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Prévia do material em texto

Diretora
Rosely Boschini
Gerente Editorial
Marília Chaves
Editora
Carla Fortino
Estagiária
Natália Domene Alcaide
Editora de Produção Editorial
Rosângela de Araujo Pinheiro Barbosa
Controle de Produção
Karina Groschitz
Tradução
Sandra Martha Dolinsky
Preparação
Geisa Mathias de Oliveira
Projeto Grá�co e Diagramação
Osmane Garcia Filho
Revisão
Vero Verbo Serviços Editoriais
Capa
�iago de Barros
Imagem de Capa
U.S. Coast Guard
Produção do e-book
Schäffer Editorial
Única é um selo da Editora Gente.
Título original: THE FINEST HOURS. �e true story of the U.
S. Coast Guard’s most daring sea rescue, by Michael J. Tougias
and Casey Sherman.
Copyright © 2009 by Casey Sherman and Michael Tougias
Este livro foi negociado através de Ute Körner Literary
Agent, Barcelona – www.uklitag.com e Books Crossing
Borders, Inc.
Todos os direitos desta edição são reservados à Editora
Gente.
Rua Pedro Soares de Almeida, 114,
São Paulo, SP – CEP 05029-030
Telefone: (11) 3670-2500
Site: http://www.editoragente.com.br
E-mail: gente@editoragente.com.br
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) 
Angélica Ilacqua CRB-8/7057
Tougias, Michael J.
    Horas decisivas : A história real do mais ousado resgate marítimo / Michael J. Tougias
e Casey Sherman ; tradução de Sandra Martha Dolinsky. – São Paulo : Única, 2016.
 
 
 Bibliogra�a
    ISBN 978-85-67028-82-8
 Título original: �e �nest hours
 
    1. Naufrágios 2. Pendleton - Navios-tanques 3. Barcos salva-vidas I. Título II.
Sherman, Casey III. Dolinsky, Sandra Martha
 
15-1071
http://www.studioschaffer.com/
http://www.editoragente.com.br/
mailto:gente@editoragente.com.br
Índice para catálogo sistemático:
1. Naufrágios 910.452
À equipe de resgate, aos 
sobreviventes e àqueles que não 
conseguiram voltar a terra.
sumário
prólogo
partes dos petroleiros e seus barcos de resgate
parte i
capítulo 1      Estação de Resgate de Chatham
capítulo 2      O Pendleton
capítulo 3      O Fort Mercer
capítulo 4      “Não pode ser verdade”
capítulo 5      “Você tem de pegar a 36500”
capítulo 6      Chatham Bar
capítulo 7      Mobilização em Chatham
capítulo 8      “Ele veio à tona, boiando”
capítulo 9      Perdendo as esperanças: na popa do Pendleton
capítulo 10    Todos menos um: o resgate à popa do Pendleton
capítulo 11    Trinta e seis homens em um barco de 36 pés
capítulo 12    Pandemônio em Chatham
parte ii
capítulo 13    Emborca a proa do Mercer
capítulo 14    Uma manobra memorável
capítulo 15    Terça-feira na Estação de Chatham
capítulo 16    Treze homens ainda a bordo
capítulo 17    Buscas na proa do Pendleton
parte iii
capítulo 18    A investigação
capítulo 19    Ser rotulado de herói pode ser um fardo
capítulo 20    Problemas no petroleiro
capítulo 21    Além do resgate
capítulo 22    A restauração
epílogo    Eles já foram jovens
apêndice
agradecimentos
bibliogra�a
prólogo
Orleans, Massachusetts
Ela está situada no final de um longo píer de madeira, no porto de
Harbor. Guerreiros de fim de semana conduzem reluzentes barcos de
recreio com as geladeiras abastecidas, a caminho da baía de Cape Cod,
sem lhe dirigir mais que um breve olhar. Quando você se aproxima do
estacionamento, nota a grande placa do Registro Nacional de Lugares
Históricos aparafusada a um poste de madeira, acima da doca. A placa
oferece um indício sobre o passado dela e, em seguida, gentilmente,
pede-lhe um pequeno tributo monetário. Você coloca um dólar ou dois
em uma caixa de doação, segue até o fim do cais e desce uma prancha de
metal. Enquanto desce, você pensa no que o levou até ali: uma história
que parece maior que a vida. A expectativa aumenta à medida que você
navega cuidadosamente a encosta íngreme, rumo à plataforma flutuante
abaixo. De repente, você capta sua visão com o olho esquerdo. Para os
desinformados, é uma visão impressionante. Ela tem apenas 36 pés de
comprimento e parece quase um brinquedo em comparação com os
barcos maiores no porto.
A lancha é branca, reluzente, depois de ter sido cuidadosamente
restaurada por uma competente equipe de voluntários. Perto da proa se
lê seu nome em grandes letras pretas. Ela não carrega um apelido
memorável, como o Can Do ou o Andrea Gail; de fato, ela nem tem
nome. É chamada por sua classificação: cg36500. O cg significa que é
um barco da Guarda Costeira; o 36 se refere a seu comprimento em pés,
e 500 é o número de identificação atribuído a essa particular lancha de
salvamento de 36 pés.
Você pisa a bordo e, de repente, o barco parece ainda menor;
atravessa a porta estreita, colocando um pé na frente do outro, com a
mão firme no corrimão de madeira, para se equilibrar. Segue em direção
ao abrigo do timoneiro e põe as mãos no leme, olhando fixamente
através do para-brisa, e imagina como deve ter sido naquela noite
fatídica. Contudo, por mais que tente, você não pode reproduzir as
condições horríveis que fizeram dessa embarcação uma lenda. A brisa
que você sente é leve; não é um vento feroz que bate em seu rosto e
morde sua carne. O mar está calmo agora, não como naquela noite,
tantos anos atrás, quando a água subiu, formando um muro de mar e sal
de sete andares de altura.
