a leitura
regular da Bíblia.4 Se você deseja ser mudado, se você quer se
tomar mais semelhante a Jesus Cristo, discipline-se na leitura
da Bíblia.
Com que freqüência nós a lemos? O pregador britânico John
Blanchard, em seu livro How to Enjoy Your Bible ("Como
Desfrutar Sua Bíblia"), escreveu:
Certamente nós só temos que ser realistas e honestos conosco
mesmos em saber com que regularidade precisamos nos voltar
para a Bíblia. Com que freqüência enfrentamos problemas,
tentações e pressão? Todos os dias! Assim , quantas vezes
precisamos de instrução, orientação e mais encorajamento? Todos
36 Absorção Bíblica (Parte 1)
os dias! Reunindo todas essas necessidades em algo ainda maior,
quantas vezes precisamos ver a face de Deus, ouvir a sua voz,
conhecer o seu poder? A resposta a todas essas perguntas é a
mesma: todos os dias! Como colocou o evangelista americano D.
L. Moody: "Assim como um homem não consegue comer o
suficiente para seis meses, ou inspirar de uma vez ar bastante
para encher seus pulmões e mantê-lo vivo por uma semana, ele
também não consegue armazenar graça para o futuro". Devemos
fazer uso do suprimento ilimitado de graça um dia após o outro,
conforme necessitamos dela.5
A seguir, são mencionadas as três sugestões mais práticas
para se obter sucesso consistente na leitura da Bíblia. Primeira:
encontre tempo. Talvez uma das principais razões pelas quais
os cristãos nunca lêem a Bíblia toda seja o desânimo. A maioria
das pessoas nunca leu um livro de mil páginas antes e desanima
só de ver o volume da Bíblia. Você notou que as gravações de
leitura bíblica nunca provaram que é possível ler a Bíblia toda
em setenta e uma horas? Em média, os americanos gastam esse
mesmo tempo vendo televisão em menos de duas semanas.
Em quinze minutos por dia, não mais, é possível ler a Bíblia
toda em menos de um ano. Somente cinco minutos por dia é o
suficiente para você ler toda a Bíblia em menos de três anos.
Contudo, a maioria dos cristãos nunca leu a Bíblia inteira em
suas vidas. Assim, voltamos à idéia de que é essencialmente
uma questão de disciplina e motivação.
Discipline-se para encontrar tempo. Tente reservar sempre
o mesmo período todos os dias. Procure separar um tempo que
não seja apenas aquele antes de dormir. É válido ler a Bíblia
antes de adormecer, mas se este for o único tempo em que você
lê as Escrituras, você deverá encontrar outro. Há ao menos duas
razões para isso. Primeira, você irá reter muito pouco do que
Com o Propósito de Alcançar a Piedade 37
leu estando tão cansado e sonolento. Segunda, se for como eu,
você provavelmente fará muito pouco mal durante seu sono.
Você precisa encontrar Cristo nas Escrituras quando isso ainda
possa ter um impacto em seu dia.
A segunda sugestão prática é ter um plano de leitura bíblica.
Não é de admirar que as pessoas que simplesmente abrem a
Bíblia ao acaso todos os dias logo deixem a disciplina. Há planos
de leitura bíblica baratos disponíveis em todas as livrarias
cristãs. Muitas Bíblias de estudo contêm um programa de leitura
em algum lugar entre as suas páginas. A maioria das igrejas
locais também fornece guias de leitura diária.
Aparte de um plano específico, ao ler três capítulos todos
os dias e cinco aos domingos, você cobrirá toda a Bíblia em um
ano. Leia três do Antigo Testamento e três do Novo Testamento
todos os dias, e terá lido o Antigo Testamento uma vez e o Novo
Testamento quatro vezes num período de doze meses.
Meu plano favorito envolve a leitura diária de cinco partes
diferentes da Bíblia. Começo em Gênesis (a Lei), Josué
(História), Jó (Poesia), Isaías (Profetas) e Mateus (Novo
Testamento) e leio um número igual de capítulos de cada seção.
Uma variação deste plano é a leitura diária de três partes,
começando em Gênesis, Jó e Mateus, respectivamente. As três
seções têm extensão praticamente igual, assim, pode-se terminá-
las ao mesmo tempo. A grande vantagem desse tipo de plano é
a variedade. Muitas pessoas que pretendem ler a Bíblia toda
em sua seqüência ficam confusas em Levítico, desanimam em
Números e desistem completamente em Deuteronômio. Mas
quando lemos partes variadas todos os dias, fica mais fácil
manter o ritmo.
Mesmo que você não leia a Bíblia toda em um ano,
mantenha um registro de quais livros foram lidos. Ponha uma
38 Absorção Bíblica (Parte í)
marca ao lado do capítulo que ler ou do título do livro, no índice,
ao concluir sua leitura. Assim, independentemente de quanto
tempo leve, ou da ordem em queeles forem lidos, você saberá
quando leu todos os livros da Bíblia.
A terceira sugestão é escolher ao menos uma palavra, frase
ou versículo para meditar todas as vezes que você ler. Falaremos
mais sobre meditação no próximo capítulo, mas você deve
admitir agora que sem meditação você pode fechar a Bíblia e
não ser capaz de se lembrar de uma única coisa que leu. E se
isso acontecer, é provável que a sua leitura bíblica não produza
mudança em você. Até com um bom plano, ela pode se tomar
um afazer mundano em vez de uma Disciplina de alegria.
Considere ao menos uma coisa que você leu e pense
profundamente sobre ela por alguns momentos. Sua visão nas
Escrituras irá se aprofundar e você entenderá melhor como elas
se aplicam à sua vida. E quanto mais você aplicar a verdade
das Escrituras, mais você se tomará semelhante a Jesus.
Todos nós devemos ter a mesma paixão pela leitura da
Palavra de Deus que o homem da história a seguir. O evangelista
Robert L. Sumner, em seu livro The Wonder of the Word of God
("A Maravilha da Palavra de Deus"), fala sobre um homem na
cidade de Kansas que foi gravemente ferido em uma explosão.
Seu rosto ficou bastante desfigurado e ele perdeu a visão e
ambas as mãos. Ele acabara de se tornar cristão quando o
acidente aconteceu, e uma de suas maiores decepções foi que
ele não mais poderia ler a Bíblia. Então, ele soube de uma
senhora na Inglaterra que lia braile com os lábios. Esperando
poder fazer o mesmo que ela, ele encomendou alguns livros da
Bíblia em braile. Mas descobriu que os terminais nervosos de
seus lábios haviam sido lesados demais para distinguirem os
caracteres. Um dia, ao levar uma das páginas em braile aos
Com o Propósito de Alcançar a Piedade 39
lábios, sua língua tocou alguns caracteres em relevo e ele pôde
senti-los. Como um flash, ele pensou: "Consigo ler a Bíblia com
a língua". Na época em que o livro de Robert Sumner foi escrito,
o homem havia lido a Bíblia toda por quatro vezes.6 Se ele foi
capaz disso, será que você consegue se disciplinar para ler a
Bíblia?
ESTUDANDO A PALAVRA DE DEUS
Se ler a Bíblia pode ser comparado a cruzar um lago límpido
e brilhante em um barco a motor, estudar a Bíblia é como cruzar
lentamente o mesmo lago em um barco com fundo de vidro.
A travessia no barco a motor fornece uma visão geral do
lago e uma percepção rápida e passageira de sua profundidade.
O barco com fundo de vidro do estudo, entretanto, o leva abaixo
da superfície das Escrituras para uma observação serena da
clareza e dos detalhes que normalmente aqueles que
simplesmente lêem o texto deixam de perceber. Como o autor
Jerry Bridges coloca: "A leitura nos dá amplitude de vista, mas o
estudo nos dá profundidade".7
Vejamos três exemplos do coração voltado ao estudo da
palavra de Deus. O primeiro é Esdras, personagem do Antigo
Testamento: "Porque Esdras tinha disposto o coração para buscar a
Lei do SENHOR, e para a cumprir, e para ensinar em Israel os seus
estatutos e os seus juízos" (Esdras 7:10). Há um significado
instrutivo na seqüência deste versículo. Esdras (1) "tinha
decidido dedicar-se", (2) "a estudar a Lei do SENHOR", (3) "e
a praticá-la", (4) " e a ensinar os seus decretos e mandamentos
aos israelitas". Antes de ensinar a Palavra de Deus ao povo de
Deus, ele praticou o que aprendeu. Mas o aprendizado de
Esdras veio do estudo das Escrituras. Antes de estudar, contudo,
40 Absorção Bíblica (Parte 1)
ele primeiro "tinha decidido dedicar-se" ao estudo. Em outras
palavras, Esdras disciplinou-se no estudo da Palavra de Deus.
Um segundo exemplo é encontrado em Atos 17:11. Os
missionários Paulo e Silas mal haviam escapado vivos de
Tessalônica após obterem êxito no trabalho evangelístico que
provocara ciúmes nos judeus do local. Quando eles repetiram
o mesmo curso de ação em Beréia, os judeus dali reagiram de
forma diferente: "Os bereanos eram mais nobres do que os
tessalonicenses, pois receberam a mensagem com grande interesse,
examinando todos os dias as Escrituras, para ver se tudo era assim
mesmo". De acordo com o versículo seguinte, o resultado foi:
"E creram muitos dentre os judeus". Aqui, a disposição de
examinar as Escrituras é considerada como caráter nobre.
Meu exemplo favorito de coração voltado ao estudo da
verdade de Deus está em 2 Timóteo 4:13. Da prisão, o Apóstolo
Paulo escreve o capítulo final de sua última epístola do Novo
Testamento. Antecipando a vinda de seu amigo mais jovem
Timóteo, ele escreve: "Quando vieres, traze a capa que deixei em
Trôade, em casa de Carpo, bem como os livros, especialmente os
pergam inhosE quase certo que os pergaminhos e livros que
Paulo pede incluíam cópias das Escrituras. Naquele
confinamento frio e miserável, o piedoso apóstolo pedia duas
coisas: a capa para usar, a fim de que seu corpo pudesse ser
aquecido, e a Palavra de Deus para estudar, a fim de que sua
mente e coração pudessem ser aquecidos. Paulo havia visto os
Céus (2 Coríntios 12:1-6) e o Cristo ressurreto (Atos 9:5), havia
experimentado o poder do Espírito Santo em milagres (Atos
14:10) e até para escrever as Sagradas Escrituras (2 Pedro 3:16);
entretanto, continuou a estudar a Palavra de Deus até morrer.
Se Paulo precisava, certamente você e eu precisamos e devemos
nos disciplinar para fazer isso.
Com o Propósito de Alcançar a Piedade 41
Então, por que não o fazemos? Por que tantos cristãos
negligenciam o estudo da Palavra de Deus? R. C. Sproul o disse
dolorosamente bem: "Eis, então, o verdadeiro problema de
nossa negligência. Não cumprimos nossa obrigação de estudar
a Palavra de Deus nem tanto por ela ser difícil de entender e
nem tanto porque estudá-la seja tedioso e enfadonho, mas
porque dá trabalho. O problema é que somos preguiçosos".8
Além de preguiça, parte do problema para alguns pode
ser insegurança em relação a como estudar a Bíblia ou mesmo
por onde começar. Na verdade, começar não é tão difícil. A
diferença básica entre leitura bíblica e estudo bíblico é
simplesmente um lápis e um pedaço de papel. Ao ler, escreva
observações sobre o texto e registre as perguntas que vêm a
sua mente. Se sua Bíblia tiver referências cruzadas, procure
aquelas que se relacionam com os versículos que instigam suas
perguntas, depois registre suas idéias. (Se você não souber bem
o que são referências cruzadas ou como usá-las, pergunte a seu
pastor ou a outro cristão maduro.) Encontre uma palavra-chave
em sua leitura e use a concordância que se encontra no final da
maioria das Bíblias para rever as outras referências onde a
palavra é usada e observe novamente suas descobertas. Outra
maneira de começar é resumir um capítulo, parágrafo por
parágrafo. Quando terminar o capítulo, vá para o próximo até
que tenha resumido o livro todo. Em pouco tempo, seu
entendimento de uma determinada parte das Escrituras será
muito mais profundo do que o que você obteve somente pela
leitura.
Ao avançar no estudo do Livro de Deus, você perceberá o
valor dos vários estudos em profundidade, como o de palavras,
de personagens, tópicos e de livros. Você descobrirá uma nova
riqueza nas Escrituras ao entender melhor como a gramática, a
42 Absorção Bíblica (Parte 1)
história, a cultura e a geografia que cercam um texto afetam a
sua interpretação.
Não deixe que o senso de impropriedade o prive do prazer
de aprender a Bíblia por si mesmo. Há livros, grossos e finos,
em abundância sobre como estudar a Bíblia. Eles podem
fornecer mais orientação sobre métodos e recursos do que eu
neste capítulo. Não se contente apenas com o alimento espiritual
que foi "pré-digerido" por outras pessoas. Experimente a
alegria de descobrir as visões bíblicas em primeira mão por
meio de seu próprio estudo bíblico!
MAIS APLICAÇÃO
Se seu crescimento em Piedade fosse medido pela qualidade
de sua absorção bíblica, qual seria o resultado? Essa é uma
pergunta importante, pois a verdade é que seu crescimento em
Piedade é grandemente afetado pela qualidade de sua absorção
bíblica. EmSua magnificente oração Sacerdotal de João 17, Jesus
pediu isto ao Pai por nós: "Santifica-os na verdade; a tua palavra é
a verdade" (João 17:17). O plano de Deus para nos santificar,
isto é, para nos tomar santos e Piedosos, é realizado por meio
da "verdade": a Sua Palavra. Se nós nos contentamos com uma
absorção de baixa qualidade ouvindo, lendo e estudando a
Palavra de Deus, restringimos gravemente o principal fluxo da
graça santificadora de Deus a nós.
Como eu digo, percebo que seria fácil causar sentimento
de culpa em todos nós (inclusive em mim) pelas falhas do
passado a respeito da absorção da Palavra de Deus. Sobretudo,
lembre-se de que a porta do Céu está aberta para nós não pelas
obras que praticamos (como a absorção da Palavra de Deus),
mas pela obra de Deus em Jesus Cristo. Além disso, apliquemos
Com o Propósito de Alcançar a Piedade 43
a mensagem de Filipenses 3:13 a qualquer inconsistência
anterior com a absorção bíblica, "esquecendo das coisas que ficaram
para trás e avançando para as que estão adiante" nesta área.
Isso nos leva a uma pergunta final de aplicação.
O que você pode fazer para melhorar sua absorção da
Palavra de Deus? Amenos que providencialmente impedido a
tal, unir-se a um grupo de crentes com quem você se identifique
para ouvir a Palavra de Deus pregada todas as semanas deve
ser o mínimo.
Muitas igrejas que crêem na Bíblia oferecem mais de uma
oportunidade semanal para se ouvir a Palavra de Deus. Pode
ser que você deseje considerar a aquisição de gravações da
Bíblia, sermões ou exposição bíblica no rádio como opções para
ouvir mais da Palavra de Deus. Estabeleça objetivos de tentar
honestamente ler a Bíblia todos os dias e concluir o Livro todo.
Também há livros de atividades e guias de estudo sobre todos
os livros da Bíblia e centenas de tópicos disponíveis nas livrarias
cristãs. Além de começar individualmente, junte-se a um grupo
de estudo bíblico em sua igreja ou comunidade ou até mesmo
comece um estudo em grupo.
Independentemente do meio escolhido, discipline-se na
Piedade comprometendo-se com pelo menos uma maneira de
melhorar sua absorção da santa Palavra de Deus. Pois aqueles
que usam pouco suas Bíblias na verdade não se saem muito
melhor do que aqueles que não a usam nunca.
Finalizaremos este capítulo com uma substancial palavra
de encorajamento, extraída do útil livreto chamado Reading the
Bible ("Lendo a Bíblia"), de um pastor galês chamado Geoffrey
Thomas. No texto abaixo, sempre que a expressão ler a Bíblia
for mencionada, pense também em ouvir e estudar.
44 Absorção Bíblica (Parte 1)
Não espere dominar a Bíblia em um dia, um mês ou um ano.
Espere, sim, ficar muitas vezes confuso com seu conteúdo, que
não é todo igualm ente claro. G randes hom ens de D eus
freqüentemente se sentem absolutamente novatos ao lerem a
Palavra. O apóstolo Pedro disse que havia algumas coisas difíceis
de se entender nas epístolas de Paulo (2 Pedro 3:16). Fico feliz
que ele tenha escrito essas palavras porque eu pensei o mesmo
várias vezes. Assim , não espere obter sem pre um a carga
emocional ou sentir paz alentadora ao ler a Bíblia. Pela graça de
Deus, você pode esperar que isso seja uma experiência freqüente,
mas muitas vezes você não obterá reação emocional alguma. Deixe
a Palavra transbordar em seu coração e mente vez após vez
enquanto os anos passam, e imperceptivelmente, virão grandes
m udanças em sua atitude, ponto de vista e conduta. Você
provavelmente será o último a reconhecê-las. Muitas vezes você
se sentirá tão pequeno, minúsculo, porque cada vez mais o Deus
da Bíblia se tomará maravilhosamente grande para você. Assim,
continue a lê-la até não poder mais, e daí você não precisará mais
da Bíblia, porque quando seus olhos se fecharem pela última vez,
em sua m orte, e nunca mais lerem a Palavra de Deus nas
Escrituras, você irá abri-los para a Palavra de Deus em carne, o
mesmo Jesus da Bíblia, a quem você conheceu por tanto tempo,
bem diante de você para levá-lo para sempre a Seu lar eternal.9
1 Peter Lewis, The Genius of Puritanism ("O Caráter do Puritanismo") (Haywards
Heath, Sussex, Inglaterra: Carey Publications, 1979), página 54.
2 Princeton Religious Research Center, 100 Questions and Answers: Religion in America
("Cem perguntas: A Religião nos Estados Unidos") (1989), citação em USA Today,
I o de fevereiro de 1990.
3 Bookstore journal, citação em Discipleship Journal ("Jornal do Discipulado"), edição
52, página 10.
4 Harold O.J. Brown, "What's the Connection Between Faith and and Works?" ("Qual
é a Relação entre a Fé e as Obras?") Christianity Today ("Cristianismo Hoje"), 24 de
outubro, 1980, página 26.
5 John Blanchard, How to Enjoy Your Bible ("Como Desfrutar Sua Bíblia") (Colchester,
Inglaterra: Evangelical Press, 1984), página 104.
Com o Propósito de Alcançar a Piedade 45
6 Robert L. Sumner, citado em "Treasuring God's Word" ("Apreciando a Palavra de
Deus"), Our Daily Bread ("Pão Diário"), 5 de outubro de 1988.
7 Jerry Bridges, Tlte Practice of Godliness (A Prática da Piedade") (Colorado Springs,
CO: NavPress, 1983), p. 51.
8 R. C. Sproul, Knowing Scripture ("Conhecendo as Escrituras") (Downers Grove, IL:
InterVarsity Press, 1977), página 17.
9 Geoffrey Thomas, Reading the Bible (Lendo a Bíblia) (Edimburgo, Escócia: The Banner
of Truth Trust, 1980), página 22.
C A P Í T U L O T R Ê S
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O crescimento cristão envolve disciplina.
A rapidez com que um homem cresce espiritualmente
e a medida até onde ele cresce depende desta disciplina.
E a disciplina do caminho.
Richard Halverson
Em D.G. Kehl
"Controle a si mesmo! Praticando a Arte da Autodisciplina"
D o is irmãos andavam pelas terras extensas e cobertas de
bosques de seu pai, quando encontraram uma jovem árvore
carregada de frutos. Ambos se deliciaram com aqueles frutos
tanto quanto desejaram. Quando decidiram voltar, um homem
juntou todos os frutos restantes e levou-os consigo para casa.
Seu irmão, contudo, levou a árvore toda e plantou-a em sua
propriedade. A árvore floresceu, produzindo regularmente
fartas colheitas, de modo que o segundo irmão sempre tinha
frutas quando o primeiro não tinha nenhuma.
A Bíblia é como a árvore que produz fruto desta história.
Simplesmente ouvir a Palavra de Deus é ser como o primeiro
irmão. Você pode colher muito fruto daquilo que ouviu e até
levar para casa o suficiente para alimentá-lo por alguns dias,
mas no longo prazo, isso não se compara a ter sua própria
árvore. Por meio das Disciplinas de ler e estudar, a árvore toma-
Absorção Bíblica (Parte 2) 47
se nossa e aproveitamos os seus frutos. Dentre as Disciplinas
Espirituais, também encontramos os recursos de memorização,
meditação e aplicação, que aumentam abundantemente nossa
colheita dos frutos da árvore.
BENEFÍCIOS E MÉTODOS DA MEMORIZAÇÃO
DA PALAVRA DE DEUS
Muitos cristãos vêem a Disciplina Espiritual da
memorização da Palavra de Deus como algo equivalente a
martírio da modernidade. Peça que memorizem versículos
bíblicos, e eles reagirão com tanta avidez quanto a um pedido
de voluntários para encarar os leões de Nero. Por quê? Talvez
porque muitos associem todo tipo de memorização aos esforços
de memória exigidos deles nos tempos de escola. Dava trabalho
e a maior parte era sobre algo que não despertava interesse e
tinha valor limitado. Também freqüentemente ouvida é a
desculpa de se ter memória ruim. Mas, e se eu oferecesse a
você mil dólares por versículo memorizado durante os
próximos sete dias? Você acha que sua atitude em relação à
memorização das Escrituras e sua habilidade de memorizar
melhorariam? Qualquer recompensa financeira seria mínima
quando comparada ao acúmulo de valor do tesouro da Palavra
de Deus depositado no interior de sua mente.
A Memorização Produz Poder Espiritual
Quando armazenadas na mente, as Escrituras ficam
disponíveis ao Espírito Santo para que Ele as tragaà sua atenção
quando você mais precisar. É por isso que o autor do Salmo 119
escreveu: "Guardei no coração a tua palavra para não pecar contra
ti", (versículo 11). Uma coisa é, por exemplo, assistir ou pensar
48 Absorção Bíblica (Parte 2)
em algo quando se sabe que não se deveria, mas há mais poder
contra a tentação quando um versículo específico é trazido à
sua mente, como Colossenses 3:2: "Mantenham o pensamento nas
coisas do alto, e não nas coisas terrenas".
Quando o Espírito Santo traz um versículo específico à
mente dessa forma, isso ilustra o que Efésios 6:17 pode significar
quando se refere à "espada do Espírito, que é a palavra de
Deus". Uma verdade escriturística pertinente, trazida a seu
conhecimento pelo Espírito Santo no momento exato, pode ser
a arma que faz a diferença em uma batalha espiritual.
Não há ilustração melhor do que a confrontação de Jesus
com Satanás no deserto solitário da Judéia (Mateus 4:1-11). Toda
vez que o Inimigo impunha uma tentação a Jesus, Ele se
defendia com a espada do Espírito. Ela ajudava Jesus a
experimentar vitória. Uma das maneiras pelas quais podemos
obter mais vitórias espirituais é fazer como Jesus fez: memorizar
as Escrituras para que ela fique disponível ao Espírito Santo
para que Ele a acenda dentro de nós quando for necessário.
A Memorização Fortalece a nossa Fé
Você deseja que sua fé seja fortalecida? Que cristão não
desejaria? Uma coisa que você pode fazer para fortalecê-la é
disciplinar-se na memorização das Escrituras. Vejamos
Provérbios 22:17-19, que diz: "Preste atenção e ouça os ditados dos
sábios, e aplique o coração ao meu ensino. Será uma satisfação guardá-
los no íntimo e tê-los todos na ponta da língua. Para que você confie
no SENHOR, a você hoje ensinarei" (NVI). As expressões "Aplique
o coração" aos "ditados dos sábios" e "guardá-los no íntimo"
certamente se referem à memorização das Escrituras. Observe
a razão dada aqui para guardar as palavras sábias das Escrituras
em seu íntimo e "na ponta da língua". É "para que você confie
Com o Propósito de Alcançar a Piedade 49
no Senhor". Memorizar as Escrituras fortalece a sua fé porque
elas reforçam a verdade repetidamente, muitas vezes
exatamente quando você precisa ouvi-la.
Nossa igreja está construindo um novo centro de
adoração. Sentimos que honraríamos mais a Deus se
construíssemos um prédio sem contrair dívidas. Houve vezes
em que minha fé na provisão do Senhor começou a afundar.
Muito freqüentemente, o que renovava a minha fé era o
lembrete da promessa de Deus em 1 Samuel 2:30: "Honrarei
aqueles que me honram". Memorizar as Escrituras funciona como
aço de reforço para uma fé esmorecida.
Memorização, Testemunho e Aconselhamento
No Dia de Pentecostes (a festa judaica celebrada quando o
Espírito Santo veio pela primeira vez para habitar nos cristãos),
o Apóstolo Pedro foi repentinamente inspirado por Deus a le
vantar-se e pregar à multidão sobre Jesus. Muito do que ele
disse consistiu de citações do Antigo Testamento (veja Atos 2:14
40). Embora haja uma diferença qualitativa entre o sermão es
pecialmente inspirado de Pedro e as nossas conversações guia
das pelo Espírito, a experiência ilustra como memorizar as Es
crituras pode nos preparar para as oportunidades inesperadas
de testemunhar ou aconselhar que aparecem em nossas vidas.
Recentemente, ao apresentar a mensagem de Cristo a um
homem, ele disse algo que me trouxe à mente um versículo
memorizado. Citei o verso e isso foi decisivo para a conversa,
que culminou com a profissão de fé em Cristo por parte da
quele homem. O mesmo tipo de coisa acontece freqüentemente
em conversas de aconselhamento. Mas até que sejam guarda
dos no coração, os versículos não estarão disponíveis para uso
com a boca.
50 Absorção Bíblica (Parte 2)
O Caminho da Orientação de Deus
O salmista escreveu: "Os teus testemunhos são o meu prazer,
eles são os meus conselheiros" (Salmo 119:24). Assim como o
Espírito Santo traz a verdade escriturística de nossos bancos
de memória para usarmos no aconselhamento a outras pessoas,
assim também Ele a trará a nossas próprias mentes, provendo
orientação oportuna a nós mesmos.
Muitas vezes, ao tentar decidir se digo ou não aquilo que
estou pensando em uma situação específica, o Senhor traz
Efésios 4:29 a minha mente: "Não saia da vossa boca nenhuma
palavra torpe, e sim unicamente a que for boa para edificação, conforme
a necessidade, e, assim, transmita graça aos que ouvem". Estou certo
de que às vezes entendo mal a voz do Espírito Santo, mas a Sua
orientação dificilmente poderia ser mais clara do que quando
Ele traz à mente um versículo como esse! Mas isso é resultado
de memorização disciplinada das Escrituras.
A Memorização Estimula a Meditação
Um dos benefícios mais subestimado da memorização das
Escrituras é que ele provê combustível para a meditação.
Quando memorizou um versículo das Escrituras, você pode
meditar nele em qualquer lugar e a qualquer hora do dia ou da
noite. Se você ama a Palavra de Deus o suficiente para
memorizá-la, você pode se tomar como o escritor do Salmo
119:97, que exclamou: "Como eu amo a tua lei! Medito nela o dia
inteiro". Quer esteja dirigindo no trânsito, andando de metrô,
esperando no aeroporto, na fila, ninando um bebê ou fazendo
uma refeição, você poderá se beneficiar da Disciplina Espiritual
da meditação se tiver feito os depósitos da memorização.
A Palavra de Deus é a "espada do Espírito", mas o Espírito
Santo não pode lhe dar uma arma que não foi armazenada no
Com o Propósito de Alcançar a Piedade 51
arsenal de sua mente. Imagine-se em meio a uma decisão e
precisando de orientação ou em luta com uma tentação difícil
e carecendo de vitória. O espírito Santo corre para seu arsenal
mental, abre impetuosamente a porta, mas tudo o que encontra
é João 3:16, Gênesis 1:1 e a Grande Comissão. Essas são grandes
espadas, mas não foram feitas para todo tipo de batalha. Como
começar a encher nosso próprio arsenal espiritual com um
suprimento de espadas para o Espírito Santo usar?
Você pode Memorizar as Escrituras
A maioria das pessoas acha que tem má memória, mas não
é verdade. Como já descobrimos, na maior parte das vezes,
memorizar é essencialmente um problema de motivação. Se
você sabe a data de seu aniversário, seu número de telefone e
endereço e consegue se lembrar dos nomes de seus amigos,
então é capaz de memorizar as Escrituras. A questão passa a
ser se você está disposto a se disciplinar para tal.
Quando Dawson Trotman, fundador da organização cristã
chamada The Navigators ("Os Navegantes"), se converteu à fé
em Cristo em 1926, começou a memorizar um versículo bíblico
por dia. Ele trabalhava como motorista de caminhão para um
depósito de madeiras em Los Angeles na época. Enquanto
dirigia pela cidade, ele pensava no versículo daquele dia.
Durante seus três primeiros anos de vida cristã, memorizou
mil versículos. Se ele conseguiu memorizar mais de trezentos
versículos por ano dirigindo, certamente nós podemos
encontrar maneiras de memorizar alguns versos.
Estabeleça um Plano
Nas livrarias cristãs, podem ser encontrados muitos planos
bons de memorização das Escrituras já prontos. Mas você pode
52 Absorção Bíblica (Parte 2)
preferir selecionar versículos sobre um tópico específico onde
o Senhor esteja trabalhando em sua vida neste momento. Se
sua fé for fraca, memorize versículos sobre fé. Se estiver em
conflito com um hábito, encontre versículos que o ajudem a
obter vitória sobre ele. Um homem contou a Dawson Trotman
que tinha medo de que seguir o seu exemplo de memorização
das Escrituras pudesse deixá-lo arrogante. Trotman respondeu:
"Então, que seus primeiros dez versículos sejam sobre
humildade!" Outra opção é memorizar uma parte das
Escrituras, como um salmo, em vez de versículos isolados.
Escreva os Versículos
Faça uma lista dos versículos em uma folha de papel ou
escreva cada um deles em um cartão separado.
Desenhe Lembretes em Forma de FigurasNão precisa ser nada sofisticado, apenas umas poucas
linhas ou figuras adesivas ao lado de cada verso. Isso torna o
versículo "visual" e faz com que o princípio figura que vale mil
palavras funcione para você. Uma mera figura pode fazer você
se lembrar de dúzias de palavras. Isso acontece especialmente
se o desenho ilustrar uma ação descrita no versículo. Por
exemplo, para o Salmo 119:11, você pode fazer o desenho
grosseiro de um coração com uma Bíblia dentro para lembrá-
lo de entesourar a Palavra de Deus no coração. Para Efésios
6:17, um esboço de espada é lembrete óbvio. Você descobrirá
que este método é especialmente útil quando memorizar uma
seção de versículos consecutivos. Admito que, assim como eu,
você provavelmente não é um artista, mas ninguém mais precisa
ver suas figuras e elas podem facilitar a memorização das
Escrituras.
Com o Propósito de Alcançar a Piedade 53
Memorize os Versículos Palavra por Palavra
Há uma grande tentação, especialmente logo que se
aprende um versículo, de se baixar o seu padrão. Não se
contente com o sentido aproximado ou com a "idéia principal".
Memorize palavra por palavra e aprenda a referência também.
Sem um padrão objetivo de medida, o objetivo não fica claro e
é possível que você tenda a continuar baixando o padrão até
desistir totalmente. Além disso, se o versículo não for
memorizado exatamente como é, você perderá a confiança em
usá-lo ao conversar e testemunhar. Assim, embora memorizar
"tintim por tintim" seja mais difícil no começo, é mais fácil e
mais produtivo no longo prazo. A propósito, versículos que
você conhece tintim por tintim são mais fáceis de rememorar
do que aqueles que você não conhece tão precisamente.
Adote um Método de Prestação de Contas
Por causa de nossa tendência à preguiça, é necessário que
a maioria de nós preste mais contas na memorização das
Escrituras do que em outras Disciplinas. E quanto mais
ocupados somos, maior é a tendência a nos escusarmos desse
compromisso. Alguns, como Dawson Trotman, desenvolveram
meios personalizados de prestar contas em relação à Disciplina
que os mantém fiéis. A maioria dos cristãos, contudo, é mais
consistente quando encontra ou conversa com outra pessoa,
nem sempre outro cristão, com quem rememoram os versículos.
Rememore e Medite Diariamente
Nenhum princípio de memorização das Escrituras é mais
importante do que o princípio da rememoração. Se não houver
uma rememoração adequada, você eventualmente irá perder a
maior parte do que memorizou. Porém, uma vez que realmente
54 Absorção Bíblica (Parte 2)
tenha aprendido um versículo, você pode rememorá-lo
mentalmente em uma fração do tempo que levaria para dizê-
lo. E quando souber o versículo bem, você não precisa
rememorá-lo senão uma vez por semana, uma vez por mês ou
mesmo uma vez a cada seis meses para mantê-lo afiado. Não é
incomum, contudo, atingir um ponto em que se gaste 80% do
tempo de memorização rememorando. Não se ressinta em
devotar tanto tempo ao polimento de suas espadas. Mas alegre-
se por ter tantas!
Um ótimo horário para se rememorar os versículos mais
conhecidos é antes de dormir. Já que não precisa ter uma cópia
escrita dos versículos diante de si, você poderá repeti-los e
meditar neles enquanto cochilar ou mesmo quando tiver
problemas para dormir. E se você não conseguir ficar acordado,
tudo bem, já que, de qualquer modo, você deveria estar
dormindo. Se não conseguir dormir, você estará preenchendo
sua mente com as informações mais proveitosas e pacíficas
possíveis, além de estar fazendo bom uso do tempo.
Ao concluirmos esta parte sobre a Disciplina de
memorização das Escrituras, lembre-se de que memorizar
versículos não é um fim em si mesmo. O objetivo não é ver
quantos versículos você consegue memorizar, o objetivo é a
Piedade. O objetivo é memorizar a Palavra de Deus para que
ela possa transformar nossas mentes e nossas vidas.
Sobre este assunto, Dallas Willard disse: "Como pastor,
professor e conselheiro, tenho visto repetidamente a
transformação de vida, exterior e interior, que resulta da simples
memorização e meditação nas Escrituras. Pessoalmente, eu
jamais me incumbiria de pastorear uma igreja ou de orientar
um programa de educação cristã que não incluísse um plano
contínuo de memorização das maravilhosas passagens das
Com o Propósito de Alcançar a Piedade 55
Escrituras para pessoas de todas as idades".1
BENEFÍCIOS E MÉTODOS DE MEDITAÇÃO
NA PALAVRA DE DEUS
Uma característica ruim de nossa cultura moderna é que a
meditação passou a ser mais identificada com sistemas não
cristãos de pensamento do que com o cristianismo bíblico.
Mesmo dentre os crentes, a prática da meditação é muitas vezes
mais associada com yoga, meditação transcendental, terapia
de relaxamento ou Movimento Nova Era. Por ser tão
proeminente em muitos grupos e movimentos espiritualmente
enganosos, alguns cristãos se sentem desconfortáveis com
respeito à meditação e desconfiados daqueles que se envolvem
nela. Mas devemos nos lembrar que a meditação é tanto
ordenada por Deus quanto exemplificada por homens Piedosos
nas Escrituras. Só porque uma seita usa a cruz como símbolo,
isso não significa que a Igreja deva parar de usá-la. Da mesma
forma, não devemos descartar ou ter medo da meditação
escriturística simplesmente porque o mundo a adaptou para
seus próprios propósitos.
O tipo de meditação encorajado na Bíblia difere de muitas
maneiras dos outros tipos de meditação. Enquanto alguns
defendem um tipo de meditação em que se faz de tudo para
esvaziar a mente, a meditação cristã envolve o preenchimento
da mente com Deus e a verdade. Para alguns, a meditação é
uma tentativa de alcançar completa passividade mental, mas a
meditação bíblica requer atividade mental construtiva. A
meditação do mundo emprega técnicas de visualização com
intenção de se "criar a própria realidade". Embora a história
cristã sempre tenha dado espaço ao uso santificado da
56 Absorção Bíblica (Parte 2)
imaginação concedida por Deus na meditação, a imaginação é
nossa serva, ajudando-nos a meditar nas coisas que são
verdadeiras (Filipenses 4:8). Além disso, em vez de "criar nossa
própria realidade" por meio da visualização, nós unimos a
meditação à oração a Deus e à ação humana responsável e cheia
do Espírito, para realizar mudanças.
Além das diferenças mencionadas, vamos definir meditação
como o pensamento profundo nas verdades e realidades
espirituais reveladas nas Escrituras visando ao entendimento,
aplicação e oração. A meditação vai além de ouvir, ler, estudar
e até memorizar como meio de assimilar a Palavra de Deus.
Uma simples analogia seria uma xícara de chá. Você é a xícara
com água quente e a absorção das Escrituras é representada
pelo saquinho de chá. Parte do sabor do chá é absorvido pela
água, mas não tanto como ocorre quando o saquinho é
totalmente embebido. Nesta analogia, ler, estudar e memorizar
a Palavra de Deus são representados por imersões adicionais
do saquinho de chá na xícara. Quanto mais o chá mergulha na
água, mais efeito ele tem. Meditação, contudo, é como imergir
o saquinho completamente e deixá-lo encharcar até que todo o
rico sabor do chá tenha sido extraído e a água quente fique
totalmente tingida de marrom avermelhado.
Josué 1:8 e a Promessa de Êxito
As Escrituras fazem uma conexão específica entre o êxito e
a prática da meditação na Palavra de Deus em Josué 1:8. Ao
comissionar Josué para suceder a Moisés como líder de Seu
povo, o Senhor disse a ele: "Não cesses de falar deste Livro da Lei;
antes, medita nele dia e noite, para que tenhas cuidado de fazer segundo
tudo quanto nele está escrito; então, farás prosperar o teu caminho e
serás bem-sucedido".
Com o Propósito de Alcançar a Piedade 57
Devemos nos lembrar de que a prosperidade e o êxito de
que o Senhor fala aqui é a prosperidade e o êxito aos Seus olhos,
e não necessariamente aos do mundo. De uma perspectiva do
Novo Testamento, sabemos que a principalaplicação desta
promessa seria à prosperidade da alma e ao êxito espiritual
(embora também ocorra alguma medida de êxito em nossos
esforços humanos quando vivemos de acordo a sabedoria de
Deus). Tendo feito tal qualificação, entretanto, não percamos
de vista o relacionamento entre a meditação na Palavra de Deus
e o êxito.
O verdadeiro êxito é prometido àqueles que meditam na
Palavra de Deus, que pensam profundamente nas Escrituras,
não apenas uma vez ao dia, mas em momentos no decorrer do
dia e da noite. Eles meditam tanto, que suas conversas são
saturadas das Escrituras. O fruto da meditação deles é a ação.
Eles fazem o que encontram escrito na Palavra de Deus e, como
resultado, Deus prospera o caminho deles e lhes concede êxito.
Como a Disciplina da meditação nos modifica e nos coloca
no caminho da bênção de Deus? No Salmo 39:3, Davi disse:
"Meu coração ardia-me no peito e, enquanto eu meditava, o fogo
aum entavaA palavra hebraica traduzida aqui por "meditava"
está intimamente relacionada à traduzida por "meditar" em
Josué 1:8. Quando ouvimos, lemos, estudamos ou
memorizamos o fogo (Jeremias 23:29) da Palavra de Deus, a
adição da meditação se toma como um fole sobre aquilo que
absorvemos. Ao chamejar mais resplandecente, o fogo emite
tanto mais luz (visão e entendimento) quanto calor (paixão pela
ação obediente). "Então", diz o Senhor, "os seus caminhos
prosperarão e você será bem-sucedido".
Por que a absorção da Palavra de Deus muitas vezes nos
deixa frios e por que não temos mais êxito em nossa vida
58 Absorção Bíblica (Parte 2)
espiritual? O pastor puritano Thomas Watson tem a resposta:
"A razão de sairmos tão frios da leitura da palavra é que não
nos aquecemos no fogo da meditação".2
Salmo 1:1-3 - As Promessas
As promessas de Deus em Salmo 1:1-3 a respeito da
meditação são iguais às de Josué 1:8:
Bem-aventurado é o homem
que não anda no conselho dos ímpios,
não se detém no caminho dos pecadores.
Antes, o seu prazer está
Na lei do SENHOR,
e na sua lei medita de dia e de noite.
Ele é como árvore plantada
junto a corrente de águas,
Que no devido tempo, dá o seu fruto,
e cuja folhagem não murcha;
E tudo quanto ele faz será bem sucedido.
Pensamos naquilo de que gostamos. O casal que encontrou
prazer romântico um no outro pensa um no outro o dia todo. E
quando nos deleitamos na Palavra de Deus, pensamos nela,
isto é, meditamos nela, às vezes durante todo o dia e toda a
noite. O resultado de tal meditação é estabilidade, produção
de fruto, perseverança e prosperidade. Um escritor o disse
claramente: "Normalmente quem se dá melhor é quem medita
mais".3
A árvore de sua vida espiritual se desenvolve melhor com
meditação porque ela ajuda você a absorver a água da Palavra
de Deus (Efésios 5:26). Simplesmente ouvir ou ler a Bíblia, por
Com o Propósito de Alcançar a Piedade 59
exemplo, pode ser como uma breve chuva sobre o chão duro.
Independentemente da quantidade ou intensidade da chuva,
a maior parte escoa e pouco penetra o solo. A meditação abre o
solo da alma e permite que a água da Palavra de Deus se infiltre
profundamente. O resultado é uma produção extraordinária
de frutos e prosperidade espiritual.
O autor do Salmo 119 estava confiante de que era mais sábio
do que todos os seus inimigos (versículo 98). Além disso, ele
disse: "Tenho mais discernimento que todos os meus mestres,
pois medito nos teus testemunhos" (versículo 99). Seria porque
ele ouvia, lia, estudava ou memorizava a Palavra de Deus mais
do que cada um de seus inimigos e seus mestres?
Provavelmente não. O salmista era mais sábio, não
necessariamente porque tivesse uma maior absorção, mas
porque tinha mais visão. Mas como ele adquiriu mais sabedoria
e visão do que qualquer outro? Sua explicação foi:
Os teus mandamentos me tornam mais sábio que os meus
inimigos,
porquanto estão sempre comigo.
Tenho mais discernimento
Que todos os meus mestres,
Pois medito nos teus testemunhos. (Salmo 119:98-99)
É possível encontrar uma quantidade torrencial de
verdades divinas, mas sem absorção você ficará pouco melhor
para a experiência. Meditação é absorção.
Creio que, em nossos dias, a meditação seja até mais
importante para a produção de frutos e a prosperidade
espirituais do que foi no Israel antigo. Mesmo que o inserir da
Palavra de Deus fosse igual, nós somos atingidos por uma
60 Absorção Bíblica (Parte 2)
avalanche de informações que o salmista jamais poderia ter
imaginado. Associe isso a mais algumas de nossas
responsabilidades modernas e o resultado será uma distração
e uma dissipação mentais que sufocam nossa absorção das
Escrituras. Dizem que, devido à explosão de informações, que
dobra a soma total de conhecimento humano a cada poucos
anos, nós agora atingimos um ponto em que uma edição média
do New York Times em um dia de semana contém mais
informações do que Jonathan Edwards teria obtido em sua vida
inteira no século XVIII. É certo que ele tinha muitas
responsabilidades que consumiam tempo (como cuidar de seu
cavalo) com que nós não temos que nos preocupar. Por outro
lado, ele não teve que atender a um só telefonema em toda a
sua vida! Apesar de suas inconveniências, sua mente, assim
como a do salmista, não ficava tão distraída com notícias
mundiais instantâneas, televisão e rádio, telefones celulares e
de carros, estéreos pessoais, transportes rápidos,
correspondências inúteis e assim por diante. Por causa dessas
coisas, é mais difícil para nós hoje concentrarmos nossos
pensamentos, especialmente em Deus e nas Escrituras, do que
jamais foi.
Isso é parte de um antigo mistério que começa a se
esclarecer para mim. Muitas vezes me pergunto como os
homens que viveram centenas de anos atrás sempre foram
capazes de produzir mais à caneta do que a maioria dos homens
modernos é, com máquinas de escrever e computadores.
Recentemente, recebi uma cópia de Christian Directory
("Catálogo Cristão") de Richard Baxter, um guia prático
relacionado a simplesmente todo aspecto imaginável da vida
cristã. Este admirável livro consiste em quase mil páginas de
impressão em letras miúdas e contém 1.250.000 palavras. Se
Com o Propósito de Alcançar a Piedade 61
isso não é suficiente para impressioná-lo, pense que Baxter
pesquisou e escreveu, à mão, a maior parte do livro em menos
de dois anos (1664-1665). E isso sem ajuda de luzes elétricas,
menos ainda de máquinas de escrever elétricas ou de
processadores de textos. Admito que ele não tinha outras
responsabilidades exceto sua família durante esse período de
dois anos, mas ainda assim, essa foi uma realização
maravilhosa. Já imaginei a mim mesmo, sem ter
responsabilidade alguma exceto pesquisar e escrever por dois
anos, mas ainda não sei se eu conseguiria chegar a um resultado
próximo do de Baxter. Além disso, não estou certo se conheço
outra pessoa que consiga. Como ele o fez? As pessoas nascidas
à época têm mais capacidade mental do que todas as gerações
posteriores? Não acho que isso seja verdade.
