Prévia do material em texto
TEORIA E CRÍTICA LITERÁRIA I Sumário 1. TEORIA E CRITICA LITERÁRIA .............................................................. 4 1.1 Teoria .................................................................................................... 5 1.2 Crítica .................................................................................................... 6 1.3 Diferenças entre Teoria e Crítica Literárias ........................................... 7 2. HISTÓRIA DA LITERÁRIA ..................................................................... 11 2.1 O Grande Tempo ................................................................................ 12 3 GÊNEROS LITERÁRIOS ....................................................................... 21 3.1 Épico ................................................................................................... 21 3.2 Lírico ................................................................................................... 22 3.3 Dramático ............................................................................................ 24 3.3 Gêneros literários atuais: poesia, romance e ensaio ........................... 25 4 FUNÇÕES DA LITERATURA ................................................................. 29 5 PERÍODOS E MOVIMENTOS DA LITERATURA ................................... 37 5.1 Definições de períodos e movimentos ................................................ 40 5.2 Períodos e movimentos no Brasil ........................................................ 44 6. O MODERNO NA LITERATURA A PARTIR DO RENASCIMENTO ...... 47 6.1 Humanismo na literatura da Idade Moderna ....................................... 52 7. PAPEL DA MULHER NA PRODUÇÃO DE CULTURA ........................... 55 7.1 Produções literárias femininas ............................................................ 58 7.2 História da Dramaturgia Feminina ....................................................... 61 8 POR QUE ADAPTAR UM TEXTO LITERÁRIO CLÁSSICO? ................. 63 8.1 Poder de difusão da adaptação literária .............................................. 65 8.2 Adaptações da literatura para os gêneros visuais ............................... 67 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .............................................................. 70 INTRODUÇÃO Prezado aluno, O Grupo Educacional FAVENI, esclarece que o material virtual é semelhante ao da sala de aula presencial. Em uma sala de aula, é raro – quase improvável - um aluno se levantar, interromper a exposição, dirigir-se ao professor e fazer uma pergunta, para que seja esclarecida uma dúvida sobre o tema tratado. O comum é que esse aluno faça a pergunta em voz alta para todos ouvirem e todos ouvirão a resposta. No espaço virtual, é a mesma coisa. Não hesite em perguntar, as perguntas poderão ser direcionadas ao protocolo de atendimento que serão respondidas em tempo hábil. Os cursos à distância exigem do aluno tempo e organização. No caso da nossa disciplina é preciso ter um horário destinado à leitura do texto base e à execução das avaliações propostas. A vantagem é que poderá reservar o dia da semana e a hora que lhe convier para isso. A organização é o quesito indispensável, porque há uma sequência a ser seguida e prazos definidos para as atividades. Bons estudos! 1. TEORIA E CRITICA LITERÁRIA A literatura pode ser vista como simples entretenimento ou como fonte de conhecimento e reflexão. Para que possamos entender de fato a literatura, são necessários certos conceitos ou ferramentas teóricas que tratam a linguagem literária de maneira ampla. A teoria literária apresenta esses conceitos e ferramentas, contribuindo para o entendimento da obra, do autor, do leitor e todo o processo que envolve as produções literárias e seus conteúdos. A teoria da literatura possui uma base de dados que permite elaborar um método de reflexão e análise, formando uma trajetória da produção literária de um determinado período, onde é possível constatar as mudanças sucedidas no processo histórico com relação ao homem e tudo que o envolve (NITRINI,2000). O caminho da teoria literária inicia-se entre os gregos dos séculos V e IV a. C., quando se preocuparam com as possibilidades oferecidas pela expressão linguística. O domínio da técnica de falar rendeu bons frutos profissionais e assim passou a se valorizar a eloquência e buscar estabelecer as regras para convencer o público ouvinte. Assim nasceu a oratória entre os atenienses do século V a.C. Tanto a oratória quanto a oralidade têm papel fundamental na origem da teoria literária e da literatura. Os estudos literários inicialmente são baseados em duas disciplinas: a retórica e a poética, que surgiram na Grécia clássica, no século V a.C. O objetivo da retórica era organizar de forma coerente os recursos capazes de atribuir eficiência à argumentação pela palavra, tornando o discurso mais atraente. A poética, ou arte poética, teve a célebre “Poética” de Aristóteles (1991), como seu primeiro tratado. O estudo da literatura era feito por meio da poética e da retórica num sentido formal, na Grécia Antiga, sem levar em conta a questão da natureza do conhecimento, pois consideravam esse problema como responsabilidade da filosofia. A teoria e crítica literárias, de um modo geral, são uma crítica do senso comum, de conceitos considerados como naturais, e uma reflexão sobre reflexão de mecanismos dos quais utilizamos para dar significado nas coisas, na literatura e em outras áreas do saber (COMPAGNON, 2006). Teoria e crítica são dois conceitos distintos que se engajam nos estudos literários, com definições amplas e geradoras de problemáticas. Vamos entender agora, o conceito de cada uma delas? O que é teoria? O que é crítica? 1.1 Teoria De acordo com a Universidade Católica de Brasilia (2006, p.13), a palavra teoria advém do grego theoría, que significa “conhecimento especulativo, meramente racional; conjunto de princípios fundamentais de uma arte ou ciência; opiniões sistematizadas”, enquanto Lima (1983, p.451) afirma que, “a teoria poderia ainda ser vista não como uma caixa de ferramentas, mas como uma sistematização aprofundada a respeito da literatura”. Fazendo uma análise das duas ideias, pode entender-se, de certo modo, que elas partilham a mesma ideia, e acabam naquilo que é a sua essência, a sistematização de ideias. Por outro lado, os dois autores parecem ter os mesmos princípios teóricos, e consideram o termo teoria não somente como uma gama de instrumentos, mas como uma série de axiomas, ou, conhecimentos aprofundados e sistematizados a respeito de um campo de saber. Culler (1999, p.12-13) por sua vez, declara que teoria é “um conjunto de reflexão e escrita cujos limites são excessivamente difíceis de definir”. O mesmo autor, citando o filósofo Richard Rorty, faz referência de um novo gênero misto, que começou no século XIX e foi apelidado teoria. Passou a denominar obras que conseguem contestar e reorientar a reflexão em outros campos que não aqueles aos quais supostamente pertencem. Percebe-se então, que teoria é um conceito superior, conceito que atravessa outros campos de saber científico, não se limitando apenas ao campo de estudo de uma única área do saber. De outro modo, o conceito de teoria para o autor tem uma definição ilimitada que, por um lado, pode ser analisada do ponto de vista restrito e, por outro, dilatado, englobando diversas e distintas dimensões do homem. De um outro ponto de vista, Culler (1999) explica o seguinte: A teoria é muitas vezes uma crítica belicosa de noções de senso comum; mais ainda, uma tentativa de mostrar que o que aceitamos sem discussão como “senso comum” é, de facto, uma construção histórica […], a teoria envolve um questionamento das premissasou pressupostos mais básicos do estudo literário, a perturbação de qualquer coisa que pudesse ter sido aceita sem discussão (CULLER, 1999, p.14). Considerando esse pensamento do autor, percebe-se que ele olha para a teoria como uma ferramenta de reformulação do conhecimento popular, um veículo de ascensão de reflexões que se considera indiscutível e aceite como eficiente superficialmente. 1.2 Crítica Segundo Coutinho (s/d, p.136), o termo “crítica” origina-se do grego designando “a ação de julgar; discriminar, encerra em si a noção de “avaliação”. Wellek e Warren (1966), porém, compreendem: a palavra “crítica” em termos largos para significar não só os juízos sobre livros e autores, individualmente considerados, a crítica “de juízo”, a crítica prática, demonstrações de gosto literário, mas também e principalmente o que se tem pensado a respeito dos princípios e da Teoria da Literatura, da sua natureza, criação, função, efeitos e relações com as outras actividades do homem, os seus géneros, artifícios e técnicas, as suas origens e a sua história. (WELLEK E WARREN, 1966, p.48) Todavia, se olharmos para os postulados referidos, pode-se entender, que o autor chama atenção quanto à aplicabilidade ou uso do termo crítica no seu sentido reduzido, tornando-o amplo a todos os âmbitos, derivando da sua gênese, função, efeitos e as relações que mantém com as atividades intelectuais do homem, mas também se leve em consideração a natureza e a história do termo, no campo do seu uso. Atkins (1934), por outro lado, entende que o conceito de crítica é apresentado como “uma atividade de tipo multifacetado; podendo consistir em teorizar ou julgar, legislar ou apreciar”. Fazendo uma consideração do texto exposto, se pode perceber que o autor considera a crítica como um conceito cujas tarefas são diversas e distintas, podendo, todavia, ser usada para construir teoria ou princípios, leis ou analisar certos fatos ou ideias propostas. Portanto, das várias posições relacionadas sobre o termo crítica, consideramos, ou melhor, tomamos como satisfatória a posição de Wellek e Warren, visto que ela é envolvente de vários aspectos, isto é, esses autores, do ponto de vista hermenêutico, definem a crítica tendo em conta a origem, a história, a função, a natureza e a sua relação com as atividades do homem no seu dia-a-dia. 1.3 Diferenças entre Teoria e Crítica Literárias Em referência aos termos teoria e crítica literárias, Wellek e Warren (1966) apontam que as diferenças mais importantes são as determinadas entre a teoria literária, o criticismo literário e a história literária. Contudo, é somente com Platão que surge pela primeira vez a teoria da literatura. No primeiro momento, a teoria literária não aparece como uma disciplina autônoma, mas vincula-se com as doutrinas morais, éticas, filosóficas e políticas do filósofo. Ela retrata o primeiro esforço de sistematização e de conceitualização de valores, que vinham sendo desenvolvidos na literatura grega. Conhecedor disso, Atkins (1934), ratifica dizendo que podemos notar em Górgias traços da existência de uma teoria literária já no séc. V a.C., porém, apenas com Platão começa-se de fato um criticismo mais filosófico, o que o transforma em o precursor na teoria literária. Vendo sua obra como um todo, pode-se dizer com justiça que com ele inicia-se a teoria literária. Ele reforça que a teoria literária antiga era como um tipo de crítica teórica baseada na filosofia. Contudo, Aguiar e Silva (1976), explicam que a teoria literária ficaria no domínio dos modelos, princípios e categorias, sem conexão com as obras concretas, podendo constituir-se como uma disciplina de especulação apriorística. À vista disso, ela cumpriria o papel de estabelecer os métodos para que a crítica analisasse os fenômenos literários. Entretanto, partindo das propostas apresentadas anteriormente, entende-se que o termo teoria literária, apesar de ter os traços da sua existência no séc. V a. C, deu início com o grande filósofo Platão, como fundamento de sistematização e criação de conceitos de valores, que se faziam sentir na literatura antiga. Sendo assim, a teoria literária tinha como foco os modelos, princípios e categorias, não relacionados as obras verdadeiramente literárias, com a finalidade de assumir-se como uma disciplina de reflexão, fundamentada nos princípios filosóficos e com o papel de estabelecer as regras de estudo dos fatos literários. Mais uma vez, Wellek e Warren (1966, p.48-49), voltam seus olhares para a teoria literária como “o estudo dos princípios, categorias e critérios da literatura, à medida que descrevem o criticismo literário e a história literária como forma de estudar as obras de arte concretas. ” “A teoria literária agrega um conjunto de ciências que alguns tratam por “teoria da literatura”, outros de “teoria literária”. Segundo Samuel (2002, p.7), a Teoria literária trata da “teoria que nasce da prática literária da obra, da leitura”. Ademais, a primeira tarefa da teoria literária equivale em saber o que é literatura. A UCB (2006, p.13) define teoria literária como “ciência que possibilita a análise e interpretação das camadas visíveis e invisíveis do texto literário”. Com efeito, a teoria literária estabelece a maneira como os estudos literários podem se organizar. Pode-se dizer, contudo, que a teoria literária instrui os estudos literários ou os estudos da literatura. Na visão de Oliveira (2009, p.16), teoria literária é “um discurso, ou melhor, uma construção discursiva da qual participam muitos agentes, entre eles se destacam os autores e os leitores”. No entanto, se identifica como uma sugestão de apresentação do feito literário. Diversos movimentos teóricos importantes buscam dar conta da produção literária. Portanto, é comum dizer que a teoria literária “corre atrás” da produção literária para compreender seus mecanismos de realização, do modo mais eficiente possível. Analisando as posições de Aguiar e Silva, UCB, Wellek e Warren e Oliviera, com relação ao termo em discussão, podemos perceber que existe uma ligação entre elas. Percebe-se uma conformidade nas ideias com relação ao conceito de teoria literária. Esses autores conceituam teoria literária como um meio legislativo, mecanismo de censura dos princípios condutores, que estabelecem critérios de análise de uma obra literária. Em contrapartida, para eles, teoria literária é um catalisador que define o que deve ou não ser considerado como literatura. No que se refere ao termo “crítica literária”, considerando a etimologia da palavra “crítica”, entendemos como crítica literária qualquer pensamento ou juízo de valor a respeito da literatura. Dessa forma, a teoria literária baseia-se no julgamento das obras concretas e por isso deve ser apontada como um tipo de crítica, assim como os valores literários apresentados em determinado poema (WELLEK, R, 2006). Atkins (1934) afrma que a crítica literária passa a ser, um subproduto de outras atividades intelectuais, como a filosofia, a retórica e a gramática. Adepto à essa ideia, Samuel (2002), diz que a teoria literária toma como base um tipo de atividade intelectual chamada crítica literária. Enquanto Welleke Warren (1966, p.41) afirmam que a crítica literária “ora é entendida como uma atividade generalizante, capaz de incluir, sob a sua denominação, diversas formas de pensar a literatura, ora é entendida como uma atividade restrita ao estudo particular das obras concretas de literatura” Schwarz (1998) mencionado por Holanda (2012, p.9) sustenta que “a crítica literária pode oferecer um espaço correspondente ao da criação – uma prática de liberdade. Ela é a reassociação imaginante dos recursos de linguagem; de e sobre um dado autor.” Holanda (2012, p.5) entende que a crítica literária “não é nenhuma liturgia que necessite de um espaço consagrado para validar-se.Há crítica onde há uma paixão exigente pelo texto e se adequa a forma interrogante de quem procura ver seus fundamentos para compreendê-lo mais.” Contudo, a crítica literária vem no sentido contrário desse discurso associado de valores e certezas – e aqui se configura a função crítica, bem como a idealiza a modernidade: Seu propósito principal é, através da investigação da linguagem, do jogo do imaginário, do alargamento das possibilidades do real, encontrar outra inteligência do acontecimento literário. Remunerar o sentido que está por baixo das palavras é conduzi-las a uma possibilidade de liberdade – responsabilidade do crítico. Além disso, a função da crítica literária traz a esperança de poder retificar, abrir a leitura. (Medeiros). (Não utilizamos os termos op cit ou ibi . Por favor, colocar os nomes dos autores) Medeiros (2015, p.15-16) apontando Schlegel requer que a crítica literária auxilie a obra de arte a conceder a possibilidade de autocrítica, de reflexão, de aperfeiçoamento e crescimento espirituais, uma vez que, segundo o filósofo da doutrina-da-ciência, “a liberdade não significa mais do que tornar-se consciente de si mesmo”. A crítica literária, que observa a literatura em sua dimensão estética e histórica, busca apoiar a atividade do crítico de literatura com critérios universais, apontando a necessidade de se encontrar três elementos na obra de arte literária: a impressão absoluta, o ideal individual da obra e a tendência. Por meio desses aspectos, o crítico busca ultrapassar a questão advinda de Kant sobre a incapacidade de um juízo de gosto universal sobre a arte. A crítica literária, no que lhe diz respeito, vê-se entreposta perante manifestações propriamente ligadas ao fazer artístico, principalmente, pelas ligações entre objetos e discursos, até então “inéditos” em busca de sistematização, como realiza-se sempre que a tendência se evidencia na arte ou uma nova manifestação artística acontece (CARVALHAL,1994). A cerca dessas relações envolvendo fenômenos e objetos ligados à teoria literária, na década de 1970, Barthes (2003), retratou que: a finalidade da crítica é muito diferente; não é “o mundo”, é uma narrativa, a narrativa de um outro: a crítica é narrativa sobre um discurso... daí transcorre que a atividade crítica deve apresentar duas espécies de relações: a relação dessa linguagem-objeto com o mundo e a relação da linguagem crítica com a linguagem do autor observado. Samuel (2002) aponta que a crítica literária fala do valor da obra literária, a aplicação das leis poéticas, a procura dos sentidos íntimos e a relação entre a imaginação e a verdade. Ela investiga fatos internos (personagens, estruturas), interpreta-os, apura seu grau de verdade, seu valor e confere fatos “externos”, como a história e sociedade. Conforme os principios acima, do entendimento analítico, a crítica literária seria, certamente, um comentário, uma observação, em outras palavras, uma censura de obras, abrangendo a retórica, com o objetivo de perceber e interpretar os fatos intrínsecos aos valores culturais, políticos, sociais e até morais, aprimorando os seus fatos externos e internos, como se refere Atkins (1934): a crítica literária é um subproduto de outras atividades intelectuais, como a retórica, a filosofia e a gramática. Nota-se, entretanto, uma dificuldade de se definir limites entre teoria e crítica literárias. Ainda assim, Welleke Warren (1966), embora tenham definido, de forma clara, os dois termos, defendem uma fusão da teoria e da prática, isto é, da teoria e da crítica. Assim sendo, se torna difícil evidenciar uma da outra, visto que se interessam nos critérios e princípios que definem a obra literária. Levando em consideração os conceitos de teoria e críticas literárias apresentados pelos diferentes autores, devemos, de certa forma, determinar uma diferença entre eles. Vemos então, que a diferença entre eles é o propósito, isto significa que, enquanto a teoria literária se empenha em formar os critérios, princípios e categorias das obras literárias, conforme afirma Wellek e Warren (1966, p. 48-49), a teoria literária é “o estudo dos princípios, categorias e critérios da literatura [..]”; a crítica literária investiga os fatos internos e externos das obras literárias, buscando trazer à superfície a sua realidade, como afirma Machado de Assis (1865) mencionado por Samuel (1966, p.9), “a crítica literária traz a importância da obra literária, a procura pelos sentidos íntimos, a eficácia das leis poéticas, a ligação entre a imaginação e a verdade”. Wellek e Warren (1966, p. 48) também falam que “podemos entender como crítica literária qualquer julgamento ou juízo de valor a respeito da literatura”. 