Seu devaneio é interrompido pela dura voz do novo capitão do
barco. O timoneiro Peter Kennedy o chama para a cabine do
sobrevivente, perto da proa da embarcação. Ele abre uma pequena
escotilha e acena para que entre. Você desce uma escada curta e adentra
suas catacumbas escuras. Tenta se ajustar ao pequeno espaço. Kennedy,
um homem alto e em forma, de 1,90 metro, segue-o escada abaixo,
rumo ao porão. A cabine foi construída para acomodar doze homens,
mas com apenas duas pessoas já parece apertada e claustrofóbica. Você
se senta e olha para todos os coletes salva-vidas preservados ali,
pregados ao longo das paredes, e é quando se dá conta. Você se
pergunta: Como este pequeno barco foi capaz de salvar tantas vidas? A
resposta repousa não só no design da embarcação, mas também nos
quatro corajosos jovens que o guiaram.
partes dos petroleiros 
e seus barcos de resgate
Popa do Pendleton
Lancha de salvamento 36500 de 36 pés 
comandada por Bernie Webber
Proa do Pendleton
Guarda-costas McCulloch
Lancha de salvamento 36383 de 36 pés 
comandada por Donald Bangs
Proa do Fort Mercer
Guarda-costas Yakutat
Guarda-costas Unimak
Lancha de salvamento de 36 pés (de Nantucket) 
comandada por Ralph Ormsby
Popa do Fort Mercer
Guarda-costas Acushnet
Guarda-costas Eastwind
Navio mercante Short Splice
Caminho do resgate da cg36500.
Os caminhos do Fort Mercer e do Pendleton, dos pontos onde os
navios se partiram até os locais de resgate.
p a r t e   i
capítulo 1
Estação de Resgate de Chatham
O mar é mestre aqui — um tirano, até —, e nenhum povo além do nosso, que
desceu para o mar em navios tantas vezes em tantas gerações, entende melhor o
sutil ditado: “Nós conquistamos a natureza somente quando lhe obedecemos”.
e. g. perry, 1898
Chatham, Massachusetts
18 de fevereiro de 1952
Bernie Webber, contramestre, segurava uma caneca de café quente em
suas mãos grandes, enquanto olhava pela janela enevoada do refeitório.
Aquele café não era tão ruim. Saíra de uma panela de três galões e fora
feito da mistura de café com duas cascas de ovos, para ajudar a borra a se
depositar no fundo. O filho do pastor protestante de Milton,
Massachusetts, observava com crescente curiosidade e preocupação a
tempestade que continuava a se fortalecer, do lado de fora. A
tempestade Nor’easter do solstício de inverno havia parado a Nova
Inglaterra nos últimos dois dias e Webber se perguntava se o pior ainda
estaria por vir. Ele observava a neve varrida pelo vento dançando sobre
as areias movediças e os grandes montes que se formavam ao lado da
torre do farol, no jardim da frente da Estação de Resgate de Chatham.
Ao mesmo tempo, dois faróis haviam sido erguidos ali; juntos, eram
conhecidos como os Twin Lights de Chatham. Tudo que restava do
segundo farol era a velhafundação, e, nessa manhã, estava
completamente coberta de neve.
Tomando um gole de café, Webber pensou em sua jovem esposa,
Miriam, acamada com uma forte gripe, em sua casa de campo, em Sea
View Street. E se houvesse uma emergência? E se ela precisasse de
ajuda? O médico conseguiria chegar até ela nesse clima? As perguntas
foram desgastando seus nervos e Webber lutava para tirá-las da cabeça.
Tentou pensar nos pescadores locais, todos reunidos em volta do velho
fogão a lenha, no píer de pesca de Chatham. Logo estariam pedindo sua
ajuda, quando seus navios começassem a subir e descer sobre as ondas
em Old Harbor, retesando suas linhas. Se a tempestade está tão ruim agora,
como vai ser daqui a algumas horas, quando realmente começar?, pensou.
Webber, contudo, não reclamaria do dia difícil que estava
enfrentando. O contramestre tinha apenas 24 anos, mas já trabalhava no
mar havia quase uma década, depois de ter servido no U.S. Maritime
Service [Serviço Marítimo dos Estados Unidos] durante a Segunda
Guerra Mundial. Três irmãos mais velhos de Webber também haviam
servido na guerra. Paul, o mais velho, servira na 26ª Divisão do
Exército, na Alemanha. A chamada Divisão Yankee lutara na Batalha do
Bulge, junto com o Terceiro Exército do general George S. Patton, na
captura da cidade fortificada de Metz. Bob, o segundo mais velho,
ajudara a proteger a pátria na Guarda Costeira dos Estados Unidos. O
terceiro, Bill, ajudara a construir a Alaska Highway como membro do
Corpo de Transporte do Exército.
Bernie havia seguido seu irmão Bob na Guarda Costeira, mas esse
não era o tipo de vida que seus pais haviam planejado para ele. Desde a
infância, o pai de Webber, pastor associado da Tremont Temple Church,
em Boston, dirigira-o para uma vida no ministério. O diácono da igreja,
inclusive, pagara para que Bernie cursasse a escola para meninos Mount
Hermon, localizada a 170 quilômetros de distância, em Gill, Massa- 
chusetts — uma cidade pequena, que abraça o rio Connecticut. Fundada
em 1879, a escola se vangloriava de ter tido alunos de prestígio, como
DeWitt Wallace, fundador da Reader’s Digest, e James W. McLamore,
criador do Burger King. Desnecessário dizer que Bernie era como um
pária econômico entre a população da escola preparatória. Ele chegara a
Mount Hermon carregando sérias dúvidas e usando roupas de segunda
mão de seu irmão. Não era um bom aluno e questionava, em particular,
por que estava ali. No fundo do coração, Webber sabia que não queria
seguir os passos do pai. Pensava em fugir da escola quando o destino
interveio: um amigo de infância que havia batido o carro do pai
apareceu, à procura de um lugar para se esconder. Webber atendeu ao
pedido de seu amigo, acolhendo-o em um dos dormitórios de estudantes
e roubando comida do refeitório da escola para ele comer. Os dois
foram pegos depois de alguns dias, mas não ficaram por ali tempo
suficiente para enfrentar as consequências. Fugiram para as colinas e os
campos de milho ao redor da escola e acabaram conseguindo voltar para
Milton.