O que realmente acho é que homens como Baxter foram
exceções mesmo em seu próprio tempo. E creio que a unção do
Senhor estava sobre ele para realizar esta longa tarefa, assim
como esteve com Handel quando este compôs o Messias em
menos de um mês. Mas também creio que haja uma diferença
prática entre pessoas como Baxter e nós. Sua mente não tinha
tantas distrações quanto a nossa, sendo exposta a menos
informações gerais e menos fatos para desordenar seu
pensamento.
O que fazer, então? Não podemos voltar à época de Richard
Baxter a menos que nos mudemos para as selvas de Papua Nova
Guiné. E mesmo assim nós já teremos vivido tempo demais na
era da informação para escapar de sua influência. Mas podemos
restaurar a ordem a nosso pensamento e recapturar um pouco
da habilidade de nos concentrarmos - especialmente na
verdade espiritual - por meio da meditação bíblica.
Na verdade, é exatamente assim que homens como Baxter
62 Absorção Bíblica (Parte 2)
e Edwards disciplinarama si mesmos. Em sua cativante
biografia de Sara Edwards, Elisabeth Dodds disse o seguinte
sobre Jonathan:
Quando mais jovem, Edwards havia refletido sobre com o
aproveitar o tempo durante suas viagens. Depois de mudar-se
para Northampton, ele traçou o plano de prender um pequeno
pedaço de papel a uma certa parte de seu casaco, atribuindo ao
papel um número e fazendo sua mente associar um assunto àquele
pedaço de papel. Após três horas de viagem, retornando de
Boston, ele chegava cheio de papéis. De volta a seu estúdio, ele
tirava os papéis m etodicam ente, e escrevia a sucessão de
pensamentos que cada papelzinho trazia à sua memória.4
Não temos que andar por aí cheios de papeizinhos, mas
podemos ser transformados pela renovação de nossas mentes
(Romanos 12:2) por meio da meditação disciplinada nas
Escrituras. Podemos não produzir de forma tão frutífera quanto
Richard Baxter ou não ser tão bem-sucedidos espiritualmente
quanto Jonathan Edwards, mas podemos ser mais sábios do
que nossos inimigos, ter mais visão do que nossos mestres,
experimentar todas as promessas de Josué 1:8 e Salmo 1, e ser
mais Piedosos se meditarmos biblicamente.
Como, então, meditar de maneira cristã?
Selecione uma Passagem Adequada
A maneira mais fácil de decidir sobre o que meditar é
escolher o(s) versículo(s), a frase ou a palavra que mais tocar
você durante seu encontro com as Escrituras. Obviamente, este
é um método subjetivo, mas qualquer método será um pouco
subjetivo. Além disso, a meditação é essencialmente uma
atividade subjetiva, um fato que enfatiza a importância de
Com o Propósito de Alcançar a Piedade 63
baseá-la nas Escrituras, o recurso perfeitamente objetivo.5
Nossa visão do ministério do Espírito Santo também nos
leva a crer que muitas vezes Ele, como Autor do Livro, nos faz
ficar tocados com certo trecho das Escrituras por ser exatamente
a parte em que Ele deseja que meditemos naquele dia. Sem
dúvida este método pode ser usado incorretamente ou levado
ao extremo. Devemos usar de sabedoria e nos certificar de que
não deixaremos de meditar freqüentemente na Pessoa e na obra
de Jesus Cristo e nos grandes temas da Bíblia.
Versículos visivelmente relacionados com seus interesses
e necessidades pessoais são claramente alvos de meditação.
Embora não devamos abordar a Bíblia simplesmente como um
sumário de conselhos sábios, uma coleção de promessas ou um
"livro de respostas", é vontade de Deus que prestemos atenção
àquelas coisas que Ele escreveu que dizem respeito diretamente
a nossas circunstâncias. Se você tem conflitos com sua vida de
pensamentos e ler Filipenses, então você provavelmente
precisará meditar em 4:8: "Finalmente, irmãos, tudo o que é
verdadeiro, tudo o que respeitável, tudo o que é justo, tudo o que é
puro, tudo o que é amável, tudo o que é de boa fama, se alguma virtude
há e se algum louvor existe, seja isso o que ocupe o vosso pensamento".
Você tem se preocupado com a salvação de um amigo ou
membro da família? Se ler João 4, o que deve fazer é meditar na
forma de comunicação de Jesus ali e traçar paralelos a sua
própria situação. Você sente distância de Deus ou sequidão em
sua condição espiritual? Buscar indícios do caráter de Deus e
basear-se neles é uma boa escolha.
Uma das formas mais consistentes de se selecionar uma
passagem para meditação é discernir a mensagem principal de
uma parte específica de seu encontro com as Escrituras e
meditar em seu significado e aplicação. Por exemplo,
64 Absorção Bíblica (Parte 2)
recentemente eu li Lucas 11. Esse capítulo tem dez parágrafos
na versão que eu usei. Escolhi uma parte, os versículos de 5 a
13, cujo tema principal é a persistência na oração. Refleti nessa
idéia, especialmente em como ela é exposta nos versículos 9 e
10, que falam sobre pedir, buscar e bater. Isso é mais difícil de
fazer em livros como Provérbios, onde um versículo individual
é muitas vezes um conceito em si mesmo e não parte de um
parágrafo. Em trechos assim, você deve adotar um dos métodos
mencionados acima para selecionar seu texto para meditação.
Repetir de Diferentes Modos
Neste método, "vira-se" o versículo ou frase das Escrituras,
que é examinado em cada faceta, como um diamante.
Uma meditação nas palavras de Jesus no começo de João
11:25 pareceria assim:
"Eu sou a ressurreição e a vida."
"Eu sou a ressurreição e a vida."
"Eu sou a ressurreição e a vida."
"Eu sou a ressurreição e a vida."
"Eu sou a ressurreição e a vida."
"Eu sou a ressurreição e a vida."
"Eu sou a ressurreição e a vida."
Evidentemente, o ponto não é simplesmente repetir cada
palavra do versículo de forma vã, até que todas elas tenham
sido enfatizadas. O propósito é pensar profundamente na luz
(verdade) que cintila em sua mente cada vez que o versículo é
"virado". É simples, mas eficiente. Considero-o especialmente
útil quando tenho problemas para me concentrar em uma
passagem ou quando as idéias vêm vagarosamente dela.
Com o Propósito de Alcançar a Piedade 65
Reescrever em suas Próprias Palavras
Desde seus primeiros dias de educação em casa, o pai de
Jonathan Edwards o ensinou a pensar com a caneta na mão,
um hábito que ele manteve por toda a sua vida. Esta prática
ajuda você a focar a atenção no que importa no momento,
enquanto estimula seu fluxo de pensamento. Parafrasear o(s)
versículo(s) que está considerando é também uma boa forma
de garantir o entendimento de seu significado. Tenho um amigo
que diz que parafrasear versículos à maneira da Bíblia Ampliada
é o método mais produtivo de abrir um texto para ele. O próprio
ato de pensar em sinônimos e outras formas de reformular o
significado inspirado de uma parte da Palavra de Deus é uma
forma de meditação em si.
Procure Aplicações para o Texto
Pergunte a si mesmo: "Como irei reagir a este texto? Como
Deus quer que eu aja como resultado de meu encontro com
esta parte de Sua Palavra?"
O resultado da meditação deve ser a aplicação. Assim como
mastigar sem engolir, a meditação fica incompleta se não houver
algum tipo de aplicação. Ela é tão importante, que a próxima
parte deste livro é inteiramente dedicada à aplicação da Palavra
de Deus.
Ore a Respeito do Texto
Este é o espírito de Salmo 119:18: "Abre os meus olhos para
que eu veja as maravilhas da tua lei". O Espírito Santo é o Grande
Guia para a verdade (João 14:26). A meditação é mais do que
mera fixação da concentração humana ou energia mental
criativa. Orar durante o meditar em um versículo das Escrituras
submete a mente à iluminação do texto pelo Espírito Santo e
66 Absorção Bíblica (Parte 2)
intensifica a sua percepção espiritual. A Bíblia foi escrita sob
inspiração do Espírito Santo; ore por Sua iluminação quando
meditar.
Recentemente, meditei em Salmo 119:50: "Este é o meu
consolo no meu sofrimento: a tua promessa dá-me vida". Orei pelo
texto destas linhas:
Senhor, Tu sabes a aflição que estou passando neste exato
momento. A Tua Palavra promete me confortar na aflição. A Tua
Palavra pode me restaurar em minha aflição. Eu realmente creio
que isso é verdade. A Tua Palavra me restaurou na aflição no
passado, e eu confesso minha fé em Ti que ela me restaurará nesta
experiência. Oro para que o Senhor me restaure agora por meio
do conforto de Tua Palavra.
Enquanto orava a respeito do texto, o Espírito Santo
começou a trazer a minha mente verdades das Escrituras a
respeito da soberania de Deus sobre Sua Igreja, da Sua
providência sobre as circunstâncias em minha vida, do Seu
poder, da Sua presença e amor constantes e assim por diante.
Naquele tempo prolongado de meditação e oração, minha alma
foi restaurada e senti-me confortado pelo Consolador.
A meditação deve sempre envolver duas pessoas: o cristão
e o Espírito Santo. Orar a respeito de um texto é convidar o
Espírito Santo a manter Sua luz divina sobre as palavras das
Escrituras para mostrar a você aquilo que você não consegue
ver sem Ele.
Não tenha pressa, gaste tempo!
Que valor há em ler um, três oumais capítulos da Bíblia, se
depois você não conseguir se lembrar de uma só coisa que leu?
E melhor ler uma pequena porção das Escrituras e meditar nela
Com o Propósito de Alcançar a Piedade 67
do que ler uma parte extensa sem meditar.
Em 1990, da Escócia, Maurice Roberts escreveu as
seguintes palavras:
Tristemente, nossa era tem sido deficiente no que pode ser
chamado grandeza espiritual. Na raiz disso está a doença moderna
da superficialidade. Somos impacientes demais para meditar na
fé que proferimos... Não é o diligente exame superficial de livros
religiosos ou a descuidada presteza nos deveres religiosos que
faz uma forte fé cristã, mas é a meditação sem pressa nas verdades
do evangelho e a exposição de nossas mentes a essas verdades
que produz o fruto do caráter santificado.6
Leia menos (se necessário) para meditar mais. Embora
muitos cristãos precisem encontrar tempo para ler mais a Bíblia,
é possível que haja alguns que estejam gastando todo o tempo
que podem ou devem lendo a Bíblia. Se não for viável
acrescentar mais tempo a sua programação devocional para
meditar na leitura das Escrituras, leia menos para que possa
dedicar à meditação algum tempo sem pressa. Mesmo que
possa encontrar momentos ao longo do dia quando você medita
na Palavra de Deus (leia o Salmo 119:97), a melhor meditação
geralmente ocorre como parte de seu principal encontro diário
com a Bíblia.
Que sua experiência na meditação escriturística seja tão feliz
e produtiva quanto a de Jonathan Edwards, que registrou estas
linhas em seu diário logo após converter-se. "Eu parecia ver
sempre tanta luz em cada sentença e receber alimento tão
revigorante, que não conseguia ir adiante na leitura; muitas
vezes permanecendo por longo tempo em uma frase para ver
as maravilhas contidas nela, e quase todas as sentenças
pareciam estar cheia de maravilhas".7
68 Absorção Bíblica (Parte 2)
APLICANDO A PALAVRA DE DEUS -
BENEFÍCIOS E MÉTODOS
Em um estudo patrocinado por Holman Bibles, adultos
foram questionados sobre sua principal dificuldade em ler a
Bíblia. A resposta foi: "aplicar as Escrituras a situações
concretas".8 Apesar de lutarmos ocasionalmente para entender
algumas partes das Escrituras, entendê-las não é nosso
problema mais importante. A maior parte das Escrituras é
abundantemente clara. Nossa dificuldade reside muito mais
em saber como aplicar as partes claramente entendidas da
Palavra de Deus à vida diária. O que ela diz sobre a educação
de meus filhos? Como as Escrituras devem influenciar minhas
decisões e relacionamentos no trabalho? Qual é a perspectiva
bíblica sobre a escolha que estou prestes a fazer? Como posso
saber qual é o melhor de Deus? Esses são os tipos de perguntas
que os leitores da Bíblia fazem freqüentemente; eles comprovam
a urgência de se aprender a Disciplina da aplicação da Palavra
de Deus.
O Valor da Aplicação da Palavra de Deus
A Bíblia promete a bênção de Deus sobre aqueles que
aplicam a Palavra de Deus a suas vidas. A clássica declaração
da Nova Aliança sobre o valor de integrar o espiritual com o
concreto é Tiago 1:22-25: "Tornai-vos, pois, praticantes da palavra
e não somente ouvintes, enganando-vos a vós mesmos. Porque, se
alguém é ouvinte da palavra e não praticante, assemelha-se ao homem
que contempla, num espelho, o seu rosto natural; pois a si mesmo se
contempla, e se retira, e para logo se esquece de como era a sua
aparência. Mas aquele que considera, atentamente, na lei perfeita, lei
da liberdade, e nela persevera, não sendo ouvinte negligente, mas
Com o Propósito de Alcançar a Piedade 69
operoso praticante, esse será bem-aventurado no que realizar".
Substancial e poderosa é a declaração semelhante de Jesus: "Ora,
se sabeis estas coisas, bem-aventurados sois se as praticardes" (João
13:17).
Esses versículos nos dizem que pode haver engano em
ouvir a Palavra de Deus. Sem minimizar a suficiência das
Escrituras nem o poder do Espírito Santo para trabalhar até
por meio da mais casual "pincelada" da Bíblia, podemos ser
freqüentemente iludidos quanto ao impacto das Escrituras
sobre nossas vidas. De acordo com Tiago, podemos
experimentar a verdade de Deus tão poderosamente, que o que
o Senhor deseja que façamos toma-se tão evidente quanto a
nossa face no espelho. Mas se nós não aplicamos a verdade
como a encontramos, enganamo-nos pensando que ganhamos
valor prático, independentemente de quão maravilhosa foi a
experiência da descoberta da verdade. Aquele que "será feliz
naquilo que fizer" é aquele que faz o que as Escrituras dizem.
Ser "feliz naquilo que fizer" equivale às promessas de
bênção, sucesso e prosperidade dadas em Josué 1:8 e Salmo
1:1-3 àqueles que meditam na Palavra de Deus. E por isso que
a meditação deve definitivamente levar à aplicação. Quando
Deus instruiu Josué a meditar em Seu Livro de dia e de noite,
disse que o propósito da meditação era "para que você cumpra
fielmente tudo o que nele está escrito". A promessa "os seus
caminhos prosperarão e você será bem-sucedido" seria
cumprida, não como resultado da meditação apenas, mas como
bênção de Deus sobre a aplicação moldada pela meditação.
Espere Descobrir uma Aplicação
Por ser desejo de Deus que sejamos praticantes da Sua
Palavra, você pode confiar que Ele quer que você encontre uma
70 Absorção Bíblica (Parte 2)
aplicação sempre que se aproximar das Escrituras. Pela mesma
razão, você pode crer que o Espírito Santo está disposto a ajudá-
lo a discernir uma forma de desenvolver suas idéias. Portanto,
abra o Livro com expectativa. Anteveja a descoberta de uma
resposta prática à verdade de Deus. E muito diferente abrir a
Bíblia com fé de encontrar uma aplicação e abri-la crendo que
isso não ocorrerá.
O ministro e escritor puritano Thomas Watson, cuja
influência foi tão grande a ponto de ele ser chamado "a mãe
adotiva de gigantes teólogos evangélicos", encorajou a
expectativa da aplicação ao dizer:
Considerem toda palavra como dita a si mesmos. Quando a
palavra "trovejar" contra o pecado, pense assim: "Deus está se
referindo a meus pecados"; quando ela insistir em algum dever:
"Deus quer que eu faça isso". Muitos se esquivam das Escrituras,
como se elas se referissem somente àqueles que viveram à época
em que foram escritas; mas se você pretende tirar proveito da
palavra, traga-a para perto de si: um remédio não faz bem algum
a menos que seja aplicado.9
Porque as Escrituras foram inspiradas por Deus, creia que
o que está lendo também foi escrito para você, além de para os
primeiros destinatários da mensagem. Sem tal atitude, você
raramente perceberá a aplicação de uma passagem das
Escrituras a sua situação pessoal.
Entenda o Texto
Um mal entendido a respeito do significado de um versículo
leva a aplicações errôneas. Por exemplo, algumas pessoas têm
aplicado a injunção de Colossenses 2:21: "Não manuseie!, Não
prove!, Não toque!" para proibir quase tudo o que se possa
Com o Propósito de Alcançar a Piedade 71
imaginar. Embora possa haver boas razões para nos abstermos
de algumas das coisas contra as quais este versículo tem sido
usado, o texto é mal aplicado quando usado de tal forma porque
seu significado não é bem entendido. Quando considerado o
contexto, fica claro que essas palavras na verdade eram o slogan
de um grupo ascético que o Apóstolo Paulo estava denunciando
como inimigo do evangelho. Assim, se você leu o versículo e
pensou que ele poderia se aplicar a sua necessidade de perder
peso, pode ficar tranqüilo em saber que tal aplicação é inválida
porque parte de uma interpretação incorreta. (Contudo, uma
dieta diferente pode ser a aplicação pessoal a que o Espírito
Santo o levaria a partir de 1 Coríntios 9:27.)
Watson estava certo quando disse: "Considere toda palavra
como se fosse dita a si mesmos". Porém, não podemos fazer
isso até que entendamos o que ela quis dizer àqueles que a
ouviram primeiro. Se você considerar todas as palavras do
chamado de Deus a Abraão em Gênesis 12:1-7como ditas a
você, logo estará se mudando para Israel. Mas se você entender
aquele chamado específico como exclusivo a Abraão, você pode
ainda descobrir as verdades eternas dentro dele e aplicar cada
palavra a si mesmo. Você seguiu o chamado de Deus para vir a
Cristo? Está disposto a obedecer à voz de Deus e ir para onde
quer que Ele o envie - um novo emprego, novo local, campo
missionário etc.?
Temos que entender como uma passagem se aplicava
quando foi primeiramente proferida antes de podermos
entender como ela se aplica hoje. Quando Jesus disse: "Em
verdade te digo que hoje estarás comigo no paraíso" (Lucas 23:43), a
aplicação foi para o ladrão na cruz. Porque essas palavras fazem
parte das Escrituras, contudo, e já que "toda a Escritura é
inspirada por Deus e útil", o Senhor quis que elas tivessem
72 Absorção Bíblica (Parte 2)
aplicação a todos os crentes. Obviamente, a aplicação
contemporânea não é que todo cristão morrerá hoje e estará
com Jesus no Paraíso. Uma maneira de aplicarmos este texto é
em termos de preparação para a morte. Percebemos que é
possível que a morte chegue hoje e depois examinamos a nós
mesmos quanto à nossa prontidão para ela. Também podemos
aplicá-la com relação à presença de Cristo. Como cristãos, Cristo
está sempre presente dentro de nós, então Ele está conosco hoje,
mesmo que ainda não estejamos no Paraíso. Como uma
consciência renovada da presença de Cristo afeta as nossas
orações ou o nosso panorama do resto do dia?
A promessa de Jesus ao ladrão é um exemplo de como nem
toda promessa foi proferida para ser aplicada hoje exatamente
da mesma maneira que foi originalmente. Por outro lado, muitas
outras promessas são genéricas, universais e perpétuas em sua
aplicação. Um exemplo óbvio é João 3:16. Outro é 1 João 1:9.
Como podemos saber quais passagens devem ser aplicadas de
modo diferente do que quando foram primeiramente
colocadas? E neste ponto que um conhecimento crescente das
Escrituras, adquirido por ouvir, ler e, especialmente, estudar a
Bíblia rende dividendo. Quanto mais entendemos a Bíblia, mais
equipados ficamos para aplicá-la.
Tendo dito tudo isto, ainda defendo que muito das
Escrituras é simples e direto em seu significado. Nosso
problema continua a ser mais falta de ação do que de
compreensão. As palavras das Escrituras devem ser entendidas
para serem aplicadas, mas até que as apliquemos, nós na
verdade não as entendemos.
Meditar para Discernir a Aplicação
Já percebemos que a meditação não é um fim em si mesmo.
Com o Propósito de Alcançar a Piedade 73
Pensar profundamente nas verdades e realidades espirituais
das Escrituras é a chave para colocá-las em prática. É por meio
da meditação que os fatos das informações bíblicas se
transformam em aplicação prática.
Se lemos, ouvimos ou estudamos a Palavra de Deus sem
meditar nela, não surpreende que "aplicar as Escrituras a
situações concretas" seja tão difícil. Talvez possamos até treinar
um pássaro a memorizar todos os versículos das Escrituras que
nós memorizamos, mas se não os aplicarmos à vida, eles não
terão para nós valor muito mais duradouro do que para o
pássaro. Como a Palavra memorizada se toma Palavra aplicada?
Por meio da meditação.
A maior parte das informações, até mesmo as informações
bíblicas, flui por nossa mente como água por uma peneira.
Normalmente são tantas informações novas a cada dia, e elas
entram tão rapidamente, que nós retemos muito pouco. Mas
quando meditamos, a verdade permanece e se infiltra. Podemos
sentir mais plenamente o seu aroma e degustá-la melhor.
Enquanto ela fermenta em nosso cérebro, as idéias surgem. O
coração é aquecido pela meditação e a verdade fria é fundida
em ação passional.
Salmo 119:15 o coloca da seguinte forma: "Meditarei nos teus
preceitos e darei atenção às tuas veredas". Foi por meio da meditação
na Palavra de Deus que o salmista discerniu como considerar
os caminhos de Deus para a vida, isto é, como ser praticante
deles. Não é diferente conosco. A maneira de se determinar
como um texto das Escrituras se aplica a situações concretas da
vida é a meditação naquele texto.
Faça Perguntas ao Texto com Vistas à Aplicação
Fazer perguntas ao texto é uma das melhores maneiras de
74 Absorção Bíblica (Parte 2)
meditar. Quanto mais perguntas você fizer e responder sobre
um versículo das Escrituras, mais o entenderá e com mais
clareza verá como aplicá-lo.
Eis alguns exemplos de perguntas dirigidas à aplicação que
podem ajudá-lo a se tornar praticante da Palavra de Deus:
® Este texto revela algo que eu deva crer a respeito de Deus?
® Este texto revela algo por que eu deva louvar, agradecer ou
confiar em Deus?
o Este texto revela algo por que eu deva orar para mim mesmo
ou outras pessoas?
o Este texto revela algo por que eu deva tomar uma nova atitude?
o Este texto revela algo por que eu deva tomar uma decisão?
• Este texto revela algo que eu deva fazer por causa de Cristo,
de outros ou de mim mesmo?
Algumas vezes um versículo das Escrituras terá aplicação
tão evidente a sua vida, que irá virtualmente saltar da página e
implorar a você que pratique o que está escrito. Na maioria das
vezes, porém, você terá que entrevistar o versículo, fazendo
perguntas a ele pacientemente até que uma resposta realista se
tome clara.
R eaja Esp ecificam en te
O encontro com Deus por meio de Sua Palavra deve resultar
em ao menos uma reação específica. Em outras palavras, após
concluir o tempo de absorção bíblica, você deverá ser capaz de
mencionar ao menos uma reação que teve ou terá àquilo que
absorveu. Tal reação pode ser um ato explícito de fé, adoração,
louvor, gratidão ou oração. Pode tomar a forma de pedido de
perdão a alguém ou de proferimento de uma palavra de
encorajamento. A reação pode envolver o abandono de um
Com o Propósito de Alcançar a Piedade 75
pecado ou a demonstração de um ato de amor.
Independentemente da natureza da reação, comprometa-se
conscientemente a realizar ao menos uma ação seguindo a
absorção da Palavra de Deus.
Qual a importância disso? Quantas vezes você tem fechado
a Bíblia e percebido, de repente, que não consegue lembrar-se
de uma só coisa que leu? De quantos estudos bíblicos você tem
participado e quantos sermões tem ouvido, dos quais não ficou
marca alguma das Escrituras sobre sua vida? Conheci pessoas
que faziam seis estudos bíblicos por semana e que cresceram
apenas em conhecimento, e não em semelhança com Cristo,
por não aplicarem o aprendido. A vida de oração delas não era
forte, elas não influenciavam as pessoas perdidas com o
evangelho, a vida familiar delas era tensa. Se começarmos a
nos disciplinar para determinar ao menos uma reação específica
ao texto antes de nos afastarmos dele, cresceremos muito mais
rapidamente em graça. Sem este tipo de aplicação, não somos
praticantes da Palavra de Deus.
MAIS APLICAÇÃO
Você vai iniciar um plano de memorização da Palavra de
Deus? Se for cristão há muito tempo, você provavelmente já
terá memorizado muito mais versículos do que imagina. Um
dos versículos que talvez saiba é Filipenses 4:13: "Tudo posso
naquele que me fortalece". Você crê que esse versículo é
verdadeiro? Crê que a palavra "tudo" do versículo engloba a
memorização das Escrituras? Uma vez que você pode
memorizar, você irá memorizar? Quando irá começar?
Você vai cultivar a Disciplina da Meditação na Palavra de
Deus? Pensamentos ocasionais sobre Deus não são meditação.
76 Absorção Bíblica (Parte 2)
"Um homem pode pensar em Deus todos os dias", disse
William Bridge, "e não meditar em Deus dia algum".10 Deus
nos chama por meio das Escrituras para desenvolver a prática
de vivermos Nele em nossos pensamentos.
Agora tenho certeza de que você entende que cultivar a
Disciplina da meditação envolve um comprometimento de
tempo. Bridge, um dos mais antigos, porém o melhor escritor
evangélico sobre meditação de todos os tempos, previu o
problema de se separar tempo para a meditação.
"O ", disse alguém,"eu pensaria em Deus de todo o meu coração,
mas meditação é uma tarefa que requer tempo, e custa tempo.
Eu não disponho de tempo, minhas mãos estão tão
atarefadas, e tão cheias de afazeres, eu não tenho tempo para tal
tarefa. Meditação não é um pensamento momentâneo, mas é uma
tarefa que requer tempo e irá demandar tempo, e eu não disponho
de tempo". Atente, portanto, para o que [o salmista] diz no Salmo
119: "Inclina o meu coração aos teus testemunhos", mas como? "desvia
os meus olhos de contemplarem a vaidade". O caminho para ter o
coração inclinado para os testemunhos de Deus é desviar os olhos
dessas vaidades exteriores. Você meditaria, portanto, em Deus e
nas coisas de Deus, e depois teria o cuidado de que seu coração
e mãos não estivessem cheios demais do mundo e das atividades
dele... Am igos, há um a arte, e um a habilidade divina da
meditação, que ninguém a não ser Deus pode ensinar. Você a
deseja, então vá a Deus e implore essas coisas a Ele.11
Eis a questão que naturalmente tendemos a fazer neste
ponto: "A Disciplina da meditação compensará o
comprometimento de meu tempo?" Minha resposta não é
melhor do que a de Bridge.
É uma ajuda ao conhecimento, por meio dela seu conhecimento
aumenta. Por meio dela sua memória é fortalecida. Por meio dela
Com o Propósito de Alcançar a Piedade 77
seu coração é aquecido. Por meio dela você será libertado de
pensamentos pecaminosos. Por meio dela seu coração estará em
sintonia com toda responsabilidade. Por meio dela você crescerá
em graça. Por meio dela você preencherá todas as frestas e fendas
de sua vida, e saberá como gastar seu tempo livre e aproveitá-lo
para Deus. Por meio dela você extrairá o bem do mal. Por meio
dela você irá conversar com Deus, ter comunhão com Ele e
desfrutar Dele. E me diga, isso não é benefício suficiente para
adocicar a viagem de seus pensamentos em meditação?12
Quando você considera o que as Escrituras dizem sobre a
meditação e quando pesa os testemunhos de alguns dos homens
e mulheres mais piedosos da história da Igreja, a importância e
o valor da meditação cristã para o progresso no crescimento
cristão é inegável.
Reflita em mais uma citação sobre o assunto. Ela apresenta
um desafio sobre a meditação. É de Richard Baxter, o mais
prático de todos os escritores puritanos. Uno-me a ele em
desafiar você quanto ao cultivo da Disciplina da meditação.
Se, por este meio, tu não encontrares aumento de todas as tuas
graças e não cresceres além da estatura dos cristãos comuns e
não te fizeres mais útil em teu lugar e mais precioso aos olhos de
todas as pessoas de discernimento; se a tua alma não desfrutar
maior comunhão com Deus e a tua vida não for mais cheia de
conforto e não te fizer mais preparado na hora da morte: então,
lança fora estas orientações e chama-me para sempre enganador.13
Você irá provar que é “aplicador" da Palavra? Você leu
muitos versículos da Palavra de Deus neste capítulo. O que
fará em resposta a essas passagens das Escrituras?
A maioria de nós nos consideramos praticantes da Palavra
e não meros ouvintes. Mas lembre-se de que Tiago 1:22 começa
78 Absorção Bíblica (Parte 2)
dizendo "Sejam". O verso diz a nós: "Sejam praticantes da palavra"
(NVI). Como você vai demonstrar ser praticante da Palavra de
Deus conforme ela foi apresentada a você aqui?
A Disciplina da absorção bíblica, especialmente a Disciplina
da aplicação da Palavra de Deus sempre será difícil por muitas
razões, e a menor delas não será oposição espiritual. J. I. Packer
o afirmou da seguinte maneira:
Se eu fosse o demônio, um de meus primeiros alvos seria impedir
as pessoas de vasculharem a Bíblia. Sabendo que ela é a Palavra
de Deus, ensinando homens a conhecer, amar e servir o Deus da
Palavra, eu faria tudo o que pudesse para cercá-la de equivalente
espiritual de fossos, rebordo de espinhos e armadilhas de homens,
para amedrontar as pessoas...A todo custo, eu desejaria impedi-
las de usar suas mentes de forma disciplinada para obter a medida
de sua mensagem.14
Apesar da dificuldade e da oposição espirituais, você está
disposto, a todo custo, a começar a usar sua mente "de forma
disciplinada" para se alimentar da Palavra de Deus com o fim
de alcançar a Piedade?
1 Dallas Willard, The Spirit of the Disciplines (O Espírito das Disciplinas) (São
Francisco, CA: Harper and Row, 1988), página 150.
2 Thomas Watson, "How We May Read the Scriptures with Most Spiritual Profit"
(Como Podemos Obter o Máximo Benefício Espiritual da Leitura das Escrituras),
em Puritan Sermons (Sermões Puritanos) (1674; reimpressão, Wheaton, IL: Richard
Owen Roberts, 1981), vol. 2, página 62.
3 Thomas Brooks, conforme citação em The Banner of Truth (A Bandeira da Verdade),
fevereiro de 1989, página 26.
4 Elisabeth D. Dodds, Marriage to a Difficult Man (Casada com um Homem Difícil)
(Filadélfia, PA: Westminster Press, 1971), páginas 67-68.
Com o Propósito de Alcançar a Piedade 79
5 A Bíblia menciona quatro objetos gerais de meditação. O objeto mais mencionado
é a meditação no conteúdo da própria Escritura. Um segundo objeto de meditação
é a criação de Deus. E nós até nem temos que ter uma Bíblia nas mãos para parar
para pensar na glória de Deus em um pôr-de-sol ou na habilidade criativa de
Deus em um girassol, nossa meditação na criação deve sempre ser informada pelas
Escrituras. A Bíblia também fala da meditação na providência de Deus e em Seu
caráter. Ambos podem ser observados nas circunstâncias, mas são revelados
infalivelmente apenas nas Escrituras. Com isso, desejo mostrar que a Bíblia não
limita a meditação somente a princípios bíblicos. Entretanto, toda meditação deve
ter seu foco ou naquilo que está revelado nas Escrituras ou ser informada pelas
Escrituras. O quadro a seguir exibe todos os versículos bíblicos que mencionam
explicitamente os objetos de meditação:
Palavra de Deus: Josué 1:8: "nele"
Salmo 1:2: "na lei do SENHOR"
Salmo 119:15: "nos teus preceitos"
Salmo 119:15: "tuas veredas"
Salmo 119:23: "nos teus decretos"
Salmo 119:48: "nos teus decretos"
Salmo 119:78: "nos teus preceitos"
Salmo 119:97: "tua lei"
Salmo 119:99: "teus testemunhos"
Salmo 119:148: "nas tuas promessas"
Criação de Deus:
Providência de Deus:
Salmo 143:5: "o que tuas mãos têm feito"
Salmo 77:12: "todos os teus feitos"
Salmo 77:12: "em todas as tuas obras"
Salmo 119:27: "nas tuas maravilhas"
Salmo 143:5: "em todas as tuas obras"
Salmo 145:5: "nas maravilhas que fazes"
Caráter de Deus: Salmo 63:6: "em ti"
Salmo 145:5 "o glorioso esplendor da tua majestade"
6 Maurice Roberts, "O the Depth!" (Ó Profundidade!) The Banner of Truth, julho de
1990, página 2.
7 Jonathan Edwards, The Works of Jonathan Edwards (As Obras de Jonathan Edwards),
rev. Edward Hickman (1834; reimpressão, Edinburgh, Escócia: The Banner of Truth
Trust, 1974), vol. 1, página xiv.
8 Conforme citado por Philip Yancey em "Breaking the Bible Barrier" (Quebrando
a Barreira da Bíblia), Moody, julho/agosto de 1986, página 30.
9 Watson, página 65.
10 William Bridge, The Works of the Reverend William Bridge (As Obras do Reverendo
William Bridge) (reimpressão, 1845; reimpressão, Beaver Falls, PA: Soli Deo Gloria,
1989), vol. 3, página 126.
11 Bridge, página 152.
12 Bridge, página 135.
13 Richard Baxter, The Practical Works of Richard Baxter: Select Treatises (Obras Práticas
de Richard Baxter: tratados selecionados) (Grand Rapids, MI: Baker Book House,
1981), página 90.
14 J. I. Packer, prefácio a R. C. Sproul, Knowing Scripture (Conhecendo as Escrituras)
(Downers Grove, IL: InterVarsity Press, 1979), páginas 9-10.
C A P Í T U L O Q U A T R O
Oração ...
Com o Propósito de
A lcançar a Piedade
Nós, protestantes, somos um povo indisciplinado.
Eis a razão, em grande parte, da falta de discernimento
espiritual e da grave falta de poder moral.
Albert Edward Day
Citação em How to Keep a Spiritual Journal
(Como Manter um Diário Espiritual), de Ronald Klug
A maior receptora de rádio da terra estáno Novo México.
Os pilotos a chamam "campo de cogumelos", mas seu
verdadeiro nome é Very Large Array (Formação Muito Grande).
O "VLA" é uma série de enormes discos de satélites em trinta
e oito milhas de estradas de ferro. Juntos, os discos imitam um
único telescópio do tamanho de Washington D.C. Os
astrônomos vêm de todas as partes do mundo para analisar as
imagens ópticas do céu compostas pela VLA a partir dos sinais
de rádio que recebe do espaço. Por que um aparato tão
gigantesco é necessário? Porque as ondas de rádio, muitas vezes
emitidas de fontes a milhões de anos luz de distância, são muito
fracas. A energia total de todas as ondas de rádio já registrada
mal se iguala à força de um único floco de neve ao cair no chão.1
Que imensas distâncias as pessoas percorrem em busca de
uma débil mensagem do espaço, quando Deus já falou tão
Oração 81
claramente por Seu Filho e pela Sua Palavra! Esforçando-se por
meio dos olhos de telescópios e dos ouvidos eletrônicos do VLA,
elas vasculham a escuridão infinita do universo a procura de
uma palavra. E o tempo todo: "Temos, assim, tanto mais confirmada
a palavra profética, e fazeis bem em atendê-la, como a uma candeia
que brilha em lugar tenebroso, até que o dia clareie e a estrela da alva
nasça em vosso coração" (2 Pedro 1:19).
Mas Deus não só tem falado clara e poderosamente a nós
por meio de Cristo e das Escrituras, como também tem um
Ouvido Muito Grande continuamente aberto para nós. Ele ouve
toda oração de Seus filhos, até quando nossas orações são mais
fracas do que um floco de neve. É por isso que, de todas as
Disciplinas escriturísticas, a oração ocupa somente o segundo
lugar em importância seguindo a absorção da Palavra de Deus.
O relacionamento dinâmico da oração com a absorção da
Palavra de Deus e sua proeminência sobre todas as outras
Disciplinas Espirituais é ilustrada a partir da história cristã por
Cari Lundquist:
A igreja do Novo Testamento acrescentou duas outras disciplinas
à oração e ao estudo bíblico: a Ceia do Senhor e os pequenos
grupos de células. John Wesley enfatizou cinco obras de piedade
ao acrescentar o jejum. Os místicos medievais escreveram sobre
nove disciplinas agrupadas a três experiências: purgação do
pecado, iluminação do espírito e união com Deus. Mais tarde, a
abordagem da Convenção Keswick à santidade prática girou em
torno de cinco exercícios religiosos diferentes. Hoje, o livro
Celebration of Discipline (Celebração da Disciplina), de Richard
Foster, relaciona doze disciplinas, todas elas relevantes para o
cristão contemporâneo. Mas sejam quais forem os variados
exercícios religiosos que pratiquemos, sem os dois básicos de
Emaús - oração e leitura da Bíblia - os outros são vazios e
ineficazes.2
82 Oração
Se Lundquist estiver certo, como eu creio que esteja, então
uma das principais razões para a falta de Piedade é a falta de
oração.
Durante a década de 1980, enquanto freqüentavam
seminários sobre oração por despertamento espiritual, mais de
dezessete mil membros de uma importante denominação
evangélica foram entrevistados a respeito de seus hábitos de
oração. Por freqüentarem tal tipo de seminário, podemos
presumir que essas pessoas tinham um interesse acima da
média pela oração. Entretanto, as pesquisas revelaram que elas
oravam em média menos de cinco minutos por dia. Havia dois
mil pastores e esposas nos mesmos seminários que, conforme
eles próprios admitiram, oravam menos de sete minutos por
dia. É muito fácil fazer as pessoas se sentirem culpadas com
relação à falta de oração, e esta não é a intenção deste capítulo.
Mas é preciso aceitar o fato de que, para sermos como Jesus,
temos que orar.
É PRECISO ORAR
Dizer que é preciso orar pode mexer um pouco com os filhos
de uma era não conformista e anti-autoridade. Aqueles que têm
se colocado sob a autoridade de Cristo e da Bíblia, contudo,
sabem que a vontade de Deus é que oremos. Mas também
cremos que a vontade Dele é perfeita.
Jesus Espera que Oremos
Não pense na oração como uma necessidade impessoal.
Observe que ela é uma Pessoa, o Senhor Jesus Cristo, com toda
autoridade e com todo amor, que espera que nós oremos. Esses
excertos de Suas palavras mostram que Ele mesmo espera que
Com o Propósito de Alcançar a Piedade 83
oremos:
o Mateus 6:5: "E quando vocês orarem..."
o Mateus 6:6: "Mas quando você orar..."
© Mateus 6:7: "E quando orarem..."
© Mateus 6:9: "Vocês, orem assim..."
© Lucas 11:9: "Por isso lhes digo: Peçam...; busquem...; batam..."
0 Lucas 18:1: "Então Jesus contou aos seus discípulos...que eles deviatn
orar sempre..."
Suponha que Jesus aparecesse a você pessoalmente, assim
como Ele fez ao Apóstolo João na Ilha de Patmos em Apocalipse
1, e dissesse que espera que você ore. Você não se tomaria mais
fiel na oração sabendo especificamente que Jesus espera isso
de você? Bem, as palavras de Jesus citadas acima são a Sua
vontade para você tanto quanto se Ele falasse seu nome e as
dissesse a você face a face.
A Palavra de Deus o Toma Claro
Além das palavras de Jesus, a inequívoca expectativa de
Deus no restante do Novo Testamento é que oremos.
Colossenses 4:2: "Dediquem-se à o r a ç ã o Todos nós nos
dedicamos a algo. A maioria de nós, a muitas coisas. Sabemos a
que somos dedicados quando para algo damos prioridade,
dispomo-nos a fazer sacrifícios e a dedicar tempo. Deus espera
que os cristãos sejam dedicados à oração.
1 Tessalonicenses 5:17: "Orem continuamente." Enquanto
"Dediquem-se à oração" enfatiza a oração como atividade,
"Orem continuamente" nos traz à mente que a oração é também
um relacionamento com o Pai.
Assim, este versículo, não significa que nada façamos senão
orar, pois a Bíblia espera muitas outras coisas de nós além da
84 Oração
oração, inclusive períodos de descanso quando não podemos
orar conscientemente. Significa, na verdade, que, se falar e
pensar em Deus não é algo que possa estar na parte dianteira
de sua mente, deve sempre estar à espreita para tomar o lugar
daquilo em que você está se concentrando. Você pode entender
que orar sem cessar é comunicar-se com Deus em uma linha
enquanto também recebe chamadas em outra. Ainda que esteja
falando na outra linha, você nunca perde a consciência da
necessidade de voltar a atenção para o Senhor. Assim, orar sem
cessar significa que você nunca pára realmente de conversar
com Deus; mas simplesmente é interrompido com freqüência.
Eu poderia ter escolhido outras passagens da Nova Aliança
que indicassem que Deus espera que nós oremos, mas essas
duas são especialmente significativas por serem ordens diretas.
Isto significa que ter pouco tempo, muitas responsabilidades,
muitos filhos, trabalho demais, pouco desejo, pouca experiência
etc., não nos isenta da expectativa de orar. Deus espera que
todo cristão seja dedicado à oração e ore sem cessar.
Martinho Lutero, um homem de oração bem como
reformador da igreja, expressou a expectativa divina em relação
à oração da seguinte forma: "Assim como a tarefa dos alfaiates
é fazer roupas e a dos sapateiros, consertar sapatos, a tarefa
dos cristãos é orar".3
Mas devemos ver a expectativa de orar não só como um
chamado divino, mas também como convite excelente. Como
o escritor de Hebreus nos diz, "Assim, aproximemo-nos do trono
da graça com toda a confiança, a fim de recebermos misericórdia e
encontrarmos graça que nos ajude no momento da necessidade" (4:16).
Podemos ser pessimistas em relação à oração e ver a expectativa
de orar meramente como obrigação, ou podemos ser otimistas
que vêem a ordem de orar como oportunidade de receber
Com o Propósito de Alcançar a Piedade 85
misericórdia e graça de Deus.
Minha esposa Caffy espera que eu telefone para ela quando
viajo. Mas essa expectativa é uma expectativa de amor. Ela pede
que eu ligue porque ela quer saber como estou. A expectativa
de Deus para que oremos é assim também. A Sua ordem de
orar é de amor. Em Seu amor, Ele deseja comunicar-se conosco
e nos abençoar.Deus também espera que oremos assim como um general
espera ouvir notícias de seus soldados na batalha. Um escritor
nos lembra de que "a oração é um walkietalkie para a luta
armada, e não um interfone doméstico para aumentar nossas
conveniências". 4 Deus espera que usemos o walkietalkie da
oração porque esse é o meio que Ele ordenou não só para a
Piedade, mas também para a batalha espiritual entre o Seu
Reino e o reino de Seu inimigo. Abandonar a oração é, na melhor
das hipóteses, lutar com nossos próprios recursos, e na pior, é
perder interesse pela batalha.
O que sabemos é que Jesus orou. Lucas nos diz: "Mas Jesus
retirava-se para lugares solitários, e orava" (Lucas 5:16). Se Jesus
precisou orar, quanto mais nós precisamos? A oração é esperada
de nós porque nós precisamos dela. Sem ela, não seremos como
Jesus.
Por que, então, tantos crentes confessam que não oram
como deveriam? Às vezes o problema é basicamente falta de
disciplina. Nunca se planeja orar; nunca se reserva tempo
somente para a oração. Enquanto externamente se ressalta a
prioridade da oração, na realidade, ela sempre parece ser
sufocada por coisas mais urgentes.
Muitas vezes nós não oramos porque duvidamos que algo
realmente irá acontecer se orarmos. Obviamente, não
admitimos isso publicamente. Mas se tivéssemos certeza de
86 Oração
resultados visíveis no período de sessenta segundos de cada
oração, as calças de todo cristão no mundo teria furos nos
joelhos! Evidentemente, a Bíblia nunca promete isso, ainda que
seja promessa de Deus responder as orações. A oração envolve
comunicação no reino espiritual. Muitas orações são
respondidas de formas que não podem ser vistas no reino
material. Muitas orações são respondidas de formas diferentes
daquilo que pedimos. Por várias razões, após abrirmos nossos
olhos, nem sempre vemos evidências tangíveis de nossas
orações. Quando não vigiamos, isso nos tenta a duvidar do
poder de Deus na oração.
A falta de senso de proximidade de Deus também pode
desencorajar a oração. Há aqueles momentos maravilhosos
quando o Senhor parece tão próximo que quase esperamos
ouvir uma voz audível. Ninguém precisa ser incitado a orar
nesses tempos de preciosa intimidade com Deus. Normalmente,
porém, não nos sentimos assim. Na verdade, às vezes nem
conseguimos sentir a presença de Deus! Embora seja verdade
que a oração (bem como todos os aspectos de nossa vida cristã)
deva ser governada pela verdade das Escrituras e não por
nossos sentimentos, a fragilidade de nossas emoções
freqüentemente corrói o nosso desejo de orar. Quando o desejo
de orar enfraquece, podemos encontrar muitas outras coisas
para fazer.
