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BIOQUÍMICA APLICADA Bioquím ica Aplicada BIOQUÍMICA APLICADA (Bioquímica Aplicada à Farmácia) Juscemácia Nascimento Araújo Juscemácia Nascimento Araújo GRUPO SER EDUCACIONAL gente criando o futuro A Bioquímica estuda as reações químicas e os processos físicos que ocorrem nas células dos seres vivos. É por isso que Carl Sagan disse que “somos todos poeira de estrelas”. A partir de reações físicas que acontecem no núcleo das estrelas, surgem os elementos químicos. Há milhões de anos o processo evolutivo no pla- neta Terra utilizou esses elementos para iniciar o código da vida. Carbono, hi- drogênio, oxigênio, nitrogênio e enxofre são elementos químicos presentes na estrutura molecular que formam as células, os tecidos e os órgãos de vários seres vivos. Assim, as moléculas se organizam de acordo com as leis termodinâmicas, favorecendo o surgimento da vida. O processo metabólico que sintetiza e degra- da moléculas precisa de energia e, a partir dos estudos sobre metabolismo, po- demos observar a maquinaria da vida em ação, produzindo e reciclando energia. Dessa forma, vamos compreender como o organismo utiliza os nutrientes e como a respiração ocorre para a manutenção da vida, estudando os processos químicos e físicos que acontecem dentro das células dos seres vivos. Capa_SER_FARMA_BIOQAP.indd 1,3 07/01/2021 13:54:58 © Ser Educacional 2021 Rua Treze de Maio, nº 254, Santo Amaro Recife-PE – CEP 50100-160 *Todos os gráficos, tabelas e esquemas são creditados à autoria, salvo quando indicada a referência. Informamos que é de inteira responsabilidade da autoria a emissão de conceitos. Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida por qualquer meio ou forma sem autorização. A violação dos direitos autorais é crime estabelecido pela Lei n.º 9.610/98 e punido pelo artigo 184 do Código Penal. Imagens de ícones/capa: © Shutterstock Presidente do Conselho de Administração Diretor-presidente Diretoria Executiva de Ensino Diretoria Executiva de Serviços Corporativos Diretoria de Ensino a Distância Autoria Projeto Gráfico e Capa Janguiê Diniz Jânyo Diniz Adriano Azevedo Joaldo Diniz Enzo Moreira Juscemácia Nascimento Araújo DP Content DADOS DO FORNECEDOR Análise de Qualidade, Edição de Texto, Design Instrucional, Edição de Arte, Diagramação, Design Gráfico e Revisão. SER_FARMA_BIOQAP_UNID1.indd 2 07/01/2021 12:39:29 Boxes ASSISTA Indicação de filmes, vídeos ou similares que trazem informações comple- mentares ou aprofundadas sobre o conteúdo estudado. CITANDO Dados essenciais e pertinentes sobre a vida de uma determinada pessoa relevante para o estudo do conteúdo abordado. CONTEXTUALIZANDO Dados que retratam onde e quando aconteceu determinado fato; demonstra-se a situação histórica do assunto. CURIOSIDADE Informação que revela algo desconhecido e interessante sobre o assunto tratado. DICA Um detalhe específico da informação, um breve conselho, um alerta, uma informação privilegiada sobre o conteúdo trabalhado. EXEMPLIFICANDO Informação que retrata de forma objetiva determinado assunto. EXPLICANDO Explicação, elucidação sobre uma palavra ou expressão específica da área de conhecimento trabalhada. SER_FARMA_BIOQAP_UNID1.indd 3 07/01/2021 12:39:30 Unidade 1 - Metabolismo e bioenergética Objetivos da unidade ........................................................................................................... 12 Principais vias do catabolismo e anabolismo ................................................................ 13 Catabolismo e anabolismo ............................................................................................. 13 Principais vias catabólicas e anabólicas .................................................................... 14 Regulação das vias metabólicas .................................................................................. 17 Bioenergética: respiração celular .................................................................................... 21 Respiração celular ......................................................................................................... 23 Ciclo do ácido cítrico ...................................................................................................... 25 Cadeia transportadora de elétrons .............................................................................. 29 Fosforilação oxidativa ..................................................................................................... 30 Processos de transdução de energia durante a fotossíntese ..................................... 34 Conversão de energia luminosa em energia elétrica .............................................. 38 Conversão de energia elétrica em energia química ................................................. 39 Sintetizando ........................................................................................................................... 42 Referências bibliográficas ................................................................................................. 43 Sumário SER_FARMA_BIOQAP_UNID1.indd 4 07/01/2021 12:39:30 Sumário Unidade 2 - Pigmentos e a fotossíntese Objetivos da unidade ........................................................................................................... 45 Pigmentos fotossintetizantes ............................................................................................. 46 Pigmentos ......................................................................................................................... 46 Clorofilas ........................................................................................................................... 49 Pigmentos acessórios .................................................................................................... 52 Carotenoides, flavonoides e betalaínas ...................................................................... 54 Etapas fotoquímica e química da fotossíntese ............................................................... 59 Fotossistemas .................................................................................................................. 60 Relação entre mitocôndrias e cloroplastos .................................................................... 63 Maquinaria metabólica .................................................................................................. 66 Principais vias de compostos no fígado .......................................................................... 69 Metabolismo de carboidratos ....................................................................................... 70 Metabolismo de lipídeos ................................................................................................ 71 Metabolismo de aminoácidos ....................................................................................... 73 Eliminação de fármacos pelo fígado ............................................................................ 74 Papel do complexo enzimático citocromo P450 e da glutationa transferase .......... 76 Sintetizando ........................................................................................................................... 79 Referências bibliográficas ................................................................................................. 80 SER_FARMA_BIOQAP_UNID1.indd 5 07/01/2021 12:39:30 Sumário Unidade 3 - Metabolização do oxaloacetato e o ciclo da ureia Objetivos da unidade ........................................................................................................... 82 Vias de metabolização do oxaloacetato .......................................................................... 83 Oxaloacetato no ciclo do ácido cítrico ........................................................................ 83 Gliconeogênese ...............................................................................................................87 Ciclo do glioxilato ............................................................................................................ 90 Principais vias metabólicas e de conjugação com ácido glicurônico 92 Glicuronidação ................................................................................................................. 93 Sulfoconjugação e acetilação ...................................................................................... 97 Conjugação da glutationa S ........................................................................................... 99 Reações de transaminação e desaminação dos aminoácidos ................................. 102 Transaminação............................................................................................................... 103 Desaminação ................................................................................................................. 107 Síntese de amônia e ciclo da ureia ................................................................................ 108 Síntese de amônia ......................................................................................................... 109 Ciclo da ureia ................................................................................................................. 111 Sintetizando ......................................................................................................................... 115 Referências bibliográficas ............................................................................................... 116 SER_FARMA_BIOQAP_UNID1.indd 6 07/01/2021 12:39:30 Sumário Unidade 4 - Excreção da amônia, metabolismo de lipídeos e correlações clínicas Objetivos da unidade ......................................................................................................... 118 Fármacos utilizados na eliminação de amônia ............................................................ 119 Excreção da amônia ..................................................................................................... 119 Metabolismo alterado da amônia ............................................................................... 123 Fármacos usados para excreção da amônia ........................................................... 125 Metabolismo da fenilalanina e tirosina ......................................................................... 132 Fenilalanina e tirosina ................................................................................................... 134 Metabolismo de lipídeos de origem hepática e exógena .......................................... 136 Síntese e papel das lipoproteínas plasmáticas ........................................................... 139 Lipídeos e correlações clínicas ...................................................................................... 143 Lipemia pós-prandial (PPL) .......................................................................................... 144 Doenças cardiovasculares ateroscleróticas (ASCVD) ........................................... 146 Sintetizando ......................................................................................................................... 148 Referências bibliográficas ............................................................................................... 149 SER_FARMA_BIOQAP_UNID1.indd 7 07/01/2021 12:39:30 SER_FARMA_BIOQAP_UNID1.indd 8 07/01/2021 12:39:30 A Bioquímica estuda as reações químicas e os processos físicos que ocorrem nas células dos seres vivos. É por isso que Carl Sagan disse que “somos todos poeira de estrelas”. A partir de reações físicas que acontecem no núcleo das es- trelas, surgem os elementos químicos. Há milhões de anos o processo evolutivo no planeta Terra utilizou esses elementos para iniciar o código da vida. Carbono, hidrogênio, oxigênio, nitrogênio e enxofre são elementos químicos presentes na estrutura molecular que formam as células, os tecidos e os órgãos de vários seres vivos. Assim, as moléculas se organizam de acordo com as leis termodinâ- micas, favorecendo o surgimento da vida. O processo metabólico que sintetiza e degrada moléculas precisa de energia e, a partir dos estudos sobre metabolis- mo, podemos observar a maquinaria da vida em ação, produzindo e reciclando energia. Dessa forma, vamos compreender como o organismo utiliza os nutrien- tes e como a respiração ocorre para a manutenção da vida, estudando os proces- sos químicos e físicos que acontecem dentro das células dos seres vivos. BIOQUÍMICA APLICADA 9 Apresentação SER_FARMA_BIOQAP_UNID1.indd 9 07/01/2021 12:39:30 Todos que possuem a curiosidade sobre um fenômeno, seja físico, químico, matemático ou biológico, já possui em si a alma de um cientista. Dedico esta obra aos curiosos pelo conhecimento. A professora Juscemácia Nascimento Araújo é doutora (2020) e mestre (2017) em Biotecnociência e é graduada em Química (2015) e em Ciência e Tecnolo- gia (2012) pela Universidade Federal do ABC (UFABC). Atua nas áreas de biotec- nologia, bioquímica, nanotecnologia e biofísica molecular. Publicou artigos em áreas da ciências exatas e biológicas. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/6026326069336394 BIOQUÍMICA APLICADA 10 A autora SER_FARMA_BIOQAP_UNID1.indd 10 07/01/2021 12:39:30 METABOLISMO E BIOENERGÉTICA 1 UNIDADE SER_FARMA_BIOQAP_UNID1.indd 11 07/01/2021 12:39:46 Objetivos da unidade Tópicos de estudo Compreender os processos metabólicos do anabolismo e catabolismo; Compreender a bioenergética da respiração celular; Compreender o processo de geração de energia através da fotossíntese. Principais vias do catabolismo e anabolismo Catabolismo e anabolismo Principais vias catabólicas e anabólicas Regulação das vias metabólicas Bioenergética: respiração celular Respiração celular Ciclo do ácido cítrico Cadeia transportadora de elétrons Fosforilação oxidativa Processos de transdução de energia durante a fotossíntese Conversão de energia luminosa em energia elétrica Conversão de energia elétrica em energia química BIOQUÍMICA APLICADA 12 SER_FARMA_BIOQAP_UNID1.indd 12 07/01/2021 12:39:46 Principais vias do catabolismo e anabolismo As células do corpo humano estão constantemente realizando milhares de reações químicas necessárias para manter o seu corpo, como um todo, vivo e saudável. Essas reações químicas geralmente estão ligadas por cadeias ou rotas metabólicas, compondo, assim, o metabolismo celular. O metabolismo engloba várias reações químicas catalisadas por enzimas, isto é, praticamente todas as reações químicas das células ocorrem em uma velocidade signifi cativa quando há a presença das enzimas – biocatalisadores que aumentam a velocidade das reações químicas específi cas sem serem consumidas no processo. Algumas dessas reações são catabólicas, ou seja, reações de degradação produtoras de energia, e outras reações são anabólicas, na qual ocorre sínte- se de outras moléculas a partir de moléculas precursoras que necessitam do fornecimento de energia. Nesta unidade você irá aprender as defi nições de metabolismo, catabolismo, anabolismo e suas principais vias metabólicas. Catabolismo e anabolismo O metabolismo celular é formado por vias catalisadas por enzimas, as vias catabólicas e as vias anabólicas. No catabolismo ocorre a degradação de nu- trientes orgânicos (carboidratos, gorduras e proteínas), que são convertidos em moléculas menores, como ácido lático, CO2 e NH3, e ocorre liberação de energia (BERG; TYMOCZKO; STRYER, 2015). A energia liberada pelas reações catabólicas promovem a síntese de ATP (adenosina trifosfato), produção de carreadores de elétrons reduzidos, NADH e NADPH, ambos podendo doar elétrons em processos que geram ATP ou condu- zir etapas redutoras em rotas biossintéticas. A respiração celular é um exemplo de via catabólica no qual ocorre a quebra da molécula de glicose(C6 H12 O6) formando água, dióxido de carbono e liberando energia. A quebra da glicose libera energia, que é capturada pela célula na forma de trifosfato de adenosina (ATP), (BERG; TYMOCZKO; STRYER, 2015). As rotas sintéticas que requerem energia são designadas como anabólicas, ou também como biossintéticas. As reações anabólicas utilizam energia na forma de transferência do grupo fosforil do ATP e do poder redutor de NADH, BIOQUÍMICA APLICADA 13 SER_FARMA_BIOQAP_UNID1.indd 13 07/01/2021 12:39:46 NADPH e FADH2. Moléculas precursoras de baixa massa molecular são conver- tidas em moléculas maiores e mais complexas, incluindo proteínas e ácidos nucleicos. As rotas das reações catalisadas por enzimas que atuam sobre os principais constituintes das células – proteínas, gorduras, açúcares e ácidos nu- cleicos – são praticamente idênticas em todos os organismos vivos. Um exem- plo de via anabólica é o processo de fotossíntese (VOET; VOET, 2013). As reações químicas exergônicas produzem energia e apresentam uma energia livre negativa (exotérmica), que normalmente são reações espontâ- neas. Já as reações endergônicas consomem energia, formando moléculas mais complexas, além de serem reações com energia livre positiva e não es- pontâneas, que necessitam de energia para ocorrer. A variação de energia livre é representada pela equação: ∆ G = ∆ H − T ∆ S Onde: ΔG é a variação de energia livre, ΔH é a variação de entalpia, T é a temperatura em Kelvin e ΔS é a variação de entropia do sistema. Geralmente, a via catabólica é convergente e exergônica e a via anabólica é divergente e endergônica (NELSON; COX, 2014). Principais vias catabólicas e anabólicas As vias metabólicas são uma série de reações catalisadas enzimaticamente, regu- ladas de forma que uma molécula precursora é convertida em um produto a partir de vários intermediários metabólicos, os metabolitos. Algumas das vias metabólicas são lineares e outras ramifi cadas, dessa forma, as vias catabólicas são convergentes, as vias anabólicas são divergentes e as vias anfi bólicas são cíclicas (NELSON; COX, 2014). O catabolismo aeróbico é conhecido como respiração celular e o anaeróbico como catabolismo anaeróbico, ou fermentação alcoólica, que fornece energia na forma de ATP, produzindo etanol na via anabólica. As reações catabólicas anaeróbicas acontecem com uma grande diminuição na energia livre, que, so- mada à hidrólise do ATP durante as reações de biossíntese, resulta na produ- ção de calor (BERG; TYMOCZKO; STRYER, 2015). A hidrólise de macromoléculas é a reação que o catabolismo faz para conver- ter moléculas complexas em moléculas simples e, em seguida, a oxidação do grupo BIOQUÍMICA APLICADA 14 SER_FARMA_BIOQAP_UNID1.indd 14 07/01/2021 12:39:46 acetila da molécula acetil-CoA forma ATP, NADH e FADH2 com liberação de energia, essa é a fase final da oxidação de moléculas no ciclo do ácido cítrico e da fosforila- ção oxidativa. No Diagrama 1, é possível observar que o acetato é um intermediário metabólico chave, o produto da degradação de uma variedade de moléculas da via catabólica e é o precursor de muitos produtos da via anabólica (NELSON; COX, 2014). As vias catabólicas fornecem energia na forma de ATP para reações de oxi- dação que convertem nutrientes obtidos na dieta em metabólitos. As reações catabólicas são exergônicas, ou seja, produzem mais energia do que conso- mem e envolvem três etapas. Inicialmente, ocorre a hidrólise ácida ou básica de macromoléculas, onde uma molécula de água quebra as ligações químicas de polissacarídeos para formar monossacarídeos nas vias da glicogenólise, tendo como substrato inicial o glicogênio, que formará glicose. Por fim, em sua via, a glicose produzirá piruvato, ATP e NADH (BERG; TYMOCZKO; STRYER, 2015). Citrato Fosfolipídeos Triacilgliceróis Amido Glicogênio Sacarose Serina Leucina Isoleucina Oxaloacetato CO2 CO2 Glicose Piruvato Acetato (acetil-CoA) Acetoacetil-Coa Ácidos graxos Via anabólica Via catabólica Via cíclica Fosfolipídios Eicosanoides Triacilgliceróis Mevalonato Colesterol Isopentenil- pirofosfato Alanina Fenilalanina Ácidos graxos Fonte: NELSON; COX, 2014. (Adaptado). A quebra das ligações peptídicas das proteínas ocorre pela via da proteólise, formando peptídeos e aminoácidos. A quebra das ligações lipídicas ocorre pela via da lipólise com o uso de triacilglicerol como substrato, formando ácidos graxos e glicerol; na via da β-oxidação, os ácidos graxos são utilizados como substrato para formar produtos de acetil-CoA, acil-CoA graxo (n-2), NADH e FADH2. Após a etapa de hidrólise, ocorre a conversão das unidades formadas em acetato e a energia liberada é conservada como ATP. A acetil-CoA (acetato) DIAGRAMA 1. RESUMO DAS VIAS METABÓLICAS BIOQUÍMICA APLICADA 15 SER_FARMA_BIOQAP_UNID1.indd 15 07/01/2021 12:39:46 formada poderá ser usada na via anabólica e na via cíclica. Por último, ocorre a oxidação do grupo acetila da molécula de acetil-CoA pelas vias do ciclo do ácido cítrico e pela fosforilação oxidativa. Nessa etapa a energia liberada forma moléculas como ATP, NADH e FADH2 (NELSON; COX, 2014). A biossíntese de ácidos graxos, triacilgliceróis e colesterol ocorre pela via anabólica de lipídeos. A biossíntese de carboidratos poderá ocorrer pela via me- tabólica da glicogênese ou pela gliconeogênese; já as proteínas e os peptídeos podem ser sintetizados a partir da biossíntese de aminoácidos, tendo como precursoras moléculas como α-cetoglutarato, 3-fosfoglicerato e o oxaloacetato presente na via cíclica do metabolismo (Diagrama 1) (NELSON; COX, 2014). As vias metabólicas utilizam um intermediário em comum, a acetil-CoA. Parte do catabolismo e anabolismo de carboidratos, proteínas e lipídeos ocor- re no fígado, como o catabolismo de proteínas, lipídeos e carboidratos. O Dia- grama 2 apresenta as reações que ocorrem no catabolismo (glicólise) e anabo- lismo (gliconeogênese) da glicose (NELSON; COX, 2014). Pi Pi ATP ATP Hexocinase Fosfofrutocinase-1 Glicose-6-fosfatase Frutose-1,6-bifosfatase-1 Frutose-1,6-bifosfato Di-hidroxiacetona-fosfato Di-hidroxiacetona-fosfato (2) gliceraldeído-3-fosfato (2) 1,3-Bifosfoglicerato 2Pi 2Pi 2NAD+ 2ADP 2ADP 2NAD+ 2NADH+ + 2H+ 2NADH+ + 2H+ Glicose-6-fosfato Frutose-6-fosfato ADP ADP H2O H2O Glicólise Gliconeogênese Glicose DIAGRAMA 2. GLICÓLISE E GLICONEOGÊNESE BIOQUÍMICA APLICADA 16 SER_FARMA_BIOQAP_UNID1.indd 16 07/01/2021 12:39:46 Piruvatoto-cinase Piruvato-carboxilase PEP-carboxicinase Frutose-1,6-bifosfato Di-hidroxiacetona-fosfato Di-hidroxiacetona-fosfato (2) gliceraldeído-3-fosfato (2) 1,3-Bifosfoglicerato (2) 3-Fosfoglicerato (2) 2-Fosfoglicerato (2) Fosfoenolpivurato (2) Oxaloacetato 2Pi 2Pi 2NAD+ 2ADP 2ADP 2ADP 2GDP 2GTP 2ADP 2ATP 2ATP 2ATP 2ATP 2NAD+ 2NADH+ + 2H+ 2NADH+ + 2H+ ADP H2O (2) Pivurato Fonte: NELSON; COX, 2014. (Adaptado). CONTEXTUALIZANDO Metabolismo do paracetamol: o paracetamol é um fármaco antipirético analgésico que pode ser administrado em doses seguras de 1,2 g/dia em adultos. Quando a ingestão de paracetamol excede as doses terapêuticas, o metabolismo catabólico das vias de glicuronidação e sulfatação fi cam saturadas e, na ausência de GSH, forma o metabólito tóxico N-acetil-p- benzoquinonaimina, que induz a uma hepatoxicidade (acetaminofeno) no fígado (KATZUNG; MASTERS; TREVOR, 2014). Regulação das vias metabólicas As vias metabólicas estão interconectadas entre si por uma rede de rea- ções químicas. O metabolismo é regulado por enzimas específi cas que catali- sam a reação química para formação de um produto ou metabólito. Uma célula BIOQUÍMICA APLICADA 17 SER_FARMA_BIOQAP_UNID1.indd 17 07/01/2021 12:39:47 eucariótica pode produzir aproximadamente trinta mil proteínas diferentes que catalisam milhares de reações envolvendo centenas de metabólitos, muitoscom- partilhados por mais de uma via metabólica (BERG; TYMOCZKO; STRYER, 2015). As células e os organismos existem em um estado estável e dinâmico, onde a velocidade de reação de conversão do substrato em produto pode ser alta e variável, sendo que a concentração do substrato permanecerá sempre cons- tante (NELSON; COX, 2014). O fluxo de uma reação catalisada por uma enzima pode ser alterado pela ati- vidade catalítica de cada molécula presente na reação. Os vários mecanismos de regulação do nível enzimático podem alterar a quantidade total de suas enzimas em resposta às mudanças nas condições metabólicas, por exemplo: uma mudança alimentar rica em carboidratos para uma dieta rica em lipídeos afetará a transcrição de vários genes, o que poderá influenciar na síntese de proteínas (VOET; VOET, 2013). Os mecanismos reguladores das vias catabólicas e anabólicas de proteínas produzem enzimas nas células. Nesse sentido, a atividade dessas enzimas po- derá ser regulada por: • Concentração de substrato; • Presença de efetores alostéricos; • Modificação covalente; • Ligação de proteínas reguladoras. A regulação metabólica é responsável pelo processo de homeostasia mo- lecular em equilíbrio na célula, já que as falhas nos mecanismos homeostáticos são frequentemente as causas de doenças em humanos (NELSON; COX, 2014). Um exemplo de homeostasia no nível molecular é a regulação de glicose no sangue, no qual a concentração de açúcar se mantém quase constante em 5 mm, mesmo que o fluxo dos metabólitos se altere ao longo da via; já o contro- le metabólico é um processo de alteração de uma via metabólica ao longo do tempo, em resposta a um sinal externo (NELSON; COX, 2014). Mudanças na transcrição de genes levam a mudanças na síntese de proteínas, que alteram o metabolismo de uma célula, tecido ou órgão. A Figura 1 apresenta re- sumidamente os perfis metabólicos presentes no cérebro, fígado, músculos e rins. A via glicólise possui três pontos de regulação. No primeiro, a hexocinase é inibida pelo produto glicose-6-fosfato. No segundo ponto de regulação, a fosfo- frutocinase é inibida por ATP e pelo citrato (sinalizador de intermediários no ciclo BIOQUÍMICA APLICADA 18 SER_FARMA_BIOQAP_UNID1.indd 18 07/01/2021 12:39:47 de Krebs); mas esse segundo ponto também pode ocorrer pela presença de H+, importante no processo de fermentação conhecida como anaerobiose, onde a fer- mentação produz ácido lático. Esse mecanismo, por sua vez, é responsável pela manutenção de ATP na reação da fosfofrutocinase, impedindo que ocorra a ati- vação da glicose pela hexocinase. Nesse passo, o substrato é a frutose-6-fosfato e AMP e ADP sinalizam a falta de energia no mecanismo (NELSON; COX, 2014). • Fonte de energia é a glicose • Armazena pouco glicogênio • Utiliza corpos cetônicos em jejuns prolongados • Não utiliza ácidos graxos Cérebro Músculo Fígado Rim • Realiza a gliconeogênese e liberta a glicose para a corrente sanguínea • Excreção de eletrólitos, ureia etc. • Acidose metabólica pode ser agravada pela ação do ciclo da ureia. • Nestas circunstâncias, o nitrogênio é eliminado pela ação conjunta do fígado e do rim • Fonte de energia: glicose, ácidos graxos, corpos cetônicos e aminoácidos • Possui uma reserva de creatina fosfatada, que fosforila ADP em ATP, produzindo energia sem gasto de glicose • Realiza a glicólise após 3-4s de atividade, inicialmente em condições anaeróbicas • Gliconeogênese e a síntese e a degradação do glicogênio mantêm o nível de glicose no sangue • Síntese de corpos cetônicos quando há altas concentrações de acetil-CoA • Síntese da ureia Figura 1. Perfis metabólicos do cérebro, rim, músculos e fígado. BIOQUÍMICA APLICADA 19 SER_FARMA_BIOQAP_UNID1.indd 19 07/01/2021 12:39:55 O terceiro ponto de regulação é a regulação realizada pela piruvato cinase, que é inibida por ATP, acetil-CoA, presença de ácidos graxos, alanina e pode ser ativada pelo substrato frutose-1,6-bifosfato e pela presença de AMP. O Quadro 1 apresenta as principais vias metabólicas presentes no corpo humano (NELSON; COX, 2014). QUADRO 1. PRINCIPAIS VIAS METABÓLICAS DO CORPO HUMANO Via metabólica Glicólise Oxidação da glicose para obtenção de adenosina trifosfato (ATP). Ciclo de Krebs Ocorre oxidação do acetato para obtenção de energia. Fosforilação oxidativa Ocorre a eliminação de elétrons obtidos após a oxidação da glicose e do acetato. Parte da energia liberada nesse processo será armazenada na célula sob a forma de ATP. Via das pentoses-fosfato Ocorre produção de redutores utilizados nas reações anabólicas. Ciclo da Ureia Eliminação de NH4+ β-oxidação de ácidos graxos Ácidos graxos são degradados em acetil-CoA e depois usado no ciclo de Krebs. Gliconeogênese Síntese de glicose. Oxidação da glicose para obtenção de adenosina trifosfato (ATP).Oxidação da glicose para obtenção de adenosina trifosfato (ATP).Oxidação da glicose para obtenção de adenosina trifosfato (ATP). Ocorre oxidação do acetato para obtenção de energia. Ocorre a eliminação de elétrons obtidos após a oxidação da Oxidação da glicose para obtenção de adenosina trifosfato (ATP). Ocorre oxidação do acetato para obtenção de energia. Ocorre a eliminação de elétrons obtidos após a oxidação da glicose e do acetato. Parte da energia liberada nesse processo Oxidação da glicose para obtenção de adenosina trifosfato (ATP). Ocorre oxidação do acetato para obtenção de energia. Ocorre a eliminação de elétrons obtidos após a oxidação da glicose e do acetato. Parte da energia liberada nesse processo Oxidação da glicose para obtenção de adenosina trifosfato (ATP). Ocorre oxidação do acetato para obtenção de energia. Ocorre a eliminação de elétrons obtidos após a oxidação da glicose e do acetato. Parte da energia liberada nesse processo Ocorre produção de redutores utilizados nas reações anabólicas. Oxidação da glicose para obtenção de adenosina trifosfato (ATP). Ocorre oxidação do acetato para obtenção de energia. Ocorre a eliminação de elétrons obtidos após a oxidação da glicose e do acetato. Parte da energia liberada nesse processo será armazenada na célula sob a forma de ATP. Ocorre produção de redutores utilizados nas reações anabólicas. Oxidação da glicose para obtenção de adenosina trifosfato (ATP). Ocorre oxidação do acetato para obtenção de energia. Ocorre a eliminação de elétrons obtidos após a oxidação da glicose e do acetato. Parte da energia liberada nesse processo será armazenada na célula sob a forma de ATP. Ocorre produção de redutores utilizados nas reações anabólicas. Oxidação da glicose para obtenção de adenosina trifosfato (ATP). Ocorre oxidação do acetato para obtenção de energia. Ocorre a eliminação de elétrons obtidos após a oxidação da glicose e do acetato. Parte da energia liberada nesse processo será armazenada na célula sob a forma de ATP. Ocorre produção de redutores utilizados nas reações anabólicas. Ácidos graxos são degradados em acetil-CoA e depois usado Oxidação da glicose para obtenção de adenosina trifosfato (ATP). Ocorre oxidação do acetato para obtenção de energia. Ocorre a eliminação de elétrons obtidos após a oxidação da glicose e do acetato. Parte da energia liberada nesse processo será armazenada na célula sob a forma de ATP. Ocorre produção de redutores utilizados nas reações anabólicas. Ácidos graxos são degradados em acetil-CoA e depois usado Oxidação da glicose para obtenção de adenosina trifosfato (ATP). Ocorre oxidação do acetato para obtenção de energia. Ocorre a eliminação de elétrons obtidos após a oxidação da glicose e do acetato. Parte da energia liberada nesse processo será armazenada na célula sob a forma de ATP. Ocorre produção de redutores utilizados nas reações anabólicas. Ácidos graxos são degradados em acetil-CoA e depois usado Oxidação da glicose para obtenção de adenosina trifosfato (ATP). Ocorre oxidação do acetato para obtenção de energia. Ocorrea eliminação de elétrons obtidos após a oxidação da glicose e do acetato. Parte da energia liberada nesse processo será armazenada na célula sob a forma de ATP. Ocorre produção de redutores utilizados nas reações anabólicas. Ácidos graxos são degradados em acetil-CoA e depois usado Oxidação da glicose para obtenção de adenosina trifosfato (ATP). Ocorre oxidação do acetato para obtenção de energia. Ocorre a eliminação de elétrons obtidos após a oxidação da glicose e do acetato. Parte da energia liberada nesse processo será armazenada na célula sob a forma de ATP. Ocorre produção de redutores utilizados nas reações anabólicas. Ácidos graxos são degradados em acetil-CoA e depois usado Oxidação da glicose para obtenção de adenosina trifosfato (ATP). Ocorre oxidação do acetato para obtenção de energia. Ocorre a eliminação de elétrons obtidos após a oxidação da glicose e do acetato. Parte da energia liberada nesse processo será armazenada na célula sob a forma de ATP. Ocorre produção de redutores utilizados nas reações anabólicas. Eliminação de NH Ácidos graxos são degradados em acetil-CoA e depois usado Oxidação da glicose para obtenção de adenosina trifosfato (ATP). Ocorre oxidação do acetato para obtenção de energia. Ocorre a eliminação de elétrons obtidos após a oxidação da glicose e do acetato. Parte da energia liberada nesse processo será armazenada na célula sob a forma de ATP. Ocorre produção de redutores utilizados nas reações anabólicas. Eliminação de NH Ácidos graxos são degradados em acetil-CoA e depois usado Oxidação da glicose para obtenção de adenosina trifosfato (ATP). Ocorre oxidação do acetato para obtenção de energia. Ocorre a eliminação de elétrons obtidos após a oxidação da glicose e do acetato. Parte da energia liberada nesse processo será armazenada na célula sob a forma de ATP. Ocorre produção de redutores utilizados nas