2. HISTÓRIA DA LITERÁRIA Refletindo a literatura como arte ou representação do belo, compreendemos sua beleza ao reproduzir a linguagem por meio do uso de efeito estéticos e sugestões reflexivas na expressão dos ideiais e da cultura relativa a um país e a uma época, abrangendo suas demandas sociais, históricas e politicas. Ao idealizar a literatura como forma de arte que expressa, ideiais, sonhos, sentimentos e fantasias por meio de palavras, podemos projetar sua perpetuação por discorrer de valores universais que ultrapassam o momento em que foram apresentados e permanecem ao longo do tempo. Quando lemos uma obra literária revivemos esses valores e os posicionamos no tempo presente, recordando-os e travando com eles um diálogo atemporal, onde as dúvidas sobre a natureza das coisas e do homem, apresentam respostas que trazem prazer e conforto, introduzindo-nos em um mundo no qual notamos que o sentido da vida tem sido buscado há muito tempo, por outras pessoas que vieram antes de nós (CARVALHAL, 2010). Reconhecer a literatura como coleção de obras que permanecem ao longo do tempo, auxilia para a formação cultural de modo geral e para nos ensinar sobre as caracteristicas que constroem a cultura e os valores de um povo ou de uma época, além de contribuir para o entendimento de nosso lugar no mundo e o autoconhecimento, pois, é através de narrativas que constatamos experiências e pensamentos com os quais nos identificamos ou rejeitamos, de forma que firmemos nosso lugar no mundo e construamos nossa identidade, de forma crítica, mas também de forma prazerosa, uma vez que a leitura é também um tipo de entretenimento. Assim, a literatura é uma ação que reúne despertar e deleite, apresenta-nos faces e fatos que poderão nos evidenciar aquilo que buscamos durante toda nossa existência e pode nos ajudar a melhor administrar nossas escolhas e opiniões, além de ser considerada “recreação de alto nível” (CARVALHAL,2010). A satisfação que a literatura desperta está relacionado ao efeito de beleza criado pelo uso primoroso da linguagem e pela capacidade de entender a experiência de vida em vários niveis (social, político, cultural ideológico... ), que resultam na epifania e na catarse. A epifania (do grego epiphánea, que significa “aparição”, “manifestação”) é uma brusca sensação de entendimento da essência de algo. Esse termo ficou conhecido na literatura por ter sido usado por James Joyce em seu romance Retrato do artista quando jovem para tentar explanar os efeitos da linguagem. É também usado no sentido filosófico para expressar que alguém finalmente conseguiu entender todos os sinais e atingiu o conceito completo; é quando um pensamento único, iluminado e inspirado acontece, aparentando ter uma força divina, quase sobrenatural. Já a catarse tem um poder purificador e arrebatador. Quando observamos a história da literatura, percebemos que vários temas são usual e buscam responder a inquietações próprias de cada período, mas que, de forma Hegeliana, repetem-se ao longo do tempo, estabelecendo um diálogo atemporal, sendo que os próprios autores não predizem, no momento em que escrevem,o alcance que sua obra chegaria. Mikhail Bakhtin (2003), filósofo e linguista russo, afirma que: As obras dissolvem as fronteiras da sua época, vivem nos séculos, isto é, no grande tempo, e além disso levam frequentemente (as grandes obras, sempre) uma vida mais intensiva e plena que em sua atualidade. (BAKHTIN, 2003, p.362). Shakespeare, por exemplo, não sabia em seu tempo, que se tornaria o que é hoje e que as leituras e interpretações de sua obra se renovariam a cada época. 2.1 O Grande Tempo O estudo da história da literatura permite a visualização de um panorama de idéias que já foram pensadas e de fatos que já ocorreram, além da identificação de personagens impares que afirmam a peculiaridade de cada ser humano. A experiência literária torna-se arte e prazer porque esses elementos, ideias, fatos e personagens são narrados em uma linguagem única, que explora sons e sentidos por meio de palavras que cantam, contam e encantam (COUTINHO,2013). A literatura que resiste ao tempo é a que está registrada na forma escrita. Entretanto, as primeiras histórias foram repassadas oralmente e assim permaneceram durante muito tempo, tornando mais clara a dimensão e a abstração do que é o grande tempo na perspectiva bakhtiniana. Não sabemos exatamente quando elas surgiram, mas estudos arqueológicos têm ajudado a reconstruir esse percurso. Nos próprios materiais descobertos (tabuletas em argila, óstracos, papiros e pergaminhos) com inscrições em línguas primitivas, como a escrita cuneiforme ou os hiéroglifos egípcios, há indícios de que as histórias narradas são muito mais antigas do que os objetos encontrados. Essas descobertas indicam que as primeiras histórias já eram contadas / cantadas havia rimas e ritmo para facilitar a memorização há muito tempo, desde o período Neolítico, bem antes do surgimento da escrita, que ocorreu na idade do bronze. Possivelmente, mais anteriormente ainda, no período Paleolítico, os primeiros registros de narrativas seriam as inscrições em pintura rupestre, que reproduziam, nas paredes das cavernas, histórias de calçadas ou outras aventuras, além de representações de manifestações religiosas. Como pode-se ver abaixo, na figura 1. Figura 1 – Figura Rupestre nos Abrigos na Rocha de Bhimbetka, India. Fonte: Luis Pellegrini, 2018. As primeiras narrativas têm muitos aspectos em comum, temas recorrentes (mitos sobre a criação do mundo e dos homens, medo da morte e desejo de viver eternamente, entre outros); meios para auxiliar a memória (frases repetidas, “fórmulas”, rimas); tradição oral transmitida de gerações para gerações ao longo de séculos, etc. (COMPAGNON, 2006). 2.1.1 As primeiras narrativas A narrativa, ponto de partida da literatura, já era empregada no inicio do que podemos chamar de humanidade, quando o homem primitivo vivia em tribos nômades, à mercê das forças da natureza, a qual ele tentava compreender e controlar. Suas primeiras formas de compreensão estavam baseadas no mito e na religiosidade, precisando, dessa forma, evocar os deuses para obter deles favores e proteção. Para se aproximar dos deuses, o homem primitivo criou rituais sagrados e os executava acompanhados de rezas ou evocações, lendas e cantigas, que eram transmitidas oralmente ao longo das gerações. Assim, as primeiras narrativas conhecidas são os registros escritos tardiamente de composições que vieram da antiga tradição oral. Vamos retomar essas primeiras obras em ordem cronológica, embora as datas de composição dos textos sejam aproximadas por não haver meios de comprová-las (COUTINHO,2013). Ainda que a maior parte das primeiras narrativas tenha sido perdida, algumas culturas deixaram rastros de suas “produções textuais”, como as gravações em tábuas de argila quebradas na civilização assírio-babilônica, os rolos de papiro na egípcia e as cascas e folhas que se perderam na indiana. Na Babilônia produziu-se o primeiro compêndio de leis do qual tomamos conhecimento (o código de Hamurabi) e dois poemas épicos: a Epopeia de Gilgamesh e o Enuma Elish, que reverberaram em locais e tempos muito remotos, especialmente entre os judeus, na época em que foram exilados de Judá, deportados pelo rei Nabucodonosor; é por isso que encontramos intersecções entre as narrativas dessas civilizações. Da Índia temos o Rigveda, uma longa coleção de hinos curtos dedicada principalmente a louvar os deuses. O Egito, por sua vez, inspirou gregos e romanos e deixou como primeiro legado o livro dos mortos. Da cultura hebraica, com os primeiros manuscritos, veio uma importante herança literária para o Ocidente, o Pentateuco, que faz parte do Antigo Testamento da Biblia.Essa obra influenciou profundamente a consciência ocidental ao ser trazida para as línguas vernáculas e para o latim. Vamos analisar brevemente cada um desses textos, considerando sua estrutura, linguagem e conteúdo temático (AUERBACH,1987). Analisando essas obras consideradas como inaugurais, um dos temas centrais, que preocupava os primeiros pensadores ou artistas, era de compreender a criação do mundo ou saber quem somos nós e de onde viemos. Sendo assim, as primeiras narrativas tinham como tema a criação do mundo e eram textos lonos, possivelmente escritos em versos como falamos anteriormente para contribuir com a memorização, em uma época anterior à criação da escrita, em que se reproduziam histórias orais e misturavam homens e deuses. Alguns tinham o papel de determinar o contato com a divindade através de cânticos, hinos e rituais, fortalecendo uma visão mítica do mundo, ou uma cosmogonia, pois os deuses eram os responsáveis e a eles deveríamos temer, respeitar e implorar por proteção. Outros assuntos arquetípicos percorriam essas narrativas, originados dos quatro elementos da natureza considerados como primordiais: o fogo (luz, representada pelo sol), a terra (fertilidade), a água (purificação) e o ar (vento que traz as mudanças). Havia também informações de aventuras, como a separação da figura humana da divina, tornando aquela mais autônoma, mas ainda dependente dos deuses, que propiciava o momento de construção do herói (salvador, messias, etc), cujo dever era superar obstáculos e passar pelos processos de purificação e ascensão, vencendo até a morte. Outro assunto comum é a capacidade do homem de dar nomes às coisas, que comprova, no contexto literário, o poder criador da palavra (AUERBACH, 1987). Tradicionalmente atribui-se a A Epopeia de Gilgamesh o símbolo inicial da literatura por ser o mais antigo “texto” encontrado. Como pode-se ver abaixo, na figura 2. Figura 2 – Tabuleta de A Epopeia de Gilgamesh. Fonte:Robertson Frizero, 2021 Na verdade, ele é uma inscrição em tabuletas de argila com escrita cuneiforme, escrito aproximadamente no ano de 2750 a. C, composta por 12 cantos com cerca de 300 versos em cada. Conta as aventuras de Gilgamesh (cujo nome significa “o velho que rejuvenesce”), o mais ilustre rei da Suméria, responsável pela manutenção do seu reino e, graças à suas conquistas materiais e espirituais, considerado um herói e um deus. Gilgamesh era visto como um semideus, apresentado como dois terços deus e um terço humano, provido, portanto, de força sobre-humana, o que explicaria sua grandeza. Viveu muitas experiências até encontrar o sábio Ut-napishtim, que sobreviveu ao dilúvio e recebeu dos deuses o dom da imortalidade, também desejado por ele (AUERBACH,1987). O sábio lhe disse que a morte era uma realidade incontornável, a menos que passasse em um teste, o qual consistia em ficar acordado durante seis dias e sete noites.Gilgamesh não conseguiu superar a prova e voltou para sua terra, mantendo sua condição de mortal. Quando estava de partida, Ut-napishtim revelou-lhe o segredo a respeito de uma planta que vivia no fundo do oceano e que devolvia a juventude a quem se ferisse nos seus espinhos.Gilgamesh desceu ao fundo do oceano, colheu a planta e, temeroso de seus efeitos, guardou-a para experimentar seus poderes num velho de sua cidade; a planta, contudo, lhe foi roubada por uma serpente durante o regresso. Cansado, finalmente chegou a Uruk e reviveu as grandes muralhas que construiu, sua maior obra. As ruínas de Uruk situam-se no ao sul do atual Iraque. Encontramos no conteúdo de A Epopeia de Gilgamesh, muitas semelhanças com o texto da Bíblia judaíco-cristã, não apenas pela alusão ao dilúvio e pela menção arquetípica à água, mas também por outras passagens, como: - O número de dias do teste a que foi submetido Gilgamesh, que coincide com o tempo que Deus levou para criar o mundo e a planta roubada por uma serpente, o mesmo animal que incitou Eva e fez com que ela e Adão fossem castigados. Esses dois exemplos, são do primeiro diálogo no grande tempo. Observemos, por exemplo, a passagem de A Epopeia de Gilgamesh que trata da história do dilúviu: O vedismo, a mais antiga religião da Índia, reunia seus hinos em quatro coleções sagradas (Rigveda, Yajurveda, Samaveda e Atharvaveda), entre elas, o Rigveda é a mais importante. Pode-se ver abaixo, na figura 3, um exemplo da Rigveda: Figura 3 – Reprodução em sãnscrito do Rigveda. Fonte: Alamy Foto Stock, 2010. Conforme O livro das religiões (2014), os Brâmanas (instruções sobre os rituais védicos), os Aranyakas (com discussões sobre meditação) e os Upanishads (com interpretações filosóficas), fazem parte do Rigveda. Os hinos sagrados são parte da Oh, homem de Shuruppak, filho de Ubara-Tutu, põe abaixo tua casa e constrói um barco. Abandona tuas posses e busca tua vida preservar; despreza os bens materiais e busca tua alma salvar. Põe abaixo tua casa, eu te digo, e constrói um barco. Eis as medidas da embarcação que deverás construir: que a boca extrema da nave tenha o mesmo tamanho que seu comprimento, que seu convés seja coberto, tal como a abóboda celeste cobre o abismo; leva então para o barco a semente de todas as criaturas vivas. (A Epopeia... 2001) literatura hindu, que tinha o objetivo de ser ouvida por sacerdotes e estudiosos no processo de revelação da verdade canônica, transmitida pela tradição oral durante cerca de mil anos, desde o tempo da sua criação até a sua redação, que ocorreu entre 1700 a.C e 1100 a. C. (NITRINI,2000) Alguns deuses e deusas mencionados no Rigveda são arquetípicos e podem ser encontrados em outras crenças, que são baseadas na religião protoindo-europeia: • Dyaus Pita, que seria o “deus pai”, semelhante ao Júpiter latino e ao nórdito Tyr e ao Zeus grego; • Ushas, a deusa do amanhecer, correspondente à Aurora latina e Eos grega; • Agni, o fogo sacrifical, pode ser relacionado ao ogon russo e ignis latino, ambos significando “fogo”. Como vemos há também um diálogo no grande tempo. O livro dos mortos é uma antiguidade egípcia, com o objetivo de guiar os mortos para o além, através de orações e rituais. O livro, feito em rolos de papiro, era colocado nos sárcofagos, para que as almas pudessem consultá-lo, nos momentos de dificuldades diante dos deuses. Originalmente era chamado de “Livro de sair para a Luz”, e foi escrito aproximadamente em 1600 a.C. As versões mais refinadas do livro dos mortos traziam ricos ornamentos tipográficos, conhecidos como vinhetas, como a ilustrada na figura 4. Figura 4 – Livro dos mortos no papiro de Ani Fonte: Vinicius Cabral, 2018. As edições mais sofisticadas do Livro dos Mortos apresentam cerca de 200 “capítulos”, nome que os egiptólogos dão às fórmulas encontradas nos papiros preservados ao longo dos séculos. O papiro de Ani (figura 4) é o mais conhecido, tem 24 m e se encontra atualmente no British Museum, em Londres. Na verdade, não de acordo com seu conceito atual, não se trata de um “livro”, que presume a existência de um autor que propositalmente escreve um texto com um começo, meio e fim. Ao invés disso, os textos que fazem parte do que hoje entendemos por Livro dos mortos, não foram escritos por um único autor, tampouco são todos da mesma época histórica; certamente foram todos compilados (COMPAGNON,2006). Dentro do nosso diálogo no grande tempo, podemos ver que, a idéia de julgamento final também é encontrada na Bíblia. Em várias passagens, mas, principalmente no livro do Apocalipse, que compõe o Novo Testamento, parte que narra os acontecimentos depois da vinda de Jesus Cristo: O Enuma Elish (“canto do alto”), mito de criação babilônico, é composto por sete cantos gravados em sete tábuas de argila com cerca de 1.100 versos. Apesar de a composição do texto referir-se, provavelmente, a Idade do Bronze, nos tempos de Hamurabi [ca. 1810 a.C. – 1750 a.C], considerou-se a data de 1.100 a.C como a data de seu surgimento, fruto de compilações sacerdóticas babilônicas que concederam a Marduque (deus protetor da Babilônia) o papel de protagonista e levantaram a ideia de que os homens foram criados para servirem aos deuses (COMPAGNON, 2006). A obra se estrutura em torno de cinco temas: a origem dos deuses; o mito de Eva e Apsu; o mito de Tiamat; o mito de criação humana; e o hino a Marduque. Na primeira tábua, é narrada a criação dos deuses feita por Apsu, o deus primevo das Depois vi um grande trono branco e aquele que está sentado nele. A terra e o céu fugiram da sua presença e não foram vistos mais.Vi também os mortos, tanto os importantes quanto os humildes, que estavam de pé diante do trono.Foram abertos livros, e também foi aberto outro livro, o Livro da Vida. Os mortos foram julgados de acordo com o que cada um havia feito, conforme estava escrito nos livros. (Bíblia. Apocalipse,2011,20:n-13, gripo nosso). águas doces, e Tiamat, a deusa do mar. Ambos se arrependem desse ato, mas os novos deuses, liderados por Ea (que posteriormente se tornou o deus das águas doces), defendem-se matando Apsu e atacando Tiamat, que cria um exército de monstros para contra-atacar. Nas tábuas seguintes, há o relato do nascimento de Marduque, filho de Ea, que passa por provações para poder convencer o conselho dos deuses de sua capacidade de luta. Ao ser nomeado rei, Marduque tem a permissão para lutar e então mata Tiamat, dividindo o corpo da deusa: uma metade é utilizada para criar a terra e a outra para criar o céu. Marduque é responsável por definir as atribuições a serem realizadas pelos outros deuses e, criar os dias, os meses e as estações do ano. Produz também os homens a partir do sangue de Kingu, principal ajudante de Tiamat, e oferece-os como criados aos deuses. Em retribuição, estes constroem um palácio par Marduque na Babilônia e consagram-no como rei, dando-lhe o poder sobre todas as coisas (WELLEK, 2013). Há várias semelhanças entre a história da criação contada pelo Enuma Elish e pela Bíblia no livro dos Gêneses, como a ordem em que ocorreu a criação de todas as coisas, começando na luz e terminando no homem; a força da palavra e sua capacidade criadora; e a divisão do mundo entre o céu e a terra. Há diferenças também, evidentemente, mas são as semelhanças que inquietam os estudiosos, fazendo-os concluir que ambos os relatos tiveram a mesma origem ou que talvez, um seja derivado do outro. Como vimos, é no livro do Genesis que se encontram as principais e maiores semelhanças com as outras narrativas da criação, mas também podemos ver, principalmente no livro de Deuteronômio, a necessidade da constituição de leis e regras que conduzam o homem a serviço de Deus. Assim, embora esses textos não sejam propriamente literários na concepção atual, eles abordam aspectos prototípicos da literatura, isto é, modos de utilizar a palavra para exprimir o inefável, aquilo que não pode ser dito, mas que o é por meio de metáforas e símbolos. O texto lido, ou mesmo repetido oralmente, tem a função de preparar o homem para uma transformaçãoe, nos tempos primitivos, a transformação mais evidente era a que preparava a passagem da vida para a morte; isso talvez explique o compromisso humano com o divino. Antes de passarmos ao estudo dos textos propriamente literários, desvinculados da religião e com formatos mais bem definidos: os gêneros literários (WELLEK,2013). 