Quando há pouca consciência da real necessidade, há pouca
oração verdadeira. Algumas circunstâncias nos levam a dobrar
os joelhos. Mas há períodos em que a vida parece bastante
controlável. Embora Jesus tenha dito: "Sem mim vocês não podem
fazer coisa alguma" (João 15:5), esta verdade é mais eficazmente
absorvida em algumas épocas do que em outras. Em orgulho e
auto-suficiência, podemos viver por dias como se a oração fosse
Com o Propósito de Alcançar a Piedade 87
necessária apenas quando acontece algo grande demais para
enfrentarmos sozinhos. Até que vejamos o perigo e a tolice desta
atitude, a expectativa de Deus de que oremos pode parecer
irrelevante.
Quando nossa consciência da grandeza de Deus e do
evangelho é vaga, nossa vida de oração também será pequena.
Quanto menos pensamos na natureza e no caráter de Deus, e
quanto menos nos lembramos do que Jesus Cristo fez por nós
na Cruz, menor é nosso desejo de orar. Dirigindo meu carro
hoje, ouvi um programa de rádio onde o convidado, um
astrofísico, falou sobre os bilhões de galáxias do universo. Em
apenas um momento de meditação nisso, automaticamente
passei a louvar e orar. Por quê? Eu adquiri uma nova consciência
de quão grandioso Deus realmente é. E quando penso naquilo
de que Cristo me salvou, quando relembro a vergonha que Ele
passou tão voluntariamente por minha causa, quando me
lembro de tudo o que a salvação significa, a oração não é penosa.
Quando este tipo de pensamento é infreqüente, a oração
significativa também se torna infreqüente.
Outra razão porque muitos cristãos oram tão pouco é que
eles não aprenderam sobre a oração.
ORAR É ALGO QUE SE APRENDE
Se você estiver desanimado com a ordem de orar porque
sente que não sabe como orar bem, o fato de a oração ser
aprendida deve dar-lhe esperanças. Isso significa que não há
problemas em se iniciar a vida cristã sem qualquer
conhecimento ou experiência em oração. Não importa quão
fraca ou forte sua vida de oração esteja neste momento, você
pode aprender a fortalecê-la ainda mais.
88 Oração
Existe um entendimento de que a oração não precisa ser
ensinada a um filho de Deus mais do que um bebê precisa ser
ensinado a chorar. Mas chorar por necessidades básicas é
comunicação mínima, e nós logo temos que passar dessa
infância. A Bíblia diz que devemos orar para a glória de Deus,
em Sua vontade, em fé, no nome de Jesus, com persistência e
mais. Um filho de Deus aprende gradualmente a orar dessa
forma assim como uma criança em crescimento aprende a falar.
Para orar como é esperado, para orar como cristão maduro e
para orar efetivamente, devemos dizer como os discípulos em
Lucas 11:1: “Senhor, ensina-nos a orar".
Orando
Se você já aprendeu uma língua estrangeira, sabe que
aprender é melhor quando você realmente tem que falar o
idioma. O mesmo é verdadeiro com a "língua estrangeira" da
oração. Há muitos bons recursos para se aprender a orar, mas
o melhor jeito de aprender a orar é orando.
Andrew Murray, ministro sul-africano e autor de With
Christ in the School ofPrayer ("Com Cristo na Escola da Oração"),
escreveu: "Ler um livro sobre oração, ouvir palestras e falar
sobre o assunto é muito bom, mas não vai ensinar você a orar.
Não se adquire nada exceto exercício sem prática. Posso ouvir
um professor de música tocar a música mais bonita por um
ano, mas isso não irá me ensinar a tocar um instrumento".5
O Espírito Santo ensina as pessoas de oração a como orar
melhor. Essa é uma das aplicações de João 16:13, onde Jesus
diz: "Mas quando o Espírito da verdade vier, ele os guiará a toda a
verdade". Assim como um avião é guiado mais facilmente
quando está no ar do que no chão, com seu motor desligado, o
Espírito Santo nos guia em oração melhor quando estamos na
Com o Propósito de Alcançar a Piedade 89
prática da oração do que quando não estamos.
Meditando nas Escrituras
Este é um dos conceitos de oração mais convincentes que
já aprendi. A meditação é o elo perdido entre a absorção bíblica
e a oração. Os dois são freqüentemente separados, quando
deveriam ser unidos. Lemos a Bíblia, fechamo-la, e depois
tentamos mudar a marcha para entrar em oração. Mas muitas
vezes, parece que a marcha entre as duas não engrena. Na
verdade, após algum avanço em nosso tempo na Palavra, mudar
para a oração às vezes é como voltar repentinamente para
ponto-morto ou até mesmo dar marcha à ré. Em vez disso,
deveria haver uma transição suave, quase imperceptível, entre
a absorção das Escrituras e a produção de oração, para que nos
aproximássemos ainda mais de Deus naqueles momentos. Isso
acontece quando há o link da meditação as une.
Ao menos dois textos das Escrituras ensinam isso por
exemplo. Davi orou em Salmo 5:1: "Escuta, SENHOR, as minhas
palavras, considera o meu gemer". A palavra hebraica traduzida
por "gemer" pode também ser traduzida por "meditação". Na
verdade, a mesma palavra é usada com esse significado em
outra passagem, Salmo 19:14: "Que as palavras dos meus lábios e a
meditação do meu coração sejam agradáveis a ti, SENHOR, minha
Rocha e meu Resgatador". Observe que os dois versículos são
orações e ambos se referem a outras "palavras" faladas em
oração. Contudo, em cada caso, a meditação foi um catalisador
que catapultou Davi da verdade de Deus para o falar com Deus.
Em 5:1 ele estavameditando e agora ele pede que o Senhor dê
ouvidos e o considere. Em Salmo 19, encontramos uma das
declarações mais conhecidas já escritas sobre as Escrituras,
começando com as famosas palavras do versículo 7: "A lei do
90 Oração
SENHOR é perfeita, e revigora a alma". O texto continua até o
versículo 11 e depois Davi ora no versículo 14, como resultado
dessas palavras e de sua meditação.
O processo funciona da seguinte maneira: Após a absorção
de uma passagem das Escrituras, a meditação permite que
pensemos profundamente naquilo que Deus nos disse, o
digiramos e depois falemos com Deus em expressiva oração
sobre o que foi mostrado. Como resultado, oramos sobre o que
encontramos na Bíblia, agora personalizado por meio da
meditação. E não somente temos algo substancial a dizer em
oração, e a confiança de que estamos orando os pensamentos
de Deus a Ele, mas fazemos suavemente a transição à oração
com paixão por aquilo que estamos orando. Então, ao
continuarmos orando, não cambaleamos porque já tivemos uma
parte de nosso momento espiritual.
Parece que aqueles que melhor conheceram este segredo
foram os Puritanos Ingleses que viveram de 1550 a 1700.
Permita-me citar vários escritores puritanos, não apenas para
mostrar quão notavelmente comum era esta agora incomum
conexão entre meditação e oração dentre eles, mas também para
prender a sua verdade firmemente em sua vida de oração. Há
muito a ser retido desta coleção de pregos bem fixados.
Richard Baxter, pastor e autor do clássico ainda impresso
The Reformed Pastor (O Pastor Reformado), escreveu:
Assim, em nossas meditações, entremear monólogo e oração; às
vezes falando a nossos próprios corações, e às vezes, a Deus, é,
eu reconheço, o degrau mais alto que podemos alcançar nesta
tarefa celestial. Nem devemos imaginar que isso será também
apegar-se à oração somente, e deixar de lado a meditação; pois
elas são incumbências distintas, e ambas devem ser cumpridas.
Precisamos de uma tanto quanto da outra, portanto, causaremos
Com o Propósito de Alcançar a Piedade 91
males a nós mesmos se negligenciarmos alguma delas. Além disso,
a mistura delas, assim como a música, será mais atraente; já que
uma serve para dar vida à outra. E nosso falar conosco mesmos
em meditação deve ocorrer antes de nosso falar com Deus em
oração.6
John Owen, capelão de Oliver Cromwell e o maior teólogo
dos Puritanos, disse: "Ore ao pensar. Abrace conscientemente
com o seu coração todo vislumbre de luz e verdade que vier a
sua mente. Agradeça a Deus e ore sobre tudo o que causar
impacto forte em você".7
Pastor puritano e comentarista da Bíblia, Matthew Henry
advertiu sobre Salmo 19:14: "As orações de Davi não foram suas
palavras apenas, mas suas meditações; como a meditação é a melhor
preparação para a oração, assim a oração é a melhor fonte da meditação.
Meditação e oração andam juntas".8
Um dos mais prolíficos escritores-pregadores puritanos foi
Thomas Manton. Em uma mensagem sobre a meditação de
Isaque no campo (em Gênesis 24:63), ele aponta diretamente a
meditação como o elo entre a absorção bíblica e a oração. Ele
escreveu:
A meditação é um tipo intermediário de incumbência entre a
palavra e a oração, e diz respeito a ambas. A palavra alimenta a
meditação e a meditação alimenta a oração. Tais incumbências
devem estar sempre intimamente relacionadas; a meditação deve
seguir o ouvir e anteceder a oração. Ouvir e não m editar é
improdutivo. Podemos ouvir e ouvir muitas vezes, mas será como
colocar algo em um saco furado...E temerário orar e não meditar.
O que absorvemos pela palavra digerimos pela meditação e
liberamos pela oração. Essas três incumbências devem ser
ordenadas para que uma não atropele a outra. Os homens ficam
estéreis, áridos e desvigorados em suas orações por não se
exercitarem em pensamentos santos.9
92 Oração
William Bates, chamado "o mais clássico e culto dos últimos
pregadores puritanos", disse: "Por qual razão nossos desejos,
assim como uma flecha arremessada por um arco fraco, não
atingem o alvo? simplesmente esta: não meditamos antes de
orar...A maior razão por que nossas orações são ineficazes é
que não meditamos antes fazê-las".10
Dentre os melhores dos escritos práticos puritanos está o
de William Bridge, que fez a seguinte declaração sobre a
meditação:
Tal como a irmã da leitura, assim é a mãe da oração. Embora o
coração do homem seja muito indisposto a orar, se tão-somente
ele puder entrar em meditação sobre Deus e as coisas de Deus,
seu coração logo começará a orar...Comece lendo ou ouvindo.
Prossiga meditando; termine em oração...Ler sem meditar é
improdutivo; meditar sem ler é lesivo; meditar e ler sem orar em
ambos é deixar de ser abençoado.11
Em seu livro From Mind to Heart (Da Mente para o Coração),
Peter Toon, um escritor britânico moderno, resume o ensino
dos puritanos sobre essas coisas:
Ler a Bíblia e não meditar foi visto como um exercício infrutífero:
melhor é ler um capítulo e meditar após a leitura do que ler vários
capítulos e não meditar. Semelhantemente, meditar e não orar
foi como se preparar para uma corrida e nunca sair da linha de
largada. As três incumbências de ler as Escrituras, meditar e orar
estão ligadas e, em bora cada um a possa ser realizad a
ocasionalmente em separado, como incumbências formais a Deus
elas foram melhor realizadas juntas.12
Aproximadamente duzentos anos depois dos puritanos,
destacou-se o homem reconhecido como um dos homens de
Com o Propósito de Alcançar a Piedade 93
oração mais ungidos por Deus que o mundo já viu: George
Muller. Por dois-terços do último século, ele dirigiu um orfanato
em Bristol, Inglaterra. Unicamente em oração e fé, sem anunciar
sua necessidade ou entrar em dívida, ele cuidou de dois mil
órfãos de uma só vez e apoiou a obra missionária em todo o
mundo. Milhões de dólares vieram por suas mãos
espontaneamente, e são conhecidas as suas dezenas de milhares
de respostas de oração de que se tem registro.
Qualquer pessoa que tenha ouvido a história de George
Muller irá ponderar sobre o segredo de sua eficácia na oração.
Embora alguns argumentem que o "segredo" de Muller seja
uma coisa, e outros argumentam que é outra, creio que devamos
definitivamente atribuir sua incomum e bem-sucedida vida de
oração à soberania de Deus. Mas se procurarmos algo a
transferir de sua vida para a nossa, meu voto vai para algo que
nunca ouvi ser considerado como seu "segredo".
Na primavera de 1841, George Muller fez uma descoberta
sobre o relacionamento entre a meditação e a oração que
transformou a sua vida espiritual. Ele descreveu sua nova visão
da seguinte maneira:
Minha prática foi, por ao menos dez anos, colocar-me em
oração depois de me vestir pela manhã. Porém, vi que o mais
importante era dedicar-me à leitura da Palavra de Deus, e à
meditação nela, para que então meu co ração pudesse ser
confortado, encorajado, aquecido, reprovado, instruído; e para
que, assim, por meio da Palavra de Deus, ao meditar nela, meu
coração pudesse ser trazido à comunhão experimental com o
Senhor.
Comecei, portanto, a meditar no Novo Testamento desde o
início, logo pela manhã. A primeira coisa que fazia, após ter pedido
em poucas palavras a bênção do Senhor sobre Sua preciosa
Palavra, era começar a meditar na Palavra de Deus, buscando obter
94 Oração
bênção em cada versículo; não por causa do ministério público
da Palavra, nem para pregar sobre aquilo que havia meditado,
mas a fim de obter alimento para minha própria alma.
O resultado obtido era que, quase invariavelmente, após
alguns minutos, minha alma era levada à confissão, ou à ação de
graças, ou à intercessão, ou à súplica, de forma que, embora eu
não, por assim dizer, me colocasse em oração, mas em meditação,
isso resultava quase imediatamente em algum grau de oração.
Depois, então, de ter estado por um tempo em confissão ou
intercessão ou súplica, ou dado graças, vou para as próximas
palavras ou versículo, levandotudo, ao prosseguir, em oração
por mim mesmo ou por outros, conforme a Palavra conduza a
isso, mas ainda continuamente mantendo ante mim que o
alimento para minha própria alma é o objeto de minha meditação.
O resultado é que há sempre uma boa parte de confissão, agradecimento,
súplica ou intercessão associada a minha meditação, e meu homem
interior quase que invariavelmente é até nutrido e fortalecido de
forma perceptível, e, antes do café da manhã, com raras exceções,
estou em um estado pacífico, senão feliz, de coração.
A diferença, então, entre a prática anterior e a atual é o
seguinte: antigamente, quando me levantava, eu começava a orar
logo que possível e geralmente passava em oração todo o tempo
que tinha, ou quase, até o café da manhã. Acontecesse o que
acon tecesse, eu quase invariavelm ente com eçava com
oração...Mas qual era o resultado? Muitas vezes eu passava de
quinze minutos a meia hora, chegando até a uma hora, de joelhos
antes de estar consciente de ter obtido consolo, encorajamento,
humilhação de alma etc.; e muitas vezes, somente depois de sofrer
bastante vaguear de mente, após os primeiros dez ou quinze
minutos, ou até meia hora, é que eu realmente começava a orar.
Quase nunca sofro assim hoje em dia. A razão é que, meu
coração estando nutrido pela verdade e sendo trazido à comunhão
experimental com Deus, falo com meu Pai e com meu Amigo
(embora indigno eu seja, e não merecedor dele) sobre as coisas
que Ele tem trazido diante de mim, em Sua preciosa Palavra. Hoje
Com o Propósito de Alcançar a Piedade 95
fico abismado por não ter percebido esse ponto antes...Agora,
desde que Deus me ensinou este ponto, ficou muito evidente para
mim que a primeira coisa que o filho de Deus tem que fazer manhã
após manhã é alimentar o seu espírito interior.
Mas, o que seria alimento para o espírito? Não a oração, mas a
Palavra de Deus; e digo novamente, não a mera leitura da Palavra de
Deus, para que apenas passe por nossas mentes, assim como a água
passa por um cano, mas considerando o que lemos, ponderando e
aplicando a nossos corações.
Quando oramos, falamos com Deus. Agora a oração, para
ser continuada por qualquer período de tempo de qualquer
maneira que não seja formal, requer, falando em termos gerais,
uma medida de força ou desejo piedoso, e a momento, portanto,
em que tal exercício da alma pode ser mais efetivamente realizado
é após o espírito ter sido nutrido pela meditação na Palavra de Deus,
onde encontramos nosso Pai falando a nós, para nos encorajar,
consolar, instruir, humilhar, reprovar. Podemos, assim, meditar
proveitosamente com a bênção de Deus, embora sejamos tão
fracos espiritualmente; ou antes, quanto mais fracos somos, mais
necessitamos da meditação para fortalecimento do nosso espírito
interior Assim, há muito menos a se temer em relação ao vaguear
da mente do que se nos dedicamos à oração sem ter tido tempo
para meditação antes.
Estendo-me tão especificamente neste ponto por causa do
imenso proveito e revigoramento espiritual que estou consciente
de ter particularmente obtido dele e gentil e solenemente rogo a
todos os meus companheiros crentes que ponderar sobre este
assunto. Pela bênção de Deus, eu atribuo a esta fórmula a ajuda e
a força que eu tenho obtido de Deus para passar em paz pelas
provações mais profundas, de várias maneiras, do que eu jamais
obtive antes, e tendo eu, agora por mais de quatorze anos, posto
em prática este método, posso mais plenamente, no temor de
Deus, recomendá-lo.13
Como aprendemos a orar? Como aprendemos a orar como
96 Oração
Davi, como os puritanos e como George Muller? Aprendemos
a orar meditando nas Escrituras, pois a meditação é o elo
perdido entre a absorção bíblica e a oração.
Orando com outras Pessoas
Os discípulos aprenderam a orar não somente ouvindo
Jesus ensinar sobre a oração, mas também estando com Ele
quando Ele orava. Não nos esqueçamos de que as palavras:
"Senhor, ensina-nos a orar" não foram proferidas simplesmente
como idéia casual. O pedido seguiu um período em que os
discípulos acompanharam Jesus em oração (Lucas 11:1).
Semelhantemente, podemos aprender a orar orando com outras
pessoas que podem servir de exemplo de oração verdadeira
para nós.
Com isso, não quero dizer simplesmente escolher novas
palavras e frases para usar em oração. Assim como acontece
com todo aprendizado por exemplos, podemos adquirir maus
hábitos tanto quanto bons hábitos. Certas pessoas parecem
nunca ter uma oração original. Toda vez que oram dizem as
mesmas coisas. E fica óbvio que elas estão meramente usando
frases empoladas, colhidas das orações de outras pessoas aqui
e ali ao longo dos anos. Jesus disse: "E, orando, não useis de vãs
repetições" (Mateus 6:7). Esses tipos de orações raramente fluem
do coração. Não é a Deus que a oração é dirigida. Na realidade,
tais orações são feitas para impressionar as pessoas que as
ouvem.
Há sempre outros crentes que podem nos ensinar muito
quando oramos com eles. Mas devemos orar com eles para
aprender princípios da oração, e não frases para nossas orações.
Um cristão pode dar razões bíblicas ao Senhor porque uma
oração deva ser respondida. Outro pode nos mostrar como orar
Com o Propósito de Alcançar a Piedade 97
baseados em passagens das Escrituras. Ao orarmos com um
intercessor fiel, podemos aprender a orar por missões. Orar
regularmente com outros pode ser uma das aventuras mais
enriquecedoras de sua vida cristã. A maioria dos grandes
movimentos de Deus teve início com um pequeno grupo de
pessoas a quem Ele reuniu para começar a orar.
Lendo sobre a Oração
Ler sobre a oração em vez de orar simplesmente não resolve.
Mas ler sobre a oração além de orar pode ser uma forma valiosa
de aprender. "Assim como o ferro afia o ferro", como diz Provérbios
27:17, "o homem afia o seu companheiro". Leia as lições aprendidas
pelos veteranos das trincheiras da oração e deixe que eles afiem
suas armas da guerra da oração. "Aquele que anda com os sábios
será cada vez mais sábio" é o ensino de Provérbios 13:20. Ler os
livros dos sábios da oração nos dá o privilégio de "andar" com
eles e de aprender o que Deus revelou a eles sobre como orar.
Aprendemos por experiência como as outras pessoas
conseguem ver coisas em uma passagem das Escrituras que
nós não conseguimos, ou como elas são capazes de explicar
uma doutrina conhecida de uma nova maneira, que aprofunda
nosso entendimento. Da mesma forma, ler o que outros
aprenderam sobre a oração com base no que estudaram das
Escrituras e em sua peregrinação na graça pode ser o
instrumento de Deus para nos ensinar o que de outra forma
não aprenderíamos. Quem não aprendeu sobre a oração de fé
depois de ler sobre a vida de oração de George Muller, ou quem
não ficou motivado a orar após ler a biografia de David
Brainerd? Espero que a leitura deste capítulo sobre a Disciplina
da oração o convença de que é possível aprender a orar lendo
sobre oração!
98 Oração
Permita-me acrescentar uma palavra de encorajamento.
Não importa o quanto você ache difícil orar no momento, se
perseverar em aprender a orar, você sempre terá a esperança
de uma vida de oração até mais forte e mais produtiva pela
frente.
ORAÇÕES SÃO ATENDIDAS
Gosto muito da forma como Davi se refere ao Senhor em
Salmo 65:2: "Ó tu que ouves a oração".
Talvez nenhum princípio de oração seja mais tomado como
certo do que este: de que a oração é atendida. Tente ler esta
promessa de Jesus como se fosse pela primeira vez: "Pedi, e
dar-se-vos-á; buscai e achareis; batei, e abrir-se-vos-á. Pois todo o que
pede recebe; o que busca encontra; e, a quem bate, abrir-se-lhe-á."
(Mateus 7:7-8).
Andrew Murray comenta ousadamente, mas penso eu, de
forma certa, a promessa de Cristo.
"Peçam e lhes será dado; todo aquele que pede, recebe." Esta é a lei
etema estabelecida do reino: se você pedir e não receber, deve
ser porque há algo errado ou faltando na oração. Espere; deixe a
Palavra e o Espírito ensinaremvocê a orar corretamente, mas não
abandone a confiança que Ele busca despertar: Todo o que pede
recebe... Que cada aprendiz da escola de Cristo, portanto, receba
a palavra do Mestre em toda simplicidade... Que tomemos
cuidado para não enfraquecermos a Palavra com nossa sabedoria
humana.14
Já que Deus responde as orações, quando nós "pedimos
e não recebemos", devemos considerar a possibilidade de haver
"algo errado ou faltando" em nossa oração. Pode ser, lembre-
se, que Deus tenha de fato respondido, mas de uma forma não
Com o Propósito de Alcançar a Piedade 99
tão óbvia para nós. E é possível que nada esteja errado em nossa
oração, mas que ainda não tenhamos visto a resposta só porque
Deus pretende que perseveremos um pouco mais em oração
sobre o assunto. Mas temos também que aprender a examinar
nossas orações. Estamos pedindo coisas que estejam fora da
vontade de Deus ou que não O glorificam? Estamos orando
com motivação egoísta? Estamos deixando de lidar com o tipo
de pecado ruidoso que faz com que Deus coloque todas as
nossas orações em espera? Apesar do que vemos em resposta a
nossas orações, contudo, não devemos ficar tão acostumados a
nossas falhas na oração e à percepção de pedir sem receber, a
ponto de nossa fé na força da promessa de Jesus ser diminuída.
Orações são respondidas.
Minha esposa, Caffy, ministra como artista e ilustradora
free-lancer em um pequeno estúdio de nossa casa. Embora ela
tenha produzido centenas de ilustrações para várias
organizações cristãs, todos os seus trabalhos são ocasionais.
Freqüentemente oramos para que o Senhor abra portas de
oportunidade para seu trabalho artístico. Como ela não tinha
nada em sua mesa de desenho, eu recentemente disse que
começaríamos a orar por novos projetos. Antes do almoço na
manhã seguinte, Caffy me chamou e disse: "Por favor, pare de
orar para que o Senhor me dê mais trabalhos! Tive tantos
pedidos esta manhã, que vou levar meses para concluir tudo!"
Ela nunca teve tanto trabalho entrando tão depressa. Havia
várias coisas pelas quais eu estava orando (não apenas por mim
mesmo, mas pela igreja e outros) que o Senhor poderia ter
escolhido responder. Não sei por que a Ele agradou responder
aquele pedido específico. Aquelas oportunidades múltiplas
eram realmente respostas de oração ou apenas uma coleção de
coincidências providenciais? Somente Deus sabe ao certo. Mas
100 Oração
eu concordo com o homem que disse: "Se for coincidência,
certamente acontecem mais coincidências quando oro do que
quando não oro".
Deus não zomba de nós com Suas promessas de responder
orações. C. H. Spurgeon disse:
N ão consigo im aginar uma pessoa atorm entando o filho,
estimulando-o a um desejo que não se pretende gratificar. Seria
muito mesquinho oferecer esmola aos pobres e depois, quando
eles estendessem as mãos para apanhá-la, zombar de sua pobreza
com uma negativa. Seria um acréscimo cruel às misérias dos
enfermos se eles fossem levados ao hospital e deixados lá para
morrer, sem atendimento ou cuidado. Se Deus leva você a orar
por algo, Ele pretende que você o receba.15
Pelos textos sobre oração contidos nas Escrituras e por Seu
Espírito, Deus realmente nos leva a orar. Ele não nos conduz à
oração a fim de nos frustrar, batendo a porta dos céus em nossa
face. Disciplinemo-nos em orar e em aprender sobre a oração
para que possamos ser mais parecidos com Jesus ao
experimentar a alegria da oração respondida.
MAIS APLICAÇÃO
Já que a oração é algo que se espera, você irá orar? Desafio
você a isso diretamente porque acho que precisamos tomar
decisões conscientes sobre a nossa vida de oração. Já é tempo
de as intenções gerais relativas à oração se tomarem planos
específicos. Um pastor que concorda com isso escreveu o
seguinte:
A menos que eu esteja muito enganado, uma das principais razões
porque tantos filhos de Deus deixam de ter uma vida de oração
Com o Propósito de Alcançar a Piedade 101
significativa não é tanto a falta de vontade de tê-la, mas a falta de
planejamento. Quem deseja tirar um mês de férias não se levanta
uma bela manhã de verão e diz: "Hei, vamos viajar hoje!" Você
não tem nada pronto. Você não saberá para onde ir. Nada foi
planejado. Mas é assim que muitos de nós tratamos a oração.
Levantam o-nos dia após dia e percebem os que períodos
relevantes de oração deveriam fazer parte de nossas vidas, mas
nada nunca está pronto. Não sabem os aonde ir. N ada foi
planejado. Nem o tempo. Nem o lugar. Nem o procedimento. E
todos sabemos que o oposto do planejamento não é um fluxo
maravilhoso de experiências de oração profundas e espontâneas.
O oposto do planejamento é uma enfadonha rotina. Se não
planejar suas férias, você provavelmente ficará em casa vendo
TV. O fluxo natural não planejado de vida espiritual afunda ao
nível mais baixo de vitalidade. Há uma corrida a ser corrida e
uma luta a ser travada. Se você deseja renovar sua vida de oração,
deve planejar para ver resultados.16
Com o propósito de alcançar a Piedade, você irá orar? Hoje?
Você planejará orar amanhã? E nos dias seguintes?
Já que a oração pode ser aprendida, você irá aprender a
orar? Aprender mais sobre como orar sempre ajuda a melhorar
sua vida de oração. Mas assim como a prática da oração,
aprender sobre oração também requer um pouco de
planejamento. Você irá aprender a orar interligando a leitura
bíblica à oração via meditação? Você planeja orar com outras
pessoas? Está disposto a aprender mais sobre oração lendo
sobre o assunto? O que você irá ler? Há livros sobre o tema,
bem como biografias de grandes guerreiros da oração, em
abundância. Além de considerar algumas das fontes citadas
neste capítulo, peça recomendações ao seu pastor ou a
funcionários de uma livraria cristã. Agora, quando você irá
começar?
102 Oração
Já que as orações são respondidas, você irá orar
persistentemente? Lembre-se de que, na língua original do texto,
as palavras pedir, buscar e bater de Mateus 7:7-8 estão no presente,
tempo contínuo. Isso significa que nós devemos orar sempre
com persistência antes de recebermos respostas. Começando
em Lucas 18:1, Jesus conta uma parábola toda "para mostrar [a
nós] que [nós] devemos orar sempre e nunca desanimar". Às vezes,
deixar de persistir em oração prova que, em primeiro lugar,
não levamos o nosso pedido a sério. Outras vezes, Deus quer
que persistamos em oração a fim de fortalecer a nossa fé Nele.
A fé jamais cresceria se todas as orações fossem respondidas
imediatamente. A oração persistente tende a desenvolver uma
gratidão mais profunda também. Como a alegria do nascimento
de um bebê é maior por causa dos meses que o antecedem,
assim também é alegria de uma resposta de oração após oração
persistente. E tanto quanto uma geração que mede o tempo e
em segundos odeia admitir sua necessidade de tê-la, Deus
molda em nós a paciência semelhante a de Cristo quando requer
persistência na oração.
George Muller observou:
O grande erro dos filhos de Deus é que eles não continuam a orar;
eles não prosseguem em oração; eles não perseveram. Se desejam algo
para a glória de Deus, devem orar até conseguir. O, quão bom,
quão suave e quão gracioso e condescendente é Aquele com quem
temos de lidar! Ele me deu, mesmo em minha indignidade,
infinitamente mais do que tudo o que pedi ou pensei.17
Talvez a razão de tais testemunhos serem incomuns seja
por tão poucos perseverarem em oração. Mas buscar a Deus
em oração vale a pena. Vale a pena qualquer parcela de
frustração e desânimo com oração. Não deixe o Inimigo tentar
Com o Propósito de Alcançar a Piedade 103
você a se tomar silenciosamente cínico a respeito da disposição
e da habilidade de Deus em responder. Deixe o amor por Deus
fazer com que você prevaleça em oração a Ele, que o ama,
mesmo quando os Seus juízos forem insondáveis e Seus
caminhos, inescrutáveis (Romanos 11:33).
Façamos uma pausa e verifiquemos nossas conexões. Por
que tamanho apelo a nos disciplinarmos a orar?Por causa do
"propósito de alcançar a piedade". Onde há Piedade, há oração.
Tipicamente pitoresco, Spurgeon o disse da seguinte forma:
"Como a lua influencia as marés, assim a oração...influencia as
marés de piedade".18
Homens e mulheres de Deus são sempre homens e
mulheres de oração. Considerando minha experiência pastoral,
concordo com as palavras de J. C. Ryle: "Qual é a razão para
alguns crentes serem tão mais vivazes e santos do que outros?
Creio que a diferença, dezenove entre vinte casos, surge de
diferentes hábitos de oração particular. Creio que aqueles que
não são eminentemente santos oram pouco e aqueles que são
eminentemente santos oram muito".19
Você seria como Cristo? Então, faça como Ele fez: discipline-
se para ser uma pessoa de oração.
104 Oração
1 De um programa de janeiro de 1990, "Infinite Voyage" (Viagem Infinita),
transmissão da WTTW, estação de televisão pública em Chicago.
2 Cari Lundquist, boletim The Burning Heart (O Coração em Chamas) (St. Paul,
MN: Evangelical Order of the Burning Heart, novembro de 1984), página 2.
3 John Blanchard, comp.. Gathered Gold (Ouro Ajuntado) (Welwyn, Hertfordshire,
Inglaterra: Evangelical Press, 1984), página 227.
4 Do livro Desiring Gold: Meditations of a Christian Hedonist (Desejo por Ouro:
M editações de um Cristão Hedonista), de John Piper, copyright 1986 por
Multnomah Press, Publicado por Multnomah Press, Portland, Oregon 97266. Usado
com permissão, página 147.
5 Andrew Murray, conforme citação em Christianity Today (Cristianismo Hoje), 5 de
fevereiro de 1990, página 38.
6 Richard Baxter, The Practical Works of Richard Baxter: Select Treatises (Obras Práticas
de Richard Baxter: Tratados Selecionados) (Grand Rapids, MI: Baker Book House,
1981), página 103.
7 John Owen, conforme citado em The Banner of Truth (O Estandarte da Verdade),
agosto-setembro de 1986, p. 58.
8 Matthew Henry, Commentary on the Whole Bible (Comentário de Toda a Bíblia) Old
Tappan, NJ: Revell, n.d.), vol. 3, página 255.
9 Thomas Manton, The Works of Thomas Manton (As Obras de Thomas Manton)
(reimpressão, Worthington, PA: Maranatha Publications, n.d.), páginas 272*273.
10 William Bates, The Whole Works of the Rev. W. Bates (Obras Completas do Rev. W.
Bates), arr. e ver. W. Farmer (reimpressão, Beaver Falls, PA: Soli Deo Gloria, 1989),
vol. 3, página 130.
11 William Bridge, The Works of the Reverend William Bridge (Obras do Reverendo
William Bridge) (reimpressão, 1845; reimpressão, Beaver Falls, PA: Soli Deo Gloria,
1989), vol. 3, páginas 132, 154.
12 Peter Toon, From Mind to Heart: Christian Meditation Today (Da Mente para o
Coração: Meditação Cristã Hoje) (Grand Rapids, MI: Baker Book House, 1987),
página 93.
13 Extraído de Spiritual Secrets of George Muller (Segredos Espirituais de George
Muller), © 1985, de Roger Steer. Direitos americanos concedidos por Harold Shaw
Publishers, Wheaton, IL 60189. Páginas 60-62, ênfase do autor.
14 Andrew Murray, With Christ in the School of Prayer (Com Cristo na Escola da Oração)
(Old Tappan, NJ: Spire Books, 1975), página 33.
15 C. H. Spurgeon, "Thought-Reading Extraordinary" "Leitura de Pensamentos
Extraordinários", Metropolitan Tabernacle Pulpit (London: Passmore and Alabaster,
1885; reimpressão, Pasadena, TX: Pilgrim Publications, 1973), vol. 30, páginas 539
540.
16 Piper, páginas 150-151, usado com permissão.
17 Roger Steer, George Muller: Delighted in God! (George Muller: Deleitado em Deus!)
(Wheaton, IL: Harold Shaw, 1975), p. 310.
18 C. H. Spurgeon, "Prayer - The Forerunner of Mercy" (Oração: Precursora da
Misericórdia), em New Park Street Pulpit (London: Passmore and Alabaster, 1858;
reimpressão, Pasadena, TX: Pilgrim Publications, 1981), vol. 3, página 251.
19 J. C. Ryle, A Call to Prayer (Chamado à Oração) (Grand Rapids, MI: Baker Book
House, 1979), página 35.
C A P Í T U L O C I N C O
A do ração ...
C om o Propósito d e
A lcançar a P iedade
A verdadeira autodisciplina espiritual estabelece
limites aos crentes, mas nunca os acorrenta;
seu efeito é ampliar, expandir e liberar.
D.G. Kehl
Controle a si mesmo! Praticando a Arte da Autodisciplina
U r n a das experiências mais tristes de minha infância ocorreu
durante meu aniversário de dez anos. Os convites para a festa
haviam sido enviados a oito amigos dias antes. Aquele seria o
melhor de meus aniversários. Todos vieram a minha casa direto
da escola. Jogamos futebol e basquete no quintal até escurecer.
Meu pai fez cachorro-quente e hambúrguer enquanto minha
mãe dava os toques finais no bolo de aniversário. Após termos
comido toda a cobertura, o sorvete e a maior parte do bolo,
chegou a hora dos presentes. Honestamente, hoje não consigo
me lembrar de um só daqueles presentes, mas com certeza
lembro-me do quanto estava me divertindo com os meninos
que os haviam dado a mim. Já que eu não tinha irmãos, a melhor
parte de todo o evento foi simplesmente estar com outros
meninos.
O clímax daquela grande celebração foi um presente meu
a eles. Nada era bom demais para meus amigos. O custo era
106 Adoração
imaterial. Eu ia pagar para que eles fossem ao evento mais
contagiante da cidade: o jogo de basquete do colégio. Ainda
posso ver-nos saltando do carro de meus pais, rindo, naquela
noite fresca, e correndo até o ginásio. Em pé na bilheteria,
pagando pelos nove tickets de 25 centavos e cercado de amigos:
foi um daqueles momentos simples, mas impagáveis, da vida.
A cena em minha mente era o final perfeito do aniversário
perfeito de um menino de dez anos. Quatro amigos de um lado
e quatro de outro, eu me sentaria no meio deles, comeríamos
pipoca barulhentamente e ficaríamos cutucando uns aos outros
e torcendo por nossos heróis do colégio. Ao entrarmos, lembro-
me de ter me sentido mais feliz do que Jimmy Stewart na cena
final do filme "A Felicidade não se Compra".
Foi então que meu mundo caiu. Chegando ao ginásio, todos
os meus amigos se dispersaram e eu não os vi mais pelo resto
da noite. Ninguém me agradeceu pelo divertimento, pela
comida ou pelos tickets. Nenhum deles disse: "Desejo a você
um feliz aniversário, mas vou me sentar com outra pessoa".
Sem uma só palavra de gratidão ou adeus, todos eles saíram
sem olhar para trás. Assim, passei o resto de meu décimo
aniversário sozinho na arquibancada, passando, solitário, para
a próxima idade. Em minha mente, ficou a lembrança de que
aquele foi um jogo deplorável.
Conto essa história não com o intuito de ganhar
comiseração por uma memória de infância dolorosa, mas
porque ela me faz lembrar a forma como muitas vezes tratamos
Deus na adoração. Embora compareçamos a um evento onde
Ele é o Convidado de Honra, é possível dar a Ele presentes de
rotina, cantar algumas canções costumeiras para Ele e depois
negligenciá-Lo totalmente enquanto focamos em outros e
desfrutamos a performance daqueles que estão à nossa frente.
Com o Propósito de Alcançar a Piedade 107
Assim como os meus amigos de dez anos, podemos sair sem a
mínima dor na consciência e sem qualquer percepção de nossa
insensibilidade, convencidos de que cumprimos uma obrigação
bem.
O próprio Jesus reenfatizou e obedeceu à ordem do Antigo
Testamento "Adore o Senhor, o seu Deus" (Mateus 4:10). É
obrigação (e privilégio) de todas as pessoas adorar seu Criador.
"Venham! Adoremos prostrados", diz Salmo 95:6, "e ajoelhemos
diante do SENHOR, o nosso Criador". Deus claramente espera
que nós adoremos. E o nosso propósito! Piedade sem a adoração
a Deus é impensável. Mas aqueles que buscam a Piedade devem
perceber que é possível adorar a Deus em vão. Jesus citou outra
passagem do Antigo Testamento para advertir sobre a adoração
vã: "Este povo me honra com os lábios, mas o seu coração está longe
de mim. Em vão me adoram" (Mateus 15:8-9).
Como podemos adorar a Deus sem adorar em vão?
Devemos aprender algo que é essencial ao aprendizado da
semelhança com Jesus: a Disciplina Espiritual da adoração.
ADORAR É...FOCAR EM DEUS E RESPONDER
POSITIVAMENTEA ELE
É difícil definir bem a adoração. Primeiro, vamos observar.
Em João 20:28, quando o Jesus ressurreto aparece a Tomé e
mostra as cicatrizes em Suas mãos e lado, ocorre adoração
quando Tomé diz: "Senhor meu e Deus meu!" Em Apocalipse
4:8, é-nos dito que quatro criaturas ao redor do trono adoram a
Deus dia e noite sem cessar dizendo: "Santo, santo, santo é o
Senhor Deus todo-poderoso, que era, que é e que há de vir". Depois,
no versículo 11, somos informados que os vinte e quatro anciãos
ao redor do trono de Deus nos Céus O adoram lançando suas
108 Adoração
coroas a Seus pés e prostrando-se diante Dele e dizendo: "Tu,
Senhor e Deus nosso, és digno de receber a glória, a honra e o poder,
porque criaste todas as coisas, e por tua vontade elas existem e foram
c r ia d a s No capítulo seguinte, milhares e milhares de anjos,
anciãos e criaturas viventes ao redor do trono celestial de Jesus
Cristo, o Cordeiro de Deus, adorando, clamam em alta voz:
"Digno é o Cordeiro que foi morto de receber poder, riqueza, sabedoria,
força, honra, glória e louvor!" (5:12). Imediatamente a seguir vem
a adoração de toda criatura, dizendo: "Àquele que está assentado
no trono e ao Cordeiro sejam o louvor, a honra, a glória e o poder, para
todo o sempre!" (5:13).
Agora, vamos descrever o que vimos. A palavra worship
(adoração em inglês) vem da palavra saxônica weorthscype, que
depois se tomou worthship. Adorar a Deus é atribuir a Ele o
devido valor, magnificar a Sua dignidade de louvor, ou melhor,
aproximar-se e referir-se a Deus porque Ele é digno. Como Deus
Santo e Todo-poderoso, o Criador e Sustentador do Universo,
o Juiz Soberano a quem devemos dar contas, Ele é digno de
todo o mérito e honra que possamos dar a Ele e infinitamente
mais. Observe, por exemplo, como aqueles ao redor do trono
de Deus em Apocalipse 4:11 e 5:12 se referiram a Deus como
"digno" de tantas coisas.
Quanto mais focamos em Deus, mais entendemos e
apreciamos a Sua dignidade. Quando a entendemos e
apreciamos, torna-se inevitável reagir a Ele. Assim como um
indescritível pôr-do-sol ou uma estonteante vista do topo de
uma montanha evoca uma reação espontânea, nós não podemos
descobrir a dignidade de Deus sem reagir em adoração. Se
pudesse ver Deus neste momento, você entenderia tão
plenamente quão digno Ele é de adoração, que instintivamente
se prostraria e O adoraria. E por isso que lemos em Apocalipse
Com o Propósito de Alcançar a Piedade 109
que quando aqueles que se colocam ao redor do trono O vêem,
prostram-se em adoração e aquelas criaturas mais próximas
Dele ficam tão maravilhadas com Sua dignidade, que por toda
eternidade O adoram sem cessar, respondendo com: "Santo,
santo, santo". Assim, adorar é focar em Deus e reagir a Ele.
Mas ainda não estamos no Céu para ver o Senhor desta
forma. Como Deus é revelado a nós aqui para que nós possamos
focalizar Nele? Ele tem Se revelado pela Criação (Romanos 1:20),
assim, a reação certa diante do estonteante pôr-do-sol ou da
espetacular vista da montanha é a adoração ao Criador. Mais
especificamente, Deus tem revelado a Si mesmo perfeitamente
por Sua Palavra, a Bíblia (2 Timóteo 3:16,2 Pedro 1:20-21) e Sua
Palavra, Jesus Cristo (João 1:1, 14; Hebreus 1:1-2). Portanto,
nossa responsabilidade é buscar a Deus por meio de Cristo e
da Bíblia. Quando o Espírito Santo abre os olhos de nosso
entendimento, vemos Deus revelado nas Escrituras e reagimos.
Por exemplo, suponha que acabamos de ler na Bíblia que Deus
é santo. Quando meditamos nisso e começamos a descobrir mais
do que o fato de Deus ser santo significa, o desejo de adorá-Lo
nos domina. Mas Deus é mais claramente revelado em Jesus
Cristo, pois Jesus é Deus. Se por meio da meditação, nós
focalizarmos a Pessoa e a obra de Cristo conforme reveladas
na Bíblia, entenderemos a Deus, pois Jesus "o tornou
conhecido" (João 1:18). E à medida que verdadeiramente
compreendemos a Deus, nossa reação passa a ser adorá-Lo.
É por isso que a adoração a Deus, tanto pública quanto
privada, deve ter como base e incluir muito da Bíblia. A Bíblia
revela Deus a nós para que possamos adorá-Lo. A leitura e a
pregação da Bíblia são centrais na adoração pública por serem
a apresentação mais clara, mais direta e mais extensa de Deus
na reunião. Pelas mesmas razões, a absorção e a meditação
110 Adoração
bíblica são o coração da adoração privada. Os salmos e hinos e
cânticos espirituais são cantados ou para expressar verdades
sobre Deus ou em reação de adoração a Deus. A oração é uma
reação a Deus como Ele é revelado nas Escrituras, assim como
ofertar.
Já que adorar é focar e reagir a Deus, independentemente
do que mais estejamos fazendo, não estaremos adorando se
não estivermos pensando em Deus. Você pode estar ouvindo
um sermão, mas sem pensar em como a verdade de Deus se
aplica a sua vida e afeta o seu relacionamento com Ele, você
não estará adorando. Você pode estar cantando: "Santo, santo,
santo", mas se não estiver pensando em Deus enquanto canta,
você não estará adorando. Você pode estar ouvindo alguém
orar, mas se não estiver pensando em Deus e orando com a
pessoa, você não estará adorando. Considera-se que todas as
coisas feitas em obediência ao Senhor, mesmo as coisas do dia-
a-dia no trabalho e no lar, sejam atos de adoração. Mas essas
coisas não substituem a adoração direta a Deus.
A adoração inclui sempre palavras e ações, mas as
ultrapassa, chegando ao foco da mente e coração. A adoração é
o foco e a reação do homem interior centrados em Deus; é ter
Deus como ocupação principal. Assim, não importa o que esteja
dizendo, cantando ou fazendo a qualquer momento, você estará
adorando a Deus somente quando estiver focado Nele e
pensando Nele. Mas quando estiver realmente focado no valor
infinito de Deus, sua reação será adorar tão certo quanto a lua
reflete o sol. Este tipo de adoração não é em vão. O mesmo
acontece quando...
Com o Propósito de Alcançar a Piedade 111
ADORAÇÃO É...FEITA EM ESPÍRITO E EM VERDADE
A passagem mais profunda sobre adoração no Novo
Testamento é João 4:23-24. Ali, Jesus diz: "No entanto, está
chegando a hora, e de fato já chegou, em que os verdadeiros adoradores
adorarão o Pai em espírito e em verdade. São estes os adoradores que o
Pai procura. Deus é espírito, e é necessário que os seus adoradores o
adorem em espírito e em verdade".