reações anabólicas. Eliminação de NH Ácidos graxos são degradados em acetil-CoA e depois usado no ciclo de Krebs. Oxidação da glicose para obtenção de adenosina trifosfato (ATP). Ocorre oxidação do acetato para obtenção de energia. Ocorre a eliminação de elétrons obtidos após a oxidação da glicose e do acetato. Parte da energia liberada nesse processo será armazenada na célula sob a forma de ATP. Ocorre produção de redutores utilizados nas reações anabólicas. Eliminação de NH Ácidos graxos são degradados em acetil-CoA e depois usado no ciclo de Krebs. Oxidação da glicose para obtenção de adenosina trifosfato (ATP). Ocorre oxidação do acetato para obtenção de energia. Ocorre a eliminação de elétrons obtidos após a oxidação da glicose e do acetato. Parte da energia liberada nesse processo será armazenada na célula sob a forma de ATP. Ocorre produção de redutores utilizados nas reações anabólicas. Eliminação de NH Ácidos graxos são degradados em acetil-CoA e depois usado no ciclo de Krebs. Síntese de glicose. Ocorre a eliminação de elétrons obtidos após a oxidação da glicose e do acetato. Parte da energia liberada nesse processo será armazenada na célula sob a forma de ATP. Ocorre produção de redutores utilizados nas reações anabólicas. Eliminação de NH4 + Ácidos graxos são degradados em acetil-CoA e depois usado no ciclo de Krebs. Síntese de glicose. Ocorre a eliminação de elétrons obtidos após a oxidação da glicose e do acetato. Parte da energia liberada nesse processo será armazenada na célula sob a forma de ATP. Ocorre produção de redutores utilizados nas reações anabólicas. Ácidos graxos são degradados em acetil-CoA e depois usado no ciclo de Krebs. Síntese de glicose. Ocorre a eliminação de elétrons obtidos após a oxidação da glicose e do acetato. Parte da energia liberada nesse processo Ocorre produção de redutores utilizados nas reações anabólicas. Ácidos graxos são degradados em acetil-CoA e depois usado no ciclo de Krebs. Síntese de glicose. glicose e do acetato. Parte da energia liberada nesse processo Ocorre produção de redutores utilizados nas reações anabólicas. Ácidos graxos são degradados em acetil-CoA e depois usado Síntese de glicose. Ocorre produção de redutores utilizados nas reações anabólicas. Ácidos graxos são degradados em acetil-CoA e depois usado Ocorre produção de redutores utilizados nas reações anabólicas. Ácidos graxos são degradados em acetil-CoA e depois usado Ácidos graxos são degradados em acetil-CoA e depois usado Ácidos graxos são degradados em acetil-CoA e depois usado Ácidos graxos são degradados em acetil-CoA e depois usado Fonte: NELSON; COX, 2014. A enzima piruvato carboxilase é ativada por acetato na regulação da glico- gênese. Nessa regulação, a acetil-CoA sinaliza a presença de intermediários do ciclo de Krebs e ocorre a diminuição da necessidade de glicose no meio. A pre- sença de substrato controla o ciclo de Krebs e a inibição ocorre pelos produtos e outros intermediários do ciclo. A acetil-CoA e NADH inibem a piruvato desi- drogenase, e a citrato sintase é inibida por citrato, NADH e por succinil-CoA, que é um sinalizador de intermediários do ciclo de Krebs (NELSON; COX, 2014). A succinil-CoA, NADH e ATP inibem a isocitrato desidrogenase e o ADP ativa essa enzima. A α-cetoglutarato desidrogenase é inibida por NADH e por succi- nil-CoA, sendo que todas essas desidrogenases são ativadas pela presença de cálcio iônico. A carbonil-fosfato sintetase é ativada por N-acetilglutamato na regulação do clico da ureia. Esse processo sinaliza a presença de altas concen- trações de nitrogênio no organismo (NELSON; COX, 2014). O metabolismo dos ácidos graxos é regulado pela entrada de acil-CoA na mitocôndria. Em situações de grande quantidade de energia metabólica, o ma- BIOQUÍMICA APLICADA 20 SER_FARMA_BIOQAP_UNID1.indd 20 07/01/2021 12:39:56 lonil-CoA, presente no citoplasma, inibe a carnitina acil transferase, que impede que as moléculas de acil-CoA entrem na mitocôndria, evitando seu catabolismo. NADH inibe a 3-hidroxiacil-CoA e a acetil-CoA inibe a tiolase, esse processo di- minui o catabolismo de ácidos graxos quando a célula possui energia em abun- dância. Na via das pentoses-fosfato, a NADP+ controla a velocidade de reação da glicose-6-fosfato-desidrogenase, regulando a via (NELSON; COX, 2014). EXEMPLIFICANDO O metabolismo do glicogênio é regulado no fígado, que possui hexocinase de baixa afi nidade, a glicose, e que não pode ser inibida pela glucose- -6-fosfato. Dessa forma, a glicose só será fosforilada no fígado quando houver altas concentrações de glicose no sangue, principalmente após as refeições. Quando as concentrações de glicose estão muito altas, ocorre sua conversão em glicogênio no fígado (NELSON; COX, 2014). Bioenergética: respiração celular A bioenergética é o estudo quantitativo das transformações de energia ou das transduções energéticas que ocorrem nos sistemas biológicos, obedecen- do as leis da termodinâmica. As células desenvolveram mecanismos efi cientes para aproveitar a energia obtida da luz ou de combustíveis químicos presentes nos processos de obtenção de energia (BERG; TYMOCZKO; STRYER, 2015). A segunda lei da termodinâmica diz que “a entropia total do universo está sempre aumentando”. A desordem dos componentes presentes em um sistema celular é expressa como entropia (S) e a variação da entropia (ΔS) expressa a alea- toriedade do sistema, quando a variação de entropia do sistema aumenta, ela é positiva, e quando diminui, é negativa. Os tipos de ligações e número de ligações é expresso pela entalpia (H) do sistema. A variação da energia livre de um siste- ma termodinâmico pode ser expressa pela equação proposta por J. Willard Gibbs, ΔG = ΔH − TΔS, onde T é a temperatura absoluta em Kelvin (NELSON; COX, 2014). Nas reações exotérmicas, uma reação libera calor apresentando um ΔH nega- tivo, já nas reações endotérmicas, ocorre a absorção de calor com valor de ΔH po- sitivo. Uma variação de entropia positiva (ΔS) signifi ca que a aleatoriedadedo sis- tema reacional possui uma diminuição da ordem. Reações espontâneas possuem variação de energia livre negativa, já que a energia é liberada (NELSON; COX, 2014). BIOQUÍMICA APLICADA 21 SER_FARMA_BIOQAP_UNID1.indd 21 07/01/2021 12:39:56 Dentro de um organismo estão em movimento moléculas e complexos molecu- lares, que são sintetizados e degradados em reações químicas que envolvem fluxo constante de massa e energia pelo sistema biológico. A concentração constante é resultado do estado estacionário dinâmico fora do equilíbrio, e a manutenção desse estado requer um fluxo de energia constante. Quando a célula não obtém mais energia, ela morre e então o estado do equilíbrio decai (NELSON; COX, 2014). A variação de energia livre padrão ΔG’º pode ser calculada a partir da cons- tante de equilíbrio K’eq, dada pela equação abaixo: ∆ G‘º = −RTlnK’eq aA + bB → cC + dD ATP → ADP + Pi (fosfato inorgânico) Keq = [ ADP ] [ Pi ] / [ ATP ] Keq = [ C ] c [ D ]d Quando, em uma reação química, os reagentes iniciam com concentração de 1 M, se a constante de equilíbrio K’eq for maior que 1,0 e o valor de ΔG’º for negativo, a reação química ocorrerá no sentido direto; quando K’eq for igual a 1,0 e ΔG’º for igual a zero, a reação estará em equilíbrio; e quando a constante K’eq for menor que 1,0 e ΔG’º for positivo, a reação ocorrerá no sentido inverso (NELSON; COX, 2014). A constante de equilíbrio é expressa pela tendência de uma reação se completar. Considerando uma reação na qual uma quantidade a de mols de A reagem com b mols de B para obter, com os produtos, uma quantidade c mols de C e d mols de D: Assim, a partir da reação acima, a constante de equilíbrio Keq é dada por: Por exemplo, o equilíbrio de ATP e ADP nas células é dada pela reação abaixo: Onde a quantidade em mols de reagente e de cada produto formado é de 1 mol, dessa forma, a constante de equilíbrio da reação será: O custo da energia obtida na síntese de ATP pode ser expresso utilizando a relação da constante de equilíbrio Keq e a energia livre padrão do sistema termo- dinâmico, dada pela equação: [ A ]a [ B ]b [ C ]c [ D ]d BIOQUÍMICA APLICADA 22 SER_FARMA_BIOQAP_UNID1.indd 22 07/01/2021 12:39:56 ∆G’º = -RTlnK’eq É importante entender que as constantes termodinâmicas indicam onde o equilíbrio fi nal de uma reação se encontra, mas não com que rapidez esse equilíbrio vai ser alcançado (NELSON; COX, 2014). O organismo de um ser vivo é um sistema aberto que troca matéria e ener- gia com o meio, consegue energia do meio absorvendo combustíveis químicos como a glicose ou extraindo energia por reações de oxidação desses combus- tíveis. As reações de oxirredução fornecem energia aos organismos a partir do fl uxo de elétrons dessas reações. A respiração celular é um processo de oxirre- dução exotérmico e a fotossíntese um processo de oxirredução endotérmico. A Figura 2 exemplifi ca os processos termodinâmicos presentes na bioenergética celular (BERG; TYMOCZKO; STRYER, 2015). Respiração celular Fotossíntese Oxidação Oxidação Redução Exotérmico Endotérmico Ní ve l d e en er gi a Ní ve l d e en er gi aReagentes Produtos Produtos ΔH < 0 ΔH > 0 Reagentes Redução Figura 2. Processos termodinâmicos na bioenergética celular. Respiração celular A respiração celular é a fase aeróbia do catabolismo, no qual as células con- somem O2 e produzem CO2. Esse processo metabólico acontece em três etapas. Na via glicólise, primeiramente a glicose, ácidos graxos e alguns aminoácidos BIOQUÍMICA APLICADA 23 SER_FARMA_BIOQAP_UNID1.indd 23 07/01/2021 12:39:57 são oxidados para produzirem o grupo acetil da acetilcoenzima A. Os grupos acetil são enviados para o ciclo do ácido cítrico onde, então, são oxidados pro- duzindo CO2. Em seguida, ocorre a redução formando NADH e FADH2 nos trans- portadores de elétrons. Na última etapa da respiração celular, as coenzimas A doam prótons e elétrons (NELSON; COX, 2014). Através da transferência de elétrons, a energia é liberada e conservada na for- ma de adenosina trifosfato (ATP) pelo processo de fosforilação oxidativa, processo ilustrado no Diagrama 3. No citosol procariótico ocorre a glicólise e o ciclo do ácido cítrico; já a cadeia respiratória ocorre no mesossomo. Nas células dos eucariotos, a glicólise pode ocorrer no citosol e nas mitocôndrias (NELSON; COX, 2014). Aminoácidos 1 – Produção de acetil-CoA 2 – Oxidação da acetil-CoA 3 – Transferência de elétrons e fosforilação oxidativa Ciclo do ácido cítrico (transportadores de e- reduzidos) Cadeia respiratória (transferência de elétrons) H2O ADP + Pi ATP 2H+ + ½O2 NADH, FADH2 Oxaloacetato Citrato Complexo da piruvato-desidrogenase Acetil-CoA CO2 CO2 CO2 e- e- e- e- e- e- e- e- e- Ácidos graxos Glicose Glicólise Piruvato Fonte: NELSON; COX, 2014. (Adaptado). DIAGRAMA 3. METABOLISMO DE AMINOÁCIDOS, ÁCIDOS GRAXOS E PROTEÍNAS BIOQUÍMICA APLICADA 24 SER_FARMA_BIOQAP_UNID1.indd 24 07/01/2021 12:39:57 Na glicólise, a glicose é oxidada a piruvato, em seguida, o complexo piruvato- -desidrogenase o converte em acetil-CoA. O complexo piruvato-desidrogenase ( Diagrama 3) é composto por três enzimas: a piruvato desidrogenase (E1), que está ligada ao cofator TPP e catalisa a primeira descarboxilação do piruvato, produzindo a hidroxietil-TPP. Em seguida, a hidroxietil-TPP é oxidada a um grupo acetil, e os elé- trons dessa oxidação reduzem o dissulfeto do lipoato ligado; a enzima di-hidrolipoil- -transacetilase (E2), que está covalentemente ligada ao grupo lipoil; e a di-hidrolipoil- -desidrogenase (E3), que catalisa a regeneração do dissulfeto do lipoato, os elétrons passam para o cofator FAD e depois para o cofator NAD (NELSON; COX, 2014; KATO e colaboradores, 2008). O balanço energético da cadeia respiratória após a etapa da glicólise e a estrutura molecular das enzimas E1, E2 e E3 é representado na Figura 3. Figura 3. Balanço energético da glicólise e estrutura molecular das enzimas piruvato desidrogenase, di-hidrolipoil-tran- cetilase e di-hidrolipoil-desidrogenase. Fonte: KATO e colaboradores, 2008; JIANG e colaboradores, 2018; BRAUTIGAM e colaboradores, 2006. (Adaptado). 4 ATP + 2 NADH – 2 ATP → 2 ATP +2 NADH Piruvato deshidrogenase Di-hidrolipoil-transacetilase Di-hidropoil-desidrogenase Ciclo do ácido cítrico O ciclo do ácido cítrico, também conhecido como ciclo de Krebs, é apresenta- do no Diagrama 4, na qual podemos observar a oxidação da acetil-CoA. Inicial- mente, a acetil-CoA doa o grupo acetil ao composto oxaloacetato, produzindo citrato, que é transformado em isocitrato e é, posteriormente, desidrogenado com a perda de CO2 para produzir α-cetoglutarato. Nessa etapa, o α-cetogluta- BIOQUÍMICA APLICADA 25 SER_FARMA_BIOQAP_UNID1.indd 25 07/01/2021 12:40:05 rato perde uma molécula de CO2, originando o succinanato, convertido enzima- ticamente em oxaloacetato (NELSON; COX, 2014). A cada volta do ciclo, entra um grupo acetil-CoA, totalizando a entrada de dois carbonos, e são removidas duas moléculas de CO2; uma molécula de oxaloacetato formará o citrato e a outra será regenerada no ciclo. A energia obtida na reação de oxidação é conservada na forma reduzida de NADH e FADH2 (NELSON; COX, 2014). Observe o ciclo no Diagrama 4. Note que carbonos sombreados em vermelho não são oxidados a CO2 na primeira rodada do ciclo; setas em vermelho repre- sentam a energia conservada pela transferência dos elétrons de FAD ou NAD+, formando FADH2 e NADH + H+, e que as etapas um e dois são irreversíveis. Ciclo do ácido cítrico Acetil-CoA 1 2 3 4 5 6 7 8 Citrato Cis-Acotinato Isocitrato α-Cetoglutarato Succinil-CoA Succinato Fumarato Malato Oxaloacetato Citrato sintase Aconitase Aconitase Isocitrato- desidrogenase Complexo α-cetoglutarato- desidrogenase Succinil-CoA- sintetase Succinato- desidrogenase Malato- desidrogenase FumaraseNADH S-CoA S-CoA CoA-SHCoA-SH CoA-SH C C C C C C C C C CH3 COO- COO- COO- COO- COO- COO- GDP (ADP) + Pi GDP (ADP) COO- COO- COO- COO- COO- COO- COO- COO- COO- COO- COO- COO- COO- COO- CH2 CH2 CO2 CH2 CH2 CH2 CH2 CO2 CH2 HO HO HO H H H CH2CH2 CH2 CH2 FADH2 CH2 CH CH HC H2O H2O H2O H2O O O O O (3) Fonte: NELSON; COX, 2014. (Adaptado). DIAGRAMA 4. CICLO DO ÁCIDO CÍTRICO BIOQUÍMICA APLICADA 26 SER_FARMA_BIOQAP_UNID1.indd 26 07/01/2021 12:40:13 As enzimas dependentes de NAD encontram-se na matriz mitocondrial de células eucariotas e participam do ciclo do ácido cítrico. Nas reações redutoras anabólicas, a enzima dependente de NADP tem como principal função a pro- dução de NADPH. O ciclo do ácido cítrico possui oito etapas reacionais, como mostrado no Diagrama 4 (NELSON; COX, 2014). Confira, resumidamente, o me- canismo reacional de cada etapa do ciclo: 1- Condensação de Claisen: condensação de acetil-CoA e oxaloacetato para a formação de citrato, catalisada pela enzima citrato sintase. A va- riação de energia livre padrão negativa dessa reação é importante para o funcionamento do ciclo, já que a oxaloacetato existe no organismo em baixas concentrações. A coenzima A liberada é reciclada para participar da descarboxilação oxidativa de uma das moléculas do complexo da piruvato desidrogenase; 2- Desidratação/reidratação: grupo –OH do citrato reposiciona-se no iso- citrato, preparando para a descarboxilação da próxima etapa. Essa etapa é ca- talisada pela aconitase que contém um centro de ferro-enxofre, que atua na ligação do substrato ao sítio ativo e na adição/remoção catalítica de água; 3- Descarboxilação oxidativa: grupo –OH do isocitrato é oxidado a carbo- nil da α- cetoglutarato e CO2, catalisado pela isocitrato-desidrogenase. O Mn 2+ estabiliza o enol formado pela descarboxilação; 4- Descarboxilação oxidativa: a α-cetoglutarato é oxidada a succinil-CoA e CO2 em um mecanismo similar a piruvato-desidrogenase, dependente do carbonil no carbono adjacente. O complexo a-cetoglutarato-desidrogenase in- corpora três enzimas homólogas às E1, E2 e E3 do complexo da PDH e contém TPP e lipoato ligado à enzima FAD, NAD e coenzima A. É uma reação altamente exotérmica com energia livre padrão de -33,5 kJ/mol; 5- Fosforilação ao nível do substrato: energia do tioéster conservada na ligação fosfoanidrido do GTP ou ATP. Essa etapa é catalisada pela enzima suc- cinil-CoA-sintetase. As células animais têm duas isoenzimas da succinil-CoA- sintetase, uma específica para ADP e outra para GDP. É uma reação exotérmica com energia livre padrão de – 2,9 kJ/mol; 6- Desidrogenação: oxidação do succinato a fumarato pela enzima succi- nato-desidrogenase, uma enzima que, em eucariotos, está ligada à membrana mitocondrial interna e em bactérias está ligada à membrana plasmática. Nessa BIOQUÍMICA APLICADA 27 SER_FARMA_BIOQAP_UNID1.indd 27 07/01/2021 12:40:13 reação ocorre a introdução da ligação dupla que inicia a sequência de oxidação do metileno. A energia livre padrão dessa reação é de 0 kJ/mol; 7- Hidratação: o fumarato é hidratado pela adição de água à ligação dupla e introduz o grupo –OH para a próxima etapa de oxidação, forman- do malato, que é catalisado pela enzima fumarato-hidratase ou fumarase, uma enzima estéreo especifica. Essa reação é exotérmica com energia li- vre padrão de -3,5 kJ/mol; 8- Desidrogenação: a enzima L-malato-desidrogenase ligada a NAD catalisa a oxidação de L-malato a oxaloacetato, a oxidação da hidroxila completa a se- quência de oxidação, e o carbonil gerado é posicionado para facilitar a conden- sação de Claisen na próxima etapa do ciclo. O oxaloacetato é continuamente removido pela reação exergônica da citrato-sintase, mantendo a concentração celular de oxaloacetato extremamente baixa, menor que 10-6 M. Durante a fosforilação oxidativa, as etapas do ciclo abastecem a cadeia res- piratória, via NADH e FADH2, com grande fluxo de elétrons, levando à formação de muitas moléculas de ATP. No balanço energético do ciclo de Krebs, para cada molécula de acetil-CoA oxidada, o ganho de energia consiste em três moléculas de NADH, uma molécula de FADH2 e uma de ATP (NELSON; COX, 2014). Os componentes do ciclo do ácido cítrico são importantes intermediários da biossíntese. Nos organismos de aeróbios, o ciclo do ácido cítrico é uma via anfibólica e, conforme os intermediários do ciclo do ácido cítrico são retirados do ciclo para servirem como precursores na via anabólica, eles são repostos por reações anapleróticas, na qual piruvato ou fosfoenolpiruvato são conver- tidos a oxaloacetato ou malato (NELSON; COX, 2014). EXEMPLIFICANDO No fígado de mamíferos, a reação anaplerótica mais importante é a carboxilação reversível do piruvato pelo CO2 para a formação de oxaloacetato catalisada pela piruvato-carboxilase, uma enzima de regulação inativa na ausência de acetil-CoA. As reações de carboxilação são catalisadas por piruvato-carboxilase no fígado e rins, por PEP- carboxicinase no coração e músculo esquelético, PEP-carboxilase em vegetais superiores, leveduras e bactérias e pela enzima málica em eucariotos e bactérias. Enzimas que catalisam carboxilações comumente utilizam a biotina para ativar o CO2 e transportá-lo a aceptores, como piruvato ou fosfoenolpiruvato (NELSON; COX, 2014). BIOQUÍMICA APLICADA 28 SER_FARMA_BIOQAP_UNID1.indd 28 07/01/2021 12:40:14 Cadeia transportadora de elétrons A cadeia transportadora de elétrons está ilustrada na Figura 4. Essa cadeia é a última etapa da respiração celular e gera energia em forma da ATP no inte- rior das mitocôndrias. Na membrana interna da mitocôndria, quatro comple- xos proteicos são inseridos e realizam o transporte dos elétrons de NADH e de FADH2 em oxigênio, que os reduz a NAD + e FAD. Com ausência de oxigênio há a interrupção do processo (VOET; VOET, 2013). A transferência de elétrons entre proteínas na cadeia respiratória é conhe- cida como força eletro motiva, que ocasiona a transferência de H+ da matriz mitocondrial para o espaço inter membranas da mitocôndria. Ao retornarem à matriz mitocondrial, os íons H+ geram um potencial conhecido como força protomotiva. Para que consigam retornar, estes íons passam por um dos com- plexos proteicos, a sintase ATP da cadeia transportadora de elétrons ou cadeia respiratória. A sintase ATP converte íons H+ em energia potencial pela difusão dos íons de energia mecânica pela rotação da sintase ATP e, em seguida, em energia química (NELSON; COX, 2014). Nas mitocôndrias, os íons hidretos removidos de substratos, como α-ce- toglutarato e malato, por enzimas desidrogenases ligadas ao NAD, doam elétrons para a cadeia transportadora de elétrons que os transfere para O2 molecular, reduzindo-os a H2O. Citoplasma Espaço intermembrana Membrana interna Matriz mitocondrial Cadeia transportadora de elétrons [ 2H+ + 1/202 + H2O ] x 2 NADH FADH2NAD+ + 2H+ FAD+ + 2H+ Mitocôndria nH+2H+4H+ CoQ 4H+ I III Cyt c IV ADP ATP ATP sintase2e- 2e- 2e- Figura 4. Cadeia transportadora de elétrons. BIOQUÍMICA APLICADA 29 SER_FARMA_BIOQAP_UNID1.indd 29 07/01/2021 12:40:18 O complexo I catalisa a transferência de elétrons de NADH para a ubiqui- nona e o complexo II faz catálise para o succinato. O complexo III transporta elétrons da ubiquinona reduzida para o citocromo c e o complexo IV fi naliza o processo, transferindo elétrons do citocromo c para molécula de oxigênio O2. Redutores do NADH são transferidos por uma série de centros de Fe-S que são doadores de um elétron até a ubiquinona, que transfere os elétrons ao citocromo b, que é um carreador do complexo III. O centro de Fe-S transfere elétrons do citocromo c para o complexo IV. A citocromo oxidase é uma enzima que contém cobre, citocromos a e a3 e acumula elétrons que são transferidos para a molécula de O2, reduzindo-a a H2O (NELSON; COX, 2014).A transferência de dois elétrons do NADH para o oxigênio molecular na cadeia transportadora de elétrons é descrita pela reação exergônica: NADH + H+ + 1/2 O2 → NAD + + H2O 1 2 Essa reação possui uma energia livre padrão de -220 kJ/Mol e a maior parte dessa energia é usada para bombear prótons para fora da matriz. A cada dois elétrons transferidos para O2, quatro são transferidos para fora do complexo I, quatro para o complexo III e dois pelo complexo IV. A cadeia transportadora de elétrons faz parte da fosforilação oxidativa (NELSON; COX, 2014). ASSISTA Assista ao vídeo de transporte de elétrons para entender mais sobre a etapa de fosforilação oxidativa e a geração de ATP no interior das mitocôndrias. Fosforilação oxidativa A fosforilação oxidativa é o último estágio da produção de energia no meta- bolismo de organismos aeróbios. Essa etapa da respiração celular é importan- te para a produção de adenosina trifosfato (ATP). Os processos de fosforilação oxidativa e fotofosforilação dos organismos fotossintetizantes podem ser com- preendidos pela teoria quimiosmótica (NELSON; COX, 2014). As vias da fosforilação oxidativa e da fotofosforilação possuem mecanismos semelhantes. Nos dois processos, que são exergônicos, o deslocamento de elé- BIOQUÍMICA APLICADA 30 SER_FARMA_BIOQAP_UNID1.indd 30 07/01/2021 12:40:19 trons entrega a energia livre acessível por meio de uma cadeia de transporta- dores da membrana. Os prótons são ligados a uma membrana impermeável, preservando a energia livre da oxidação na forma de um potencial eletroquí- mico transmembrana. O fornecimento de energia livre para a produção de ATP é realizado pelo retorno dos prótons no fluxo transmembrana a favor de seu gradiente de concentração por canais proteicos, esse processo é catalisado pela enzima ATP-sintase presente na membrana, que acopla o deslocamento de prótons à fosforilação de adenosina difosfato (ADN) (NELSON; COX, 2014). Quando o ATP é sintetizado e transportado para fora da matriz mitocondrial, a adenosina difosfato (ADP) e o pirofosfato (Pi) são especificamente transpor- tados para dentro da matriz. A fosforilação oxidativa é iniciada com a entrada de elétrons provenientes da ação das desidrogenases na cadeia respiratória. As desidrogenases recebem elétrons das vias de degradação e os conduzem para receptores de elétrons, os nucleotídeos de nicotinamida (NAD+ ou NADP+) ou nucleotídeos de flavina (FMN ou FAD) (NELSON; COX, 2014). A matriz mitocondrial é delimitada por uma membrana interna, que contém o complexo da piruvato-desidrogenase e as enzimas do ciclo do ácido cítrico, a via de β-oxidação de ácidos graxos e as vias de oxidação de aminoácidos. No citosol não ocorre a glicólise, mas ocorre as vias de oxidação de combustível (VOET; VOET, 2013). A maioria das enzimas desidrogenases são específicas ao aceptor de elé- trons NAD+ no catabolismo. As desidrogenases ligadas ao NAD+ retiram dos seus substratos dois átomos de hidrogênio. O íon hidreto é transferido para o NAD+ e o outro elétron é liberado como hidrogênio. NADH e NADPH são trans- portadores de elétrons solúveis em um ambiente hidrofílico, que se ligam re- versivelmente com as enzimas desidrogenases. O NADH transporta elétrons das reações de degradação para a cadeia respiratória. O NADPH fornece elé- trons para reações de biossíntese. As células que separam NADPH e NADH têm diferentes potenciais redox, mantendo a razão [forma reduzida] / [forma oxi- dada] alta para NADPH e baixa para NADH. Somente os elétrons atravessam a membrana mitocondrial interna (NELSON; COX, 2014). As flavoproteínas atuam como uma junção entre um doador de elétrons e um aceptor de elétrons, e possuem um nucleotídeo de flavina, FMN ou FAD ligado covalentemente. A flavina é oxidada para aceitar um elétron que produz a semi- quinona ou dois elétrons para produzir FADH2 ou FMNH2 (NELSON; COX, 2014). BIOQUÍMICA APLICADA 31 SER_FARMA_BIOQAP_UNID1.indd 31 07/01/2021 12:40:19 Outras moléculas transportadoras de elétrons na cadeia respiratória são a ubiquinona (coenzima Q), que é uma benzoquinona hidrofóbica, solúvel em lipídeos e que acopla o fluxo de elétrons ao movimento de prótons, os citocro- mos e as proteínas ferro-enxofre (VOET; VOET, 2013). Os cloroplastos possuem a plastoquinona, e as bactérias possuem a mena- quinona, que realiza o processo similar ao da ubiquinona, que é o transporte de elétrons em cadeias de transferência de elétrons associadas às membranas. A ubi- quinona presente na Figura 5 pode aceitar um elétron para se tornar o radical semi- quinona (•QH) ou dois elétrons para formar ubiquinol (QH2) (NELSON; COX, 2014). A hidrofobicidade (afinidade a lipídios) da ubiquinona favorece sua difusão livre dentro da bicamada lipídica da membrana mitocondrial interna e é capaz de movimentar redutores entre outros transportadores de elétrons menos móveis na membrana (ZHANG e colaboradores, 2006). Ubiquinona Grupo Heme Fe-S Flavoproteína-Ubiquinona Oxirredutase Ubiquinol Figura 5. Flavoproteína-ubiquinona oxirredutase e seu grupo Heme de Ferro ligado ao enxofre catalisa a reação da ubiquinona com FADH2, formando ubiquinol e FAD. Fonte: UniProt, 2020. Os citocromos são proteínas que possuem grupos prostéticos heme con- tendo ferros que absorvem luz visível. Há três classes de citocromos nas mito- côndrias, os citocromos a, b e c, distinguidos por diferenças em seus espectros de absorção de luz. O citocromo a possui banda de comprimento de onda pró- ximo de 600 nm; o citocromo b, próximo de 560 nm; e o tipo c, perto de 550 nm. O Gráfico 1 apresenta o espectro de absorção do citocromo c (cit c) oxidada (em azul) e reduzida (em vermelho). As bandas características α, β e γ da forma reduzida estão marcadas (NELSON; COX, 2014). BIOQUÍMICA APLICADA 32 SER_FARMA_BIOQAP_UNID1.indd 32 07/01/2021 12:40:24 Em cianobactérias, o citocromo c6 e o citocromo b6f possuem papéis du- plos. Elas utilizam esses dois citocromos e a plastoquinona nos processos de fosforilação oxidativa e na fotofosforilação. Na fosforilação oxidativa, os elé- trons fluem do NADH para o O2, e na fotofosforilação, os elétrons migram da água para NDP+. Esses processos são acompanhados pelo movimento de pró- tons através da membrana (NELSON; COX, 2014). Cit c oxidado α β γ Cit c reduzido Comprimento de onda (nm) Ab so rç ão re la tiv a de lu z ( % ) 100 50 0 300 400 500 600 Fonte: NELSON; COX, 2014. (Adaptado). Os cofatores heme dos citocromos a e b não estão ligados covalentemente, mas possuem uma ligação forte com as suas proteínas. Na membrana interna da mitocôndria, é possível encontrar os citocromos dos tipos a e b e alguns do tipo c. Os citocromos c estão presentes na extremidade externa da membrana da mitocôndria, o que se deve ao fato de essa proteína ser solúvel e interagir com a superfície externa da membrana interna, por meio de interações eletrostáticas. O grupo heme c está covalentemente ligado à proteína do citocromo c, por meio de ligações tioéster a dois resíduos de cisteína (Cys) (NELSON; COX, 2014). O ferro se liga aos átomos de enxofre inorgânico ou com átomos de enxofre dos resíduos de cisteína na proteína ferro-enxofre. Os centros de ferro-enxofre possuem estruturas simples com um único átomo de ferro coordenado com quatro grupos tióis (SH) de cisteínas, mas também possuem estruturas com- plexas com dois ou quatro átomos de ferro (NELSON; COX, 2014). GRÁFICO 1. BANDA DE COMPRIMENTO DE ONDA DO CITOCROMO C (PDB: 1HRC) OXIDADO E REDUZIDO BIOQUÍMICA APLICADA 33 SER_FARMA_BIOQAP_UNID1.indd 33 07/01/2021 12:40:29 Os átomos de ferro estão coordenados com resíduos de histidina (His) nas proteínas ferro-enxofre de Rieske. As proteínas ferro-enxofre transferem um elétron, dessa forma, um átomo de ferro pode ser oxidado ou reduzido. Cerca de oito proteínas Fe-S funcionam como transportadores de elétrons na mito- côndria.O potencial de redução das proteínas ferro-enxofre varia de 20,65 V a 10,45 V e a variação ocorre de acordo com o microambiente do ferro dentro da proteína (NELSON; COX, 2014). No fi nal da cadeia respiratória mitocondrial, os elétrons se movem do NADH, succinato por fl avoproteínas, ubiquinona, proteí- nas ferro-enxofre e citocromos para produzir a molécula de O2. Cys Cys CH3CH CHCH3CH3 N Fe N NN CH3 CH3 CH3 CH2CH2CCO- CH2CH2CCO- Heme c S S Figura 6. Citocromo C (PDB: 1HRC) e seu grupo Heme c. Fonte: NELSON; COX, 2014. (Adaptado). Processos de transdução de energia durante a fotossíntese A fotofosforilação realizada pela fotossíntese captura a energia solar e a uti- liza para produzir ATP. A absorção de luz por uma porfi rina contendo íon mag- nésio coordenado, a clorofi la, é o primeiro estágio da fotossíntese. Nas plantas, inicialmente no fotossistema I, a luz gera poder redutor na forma de NADPH e, BIOQUÍMICA APLICADA 34 SER_FARMA_BIOQAP_UNID1.indd 34 07/01/2021 12:40:33 em seguida, no fotossistema II, ocorre a transferência de elétrons da água para uma quinona, obtendo oxigênio no final do processo. O fluxo de elétrons entre os fotossistemas gera um gradiente de prótons transmembrana, usado para iniciar a síntese de ATP, como na fosforilação oxidativa (BERG; TYMOCZKO; STRYER, 2015). O NADPH e o ATP formados pela ação da luz reduzem o gás carbônico e o convertem em 3-fosfoglicerato por uma série de reações no escuro, chamadas de Ciclo de Calvin, que ocorrem no estroma dos cloroplastos, processo que podemos ver no Diagrama 5. A partir do 3-fosfoglicerato pela via da gliconeogênese, são formados hexoses. O NADPH geralmente supre elétrons para reações anabólicas (BERG; TYMOCZKO; STRYER, 2015). Noite Aberto CO2 PEP Fosfato triose Amido Piruvato (3-C) CO2Cloroplasto HC03- Oxaloacetato (4-C) HO O O OH OH NADP+ Enzima málica Célula mesófila Vacúolo NADP+ Dia NADPH NAD+ Malato (4-C) Malato (4-C) Fechado Ácido málico (4-C) Ciclo de Calvin PEP Carboxilase dehidrogenase málica Para iniciar a gliconeogênese, é preciso que um composto seja convertido a piruvato ou oxaloacetato. O piruvato é convertido em fosfoenolpiruvato e de- pois em oxaloacetato. A alanina pode ser convertida em piruvato e o aspartato pode ser convertido em oxaloacetato e outros aminoácidos glicogênicos, que também podem gerar fragmentos de três ou quatro carbonos. Os únicos seres vivos que são capazes de converter CO2 em carboidrato são as plantas e bacté- rias fotossintetizantes, usando o ciclo de Calvin (NELSON; COX, 2014). Para cada três moléculas de dióxido de carbono (CO2) estabilizadas, uma molécula de gliceraldeído-3-fosfato é sintetizada, nove adenosina trifosfato (ATP) e seis NADPH são utilizadas como reagentes na reação. Três moléculas de DIAGRAMA 5. CICLO DE CALVIN. BIOQUÍMICA APLICADA 35 SER_FARMA_BIOQAP_UNID1.indd 35 07/01/2021 12:40:38 ribulose-1,5-bifosfato se condensam com três dióxidos de carbono (CO2), des- sa forma, três carbonos são utilizados para sintetizar seis moléculas de 3-fos- foglicerato, um total de 18 carbonos são produzidos no processo. Essas seis moléculas de 6-fosfoglicerato sofrem redução, formando seis moléculas de gliceraldeido-3-fosfato que estão em equilíbrio com di-hidroxiacetona-fosfato, com o consumo de seis ATP na síntese de 1,3-bifosfoglicerato e seis NADPH na redução do 1,3-bifosfoglicerato a gliceraldeido-3-fosfato (NELSON; COX, 2014). NADPH e ATP são sintetizados nas reações dependentes de luz e consumidas na fase escura da fotossíntese, conhecida como ciclo de Calvin. As moléculas de adenosina trifosfato (ATP) são convertidas em adenosina difosfato (ADP) e fosfato na síntese de uma molécula de triose-fosfato; oito dos fosfatos são liberados como pirofosfato (Pi) e, quando se unem com oito adenosina trifosfatos, regeneram as moléculas. O nono fosfato é adicionado na triose-fosfato, mas, para transformá-lo em ATP, uma molécula de Pi precisa ser importada do citosol (NELSON; COX, 2014). No