3 GÊNEROS LITERÁRIOS A divisão literária em diferentes gêneros teve origem na Grécia Antiga com os conhecidos filósofos Platão e Aristóteles. Platão é o primeiro a tratar a questão da mimese, ou seja, da imitação nas obras poéticas, o que é aprofundado posteriormente pelo seu aluno Aristóteles, na memorável Poética. Aristóteles desenvolve, nessa obra, um tratado sobre as formas de imitação da natureza e do mundo pelos poetas, ilustrando as características que as diferentes formas de imitação assumem na poesia épica e na dramática. Especificamente, a lírica, não é tratada, de forma que só se fortalece como parte dos três gêneros, durante o Renascimento, quando há uma valorização desse tipo de poesia. O texto de Aristóteles é reconstruído por Rosenfeld (1985) com propósito de visualizar os sinais da caracterização do que hoje conhecemos como gênero lírico. Ele compreende três maneiras de narrativa, em Poética: ✓ a ligada ao épico, que conta com a ajuda de terceiros para narrar; ✓ a dramática, em que as próprias personagens estão em ação, sem a necessidade de narração; ✓ uma terceira, na qual “se insinua a própria pessoa [do autor], sem que intervenha outra personagem” (ROSENFELD, 1985), relacionada à lírica. 3.1 Épico O gênero épico compreende os poemas narrativos extensos, que tem como principal característica, a presença de um herói responsável por feitos admiráveis sobre os quais tratará a obra literária. Sendo assim, a epopeia seria uma das artes da imitação que, juntamente com a tragédia, retrata assuntos sérios e reproduz os homens melhores do que de fato eles são. Para distinguir a epopeia da tragédia, Aristóteles apresenta algumas diferenças entre essas formas literárias. Uma das diferenças apresentadas é a dimensão do poema épico, que não teria a sua duração limitada como a tragédia. Segundo Rosenfeld (1985), o poema épico apresenta um mundo imaginário de modo objetivo. Ele não se preocupa em manifestar as emoções do poeta, mas retrata os estados de alma das personagens que constitui os seus poemas. Ao mesmo tempo em que retrata o destino das personagens, o narrador está sempre presente através da sua narrativa, oferecendo a palavra aos personagens através da sua própria voz. Sendo assim, há certo distanciamento entre o narrador e o mundo que ele narra. Outra característica importante do poema épico é a valorização de um herói. O combate histórico é apenas o cenário para o desenvolvimento do herói, que enfrenta perigos e jornadas extraordinárias. Contudo, o objetivo dos poemas épicos não é o herói enquanto expressão da sua própria personalidade ou individualidade, mas sim da sua identidade pátria. Apresentaremos a seguir um exemplo de poema épico clássico (Homero): Podemos perceber que, em fins do século XVI, a epopeia como gênero puro nega, em detrimento de novas formas de narrativas, derivadas dos próprios poemas épicos, porém, que passam a ser escritas em prosa. Assim, surgem, então, os gêneros narrativos modernos, o romance, o conto e as novelas, que apresentaremos de forma mais detalhada posteriormente. 3.2 Lírico O nascimento da lírica baseia-se na tradição oral dos poemas cantados, normalmente acompanhados por um instrumento denominado lira, que motiva a denominação desse gênero (ABAURRE; PONTARA, 2005). No século XV, com o surgimento da imprensa, ocorre a separação entre a música e a escrita da poesia, uma vez que há uma inversão da predominância da cultura oral pela cultura escrita. É somente a partir do Renascimento italiano, segundo Abaurre e Pontara (2005), que a poesia de característica subjetiva ganha reconhecimento correspondente aos gêneros épico e dramático. Musa, reconta-me os feitos do herói astucioso que muito peregrinou, dês que esfez as muralhas sagradas de Tróia; muitas cidades dos homens viajou, conheceu seus costumes, como no mar padeceu sofrimentos inúmeros na alma, para que a vida salvasse e a de seus companheiros a volta. (HOMERO, 1997). Segundo Rosenfeld (1985), o gênero lírico pode ser definido como o mais subjetivo dos três, uma vez que a sua principal característica é a presença de uma voz central que transpõe no poema a expressão de um estado da alma, as suas emoções e também as suas reflexões sobre o ser humano e o mundo. Dessa forma, a poesia lírica tem como ponto de partida a manifestação verbal das emoções e dos sentimentos do eu lírico. Com esse objetivo, o mundo, a natureza e as outras personagens que por acaso apareçam nesse tipo de poema são evocados apenas para ressaltar os sentimentos do eu lírico. Rosenfeld (1985, p. 23) afirma que “a bem-amada, recordada pelo eu lírico, não se constituirá em personagem nítida de quem se narrem as ações e enredos; será nomeada para que se manifeste a alegria, a dor ou a saudade da voz central”. No que se refere às características formais da lírica, Rosenfeld indica a curta extensão como uma característica fundamental estilística. Visto que não narra acontecimentos, mas sim emoções, a poesia lírica não é extensa como o poema épico, senão instantânea, como a metamorfose dos sentimentos e das sensações humanas. Apresentam-se outras duas características estilísticas que são: a musicalidade e o ritmo das palavras, em consequência dos versos. Essas características se destacam de tal maneira que, por vezes, são priorizados em prejuízo do sentido, de forma que o poeta se atém antes à sonoridade do poema que ao seu conteúdo. Segundo Abaurre e Pontara (2005, p.42), o ritmo se define como “um movimento regular, repetitivo” que se marca na poesia pelo revezamento entre pausas e acentos (sílabas tônicas e átonas). Quando o esquema rítmico contém o mesmo número de sílabas, os versos são classificados como regulares; quando possui números diferentes, são irregulares. Embora não seja obrigatório, para a construção da musicalidade, é considerado como fator importante, a rima, que pode ser determinada como “a coincidência ou a semelhança de sons a partir da última vogal tônica dos versos” (ABAURRE; PONTARA, 2005, p.43). Além disso, a poesia lírica, ao contrário do que ocorre no poema épico, as ações não são estabelecidas nem no tempo, nem no espaço. Aponta- se uma ausência de distância que o passado taria e prevalece a voz do presente, tendo a ideia de que a poesia trata sempre um momento eterno. Rosenfeld (1985, p.23-24) traz um exemplo importante para o entendimento da temporalidade do gênero lírico: Apavorado acordo, em treva: O tempo verbal, que não remete necessariamente ao passado, pode representar tanto uma situação presente quanto uma recordação que permanece, que não se restringe ao passado. Do contrário, a construção seria acordei. É essa construção que causa a impressão de um momento eterno, que tanto pode falar do hoje quanto de outro momento que ainda se faz presente; portanto, um momento eterno. 3.3 Dramático Aristóteles inspirou-se no drama grego da época, para propor os seus estudos sobre esse gênero e definir alguns princípios do que seria o texto dramático por excelência. Dessa forma, a tragédia estaria mais minunciosamente proposta por Aristóteles que a comédia. Aristóteles recomenda a tragédia como sendo a imitação de homens, retratando-os melhores do que de fato o são, através de personagens em ação. Para ele, a ação deveria acontecer de forma centralizada em um espaço-tempo máximo de 24 horas, isto é, retratando episódios breves. Esses episódios apresentariam o desenvolvimento de uma história já iniciada, enfocando o clímaxe o desenlace dos conflitos apresentados. Conforme Aristóteles (2003) a tragédia é a imitação de uma ação completa e importante, de certa extensão; compõe um estilo tornado agradável pelo emprego separado de cada uma de suas formas; na tragédia, a ação não é apresentada com a ajuda de uma narrativa, mas por atores. Provocando a compaixão e o terror, a tragédia tem por consequência obter a purgação dessas emoções. Com relação aos gêneros épico e lírico, uma das principais diferenças do texto dramático é a forma como é narrado, ou seja, como não é narrado, já que o narrador é desnecessário nesse formato literário, uma vez que, os acontecimentos se dão por meio das falas e das ações das personagens (ROSENFELD, 1985). A teoria teatral estabelece algumas hipóteses diferentes para o texto dramático. Conforme Magaldi (1991), até o início do século XX, aproximadamente, o texto teatral era conhecido como parte essencial do drama, apresentando-se sublime frente à encenação. Não se considerava teatro sem obra dramática. A partir do século XX, há um enfraquecimento do chamado textocentrismo, uma vez que o espetáculo teatral passa a ser possível e reconhecido ainda que sem texto. Cresce, então, a arte da encenação, apresentando encenador e autor (dramaturgo) lado a lado. Cada dramaturgo da nossa época adota um estilo diferente, assim como cada encenador, diretor ou ator podem adequar esses estilos ao seu, atribuindo um caráter mais amplo e um repertório variado ao teatro. Magaldi (1991) diz que é necessário entendermos o teatro como uma tríade com três elementos essenciais, sem os quais, ela não funciona: ator, texto e público. Ao acreditar que esses elementos são essenciais, podemos considerar a existência de outros, como o gesto, a interpretação, o cenário, o espaço cênico, o figurino e a iluminação, por exemplo. 3.3 Gêneros literários atuais: poesia, romance e ensaio Até agora já aprendemos, a classificação em gêneros literários que corresponde aos modelos clássicos da realidade grega antiga. Porém, no mundo contemporâneo, existem outras divisões praticáveis para os textos literários. Martins declara que um a sociedade grega, gerou a poesia épica, enquanto a sociedade contemporânea gerou o romance. Sendo assim, o autor apresenta, com Lukács (2000), que um gênero literário não é “meramente o resultado da inventividade de autores ou de uma evolução isolada da forma, mas de um produto, um resultado de maneiras sociais de produção e de consumo de um determinado momento histórico” (MARTINS, 2012, p. 248) No mundo contemporâneo, convivem e sobrepõem-se as formas líricas, narrativas e dramáticas, dando origem a gêneros como o conto, o ensaio, o romance e vários outros que deles se originam. Diante desse breve cenário, vamos analisar alguns dos principais gêneros que circulam nos nossos dias. 3.4.1 - Lírica moderna Friedrich, em sua obra Estrutura da lírica moderna, mostra os caminhos que a lírica percorre ao longo dos séculos XIX e XX. Segundo o autor, a lírica moderna atende a um objetivo comum às artes em geral: a dissonância, ou seja, a junção entre a incompreensibilidade e o fascínio, que gera uma tensão no leitor. Ele nos mostra que essa tensão se revela na lírica moderna tanto na forma quanto no conteúdo. Na forma, há uma familiaridade de características “de origem arcaica, mítica e oculta com uma intensa intelectualidade” (FRIEDRICH, 1978, p.16), à medida em que se misturam a simplicidade da forma escrita e a complexidade dos seus conteúdos. Friedrich aponta outro ponto importante que é a expressão do eu do poeta, que até meados do século XIX era indispensável na poesia e passa a não ser mais uma característica fundamental. O poeta faz parte dos seus poemas como artista, constantemente refletindo sobre o próprio poema. Na lírica moderna, a língua, é vista como uma experiência na qual o vocabulário e a sintaxe atribuem novas significações e formas. As figuras de linguagem, a comparação e a metáfora, “são aplicadas de uma maneira nova, evitando o termo de comparação natural e obriga uma união irreal daquilo que logicamente e real, é inconciliável” (FRIEDRICH, 1978). O conceito de belo, esteticamente, é discutido e repensado, o que se reflete no grotesco. Então, podemos dizer que o que acontece na lírica moderna é um conjunto de inovações relacionados à poesia clássica que prevalecia até o momento. Ela manifesta as transformações sociais que causam conflitos no homem moderno, por vezes impactando o leitor, levando-o a pensar e questionar as tradições. No Brasil os poemas de Carlos Drummond de Andrade, além de Baudelaire e Pessoa, são bons exemplos das inovações relativas à lírica moderna. Veja a seguir o exemplo, do poema Mãos dadas de Andrade (2000): Não serei o poeta de um mundo caduco. Também não cantarei o mundo futuro. Estou preso à vida e olho meus companheiros. Estão taciturnos, mas nutrem grandes esperanças. Entre eles, considero a enorme realidade. O presente é tão grande, não nos afastemos. Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas. Não serei o cantor de uma mulher, de uma história, não direi os suspiros ao anoitecer, a paisagem vista pela janela, não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida, não fugirei para as ilhas nem serei raptado por serafins. O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes. a vida presente. Segundo Pereira (2012), o poema acima é um excelente exemplo da disputa entre a tradição e a inovação presente na lírica do século XX. O eu lírico se discute na tensão entre o “mundo caduco”, ao qual não quer ser relacionado, e o mundo futuro, mas evidencia a sua filiação ao “tempo presente”. O poema refuta os conteúdos sentimentais ao manifestar que não dirá “suspiros ao anoitecer”, em uma tensão entre desprezar a tradição lírica de fundo subjetivo enquanto menciona ela, como nos trechos finais: “não distribuirei cartas de suicidas”, “nem serei raptado por serafins”. 3.4.2 - Romance Com a necessidade do mundo moderno de traduzir a sociedade por meio de uma forma literária que correspondesse ao momento histórico, surge o Romance. Lukács (2000, p.59) faz uma comparação entre a epopeia e o romance: “O romance é a epopeia de uma era em que a totalidade ampla da vida não é mais dada de modo claro, para a qual a imanência do sentido à vida tornou-se problemática, mas que ainda assim tem por intenção a totalidade”. O romance está relacionado diretamente às Revoluções Francesa e Industrial e ao decorrente surgimento de novas classes sociais, como a burguesia, e apesar de ter surgido antes, somente em meados do século XIX foi que o Romance se consolidou como um gênero literário, mantendo a epopeia ao passado. Essa nova configuração social levou, naturalmente, ao surgimento de novas buscas, principalmente culturais. Nesse contexto, as longas narrativas, como as epopeias, estavam relacionadas ao clássico, que não correspondia a classe burguesa emergente. Surgem então, os folhetins, que eram novelas publicadas nos jornais, diariamente. Como expressão desse período histórico, o romance apresenta um indivíduo que, de acordo com Martins (2012), busca a sua essência, contudo encaminha-se para o encontro das estruturas sociais, pois não existe tempo para a subjetividade. Assim, “[...] o romance completa o homem que é alheio a esse mundo alheio à subjetividade. O romance é a forma que representa uma realidade interior não encontrada nas estruturas sociais que nos regem e que nos sufocam” (MARTINS, 2012, p.252). Podemos então perceber que o romance é um gênero de reflexão, que possibilita ao homem se descobrir. Estruturalmente, o romance também responderia a esses interesses do mundo contemporâneo. Em vista disso, o limite do romance deve ser o limite da vida do herói, uma vez que a sua trajetória tem o papel de enfocar umaparcela do mundo. Assim sendo, podemos diferenciar duas características essenciais do romance em contradizer à epopeia: o herói, que agora é um homem comum, dividido e que poderia representar qualquer um de nós; e o tempo, que não mais retrata necessariamente o passado, mas se direciona para o futuro, adotando certo caráter de imprevisibilidade que não se configurava na epopeia (MELLO; OLIVEIRA, 2013). Nesse sentido, também o espaço adquire outra importância: no entanto na epopeia a ação acontecia em um espaço reduzido, no romance o espaço excede a questão dimensional. Se essas são características relacionadas ao momento criador do romance ou, ainda, a uma relativa análise ao século XIX e ao início do século XX, o romance contemporâneo se transformou e se desprendeu de tais teorias. As ideias de espaço, tempo e a própria estrutura da narrativa têm sido constantemente reformuladas pelos autores. Virginia Woolf e James Joyce são bastante apresentados como pioneiros de uma nova forma de narrativa. Uma dessas inovações é o uso do fluxo de consciência, que tem em Clarice Lispector, uma forte representante. Também a prosa poética é uma forma de inovação no romance e juntamente com Clarice Lispector, João Guimarães Rosa e outros escritores, retratam a narrativa contemporânea com a ruptura do convencionalismo até então presente e um caráter de experimentação que segue até os dias atuais. 3.4.3 - Ensaio Na teoria literária contemporânea, o ensaio conquista um estatuto curioso e não compreensível, porque esse gênero já foi bastante discutido entre os teóricos, chegando-se até mesmo ao ponto de manifestar que já se havia dito tudo a seu respeito. Portanto, o ensaio tem lugar entre o literário e o teórico. Usaremos essa concepção como princípio para que você entenda o que vem a seguir. Nesse intermédio entre literatura e teoria, podemos entender o ensaio como um “irmão” da literatura, ao mesmo tempo em que se distancia das formas artísticas por discutir conceitos e possuir uma certa “pretensão à verdade desprovida de aparência estética”, conforme afirma Adorno (2003, p.18). Carvalho (2012), defende que o ensaio é um tipo de texto que parte da experiência pessoal para gerar um pensamento conceitual. Assim, o autor afirma que no ensaio existe um exercício de espaço para a criação e liberdade, transformando o gênero em algo pouco científico, diferenciando, portanto, da monografia ou do artigo científico, por exemplo. Sendo assim, situa-se próximo ao artístico, parece sempre atingi-lo. De acordo com Carvalho, o ensaio é “o texto teórico que pode ser lido como literatura”, reforçando ainda que neste gênero a forma é tão importante quanto o conteúdo (CARVALHO, 2012, p.196). O ensaio apresenta um ponto de vista, que correspondente à perspectiva do autor, sobre determinado assunto, procurando discuti-lo com vistas a defender uma hipótese ou uma tese sobre o assunto. Ao contrário de um artigo científico, no ensaio não se exige a adaptação a aspectos formais. Logo, o ensaio é o desenvolver livre e fundamentado por um autor, sobre algum assunto. Com essa liberdade, o ensaio se encontra entre os gêneros chamados literários e não entre os gêneros científicos. 