Antes de podermos adorar em espírito e em verdade,
devemos ter dentro de nós Aquele cujo nome é Espírito Santo
e o "Espírito da verdade" (João 14:17). Ele vive somente dentro
daqueles que se voltaram para Cristo em arrependimento e fé.
Sem Ele, não ocorre adoração verdadeira. Em 1 Coríntios 12:3,
lemos que "ninguém pode dizer: 'Jesus é Senhor', a não ser pelo
Espírito Santo". Isso não significa que ninguém seja capaz de
dizer tais palavras sem o Espírito Santo, mas que ninguém pode
dizê-las como ato de verdadeira adoração, a menos que
motivado pelo Espírito Santo. É Ele quem revela Deus a nós e
torna Cristo irresistível, quem nos ensina a verdade das
Escrituras, quem toma vivos corações que estavam mortos em
relação a Deus. Ele é quem faz corações que eram frios quanto
à adoração se inflamarem de paixão por Cristo.
Ter o Espírito Santo habitando em nosso interior não
garante que sempre adoraremos em espírito e em verdade, mas
sim que isso pode acontecer. Adorar a Deus em espírito é adorar
de dentro para fora. Significa ser sincero nos atos de adoração.
Não importa quão espiritual seja a música que você canta, e
independentemente de quão poética seja a oração que você faz,
se não for de coração sincero, não será adoração, mas hipocrisia.
O equilíbrio da adoração em espírito é adorar em verdade.
Devemos adorar de acordo com a verdade das Escrituras. Nós
112 Adoração
adoramos a Deus segundo Ele é revelado na Bíblia, e não como
talvez desejemos que Ele seja. Nós O adoramos como Deus tanto
de misericórdia quanto de justiça, de amor tanto quanto de ira,
um Deus que tanto recebe nosCéus quanto condena ao inferno.
Devemos adorar em resposta à verdade. Se não o fizermos,
nossa adoração será vã.
Tendo argumentado anteriormente sobre a adoração a Deus
em resposta à verdade das Escrituras, desejo dizer mais aqui
sobre adoração em espírito. Quer estejamos considerando a
adoração pública ou privada, precisamos perceber que, a menos
que o coração esteja conectado, não haverá energia para a
adoração. Um pastor e escritor contemporâneo é direto em dizê-
lo: "Onde os sentimentos por Deus estão mortos, a adoração é
morta".1
Ele ilustra isso efetivamente da seguinte forma:
A adoração é uma maneira de refletir com alegria de volta
para Deus a radiação de Seu valor. Isso não pode ser feito pela
mera realização de obrigações. Isso pode ser feito apenas quando
um amor espontâneo desperta no coração.
Considere a analogia de um aniversário de casamento. O meu
é 21 de dezembro. Suponha que nesse dia eu traga uma dúzia de
rosas de galho longo para Noël. Quando ela me encontra à porta,
eu ofereço as rosas e ela diz: "Johnny, que lindas! Obrigada", e
me dê um grande abraço. Depois suponha que eu sustente minha
mão e diga simplesmente: "De nada; é minha obrigação".
O que acontece? O exercício de uma obrigação não é algo
nobre? Não honramos aqueles que servem zelosamente? Não
muito. Não se o coração não estiver nisso. Rosas zelosas são uma
contradição em termos. Se eu não for motivado por um amor
espontâneo por ela como pessoa, as rosas não a honrarão. Na
verdade, elas a depreciam. Elas são uma cobertura muito fina do
fato de que ela não tem o valor ou a beleza aos meus olhos para
Com o Propósito de Alcançar a Piedade 113
despertar afeição. Tudo o que posso exibir é uma expressão
calculada de obrigação marital.
A verdadeira obrigação da adoração não é a obrigação
exterior de dizer ou fazer a liturgia. É a obrigação interior, o
mandamento: "Deleite-se no Senhor!" (Salmo 37:4).
A razão porque essa é a verdadeira obrigação da adoração é
que isso honra a Deus, enquanto o desempenho vazio do ritual
não o faz. Se eu levar minha esposa para sair à noite em nosso
aniversário de casamento e ela me perguntar: "Por que você faz
isso?" a resposta que mais a honrará será: "Porque nada me fará
mais feliz hoje à noite do que estar com você".
"É minha obrigação" é uma desonra para ela.
"E minha alegria" é uma honra.
Como nós honraremos a Deus em adoração? Dizendo: "É
minha obrigação?" Ou dizendo: "E minha alegria"?2
Assim, devemos adorar tanto em espírito quanto em
verdade, tanto com o coração quanto com a mente, tanto com
as emoções quanto com os pensamentos. Se adorarmos demais
somente pelo espírito, ficaremos muito sentimentais na
verdade, adorando de acordo com os sentimentos. Isso pode
levar a tudo, de uma tolerância letárgica a qualquer coisa na
adoração em um extremo, a uma labareda espiritual
incontrolável no outro. Mas se adorarmos pela verdade sem
espírito, então nossa adoração será tensa, penosa e gelidamente
previsível.
Na realidade, essas verdades sobre o equilíbrio na adoração
em espírito e em verdade são complementares. E importante
perceber isso porque, francamente, às vezes todos nós tentamos
nos envolver na adoração pública ou privada sem encontrar
fogo algum no altar de nossos corações. Inversamente, o tipo
certo de coração por Deus anseia ser guiado pela verdade.
Devemos ter ambos. Jesus disse que o maior de todos os
114 Adoração
mandamentos envolve amar a Deus de todo o coração e de todo o
entendimento (Marcos 12:30). Se assim não for, nossa adoração é
vã.
Devemos parar de participar da adoração ou interromper
nossos devocionais diários se parecer que não somos capazes
de manter o devido equilíbrio entre espírito e verdade? E se
estivermos passando por a um longo período de sequidão
espiritual onde na prática cada experiência de suposta adoração
pareça ser pouco mais do que um exercício de hipocrisia? Por
que continuar se estamos simplesmente adorando em vão?
Não, não devemos parar de nos envolver em formas de
adoração mesmo que não tenhamos sentimentos de adoração.
Há algumas coisas em que devemos perseverar até quando não
temos vontade, simplesmente porque é a coisa certa a se fazer.
Lembre-se de que até nossa "melhor" adoração é imperfeita
de certa forma, apesar de as imperfeições poderem ser
minúsculas. Entretanto, não defendemos a cessação da adoração
nessas ocasiões por ela ser, de alguma forma, falha. E, mais
importante, é provável que a "grande descoberta" na
restauração da alegria e da liberdade da adoração aconteça no
contexto da adoração. As pessoas muitas vezes me dizem que
não sentiam vontade de ir à igreja em determinada ocasião,
mas algo aconteceu durante o culto, que os renovou e restaurou
sua perspectiva espiritual.
Todo crente deve cruzar alguns desertos espirituais em sua
peregrinação à Cidade Celestial. Alguns lugares áridos podem
ser atravessados em uma hora ou em alguns dias.
Ocasionalmente, contudo, você pode ter que viajar por semanas
com uma alma quase definhada. Insista na adoração. Clame a
Deus por uma consciência renovada dos "rios de água viva"
(referência ao Espírito Santo) que Jesus prometeu em João 7:38
Com o Propósito de Alcançar a Piedade 115
que fluiriam em cada crente. Mas não pare de adorar. Nunca
desista no deserto. Você não sabe quão grande ele é, e pode ser
que já esteja bem no fim da travessia.
A ADORAÇÃO, TANTO PÚBLICA QUANTO
PRIVADA, É...ESPERADA DO CRISTÃO
Encontramos a ordem que os crentes devem participar
regularmente da adoração corporativa em Hebreus 10:25: "Não
deixemos de reunir-nos como igreja, segundo o costume de alguns
O primeiro exercício da Disciplina da adoração é desenvolver
o hábito de fielmente se reunir com outros crentes em reuniões
onde o principal propósito seja adorar a Deus.
O cristianismo não é uma religião isolacionista. O Novo
Testamento descreve a Igreja com metáforas como corpo (1
Coríntios 12:12), edifício (Efésios 2:21) e família (Hebreus 2:19),
cada uma fala do relacionamento entre unidades individuais e
um todo maior. Expressar e experimentar o cristianismo quase
sempre no nível individual (isto é, à exclusão do nível grupai),
significa que você irá desnecessariamente e pecaminosamente
perder muito da bênção e do poder de Deus. Este versículo
ensina que aqueles que "desistem" do "hábito" disciplinado
de se reunir com outros crentes desenvolveram um hábito que
não é cristão.
E inegável que nos "reunirmos como igreja" significa adorar
a Deus na presença física de outros crentes. As próprias palavras
não só impedem qualquer outra interpretação, mas quando a
carta foi escrita aos hebreus, não havia outra forma pela qual
elas pudessem ser explicadas. Assim, não podemos nos
persuadir de que estamos "reunidos como igreja" com outros
cristãos ao os assistirmos adorando na televisão. Há bons
116 Adoração
motivos para se transmitir e gravar a adoração congregacional,
mas nenhum inclui a idéia de substituir o ministério da mídia
pela freqüência à igreja por aqueles que são habilitados.
Também é verdade que a qualidade de sua vida devocional
privada não o isenta de adorar com outros crentes. Você pode
ter a vida devocional de George Muller, mas precisa da adoração
corporativa tanto quanto ele e aqueles hebreus precisavam. Há
um elemento da adoração e do cristianismo que não podem
ser experimentados na adoração privada ou pelo assistir à
adoração. Há algumas graças e bênçãos que Deus dá somente
na "reunião como igreja" com outros crentes.
O pregador puritano David Clarkson explica isso no sermão
instrutivo: "A Adoração Pública Prestada Antes da Privada".
As coisas mais maravilhosas que agora são feitas na terra
acontecem nas ordenações públicas, embora a simplicidade e
a e sp iritu a lid a d e delas as faça p a re ce r m enos
maravilhosas...Aqui o Senhor ordena que haja vida nos ossos
secos e levanta as almas m ortas do túmulo e sepulcro do
pecado,...Aqui os mortos ouvem a vozdo Filho de Deus e Seus
mensageiros, e aqueles que ouvem vivem. Aqui Ele faz ver os
que nasceram cegos; é o efeito do evangelho pregado para abrir
os olhos dos pecadores, e para transportá-los das trevas para a
luz. Aqui Ele cura as almas enfermas com uma palavra, aquelas
que não se pode curar pela máxima ajuda de homens. Aqui
Ele esconjura Satanás e expulsa espíritos imundos das almas
de pecadores há muito possuídos por eles. Aqui Ele abate
principados e potestades, subjuga o poder das trevas e faz com
que Satanás caia dos céus como raio. Aqui Ele muda todo o
curso da natureza nas almas dos pecadores, faz passar as coisas
antigas, e todas as coisas se tornam novas. São maravilhas essas
coisas e seriam assim consideradas, não fossem obra comum
do ministério público. E realmente fato, o Senhor não se limitou
a operar tais maravilhas somente em público; mas o ministério
Com o Propósito de Alcançar a Piedade 117
público é o único meio comum pelo qual Ele as opera.3
Por outro lado, não importa quão satisfatória ou suficiente
nossa celebração de adoração pública pareça ser, há
experiências com Deus que Ele concede somente em nossa
adoração privada. Jesus participava fielmente da adoração
pública a Deus na sinagoga todos os sábados e nos ajuntamentos
solenes de Israel no Templo em Jerusalém. Além disso, contudo,
Lucas observou que "Jesus retirava-se para lugares solitários, e
orava" (5:16). Como coloca o conhecido comentarista Matthew
Henry, "A adoração pública não nos exime da adoração
secreta".4
Como é possível adorar a Deus publicamente uma vez por
semana quando não O adoramos em particular durante toda a
semana? Podemos esperar que as chamas de nossa adoração a
Deus queimem reluzentes em público no Dia do Senhor, quando
elas mal tremulam por Ele em secreto nos outros dias? Não é
porque não adoramos bem em secreto que nossa experiência
de adoração corporativa muitas vezes não nos satisfaz? "De
forma alguma", diz o batista galês Geoffrey Thomas, "aqueles
que negligenciam a adoração secreta poderão ter comunhão
com Deus nos cultos públicos do Dia do Senhor".5
Não devemos nos esquecer, contudo, de que Deus espera
que adoremos em secreto para que Ele possa nos abençoar.
Minimizamos nossa alegria quando negligenciamos a adoração
diária a Deus em particular. É uma das grandes bênçãos da
vida que Deus não limite a um dia por semana o nosso acesso a
Ele e o desfrute de Sua presença! A força, a orientação e o
encorajamento diários estão disponíveis a nós. Um convite ao
crescimento em intimidade com o próprio Jesus Cristo está
aberto todos os dias.
118 Adoração
Pense nisto: O Senhor Jesus Cristo está disposto a
encontrar-Se com você em secreto sempre que você quiser, e
Ele está disposto, e até ansioso, por encontrar você todos os
dias! Suponha que você tivesse sido um dos milhares que
seguiram a Jesus durante boa parte dos últimos três anos de
Sua vida terrena. Pode imaginar quão entusiasmado você teria
ficado se um de Seus discípulos dissesse: "O Mestre quer que
nós digamos a você que Ele está disposto a ficar sozinho com
você todas as vezes que você quiser, e por todo o tempo que
você desejar, e Ele estará à sua espera todos os dias"? Que
privilégio! Quem se queixaria desta expectativa? Bem, tal
privilégio e expectativa são sempre seus. Exerça o privilégio e
satisfaça a expectativa para a glória e o deleite de Deus para
sempre.
ADORAÇÃO É...UMA DISCIPLINA A SER CULTIVADA
Jesus disse: "Adore o Senhor, o seu Deus" (Mateus 4:10).
Adorar a Deus por toda a vida requer disciplina. Sem disciplina,
nossa adoração a Deus será pobre e inconsistente.
Quando digo que adorar é focar e reagir a Deus, espero
comunicar minha convicção de que a verdadeira adoração vem
sempre coberta com as marcas do coração. A adoração não pode
ser diagramada ou calculada, pois é resposta de um coração
apaixonado por Deus. Entretanto, nós também temos que ser
capazes de pensar na adoração como uma Disciplina, uma
Disciplina que deve ser cultivada assim como todos os
relacionamentos devem ser para permanecerem saudáveis e
crescer.
A adoração é uma Disciplina Espiritual na medida em que
é tanto um fim quanto um meio. A adoração a Deus é um fim
Com o Propósito de Alcançar a Piedade 119
em si mesma porque adoração, como a temos definido, é focar
em e reagir a Deus. Não há objetivo mais elevado do que focar
e reagir a Deus. Mas a adoração é também um meio no sentido
de que é um meio para se alcançar a Piedade. Quanto mais
verdadeiramente adoramos a Deus, mais nos tornamos como
Ele.
As pessoas tomam-se como os seus focos. Esforçamo-nos
por igualar ou exceder aquilo em que pensamos. As crianças
fingem que são os heróis com quem sonham. Os adolescentes
se vestem como os astros dos esportes ou como os músicos de
sucesso a quem devotam tanta atenção. Mas tais tendências
não desaparecem com a idade adulta. Aqueles que se
concentram em "chegar ao topo" lêem os livros daqueles que
estão "no topo", depois copiam seu estilo nos negócios e hábitos
pessoais. Para ilustrar o ponto num nível mais tosco, aqueles
que focam na pornografia imitam o que vêem. Focar no mundo
mais do que no Senhor nos torna mais mundanos do que
Piedosos. Mas se pretendemos ser Piedosos, devemos focar em
Deus. A Piedade requer adoração disciplinada.
"Mas, eu tentei", podem exclamar alguns, frustrados, "e
não funciona comigo! Eu freqüento fielmente a igreja e
experimentei uma rotina diária de leitura bíblica e oração, mas
não obtive os resultados que esperava. Apesar de tudo que estou
fazendo, não pareço estar crescendo muito em Piedade." Passar
por uma rotina não é o mesmo que praticar corretamente uma
Disciplina Espiritual. Ler a Bíblia todos os dias não me toma
automaticamente Piedoso, assim como ler o caderno de
negócios dos jornais não me toma automaticamente um homem
de negócios. E deixar de experimentar o que desejamos quando
o desejamos não prova que os meios de Deus para a semelhança
com Cristo sejam ineficientes. Aconselhe-se com quem está
120 Adoração
crescendo em Piedade por meio da adoração pública e privada.
Fale com um cristão maduro que tenha uma vida devocional
significativa. Revise alguns dos capítulos anteriores deste livro,
especialmente aqueles sobre meditação e oração. O
desenvolvimento de qualquer disciplina, desde a prática de um
esporte até tocar piano, muitas vezes requer auxílio externo de
pessoas mais experientes. Assim, não se surpreenda pelo fato
de precisar de ajuda durante o desenvolvimento das Disciplinas
que levam à semelhança com Cristo, e não tenha medo de pedir
auxílio.
Descrevendo o homem moderno, alguém escreveu: "Ele
venera o seu trabalho, trabalha durante o lazer e brinca com a
adoração". A despeito disso, você irá cultivar a Disciplina da
adoração?
MAIS APLICAÇÃO
Você se comprometerá com a Disciplina da adoração diária?
Se você não adora a Deus os sete dias da semana", disse A. W.
Tozer, "você não O adora um dia por semana." 6 Não nos
enganemos. A adoração não é um evento que ocorra uma vez
por semana. Não podemos esperar que a adoração flua de
nossos lábios no Dia do Senhor se a mantemos encerrada em
nossos corações durante toda a semana. As águas da adoração
nunca devem parar de fluir de nosso coração, pois Deus é
sempre Deus e sempre digno de adoração. Mas o fluxo da
adoração deve ser canalizado e destilado ao menos uma vez
todos os dias para uma experiência diferenciada de adoração.
Existem aqueles que desejam considerar as Disciplinas
Espirituais e praticamente se isolar de outros crentes. Eles crêem
que sua vida devocional pessoal seja superior a tudo o que
Com o Propósito de Alcançar a Piedade 121
experimentam na adoração corporativa, e então desconsideram
o ministério público da Palavra de Deus. Devemos estar alertas
para o perigo de nos tomarmos desequilibrados nesse ponto.
Em meu ministério pastoral, contudo, tenho encontrado muito
mais cristãos professos que caem no extremo oposto.Eles se
disciplinam fielmente na freqüência à adoração corporativa,
mas negligenciam a prática regular da adoração a Deus em
secreto. Essa é uma das armadilhas mais comuns do caminho
para a Piedade. Muitos progridem pouco na semelhança com
Cristo porque deixam de se disciplinar exatamente nessa parte.
Não deixe que isso aconteça com você.
Você incluirá adoração verdadeira em seus a tos de
adoração? O que David Clarkson diz sobre adoração pública
se aplica a todos os atos de adoração, tanto pública quanto
privada.
O que você faz na adoração pública, faça com toda a sua força.
Sacuda aquela índole preguiçosa, indiferente e morna, que é tão
odiosa a Deus. ...Pense não ser suficiente apresentar seus corpos
perante o Senhor. ...A adoração do corpo não é senão a carcaça da
adoração; a adoração da alma é que constitui a alma da adoração.
Aqueles que se aproximam somente com lábios encontrarão Deus
longe; não apenas lábios, boca e língua, mas mente, coração e
emoções; não apenas joelho, mão e olho, mas coração, consciência
e memória devem ser compelidos a se dispor a Deus na adoração
pública. Davi diz, não somente "minha carne anseia por Ti", mas
"minha alma anseia por Ti". Então o Senhor Se aproximará,
quando nosso homem inteiro esperar por Ele; depois o Senhor
será encontrado, quando O buscarmos de todo o nosso coração.7
O ato de adorar que não inclui a verdadeira adoração é
lastimoso. Assim, se a adoração o fatiga, você não está realmente
adorando. Imagine uma das criaturas adorando ao redor do
122 Adoração
trono de Deus e dizendo: "Estou cansado disso!" É um
pensamento que nunca passou pela cabeça Delas por toda a
eternidade passada, e que jamais passará em toda eternidade
por vir. Em vez disso, lemos que elas são tão infinitamente
dominadas pela glória de Deus, que O adoram "dia e noite...sem
cessar" (Apocalipse 4:8). Obviamente, não podemos ainda ver
e experimentar na adoração tudo o que elas têm o privilégio de
gozar, mas podemos aprender com elas que a adoração
inexpressiva é uma contradição em termos. Já que o objeto de
nossa adoração é o glorioso e majestoso Deus dos Céus, quando
a adoração se torna vazia, o problema está com o sujeito (nós),
não com o objeto (Deus). Ele é digno de toda adoração, a melhor
e mais sincera adoração, que você possa dar a Ele.
A Disciplina Espiritual da adoração pública e privada a
Deus é um dos meios que Ele nos deu para recebermos a graça
de crescer em semelhança com Cristo. Quando nos fortalecemos
na adoração a Deus, nos fortalecemos também na semelhança
com Cristo. Talvez o Presidente Calvin Coolidge tenha dito
muito mais do que pôde perceber quando afirmou: "É somente
quando os homens começam a adorar que eles começam a
crescer". 8
Com o Propósito de Alcançar a Piedade 123
1 Do livro Desiring God: Meditations of a Christian Hedonist (Desejando Deus:
M editações de um Hedonista Cristão), de John Piper, copyright 1986 por
Multnomah Press. Publicado por Multnomah Press, Portland, Oregon 97266. Usado
sob permissão, página 70.
2 Piper, páginas 72-73, usado sob permissão.
3 David Clarkson, The Works of David Clarkson (As Obras de David Clarkson)
(Londres: James Nichol, 1864; reimpressão, Edinburgh, Escócia: The Banner of
Truth Trust, 1988), vol. 3, páginas 193-194.
4 John Blanchard, comp., Gathered Gold (Juntando Ouro) (Welwyn, Hertfordshire,
Inglaterra: Evangelical Press, 1984), página 342.
5 Geoffrey Thomas, "Worship in Spirit" (Adoração em Espírito), The Banner of Truth,
agosto-setembro 19878, página 8.
6 John Blanchard, comp., More Gathered Gold (Juntando Mais Ouro) (Welwyn,
Hertfordshire, Inglaterra: Evangelical Press, 1984), página 344.
7 Clarkson, página 209.
8 Lewis C. Henry, Ed., 5000 Quotations for All Occasions (5000 Citações para Todas
as Ocasiões (Filadélfia, PA: The Blakinston Company, 1945), página 319.
C A P Í T U L O S E I S
E vangelismo ...
Com o Propósito de
A lcançar a Piedade
O benefício presente da disciplina espiritual é uma vida plena,
abençoada por Deus, produtiva e útil. Se você se envolver na
ginástica espiritual, as bênçãos da piedade prosseguirão até a
eternidade. Embora muitos gastem muito mais tempo exercitando
seus corpos do que suas almas, o servo excelente de Jesus Cristo
percebe que a disciplina espiritual é uma prioridade.
John MacArthur, Jr.
Qualidades do Servo Excelente
5 omente o puro deleite de estar absorto em adoração a Deus
é tão estimulante e inebriante quanto falar de Jesus Cristo a
alguém.
Alguns dos períodos mais recompensadores de minha vida
têm sido durante as viagens missionárias quando nada faço
senão falar de Cristo nas ruas e nos lares, a uma pessoa ou
grupo após outro, o dia inteiro. O mesmo acontece em meu
próprio ambiente - nada me anima tanto quanto uma conversa
sobre Cristo com alguém que não O conheça. Esta pode ser
uma experiência igualmente compensadora para qualquer
crente.
Por outro lado, nada causa uma desconfortante e
desconcertante ansiedade mais rapidamente dentre um grupo
Evangelismo 125
de cristãos, no qual me incluo, do que falar sobre nossa
responsabilidade de evangelizar. Conheço muitos crentes que
se sentem confiantes de serem obedientes ao Senhor quando
se trata de sua absorção das Escrituras ou do ato de dar ou
servir, mas tenho certeza de que não conheço um único cristão
que possa dizer ousadamente: "Sou tão evangelista quanto
deveria ser".
Evangelismo é um assunto amplo, e há muitas coisas
relacionadas a ele que não serão abordadas neste capítulo. A
idéia principal que desejo comunicar aqui é que a Piedade
requer que nos disciplinemos na prática do evangelismo. Dentre
as razões porque não falamos mais de Cristo está o medo.
Refletiremos juntos sobre isso mais tarde. Mas estou convencido
de que a principal razão porque muitos de nós não
testemunhamos de Cristo de forma eficiente e relativamente
isenta de medo seja simplesmente o fato de não nos
disciplinarmos para tal.
O EVANGELISMO É ALGO QUE SE ESPERA DO CRISTÃO
A maioria dos leitores deste livro não precisará se convencer
de que o evangelismo é esperado de todo cristão. Não se espera
que todos os cristãos usem os mesmos métodos de evangelismo,
mas sim que todos os cristãos evangelizem.
Antes de prosseguirmos, definiremos alguns termos. O que
é evangelismo? Se quisermos definir o termo de forma
abrangente, podemos dizer que evangelizar é apresentar Jesus
Cristo no poder do Espírito Santo às pessoas pecadoras, para
que elas possam vir a depositar sua confiança em Deus por
meio Dele, a recebê-Lo como seu Salvador e a servi-Lo como
seu Rei na comunhão de Sua Igreja.1 Se desejarmos definir o
126 Evangelismo
termo de maneira simplificada, podemos dizer que o
evangelismo do Novo Testamento é a comunicação do
evangelho. Qualquer pessoa que relata fielmente os elementos
essenciais da salvação de Deus por meio de Jesus Cristo está
evangelizando. Isto é verdadeiro quer suas palavras sejam
faladas, escritas ou gravadas, e quer sejam ditas a uma pessoa
ou a uma multidão.
Por que o evangelismo é esperado de nós? O Próprio Senhor
Jesus Cristo ordenou que testemunhássemos. Considere a Sua
autoridade nos textos a seguir:
"Portanto, vão e façam discípulos de todas as nações, batizando-
os em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, ensinando-os a
obedecer a tudo o que eu lhes ordenei. E eu estarei sempre com vocês,
até o fim dos tempos" (Mateus 28:19-20).
"E disse-lhes: 'Vão pelo mundo todo e preguem o evangelho a
todas as pessoas'" (Marcos 16:15).
"e que em seu nome seria pregado o arrependimento para perdão
de pecados a todas as nações, começando por Jerusalém" (Lucas 24:47).
"Novamente Jesus disse: 'Paz seja com vocês! Assim como o Pai
me enviou, eu os envio" (João 20:21).
"Mas receberão poder quando o Espírito Santo descer sobre vocês,
e serão minhas testemunhas em Jerusalém, em toda a Judéia e Samaria,
e até os confins da terra" (Atos 1:8).
Esses mandamentos não foram dados somente aosapóstolos. Por exemplo, os apóstolos nunca vieram a esta nação.
Para que a ordem de Jesus fosse cumprida e para que este País
ouvisse sobre Jesus, o evangelho teve que chegar aqui por
intermédio de outros cristãos. E os apóstolos nunca irão à sua
casa, a seu bairro ou ao lugar onde você trabalha. Para que a
Grande Comissão seja cumprida ali, para que Cristo tenha um
testemunho nos "confins da terra", um cristão como você tem
Com o Propósito de Alcançar a Piedade 127
que se disciplinar a fazê-lo.
Alguns cristãos crêem que o evangelismo seja um dom,
responsabilidade apenas daqueles que o possuem. Eles alegam
ter apoio em Efésios 4:11: "E ele designou alguns para apóstolos,
outros para profetas, outros para evangelistas, e outros para pastores
e mestres". Embora seja verdade que Deus dote alguns para o
ministério como evangelistas, Ele chama todos os crentes a
serem Suas testemunhas e fornece a eles tanto o poder para
testemunhar quanto uma poderosa mensagem. Todo
evangelista é chamado a ser uma testemunha, mas somente
algumas poucas testemunhas são chamadas para o ministério
vocacional de um evangelista. Assim como todo cristão,
independentemente de dom espiritual ou ministério, deve amar
aos outros, assim, cada crente deve evangelizar quer tenha ou
não o dom de evangel/sta.
Pense em nossa responsabilidade de evangelismo pessoal
da perspectiva de 1 Pedro 2:9: "Vocês, porém, são geração eleita,
sacerdócio real, nação santa, povo exclusivo de Deus". Muitos cristãos
que conhecem esta parte do versículo não têm noção do que
diz o restante dele. O versículo prossegue dizendo que tais
privilégios são seus, cristão, "para anunciar as grandezas
daquele que os chamou das trevas para a sua maravilhosa luz".
Normalmente pensamos neste versículo como estabelecendo a
doutrina do sacerdócio de todos os crentes. Mas é igualmente
apropriado dizer que ele também nos exorta a um tipo de
ministério de profeta de todos os crentes. Deus espera que cada
um de nós "[anunciemos] as grandezas" de Jesus Cristo.
O EVANGELISMO É REVESTIDO DE PODER
Se é tão óbvio para quase todos os cristãos que devemos
128 Evangelismo
evangelizar, por que quase todos os cristãos parecem
desobedecer a esse mandamento com tanta freqüência?
Alguns crêem que precisam de muito treinamento
especializado para testemunhar efetivamente. Receiam falar
sobre Cristo até que se sintam confiantes de que têm
conhecimento bíblico adequado e até que possam lidar com
quaisquer potenciais perguntas ou objeções. O problema é que
a confiança nunca chega. E se o homem cego que Jesus curou
em João 9 tivesse pensado dessa maneira? Será que ele teria se
sentido pronto para testemunhar aos fariseus eruditos e
críticos? No entanto, algumas horas, talvez minutos, depois do
encontro com Jesus, ele contou bravamente o que sabia sobre
Jesus.
As vezes ficamos incapacitados de falar de Cristo por
temermos que as pessoas pensem que somos estranhos e nos
rejeitem. Quando estava cursando Direito, fiz amizade com um
colega em minha classe de propriedade. Logo percebendo que
ele não era cristão, conscientizei-me de minha responsabilidade
de compartilhar o evangelho com ele. Fiz o melhor que pude
para ser exemplo do caráter de Cristo à sua volta e orei por
oportunidades de testemunhar. Um dia, próximo ao fim do ano
escolar, bem quando o primeiro sinal tocou, ele me surpreendeu
ao perguntar: "Por que você está sempre tão feliz?" Embora a
aula estivesse para começar, eu poderia ter dado a meu amigo
um testemunho claro, mesmo que fosse apenas uma frase. Eu
poderia ter respondido: "Por causa de Jesus Cristo". Ou poderia
ter dito: "Gostaria de responder isso a você depois da aula".
Mas quando a oportunidade pela qual orei finalmente veio,
fiquei paralisado de medo de que ele pudesse me menosprezar
por causa de minha fé e disse: "Eu não sei".
Em alguns casos, o método de testemunhar requerido de
Com o Propósito de Alcançar a Piedade 129
nós nos causa evangelhofobia. Se o método exigir que nos
aproximemos de alguém a quem nunca vimos antes e iniciemos
uma conversa sobre Cristo, a maioria das pessoas ficará
terrificada e a ausência delas indicará isso. Embora alguns o
apreciem, a maioria treme só de pensar em levar o evangelho
de porta em porta. Até métodos que requeiram testemunhar a
amigos ou familiares, se envolver em uma aproximação forçada,
que inclua confronto ou meios antinaturais, nos enchem de
medo de compartilhar as melhores novas do mundo com as
pessoas a quem mais amamos.
Nunca ouvi isso expresso antes, mas acho que a seriedade
do evangelismo é a principal razão pela qual ele nos assusta.
Percebemos que, quando conversamos com alguém sobre
Cristo, o Céu e o inferno estão em jogo. Trata-se do destino
eterno da pessoa. E até quando nós corretamente cremos que
os resultados do encontro estão nas mãos de Deus e que não
somos responsáveis pela reação da pessoa ao evangelho, ainda
assim sentimos uma obrigação solene de comunicar a
mensagem fielmente unida a um temor santo de dizer ou fazer
qualquer coisa que seria uma pedra de tropeço à salvação da
pessoa. Muitos cristãos se sentem despreparados demais para
este tipo de desafio, ou simplesmente têm fé pequena demais e
ficam terrificados de entrar numa situação assim, de
importância eterna.
O pesquisador George Barna explica o temor do cristão em
relação ao evangelismo de outra forma:
Uma razão dominante por trás da crescente relutância dos cristãos
em compartilhar sua fé com não cristãos tem a ver com a própria
experiência de compartilhar a fé. Ao inquirirmos os cristãos sobre
suas atividades em relação ao testemunho, descobrimos que nove
entre dez pessoas que tentam explicar sua fé e teologia a outras
130 Evangelismo
pessoas saem da experiência sentindo como se tivessem falhado.
A realidade do comportamento humano é que a maioria das
pessoas evita tais atividades nas quais que se consideram falhas.
Como criaturas que buscam prazer e conforto, enfatizamos as
dimensões e atividades em que somos mais capazes e seguros.
Assim, apesar da ordem divina de propagar a Palavra, muitos
cristãos redirecionam suas energias às áreas de atividade
espiritual que são m ais satisfatórias e em que há m aior
probabilidade de que se saiam bem.2
O que é o êxito no evangelismo? É quando a pessoa a quem
se testemunha vem a Cristo? Isso certamente é o que desejamos
que aconteça. Mas se é assim, isso significa que fracassamos
quando compartilhamos o evangelho e as pessoas se recusam
a crer? Jesus era um "fracassado no evangelismo" quando
pessoas como o jovem rico davam as costas a Ele e à Sua
mensagem? É óbvio que não. Então nós também não o somos
quando apresentamos Cristo e a Sua mensagem e as pessoas se
afastam, incrédulas. Precisamos aprender que compartilhar o
evangelho é obter êxito no evangelismo. Devemos ter obsessão
por almas e suplicar sentidamente a Deus que vejamos mais
pessoas convertidas, mas conversões são frutos que somente
Deus pode dar.
Neste aspecto, somos como o serviço postal. O êxito é
medido pela entrega cuidadosa e precisa da mensagem, e não
pela resposta do destinatário. Sempre que compartilhamos o
evangelho, (que inclui o chamado ao arrependimento e à fé),
temos êxito. No sentido mais verdadeiro, todo evangelismo
bíblico é bem-sucedido, independentemente dos resultados.
O poder do evangelismo é o Espírito Santo. No instante em
que Ele passa a habitar em nós, Ele nos dá o poder de
testemunhar. Jesus enfatizou isso em Atos 1:8 quando disse:
Com o Propósito de Alcançar a Piedade 131
"Mas receberão poder quando o Espírito Santo descer sobre vocês, e
serão minhas testemunhas em Jerusalém, em toda a Judéia e Samaria,
e até os confins da terra". Espera-se que todo cristão evangelize
porque todo cristão está habilitado a evangelizar. Contudo, o
poder de testemunhar que Jesus prometeu em Atos 1:8 é muitas
vezes mal entendido. Não estamos todos habilitados a
evangelizar da mesma maneira, mastodos os crentes receberam
o poder de serem testemunhas de Jesus Cristo. A evidência de
que você recebeu o poder para testemunhar é a mudança de
vida. O poder do Espírito Santo que mudou a sua vida para
Cristo é o mesmo poder de testemunhar por Cristo. Assim, se
Deus por Seu Espírito mudou a sua vida, esteja confiante disso:
Deus deu a você o poder de Atos 1:8. Isso significa que, de
formas e métodos que sejam compatíveis com sua
personalidade, temperamento, dom espiritual, oportunidades
etc., você realmente tem o poder de compartilhar o evangelho
com as pessoas. Ter o poder de Atos 1:8 também significa que
Deus habilitará a sua vida e as suas palavras no compartilhar
do evangelho de modo que você muitas vezes não perceberá.
Em outras palavras, o Espírito Santo pode conceder muito poder
a seu testemunho em um encontro evangelístico sem dar a você
qualquer sentimento ou sensação de poder.
O evangelho que compartilhamos tem em si o poder do
Espírito Santo de Deus também. "Não me envergonho do
evangelho", diz o Apóstolo Paulo em Romanos 1:16: "porque é o
poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê: primeiro do
judeu, depois do grego". E por isso que as pessoas podem se
converter quer ouçam o evangelho por um professor
adolescente de uma classe de escola bíblica de férias, quer de
um mestre evangelista formado em seminário, quer o leiam
em um livro de algum erudito de Oxford, como C. S. Lewis,
132 Evangelismo
quer em um simples folheto. É o evangelho que Deus abençoa
como nenhuma outra palavra.
Isso não significa que o evangelho seja um tipo de vara
mágica que podemos ondular sobre os descrentes e o poder de
Deus se lança e converte automaticamente a todos eles. Você é
provavelmente como eu, que ouvi o evangelho muitas vezes
antes de ser salvo. Você sem dúvida conhece várias pessoas
que ouviram o evangelho repetidamente e não experimentaram
o novo nascimento. Deus tem que conceder também a fé (Efésios
2:8-9) com o ouvir do evangelho "porque é o poder de Deus
para a salvação de todo aquele que crê". Mas é por meio do
evangelho que Deus dá o poder de crer. Este é o significado de
Romanos 10:17: "Conseqüentemente, a fé vem por se ouvir a
mensagem, e a mensagem é ouvida mediante a palavra de Cristo
Ao pregar o evangelho, você está compartilhando "o poder
de Deus para a salvação de todo aquele que crê". Pregar o
evangelho é como andar por aí durante um temporal
distribuindo pára-raios. Não se sabe quando o raio vai cair ou
quem ele atingirá, mas sabe-se o que ele vai atingir: o pára-
raios do evangelho. E quando o fizer, o pára-raios da pessoa
vai estar carregado com o poder de Deus e ele ou ela vai crer.
É por isso que nós podemos estar confiantes de que alguns
crerão se nós formos fiéis e tenazmente pregarmos o evangelho.
O evangelho é que é o poder de Deus para a salvação, e não o
nosso próprio poder de eloqüência ou persuasão. Deus tem os
Seus eleitos, a quem Ele chamará e a quem Ele escolheu para
chamar por meio do evangelho (Romanos 8:29-30,10:17). De outra
forma, nos desesperaríamos por aqueles que rejeitam o
evangelho e os veríamos como razões para não mais
evangelizar. Entretanto, o poder para que as pessoas sejam feitas
justas com Deus vem por meio da mensagem de Seu Filho. Se
Com o Propósito de Alcançar a Piedade 133
nós a propagarmos, podemos estar certos de que alguns
responderão.
Também há um poder para o evangelismo nas pessoas que
vivem uma vida cristã sincera. Tal poder, por mais estranho
que pareça, pode ser ilustrado por uma churrascaria de beira
de estrada, cuja melhor propaganda não é a variedade de mídia
típica focada na visão ou na audição. Sua melhor propaganda
é direcionada ao olfato. A carne de vaca e de porco temperada é
assada onde o vento possa levar a sua fumaça fortemente
aromática por toda a rodovia de quatro pistas. Todos os dias,
as pessoas que por ali trafegam, as quais nem estão
considerando estar com fome, ficam interessadas na
"mensagem" do restaurante por causa de seu fragrante aroma.
Paulo descreve o poder da Piedade da seguinte forma em 2
Coríntios 2:14-17: "Mas a graça de Deus, que sempre nos conduz
vitoriosamente em Cristo e por nosso intermédio exala em todo lugar
a fragrância do seu conhecimento; porque para Deus somos o aroma
de Cristo entre os que estão sendo salvos e os que estão perecendo.
Para estes somos cheiro de morte; para aqueles, fragrância de vida.
Mas quem está capacitado para tanto? Ao contrário de muitos, não
negociamos a palavra de Deus visando lucro; antes, em Cristo falamos
diante de Deus com sinceridade, como homens enviados por Deus".
O Senhor habilita a vida (versículos 14-16) e as palavras
(versículo 17) do crente fiel com um poder de atração espiritual.
É o poder de um aroma fragrante que Deus usa para atrair as
pessoas à mensagem sobre Seu Filho.
O mais poderoso testemunho cristão contínuo sempre foi
a pregação da Palavra de Deus por quem vive a Palavra de
Deus. Em meados dos anos 80, Caffy iniciou um grupo de
estudos bíblicos para mulheres em nossa casa, incentivada por
duas novas crentes. Ao segundo encontro, elas trouxeram Janet,
134 Evangelismo
uma amiga em comum que era muito cínica com relação a tudo.
Em uma música sobre sua peregrinação espiritual, ela escreveu
mais tarde: "Sexo, drogas e rock-and-roll (eram) minha
trindade". Seu pensamento fora mais obscurecido ainda pelo
envolvimento no culto est.3 Entretanto, algo começou a
acontecer naquela noite que por muito tempo somente Janet
sabia. Meses depois, ela disse que desde o primeiro encontro
ali, um aroma da vida cristã de Caffy, especialmente em seu
próprio lar, combinado com o alimento da Palavra de Deus no
estudo bíblico, a fez querer mais. Ela desejava cada vez mais
aquela mensagem aromática que havia mudado as vidas
daquelas pessoas de forma tão bela. Hoje, Janet é um novo e
vivo "aroma de Cristo entre os que estão sendo salvos e os que
estão perecendo".
Por causa da natureza do Espírito Santo e das Santas
Escrituras, o evangelismo é revestido de poder.
O EVANGELISMO É UMA DISCIPLINA
O evangelismo é o transbordar natural da vida cristã. Todos
nós devemos ser capazes de falar sobre o que o Senhor fez por
nós e o que Ele significa para nós. Mas o evangelismo também
é uma Disciplina, pois devemos nos disciplinar para entrar no
contexto do evangelismo, isto é, não devemos simplesmente
esperar que as oportunidades de testemunhar ocorram.
Em Mateus 5:16, Jesus disse: "Assim brilhe a luz de vocês diante
dos homens, para que vejam as suas boas obras e glorifiquem ao Pai de
vocês, que está nos céus". Fazer brilhar a sua luz perante as outras
pessoas significa mais do que simplesmente "Não fazer nada
que impeça que sua luz brilhe". Pense em Sua exortação como:
"Que a luz das boas obras brilhe em sua vida, que haja evidência
Com o Propósito de Alcançar a Piedade 135
de mudança que honra a Deus radiando de você. Que isso
aconteça! Dê ocasião a isso!"
Por que nós não testemunhamos mais ativamente?
Conforme mencionado anteriormente, alguns dizem que é
principalmente porque muitos cristãos não são adequadamente
treinados para compartilharem sua fé. Há um pouco de verdade
nisso. Há vantagens em se obter orientação sobre aspectos
específicos da pregação do evangelho. Mas quando pensamos
novamente no homem cego a quem Jesus curou em João 9:25,
deve ficar evidente que não podemos atribuir nossa falha em
testemunhar à falta de treinamento. Embora fosse crente em
Jesus há apenas alguns minutos e não tivesse, obviamente,
treinamento algum em evangelismo, ele estava disposto a contar
aos outros o que Jesus havia feito por ele ("Uma coisa sei: eu
era cego e agora vejo!"). Além disso, qualquer cristão que tenha
ouvido pregações bíblicas, participado de estudos bíblicos ou
lido as Escrituras e literatura cristã por qualquer período de
tempo terá ao menos entendimento da mensagem básica do
cristianismo que baste para compartilhá-la com outra pessoa.É certo que, se nós mesmos já entendemos o evangelho bem o
suficiente para nos convertermos, também devemos conhecê-
lo bem o suficiente (mesmo que até o momento não saibamos
nada mais sobre a fé) para dizer a outro alguém como se
converter.
Devemos também reconhecer a comum objeção da falta de
tempo. Entre trabalho, família e responsabilidades da igreja,
simplesmente não há tempo suficiente para "sair
testemunhando". Antes de adotarmos esta objeção ao
evangelismo, pensemos no seguinte: Nós realmente queremos
dizer que estamos ocupados demais para cumprir a Grande
Comissão de Jesus Cristo de fazer dos descrentes discípulos
136 Evangelismo
(Mateus 28:19-20)? Esperamos que no Julgamento Jesus nos
desculpe por dizermos que "não tivemos tempo" para realizar
a única e mais importante responsabilidade que Ele nos deu?
Partamos do pressuposto de que a maioria, ou mesmo todas
as responsabilidades que nós crentes temos e que demandem
tempo sejam instituídas por Deus. E, por hipótese, aceitemos a
explicação de que não temos tempo para uma atividade
programada com mais regularidade em nossa agenda. Mas se
Deus é o Autor de tudo isso, Ele também é o Autor da Grande
Comissão; e ainda pretende que cada um de Seus seguidores
encontre maneiras de compartilhar o evangelho com os
descrentes. Qualquer que seja o contexto em que o Senhor nos
inseriu para vivermos nossas vidas, Deus nos chama para
encontrarmos formas de cumprirmos a Grande Comissão
naquele contexto, mesmo que com limitações. Educar filhos
"segundo a instrução e o conselho do Senhor" (Efésios 6:4) é um
modo de cumprirmos a Grande Comissão. Sustentar o trabalho
de uma igreja e seus missionários financeiramente é outro. Mas
e os descrentes fora de nossas famílias? E quem vai realizar o
ministério evangelístico de uma igreja, senão as pessoas como
você, que compõem a membresia da igreja?
A principal razão de não testemunharmos não seria a falta
de nos disciplinarmos para fazê-lo? Sim, existem aquelas
oportunidades maravilhosas e não planejadas de "responder a
qualquer pessoa que lhes pedir a razão da esperança que há em vocês"
(1 Pedro 3:15), que Deus traz inesperadamente. Mas eu sustento
que há uma razão para que a maioria dos cristãos torne o
evangelismo uma Disciplina Espiritual.