escuro, a produção de ATP e NADPH pela fotofosforilação e a incorpo- ração de CO2 na triose-fosfato cessam, momento no qual ocorrem reações do anabolismo do carbono. O estroma do cloroplasto contém todas as enzimas necessárias para conver- ter as trioses-fosfato produzidas pelo anabolismo de CO2 (gliceraldeido-3-fos- fato e di-hidroxiacetona-fosfato) em amido, temporariamente armazenado no cloroplasto na forma de grânulos insolúveis. A aldolase condensa as trioses, produzindo frutose-1,6-bifosfato, que produz frutose-6-fosfato; a fosfoexose-i- somerase gera glicose-6-fosfato; e a fosfoglicomutase produz glicose-1-fosfato, o material inicial para a síntese de amido (NELSON; COX, 2014). Um grande número de reações do ciclo de Calvin ocorre nos organismos dos animais, exceto as reações catalisadas pelas enzimas rubisco, sedoeptu- lose-1,7-bifosfatase e pela ribulose-5-fosfato-cinase. Essas três enzimas são responsáveis pela conversão líquida de CO2 em glicose nos animais. O ATP é sintetizado na fosforilação oxidativa e na fotofosforilação pela maioria dos or- ganismos. Importante saber que nas mitocôndrias ocorre a fosforilação oxida- tiva e no cloroplasto das plantas ocorre a fotofosforilação (NELSON; COX, 2014). As células possuem potenciais redox diferentes para NADPH e NADH. A glu- tationa redutase reutiliza a glutationa oxidada em sua forma reduzida, com saí- da de elétrons da NADPH gerado pela nicotinamida-nucleotídeo-transidrogena- BIOQUÍMICA APLICADA 36 SER_FARMA_BIOQAP_UNID1.indd 36 07/01/2021 12:40:38 se na mitocôndria ou pela via das pentoses-fosfato no citosol. As mitocôndrias das plantas completam a célula com ATP durante períodos de pouca iluminação ou escuridão por mecanismos similares aos dos organismos não fotossintéti- cos, como visto no Diagrama 5 (NELSON; COX, 2014). Na luz, a principal fonte de NADH mitocondrial, o processo de fotorrespiração converte glicina em serina: 2 Glicina + NAD+ → serina + CO2 + NH3 + NADH + H + As mitocôndrias das plantas e de alguns fungos regeneram NAD+ a partir de NADH em excesso pela transferência de elétrons de NADH para a ubiquinona e da ubiquinona para a molécula de O2, com dissipação de calor e não parti- cipando dos complexos III e IV. Nas proteínas, a citocromo oxidase, que está presente no complexo IV, ocorre inibição por cianeto; já a ubiquinona – oxidase (QH2-oxidase) não é inibida por cianeto, o que favorece a transferência de elé- trons nas plantas. Os elétrons de NADPH e a energia do ATP atuam na redução de CO2 nas reações anabólicas de carbono da fotossíntese, formando trioses e hexoses, entre outros carboidratos (NELSON; COX, 2014). A transdução de energia nas células está relacionada ao deslocamento de elétrons de uma molécula a outra por reações de oxirredução, nas quais o rea- gente oxidado perde elétrons e, ao ser reduzido, ganha elétrons, o que faz com que a energia potencial eletroquímica varie. Os prótons se movimentam através de uma membrana biológica direcionados pela energia da luz por uma série de proteínas que transportam os elétrons, como, por exemplo, o citocromo f, que possui moléculas de água ligadas a sua estrutura química, favorecendo o movi- mento de prótons através da membrana por um processo chamado de “salto de prótons”, no qual a água é ligada em um canal de prótons da citocromo f, que é parte da maquinaria de fixação de energia da fotossíntese em cloroplastos. Ligações de hidrogênio unem cinco moléculas de água aos grupos funcionais dos resíduos de aminoácidos da proteína (valina, prolina, arginina e alanina). O citocromo f possui um grupo heme ligado ao íon ferro que facilita o movimento de elétrons durante a fotossíntese. O principal produto intermediário da fotos- síntese é a sacarose, pois esse carboidrato é o transporte de açúcar das folhas para as outras partes da planta, e os monossacarídeos D-glicosee a ceto-hexose D-frutose são os intermediários-chave das sequências de reações produtoras de energia centrais da maioria dos organismos (NELSON; COX, 2014). BIOQUÍMICA APLICADA 37 SER_FARMA_BIOQAP_UNID1.indd 37 07/01/2021 12:40:38 Conversão de energia luminosa em energia elétrica Na fotossíntese, as plantas utilizam a luz como um potencial redutor, a ex- citação elétrica resultante passa de uma molécula de clorofi la para outra, até a energia do elétron em uma separação de cargas. A radiação eletromagnética na faixa de 380 nm a 750 nm é chamada de luz visível. A Figura 6 apresenta uma pequena parte do espectro eletromagnético. A energia aumenta para os comprimentos de onda menores (BERG; TYMOCZKO; STRYER, 2015). Matematicamente, a energia é expressa pela equação de Planck: E = hv = hc/λ Onde h é a constante de Planck (6,626 · 10-34 Js), v é a frequência da luz em ciclos/s, c é a velocidade da luz (3,00 · 108 m/s), e λ é o comprimento de onda em metros. A energia de um fóton de luz visível varia de 150 kJ/einstein para luz vermelha até aproximadamente 300 kJ/einstein para luz violeta, sendo que um einstein é igual a 6,022 · 1023 fótons (NELSON; COX, 2014). Luz visível Amarelo Cor de laranja VermelhoUltravioleta Violeta 100 nm 380 nm 430 nm 500 nm 560 nm Aumenta Diminui Energia 600 nm 650 nm Azul Anil Verde Infravermelho 750 nm < 1 mm Figura 6. Espectro eletromagnética na faixa do ultravioleta ao infravermelho. O comprimento de onda da luz utilizada na fotossíntese de plantas vascula- res é aproximadamente 700 nm, a energia em mol de fótons de luz desse com- primento de onda pode ser calculado utilizando a equação de Planck. A energia de um fóton para esse comprimento de onda é de 2,87 · 10-19 J. Na absorção de um fóton, o elétron presente na clorofi la é elevado para um ní- vel de maior energia. Para isso, o fóton precisa conter a quantidade de energia (um quantum) confi gurada à energia da transição eletrônica. No estado excitado, uma molécula absorve um fóton instável e, no estado fundamental, o elétron excitado decai, tornando-se estável e liberando o quantum absorvido na forma de luz ou calor ou utilizando-o para realizar trabalho químico (NELSON; COX, 2014). BIOQUÍMICA APLICADA 38 SER_FARMA_BIOQAP_UNID1.indd 38 07/01/2021 12:40:39 A coloração verde das plantas é devido à presença de pigmentos que absor- vem luz das regiões azul e vermelha do espectro eletromagnético (Figura 6), e a luz verde é a mais refl etida. As plantas coletam a maior parte da energia solar pela combinação de clorofi las (a e b) e pigmentos acessórios. A variação na pro- porção desses pigmentos é responsável pela gama de cores dos organismos fotossintéticos (NELSON; COX, 2014). Conversão de energia elétrica em energia química Para conversão da energia elétrica em química, um fóton absorvido na for- ma de luz ou calor na emissão de luz que acompanha o decaimento de molé- culas excitadas, um processo conhecido como fl uorescência ocorre em um comprimento de onda maior com menor energia do que aquele da luz absor- vida. Um modo alternativo de decaimento importante na fotossíntese envolve a transferência direta de energia de excitação de uma molécula excitada para uma molécula vizinha (NELSON; COX, 2014). Um fóton é um quantum de energia luminosa e o éxciton é o quantum de energia molecular, quando uma energia é passada de uma molécula excitada para outra molécula por transferência de éxciton. Os complexos coletores de luz presentes na clorofi la se conectam a outros complexos proteicos e à mem- brana. Um complexo coletor de luz (LHCII) contém sete moléculas de clorofi la a, cinco de clorofi la b e duas do pigmento acessório luteína. As clorofi las também possuem carotenoides, que são pigmentos secundários de absorção e recep- tores suplementares de luz, já que podem absorvê-la em comprimentos de ondas que as clorofi las não absorvem (NELSON; COX, 2014). Durante a fotossíntese, a transferência de elétrons promovida pela luz em clo- roplastos de plantas é realizada na membrana tilacoide por sistemas multienzimá- ticos. A efi ciência do processo fotossintético dos complexos de centros de reação é um produto evolutivo onde são combinadas uma cinética rápida com uma termo- dinâmica favorável, tornando o processo irreversível (NELSON; COX, 2014). Nas membranas tilacoides dos cloroplastos, ocorrem dois fotossistemas contendo centros de reação fotoquímica diferentes. No Diagrama 6 é apresen- tado o processo de fotossíntese realizado pelos dois fotossistemas. Os dois sistemas possuem funções distintas e complementares. O fotossistema I (PSI), BIOQUÍMICA APLICADA 39 SER_FARMA_BIOQAP_UNID1.indd 39 07/01/2021 12:40:39 está relacionado com as reações das bactérias verdes sulfurosas, contendo um centro P700. Quando o P700 é excitado, ele transfere elétrons para a proteína Fe-S ferrodoxina, que catalisa a transferência de elétrons para NADP+, que é re- duzido a NADPH. Já o fotossistema II (PSII), é um fotossistema único nas bacté- rias púrpuras, contendo um sistema do tipo feotina-quinona, onde a excitação do centro de reação P680 transfere os elétrons para o complexo de citocromos b6f, que liga os dois fotossistemas, favorecendo o movimento de prótons atra- vés da membrana tilacoide (NELSON; COX, 2014). Nas plantas, os fotossistemas I e II agem em sequência para catalisar o mo- vimento de elétrons promovido pela luz de H2O para NADP +. O transportador de elétrons nas plantas é a proteína plastocianina. A reposição dos elétrons em cianobactérias e plantas ocorre pela oxidação da água produzindo O2 (respira- ção aeróbia). Já nas bactérias verdes sulfurosas, a reposição de elétrons ocorre pela oxidação do H2S (respiração anaeróbia) (NELSON; COX, 2014). e- e- Fotossistema I Fotossistema II Clorofila aceptora de elétrons Filoquinona Cíclico Pheo Plastoquinona Plastocianina Gradiente de prótons 2ª quinona Fe-S Fd Fd: NADP+ oxirredutase NADP+ LUZ Acíclico P680* P700* NADP P700 Complexo de Cit b6f LUZ P680 e- H2O O2 1 2 Complexo produtor de O2 Fonte: NELSON; COX, 2014. (Adaptado). DIAGRAMA 6. INTEGRAÇÃO DOS FOTOSSISTEMAS I E II NOS CLOROPLASTOS BIOQUÍMICA APLICADA 40 SER_FARMA_BIOQAP_UNID1.indd 40 07/01/2021 12:40:40 No fotossistema II, ocorre a excitação do P680 que produz P680*, um doador de elétrons que rapidamente transfere um elétron para feofitina (Pheo), fornecen- do a ela uma carga negativa (•Feo-). Em seguida, a •Feo- passa seu elétron extra muito rapidamente a uma plastoquinona (PQA), que transfere seu elétron para uma segunda plastoquinona (PQB). Quando PQB adquire dois elétrons de PQA em duas dessas transferências e dois prótons do solvente água, ele está em sua forma totalmente reduzida de quinol, PQBH2. A reação total iniciada pela luz no PSII é: 4 P680 + 4H+ + 2 PQB + 4 fótons → 4 P680+ + 2 PQBH2 2H2O + 8 fótons + 2NADP+ + ~3ADP+ + ~3Pi → O2 + ~3ATP + 2NADPH Por último, o citocromo b6f recebe os elétrons da PQBH2 e o elétron que foi removido da P680 é reposto pela oxidação da água. Os centros de reação fotoquímica presentes nas clorofilas são responsáveis pela transdução de luz em energia química (NELSON; COX, 2014). No circuito de prótons e elétrons durante a fotofosforilação, os elétrons transferi- dos da água se movem por meio do fotossistema II, através da cadeia intermediária de carreadores, passando pelo fotossistema I até finalmente chegarem ao NADP+. Já os prótons são bombeados pelo lúmen do tilacoide através do fluxo de elétrons por meio de carreadores que ligam o fotossistema II e o I, em seguida entram no estroma pelos canais de prótons formados pela enzima ATP-sintase (NELSON; COX, 2014). À medida que os elétrons são transferidos da água para NADP+ nos cloroplastos das plantas, ocorre a movimentação de 12 H+ do estroma para o lúmen do tilacoide para formas O2. Quatro desses prótons são transportadospelo complexo de libera- ção de oxigênio e até oito pelo complexo de citocromos b6f. Oito fótons precisam ser absorvidos para que os quatro elétrons da água sejam transferidos para formar o NADPH. Sendo utilizado um fóton por elétron em cada centro de reação, a energia dos fótons à luz visível é suficiente para a síntese de três moléculas de ATP. A sínte- se de ATP é uma reação conservada, assim como a formação de NADPH (NELSON; COX, 2014). A equação geral para a fotofosforilação acíclica (Figura 14) é: BIOQUÍMICA APLICADA 41 SER_FARMA_BIOQAP_UNID1.indd 41 07/01/2021 12:40:40 Sintetizando O metabolismo é formado pelas vias catabólicas, que degradam molécu- las complexas, e as vias anabólicas, que sintetizam moléculas. O metabolismo é regido pelas leis da termodinâmica. Quando a energia livre padrão é maior que zero, o sistema é endotérmico e endergônico, e para energia livre menor que zero, o sistema é exotérmico e exergônico. A regulação metabólica abran- ge processos que servem para manter a homeostasia em estado de equilí- brio. Nesse sentido, a respiração celular é a fase aeróbia do catabolismo, que acontece em três etapas: a glicólise, o ciclo do ácido cítrico, a fosforilação oxidativa. Grande parte do ATP presente nos organismos vivos é sintetizado pela fosforilação oxidativa e pela fotofosforilação. Por fim, a transdução de energia nas células ocorre por oxirredução. BIOQUÍMICA APLICADA 42 SER_FARMA_BIOQAP_UNID1.indd 42 07/01/2021 12:40:40 Referências bibliográficas BERG, J. M.; TYMOCZKO, J. L.; STRYER, L. Bioquímica. 7. ed. Rio de Janeiro: Gua- nabara Koogan, 2015. BRAUTIGAM, C. A.; WYNN, R. M.; CHUANG, J. L.; MACHIUS, M.; TOMCHICK, D. R.; CHUANG, D. T. Structural Insight into Interactions between Dihydrolipoamide Dehydrogenase (E3) and E3 Binding Protein of Human Pyruvate Dehydrogenase Complex. Structure, [s.l.]. v. 14, p. 611-621, mar. 2006. CADEIA de transporte de elétrons. Postado por Omar Ali. (7min. 44s.). son. color. port. ou leg. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=rdF3m- nyS1p0>. Acesso em: 17 set. 2020. JIANG, J.; BAIESC, F. L.; HIROMASA, Y.; YU, X.; HUI, H. W.; DAI, X.; ROCHE, T. E.; ZHOU, H. Z. Atomic Structure of the E2 Inner Core of Human Pyruvate Dehydro- genase Complex. Biochemistry, [s.l.]. v 57, n. 16, p. 2325-2334, 02 abr. 2018. KATO, M.; WYNN, M. R.; CHUANG, J. L.; TSO, S.; MACHIUS, M.; LI, J. 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BIOQUÍMICA APLICADA 43 SER_FARMA_BIOQAP_UNID1.indd 43 07/01/2021 12:40:40 PIGMENTOS E A FOTOSSÍNTESE 2 UNIDADE SER_FARMA_BIOQAP_UNID2.indd 44 07/01/2021 12:51:10 Objetivos da unidade Tópicos de estudo Aprender sobre pigmentos fotossintetizantes; Compreender como cloroplastos e mitocôndrias produzem energia; Aprender sobre a inter-relação das vias metabólicas no fígado; Compreender a atuação do citocromo P450 e da glutationa transferase no metabolismo. Pigmentos fotossintetizantes Pigmentos Clorofilas Pigmentos acessórios Carotenoides, flavonoides e betalaínas Etapas fotoquímica e química da fotossíntese Fotossistemas Relação entre mitocôndrias e cloroplastos Maquinaria metabólica Principais vias de compostos no fígado Metabolismo de carboidratos Metabolismo de lipídeos Metabolismo de aminoácidos Eliminação de fármacos pelo fígado Papel do complexo enzimático citocromo P450 e da glutationa transferase BIOQUÍMICA APLICADA 45 SER_FARMA_BIOQAP_UNID2.indd 45 07/01/2021 12:51:10 Pigmentos fotossintetizantes A atmosfera primitiva do planeta Terra era redutora, já que ainda não exis- tia oxigênio na atmosfera, por isso as primeiras células eram anaeróbias. Os primeiros seres vivos, possivelmente, obtinham energia de sulfeto ferroso e carbonato ferroso. A redução do CO2 para produzir compostos orgânicos com- plexos utilizando a energia solar foi possível devido aos primeiros seres vivos primitivos evoluírem e desenvolverem pigmentos com a capacidade de captu- rar a energia solar (NELSON; COX, 2014). O processo primitivo da fotossíntese provavelmente utilizava a molécula de H2S como doador original de elétrons; no processo, produzia como subpro- duto o sulfato ou o enxofre elementar. Mais um passo evolutivo fez as células desenvolverem a capacidade enzimática de usar H2O como doador de elétrons nas reações fotossintéticas, obtendo O2 como resíduo. Os descendentes mo- dernos dos primeiros seres vivos produtores de oxigênio fotossintético são as cianobactérias (NELSON; COX, 2014). Esse evento evolutivo da fotossíntese tornou a atmosfera rica em oxigênio, um oxidante forte. Algumas linhagens desses microrganismos fotossintetizan- tes levaram ao surgimento dos organismos aeróbios, os quais obtêm energia pelo transporte de elétrons das moléculas de oxigênio. Todo o processo da evolução biológica inicia-se pelo surgimento de vesículas lipídicas contendo moléculas orgânicas e RNA autorreplicante, o que origina as primeiras células (NELSON; COX, 2014). Pigmentos Pigmentos fotossensíveis são lipídeos, moléculas que possuem como ca- racterística a insolubilidade em água. Eles estão entre os compostos químicos naturais mais importantes, que produzem várias cores e executam diversas funções (SOLOVCHENKO; YAHIA; CHEN, 2018). Os pigmentos fotossensíveis, por sua vez, podem atuar na visão e no processo de fotossíntese, enquanto outros produzem colorações naturais. As cores nas fl ores e frutas atraem animais para polinizar fl ores e dispersar sementes. Outras funções incluem captação de luz na fotossíntese, proteção BIOQUÍMICA APLICADA 46 SER_FARMA_BIOQAP_UNID2.indd 46 07/01/2021 12:51:10 contra foto-oxidação e danos, regulamentação no desenvolvimento e defesa. Considerando que a fotossíntese é de importância primordial nos órgãos e te- cidos assimiladores, o que aumenta o desenvolvimento e a manutenção ade- quados da economia geral do carbono das plantas, a coloração atraente parece ser crucial nos frutos (NELSON; COX, 2014). A maioria dos pigmentos são nutrientes essenciais, e alguns são provita- minas para humanos e animais. Sabe-se que alguns pigmentos têm benefícios nutracêuticos e de saúde adicionais, incluindo prevenção e tratamento de al- gumas doenças. Como são a principal fonte de uma dieta rica em pigmentos, as frutas bo- tânicas de todos os tipos (incluindo aquelas designadas como vegetais) são os principais sujeitos de pesquisa de pigmentos (NELSON; COX, 2014). As principais classes de pigmentos são clorofilas (Chl), ficobilinas, carote- noides, flavonoides e as betalaínas. Os pigmentos naturais apresentam uma estrutura carbônica, com alternação de ligações simples e duplas, conhecida como dienos. Esses dienos, muitas vezes, estão conjugados a lipídeos (SOLOV- CHENKO; YAHIA; CHEN, 2018): Antocianina Quercetina Betanina Clorofila Figura 1. Estruturas moleculares da antocianina, quercetina, betanina e clorofila (pigmentos presentes em plantas e penas de aves). BIOQUÍMICA APLICADA 47 SER_FARMA_BIOQAP_UNID2.indd47 07/01/2021 12:51:11 O arranjo estrutural dos dienos permite a movimentação dos elétrons. Os compostos po- dem ser excitados por radiações eletromag- néticas de baixa energia (luz visível), dando a eles cores visíveis para humanos e outros animais. O caroteno possui comprimentos de onda que refletem amarelo-alaranjado; compos- tos similares colorem penas das aves em verme- lho, laranja e amarelo. Esses pigmentos são sintetizados a partir de derivados de isopreno, e os esteróis, esteroides, dolicóis, as vitaminas A, E, D e K, a ubiquinona e a plastoqui- nona são moléculas que participam na pigmentação (NELSON; COX, 2014). Os pigmentos dominantes para as folhas das plantas são as clorofilas, que absorvem fortemente nas regiões vermelhas e azuis, e os carotenoi- des, que absorvem principalmente no azul e um pouco na região verde do espectro eletromagnético. As cores predominantes, refletidas ou transmiti- das pelas folhas, são, portanto, verdes e amarelas. No outono, as clorofilas nas folhas das plantas decíduas podem branquear e, geralmente, não são substituídas, reduzindo, assim, a absorção no vermelho e nas regiões azuis. Os carotenoides restantes absorvem apenas o azul e as regiões verdes (SOLOVCHENKO; YAHIA; CHEN, 2018). Os animais aparentemente não sintetizam carotenoides (apenas plantas, algas, algumas bactérias e certos fungos). Devido a isso, pássaros de cores vivas, como canários e flamingos, e muitos invertebrados obtêm suas cores amarelas ou avermelhadas dos carotenoides que chegam a eles via alimen- tos, como plantas e outros organismos fotossintetizantes (SOLOVCHENKO; YAHIA; CHEN, 2018). ASSISTA O vídeo Por que as folhas das árvores mudam de cor no outono?, postado pelo canal Minuto da Terra, traz uma explicação didática e interessante sobre esse processo natural. BIOQUÍMICA APLICADA 48 SER_FARMA_BIOQAP_UNID2.indd 48 07/01/2021 12:51:12 Clorofilas As clorofi las são pigmentos verdes com estruturas policíclicas, planares e lembrando a protoporfi rina da hemoglobina, exceto que, nesse caso, o Mg2+, e não o Fe 2+ , ocupa a posição central. As clorofi las estão presentes em todos os organismos fotossintéticos e representam a principal classe de pig- mentos responsáveis pela absorção da luz na fotossíntese (SOLOVCHENKO; YAHIA; CHEN, 2018). Em 1906, Mikhail Tswett realizou experimentos de cromatográfi cos de ad- sorção e demonstrou que ocorrem diferentes tipos de clorofi la. As clorofi las a e b compreendem aproximadamente 1 % do peso seco das folhas verdes. Em 1940, Hans Fischer estudou e estabeleceu as estruturas de várias clorofi las, e seus diferentes tipos são identifi cados por letras e pela taxonomia do grupo de organismo em que ocorrem (NOBEL, 2009). A clorofi la a é um tetrapirrol, contendo, em seu centro, um átomo de mag- nésio ligado coordenadamente. Possui uma cadeia lateral fi tol, que está este- rifi cada a um grupo carboxil substituinte no anel D (Figura 2). Fitol é um álcool terpeno de cadeia longa, a qual fornece um ângulo não polar que ajuda a ligar as moléculas de clorofi la presentes nos complexos clorofi la-proteína nas mem- branas lamelares dos cloroplastos (NOBEL, 2009). A B R R = CH3 – clorofi la a R = CHO – clorofi la b CD Fitol Porfi rina Figura 2. Estrutura molecular da clorofi la. BIOQUÍMICA APLICADA 49 SER_FARMA_BIOQAP_UNID2.indd 49 07/01/2021 12:51:13 As ligações simples e duplas alter- nadas do sistema conjugado do anel de porfirina fornecem muitos elétrons π deslocalizados, que podem partici- par da absorção da luz. Ocorrem ou- tros tipos de clorofilas na natureza, como a clorofila b, que difere da cloro- fila a por ter um grupo formil (CHO) no lugar de um grupo metil (CH3) no anel B. Elas apresentam forte absorção na região visível do espectro das molécu- las de polienos, como as clorofilas que possuem coeficientes de extinção mo- lar altos. Portanto são particularmen- te aptas a absorver a luz visível duran- te a fotossíntese (NOBEL, 2009). Os cloroplastos contêm tanto clorofila a quanto clorofila b, e seus espectros de absorção são suficientemente diferentes, apesar de apresentarem a mesma coloração verde, de modo a complementarem a faixa de absorção de luz uma da outra na região visível. As clorofilas a e b existem na proporção de 2:1 na maioria das plantas (SOLOVCHENKO; YAHIA; CHEN, 2018). A clorofila b está presente em praticamente todas as plantas, inclusive em samambaias e musgos, nas algas verdes e no filo Euglenophyta. Nesses orga- nismos, a proporção de clorofila a e clorofila b é geralmente de 3:1. A clorofila b não é essencial para que ocorra a fotossíntese; por exemplo, em um mutante de cevada contendo apenas clorofila a, a fotossíntese irá ocorrer satisfatoria- mente (NOBEL, 2009). Outro tipo é a clorofila c, que ocorre em dinoflagelados, diatomáceas, algas douradas e algas marrons. As bactérias fotossintetizantes roxas contêm bac- terioclorofila a, e a bacterioclorofila b está presente apenas em algumas es- pécies. A bacterioclorofila a ocorre em bactérias fotossintéticas verdes. Esses pigmentos bacterianos diferem das clorofilas das plantas verdes, pois contêm mais dois hidrogênios no anel de porfirina e diferentes substituintes ao redor da periferia do anel de porfirina (NOBEL, 2009). BIOQUÍMICA APLICADA 50 SER_FARMA_BIOQAP_UNID2.indd 50 07/01/2021 12:51:14 A) Porphyridium purpureum Ficobiliproteína PDB: 6KGX Estrutura ficobilissomo PDB: 6KGX Transferência de éxciton Clorofila a do centro de reação Luz solarB) 480–570 nm 550–650 nm Ficoeritrina Ficocianina Aloficocianina Membrana tilacoide Figura 3. A - estrutura molecular do ficobilissomo de algas vermelhas, estrutura formada por monômeros de ficobili- proteína (PDB: 6KGX). B - esquema simplificado de como a energia solar é transferida do ficobilissomo até a clorofila a presente na membrana tilacoide. Fonte: AZIZ, 2015; MA et al., 2020; NELSON; COX, 2014. (Adaptado). BIOQUÍMICA APLICADA 51 SER_FARMA_BIOQAP_UNID2.indd 51 07/01/2021 12:51:16 As cianobactérias e as algas verme- lhas, como a Porphyridium purpureum (Figura 3), utilizam fi cobilinas, por exemplo a fi coeritrobilina e a fi cocia- nobilina, como seus pigmentos de cap- tura de luz (AZIZ, 2015). Ficobilinas são tetrapirróis de cadeia aberta contendo um sistema polieno estendido, comum das clorofi las, porém não apresentam estrutura cíclica e Mg2+ central. As fi co- bilinas estão conectadas por uma liga- ção covalente a proteínas específi cas de ligação, produzindo fi cobiliproteínas que se associam aos fi cobilissomas, que são complexos altamente ordenados (Figura 3) que constituem as estruturas primárias de coleta de luz nesses mi- crorganismos (NELSON; COX, 2014). As proteínas ligantes afetam o microambiente dos cromóforos, e sugerem que as interações dos aminoácidos aromáticos das proteínas ligantes com os cromóforos podem ser um fator-chave no ajuste fi no dos estados de energia dos cromóforos para garantir a efi ciência da transferência unidirecional de energia (MA et al., 2020). Pigmentos acessórios Além das clorofi las, existem outras moléculas que absorvem luz na região do visível em organismos fotossintéticos, conhecidas como pigmentos aces- sórios, as quais transmitem suas excitações eletrônicas para a clorofi la a. Os pigmentos acessórios, ou auxiliares, estão contidos nas membranas tilacóides. A clorofi la b é um pigmento acessório que possui banda de absor- ção vermelha ligeiramente mais curta do que a banda vermelha da clorofi la a (NELSON; COX, 2014). Carotenoides e fi cobilinas podem absorver luz amarela ou verde, compri- mentos de onda cuja clorofi la a não absorve. Dessa forma, carotenoides e fi co- bilinas são receptores de luz suplementares. No Quadro 1 é apresentado em quais organismos estão distribuídos os pigmentos fotossintetizantes. BIOQUÍMICA APLICADA 52 SER_FARMA_BIOQAP_UNID2.indd52 07/01/2021 12:51:18 QUADRO 1. PIGMENTOS FOTOSSINTETIZANTES Pigmento Tipo Cor Distribuição Principal Clorofila a Verde Plantas, algas e cianobactérias. b Plantas e algas verdes. c Algas pardas e diatomáceas. d Algas vermelhas. Acessórios Carotenoides Carotenos Laranja Plantas e algas. Xantofilas Amarelo Algas pardas e diatomáceas. Ficobilinas Ficoeritrina Vermelho Algas vermelhas e cianobactérias. Ficocianina Azul Fonte: NELSON; COX, 2014. (Adaptado). A luz absorvida por carotenoides, ficobilinas e clorofila b levam à fluores- cência de clorofila a, no entanto a luz absorvida pela clorofila a não leva à fluo- rescência dos pigmentos acessórios, sugerindo que a energia de excitação não é transferida da clorofila a aos pigmentos acessórios. Assim, pigmentos aces- sórios podem aumentar o uso fotossintético da luz branca e da luz solar, absor- vendo luz nos comprimentos de onda onde a absorção é baixa na clorofila a. Depois, as excitações são transferidas para a clorofila a, antes que as reações fotoquímicas ocorram (SOLOVCHENKO; YAHIA; CHEN, 2018). As plantas apresentam a cor verde porque seus pigmentos absorvem luz das regiões azul e vermelha do espectro, e a luz verde é refletida. Na Figura 4, é possível comparar o espectro da luz solar que chega na superfície da Terra com os espectros de absorção dos pigmentos. As plantas conseguem coletar uma quantidade considerável da energia disponível na luz solar devido à combina- ção de clorofilas (a e b) e pigmentos acessórios (NELSON; COX, 2014). BIOQUÍMICA APLICADA 53 SER_FARMA_BIOQAP_UNID2.indd 53 07/01/2021 12:51:18 Luz solar atingindo a Terra Clorofi la b β-caroteno Luteína Ficoeritrina Ficocianina Clorofi la a 300 Ab so rç ão 400 500 Comprimento de onda (nm) 600 700 800 CH2 = C CH = CH2 CH3 Figura 4. Absorção de luz visível por pigmentos fotossintetizantes. Fonte: NELSON; COX, 2014. (Adaptado). Figura 5. Isopreno. Carotenoides, flavonoides e betalaínas Carotenoides Os carotenoides são terpenoides de 40 carbonos, também conhecidos como isoprenoides (SOLOVCHENKO; YAHIA; CHEN, 2018). Eles são compostos por oito unidades de isopreno, que são compostos de cinco carbonos, tendo duas ligações duplas, conforme a Figura 5. Em muitos carotenoides, as unidades de isopreno em uma ou nas duas ex- tremidades da molécula fazem parte de anéis de seis membros. Os carotenoi- des têm cerca de 3 nm de comprimento, e aqueles envolvidos na fotossíntese BIOQUÍMICA APLICADA 54 SER_FARMA_BIOQAP_UNID2.indd 54 07/01/2021 12:51:19 geralmente têm de 9 a 12 ligações de dupla conjugação. Os carotenoides que servem como pigmentos acessórios para a fotossíntese absorvem fortemente na região azul (425–490 nm) e moderadamente na região verde (490–560 nm), geralmente com espectros de banda tripla de 400 a 550 nm (SOLOVCHENKO; YAHIA; CHEN, 2018). Os carotenoides ocorrem em todas as plantas verdes, algas e bactérias fotos- sintéticas. São mais de 600 tipos ocorrendo na natureza e, possivelmente, 150 ti- pos podem estar envolvidos na fotossíntese. Quando envolvidos na fotossíntese, estão ligados e ajudam a estabilizar complexos clorofi la-proteína, dos quais vários tipos ocorrem na camada lamelar das membranas de cloroplastos (NOBEL, 2009). Os carotenoides também são encontrados em organelas conhecidas como cromoplastos, que são do tamanho de cloroplastos e são frequentemente deri- vados deles. Por exemplo, o licopeno (vermelho) está nos cromaplastos do toma- te; cromoplastos e carotenos α- e β- (laranja) ocorrem nos cromoplastos da raiz da cenoura. Uma grande diversidade de carotenoides ocorre nos cromoplastos das pétalas de fl ores, o que é importante para atrair polinizadores, e em frutas, que auxiliam na dispersão de sementes, atraindo outros animais (NOBEL, 2009). Os carotenoides presentes na Figura 6 são subdivididos em dois grupos: os carotenos, que são hidrocarbonetos; e as xantofi las, que contêm oxigênio de- rivados de carotenos. O principal caroteno nas plantas verdes é o β-caroteno, mas o α-caroteno também é abundante (o α-caroteno tem a ligação dupla no anel da direita deslocando um carbono no sentido horário, se comparado ao β-caroteno) (NOBEL, 2009). HO OH Carotenos Xantofi las Figura 6. Estrutura molecular dos carotenos e xantofi las. BIOQUÍMICA APLICADA 55 SER_FARMA_BIOQAP_UNID2.indd 55 07/01/2021 12:51:20 As xantofilas exibem uma diversidade estrutural muito maior do que os carotenos, porque os átomos de oxigênio podem estar em um grupo hidroxi (OH), metoxi (OCH3), carboxi (-COOH), ceto ou epóxi. A xantofila mais abundante em plantas verdes é a luteína; as antera- xantinas, neoxantinas, violaxantinas e zeaxantinas também são comuns. O principal caroteno das algas é o α-caroteno, e a luteína é a xantofila mais co- mum. As algas douradas, diatomáceas e as algas marrons contêm quantida- des consideráveis de xantofila fucoxantina, que funciona como o principal pigmento acessório nesses organismos. A distribuição e os tipos de carote- noides em plantas e algas têm implicações evolutivas, bem como utilidade taxonômica (NOBEL, 2009). Os carotenoides também podem atuar como antioxidantes, sem a inter- venção da clorofila. Como a fotossíntese nas bactérias verdes e roxas não leva à evolução do O2, ela pode prosseguir na ausência de carotenoides. Um mu- tante da bactéria fotossintética roxa Rhodopseudomonas sphaeroides, que ca- rece de carotenoides, realiza a fotossíntese de maneira normal na ausência de O2. Quando o O2 e a luz participam da reação, a bacterioclorofila se torna foto-oxidada e as bactérias são mortas. Esta sensibilidade não ocorre em ce- pas relacionadas, contendo carotenoides. Por outro lado, cianobactérias, algas e plantas superiores produzem O2 como um produto fotossintético, então elas devem conter carotenoides para sobreviver na luz (NOBEL, 2009). Os carotenoides podem existir como complexos de proteínas de carotenoi- des (como no caso de vegetais com folhas verdes), cristais (como em cenouras ou tomates) ou dissolvidos em óleo (como em manga e mamão). Os carotenoi- des comumente encontrados no sangue humano são luteína, zeaxanti- na, β-criptoxantina, licopeno, β-caroteno e α-caroteno (SOLOVCHEN- KO; YAHIA; CHEN, 2018). Flavonoides Os flavonoides são pigmentos fenólicos solúveis em água. A es- trutura básica de um composto fenólico é de um ou mais anéis aromáticos com substituintes hidroxila. Os principais grupos de compostos fenólicos nas plantas incluem fe- nóis simples e ácidos fenólicos, hidroxicinamato e ou- tros derivados (SOLOVCHENKO; YAHIA; CHEN, 2018). BIOQUÍMICA APLICADA 56 SER_FARMA_BIOQAP_UNID2.indd 56 07/01/2021 12:51:20 Compostos fenólicos são encontrados em todas as espécies de plantas. Os flavonoides se diferem entre si pelas combinações de substituintes, e as subs- tituições resultam em, pelo menos, nove subgrupos: antocianinas, taninos con- densados, flavonóis, flavonas, flavanodióis, isoflavonoides, chalconas, auronas e flobafenos. Eles desempenham papéis