4 FUNÇÕES DA LITERATURA Desde o princípio do seu desenvolvimento é essencial o contato do ser humano com a escrita, uma vez que trata-se de uma forma de comunicação fundamental à vida em sociedade. Produzimos textos dos mais diferentes gêneros e para diversos fins. Existem textos que possuem finalidade prática, ou seja, dependemos deles para o dia a dia, como leis, decretos, fórmulas. No entanto, há outros textos, cuja finalidade não tem um fim prático, mas, sim, particular, são os chamados texto de literatura. Cabe então, refletir quais as funções estão ligadas a um determinado tipo de texto que, de acordo com Eco (2003), deveria ser lido apenas por prazer ou fruição, não necessitando de uma justificativa para que aconteça o processo de leitura. Para iniciar a discussão sobre as funções do texto literário, faremos um desenho histórico, citando Aristóteles, em sua obra Poética (1981). O autor dá a entender, na obra relacionada, que há três funções literárias: cognitiva, estética e catártica. • A função cognitiva é relacionada ao conhecimento, onde o autor, através da sua intuição cognitiva, transmite a mensagem ao leitor por meio de sua obra. • A função estética está relacionada ao fato de entendermos a literatura como uma arte, isso percorre a capacidade que temos de reconhecer o belo, desfrutar do prazer e viver emoções. • A função catártica está relacionada com uma espécie de descarga de emoções, de que tanto o leitor quanto o escritor abrem mão para conquistar uma sensação de alívio e purificação diante da tensão que os cerca. No entanto, as funções da literatura não se limitam às citadas. Para basear-se de um modo mais específico, desenvolveremos a discussão com ajuda de grandes nomes da teoria como: Umberto Eco, Roland Barthes e Antônio Cândido. A literatura é caracterizada por Eco (2003), como um poder imaterial que foi produzido pela humanidade para fim gratia sui, ou seja, por amor de si mesma. Aqui encontramos, uma das grandes funções da literatura, isto é, ler por prazer, por deleite, ler sem obrigação, ler porque o que atrai o leitor é justamente a função estética desse texto, o que amplia a cultura, enaltece os saberes e enriquece o ser humano. [...] E entre esses poderes, arrolarei também aquele da tradição literária, ou seja, do complexo de textos que a humanidade produziu ou produz não para fins práticos (como manter registros, anotar leis e fórmulas científicas, fazer atas de sessões ou providenciar horários ferroviários), mas antes gratia sui, por amor de si mesma - e que se leem por deleite, elevação espiritual, ampliação dos próprios conhecimentos, talvez por puro passatempo, sem que ninguém nos obrigue a fazê-lo (com exceção das obrigações escolares). (ECO, 2003, p. 9) O autor sugere uma série de funções que a literatura tem em nossas vidas, tanto individuais, quanto coletivas. Segundo Eco (2003), a literatura sendo um bem consumido gratia sui, deveria ser uma ferramenta que provocasse significativo prazer ao leitor e não apresentada apenas como atividade obrigatória. Ainda assim, é preciso discutir de que forma o texto literário pode se incorporar às nossas vidas. A primeira função do texto literário destacada pelo autor é que “a literatura mantém em exercício, antes de tudo, a língua como patrimônio coletivo” (ECO, 2003, p.10). Isso acontece, de acordo com o autor, porque a língua não é exclusividade de uma única pessoa, mas pertence a todos, dessa maneira, faz com que através da língua seja exercida uma abrangente interação social, de forma que as pessoas conseguem se comunicar e, consequentemente, eternizam a língua como um bem imaterial. Outra função particular à literatura e debatida por Eco (2003), é a capacidade que esse texto tem de criar valores e colaborar para o exercício da sensibilidade: [...]nem eu seria idealista de pensar que às imensas multidões às quais faltam pão e remédios, a literatura poderia trazer alívio. Mas uma observação eu gostaria de fazer: aqueles desgraçados que, reunidos em bandos sem objetivos, matam jogando pedras de viadutos ou ateando fogo a uma menina, sejam eles quem forem afinal, não se transformaram no que são porque foram corrompidos pelo newspeak do computador (nem ao computador eles têm acesso), mas porque restam excluídos do universo do livro e dos lugares onde, através da educação e da discussão, poderiam chegar até eles os ecos de um mundo de valores que chega de e remete a livros (ECO, 2003 p. 12). O poder e a sensibilidade que provêm da literatura colaboram para a formação e o desenvolvimento do caráter humano. Para o autor, a função da literatura como um bem imaterialestá na eminência possível de valores para a sociedade através dos leitores. “Mas estes jogos não substituem a verdadeira função educativa da literatura, função educativa que não se reduz à transmissão de ideias morais, boas ou más que sejam, ou à transformação do sentido do belo” (ECO, 2003, p.20). A literatura traz em evidência, uma força educativa que é transmitida à sociedade e que contribui para a formação. Llosa (2009) reflete em sua obra: “Em defesa do romance”, que uma comunidade sem literatura escrita, sem dúvida, teria muito menos riqueza de detalhes, clareza comunicativa e precisão, comparada a outra comunidade que tenha tido como acesso principal de comunicação, os textos literários. Para o autor, uma sociedade que não tenha sido contagiada pela literatura sofrerá a falta da comunicação, e desenvolverá uma linguagem ordinária e rudimentar. Sobre isso, o autor, assim, manifesta: uma pessoa que não lê, ou que lê pouco, ou que lê apenas porcarias, pode falar muito, mas dirá sempre poucas coisas, porque para se exprimir dispõe de um repertório reduzido e inadequado de vocábulos. Não se trata apenas de um limite verbal; é, a um só tempo, um limite intelectual e de horizonte imaginário, uma indigência de pensamentos e de conhecimentos, porque as ideias, os conceitos, mediante os quais nos apropriamos da realidade e dos segredos da nossa condição, não existem dissociados das palavras, por meio das quais as reconhece e define a consciência. Aprende-se a falar com precisão, com profundidade, com rigor e agudeza, graças à boa literatura, e apenas graças a ela (LLOSA, 2009, p. 65-66). Nota-se então, a importância que detém a literatura quando se fala do aspecto formativo. A profundidade de conhecimento que o ser humano pode alcançar é possibilitada pela influência da literatura que, ao proporcionar uma riqueza vocabular, permite a superação intelectual, moral e imaginária. Não se pode perder de vista que, se a literatura não é um bem acessível a todos, isso se dá em um contexto de acentuada desigualdade social. Cândido (1995) sedimenta também a literatura, classificando-a como literatura de ricos e pobres. A estes são designadas as obras da cultura popular e do folclore, enquanto àqueles são destinadas as obras clássicas, eruditas: Em nossa sociedade, há fruição segundo as classes, na medida em que um homem do povo está praticamente privado da possibilidade de conhecer e aproveitar a leitura de Machado de Assis ou Mário de Andrade. Para ele, ficam a literatura de massa, o folclore, a sabedoria espontânea, a canção popular, o provérbio. Essas modalidades são importantes e nobres, mas é grave considerá-las como suficientes para a grande maioria que, devido à pobreza e à ignorância, é impedida de chegar às obras eruditas (CÂNDIDO, 1995, p. 256-257). Vale ressaltar que, sustentar o mesmo acesso cultural a todos os indivíduos, independente da classe social, é uma forma significativa de possibilitar a toda sociedade um instrumento de emancipação e libertação. Cândido (1995) explica ainda que: A distinção entre cultura popular e cultura erudita não deve servir para justificar e manter uma separação iniqua, como se do ponto de vista cultural a sociedade fosse dividida em esferas incomunicáveis, dando lugar a dois tipos incomunicáveis de fruidores.Uma sociedade justa pressupõe o respeito dos direitos humanos, e a fruição da arte e da literatura em todas as modalidades e em todos os níveis é um direito inalienável (CÂNDIDO, 1995, p. 262-263). Nesse sentido, pode-se perceber do autor citado, que a literatura, por sua capacidade de formação humana, deve ser um direito oferecido a todos os cidadãos. Dessa forma o homem precisa ter a possibilidade de conhecer e a capacidade para ler os grandes nomes da literatura clássica, modelos que apesar do tempo são literatura erudita de grande valor estético e formam, hoje, com seu caráter humanizador, da mesma forma que há cinco décadas formavam. Cândido, crítico literário e estudioso da literatura, discute a importância dos direitos fundamentais na vida de um cidadão. Ele justifica que, se temos de lutar para que as classes desfavorecidas tenham garantido o direito de ter uma casa digna, educação, lazer, transporte público de qualidade, trabalho e muitos outros, é porque estamos inseridos em uma sociedade que, além de individualista, é também desigual. O autor faz uma ligação entre aquilo que a legislação chama de direitos humanos e o direito à arte e à literatura e conclui que lutar por direitos humanos deveria ser, não apenas garantir os bens fundamentais à integridade física, mas também, à integridade moral “[...] e também o direito à crença, à opinião, ao lazer e, por que não, à arte e à literatura” (CÂNDIDO, 1995, p. 241). Dessa forma, podemos fazer o seguinte questionamento: a Literatura poderia ser considerada um bem indispensável à sobrevivência do homem? Para responder, dialogamos com Cândido (1995), que afirma ser a literatura, essencial para a vida humana, conforme a necessidade que o homem tem de sonhar e viver a magia, a ficção, tudo isso acreditamos fazer parte da formação do caráter humano. Contudo, ainda há quem questione a importância da literatura na vida do ser humano. Cândido (1995), ao tratar dos valores propostos ou recusados pela sociedade, reflete: Por isso é que nas nossas sociedades a literatura tem sido um instrumento poderoso de instrução e educação, entrando nos currículos, sendo proposta a cada um como equipamento intelectual e afetivo. Os valores que a sociedade preconiza, ou os que considera prejudiciais, estão presentes nas diversas manifestações da ficção, da poesia e da ação dramática. A literatura confirma e nega, propõe e denuncia, apoia e combate, fornecendo a possibilidade de vivermos dialeticamente os problemas. (CÂNDIDO, 1995, página) Sendo assim, podemos perceber que a literatura, apesar de ser constituída por textos ficcionais e que não devem ser confundidos com o real, muitas vezes, traz em seu argumento situações relativas às nossas vidas. Essa característica aprova a necessidade da literatura ser garantida como um direito humano. A importância da literatura cresce à medida que identificamos, como Cândido (1995), que todo ser humano tem necessidade de, sonhar. Então, aquele que não passa pela literatura não conquista uma formação completa. Para o autor, não há ninguém que tenha passado pela experiência de uma obra literária e que não tenha aprendido algo. Se a literatura opera em nós tantos valores, é necessário, então, garantir o acesso a ela como um direito humano básico e sem restrição. O texto literário, por ser ficção e cheio de fantasia, tem a capacidade de cativar o leitor e despertar nele um mundo inimaginável, enriquecendo sua formação e estimulando sua capacidade criativa. Eco (1997), em sua obra “Obra Aberta” mostra como mais uma função da literatura: o fato do leitor poder interferir na formação de um texto. Isso acontece porque cada leitor tem uma experiência diferente diante do texto e dessa maneira, ele tem possibilidade de participar ativamente, através da leitura e enriquecer com seu olhar diferenciado, contribuindo para destacar os saberes literários e aperfeiçoar os significados do texto. Nesse período, surge outra importante função da literatura que é a fruição que leitor obtêm diante do texto. Faz-se necessário então, diferenciar o que é uma leitura de prazer e uma leitura de fruição, que segundo Barthes (2010), não são sinônimos. Nas palavras do autor: Texto de prazer: aquele que contenta, enche, dá euforia; aquele que vem da cultura, não rompe com ela, está ligado a uma prática confortável de leitura. Texto de fruição: aquele que põe em estado de perda, aquele que desconforta (talvez até um certo enfado), faz vacilar as bases históricas, culturais, psicológicas do leitor, a consistênciade seus gostos, de seus valores e de suas lembranças, faz entrar em crise sua relação com a linguagem (BARTHES, 2010, p. 20-21). Por meio da fruição, o leitor expande sua visão de mundo, torna-se crítico e assume pontos de vista múltiplos em relação à obra literária, produzindo diversos significados possíveis para o texto lido. E assim, o leitor, incomodado com o texto, busca fugir do senso comum e ler as entrelinhas, procura captar todas as diferenças oferecidas pelo texto como propósito fiel de esclarecer mistérios e atribuir significações. Tudo isso se torna possível quando o leitor consegue, diante do texto, o poder de fruição. Neitzel e Carvalho (2014) defendem que: A relação estética que se constrói com o texto literário vai mobilizar as percepções do sujeito para a apreensão dos múltiplos sentidos do texto, não apenas aqueles que os signos escancaram, mas também aqueles que estão escondidos, enviesados, marcados na linguagem, nas entrelinhas (NEITZEL ; CARVALHO, 2014). Todavia, Eco (2003), ressalta a importância do leitor respeitar aquilo que caracteriza de intenção do texto, por isso afirma: [...] as obras literárias no convidam à liberdade de interpretação, pois propõem um discurso com muitos planos de leitura e nos colocam diante das ambiguidades e da linguagem da vida. Mas para poder seguir neste jogo, no qual cada geração lê as obras literárias de modo diverso, é preciso ser movido por profundo respeito para aquela que eu, alhures, chamei de intenção do texto (ECO, 2003, p. 12). Eco (2003) continua ressaltando as diferenças entre o texto literário e o mundo real, salientando os benefícios que o leitor tem a respeito das pistas deixadas pelo texto, em relação à interpretação, coisa que não desfrutamos no mundo real. Os textos literários não somente dizem explicitamente aquilo que nunca poderemos colocar em dúvida, mas, à diferença do mundo, assinalam com soberana autoridade aquilo que neles deve ser assumido como relevante e aquilo que não podemos tomar como ponto de partida para interpretações livres (ECO, 2003, p. 13). Sem a intenção de esgotar a temática, Eco (2013), reforça aquela que acredita ser a principal função implícita à literatura, que é a educação para a morte, ou seja, apontar que as coisas acontecem de uma forma diferente do que queremos, para que suportemos as frustrações e identifiquemos a ação do destino. A função dos contos “imodificáveis” é precisamente esta: contra qualquer desejo de mudar o destino, eles nos fazem tocar com os dedos a impossibilidade de mudá-lo. E assim fazendo, qualquer que seja a história que estejam contando, contam também a nossa, e por isso nós os lemos e os amamos. Temos necessidade de sua severa lição “repressiva”. A narrativa hipertextual pode nos educar para a liberdade e para a criatividade. É bom, mas não é tudo. Os contos “já feitos” nos ensinam também a morrer. Creio que esta educação ao Fado e à morte é uma das funções principais da literatura (ECO, 2003, p. 21). Ao cumprir a sua função, a literatura nos ensina que no mundo da fantasia e da imaginação, como no mundo real, estamos expostos a imprevistos e dificuldades e nem sempre os nossos desejos são atendidos. Lidar com os contratempos é uma dificuldade particular do ser humano, que deve ser encarada e transformada em superação. Quando a literatura colabora para amenizar esses obstáculos, ela ajuda diretamente o ser humano em suas projeções reais de vida. No entanto, ao mesmo tempo em que a literatura nos distancia da realidade em que vivemos, ela também proporciona pontos de encontro com os saberes cotidianos, os quais são consolidados através do aperfeiçoamento cognitivo proporcionado pelo texto literário. Nesse aspecto Llosa (2009) define que: […] as invenções dos grandes criadores literários, ao mesmo tempo em que nos arrancam de nossa prisão realista, conduzem e guiam pelos mundos da fantasia, abrem-nos os olhos sobre aspectos desconhecidos e secretos da nossa condição, e nos dão os instrumentos para explorar e entender mais os abismos do que é humano. (LLOSA, 2009, p. 65-66). Acerca da relação da literatura com as nossas vidas e com os problemas cotidianos, Zilberman (2009), justifica a importância e a necessidade desse gênero para a formação do senso crítico no ser humano. A autora pondera que, mesmo usando uma grande parcela de fantasia, a literatura não deixa de ser realista porque: [...] pode lidar com a ficção mais exacerbada, sem perder o contato com a realidade, pois precisa condicionar a imaginação à ordem sintática da língua. Por isso, a literatura não deixa de ser realista, documentando seu 24 tempo de modo lúcido e crítico; mas revela-se sempre original, não esgotando as possibilidades de criar, pois o imaginário empurra o artista à geração de formas e expressões inusitadas (ZILBERMAN, 2009, p. 17). A literatura ao mesmo tempo em que se revela eficiente e criativa ao lidar com as práticas do dia a dia, o faz de maneira crítica, mantendo-se original, e para tanto, abre mão de todos os recursos que a cerca para impressionar o leitor e estimular sua compreensão crítica. Analisando a literatura como um mecanismo de superação de desigualdades e de formação humana, é apropriado pensar sobre o acesso que a população tem a esse bem cultural, acesso esse que, em nossa sociedade, deveria ser garantido pela escola. 