Como pastor, posso gastar as vinte e quatro horas do dia e
os sete dias da semana com cristãos, sem jamais terminar meu
trabalho. No preparo de pregações, em aconselhamento, em
Com o Propósito de Alcançar a Piedade 137
reuniões de liderança, em estudos bíblicos, em visitas a hospitais
e em outras atividades, eu poderia gastar todo o meu tempo
ministrando somente a crentes (exceto por ambientes de grupos
grandes ou em casos onde descrentes pedem para me encontrar
em particular). E, uma vez que meu ministério com o povo de
Deus nunca está concluído, eu poderia "justificar" tão
facilmente com qualquer pessoa a minha falta de contato
individual com não cristãos. Mas qual é o meu potencial para
evangelismo pessoal se nunca estou com descrentes? Nenhum.
Quando irei pregar o evangelho a uma pessoa perdida, exceto
se for parte de meu trabalho? Nunca. Isso não está certo.
A dona de casa cristã que raramente está com alguém senão
seus filhos e amigos da igreja está na mesma situação.
"Isso não é problema meu\" alguém dirá. "No trabalho, fico
cercado o dia inteiro pelos pagãos mais mundanos que se possa
imaginar". Presumindo que você não tente pregar o evangelho
a eles durante o expediente, quando o fará? O ponto não está
tanto em quantos descrentes você vê todos os dias, mas na
freqüência com que você está com eles em contexto apropriado
para pregar o evangelho. A despeito das importantes conversas
relacionadas ao trabalho ao longo de todo o dia, quantas vezes
você tem tipos de conversas significativas com seus colegas de
trabalho onde questões espirituais possam ser levantadas? Se
você nunca tem oportunidade de falar sobre Cristo, não importa
quantos não cristãos estejam à sua volta, seu potencial para
evangelismo não será melhor do que o meu poderia ser.
É por isso que digo que o evangelismo é uma Disciplina
Espiritual. A menos que nos disciplinemos para evangelizar, é
muito fácil nos justificarmos por nunca pregarmos o evangelho
a ninguém.
Observe em Colossenses 4:5-6 a terminologia que indica
138 Evangelismo
que deve haver pensamento e planejamento disciplinados no
evangelismo: "Sejam sábios no procedimento para com os de fora;
aproveitem ao máximo todas as oportunidades. O seu falar seja sempre
agradável e temperado com sal, para que saibam como responder a
cada um" (ênfase do autor). Devemos pensar no evangelismo
sempre que falarmos com os que são de fora, sabiamente
aproveitando ao máximo toda oportunidade. Saber como
responder às pessoas como indivíduos implica reflexão e
preparo. Estes princípios podem ser aplicados de tantas formas
específicas quanto há oportunidades de testemunhar. Mas em
geral eles suportam a idéia de que em adição a seu elemento
espontâneo, o evangelismo é uma Disciplina Espiritual.
Para mim, isso significa que disciplino a mim mesmo para
estar com descrentes. Às vezes Caffy e eu programamos uma
refeição com vizinhos que não conhecem a Cristo. Certificamo-
nos de levar algum alimento ou presente para a casa de uma
nova família da rua e gastamos tempo tentando conhecê-la.
Procuro me voltar para os que são de fora em eventos sociais
de nossa igreja, mesmo que eu tenha mais em comum com os
cristãos presentes e normalmente obtenha mais conversando
com eles. Novamente, a chave não é simplesmente socializar
com os descrentes, mas dialogar com eles de forma que seus
corações e mentes possam se abrir para o evangelho.
O evangelismo disciplinado também pode envolver
almoçar privativa e periodicamente com vizinhos ou colegas
de trabalho e aprender a fazer boas perguntas sobre o lado
pessoal de suas vidas. Os mesmos tipos de oportunidades
surgem em eventos esportivos ou sociais patrocinados por
empresas ou durante os períodos de informalidade das viagens
a negócios. Conversando e ouvindo atentamente, você
descobrirá as necessidades deles e, esperançosamente,
Com o Propósito de Alcançar a Piedade 139
explorará com eles a mais profunda delas: a necessidade de
Cristo.
Quer esteja com alguém que você sempre vê, ou com
alguém que acaba de conhecer, a melhor maneira que encontrei
para fazer a conversa convergir para assuntos espirituais é
perguntar à pessoa por que motivo você poderia orar por ela.
Embora seja quase rotina para o cristão, a maioria dos não
cristãos não sabe de ninguém que esteja orando por eles.
Descobri que muitas vezes os descrentes são profundamente
tocados por essa incomum expressão de consideração. Tive um
vizinho por mais de sete anos com quem minhas tentativas de
discutir sobre as coisas de Deus haviam sido altamente
infrutíferas. Mas na primeira vez que eu disse que orava por
ele com freqüência e gostaria de saber como poderia orar mais
especificamente, ele começou a revelar alguns problemas
familiares que eu nunca soube que existiam. Uma vez, eu
percorri meu bairro perguntando quais eram as necessidades
pelas quais nossa igreja poderia orar naquela noite em um culto
especial. Em quase toda casa eu fiquei surpreso com a reação
das pessoas e a abertura sem precedentes demonstrada por elas
para conversar sobre assuntos espirituais.
Mas o importante em todas essas possibilidades é que você
terá de se disciplinar para fazê-las acontecer. Elas não
acontecerão por acaso. Você terá que se disciplinar para
perguntar a seus vizinhos como poderá orar por eles ou quando
poderá compartilhar uma refeição com eles. Você terá que se
disciplinar para se juntar a seus colegas de trabalho durante as
horas de inatividade. Muitas dessas oportunidades de
evangelismo nunca virão se você esperar que elas ocorram
espontaneamente. O mundo, a carne e o Diabo farão tudo o
que puderem para impedi-las. Você, todavia, suportado pelo140 Evangelismo
poder invencível do Espírito Santo, pode se certificar de que
tais inimigos do evangelho não vençam.
Como mencionei anteriormente, não desejo deixar a
impressão de que a Disciplina do evangelismo requeira que
todos nós preguemos o evangelho exatamente da mesma
maneira. Neste capítulo todo, você pode ter tido uma visão de
certos métodos de evangelismo que lhe pareçam aterradores.
Mas o estilo preconcebido de evangelismo que talvez você tema
não é necessariamente o melhor modo de você ajudar a fazer
discípulos para Cristo.
Em uma de suas cartas, o Apóstolo Paulo divide todos os
dons espirituais em duas amplas categorias de dons de serviço
e dons de línguas (1 Pedro 4:10-11). Algumas pessoas acham
que evangelizam mais por meio do serviço, outras, mais pela
língua. O serviço evangelístico pode envolver convidar pessoas
para uma refeição e viver o evangelho na frente dos convidados.
Ao verem as diferenças em seu lar e vida familiar,
oportunidades imediatas ou eventuais de verbalizar o
evangelho podem surgir. Talvez você mesmo possa preparar
uma refeição a fim de abrir as portas para que seu cônjuge
compartilhe a sua fé. Dizem que toda família passa por uma
"crise" a cada seis meses. Durante esse tempo de doença, perda
de emprego, dificuldades financeiras, nascimento, morte etc.,
ser um servo semelhante a Jesus para aquela família
freqüentemente demonstra a realidade de sua fé de maneira
que desperte interesse. Servindo, você pode ter oportunidades
de oferecer literatura evangelística ou cumprir a Grande
Comissão de formas mais imaginativas.
Nos últimos anos, as pessoas de minha igreja têm aberto
seus lares para reuniões de evangelismo. Convidam vizinhos,
colegas de trabalho e amigos para virem a suas casas com o
Com o Propósito de Alcançar a Piedade 141
propósito expresso de ouvir um convidado falar sobre Jesus
Cristo e responder suas perguntas sobre o cristianismo e a
Bíblia. Os anfitriões podem não se sentir confiantes quanto a
sua habilidade de articular o evangelho, especialmente para
grupos de pessoas, mas ao servir pela hospitalidade, fornecem
uma oportunidade de evangelismo por alguém cujo forte seja
apresentar verbalmente o evangelho. Ao abrirem seus lares e
trabalharem com outro crente, ocorre um evangelismo que de
outra forma não aconteceria. Mas este tipo de serviço
evangelístico ainda requer tanta disciplina quanto qualquer
outro. E preciso ter disciplina para marcar uma data, para
convidar as pessoas, para preparar a refeição, para orar pelo
encontro e assim por diante. Sem tal disciplina, o serviço
evangelístico nunca acontece.
Por outro lado, alguns são mais adeptos da comunicação
direta do evangelho. Como já destaquei, se você se sai melhor
falando do que servindo, talvez possa trabalhar com alguém
especializado em serviço evangelístico de formas que
propiciarão mais oportunidades de testemunhar do que você
jamais teve. Contudo, assim como servos podem precisar servir
a fim de abrir portas para falar do evangelho, aqueles cujo forte
seja falar podem precisar se disciplinar para servir mais a fim
de terem oportunidades de falar. Em resumo, quem fala muitas
vezes precisa servir para poder falar do evangelho e os servos
evangelísticos devem eventualmente falar do evangelho.
Independentemente de quão tímidos ou inábeis possamos nos
sentir quanto ao evangelismo, não devemos nos convencer de
que não podemos ou não iremos compartilhar verbalmente o
evangelho sob quaisquer circunstâncias.
Ouvi a história de um homem que se tomou cristão durante
um programa de ênfase evangelística em uma cidade no
142 Evangelismo
noroeste do Pacífico. Quando contou ao seu chefe sobre a
conversão, o empregador disse: "Que bom! Eu sou cristão e
tenho orado por você há anos!"
Mas o novo crente ficou desconcertado. "Por que você
nunca me disse?" perguntou. "Você foi exatamente a razão pela
qual não me interessei pelo evangelho antes".
"Como isso é possível?" o chefe perguntou. "Fiz tudo o
que pude para viver a vida cristã perto de você".
"Aí é que está", explicou o empregado. "Você vivia uma
vida exemplar, mas nunca me disse que era Cristo que fazia a
diferença. Então eu me convenci de que se você podia viver
uma vida tão boa e feliz sem Cristo, eu também poderia".
A Bíblia diz em 1 Coríntios 1:21 que: "Agradou a Deus salvar
aqueles que crêem por meio da loucura da pregação". Muitas vezes é
a mensagem da Cruz vivida e demonstrada que Deus usa para
abrir um coração ao evangelho, mas é pela mensagem da Cruz
proclamada (por palavra ou página) que Deus salva aqueles que
crêem em seu conteúdo. Não importa quão bem vivamos o
evangelho (e devemos vivê-lo bem, ou impediremos que seja
recebido), mais cedo ou mais tarde devemos comunicar o
conteúdo do evangelho para que a pessoa possa se tomar um
discípulo de Jesus.
Antes de encerrar esta parte, quero enfatizar que a
Disciplina do evangelismo também se aplica ao sustento de
missões. Pelas mesmas razões que devemos nos disciplinar para
pregar a mensagem de Cristo àqueles que estão ao nosso redor,
também devemos nos disciplinar para ajudar aqueles que estão
cumprindo a Grande Comissão em lugares distantes.
Disciplinar-mos para sustentar missões ofertando, orando, nos
informando e estando abertos para ir se Deus nos chamar (ou
deixando nossos filhos irem se Deus os chamar) são ações que
Com o Propósito de Alcançar a Piedade 143
Jesus certamente praticaria.
MAIS APLICAÇÃO
Já que se espera que o crente evangelize, você obedecerá ao
Senhor e testemunhará? Em certo sentido, claro, todo cristão
está sempre testemunhando. Por nossas palavras e vidas, a todo
momento somos um testemunho - bom ou ruim - do poder de
Jesus Cristo. Mas estou falando agora de testemunhar
intencionalmente, não por omissão.
Você está disposto a obedecer a Jesus Cristo e a começar a
testemunhar intencionalmente? O evangelismo intencional
necessariamente será personalizado por seu dom espiritual,
talentos, personalidade, agenda, situação familiar, localização
etc. Mas tendo levado tudo isso em consideração, todo crente
deve perceber que há pecado em não buscar maneiras de
propagar a mensagem sobre nosso Senhor Jesus.
Por favor, não fique com a impressão de que, por ter escrito
este capítulo e compartilhar algumas experiências, eu seja uma
super-testemunha. Envergonho-me de dizer que houve muitas
vezes em que eu deveria ter falado de Cristo e não falei, em
geral, por medo. Mas creio que possamos encontrar uma
solução de longo prazo para nossas falhas e freqüente omissão
em testemunhar se nos disciplinarmos para evangelizar.
Já que o evangelismo é revestido do poder de Deus, você
crerá que Deus pode usar suas palavras na salvação de outras
pessoas? Deus abençoa as palavras, as palavras do evangelho.
Foram as palavras do Senhor Jesus, as palavras de Pedro e as
palavras de Paulo que Deus abençoou na conversão das pessoas
nos tempos do Novo Testamento, e ainda abençoa hoje. Ele
abençoará as suas palavras quando elas forem as palavras do
144 Evangelismo
Seu poderoso evangelho.
Alguns temem testemunhar porque não se sentem
confiantes o suficiente em seus poderes persuasivos ou em sua
habilidade de responder a todas as objeções imagináveis ao
evangelho. Contudo, o poder para evangelizar não está em
nossa habilidade; mas em Seu evangelho. Você pode nunca ter
imaginado que um descrente pudesse realmente nascer de novo
ao ouvir de Cristo por seus lábios. Mas isso não é humildade. E
dúvida, uma recusa da bênção de Deus sobre o Seu evangelho
simplesmente porque ele é falado por você. Não duvide do
poder de Deus de derramar a Sua bênção sobre as suas palavras
quando você falar de Cristo.
Por toda a sua vida, John Bunyan, autor de O Peregrino,
ressaltou que a conversa de algumas mulheres pobres, sobre
as coisas de Deus, sentadas em um portal iluminado pelo sol,
foi fundamental para a sua vinda a Cristo. Creia que o Senhor
pode usar o que você diz como catalisadorem uma conversão.
Eu argumento que muitos cristãos desejam falar aos outros
sobre o Senhor, mas não o fazem por temerem que o pecado
observável e diário de suas vidas seja contraditório demais para
eles testemunharem. "Como posso testemunhar a meu chefe",
o pensamento segue, "depois de me irar tanto contra ele?" Ou,
"Jamais serei capaz de contar a minha vizinha sobre o poder
de Cristo agora que ela me viu gritar com meus filhos".
Se Deus não usa pessoas como essas - como nósl- para Suas
testemunhas, não haverá testemunhas humanas. Já que não há
pessoas perfeitas, não há testemunhas perfeitas. Isso não muda
o fato de que quanto mais semelhantes a Cristo forem as nossas
vidas, mais convincentes serão as nossas palavras sobre Cristo.
Precisamos fazer todo o possível para eliminar qualquer pecado
que faça nossas palavras parecerem inconsistentes. Mas
Com o Propósito de Alcançar a Piedade 145
enquanto tentamos fazer isso, temos que estar convencidos de
que não podemos esperar até atingirmos a pura perfeição a
fim de dar testemunho. De outra forma, jamais falaremos do
evangelho! Parte da beleza de nossa mensagem é que Deus salva
os pecadores, pecadores como nós. Na verdade, o Espírito Santo
pode transformar uma ocasião de pecado em oportunidade de
falar sobre o Salvador. Conheci cristãos que procuraram as
pessoas que viram ou que foram vítimas de seu pecado e, ao
confessarem e pedirem perdão, puderam dar um poderoso
testemunho. Esta é a evidência de uma vida transformada que
chama a atenção do descrente. Há muitas pessoas iradas contra
aquele chefe e aquela vizinha vê muitas mulheres gritarem com
seus filhos, mas quando você se humilha e reconhece o erro, a
diferença é demonstrada. Você percebe? A prática de uma vida
cristã consistente de fato reveste o evangelismo de poder, mas
o cristão que se recupera de seu próprio estilo de vida não-
cristão fortalece o seu testemunho de outra maneira, muito
crível. Por meio de suas falhas e fraquezas, pessoas podem ser
fortalecidas.
Já que o evangelismo é uma Disciplina, você planejará
evangelizar? Ao pregar para sua congregação em Londres em
1869 sobre a responsabilidade do evangelismo, C. H. Spurgeon
disse:
Se eu nunca tivesse ganhado almas, anelaria por elas até ganhá-
las. Meu coração se quebrantaria se não pudesse fazer com que
seus corações fossem quebrantados. Embora eu consiga entender
a possibilidade de um semeador cuidadoso ficar contente em não
ceifar, não compreendo nenhum de vocês, povo cristão, que tente
ganhar almas sem obter retomo, e fique satisfeito sem resultados.4
Se não estiver contente com sua colheita de almas por amor
146 Evangelismo
de Cristo, você planejará uma semeadura mais disciplinada?
Marcará uma data que será devotada ao evangelismo? Você
agendará um almoço com colegas no trabalho ou com um
vizinho? E quanto a programar uma reunião evangelística em
casa? Onde você poderá adquirir literatura evangelística para
distribuição? A quem você poderá se oferecer para orar? Você
se comprometerá com ao menos uma maneira de evangelizar
intencionalmente no futuro próximo?
O parágrafo a seguir é uma paráfrase de 1 Coríntios 13
escrita por Dr. Joseph Clark, citada em Today's Evangelism
(Evangelismo Hoje) por Emie Reisinger.
Ainda que eu fale as línguas do conhecimento, e ainda que
use métodos aprovados de educação, mas deixe de ganhar outros
para Cristo ou de edificá-los no caráter cristão, tomo-me como o
gemido do vento em um deserto sírio.
E ainda que eu tenha o melhor dos métodos e entenda todos
os mistérios da psicologia religiosa, e ainda que eu tenha todo
conhecimento bíblico, mas não me envolva demais na tarefa de
ganhar outros para Cristo, tomo-me como uma nuvem em meio
ao mar aberto.
E ainda que eu leia toda a literatura da Escola Dominical e
freqüente as suas convenções, institutos e escola de férias, mas
esteja satisfeito com menos do que ganhar almas para Cristo e
estabelecer outras pessoas no caráter e no serviço cristão, de nada
me valerá.
O servo ganhador de almas, o servo que edifica caráter, é
longânimo e gentil; não tem inveja de outros que sejam livres da
tarefa de servos e não se vangloria, nem fica envaidecido de
orgulho intelectual.
Tal servo não se comporta inconvenientemente nos períodos
entre domingos, não busca seu próprio bem -estar e não é
facilmente provocado. Suporta todas as coisas, crê em todas as
coisas e espera todas as coisas.
Com o Propósito de Alcançar a Piedade 14 7
E agora subsistem o conhecim ento, os m étod os e a
Mensagem, essas três coisas: mas a maior delas é a Mensagem.5
Quanto mais semelhantes a Cristo formos, mais falaremos
de Cristo e de Sua mensagem. Mas devemos nos disciplinar
para fazê-lo. Que nos disciplinemos para viver de forma que
possamos dizer com o Apóstolo Paulo: "Faço tudo isso por causa
do evangelho, para ser co-participante dele" (1 Coríntios 9:23).
1 Veja J. I. Packer, Evangelism and the Sovereignty of God (O Evangelismo e a Soberania
de Deus) (Downers Grove, IL: InterVarsity Press, 1979), páginas 37-57.
2 Conforme citação em Discipleship Journal (Diário do Discipulado), edição 49, página
40.
3 Nota da Tradutora: Erhard Seminars Training (ou apenas "est", normalmente grafado
com letras minúsculas), um sistema de filosofia experimental desenvolvido por
Wemer Erhardé e mundialmente conhecido nos anos 70-80 (fonte: Answers.com).
4 C. H. Spurgeon, "Tearful Sowing and Joyful Reaping" ("Semeando com Lágrimas
e Colhendo com Alegria") em Metropolitan Tabernacle Pulpit (London: Passmore
and Alabaster, 1869; reimpressão, Pasadena, TX: Pilgrim Publications, 1970), vol.
15, página 237.
5 Conforme citação em Ernest C. Reisinger, Today's Evangelism: Its Message and
Methods (Evangelismo Hoje: Sua Mensagem e Seus Métodos) (Phillipsburg, NJ:
Craig Press, 1982), páginas 142-143.
C A P Í T U L O S E T E
Serviço ...
Com o Propósito de
A lcançar a Piedade
❖ ❖ ❖
As disciplinas espirituais não devem ser vistas como pretexto
para separação e isolamento do mundo. Antes, devem ser
consideradas um meio de vencer o mundo. Não a renúncia ao
mundo, mas o serviço no mundo: esse é o propósito
das disciplinas do espirito conforme a visão bíblica.
Donald G. Bloesch
A Crise da Piedade
A empresa já não existe há mais de um século. Mesmo assim,
não fossem os comerciais de TV, a Pony Express provavelmente
seria mais conhecida entre as pessoas do que a Federal Express.
A Pony Express era uma empresa privada de transportes
rápidos que utilizava um organizado revezamento de homens
a cavalo para entregar correspondências. O extremo leste era
St. Joseph, Missouri, e o terminal oeste, Sacramento, na
Califórnia. O custo do envio de uma carta pela Pony Express
era de US$2,50 por 28g. Se o tempo permitisse, os cavalos
agüentassem e os índios se mantivessem à distância, a carta
completaria toda a viagem de 3200 quilômetros em rápidos dez
dias, assim como foi com o relatório do Discurso Inaugural do
Presidente Lincoln.
Pode surpreender que a Pony Express somente tenha se
Serviço 149
mantido operante de 3 de abril de 1860 até 18 de novembro de
1861 - apenas dezessete meses. Quando a linha de telégrafo
entre duas cidades foi concluída, o serviço tornou-se
desnecessário.
Trabalhar para a Pony Express era uma tarefa árdua.
Esperava-se que o cavaleiro percorresse de cento e vinte a cento
e sessenta quilômetros por dia, trocando de cavalo a cada 24 a
40 quilômetros. Além da correspondência, a única bagagem
permitida incluía alguns suprimentos como farinha, fubá e
bacon. Em caso de perigo, também se levava uma bolsa de
socorros médicos com terebintina, bórax e creme de tártaro.
Para viajar sem muito peso e aumentar a velocidade da
mobilidade durante os ataques dos índios, os homens sempre
cavalgavam vestindo apenas camisa, mesmo durante o rigoroso
inverno.
Como era possível recrutar voluntários para tarefa tão
arriscada? Em 1860, um jornal de São Francisco publicou o
seguinteanúncio para a Pony Express: "PROCURAMOS:
Rapazes jovens, magros e resistentes, de até dezoito anos.
Devem ser peritos cavalgadores, e de preferência órfãos."
Essa era a honesta verdade relacionada ao serviço
solicitado, mas a Pony Express nunca teve falta de funcionários.
Precisamos ser honestos com as verdades da Disciplina do
serviço a Deus. Assim como ocorria com a Pony Express, servir
a Deus não é tarefa para os casualmente interessados. E um
serviço custoso. Deus pede a sua vida. Deus pede que o serviço
a Ele se tome prioridade e não passatempo. Ele não quer servos
que Lhe dêem as sobras dos compromissos de suas vidas. Servir
a Deus também não é responsabilidade de curto prazo. Ao
contrário da Pony Express, o Seu Reino nunca sucumbe,
independentemente dos avanços tecnológicos de nosso mundo.
150 Serviço
O quadro mental que temos da Pony Express é
provavelmente muito parecido com o imaginado pelos jovens
de 1860 que leram o anúncio daquele jornal. Cenas de alvoroço,
camaradagem e a emoção da aventura preenchiam suas mentes
ao entrarem orgulhosamente no escritório da Express para se
inscrever. Contudo, poucos deles anteviam que tal excitação
pontuaria apenas ocasionalmente a rotina das longas, difíceis
e solitárias horas de trabalho.
A Disciplina de servir é assim. Embora o chamado de Cristo
ao serviço seja a forma espiritualmente mais grandiosa e nobre
de viver a vida, ele é tipicamente tão corriqueiro quanto lavar
os pés de alguém. Richard Foster coloca tal verdade aridamente:
"Até certo ponto, seria preferível ouvir o chamado de Jesus para
negar pai e mãe, casas e terras por causa do evangelho, do que
a Sua palavra para lavar os pés. A autonegação radical dá a
sensação de aventura. Se abandonarmos tudo, até teremos a
chance do martírio glorioso. No serviço, entretanto, somos
banidos para o mundano, o ordinário, o trivial". 1
O ministério de serviço pode ser tão público quanto o da
pregação ou ensino, mas na maioria das vezes, será tão isolado
quanto cuidar do berçário. Pode ser tão visível quanto cantar
um solo, mas normalmente passará tão despercebido quanto
operar o equipamento de som para amplificar o solo. Servir
pode ser tão apreciado quanto um bom testemunho em um
culto de adoração, mas tipicamente é tão ingrato quanto lavar
os pratos depois da programação social na igreja. A maioria
dos serviços, até aquele que parece mais glamoroso, é como
um iceberg. Somente os olhos de Deus vêem a parte maior e
oculta dele.
Além das paredes da igreja, servir é tomar conta das
crianças dos vizinhos, levar refeições para famílias em processo
Com o Propósito de Alcançar a Piedade 151
de transição, realizar tarefas externas para pessoas impedidas
de saírem de casa, fornecer transporte para alguém cujo carro
quebrou, alimentar animais domésticos e regar plantas daqueles
que estão em férias e, - o mais difícil de tudo - ter um coração
de servo no lar. O ato de servir é tão trivial quanto as
necessidades práticas que procura suprir.
É por isso que servir deve se tornar uma Disciplina
Espiritual. A carne conspira contra a falta de notoriedade e a
mesmice de servir. Dois dos nossos pecados mais mortais - a
preguiça e o orgulho - são totalmente antagônicos ao serviço.
Eles embaçam nossos olhos e colocam correntes em nossas mãos
e pés para que não sirvamos da forma como sabemos que
devemos, ou até como queremos, servir. Se não nos
disciplinarmos para servir por causa de Cristo e de Seu Reino
(e para alcançar a Piedade), "serviremos" ocasionalmente,
quando for conveniente ou quando se tratar de um "auto-
serviço". O resultado será uma quantidade e uma qualidade
de serviço de que nos arrependeremos quando chegar o Dia
da Prestação de Contas.
Em The Spirit ofthe Disciplines (O Espírito das Disciplinas),
Dallas Willard acertadamente diz que nem todo serviço é, nem
mesmo deve ser, serviço disciplinado. Contudo, aqueles que
desejam ser treinados na espiritualidade em semelhança com
Cristo descobrirão que este é o meio mais certo e mais prático
de crescer na graça.
Nem todo ato que pode ser realizado como disciplina precisa ser
realizado como disciplina. Muitas vezes é possível servir aos
outros simplesmente como ato de amor e justiça, sem considerar
como isso poderá aumentar minhas habilidades de servir a Cristo.
Certamente não há nada de errado em fazê-lo, e isso pode, de
modo incidental, me fortalecer também espiritualmente. Mas eu
152 Serviço
posso servir aos outros como exercício para me afastar da
arrogância, da possessividade, da inveja, do ressentimento ou da
cobiça. Nesse caso, meu serviço é assumido como disciplina para
a vida espiritual.2
Mas a fim de não começarmos a pensar que servir é
meramente uma opção, vamos talhar isso na pedra angular de
nossa vida cristã:
ESPERA-SE QUE TODO CRISTÃO SIRVA
Ao chamar os Seus eleitos para Si, Deus não chama
ninguém à ociosidade. Quando nascemos de novo e nossos
pecados são perdoados, o sangue de Cristo purifica a nossa
consciência, de acordo com Hebreus 9:14, para que "sirvamos
ao Deus vivo!" "Prestem culto ao SENHOR com alegria" (Salmo
100:2) é a comissão de todo cristão. Não existe desemprego ou
aposentadoria espiritual no Reino de Deus.
Obviamente, as razões importam no serviço que oferecemos
a Deus. A Bíblia menciona ao menos seis razões para servirmos.
Motivados pela Obediência
Em Deuteronômio 13:4, Moisés escreveu: "Sigam somente o
SENHOR, o seu Deus, e temam a ele somente. Cumpram os seus
mandamentos e obedeçam-lhe; sirvam-no e apeguem-se a ele". Tudo
neste versículo se refere à obediência a Deus. Em meio a este
conjunto de mandamentos sobre obediência encontra-se a
ordem "sirvam-no". Devemos servir ao Senhor porque
queremos obedecer a Ele.
John Newton, o mercador de escravos que se tomou pastor
depois de sua conversão a Cristo e escreveu hinos como
"Amazing Grace", ilustra o serviço obediente da seguinte
Com o Propósito de Alcançar a Piedade 153
maneira:
Se dois anjos fossem receber ao mesmo tempo uma comissão de
Deus, um para descer e governar sobre o maior império da terra,
o outro para ir varrer as ruas de seu mais insignificante vilarejo,
seria uma questão de indiferença total para eles qual serviço lhes
fosse atribuído, o cargo de governante ou o cargo de gari, porque
a alegria dos anjos está somente na obediência à vontade de Deus.3
Você pode imaginar um daqueles anjos recusando-se a
servir? É impensável. Foi a indisposição para servir a Deus que
fez alguns anjos se transformarem em demônios. Então, como
pode qualquer cristão professo pensar que é correto sentar-se
nos "bancos de reserva" espirituais e observar outros fazerem
o trabalho do Reino? Qualquer cristão verdadeiro diz que deseja
obedecer a Deus. Mas desobedecemos a Deus quando não O
estamos servindo. Deixar de servir a Deus é pecaminoso.
Motivados pela Gratidão
O profeta Samuel exortou o povo de Deus a servir com as
palavras: "Tão-somente, pois, temei ao Senhor e servi-o
fielmente de todo o vosso coração; pois vede quão grandiosas
coisas vos fez". (1 Samuel 12:24). Não é pesado servir a Deus
quando consideramos que grandes coisas Ele tem feito por nós.
Você está lembrado do que é não conhecer a Cristo e estar
sem Deus e sem esperança? Lembra-se do que é encontrar-se
culpado diante de Deus e sem perdão? Lembra o que é ter
ofendido a Deus e ter a Sua ira queimando em relação a você?
Lembra-se do que é estar a apenas um passo do inferno? Agora,
você se lembra do que é ver Jesus Cristo com os olhos da fé e
entender pela primeira vez quem Ele realmente é e o que Ele
fez por meio de Sua morte e ressurreição? Lembra-se do que é
154 Serviço
experimentar perdão e libertação do juízo e do inferno? Lembra-
se de como foi ter pela primeira vez a certeza do Céu e da vida
eterna? Quando o fogo do serviço a Deus esfriar, considere que
grandes coisas o Senhor fez por você.
Ele jamais fez algo maior por alguém, nem poderia fazer
algo maior por você, anão ser trazê-lo para Si. Suponha que
Ele colocasse dez milhões de dólares em sua conta bancária
todas as manhãs pelo resto de sua vida, mas não salvasse você.
Suponha que Ele desse a você o corpo e o rosto mais bonitos de
toda humanidade, um corpo que não envelhecesse por mil anos,
mas então, quando morresse, Ele impedisse você de entrar no
céu, confinando-o ao inferno pela eternidade? O que Deus já
deu a alguém que possa ser comparado à salvação que Ele lhe
deu como crente? Você percebe que não há nada que Deus possa
fazer ou dar a você que seja mais do que Ele mesmo? Se não
podemos ser servos gratos a Ele, que é tudo e em quem temos
tudo, o que nos fará ser gratos?
Motivados pela Alegria
A ordem inspirada de Salmo 100:2 é: "Prestem culto ao
SENHOR com alegria". Não devemos servir a Deus de má
vontade ou carrancudamente, mas com alegria.
Nas cortes dos antigos reis, servos eram executados pelo
simples fato de parecerem tristes ao servirem ao rei. Neemias,
em 2:2 do livro que leva seu nome, se entristeceu por causa das
notícias que ouvira, de que Jerusalém ainda estava em ruínas
apesar do retomo de muitos judeus do exílio babilónico. Ao
servir uma refeição ao rei Artaxerxes certo dia, o rei disse a ele:
"Por que seu rosto parece tão triste, se você não está doente? Essa
tristeza só pode ser do coração!" Por causa do que isso poderia
significar para ele, Neemias diz estar: "Com muito medo". Não
Com o Propósito de Alcançar a Piedade 155
se age com desânimo nem se fica amuado ao servir a um rei.
Isso não apenas dá a impressão de que você não deseja servir
ao rei, mas é uma declaração de insatisfação com a forma com
que ele está administrando as coisas.
Algo vai mal se você não consegue servir ao Senhor com
alegria. Posso entender por que a pessoa que serve a Deus só
por obrigação não serve com alegria. Posso entender por que a
pessoa que serve a Deus tentando ganhar o céu não serve com
alegria. Mas o cristão que gratamente reconhece o que Deus
tem feito por ele pe!a eternidade deve ser capaz de servir a
Deus com alegria e ânimo.
Para o crente, servir a Deus não é um peso, mas um
privilégio. Suponha que Deus perm ita que você sirva em
qualquer posição política ou comercial do mundo, mas não o
deixe servir em Seu Reino, Suponha que Ele o deixe escolher
qualquer pessoa do mundo para servir e conhecer intimamente,
mas não deixe que você O sirva. Ou suponha que Ele deixasse
você servir a si mesmo, fazendo de sua vida tudo o que
desejasse, sem necessidades ou preocupações, mas você jamais
pudesse conhecer a Deus. Até a m elhor dessas coisas é
escravidão miserável em comparação com o grato privilégio
de servir a Deus. E por isso que o salmista pôde dizer: "Melhor
ó lun dia nos teus átrios do que mil noutro lugar; prefiro ficar à porta
da casa do meu Deus a habitar nas tendas dos ímpios" (Salmo 84:10).
Você serve na igreja com alegria ou com desânimo? Você
serve a seus vizinhos de boa vontade ou com relutância? A
impressão que seus filhos têm é que você realmente gosta de
servir a Deus ou simplesmente tolera?
Motivados pelo Perdão, não pela Culpa
Na conhecida visão que Isaías teve de Deus, observe a sua
156 Serviço
reação uma vez que Deus o perdoa: "Então, um dos serafins voou
para mim, trazendo na mão uma brasa viva, que tirara do altar com
uma tenaz; com a brasa tocou a minha boca e disse: Eis que ela tocou
os teus lábios; a tua iniqüidade foi tirada, e perdoado, o teu pecado.
Depois disto, ouvi a voz do Senhor, que dizia: A quem enviarei, e
quem há de ir por nós? Disse eu: eis-me aqui, envia-me a mim" (Isaías
6:6-8). Assim como um cão na coleira, Isaías se esforçava ao
máximo para servir a Deus de alguma forma, de qualquer forma.
Porque se sentia culpado? Não! Porque Deus havia tirado a sua
culpa!
C. H. Spurgeon, o leão londrino dos púlpitos, tocado com a
emoção de Isaías, disse em um sermão em 8 de setembro de
1867:
O herdeiro dos céus serve a seu Senhor movido simplesmente
por gratid ão ; ele não tem salvação a ganhar, nem céu a
perder;...agora, por amor ao Deus que o escolheu e que pagou
preço tão alto por sua redenção, ele deseja dispor-se inteiramente
a serviço de seu Mestre. Você, que busca a salvação pelas obras
da lei, que vida miserável deve ser a sua! ... você a terá se
diligentemente perseverar em obediência, você poderá quem sabe
obter vida eterna, contudo, ai de mim! Nenhum de vocês ousa
fingir que a obteve. Você labuta, labuta, labuta, mas nunca obtém
aquilo por que labuta, e jamais obterá, pois: "ninguém é justificado
pela prática da L ei" ...O filho de Deus não se empenha para ganhar
a vida, mas porque tem a vida; não se empenha para ser salvo, mas
porque é salvo.4
Nós, o povo de Deus, não O servimos a fim de sermos
perdoados, mas porque somos perdoados. Quando crentes
servem somente porque se sentem culpados se não o fizerem,
é como se servissem com uma bola e corrente presa a seus
tornozelos. Não há amor nesse tipo de serviço, apenas trabalho.
Com o Propósito de Alcançar a Piedade 15 7
Não há alegria, apenas obrigação e servidão. Mas os cristãos
não são prisioneiros que devem servir no Reino de Deus de má
vontade por causa da culpa. Podemos servir de boa vontade
porque a morte de Cristo nos libertou da culpa.
Motivados pela Humildade
Jesus foi o Servo perfeito. Sua grandiosidade é vista na
"baixeza" que Ele estava disposto a experimentar a fim de servir
às necessidades mais básicas de Seus doze amigos.
Quando terminou de lavar-lhes os pés, Jesus tomou a vestir sua
capa e voltou ao seu lugar. Então lhes perguntou: "Vocês entendem
o que lhes fiz? Vocês me chamam 'Mestre' e 'Senhor', e com razão, pois
eu o sou. Pois bem, se eu, sendo Senhor e Mestre de vocês, lavei-lhes os
pés, vocês também devem lavar os pés uns dos outros. Eu lhes dei o
exemplo, para que vocês façam como lhes fiz. Digo-lhes verdadeiramente
que nenhum escravo é maior do que o seu senhor, como também nenhum
mensageiro é maior do que aquele que o enviou." (João 13:12-16)
Com espantosa humildade, Jesus, o seu Senhor e Mestre,
lavou os pés de Seus discípulos, dando exemplo de como todos
os Seus seguidores deveriam servir com humildade.
Nesta vida, sempre haverá uma parte de nós (que a Bíblia
chama de carne) que dirá: "Se tenho que servir, quero conseguir
algo em troca. Se posso ser recompensado, ou ganhar reputação
pela humildade, ou de alguma forma obter vantagem com isso,
então darei a impressão de humildade e servirei". Mas este
serviço não expressa semelhança com Cristo. E hipocrisia.
Richard Foster o chama de "serviço farisaico".
O serviço farisaico requer recompensas externas. Ele precisa saber
que as pessoas vêem e apreciam o esforço. Busca o aplauso
humano, com a devida modéstia religiosa, é claro. O serviço
158 Serviço
farisaico se preocupa muitíssimo com os resultados, e deseja
avidamente ver se a pessoa servida irá retribuir da mesma forma.
A carne se queixa contra o serviço, mas grita contra o serviço feito
às ocultas. Ela faz de tudo para obter honra e reconhecimento.
Ela irá tramar meios sutis e religiosamente aceitos de chamar a
atenção para o serviço prestado.5
Pelo poder do Espírito Santo devemos rejeitar o serviço
farisaico como motivação pecaminosa, e servir
"humildemente", considerando "os outros superiores" a nós
mesmos (Filipenses 2:3).
Você consegue servir a seu chefe e a outros no trabalho,
ajudando-os a serem bem-sucedidos e felizes, mesmo quando
eles são promovidos e você passa despercebido? Consegue
trabalhar para fazer os outros parecerem bem sem que a inveja
ocupe seu coração? Consegue ministrar às necessidades
daqueles que Deus exalta e os homens honram quando você
mesmo é negligenciado? Consegue orar para que o ministério
de outros prospere quando isso poderia lançar o seu nas
sombras?
Na Disciplina do serviço, a questão nem sempre é quão
bem você serve, pois até o mundo serve bem quando isso leva
ao lucro. Mas o cristão serve com humildade porqueisso leva à
semelhança com Cristo.
Motivados por Amor
No coração do serviço, de acordo com Gálatas 5:13, deve
haver amor: "Irmãos, vocês foram chamados para a liberdade. Mas
não usem a liberdade para dar ocasião à vontade da carne; ao contrário,
sirvam uns aos outros mediante o amor".
Não há melhor combustível para o serviço que queime por
mais tempo e forneça mais energia do que o amor. Há coisas
Com o Propósito de Alcnnçnr n Piedade 159
que faço no serviço de Deus que não faria por dinheiro, mas
disponho-me a fazê-las por amor a Deus e aos outros. Li sobre
um m issionário na Á frica a quem foi perguntado se ele
realmente gostava do que estava fazendo. Sua resposta foi
chocante: "Se gosto deste trabalho?" disse ele. "Não. Minha
esposa e eu não gostamos de sujeira. Temos sensibilidades
razoavelmente refinadas. Não gostamos de rastejar até cabanas
imundas em meio a refugo de bode". ...Mas um homem não
deve fazer nada do que não goste para Cristo? Deus tenha
misericórdia dele, se não. Gostar ou não gostar não tem nada a
ver com isso. Temos ordens para 'Ir ' e vamos. O amor nos
constrange a isso".
Quando o am or de Cristo controla ou constrange os
homens, o resultado é que eles "já não [vivem] mais para si
mesmos, mas para aquele que por eles morreu e ressuscitou"
(2 Coríntios 5:14-15), Eles servem a Deus e aos outros, mas o
serviço é motivado pelo amor. Jesus disse em Marcos 12:28-31
que o maior mandamento era amar a Deus com todo o seu ser
e o segundo mandamento mais importante era amar ao próximo
como a si mesmo. A luz destas palavras, certamente quanto
mais amarmos a Deus, mais viveremos para Ele e O serviremos,
e quanto mais amarmos aos outros, mais os serviremos.
TODO CRISTÃO TEM O DOM DE SERVIR
Dons Espirituais
No momento da salvação, o Espírito Santo, quando passa a
habitar em seu interior, traz Consigo um dom. Em 1 Coríntios
12:4, 11, somos informados de que há muitas variedades de
dons, e o Espírito Santo determina, por Sua soberana vontade,
que dom é dado a cada crente. "Há diferentes tipos de dons, mas o
160 Serviço
Espírito é o mesmo...Todas essas coisas, porém, são realizadas pelo
mesmo e único Espírito, e ele as distribui individualmente, a cada
um, como quer". Até mais específico é 1 Pedro 4:10, que certifica
que cada cristão é especialmente dotado e que o propósito do
dom é o serviço: "Cada um exerça o dom que recebeu para servir os
outros, administrando fielmente a graça de Deus em suas múltiplas
formas".
Talvez você já saiba que os dons espirituais têm sido alvo
de contínua controvérsia em muitas partes da Igreja. Minha
convicção particular é que todo cristão tem um dos sete dons
espirituais relacionados em Romanos 12:4-8. Os próprios
ministérios que Deus nos dá são dons de Deus (1 Coríntios 12:5,
Efésios 4:7-13) e, ao ministrarmos com nosso dom espiritual,
os efeitos benéficos que o Espírito Santo opera nas vidas de
outros são para eles outro tipo de dom espiritual (1 Coríntios
12:6-11). Outras passagens importantes sobre dons espirituais
são 1 Coríntios 12:27-31,1 Coríntios 14 e 1 Pedro 4:11. Encorajo
você a lê-las em espírito de oração.
Independentemente de sua teologia sobre dons espirituais,
os dois pontos mais relevantes sobre eles continuam sendo
aqueles revelados em 1 Pedro 4;10, a saber, (1) se você é cristão,
tem definitivamente um dom espiritual, e (2) o propósito de
Deus ao dar a você o dom é que com ele você sirva para o Seu
Reino.
Se você estiver apenas começando a aprender sobre dons
espirituais, provavelmente não terá idéia de qual seja o seu dom.
Relaxe. Muitos cristãos servem a Deus fiel e produtivamente
por toda uma vida sem determinar o seu dom específico. Não
estou sugerindo que você não deva tentar identificar seu dom;
estou dizendo que você não é relegado ao status de esquentador
de banco no Reino de Deus até que possa definir seu dom.
Com o Propósito de Alcançar a Piedade 161
Estude o material bíblico sobre dons espirituais e escolha
cuidadosamente alguns dos melhores livros da torrente de
tomos escritos sobre o assunto. Mas de forma alguma se deixe
desanimar em servir, pois é possível servir bem mesmo sem
saber nomear o seu dom. J. I. Packer nos lembra: "Os dons mais
significativos na vida da igreja de todas as eras são habilidades
naturais corriqueiras santificadas".6
Permaneça equilibrado. Deus deu a você um dom espiritual
e este não é o mesmo que uma habilidade natural. Aquele
talento natural, adequadamente santificado para o uso de Deus,
sempre aponta em direção à identidade de seu dom espiritual.
Contudo, você deve descobrir que dom especial Deus lhe deu
servindo tão diligentemente quanto possível sem aquelas
informações definitivas. Na verdade, além do estudo das
Escrituras, a melhor forma de descobrir e confirmar que dom
espiritual é o seu será por meio do serviço. Se você tem
inclinação para ensinar, pode nunca vir a saber que seu dom é
ensino até que assuma uma classe e tente. Você pode descobrir,
por um ministério de pessoas em sofrimento, que o seu dom é
misericórdia. Por outro lado, ao se envolver em um ministério
específico, você pode confirmar qual não é o seu dom. Há alguns
anos, eu pensei que tivesse um dom até que, servindo, ficou
dolorosamente claro que eu tinha um dom inteiramente
diferente.
Encorajo você a se disciplinar para servir em um ministério
regular e contínuo de sua igreja local. Não necessariamente em
uma posição reconhecida ou escolhida. Encontre uma maneira
de derrotar a tentação de servir somente quando for
conveniente ou estimulante. Isso não é serviço disciplinado.
Aqueles que têm coração e olhos de servo serão compelidos
pelo amor a servir de formas e tempos que ultrapassem os
162 Serviço
limites de seu ministério oficial, mas não negligenciarão o
ministério contínuo do Corpo de Cristo local.
Você pode se sentir ignorado, talvez esteja limitado por ter
uma agenda incomum, ou pode estar fisicamente incapacitado,
mas ainda assim existirá um modo de você servir. Aqueles que
têm agendas incomuns ou limitações físicas muitas vezes se
tomam poderosos intercessores em um ministério de oração.
Apesar de suas limitações, os que têm o coração no serviço
sempre encontram uma maneira de servir.