biológicos mais diversos e exibem um espectro mais amplo de cores, em comparação com os carotenoides (SOLOV- CHENKO; YAHIA; CHEN, 2018). As cores são determinadas pelas combinações de substituintes e pela alte- ração dos valores de pH e íons metálicos. Flavonoides na dieta podem bene- ficiar humanos e animais contra alérgenos, carcinógenos, patógenos e outros agentes inflamatórios. Muitos pigmentos de flavonoides, incluindo antociani- nas, ácidos clorogênicos e glicosídeos de quercetina, exercem uma forte ativi- dade antirradical in vitro (NELSON; COX, 2014). Os flavonoides são sintetizados em cloroplastos ou no citoplasma. Inicial- mente ocorre o metabolismo de um fenilpropanoide, que pode ser o malonil- -CoA ou o 4-cumaril-CoA, os primeiros substratos catalisados pela chalcona sintase (SOLOVCHENKO; YAHIA; CHEN, 2018). Antocianina Flavanonol Flavanol Flavonol FlavanonaFlavona Figura 7. Estrutura molecular de alguns flavonoides. BIOQUÍMICA APLICADA 57 SER_FARMA_BIOQAP_UNID2.indd 57 07/01/2021 12:51:21 Os produtos são formados por meio de modificação terminal pela adição de açúcares, metila, ferulato e outros grupos substituintes, que eventualmen- te levam aos nove subgrupos principais de flavonoides coloridos e incolores. Após a glicosilação, eles são transportados e acumulados dentro dos vacúolos ou excretados no apoplasto, onde permanecem dentro da parede celular ou são incorporados na cutícula. Os flavonoides têm uma infinidade de funções protetoras em plantas, incluindo defesa contra fitopatógenos e herbívoros e fotodanificação por UV e luz visível (NELSON; COX, 2014). Os compostos fenólicos apresentam um espectro de absorção no ultraviole- ta com a presença de duas bandas. A primeira banda, com pico em torno de 280 nm, aparece devido à presença de anéis aromáticos e é detectado no espectro de todos os flavonoides. A segunda banda apresenta comprimento de onda lon- go e está situada no intervalo de 300–360 nm, a posição exata de seu máximo varia para diferentes classes de fenólicos (SOLOVCHENKO; YAHIA; CHEN, 2018). Em antocianidinas e suas formas glicosiladas, conhecidas como antociani- nas, os máximos da segunda banda de absorção estão localizados na parte azul-esverdeada do espectro visível. Em particular, a banda de absorção de onda longa da cianidina, a aglicona predominante das antocianinas (responsá- vel pela coloração avermelhada das folhas e frutos em muitas espécies), está centrada em 525 nm (SOLOVCHENKO; YAHIA; CHEN, 2018). Em soluções, flavonóis e antocianinas, frequentemente, sofrem copigmen- tação inter e intramolecular. Como resultado, o aumento dos coeficientes de absorção, mudanças batocrômicas de máximos e achatamento de pico são observados significativamente, e afetam a eficiência de absorção da luz por esses compostos, localizados dentro das células e tecidos. No caso de flavonóis comuns em plantas (como glicosídeos de quercetina e kaempferol), sua tau- tomerização induz mudanças batocrômicas mais profundas dos máximos de absorção de ondas longas (SOLOVCHENKO; YAHIA; CHEN, 2018). Betalaínas Betalaínas são derivadas da tirosina por meio dos conjugados de imônio do ácido betalâmico com ciclo-DOPA e aminoácidos ou aminas. Eles também exis- tem em plantas como glicosídeos, acilglicosídeos ou outras formas complexas de compostos (por exemplo, ésteres com ácido ferúlico e conjugados de flavonóis sin- tetizados como resultado de irradiação UV) (SOLOVCHENKO; YAHIA; CHEN, 2018). BIOQUÍMICA APLICADA 58 SER_FARMA_BIOQAP_UNID2.indd 58 07/01/2021 12:51:21 Possuem nitrogênio em suas moléculas e são en- contrados em plantas da ordem Caryophyllales e em alguns cogumelos no fi lo Basidiomycota. Betalaí- nas possuem estruturas diferentes das antociani- nas e essas moléculas não coexistem em plantas, mas ambas compartilham algumas propriedades quí- micas semelhantes, funções biológicas e espectros de cores. Elas também são solúveis em água e se acumulam nos vacúo- los celulares, principalmente nos tecidos epidérmicos e subepidér- micos (SOLOVCHENKO; YAHIA; CHEN, 2018). Betalaínas são estruturalmente divididas em betacianinas e be- taxantinas. As primeiras exibem cores avermelhadas a violetas, e as últimas mostram cores de amarelo a laranja em diferentes partes da planta, como fl o- res, frutas, raízes, brácteas, sementes, folhas e caules, onde desempenham importantes papéis fi siológicos (SOLOVCHENKO; YAHIA; CHEN, 2018). Os espectros de absorção de betacianinas são caracterizados por uma ban- da larga com o máximo próximo a 593–543 nm. Uma mudança batocrômica para 550 nm é possível como resultado da copigmentação intramolecular. Os espectros de betaxantinas apresentam três bandas principais com os máximos próximos a 217, 262, 546 ou 471 nm (SOLOVCHENKO; YAHIA; CHEN, 2018). Etapas fotoquímica e química da fotossíntese A fotossíntese é um processo anabólico no qual ocorre a síntese de car- boidratos e a produção de oxigênio nas plantas verdes, utilizando como pre- cursores de síntese o dióxido de carbono e a água. Os cloroplastos das plan- tas possuem clorofi las que participam na produção de oxigênio e hidrogênio quando iluminados na presença de um agente oxidante (NELSON; COX, 2014). A equação da fotossíntese é dana pela Figura 8. CURIOSIDADE As betalaínas são biossintetizadas a partir da oxidação da L-tirosina ao ácido betalâmico, um aldeído fl uorescente. Cientistas brasileiros pesquisam sobre os fenômenos físicos e químicos de betalaínas e outros pigmentos naturais. BIOQUÍMICA APLICADA 59 SER_FARMA_BIOQAP_UNID2.indd 59 07/01/2021 12:51:21 6CO2 + 12H2O C6H12O6 + 6H2O + 6O2 Clorofi la Luz Figura 8. Equação da fotossíntese. Na reação da fotossíntese, o CO2 é reduzido para produzir carboidratos como a glicose (C6H12O6). A molécula de O2 é produzida a partir da molécula de água, e não da de CO2. A fotossíntese ocorre apenas nas partes verdes das plantas, como folhas e caules (NELSON; COX, 2014). A fotossíntese é composta por duas fases: a primeira é a fase fotoquímica, um processo dependente da luz; a segunda é a fase biossintética, ou fase es- cura da fotossíntese. A reação dependente da luz inclui uma série de eventos, como a absorção de luz, hidrólise, liberação de oxigênio e formação de ATP e NADPH (NELSON; COX, 2014). Fotossistemas São dois os fotossistemas em plantas: fotossistema I (PS I) e fotossistema II (PS II). O fotossistema I absorve luz em um comprimento de onda de 700 nm, enquanto o fotossistema II absorve luz em um comprimento de onda de 680 nm. Ao receber um fóton de energia luminosa, o fotocentro expele um elétron com um ganho de energia. É a reação primária da fotossíntese que envolve a conversão de energia da luz em forma química. Quando a luz atinge a molécula de clorofi la a, ocorre a excitação do elétron para um estado de maior energia seguido por uma série de reações; esta energia é con- vertida em moléculas de energia ATP e NADPH, usando PS I e PS II (NOBEL, 2009). A reação escura ocorre no estroma do cloroplasto, em que se utilizam os produtos da reação da luz e a redução de CO2, resultando na formação de gli- cose. As moléculas de ATP e NADPH produzidas durante a fase fotoquímica são utilizadas na fi xação de CO2. A cadeia de transporte de elétrons da fotossíntese é iniciada pela absorbân- cia da luz pelo fotossistema II (P680). Ao absorver luz, os elétrons de P680 são transferidos para uma molécula aceptora de elétrons; como resultado, P680 se torna um forte agente oxidante e quebra as ligações de uma molécula de água para liberar oxigênio (NOBEL, 2009). BIOQUÍMICA APLICADA 60 SER_FARMA_BIOQAP_UNID2.indd 60 07/01/2021 12:51:21 Esse processo de quebra de ligações da água dependente da luz é conheci- do como fotólise e requer íons de magnésio, cálcio e cloro para acontecer. Os elétrons gerados pela quebra da água são, então, passados para o P680 oxi- dado. Portanto, o P680 com deficiência de elétrons é capaz de restaurar seus elétrons da molécula de água (NOBEL, 2009). O fotossistema II (P680) transfere seu elétron para o aceitador de elétrons primário, que por sua vez é reduzido enquanto o P700 oxidado atrai elétrons do fotossistema II; o aceitador de elétrons reduzido do fotossistema I transfere elétrons para ferredoxina e ferredoxina-NADP redutase para reduzir NADP a NADPH2 usando prótons (H +) liberados durante a fotólise da água. O NADPH2 é um poderoso agente de redução, e é utilizado na redução de dióxido de car- bono em carboidratos, na reação de carbono da fotossíntese. Este processo requer energia, que é fornecida por ATP produzido via cadeia de transporte de elétrons (NOBEL, 2009). O processo de formação de ATP a partir de ADP e Pi (fosfato inorgânico) na presença de luz solar nos cloroplastos é chamado de fotofosforilação.Isso ocorre de duas maneiras: cíclica e acíclica. Acíclico é o processo normal de fo- tofosforilação, em que o elétron é expelido pelo centro de reação fotoquímico excitado e não retorna a ele. É realizado pela interação dos fotossistemas I e II e, em última análise, reduz NADP a NADPH2. Uma vez que o fluxo de elétrons da água para o NADP é unidirecional, o processo de formação de ATP é denomi- nado fotofosforilação acíclica. Os elétrons passam através do aceptor primário, plastoquinona (PQ), complexo de citocromo, plastocianina (PC) e finalmente para P700 (NOBEL, 2009). A fosforilação cíclica ocorre quando a fixação de carbono é interrompi- da devido ao fornecimento limitado ou inexistente de dióxido de carbono e NADPH2. Esta reação começa quando o fotossistema I absorve quantidade suficiente de luz para passar para o P700. Quando o P700 recebe quantidade suficiente de luz, ele emite elétrons, que são aceitos por um aceptor primá- rio de elétrons. A ferredoxina transporta os elétrons para a plastoquinona, devido à ausência de NADP+ para reduzir. Em seguida, os elétrons passam pelo complexo citocromo b, pelo citocromo f e pela plastocianina. Os elétrons desenergizados voltam para o fotossistema I, retornando para o estado fun- damental (NOBEL, 2009). BIOQUÍMICA APLICADA 61 SER_FARMA_BIOQAP_UNID2.indd 61 07/01/2021 12:51:21 Um fotossistema é um conjunto de 250 a 400 moléculas de pigmento. Dois fotossistemas diferentes contêm diferentes formas de clorofila a em seus cen- tros de reação. No fotossistema I (PS-I), a clorofila a com absorção máxima em 700 nm (P700), e no fotossistema II (PS-II), a clorofila a com pico de absorção em 680 nm (P680), atuam como centros de reação. P700 e P680 são dímeros de moléculas clorofila a, isto é, duas clorofilas estão agindo como uma unidade (NOBEL, 2009). O PS-II está localizado nas regiões comprimidas dos tilacoides da grana, e PS-I nos tilacoides do estroma e em regiões não comprimidas da grana. A função primária dos dois fotossistemas, que interagem um com o outro, é cap- turar a energia da luz e convertê-la em energia química (ATP) (NOBEL, 2009). Nas plantas, as reações dependentes de luz absorvem um fóton após a excitação das moléculas de clorofila e outros pigmentos acessórios, que con- centram a energia para os centros de reação nas membranas tilacoides. Nos centros de reação fotoquímica, ocorre a fotoexcitação que é resultante de uma separação de cargas, que produz um forte agente redutor e um forte agente oxidante (NELSON; COX, 2014). Na membrana tilacoide ocorre o empacotamento dos fotossistemas, com a presença de centenas de clorofilas e pigmentos acessórios do tipo antena circundando um centro de reação fotoquímica. A absorção de um fóton pelas clorofilas antenas leva à excitação do centro de reação por transferência de éxcitons. Na membrana tilacoide estão o complexo de citocromo b6f e a ATP- -sintase (NELSON; COX, 2014). A organização dos fotossistemas na membrana tilacoide é ilustrada na Figura 9. Existem vários pigmentos fotossintéticos encontrados nas plan- tas. A função dos pigmentos é absorver energia da luz, converten- do-a em energia química. A clorofila a é o principal pigmento en- volvido na captura da energia da luz e na sua conversão em energias elétrica e química. A clorofila b constitui cerca de um quarto do total teor de clorofila, e ab- sorve luz de comprimento de onda diferente do da clorofila a. A molécula de clorofila converte a energia da luz em energia elétrica, trazendo sepa- ração de carga (NELSON; COX, 2014). BIOQUÍMICA APLICADA 62 SER_FARMA_BIOQAP_UNID2.indd 62 07/01/2021 12:51:21 Cloroplasto Grana Tilacoide Clorofi las antenas Pigmentos acessórios Centro de reação Luz Figura 9. Centro de reação dos fotossistemas nas membranas tilacoides. Fonte: NELSON; COX, 2014. (Adaptado). Relação entre mitocôndrias e cloroplastos Acredita-se que as células primitivas eram parecidas com as bactérias e vi- viam em um ambiente reduzido. Parte do ATP produzido por elas era originado da conversão das moléculas orgânicas reduzidas em uma variedade de ácidos orgânicos, que eram liberados no ambiente como produtos do metabolismo. As fermentações, realizadas por essas células primitivas, acidifi caram o am- biente, e devem ter levado à evolução das primeiras bombas de hidrogênio li- gadas às membranas, as quais podiam manter um pH neutro no interior celular (ALBERTS et al., 2017). BIOQUÍMICA APLICADA 63 SER_FARMA_BIOQAP_UNID2.indd 63 07/01/2021 12:51:24 As bactérias atuais apresentam bombas de hidrogênio responsáveis pelo transporte de elétrons ou de ATP, que possivelmente surgiram nos ambientes anaeróbios primitivos. A falta de nutrientes orgânicos fermentáveis provavel- mente levou à evolução de bactérias que podiam utilizar CO2 para produzir carboidratos pela combinação das cadeias transportadoras de elétrons primi- tivas. No processo evolutivo, a molécula de água foi utilizada como doadora de elétrons para a formação de NADPH, devido ao desenvolvimento evolutivo de cadeias transportadoras de elétrons mais complexas e fotossintetizantes em cianobactérias (ALBERTS et al., 2017). A vida pôde, a partir desse processo evolutivo, proliferar-se reciclando mo- léculas orgânicas; esse processo fez com que, há milhões de anos, o O2 liberado pelas cianobactérias se acumulassem na atmosfera. Isso foi responsável pela adaptação das cadeias transportadoras de elétrons em transferir elétrons de NADH para o O2, desenvolvendo um eficiente metabolismo aeróbio. O meca- nismo aeróbio opera nas mitocôndrias e nos cloroplastos, organelas que evo- luíram de bactérias aeróbias que foram endocitadas por células eucarióticas primitivas (ALBERTS et al., 2017). As mitocôndrias são acréscimos para as células, que permitem que a maio- ria dos eucariotos realize a fosforilação oxidativa, enquanto os cloroplastos são acréscimos que permitem que alguns eucariotos selecionados (plantas e algumas algas) realizem a fotossíntese. Provavelmente como resultado da sua origem procariótica, cada organela cresce em um processo coordenado que necessita da contribuição de dois sistemas genéticos separados (um na orga- nela e um no núcleo celular) (ALBERTS et al., 2017). Grande parte das proteínas nas mitocôndrias é codificada pelo DNA nuclear, sintetizado no citosol e, então, individualmente im- portada para as organelas. Algumas proteínas e RNAs de orga- nelas são codificados pelo DNA da própria organela e sintetizados neste mesmo compartimento (NEL- SON; COX, 2014). Os ribossomos dos cloroplastos se asseme- lham muito aos ribossomos bacterianos, en- quanto os ribossomos mitocondriais apresentam tanto similaridades quanto diferenças, tornando a BIOQUÍMICA APLICADA 64 SER_FARMA_BIOQAP_UNID2.indd 64 07/01/2021 12:51:24 sua origem mais difícil de ser rastreada. As semelhanças proteicas, entretanto, sugerem que ambas as organelas se originaram quando uma célula eucariótica primitiva entrou em uma relação endossimbiótica estável com uma bactéria. Acredita-se que uma bactéria púrpura originou a mitocôndria e, mais tarde, uma cianobactéria deu origem ao cloroplasto (ALBERTS et al., 2017). Na Figura 10, é possível observar a árvore filogenética da provável evolução das mitocôn- drias e dos cloroplastos. Eucariotos Atmosfera oxidante Atmosfera redutora Procariotos Cloroplastos Cianobactérias Bactérias azuis-verdes Bactérias verdes filamentosas Sulfobactérias verdes Bactérias fermentadoras ancestrais Respiração de O2 Respiração de O2 Respiração de O2 Bactérias púrpura não sulfuradas Sulfobactérias púrpura Perda da fotossíntese Fotossíntese envolvendo H2O Fotossíntese envolvendo H2S Ciclo de fixação do carbono Perda da fotossíntese Bactéria móvel por deslizamento Mitocôndrias E. coli Rizobactérias Figura 10. Árvore filogenética da evolução das mitocôndrias e dos cloroplastos.Fonte: ALBERTS et al., 2017, p. 875. (Adaptado). ASSISTA Para entender um pouco mais sobre a origem das célu- las, assista ao vídeo De onde vêm as células (eucariotos) | Nerdologia Ensina 04, do canal Nerdologia. BIOQUÍMICA APLICADA 65 SER_FARMA_BIOQAP_UNID2.indd 65 07/01/2021 12:51:25 Maquinaria metabólica Tanto bactérias quanto cloroplastos e mitocôndrias contêm um comple- xo enzimático ligado à membrana que muito se assemelha ao complexo ci- tocromo b c1 das mitocôndrias. Todos estes complexos aceitam elétrons de uma quinona carreadora (Q), e bombeiam H+ através das suas respectivas membranas. Além disso, em sistemas reconstituídos in vitro, os diferentes complexos podem substituir uns aos outros, e as sequências de aminoá- cidos dos seus componentes proteicos revelam que estão evolutivamente relacionados (NELSON; COX, 2014). Os cloroplastos estão localizados nas margens externas, com suas su- perfícies largas paralelas à parede celular das células mesofílicas. Todo o processo de fotossíntese ocorre dentro do cloroplasto. Mitocôndrias e clo- roplastos possuem sistema genético próprio, mas produzem uma pequena quantidade de suas proteínas. Elas adquirem, do hialoplasma, a maioria das suas proteínas e utilizam mecanismos parecidos. Nas duas organelas, as proteínas são adquiridas no estado desenovelado, através das membranas externa e interna, concomitante para o espaço da matriz ou do estroma (ALBERTS et al., 2017). O transporte de proteínas para cloroplastos é similar ao transporte de elétrons para as mitocôndrias. A Figura 11 apresenta uma comparação en- tre as cadeias de transporte de elétrons dessas duas organelas. São proces- sos pós-traducionais que utilizam complexos de translocação separados em cada membrana, necessitam de energia e usam sequências-sinal N-terminais anfi fílicas, que são removidas após a utilização. Os componentes proteicos que formam os complexos de translocação são diferentes, com exceção de algumas molé- culas chaperonas. A hidrólise de adenosina trifos- fato (ATP) e um potencial eletroquímico de H+, por meio da membrana interna, direcionam a translocação para a mitocôndria, enquanto a translocação em cloroplastos é coordenada somente pela hidrólise de guanosina trifosfato (GTP) e de ATP (NELSON; COX, 2014). BIOQUÍMICA APLICADA 66 SER_FARMA_BIOQAP_UNID2.indd 66 07/01/2021 12:51:25 Cianobactérias Mitocôndrias Cloroplastos O2 H2O H2O Citocromo-oxidase NADH-desidrogenase Cit c pC Q Q H+ H+ Complexo b-c1 Complexo b-f NADH NADPH NAD+ NADP+ Luz produz separação de carga Luz produz separação de carga Figura 11. Comparação entre as cadeias transportadoras de elétrons nas mitocôndrias e cloroplasto de plantas e cianobactérias. Fonte: ALBERTS et al., 2017. (Adaptado). A maquinaria fotossintética das bactérias púrpuras compreende três está- gios; um único centro de reação de citocromo P870; um complexo de transfe- rência de elétrons, o citocromo bc1, igual ao complexo III da cadeia mitocon- BIOQUÍMICA APLICADA 67 SER_FARMA_BIOQAP_UNID2.indd 67 07/01/2021 12:51:27 drial de transferência de elétrons; e uma enzima ATP-sintase. A iluminação catalisa o transporte de elétrons pela feofitina e pela quinona, para o com- plexo de citocromos bc1. Após mover-se pelo complexo, os elétrons fluem pelo citocromo c2 de volta ao centro de reação, restabelecendo o seu estado fundamental antes da iluminação. O fluxo cíclico de elétrons realizado pela luz fornece a energia para o bombeamento de prótons pelo complexo de cito- cromos bc1. A partir da energia gerada pelo gradiente de prótons resultante, a ATP-sintase produz ATP, similar ao processo que ocorre nas mitocôndrias (ALBERTS et al., 2017). A mitocôndria é formada por dois subcompartimentos: o espaço interno da matriz e o espaço intermembranas. A membrana interna envolve a ma- triz e o espaço da matriz formando extensas invaginações, conhecidas como cristas, e a membrana externa está em contato com o citosol. Os cloroplas- tos possuem esses dois subcompartimentos e mais um adicional, o espaço tilacoidal, que é rodeado pela membrana tilacoide. Cada um dos subcom- partimentos dessas organelas possui um conjunto de proteínas distintas (ALBERTS et al., 2017). As mitocôndrias e os cloroplastos se desenvolvem a partir do crescimento de organelas preexistentes, seguido de fissão. O crescimento dessas organe- las é dependente, principalmente, da importação de proteínas do citosol por proteínas translocadas. O movimento de proteínas por meio de membranas é conhecido como translocação de proteínas. Os cloroplastos obtêm elétrons de alta energia por meio de fotossistemas que capturam elétrons excitados quando a luz solar é absorvida pelas moléculas de clorofila. Os processos de transporte de elétrons ocorrem na membrana tilacoide, na qual objetivo é a produção de ATP. H+ é bombeado para o espaço tilacoi- de, e um refluxo de H, por meio da ATP-sintase, produz o ATP no estroma do cloroplasto. O ATP produzido é usado em conjunto com o NADPH, feito pela fotossíntese para direcionar muitas reações biossintetizantes no estroma clo- roplastídico, incluindo as reações de fixação do carbono mais importantes, que geram carboidratos a partir de CO2. Em conjunto com outros produtos dos cloroplastos, este carboidrato é exportado para o citosol celular, onde (na forma de gliceraldeído-3-fosfato) fornece carbono orgânico, ATP e força redutora para o resto da célula (ALBERTS et al., 2017). BIOQUÍMICA APLICADA 68 SER_FARMA_BIOQAP_UNID2.indd 68 07/01/2021 12:51:27 Boa parte da atividade anabólica em plantas, incluindo a fi xação de CO2, ocorre em organelas que se autorreproduzem, conhecidas como plastídeos. Elas são delimitadas por uma membrana dupla que contém um pequeno geno- ma, que codifi ca algumas de suas proteínas. Os plastídeos se reproduzem por fi ssão binária, replicam seu DNA circular e utilizam enzimas próprias e ribos- somos para sintetizar as proteínas codifi cadas pelo genoma. Os cloroplastos são os sítios do anabolismo de CO2. No estroma, estão contidas as enzimas utilizadas nesse processo biossintético. O estroma é a fase solúvel, circundado pela membrana interna do cloroplasto (NELSON; COX, 2014). Principais vias de compostos no fígado O fígado tem um papel fundamental no metabolismo energético, e exerce várias funções na regulação da homeostase, excreção e digestão do organismo. Este órgão realiza reações de síntese anabólicas e de degradação catabólica de moléculas. É um órgão que elimina substâncias tóxicas e produz sais biliares, que são responsáveis pela eliminação de bilirrubinas por um processo de biotransformação de moléculas. É responsável por fatores de coagulação sanguínea, realiza o metabolismo de car- boidratos, proteínas, lipídeos e aminoácidos (NELSON; COX, 2014). Na Figura 12, é possível observar as relações entre as vias metabólicas presentes no fígado. Intestino Pâncreas (células β) Síntese proteica (todos os tecidos) Insulina Veia porta Fígado Ureia Cérebro Tecido adiposo Tecido muscular CO2 + H2O CO2 + H2O Aminoácidos Glicose Glicogênio PiruvatoSíntese de proteínas Linfáticos Lactato Gordura Eritrócitos Gordura Glicose Aminoácido Quilomícron Lactato Figura 12. Inter-relação das vias metabólicas no fígado. Glicogênio BIOQUÍMICA APLICADA 69 SER_FARMA_BIOQAP_UNID2.indd 69 07/01/2021 12:51:29 Os nutrientes presentes no sangue do estômago, intestino delgado, intes- tino grosso e baço é drenado pela veia porta hepática até o fígado, que então recebe os nutrientes e inicia o processo metabólico deles, armazenando ou liberando as moléculas biotransformadas para a circulação, de acordo com o que o corpo necessita (VOET; VOET, 2013). As células responsáveis pelo processo metabólico dentro do fígado são os hepatócitos. Essas células possuem o transportador de glicose GLUT2, não dependente de insulina. Ofígado, responsável pela manutenção glicêmica, executa as vias metabólicas que produzem carboidratos, proteínas, lipídeos e aminoácidos e direciona os nutrientes para a corrente sanguínea. A execução das várias vias metabólicas realizadas pelo fígado ocorre em resposta aos hormônios insulina, glucagon e adrenalina (VOET; VOET, 2013). A glicose, quando entra nos hepatócitos, é fosforilada pela enzima hexoquinase, produzindo a glicose-6-fosfato, e, por meio da regulação hormonal, o fígado direciona a glicose-6-fosfato para as diferentes vias metabólicas, de acordo com as necessidades energéticas do organismo (NELSON; COX, 2014). Metabolismo de carboidratos Para a produção de energia e de acetil-CoA, os hepatócitos direcio- nam a glicose-6-fosfato pela via gli- colítica. Nessa via, a glicose é conver- tida a piruvato. Durante a glicólise, o piruvato é convertido em acetil-CoA pelo complexo de enzimas piruvato- -desidrogenase. Em seguida, a acetil- -CoA entra no ciclo do ácido cítrico e é metabolizada, formando molé- culas de adenosina-trifosfato (ATP) (VOET; VOET, 2013). Parte da energia formada na gli- cólise é utilizada para o anabolismo BIOQUÍMICA APLICADA 70 SER_FARMA_BIOQAP_UNID2.indd 70 07/01/2021 12:51:31 de ácidos graxos e para a produção de colesterol. A glicose hepática pode ser utilizada na via das pentoses-fosfato, que realiza a oxidação da glicose, for- mando ribose-5-fosfato, NADPH e CO2. A ribose formada é utilizada na síntese de nucleotídeos e parecidos nucleicos, e o NADPH é utilizado por outras vias metabólicas (VOET; VOET, 2013). Quando a concentração de glicose no sangue está abaixo de 90 mg/dL, os hepatócitos iniciam a desfosforilação da glicose-6-fosfato, que é liberada na corrente sanguínea. Essa glicose pode ser formada pelas vias da glicogenólise ou da gliconeogênese. Na glicogenólise, o fígado possui alta concentração de glicogênio, que é utilizado nos intervalos de jejum entre as refeições por rea- ções de fosforólise. Já na gliconeogênese ocorre a formação de glicose a partir de precursores não glicolíticos, uma via que ocorre em jejuns prolongados, es- timulada pela hormônio glucagon (VOET; VOET, 2013). Metabolismo de lipídeos Os lipídeos são os principais consti- tuintes das membranas biológicas; são responsáveis pelo armazenamento de energia a longo prazo; sinalização in- ter e intracelular; pela biossíntese de vitaminas e hormônios; pela síntese de pigmentos fotossensíveis; atuam como transportadores de elétrons, chaperonas, agentes emulsifi cantes; e servem como isolantes térmicos. As células adipócitos são responsáveis pela síntese e armazenamento de triacilgliceróis (NELSON; COX, 2014). O fígado é responsável pelo catabolismo e anabolismo de lipídeos. A partir da β-oxidação ocorre a oxidação ou o catabolismo de ácidos graxos para for- mar acetil-CoA, via que ocorre na matriz mitocondrial e é formada por quatro reações enzimáticas, em que a cada ciclo de β-oxidação de ácido graxo são produzidos carbono e acetil-CoA, NADH e FADH2. A Figura 13 ilustra o processo metabólico para formação de ácidos graxos livres (NELSON; COX, 2014). BIOQUÍMICA APLICADA 71 SER_FARMA_BIOQAP_UNID2.indd 71 07/01/2021 12:51:32 Figura 13. Mobilização dos triacilgliceróis armazenados no tecido adiposo. Fonte: NELSON; COX, 2014, p. 670. (Adaptado). A β-oxidação é estimulada por glucagon no jejum. O fígado utiliza a acetil- -CoA proveniente do catabolismo de ácidos graxos para produzir colesterol na via anabólica. O colesterol formado pode ser incorporado pelos hepatócitos e depois enviado para outros órgãos e tecidos por meio de lipoproteínas plas- máticas, ou pode ser utilizado para produzir os ácidos biliares para realizar a digestão de gorduras. Na falta de demanda de energia, os hepatócitos incorpo- ram-no em triacilgliceróis armazenados no tecido adiposo. A insulina coordena a síntese e incorporação de triacilgliceróis no organismo (NELSON; COX, 2014). A ação hormonal mobiliza ácidos graxos dos adipócitos para a via catabó- lica, quando a glicose está baixa no sangue, e ocorre a liberação do hormônio glucagon na corrente sanguínea, que irá atuar com o receptor na membrana do adipócito; depois a proteína G ativa a enzima adenilato ciclase para produzir cAMP, que por sua vez ativa a proteína quinase A (PKA), que é fosforilada e ativa a lipase sensível a hormônios (HSL) (NELSON; COX, 2014). Glucagon Adenilil-ciclase ATP cAMP PKA Transportador de ácidos graxos β-oxidação, ciclo do ácido cítrico, cadeia respiratória Albumina sérica Corrente sanguínea ATP Perilipina Triacilglicerol Gotícula de lipídeo Monoacilglicerol Ácidos graxos CO2 Adipócito Miócito Diacilglicerol 1 2 3 4 P PP P P P 5 6 7 9 10 11 8 CGI CGI CGI MGL HSL Gs ATGL Receptor Lipase sensível a hormônio HSL BIOQUÍMICA APLICADA 72 SER_FARMA_BIOQAP_UNID2.indd 72 07/01/2021 12:51:33 A adipose triacilglicerol lipase (ATGL) é ativada pela fosforilação da perilipi- na e, em seguida, as molécula de pirofosfato ligada à lipase sensível a hormô- nios (Pi-HSL) interage com as gotículas via Pi-perilipina, e a ação simultânea de ATGL e Pi-HSL libera ácidos graxos no citoplasma. Os ácidos graxos livres (FFA), ao entrarem na corrente sanguínea, interagem com a albumina sérica, e são liberados da albumina por meio de um transportador específi co de ácidos graxos até o miócito (NELSON; COX, 2014). No miócito, ocorre a oxidação dos ácidos graxos, formando CO2, e a energia da oxidação é conservada na forma de ATP, que abastece a contração muscular e outros tipos de metabolismos que necessitam de energia no miócito, proces- so observado na Figura 13. Metabolismo de aminoácidos Os aminoácidos são moléculas precursoras de compostos nitrogenados, como heme, aminas biologicamente ativas, nucleotídeos e coenzimas, como a NADH. No fígado, os aminoácidos são degradados, formando diferentes meta- bólitos que são direcionados para várias vias metabólicas ou podem sintetizar proteínas a partir desses aminoácidos. O ácido glutâmico (Glu), glutamina (Gln), glutationa (glu), ácido aspártico (Asp) e alanina (Ala) são convertidos em inter- mediários no ciclo de Krebs (NELSON; COX, 2014). Os intermediários da via glicolítica, a via pentose-fosfato e o ciclo de Krebs são utilizados no metabolismo anabólico de aminoácidos nos hepatócitos. Es- ses aminoácidos podem ser utilizados na produção de nucleotídeos, utilizando como precursores aminoácidos, ribose-5-fosfato, CO2 e NH3. Os aminoácidos em excesso são convertidos em intermediários metabólicos, como piruvato, oxaloacetato, acetil-coenzima e o-cetoglutarato (NELSON; COX, 2014). No catabolismo, as catepsinas, que são proteases de lisossomos, degradam proteínas de membrana extracelular. No citoplasma, a ubiquitina-proteasso- ma realiza a proteólise. A ubiquitina pode ser encontrada livre ou ligada por ligações covalentes a outras proteínas. A função da ubiquitina é atuar como marcador para degradação de proteínas pelo proteassoma 26S. A via da ubi- quitina-proteassoma realiza a degradação de proteínas velhas, mutantes, com enovelamento problemático ou desnaturadas, e serve como reguladora de BIOQUÍMICA APLICADA 73 SER_FARMA_BIOQAP_UNID2.indd 73 07/01/2021 12:51:33 processos bioquímicos, como a proliferação e diferenciações infl amatória e imunológica (NELSON; COX, 2014). As enzimas aminotransferases geram glutamato a partir da catálise de transferência de -NH3 + dos aminoácidos para o α-cetoglutarato. O glutamato é um transportador de -NH3 + para excreção de metabólitos ou para reações anabólicas. O transporte de ácido glutâmico do citosol até a mitocôndria acon- tece nos hepatócitos, onde ocorre desaminação oxidativa ou transaminação. Na desanimação, ocorre liberação do íon amônio catalisado pela glutamato desidrogenase, que utiliza NAD+ ou NADP+ (NELSON; COX, 2014).A transaminação do ácido glutâmico forma ácido aspártico, que é o se- gundo repositório de grupo o-NH3 + dos aminoácidos. A ação conjunta das enzimas transaminases e glutamato desidrogenase permite agregar o nitro- gênio da maioria dos aminoácidos para dois compostos de ácido aspártico e íons NH4 + no processo de transdesaminação. O glutamato é um transpor- tador de -NH3 + do fígado intracelular; a glutamina, do músculo; e a alanina, de NH+ e piruvato do músculo para o fígado, por um processo anaeróbico (NELSON; COX, 2014). Eliminação de fármacos pelo fígado Substâncias lipofílicas estranhas ao organismo, como os fármacos, podem ser degradadas no fígado. No fígado, pode ocorrer a inativação ou eliminação das moléculas tóxicas geradas após a degradação dos fármacos. Na Figura 14, podemos observar a degradação do fármaco paracetamol no fígado, que, de- pendendo da concentração do fármaco, poderá produzir metabólitos tóxicos ao organismo (KATZUNG; MASTERS; TREVOR, 2014). Existem dois grupos de reações de biotransformação: as reações de fase I, que são catabólicas, e as reações de fase II, que são anabólicas. Na fase I, reações de oxirredução, hidrólise e ciclização formam grupos funcionais, como