5 PERÍODOS E MOVIMENTOS DA LITERATURA A literatura e seu papel nas sociedades ao longo dos séculos foram se transformando. Era reconhecida na antiguidade como expressão oral, e mesmo nos primórdios da humanidade e então, passa a ser registro escrito, controlado pelas classes dominantes, porém, aos que não tinham acesso à leitura, ela permanecia como tradição oral. Foi então, a partir do século XVIII, que esse status mudou. A literatura começa a ser propagada para além da elite, porém a sua função passa a ser secundária. Ela não tem mais, naquele momento, função para o sistema econômico e político; não tem mais valor utilitário (SAMUEL, 2011). Diante de uma realidade cada vez mais tecnológica, a literatura se volta a uma problematização real como forma de protesto. A obra literária compreende a vida humana, a individualidade e retrata o caos da sociedade, da pobreza e das guerras que acontecem. Inicia-se o processo de revolução industrial entre o século XVII e o XVIII e como uma resposta a essa evolução, existem obras que lutam contra a organização da vida. A compreensão que se tem sobre a cultura também se revoluciona. Antigamente a filosofia, política e técnicas, se integravam de forma artística, no entanto, na sociedade moderna, a produção industrial produz a divisão das diversas áreas do conhecimento. A literatura diferencia-se das outras artes, da filosofia e da política. A obra literária é considerada como um produto, uma mercadoria a ser consumida, não se resumindo apenas a um veículo da ideologia dominante. Quando a literatura “ascende” como literatura, em sua significação moderna, como observa Michel Foucault (2000), acontece, então, uma separação entre as disciplinas. Para teóricos como Benedito Nunes e Niklas Luhmann, essa separação entre as disciplinas acontece no final do século XVIII (KORFMANN, 2002). Com a proposta de Niklas Luhmann, de pensamento sistêmico, percebe-se que a literatura, na “pré- modernidade”, se apresentava ainda incorporada em uma sociedade sedimentada e limitada a noções de representação ou imitação. Quando a sociedade moderna passa a ser composta em sistemas funcionais diferenciados e determinam, esse movimento permite uma definição da literatura como área autônoma, com sua linguagem própria (KORFMANN, 2002). Foucault (2000) também nota que, a literatura aparece como algo que deve ser abordado e pensado, pelos teóricos, manifestando seus significados e sua forma na cultura ocidental. À frente dessamudança para a sociedade moderna, a narrativa representativa perde a autoridade que tinha antes. Começam-se a discutir as fontes da verdade, do discurso e das formas de ser. Desde o século XIX até os dias atuais Foucault argumenta, que a literatura só aconteceu em sua autonomia ao se afastar de outras linguagens. Contudo, é por causa dessa independência e da resistência do período romântico que se pensa também no vínculo que a literatura nunca deixou de ter com as outras linguagens. De acordo com Rogel Samuel (2011), essa época enxerga artistas como: • o romântico, que ainda era ajudado pelas musas; • o naturalista, que criava um mundo desencantado; • o impressionista, que via e buscava a infância perdida. Durante a primeira revolução industrial, os homens de letras, presentes, foram substituídos pelos economistas, como Marx. Manifesta-se então o pensamento sobre o valor de uso, de troca, da produção e o capital. Em fins de século XIX até a primeira metade do XX, no Brasil, a classe econômica criticada por Machado de Assis, José Lins do Rego e Jorge Amado era “a burguesia” de classe média e das grandes plantações. Com o Romantismo dos anos 1800, acabam alguns estilos de época, que são trocados pela necessidade de evoluções e por um sentimento de divisão. Vê-se então, esse objetivo, por exemplo, na art nouveau, ou “arte nova”, que mostra a ligação entre a arte e a indústria. O poder do conhecimento científico, no século XVIII, cresce, assim como o poder da razão, da técnica, do método e da exploração do trabalho humano e da fábrica. O sentimento individualista do Romantismo, surge como refúgio. Por um tempo, a literatura se transforma, em “passatempo”, em forma de escapar da realidade. O Naturalismo, colabora de forma diferente para a cena literária, ainda que tenha público e produção em menor quantidade, além de receber diversas críticas. A ideia de perseguição aos artistas, que ainda hoje, pode-se perceber, já acontecia nessa época. A obra de Madame Bovary, publicada em 1857 por Gustave Flaubert, faz uma crítica à burguesia, colocando em cena a protagonista adúltera e “desapaixonada” e acaba por interessar ao público (SAMUEL, 2011). No século XIX aparecem também os grandes jornais e o folhetim, que faz parte de uma maior popularização da leitura e do romance - folhetim. A literatura torna-se “de massa”. Existem conservadores, que pregam a arte pela arte, propagando a ideia de que a arte deve ser separada ou estar acima da política. Balzac, Stendhal, Flaubert, Dickens, Tolstoi e Dostoievski publicam romances “sociais” e são considerados por alguns teóricos como “historiadores modernos”. Eles usam e refletem sobre técnicas, em processos de escrita, reescrita e rasura, além de serem críticos. Com Aluísio Azevedo, considerado naturalista, as investigações científicas também aparecem na literatura. Você vê, em obras como O cortiço, de 1890, o lado animalesco do ser humano, e o papel do contexto social em seu desenvolvimento e em sua vida. Nesse período, a técnica se mistura, dessa forma, com a arte literária, da qual acontecem as caracterizações e problematizações humanas no mundo (AUTOR, ano). 5.1 Definições de períodos e movimentos Nas áreas da literatura comparada e da historiografia, a abordagem por movimentos, eras, estilos de época ou escolas foi bastante constante e produziu contribuições consideradas ainda hoje. Esse questionamento centralizou sobretudo no estudo de períodos ou movimentos da história literária, investigando a partir de seus temas, cânones e estilos. Como explica Coutinho (2006), essa área foi o foco de muitos cursos acadêmicos, como os centrados em movimentos ou eras (Renascimento, Romantismo, Barroco, Era Vitoriana, etc.) e em escolas ou gerações (Geração Beat, Escola de Frankfurt, etc.). Ainda hoje, essas abordagens estão presentes nos estudos literários, contudo, também se transformaram, a partir da resposta da orientação historicista. No Brasil, nos anos 1980, ainda havia a disciplina Evolução da Literatura em cursos acadêmicos, porém, depois foi substituída por Literatura Comparada. Essa troca de terminologia, é uma mudança de panorama. Antes os períodos eram determinados gradativamente no tempo, e era comum estudar as transformações de um conceito como o “realismo” ao longo da literatura ocidental, assim como os estilos e épocas (HELENA, 1994). Eduardo Coutinho analisa a questão de enfoque e metodologia, partindo dos resultados que alcançava. Os problemas encontrados nesses estudos seriam maiores que as respostas que conseguiam, já que as investigações por vezes eram infrutíferas. Como explicar adequadamente, acontecimentos como os de Sousândrade e Machado de Assis, quando observados a partir de períodos ou movimentos? Aconteceram estudos sobre a existência de movimentos produzidos por uma figura como Shakespeare – que atravessa séculos –, que ainda criam discussões hoje e, são bastante produtivos. Considerando as inúmeras contribuições dos estudos de períodos e movimentos, na literatura, Massaud Moisés (1982) busca identificar esses termos. Em seu Dicionário de termos literários, entretanto, vincula o vocábulo “período” à palavra “geração”, dando maior destaque a esta última. Massaud Moisés sugere uma definição bem específica de alguns termos da historiografia, como você pode ver a seguir (MOISÉS, 1982): • Era é o lapso maior de tempo em uma história literária. • Época é uma subdivisão de era. • Período é uma subdivisão de época. • Fase é um momento dentro de um período ou na biografia de um escritor. Todos esses termos citados vão da maior à menor compreensão. A literatura brasileira tem duas eras, segundo os historiadores, a colonial e a nacional. Na perspectiva mais tradicional, a era colonial tem três épocas, que incluem suas origens, o barroco e o arcadismo. Segundo Moisés (1982), a época romântica tem três períodos, que são identificados em volta de Gonçalves Dias, Casimiro de Abreu e Castro Alves. Modernismo é o primeiro período, o qual tem duas etapas, separadas por datas diferentes (anos 1920, e dos anos 1920 até os anos 1940). A geração, portanto, pode ser relacionada ao período e à fase. A época e a era são sucessões de gerações. A escolha pelo investimento na caracterização da geração se explica pelo fato de que, para alguns pesquisadores, os recursos nos períodos e movimentos são falaciosos e a noção de geração é mais teoricamente válida e utilizável. Porém, todos esses termos, são esforços de definição e caracterização que, embora problemáticos, ainda ajudam a delimitar fronteiras entre os diferentes momentos artísticos. Historicamente, o conceito de “geração” remete-se à história pré-cristã, ainda que o vocábulo seja mais recente. Heródoto e Hesíodo, historiadores antigos, assim como a própria Bíblia, já traziam a ideia de que cada século teria três gerações. Ainda que distante das discussões historiográficas durante séculos, o termo “geração” volta a ser debatido durante o século XIX, em especial na França, na Alemanha e na Espanha. Escritores como Comte e Balzac, entre outros, fizeram considerações sobre esse problema. No entanto foi apenas no final do século XIX que o termo passou a ser usado na prática na historiografia, em títulos de livros e propostas de estudo. Passam a usar-se expressões como “romance de uma geração”, por exemplo. Pesquisando sobre a história da literatura antiga e moderna, Friedrich Schlegel teve destaque e dividiu em três gerações, os escritores alemães do século XVIII. Contudo, foi Dilthey, quem inseriu esse como conceito histórico. A ideia de geração para conceder uma unidade a grupos de escritores e artistas “homogêneos”, foi tornando-se mais clara. Presumia-se que haveria um vínculo entre vida, referências, experiência e formação de ideias, o que relacionaria indivíduos de um círculo, estabelecendovalores e realizando propostas. Ortega y Gasset é um historiador espanhol que aplica o conceito de geração como uma sociedade íntegra, uma variedade humana, que vem ao mundo com caracteres típicos e fisionomia comum, diferentes da geração anterior (MOISÉS, 1982). Todos esses estudiosos definem que o tempo de uma geração é aproximadamente 15 anos e durante esse tempo, algumas ideias ou maneiras de pensar e de ser são válidas. Essa conexão, porém, não vem dos próprios indivíduos, mas do mundo em que estão incorporados. Julius Petersen, outro pesquisador desse assunto, constata fatos que compõem uma geração: a herança; a data de nascimento; a educação; a comunidade; as experiências de geração (como guerras e revoluções); as expectativas de uma geração, ou ideais; a linguagem; e as críticas à geração anterior. A geração, no entanto, não é uma definição biológica, mas histórica, uma vez que o que a diferencia é a inclusão do indivíduo em uma determinada representação de mundo. O naturalismo apresenta uma ideia parecida, segundo a qual os homens são condicionados pelo contexto em que nascem. O conceito histórico de geração, entretanto, reconhece indivíduos que destoam como parte de um mesmo grupo, já que sempre haverá diferenças de ideias, o que não invalida o pertencimento a esse círculo. Moisés (1982) reconhece que, apesar da importância e validade do conceito de geração, essa perspectiva histórica não está em voga nas últimas décadas do século XX. Essa ideia torna-se polêmica, na historiografia literária, a partir das décadas de 1930 e 1940, principalmente. Você também poderá considerar que a abordagem historiográfica se transformou pouco a pouco e hoje já encontra novas perspectivas, apesar de muitas vezes não aceitar os mesmos conceitos. Movimento, por sua vez, é um vocábulo de contorno ainda menos definível. Ele substitui a ideia de “escola literária”, que era mais estanque e restritiva. Movimento, no entanto, sugere a ação de deslocar-se e por isso dá ideia de progresso e transformação das manifestações literárias. Pode-se dizer que é sinônimo de processo, e refere-se a um momento histórico em que algumas ideias ou valores predominaram. É similar, nesse sentido, a “tendência”. As datas não definem exatamente quando um momento aconteceu, mas sim, tornam-se pontos de referência. Pode-se falar então, que nos movimentos romântico, realista, modernista, entre outros, um estilo ou padrão estético domina durante um tempo. Fica claro então, que as datas de início e fim de um movimento não são exatas. Não existe, portanto uma maneira de determinar exatamente quando um estilo iniciou, e esse tipo de investigação é criticada porque busca uma verdade que, por vezes não é possível comprovar. O início de um movimento é aproximado e, por isso, esse termo é vago. Moisés (1982) critica ainda a expressão “escritores de transição”, por vezes empregada, porque os escritores não se encaixam sempre em um só desses termos e quanto maior sua obra, menor sua redutibilidade a apenas uma “escola”. Há, além disso, a diferença entre “moda” e “atitude” literária. As atitudes aconteceram desde sempre, no entanto é possível que você perceba um interesse realista em vários momentos literários. Realismo (com maiúscula), porém, relaciona-se ao movimento realista do final do século XIX. Sendo assim, a “moda” equivale ao movimento, mas diferente de “atitude”, que pode estar presente em diferentes épocas. Segundo E. M. Forster (2013), escritor e teórico, publicado em 1927 considera, que os escritores não pensam conscientemente em que “período” ou “movimento” se encontram enquanto produzem. Ele propõe uma divisão das literaturas e artes a partir de espíritos de época, e não de idiomas ou espaços geográficos. Essa noção é próxima, portanto, à de geração. 5.2 Períodos e movimentos no Brasil A obra História da literatura brasileira, publicada em 1888 por Sílvio Romero, no Brasil, é um divisor de águas. Depois desse momento reconhecido, acontecem histórias literárias mais orgânicas, com maior organização metodológica e número de autores incluídos (LAJOLO, 1993). Ainda hoje, termos como período têm uma certa plurivocidade (ou múltiplo sentido) na historiografia literária. A expressão “período romântico” é utilizada por Alfredo Bosi (2006), enquanto Massaud Moisés (1982) prefere utilizar “época romântica” em seu Dicionário de Termos Literários. Enquanto que, “movimento” é utilizado também por outros escritores, de forma quase intercambiável. As escolhas revelam que não há um só sentido para esses fundamentos ou uma dimensão maior dos conceitos na historiografia de finais do século XX. Ainda assim, indicam uma compreensão de que a divisão tradicional dessas categorias não é produtiva, porém, nem sempre fica claro ou explicitado pelos autores dessas “histórias” e pelos críticos. A separação tradicional em períodos, épocas e movimentos contribui para o trabalho do historiador e dos estudiosos de literatura em geral. Além de ser trabalhada de diversas formas, por diferentes estudiosos da literatura, o que causa confusão, abrange o problema da generalização. Com o objetivo de serem didáticos, estudiosos esquecem de vários escritores e obras, em nome das linhas divisórias que organizam a literatura “mais conhecida” ou de “maior valor” como prioritária nessa história literária. Podemos pensar que essas histórias literárias, ou a forma de organizá-las em períodos e movimentos, são pensadas a partir de ideias de quem faz a organização. Melhor dizendo, existe sempre a decisão de inserir ou não outros escritores, obras e mesmo movimentos. Dessa forma, nem sempre a alternativa de sistematização cronológica, é escolhida como a melhor. Na tentativa de ser mais amplo, ou lógico, elementos significativos sempre podem ficar de fora. A exclusão do Barroco como manifestação artística nacional, foi um caso bastante criticado pela historiografia. Existem autores que não deixam claro a forma como pensam a divisão entre as eras coloniais ou nacionais em suas histórias literárias. Segundo Bosi (2006), a colônia é um momento de grandes impactos econômicos e culturais que se arrastaram ao longo do tempo. Nesse momento, nosso país era o “outro” para a metrópole, para o colonizador, uma terra a ser ocupada e explorada. Nesse sentido, o Brasil passa a ser considerado nação, apenas quando se torna sujeito da própria história. Bosi (2006), ainda no século XVII, afirma que nossa produção retratava correntes de gosto recebidas de “segunda mão” da Europa, transformando nosso país à posição de subcolônia. Esse pesquisador diferencia também entre “condição colonial” e “ecos do barroco”, também não chama de “movimento”, o Barroco no Brasil, mas usa termos, como “estilo”. Para ele, Gregório de Matos, por exemplo, repete motivos e formas do barroquismo ibérico e italiano. Enquanto que, Aleijadinho, na segunda metade do século XVIII, já faz parte do Barroco brasileiro. Conforme a conhecida sistematização organizada por Antonio Candido (2000) e publicado originalmente em 1959, o Barroco pertence a era colonial, ainda não nacional. Candido explica também nessa obra, que a literatura brasileira é um “galho” secundário da literatura portuguesa. Para Candido (2000), é dever do crítico- historiador, portanto, considerar essa literatura e sua trajetória, desde as origens até o presente, a partir da perspectiva histórica. Ele se coloca então, na posição dos primeiros românticos e críticos estrangeiros, que enxergaram na fase arcádica a primeira literatura verdadeiramente brasileira, por causa de temas, como o Indianismo. Sua ideia é tornar esse ponto de vista em perspectiva atual, a partir da qual a literatura é expressão da realidade local e elemento na construção nacional. Analisando a literatura como sistema, o supracitado autor sugere entendê-la a partir de trêsfatores: • produção (produtor, artista), • recepção (público) e • transmissão (um mecanismo transmissor que liga uns aos outros; uma linguagem traduzida em estilos). Com esses três fatores, forma-se um sistema preparado e uma literatura nacional. No Brasil, porém, o público, em questão quantitativa, ainda era relativo, ou seja, o grupo de receptores era disperso. Na formação da literatura brasileira, na obra O sequestro do Barroco na formação da literatura brasileira: Gregório de Matos e Haroldo de Campos (1989) constata um problema na historiografia literária brasileira: a questão da origem. Critica então, a sugestão de Candido, que considera que Gregório de Matos “não existiu literariamente” (em perspectiva história) até o Romantismo. Para Campos (1989), é a definição de história que está risco, enquanto valor “formativo” na literatura. O autor defende que a história literária é homogênea, trata- se de evoluções de forma direta. O Barroco é capturado, nesse ponto de vista, porém não deveria ser. Acontece não apenas pela sequência dessa noção histórica, mas também por sua natureza comunicativa e integrativa que difere entre literatura como sistema e “manifestação literária”, fazendo com que Gregório fique fora desse sistema. Esse investigador, por fim, argumenta que o público de Gregório, mesmo reduzido, existiu e o afetou, e que sua produção era representativa de um estilo, o Barroco, transcendendo-a e consentindo restabelecer, no século XVII, um retrato da sociedade brasileira. De acordo com Marisa Lajolo (1993), Candido, em trabalhos posteriores, toma a mesma proposta com uma convicção mais latino-americana, ponderando sua reflexão sobre as ligações entre literatura, sociedade e subdesenvolvimento. Essa pesquisadora reconhece também, a importância de reproduzir a história tradicional como história alternativa, levando em consideração as tendências mais atuais, para chegar-se à conclusão de que não há uma única história literária verdadeira. 