Uma comissária de bordo de nossa igreja trabalha em rotas
internacionais e quando está em serviço, passa vários dias fora.
Ela não tem uma agenda normal de segunda a sexta, mas
sempre escreveu cartas de encorajamento e doou livros como
ministério. Contudo, ao se unir a nossa comunhão, buscou uma
forma disciplinada de servir com outros crentes ao invés de
apenas individualmente. Mas como fazer isso com a sua
agenda? Logo ficou claro que seu dom espiritual era servir, isto
é, suprir necessidades práticas. Ela também se sobressai na
hospitalidade. Agora ela faz parte de uma equipe ministerial
de nossa igreja que é especializada em hospitalidade. Por ser
um ministério de grupo, ela não tem que estar presente todas
as vezes que servem. Quando ela não está fora, ela faz a sua
parte.
Dons espirituais devem ser usados para servir. Se Deus não
pretendesse que seu dom fosse usado, não haveria mais
propósito para sua vida. Por que Deus permitiria que
vivêssemos senão para sermos úteis a Ele? Em Sua sabedoria e
providência, Ele dotou cada crente para servir e manteve cada
um de nós vivo para servir.
O intuito deste capítulo, contudo, é despertar os crentes
para o serviço disciplinado, com o objetivo de podermos ser mais
Com o Propósito de Alcançar a Piedade 163
semelhantes a Jesus. Alguns dons espirituais pendem em
direção a ministérios que estão fora dos holofotes e muitas vezes
não são apreciados pelas massas. Entretanto, como Jesus, não
importa quanto reconhecimento público ganhemos no
ministério, somos chamados igualmente para tempos de serviço
"nos bastidores". "Alguns têm o dom do auxílio, e essas ações
vêm mais naturalmente", escreve Jerry White. "Para a maioria
dos cristãos, servir requer um esforçoconsciente".7 Ele poderia
ter dito isso da seguinte maneira: "servir requer disciplina".
Servir Sempre é Trabalho Árduo
Alguns ensinam que uma vez descoberto e empregado o
dom espiritual, servir se torna nada mais do que alegria passiva.
Mas isto não é o cristianismo do Novo Testamento. Em Efésios
4:12, o Apóstolo Paulo escreveu sobre "preparar os santos para
a obra do ministério" (ênfase do autor). As vezes, servir a Deus
e aos outros nada mais é do que trabalho árduo.
Nas Escrituras, os cristãos são chamados não apenas de
filhos de Deus, mas também de servos de Deus. Recorde como
Paulo normalmente inicia as suas cartas, referindo-se a si
mesmo como servo de Deus (como em Romanos 1:1). Todo
cristão é servo de Deus, e servos trabalham.
Paulo descreve o seu serviço a Deus com estas palavras em
Colossenses 1:29: "Para isso eu me esforço, lutando conforme a sua
força, que atua poderosamente em mim". A palavra esforço significa
trabalho ao ponto de exaustão, enquanto a palavra grega
traduzida por "lutando" vem da palavra "agonizar". Assim, para
Paulo, servir a Deus era "agonizar ao ponto de exaustão". Isso
não significa que era uma labuta infeliz; na verdade, a razão
porque Paulo trabalhava tanto era que a única coisa a que ele
amava mais do que servir a Deus era o próprio Deus. Deus nos
164 Serviço
fomece o poder de servi-Lo. Nós lutamos em serviço "conforme
a sua força, que atua poderosamente" em nós. O verdadeiro
ministério nunca é movido pela carne. Mas o resultado de Seu
poder operando poderosamente em nós é "esforço".
Isso significa que servir ao Senhor em uma igreja local ou
em qualquer tipo de ministério sempre será difícil. Se você for
como Paulo, às vezes será agonizante e exaustivo. Levará tempo.
Sempre haverá coisas mais divertidas que você poderia estar
fazendo. E, se não houver outra razão, servir a Deus é trabalho
árduo porque significa servir as pessoas.
Entretanto, lembre-se de que o serviço que nada custa
também nada produz. E mesmo que servir a Deus possa ser
trabalho agonizante e exaustivo, é também o tipo de trabalho
que mais realiza e recompensa. Em João 4:34, lemos a passagem
em que Jesus fala com a mulher de Samaria. Ele andara o dia
todo. Estava cansado, com sede e fome. E tudo isso porque Ele
estava servindo a Seu Pai. Enquanto Ele descansa perto do poço
próximo a Sicar, a mulher samaritana chega ao poço. Eles
conversam e a vida dela é transformada para sempre. Quando
ela volta a Sicar para contar aos outros sobre Jesus, Seus
discípulos voltam da cidade, onde haviam ido comprar
alimento. Quando oferecem comida a Jesus, Ele diz: "A minha
comida é fazer a vontade daquele que me enviou e concluir a
sua obra" (ênfase do autor).
A obra de servir a Deus produzia tanta satisfação e
realização em Jesus, que Ele a chamava de comida. Servir a
Deus muitas vezes O deixava tão cansado que Ele pegava no
sono durante a tempestade em um barco aberto. Certa vez, a
tarefa implicou quarenta dias sem comer. Serviço para Jesus
significava dormir fora e no chão. Significava levantar-se antes
do dia clarear para ter algum tempo para si mesmo. Mas em
Com o Propósito de Alcançar a Piedade 165
meio de toda exaustão, fome, sede, dor e inconveniência, Jesus
disse que a obra de servir a Deus era tão importante que era
como comidal Ela O nutria, O fortalecia, O satisfazia e Ele a
devorava!
Servir a Deus é trabalho, mas não há trabalho mais
recompensador.
O serviço disciplinado é também o tipo mais duradouro de
trabalho. Diferentemente de algumas coisas que possamos
fazer, o serviço para Deus nunca é feito em vão. O mesmo Paulo
que agonizou o ponto de exaustão ao servir a Deus nos lembra:
"Portanto, meus amados irmãos, sede firmes, inabaláveis e sempre
abundantes na obra do Senhor; sabendo que, no Senhor; o vosso
trabalho não é vão". (1 Coríntios 15:58).
Não será preciso servir a Deus por muito tempo para ser
tentado a pensar que seu trabalho é vão. Pensamentos virão
que o serviço que você presta é uma perda de tempo. Resultados
são difíceis de ser encontrados. Independentemente do que você
pense e veja, Deus promete que seu trabalho nunca será em
vão. Isso não significa que um dia você irá ver todo o fruto de
seu trabalho que esperaria ver, ou que não irá sentir muitas
vezes que nada se aproveitou de todo o seu esforço. Mas
significa que mesmo que você não consiga ver a prova, o seu
serviço para Deus nunca é em vão.
Deus vê e sabe de seu serviço para Ele e jamais Se esquecerá
dele. Ele irá recompensar você no Céu porque é um Deus fiel e
justo. Gosto muito de Hebreus 6:10: "Porque Deus não é injusto
para ficar esquecido do vosso trabalho e do amor que evidenciastes
para com o seu nome, pois servistes e ainda servis aos santos".
O serviço disciplinado a Deus é trabalho, e às vezes esforço
árduo e custoso, mas irá durar por toda eternidade.
166 Serviço
MAIS APLICAÇÃO
A adoração habilita o serviço; o serviço expressa adoração.
A Piedade requer um equilíbrio disciplinado entre as duas
coisas. Aqueles que podem manter o serviço sem adoração
regular pessoal e conjunta estão servindo na carne. Não importa
quanto tempo eles estejam servindo dessa forma ou quão bem
outros achem que eles sirvam, eles não estarão se empenhando
de acordo com o poder de Deus, como Paulo fez, mas em seu
próprio poder.
Na adoração renovamos os motivos e o desejo de servir.
Isaías não diz: "Eis-me aqui. Envia-me" até ter uma visão de
Deus. Esta é a ordem: adoração, depois o serviço movido pela
adoração. Como A. W. Tozer coloca, "a comunhão com Deus
leva diretamente a obediência e boas obras. Esta é a ordem
divina e ela nunca pode ser invertida".8 O trabalho requerido
pelo serviço fica árduo demais sem o poder que recebemos para
realizá-lo por meio da adoração.
Ao mesmo tempo, uma medida de autenticidade da
adoração (novamente, tanto pessoal como conjunta) é se ela
resulta em desejo de servir. Isaías é o exemplo clássico aqui
também. Tozer mais uma vez o diz da melhor forma: "Ninguém
pode desejar adorar a Deus em espírito e em verdade antes
que a obrigação com o serviço santo se tome forte demais para
que se resista a ela".9
Assim, devemos asseverar que para sermos Piedosos, temos
que nos disciplinar tanto para a adoração quanto para o serviço.
O emprego de um sem o outro, na realidade, significa não
experimentar nenhum deles.
Espera-se que você sirva e você é dotado para servir; mas
está disposto a servir? Os israelitas não tinham dúvida de que
Com o Propósito de Alcançar a Piedade 167
Deus esperava que eles O servissem, mas Josué uma vez olhou
para eles nos olhos e os desafiou quanto à disposição que tinham
para servir: "Se, porém, não lhes agrada servir ao SENHOR,
escolham hoje a quem irão servir... Mas, eu e a minha família
serviremos ao SENHOR" (Josué 24:15).
Quando penso em disposição fiel para servir, lembro-me
de um homem quieto e pequeno de uma igreja da qual fiz parte
da diretoria. Aos domingos, ele chegava sempre
despercebidamente, pois vinha muito antes de qualquer outra
pessoa. Contudo, ele enrustia seu velho carro em algum canto
obscuro do estacionamento para deixar os melhores lugares
para os outros. Ele destravava todas as portas, pegava os
boletins e depois esperava do lado de fora. Quando alguém se
aproximava, ele oferecia um boletim e um grande sorriso. Mas
ele não falava e ficava envergonhado quando visitantes lhe
faziam perguntas. Algo havia acontecido a sua voz há muitos
anos. Quando o conheci, ele tinha sessenta e poucos anos e
morava sozinho. Quando o carro dele tinha algum problema, o
que muitas vezes acontecia, ele nunca contava nada a ninguém
e então andava mais de um quilômetro e meio até a igreja. Por
causa de sua vulnerabilidade, ele tinha sido assaltado e
espancado várias vezes, ao menos duas vezes durante os três
anos em que estive naquela igreja. Alguns membros antigos da
igreja me contaram que suspeitavam que ele tivesse perdido a
voz após ter sido espancadoalguns anos antes. Uma artrite
extensiva curvara seus ombros e impedia que ele virasse o
pescoço. Já era muito esforço destravar as portas e entregar
boletins. Mas ele estava sempre ali, sorrindo, mesmo que não
pudesse dizer uma única palavra. Tudo em sua vida cooperava
para mantê-lo na obscuridade e em segundo plano, até seu
nome: Jimmy Small. Contudo, apesar de suas desvantagens,
168 Serviço
reveses, deficiências e uma pletora de potenciais desculpas, ele
servia a Deus de boa vontade. E servia de forma disciplinada,
o que aos olhos de Deus, não era nem pequena, nem em vão.
O Senhor Jesus sempre foi o servo, o servo de todos, o servo
dos servos, o Servo. Ele disse: "Mas eu estou entre vocês como
quem serve" (Lucas 22:27). Se pretendemos ser semelhantes a
Cristo, temos que nos disciplinar para servir como Jesus serviu.
PROCURADOS: Voluntários dotados para o serviço difícil na
expressão local do Reino de Deus. A motivação para servir deve
ser obediência a Deus, gratidão, alegria, perdão, humildade e
amor. O serviço raramente será glorioso. A tentação de abandonar
o posto de serviço às vezes será forte. Os voluntários deverão ser
fiéis apesar das longas horas dedicadas ao trabalho, da obtenção
de poucos ou de nenhum resultado visível e, possivelmente, de
nenhum reconhecimento exceto por parte de Deus na eternidade.
' Richard Foster, Celebration of Discipline (Celebração da Disciplina) (São Francisco,
CA: Harper and Row, 1978), página 110.
2 Dallas Willard, The Spirit of the Disciplines (O Espírito das Disciplinas) (São
Francisco, CA: Harper and Row, 1989), página 182.
3 E. M. Bounds, The Essentials of Prayer (Elementos Essenciais da Oração) (Grand
Rapids, MI: Baker Book House, 1979), página 19.
4 C. H. Spurgeon, "Serving the Lord with Gladness", em Metropolitan Tabernacle
Pulpit (Servindo ao Senhor com Alegria) (Londres: Passmore and Alabaster, 1868;
reimpressão, Pasadena, TX: Pilgrim Publications, 1989), volume 13, páginas 495
496.
5 Foster, páginas 112, 114.
6 John Blanchard, comp., More Gathered Gold (Juntando Mais Ouro) (Welwyn,
Hertfordshire, Inglaterra: Evangelical Press, 1986), página 291.
7 Jerry White, Choosing Plan A in a Plan B World (Escolhendo o Plano A em um
Mundo de Plano B) (Colorado Springs, CO: NavPress, 1986), página 97.
8 Harry Verploegh, comp., Signposts: A Collection of Sayings from A. W. Tozer (Postes-
letreiros: Coleção de Ditos de A. W. Tozer) (Wheaton, IL: Victor Books, 1988), página
183.
9 Verploegh, página 183.
C A P Í T U L O O I T O
M ordom ia ...
C om o Propósito d e
A lcançar a P ied ad e
❖ ❖ ❖
Quantas vezes ouvimos sobre a disciplina da vida cristã nos dias de
hoje? Quantas vezes falamos sobre ela? Quantas vezes ela pode
realmente ser encontrada no coração de nossa vida evangélica?
Houve uma época em que ela esteve bem no âmago
da igreja cristã, e creio profundamente ser por causa de nossa
negligência dela que a igreja esteja em sua presente posição. Na
verdade, não vejo esperança alguma de haver qualquer
reavivamento verdadeiro e novo despertar até que voltemos a ela.
D. Martyn Lloyd-Jones
Fé: Experimentada e Triunfante
P ense por um momento. Que eventos produziram o maior
estresse em sua vida hoje? E na semana passada? Eles não
fizeram você se sentir sobrecarregado de responsabilidades no
lar, no trabalho, na escola, na igreja ou em tudo isso junto? O
pagamento de contas? O atraso para um compromisso? O
balanço do talão de cheques? A espera no congestionamento
da cidade ou de uma estrada? O enfrentamento de coisas
inesperadas como o conserto de um carro ou despesas médicas?
O descanso insuficiente? O dinheiro, que acabou antes do dia
do pagamento?
Cada um desses causadores de ansiedade tem a ver com
170 Mordomia
tempo ou dinheiro. Pense agora em quantas questões do dia-a-
dia envolvem o uso de uma destas duas coisas. O relógio e o
real são fatores substanciais demais em tantas partes da vida,
que o papel deles deve ser considerado em qualquer discussão
séria sobre a vida Piedosa.
O USO DISCIPLINADO DO TEMPO
Piedade é resultado de uma vida espiritual disciplinada.
Mas no coração de uma vida espiritual disciplinada está a
Disciplina do tempo.
Se pretendemos ser como Jesus, temos que ver o uso de
nosso tempo como uma Disciplina Espiritual. Tendo ordenado
os Seus momentos e Seus dias tão perfeitamente, no final de
Sua vida terrena, Jesus pôde orar ao pai: "Eu te glorifiquei na
terra, completando a obra que me deste para fazer" (João 17:4). Assim
como foi com Jesus, Deus nos dá tanto o dom do tempo quanto
a obra a ser realizada durante este tempo. Quanto mais
semelhantes a Cristo formos, mais entenderemos por que o uso
disciplinado do tempo que Deus nos dá é tão importante. Dez
razões bíblicas serão mencionadas abaixo (muitas das quais
foram esclarecidas a mim com a leitura do sermão de Jonathan
Edwards sobre "A Preciosidade do Tempo e a Importância de
Remi-lo").1
Use o Tempo Sabiamente "Porque os Dias São Maus"
Usar o tempo sabiamente porque os dias são maus é uma
frase curiosa incrustada na linguagem inspirada do Apóstolo
Paulo em Efésios 5:15-16: "Portanto, vede prudentemente como
andais, não como néscios, e sim como sábios, remindo o tempo, porque
os dias são maus". Paulo pode ter exortado os cristãos de Éfeso a
Com o Propósito de Alcançar a Piedade 171
aproveitar ao máximo o tempo deles porque ele e/ou os efésios
estavam enfrentando perseguição ou oposição (assim como em
Atos 19:23-20:1). De qualquer forma, precisamos usar cada
momento com sabedoria "porque os dias são maus" ainda.
Até sem o tipo de perseguição ou oposição conhecidas pelos
cristãos dos dias de Paulo, o mundo em que vivemos não tem a
tendência de usar o tempo de maneira sábia, especialmente com
propósitos de espiritualidade e Piedade. Na verdade, nossos
dias são dias de mal ativo. Há grandes ladrões de tempo que
são os favoritos do mundo, da carne, e do Diabo. Eles podem
ser classificados em forma de preocupações de alta tecnologia,
socialmente aceitáveis, a conversas simples e ociosas ou
pensamentos desgovernados. Mas o curso natural de nossas
mentes, nossos corpos, nosso mundo ou nossos dias nos leva
em direção ao mal, não em direção à semelhança com Cristo.
Os pensamentos devem ser disciplinados, senão, como água,
eles tenderão a fluir para baixo ou a permanecer estagnados. E
por isso que em Colossenses 3:2 a ordem a nós é que
"Mantenham[os] o pensamento nas coisas do alto". Sem este
conjunto de direção consciente, ativa e disciplinada de nossos
pensamentos, eles serão improdutivos, na melhor das hipóteses,
e maus, na pior. Nossos corpos são inclinados a comodidade,
prazer, glutonaria e preguiça. A menos que pratiquemos o
autocontrole, nossos corpos tenderão a servir mais ao mal do
que a Deus. Devemos nos disciplinar cuidadosamente em como
"andamos" neste mundo, ou nos conformaremos com os
caminhos dele e não com os de Cristo. Por fim, nossos dias são
dias de mal ativo porque toda tentação e força maligna é ativa
em si. O uso do tempo é importante porque é de tempo que os
dias são feitos. Se não disciplinarmos a nossa forma de usarmos
o tempo com o propósito de alcançar a Piedade nestes dias
172 Mordomia
maus, estes dias maus nos impedirão de nos tornarmos
Piedosos.
O Uso Sábio do Tempo é a Preparação para a Eternidade
Você deve se preparar para a eternidade a tempo. Essa
declaração pode ser entendida de duas maneiras, ambas são
verdadeiras. Ela significa que durante o tempo (isto é, nesta
vida), você deve se preparar para a eternidade, pois não haverá
segunda chance para se preparar uma vez que você tenha
cruzado a porta de entrada infinita da eternidade.
Recentemente, tive um sonho inesquecível que me fez
lembrar seriamente desta realidade. (Eu não atribuo ao sonho
grande peso ou valor profético; menciono-o somente porque
ele ilustra o meu ponto.) Juntamente com alguns outros cristãos,
eu estava num local de perseguição. Após um julgamento,fomos conduzidos a uma sala onde nossos perseguidores
estavam levando cada crente à morte por injeção letal. Enquanto
esperava minha vez, fui tomado pela consciência de que em
alguns momentos eu estaria para entrar na eternidade, e toda
a minha preparação para aquele evento agora havia terminado.
Caí de joelhos e comecei a fazer minhas últimas orações desta
vida, entregando meu espírito ao Senhor Jesus Cristo. Naquele
ponto do sonho, eu acordei sobressaltado e com o nível de
adrenalina de um homem prestes a ser executado. Meu primeiro
pensamento consciente após perceber que aquilo era apenas
um sonho foi que um dia isso não seria sonho. Há um dia
específico no calendário, quando toda a minha preparação para
a eternidade estará encerrada. E já que aquele dia pode ser
qualquer dia, devo usar meu tempo de maneira sábia, pois é
todo o tempo que tenho para me preparar para onde estarei
perpetuamente além do sepulcro.
Com o Propósito de Alcançar a Piedade 173
Você percebe que, o experimentar alegria infinita ou agonia
eterna depende daquilo que acontece em momentos da vida
tais como este? O que, então, será mais precioso do que o tempo?
Pois como um pequeno leme determina a direção de um grande
navio oceânico, assim aquilo que é feito no tempo influencia a
eternidade.
Isto nos leva a outro significado de preparar para eternidade
a tempo, isto é, preparar para ela antes que seja tarde demais.
O alerta escriturístico clássico é: "Agora é o tempo favorável, agora
é o dia da salvação" (2 Coríntios 6:2). Agora mesmo é o tempo
certo de se preparar para onde você irá passar a eternidade. Se
esta é uma questão incerta ou indefinida para você, agora é
tempo de defini-la. Você não tem garantia de que terá qualquer
outro tempo para se preparar para a eternidade, nem deve
deixar de responder Àquele que o fez e que lhe dá o tempo.
Prepare-se para a eternidade indo em fé ao Filho Eterno de
Deus, Jesus Cristo. Vá a Ele a tempo, e Ele o trará para Si mesmo
na eternidade.
O Tempo é Curto
Quanto mais escasso algo é, mais valioso. Ouro e diamantes
nada valeriam se pudessem ser encontrados tão facilmente
quanto pedras ao longo de uma estrada. O tempo não seria tão
precioso se nunca morrêssemos. Mas já que nunca estamos mais
distantes do que um passinho da eternidade, a maneira como
usamos o tempo tem significado eterno.
Mas até se você tem décadas de vida pela frente, o fato é:
"Vós não sabeis o que sucederá amanhã. Que é a vossa vida? Sois,
apenas, como neblina que aparece por instante e logo se dissipa" (Tiago
4:14). Mesmo a vida mais longa é breve em comparação com a
eternidade. Apesar de todo tempo que passou, você
174 Mordomia
provavelmente conseguirá se lembrar de eventos felizes ou
trágicos de sua infância ou adolescência tão vividamente quanto
se eles tivessem acontecido ontem. A razão não é simplesmente
a força de sua memória, mas também porque na verdade não
aconteceram há tanto tempo assim. Quando se pensa em uma
década toda como 120 meses, uma grande fatia de vida de
repente parece curta. Até quando chega a seu máximo alcance,
a vida nunca é longa. Assim, independentemente de quanto
tempo você tenha reservado para desenvolver mais semelhança
com Cristo, não será muito. Use-o bem.
O Tempo está Passando
Não só o tempo é curto, mas o que realmente resta dele é
fugaz. O restante de sua vida não é como um pequeno cubo de
gelo que você pode tirar do freezer e usar quando quiser. Ao
contrário, o tempo é muito parecido com a areia em uma
ampulheta; o que resta está passando rapidamente. O Apóstolo
João o coloca claramente: "O mundo e a sua cobiça passam" (1
João 2:17).
Falamos de poupar tempo, comprar tempo, fazer tempo e
assim por diante, mas é tudo ilusão, pois o tempo está sempre
passando. Devemos usar nosso tempo sabiamente, mas até o
melhor uso do tempo não pode colocar de volta as folhas de
um calendário.
Quando eu era criança, o tempo parecia se arrastar. Agora,
cada vez mais me pego dizendo aquilo que me lembro que meus
pais diziam: "Não acredito que mais um ano acabou! Para onde
o tempo foi?" Quanto mais envelheço, mais sinto como se
estivesse remando no Niágara: quanto mais me aproximo do
fim, mais rápido ele vem. Se não disciplinar meu uso do tempo
com o propósito de alcançar a Piedade agora, não será mais
Com o Propósito de Alcançar a Piedade 175
fácil fazê-lo depois.
O Tempo Restante é Incerto
O tempo não somente é curto e está passando, mas nós
nem mesmo sabemos quão curto ele realmente é ou quão
rapidamente passará. É por isso que a sabedoria de Provérbios
27:1 é: "Não se gabe do dia de amanhã, pois você não sabe o que este
ou aquele dia poderá trazer". Há milhares de pessoas que entraram
na eternidade hoje, inclusive milhares que eram mais jovens
do que você, e que ontem não tinham idéia de que hoje seria o
seu último dia. Se soubessem, o uso do tempo teria sido muito
mais importante para elas.
A morte repentina de um promissor jogador novato do time
de futebol americano Chicago Bears chocou o mundo reluzente
dos esportes profissionais esta semana. No mês passado, os
alunos dos últimos anos do ensino fundamental de nossa igreja
foram sacudidos pela incerteza do tempo de vida com a morte
de um amigo próximo. Nem juventude nem força, estrelato ou
tamanho obrigam Deus a nos dar mais uma hora.
Independentemente de quanto tempo desejamos viver ou
esperamos viver, nosso tempo está em Suas mãos (Salmo 31:15).
Obviamente, devemos fazer certos tipos de planos como
se fôssemos viver por muitos e muitos anos. Mas há um
entendimento muito real de que devemos usar nosso tempo
com o propósito de alcançar a piedade como se fosse incerto
que viveremos até amanhã, pois esta é uma incerteza muito
certa.
O Tempo Perdido não Pode ser Recuperado •
Há muitas coisas que são perdidas, mas recuperadas depois.
Muitas pessoas que declararam falência acabam acumulando
176 Mordomia
uma fortuna ainda maior posteriormente. Com o tempo é
diferente. Uma vez passado, ele se vai para sempre e nunca
pode ser recuperado. Se você mobilizasse todas as pessoas da
terra para o propósito, nem os esforços, a riqueza e a tecnologia
do mundo todo conseguiriam trazer um minuto sequer de volta.
Deus ofereceu a você este tempo para se disciplinar com o
propósito de alcançar a Piedade. Jesus disse, em João 9:4:
"Enquanto é dia, precisamos fazer realizar a obra daquele que me
enviou. A noite se aproxima, quando ninguém pode trabalhar". O
tempo para as obras de Deus, isto é, a vida piedosa, é agora,
enquanto é "dia". Para cada um de nós "a noite se aproxima",
e nenhum de nós é Josué, que possa parar o sol e prolongar
seus dias (Josué 10:12-14). Se você usa mal o tempo que Deus
lhe oferece, Ele nunca oferece o mesmo tempo novamente.
Muitos, ao lerem estas linhas, podem estar lamentando ter
desperdiçado alguns anos. Embora possa ter feito mau uso do
tempo no passado, você pode melhorar o tempo que ainda resta.
A vontade de Deus para você agora é encontrada nas palavras
do Apóstolo Paulo: "Irmãos, quanto a mim, não julgo havê-lo
alcançado; mas uma coisa faço: esquecendo-me das coisas que para
trás ficam e avançando para as que diante de mim estão, prossigo para
o alvo, para o prêmio da soberana vocação de Deus em Cristo Jesus"
(Filipenses 3:13-14). Por meio da obra de Cristo aos crentes
arrependidos, Deus está disposto a perdoar cada milésimo de
segundo de tempo mal usado no passado. E é agradável a Ele
que você discipline o equilíbrio de seu tempo com o propósito
de alcançar a Piedade.
Você Tem que Prestar Contas a Deus pela Forma Como Usa o
Tempo
Creio que não há declaração que produza mais sobriedade
Com o Propósito de Alcançar a Piedade 177
nas Escrituras do que Romanos 14:12: "Assim, cada um de nós
prestará contas de si mesmo a Deus". As palavras "cada um de
nós" aplicam-se a cristãos e a não cristãos, semelhantemente. E
embora crentes sejam salvos pela graça e não por obras, uma
vez no Céu, nossarecompensa lá será determinada com base
em obras. O Senhor "provará a qualidade da obra de cada um",
e para cada um será ou que "esse receberá recompensa" ou
"esse sofrerá prejuízo; contudo, será salvo como alguém que
escapa através do fogo" (1 Coríntios 3:13-15). Assim, não só
teremos que prestar contas pelo uso do tempo, mas nossa
recompensa eterna estará diretamente relacionada ao uso
terreno que fizemos de nosso tempo.
O fato de Deus, no Julgamento, nos considerar responsáveis
por nosso uso do tempo ao nos disciplinarmos com o propósito
de alcançar a Piedade pode ser ilustrado em Hebreus 5:12. Nesta
passagem, Deus castiga aqueles cristãos judeus por deixarem
de usar o tempo de maneira que teria levado à maturidade
espiritual: "Embora a esta altura já devessem ser mestres, vocês
precisam de alguém que lhes ensine novamente os princípios
elementares da palavra de Deus. Estão precisando de leite, e não de
alimento sólido!" Se Ele considera os crentes responsáveis na
terra por não disciplinarem o seu tempo com o propósito de
alcançar a Piedade, Ele sem dúvida irá fazê-lo no Julgamento
no Céu.
Jesus disse: "Digo-vos que de toda palavra frívola que proferirem
os homens, dela darão conta no Dia do Juízo" (Mateus 12:36). Se
devemos prestar contas a Deus por cada palavra falada,
certamente devemos prestar contas por cada hora gasta
descuidadamente (isto é, com desperdício, negligentemente).
E Ele disse em Mateus 25:14-30 que temos que prestar contas
por todos os talentos que recebemos e pela maneira como os
178 Mordomia
usamos por amor a nosso Mestre. Se Deus nos considera
responsáveis pelos talentos que nos deu, então certamente Ele
nos considerará responsáveis pelo uso de um talento tão
precioso quanto o tempo.
Responder sabiamente a esta verdade é avaliar o seu uso
do tempo agora e gastá-lo conforme o que você gostaria de ouvir
no Julgamento. E se você não puder responder à sua consciência
a respeito de como usa seu tempo no crescimento da semelhança
com Cristo agora, como poderá responder a Deus naquele dia?
Jonathan Edwards sugeriu viver cada dia como se ao final do
dia você tivesse que prestar contas a Deus de como usou o
tempo.
Decidir se disciplinar a usar seu tempo com o propósito de
alcançar a Piedade não é uma questão para demora e
deliberação. Cada hora que passa é outra pela qual você deverá
prestar contas.
É tão Fácil Perder Tempo
Exceto pelo "tolo", nenhum outro personagem do livro de
Provérbios é objeto de tanto desprezo nas Escrituras quanto o
"preguiçoso". A razão? Seu uso vagaroso e desperdiçador do
tempo. Quando se trata de encontrar desculpas para evitar suas
responsabilidades e deixar de aprimorar seu tempo, o
brilhantismo criativo do preguiçoso é insuperável: "O
preguiçoso diz: 'Lá está um leão no caminho, um leão feroz
rugindo nas ruas! Como a porta gira em suas dobradiças, assim
o preguiçoso se revira em sua cama". O preguiçoso moderno é
a pessoa que não vai ao trabalho ou à igreja, dizendo: "Milhares
de pessoas são mortas nas estradas todos os dias, eu poderia
ser morto se fosse até lá!" Ou ele pode dizer: "Se eu disciplinar
meu tempo com o propósito de alcançar a Piedade, posso perder
Com o Propósito de Alcançar a Piedade 179
coisas interessantes na TV ou ficar tão ocupado, que não poderei
descansar o suficiente!" E ele rola na cama.
O preguiçoso nunca parece ter tempo para as coisas que
realmente importam, especialmente as coisas que requerem
disciplina. Mas antes que ele o perceba, seu tempo e
oportunidades são perdidos. Como Provérbios 24:33-34
observa: "'Vou dormir um pouco', você diz. "Vou cochilar um
momento; vou cruzar os braços e descansar mais um pouco', mas a
pobreza lhe sobrevirá como um assaltante, e a sua miséria como um
homem armado". Note que foi o dormir "um pouco", o cochilar
"um momento" o cruzar os braços e descansar "mais um pouco"
que trouxe a ruína da perda de tempo e de oportunidade. É tão
fácil perder tanto. Você não tem que fazer nada para perder
tempo.
Muitas pessoas valorizam o tempo como a prata era
apreciada nos dias de Salomão. Dele é dito em 1 Reis 10:27: "O
rei tornou a prata tão comum em Jerusalém quanto as pedras". O
tempo parece ser tão abundante, que perder muito dele parece
não ter conseqüências. Mas o dinheiro é facilmente
desperdiçado também. E se as pessoas jogassem dinheiro fora
tão irrefletidamente quanto jogam o tempo, pensaríamos que
são insanas. Contudo, o tempo é infinitamente mais precioso
do que o dinheiro porque dinheiro não pode comprar tempo.
Mas você pode minimizar a perda e o gasto de tempo
disciplinando-se com o propósito de alcançar a Piedade.
Valorizamos o Tempo na Morte
Assim como a pessoa que está sem dinheiro o valoriza mais
quando o perde, também nós, na morte, valorizamos mais o
tempo quando ele já passou.
Esta avaliação vem mais tragicamente para alguns do que
180 Mordomia
para outros, especialmente no caso daqueles que rejeitaram a
Cristo. Em suas últimas palavras, o famoso francês descrente
Voltaire disse a seu médico: "Darei a você metade daquilo que
valho se você me der mais seis meses de vida". Seus gritos foram
tão desesperados quando sua hora chegou, que a enfermeira
que o atendeu disse: "Nem por toda riqueza da Europa eu veria
outro descrente morrer". 2 Semelhantemente, as últimas
palavras do cético inglês Thomas Hobbes foram: "Se eu tivesse
o mundo todo, eu o daria para viver mais um dia".3
O mais importante a se aprender com cenas de morte como
estas, segundo foi mencionado anteriormente, é vir a Cristo
enquanto ainda há tempo. Mas para aqueles que já deram suas
vidas a Cristo, devemos entender o seguinte: Se mais alguns
anos nos fossem adicionados em nossa morte, eles de nada
valeriam a menos que mudássemos a forma como usamos o
tempo. Assim, o momento de valorizar o tempo é agora, e não
somente na morte. O tempo de buscar a Piedade é agora, e o
caminho que Deus proveu para aqueles que estão perdoados
pela graça é o da diligência nas Disciplinas Espirituais.
A Bíblia adverte aos crentes que buscam um rumo baseado
mais em prazer do que na alegria encontrada no caminho das
Disciplinas de Deus, que eles terão remorso quando seu tempo
findar. Imagine a angústia de morrer assim: "No final da vida
você gemerá, com sua carne e seu corpo desgastados. Você dirá:
'Como odiei a disciplina! Como o meu coração rejeitou a
repreensão! Não ouvi os meus mestres nem escutei os que me
ensinavam'" (Provérbios 5:11-13). Se percebesse de repente que
não tem mais tempo, você se arrependeria de como gastou seu
tempo no passado? Como você o gastaria agora? A maneira
como usou o tempo pode ser um grande conforto para você em
sua última hora. Você pode não estar contente com o modo
Com o Propósito de Alcançar a Piedade 181
como algumas vezes usou seu tempo, mas não ficará feliz então,
por todos os momentos em que viveu cheio do Espírito, por
todas as ocasiões em que obedeceu a Cristo? Não ficará alegre
por aqueles tempos de sua vida que você passou nas Escrituras,
em oração, adoração, evangelismo, serviço, jejum etc., com o
propósito de se tomar mais semelhante Aquele perante Quem
você irá se colocar no julgamento (João 5:22-29)? Que grande
sabedoria há em viver assim como Jonathan Edwards resolveu
viver: "Resolvido, Que vou viver assim, da forma como hei de
desejar que tivesse feito quando vier a morrer".4
Por que não fazer algo a respeito enquanto você ainda tem
tempo?
O Valor do Tempo na Eternidade
Se houver arrependimentos no Céu, serão apenas por não
termos usado o tempo terreno mais para a glória de Deus e
para o crescimento em Sua graça. Se for assim, esta pode ser a
única semelhança entre o Céu e o inferno, que será alimentada
com lamentos agonizantes pelo tempo tão tolamente esbanjado.
Em Lucas 16:25, a Bíblia retrata esta angústia pelo
desperdício de tempo de uma vida na história do rico que foi
ao Hades e de Lázaro, que foi para o "seio de Abraão". Jesus
conta como o rico,estando em tormento, ergueu os olhos e viu
Lázaro à distância, vivendo em alegria com Abraão. O rico pede
a Abraão que Lázaro seja enviado com água, "Mas Abraão
respondeu: 'Filho, lembre-se de que durante a sua vida você
recebeu coisas boas, enquanto que Lázaro recebeu coisas más.
Agora, porém, ele está sendo consolado aqui e você está em
sofrimento".
Que valor aqueles semelhantes a este homem, que
perderam toda oportunidade de vida eterna, colocam no tempo
182 Mordomia
que agora temos? Richard Baxter, pastor e teólogo inglês,
perguntou: "Não corta seus próprios corações para sempre
pensar quão loucamente consumiram suas vidas, e perderam
o único tempo que foi dado a eles para se prepararem para a
salvação? Aqueles que estão no Inferno agora consideram sábios
os que vadeiam ou desperdiçam seu tempo na terra?" 5 Se
aqueles do lado sem misericórdia da eternidade possuíssem
mil mundos, eles os dariam todos (se pudessem) por um de
nossos dias. Eles aprenderam o valor do tempo por experiência.
Aprendamos por encontrar a verdade, e disciplinemos nosso
tempo com o propósito de alcançarmos a Piedade.
O USO DISCIPLINADO DO DINHEIRO
A Bíblia relata não apenas o uso do tempo, mas também o
uso do dinheiro para nossa condição espiritual. O uso
disciplinado do dinheiro requer que o administremos de tal
forma que nossas necessidades e as de nossa família sejam
supridas. Na verdade, a Bíblia denuncia qualquer cristão
professo que deixe de cuidar das necessidades físicas de sua
família por irresponsabilidade financeira, má administração
indolente, ou gasto hipócrita. "Ora, se alguém não tem cuidado
dos seus e especialmente dos da própria casa, tem negado a fé e é pior
do que o descrente", 1 Timóteo 5:8 diz firmemente, "negou a fé e
é pior que um descrente". Assim, como usamos o dinheiro para
nós mesmos, para outros e especialmente por amor ao Reino
de Deus é totalmente uma questão espiritual.
Por que o uso bíblico de nosso dinheiro e recursos é tão
crucial a nosso crescimento em Piedade? Primeiro, é uma
questão de pura obediência. Uma surpreendente quantidade
de textos escriturísticos se refere ao uso da riqueza e dos bens.
Com o Propósito de Alcançar a Piedade 183
Se ignorarmos ou não dermos a eles a devida importância, nossa
"Piedade" será uma ficção. Mas tanto quanto qualquer outra
coisa, a razão pela qual o uso do dinheiro e das coisas que ele
compra é um dos melhores indicadores de maturidade
espiritual e Piedade é que nós trocamos parte tão grande de
nossas vidas por ele. Porque investimos a maioria de nossos
dias trabalhando em troca de dinheiro, há um entendimento
muito real de que nosso dinheiro nos representa. Portanto, a
forma como o usamos expressa quem somos, quais são nossas
prioridades e o que ocupa os nossos corações. Ao usarmos o
dinheiro e os recursos que possuímos de modo cristão,
provamos nosso crescimento em semelhança com Cristo.
Tudo o que tem sido dito sobre o uso disciplinado do tempo
também se aplica ao uso do dinheiro e dos bens (com a exceção
de que, diferentemente do tempo, essas coisas quando perdidas
podem ser substituídas). Rever cada uma das verdades sobre o
tempo e mencioná-las aqui em referência ao uso geral do
dinheiro seria redundante. Em vez disso, vamos considerar
como as Escrituras nos levariam a nos disciplinarmos "com o
propósito de alcançarmos a piedade" na área específica de dar
nosso dinheiro para a causa de Cristo e Seu Reino.
O crescimento em Piedade se expressará em um
entendimento crescente destes dez princípios neo-
testamentários sobre contribuição.
Tudo o que Possuímos Pertence a Deus
Em 1 Coríntios 10:26, o Apóstolo Paulo cita Salmo 24:1, que
diz: "Do Senhor é a terra e tudo o que nela existe". Tudo pertence a
Deus, inclusive tudo o que você tem, porque Ele criou todas as
coisas. "Embora toda a terra seja minha...", o Senhor diz em Êxodo
19:5, e o afirma novamente em Jó 41:11: "Tudo o que há debaixo
184 Mordomia
dos céus me pertence".
Isto significa que somos administradores ou, para usar o
termo bíblico, somos mordomos das coisas que Deus nos deu.
Quando escravo, José foi colocado como mordomo da casa de
Potifar. Ele não possuía nada, pois era escravo, mas
administrava em benefício de Potifar tudo o que este possuía.
A administração dos recursos de Potifar incluía o uso destes
para suprir suas próprias necessidades, mas a principal
responsabilidade de José era usá-los para os interesses de
Potifar. E é isso que devemos fazer. Deus quer que usemos e
desfrutemos as coisas que Ele permitiu que tivéssemos, mas
como mordomos delas devemos lembrar que elas pertencem a
Ele e devem ser usadas primeiramente para o Seu Reino.
Assim, a casa ou apartamento em que você mora é a casa
ou o apartamento de Deus. As árvores de seu quintal pertencem
a Deus. A grama que você apara é de Deus. O jardim que você
plantou é o jardim de Deus. O carro que você dirige é de Deus.
As roupas que você está vestindo agora, bem como aquelas
que estão penduradas em seu armário pertencem a Deus. A
comida de sua despensa pertence a Deus. Os livros em sua
estante são livros de Deus. Toda a sua mobília e tudo o mais
que houver no interior de sua casa pertence a Deus.
Nós nada temos, tudo pertence a Deus; nós somos os Seus
administradores. No caso da maioria de nós, a casa que agora é
chamada de "minha casa" já foi chamada de "minha casa" por
outra pessoa no passado. E daqui a alguns anos, outro alguém
chamará a mesma casa de "minha casa". Você possui terras?
Daqui a alguns anos, alguém irá chamá-las de "minhas terras".
Somos apenas mordomos temporários das coisas que
pertencem a Deus. Você provavelmente já crê nisso em teoria,
mas seu ato de contribuir será um reflexo de quão
Com o Propósito de Alcançar a Piedade 185
genuinamente você crê nisso.
Deus disse especificamente que Ele possui não apenas as
coisas que são nossas, mas até o dinheiro que temos no banco e
o dinheiro de nossas carteiras. Ele disse em Ageu 2:8: "Tanto a
prata quanto o ouro me pertencem', declara o SENHOR dos
Exércitos".
Portanto, a pergunta não é: "Quanto do meu dinheiro devo
dar a Deus?", mas "Quanto do dinheiro de Deus devo guardar
para mim mesmo?"
Quando colocamos um cheque ou dinheiro no gazofilácio,
devemos dá-lo crendo que tudo o que temos pertence a Deus e
com o compromisso de que usaremos tudo conforme Ele desejar.
Contribuir é um Ato de Adoração
Em Filipenses 4:18, o Apóstolo Paulo agradece aos cristãos
da cidade grega de Filipos pela oferta financeira que deram
em apoio a seu ministério missionário. Ele escreve: "Recebi tudo
e tenho abundância; estou suprido, desde que Epadrodito me passou
às mãos o que me veio de vossa parte como aroma suave, como sacrifício
aceitável e aprazível a Deus". Ele chama o dinheiro doado de
"oferta de aroma suave, um sacrifício aceitável e agradável a
Deus", comparando-o a um sacrifício que as pessoas do Antigo
Testamento faziam em adoração a Deus. Em outras palavras,
Paulo diz que seu ato de doar para a obra de Deus foi um ato
de adoração a Deus.
Você já pensou em dar como uma forma de adoração? Você
sabe que cantar louvores a Deus, orar, dar graças e ouvi-Lo
falar por meio de Sua Palavra são todos atos de adoração, mas
você pensa em contribuir financeiramente como uma das maneiras
bíblicas e tangíveis de cultuar e adorar a Deus?
Em seu livro The Gift of Giving (O Dom da Contribuição),
186 Mordomia
Wayne Watts escreve:
Ao pesquisar os princípios bíblicos da contribuição, considerei o
assunto da adoração. Honestamente, nunca havia estudado a
adoração em detalhes para descobrir o ponto de vista de Deus.
Cheguei à conclusão de que contribuir, juntamente com ação de
graças e louvor, é adoração. No passado, fiz compromissos
financeiros com minha igreja a serem pagos anualmente. Uma
vez por mês, eu fazia um cheque enquanto estava na igreja e o
colocava no gazofilácio. As vezes eu colocava o cheque no correio,
de meu escritório. Meu objetivoera que a igreja cumprisse o
compromisso total antes do final do ano. Embora eu já tivesse
experimentado a alegria de contribuir, o ato de dar tinha pouca
relação com a adoração. Enquanto eu escrevia este livro, Deus
me convenceu a começar a contribuir todas as vezes que fosse à
igreja. O versículo que falou a mim sobre isso foi Deuteronômio
16:16: “...Porém não aparecerá de mãos vazias perante o Senhor".
Quando comecei a fazer isso, se um cheque não estivesse à mão,
eu contribuía em dinheiro. No começo, pensei em manter a
quantia doada. Então Deus me convenceu novamente. Ele parecia
dizer: "Você não precisa manter a mesma quantia. Dê a Mim
simplesmente com um coração de amor e veja o quanto você
desfruta do culto". Fiz esta mudança nos hábitos de contribuição
e isso aumentou grandemente minha alegria nos cultos de
adoração.6
É comum em minha tradição que as pessoas que
freqüentam um pequeno grupo de estudo bíblico antes do culto
de adoração dêem durante o estudo em vez de na hora da
adoração. Se este tem sido o seu padrão, você poderá descobrir,
como eu, que sua contribuição parece ser mais adoração quando
feita durante o culto de adoração.