OH, -COOH, -SH, -O e - NH2, que podem ser inseridos, ou não, nas moléculas. Essas reações são, normalmente, catalisadas por enzimas do citocromo P450, por mono-oxigenases contendo fl avinas e por epóxido-hi- drolases presentes no retículo endoplasmático dos hepatócitos (KATZUNG; MASTERS; TREVOR, 2014). BIOQUÍMICA APLICADA 74 SER_FARMA_BIOQAP_UNID2.indd 74 07/01/2021 12:51:33 As enzimas do citocromo P450 são responsáveis por parte da metabolização dos fármacos. Os metabólitos formados na fase I são direcionados para a fase II, na qual participarão de reações de conjugação com glicina e glutationa catalisadas por transferases, localizadas no citosol celular (KATZUNG; MASTERS; TREVOR, 2014). COOH NHCOCH3 HONCOCH3 SO3H NHCOCH3NHCOCH3 NHCOCH3NHCOCH3 NHCOCH3 SCH2CHNHCOCH3 COOH SO3H NCOCH3 Paracetamol Morte de células hepáticas Intermediários tóxicos e reativos Sulfato não tóxico Glicuronato não tóxico Conjugado de ácido mercaptúrico COOH OH OH OH OH OH OH OH OH OH OH OH Proteína S Proteína SHConjugação GSH SulfataçãoGlicuronidação O O O O O +GSH O O UDP ADP Figura 14. Catabolismo do paracetamol. Fonte: KATZUNG; MASTERS; TREVOR, 2014. (Adaptado). BIOQUÍMICA APLICADA 75 SER_FARMA_BIOQAP_UNID2.indd 75 07/01/2021 12:51:33 Papel do complexo enzimático citocromo P450 e da glutationa transferase Complexo enzimático citocromo P450 As enzimas do citocromo P450 (P450s ou CYPs) são catalisadores de rea- ções de oxidação. P450s são enzimas contendo heme b, que ligam o dioxigênio (O2) a um grupo heme ferroso, e, em seguida, reduzem e protonam ferro para formar intermediários reativos capazes de adições de oxigênio em um substra- to ligado próximo ao ferro de heme P450 (McLEAN et al., 2015). A oxidação do substrato ocorre no radical oxoferril da porfi rina, conheci- da como composto I. Esta espécie transitória foi defi nitivamente caracterizada pela primeira vez em 2010, por Rittle e Green, que apresentaram ambas as características espectroscópicas do composto I, e uma demonstração clara de sua potência catalítica na oxidação do substrato usando uma enzima P450 ter- mofílica como sistema modelo (McLEAN et al., 2015). Para facilitar a formação do composto I, ocorre protonação sucessiva, para produzir primeiro o estado de hidroperoxo férrico (composto 0), seguido pela formação do composto I, e após a perda de uma molécula de água ocorre a se- gunda protonação. Para alcançar a hidroxilação do substrato, o composto I abs- trai um átomo de hidrogênio do substrato ligado perto da heme (formando um composto II ou espécies hidroxi-ferril transitórios) (HRYCAY; BANDIERA, 2012). Parceiro redox Parceiro redox Parceiro redox Ferro-protoporfi rina IX (B) NADPH-Citocromo P450 redutase (PDB:3ES9)(A) Heme b Parceiro redox ox ox red red Composto 0 Composto 1 Figura 15. A - o ciclo catalítico do citocromo P450. B - a estrutura molecular do citocromo P450 de PDB:3ES9 e seu grupo heme b. Fonte: McLEAN et al., 2005. (Adaptado). BIOQUÍMICA APLICADA 76 SER_FARMA_BIOQAP_UNID2.indd 76 07/01/2021 12:51:35 Os cofatores NADH e NADPH entregam elétrons por transferência de hi- dreto para um cofator flavina, para auxiliar na catálise do citocromo P450. Em mamíferos, são conhecidos o citocromo P450 redutase, chamado de CPR, e o citocromo P450 oxirredutase, chamado de POR, que auxiliam a enzima no pro- cesso redox na membrana do retículo endoplasmático de fígado e do outros tecidos (McLEAN et al., 2015). A transferência de elétrons de FADH2 para FMN produz a hidroquinona FMN (flavina mononucleotídeo), que é o doador de elétrons para o citocromo P450. O primeiro elétron é transferido da hidroquinona FMN para o ferro do grupo heme, restaurando o FMN semiquinona e formando o heme ferroso, que então liga o O2. Um segundo elétron é passado do FAD (flavina dinucleotídeo) para o FMN (restaurando o estado de repouso oxidado do FAD e formando a hidroqui- nona FMN novamente). A hidroquinona FMN, então, passa o segundo elétron para a espécie férrico-superoxo P450, formando o estado do peroxo férrico e permitindo a progressão através das etapas de protonação posteriores no ciclo catalítico. A NADPH-citocromo P450 redutase é o transportador de elétrons do NADPH para o citocromo P450 (HRYCAY; BANDIERA, 2012). Desta forma, há controle sobre a transferência de elétrons para o P450, permitindo a ligação do dioxigênio ao ferro heme, a fim de ocorrer, entre as duas, transferências de elétrons individuais nas etapas do CPR, e o parceiro redox do CPR passa por um ciclo 1-3-2-1, no qual os dígitos indicam o número total de elétrons retidos no CPR flavinas em diferentes estágios do processo de redução do citocromo P450 (HRYCAY; BANDIERA, 2012). Existem 17 isoformas do citocromo P450, das quais 19% não metabolizam fármacos e oxidam substâncias endógenas, como esteroides, ácidos biliares e vitaminas lipossolúveis; as isoformas humanas do citocromo P450, por sua vez, são expressas no fígado. O citocromo P450 atua na oxidação de vários fármacos. O ibuprofeno, por exemplo, é oxidado na cadeia alquílica lateral na fase I do metabolismo. As flavinas mono-oxigenase (FMO) catalisam a oxida- ção dos heteroátomos de nitrogênio e enxofre e não promovem desalquilações (HRYCAY; BANDIERA, 2012). Glutationa transferase A glutationa (GSH) atua no processo de biotransformação, na eliminação de compostos estranhos ao organismo (xenobióticos) e na defesa celular contra BIOQUÍMICA APLICADA 77 SER_FARMA_BIOQAP_UNID2.indd 77 07/01/2021 12:51:35 o estresse oxidativo. É um tiol celular presente em eritrócitos e hepatócitos, e faz parte da manutenção do genoma celular. A glutationa transferase (GST) é uma enzima que catalisa o ataque nucleofílico da forma reduzida da glutationa a compostos que apresentam um carbono, um nitrogênio ou um átomo de enxofre eletrofílico (ALBERTS et al., 2017). Essas enzimas são encontradas no meio biológico como homo ou hete- rodímeros, que possuem dois sítios ativos por dímero e possuem atividades independentes uma da outra. Alguns dos substratos eletrófilos da glutationa transferase incluem os haletos de alquila, epóxidos, quinonas, aldeídos, ceto- nas, lactonas e ésteres (HUBER; ALMEIDA; FÁTIMA, 2008). As glutationas transferases de mamíferos são divididas em famílias T cito- sólica e GST mitocondrial, que são solúveis, e a família GST microssomal está associada a membranas. Essas enzimas participam das etapas de degradação catabólica dos aminoácidos fenilalanina e tirosina, e são responsáveis pela iso- merização do ácido 13-cis-retinóico ao ácido 13-trans-retinóico. Atua na deto- xificação de compostos endógenos, onde enzimas atuam sobrederivados do colesterol, os epóxidos (HUBER; ALMEIDA; FÁTIMA, 2008). A biotransformação de fármacos no fígado está agrupada em duas fases. A fase 1, na maioria das vezes, é realizada pelas enzimas da superfamília do cito- cromo P450, que inclui as reações de oxidação, de redução ou de hidrólise. Os fármacos podem ser ativados, inativados ou terem suas atividades inalteradas. A fase 2 envolve reações de conjugação, que são responsáveis pela inativação total do xenobiótico. A inativação de compostos estranhos ao organismo geral- mente é realizada pelas enzimas da família das glutationas S-transferase (GSTs) e N-acetiltransferases (NATs) (HUBER; ALMEIDA; FÁTIMA, 2008). BIOQUÍMICA APLICADA 78 SER_FARMA_BIOQAP_UNID2.indd 78 07/01/2021 12:51:35 Sintetizando Nessa unidade, vimos que as principais classes de pigmentos são clorofi- las, ficobilinas, carotenoides, flavonoides e as betalaínas. Os pigmentos aces- sórios carotenoides e as ficobilinas podem absorver amarelo ou luz verde, comprimentos de onda cuja clorofila a não absorve. O fígado tem um papel fundamental no metabolismo energético e exerce várias funções na regulação da homeostase, excreção e digestão do organis- mo. Este órgão realiza reações de síntese anabólicas e de degradação cata- bólica de moléculas. As enzimas do citocromo P450 são catalisadores de reações de oxidação. Essas enzimas possuem um grupo heme b, que liga o dioxigênio (O2) a um grupo heme ferroso. A superfamília do citocromo P450 ativa ou inativa fármacos através de reações de oxidação, de redução ou de hidrólise. A glutationa (GSH) participa do processo de biotransformação, na eliminação de compostos estranhos ao organismo e na defesa celular contra o estresse oxidativo. BIOQUÍMICA APLICADA 79 SER_FARMA_BIOQAP_UNID2.indd 79 07/01/2021 12:51:35 Referências bibliográficas ALBERTS, B. et al. Biologia molecular da célula. 6. ed. Porto Alegre: Artmed, 2017. AZIZ, F. H. New record of the genus Porphyridium purpureum from Kurdistan. Journal of Advanced Laboratory Research in Biology, v. 6, n. 2, p. 54-57, abr. 2015. Dispo- nível em: <https://e-journal.sospublication.co.in/index.php/jalrb/article/view/225>. Acesso em: 4 nov. 2020. DE ONDE vêm as células (eucariotos) | Nerdologia Ensina 04. Postado por Nerdologia. 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BIOQUÍMICA APLICADA 80 SER_FARMA_BIOQAP_UNID2.indd 80 07/01/2021 12:51:35 METABOLIZAÇÃO DO OXALOACETATO E O CICLO DA UREIA 3 UNIDADE SER_FARMA_BIOQAP_UNID3.indd 81 07/01/2021 13:15:39 Objetivos da unidade Tópicos de estudo Aprender sobre as vias de metabolização do oxaloacetato; Aprender sobre as principais vias metabólicas e de conjugação com ácido glicurônico; Aprender o mecanismo de reação de transaminação e desaminação dos aminoácidos; Compreender a síntese de amônia e ciclo da ureia. Vias de metabolização do oxaloacetato Oxaloacetato no ciclo do ácido cítrico Gliconeogênese Ciclo do glioxilato Principais vias metabólicas e de conjugação com ácido glicurônico Glicuronidação Sulfoconjugação e acetilação Conjugação da glutationa S Reações de transaminação e desaminação dos aminoácidos Transaminação Desaminação Síntese de amônia e ciclo da ureia Síntese de amônia Ciclo da ureia BIOQUÍMICA APLICADA 82 SER_FARMA_BIOQAP_UNID3.indd 82 07/01/2021 13:15:39 Vias de metabolização do oxaloacetato O anabolismo da via metabólica lida com a construção de rotas estequio- metricamente consistentes de reações bioquímicas, catalisadas por enzimas que atendem a certas especifi cações. Uma especifi cação comum é a síntese de um produto metabólico a partir de um conjunto designado de substratos. A enumeração sistemática de todas as rotas possíveis que levam a um deter- minado produto é importante no contexto da análise da via metabólica. Igual- mente importante é compreender as características comuns de um metabólito intermediário, compartilhado por todas as vias diferentes (STEPHANOPOULOS; ARISTIDOU; NIELSEN, 1998). As vias metabólicas estão interligadas, moléculas são degradadas e sinte- tizadas de acordo com a necessidade do corpo para a manutenção da vida e é comum que a mesma molécula faça parte de vias diferentes. O piruvato é o substrato para várias enzimas diferentes que realizam reações específi cas para cada tipo de produto que será formado. Por exemplo, uma enzima pode converter o piruvato em acetil-CoA, outra enzima pode convertê-lo em oxaloa- cetato, o mesmo substrato com ação de outra enzima, pode convertê-lo em um aminoácido. Ocorre uma competição entre as vias metabólicas pela mesma molécula de piruvato para produzir moléculas diferentes (ALBERTS et al., 2010). O intermediário oxaloacetato faz parte do ciclo do ácido cítrico e interliga várias vias metabólicas anabólicas, dentre elas gliconeogênese, para produção de glicose a partir de oxaloacetato. Nesta unidade iremos apresentar as vias de metabolização do oxaloacetato, as reações de transaminação e desaminação dos aminoácidos e a síntese de amônia e o ciclo da ureia (BENDER, 2003). Oxaloacetato no ciclo do ácido cítrico O ciclo do ácido tricarboxílico, também conhecido como ciclo do ácido cítrico ou ciclo de Krebs, é a principal via metabólica de geração de energia nas células, pro- porcionando a maior parte das coenzimas reduzidas que serão oxidadas pela cadeia de transporte de elétrons, para produzir trifosfato de adenosina (ATP). O ciclo do ácido cítrico é responsável pela produção de energia, oxidação de unidades de dois carbonos e também é o principal caminho para a interconversão de compostos de BIOQUÍMICA APLICADA 83 SER_FARMA_BIOQAP_UNID3.indd 83 07/01/2021 13:15:39 quatro e cinco carbonos na célula, muitos dos quais surgem ou são intermediários na síntese de aminoácidos. O oxaloacetato, um intermediário-chave no ciclo, é o principal precursor da gliconeogênese em jejum (BENDER, 2003). No ciclo do ácido cítrico, o grupo acetila é transferido da acetil-CoA para o oxaloa- cetato, formando o ácido cítrico. A oxidação do ácido cítrico possibilita a produção de energia durante o ciclo. As reações anabólicas possuem como ponto de partida as moléculas intermediárias, como oxaloacetatoe α-cetoglutarato do ciclo do ácido cítrico e da glicólise. Os intermediários são produzidos durante o catabolismo, trans- feridos da mitocôndria para o citosol para serem usados como precursores biossin- téticos de moléculas como os aminoácidos (ALBERTS et al., 2010). O ciclo tricarboxílico ocorre na mitocôndria de eucariotos. Essa organela tam- bém contém as enzimas para a conversão de ácidos graxos e alguns aminoácidos em acetil-CoA e enzimas que realizam a conversão oxidativa de outros aminoáci- dos em α-cetoglutarato, succinil-CoA ou oxaloacetato. A mitocôndria é o local de produção de ATP no escuro, porém, em dias claros, com a presença de luz solar, os cloroplastos produzem a maior parte do ATP nos eucariotos fotossintéticos. Nos procariotos, como as bactérias, as enzimas do ciclo tricarboxílicos estão no citosol (BENDER, 2003). O ciclo do ácido cítrico (Diagrama 1) fornece um caminho para a oxidação do dióxido de carbono e água da fração de acetato da acetilcoenzima A (CoA), de- corrente da descarboxilação oxidativa do piruvato (o produto da glicólise) para a β-oxidação de ácidos graxos, o metabolismo do etanol, corpos cetônicos e vários aminoácidos. Para cada mol de acetil-CoA oxidado nesta via, há um rendimento de 12 ATP, decorrentes de: • Três dinucleotídeos nicotinamida adenina (NAD+) reduzidos a NADH, equiva- lentes a nove ATP quando oxidados de novo na cadeia de transporte de elétrons; • Uma flavoproteína reduzida, levando à redução de ubiquinona, equivalente a dois difosfatos de adenosina (ADP) quando reoxidadas na cadeia de transporte de elétrons; • Um difosfato de guanosina (GDP) fosforilado a trifosfato de guanosina (GTP), equivalente a um ATP. O intermediário de quatro carbonos, oxaloacetato, reage com acetil-CoA para for- mar o ácido cítrico. A CoA da acetil-CoA é lançada e está disponível para formação pos- terior de acetil-CoA de piruvato, ácidos graxos ou corpos cetônicos (BENDER, 2003). BIOQUÍMICA APLICADA 84 SER_FARMA_BIOQAP_UNID3.indd 84 07/01/2021 13:15:39 Embora o oxaloacetato seja o precursor do gliconeogênese, ácidos graxos e outros compostos que dão origem a acetil-CoA, não pode ser usado para síntese de glico- se. Embora dois carbonos sejam adicionados ao ciclo por acetil-CoA, dois carbonos são perdidos como dióxido de carbono em cada virada do ciclo. Portanto, quando a acetil-CoA é o substrato, não há aumento no número de intermediários do ciclo tricar- boxílico e, dessa forma, o oxaloacetato não pode ser retirado para a gliconeogênese quando a acetil-CoA está sendo metabolizada (BENDER, 2003). DIAGRAMA 1. CICLO DO ÁCIDO CÍTRICO Fumarato Fumarase Malato Malato desidrogenase Citrato sintase Aconitase Cis-aconitato Aconitase Citrato Oxaloacetato Ciclo do Ácido Cítrico Acetil-CoA Succinato desidrogenase Succinato Succinil-CoA sintetase Succinil-CoA Cetoglutarato desidrogenase Cetoglutarato Isocitrato Isocitrato desidrogenase BIOQUÍMICA APLICADA 85 SER_FARMA_BIOQAP_UNID3.indd 85 07/01/2021 13:15:42 Uma variedade de aminoácidos dá origem para intermediários do ciclo cítrico, permitindo, assim, remoção de oxaloacetato para gliconeogênese. Além disso, a reação de piruvato carboxilase é uma importante fonte de oxaloacetato para man- ter a atividade do ciclo tricarboxílico. O destino metabólico do piruvato pode ocor- rer por descarboxilação oxidativa, para produzir acetil-CoA ou por carboxilação, para produzir oxaloacetato, e é determinado pela disponibilidade de acetil-CoA, que surge da β-oxidação de ácidos graxos e do metabolismo de corpos cetônicos e da necessidade de oxaloacetato para manter atividade do ciclo do ácido cítrico (NELSON; COX, 2014). O NADH e a acetil-CoA inibem a enzima piruvato desidrogenase, enquanto a piru- vato carboxilase possui atividade na presença de acetil-CoA. Assim, às vezes, quando há abundância de acetil-CoA, o piruvato não sofrerá descarboxilação e oxidação no ciclo do ácido cítrico, mas será carboxilado em oxaloacetato. Este, formado por carbo- xilação de piruvato pode ser usado na gliconeogênese (NELSON; COX, 2014). Os intermediários do ciclo tricarboxílico são removidos e utilizados como rea- gentes na via anabólica. Essa reposição é realizada pelas reações anapleróticas, que mantêm um equilíbrio entre retirada e reposição dessas moléculas interme- diárias, de forma a manter as concentrações desses intermediários quase cons- tantes (NELSON; COX, 2014). A carboxilação do piruvato pelo dióxido de carbono para a síntese de oxaloa- cetato é reversível e catalisada pela enzima piruvato-carboxilase. É uma reação anaplerótica, que nos mamíferos ocorre no fígado e nos rins. A carboxilação do piruvato para produzir oxaloacetato sempre ocorre quando o ciclo tricarboxíli- co está com baixa concentração de oxaloacetato ou qualquer outro intermediário (NELSON; COX, 2014). CURIOSIDADE O oxaloacetato não entra na mitocôndria. Para que isso ocorra, a molécula de oxaloacetato é reduzida, formando malato, que sofre descarboxilação oxidativa, obtendo piruvato como produto. A molécula de piruvato entra na mitocôndria e, dentro dela, o piruvato forma oxaloacetato por carbo- xilação. Toda vez que o oxaloacetato for removido do ciclo da síntese da glicose, ele deve ser substituído, pois se não houver oxaloacetato sufi- ciente para formar citrato, a taxa de metabolismo da acetil-CoA e a taxa de formação de ATP diminuirá (NELSON; COX, 2014). BIOQUÍMICA APLICADA 86 SER_FARMA_BIOQAP_UNID3.indd 86 07/01/2021 13:15:42 Gliconeogênese Qualquer molécula que pode ser convertida em piruvato ou oxaloacetato, pode ser utilizada como precursora para a gliconeogênese. Dois exemplos de moléculas convertidas em piruvato são o aminoácido alanina e o aspartato, que podem ser convertidos em oxaloacetato. Os aminoácidos glicogênicos po- dem ser precursores da gliconeogênese (NELSON; COX, 2014). A membrana mitocondrial não possui transportador para o oxaloacetato, e dessa forma, antes de ser transportado para o citosol, o oxaloacetato que foi for- mado a partir do piruvato é reduzido a malato pela enzima malato-desidrogena- se, com o consumo de NADH: Oxaloacetato + NADH + H+ ⇔ L-malato + NAD+ (1) A enzima malato-desidrogenase mitocondrial atua na gliconeogênese e no ciclo do ácido cítrico, realizando processos distintos e opostos na produção de metabólitos. Um transportador específi co da membrana interna mitocondrial retira a molécula de malato da mitocôndria, e, no citosol, essa molécula é oxi- dada formando oxaloacetato e NADH: Malato + NAD+ → oxaloacetato + NADH + H+ (2) A enzima fosfoenolpiruvato-carboxiquinase transforma o oxaloacetato em um fosfato de alta energia (PEP). Esse processo, presente no Diagrama 2, é dependente de Mg2+ e a molécula de GTP é doadora de grupo fosforil: Oxaloacetato + GTP ⇔ PEP + CO2 + GDP (3) No meio intracelular, essa reação é reversível e é balanceada pela hidró- lise de GTP. No citosol, os redutores equivalentes do malato estão ausentes e o seu transporte da mitocôndria ao citosol e posterior conversão em oxaloacetato resolve o dilema. Quando o oxaloacetato é convertido em PEP, ocorre um equi- líbrio entre NADH produzido e utilizado no citosol durante a gliconeogênese (NELSON; COX, 2014). O NADH é sintetizado quando dentro do citosol dos hepatócitos; o lactato é convertido em piruvato e, dessa forma, a saída de equivalentes redutores da mitocôndria torna-se desnecessária. Após a síntese do piruvato pela reação da lactato-desidrogenase e o seu transporte para a mitocôndria, a piruvato carbo- xilase converte o piruvato em oxaloacetato (NELSON; COX, 2014). BIOQUÍMICA APLICADA 87 SER_FARMA_BIOQAP_UNID3.indd 87 07/01/2021 13:15:42 As isoenzimas PEP-carboxiquinase (Diagrama 2) presentes na mitocôndria, con- vertem o oxaloacetato, e o PEP é direcionado para fora da mitocôndria para dar conti- nuidade à via gliconeogênica. A PEP-carboxiquinasepode estar presente na mitocôn- dria ou no citosol, mas, em cada organela, essas isoenzimas possuem a codificação dos genes separados nos cromossomos nucleares, similar às isoenzimas da hexoci- nase, ou seja, duas enzimas distintas que catalisam a uma reação em comum, mas com papéis metabólicos ou em localizações celulares diferentes (NELSON; COX, 2014). A conversão de ácidos graxos em glicose não é um processo que ocorre nos mamíferos. A degradação de grande parte dos ácidos graxos produz somente acetil-CoA. Como a reação da piruvato-desidrogenase é irreversível, as células não possuem uma via diferente que converta acetil-CoA em piruvato, por isso os mamí- feros não podem utilizar a acetil-CoA como um precursor de glicose. Já nas plantas, leveduras e em muitas bactérias, o ciclo do glioxilato é responsável pela conversão da acetil-CoA em oxaloacetato. Essa via possibilita que esses organismos possam usar os ácidos graxos como moléculas precursoras de glicose na gliconeogênese (NELSON; COX, 2014). DIAGRAMA 2. VIAS ALTERNATIVAS DA TRANSFORMAÇÃO DO PIRUVATO EM FOSFOENOLPIRUVATO Piruvato Piruvato Piruvato Piruvato Piruvato carboxilase Piruvato carboxilase Malato-desidrogenase mitocondrial PEP – carbosinase mitocondrial PEP-carboxinase citosólica PEP PEP Malato-desidrogenase citosólica Lactato desidrogenase Oxaloacetato Oxaloacetato Malato Malato Lactato Citosol Citosol Mitocôndria Mitocôndria Oxaloacetato NADH NADH NADH NAD+ NAD+ NAD+ + H+ + H+ + H+ CO2 CO2 CO2 CO2 BIOQUÍMICA APLICADA 88 SER_FARMA_BIOQAP_UNID3.indd 88 07/01/2021 13:15:42 Nos mamíferos, é possível a conversão de uma pequena quantidade de glicerol sintetizado na degradação dos triacilgliceróis para a gliconeogênese. Na gliconeogênese, o di-hidroxiacetona-fosfato é um intermediário produ- zido pela fosforilação do glicerol pela glicerol-cinase, seguido pela oxidação do carbono central. Os adipócitos não possuem a enzima glicerol-cinase, dessa forma, para a síntese de triacilgliceróis, os adipócitos realizam uma via similar à gliconeogênese, a gliceroneogênese, que converte o piruvato em di-hidroxiacetona-fosfato utilizando as reações iniciais da gliconeogêne- se, seguida de reação de redução da di-hidroxiacetona-fosfato, que então produz o glicerol-fosfato (NELSON; COX, 2014). A gliconeogênese possui várias etapas em que a glicose é produzida a partir de oxaloacetato, lactato ou piruvato ou qualquer molécula que possa ser conver- tida a um desses intermediários. Sete etapas da gliconeogênese são reversíveis e catalisadas por enzimas presentes na glicólise. Três etapas são irreversíveis na glicólise e são desviadas por reações que aumentam a velocidade de reação pelas enzimas presentes na via da gliconeogênese. Inicialmente, o piruvato é convertido em PEP via oxaloacetato, e a catálise dessa reação é realizada pelas enzimas piruvato-carboxilase e PEP-carboxiqui- nase; em seguida ocorre a desfosforilação da frutose-1,6-bifosfato pela FBPase-1 e, então, no final ocorre a desfosforilação da glicose-6-fosfato pela glicose-6-fos- fatase (NELSON; COX, 2014). Quando aumenta a concentração da acetil-CoA, ocorre a inibição do com- plexo da piruvato-desidrogenase, que, por consequência, diminui a síntese de acetil-CoA a partir do piruvato e favorece a gliconeogênese pela ativação da pi- ruvato-carboxilase, permitindo a conversão de piruvato em altas concentrações em oxaloacetato. No final, então, é sintetizada a glicose (NELSON; COX, 2014). O oxaloacetato, quando sintetizado pelo processo descrito, é convertido em fosfoenolpiruvato (PEP), e a reação é catalisada pela enzima PEP-carboxi- quinase (Diagrama 2). A regulação dessa enzima ocorre em resposta a sinais hormonais e dietéticos nos mamíferos. Em jejum, a concentração do hormô- nio glucagon é alta e esse hormônio age por meio do cAMP para aumentar a taxa de transcrição e estabilizar o RNA mensageiro (mRNA). Já quando a insulina e a glicose sanguínea estão em concentrações altas, ocorre o efeito contrário (NELSON; COX, 2014). BIOQUÍMICA APLICADA 89 SER_FARMA_BIOQAP_UNID3.indd 89 07/01/2021 13:15:42 Ciclo do glioxilato Os ácidos graxos ou o acetato não são convertidos a carboidratos nos vertebrados. O processo reacio- nal de síntese de acetil-CoA a partir da conversão piruvato produzido pelo fosfoenolpiruvato é altamente exergônico e irreversível, e, portan- to, as células dos vertebrados não são capazes de realizar a conver- são do fosfoenolpiruvato que limita a produção de glicose, já que não ocorre a via da gliconeogênese (NEL- SON; COX, 2014). Por conta desta li- mitação, o organismo não realiza a conversão de moléculas ou metabólitos que produzem acetato a partir de ácidos graxos e aminoácidos – e, posteriormente, irão sintetizar carboidra- tos. Uma reação reversível catalisada pela PEP-carboxiquinase sintetiza o fosfoenolpiruvato a partir de oxaloacetato: Oxaloacetato + GTP → fosfoenolpiruvato + CO2 + GDP (4) Sempre que dois carbonos são enviados para o ciclo na forma de acetil-CoA, dois carbonos são liberados como dióxido de carbono nos organismos dos vertebrados. Em uma variedade de organismos não ver- tebrados, o ciclo do glioxilato sintetiza carboidratos a partir do acetato (NELSON; COX, 2014). Nos vegetais e em alguns invertebrados e microrganismos, como a E. coli e leveduras, o acetato pode ser um precursor para síntese de carboidratos e um precursor energético proveniente do fosfoenolpiruvato. As enzimas do ciclo do glioxilato em muitos organismos não vertebrados convertem aceta- to em succinato: 2 Acetil-CoA + NAD+ + 2H2O → succinato + 2CoA + NADH + H+ (5) Similar ao que ocorre no ciclo tricarboxílico, o ciclo do glioxilato, o citra- to transformado em isocitrato e a acetil-CoA é condensada com o oxaloa- BIOQUÍMICA APLICADA 90 SER_FARMA_BIOQAP_UNID3.indd 90 07/01/2021 13:15:49 cetato para sintetizar citrato. A diferença entre os ciclos é que ocorre a cli- vagem da molécula de isocitrato pela enzima isocitrato-liase, produzindo succinato e glioxilato (NELSON; COX, 2014). Para produzir malato, o glioxilato sofre uma reação de condensa- ção com uma segunda molécula de acetil-CoA. Essa reação é catalisada pela malato sintase. Em seguida, o malato sofre oxidação, produzindo oxaloacetato; e este, agora, passa a sofrer uma condensação com outra molécula de acetil-CoA para iniciar mais uma volta no ciclo. Há o consu- mo de duas moléculas de acetil-CoA a cada volta do ciclo do glioxilato a produção de uma molécula de succinato; utilizando as vias do fumarato a malato, o succinato; poderá ser utilizado na via biossintética a partir de oxaloacetato (NELSON; COX, 2014). As enzimas isocitrato liase e malato sintase não estão presentes nos vertebrados, pois são enzimas específicas do ciclo do glio- xilato (Diagrama 3). Dessa forma, a síntese líquida de lipídeos a partir da glicose não acontece. Nos vegetais, os peroxissomos conhecidos como glioxissomos armazenam as enzimas do ciclo do glioxilato. As isoenzimas que são comuns no ciclo de Krebs e no ciclo glioxilato (Diagrama 3). estão presentes em organelas diferentes; uma delas está pre- sente e é específica das mitocôndrias, já a outra isoenzima é específica dos glioxissomos (NELSON; COX, 2014). O oxaloacetato originado pelo ciclo de Krebs na mitocôndria é entregue ao glioxissomo na forma de aspartato. O aspartato é convertido em oxaloacetato, sofre condensação com a acetil-CoA originada do catabolismo dos ácidos gra- xos. O citrato produzido dessa forma é catalisado pela enzima aconitase formando a isocitrato, a enzima isocitrato liase ca- talisa a reação e forma glioxilato e succinato. Este, então, volta para a mitocôndria, entra novamente no ciclo de Krebs e é transformado em malato, que é encaminhado para o citosol e a enzima malato-desidrogenase citossólica oxida o malato e produz oxaloacetato(NELSON; COX, 2014). BIOQUÍMICA APLICADA 91 SER_FARMA_BIOQAP_UNID3.indd 91 07/01/2021 13:15:49 Principais vias metabólicas e de conjugação com ácido glicurônico Todos os organismos estão constante e inevitavelmente expostos a xeno- bióticos, incluindo produtos químicos naturais e artifi ciais, como drogas, alca- loides vegetais, toxinas de microrganismos, poluentes, pesticidas e outros pro- DIAGRAMA 3. COORDENAÇÃO ENTRE O CICLO DO GLIOXILATO E O CICLO DE KREBS Intermediários do ciclo de Krebs e da glicólise, AMP, ADP Intermediários do ciclo de Krebs e da glicólise, AMP, ADP Acetil-CoA Proteína-cinase Isocitrato-desidrogenase Succinato, glioxilato α-Cetoglutarato Fosfatase Isocitrato Isocitrato-liase Oxaloacetato Gliconeogênese Ciclo do glioxilato Glicose Aminoácidos, nucleotídeos Ciclo de Krebs NADH, FADH2 ATP Fonte: NELSON; COX, 2014, s.p. (Adaptado). BIOQUÍMICA APLICADA 92 SER_FARMA_BIOQAP_UNID3.indd 92 07/01/2021 13:15:49 dutos químicos industriais. Formalmente, a biotransformação de xenobióticos, bem como de compostos endógenos, é subdividida em reações de fase I e fase II ( JANCOVÁ; SILLER, 2012). As reações de biotransformação de fase II são conhecidas como reações de conjugação, que geralmente servem como uma etapa de desintoxicação no metabolismo de drogas e outros xenobióticos, bem como substratos endóge- nos. Por outro lado, essas conjugações também desempenham um papel es- sencial na toxicidade de muitos produtos químicos devido à formação metabó- lica de metabólitos tóxicos, como eletrófi los reativos ( JANCOVÁ; SILLER, 2012). O polimorfi smo gênico de enzimas de biotransformação pode frequente- mente desempenhar um papel em vários processos fi siopatológicos. As rea- ções de conjugação geralmente envolvem a ativação de metabólitos por um intermediário de alta energia e foram classifi cadas em dois tipos gerais: • Tipo I (por exemplo, glicuronidação e sulfonação), em que um agente con- jugador ativado se combina com substrato para produzir o produto conjugado; • Tipo II (por exemplo, conjugação de aminoácidos), em que o substrato é ativado e então combinado com um aminoácido para produzir um pro- duto conjugado. Vamos nos concentrar nas reações de conjugação mais importantes, a sa- ber, conjugação de glicuronídeo, sulfoconjugação, acetilação e conjugação de glutationa (MARKEY, 2012). Glicuronidação A glicuronidação representa a principal via de conjugação do açúcar, embora a conjugação com xilulose e ribose também sejam possíveis. Quantitativamente, a formação de glicuronídeo é a forma mais importante de conjugação para drogas e compostos endógenos, e pode ocorrer com substratos muito diferentes. A síntese de éter, éster, carboxil, carbamoil, carbonil, sulfuril e nitroglicuronídeos geralmente leva a um aumento em sua polaridade e, consequentemente, sua solubilidade aquo- sa e, portanto, adequação para excreção (MARKEY, 2012). A glicuronidação é uma reação de substituição nucleofílica 2 (SN2) em que um grupo nucleofílico aceptor no substrato ataca um carbono (C-1) eletrofílico do anel de ácido piranose de UDPGA (ácido uridina 5-difosfatoglicurônico), que resulta na BIOQUÍMICA APLICADA 93 SER_FARMA_BIOQAP_UNID3.indd 93 07/01/2021 13:15:49 formação de um glicuronídeo, um conjugado de ácido β-D-glucopiranosidurônico. Assim, muitos grupos eletrofílicos, tais como hidroxila, carboxila, sulfidrila (tiol) ou fenol, podem servir como aceptores. Os N-glicuronídeos podem ser formados por nitrogênio contendo grupos aminas terciárias ou aromáticas (MARKEY, 2012). A esterificação do grupo hidroxila hemiacetil do ácido glicurônico para ácidos orgânicos formam glicuronídeos acílicos ou éster. Os acil glicuronídeos, ao contrário dos glicuronídeos formados com álcoois e fenóis, têm grande suscetibilidade à subs- tituição nucleofílica e rearranjo intramolecular. Possivelmente os acil glicuronídeos formados, agindo como eletrófilos e reagindo com grupos tiol e hidroxila de macro- moléculas celulares, podem ser responsáveis pela toxicidade de alguns compostos (JANCOVÁ; SILLER, 2012). As UDP – glucuronosiltransferases (UGTs) pertencem às principais enzimas do metabolismo de vários compostos exógenos e endógenos. As reações de conjuga- ção catalisadas pela superfamília dessas enzimas servem como a via de desinto- xicação mais importante para um amplo espectro de drogas, produtos químicos dietéticos, carcinógenos e seus metabólitos oxidados e outros vários produtos quí- micos ambientais em todos os vertebrados. Além disso, as UGTs estão envolvidas na regulação de vários compostos endógenos ativos, como os ácidos biliares ou hidro- xiesteroides, devido à sua inativação por glicuronidação (JANCOVÁ; SILLER, 2012). Em humanos, quase 40-70% dos medicamentos usados clinicamente são sub- metidos à glicuronidação. Em geral, UGTs medeiam a adição de UDP-hexose ao átomo nucleofílico (átomo O–, N–, S– ou C–) na molécula aceptora. O ácido UDP-gli- curônico é o co-substrato mais importante envolvido nas reações de conjugação (chamadas