6. O MODERNO NA LITERATURA A PARTIR DO RENASCIMENTO A modernidade traz consigo características revolucionárias e transformações econômicas, sociais e culturais que rompem com a organização da Idade Média. Essas transformações estavam ligadas ao fim do feudalismo e ao início do modo de produção capitalista, bem como ao fim de uma visão de mundo que tinha na Igreja um elemento agregador e universalizado (SILVA, 2017). Aqui estamos falando de uma visão de mundo teocêntrica, ou seja, em que Deus está no centro do mundo e os ensinamentos da Bíblia têm muita força. A religião e as instituições religiosas continuaram relevantes na Idade Moderna, mas nas artes, percebe-se o questionamento e as críticas a membros do clero que não se comportavam de acordo com os preceitos da Igreja. A cosmovisão que se inicia na Idade Moderna, no Renascimento, em que se começa a enxergar o mundo sob a ótica da ciência, também relativiza o poder da Igreja. Além dessas transformações, das quais trataremos adiante, cabe mencionar outros acontecimentos importantes para as mudanças de paradigmas intelectuais, como as grandes navegações do século XV, a invenção da imprensa, o renascimento comercial e urbano e o crescimento populacional europeu. Segundo Ferla e Andrade (2007), o processo de transição do feudalismo para o capitalismo teve início a partir do século XI na Europa feudal. Com o fim das invasões bárbaras e o surgimento de novas tecnologias no campo, houve um aumento significativo na produção agrícola, que, por sua vez, possibilitou um aumento demográfico. Além disso, com as Cruzadas e suas idas ao Oriente, rotas comerciais que haviam desaparecido com o fim do Império Romano Ocidental ressurgiram, assim como novas rotas que ligavam o Ocidente ao Oriente. Com a acessibilidade a essas rotas comerciais e o excedente agrícola disponível para ser comercializado, uma revolução comercial e urbana teve lugar, com o renascimento das cidades e o surgimento de outras, bem como a retomada das atividades urbanas. Com a expansão demográfica e as inovações tecnológicas no campo, que requeriam menos mão de obra, muitas pessoas passaram a habitar as cidades, e houve grande fluxo migratório do campo para os espaços urbanos. O comércio cresceu, e com a necessidade de expansão de atividades nas cidades, surge a classe social dos burgueses, que lidavam com as atividades comerciais urbanas. A ascensão da burguesia nas cidades na baixa Idade Média levou a uma intensa movimentação comercial. Por essas razões, o sistema feudal encontrava-se em uma crise profunda no século XIV. Essa crise forçou senhores feudais e burgueses a traçarem estratégias de desenvolvimento de suas estruturas econômicas, com modificações nas relações de produção, como o surgimento dos assalariados, relação profissional própria do sistema capitalista, diversa das relações servis estabelecidas pelo sistema feudal. Outro aspecto importante na transição para a Idade Moderna foi a invenção, em 1450, da prensa tipográfica, pelo alemão Johannes Gutenberg, que permitiu a circulação da informação escrita na sociedade. Os livros tornaram- -se mais baratos e portáteis, favorecendo a leitura silenciosa e individual de qualquer pessoa que soubesse ler. Essa invenção levou à produção de livros em larga escala e houve um incremento no consumo de literatura. Segundo Zilberman (2008), surgem os primeiros best sellers no início do século XVI, cujo público eram os moradores das cidades. Isso motivou o nascimento de novos gêneros, como o romance e a narrativa de viagens, e o fortalecimento de gêneros como o romance ou novela de cavalaria. Com tantas mudanças, o ser humano passou a prestar mais atenção a si mesmo e ao mundo, em vez de buscar somente em Deus a explicação para os fenômenos naturais e humanos. Essa nova maneira de compreender o seu estar no mundo, associada à valorização da cultura da antiguidade clássica, ao embate com as verdades do mundo medieval e os dogmas da Igreja, levaram a modificações na arte, na literatura e na ciência. Esse processo é chamado de Renascimento, fazendo menção ao renascimento de valores da antiguidade clássica, e permitiu o desenvolvimento do racionalismo, ou seja, a explicação do mundo pela razão e pela observação experimental, a fim de descobrir as leis que regem a natureza. O hedonismo, ou o culto ao prazer, se fez presente a partir da ideia de que o artista pode criar uma obra apenas pelo prazer que ela lhe proporciona. Outra característica importante a ser destacada no Renascimento é o universalismo, que considera que o ser humano deve se desenvolver em todas as áreas do saber; o principal modelo de homem universal foi Leonardo da Vinci, físico, matemático, pintor e escultor, com conhecimento da biologia humana (SILVA, 2017). Sabe-se que o Renascimento teve início na Itália e depois se espalhou para outros países. Seus primórdios se deram principalmente nas cidades italianas ligadas ao comércio, como Veneza, Pisa, Gênova e Florença. Essas cidades receberam influência de artistas e sábios bizantinos, fugidos dos conflitos religiosos em Bizâncio (Constantinopla, capital do império romano do oriente), principalmente, depois da queda de Constantinopla, com a vitória dos turcos otomanos e a extinção do império. A Itália também mantinha relações comerciais com os árabes, e foi por estes influenciada. Nesse período, a corrente filosófica denominada humanismo preocupava-se com a vida humana e tinha a proposta de retornar aos conceitos da antiguidade clássica. Platão, Aristóteles, Virgílio, Sêneca, entre outros filósofos gregos e romanos, começaram a ser traduzidos, e seu pensamento disseminado (FERLA, 2007). O Renascimento, portanto, representou uma nova concepção de vida, com novas relações sociais e comportamentos, tanto no âmbito profissional quanto no pessoal, na diversão, na formade moradia. Nas obras de arte, essa nova concepção foi exaltada e difundida. A arte renascentista foi inspirada na greco-romana, primando pela harmonia e pelo equilíbrio das formas, um ideal de perfeição. Fortemente marcada pelo humanismo e antropocentrismo, valorizava os aspectos humanos, a perspectiva e a profundidade. O mecenato teve um papel importante no desenvolvimento da produção intelectual e artística do período renascentista. O mecenas era considerado um protetor que patrocinava as obras. Seu investimento era recuperado com o prestígio social obtido e com a divulgação das atividades de sua empresa ou instituição. Na Itália, a maioria dos mecenas pertencia à burguesia que enriquecera com o comércio, embora alguns nobres e eclesiásticos, até mesmo papas, também praticassem o mecenato (SILVA, 2017). Na Inglaterra, monarcas como Elizabeth I, que reinou de 1558 a 1603, e James I, de 1603 a 1625, foram grandes incentivadores das artes, especialmente do teatro e da poesia. Grandes nomes como os poetas Edmund Spenser (1553–1599) e Thomas Wyatt (1503–1542), além do poeta e dramaturgo William Shakespeare (1564–1616), foram patrocinados pela realeza. O teatro floresceu na Inglaterra naquela época, e além de Shakespeare, seus contemporâneos, como Christopher Marlowe (1564– 1593) e Ben Jonson (1572–1637), foram brilhantes representantes do drama renascentista. A literatura do Renascimento foi criada em língua vernácula, em italiano, francês, inglês, ao contrário dos textos medievais, produzidos, na maioria, em latim. Como foi um período em que se deu destaque ao indivíduo, além da poesia e do drama, biografias e ensaios foram gêneros literários importantes, além do romance e das novelas. Cabe ressaltar que a Idade Moderna se estende de 1453, como já mencionamos, ou seja, a partir do século XV, e já delineada na Itália no século XIV, até a Revolução Francesa, em 1789, ou seja, até as últimas décadas do século XVIII. Como você pode perceber, as mudanças de mentalidade das sociedades ocidentais foram gigantescas, mas não aconteceram de uma hora para outra. As condições para as mudanças tiveram início séculos antes, ainda na baixa Idade Média, por volta do século XI (SILVA, 2017). Depois do Renascimento, sobretudo nos séculos XV, XVI e XVII, e seguindo- se aos ideais e ao desenvolvimento intelectual que o marcaram, chega-se, nos séculos XVII e XVIII, ao Iluminismo, com a valorização extrema da razão, o questionamento e a investigação como formas de se chegar ao conhecimento, a crença nos direitos naturais dos seres humanos e as ideias de liberdade política e econômica defendidas pela burguesia. Os ideais iluministas, associados à Revolução Industrial e ao grande desenvolvimento da ciência e suas descobertas, abriram caminhos para a mudança política radical determinada pela Revolução Francesa. Pensemos então no conceito de moderno, que demonstra a consciência histórica de cada época. Ao compararmos esse conceito na Idade Média e na Idade Moderna, especialmente em dois momentos, no Renascimento e no Iluminismo, temos, segundo Cavalcante (2000), que na Idade Média a concepção da história era dualista, época pagã e época cristã, ou seja, o tempo presente, uma peregrinação terrena; e o tempo da salvação, no juízo final. Já os humanistas, como Petrarca e Ficcino, com a redescoberta da cultura clássica, distinguiam três momentos: o período de florescimento, que correspondia à antiguidade clássica; a fase de decadência, que correspondia ao período medieval; e o tempo presente. Ou seja, a linearidade e a perspectiva futura que caracterizavam a visão cristã do período medieval são substituídas pela noção de retorno e de visão cíclica da história, predominante no Renascimento e na sua escolha de um passado, não imediatamente anterior, que classificava como um período intermediário, mas anterior àquele, fixado na antiguidade. Moderno, no Renascimento, referia-se à revalorização da antiguidade clássica, a possibilidade de uma renovação, de um fazer de novo (CAVALCANTE, 2000). O conceito de imitação dos modelos clássicos (imitatio) fundamenta toda a criação artístico-literária até o século XVIII. Os antigos (da antiguidade clássica) serviam de modelo para os modernos (renascentistas). Não se tratava, no entanto, de se imitar, copiar, da forma como hoje entendemos o plágio. É um imitar a partir de certas convenções, ou seja, utilizar como modelo alguns elementos universais, mas tratá-los de modo diversificado, alterando formas, ritmos e recriando-os. Trata-se de uma renovação, um fazer de novo, de forma diferente. Na criação poética, por exemplo, a imitação dos antigos, não por meio da cópia literal das mesmas palavras, mas sim de sua maneira de escrita, foi imprescindível naquele momento histórico. O soneto, usado por poetas como Christopher Marlowe e William Shakespeare, foi derivado dos poetas italianos Dante (1265–1321) e Petrarca (1304– 1374). A poesia épica, como Os Lusíadas, de Luís de Camões, e a lírica, como o soneto, a canção e a ode, além dos gêneros teatrais, são recriadas a partir dos modelos anteriores (CAVALCANTE, 2000). Já no século XVIII, muda-se o foco da reflexão, e no período do Iluminismo, inspirado pelos avanços científicos e intelectuais, afirma-se a superioridade dos “modernos” em relação à antiguidade clássica. Concebe-se a história como o ciclo da vida: infância e juventude corresponderiam à Antiguidade e a maturidade corresponderia ao presente, em que se teria acumulado mais experiência. Ou seja, moderno aqui é o novo, e este é valorizado. Chega-se novamente a uma concepção linear da história, em que o presente é superior ao passado, e o futuro será ainda mais avançado do que o presente. Destacam- -se na filosofia e na literatura os pensadores Voltaire (1694–1778), Jean-Jacques Rousseau (1712–1778), Denis Diderot (1713–1784) e Jean le Rond D’Alembert (1717–1783). Os dois últimos organizaram uma enciclopédia de mais de 30 volumes apresentando os principais pensamentos da época, confiantes na razão e na capacidade libertadora do conhecimento. Entre os colaboradores da enciclopédia há outros nomes importantes para o iluminismo francês: Montesquieu, Condorcet, Voltaire, Rousseau, entre outros. Na Inglaterra, temos os empiristas David Hume (1711–1776) e Adam Smith (1723–1790), o poeta Alexander Pope, o cientista político Jeremy Benthan e o historiador Edward Gibbon. Na Itália, o historiador Gianbattista Vico, entre outros nesses e em outros países (CAVALCANTE, 2000). 6.1 Humanismo na literatura da Idade Moderna O humanismo, como já mencionado na seção anterior, é um movimento social, econômico e cultural, que modificou a visão de mundo medieval e teocêntrica, ou seja, a concepção de Deus no centro mundo, para uma visão que passou.A narrativa no período moderno a privilegiar o antropocentrismo, o ser humano no centro do mundo. Essa valorização do ser humano e de todos os assuntos que dizem respeito à sua existência significa que os conceitos de humano e de natural, ou natureza, por exemplo, passaram a ser submetidos à razão, à lógica racional, em vez das explicações religiosas e sobrenaturais próprias do teocentrismo. Trata-se de uma fase de transição entre a Idade Média e a Idade Moderna, por isso consideramos Dante Alighieri e Petrarca como humanistas, embora vivessem na era medieval (SILVA, 2017). Como você viu na primeira parte deste capítulo, essa valorização do ser humano se deveu a diversos fatores, que tiveram lugar na Europa desde o século XI, intensificando o comércio e o contato com culturas do oriente. Dois fatores que merecem destaque são as grandes navegações, que permitiram às pessoas conhecer novas regiões e culturas, e a invenção da imprensa por Gutemberg, que democratizou o acesso aos livros, que se tornaram mais baratos e disseminaram o conhecimento que antesse concentrava nos mosteiros e na Igreja. O processo de produção de textos na Idade Média era lento e trabalhoso, pois, para que os manuscritos fossem reproduzidos, os monges copistas reescreviam palavra por palavra, além de desenhos e gravuras. Paulatinamente, a visão religiosa começou a perder a força na sociedade europeia ocidental, e, consequentemente, na literatura, e a concepção do ser humano como foco de interesse na representação literária foi fortalecida. As produções em prosa, como as crônicas históricas e as novelas de cavalaria, o teatro, bem como a produção poética, por meio da poesia palaciana, se destacaram nos séculos XV e XVI. Esse movimento de valorização do ser humano ficou conhecido como humanismo, e suas características são o antropocentrismo, como já mencionado, o racionalismo, que focaliza a produção de conhecimento sobre o ser humano e a natureza a partir do raciocínio e da lógica, e o cientificismo, que coloca a ciência em destaque e busca entender os fenômenos naturais (SILVA, 2017). Naquele momento histórico, que chamamos de Renascimento, pelo interesse reavivado na antiguidade greco-romana, os autores estudavam os textos da antiguidade clássica para usá-los como modelo, e os primeiros poetas humanistas foram os italianos Francesco Petrarca (1304–1374), Giovanni Boccaccio (1313–1375) e Dante Alighieri (1265–1321). Esses poetas foram homens medievais com obras consideradas renascentistas, pois associavam elementos religiosos medievais a outros que enalteciam a cultura clássica. Mais tarde, em plena Renascença na Europa, podemos destacar autores humanistas emblemáticos, como o teólogo e filósofo holandês Erasmo de Roterdã (1466–1536), autor de Elogio da Loucura e Manual do Cavaleiro Cristão, entre outras obras; o escritor e filósofo inglês Thomas More (1478–1535), autor de Utopia, Tratado sobre a Paixão de Cristo e Súplica das Almas, e o escritor e filósofo francês, Michel de Montaigne (1533–1592), autor de Ensaios, obra em três volumes (SILVA, 2017). Em Portugal, o início do humanismo teve como marco a nomeação de Fernão Lopes (1385–1459) como cronista do reino, cronista-mor da Torre do Tombo, em 1434. Ele foi o fundador da historiografia portuguesa ao escrever a história dos reis de Portugal, com as obras: Crônica de El-Rei D. Pedro I, Crônica de El-Rei D. Fernando e Crônica de El-Rei D. João I. Naquele momento, Portugal colhia os dividendos de suas explorações ultramarinas e os descobrimentos, e à corte interessavam os relatos e registros desses fatos, de grande importância para a nação. Além da crônica histórica, a poesia palaciana e o teatro foram os gêneros mais recorrentes naquele período. Na poesia palaciana, que tinha por intuito entreter os nobres, os temas eram religiosos, amorosos e satíricos. Diferentemente da canção popular que a precedeu, não foi criada para ser cantada. Separa-se nesse momento a poesia da música. O maior representante dessa poesia foi Garcia de Resende (1470–1536), que também escrevia crônicas históricas (FERNANDES, 2010). Em 1516, Resende publicou a obra Cancioneiro Geral, compilação de cerca de mil poemas desse gênero, de diversos autores, reunidos desde 1449 até a data de publicação. Esse tipo de poesia inovou nos aspectos formais, ao usar a redondilha maior (versos com sete sílabas poéticas), que conferia mais ritmo ao poema, em detrimento da redondilha menor (versos com cinco sílabas poéticas). Fernandes (2010, p. 49–50) destaca as qualidades da compilação e como a obra se mostra instigante para os leitores: Visto em seu conjunto, o Cancioneiro Geral tem sido considerado, injustamente, um repositório da mesmice. O amor cortês tem ainda a mesma essência daquilo que foi exaltado pela poesia trovadoresca galego- portuguesa; contudo, esse tema avança e, tomando por base o culto do amor como cantado por Dante e Petrarca, dá os primeiros sinais da sensualidade que iria ser mais largamente explorada no Renascimento. Continuam cultivadas as sátiras de maldizer e de escárnio, agora sob nova nomenclatura, as “cousas de folgar”, nas palavras de Garcia de Resende. Desenvolvendo novas possibilidades métricas, e à exaustão, esse florilégio de poemas cativa qualquer leitor que, instigado pelas novas possibilidades de leitura da obra, descobre em cada poeta a exploração de temas e formas tradicionais ou inovadoras.(FENANDES, 2010) Cabe lembrar, a respeito dos textos em prosa, que as novelas de cavalaria, obras produzidas desde a Idade Média, continuaram a ser muito apreciadas e publicadas em Portugal e na Espanha nos séculos XV, XVI e mais à frente, até o século XVIII. No entanto, já nos séculos XVI e XVII, Miguel de Cervantes fazia paródia e crítica àquelas novelas, em sua obra Dom Quixote (1605). No início do teatro português, o nome maior é o do dramaturgo Gil Vicente (1465–1537), na transição entre o teatro medieval e renascentista, que escreveu autos, ou moralidades, obras com a finalidade de divertir, instruir e difundir a fé católica, além de comédias e farsas, em castelhano e em português. Em seus autos, incluiu na sua galeria de personagens-tipo, também personagens alegóricos como anjos e demônios, enquanto em suas farsas focalizava os costumes da sociedade portuguesa da época em que viveu (ZILBERMAN , 2008). Os personagens-tipo são aqueles que representam o grupo social a que pertencem, como um sapateiro, um fidalgo, um frade. Os personagens alegóricos representam a ideia que seu nome sugere, como vícios e virtudes, a Igreja, a Fama, o Bem, o Mal, Todo Mundo, Ninguém, e assim por diante. Em seu Auto da Barca do Inferno (1517), por exemplo, apresenta vícios e defeitos dos personagens após a morte, usando o humor para fazer o julgamento dos tipos sociais. O dramaturgo mostra a oposição entre inferno e paraíso por meio de uma representação cômica do juízo final. O auto buscava um efeito didático-moralizante, já que o público reconhecia os vícios expostos no texto, e, provocando o riso, também denunciava a hipocrisia e a corrupção da sociedade. Suas obras eram muito apreciadas e populares, pois ele escreveu em verso, sob as formas de redondilhas maior e menor, em português arcaico, tornando as peças próximas à poesia trovadoresca e à fala popular. Os personagens-tipo também eram bem conhecidos do público, como a alcoviteira (fofoqueira), a mulher adúltera, o marido enganado. O teatro vicentino satirizou o povo, o clero e a nobreza (ZILBERMAN, 2008). 