A maioria das pessoas contribui tantas vezes por mês
quanto é paga. Em outras palavras, se recebem seus salários no
Com o Propósito de Alcançar a Piedade 187
primeiro dia do mês, contribuem uma vez por mês, no primeiro
domingo do mês. Se são pagas no dia primeiro e no dia quinze,
elas contribuem duas vezes por mês. Em consideração à palavra
do Senhor quanto a não aparecer diante Dele de mãos vazias,
talvez você queira dar uma parte de sua oferta por semana, e
não a oferta toda apenas no domingo imediatamente posterior
ao recebimento de seu salário. Evidentemente, o perigo em não
dar tudo de uma só vez é gastar parte do dinheiro que você
pretendia dar no próximo domingo. Algumas pessoas evitam
isso fazendo de uma única vez todos os cheques de que
precisarão para aquele período de pagamento e colocando-os
em suas Bíblias ou carteiras até o domingo em que serão
entregues. Depois, todos os domingos, elas têm algo tangível
nas mãos para dar como parte de sua adoração ao Senhor.
Contribuir é muito mais do que um dever ou obrigação, é
um ato de adoração ao Senhor.
Contribuir Reflete Fé na Provisão de Deus
A proporção de sua renda que você devolve a Deus é uma
indicação clara do quanto você confia que Ele irá suprir as suas
necessidades.
Em Marcos 12:41-44, lemos a história da contribuição e da
fé incomum de uma senhora pobre e bastante simples.
"Assentado diante do gazofilácio, observava Jesus como o povo
lançava ali o dinheiro. Ora, muitos ricos depositavam grandes quantias.
Vindo, porém, uma viúva pobre, depositou duas pequenas moedas
correspondentes a um quadrante.
E, chamando os seus discípulos, disse-lhes: Em verdade vos digo
que esta viúva pobre depositou no gazofilácio mais do que o fizeram
todos os ofertantes. Porque todos eles ofertaram do que lhes sobrava; ela,
porém, da sua pobreza deu tudo quanto possuía, todo o seu sustento".
188 Mordomia
Aquela pobre viúva estava disposta a dar "tudo o que
possuía para viver" porque cria que Deus proveria para ela.
Daremos na proporção em que crermos que Deus proverá
para nós. Quanto mais cremos que Deus proverá por nossas
necessidades, mais estaremos dispostos a arriscar dar a Ele. E
quanto menos confiarmos em Deus, menos daremos a Ele.
Certo mês, um amigo meu, que é pastor, e sua esposa
decidiram dar todo o salário de ambos ao Senhor e confiar que
Ele supriria as suas necessidades. Eles estavam quase sem
comida quando uma mulher apareceu com vários pacotes de
alimentos. "Como você soube?" eles perguntaram, já que não
haviam contado a ninguém. Mas ela não sabia de nada. Ela
simplesmente sentiu que o Senhor queria que ela levasse
aquelas compras a seu pastor.
Sua contribuição pode ser e é uma indicação tangível de
quanta fé você tem que Deus irá suprir as suas necessidades.
Contribuir Deve ser um Ato de Sacrifício e Generosidade
A viúva que Jesus elogiou ilustra que contribuir para a
obra de Deus não é simplesmente para pessoas que, como o
mundo colocaria, "podem". O Apóstolo Paulo dá outra
ilustração em 2 Coríntios 8:1-5 quando fala sobre como os
cristãos pobres da Macedônia se sacrificaram para dar
generosamente a ele:
"Também, irmãos, vos fazemos conhecer a graça de Deus concedida às
igrejas da Macedônia; porque, no meio de muita prova de tribulação,
manifestaram abundância de alegria, e a profunda pobreza deles
superabundou em grande riqueza da sua generosidade. Porque eles,
testemunho eu, na medida de suas posses e mesmo acima delas, se
mostraram voluntários, pedindo-nos, com muitos rogos, a graça de
participarem da assistência aos santos. E não somente fizeram como nós
Com o Propósito de Alcançar a Piedade 189
esperávamos, mas também deram-se a si mesmos primeiro ao Senhor,
depois a nós, pela vontade de Deus".
Estes macedônios eram pessoas que Paulo descreveu como
vivendo em "extrema pobreza". E contudo, "...e a extrema
pobreza deles transbordaram em rica generosidade". Eles
deram não apenas "tudo quanto podiam", mas "até além do
que podiam". Assim como essas pessoas, a nossa contribuição
deve ser sacrificial e generosa.
Mas deixe-me lembrá-lo que contribuir não é sacrificial a
menos que seja um sacrifício. Muitos cristãos professos dão
apenas quantias simbólicas à obra do Reino de Deus. Um
número bem menor contribui bem, enquanto talvez somente
alguns verdadeiramente contribuem de maneira sacrificial.
Uma pesquisa Gallup de outubro de 1988 revela que quanto
mais dinheiro os americanos ganham, menos sacrificiais as suas
contribuições se tomam. Aqueles que ganham menos de US$
10.000 ao ano dão em média 2,8% de sua renda anual às igrejas,
instituições de caridade e outras organizações sem fins
lucrativos. Aqueles que ganham de US$ 10.000 a US$30.000 dão
em média 2,5%, os que ganham de US$ 30.000 a US$ 50.000 dão
2,0%, e aqueles que ganham de US$ 50.000 a US$ 75.000 dão
um total de apenas 1,5% de sua renda a suas igrejas e todos os
outros grupos sem fins lucrativos.7
Você não concorda que, se estivermos ganhando mais
dinheiro do que nunca, porém contribuindo com uma quantia
menor ou até com a mesma porcentagem de antes, não
estaremos contribuindo sacrificialmente? Podemos estar
contribuindo com quantias maiores do que nunca, mas na
verdade, estaremos sacrificando menos financeiramente para
o Reino de Deus.
190 Mordomia
Jamais conheci alguém que tenha contribuído
sacrificialmente - quer por meio de uma oferta sacrificial única,
quer por meio de ofertas sacrificiais consistentes - que tenha
se arrependido. Certamente, eles perderam algumas das coisas
que poderiam ter tido se tivessem gasto o dinheiro consigo
mesmos, mas a alegria e a realização que ganharam
contribuindo com algo que definitivamente não poderiam reter
foram mais do que compensadoras. Estes são os tipos de pessoas
que dizem: "Nunca fiz sacrifício. Sempre obtive algo maior do
que dei".
Imagine uma mãe ou pai vendo seu filho se formar no
ensino médio ou na faculdade, ou se casando com um cônjuge
piedoso, ou assistindo ao filho realizando algo que faz os olhos
marejarem com lágrimas de alegria. Se você disser àquela mãe
ou pai: "Ei, pense em todas as noites em claro que você passou
com esse filho, todas as fraldas sujas, as dezenas de milhares
de reais que esse filho lhe custou quando você poderia ter
gastado com o que queria, todo o tempo que o filho lhe custou
quando você poderia ter feito o que desejasse", ela ou ele diria
a você: "Cada suposto sacrifício que fiz valeu a pena, porque o
que obtive em troca compensa tudo". Também é assim quando
você contribui sacrificial e generosamente. Você nunca se
arrepende.
Contribuir Reflete Fidedignidade Espiritual
Esta é uma percepção surpreendente dos caminhos do
Reino de Deus que Jesus revela a nós em Lucas 16:10-13:
"Quem é fiel no pouco também é fiel no muito;e quem é injusto no
pouco também é injusto no muito. Se, pois, não vos tornastes fiéis na
aplicação das riquezas de origem injusta, quem vos confiará a verdadeira
riqueza? Se não vos tornastes fiéis na aplicação do alheio, quem vos
Com o Propósito de Alcançar a Piedade 191
dará o que é vosso?
Ninguém pode servir a dois senhores; porque ou há de aborrecer-se
de um e amar ao outro ou se devotará a um e desprezará ao outro".
Observe novamente o versículo 11, que diz que a sua
contribuição reflete sua fidedignidade espiritual: "Se, pois, não
vos tornastes fiéis na aplicação das riquezas de origem injusta, quem
vos confiará a verdadeira riqueza?"
Se não formos fiéis no uso de nosso dinheiro, e certamente
isso inclui dar do nosso dinheiro para o Reino de Cristo, a Bíblia
diz que Deus determinará que não somos fidedignos para
lidarmos com as riquezas espirituais.
A idéia é a seguinte: o desejo do proprietário de uma
empresa madeireira é que, um dia, um empregado específico
assuma a direção de seu negócio. Evidentemente, o proprietário
vai querer descobrir se seu empregado é capaz de lidar com o
negócio da forma correta. Então, ele dá uma parte do negócio
para que o empregado administre: o pedido e a inspeção de
novos materiais, para ver se ele consegue tomá-lo lucrativo.
Ele observa bem de perto a maneira como o empregado
administra aquela parte do negócio por vários meses, não
exatamente por causa do dinheiro, mas para determinar sua
fidedignidade e habilidades. Se ele não provar ser fidedigno
com esta pequena parte da empresa, o proprietário não lhe
confiará a empresa toda. Mas se ele provar que é fidedigno em
relação à parte, o proprietário confiará a ele as verdadeiras
riquezas da propriedade da empresa.
A forma como você usa e dá o seu dinheiro é um dos
melhores meios de avaliar seu relacionamento com Cristo e
sua fidedignidade espiritual. Se você ama a Cristo de todo o
coração, sua contribuição refletirá isso. Se você ama a Cristo e a
192 Mordomia
obra de Seu Reino mais do que qualquer outra coisa, sua
contribuição mostrará isso. Se você for verdadeiramente
submisso ao senhorio de Cristo, se estiver disposto a obedecer-
Lhe completamente em todas as áreas de sua vida, sua
contribuição revelará isso. Faremos muitas coisas antes de
concedermos a alguém, até mesmo a Cristo, os direitos sobre
cada dólar que temos e que venhamos a ter. Mas se você já fez
isso, sua contribuição o expressará.
É por isso que diz-se que seu talão de cheques fala sobre
você quase mais do que qualquer outra coisa. Se após sua morte,
um biógrafo ou seus filhos fossem verificar seus cheques
cancelados para obter uma noção de que tipo de cristão você
foi, a que conclusão eles chegariam? O que os cheques
revelariam sobre a sua vida com Cristo? Eles seriam uma
evidência tangível de sua fidedignidade espiritual?
Contribuir: Ato de Amor, e não Legalismo
Deus não manda a conta para você. A igreja não envia a
conta para você. Não se dá a Deus e em apoio à obra de Seu
Reino em cumprimento de um "décimo primeiro
mandamento". A contribuição deve ser motivada por seu amor
a Deus. Quanto você dá daquilo que possui deve ser reflexo de
quanto você ama a Deus.
Em 2 Coríntios 8, o Apóstolo Paulo conta aos primeiros
destinatários de sua carta, o povo de Corinto, sobre como alguns
de seus companheiros gregos na Macedônia haviam sido
contribuintes tão bons e fiéis. No versículo 7, ele diz aos
coríntios: "Como, porém, em tudo, manifestais superabundância,
tanto na fé e na palavra como no saber, e em todo cuidado, e em nosso
amor para convosco, assim também abundeis nesta graça". Em outras
palavras, "destaquem-se neste privilégio de contribuir assim
Com o Propósito de Alcançar a Piedade 193
como os macedônios fizeram". Mas observe o que ele diz no
versículo 8: "Não vos falo na forma de mandamento, mas para provar,
pela diligência de outros, a sinceridade do vosso amor". Ele não usou
sua autoridade como apóstolo (mensageiro especial) de Jesus
para ordenar que os coríntios contribuíssem. Em vez de impor
uma lei de contribuição, ele disse que contribuir deveria ser
uma forma de provar o amor que se tem a Deus.
Ele tornou este princípio ainda mais claro no capítulo
seguinte. Observe que não há exigência religiosa como razão
para contribuir na primeira parte de 2 Coríntios 9:7 quando
Paulo diz: "Cada um contribua segundo tiver proposto no coração".
Ele disse praticamente o mesmo a eles em 1 Coríntios 16:2
ao dizer a eles que cada pessoa deve dar "conforme a sua
prosperidade".
Paulo nunca forneceu um padrão externo, mensurável de
contribuição. Paulo disse a eles que a contribuição a Deus
deveria ser medida no coração e o padrão era o amor deles a
Deus.
Permita-me adaptar uma ilustração usada anteriormente e
aplicá-la desta vez para nossa motivação em contribuir.
Suponha que eu me aproxime de Caffy no Dia dos Namorados
e a surpreenda com uma dúzia de suas rosas amarelas favoritas,
dizendo: "Feliz Dia dos Namorados!" E ela responda: "Ó, que
lindas! Obrigada! Você não deveria ter gastado tanto dinheiro".
Então eu reajo neutramente a sua alegria, dizendo: "Imagine!
Hoje é Dia dos Namorados e, como seu marido, é minha
obrigação dar-lhe um presente". Como ela se sentiria?
Provavelmente teria vontade de enfiar cada rosa no meu nariz,
com espinhos e tudo! Agora, suponha que eu procedesse da
mesma forma, mas dissesse: "Não há nada que eu goste mais
de fazer com meu dinheiro do que usá-lo com você porque eu
194 Mordomia
a amo muito". O mesmo dinheiro, o mesmo presente. Mas um
presente é motivado pela lei, o outro, pelo amor. E isso faz toda
a diferença do mundo.
Deus é como nós nesta parte. Ele deseja que sua
contribuição seja uma expressão do amor que você tem por
Ele, e não de legalismo.
Contribuir de Boa Vontade, com Gratidão e Alegria
Novamente, cito 2 Coríntios 9:7: "Cada um contribua segundo
tiver proposto no coração, não com tristeza ou por necessidade; porque
Deus ama a quem dá com alegria".
Deus não quer que você contribua de má vontade, isto é,
que você dê sem desejar dar, com ressentimento, com atitude
de coração incorreta, não importando quanto você dê. Ele não
é um proprietário celestial de mãos estendidas, ganancioso,
exigindo o Seu pagamento. Deus não quer que você dê a Ele de
má vontade, só porque sabe que, de qualquer forma, Ele é
mesmo o dono de tudo. Ele quer que você dê porque deseja dar.
Um homem disse: "Há três tipos de contribuição: de má
vontade, por obrigação e com gratidão. Quem dá de má vontade
diz: 'Eu tenho que dar'; por obrigação diz: 'Eu sou obrigado a
dar' e com gratidão diz: 'Eu quero dar"'.8
Deus quer que você goste de contribuir.
Algumas pessoas dão a Deus assim como dão ao Imposto
de Renda depois de uma auditoria. Outras dão a Deus como à
companhia de energia elétrica. Mas poucas pessoas dão a Deus
da mesma forma como dariam um anel de noivado à noiva ou
como dariam ao filho extasiado de quatro anos de idade em
uma manhã de Natal.
Alguns dão porque dizem que não podem reter. Outros
dão porque dizem ser devedores. Mas há sempre aqueles que
Com o Propósito de Alcançar a Piedade 195
dão porque dizem que não podem evitarl
Percebo que precisamos de uma razão para dar com
gratidão e alegria. Caso contrário, isto soará como uma pessoa
que chega quando você está triste e diz: "Vamos, alegre-se!"
Bem, quando está triste, você precisa de um motivo para se
alegrar. Mas você não deve ter que pensar por muito tempo ou
se esforçar muito para achar razões para contribuir com
gratidão e alegria. Quando pensa que Deus deu a você o maior
presente possível em Seu Filho, Jesus Cristo, quando pensa na
misericórdia e graça que Ele lhe deu, quando pensa que Ele
proveu tudo o que você tem, e quando pensa que está dando a
Deus, você deve ser capaz de dar com gratidão e alegria.
Se, numa manhã de domingo, na igreja, o pastor anunciar:
"O chefe de um dos maiores cartéis de drogas está aqui hoje e
vamoslevantar uma oferta para o seu exército", você
provavelmente não daria de boa vontade nem com alegria. Mas
se você ouvisse: "O Senhor Jesus Cristo está lá fora, no átrio, e
tudo o que você der hoje será apresentado a Ele e usado por
Ele para o Seu Reino", provavelmente a única coisa mais leve
do que seu coração depois disso será a sua carteira, porque
você perceberia que está dando a Deus.
Você não dá de má vontade ou por compulsão quando
percebe que está dando a Deus. Ao contrário, você dá de boa
vontade, com gratidão e alegria.
Contribuir: Reação Correta às Necessidades Reais
Há vezes em que é correto que necessidades genuínas sejam
conhecidas por meio da igreja e que os membros da igreja dêem
espontaneamente em resposta a essas necessidades.
Existem ao menos três exemplos no livro de Atos onde os
cristãos dão por meio da igreja em resposta a necessidades
196 Mordomia
específicas.
O primeiro aconteceu nos dias logo após o surgimento da
igreja. Em Atos 2:43-45, lemos: "Em cada alma havia temor; e muitos
prodígios e sinais eram feitos por intermédio dos apóstolos. Todos os
que creram estavam juntos e tinham tudo em comum. Vendiam as
suas propriedades e bens, distribuindo o produto entre todos, à medida
que alguém tinha necessidade".
No Dia de Pentecoste, quando o Espírito Santo desceu sobre
os crentes em Cristo e a Igreja surgiu de repente, milhares de
pessoas se encontravam em Jerusalém, de todas as partes do
Império Romano, para celebrar aquela festa judaica. Três mil
pessoas, muitas delas visitantes na cidade, tomaram-se cristãs
no Domingo de Pentecoste. Logo outros milhares de pessoas
foram acrescentados à Igreja. Muitos desses visitantes ficaram
inesperadamente em Jerusalém por causa de sua nova fé em
Cristo. Eles não tinham casa ou trabalho em Jerusalém, e nem
meios de prover suas necessidades. Então, para suprir aquela
carência especial e imediata, todos os que creram reuniram seus
recursos, venderam propriedades e supriram as necessidades.
A situação é semelhante em Atos 4:32-35.
"Da multidão dos que creram era um o coração e a alma. Ninguém
considerava exclusivamente sua nem uma das coisas que possuía; tudo,
porém, lhes era comum. Com grande poder, os apóstolos davam
testemunho da ressurreição do Senhor Jesus, e em todos eles havia
abundante graça. Pois nenhum necessitado havia entre eles, porquanto
os que possuíam terras ou casas, venvendo-as, traziam os valores
correspondentes e depositavam aos pés dos apóstolos; então, se distribuía
a qualquer um à medida que alguém tinha necessidade".
Era a reação correta as pessoas da Igreja contribuírem para
suprir aquelas reais necessidades.
Com o Propósito de Alcançar a Piedade 197
Há outro exemplo em Atos, mas desta vez a necessidade
não é local. Desta vez, os que deram na verdade não podiam
ver as pessoas necessitadas. Leia Atos 11:27-30: "Naqueles dias,
desceram alguns profetas de Jerusalém para Antioquia, e,
apresentando-se um deles, chamado Ágabo, dava a entender, pelo
Espírito, que estava para vir grande fome por todo o mundo, a qual
sobreveio nos dias de Cláudio. Os discípulos, cada um conforme as
suas posses, resolveram enviar socorro aos irmãos que moravam na
Judéia; o que eles, com efeito, fizeram, enviando-o aos presbíteros por
intermédio de Barnabé e de Saído". Os cristãos de Antioquia,
quatrocentos e oitenta quilômetros ao norte de Jerusalém,
contribuíram para ajudar a alimentar e a suprir outras
necessidades de seus companheiros cristãos desconhecidos em
Jerusalém.
Eis uma base bíblica para o levantamento de ofertas na
igreja, como ofertas para missões internacionais e nacionais,
pela fome no mundo e assim por diante, para o levantamento
de ofertas espontâneas para qualquer necessidade pertinente.
Observe que em nenhum desses casos, as pessoas foram
compelidas a contribuir nem contribuíram de acordo com
porcentagens ou quantias estipuladas.
Há outras orientações para a contribuição em resposta a
necessidades especiais que não teremos tempo para discutir
aqui, como conhecer realmente os fatos, saber até que ponto o
dinheiro será usado de modo responsável e assim por diante.
Ainda que esta contribuição espontânea seja legítima, a maior
parte de nossa contribuição talvez não devesse ser desse tipo.
Contribuir Deve ser Algo Planejado e Sistemático
Observe como o Apóstolo Paulo orienta os cristão a
contribuir em 1 Coríntios 16:1-2: "Quanto à coleta para os santos,
198 Mordomia
fazei vós também como ordenei às igrejas da Galácia. No primeiro dia
da semana, cada um de vós ponha de parte, em casa, conforme a sua
prosperidade, e vá juntando, para que se não façam coletas quando eu
for".
Esta "coleta para o povo de Deus" era uma oferta especial
para os cristãos pobres que estavam sofrendo em Jerusalém
por causa da fome. Mas embora a oferta fosse para uma
necessidade específica, Paulo disse para eles contribuírem para
aquela necessidade semanalmente por bastante tempo antes
de sua chegada. Ele sabia que era melhor contribuir de forma
planejada e sistemática do que casualmente, quando alguma
necessidade surgisse. Já que muitas necessidades são contínuas,
como as referentes a missões, aos que sofrem fome e à
manutenção do ministério de uma igreja local, é melhor dar
sistematicamente e ter ofertas especiais ocasionalmente do que
sempre ter ofertas especiais.
Observe rapidamente três coisas sobre a contribuição
planejada e sistemática. Paulo disse para eles darem "no primeiro
dia da semana". Aquelas pessoas eram pagas provavelmente por
dia, não por semana. A maioria de nós recebe salários
semanalmente, ou a cada duas semanas, ou uma vez ao mês.
Mas não poderia ser que aqui houvesse uma justificativa bíblica
para todos nós contribuirmos "no primeiro dia da semana" a
fim de que não apareçamos de mãos vazias diante do Senhor
quando formos adorá-Lo? Isto poderia significar dividir
sistematicamente a sua contribuição pelo número de domingos
por período de pagamento e contribuir em quantias iguais a
cada domingo, ou contribuir com uma pequena quantia de
dinheiro aos domingos quando você não estiver fazendo a sua
principal contribuição.
Segunda, observe que ele diz: "cada um de vocês separe uma
Com o Propósito de Alcançar a Piedade 199
quantia". Todos os que se dizem crentes devem expressar a
mordomia do dinheiro de Deus desta forma. Isto significa que
não podemos nos justificar por darmos nosso tempo ou talentos.
Fazê-lo indica uma boa e certa mordomia dessas coisas, mas
isso não ensina a mordomia do dinheiro. Isto significa que não
nos justifica o fato de estarmos vivendo um período de
dificuldade financeira, de sermos aposentados, de sermos
adolescentes ou de trabalhamos somente meio-período.
Lembre-se: Deus é dono de tudo o que possuímos, mesmo que
Ele não nos tenha dado muito para administrarmos, e Ele é
quem nos diz como fazer uso do que temos. E lembre-se
também: Seremos mais felizes quando usarmos o que temos à
maneira de Deus. E a maneira de Deus é que contribuamos de
forma planejada e sistemática.
Terceira, ele diz que cada um deve dar "de acordo com a
sua renda", ou "conforme tiver prosperado"9 Quanto mais você
prospera, mais alta deve ser a proporção de sua contribuição.
Não há meta de porcentagem na contribuição. Dar 10% de sua
renda bruta não significa necessariamente que você cumpriu a
vontade de Deus. Este não é um teto máximo de contribuição,
mas a base de onde se deve partir.
Nunca vejo o que as pessoas dão, mas por conversas
pessoais, sei de uma família de nossa igreja que dá quase 20%
de sua renda bruta ao Senhor, e de outra que dá regularmente
entre 20 e 25%. Nenhuma dessas famílias seria considerada
abastada por seus vizinhos ou outras pessoas da igreja. Eu diria
que há alguns outros membros que também contribuem nessa
faixa. Eles têm filhos, pagam as prestações de sua casa e todas
as contas comuns à maioria de nós. Nem sempre contribuíram
com o valor atual, contudo. Mas com o passardos anos,
determinaram aumentar sistematicamente a porcentagem de
200 Mordomia
sua contribuição ao prosperarem.
Uma tia de Caffy não possuía muitos bens, mas também
não tinha muitas contas a pagar; assim, ela eventualmente
passou a viver com 10% de sua renda e a dar 90%. R. G.
LeTourneau, um cristão de Peoria, Illinois, prosperou muito
negociando e fabricando equipamentos de terraplenagem. Mas
enquanto o Senhor continuava a prosperá-lo, ele foi
contribuindo até chegar a dar 90% de sua renda para a obra do
Reino de Deus. Você pensa que algum deles, lá no Céu, se
arrepende de ter feito isso?
George Muller perguntou:
Você tem contribuído sistematicamente para a obra do Senhor, ou
está deixando isso por conta de um sentimento, de uma impressão
causada em você por meio de circunstâncias específicas ou apelos
extraordinários? Se nós não contribuirmos desde o princípio de
forma sistemática, haveremos de descobrir que nossa única e breve
vida se foi antes que tivéssemos consciência, e que, em troca,
fizemos pouco para Aquele que é digno de adoração, que nos
comprou com o Seu precioso sangue, e a quem pertence tudo o
que temos e somos.10
Quando receber um aumento salarial, a menos que sob
circunstâncias excepcionais, planeje contribuir com uma
porcentagem maior do que a que você dá hoje. O aumento
percentual pode ser pouco ou pode ser muito, mas você deve
ter como objetivo dar sistematicamente mais para Deus toda
vez que sua renda aumentar.
Eu era pequeno quando meus pais me ensinaram a
contribuir por porcentagem, quando passaram a me dar uma
quantia semanal de quinze centavos. Eles me deram três caixas:
uma com os dizeres: "contribuir", outro com os dizeres:
Com o Propósito de Alcançar a Piedade 201
"economizar" e na terceira estava escrito: "gastar". Toda
semana uma moeda ia para a caixa "economizar", uma para a
caixa "contribuir", onde ficava até que eu a levasse para a igreja,
e a outra moeda nunca ia para a caixa "gastar". Eu
imediatamente pegava minha bicicleta e ia até a loja Sterling,
no centro da cidade, e comprava um pacote de cartões de
baseball! Mas eu aprendi a contribuir sistematicamente.
Ouça o que Muller diz novamente:
Portanto, eu posso ternamente implorar e suplicar a meus amados
amigos cristãos que levem isso a sério e considerem que até agora
eles têm privado a si mesmos de numerosas bênçãos espirituais
porque não têm seguido o princípio de con trib u ir
sistematicamente, e de dar quando Deus os faz prosperar, e de
acordo com um plano; não simplesmente por impulso, não
quando são tocados por um serm ão m issionário ou sobre
caridade, mas sistem ática e habitualm ente contribuir por
princípio, na proporção em que Deus os capacita. Se ele confia a
eles um real, dar uma proporção adequada; se a eles é deixada
uma herança de mil reais, dar de acordo com ela; se ele confia a
eles dez mil reais, ou o quanto quer que seja, dar
proporcionalmente. O, meus irmãos, creio que se percebêssemos
a bênção, então daríamos por princípio; e, se assim fosse, daríamos
cem vezes mais do que agora.11
Contribuir Generosamente Resulta em Bênção Abundante
Nosso Senhor Jesus disse em Lucas 6:38: "Dai, e dar-se-vos-
á; boa medida, recalcada, sacudida, transbordante, generosamente vos
darão; porque com a medida com que tiverdes medido vos medirão
também".
Esta não é uma idéia isolada no Novo Testamento. Volte
para 2 Coríntios 9:6-8. A promessa de Deus ali é: "E isto afirmo:
aquele que semeia pouco pouco também ceifará; e o que semeia com
202 Mordomia
fartura com abundância também ceifará. Cada um contribua segundo
tiver proposto no coração, não com tristeza ou por necessidade; porque
Deus ama a quem dá com alegria. Deus pode fazer-vos abundar em
toda graça, a fim de que, tendo sempre, em tudo, ampla suficiência,
superabundeis em toda boa obra".
Se você der a Deus, Deus dará a você. Se você der
abundantemente a Ele, Ele dará abundantemente a você.
Considero a "teologia da prosperidade" atual uma heresia.
Não creio que se você der muito para Deus Ele o fará
financeiramente rico aqui na terra. Mas creio que essas
passagens e outras indiquem que bênçãos terrenas de natureza
não especificada serão dadas àqueles que forem mordomos fiéis
do dinheiro de Deus. O fim do versículo 8 fala diz: tendo sempre,
em tudo, ampla suficiência, superabundeis em toda boa obra". Isto
fala claramente de bênção terrena. Deus nunca afirma que se
você contribuir fielmente Ele dará a você muito dinheiro ou
alguma outra bênção terrena específica. Mas Ele diz de fato
que irá abençoá-lo nesta vida se você O amar o suficiente e
confiar Nele o suficiente para ser generoso em suas
contribuições.
Se Deus realmente nos ama como diz amar (e Ele
demonstrou na Cruz a profundidade de Seu amor), então temos
que crer que Ele irá nos dizer como usar nosso dinheiro de
forma que definitivamente nos beneficie ao máximo e nos traga
alegria maior do que a que receberíamos usando o dinheiro à
nossa maneira. Mas o mundo quer o dinheiro de Deus. Os
comerciais deixam isso claro. Nós também temos o mesmo
desejo que todo mundo tem - a Bíblia o chama de desejo da
carne - de gastar dinheiro de forma egoísta. E o Diabo nos fará
gastar dinheiro porque ele é nosso Inimigo e Inimigo do Reino
de Deus; ele quer arruinar a nossa vida e a obra de Deus. Mas
Com o Propósito de Alcançar a Piedade 203
Deus nos diz como administrar o Seu dinheiro de forma que
definitivamente nos beneficiará ao máximo e nos trará alegria
maior do que se usarmos o dinheiro à nossa moda.
A maior parte das bênçãos de Deus referentes a nossa
contribuição, contudo, não virá nesta vida. E é preciso ter fé
para crer que dar dinheiro aqui na terra armazena tesouro no
Céu. É preciso ter fé para crer que Jesus disse corretamente:
"Mais bem-aventurado é dar que receber" (Atos 20:35). Mas se essas
passagens são verdadeiras (e são!), podemos crer que virá um
tempo definido em um lugar real em que Deus irá de fato nos
recompensar abundantemente por aquilo que demos generosa
e alegremente.
Independentemente de sua interpretação dessas passagens,
independentemente de quanto Deus o recompense aqui e no
Céu por sua contribuição, o essencial é claro: Deus irá abençoá-
lo abundantemente se você der generosamente.
MAIS APLICAÇÃO
Você está preparado para o fim dos tempos? Jim Croce foi
um compositor e músico popular no início dos anos 70. Uma
de suas gravações mais conhecidas era "Time in a Bottle"
(Tempo em uma Garrafa), uma canção de amor sobre o seu
desejo de guardar tempo em uma garrafa para gastá-lo mais
tarde com alguém que amava. O fato estranho em relação à
composição foi que na época em que ela chegou às paradas,
Jim Croce já estava morto. Se ele tivesse conseguido guardar
tempo em uma garrafa, tenho certeza de que ele o teria usado
para prolongar sua vida. Mas é claro que ele não conseguiu
fazê-lo. E, de qualquer forma, mesmo que tivesse conseguido,
ele teria sido usado há muito tempo.
204 Mordomia
Há um número finito de grãos de areia na ampulheta de
todo o mundo e mais cedo ou mais tarde todos eles acabam.
Até ao escrever este capítulo eu fui chamado à casa de alguém
cujo pai havia acabado de falecer. Se Cristo não vier antes, um
dia seu tempo virá e irá também, e você irá com ele.
Você está preparado? Você pode ter feito o seu testamento,
planejado e pago pelo seu funeral e ter muitos seguros, mas
você não estará preparado a menos que a conta de seus pecados
diante de Deus tenha sido acertada. Você não está preparado,
na verdade você não pode estar preparado, para prestar contas
pelo tempo que perdeu vivendo para si mesmo e não para Deus,
pelo tempo que gastou em desobediência a Deus, pelo tempo
que desperdiçou buscando coisas mundanas que estão
destinadas a perecer com o próprio mundo, pelo tempo que
você poderia ter gasto investindo na obra do Reino de Deus.
Você não está preparado para se apresentar diante de Deus
a menos que tenha tomado tempopara ir a Cristo e confessado
o mau uso que fez de toda a sua vida. Você não está preparado
para a morte até que tenha pedido que Deus o perdoe com
base na morte de Cristo. Você não está preparado para que o
tempo pare a menos que tenha entregado o controle do resto
de seu tempo ao Cristo ressurreto.
"Hoje, se ouvirdes a sua voz", diz Hebreus 4:7, "não endureçais
o vosso coração". O inferno está repleto de pessoas que
endureceram seus corações enquanto ainda tinham tempo para
se arrepender e crer em Cristo. O inferno está repleto de pessoas
que endureceram seus corações porque pensaram que ainda
tinham muito tempo ou porque pensaram que poderiam ir a
Cristo em outra época. O inferno está repleto de pessoas que
não endureceriam seus corações se tão somente tivessem tido
a oportunidade que você tem agora mesmo. O inferno está
Com o Propósito de Alcançar a Piedade 205
repleto de pessoas que dariam o mundo se pudessem ter mais
uma oportunidade como você, de aceitar o evangelho. O inferno
está repleto de pessoas que clamam em concordância com
Hebreus 4:7 àqueles que estão longe de Cristo: "Hoje, se ouvirdes
a sua voz, não endureçais o vosso coração".
Você está usando o tempo como Deus gostaria que você o
usasse? Avalie o uso que você faz do tempo em cada área e
pergunte a si mesmo se está dedicando a elas o tempo que Deus
gostaria (lembre-se de que há extremos em ambos os lados):
trabalho, serviço doméstico, passatempos, TV, esportes, Dia do
Senhor, família, exercícios físicos, recreação, sono, absorção
bíblica, oração, banho e vestimenta diária.
Talvez o seu uso do tempo requeira alguns pequenos
ajustes. Talvez Deus esteja exigindo para uma grande mudança.
Mas, lembre-se de que uma vida disciplinada é impossível sem
a Disciplina do tempo. Não perca as implicações positivas
dessas questões. Uma vida disciplinada é possível por meio da
Disciplina do tempo.
Permita-me inserir uma palavra aqui para corrigir alguns
possíveis equívocos. O uso disciplinado do tempo descrito
nestas páginas não deve ser entendido como a promoção de
um estilo de vida implacável, de inquietude e tendência à
exaustão. Após ler a biografia de Jonathan Edwards, estou
convencido de que ele viveu consistentemente de acordo com
os princípios bíblicos em relação ao uso do tempo descrito neste
capítulo. Entretanto, seu biógrafo nunca o retrata como homem
perturbado e esbaforido, correndo agitado no decorrer de seu
dia, sempre atrasado para alguma atividade. Tampouco era ele
homem indiferente e calculista, menos preocupado com as
pessoas do que com a "produção". Seu hábito na maioria dos
dias era fazer longos passeios com Sarah e também sozinho,
206 Mordomia
toda noite até a mata para orar. Ele passava tempo com seus
muitos filhos e sabia como se divertir com eles. Fazia todas
essas coisas porque eram corretas e agradava a Deus que ele as
fizesse.
No âmago da Disciplina bíblica do tempo está fazer a
vontade de Deus quando ela precisa ser feita. "Para tudo há
uma ocasião certa", diz Eclesiastes 3:1, "há um tempo certo para
cada propósito debaixo do céu". Há um tempo para os tipos
específicos de Disciplinas mencionados neste livro, mas
também há um tempo para nos disciplinarmos para descansar,
para reabastecer nossos recursos físicos e emocionais por meio
dos tipos certos de recreação e para cultivar relacionamentos.
Jesus muitas vezes ministrou por longas horas e freqüentemente
sob condições que demandavam grandemente Dele, contudo,
era um Homem que descansava, se divertia (talvez enquanto
andava por todos os lugares aonde ia) e cultivava
relacionamentos. Ele nunca gastou uma hora inutilmente e não
há textos que o revelem agindo apressadamente. Ele é nosso
Modelo no uso disciplinado do tempo.
É possível ter uma vida mais semelhante a Cristo por meio
de uma Disciplina do tempo plena do Espírito. Deus não balança
o crescimento em graça diante de você como um chamariz
espiritual que sempre atrai, mas nunca é desfrutado. Ele disse
que o verdadeiro progresso na Piedade é possível e as
Disciplinas Espirituais são o meio. E o passo prático por trás de
cada uma das Disciplinas Espirituais é a Disciplina do tempo.
Você está disposto a aceitar os princípios divinos da
contribuição? Você leu e pensou sobre eles, mas crê neles e os
aceita como vontade de Deus para você?
Você está contribuindo como pretende? O uso que você faz
do dinheiro - aquele pelo qual você dedica tanto de sua vida -
Com o Propósito de Alcançar a Piedade 207
deixa claro que você está seguindo a Cristo ou buscando a
Piedade? Você decidirá que de hoje em diante sua contribuição
irá mostrar que Jesus Cristo está no centro de sua vida?
Na Edição Centenária do The Wall Street Journal (de 23 de
junho de 1989) foi publicada a matéria "A Galeria dos Maiores".
Era sobre vários homens que o Journal considerava grandes
sucessos nos negócios e nas finanças, nomes como Andrew
Camegie, Henry Ford, J. P. Morgan e outros. Apesar de seus
múltiplos milhões, e apesar de todos os usos benevolentes e
filantrópicos que fizeram de seu dinheiro, a maioria dos homens
citados no artigo não usou o dinheiro como Deus queria. Mas
você pode fazê-lo. É tarde demais para eles, mas não para você.
Não importa se tem muito ou pouco, como crente, você pode
se disciplinar para usar seu dinheiro para os maiores propósitos
da terra: para a glória de Deus e "com o propósito de alcançar
a piedade".
208 Mordomia
1 Jonathan Edwards, The Works of Jonathan Edivards (As Obras de Jonathan Edwards),
rev. Edward Hickman (1834; reimpressão, Edimburgo, Escócia: The Banner of Truth
Trust, 1974), vol. 2, páginas 233-236.
2 Herbert Lockyer, Last Words of Saints and Sinners (As Últimas Palavras de Santos e
Pecadores) (Grand Rapids, MI: Kregel, 1969), página 132.
3 Lockyer, página 132.
4 Edwards, vol. 1, página xxi.
5 Richard Baxter, The Practical Works of Richard Baxter in Four Volumes, A Christian
Directory (Obras Práticas de Richard Baxter em Quatro Volumes, Um Guia Cristão)
(1673; reimpressão, Ligonier, PA: Soli Deo Gloria Publications, 1990), vol. 1, página
237.
6 Wayne Watts, The Gift of Giving (O Dom da Contribuição) (Colorado Springs, CO:
NavPress, 1982), páginas 35-36.
7 "Plain Talk" ("Conversa Simples"), USy4 Today, 23 de dezembro de 1988.
8 Robert Rodenmeyer, conforme citação em John Blanchard, comp., Gathered Gold
(Ouro Ajuntado) (Welwyn, Hertfordshire, Inglaterra: Evangelical Press, 1984)
página 113.
9 Nota da Tradutora: tradução livre do versículo na versão NASB (New American
Standard Bible) da Bíblia em inglês.
10 Roger Steer, Ed., The George Muller Treasury (O Tesouro de George Muller)
(Westchester, IL: Crossway Books, 1987), página 183.
11 Roger Steer, Ed., Spiritual Secrets of George Muller (Segredos Espirituais de George
Muller) (Wheaton, IL: Harold Shaw; and Robesonia, PA: OMF Books, 1985) página
103.
C A P Í T U L O N O V E
J ejum ...
Com o P ropósito de
A lcançar a P iedade
♦♦♦ a ^
A auto-indulgência é inimiga da gratidão, e a autodisciplina,
normalmente sua amiga e geradora. E por isso que a
glutonaria é um pecado mortal. Os antigos pais do deserto
criam que os apetites de uma pessoa estão ligados:
estômagos cheios e palatos muito usados enfraquecem
nossa fome e sede de justiça. Eles estragam o apetite por Deus.
Comellius Plantinga Jr.
Citação em The Reformed Journal (Novembro de 1988)
F ale rápido, como são as pessoas que jejuam? Que tipos de
pessoas vêm a sua mente? Elas parecem um tanto estranhas?
São do tipo João Batista? Legalistas? Malucas por saúde?
Jesus vem a sua mente quando você pensa em jejum e nos
"jejuadores"? Jesus tanto praticou quanto ensinou o jejum, você
sabe. E mesmo assim, o jejum é a mais temida e incompreendida
de todas as Disciplinas Espirituais.
Uma razão pela qual o jejum é temido é que muitos crêem
que ele nos transforma em algo que não queremos ser e faz
acontecer coisas que não queremos que aconteçam. Tememos
que o jejum nostorne fanáticos de olhos encovados ou
excêntricos por Deus. Temos medo de que ele nos faça sofrer
horrivelmente e nos proporcione uma experiência, em geral,
210 Jejum
negativa. Para alguns cristãos, o jejum com propósitos
espirituais é tão impensável quanto raspar todo o cabelo da
cabeça ou andar descalço por um fosso de fogo.
O motivo pelo qual o jejum é tão incompreendido está
relacionado à falta de consciência contemporânea dele. Mesmo
que exista mais interesse no jejum hoje do que durante a última
metade do século XIX e primeira metade do século XX, quantas
pessoas você conhece que praticam o jejum regularmente?
Quantos sermões você tem ouvido sobre o assunto? Na maioria
dos círculos cristãos, raramente se ouve a palavra jejum, e
poucos terão lido algo a respeito. Entretanto, ele é mencionado
nas Escrituras mais vezes até do que algo tão importante quanto
o batismo (aproximadamente setenta e sete vezes para jejum e
setenta e cinco para batismo).
Cristãos em uma sociedade glutona, auto-indulgente, onde
ninguém se nega nada, podem ter dificuldade para aceitar e
começar a praticar o jejum. Poucas disciplinas são tão radicais
contra a carne e a corrente de pensamento prevalecente da
cultura quanto esta. Mas não podemos menosprezar o seu
significado bíblico. Evidentemente, algumas pessoas, por razões
médicas, não podem jejuar. Mas a maioria de nós não ousa
menosprezar os benefícios do jejum na busca disciplinada de
uma vida semelhante a Cristo.
EXPLICAÇÃO DO JEJUM
Uma definição bíblica de jejum é a abstinência voluntária
de alimentos, pelo cristão, com propósitos espirituais. Pelo
cristão, pois o jejum feito pelo não-cristão não tem valor eterno
algum porque os motivos e propósitos da Disciplina são centrar-
se em Deus. É voluntário porque o jejum não é coercivo. O jejum
Com o Propósito de Alcançar a Piedade 211
é mais do que simplesmente a dieta radical definitiva para o
corpo; é a abstinência de alimentos com propósitos espirituais.
Há uma visão mais ampla do jejum que é freqüentemente
ignorada. Esta é a abordagem adotada por Richard Foster ao
definir jejum como "negação voluntária de uma função normal
devido a intensa atividade espiritual".1 Assim, então, o jejum
nem sempre lida com abstinência de alimentos. Às vezes
podemos precisar jejuar de algum envolvimento com outras
pessoas, da mídia, do telefone, de conversas, de sono etc., a fim
de nos tornar mais absortos em um período de atividade
espiritual.
Martyn Lloyd-Jones concorda com esta definição mais
ampla de jejum:
Para concluir o assunto, adicionaríam os que o jejum , se
verdadeiramente o concebemos, não deve apenas estar confinado
à questão da comida e da bebida; o jejum deve realmente incluir
a abstinência de qualquer coisa que seja legítima em si e de si
mesma por causa de algum propósito espiritual especial. Há
m uitas funções orgân icas que são co rre tas , n orm ais e
perfeitamente legítimas, mas que, por razões peculiares especiais,
em certas circunstâncias, devem ser controladas. Isto é jejum. Este,
sugiro, é um tipo de definição geral do que o jejum deve ser.2
Estritamente falando, contudo, a Bíblia só se refere ao jejum
em termos de seu sentido primário, isto é, abstinência de
alimentos. Neste capítulo, limitarei minhas observações a tal
tipo de jejum.
A Bíblia distingue entre vários tipos de jejuns. Embora não
use os rótulos que freqüentemente empregamos hoje para
descrever esses jejuns, podem ser encontrados os seguintes:
O jejum normal envolve abstinência de todos os alimentos,
212 Jejum
mas não de água. Mateus 4:2 nos diz: "Depois de jejuar quarenta
dias e quarenta noites, [Jesus] teve fome". Nada é mencionado sobre
Ele ter tido sede. Além disso, Lucas 4:2 revela que Ele "não comeu
nada durante esses dias", mas nada diz sobre Ele ter bebido
alguma coisa. Uma vez que o nosso corpo funcione
normalmente por não mais do que três dias sem água,
presumimos que Ele tenha bebido água durante esse período.
Abster-se de alimentos, mas beber água, ou talvez suco de
frutas, é o tipo mais comum de jejum cristão.
O jejum parcial é uma limitação da dieta, mas não abstenção
de todos os alimentos. Por dez dias Daniel e os três outros jovens
judeus tiveram apenas "vegetais para comer e água para beber"
(Daniel 1:12). Diz-se do rústico profeta João Batista, que "seu
alimento era gafanhotos e mel silvestre" (Mateus 3:4).
Historicamente, os cristãos têm observado jejuns parciais
ingerindo porções de comida muito menores do que as
habituais por um certo período e/ou comendo apenas alguns
alimentos simples.
O jejum absoluto é a abstinência de todos os alimentos e
líquidos, até de água. Esdras nos conta que: "não comeu nem
bebeu nada, lamentando a infidelidade dos exilados" (Esdras 10:6).
Ao pedir aos judeus que jejuassem e orassem por ela, Ester
disse: "Vá reunir todos os judeus que estão em Susã, e jejuem em
meu favor. Não comam nem bebam durante três dias e três noites"
(Ester 4:16). Após a conversão do Apóstolo Paulo na estrada de
Damasco, Atos 9:9 nos diz: "Por três dias ele esteve cego, não comeu
nem bebeu".