O reverendo Bernard A. Webber se esforçou para compreender a
atitude de seu tão jovem filho rebelde, Bernie, de sair da escola e
continuar à deriva. Um ano depois, aos 16 anos, Bernie teve uma ideia
que mudaria o curso de sua vida sem rumo. Ouvira dizer que o U.S.
Maritime Service estava à procura de jovens como ele para treinamento,
em Nova York. Se Bernie conseguisse completar o árduo treinamento
de campo, poderia servir ao esforço de guerra em um navio mercante.
Logo que seu pai, com relutância, assinou a papelada para o alistamento,
Bernie rapidamente ingressou e foi educado nos fundamentos da
marinharia na U.S. Maritime Service Training Station [Estação de
Treinamento do Serviço Marítimo dos Estados Unidos], em Sheepshead
Bay, Nova York, onde também recebeu treinamento do ex-campeão
mundial de peso-pesado, Jack Dempsey, que então servia como
comandante da Guarda Costeira e também como instrutor atlético na
estação de treinamento. Quando concluiu o treinamento, Webber partiu
no ss Sinclair Rubiline, um petroleiro t-2 que transportava gasolina dos
portos em Aruba e Curaçao para os navios de guerra norte-americanos
da Terceira Frota dos Estados Unidos, no Pacífico Sul. Durante esse
tempo, o rapaz percebera que não passaria a vida no ministério ou em
nenhum outro trabalho em terra. Bernie Webber havia nascido para o
mar. Alistou-se na Guarda Costeira dos Estados Unidos em 26 de
fevereiro de 1946 e foi enviado para sua estação de treinamento em
Curtis Bay, Maryland. Em cartas aos recrutas da época, o comandante
da estação de treinamento da Guarda Costeira resumiria a vida e o dever
de um guarda costeiro da seguinte forma:
Trabalhos difíceis são rotina neste serviço. De certa forma, a Guarda Costeira está
sempre em guerra. Em tempos de guerra, contra os inimigos armados da nação; e em
tempo de paz, contra todos os inimigos da humanidade no mar: fogo, abalroamento,
ilegalidade, vendaval, gelo, naufrágio e muitos mais. A Guarda Costeira, portanto, não
é lugar para desistentes, para um bebê chorão, para um trapaceiro ou para qualquer
pessoa que não possa se concentrar no que está fazendo. O período de treinamento dos
recrutas é um momento de teste, hora após hora e dia após dia, para determinar se são
ou não feitos do material certo. Cabe a vocês, como indivíduos, provar seu valor.
Webber servia então em Chatham, um pequeno posto avançado no
cotovelo de Cape Cod. Seu valor e sua coragem já haviam sido testados
várias vezes nas implacáveis águas dali. Era um dos lugares mais
movimentados e mais perigosos para os que ganhavam a vida no mar. O
diretor da U.S. Coast and Geodetic Survey [Centro de Pesquisas
Geodésicas dos Estados Unidos] escreveu sobre esse lugar, em 1869:
“Talvez não haja outro lugar no mundo onde marés de tão pequena
elevação e queda sejam acompanhadas por correntes tão fortes”. De
fato, marinheiros se referiam à área como “Cemitério do Atlântico”, e
por um bom motivo. Os esqueletos submersos de mais de três mil
embarcações estavam espalhados pelo fundo do oceano, de Chatham a
Provincetown. O primeiro naufrágio conhecido foi o do Sparrowhawk,
que encalhou em 17 de dezembro de 1626, em Orleans. A tripulação,
junto com colonos com destino a Virgínia, conseguiu chegar à praia em
segurança e o navio foi reparado. Contudo, antes que pudesse içar velas
de novo, outra devastadora tempestade oceânica afundou o
Sparrowhawk, definitivamente. O episódio foi detalhado pelo
governador William Bradford, em seu diário de Plymouth Colony.
Duzentos anos depois, a erosão trouxe os destroços à vista, em um
banco de lama na costa de Orleans. O famoso hms Somerset também
encontrou seu destino nas águas traiçoeiras de Cape Cod. O navio,
imortalizado no poema de Longfellow, A cavalgada à meia-noite de Paul
Revere, naufragou nos baixios de Truro durante um violento vendaval,
em 3 de novembro de 1778. Vinte e um oficiais britânicos e marinheiros
se afogaram quando o bote salva-vidas virou a caminho da costa. O
capitão do navio, George Ourry, rendeu-se ao membro do conselho
municipal de Truro, Isaiah Atkins, em nome de seus 480 tripulantes. Os
sobreviventes foram levados como prisioneiros de guerra e, em seguida,
marcharam até Boston, escoltados por milícias da cidade. (Paul Revere,
que certa vez remara furtivamente à frente do Somerset para alertar
Lexington e Concord da invasão britânica, mais tarde recebeu as 64
armas do navio para ajudar a fortificar Castle Island, no porto de
Boston.) Como o escritor Henry C. Kittredge observou em Cape Cod: Its
People & Their History (1930): “Se todos os destroços empilhados no
fundo de Cape Cod fossem alinhados de proa a popa, formariam uma
parede contínua de Chatham até Provincetown”.
O batismo de fogo de Bernie Webber chegou durante uma noite de
1949, quando ele atendeu a seu primeiro chamado de socorro na
Estação de Resgate de Chatham. O contratorpedeiro da Classe Gleavesuss Livermore havia encalhado no banco de areia de Bearse, além da
ilha de Monomoy. A sorte navegara com o Livermore até esse ponto.
Sua tripulação conseguira evitar as alcateias de submarinos nazistas,
enquanto escoltava comboios para a Islândia com destino à Inglaterra,
nos meses antes de os Estados Unidos entrarem na Segunda Guerra
Mundial. Em 9 de novembro de 1942, o contratorpedeiro participara da
invasão aliada ao norte da África, fornecendo apoio antissubmarino,
antiaéreo e poder de fogo fora de Mehdia, no Marrocos francês. O
Livermore havia sobrevivido à guerra relativamente incólume, coisa que
alguns membros de sua tripulação atribuíam ao fato de ter sido o
primeiro navio de guerra norte-americano a receber o nome de um
capelão da Marinha, Samuel Livermore.