glicuronidação) realizadas pelas UGTs. Os β-D-glicuronídeos recém-for- mados exibem maior solubilidade em água e são facilmente eliminados do corpo na urina ou na bile (JANCOVÁ; SILLER, 2012). O esquema de reações típicas de glicuronidação é mostrado no Diagrama 4. Na glicuronidação, porções ligadas em O (acila, fenólica, hidroxi) predominam na diver- sidade no reconhecimento de substrato, e todos os UGTs são capazes de formar gli- curonídeos ligados em O, embora com diferentes eficiências e taxas de rotatividade. UGTs são enzimas ligadas à membrana de forma semelhante aos citocromos P450 com localização subcelular no retículo endoplasmático (RE). Em contraste com os citocromos P450, o sítio ativo dessas enzimas está embutido na parte luminal do RE (JANCOVÁ; SILLER, 2012). BIOQUÍMICA APLICADA 94 SER_FARMA_BIOQAP_UNID3.indd 94 07/01/2021 13:15:49 A maioria dos UGTs que metabolizam xenobióticos apresentam especificidades de substrato sobrepostas. Duas UGTs, nomeadamente UGT8A1 e UGT3A1, distin- guem-se de outras enzimas UGT, uma vez que possuem funções específicas no corpo. A UGT8A1 participa da biossíntese de glicoesfingolipídeos, cerebrosídeos e sulfatídeos de células nervosas. Recentemente, a enzima UGT3A1 demonstrou ter um certo papel no metabolismo do ácido ursodesoxicólico usado na terapia da co- lestase ou cálculos biliares. Embora muitos substratos (drogas terapêuticas, produtos químicos ambientais) sejam glicuronados por várias UGTs, vários compostos exibem uma especificidade relativa em relação às enzimas UGT individuais. A bilirrubina é metabolizada exclu- sivamente por UGT1A1. As reações de conjugação pela enzima UGT2B7 constituem uma etapa importante no metabolismo dos opioides. A glicuronidação é a conju- gação com ácido α-D-glicurônico e é, na verdade, a mais comum das reações de conjugação, provavelmente devido à abundância relativa do cofator para a reação, o ácido UDP-glicurônico (MARKEY, 2012). P P P P N N O O O O O O O O O O O- O- O- O- O O O O O O O O O O O O O α β HN HN HO HO OH OH OH OH OH OH OH OH OH OH OH OH OH OH OH UDP UTP UDPG Fosforilase UDP-desidrogenase UDP-glucuronosil transferase + PO4H- PO3H + R R OH OH OH 2NADH 2NAD+ OH C C DIAGRAMA 4. MECANISMO DA GLICURONIDAÇÃO Fonte: MARKEY, 2012, p. 153. BIOQUÍMICA APLICADA 95 SER_FARMA_BIOQAP_UNID3.indd 95 07/01/2021 13:15:49 O mecanismo de glicuronidação envolve uma substituição nucleofílica, ilustra- da no Diagrama 4, para um fenol como substrato. O glicuronídeo resultante tem a configuração β no átomo C-1 do ácido glicurônico. Com a fixação do carboidrato hidrofílico, contendo um grupo carboxil facilmente ionizável, um composto lipos- solúvel é, portanto, convertido em um conjugado que é mal reabsorvido pelos túbulos renais da urina e é excretadomais rapidamente. Como pode ser visto no Diagrama 4, álcoois e fenóis formam éter glicuronídeos; ácidos carboxílicos aro- máticos e alguns alifáticos formam éster (acil) glicuronídeos; aminas aromáticas formam N-glicuronídeos e compostos de tiol formam S-glicuronídeos, sendo am- bos mais lábeis ao ácido do que os O-glicuronídeos (MARKEY, 2012). Algumas aminas terciárias foram encontradas para formar quaternários N-glicuronídeos de amônio. Compostos contendo um sistema 1,3-dicarbonil (por exemplo fenilbutazona) podem formar C-glicuronídeos por conjugação direta, ignorando metabolismo anterior. O grau de formação de C-glicuro- nídeo é determinado pela acidez do grupo funcional que separa os grupos carbonila (MARKEY, 2012). Ácidos carboxílicos, incluindo vários agentes anti-inflamatórios não esteroi- dais, são conjugados principalmente por UGT1A3, UGT1A4, UGT1A9 e UGT2B7. O acetaminofeno (paracetamol) é glicuronidado predominantemente por UGTs da subfamília UGT1A (UGT1A1, UGT1A6 e UGT1A9). Apesar do fato de que, na maio- ria dos casos, os UGTs são responsáveis pela O-glicuronidação de seus substra- tos, os membros da subfamília UGT1A catalisam a N-glicuronidação de vários substratos contendo amina (clorpromazina, amitriptilina) (MARKEY, 2012). Analgésicos, anti-inflamatórios não esteroidais (NSAIDs), ansiolíticos, an- ticonvulsivantes ou agentes antivirais demonstraram ter possível efeito ini- bitório nas atividades enzimáticas de várias UGTs. Os anti-inflamatórios não esteroides demonstraram prejudicar parcialmente o equilíbrio entre o funcio- namento biológico e a degradação da aldosterona devido ao envolvimento do UGT2B7 renal na glicuronidação da aldosterona (desativação) e na glicuronida- ção dos AINEs (MARKEY, 2012). Da mesma forma que outras enzimas metabolizadoras de drogas, as UGTs estão sujeitas à indução por vários xenobióticos ou compostos endógenos biolo- gicamente ativos (hormônios) via receptores nucleares e fatores de transcrição. Por exemplo, o receptor de aril hidrocarboneto desempenha um papel na indu- BIOQUÍMICA APLICADA 96 SER_FARMA_BIOQAP_UNID3.indd 96 07/01/2021 13:15:49 ção de UGT1A1, enquanto a ativação do receptor de pregnano X e do receptor de androstano constitutivo leva à indução de UGT1A6 e UGT1A9. Suspeita-se que várias classes de drogas, incluindo analgésicos, antivirais ou anticonvulsivantes, atuem como indutores de UGTs humanos (MARKEY, 2012). Sulfoconjugação e acetilação A sulfoconjugação (ou sulfonação) constitui uma via importante no metabolismo de vários compostos exógenos e endógenos. A reação de sulfonação foi reconhe- cida pela primeira vez por Baumann, em 1876. Baumann detectou sulfato de fenil na urina de um paciente que havia recebido fenol. As reações de sulfonação são mediadas por uma família supergênica de enzimas denominadas sulfotransferases (SULTs). Em geral, essas enzimas catalisam a transferência de sulfonato (SO3-) do doador universal de sulfonato 3’-fosfoadenosina 5’-fosfossulfato (PAPS) para o gru- po hidroxila ou amino de uma molécula aceitadora (JANCOVÁ; SILLER, 2012). PAPS é um doador universal da porção sulfonato em reações de sulfonação e demonstrou ser sintetizado por quase todos os tecidos em mamíferos a partir de sulfato inorgânico. A depleção de PAPS, devido à falta de sulfato inorgânico ou devi- do a defeitos genéticos de enzimas, que participam da síntese de PAPS, pode levar à redução da capacidade de sulfonação, o que pode afetar o metabolismo de xeno- bióticos ou interromper o equilíbrio entre a síntese e a degradação de compostos endógenos ativos (JANCOVÁ; SILLER, 2012). Até o momento, dois grandes grupos de SULTs foram identifi cados. O primeiro grupo inclui enzimas ligadas à membrana sem atividade demonstrada de metaboli- zação de xenobióticos. Essas enzimas estão localizadas no aparelho de Golgi e estão envolvidas no metabolismo de peptídeos endógenos, proteínas, glicosaminoglica- nos e lipídeos (JANCOVÁ; SILLER, 2012). EXEMPLIFICANDO A reação de substituição nucleofílica bimolecular (SN2) é uma reação de segunda ordem em que a velocidade é proporcional à concentração do substrato e do nucleófi lo. Esse mecanismo de reação acontece em uma única etapa, minimizando a repulsão estérica e eletrônica entre substrato e nucleófi lo, ocorrendo a inversão de confi guração (CLAYDEN; GREEVES; WARREN, 2012). BIOQUÍMICA APLICADA 97 SER_FARMA_BIOQAP_UNID3.indd 97 07/01/2021 13:15:49 SULTs citosólicos constituem o segundo grupo de sulfotransferases e de- sempenham um papel importante na conjugação de um amplo espectro de xenobióticos, incluindo produtos químicos ambientais, compostos naturais, drogas, bem como compostos endógenos, como hormônios esteroides, iodo- tironinas, catecolaminas, eicosanoides, retinol ou vitamina D. Além disso, pre- sume-se que SULTs citosólicos desempenham um papel crucial nos processos de desintoxicação que ocorrem no feto humano em desenvolvimento, uma vez que nenhum transcrito de UGTs foi detectado no fígado fetal na 20ª semana de gestação ( JANCOVÁ; SILLER, 2012). A formação de sulfatos (R - O - SO3 -) e sulfamatos (R1 - NR2 - SO3 -) são cata- lisadas por sulfotransferases dependentes de 3’-fosfoadenosina 5’-fosfossulfato (PAPS) (CAIRA; IONESCU, 2005). A sulfonação requer sulfato ativado (PAPS) e um de uma família de STs para se conjugar com um álcool, fenol ou função hidroxia- romática. O minoxidil é um exemplo de droga ativada por sulfonação, pois ape- nas o sulfato de minoxidil é absorvido pelos folículos capilares. Esse mecanismo está ilustrado no Diagrama 5 (CAIRA; IONESCU, 2005). As reações de acetilação requerem um cofator específico, acetil-CoA, que é obtido principalmente a partir da via da glicólise (quebra da glicose produzindo piruvato e sua subsequente descarboxilação oxidativa) ou de catabolismo de ácidos graxos ou aminoácidos ou via interação direta de acetato e coenzima A: CH3-COO - + CoASH CH3-CO-S-CoA (6) CoA-S-acetiltransferase 3’ fosfoadenosina-5’-fosfosulfato PAPS Sulfotransferase Fármaco PAPS Sulfotransferase Minoxidil Sulfato de minoxidil DIAGRAMA 5. MECANISMO DE SULFONAÇÃO Fonte: MARKEY, 2012, p. 153. BIOQUÍMICA APLICADA 98 SER_FARMA_BIOQAP_UNID3.indd 98 07/01/2021 13:15:50 Figura 1. Principais tipos de acetilação. Fonte: CAIRA; IONESCU, 2005, s. p. Coenzima A (A que signifi ca acil) participa da ativação de grupos acil em geral, incluindo o grupo acetil derivado de piruvato. A coenzima é derivada me- tabolicamente da vitamina B5 ácido pantotênico, β-mercaptoetilamina e ATP (CAIRA; IONESCU, 2005). Conjugação da glutationa S Glutationa (N- (N-L-γ-glutamil-L-cisteinil) glicina) é um tripeptídeo atípico, um composto endógeno, reconhecido por desempenhar um papel protetor dentro do corpo, na remoção de compostos eletrofílicos potencialmente tóxicos. A glutationa (GSH) está presente em maior concentração no fígado, com valores mais elevados no córtex do que na medula, mas também está presente em citosol, mitocôndria e núcleo. No sangue, está presente em uma concentração relativa de cerca de 20 µM (CAIRA; IONESCU, 2005). O mecanismo geral de transferência de acetila catalisada por N-acetiltrans- ferases (Figura 1) envolve um duplo deslocamento - um mecanismo denomi- nado “pingue-pongue”. Por causa de suas semelhanças estruturais com os substratos, alguns compostos atuam como inibidores reversíveis para N-ace- tiltransferases, enquanto outros, como iodoacetato e p-cloromercuribenzoato, são irreversíveis inibidores (CAIRA; IONESCU, 2005). BIOQUÍMICA APLICADA 99 SER_FARMA_BIOQAP_UNID3.indd 99 07/01/2021 13:15:51 A conjugação de GSH (Figura 2) envolve a formação de uma ligação tioéter entre o GSH e os compostos eletrofílicos. A reação pode ser considerada como o resultado do ataque nucleofílico por GSH em átomos decarbono eletrofílicos, deixando grupos funcionais, como halogênio, sulfato e nitro com abertura do anel (no caso de éteres, de anel pequeno - epóxidos, β-lactonas) e a adição do carbono β ativado de um composto carbonil α, β-insaturado. Assim, a conjugação com glutationa geralmente resulta na desintoxica- ção dos compostos eletrofílicos, evitando sua reação com nucleofílico de centros em macromoléculas, como proteínas e ácidos nucleicos (CAIRA; IONESCU, 2005). Glutationa Glutationa Glutationa A B C Figura 2. A) estrutura da glutationa; B) conjugação da glutationa e 2,4-dinitro-1-clorobenzeno; C) conjugação da gluta- tiona e ésteres de ácido málico. Fonte: CAIRA; IONESCU, 2005, s. p. (Adaptado). BIOQUÍMICA APLICADA 100 SER_FARMA_BIOQAP_UNID3.indd 100 07/01/2021 13:15:52 Os substratos eletrofílicos para glutationa (Figura 2) são comumente gerados por metabolismo dos xenobióticos ou pelo deslocamento de elé- trons adequados retirando grupos em nitro ou haloalcanos, benzenos e ácidos sulfônicos ésteres pelos átomos de enxofre da glutationa, e geral- mente são eliminados como ácido mercaptúrico após metabolismo poste- rior da glutationa S-substituída (CAIRA; IONESCU, 2005). Os membros da família da glutationa transferase desempenham um papel importante no metabolismo de fármacos, na desintoxicação de carcinógenos ambientais e intermediários reativos formados a partir de vários produtos químicos, por outras enzimas que metabolizam xenobió- ticos. Além disso, as GSTs constituem uma importante defesa intracelu- lar contra o estresse oxidativo e parecem estar envolvidos na síntese e no metabolismo de vários derivados do ácido araquidônico e esteroides (CAIRA; IONESCU, 2005). Em geral, essas enzimas catalisam um ataque nucleofílico de glutationa reduzida em compostos lipofílicos contendo um átomo eletrofílico (C-, N- ou S-). Além das substituições nucleofílicas, essas transferases também são responsáveis por adições de Michael, isomerações e reduções de hi- droxiperóxidos. Na maioria dos casos, os conjugados de glutationa mais polares são eliminados na bile ou são subsequentemente submetidos a outras etapas metabólicas, que levam à formação de ácidos mercaptúricos (CAIRA; IONESCU, 2005). A superfamília de GSTs solúveis humanos é dividida em oito classes dis- tintas: Alpha (A1-A4), Kappa (K1), Mu (M1-M5), Pi (P1), Sigma (S1), Theta (T1- T2), Zeta (Z1) e Ômega (O1-O2). As GSTs microssomais designadas como pro- teínas associadas à membrana no metabolismo de eicosanoides e glutationa (MAPEG) constituem a segunda família de GSTs humanos. A superfamília MAPEG humana inclui seis membros: proteína ativadora de 5-lipoxigenase (FLAP), leucotrieno C4 sintase (ambos envolvidos na síntese de leucotrieno), MGST1, MGST2, MGST3 (GSTs, bem como peroxidases dependentes de glu- tationa) e prostaglandina E sintase (PGES). Ambas as GSTs solúveis e MAPEG exibem uma ampla distribuição nos tecidos, sendo encontradas no fígado, rim, cérebro, pulmão, coração, pâncreas, intestino delgado, próstata, baço e músculos esqueléticos (CAIRA; IONESCU, 2005). BIOQUÍMICA APLICADA 101 SER_FARMA_BIOQAP_UNID3.indd 101 07/01/2021 13:15:52 Reações de transaminação e desaminação dos aminoácidos Metabolismo de aminoácidos Os aminoácidos se originam de intermediários da glicólise, da via das pentoses- -fosfato e do ciclo tricarboxílico. A partir do glutamato ou da glutamina, o nitrogênio entra nessas vias. Vegetais e plantas possuem uma grande variedade de organis- mos que sintetizam os 20 aminoácidos comuns, entretanto os mamíferos produzem aproximadamente metade deles. Oxaloacetato e piruvato (Figura 3) são precurso- res de aminoácidos não essenciais como a alanina e aspartato, por transaminação com o glutamato. Por uma reação de amidação do aspartato é formada a asparagi- na, sendo que o NH4+ é cedido pela glutamina (NEWSHOLME et al., 2011). O glutamato é um aminoácido não essencial precursor de prolina, glutami- na e arginina e é sintetizado por uma reação de aminação redutora do α-ce- toglutarato. A serina é derivada do 3-fosfoglicerato e é precursora da glicina. Nos mamíferos, a síntese de cisteína ocorre a partir de metionina e da serina. Fenilalanina, tirosina e triptofano são aminoácidos essenciais aromáticos e são produzidos por uma via que possui corismato de ramifi cação. Os aminoácidos triptofano e da histidina possuem como precursor o fosforribosil-pirofosfato (NEWSHOLME et al., 2011). Oxaloacetato Aspartato Piruvato Asparagina Alanina Metionina Valina Lisina Leucina Treonina Isoleucina Figura 3. Aminoácidos formados a partir de oxaloacetato e piruvato. Fonte: NELSON; COX, 2014, s. p. (Adaptado). BIOQUÍMICA APLICADA 102 SER_FARMA_BIOQAP_UNID3.indd 102 07/01/2021 13:15:52 A via das purinas se interconecta com a via da histidina. A partir da hidroxi- lação da fenilalanina é produzida a tirosina. A via anabólica dos aminoácidos pode sofrer inibição alostérica pelo produto formado, dessa forma, enzimas reguladoras atuam na regulação da via de forma coordenada. A enzima piru- vato desidrogenase é inibida alostericamente pela acetil-CoA e essa coenzi- ma ativa a piruvato carboxilase; a molécula de acetil-CoA regula sua própria produção a partir do piruvato, enquanto ativa a conversão do piruvato em oxaloacetato na primeira etapa da gliconeogênese (NELSON; COX, 2014). O catabolismo de aminoácidos possui menos atividade e produção de ener- gia que a glicólise e a oxidação de ácidos graxos em humanos. O aminoácido alanina é responsável, por meio da via do ciclo da glicose-alanina, por enviar grupos amino não tóxicos para o fígado. No fígado, o glutamato pode ser con- vertido em glutamina ou pela ação da alanina-aminotransferase, podendo- transferir seu grupo α-amino para o piruvato, produto da glicólise muscular (NELSON; COX, 2014). O α-cetoglutarato recebe um grupo amino da alanina e por meio da catálise da enzima alanina-aminotransferase transfere, formando piruvato e glutamato no citosol dos hepatócitos. Na mitocôndria, o glutamato sofre uma reação com a en- zima glutamato-desidrogenase com a liberação de NH4+; também é possível que aconteça a transaminação com o oxaloacetato para formar aspartato. As molécu- las fundamentais no transporte de grupos amino de tecidos extra-hepáticos até o fígado são: alanina e a glutamina, aminoácidos glicogênicos (NELSON; COX, 2014). Algumas reações gerais que envolvem degradação ou interconversão de ami- noácidos proporcionam a síntese de aminoácidos não essenciais de precursores de α-cetoácidos, derivados de intermediários de carboidratos. Transaminação As reações de transaminação associam aminação reversível e desami- nação e intercedem na redistribuição de grupos amino entre os aminoáci- dos. As aminotransferases são amplamente distribuídas em tecidos huma- nos e são particularmente ativas no músculo cardíaco, fígado, esqueleto, músculo e rim. A reação geral de transaminação é descrita na Figura 4 (BHAGAVAN; HA, 2015). BIOQUÍMICA APLICADA 103 SER_FARMA_BIOQAP_UNID3.indd 103 07/01/2021 13:15:53 Aminoácido R1 HC O-O C NH3+ R2 C O-O C O Ceto ácido + fosfato piridoxal Transaminação Aminoácido R2 HC O-O C NH3+ R1 C O-O C O Ceto ácido + Figura 4. Mecanismo reacional de transaminação. Fonte: BHAGAVAN; HA, 2015, s. p. (Adaptado). As moléculas de α-cetoglutarato / L-glutamato servem como um par acei- tador / doador de grupo amino em reações de transaminase. A especificidade de uma transaminase particular é, para o grupo amino, diferente do glutamato. Duas transaminases cujas atividades no soro são usadas como índices de danos ao fígado catalisam as reações presentes na Figura 5 (BHAGAVAN; HA, 2015). L-glutamato + piruvato L-glutamato + oxaloacetato Glutamato-piruvato transaminase (GPT) ou alanina aminotransferase (ALT) Glutamato-piruvato transaminase (GPT) ou alanina aminotransferase(ALT) α-cetoglutarato + L-alanina α-cetoglutarato + L-aspartato Figura 5. Reações das transaminases. Fonte: BHAGAVAN; HA, 2015, s. p. (Adaptado). Todos os aminoácidos, exceto lisina, treonina, prolina e hidroxiprolina, participam das reações de transaminação. As transaminases atuam nas reações da histidina, serina, fenilalanina e metionina, mas a tran- saminação não é a via principal de seu metabolismo; a transami- nação de um grupo amino que não está na posição α também pode ocorrer. Portanto, a transferência de um grupo δ-amino de ornitina para α-cetoglutara- to converte ornitina em glutamato-γ-semialdeído (BHAGAVAN; HA, 2015). BIOQUÍMICA APLICADA 104 SER_FARMA_BIOQAP_UNID3.indd 104 07/01/2021 13:15:53 Todas as reações de transaminase utilizam fosfato de pi- ridoxal (um derivado da vitamina B6) no seu mecanismo reacional. O fosfato da molécula piridoxal está ligado à enzima pela formação de uma base de Schiff, entre seu grupo aldeído e o grupo ε-amino de um resíduo de lisil específico, no local ativo e mantido de forma não covalente por meio de seu átomo de nitrogênio carregado e o grupo fosfato carregado negativa- mente (BHAGAVAN; HA, 2015). Durante a catálise, o aminoácido substrato ácido desloca o grupo lisil ε-amino da enzima na base de Schiff (Figura 6). Um par de elétrons é removido do carbo- no α do substrato e transferido para o anel de piridina carregado positivamente, mas subsequentemente retorna ao segundo substrato, o α-cetoácido. Portanto, o fosfato de piridoxal funciona como um transportador de aminogrupos e como um reservatório de elétrons, facilitando a dissociação do α-hidrogênio do ami- noácido. Na reação geral, o aminoácido transfere seu grupo amino para fosfato de piridoxal e, em seguida, para o cetoácido, por meio da formação de fosfato de piridoxamina como intermediário (BHAGAVAN; HA, 2015). α-aminoácido α-ceto ácido aldimina cetiminaFosfato piridoxal Fosfato de piridoxamina Figura 6. Mecanismo da primeira fase da transaminação. Fonte: BHAGAVAN; HA, 2015, s. p. (Adaptado). BIOQUÍMICA APLICADA 105 SER_FARMA_BIOQAP_UNID3.indd 105 07/01/2021 13:15:55 O mecanismo da primeira fase de transaminação ilustrado na Figura 6 apresenta a transferência do grupo NH2 do aminoácido para o fosfato de piridoxal, com formação do correspondente α-ce- toácido. A segunda fase ocorre pela reversão das reações da primeira fase e é iniciada pela formação de uma base de Schiff com o substrato de ácido α-ceto e fosfato de pi- ridoxamina. O ciclo de transaminação é completado com a formação do correspondente α-amino ácido e fosfato de piridoxal (BHAGAVAN; HA, 2015). Fosfato de piridoxal também é o grupo protético de descarboxilases de aminoácidos, desidratases, desulfidrases, racemases e aldolases, nas quais participa por meio de sua capacidade de tornar instáveis várias ligações de um aminoácido molécula. Vários medica- mentos inibem enzimas dependentes de fosfato de piridoxal. Os ácidos isonicotínico hidrazida (usado no tratamento da tuberculose) e hidrala- zina (um agente hipertensivo) reagem com o grupo aldeído de piridoxal (livre ou ligado) para formar hidrazonas piridoxal, que são eliminados na urina (BHAGAVAN; HA, 2015). A hidrazida do ácido isonicotínico é, normalmente, inativada no fígado por acetilação; alguns indivíduos são acetiladores lentos (uma característica hereditária) e podem ser suscetíveis à deficiência de piridoxal pelo acúmulo da droga. Cicloserina (um análogo de aminoácido e antibiótico de amplo espectro) também se com- bina com fosfato de piridoxal (BHAGAVAN; HA, 2015). CURIOSIDADE As bases de Schiff são compostos do tipo aldeído ou cetona nos quais o grupo carbonil é substituído por um grupo imina. São formadas quando qualquer amina primária reage com um aldeído ou uma cetona, sob con- dições específicas. Essas bases são usadas como pigmentos e corantes, catalisadores, intermediários em síntese orgânica e como estabilizadores de polímeros. As bases de Schiff também demonstraram exibir uma ampla gama de atividades biológicas, incluindo propriedades antifúngicas, anti- bacterianas, antimaláricas, antiproliferativas, anti-inflamatórias, antivirais e antipiréticas (SILVA et al., 2011). BIOQUÍMICA APLICADA 106 SER_FARMA_BIOQAP_UNID3.indd 106 07/01/2021 13:15:55 Desaminação A remoção do grupo α-amino é a primeira etapa do catabolismo dos ami- noácidos e pode ser realizada de forma oxidativa ou não. A desaminação oxi- dativa é estereoespecífi ca e é catalisada pela L- ou D-aminoácido oxidase. O passo inicial é a remoção de dois átomos de hidrogênio pela coenzima de fl avina, com formação de um intermediário de α-aminoácido instável. Este intermediário sofre decomposição pela adição de água e forma o íon amônio e o α-cetoácido correspondente: a L-aminoácido oxidase ocorre apenas no fígado e rins (BHAGAVAN; HA, 2015). R R RCOO- COO- COO- NH3- NH3+ NH4+ H2O2 H2O O2 Flavina -H2 Flavina L-aminoácido oxidase L-aminoácido oxidaseH C α-aminoácido α-imino ácido α-ceto ácido C C O Figura 7. Desaminação oxidativa. Fonte: BHAGAVAN; HA, 2015, s. p. (Adaptado). É uma flavoproteína que contém mononucleotídeo de flavina (FMN), como um grupo protético e não ataca a glicina, aminoácidos dicarboxílicos ou β-hidroxi. Sua atividade é muito baixa. Altos níveis de D-aminoácido oxidase são encontrados no fígado e rins. A enzima contém flavina adeni- na dinucleotídeo (FAD) e desamina muitos D-aminoácidos e glicina. A rea- ção para glicina é análoga àquela para D-aminoácidos. A D-aminoácido oxidase ocorre em peroxissomos contendo outras enzi- mas que produzem H2O2 (por exemplo, L-α-hidroxi ácido oxidase, citrato de- sidrogenase e L-aminoácido oxidase) e catalase e peroxidase, que destroem H2O2. Em leucócitos, a morte de bactérias envolve hidrolases de lisossomos e produção de H2O2 por NADPH oxidase. A conversão de D-aminoácidos em α-cetoácidos correspondentes remove a assimetria no átomo de carbono α (BHAGAVAN; HA, 2015). BIOQUÍMICA APLICADA 107 SER_FARMA_BIOQAP_UNID3.indd 107 07/01/2021 13:15:55 Homoserina H2O H2O NH3Desidratase específi ca Fosfato de piridoxal α - Imino ácido α - Cetoácido Treonina Serina Figura 8. Desaminação não oxidativa. Fonte: BHAGAVAN; HA, 2015, s. p. (Adaptado). Os cetoácidos podem ser aminados para L-aminoácidos. Por esta conversão de D- para L-aminoácidos, o corpo uti- liza D-aminoácidos derivados da dieta. A desaminação não oxidativa é realizada por várias enzimas específi cas. Aminoácido desidratases desaminam ácidos hidroxiamino como ilustrado na Figura 8 (BHAGAVAN; HA, 2015). Síntese de amônia e ciclo da ureia O catabolismo de aminoácidos resulta na produção de moléculas nitro- genadas (como NH4 +) que devem ser excretadas para manter o equilíbrio do nitrogênio. Diferentes organismos vivos implantaram diferentes mecanismos para realizar esta tarefa, que pode ser classifi cada em três categorias diferen- tes de acordo com o composto de nitrogênio a ser excretado: • Amoniotélica (excreção de amônia): típica de animais aquáticos; • Ureotélica (excreção de ureia): resíduos menos tóxicos que não reque- rem muita diluição em água, excretados por vertebrados terrestres; • Uricotélica (excreção de ácido úrico): produzida por pássaros e rép- teis terrestres. BIOQUÍMICA APLICADA 108 SER_FARMA_BIOQAP_UNID3.indd 108 07/01/2021 13:15:56 Síntese de amônia Amônia (em pH fi siológico, 98,5% existe como NH4 +), um produto altamente tóxico do catabolismo de proteína, é rapidamente inativada por uma variedade de reações. Alguns produtos dessas reações são utilizados para outros fi ns (salvando assim uma porção do nitrogênio amino), enquanto outros são excretados. Em huma- nos, a amônia é excretada principalmente como ureia, que é altamente solúvel em água, é distribuída por toda a água cor- poral extracelular e intracelular, não é tóxica e metabolicamente inerte,tem um alto teor de nitrogênio (47%), e é excretada pelos rins (BHAGAVAN; HA, 2015). A amônia é produzida pela desaminação da glutamina, glutamato, outros aminoácidos e adenilato. Uma quantidade considerável é derivada de enzimas bacterianas intestinais (por exemplo, urease), agindo sobre a ureia e outros compostos nitrogenados. A ureia vem de fl uidos corporais que se difundem no intestino e os outros produtos nitrogenados são derivados do metabolismo intestinal (por exemplo, glutamina) e proteína ingerida. A amônia se difunde através da mucosa intestinal para o sangue portal e é convertida em ureia, no fígado (BHAGAVAN; HA, 2015). A amônia é particularmente tóxica para o cérebro, mas não para outros te- cidos, embora os níveis nesses tecidos possam aumentar sob condições fi sio- lógicas normais (por exemplo, no músculo, durante exercícios pesados, e nos rins, durante o metabolismo acidose). Várias hipóteses foram sugeridas para explicar o mecanismo de neurotoxicidade (BHAGAVAN; HA, 2015). Nas mitocôndrias do cérebro, o excesso de amônia pode conduzir à ami- nação redutiva de α-cetoglutarato por glutamato desidrogenase. Esta etapa Alguns animais são capazes de mudar de amoniotelismo para ureotelismo ou uricotelismo, de acordo com a mudança da disponibilidade destes com- postos na água. Iremos nos aprofundar um pouco agora sobre a síntese de amônia e sobre o ciclo da ureia (LITWACK, 2018). BIOQUÍMICA APLICADA 109 SER_FARMA_BIOQAP_UNID3.indd 109 07/01/2021 13:15:56 pode esgotar um intermediário-chave do ciclo do TCA e levar ao seu compro- metimento, com grave inibição da respiração e estimulação considerável de glicólise. Já que a relação [NAD+] / [NADH] será alta nas mitocôndrias, haverá uma diminuição na taxa de produção de ATP (BHAGAVAN; HA, 2015). Esta hipótese não explica por que o mesmo resultado não ocorre em tecidos que não são afetados pela amônia. Uma hipótese mais plausível é depleção de glutamato, que é um neurotransmissor excitatório. A glutami- na, sintetizada e armazenada nos astrócitos e células gliais, é precursora do glutamato. É transportada para os neurônios e hidrolisada pela gluta- minase (BHAGAVAN; HA, 2015). A amônia inibe a glutaminase e esgota a concentração de glutamato. Uma terceira hipótese invoca a disfunção da membrana neuronal, uma vez que níveis elevados de amônia produzem aumento da permeabilidade aos íons K+ e Cl2, enquanto a glicólise aumenta a concentração de íons H+ (estimula 6-fosfofrutocinase). A encefalopatia da hiperamonemia é ca- racterizada por edema cerebral e inchaço de astrócitos. Edema e inchaço foram atribuídos ao acúmulo intracelular de glutamina, que causa deslo- camentos osmóticos de água para dentro da célula (BHAGAVAN; HA, 2015). Distúrbios comportamentais, como anorexia, distúrbios do sono e in- sensibilidade à dor, associados à hiperamonemia, foram atribuídos ao au- mento do triptofano transporte através da barreira hematoencefálica e o acúmulo de seus metabólitos. Dois dos derivados de triptofano metabóli- tos são serotonina e ácido quinolínico. Este último é uma excitotoxina nos receptores de glutamato do N-metil-D-aspartato (NMDA). Assim, o mecanismo das anormalidades neurológicas in- duzidas por amônia é multifatorial. Normalmente, apenas pequenas quantidades de NH3 (ou seja, NH4 +) estão presentes no plasma, uma vez que o NH3 é rapidamente removido por reações em teci- dos por glutamato desidrogenase, glutamina sintase e formação de ureia (LITWACK, 2018). BIOQUÍMICA APLICADA 110 SER_FARMA_BIOQAP_UNID3.indd 110 07/01/2021 13:15:56 A amônia contida no sangue que flui através do lóbulo hepático é re- movida pelos hepatócitos e convertida em ureia. Os hepatócitos peripor- tais são os locais predominantes de formação de ureia. Qualquer amônia que não seja convertida em ureia pode ser incorporada à glutamina ca- talisada pela glutamina sintase localizada nos hepatócitos pericentrais (LITWACK, 2018). Ciclo da ureia O ciclo da ureia foi descrito pela primeira vez em 1932, por Kurt Henseleit e Hans Krebs. Este último escreveu em 1964 que o conceito de ciclo da ornitina surgiu da observação de que ornitina, citrulina e arginina estimularam a produção de ureia na presença de amônia sem serem consumidas no processo. O ciclo da ureia é compos- to por cinco reações enzimáticas, duas das quais ocorrem na mitocôndria e as outras três no citosol. O produto é ureia, NH2 - CO - NH2, a molécula notavelmente simples que pode transportar dois átomos de nitrogênio, mas que não é mais metabolizada em mamíferos, simplesmente excretada na urina (LITWACK, 2018). A formação da ureia requer a ação combinada de duas enzimas para produzir fosfato de carbamoil e de quatro enzimas que funcionam de maneira cíclica no ciclo da ureia (Figura 9). Embora algumas dessas enzimas ocorram em tecidos extra-he- páticos e a formação de ureia foi mostrada para ocorrer em várias linhagens celula- res em cultura de tecidos, o sítio fi siológico mais importante de formação da ureia é o fígado. Nos hepatócitos, as três primeiras enzimas são mitocondriais e as outras são citosólicas (LITWACK, 2018). A citrulina ornitina está localizada na membrana mitocondrial interna. Na Figura 9 podemos observar a produção de ureia nos hepatócitos, onde NAGS = N-acetilglu- tamato sintase; CPSI = carbamoilfosfato sintase I; OCT = ornitina carbamoiltransfe- rase; C-OT= citrulina-ornitina translocase; AS= arginosuccinato sintase; AL = argino- succinato liase; A= arginase, o símbolo de um círculo contendo + indica a exigência absoluta de N-acetilglutamato para atividade de CPSI (BHAGAVAN; HA, 2015). Oitenta por cento da ureia é sintetizada a partir da amônia, no fígado, no ciclo da ureia. Quando a glutamina é produzida em excesso no fígado, é con- vertida em amônia por uma enzima glutaminase encontrada nos hepatócitos periportais e renais e nas células epiteliais (a enzima também está localizada no BIOQUÍMICA APLICADA 111 SER_FARMA_BIOQAP_UNID3.indd 111 07/01/2021 13:15:57 intestino). O íon amônio é importante na regulação ácido-base no rim, e durante a acidose, esta enzima é induzida no rim para aumentar a excreção de amônio (NH4 +) (BHAGAVAN; HA, 2015). O ciclo da ureia no fígado funciona convertendo a amônia (como íon amônio) em ureia, que é excretada na urina. O ciclo consiste em cinco enzimas, das quais as duas enzimas iniciais estão localizadas na matriz mitocondrial, e as outras três estão localizadas no citoplasma solúvel do fígado. O ciclo da ureia também é referido como o ciclo de Krebs-Henseleit, denominado após os descobridores (LITWACK, 2018). Carbonil fosfato OCT C-OT PiCPSI 2ATP 2ADP + PiNH4 CO2 + N-acetilglutamato Acetil-CoA + glutamato Ornitina Ornitina Citosol Arginina Fumarato AL Argininosuccinato Ureia H2O A Citrulina Citrulina AMP + PPi ATP AS Aspartato Membrana mitocondrial interna Membrana mitocondrial externa CoASH NAGS + Figura 9. Formação da ureia nos hepatócitos. Fonte: BHAGAVAN; HA, 2015, s. p. (Adaptado). A amônia é derivada de aminoácidos e proteínas da dieta (as plantas fixam nitrogênio da atmosfera para formar amônia). As proteínas são decompostas no trato intestinal e absorvidas como peptídeos e aminoá- BIOQUÍMICA APLICADA 112 SER_FARMA_BIOQAP_UNID3.indd 112 07/01/2021 13:15:57 cidos livres. Estes se tornam precursores de proteínas humanas e os ami- noácidos em excesso, não necessários para a síntese de proteínas, são desaminados para produzir amônia. Os produtos desaminados entram no ciclo do ácido tricarboxílico. Amônia (íon amônio) do metabolismo de aminoácidos entra na matriz mitocondrial e é combinada com bicarbona- to e ATP para formar fosfato de carbamoil, a primeira etapa do ciclo da ureia (BHAGAVAN; HA, 2015). A primeira etapa é catalisada pela carbamoil fosfato sintase-I. A or- nitina transcarbamilase converte carbamoil fosfato emcitrulina. Essas duas etapas ocorrem na matriz mitocondrial. A citrulina é transportada para fora da matriz mitocondrial, por um transportador, para o citoplasma solúvel. No citosol, a ci- trulina é combinada com aspartato e é convertida em argininossuccinato pela argininossuccinato sintase. O argininosuccinato é convertido em fumarato e ar- ginina por argininosuccinato liase (LITWACK, 2018). O fumarato pode entrar no ciclo do TCA mitocondrial e a arginina é con- vertida por arginase, a enzima terminal do ciclo da ureia, transforma-se em uma molécula de ureia e uma molécula de ornitina. A ornitina pode ser transportada para a matriz mitocondrial por um transportador de ornitina e participar do ciclo da ureia. As interações entre o ciclo da ureia e a matriz mitocondrial estão resumidos na Figura 10. O glutamato, por sua participação nas reações de transaminação, de- sempenha um papel fundamental na síntese e degradação de aminoáci- dos. As reações gerais do ciclo do TCA e do ciclo da ureia po- dem ser resumidas na Figura 10. O aspartato pode surgir dos aminoácidos ou da conversão de fumarato ou malato em oxaloacetato e depois, por transaminação, em aspartato. O aspartato mitocondrial pode, por meio de um transportador, emigrar para o citoplasma solúvel, para combinar com citrulina para formar arginina e, em seguida, o produto final, ureia (LITWACK, 2018). BIOQUÍMICA APLICADA 113 SER_FARMA_BIOQAP_UNID3.indd 113 07/01/2021 13:15:57 Fonte: LITWACK, 2018, p. 359. (Adaptado). DIAGRAMA 6. INTERAÇÕES ENTRE O CICLO DA UREIA E O CICLO DO ÁCIDO CÍTRICO Fumarato Citosol Matriz mitocondrial Fumarato Oxaloacetato Arginino-succinato Arginina Ornitina Ornitina Ureia Aspartato Citrulina Citrulina Carbamoil fosfato Aspartato α-cetoglutarato glutamatoOxaloacetato Aspartato-arginino-succinato movem-se para o ciclo do ácido cítrico Ciclo do ácido cítrico Ciclo da Ureia Malato Malato NAD+ NAD+ NADH NADH BIOQUÍMICA APLICADA 114 SER_FARMA_BIOQAP_UNID3.indd 114 07/01/2021 13:15:57 Sintetizando As vias metabólicas estão interligadas, o piruvato é o substrato para várias enzimas diferentes que realizam reações específicas e que podem conver- tê-lo em oxaloacetato, o precursor da gliconeogênese. Os seres vivos estão expostos a xenobióticos e à glicuronidação, sulfoconjugação e acetilação, vias importantes no metabolismo de vários compostos exógenos e endógenos. A acetilação envolve a transferência de acetil-CoA para um aminoácido primá- rio aromático ou grupo amina alifática. Os aminoácidos se originam de intermediários da glicólise, da via das pen- toses-fosfato e do ciclo tricarboxílico. As reações de transaminação e desami- nação intercedem na redistribuição de grupos amino entre os aminoácidos. A amônia é excretada a partir de reações que acontecem no ciclo da ureia. BIOQUÍMICA APLICADA 115 SER_FARMA_BIOQAP_UNID3.indd 115 07/01/2021 13:15:57 Referências bibliográficas ALBERTS, B. et al. Biologia molecular da célula. Porto Alegre: Artes Médicas, 2010. BENDER, D. A. Tricarboxylic acid cycle. In: CABALLERO, B.; FINGLAS, P.; TOLDRA, F. (Ed). Encyclopedia of food sciences and nutrition. Maryland: Elsevier Science, 2003. BHAGAVAN, N. V.; HA, C. E. Essentials of medical biochemistry: with clinical cases. 