7. PAPEL DA MULHER NA PRODUÇÃO DE CULTURA No atual momento do mundo, refletindo, principalmente, a possibilidade da acelerada troca de informações de forma global e em rede, além do desenvolvimento econômico, social e político das sociedades, mais vozes começaram a ser ouvidas e respeitadas, conquistando aos poucos o direito de serem escutadas e atendidas quanto às suas demandas. São diferentes grupos que, historicamente, precisaram (e precisam) lutar por direitos iguais, respeito, acesso aos mesmos recursos, valorização, políticas igualitárias, etc. Nesse cenário, temos a mulher lutando por ter os mesmos direitos, por ser respeitada e por ser valorizada por suas produções, inclusive no campo da cultura, da arte e da literatura (ALMEIDA, 2017). No mundo do trabalho, não faz muito tempo que muitas profissões eram consideradas masculinas (muitas mentes ainda pensam assim), sem oferecer espaço para as mulheres: sua ocupação nesses lugares era limitada ou representava uma forma de resistência (acessar esses espaços era ir contra), uma exceção, que, muitas vezes, era malvista. Foi (e ainda é) necessária muita luta para estar em todos os espaços de modo igualitário, no sentido de se ter obrigações e deveres, mas também direitos e reconhecimento. E esses direitos devem ser garantidos por políticas que também ampliem o acesso aos meios de produção, difusão e da própria produção cultural, tendocomo objetivo geral a construção de uma cultura igualitária e mais justa. Essa trajetória de lutas e conquistas vem sendo traçada há muito tempo, como nas revoluções dos séculos XIX e XX, que representam importantes espaços para que a voz da mulher passasse a ser ouvida de maneira diferente, ainda que tenham sido necessários muita violência e sangue, visto não terem sido movimentos pacíficos. Contudo, mesmo nesse processo, percebe-se que ao mesmo tempo que há muita conquista, existe retrocesso, se considerarmos a expansão do pensamento capitalista e das exigências da força de trabalho (ALMEIDA,2017). Para as mulheres, acentuou-se o grau de exploração, uma vez que são sobrecarregadas com múltiplas jornadas e, mais agravante ainda, submetidas a uma desigualdade no processo de distribuição de renda — os salários de homens e mulheres, a despeito da luta, ainda são desiguais. Estas ainda são as marcas deixadas pela Revolução Francesa, a partir de uma cultura patriarcal em que as mulheres seguem, como outros grupos, sendo submetidas a diferentes formas de discriminação. Contudo, quanto mais falarmos sobre esses temas, mais ouvidas e valorizadas serão as mulheres. Assim, trataremos do espaço de produção da cultura e do papel da mulher em suas importantes contribuições para o campo. As diferentes manifestações artísticas e a cultura, em geral, estão diretamente relacionadas à história social de cada um dos territórios. Considere, por exemplo, países exploradores e outros explorados e pense de que maneira essa dinâmica construída historicamente impacta na produção cultural de cada país (RIBEIRO, 2010). O Brasil, como colônia de Portugal, por muito tempo teve sua produção submetida às amarras de seu colonizador. Foi necessária uma revolução cultural para que a produção nacional fosse produzida e valorizada tanto quanto o que se produzia na Europa. Agora, tenha em conta, nessa perspectiva, o protagonismo da mulher na cultura, que também se constitui um espaço de luta para seu reconhecimento como agentes da cultura. É importante destacar que, no Brasil, há um agravante quando falamos de políticas culturais. De acordo com Rubim (2007 apud ALMEIDA; CEREDA, 2017), Mário de Andrade foi um dos principais nomes a defender e estruturar políticas voltadas para o fomento da cultura no país. Ao passar pelo Departamento de Cultura da Prefeitura da cidade de São Paulo, no período entre 1935 e 1938, e, também, com a implantação do Ministério da Educação e Saúde, em 1930, tivemos a demarcação da etapa de inauguração das políticas culturais no país. No entanto, nesse processo, podemos identificar três tradições significativas: ausência, autoritarismo e instabilidade. Embora Mário de Andrade tenha se esforçado por reforçar o cenário cultural brasileiro destacando a importância da cultura como direito de todos e todas, dedicando-se à criação de políticas culturais no país, em um processo de luta para que estas fossem ampliadas, identificamos que as políticas culturais não eram adequadamente valorizadas. Então, pensando em políticas culturais voltadas para mulheres, encontramos mais um abismo: políticas com ênfase na produção cultural feminina passaram ganhar vida apenas a partir do estabelecimento do Plano Nacional de Políticas para as Mulheres (PNPM), de 2013 a 2015 (ALMEIDA; CEREDA, 2017). Como um direito de todos e de todas, e a partir da necessidade de políticas voltadas ao tema, a cultura deve ser: [...] democrática, promover a visibilidade da contribuição das mulheres na cultura, garantindo o acesso feminino aos conteúdos e meios de produção cultural. Entre outras, promover, valorizar e estimular a participação e produção cultural das mulheres brasileiras. O MinC (Ministério da Cultura) é um dos órgãos responsáveis, junto com a SPM (Secretaria de Promoção de Políticas para as Mulheres) e outros, para colocar em pratica as ações, do segmento cultural, propostas pelo PNPM 2013 – 2015 (ALMEIDA; CEREDA, 2017, p. 150) Entre as contribuições das mulheres, há produções cinematográficas, produções literárias, artísticas, etc., importantes manifestações culturais, que, para ganharem visibilidade, ainda precisam de luta por reconhecimento. Para Ribeiro ([2010], documento on-line): [...] a mulher de hoje tem uma maior autonomia, liberdade de expressão, bem como emancipou seu corpo, suas ideias e posicionamentos outrora sufocados. Em outras palavras, a mulher do século XXI deixou de ser coadjuvante para assumir um lugar diferente na sociedade, com novas liberdades, possibilidades e responsabilidades, dando voz ativa a seu senso crítico. (RIBEIRO, 2010) Inseridas nesses contextos de luta, destacamos que é no final do século XIX que uma série de mulheres criadoras desafiou as convenções impostas pela sociedade, que considerava que a mulher deveria manter-se em posição de contemplação, e não de criação. São pintoras, escritoras, arquitetas, musicistas, escultoras, atrizes, entre outras, que demonstram a importância do papel da mulher como agente de criação cultural (ALÓS,2008). 7.1 Produções literárias femininas O panorama descrito possibilita entender sobre a maneira como a mulher foi conquistando o seu espaço como agente produtora de cultura. Vale ressaltar que, antigamente, as mulheres eram alfabetizadas apenas para fins específicos, como etiqueta e afazeres domésticos. Muitos livros, inclusive, não eram permitidos para elas. Então, se a autonomia sobre os seus direitos não era ampla, imagine a possibilidade de criar e de escrever sobre diferentes temas? Como desejar ser escritora em um contexto de mundo opressor? Tornar-se escritora já era uma luta e ganhar visibilidade pelos seus escritos, outra muito maior. Aliás, muitas escritoras tiveram as suas obras assinadas por homens. Na literatura brasileira, contamos com importantes nomes e significativas contribuições de autoras mulheres, como: • Clarice Lispector; • Lygia Fagundes Telles; • Hilda Hilst; • Elisabeth Rennó; • Conceição Evaristo. Lygia Fagundes Telles, por exemplo, foi a primeira mulher a ser indicada ao Prêmio Nobel de Literatura, tendo recebido, pelo conjunto de sua obra, o Prêmio Camões. A partir das contribuições de diferentes pesquisas, tem-se promovido um resgate das escritoras brasileiras (ALÓS,2008). A partir de agora, vamos conhecer alguns nomes de escritoras mulheres e suas contribuições. Júlia Lopes de Almeida (1862–1934), uma das mais reconhecidas escritoras do século XIX, faz parte do grupo de escritores oitocentistas do Brasil, uma, entre tantas, que também foi esquecida pela história e pela crítica de literatura produzida na época. Seu primeiro romance, “Memórias de Marta”, de acordo com Alós (2008, p. 691): [...] publicado pela primeira vez como folhetim no jornal Tribuna Liberal do Rio de Janeiro, entre 1888 e 1889, e apenas dez anos depois, em 1899, em forma de livro, pela Editora Casa Durski, de Sorocaba, é uma obra que apresenta traços bastante significativos do período real-naturalista; em especial, a predominância do determinismo do meio, embora um tanto quanto suavizada pela ótica feminina. (ALÓS, 2008). Interessante destacar que a narrativa proposta pela autora nesse livro é construída a partir da ambientação em um cortiço, ou seja, sua produção antecedeu “O cortiço”, de Aluísio de Azevedo, embora tenha sido o último considerado o primeiro romance a “[...] estruturar um cortiço como espaço narrativo” (ALÓS, 2018, p. 691– 692). Esse é apenas um exemplo das situações que a produção literária feminina é subjugada, já que mesmo sendo antecessora desse grande clássico da literatura brasileira, não é citada por muitos manuais de literatura, sendo até mesmo desconhecida por muitos leitores. O primeiro livro de poesias de Francisca Júlia (1871–1920), poeta e crítica literária, foi publicado em 1895, intitulado “Mármores”.É relevante citar que poucos historiadores da literatura citam a autora como crítica literária e pouco se divulga de sua obra, que contribuiu com o parnasianismo. Em seu livro “Esfinges”, os escritos tendem para o simbolismo, uma vez que a autora produz uma série de sonetos místicos. Auta de Souza (1876–1901), também poeta brasileira, contribui com o simbolismo, cuja produção pode ser observada como a de Cruz e Souza, já que tratava do espiritualismo (ALÓS,2008). Em “Horto”, a autora aborda a paz advinda da conformação cristã, em um ambiente bucólico, com uma narrativa recheada de diferentes emoções. Em resumo, Auta de Souza apresenta em seus escritos traços de um romantismo em declínio e um simbolismo em ascensão. Ainda como oitocentistas relevantes, temos Maria Benedita Câmara Bormann e Andradina América Andrade de Oliveira. A frente do seu tempo, Maria Benedita Câmara Bormann (1853–1895), mesmo com uma educação burguesa, passou a observar os conflitos vivenciados pelas mulheres do período, entendendo que eram as condições históricas, sociais e culturais que os geravam e que dificultavam a possibilidade da mulher de se realizar como indivíduo a partir de suas escolhas pessoais. A mulher desse tempo precisava cumprir com o seu papel social, situação na qual o afastamento e a resistência se tornavam difíceis. Por isso, em seus romances, como “Milady e Lésbia”, a autora trata de questões dessa época criando suas personagens femininas em um período realista-naturalista da literatura. Celeste, narra a trajetória de uma mulher na descoberta sobre o seu papel diante da sociedade e da família, ideias avançadas para uma narrativa construída no final do século XIX (ALMEIDA,2017). Andradina América Andrade de Oliveira (1978–1935), jornalista e escritora gaúcha, promoveu um enfrentamento dos papéis impostos pela condição de ser mulher. Com uma visão progressista, tratou de temas polêmicos para a época, como o divórcio. Em seu principal romance, de 1910 e intitulado “O perdão”, a personagem tem um amor considerado proibido e sofre as consequências por suas escolhas. Na narrativa, são construídas personagens femininas que representam as mulheres da época e as situações a que eram submetidas pela imposição do período. Estes são apenas alguns nomes de mulheres que marcaram o cenário literário brasileiro, mas que ainda precisam de visibilidade, como tantas outras. Na literatura, a mulher desempenha o papel de construir narrativas que apresentam as relações sociais e traçam leituras dos costumes de suas épocas, da mesma maneira que os autores homens o fizeram. Contudo, além de seus escritos, elas contribuem para a conquista do espaço da mulher e o avanço nas lutas de direitos e de igualdade de tratamento em todos os aspectos da vida. Na literatura, na história da literatura e na crítica literária, trata-se de nomes importantes que influenciaram correntes e tendências de suas épocas (ALÓS,2008). 7.2 História da Dramaturgia Feminina Registros das primeiras produções teatrais femininas mostram que as dramaturgas de hoje resistiram ao tempo porque viveram em uma época em que as mulheres tinham pouca ou nenhuma participação cultural. Por exemplo, na Grécia antiga, que foi o berço do teatro ocidental, não há notícias sobre apresentações femininas no teatro, porque então as mulheres não podiam atuar no palco (o que acontecia com os "mimods" nas apresentações de rua). que também teve atores). Freqüentemente, eles não tinham permissão nem para assistir às peças, como era especialmente o caso das comédias. 7.2.1 Idade Média: Rosvita de Gandersheim Mesmo antes dessa situação social, uma mulher questionava aqueles pactos: Rosvita (ou Hrotsvitha) de Gandersheim, que teria vivido entre 935 e 973, época em que as mulheres eram culpadas por todos os males do mundo. a idade média Ela era uma freira beneditina e vivia no mosteiro de Gandersheim, na Alemanha, que era considerado “[...] um “mosteiro livre”, ou seja, um mosteiro que era nomeado diretamente pelo rei, cunhava dinheiro e era um importante centro cultural. (VASQUES, 2008, documento online).Rosvita de Gandersheim escreveu seis peças, embora vivesse sob o domínio da igreja, que tentava aumentar sua influência e impedia manifestações artísticas como o teatro, arte que os padres da tempo entendeu que ele se refere a atividades pagãs. Segundo Vasques (2008, documento online), o dramaturgo foi o primeiro entre os dramaturgos cristãos que "[...] para fins de exaltação religiosa... Diz-se que uma das suas obras foi encomendada por uma abadessa e era de natureza hagiográfica, ou seja, uma obra que conta a vida de um santo, senão as suas obras em geral. A obra encomendada pela abadessa está dividida em três partes a partir de um manuscrito encontrado no século XV na biblioteca de Gandersheim e publicado em 1501. O manuscrito foi dividido em poemas, prosa e seis peças teatrais. A mais famosa de suas obras, toda escrita em latim, foi Sapientia (Sabedoria), que conta a lendária história de Santa Sofia e o martírio de suas três filhas, Fé (Pistis), Esperança (Elpis) e Caridade (Ágape). O pesquisador Martins (2011) observa em sua análise da obra de Rosvita que o dramaturgo inclui em seu texto aspectos que a caracterizam como teatro, embora não haja referências pitorescas ao momento histórico atual nos textos teatrais atuais. O autor dá, por exemplo, a divisão em cenas (nove cenas), que se iniciam com a chegada de novos personagens ou uma mudança significativa na ação e no diálogo. O pioneirismo de Aphra Behn Depois de Rosvita, durou até o século XVII que outras dramaturgas começaram a aparecer muito raramente. Entre elas está Aphra Behn, que se tornou um marco literário ao ser considerada a primeira escritora profissional da história da Inglaterra. Após a morte de seu marido, Aphra Behn encontra uma maneira de ganhar a vida com seu trabalho por meio de seus escritos. Então o rei Carlos II, após a restauração da monarquia, o rei da Inglaterra, decidiu reformar o teatro inglês e abri-lo para as apresentações de mulheres, que até então, como você viu antes, estavam excluídas dessa atuação artística. O dramaturgo escreveu sua primeira peça em 1670, centrada em comédias cujas tramas "[...] giravam em torno de casamentos forçados. Suas personagens principais eram mulheres fortes e independentes que podiam tomar suas próprias decisões. Essas personagens sempre estiveram em conflito com a sociedade machista da Restauração [...]" (ROCHA, 2007, p. 2). Sua peça mais famosa foi O Vagabundo, ou Os Cavaleiros Banidos, ainda não traduzida para o português. 8 POR QUE ADAPTAR UM TEXTO LITERÁRIO CLÁSSICO? O livro Os Lusíadas, de Luís de Camões, figura como um dos maiores clássicos da literatura em língua portuguesa. Trata-se de um poema épico de louvação aos feitos portugueses no Renascimento, época em que as grandes navegações mudaram as relações políticas e culturais das sociedades pelo mundo. Nesse sentido, existem inúmeros motivos para que continuemos a ler essa importante obra de Camões, como as características históricas do século XVI reveladas pelas estrofes, a engenhosidade estética dos versos em decassílabos, a ideia de Novo Mundo que se abria para os “descobridores” e a importância dos aspectos mitológicos para a literatura classicista. Contudo, aproximar o autor dos leitores infantojuvenis não representa uma tarefa fácil, já que a linguagem e parte da temática (no Canto X, por exemplo, na “Ilha dos Amores”, as ninfas dão prazeres carnais aos navegadores) apresentam-se como obstáculos ao ensino em sala de aula (BROWN, 2013). Assim, sendo as aulas o principal espaço de iniciação e de formação de novos leitores, como apresentá-los a um texto tão distante? Como promover a leitura desde cedo? Como dar espaço a textos clássicos em meio a tantas produções atuais que não apresentamdificuldades de linguagem, por exemplo? Como afirma Calvino (1993, p. 11), “um clássico é um livro que nunca terminou de dizer aquilo que tinha para dizer”. Em outras palavras, trata-se de textos que jamais morrem ou têm seus assuntos esgotados, pois são ressignificados e redescobertos ao longo dos tempos, visto elucidarem questões universais. Não é necessário ter vivido em 1572, em Portugal, para colocar-se no lugar dos navegadores de Vasco da Gama e também se sentir com medo do desconhecido. De fato, as leituras da juventude podem ser pouco profícuas pela impaciência, distração, inexperiência das instruções para o uso, inexperiência da vida. Podem ser (talvez ao mesmo tempo) formativas no sentido de que dão uma forma às experiências futuras, fornecendo modelos, recipientes, termos de comparação, esquemas de classificação, escalas de valores, paradigmas de beleza: todas, coisas que continuam a valer mesmo que nos recordemos pouco ou nada do livro lido na juventude. Relendo o livro na idade madura, acontece reencontrar aquelas constantes que já fazem parte de nossos mecanismos interiores e cuja origem havíamos esquecido. Existe uma força particular da obra que consegue fazer-se esquecer enquanto tal, mas que deixa sua semente. A definição que dela podemos dar então será: Os clássicos são livros que exercem uma influência particular quando se impõem como inesquecíveis e também quando se ocultam nas dobras da memória, mimetizando-se como inconsciente coletivo ou individual. (CALVINO, 1993, p. 10). Calvino ainda aponta que as leituras dos clássicos na juventude poderiam ser pouco proveitosas, não fossem elas “formativas”. O que ele quer dizer com isso? Mesmo que o jovem não se lembre do enredo do clássico lido, ainda assim ficará com a “semente” dessa leitura: as “forças particulares” descritas pelo autor não são apenas pessoais, não marcam apenas o sujeito em sua individualidade, mas também fazem parte de todo um “inconsciente coletivo”, de construção de valores sociais. Portanto, ensinar a leitura de textos clássicos deve ser objetivo da escola desde cedo. Nesse sentido, Carvalho (2006) explica a importância dos estudos de adaptação literária, caminho menos pesquisado pelos estudos literários: Ao se deixar à margem a adaptação literária como objeto de estudo, com certeza, estar-se-á marginalizando do ponto de vista histórico um dos eixos da história da literatura infantil; do ponto de vista teórico, o conhecimento de como se processa uma das formas de criação literária para crianças e jovens; e do ponto de vista crítico, deixar-se-á de avaliar essa produção que está inserida na formação de novos leitores e de verificar a sua validade (CARVALHO, 2006, p. 13). Para o autor, os estudos de adaptação literária têm importância histórica, teórica e crítica, possibilitando usar as melhores estratégias estéticas e linguísticas para o texto que será adaptado à criança ou ao jovem. Além disso, pode-se, por meio deles, entender a literatura infantil horizontalmente, em seu continuum histórico, facilitando a análise da validade dessas obras e do impacto dos textos adaptados na formação de novos leitores. Brown (2013), em sua pesquisa sobre as adaptações do conto “Bola de sebo”, de Guy de Maupassant, lista alguns argumentos a favor da adaptação literária: • o acesso a tais obras não toma o lugar dos originais, mas possibilita o conhecimento por parte da juventude dos bens de cultura, estimulando-os à aquisição das obras autênticas; • alguns dos adaptadores das obras literárias são escritores do grupo culto, consagrados pela crítica literária, como Paulo Mendes Campos, Rubem Braga, Carlos Heitor Cony, Tatiana Belinsky, o que contribui decisivamente para a captação do sentido original da obra; • a leitura dessas obras possibilitaria a sensibilização do jovem da atualidade para o mundo que não aparece nos meios de comunicação de massa, ou, se o faz na forma de filme, no mais das vezes ocorre bastante distorcido; • a popularização dos clássicos, mesmo por meio das formas adaptadas, permite uma recuperação histórico-literária que, de outra forma, se perderia nos ciclos restritos da intelectualidade. 