O contramestre Leo Gracie levara Webber e a tripulação em um
barco patrulha de 36 pés sobre o traiçoeiro Chatham Bar, onde esperava
encalhado o Livermore, com a tripulação da Reserva Naval a bordo. O
navio descansava no alto do banco de areia e se in clinava perigosamente
para o lado. Webber e os homens ficaram com o contratorpedeiro a
noite toda, enquanto rebocadores de resgate eram chamados. Na manhã
seguinte, os homens da Guarda Costeira ajudaram nas várias tentativas
frustradas para libertar o navio de guerra, até que finalmente obtiveram
sucesso e o Livermore seguiu caminho com segurança. Webber sorria
enquanto a tripulação do Livermore aplaudia a ele e a sua equipe. Os
marinheiros haviam lhes dado uma recepção bastante diferente horas
antes, quando lhes atiraram maçãs, laranjas e até pesadas correntes de
aço, porque, a seus olhos, a missão de resgate estava demorando demais.
Isso tudo era parte de uma rivalidade amigável entre a Marinha e a
Guarda Costeira. A tripulação da Reserva Naval ficara, sem dúvida,
meio envergonhada quando o resgate chegou pelas mãos da Guarda
Costeira — ou Hooligan’s Navy, como a chamavam.
Sim, a vida de um membro da Guarda Costeira muitas vezes era
ingrata, mas Webber não a trocaria por nenhum outro trabalho no
mundo. E, nesse momento, logo após o amanhecer, ele olhava pela
janela do refeitório, ouvia o uivo do vento e se perguntava o que o dia
lhe reservava.
capítulo 2
O Pendleton
O Atlântico Norte era uma convulsão de fúria dos elementos açoitada pelo vento e
pelo granizo; as grandes ondas batiam todas juntas e se combinavam em uma
fervilhante e imensa confusão. O som dessa arrebentação de quilômetros era um
rugido em expansão infinita, um fragor raivoso e terrível, tudo interligado com o
alto grito do vento.
henry beston
O capitão John J. Fitzgerald Jr. era novo no ss Pendleton, mas conhecia
a imprevisibilidade do tempo da Nova Inglaterra. Fitzgerald havia
assumido o comando do petroleiro t-2 de 503 pés e 10 448 toneladas só
um mês antes. Contudo, o homem de queixo protuberante, residente de
Roslindale, Massachusetts, estava familiarizado com essas águas e tinha
um respeito salutar pelos perigos do Atlântico Norte. Fitzgerald nascera
no Brooklyn, Nova York, e era filho de um capitão do mar de Nova
Escócia. O capitão do Pendleton havia seguido seu pai na Marinha
Mercante e servira como capitão de petroleiro durante a Segunda
Guerra Mundial. Depois da guerra, pai e filho foram trabalhar na
National Bulk, uma empresa de transporte marítimo fora de Nova York.
O Pendleton havia partido de Baton Rouge, Louisiana, em 12 de
fevereiro de 1952, com destino a Boston. O petroleiro transportava, do
Texas, 122 mil barris de querosene e óleo para aquecimento doméstico;
seus nove tanques de carga estavam totalmente cheios. Como a maioria
das tripulações de petroleiros, os homens a bordo do Pendleton eram
uma mistura de velhos amigos e totais estranhos. Era também um
clássico caldeirão de raças, credos e cores. Alguns homens aproveitavam
o tempo de inatividade para conhecer uns aos outros jogando baralho,
enquanto outros não se interessavam em estabelecer laços estreitos com
seus colegas de tripulação e se ofereciam para o máximo de turnos extras
que pudessem, na esperança de ter a carteira cheia quando deixassem o
navio.
Havia sido uma viagem difícil para Fitzgerald e sua tripulação de
quarenta homens, desde o início. O Pendleton havia atravessado forte
tempestade em Cape Hatteras, Carolina do Norte, e o mau tempo o
acompanhava como um presságio obscuro na viagem, subindo a costa.
Nesse momento, cinco dias após a partida, a tripulação enfrentava seu
maior desafio: uma nevasca que não dava nenhum sinal de
enfraquecimento. Mais de vinte metros de neve já haviam caído na área
de Boston, onde um exército de quinhentos trabalhadores da cidade
utilizava duzentos caminhões e 35 carregadores de neve para limpar o
centro da cidade e as estreitas ruas de Beacon Hill. South Shoré também
estava levando uma surra de ondas enormes, que rasgavam um quebra-
mar de quase nove metros de altura na cidade costeira de Scituate. Mais
ao sul, em Cape Cod, mais de quatro mil telefones haviam sido
nocauteados pelo gelo espesso e pela neve, que derrubara uma linha
após a outra. Em Maine, fora ainda pior. Grande parte do norte da
Nova Inglaterra estava enterrada debaixo de sessenta centímetros de
neve molhada e pesada. Era a mais perigosa tempestade de inverno dos
últimos anos. Mais de mil motoristas do Maine viram-se ilhados em
estradas cobertas de neve, sob montes de mais de três metros de altura.
Muitos ficaram presos dentro de seus veículos cerca de 36 horas, até que
a ajuda chegasse. Uma corrida de raquete de neve tivera de ser
cancelada em Lewiston, Maine, por causa de tanta precipitação!
O Pendleton chegou aos arredores do porto de Boston no final da
noite de domingo, 17 de fevereiro, e seu capitão, de 41 anos, estava
ansioso para reencontrar a esposa, Margaret, e os quatro filhos; vários
membros da tripulação também viviam na Nova Inglaterra e desejavam
rever suas famílias. Contudo, os reencontros teriam de esperar, porque a
visibilidade era fraca e o capitão Fitzgerald não podia ver a luz do farol
de Boston através da neve ofuscante. Sem o farol para guiá-los, ele
jamais arriscaria a vida de seus tripulantes entrando com o enorme
petroleiro no porto de Boston e contornando as 34 ilhas que
pontilhavam a área. De modo que Fitzgerald, sensatamente, ordenou
que o Pendleton voltasse ao mar, onde o navio poderia enfrentar a
tempestade esperando melhor visibilidade, antes de aportar.