2. ed. Cambridge: Academic Press, 2015. CAIRA, M. R.; IONESCU, C. Drug metabolism. Dordrecht: Springer, 2005. CLAYDEN, J.; GREEVES, N. J.; WARREN, S. Organic chemistry. 2. ed. Oxford: Ox- ford University Press, 2012. JANCOVÁ, P.; SILLER, M. 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Cambridge: Academic Press, 1998. BIOQUÍMICA APLICADA 116 SER_FARMA_BIOQAP_UNID3.indd 116 07/01/2021 13:15:57 EXCREÇÃO DA AMÔNIA, METABOLISMO DE LIPÍDEOS E CORRELAÇÕES CLÍNICAS 4 UNIDADE SER_FARMA_BIOQAP_UNID4.indd 117 07/01/2021 14:03:02 Objetivos da unidade Tópicos de estudo Aprender sobre excreção da amônia e os fármacos utilizados para esse tipo de excreção; Aprender sobre o metabolismo da fenilalanina, tirosina e lipídeos; Aprender sobre a síntese e a função das lipoproteínas plasmáticas; Aprender sobre lipídeos e suas correlações clínicas. Fármacos utilizados na eliminação de amônia Excreção da amônia Metabolismo alterado da amônia Fármacos usados para excreção da amônia Metabolismo da fenilalanina e tirosina Fenilalanina e tirosina Metabolismo de lipídeos de origem hepática e exógena Síntese e papel das lipoproteínas plasmáticas Lipídeos e correlações clínicas Lipemia pós-prandial (PPL) Doenças cardiovasculares ateroscleróticas (ASCVD) BIOQUÍMICA APLICADA 118 SER_FARMA_BIOQAP_UNID4.indd 118 07/01/2021 14:03:02 Fármacos utilizados na eliminação de amônia O metabolismo do nitrogênio é necessário para manter a saúde normaliza- da, pois é um elemento essencial presente em todos os aminoácidos; é deriva- do da ingestão de proteínas na dieta, sendo necessário para a síntese proteica e manutenção da massa muscular e excretado pelos rins. Em condições de estado estacionário, a excreção renal de nitrogênio é igual à ingestão de nitrogênio, e é composta quase completamente por ureia e amônia. É importante notar que a amônia existe em duas formas molecu- lares distintas, NH3 e NH4 +, que estão em equilíbrio entre si. Outros compos- tos de nitrogênio, por exemplo, metabólitos de óxido nítrico e nitratos, entre muitos outros compostos contendo nitrogênio, como ácido úrico e proteína urinária, compreendem menos de 1% da excreção renal total de nitrogênio (WEINER et al., 2015). Os dois principais componentes da excreção renal de nitrogênio, ureia e amônia, são regulados por uma ampla variedade de condições e desempe- nham papéis importantes na saúde e na doença, incluindo papéis no mecanis- mo de concentração da urina e na homeostase ácido-básica. Os distúrbios do ciclo da ureia (UCDs) compreendem várias defi ciências hereditárias de enzimas ou de transportadores necessários para a síntese de ureia a partir da amônia. Os UCDs resultam no acúmulo de níveis tóxicos de amônia no sangue e no cérebro dos pacientes afetados e podem se manifestar no período neonatal ou mais tarde na vida, de- pendendo da gravidade e do tipo de defeito. O controle dos níveis de amônia no sangue é o principal objetivo no trata- mento de UCD (WEINER; VERLANDER, 2013). Excreção da amônia Os alimentos ricos em proteínas são convertidos nos nove aminoácidos es- senciais e 11 não essenciais. A diferença entre os dois grupos é que os aminoá- cidos essenciais não podem ser sintetizados no corpo e, portanto, devem ser fornecidos na dieta ou as proteínas não podem ser sintetizadas (WEINER et al., 2015). Os aminoácidos têm dois destinos: BIOQUÍMICA APLICADA 119 SER_FARMA_BIOQAP_UNID4.indd 119 07/01/2021 14:03:02 • Eles podem ser usados para sintetizar proteínas; • Eles são degradados e o grupo α-amino é removido e convertido em ureia no fígado. A produção de ureia está intimamente relacionada àquantidade de proteína ingerida. Portanto, a ureia pode ser usada para estimar se um pacien- te com doença renal crônica (DRC) está recebendo as quantidades necessárias de proteína. Além disso, a produção de ureia serve como uma estimativa do acúmulo de toxinas urêmicas putativas e, portanto, como uma diretriz para o manejo da dieta de pacientes com DRC. A quantidade de proteína dietética afeta a função renal, de forma que indiví- duos normais que comem pequenas quantidades de proteína têm valores bai- xos de TFG (Taxa de Filtração Glomerular), enquanto comer uma grande refei- ção de proteína aumenta transitoriamente a TFG. O papel de uma alteração na TFG induzida por proteínas na dieta, como contribuinte para as consequências da DRC, não está claro, porque a maioria dos pacientes com DRC avançada in- gere substancialmente mais proteína do que o recomendado pela Organização Mundial da Saúde (WEINER, et al., 2015). Os rins medeiam um papel central na homeostase ácido-base por meio das funções combinadas de reabsorção de bicarbonato filtrado e nova geração de bicarbonato. A reabsorção do bicarbonato é necessária para a homeostase ácido-base, mas não é suficiente; um novo bicarbonato deve ser gerado para substituir aquele que tamponou os ácidos endógenos e exógenos. A nova gera- ção de bicarbonato envolve amônia urinária e excreção de ácido titulável (WEI- NER et al., 2015). A excreção de amônia é responsável pela maior parte da geração de bicar- bonato basal, e as mudanças na excreção de amônia são a resposta primária aos distúrbios ácido-básicos. A excreção de nitrogênio na forma de amônia é de aproximadamente 10% da excreção de nitrogênio da ureia em condições ba- sais, mas pode aumentar de cinco a dez vezes, permitindo que a amônia tenha um papel importante no balanço de nitrogênio (WEINER et al., 2015). O metabolismo renal da amônia difere, de maneiras importantes, daquele de outros solutos renais que sofrem excreção líquida, de modo que o con- teúdo venoso renal é menor que o conteúdo arterial. A amônia é fundamen- talmente diferente. Quase toda a amônia urinária é produzida no rim, e a amônia venosa renal excede a amônia arterial, o que significa que os rins BIOQUÍMICA APLICADA 120 SER_FARMA_BIOQAP_UNID4.indd 120 07/01/2021 14:03:02 realmente aumentam a amônia sistêmica. A amônia passa por um conjunto complexo de eventos de transporte no rim, que determina a proporção de amônia gerada, excretada na urina como nitrogênio amoniacal, versus aquela que entra nos capilares renais e é transportada para a circulação sistêmica por meio das veias renais (DUBOSE et al., 1991). A amônia renal ocorre principalmente no túbulo proximal e a glutamina é o substrato primário. No túbulo proximal, a captação de glutamina ocorre por meio da combinação do transportador-1 apical de aminoácido neutro depen- dente de Na+ e do transportador basolateral de aminoácido neutro acoplado a sódio (SNAT3). Mudanças na amônia, como durante a acidose metabólica, estão associadas a mudanças na expressão de SNAT3, mas não na expressão do transportador apical de aminoácido neutro dependente de Na+ (SOLBU et al., 2005). Na Figura 1 está representado o transporte de amônia. Lúmen Túbulo proximal Sangue Glutamina Glutamina Glutamina Figura 1. Transporte de amônia pelo túbulo proximal. Fonte: WEINER et al., 2015. (Adaptado). BIOQUÍMICA APLICADA 121 SER_FARMA_BIOQAP_UNID4.indd 121 07/01/2021 14:03:03 A amoniagênese envolve principalmente glutaminase dependente de fos- fato, glutamato desidrogenase, α-cetoglutarato desidrogenase e fosfoenolpi- ruvato carboxicinase (PEPCK), e o metabolismo completo da glutamina gera dois íons NH4 + e dois HCO3 − por glutamina. O bicarbonato produzido é, então, transportado por meio da membrana basolateral via cotransportador eletro- gênico de bicarbonato acoplado a sódio, isoforma 1A (NBCe-1A), e serve como novo bicarbonato gerado pelo rim (WEINER et al., 2015). Apenas aproximadamente 50% da amônia produzida é excretada na urina em condições basais, enquanto o restante da amônia entra na circulação sistê- mica por meio das veias renais. A amônia que entra na circulação sistêmica sofre um metabolismo quase completo no fígado. A principal via metabólica usa HCO3 − como substrato e gera ureia. Consequentemente, a amônia produzida nos rins, transportada para a circulação sistêmica e metabolizada no fígado em ureia, não tem nenhum benefício ácido-básico líquido (WEINER; VERLANDER, 2013). A proporção da amônia produzida que é excretada na urina em vez de ser transportada para a circulação sistêmica pode ser alterada rapidamen- te. Isso permite que as alterações na amônia urinária excedam, pelo menos agudamente, as alterações na amôniagênese. Na maioria dos distúrbios áci- do-básicos crônicos, as mudanças na amônia são responsáveis pela maioria das mudanças no conteúdo de amônia urinária. É importante observar que o transporte de amônia pelas células epiteliais renais determina a proporção de amônia excretada na urina (WEINER et al., 2015). A amônia produzida no túbulo proximal é secretada, preferencialmente, no líquido luminal. Isto parece envolver a secreção de NH4 + pelo NHE3 apical. Tam- bém pode haver um componente da secreção paralela de H+ e NH3. Condições associadas à ativação do NHE3, como acidose metabólica e hipocalemia, tam- bém aumentam a secreção de amônia (WEINER et al., 2015). Na alça de Henle, ocorre reabsorção de amônia, sendo o principal local de transporte, o ramo ascendente espesso medular. A amônia é reabsorvida na forma de NH4 + principalmente por meio do transportador apical sensível ao diurético de alça, NKCC2. Embora outros transportadores de NH4 + este- jam presentes, sua contribuição quantitativa é muito menor (WEINER et al., 2015). A amônia é então transportada por meio da membrana basolateral, principalmente por meio do trocador sódio-hidrogênio basolateral NHE4. O BIOQUÍMICA APLICADA 122 SER_FARMA_BIOQAP_UNID4.indd 122 07/01/2021 14:03:03 transporte de NH4 + através da membrana apical, porque o NH4 + é um ácido fraco, causa acidifi cação intracelular que pode inibir a reabsorção de amônia (BOURGEOIS et al., 2010). A entrada do bicarbonato, por meio do cotransportador eletroneutro bicar- bonato de sódio basolateral, isoforma 1 (NBCn1), parece tamponar essa acidi- fi cação intracelular e permitir a reabsorção contínua de amônia. O resultado líquido é um gradiente intersticial de amônia axial, com os níveis mais altos na medula interna, os níveis intermediários na medula externa e os níveis mais baixos no córtex renal (BOURGEOIS et al., 2010). A amônia é então secretada pelo duto coletor, que envolve a secreção pa- ralela de H+ e NH3. A secreção de NH3 parece envolver o transporte pelas glico- proteínas Rhbg e Rhcg do Rhesus, transportadores específi cos da amônia, ex- pressos no duto coletor. A Na+-K+-ATPase basolateral contribui para a secreção de amônia IMCD por meio de sua capacidade de transportar NH4 +. A secreção apical de H+ envolve H+-ATPase e H+-K +-ATPase (WEINER et al., 2015). Esses efeitos da amônia na H+ -K+ -ATPase ocorrem independentemente de mudanças no pH intracelular e envolvem a formação de microtúbulos, cálcio intracelular e tráfego vesicular mediado por SNARE-proteína. Assim, as mudan- ças na amônia do túbulo proximal, em resposta à hipocalemia, podem facilitar as mudanças nas concentrações de amônia intrarrenal, que então funcionam como moléculas sinaliza- doras para regular o transporte de K+ do duto coletor e a excre- ção renal de K+(WEINER et al., 2015). Metabolismo alterado da amônia Acidose metabólica O principal mecanismo pelo qual os rins aumentam a excreção líquida de ácido, em resposta à acidose metabólica, é por meio do aumento do metabolis- mo da amônia. Quase todos os componentes do metabolismo da amônia estão aumentados, incluindo SNAT3, glutaminasedependente de fosfato, glutamato desidrogenase, PEPCK, NKCC2, NHE4, Rhbg e Rhcg. Essa resposta integrada au- menta a captação renal de glutamina, amôniagênese, geração de novo bicarbo- nato e excreção de amônia na urina (CURTHOYS; MOE, 2014). BIOQUÍMICA APLICADA 123 SER_FARMA_BIOQAP_UNID4.indd 123 07/01/2021 14:03:03 Para entender o efeito do metabolismo da amônia no balanço do nitrogênio, é impor- tante considerar a fonte metabólica da glutamina usada para a amônia. A amônia renal tem uma média de aproximadamente 60-80 mmol/d em humanos, sob condições basais, e pode aumentar, assumindo que a ex- creção renal de amônia é de aproximadamente 50% da pro- dução total de amônia, para aproximadamente 3-400 mmol/d (WEINER et al., 2015). Como cada glutamina metabolizada gera duas moléculas de NH4+, aproxi- madamente 150–200 mmol/d de glutamina são necessários para sustentar as taxas máximas de amôniagênese. Durante a acidose metabólica, a acidose es- timula a degradação da proteína do músculo esquelético que, juntamente com a síntese hepática de glutamina, aumenta a produção extrarrenal de glutami- na. Isso permite níveis plasmáticos inalterados de glutamina, apesar dos au- mentos substanciais na captação renal de glutamina (CURTHOYS; MOE, 2014) . Este papel dos músculos esqueléticos na acidose metabólica tem importan- te significado clínico. A acidose metabólica diminui a massa muscular esquelé- tica e aumenta a excreção de nitrogênio amoniacal, que pode causar balanço de nitrogênio negativo. A correção da acidose metabólica, associada à DRC, melhora o balanço de nitrogênio, a albumina plasmática, o tamanho do múscu- lo esquelético e a força do músculo esquelético (WEINER et al., 2015). Hipocalemia A hipocalemia é uma segunda condição associada ao metabolismo renal alterado da amônia e é definida como a diminuição plasmática do cátion po- tássio abaixo de 3,5 mEg/L. De fato, o aumento da geração de bicarbonato con- tribui para a alcalose metabólica, frequentemente observada na hipocalemia. Além disso, em adultos com uma dieta adequada, mas pobre em proteínas, os aumentos na excreção de amônia induzidos por hipocalemia podem cau- sar balanço de nitrogênio negativo. Em crianças com ingestão proteica baixa, mas adequada, a hipocalemia reduz a retenção de nitrogênio corporal total necessária para a síntese proteica normal e prejudica o crescimento, devido ao aumento da excreção de nitrogênio na forma de amônia (WEINER et al., 2015). BIOQUÍMICA APLICADA 124 SER_FARMA_BIOQAP_UNID4.indd 124 07/01/2021 14:03:03 Hormônios glicocorticoides Os hormônios glicocorticoides regulam aproximadamente 70% da excreção de amônia basal e 50% a 70% da excreção de amônia estimulada pela acidose. Seu papel parece envolver a regulação de SNAT3, PEPCK e NHE3. Além disso, os glicocor- ticoides contribuem para a degradação da proteína do músculo esquelético induzi- da pela acidose (65), que, ao contribuir para a produção extrarrenal de glutamina, permite a manutenção dos seus níveis plasmáticos normais. Assim, os hormônios glicocorticoides têm um papel importante no balanço de nitrogênio mediado, em parte, por seus efeitos no metabolismo da amônia (WEINER et al., 2015). Ingestão de proteínas A ingestão de proteína na dieta tem efeitos importantes no metabolismo renal da amônia. Em geral, as dietas ricas em proteínas, particularmente se ricas em ami- noácidos contendo enxofre, aumentam a produção de ácido endógeno, causando um aumento paralelo na excreção de amônia, enquanto as dietas de baixa proteína diminuem a excreção de amônia. Como a excreção de nitrogênio da amônia muda paralelamente às mudanças de nitrogênio da dieta, o balanço líquido de nitrogênio não muda (WEINER et al., 2015). No entanto, o clínico deve lembrar que a amônia urinária representa em média apenas 50% da produção total de amônia renal, e que uma quantidade semelhante entra na circulação sistêmica pelas veias renais. Portanto, após a ingestão de proteí- nas, o conteúdo aumentado de amônia na veia renal pode aumentar os níveis plas- máticos de amônia. Em pacientes com função hepática comprometida, isso pode precipitar ou piorar a encefalopatia hepática. Da mesma forma, a carga proteica da degradação dos glóbulos vermelhos resultante de sangramento gastrointestinal pode aumentar a amônia renal, levando ao aumento da amônia da veia renal, o que pode contribuir para o desenvolvimento ou agravamento da encefalopatia hepática (WEINER et al., 2015). Fármacos usados para excreção da amônia A excreção renal de drogas é o resultado de diferentes mecanismos: fi ltração glomerular, retrodifusão passiva, secreção tubular e reabsorção tubular. Destes mecanismos, os dois últimos são saturáveis, pois envolvem transporte de porta- dores. Isso também signifi ca que tanto a secreção tubular quanto a reabsorção BIOQUÍMICA APLICADA 125 SER_FARMA_BIOQAP_UNID4.indd 125 07/01/2021 14:03:03 tubular são suscetíveis à competição entre substratos semelhantes por um local transportador comum. Além disso, o transporte por meio desses mecanismos é dependente de energia, o chamado transporte ativo, capaz de concentrar um me- dicamento (TAFT, 2009). A Figura 2 exemplifica o funcionamento da excreção renal. Figura 2. Excreção renal. A secreção tubular ocorre no túbulo proximal do néfron. Muitos compostos orgânicos são secretados ativamente, mas existem sistemas de transporte sepa- rados para ânions e cátions. Os ânions parecem ser transportados ativamente sobre a membrana basolateral e por um processo mediado por transportador não ativo menos eficiente (difusão facilitada), sobre a membrana da borda em escova. Como resultado desses mecanismos, os ânions tendem a se acumular nas células tubulares proximais. Para cátions, entretanto, a etapa de transporte ativo opera sobre a membrana da borda em escova, ao passo que a captação do cátion na célula ocorre por difusão facilitada sobre a membrana basolateral (KENAKIN, 2017). A reabsorção ativa é mais proeminente para muitos nutrientes e substratos endógenos (aminoácidos, glicose, vitaminas), mas vá- rios compostos exógenos também têm uma certa afini- dade para os sistemas transportadores reabsortivos. Os medicamentos uricosúricos, por exemplo, inter- ferem na reabsorção de urato mediada por carrea- dores (KENAKIN, 2017). Córtex Néfron cortical GloméruloCápsula de Bowman Membro descendente Membro ascendente Pélvis Renal Ureter Filtração Secreção Reabsorção Excreção Medula Cálice Cápsula renal BIOQUÍMICA APLICADA 126 SER_FARMA_BIOQAP_UNID4.indd 126 07/01/2021 14:03:04 A ocorrência de vias de excreção saturáveis causa farmacocinética não linear de- pendente da dose. Na farmacocinética clínica, a secreção tubular pode ser adequa- damente descrita com o uso de uma equação de Michaelis-Menten. Isso significa que um composto submetido à secreção tubular exibe uma depuração renal de- pendente da concentração. Em baixas concentrações plasmáticas, a depuração será máxima e, para vários medicamentos, pode ser tão alta quanto o fluxo plasmático renal efetivo. Concentrações crescentes causam diminuição da depuração renal, até que o mecanismo de secreção se torne totalmente saturado (KENAKIN, 2017). Então, a excreção da droga na urina dependerá principalmente de sua taxa líqui- da de filtração. É importante perceber que a cinética não linear será evidente a partir da cinética do plasma apenas quando a via saturável contribuir com pelo menos cerca de 20% da depuração corporal total. As interações com outros substratos, en- tretanto, são prováveis de ocorrer, mesmo quando apenas uma quantidade muito pequena de droga é transportada pelo sistema de transporte (TAFT, 2009). A cinética não linear leva inevitavelmente a uma acumulação desproporcional. Portanto, para qualquer droga que seja ativamente secretada, deve-se considerar cuidadosamente as possibilidadesde interação droga-droga e de acúmulo indeseja- do de droga com doses crescentes. Vários mecanismos contribuem para a excreção de drogas e outras substâncias através do rim e estão intimamente relacionados à sua anatomia e fisiologia (TAFT, 2009). As unidades funcionais do rim são os néfrons, cada uma consistindo em um glo- mérulo, rodeado por uma cápsula de Bowman e um sistema tubular (Figura 2). O néfron é rodeado por capilares arteriais e venosos, que fornecem um contato pró- ximo entre a circulação sanguínea e as células formadoras do lúmen glomerular e tubular (TAFT, 2009). A excreção de drogas na urina é governada por quatro processos diferentes (TAFT, 2009): • Filtração glomerular: parte do sangue que flui por meio dos rins é ultrafiltrada nos glomérulos (produzindo cerca de 125 ml de filtrado por minuto); • Retrodifusão passiva: quase toda a água glomerular filtrada é reabsorvida na região renal tubuli. Como resultado, a concentração de drogas na urina tubular aumenta acentuadamente, e um gradiente de concentração é estabelecido entre a urina e o plasma. Este gradiente fornece a direção da força de difusão da droga da urina para o plasma; BIOQUÍMICA APLICADA 127 SER_FARMA_BIOQAP_UNID4.indd 127 07/01/2021 14:03:04 • Secreção tubular: alguns medicamentos são excretados dos capilares ao redor dos tú- bulos renais para a urina primária, por um processo mediado por carreadores (secre- ção tubular), análogo a algumas substâncias endógenas residuais. Este processo é limitado por um certo valor de transporte máximo fixo e suscetível à competição por vários compostos secretado pelo mesmo mecanismo; • Reabsorção tubular ativa: alguns medicamentos são reab- sorvidos ativamente da urina primária para os capilares ao redor dos túbulos renais; este processo é também análogo àquele para substâncias endógenas (por exemplo, glicose). Como a secreção tubular, este ativo à reabsorção é saturável e suscetível a fenômenos de competição. Rifaximina O tratamento com rifaximina (Figura 3) reduz o risco de recorrência de encefalopatia hepática (EH) evidente, e existem muitas opções de tratamento farmacológico para EH aguda. As estratégias incluem tentativas de reduzir a produção ou absorção de nitrogênio pelo cólon, aumentar o metabolismo da amônia, alterar a neurotransmissão e o transplante de fígado. A terapia far- macológica mais comumente administrada inclui dissacarídeo lactulose não absorvível e antibióticos (FLAMM, 2011). Figura 3. Estrutura molecular da rifaximina. H3C H3C CH3 CH3 CH3 CH3 CH3 CH3 CH3 CH3 N N OH NH OHOH O O O O O O O HO BIOQUÍMICA APLICADA 128 SER_FARMA_BIOQAP_UNID4.indd 128 07/01/2021 14:03:04 A lactulose, um dissacarídeo não absorvível, é considerada primeira linha para terapia farmacológica de EH aguda. Foi aprovada para o tratamento de EH por mais de 30 anos, apesar da escassez de dados sólidos que sustentem sua eficácia, e o mecanismo de ação da lactulose permanece pouco conhecido (FLAMM, 2011). A lactulose não é absorvida no intestino delgado porque as pessoas não possuem a dissacaridase, que metaboliza o açúcar. A lactulose fica então disponível para as bactérias do cólon que podem se decompor. Os mecanismos postulados de atividade da lactulose incluem o metabolismo pelas bactérias do cólon em ácidos graxos, com a consequente diminuição do pH no cólon. Isso resulta na formação de íon amônio mal absorvido a partir da amônia e, portanto, diminui a absorção geral de amônia (FLAMM, 2011). Além disso, a lactulose causa alterações no meio bacteriano do cólon por meio de seu efeito catártico, que afeta favoravelmente a eliminação de toxinas. A lactu- lose é mal tolerada porque tem um sabor adocicado desagradável, causa flatos, cólicas abdominais e é dosada para dois a três movimentos intestinais soltos. Mui- tos pacientes não aderem à medicação, mas a diarreia é comum e pode realmente levar à desidratação e causar agravamento da encefalopatia. Embora muitos pa- cientes pareçam se beneficiar da terapia com lactulose no quadro agudo, também foi observado em uma base anedótica pacientes mantidos em lactulose com his- tória de EH e que, portanto, estão em alto risco de EH recorrente. Antibióticos têm sido administrados no tratamento da EH, geralmente em- pregados como terapia de segunda linha. Acredita-se que o mecanismo esteja relacionado à diminuição da desaminação do cólon, que produz compostos ni- trogenados (ou seja, amônia) pelo metabolismo da ureia. Os antibióticos mais co- muns usados em uma base histórica para HE incluem neomicina e metronidazol (FLAMM, 2011). A neomicina é aprovada como terapia adjuvante no coma hepático. Metro- nidazol não é aprovado para HE, e a neomicina é mais bem estudada do que o metronidazol. Existem vários estudos controlados envolvendo neomicina, mas a maioria deles, incluindo aqueles com metronidazol, são pequenos e não contro- lados. Poucos apoiam o uso de qualquer um dos antibióticos para o tratamento de EH. Além disso, o uso a longo prazo de neomicina é limitado pela ototoxicidade e nefrotoxicidade. O uso de metronidazol a longo prazo é limitado por distúrbios gastrointestinais e pela neurotoxicidade (FLAMM, 2011). BIOQUÍMICA APLICADA 129 SER_FARMA_BIOQAP_UNID4.indd 129 07/01/2021 14:03:04 A rifaximina é um antibiótico oral pouco absorvido. É derivado da rifamicina e tem um amplo espectro de atividade contra bactérias entéricas Gram-positi- vas e Gram-negativas, aeróbias e anaeróbias. Acredita-se que diminua a desa- minação de bactérias entéricas para diminuir a produção de compostos nitro- genados, que são subsequentemente absorvidos e causam EH (FLAMM, 2011). Os dados estão disponíveis para apoiar o uso de rifaximina no tratamento de HE aguda em várias bibliografias. Além disso, a rifaximina é bem tolerada. Na verdade, a rifaximina foi aprovada para o tratamento de HE em muitos paí- ses e recebeu o status de medicamento órfão para o tratamento de HE nos EUA em 1998. A rifaximina na dosagem de 550 mg duas vezes ao dia foi altamente eficaz na diminuição da recorrência de EH e na redução da taxa de hospita- lizações relacionadas à EH em um período de 24 semanas, em um grupo de pacientes com alto risco de EH (FLAMM, 2011). Fenilburato de glicerol Fenilbutirato de glicerol (2,3-bis(4-fenillbutanoiloxi) propil 4-fenilbutanoato) (GPB), também conhecida como Ravicti (Figura 4) foi estudado por Lee (2010), como uma alternativa para fenilbutirato de sódio (NaPBA) para o tratamento de distúrbios do ciclo da ureia (UCDs). Este estudo de fase dois explorou a hipótese de que o GPB oferece segurança e controle de amônia semelhantes ao NaPBA, que atualmente é aprovado como terapia adjuvante no manejo crônico de DCU, e examinados os correlatos de 24 horas de amônia no sangue (LEE et al., 2010). Figura 4. Estrutura molecular do fenilburato de glicerol. BIOQUÍMICA APLICADA 130 SER_FARMA_BIOQAP_UNID4.indd 130 07/01/2021 14:03:05 O método utilizado foi um estudo aberto de mudança de sequência fixa, conduzido em pacientes adultos com DCU tomando manutenção NaPBA. A amônia no sangue e os metabólitos do sangue e da urina foram comparados após sete dias (estável estado) da dosagem TID em qualquer uma das drogas, ambas administradas para fornecer a mesma quantidade de ácido fenilbutí- rico (PBA). A amostragem era composta por dez pessoas que completaram o estudo, e os eventos adversos foram comparáveis para os dois medicamen- tos (LEE et al., 2010). Valores de amônia no GPB foram 30% menores do que no NaPBA (AUC normalizado pelo tempo = 26,2 vs. 38,4 lmol/L; Cmax = 56,3 vs. 79,1 lmol/L; não estatisticamente significativo) e o GPB alcançou não inferioridade ao NaPBA em relação à amônia (AUC nor- malizada pelo tempo) por análise post hoc. A exposição sistêmica (AUC0-24) ao PBA no GPB foi 27% menor do que no NaPBA (540 vs. 739 lg h/mL), enquantoa exposição ao ácido fenilacético (PAA) (575 vs.596 lg h/mL) e fenilacetilglutami- na (PAGN) (1098 vs. 1133 lg h/mL) foi semelhante (LEE et al., 2010). A excreção urinária de PAGN foi responsável por 54% do PBA administrado tanto para NaPBA quanto para GPB; outros metabólitos contabilizados para <1%. O GPB intacto era geralmente indetectável no sangue e na urina. Amônia no sangue foi correlacionada fortemente e inversamente com o PAGN urinário (r = 0,82; p <0,0001), mas fracamente ou nada com os níveis de metabólitos no sangue. A segurança e o controle de amônia com GPB parecem pelo menos iguais ao NaPBA. PAGN urinário, que é estequiometricamente relacionado à eliminação de nitrogênio, pode ser um biomarcador útil para a seleção de dose e ajuste para controle ideal de amônia venosa (LEE et al., 2010). ASSISTA Assista ao vídeo Excretion – the pharmacokinetics series (excreção de fármacos) para entender melhor como funciona esse processo. BIOQUÍMICA APLICADA 131 SER_FARMA_BIOQAP_UNID4.indd 131 07/01/2021 14:03:05 Metabolismo da fenilalanina e tirosina Aminoácidos aromáticos Fenilalanina, tirosina e triptofa- no constituem a família aromática de aminoácidos, e são sintetizados a partir de fosfoenolpiruvato e eritrose 4-fosfato (Figura 5), intermediários da glicólise e da via da pentose fosfato. Estes aminoácidos são sintetizados por uma ramifi cação da via na qual o corismato é o principal metabólito do ponto de ramifi cação (FERREIRA; TEI- XEIRA, 2003). O corismato é sintetizado por um caminho de sete etapas, muitas vezes referido como via de chiquimato (Figu- ra 5) ou via aromática comum, para construir o anel de benzeno. Em alguns organismos, incluindo humanos, a tirosina pode ser sintetizada por hidroxi- lação da fenilalanina em uma reação catalisada por fenilalanina hidroxilase. Esta reação é a única conhecida de biossíntese de aminoácidos aromáticos em animais, sendo responsável pela não essencialidade da tirosina em mamíferos e não reversível, o que explica porque a tirosina não pode substituir a necessi- dade nutricional da fenilalanina (FERREIRA; TEIXEIRA, 2003). O ácido corísmico é um intermediário de ponto de ramifi cação instável que serve como o precursor de todos os aminoácidos aromáticos, pois pode ser dividido em uma das duas vias ou ramifi cações. Um caminho produz triptofano, enquanto a outra via realiza um rearranjo de Claisen e produz prepe- nato, que é fi nalmente transformado em