8.1 Poder de difusão da adaptação literária É comum que os novos leitores não partilhem dos conhecimentos historicamente necessários para compreender parte dos clássicos. Ao finalizar a leitura de Lucíola (1862), de José de Alencar, o jovem poderia encontrar dificuldades para entender o contexto geral: por exemplo, por que o amor de Paulo e Lúcia não pode ter uma solução menos trágica do que a morte da protagonista? Nesses casos, questões sociais, econômicas e políticas normalmente precisam ser apresentadas pelo professor ou por um facilitador de leitura. A adaptação literária possibilita que isso seja feito de maneira menos dependente, propiciando ao leitor uma experiência de leitura mais autônoma. Quando esse jovem leitor inexperiente entra em contato com uma obra adaptada, pode desenvolver interpretações próprias, diretamente ligadas à sua visão de mundo, a seu tempo ou aos conhecimentos prévios e a outras leituras e vivências de que já dispõe. Adaptar consiste em uma atualização de discurso, ou seja, adequar um texto ou uma obra de arte às peculiaridades e características do discurso em voga na época a que pertencem, englobando elementos midiáticos, sociais, econômicos, políticos e os discursos intrínsecos a esses. É um “texto derivado”, resultante de um “texto primário”, original, no qual se baseia, e a partir de uma transformação neste se constitui (NERES; LACERDA, 2018, p. 4). Os leitores iniciantes são privilegiados ao entrarem em contato com o texto adaptado: de um lado, podem, de modo independente, ressignificar a própria realidade a partir das discussões trazidas no texto, e, de outro, se colocar em outro espaço e em outro tempo. Ler é viajar — para dentro de si e para dentro de outras realidades —, o que pode e deve ser feito dentro da escola. Existem numerosas adaptações infantojuvenis para as obras de autores considerados clássicos, como Clarice Lispector, Júlio Verne e Daniel Defoe, sem a necessidade (nem recomendamos) de isso acontecer apenas na vida adulta. São inúmeros diálogos possíveis desde cedo a partir dos textos formadores dos grandes autores clássicos. É importante reforçar que não é somente por uma questão de linguagem que textos literários são adaptados. Inúmeras fábulas, narrativas orais, medievais, novelas e textos eruditos descrevem um mundo muitas vezes considerado hediondo ou violento para as novas realidades. E, como as questões morais são naturalmente transformadas através dos tempos pela sociedade, a adaptação literária se mostra necessária para que crianças e jovens tenham acesso às discussões desses textos permanentes na cultura. Não é necessário que essa primeira leitura seja um mergulho nos textos originais. Talvez seja até desejável que não o seja, dependendo da idade e da maturidade do leitor. Mas creio que o que se deve propiciar é a oportunidade de um primeiro encontro. Na esperança de que possa ser sedutor, atraente, tentador. E que possa redundar na construção de uma lembrança (mesmo vaga) que fique por toda a vida. Mais ainda: na torcida para que, dessa forma, possa equivaler a um convite para a posterior exploração de um território muito rico, já então na fase das leituras por conta própria (MACHADO, 2002, p. 12-13). Uma boa adaptação infanto juvenil, portanto, deve ressignificar o texto original, atenuando a violência e preservando a criança frente a assuntos ainda inapropriados para a idade, além de adaptá-lo para a nova realidade social. Seu objetivo consiste em manter a tradição literária viva e, mais do que isso, apresentar textos fundamentais ao leitor — foco principal da adaptação —, possibilitando um diálogo entre a obra e o leitor, mesmo com séculos dedistanciamento. Porém, existe também uma grande discussão quanto à qualidade das obras adaptadas. Segundo Formiga (2009), a adaptação não é sinônimo de mutilação: para ela, muitos leitores maduros só “chegaram ao texto integral do clássico, graças ao contato inicial com outros referentes, [...] a exemplo de filmes, desenhos animados, histórias em quadrinhos, séries de televisão, e de muitos gêneros que atualmente circulam na web” (FORMIGA, 2009, p. 126). Assim como acreditava Calvino, para Formiga (2009), o encontro com o clássico na infância não deveria ser único, definitivo, visto que por se tratar de textos do “inconsciente coletivo” da sociedade, podem e devem ser retomados em outros momentos da vida do sujeito. Para a autora, então, não caberiam qualificações negativas ao fato de uma obra em questão ser adaptada. A adaptação não seria um texto “menor”, “infiel” ou “marginal”; ao contrário, estaria na mesma condição da obra literária que o inspirou. Reconhecemos a sua aceitabilidade mediante a inscrição explícita como tal, justificada em função do público a quem se destina. Acreditamos que a adaptação não pode substituir o texto integral; na verdade, ela atua como uma introdução, pois apresenta a obra aos leitores ainda claudicantes, pouco familiarizados com a literatura, representando o papel de desvelar ao leitor iniciante os textos que fazem parte do acervo literário universal. Por conseguinte, ela tem o mérito de ser lida, efetivamente, por um contingente de leitores, que não a rejeita, como ocorre nos casos de obras mais exigentes em sua proposta estética. Nesse sentido, a adaptação pode assegurar a leitura da obra pelos leitores em formação, sem comprometer as exigências próprias do mundo da arte, sendo possível a conciliação entre a qualidade literária e a possibilidade efetiva de leitura das obras (FORMIGA; INÁCIO, 2011, documento on-line). Segundo Formiga (2009), a leitura das adaptações ainda guarda o benefício de permitir que o leitor iniciante não precise se preocupar com os aspectos estéticos do texto clássico, com as propostas artísticas do autor ou a beleza da obra de arte. Em um primeiro momento, o leitor deveria aproveitar o prazer do texto, estar em contato direto com ele. Essa seria uma forma de garantir que crianças e jovens realmente despertem para as leituras, desenvolvam a fruição no início de sua formação como leitores, sem ficar restritos aos resumos e às fichas de leitura, como é comum acontecer na adolescência, na preparação para o vestibular. Nesse sentido, a ideia é de que, mais maduros, na fase adulta, teriam experiência o suficiente para a efetiva apreciação do clássico em seu texto integral. 8.2 Adaptações da literatura para os gêneros visuais A adaptação literal ocorre em muitos ambientes da vida, não apenas na escola. Embora o primeiro ponto de contato para obras literárias seja geralmente a escola, existem muitos exemplos de adaptações voltadas para adultos. Nesse caso, a obra pode não sofrer facilitação linguística, mas é transformada em uma nova forma ou adequada a um novo gênero As adaptações mais comuns no universo literário são os gêneros visuais. No Brasil, onde quase 100 mil habitantes têm televisão, a novela encontra lugar na maioria dos lares, onde Jorge Amado é um dos autores com textos mais recriados: apenas obras adaptadas do romance Gabriela, kadro y cinamo (1958). são analisadas, são três novelas. O primeiro filme, produzido pela TV Tup em 1960, foi adaptado por Zora Selja e teve Janete Vollu como Gabriela. Em 1975, a Rede Globo de Televisão também adaptou o clássico de Walter George Durst, talvez a obra mais famosa, estrelado por Sônia Braga. Em 2012, Walcyr Carrasco adaptou o texto de Gabriela Cravo e Canela, desta vez protagonizado por Juliana Paes. Percebe-se que os novos contextos da sociedade influenciam nas adaptações (novos hábitos ou novas tecnologias de imagem e som), pois caso contrário as obras de 1975 e 2012 não seriam necessárias. A clássica trilogia O Senhor dos Anéis do autor britânico J. R. R. Tolkien foi publicada em 1944-1945. Embora seja uma grande obra descritiva, sendo um longo texto em três partes, seu sucesso é inegável. A aventura de Frodo Bolseiro já foi adaptada para televisão e teatro, mas as mais famosas são feitas para o cinema: três filmes de mesmo nome em 2001, 2002 e 2003, dirigidos por Peter Jackson e estrelados por Elijah Wood e Sean. Astin atores principais ganharam, por exemplo, 17 dos 30 Oscars a que concorreram. Pode-se imaginar que uma parte significativa do público se interessou pelos livros depois de ver o filme, então o filme não ajudaria a formar novos leitores dessa forma? Além disso, filmes, novelas ou séries podem interessar o jovem por outros escritores ou histórias sobre o mesmo assunto, o que significa que as adaptações podem abrir portas para as mais diversas descobertas. Por exemplo, a escritora canadense Margaret Atwood escreveu a história distópica "The Handmaid's Tale" em 1985, que foi adaptada ao longo dos anos em um filme americano-alemão dirigido por Volker Schlöndorff (1990 Declining Species), uma série de TV dirigida por Bruce Miller. (2017) e uma história em quadrinhos com arte de Renée Nault (2019). A história é sobre como um regime teocrático cristão chega ao poder nos Estados Unidos e cria um governo fundamentalista que oprime seus cidadãos, especialmente as mulheres. Por exemplo, ao assistir a uma série de TV, você pode ficar curioso sobre os aspectos distópicos da trama e se interessar por outros clássicos da área, como o famoso Admirável Mundo Novo (1932), Aldous Huxley, 1984 (1949), George Orwell e Fahrenheit 451 (1953), Ray Bradbury, ou histórias contemporâneas como The Hunger Games (2008-2010), Suzanne Collins. Segundo Rodrigues e Zaninelli (2009, p. 45), que analisam as diferenças linguísticas e de leitura entre os campos da literatura e do cinema, “[...] enquanto o texto literário tem dificuldade de encontrar leitores nas escolas, o cinema textual aparece como um texto rico e plural que pode combinar vários idiomas e apelar para muitos estudantes." Os pesquisadores lembram que os novos alunos, muitas vezes ao contrário de seus professores, nasceram em contato com um ambiente virtual e tecnológico. Para eles, texto e imagem não podem ser colocados em lugares opostos, pois esses códigos costumam dialogar. Nesse sentido, os autores destacam a importância da “alfabetização visual” no ambiente escolar, onde a tarefa da escola é promover não só a disponibilização de filmes, mas também as inúmeras oportunidades de leitura dos mesmos. No entanto, algumas perguntas permanecem: como você se interessa por um trabalho por simples curiosidade? Se alguns acadêmicos defendem a leitura como motivação em vez de educação, o cinema não encorajaria os espectadores ociosos a achar a literatura um entretenimento tão interessante quanto o próprio filme? Isso não quer dizer que os filmes editados mudem a imagem de todos que não gostam de ler, mas apenas que muitas pessoas podem se interessar um pouco mais pela literatura através das imagens, apenas por curiosidade, sem compulsão (RODRIGUES) ZANINELLI, 2009, p . 55). Mas os filmes afastam as pessoas dos livros? Os cientistas não acreditam nisso, porque para eles essas duas formas de arte se complementam e o cinema pode aproximar os jovens da literatura. Para isso, a escola deve estar preparada para ensinar diferentes idiomas para compreender diferentes tipos de textos. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABAURRE, M. L.; PONTARA, M. Literatura Brasileira: tempos, leitores e leituras. São Paulo: Moderna, 2005. ADORNO, T. W. O ensaio como forma. In: ADORNO, T. W. Notas de literatura. São Paulo: Editora 34, 2003. ALMEIDA, M. C.; CEREDA, A. M. História das Políticas Culturais para Mulheres noBrasil. RELACult – Revista Latino-Americana de Estudos em Cultura e Sociedade, Foz do Iguaçu, v. 3, n. esp., p. 142–153, ago. 2017. ALÓS, A. P. Um passo além: o resgate de escritoras brasileiras do século XIX brasileiras do século XIX. Estudos Feministas, Florianópolis, v. 16, n. 2, p. 691–693, maio/ago. 2008. ANDRADE, C. D. Mãos dadas. In: ANDRADE, C. D. Antologia poética. 46. ed. Rio de Janeiro: Record, 2000. ARISTÓTELES. Arte Poética. In: ARISTÓTELES; HORÁCIO; LONGINO. A poética Cadernos De Pós-Graduação, São Paulo, n. 3, p. 25-42, maio 2013. ARISTÓTELES. Poética. 7. ed. Lisboa: Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 2003. ARISTÓTELES. Poética. São Paulo: Nova Cultural, 1991. (Os Pensadores). AUERBACH, Eric. Mimesis. São Paulo: Perspectiva, 1987 BARTHES, Roland. Aula: aula inaugural da cadeira de semiologia literária do Colégio de França. São Paulo: Cultrix, 2013. Leyla Perrone Moisés. BAUDELAIRE, C. O Spleen de Paris: pequenos poemas em prosa. Rio de Janeiro: Imago, 1995. BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. 43. ed. São Paulo: Cultrix, 2006. BROWN, S. M. R. A obra literária adaptada no ensino de língua portuguesa. Verbum CALVINO. I. Por que ler os clássicos? São Paulo: Companhia das Letras, 1993. CAMPOS, Haroldo de. O sequestro do Barroco na formação da literatura brasileira: o caso Gregório de Matos. São Paulo: Casa de Palavras, 1989. CÂNDIDO, Antonio. A literatura e a formação do homem. Ciência e Cultura, v. 24, n. 9, 1972. CANDIDO, Antonio. Formação da literatura brasileira: momentos decisivos. 9. ed. Belo Horizonte: Itatiaia, 2000. v. 1. CARVALHAL, Tania Franco. Literatura comparada. 5. ed. São Paulo: Ática, 2010. (Princípios, v. 58). CARVALHAL, Tania Franco; COUTINHO, Eduardo de Faria. Literatura comparada: textos fundadores. Rio de Janeiro: Rocco, 1994. CARVALHO, D. B. A. A adaptação literária para crianças e jovens: Robinson Crusoe no Brasil. 2006. Tese (Doutorado em Letras) – Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2006. CARVALHO, L. B. M. O jogo da amarelinha: ensaio em forma de romance. Remate de Males, v. 31, n. 1-2, p. 195-210, 2012. CAVALCANTE, B. Ser moderno: a propósito de uma tradição. Semear, Rio de Janeiro, n. 4, jan. 2000. COMPAGNON, Antoine. O demônio da teoria: literatura e senso comum. Belo Horizonte: UFMG, 2006. COUTINHO, Afrânio. A crítica literária no Brasil. Rio de Janeiro: Livraria Acadêmica, 1968. COUTINHO, Eduardo F. Literatura comparada: reflexões sobre uma disciplina acadêmica. Revista Brasileira de Literatura Comparada, São Paulo, n. 8, 2006. COUTINHO, Eduardo. Criação e crítica: reflexões sobre o papel do crítico literário. [S.l.: s.n.], 2009. COUTINHO, Eduardo. Criação e crítica: reflexões sobre o papel do crítico literário. [S.l.: s.n.], 2009. COUTINHO, Eduardo. Literatura comparada: reflexões. São Paulo: Annablume, 2013. COUTINHO, Eduardo. Literatura comparada: reflexões. São Paulo: Annablume, 2013. ECO, Umberto. Obra aberta. 10. ed. São Paulo: Perspectiva S.A, 1997. FERLA, G. B.; ANDRADE, R. B. A transição do feudalismo para o capitalismo. FERNANDES, G. A. Da necessidade – e do prazer – em se estudar o Cancioneiro Geral de Garcia de Resende. Alétheia: Revista de estudos sobre Antiguidade e Medievo, Jaguarão, v. 1, p. 48-60, jan./jul. 2010. FORMIGA, G. M. Adaptação de clássicos literários: uma história de leitura no Brasil. 2009. Tese (Doutorado em Letras) – Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 2009. FORMIGA, G. M.; INÁCIO, F. A. Textos literários em materialidades diversas: práticas de leitura para jovens leitores. In: Congresso Internacional da Abralic, 12., 2011, Curitiba. Centro, Centros – Ética, Estética. Curitiba: Universidade Federal do Paraná, 2011. FORSTER, Edward Morgan. Aspectos do romance. 4. ed. São Paulo: Globo, 2013. FOUCAULT, Michel. As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas. 8. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000. (Coleção Tópicos). FRIEDRICH, H. Estrutura da lírica moderna. São Paulo: Duas Cidades, 1978. HELENA, Lucia. A construção da literatura comparada na história da literatura. HOMERO. Odisseia. Rio de Janeiro: Ediouro, 1997. MAGALDI, S. Iniciação ao teatro. São Paulo: Ática, 1991. Janeiro: Objetiva, 2002. KORFMANN, Michael. A literatura moderna como observação de segunda ordem: uma introdução ao pensamento sistêmico de Niklas Luhmann. Pandaemonium Germanicum, São Paulo, n. 6, 2002. LAJOLO, Marisa. Literatura e história da literatura, senhoras muito intrigantes. LLOSA, Mário Vargas. Em defesa do romance. In: Revista Piauí. N. 37. Out. 2010. p. 64-69. LUKÁCS, G. A teoria do romance: um ensaio histórico-filosófico sobre as formas da grande épica. São Paulo: Editora 34, 2000. MACHADO, A. M. Como e por que ler os clássicos universais desde cedo. Rio de MARTINS, G. F. A Sancta Sapientia medieval: enigma e mistério no teatro Cristão de Rosvita de Gandersheim. Revista Brasileira das Histórias das Religiões, Maringá, v. 4, n. 10, 2011. MARTINS, T. Notas sobre o romance e sobre a teoria do romance: a questão da condição humana em um gênero que ainda vive. Revista Virtual de Letras, v. 4, n. 2, p. 247-267, 2012. MELLO, C. J. A.; OLIVEIRA, V. S. Romance: gênero problemático ou ambivalente? MOISÉS, Massaud. Dicionário de termos literários. 3. ed. São Paulo: Cultrix, 1982. SAMUEL, Rogel. Novo manual de teoria literária. 6. ed. Petrópolis: Vozes, 2011. NEITZEL, Adair de Aguiar; CARVALHO, Carla. A movência do leitor na leitura do literário. Raído, Dourados, v. 8, n. 17, p. 15-28, dez. 2014. NERES, G. O.; LACERDA, M. G. Adaptações literárias de clássicos: a importância da relação entre texto e imagem para a formação de leitores. In: JOGO DO LIVRO, 12., Seminário Latino-Americano: Palavras em Deriva, 2., 2017, Belo Horizonte. Anais [...] Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais, 2018. NITRINI, Sandra. Literatura comparada: história, teoria e crítica. 2. ed. São Paulo: EDUSP, 2000. PEREIRA, D. C. A lírica moderna: diálogos e permanência. Revista de Estudos Literários, v. 23, p.5-16, 2012. Revista Brasileira de Literatura Comparada, São Paulo, n. 2, maio 1994. RIBEIRO, P. S. O papel da mulher na sociedade. Brasil Escola, [S. l.], [201-?]. ROCHA, K. Derrubando mitos: Alfonsina Storni e a reconstrução da imagem feminina no início do século XX. 2007. RODRIGUES, F. L. F.; ZANINELLI, R. Literatura e adaptação cinematográfica: diferentes linguagens, diferentes leituras. Revista Eletrônica do Instituto de Humanidades, Duque de Caxias, v. 8, n. 31, out./dez. 2009. ROSA, J. G. Grande sertão: veredas. 19. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001. ROSENFELD, A. A teoria dos gêneros. In: ROSENFELD, A. O teatro épico. São Paulo: Perspectiva, 1985. SILVA, O. A Idade Moderna e a ruptura cultural com a tradição medieval: reflexões sobre o Renascimento e a Reforma Religiosa. Revista Científica Eletrônica da Pedagogia, Garça, ano 16, n. 28, jan. 2017. Synergismus scyentifica UTFPR, Pato Branco, v. 2, 2007. textos fundadores. Rio de Janeiro: Rocco, 1994. Todas as Letras, v. 15, n. 1, p. 172-181, 2013. VASQUES, E. Mulheres, teatro e religião: o tema da virgindade. 2008. WELLEK, R.; WARREN, A. Teoria da literatura e metodologia em estudos literários. São Paulo: Martins Fontes, 2003. WELLEK, R.; WARREN, A. Teoria da literatura e metodologia em estudos literários. São Paulo: Martins Fontes, 2003. ZILBERMAN, R. Recepção e leitura no horizonte da literatura. Alea, Rio de Janeiro, v. 10, n. 1, p. 85-97, jun. 2008.