Perto da meia-noite, o Pendleton viu-se preso no meio de um
verdadeiro vendaval, com ventos árticos que sopravam em todas as
direções. Oliver Gendron havia acabado de jogar baralho com os
rapazes da tripulação do motor. O intendente de navio, de 47 anos, de
Chester, Pensilvânia, havia recolhido seus ganhos e estava prestes a
voltar para seus aposentos, na proa do navio, quando seus amigos lhe
imploraram que ficasse. As águas já atingiam a altura de pequenos
edifícios, e aventurar-se lá fora podia significar ser varrido do navio para
o mar gelado. Para retornar aos aposentos, Gendron teria de sair da
popa e atravessar a passarela, que, nessa noite, seria especialmente
traiçoeira. Ele concordou com os companheiros; era perigoso demais
deixar a popa. De modo que subiu em um beliche e tentou dormir um
pouco.
Às quatro da manhã, o Pendleton, apesar de tentar manter sua
posição na baía de Cape Cod, foi empurrado pelos ventos para a ponta
de Provincetown, oceano adentro a leste de Cape Cod. Ondas
monstruosas caíam sobre a popa, mas o navio estava navegando bem, e o
capitão Fitzgerald não demonstrava medo nenhum pela segurança de
seus homens. Nas duas horas seguintes isso mudaria. Por volta das 5h30,
o engenheiro-chefe Raymond L. Sybert, de Norfolk, Virgínia, ordenou
ao oficial que não permitisse que nenhum membro da tripulação
atravessasse a passarela da proa à popa. Também diminuiu a velocidade
do navio para apenas sete nós.
Minutos depois, por volta das 5h50, um rugido estrepitoso ecoou
pelas entranhas do navio. A tripulação sentiuo gigantesco petroleiro se
erguer sobre o oceano turbulento. Seguiu-se um tremor e um estrondo
ensurdecedor quando o Pendleton mergulhou de bico, segundos depois.
Charles Bridges, um marinheiro de 18 anos, de Palm Beach, Flórida,
estava dormindo em sua cama antes de o navio balançar e rachar, mas o
som terrível o fez se levantar de um pulo. “Peguei minha calça, meus
sapatos e um colete salva-vidas e corri para cima”, recorda Bridges.
“Cheguei ao refeitório, onde alguns outros homens estavam reunidos.
Não havia eletricidade e ainda estava escuro lá fora, de modo que era
difícil saber o que estava acontecendo. Antes que alguém pudesse me
deter, peguei uma lanterna e corri até a passarela para ver o que o
pessoal estava fazendo na proa do navio. Apontei a lanterna para o piso
de aço da passarela e rapidamente segui a luz até a meia-nau. As ondas
eram enormes e seus respingos chicoteavam o convés, misturando-se
com o frio granizo que caía. Subitamente, parei, porque o piso da
passarela havia desaparecido, e percebi que, com mais dois passos, eu
cairia direto no oceano.”
Bridges deu meia-volta e correu para o refeitório, gritando:
“Estamos em apuros! O navio se partiu ao meio!”. Alguns homens
sugeriram imediatamente baixar os botes salva-vidas, mas Bridges disse
que estavam loucos, que os botes não teriam a menor chance naquelas
ondas enormes.
Embaixo, no convés mais baixo do navio, onde ficava a sala das
caldeiras, ninguém sabia o que havia acontecido, mas o bombeiro Frank
Fauteux, de Attleboro, Massachusetts, temia o pior. Fauteux, um
veterano com nove anos de mar, era um homem grande com grossas
costeletas que desciam até seu queixo quadrado, dando-lhe a aparência
de um capitão Ahab moderno. Ele sobrevivera ao torpedeamento de seu
contratorpedeiro no Mediterrâneo, durante a Segunda Guerra Mundial,
bem como à explosão do ss Grandcamp, em 1947, que desencadearia
uma maré de mais de quatro metros de altura, matando centenas de
pessoas em Texas City, no Texas.
Fauteux sentiu o Pendleton dar uma guinada e ouviu a forte
explosão que se seguiu. Lutou para se segurar quando um solavanco
mais violento sacudiu o navio ferido. Imediatamente, pensou nos
desastres de que havia escapado no passado e achou que sua sorte
finalmente acabara. Momentos depois, Sybert, o engenheiro-chefe,
chegou correndo à sala das caldeiras. “O navio se partiu ao meio!”,
gritou.
Assim que o navio foi dividido em dois, o primeiro assistente
engenheiro, David Brown, que estava de plantão na sala de sentinelas,
na popa do Pendleton, diminuiu a marcha dos motores ao mínimo.
Logo depois, o engenheiro-chefe Sybert ordenou a Brown que os
desligasse. A essa altura, toda a tripulação acordara com o estrondo e
lutava para sair de seus aposentos para descobrir o que acontecera.
Todos haviam sentido o navio chacoalhar, e muitos observaram uma
enorme bola de fogo. Henry Anderson, que trabalhava na manutenção
(conhecido como “limpador”), de New Orleans, estava deitado em seu
saco de dormir quando sentiu o que descreveu mais tarde como um
“grande impacto”. Anderson pegou seu colete salva-vidas e correu para
o refeitório, onde pôde ver o dano em primeira mão. “Um colega e eu
pegamos um martelo, fechamos a porta e a pregamos, porque a água
estava entrando”, lembrou.
Outro limpador, Fred Brown (nenhuma relação com David Brown),
de 35 anos, acordara com o chacoalhão em sua cama. Ele havia
arrumado um emprego a bordo do Pendleton depois de trabalhar
muitos anos como pescador comercial na acidentada Casco Bay, no
Maine. Mais de quarenta navios encontraram seu destino ao longo da
costa do Maine, uma estatística de que o antigo pescador não se
esquecia. Fred Brown tinha uma esposa e quatro filhos para sustentar
em Portland, e acreditava que trabalhar em um petroleiro seria mais
seguro que em uma traineira. Quando ouviu um barulho de abalar a
terra, Brown pensou que o Pendleton havia batido em uma rocha. “Eu
ouvi um barulho alto de algo rachando”, disse ele, mais tarde. “Foi
como se um grande pedaço de estanho tivesse sido rasgado.” Ele vestiu
suas roupas e correu até a plataforma, onde se reuniu com vários colegas
marinheiros, formando um escudo humano contra a arrebentação que
tomara conta da popa. Brown era atormentado por explosões de
respingos de mar congelante, enquanto estava ali com os outros
homens, atordoado pela visão da proa do navio que flutuava para longe
e desaparecia na neve. No momento da quebra, o capitão Fitzgerald e
vários oficiais estavam na casa do leme na proa. Agora, haviam
desaparecido.