A Bíblia também descreve um jejum sobrenatural. Há duas
ocasiões em que ele ocorreu. Ao escrever sobre seu encontro
com Deus no Monte Sinai, Moisés diz: "fiquei no monte quarenta
dias e quarenta noites; não comi pão, nem bebi água" (Deuteronômio
Com o Propósito de Alcançar a Piedade 213
9:9). Primeiro Reis 19:8 pode estar dizendo que Elias fez o
mesmo quando foi ao local do jejum milagroso de Moisés:
"Então ele se levantou, comeu e bebeu. Fortalecido com aquela comida,
viajou quarenta dias e quarenta noite, até chegar a Horebe, o monte de
Deus". Esses jejuns requerem a intervenção sobrenatural de
Deus nos processos orgânicos e não são repetidos aparte do
chamado específico e da provisão milagrosa do Senhor.
O jejum particular é aquele que será mencionado na maioria
das vezes neste capítulo e é a ele que Jesus se refere em Mateus
6:16-18, quando diz que nós devemos jejuar de forma que outras
pessoas não o percebam.
Os jejuns congregacionais são do tipo encontrado em Joel 2:15
16: "Tocai a trombeta em Sião, promulgai um santo jejum, proclamai
uma assembléia solene". Ao menos uma parte da congregação da
igreja de Antioquia estava jejuando juntamente em Atos 13:2,
como evidenciam as palavras de Lucas: "Enquanto adoravam o
Senhor e jejuavam ".
A Bíblia também fala de jejuns nacionais. Em resposta a uma
invasão, em 2 Crônicas 20:3, o Rei Josafá conclama um jejum
nacional: "Alarmado, Josafá decidiu consultar o SENHOR e
proclamou um jejum em todo o reino de Judá". Os judeus são
chamados a um jejum nacional em Neemias 9:1 e Ester 4:16, e o
rei de Nínive proclamou um jejum em resposta à pregação de
Jonas (3:5-8). A propósito, durante os primórdios da nação, o
Congresso dos Estados Unidos proclamou três jejuns nacionais.
Os presidentes John Adams e James Madison conclamaram
todos os americanos a jejuar, e Abraão Lincoln o fez em três
diferentes ocasiões durante a Guerra Entre os Estados.3
Havia um jejum regular que Deus ordenou sob a Antiga
Aliança. Todo judeu deveria jejuar no Dia da Expiação (Levítico
16:29-31). Enquanto eles estavam na Babilônia, os líderes dos
214 jejum
judeus instituíram quatro outros jejuns anuais (Zacarias 8:19),
o fariseu de Lucas 18:12 se congratula em oração por manter a
tradição dos fariseus quando diz: "Jejuo duas vezes por semana".
Embora sem respaldo bíblico, sabe-se bem que John Wesley
não ordenava um homem ao ministério metodista se ele não
jejuasse toda quarta e sexta-feira.
Por fim, a Bíblia menciona os jejuns ocasionais. Estes ocorrem
em ocasiões especiais conforme surge a necessidade. Este era o
tipo de jejum que Josafá, assim como Ester, conclamaram. Este
é o tipo de jejum que Jesus deixa implícito em Mateus 9:15:
"Podem, acaso, estar tristes os convidados para o casamento, enquanto
o noivo está com eles? Dias virão, contudo, em que lhes será tirado o
noivo, enesses dias hão de jejuar".
O jejum mais comum dentre os cristãos atualmente seriam
os das categorias normal (abstendo-se de alimentos, mas
bebendo água), particular e ocasional.
ESPERA-SE QUE O CRISTÃO JEJUE
Para aqueles que não têm familiaridade com o jejum, a parte
mais surpreendente deste capítulo pode ser a descoberta de
que Jesus esperava que Seus seguidores jejuassem.
Atente para as palavras de Jesus no início de Mateus 6:16
17: "Quando jejuarem. ...Ao jejuar...". Ao nos instruir sobre o que
fazer e o que não fazer quando jejuamos, Jesus presume que
nós jejuemos.
Esta expectativa fica até mais óbvia quando comparamos
tais palavras com as Suas declarações sobre contribuição na
mesma passagem, Mateus 6:2-3:"Quando você der.... Mas quando
você der. ..." Compare também as Suas palavras sobre oração
na mesma parte, Mateus 6:5-7: "E quando vocês orarem. ...Mas
Com o Propósito de Alcançar a Piedade 215
quando você orar. ... E quando orarem." Ninguém duvida que nós
devamos contribuir e orar. Na verdade, é bastante comum usar
esta passagem para ensinar os princípios de Jesus sobre
contribuição e oração. E já que não há nada aqui ou em qualquer
outro lugar das Escrituras indicando que não precisemos mais
jejuar, e já que sabemos que os cristãos do livro de Atos jejuaram
(9:9,13:2,14:23), podemos concluir que Jesus ainda espera que
os Seus seguidores jejuem hoje.
Mais claras ainda são as palavras de Jesus em Mateus 9:14
15. Imediatamente após chamar Mateus, o coletor de impostos,
para segui-Lo, Jesus fez uma refeição na casa dele como
convidado. Os fariseus vieram e perguntaram como Jesus podia
comer com tamanho pecador. Os discípulos de João tinham
problemas com isso também. Assim como João, eles eram
homens de firme propósito, com dietas simples e rústicas. Eles
compartilhavam um ministério que chamava as pessoas ao
arrependimento, e o jejum fazia parte dele. Se eles deviam
direcionar pessoas a Jesus como João fazia, confundia-os como
Ele podia banquetear quando eles deveriam jejuar. Então, eles
se aproximaram Dele e perguntaram: "Por que nós e os fariseus
jejuamos, mas os teus discípulos não?'Jesus respondeu: 'Como podem
os convidados do noivo ficar de luto enquanto o noivo está com eles?
Virão dias quando o noivo lhes será tirado; então jejuarão'" (ênfase
do autor).
Jesus disse que chegará a hora em que Seus discípulos
"jejuarão". E a hora é agora. Até Jesus, o Noivo da Igreja
retomar, Ele espera que jejuemos.
As únicas instruções que Ele deixou além das já
mencionadas estão em Mateus 6:16-18, onde Jesus nos dá uma
ordem negativa, uma positiva e uma promessa. A ordem
negativa vem primeiro: "Quando jejuarem, não mostrem uma
216 Jejum
aparência triste como os hipócritas, pois eles mudam a aparência do
rosto a fim de que os outros vejam que eles estão jejuando. Eu lhes
digo verdadeiramente que eles já receberam sua plena recompensa".
Ao jejuar, você não deve parecer que jejua. Não demonstre estar
fraco. Não cause impressão de sofrimento. E não negligencie a
sua aparência.
A ordem positiva vem em seguida: "Ao jejuar, arrume o cabelo
e lave o rosto, para que não pareça aos outros que você está jejuando,
mas apenas a seu Pai, que vê em secreto". Em vez de parecer um
animal faminto, apresente-se tão bem que ninguém desconfie,
por sua aparência, que você está jejuando. O único Observador
de seu jejum deve ser aquele que é o Secreto. Ninguém mais
deve saber que você está jejuando a menos que seja
absolutamente inevitável ou necessário.
A seguir, Jesus faz uma promessa sobre o jejum: "E vosso
Pai, que vê em secreto, o recompensará". Tão segura e tão certa
quanto qualquer promessa das Escrituras é a promessa de que
Deus o abençoará e recompensará o seu jejum quando este for
feito de acordo com a Sua Palavra.
É interessante que Jesus não nos dá nenhuma ordem sobre
a freqüência ou a duração do jejum. Assim como todas as outras
Disciplinas Espirituais, o jejum não deve ser uma rotina
legalista. É um privilégio e uma oportunidade de buscar a graça
de Deus que está aberta a nós tantas vezes quanto desejarmos.
Por quanto tempo devemos jejuar? Depende de você e da
liderança do Espírito Santo. Na Bíblia há exemplos de jejuns
que duraram um dia ou parte de um dia (Juizes 20:26; 1 Samuel
7:6; 2 Samuel 1:12, 3:35; Neemias 9:1; Jeremias 36:6), um jejum
de uma noite (Daniel 6:18-24), jejuns de três dias (Ester 4:16,
Atos 9:9), jejuns de sete dias (1 Samuel 31:13, 2 Samuel 12:16
23), um jejum de quatorze dias (Atos 27:33-34), um jejum de
Com o Propósito de Alcançar a Piedade 217
vinte e um dias (Daniel 10:3-13), jejuns de quarenta dias
(Deuteronômio 9:9,1 Reis 19:8, Mateus 4:2) e jejuns de duração
não especificada (Mateus 9:14; Lucas 2:37; Atos 13:2, 14:2-3).
O JEJUM DEVE TER UM PROPÓSITO
O jejum bíblico á mais do que abstenção de alimentos. Sem
um propósito espiritual, seu jejum será apenas jejum de perda
de peso. Você será tal como o homem que contou a um escritor:
Jejuei em várias ocasiões e nada aconteceu . Só passei fom e.
...Muitos anos atrás, ouvi alguns pastores conversando sobre o
jejum. Por recom endação deles, tentei jejuar pela primeira vez.
Eles disseram que era uma ordem bíblica e deveria ser praticada
por todo cristão. Sendo cristão, decidi tentar. Depois de adiá-lo
por vários dias, reuni forças suficientes para com eçar. N ão pude
sentar-m e à mesa de café da manhã com minha família porque
achei que não teria força de vontade suficiente para m e abster de
comer, então fui para o trabalho. A pausa para o café foi quase
intolerável, e eu contei uma pequena m entira branca sobre por
que não me juntei ao grupo. Tudo o que conseguia pensar era o
quanto estava faminto. Disse a mim m esm o: "Se eu resistir até ao
fim do dia, nunca mais tentarei novamente". A tarde foi pior ainda.
Tentei me concentrar no trabalho, mas tudo o que ouvia era o
meu estôm ago roncar. Minha esposa preparou um a refeição para
si mesma e nossos filhos, e o arom a da com ida foi tudo o que eu
pude suportar. Imaginei que se conseguisse chegar à meia-noite,
teria jejuado o dia todo. E consegui — m as assim que deu meia-
noite, avancei na comida. Acho que aquele dia de jejum não me
ajudou nem um pouco .-1
É claro, ele provavelmente estava certo. Aquele homem não
estabeleceu um propósito para o jejum. E sem propósito, o jejum
pode ser uma experiência infeliz e egocêntrica.
218 Jejum
Há muitos propósitos para o jejum nas Escrituras.
Condensei-os em dez principais categorias. Quando jejua, você
deve fazê-lo por ao menos um destes propósitos. (Observe que
nenhum dos propósitos é ganhar favor de Deus. Não podemos
usar o jejum como forma de impactar Deus e de ganhar a Sua
aceitação. Tornamo-nos aceitáveis a Deus por meio da obra de
Cristo Jesus, não pela nossa. O jejum não terá benefício eterno
para nós até que nos aproximemos de Deus em arrependimento
e fé. Veja Efésios 2:1-10 e Tito 3:5-7.)
Para Fortalecer a Oração
"Quando os homens tiverem de orar a Deus a respeito de
alguma grande questão", escreveu João Calvino, "seria
conveniente indicar o jejum juntamente com a oração." 5
Há algo no jejum que aguça as nossas intercessões e dá
paixão a nossas súplicas. Assim ele tem sido muitas vezes usado
pelo povo de Deus quando há alguma urgência especial sobre
os assuntos que eles elevam ante o Pai.
Quando estava para conduzir um grupo de exilados de
volta a Jerusalém, Esdras proclamou um jejum a fim de que o
povo buscasse fervorosamente ao Senhor para ter uma
passagem segura. Eles iriam enfrentar muitos perigos sem
proteção militar durante a jornada de quase 1500 quilômetros.
Este não era um assunto comum para ser levado a Deus em
oração. "Por isso jejuamos e suplicamos essa bênção ao nosso Deus",
diz Esdras 8:23, "e ele nos atendeu".
A Bíblia não ensina que jejum é um tipo de greve de fome
espiritual que compele Deus a cumprir a nossa ordem. Se nós
pedirmos algo fora da vontade de Deus, o jejum nãoO fará
reconsiderar. O jejum não altera a audição de Deus tanto quanto
muda a nossa oração. Em seu livro God's Chosen Fast (O Jejum
Com o Propósito de Alcançar a Piedade 219
Escolhido por Deus), Arthur Wallis observa:
O jejum é talhado para trazer um toque de urgência e insistência
à nossa oração, e para dar força à nossa petição no tribunal do
céu. O homem que ora com jejum está notificando ao céu de que
é verdadeiramente resoluto. ...Não somente isso, mas ele está
expressando sua seriedade de uma maneira divinamente dirigida.
Ele está usando um meio que Deus escolheu para fazer sua voz
ser ouvida no alto.6
Deus sempre Se agrada de ouvir as orações de Seu povo.
Mas Ele também Se agrada quando escolhemos fortalecer
nossas orações de um modo que Ele ordenou.
Neemias (em 1:4) "jejulou] e or[ou] ao Deus dos céus". Daniel
(em 9:3) devotou-se a instar com Deus "com orações e súplicas,
em jejum". Em uma ordem direta por meio do profeta Joel, Israel
ouviu: "Agora, porém', declara o SENHOR, 'voltem-se para mim de
todo o coração, com jejum, lamento e pranto"' (Joel 2:12). Não foi
senão depois de "jejuar e orar", que os crentes da igreja em
Antioquia "impuseram-lhes as mãos" (sobre Bamabé e Saulo de
Tarso) e "os enviaram " a sua primeira viagem missionária (Atos
13:3).
O aspecto mais importante desta Disciplina é a sua
influência sobre a oração. Você notará que de uma forma ou de
outra, todos os outros propósitos bíblicos do jejum estão
relacionados à oração. O jejum é um dos melhores amigos que
podemos introduzir em nossa vida de oração. Apesar de seu
potencial poder, contudo, parece que pouquíssimos crentes
estão dispostos a desfrutar seus benefícios. Citando Wallis
novamente:
Ao dar-nos o privilégio de jejuar, assim como de orar, Deus
220 Jejum
acrescentou uma poderosa arma ao nosso arsenal espiritual. Em
sua insensatez e ignorância, a Igreja, em grande parte, o tem
considerado obsoleto. Ela o jogou em algum canto escuro para
enferrujar, e ele tem jazido ali, esquecido por séculos. Uma hora
de crise iminente para a Igreja e o mundo exige a sua volta.7
Para Buscar a Orientação de Deus
Existe precedente bíblico para jejuar com o propósito de
discernir mais claramente a vontade de Deus.
Em Juizes 20, as outras onze tribos de Israel se prepararam
para guerrear contra a tribo de Benjamim. Os soldados se
reuniram em Gibeá por causa de um chocante pecado cometido
pelos homens daquela cidade benjamita. Eles buscaram ao
Senhor antes de ir para a batalha, e mesmo que fossem em maior
número do que os benjamitas, a quinze por um, eles perderam
a batalha e vinte e dois mil homens. No dia seguinte, eles
buscaram ao Senhor com oraçãò e lágrimas, mas novamente,
tinham perdido a batalha e com milhares de perdas. Confusos,
da terceira vez eles não só buscaram orientação do Senhor em
oração e com lágrimas, mas também "jejuaram até a tarde"
(versículo 26). "Sairemos de novo ou não, para lutar contra os nossos
irmãos benjamitas?" perguntaram. Então o Senhor tornou a Sua
vontade clara: "Vão, pois amanhã eu os entregarei nas suas mãos"
(versículo 28). Somente depois de O buscarem com jejum o
Senhor deu a Israel a vitória.
De acordo com Atos 14:23, antes de Paulo e Barnabé serem
designados presbíteros nas igrejas que fundaram, eles primeiro
oraram com jejum para receber a orientação de Deus.
David Brainerd orou com jejum pela liderança do Senhor a
respeito de seu ingresso no ministério. Na segunda-feira, 19 de
abril de 1742, ele registrou em seu diário: "Separei este dia para
jejuar e orar a Deus por Sua graça; especialmente para me
Com o Propósito de Alcançar a Piedade 221
preparar para a obra do ministério, para me prover auxílio
divino e direção em meus preparativos para a grande obra, e
em Seu devido tempo me enviar a Sua colheita".8 Sobre a sua
experiência durante aquele dia, ele disse:
Senti o poder da intercessão por almas preciosas imortais; pelo
avanço do reino de meu querido Senhor e Salvador no mundo e
ademais, a mais doce resignação e até consolação e alegria nos
pensamentos relativos ao sofrimento de dificuldades, aflições e
até a própria morte, na promoção dele.... Minha alma se estendeu
muito para o mundo, para multidões de almas. Eu pensei ter mais
abrangência por pecadores do que pelos filhos de Deus, embora
sentisse como se pudesse passar minha vida em clamores por
ambos. Desfrutei grande doçura em comunhão com meu querido
Salvador. Creio que nunca em minha vida senti desapego tão
completo deste mundo e conformidade tão grande com Deus em
tudo.9
O jejum não garante o recebimento de orientação clara de
Deus. Uma vez praticado de modo correto, porém, ele
realmente nos torna mais receptivos Àquele que tem prazer
em nos orientar.
Para Expressar Tristeza
Três das quatro referências bíblicas a jejum o associam a
uma expressão de tristeza. De acordo com Juizes 20:26, uma
das razões por que os israelitas choraram e jejuaram diante do
Senhor foi - não apenas para buscar Sua orientação - mas para
expressar tristeza pelos quarenta mil irmãos que eles haviam
perdido na batalha. Quando o Rei Saul foi morto pelos filisteus,
os homens de Jabes-Gileade andaram a noite toda para
recuperar os corpos do rei e de seus filhos. Após o enterro, 1
Samuel 31:13 diz que eles prantearam quando "jejuaram durante
222 Jejum
sete dias". O capítulo seguinte dá a resposta de Davi e de seus
homens quando ouviram a notícia: "Então Davi rasgou suas
vestes; e os homens que estavam com ele fizeram o mesmo. E se
lamentaram, chorando e jejuando até o fim da tarde, por Saul e por
seu filho Jonatas, pelo exército do SENHOR e pelo povo de Israel,
porque muitos haviam sido mortos à espada" (2 Samuel 1:11-12).
A tristeza causada por eventos que não sejam a morte
também podem ser expressos pelo jejum. Cristãos têm jejuado
de tristeza por causa de seus pecados. Não temos que pagar
por nossos pecados, porque não temos capacidade de fazê-lo e
porque Cristo já o fez uma vez por todas (1 Pedro 3:18). Deus
prometeu que "Se confessarmos os nossos pecados, ele é fiel e justo
para perdoar os nossos pecados e nos purificar de toda injustiça" (1
João 1:9). Mas isso não significa que a confissão seja algo leve e
fácil, um simples declamar de palavras, um ritual verbal. A mera
admissão não é confissão. Cristo é desonrado pela visão frívola
da confissão que não reconhece o quanto o nosso pecado custou
a Ele. Embora não seja autoflagelação, a confissão bíblica
envolve de fato ao menos algum grau de tristeza pelo pecado
cometido. E, visto que o jejum pode ser uma expressão de
tristeza, nunca será inapropriado que ele seja uma parte
voluntária e profundamente sentida da confissão. Houve
algumas ocasiões em que eu fiquei tão triste por causa de meu
pecado, que as palavras, somente, pareciam ser incapazes de
transmitir a Deus o que eu queria. E embora isso não tenha me
tomado mais digno de perdão, o jejum comunicou a tristeza e
a confissão que minhas palavras não puderam comunicar.
O jejum também pode ser um meio de expressar tristeza
pelos pecados de outras pessoas, como pelos pecados de pessoas
de sua igreja ou pelos pecados de seu país. Quando o invejoso
Rei Saul estava tentando injustamente matar Davi, a resposta
Com o Propósito de Alcançar a Piedade 223
de seu filho Jonatas, segundo 1 Samuel 20:34, foi que "naquele
segundo dia da festa da lua nova ele não comeu, entristecido porque
seu pai havia humilhado Davi".
Caffy e eu temos uma amiga, é cristã há apenas alguns anos.
Quando ela se desviou de sua profissão de fé, expressamos
nossa tristeza e oramos por ela por meio de um jejum mútuo
de vários dias. Embora nós a tivéssemos confrontado quanto à
sua situação por várias vezes, ela disse, após ter sido restaurada,
que saber que jejuamos por ela foi uma dos principais motivos
para sua volta à comunhão. Nossa igreja tem observado alguns
jejuns ocasionais, em parte para expressar tristeza ao Senhor
pelos pecados de nossanação.
Já que o jejum é muitas vezes um meio de expressar a Deus
a profundidade de nossos sentimentos, é apropriado que as
orações acometidas de tristeza sejam acompanhadas por jejum,
bem como por lágrimas.
Para Buscar Libertação ou Proteção
Um dos jejuns mais comuns dos tempos bíblicos era o jejum
para buscar a salvação dos inimigos ou circunstâncias.
Depois de ser notificado que um vasto exército estava vindo
contra ele, o Rei Josafá temeu e "decidiu consultar o SENHOR e
proclamou um jejum em todo o reino de Judá. Reuniu-se, pois, o povo,
vindo de todas as cidades de Judá para buscar a ajuda do SENHOR"
(2 Crônicas 20:3-4).
Nós já lemos sobre o jejum proclamado por Esdras quando
este conduzia um grupo de exilados de volta a Jerusalém. No
texto, notamos que eles jejuaram a fim de fortalecer a sua oração.
Mas observe, a partir do contexto mais amplo de Esdras 8:21
23, que a razão porque eles oraram com jejum foi a proteção de
Deus:
224 Jejum
Então, apregoei ali um jejum junto ao rio Aava, para nos humilharmos
perante o nosso Deus, para lhe pedirmos jornada feliz para nós, para
nossos filhos e para tudo o que era nosso. Porque tive vergonha de pedir
ao rei exército e cavaleiros para nos defenderem do inimigo no caminho,
porquanto já lhe havíamos dito: “A boa mão do nosso Deus é sobre todos
os que o buscam, para o bem deles; mas a sua força e a sua ira, contra
todos os que o abandonam ". Nós, pois, jejuamos e pedimos isto ao nosso
Deus, e ele nos atendeu.
O jejum cooperativo mais conhecido das Escrituras é
provavelmente o de Ester 4:16. Ele foi proclamado pela Rainha
Ester como parte de seu apelo a Deus por proteção da ira do
rei. Ela planejou entrar na corte do Rei Xerxes sem ser convidada
a fim de apelar a ele pela proteção dos judeus do extermínio
em massa. Ela disse a seu tio Mardoqueu: "'Vá reunir todos os
judeus que estão em Susã, e jejuem em meu favor. Não comam nem
bebam durante três dias e três noites. Eu e minhas criadas jejuaremos
como vocês. Depois disso irei ao rei, ainda que seja contra a lei. Se eu
tiver que morrer, morrerei"'.
Quando nossa igreja institui um dia de jejum em tristeza
pelos pecados do país, também incluímos orações pedindo ao
Senhor que nos proteja e liberte dos inimigos que podem
resultar de nossos pecados. Observamos que Ele disciplinava
Israel por seus pecados com freqüência, permitindo que
inimigos nacionais ganhassem vantagem sobre a nação militar
e economicamente. Talvez não pensemos na realidade do
pecado nacional tanto quanto deveríamos, nem em como os
cristãos irão experimentar parte de qualquer julgamento
nacional que venha, mesmo que não tenhamos contribuído
diretamente para ele.
Mas nem todos os jejuns que buscam libertação ou proteção
divinas são jejuns corporativos. Davi escreveu o Salmo 109 como
Com o Propósito de Alcançar a Piedade 225
apelo para obter alívio pessoal de um grupo de inimigos e,
particularmente, do líder deles. Um jejum particular
acompanhava a sua oração, conforme indica o versículo 24: "De
tanto jejuar os meus joelhos fraquejam e o meu corpo definha de
magreza". Aparentemente, aquele foi um jejum
excepcionalmente longo.
O jejum, e não esforços carnais, deve ser um de nossas
primeiras defesas contra a "perseguição" de familiares, colegas
de escola ou vizinhos ou equipe de trabalho, por causa de nossa
fé. Em geral, somos tentados a revidar com ira, abuso verbal,
contra-acusações e até processando-os. Mas em vez de articular
manobras políticas, fofocar e imitar as táticas mundanas de
nossos inimigos, devemos clamar a Deus com jejum por
proteção e libertação.
Para Expressar Arrependimento e Retomo a Deus
Jejuar com este propósito assemelha-se a jejuar com o
propósito de expressar tristeza pelo pecado. Mas como o
arrependimento é uma mudança de mente resultante em
mudança de ação, o jejum pode representar mais do que
simplesmente tristeza pelo pecado. Ele também pode ser um
sinal de comprometimento à obediência e a uma nova direção.
Os israelitas expressaram arrependimento por meio do
jejum em 1 Samuel 7:6, quando "eles...tiraram água e a derramaram
perante o SENHOR. Naquele dia jejuaram e ali disseram: 'Temos
pecado contra o SENHOR'".
Em Joel 2:12, o Senhor ordenou especificamente a Seu povo
que indicasse arrependimento e volta a Ele por meio do jejum:
"'Agora, porém', declara o SENHOR, 'voltem-se para mim de todo o
coração, com jejum, lamento e pranto"'.
Certamente o jejum mais completo registrado é o de Jonas
226 Jejum
3:5-8; um jejum para expressar arrependimento. Depois que
Deus abençoou a pregação de Jonas com um grande
despertamento espiritual,
Os ninivitas creram em Deus. Proclamaram um jejum, e todos
eles, do maior ao menor, vestiram-se de pano de saco. Quando as
notícias chegaram ao rei de Nínive, ele se levantou do trono, tirou
o manto real, vestiu-se de pano de saco e sentou-se sobre cinza.
Então fez uma proclamação em Nínive; "Por decreto do rei e de seus
nobres: Não é permitido a nenhum homem ou animal, bois ou ovelhas,
provar coisa alguma; não comam nem bebam! Cubram-se de pano de
saco, homens e animais. E todos clamem a Deus com todas as suas forças.
Deixem os maus caminhos e a violência".
O jejum não só pode expressar arrependimento, como
também pode ser em vão sem arrependimento. Assim como
com todas as Disciplinas Espirituais, o jejum pode ser pouco
mais do que uma "obra morta" se tivermos endurecido
persistentemente o coração ao chamado de Deus para lidarmos
com um pecado específico de nossas vidas. Jamais devemos
tentar imergir em uma Disciplina Espiritual como tentativa de
abafar a voz de Deus quanto ao abandono de um pecado. É
uma perversão do jejum tentar usá-lo para equilibrar a
autopunição por uma parte pecaminosa da vida que queremos
continuar a alimentar. Thomas Boston, um dos intrépidos
pastores-escritores puritanos, disse:
Em vão jejuareis, e fingireis ser humilhados por nossos pecados,
e fareis confissão deles, se nosso amor ao pecado não for
transformado em aversão; o nosso gosto por ele, em abominação;
e nosso apego a ele, em desejo de livrarmo-nos dele; com pleno
propósito de resistir aos impulsos dele em nosso coração, e às
insurreições dele em nossas vidas; e se não nos voltarmos para
Com o Propósito de Alcançar a Piedade 227
Deus como nosso justo Senhor e Mestre e retomarmos aos nossos
deveres novamente.10
Para Humilhar-se Diante de Deus
O jejum, quando praticado pelos motivos corretos, é uma
expressão física de humildade perante Deus, assim como
ajoelhar-se ou prostrar-se em oração também pode refletir
humildade diante Dele. E assim como há vezes em que você
sente a necessidade de expressar humildade orando de joelhos
ou com o rosto em terra diante do Senhor, há vezes em que
você pode desejar expressar senso de humildade perante o
Senhor em todas as atividades ao longo do dia, jejuando.
Muitos que estão acostumados a expressar humildade em
oração ajoelhando-se podem perguntar por que desejaríamos
expressar humildade o dia todo jejuando. Inversamente, João
Calvino fez uma pergunta melhor: Por que não? "Pois já que
isto [o jejum] é um exercício santo tanto para a humilhação
quanto para confissão de humildade dos homens, por que
devemos usá-lo menos do que os antigos usaram em
necessidade semelhante? ...Que razão há por que não devamos
fazer o mesmo?"11
Um dos homens mais iníquos da história judaica, o Rei Acabe,
eventualmente se humilhou diante de Deus e o demonstrou por
meio de jejum: "Quando Acabe ouviu essas palavras, rasgou as suas
vestes, vestiu-se de pano de saco e jejuou. Passou a dormir sobre panos de
saco e agia com mansidão. Então a palavra do SENHOR veio ao tesbita
Elias: 'Você notou como Acabe se humilhou diante de mim? Visto que se
humilhou, não trarei essa desgraça durante o seu reinado, mas durante o
reinado de seu filho"' (1 Reis 21:27-29).
Por outro lado, um dos homens mais piedosos de Israel se
humilhou diante do Senhor exatamente da mesmamaneira. O
228 Jejum
Rei Davi escreveu: "Contudo, quando estavam doentes, usei vestes
de lamento, humilhei-me com jejum e recolhi-me em oração" (Salmo
35:13).
Lembre-se de que o jejum em si mesmo não é humildade
diante de Deus, mas deve ser uma expressão de humildade. Não
houve humildade no fariseu de Lucas 18:12, que se vangloriou
a Deus em oração que jejuava duas vezes por semana. O escritor
David Smith nos faz lembrar, em Fasting: Uma Disciplina
Negligenciada:
Com isto, não devemos concluir que o ato de jejuar tenha algum
poder virtuoso, e que nós nos tornamos mais humildes; não há
virtude no homem decaído por meio da qual ele possa tomar a si
m esm o m ais piedoso; há, contudo, virtu d e no cam inho
divinamente estabelecido da graça. Se nós, pelo poder do Espírito
Santo, mortificarmos as obras da carne (pelo jejum), cresceremos
em graça, mas a glória de tal mudança será somente de Deus.12
Para Expressar Preocupação com Obra de Deus
Assim como um pai ou mãe pode jejuar e orar pela obra de
Deus na vida de um filho, os cristãos podem jejuar e orar porque
se sensibilizam pela obra de Deus em uma esfera mais ampla.
O cristão pode se sentir compelido a jejuar e orar pela obra
de Deus em uma área em que tenha experimentado tragédia,
decepção ou aparente derrota. Este era o propósito do jejum de
Neemias quando ele ouviu que apesar do retomo de muitos
exilados judeus a Jerusalém, a cidade ainda não tinha muro
para defendê-la. "E eles me responderam: 'Aqueles que sobreviveram
ao cativeiro e estão lá na província passam por grande sofrimento e
humilhação. O muro de Jerusalém foi derrubado, e suas portas foram
destruídas pelo fogo'. Quando ouvi essas coisas, sentei-me e chorei.
Passei dias lamentando-me, jejuando e orando ao Deus dos céus"
Com o Propósito de Alcançar a Piedade 229
(Neemias 1:3-4). Depois de jejuar, Neemias foi fazer algo
tangível e público a fim de fortalecer aquela obra de Deus.
Daniel também foi sensibilizado com relação ao retomo dos
judeus do exílio e à restauração de Jerusalém e expressou isso
jejuando: "Por isso me voltei para o Senhor Deus com orações e
súplicas, em jejum, em pano de saco e coberto de cinza" (Daniel 9:3).
Crente devotado nesta Disciplina, a preocupação de David
Brainerd com a obra de Deus freqüentemente encontrava
expressão no jejum e na oração. O registro do dia 14 de junho
de 1742 de seu diário revela a preocupação que tinha com a
obra que ele cria que Deus o tinha chamado para fazer.
Separei este dia para jejuar e orar em secreto, para rogar que Deus
me oriente e abençoe com relação à grande obra que tenho em
vista, de pregar o evangelho. ...Deus me capacitou a lutar
ardentemente em intercessão por amigos ausentes. ...O Senhor
me visitou de forma maravilhosa em oração; creio que minha alma
nunca esteve em tamanha agonia antes. Não senti reserva alguma,
pois os tesouros da divina graça foram abertos para mim. Lutei
por amigos ausentes, pela colheita de almas, por multidões de
pobres almas e por muitos que pensei serem filhos de Deus,
pessoalmente, em muitos lugares distantes.13
Obviamente, não podemos jejuar continuamente, mas que
o Senhor ao menos ocasionalmente nos faça ter preocupação
tão grande com a Sua obra, que a nossa preocupação normal
com a comida pareça ser secundária.
Para Ministrar às Necessidades de Outras Pessoas
Aqueles que pensam nas Disciplinas Espirituais promovem
tendências à introspecção ou independência devem considerar
Isaías 58:6-7. Na passagem mais extensa das Escrituras que lida
230 Jejum
exclusivamente com jejum, Deus enfatiza o jejum com o
propósito de suprir as necessidades de outros. As pessoas
originalmente mencionadas no texto reclamavam ao Senhor que
tinham jejuado e se humilhado diante Dele, mas que Ele não
havia respondido. Porém, a razão por que Ele não as havia
ouvido era a desobediência. Suas vidas estavam em contraste
com o jejum e oração. "Contudo, no dia do seu jejum " diz o Senhor
nos versículos 3-4, "cuidais dos vossos próprios interesses e exigis
que se faça todo o vosso trabalho. Eis que jejuais para contendas e
rixas e para ferirdes com punho iníquo; jejuando assim como hoje,
não se fará ouvir a vossa voz do alto". O jejum não pode ser
"compartimentalizado" do restante de nossas vidas. As
Disciplinas Espirituais não subsistem sozinhas. Deus não
abençoa a prática de qualquer Disciplina, inclusive do jejum,
quando rejeitamos a Sua Palavra quanto a nossos
relacionamentos com os outros.
O que devemos fazer? Como Deus quer que jejuemos? O
Senhor pergunta nos versículos 6-7: "Porventura, não é este o
jejum que escolhi: que soltes as ligaduras da impiedade, desfaças as
ataduras da servidão, deixes livres os oprimidos e despedaces todo
jugo? Porventura, não é também que repartas o teu pão com o faminto,
e recolhas em casa os pobres desabrigados, e, se vires o nu, o cubras, e
não te escondas do teu semelhante?" Em outras palavras, o tipo de
jejum que agrada a Deus é aquele que resulta em preocupação
com os outros e não apenas consigo mesmo.
"Mas", alguém poderia objetar, "estou tão ocupado
suprindo minhas necessidades e as de minha família, que não
tenho tempo para ministrar a outras pessoas". É aí que você
pode jejuar com o propósito de ministrar às necessidades de
outros. Jejuar por uma refeição ou por um dia e usar esse tempo
para o ministério. Assim você não perderá nenhuma parte do
Com o Propósito de Alcançar a Piedade 231
tempo que diz que deve dedicar a seus outros compromissos.
Vários meses atrás, comecei a programar um jejum regular por
semana e a dedicar o período de uma refeição durante aquele
dia a reuniões de aconselhamento ou discipulado. Fiquei
admirado com o fato de o período do fim da tarde ser tão
conveniente e preferível para muitas pessoas. O resultado é
que esse tempo de jejum se tornou minha única brecha mais
produtiva e provedora de necessidades de ministério homem-
a-homem a semana toda.
Há outras maneiras de jejuar para suprir necessidades de
outros. Muitos jejuam para que possam dar aos pobres ou a
algum ministério o dinheiro que teriam gasto em alimentos
durante aquele período. Como você poderia ministrar às
necessidades de outros com o tempo ou o dinheiro extra que o
jejum poderia prover?
Para Vencer a Tentação e Dedicar-se a Deus
Peça aos cristãos que citem o jejum de algum personagem
bíblico, e a maioria provavelmente pensará primeiro no jejum
sobrenatural de Jesus antes de Sua tentação em Mateus 4:1-11.
O versículo dois desta conhecida passagem nos diz que Jesus
jejuou "quarenta dias e quarenta noites". Na força espiritual
daquele jejum prolongado, Ele foi preparado para vencer uma
investida direta de tentação do próprio Satanás, a mais forte
que Ele enfrentaria até o Getsêmani. Também foi durante aquele
jejum que Ele dedicou-Se particularmente ao Pai para o
ministério público que começaria logo depois disso.
Não há, em nenhum lugar das Escrituras, uma ordem para
jejuarmos por quarenta dias ou por qualquer período específico
de tempo. Mas isso não quer dizer que não haja nada da
experiência singular de Jesus para nós aplicarmos a nós
232 Jejum
mesmos. Um princípio que aprendemos do exemplo de Jesus é
o seguinte: Jejuar é uma maneira de vencer a tentação e de
renovarmos nossa dedicação ao Pai.
Há vezes em que lutamos com a tentação, ou prevemos
batalhar com ela, quando precisamos de força espiritual extra
para vencê-la. Talvez nós (ou nossos cônjuges) estejamos
viajando e as tentações à infidelidade mental e sensual sejam
muitas. Quando começamos as aulas ou um novo emprego ou
ministério, pode haver novas tentações, ou talvez seja
recomendável dedicarmo-nos ao Senhor novamente.
Freqüentemente, enfrentamos decisões que colocam tentações
incomuns diante de nós. Aceitamos um novo emprego que
significará ganhar muito mais dinheiro, mas passar menos
tempo com a família? Aceitamos a promoção que inclui uma
transferência que colocaria fim a um importanteministério de
nossa igreja local ou quando isso significa ir aonde o
crescimento espiritual de nossa família possa sofrer dano? Em
tempos de tentação excepcional, medidas excepcionais se fazem
necessárias. O jejum com o propósito de vencer a tentação e de
renovação da nossa dedicação a Deus é uma resposta que revela
semelhança com Cristo.
Para Expressar Amor e Adoração a Deus
Neste momento, você pode ter associado o jejum somente
a circunstâncias extremas e grandes problemas. Mas a Bíblia
também diz que o jejum pode ser um ato de pura devoção a
Deus.
Em Lucas 2 há uma inesquecível mulher cujos oitenta e
quatro anos são totalmente exibidos diante de nós em apenas
três rápidos versículos. Seu nome é Ana. O resumo de sua vida
encontra-se em Lucas 2:37: "Nunca deixava o templo: adorava a
Com o Propósito de Alcançar a Piedade 233
Deus jejuando e orando dia e noite". Embora a história de Ana
tenha seu significado primário no contexto de Maria e José
apresentando o recém-nascido Jesus no Templo, a forma como
ela viveu dia após dia é o que nos interessa aqui. Ana havia
estado casada por apenas sete anos antes de enviuvar.
Presumindo que ela tenha se casado jovem, essa mulher piedosa
devotou ao menos meio século, dia e noite, a uma adoração a
Deus caracterizada por "jejum e oração".
O jejum pode ser uma expressão de se encontrar em Deus
o maior prazer e satisfação na vida. Este é o caso quando
disciplinar a si mesmo para jejuar significa que você ama mais
a Deus do que a comida, que buscá-Lo é mais importante para
você do que comer. Isto honra a Deus e é uma forma de adorá-
Lo como Deus. Significa que seu estômago não é o seu deus
como o é para alguns (veja Filipenses 3:19). Em vez disso, ele é
servo de Deus, e o jejum o prova porque você está disposto a
sublimar seus desejos aos do Espírito.
Os cristãos de toda história têm jejuado com este propósito
na preparação para a Ceia do Senhor. Além dos elementos de
arrependimento e humildade diante de Deus neste tipo de
jejum, ele também tem o intuito de ajudar a pessoa a se
concentrar na adoração Daquele que é representado na Ceia.
Outra forma de jejuar para expressar amor e adoração a
Deus é gastar o tempo de sua refeição em louvor e adoração.
Uma variação disso é demorar a fazer uma refeição específica
até que você tenha concluído seu tempo diário de absorção
bíblica e oração. Apenas lembre-se de que seu jejum é um
privilégio, e não uma obrigação. É a aceitação de um convite
divino para experimentar a Sua graça de modo especial. Se você
não puder jejuar tendo a fé de que irá obter mais satisfação e
alegria naquele momento do que em atrasar uma refeição, então
234 Jejum
coma livremente em fé primeiro (Romanos 14:22-23). Mas que
possamos ansiar por dias em que Deus nos fará almejar o
banquete espiritual da adoração mais do que qualquer
smorgasbord.
Para que o Senhor abençoe o nosso jejum, este deve sempre
ter um propósito espiritual - um propósito centrado em Deus,
e não na própria pessoa. Os pensamentos em alimentos devem
levar a pensamentos para Deus. Eles não devem nos distrair,
mas nos trazer à mente o nosso propósito. Em vez de nos
concentrarmos na comida, devemos usar o desejo de comer
como lembrete para orar e reconsiderar nosso propósito.
Não há dúvidas de que Deus tem muitas vezes coroado o
jejum com bênçãos extraordinárias. Testemunhos bíblicos,
históricos e contemporâneos comprovam o deleite de Deus em
prover bênçãos incomuns àqueles que jejuam. Mas devemos
tomar cuidado para não termos o que Martyn Lloyd-Jones
chamou de visão mecânica do jejum. Não podemos manipular
Deus para atender a nossa solicitação ao jejuar, tanto quanto
não podemos fazê-lo por qualquer outro meio. Assim como a
oração, jejuamos na esperança de que, por Sua graça, Deus irá
nos abençoar como desejamos. Quando nosso jejum tem a
motivação correta, podemos estar certos de que Deus nos
abençoará, mas talvez não da forma que desejávamos.
Mais uma vez, David Smith o coloca da maneira certa:
Qualquer bênção que seja conferida pelo Pai a Seus filhos indignos
deve ser considerada um ato de graça. Deixamos de apreciar a
misericórdia do Senhor se achamos que, por fazermos alguma coisa,
forçamos (ou coagimos) Deus a conceder a bênção que pedimos.
...Todo o nosso jejum, portanto, deve se basear nisso; devemos
usá-lo como meio escriturístico pelo qual nosso ser se integra
numa constatação mais plena dos propósitos do Senhor em nossa
Com o Propósito de Alcançar a Piedade 235
vida, igreja, comunidade e nação.14
Ao jejuar recentemente devido à preocupação com a obra
de Deus na igreja que pastoreio, comecei a orar sobre vários
assuntos importantes. De repente, percebi que embora eu
achasse que estava orando na vontade de Deus, talvez meu
entendimento das coisas precisasse ser reajustado. Então pedi
ao Senhor que me mostrasse como orar de acordo com a Sua
vontade sobre aqueles assuntos e que me concedesse
contentamento com as Suas providências. Isso, acho, é o que
Smith quis dizer com o jejum sendo um " meio escriturístico
pelo qual nosso ser se integra numa constatação mais plena
dos propósitos do Senhor". O jejum deve sempre ter um
propósito, e nós devemos aprender a elevar os Seus propósitos
sobre os nossos.
O jejum centrado em Deus é ensinado em Zacarias 7:5. Uma
delegação foi enviada de Betei a Jerusalém para inquirir acerca
do Senhor. O assunto era a continuação de dois jejuns que os
judeus haviam realizado por causa da destruição do Templo.
Por setenta dias, eles haviam mantido aqueles jejuns no quinto
e no sétimo meses, mas agora queriam saber se Deus queria
que eles continuassem os jejuns, já que tinham sido restaurados
à sua terra e estavam construindo um novo templo. A resposta
do Senhor foi: "Pergunte a todo o povo e aos sacerdotes: Quando
vocês jejuaram no quinto e no sétimo meses durante os últimos setenta
anos, foi de fato para mim que jejuaram?" Na verdade, aqueles
jejuns haviam se tornado rituais vazios, não experiências
centradas em Deus. Os comentários de Matthew Henry sobre
a passagem são úteis para nosso próprio jejum.
Que todos eles observem que, embora pensassem que haviam
tomado Deus muito devedor a eles por causa daqueles jejuns,
236 jejum
estavam bastante equivocados, pois os jejuns não eram aceitáveis
a Ele, a menos que tivessem sido observados de uma maneira
melhor, e com um propósito melhor. ...Eles não seriam acusados
de omissão ou negligência da obrigação. ...mas não a haviam
conduzido corretamente. ... Eles não haviam mantido os olhos
em Deus ao jejuar. ...Quando isto faltava, todo jejum não era senão
zombaria. Jejuar e não jejuar para Deus, era escarnecer Dele e
provocá-Lo, e não poderia ser agradável a Ele. ...Se as solenidades
de nosso jejum, embora freqüentes, longas e rigorosas, não servem
para aguçar o fervor, para reanimar a oração, aumentar a contrição
piedosa e para alterar a disposição de nossas mentes e o curso de
nossas vidas, para melhor, eles não respondem absolutamente a
intenção e Deus não as aceitará como realizadas para Ele.15
Antes de jejuarmos, devemos ter um propósito, um
propósito centrado em Deus. Mas mesmo em nossa melhor
forma, não merecemos o que desejamos, nem podemos forçar
a mão de Deus. Tendo dito isto, contudo, equilibremos essa
verdade com a promessa incontestável de Jesus em Mateus 6:17
18: "Tu, porém, quando jejuares, unge a cabeça e lava o rosto, com o
fim de não parecer aos homens que jejuas, e sim ao teu Pai, em secreto;
e teu Pai, que vêem secreto, te recompensará". Deus abençoa o jejum
bíblico feito por um filho Seu. E se você vai ou não receber a
bênção que espera, uma coisa é certa: Se você soubesse o que
Deus sabe, daria a você mesmo bênção idêntica à que Ele dá. E
nenhuma de Suas recompensas é desprezível.
MAIS APLICAÇÃO
Você irá confessar e se arrepender de qualquer medo de
jejuar? Por algum motivo, dizer: "Não vou comer hoje" causa
ansiedade em muitos cristãos. Parece que