feni- lalanina e tirosina. O corismato também é o precursor de outros compostos aromáticos, como ubiquinona, ácido p-aminobenzoico e vitamina K (FERREIRA; TEIXEIRA, 2003). BIOQUÍMICA APLICADA 132 SER_FARMA_BIOQAP_UNID4.indd 132 07/01/2021 14:03:06 Figura 5. Via do chiquimato resumida. Fosfoenolpiruvato DAHP Eritrose 4- fosfato Triptofano 3 dehidrochinato Fenilalanina Arogenato Tirosina Prefenato Chiquimato Corismato BIOQUÍMICA APLICADA 133 SER_FARMA_BIOQAP_UNID4.indd 133 07/01/2021 14:03:08 Fenilalanina e tirosina A fenilalanina é um aminoácido essencial, o que signifi ca que não pode ser produ- zido no corpo e deve ser ingerido na dieta. A tirosina é um aminoácido não essencial e pode ser formado pela hidroxilação da fenilalanina no fígado quando a ingestão de tirosina na dieta é baixa. Em uma dieta pobre em tirosina, até metade da fenilalanina ingerida pode ser convertida em tirosina no corpo. Por outro lado, se a dieta for rica em tirosina, a necessidade de fenilalanina pode ser reduzida em 50% (LITWACK, 2018). A tirosina é metabolizada em substâncias importantes no corpo, como as cate- colaminas (epinefrina e norepinefrina) e o pigmento do tecido, melanina, bem como outros metabólitos. Fenilalanina hidroxilase (PAH) é expressa no fígado e nos rins. Mu- tações no gene que expressa PAH podem levar à fenilcetonúria, uma doença metabó- lica grave. PAH é a enzima que metaboliza o excesso de fenilalanina (LITWACK, 2018). A PAH é caracterizado como uma oxidase de função mista porque incorpora um átomo de oxigênio na hidroxila do produto, tirosina, e outro átomo de oxigênio na água. Sua coenzima é a tetrahidrobiopterina (BH4), que doa dois átomos de hidrogênio na reação do PAH enquanto a BH4, após doar dois hidrogênios, está no estado menos reduzido, denominado dihidrobiopterina (BH2). BH2 é convertido de volta em BH4 pela di-hidrobiopterina redutase com NADH + H+ como coenzi- ma (LITWACK, 2018). A conversão de L-fenilalanina em L-tirosina catalisada pela fenilalanina hidroxilase, uma oxidase de função mista, é apresentada na Figura 6. Figura 6. Conversão de L-fenilalanina em L-tirosina. Fonte: LITWACK, 2018, s.p. (Adaptado). CH2CH2 CH3CH3 CHCH CHCH H H O N N NN N NN N H2OO2 HO OHOHOH OHOH NH3NH3 NH2 NAD NADH + H NH2 H2H4 Biopterina Fenilalanina hidroxilase Dihidropteridina redutase Fenilalanina Tirosina Biopterina CHCH COOCOO BIOQUÍMICA APLICADA 134 SER_FARMA_BIOQAP_UNID4.indd 134 07/01/2021 14:03:08 O mecanismo enzimático é substancialmente mais complexo do que mostrado na Figura 6, porque a coenzima contém um átomo de ferro não heme que forma um superóxido. Fe (III) é reduzido a Fe (II) seguido por uma diminuição na afinidade por duas moléculas de água, próximas ao átomo de ferro. A BH4 liga-se à enzima seguida pela ligação da fenilalani- na; então dioxigênio (O: O) liga-se onde uma das duas moléculas de água estava previamente localizada, formando peroxi-BH4. O oxigênio quebra da ligação seguida pela quebra da peroxidrobiopterina em hidroxibiopte- rina mais um intermediário de ferro peroxipterina ativado. Na etapa final, são liberadas L-tirosina e hidroxitetrabiopterina (BH4OH) (LITWACK, 2018). Existem mais de 400 mutações conhecidas em crianças do gene para HAP (hiperfenilalaninemia), levando a uma doença parcialmente ativa ou inativa PAH e geração de fenilcetonúria. Nesta doença, a fenilalanina não pode ser convertida em tirosina. A gravidade da doença é refletida pelos valores séricos para fenilalanina: normal 1 mg/dL (0,061 mM), que é hiper- fenilalaninemia benigna (HPA); variante HPA 4 – 10 mg/dL (0,24 – 0,605 mM); clássico fenilcetonúria 10 – 20 mg/dL (>20 mg/L ou >1,21 mM). Quan- do há um defeito na geração adequada de quantias do cofator BH4 (de- feitos na GTP ciclo-hidrolase, a primeira enzima na via e piruvoil tetrahi- dropterina sintase, a segunda enzima na via), HPA (hiperfenilalaninemia) ocorre apenas em uma pequena porcentagem dos casos, mas estes não são controlados pela limitação da fenilalanina na dieta, um método que está em prática para HPA gerado por uma deficiência de PAH. No HPA, a fenilalanina é transaminada em fenilpiruvato (fenilalanina + α-cetogluta- rato = fenilpiruvato + glutamato) em vez de tirosina (LITWACK, 2018). Acúmulo de fenilpiruvato pode causar retardo mental (fenilcetonúria, PKU) em bebês. Quando a fenilalanina está presente em excesso ao longo da necessidade de tirosina, ela é transaminada com α-cetoglutarato em fenilpiruvato e glutamato, como na deficiência de PAH, mas, neste caso, a formação de fenilpiruvato seria insuficiente para causar problemas. Além disso, quando a fenilalanina está em excesso sobre a necessidade de formar tirosina, pode ser convertido em feniletilamina e outros me- tabólitos, como ácido fenilacético, fenilacetilglutamina e ácido fenilático (LITWACK, 2018). BIOQUÍMICA APLICADA 135 SER_FARMA_BIOQAP_UNID4.indd 135 07/01/2021 14:03:08 A fenilalanina é metabolizada em ácido acetoacético e ácido fumárico via tirosina. Um metabólito de tirosina, DOPA, é convertido nos neurotransmissores epinefrina e norepinefrina. A falta desses neurotransmissores é um fator causal na doença de Parkinson e na esquizofre- nia. A administração do β-bloquea- dor cloropromazina é eficaz em seu tratamento, mas pode causar osteo- porose como efeito colateral (KOMODA; MATSUNAGA, 2015). Quando pacientes com esquizofreniasão tratados com cloropromazi- na, o médico deve aconselhar o uso de vitamina D. Pacientes com alcapto- núria apresentam urina preta devido à oxidação do ácido homogentísico. A deficiência de tirosinase pode causar albinismo com falta do neurotrans- missor dopamina, resultando em sintomas de esquizofrenia (KOMODA; MATSUNAGA, 2015. Metabolismo de lipídeos de origem hepática e exógena Ácidos graxos Os ácidos graxos possuem uma longa cadeia de hidrocarbonetos, ou seja, um composto inteiramente de carbonos e hidrogênios e um grupo carboxila terminal. A cadeia pode ser saturada (sem ligações duplas) ou insaturada (contém uma ou mais ligações duplas). Eles diferem no compri- mento da cadeia e na posição e número de suas ligações (CLAYDEN; GREE- VES; WARREN, 2012). Quase todos os ácidos graxos possuem um número par de átomos de carbono; aqueles com 16 a 18 carbonos são os mais comuns. Os ácidos gra- xos insaturados têm pontos de fusão mais baixos do que os ácidos graxos saturados, o que se torna significativo ao considerar se eles são sólidos ou líquidos a temperatura ambiente. As ligações duplas de quase todos os áci- dos graxos insaturados que ocorrem naturalmente estão na formação cis (Figura 7) (CLAYDEN; GREEVES; WARREN, 2012). BIOQUÍMICA APLICADA 136 SER_FARMA_BIOQAP_UNID4.indd 136 07/01/2021 14:03:08 18 carbonos Ácido elaídico Ácido oleico Trans Cis Ponto de fusão = 13 °C Ponto de fusão = 45 °C Figura 7. Estrutura cis e trans de ácido graxos. Os ácidos graxos insaturados mais abundantes em organismos superiores são oleicos, ácidos linoleico, linolênico e araquidônico. Porque eles contêm apenas liga- ções simples, os ácidos graxos saturados possuem uma enorme quantidade de fle- xibilidade, o que lhes permite dobrar em todos os tipos de formas (ALBERTS, 2010). A notação da cadeia de um ácido graxo pode ser numerada, por exemplo, como 16:0, sendo que o primeiro número indica que o ácido graxo tem 16 átomos de carbono e, o segundo, que não há ligações duplas. Na Figura 8 é possível observar como ocorre a nomeação do ácido graxo, o grupo metil no final do ácido graxo é conhecido como ômega (ω). O número de átomos de carbono é anotado na extre- midade carboxila. As ligações duplas em ácidos graxos são numeradas de metil ou final ômega (ω) (CLAYDEN; GREEVES; WARREN, 2012). Figura 8. Notação de um ácido graxo. HO 18 O 16 14 12 10 8 6 4 2 2α ω4 6 8 10 12 14 16 18 CH3 BIOQUÍMICA APLICADA 137 SER_FARMA_BIOQAP_UNID4.indd 137 07/01/2021 14:03:09 Dessa forma, lipídio pode ser definido como qualquer composto orgânico, incluindo gorduras, óleos, hormônios e certos componentes de membranas hi- drofóbicos, que não interagem com a água. Um tipo de lipídio, os triglicerídeos, é sequestrado como gordura nas células adiposas, que servem como depósi- to de armazenamento de energia para os organismos e fornecem isolamento térmico. Os lipídeos são classificados como ácidos graxos, derivados de ácidos graxos, colesterol e seus derivados e lipoproteínas (ALBERTS, 2010). Alguns lipídeos, como os hormônios esteroides, atuam como mensageiros químicos entre células, tecidos e órgãos, e outros comunicam sinais entre sis- temas bioquímicos dentro de uma única célula. As membranas das células e organelas (estruturas dentro das células) são estruturas microscopicamente finas formadas por duas camadas de moléculas de fosfolipídeos. As membra- nas funcionam para separar células individuais de seus ambientes e para com- partimentar o interior da célula em estruturas que realizam funções especiais. Essa função de compartimentação é tão importante que as membranas, e os lipídeos que as formam, devem ter sido essenciais para a origem da própria vida (ALBERTS, 2010). Figura 9. Ácido linoleico – ácido graxo insaturado. Fonte: ARAUJO, 2020. O HO Ácido linoleico Ácido carboxílico Lipídeos Lipídeos são moléculas que podem ser formadas por ácidos graxos, com- postos por uma cadeia de hidrocarbonetos hidrofóbica, ligada a um grupo de ácido carboxílico hidrofílico (Figura 9) tendo, portanto, a característica de se- rem anfipáticos. Os lipídeos podem ser formados por isoprenos e por múlti- plos anéis aromáticos, como nos esterois (ALBERTS, 2010). Cadeia de hidrocarboneto insaturada (duplas ligações) BIOQUÍMICA APLICADA 138 SER_FARMA_BIOQAP_UNID4.indd 138 07/01/2021 14:03:09 Moléculas como proteínas, ácidos nucleicos e carboidratos têm afi nida- de pela água e são chamadas de hidrofílicas, enquanto os lipídeos são hi- drofóbicos. Alguns lipídeos são anfi páticos, ou seja, parte de sua estrutura é hidrofílica e outra parte, geralmente uma seção maior, é hidrofóbica. Os lipídeos anfi páticos formam espontaneamente agregados moleculares or- denados, com suas extremidades hidrofílicas por fora, em contato com a água, e suas partes hidrofóbicas por dentro, protegidas da água. Essa pro- priedade é a chave para seu papel como componentes fundamentais das membranas celulares e organelas (ALBERTS, 2010). Ácidos graxos, carotenoides e terpenos são exemplos de lipídeos. Estes possuem várias funções, dentre elas, atuam como componentes estruturais das membranas, armazenamento intracelular para combustível metabólico, um mecanismo de transporte para combustível metabólico, precursores de muitos processos metabólicos e hormônios (ALBERTS, 2010). Os lipídeos, como o colesterol e os triglicerídeos, são insolúveis na água, e devem ser transportados em associação com proteínas na circulação. O metabolismo dos lipídeos associados a proteínas ou lipoproteínas ocorre pelo ciclo endó- geno (lipídio sintetizado dentro do organismo) e pelo ciclo exógeno (lipídio proveniente da dieta). Grandes quantidades de ácidos graxos das refeições devem ser transportadas como triglicerídeos para evitar toxicidade. Essas lipoproteínas desempenham um papel fundamental na absorção e trans- porte de lipídeos da dieta pelo intestino delgado, no transporte de lipídeos do fígado para os tecidos periféricos e no transporte de lipídeos dos teci- dos periféricos para o fígado e intestino (transporte reverso do colesterol) (ALBERTS, 2010). Síntese e papel das lipoproteínas plasmáticas Lipoproteínas As lipoproteínas são moléculas que transportam lipídeos plasmáticos. Lipo- proteínas específi cas são fatores de risco para doenças cardiovasculares e ou- tras doenças metabólicas. Compreender as lipoproteínas e as diferentes ma- neiras de manipular seu metabolismo é um passo essencial para a prevenção de doenças e morbidade na população em geral (FEINGOLD; GRUNFELD, 2018). BIOQUÍMICA APLICADA 139 SER_FARMA_BIOQAP_UNID4.indd 139 07/01/2021 14:03:09 As lipoproteínas possuem um núcleo central contendo ésteres de colesterol e triglicerídeos rodeados por colesterol livre, fosfolipídeos e apolipoproteínas, que facilitam a formação e função das lipoproteínas. As lipoproteínas plasmá- ticas podem ser divididas em sete classes com base no tamanho, composição lipídica e apolipoproteínas (quilomícrons, remanescentes de quilomícrons, VLDL, IDL, LDL, HDL e Lp (a)). Remanescentes de quilomícrons, VLDL, IDL, LDL e Lp (a) são todos pró-aterogênicos, enquanto o HDL é antiaterogênico. As apolipoproteínas têm quatro funções principais: servir a um papel estrutural, atuar como ligantes para receptores de lipoproteínas, guiar a formação de li- poproteínas e servir como ativadores ou inibidores de enzimas envolvidas no metabolismo das lipoproteínas (LENT-SCHOCHET; JIALAL, 2020). A via da lipoproteína exógena começa com a incorporação de lipídeos da dieta aos quilomícrons no intestino. Na circulação, os triglicerídeos carrega- dos nos quilomícrons são metabolizados no músculo e no tecido adiposo pela lipase de lipoproteína, liberando ácidos graxos livres, que são posteriormente metabolizados pelo músculo e tecido adiposo e os remanescentes de quilomí- crons são formados. Os remanescentes de quilomícrons sãoentão absorvidos pelo fígado (FEINGOLD; GRUNFELD, 2018). A via da lipoproteína endógena começa no fígado, com a formação de VLDL. Os triglicerídeos carregados no VLDL são metabolizados no músculo e tecido adiposo pela lipase de lipoproteína, liberando ácidos graxos livres e formando os IDLs, que são posteriormente metabolizados em LDL, absorvidos por meio do receptor de LDL em vários tecidos, incluindo o fígado, o local predominan- te de absorção. O transporte reverso de colesterol começa com a formação de HDL nascente pelo fígado e intestino. Essas pequenas partículas de HDL podem, então, adquirir colesterol e fosfolipídeos, que são efluxados das célu- las, um processo mediado por ABCA1 resultando na formação de HDL maduro (FEINGOLD; GRUNFELD, 2018). O HDL maduro pode adquirir colesterol de adição de células via ABCG1, SR- B1 ou difusão passiva. O HDL, então, transporta o colesterol para o fígado, seja diretamente, interagindo com o SR-B1 hepático, ou indiretamente, transferindo o colesterol para VLDL ou LDL, um processo facilitado pela CETP. O efluxo de co- lesterol de macrófagos para HDL desempenha um papel importante na proteção contra o desenvolvimento de aterosclerose (LENT-SCHOCHET; JIALAL, 2020). BIOQUÍMICA APLICADA 140 SER_FARMA_BIOQAP_UNID4.indd 140 07/01/2021 14:03:09 EXPLICANDO Aterogênico diz respeito à formação de ateromas nas paredes inter- nas das artérias. Ateromas são placas, compostas especialmente de lipídeos e tecido fibroso, que se formam na parede dos vasos sanguíneos. Receptores e transportadores de lipoproteínas Existem vários receptores e transportadores que desempenham um papel crucial no metabolismo das lipoproteínas. O receptor de LDL está presente no fígado e na maioria dos outros tecidos, reconhece Apo B-100 e Apo E e, portan- to, medeia a captação de LDL, quilomícrons remanescentes e IDL, que ocorre por meio de endocitose. Após a internalização, a partícula de lipoproteína é degradada nos lisossomos e o colesterol é liberado. A Figura 10 ilustra o pro- cesso de captação de LDL e a degradação da lipoproteína pelos lisossomos. A proteína clatrina atua no processo de formação de vesículas membranares e no transporte de material da membrana plasmática no interior das células eu- cariontes (LENT-SCHOCHET; JIALAL, 2020). Receptores LDL Lipoproteínas Clatrina Vesícula revestida Reciclagem do receptor Endossomo Lisossomo Aparelho de Golgi Retículo endoplasmático rugoso Figura 10. Metabolismo de lipoproteínas. Fonte: ARAÚJO, 2020. BIOQUÍMICA APLICADA 141 SER_FARMA_BIOQAP_UNID4.indd 141 07/01/2021 14:03:10 O fornecimento de colesterol para a célula diminui a atividade da HMG- CoA redutase, uma enzima chave na biossíntese do colesterol e na expres- são dos receptores de LDL. Os receptores de LDL no fígado desempenham um papel importante na determinação dos níveis plasmáticos de LDL. Um baixo número de receptores está associado a altos níveis plasmáticos de LDL, enquanto um alto número de receptores hepáticos de LDL está asso- ciado a baixos níveis plasmáticos de LDL (FEINGOLD; GRUNFELD, 2018). O número de receptores de LDL é regulado pelo conteúdo de colesterol da célula. Quando os níveis de colesterol celular diminuem, o fator de trans- crição SREBP é transportado do retículo endoplasmático para o complexo de Golgi, onde as proteases se clivam e ativam o SREBP, que então migra para o núcleo e estimula a expressão dos receptores de LDL. Por outro lado, quando os níveis de colesterol celular estão altos, o SREBP permanece no retículo endoplasmático em uma forma inativa e a expressão dos recepto- res de LDL é baixa (FEINGOLD; GRUNFELD, 2018). A proteína relacionada ao receptor LDL é a LRP, um membro da família do receptor LDL. É expressa em vários tecidos, incluindo o fígado. LRP reco- nhece Apo E, e medeia a captação de quilomícrons e IDL remanescentes. Já o receptor B1 eliminador de classe B (SR-B1) é expresso no fígado, glândulas suprarrenais, ovários, testículos, macrófagos e outras células. No fígado e nas células produtoras de esteroides, ele medeia a captação seletiva de és- teres de colesterol das partículas de HDL. Em macrófagos e outras células, facilita o efluxo de colesterol da célula para as partículas de HDL (FEINGOLD; GRUNFELD, 2018). O transportador de cassete de ligação de ATP A1 (ABCA1) é expresso em muitas células, incluindo hepatócitos, enterócitos e macrófagos. Ele medeia o transporte de coles- terol e fosfolipídeos da célula para partículas de HDL pobres em lipídeos (pré-beta-HDL). Já o transportador de cassete de ligação de ATP G1 (ABCG1) é expresso em mui- tos tipos de células diferentes e medeia o efluxo de colesterol da célula para partí- culas de HDL (FEINGOLD; GRUNFELD, 2018). BIOQUÍMICA APLICADA 142 SER_FARMA_BIOQAP_UNID4.indd 142 07/01/2021 14:03:10 O transportador da ligação de ATP G5 e G8 (ABCG5/ABCG8) é expresso no fígado e no intestino e forma um heterodímero. No intestino, esses transporta- dores medeiam o movimento de esterois vegetais e do colesterol de dentro do enterócito para o lúmen intestinal, diminuindo, assim, sua absorção e limitando a absorção de esterois vegetais dietéticos. No fígado, esses transportadores de- sempenham um papel no movimento do colesterol e dos esterois vegetais para a bile, facilitando a excreção dos esterois vegetais (FEINGOLD; GRUNFELD, 2018). Lipídeos e correlações clínicas É comum os pacientes esquecerem de fazer jejum antes de tirar sangue para exames de colesterol e o médico então pedir que o paciente volte outro dia em jejum. Assim, surge a pergunta: é necessário obter lipídeos de jejum nos pacientes, ou os lipídeos de não jejum são aceitáveis? A preferência por lipídeos de jejum no rastreamento da hiperlipidemia pri- mária está profundamente arraigada no uso do cálculo de Friedewald, do co- lesterol de lipoproteína de baixa densidade (LDL), em diretrizes anteriores para rastreamento e tratamento de hiperlipidemia (DRIVER et al., 2016). A equação utiliza colesterol total, colesterol de lipoproteína de alta densidade (HDL) e tri- glicerídeos para calcular o colesterol LDL: Colesterol LDL = colesterol total – colesterol HDL – [triglicerídeos / 5] As diretrizes atuais do American College of Cardiology/American Heart As- sociation (ACC/AHA) não se concentram nas metas de colesterol LDL basea- das no risco para prevenção primária, mas, em vez disso, enfatizam o risco de doença cardiovascular aterosclerótica (ASCVD) em dez anos. O cálculo de risco ASCVD de dez anos utiliza colesterol total, colesterol HDL, pressão arterial sis- tólica e outros fatores de risco. Dependendo da calculadora usada, o LDL pode ou não ser incluído como um fator de risco. Assim, pode-se argumentar que os lipídeos em jejum não são absolutamente necessários para a triagem de pre- venção primária (DRIVER et al., 2016). Os níveis de triglicerídeos fora do jejum predizem independentemente in- farto do miocárdio, doença cardíaca isquêmica e morte. Isso pode ser devido ao metabolismo pós-prandial de lipoproteínas ricas em triglicerídeos. Os re- manescentes de quilomícrons e lipoproteínas de densidade muito baixa (VLDL) BIOQUÍMICA APLICADA 143 SER_FARMA_BIOQAP_UNID4.indd 143 07/01/2021 14:03:10 estão mais presentes no sangue no estado pós-prandial, e foi demonstrado que têm um papel direto na aterosclerose. Isso é clinicamente útil, porque al- tos níveis de triglicerídeos sem jejum são diretamente associados aos níveis de lipoproteína remanescente (DRIVER et al., 2016). O painel de lipídeos tem implicações clínicas além da prevenção primária. Os lipídeos em jejum são absolutamente necessários apenas na triagem e acompanhamento de pacientes com histórico familiar de hiperlipidemia gené- tica ou doença cardiovascular prematura. Nesse caso, os lipídeos em jejum, combinados com os níveis de apolipoproteína B, podem ajudar a distinguir en- tre diferentescondições genéticas (DRIVER et al., 2016). Lipemia pós-prandial (PPL) Lipemia pós-prandial (PPL) refere-se às mudanças nos lipídeos e lipoproteí- nas séricas que ocorrem após uma carga de gordura ou uma refeição. Essas mu- danças são refl etidas principalmente em alterações nos triglicerídeos séricos. A questão de saber se os triglicerídeos séricos são um fator de risco para doenças vasculares se sobrepõe à questão de se PPL desempenha um papel na doença vascular (KOLOVOU; OOI, 2013). Além de uma associação positiva de soro de jejum triglicerídeo com doença arterial coronariana (CHD), dados recentes indicam que, no pós-prandial ou não jejum, os níveis de triglicerídeos são ainda melhores preditores de doença vas- cular, sugerindo que a efi ciência de manipulação pós-prandial de lipoproteínas ricas em triglicerídeos (TRL) é importante na causa de doença vascular. Como os triglicerídeos são componentes das lipoproteínas circulantes, seu metabolismo deve ser discutido em termos do metabolismo de TRL, especialmente no período pós-prandial, quando grandes mudanças no TRL ocorrer (KOLOVOU; OOI, 2013). O consumo de alimentos resulta em absorção e incorporação de ácidos gra- xos de cadeia longa e colesterol em quilomícrons intestinais, ricos em triglice- rídeos, que entram na circulação via vasos linfáticos e o duto torácico. Triglice- rídeos de quilomícron (CM) são hidrolisados pela lipase de lipoproteína (LPL), liberando ácidos graxos para armazenamento em adipócitos ou oxidação nos músculos, resultando em um espectro de remanescentes de quilomícrons (CMR) (KOLOVOU; OOI, 2013). BIOQUÍMICA APLICADA 144 SER_FARMA_BIOQAP_UNID4.indd 144 07/01/2021 14:03:10 Os ésteres de colesterol são transferidos de lipoproteína de alta densidade (HDL) para partículas para CMR, por proteína de transferência de éster de coles- terol (CETP), enriquecendo CMR progressivamente com colesterol, enquanto é parcialmente esgotado de triglicerídeos, CMRs são absorvidos pelo fígado via re- ceptores remanescentes, principalmente lipoproteína de baixa densidade (LDL), proteína relacionada ao receptor (LRP) e receptores de LDL (LDL-R), fornecendo, assim, ácidos graxos dietéticos para o fígado (KOLOVOU; OOI, 2013). Ácidos graxos dietéticos, bem como ácidos graxos sintetizados de novo são usados para a síntese de triglicerídeos, que são montados em níveis muito bai- xos de lipoproteínas de densidade (VLDL). Triglicerídeos VLDL também são hidro- lisados por LPL, gerando VLDL remanescentes (VLDLR), que também aceitam co- lesterol éster na transferência de partículas HDL. Os triglicerídeos são, portanto, transportados em duas classes principais de TRL: quilomícrons e VLDL, e seus re- manescentes (CMR, VLDLR) (KOLOVOU; OOI, 2013). Em indivíduos saudáveis, as mudanças pós-prandiais dinâmicas ocorrem ao longo de quatro a seis horas, levando gradualmente a um estado pós-absorvente estável em que os quilomícrons não estão mais presentes, e VLDL, CMR e VLDLR permanecem no soro, mas em níveis mais baixos do que no estado pós-prandial. Em estados hiperlipidêmicos, as mudanças pós-prandiais são exageradas e duram mais (KOLOVOU; OOI, 2013). Hipertrigliceridemia HTG após um jejum de 12 horas é a consequência da de- ficiência de tratamento de TRL no período pós-prandial. Dependendo do(s) defei- to(s), o tipo de acumulação de TRL varia, resultando em diferentes graus de HTG pós-prandial e em jejum. Quando quilomícron e VLDL se acumulam, como resulta- do da hidrólise de triglicerídeos defeituosos, os resultados de HTG são de modera- dos a graves, predispondo o indivíduo à pancreatite aguda (KOLOVOU; OOI, 2013). O único parâmetro no perfil lipídico clínico básico que muda significativamente após uma refeição é soro triglicérides. O resto – colesterol total, LDL colesterol e colesterol HDL – mostram pouca ou nenhuma mudança. Isso geralmente é verda- de em pessoas saudáveis e em estados hiperlipidêmicos. Ainda na composição das mudanças dinâmicas, ocorre pós-prandial em todas as classes de soro de li- poproteínas, o que implica que a relevância da PPL na doença vascular está rela- cionada a mudanças não apenas em TRL, mas também em outras lipoproteínas (DRIVER et al., 2016). BIOQUÍMICA APLICADA 145 SER_FARMA_BIOQAP_UNID4.indd 145 07/01/2021 14:03:10 Há evidências que associam trigliceridemia pós-prandial e doença vascular e há dados que fornecem mecanismos plausíveis para implicar a trigliceridemia pós-prandial direta e indiretamente no processo de formação de ateroma. A re- cente descoberta de que os níveis de triglicerídeos séricos pós-prandiais são ain- da melhores do que os níveis de triglicérides séricos em jejum como preditores de doença vascular indicam que é melhor medir um índice de TRL (na maioria dos casos níveis séricos de triglicerídeos) no período pós-prandial do que no estado de jejum pós-absortivo. Isso não é surpreendente, pois o TRL está passando por mudanças dinâmicas em quantidade e composição no período pós-prandial. No momento em que o estado pós-absorvente é alcançado, algumas dessas altera- ções TRL pró-aterogênicas podem ser perdidas na medição (DRIVER et al., 2016). Doenças cardiovasculares ateroscleróticas (ASCVD) As doenças cardiovasculares ateroscleróticas (ASCVD) surgiram como a principal causa de morbidade e mortalidade humana em todas as raças e etnias. Genética, estilo de vida e gatilhos ambientais podem ajudar a acelerar a deposição de coles- terol para causar ASCVD. Tradicionalmente, o vilão fi nal nessa interação sempre foi o LDL (colesterol de lipoproteína de baixa densidade). A convenção, até o momento, tinha visto a situação difícil da classifi cação das lipoproteínas como boas e más, ou seja, HDL e LDL, com a maioria das diretrizes da literatura contando com elas como marcadores diagnósticos e de intervenção clínica no tratamento de várias catego- rias de ASCVD (KHAN et al., 2017). No entanto, várias tecnologias em evolução têm permitido aos pesquisadores medir e estudar o papel de diferentes subclasses de lipoproteínas. Uma visão sobre a defi nição dessas lipoproteínas é tecnicamente baseada em seu tamanho particu- lar, que varia entre menos de 1,06 (LDL) e maior que 1,06 nm a 1,23 nm, como HDL após segregação por ultracentrifugação. Essas lipoproteínas são, na verdade, mistu- ras de várias proporções de colesterol esterifi cado e não esterifi cado, fosfolipídeos, proteínas, triglicerídeos e apolipoproteínas de superfície (KHAN et al., 2017). Os estudos cinéticos identifi caram uma grande variabilidade em termos de forma, tamanho e composição lipídica que são difíceis de medir, mas laboratórios clínicos proporcionaram melhorias na ciência laboratorial e nas práticas de calibração. Os da- dos recentes subcategorizaram as partículas de LDL, com base em seu tamanho e BIOQUÍMICA APLICADA 146 SER_FARMA_BIOQAP_UNID4.indd 146 07/01/2021 14:03:10 densidade, em partículas de colesterol LDL pequenas e densas, denominadas LDL de pequena densidade (sdLDLc) e colesterol LDL denso grande, que provaram ser mais preditivas para destacar os riscos cardiovasculares subjacentes (KHAN et al., 2017). A primeira categoria de lipoproteínas é agora considerada por penetrar facil- mente na parede do vaso e se tornar oxidada, causando resultados indesejáveis de ASCVD, como a rigidez dos vasos sanguíneos. A aterosclerose se refere ao acúmulo de gorduras, colesterol e outras substâncias nas paredes das artérias (placa), o que pode restringir o fluxo sanguíneo (KHAN et al., 2017). Assim, a evolução atual em lipidologia está convergindo para reconhecer a im- portância do sdLDLc na causação dos riscos de ASCVD. No entanto, as tecnologias que medem o número de partículas de LDL ainda não estão disponíveis na maioria dos mercados de saúde em desenvolvimento, além do custo-benefício, que deve ser considerado (KHAN et al., 2017). É recomendado medir sdLDLce lbLDLc utilizando modelagem matemática, que incorpora equação de regressão multivariada passo a passo, e é importante obser- var a massa de LDL, ao invés do tamanho. A capacidade de predição de risco do sdLDLc é superior à do colesterol não HDL e do colesterol LDL (KHAN et al., 2017). Os objetivos das novas diretrizes de manejo do colesterol incluem promover o cuidado ideal e a prevenção de ASCVD, melhorando o manejo de indivíduos que têm ASCVD (ROY, 2014). O risco aumentado de ASCVD não está apenas associado a níveis elevados de LDL-C, mas também fatores como sexo, tabagismo, hipertensão e diabetes mellitus devem ser incluídos no manejo abrangente do colesterol. Os inibidores da 3-hidro- xi-3-metilglutaril coenzima A (HMG-CoA) redutase (estatinas) são os únicos medica- mentos para baixar o colesterol, que mostraram redução de risco de ASCVD, e cada redução de 39 mg/dL de LDL-C por uma estatina reduz o risco de ASCVD em 20%. A fim de reduzir esse risco, uma intensidade apropriada de terapia com estatinas deve ser usada (ROY, 2014). CURIOSIDADE Pacientes com diabetes e em estado pós-prandial podem apresentar anormalidades lipídicas, inflamação, alterações metabólicas, trombose, entre outras, que podem acarretar aterosclerose, a qual leva à ocorrência de infarto agudo do miocárdio, angina e morte súbita. BIOQUÍMICA APLICADA 147 SER_FARMA_BIOQAP_UNID4.indd 147 07/01/2021 14:03:11 Sintetizando O metabolismo do nitrogênio renal envolve principalmente o metabolis- mo da ureia e da amônia. A excreção renal de amônia ocorre principalmente pela homeostase ácido-base. Tanto o transporte de ureia quanto o de amônia podem ser alterados por glicocorticoides e hipocalemia, duas condições que também afetam o metabolismo das proteínas. A fenilalanina é metabolizada em ácido acetoacético e ácido fumárico via tirosina. Um metabólito da tirosi- na, DOPA, é convertido nos neurotransmissores epinefrina e norepinefrina. A falta desses neurotransmissores é um fator causal na doença de Parkinson e na esquizofrenia. Lipoproteínas são substâncias compostas por lipídeos (gordura) e proteí- nas. As lipoproteínas no plasma sanguíneo são o meio de transporte do coles- terol pela corrente sanguínea e pelo fluido linfático. O metabolismo lipídico é o processo em que a maior parte da gordura ingerida pelo corpo é emulsifi- cada em pequenas partículas pela bile e, em seguida, a lipase secretada pelo pâncreas e pelo intestino delgado hidrolisa os ácidos graxos da gordura em ácidos graxos livres e monoglicerídeos. Uma pequena quantidade de ácidos graxos é completamente hidrolisada em glicerol e ácidos graxos. Após a hidrólise, essas pequenas moléculas, como o glicerol e os ácidos graxos de cadeia curta e de cadeia média, são absorvidas pelo intestino del- gado. Após a absorção de monoglicerídeos e ácidos graxos de cadeia longa, os triglicerídeos serão ressintetizados nas células do intestino delgado e jun- to com os fosfolipídeos, colesterol e proteínas, para formar os quilomícrons, que entrarão na circulação sanguínea a partir do sistema linfático. O fígado e o pâncreas são locais importantes para o metabolismo lipídico e desem- penham um papel relevante no processo de digestão, absorção, síntese, decomposição e transporte de lipídeos. Alguns medicamentos passam inalterados pelo fí- gado e são excretados na bile. Outros medicamen- tos são convertidos em metabólitos no fígado an- tes de serem excretados na bile. A partir daí as drogas são eliminadas nas fezes ou reabsorvidas na corrente sanguínea e, portanto, recicladas. BIOQUÍMICA APLICADA 148 SER_FARMA_BIOQAP_UNID4.indd 148 07/01/2021 14:03:11 Referências bibliográficas ALBERTS, B. et al. Biologia molecular da célula. Porto Alegre: Artes Médicas, 2010. ATEROGÊNICO. In: Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, 2008-2020. Dispo- nível em: <https://dicionario.priberam.org/aterogênico>. Acesso em: 08 dez. 2020. BOURGEOIS, S. et al. NHE4 is critical for the renal handling of ammonia in ro- dents. The Journal of Clinical Investigation, [s.l.], v. 120, p. 1895-1904, 2010. Dispo- nível em: <https://www.jci.org/articles/view/36581>. Acesso em: 08 dez. 2020. CLAYDEN, J.; GREEVES, N. J.; WARREN, S. Organic chemistry. 2. ed. Oxford: Ox- ford University Press, 2012. CURTHOYS, N. P.; MOE, O. W. Proximal tubule function and response to aci- dosis. Clin J Am Soc Nephrol, 2014. Disponível em: <https://doi.org/10.2215/ CJN.10391012>. 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