Joseph Zeptarski, de 46 anos, trabalhava no mar desde 1926 e nunca
caíra do beliche antes. Nativo de Central Falls, Rhode Island, havia
acabado de terminar seu turno no refeitório dos oficiais e estava
dormindo quando o petroleiro se partiu. Zeptarski foi arremessado de
seu beliche para a plataforma das cabines, onde acordou, atordoado.
Lutou para ficar em pé, pegou seu colete salva-vidas e subiu, sendo
recebido pelas maiores ondas a que já assistira.
Wallace Quirey, de 49 anos, terceiro assistente engenheiro do navio,
presenciara muita coisa em seus 25 anos de mar, mas nunca vira ou
sentira nada assim. Após a explosão, Quirey pegou o colete salva-vidas e
a Bíblia que sua mãe lhe dera, oito anos antes. Ele a levava em todas as
viagens, desde então, o que lhe servia como colete salva-vidas espiritual.
Enquanto ele e os outros corriam de seus aposentos e subiam a escada,
com o pânico a Bíblia foi arrancada de suas mãos. Quirey a viu cair
escada abaixo, enquanto era empurrado para a frente por uma maré de
colegas da tripulação que tentavam chegar à parte de cima. Não houve
tempo para voltar e recuperá-la. “Cheguei à popa, e as ondas deviam ter
mais de quinze metros de altura”, lembrou. “Elas varriam o convés dos
botes salva-vidas, o mais alto, e se estendiam por um metro e meio,
depois de quebrar bem no topo do mastro.” Alguns a bordo do navio
calcularam a altura das ondas em mais de vinte metros.
Quirey localizou o mais novo membro da tripulação do navio,
Carroll Kilgore, de 16 anos, e se abraçou firme a ele, enquanto
continuavam sendo surrados pelo vento e pelas ondas. Quirey e os
demais tinham ficado de olho no adolescente de Portland, Maine,
durante toda a viagem. Kilgore havia assinado os papéis do alistamento
quatro semanas antes. Como Bernie Webber fizera havia quase uma
década, o banguela de cabelos rebeldes ingressara na Marinha Mercante
em busca de uma vida de emoção e aventura. Um mês depois, estava
agachado na popa, surrado por ondas, assustado como uma criança
naquela que era sua primeira — e possivelmente última — viagem.
Os marinheiros, trêmulos, viram com um brilho de esperança a proa
do Pendleton ressurgir, rapidamente, à vista. A proa roçou a popa e,
depois, ambas se afastaram como uma aparição, a primeira mantendo o
capitão Fitzgerald e sete membros de sua equipe —  o chefe dos
suboficiais Martin Moe, o segundo suboficial Joseph W. Colgan, o
terceiro suboficial Harold Bancus, o operador de rádio James G. Greer,
os marinheiros de primeira classe Joseph L. Landry e Herman G.
Gatlin, e o também marinheiro Billy Roy Morgan — presos a bordo.
Quase todos os membros da equipe de comando do navio estavam
separados do resto da tripulação. Os sobreviventes, açoitados na popa,
sussurraram uma oração pela segurança de seus companheiros e, em
seguida, voltaram-se para o oficial de grau superior, em busca de
orientação e esperança.
Com apenas 33 anos, o engenheiro-chefe Raymond Sybert viu-se no
comando da popa do Pendleton. Ele reuniu a tripulação, que agora
consistia de 32 homens, e ordenou que todas as portas estanques fossem
fechadas, exceto as que ligavam a sala das caldeiras à sala de máquinas.
Sybert também definiu detalhes de turnos, incluindo plantões de
sentinela nas duas extremidades do convés dos botes salva-vidas. E,
então, foi avaliar os danos e viu que o Pendleton estava derramando sua
carga de querosenee óleo para aquecimento doméstico no mar; o grosso
líquido preto cobria as cristas espumantes das ondas iradas que subiam e
desciam em volta do navio. O petroleiro havia se partido ao meio no
tabique entre os tanques de carga de números 7 e 8.
O Pendleton era um t-2-se-a1, comumente conhecido como
petroleiro t-2. No entanto, esses navios tinham ganhado um apelido
mais duvidoso, e alguns críticos se referiam a eles como “afundadores
em série” e “caixões do Kaiser”. O problema com os petroleiros t-2
remontava a quase uma década antes, começando em 17 de janeiro de
1943, quando o Schenectady se quebrara ao meio ainda na doca! O
navio acabara de completar seus testes no mar e voltara ao porto em
Swan Island, Oregon, quando, subitamente, rachou logo atrás da
superestrutura da ponte. A parte central do navio se dobrou e se ergueu
acima d’água, deixando a proa e a popa pousarem no fundo do rio.
Como o Schenectady, o Pendleton fora construído às pressas para o
esforço de guerra. Estruturado em Oregon pela Kaiser Company em
1944, o lar do Pendleton passara a ser Wilmington, em Delaware. Ao
que tudo indicava, ele parecia suficientemente resistente. Tinha 503 pés
de comprimento, com uma boca máxima de 68 pés de largura e um
calado de 39 pés e três polegadas. Era alimentado por um motor
turboelétrico de 6 600 cavalos de potência, com uma única hélice de
onze pés de diâmetro. Contudo, a forte aparência externa do navio
escondia os métodos inferiores de soldagem utilizados em sua
construção. Como acontecia com muitos petroleiros t-2 construídos
nessa época, o casco do Pendleton deve ter sido montado com “aço
sujo” ou “ferro cansado”; em outras palavras, aço enfraquecido pelo
excessivo teor de enxofre. Isso colocava o navio em grande risco diante
de ondas altas no frígido oceano. O construtor tentara compensar a
falha dotando o Pendleton com um sistema obstrutor de trinca. Eram
cintas de aço de melhor qualidade colocadas em volta do casco do navio.
Esse obstrutor de trinca fora concebido para evitar que qualquer fratura
em uma parte soldada do casco se espalhasse para o resto do navio. Não
era a primeira vez que o sistema não conseguia fazer seu trabalho. O
navio havia sofrido uma fratura tripla no tabique entre os tanques
número 4 a estibordo e o central, apenas um ano antes, em janeiro de
1951. A fratura tripla nunca tinha sido reparada. Surpreendentemente, o
Pendleton passara com facilidade em sua última inspeção da Guarda
Costeira, em 9 de janeiro de 1952, em Jacksonville, Flórida.
Com o Pendleton rasgado ao meio, as fortes ondas começaram a
levar a popa do navio de Provincetown para o Sul, descendo o braço
recortado de Cape Cod. A proa estava à deriva em um caminho quase
idêntico, mas a uma velocidade maior e mais distante da costa. A sala de
rádio ficava na proa, mas o capitão Fitzgerald não tinha como enviar um
sinal de sos. Quando o navio se dividiu ao meio, os disjuntores de todos
os circuitos caíram, deixando a proa sem energia, calor ou luz. O
engenheiro-chefe Sybert e seus homens conseguiram manter a
eletricidade na popa, mas não dispunham de um equipamento de rádio
para enviar uma mensagem de socorro. A popa, porém, trazia um
receptor de rádio portátil, pequeno, e, à medida que a manhã turbulenta
avançava, os marinheiros se reuniram ao redor do aparelho e ouviram
relatos de que o Fort Mercer, um petroleiro t-2 quase idêntico, também
estava em grave perigo em algum lugar além de Cape Cod. Equipes da
Guarda Costeira já haviam sido despachadas para ajudar o Mercer, e
nada era dito sobre o Pendleton. Possivelmente, os membros da
tripulação trocaram olhares com a mesma pergunta na cabeça: Quem
virá nos salvar?
capítulo 3
O Fort Mercer
As ondas eram selvagens, arfantes, íngremes. Rolavam em nossa direção de forma
imprevisível e sem trégua. E, conforme se aproximavam, pareciam mais cadeias de
montanhas que ondas do mar. Arremessavam nosso navio como se fosse irrelevante,
e nós lutávamos para manter o equilíbrio, enquanto as verdes encostas íngremes do
tamanho de um cânion nos açoitavam por todos os lados.
spike walker
Mais ou menos ao mesmo tempo em que o Pendleton se partia ao meio,
o ss Fort Mercer ficava preso em sua batalha com os mares, ao largo do
Cape Cod. O capitão Frederick Paetzel não queria se arriscar na
tempestade que havia atingido seu petroleiro de 503 pés. Paetzel
permanecia com a proa do Mercer apontando para os mares que
subiam, mantendo a posição, preparado para enfrentar a tempestade. O
capitão havia guiado o navio em segurança desde que deixara Norco,
Louisiana e, nesse momento, apenas 48 quilômetros a sudeste de
Chatham, não estava muito longe de seu destino final, Portland, no
Maine. Ele poderia se atrasar pela tempestade, porém mares agitados no
Atlântico Norte durante o mês de fevereiro não eram surpresa, e
esperaria até o momento certo, quando a tempestade se consumisse.
No entanto, a tempestade Nor’easter não mostrava sinais de
enfraquecimento. Ao contrário, intensificava-se a cada hora que passava.
Uma insinuação pálida da luz indicava a chegada do amanhecer e, a essa
altura, ondas gigantescas haviam crescido até chegar aos dezoito metros
de altura e a força do vento se aproximava à de um furacão, lançando
contra o navio uma mistura congelante de granizo e neve. O Mercer
levou uma pancada terrível, mas cavalgou os mares tão bem quanto era
de esperar, sem muita inclinação ou rolagem.
E então, às oito da manhã, o capitão Paetzel ouviu um estalo que
ecoou das entranhas de seu navio. Ele não teve certeza imediata do que
havia acontecido. Logo, o capitão, assim como vários membros da
tripulação, viram óleo sendo vomitado a estibordo do Mercer sobre o
oceano, e souberam que o casco do navio havia rachado.
O homem, de 48 anos, imediatamente abrandou a velocidade do
navio para um terço e posicionou-o de modo que as ondas dessem a
bombordo da proa, para evitar que a fratura aumentasse. A seguir,
Paetzel alertou o resto de sua equipe sobre a situação de emergência e
passou uma mensagem de rádio à Guarda Costeira, para pedir ajuda e
relatando que as costuras de seu navio se haviam aberto nas imediações
do tanque número 5 e que sua carga de combustível estava sangrando no
mar.
Depois de notificar a Guarda Costeira, Paetzel e sua tripulação de
42 homens só podiam rezar para que o navio não se partisse até que os
barcos guarda-costas chegassem. O capitão, nascido na Alemanha,
trabalhava no mar desde os 14 anos e nunca vira uma tempestade como
aquela no meio da qual se encontrava, nem jamais ouvira o estalo forte
de metal abrindo caminho para o mar.
A aproximadamente 150 milhas de distância, a bordo da embarcação
guarda-costas Eastwind, o operador de rádio Len Whitmore fazia seu
melhor para ignorar o movimento de rolagem da embarcação e se
concentrar no rádio. Um navio de pesca, o Paolina, de New Bedford,
Massachusetts, estava atrasado, e o Eastwind participava da busca. Ele
estava nos arredores da última localização conhecida do navio de pesca e
transmitia repetidamente pelo rádio, na esperança de fazer contato. A
comunicação de voz, na época, era rudimentar, e só conseguia alcançar
cerca de quarenta, cinquenta milhas. Além desse intervalo, o único
método de comunicação era o código Morse, também conhecido como
cw, de Continuous Wave. Len estava usando sua voz no rádio, na
expectativa de que o Paolina ainda estivesse flutuando nas proximidades,
mas seu instinto lhe dizia que as chances de encontrar a embarcação
diminuíam à medida que a tempestade se fortalecia.
Len havia aprendido Morse quando frequentava a escola de
radiocomunicação da Guarda Costeira em Groton, Connecticut. Seu
ingresso na Guarda Costeira fora tortuoso, quando ele tinha apenas 17
anos. Em um impulso, Len, seu irmão Bob e um amigo, Frank
Gendreau Jr., decidiram que era hora de ver o mundo além de sua
cidade natal, Lynn, em Massachusetts. Os três jovens inicialmente
fixaram os olhos na Marinhae foram até o gabinete de recrutamento
local para se alistar. Len passara no exame físico, mas os outros dois
rapazes, não, e os três deixaram o gabinete ainda na condição de civis.
Eles discutiram a próxima opção; o amigo e o irmão de Len decidiram
que se a Marinha não os queria, talvez a Guarda Costeira quisesse, e os
três jovens tentaram se alistar. Mais uma vez, no entanto, Bob e Frank
não passaram no exame físico, ao passo que Len, sim. Pensando que a
terceira vez seria a da sorte, Bob e Frank foram ao gabinete de
recrutamento da Força Aérea, sendo aceitos. Len, no entanto, tinha seus
olhos no mar, não nos céus, e decidiu que iria sozinho, ingressando na
Guarda Costeira.
Depois do campo de treinamento de recrutas, em Cape May, Nova
Jersey, o jovem marinheiro fora mandado para a Estação de Resgate de
Chatham, onde desempenhara tarefas na radiocomunicação, bem como
diversas outras, que incluía a pintura da lancha de salvamento da
estação, de 36 pés —  a 36500  —, sob o olhar atento do timoneiro
Bernie Webber. “Mas não era só trabalho”, lembra Len. “Foi em
Chatham que aprendi a me divertir depois do expediente. Tínhamos
alguns grandes sujeitos lá, e eu sabia que havia encontrado um lar na
Guarda Costeira.”
Com seis meses em Chatham, Len frequentara a escola de
radiocomunicação e, logo após sua graduação, sua primeira missão de
longo prazo fora no Eastwind, um navio quebra-gelo de 280 pés.
Naquela ocasião, o Eastwind participou da missão secreta de construir a
Base Aérea de Thule, na Groenlândia, atuando na escolta e na quebra de
gelo para navios de abastecimento. O trabalho foi feito durante a
primavera e o verão de 1951 e, no final de setembro, o Eastwind
retornou a seu porto de origem, Boston, e era enviado a missões mais
curtas, de trinta dias.
No final de janeiro e no início de fevereiro de 1952, Len, já com 20
anos, e outros membros da tripulação a bordo do navio quebra-gelo
foram despachados para o rio Hudson, em Nova York. “Quebramos
gelo de West Point a Albany”, diz Len. “Quando o trabalho terminasse,
o Eastwind estava programado para voltar a Boston, e alguns membros
da tripulação foram autorizados a desembarcar em Nova York por
algum tempo e, a seguir, dirigir-se a Boston e nos encontrar.”
Consequentemente, a tripulação do Eastwind estava desfalcada quando
foi açoitada pela tempestade ao sul de Nantucket e saiu para procurar o
navio de pesca Paolina e seus sete tripulantes.
Len jamais esquecerá a manhã de 18 de fevereiro. “Eu havia acabado
de chegar para meu turno na sala de rádio, às oito da manhã, e estava
chamando o Paolina quando, de repente, ouvi um forte sos em cw
[código Morse] em meu fone de ouvido. Era o Fort Mercer.” Len se
endireitou na cadeira, surpreso com o pedido de socorro que saíra do
nada. Rapidamente, confirmou a mensagem do Mercer, enquanto
acenava para outro colega na sala de rádio para que corresse e chamasse
o chefe dos operadores de rádio, John Hartnett. A seguir, alertou a
estação regional de comunicações da Guarda Costeira, que na época se
localizava em Marshfield, Massachusetts.
“Eu transmiti uma mensagem para todos os navios e todas as
estações para que parassem de enviar sinais na frequência 500 kc,
porque tínhamos um pedido de socorro. Normalmente, essa frequência
é uma cacofonia de sinais, pois é a frequência internacional de chamados
e socorro, monitorada constantemente por todos os navios em estações
de mar e terra. Contudo, quando informamos que tínhamos um sos, a
frequência ficou sinistramente silenciosa.”
Len continuou falando com o Fort Mercer em cw, tentando obter a
posição do navio e determinar a natureza da emergência. O operador de
rádio do petroleiro, John O’Reilly, informou que havia uma rachadura
no casco. Deu sua posição aproximada, e o Eastwind também usou a
triangulação de antenas (rdf, de Radio Directional Finder) para tentar
identificar a localização do Mercer. A essa altura, Len já notificara
outras embarcações da Guarda Costeira na vizinhança acerca da
emergência, e elas também usaram rdf para estabelecer a posição do
petroleiro.
“Chefe Hartnett”, diz Len, “estava em posição com rdf na ponte e
eu com o Fort Mercer, que começou a enviar uma série de ‘Vs’ como
sinal. [O envio de uma série de ‘Vs’ era a maneira comum de o navio em
perigo continuar transmitindo um padrão estável e uniforme para os
barcos de busca, para ajudar em seus esforços de estabelecer a
localização da embarcação em apuros.] Rapidamente, conseguimos um
rumo, como as outras embarcações, e coordenamos os rumos e
estabelecemos uma posição em poucos minutos.”
Infelizmente, Len descobriu que o Eastwind estava bastante longe
do petroleiro, e sabia que levaria várias horas para chegar a eles.
“Soprava um verdadeiro vendaval, e as ondas eram enormes [...] Muitos
de nossos homens estavam mareados, mas ainda trabalhando. Com o
mar daquele jeito, achei que poderíamos levar um dia inteiro para
chegar ao Mercer e, então, poderia ser tarde demais.”
Apesar das 150 milhas (241 quilômetros) de distância entre o
guarda-costas e o Mercer, o Eastwind partiu imediatamente em direção
ao petroleiro danificado, abandonando a busca do Paolina. (Somente
destroços do Paolina foram encontrados.) Oliver Peterson, de
Winchester, Massachusetts, capitão do Eastwind, foi encarregado da
operação de resgate. Outro navio da Guarda Costeira, o Unimak, que
também estava ao sul de Nantucket, procurando o Paolina, foi desviado
da busca e começou a atravessar a tempestade em direção ao Mercer.
Em Provincetown, Massachusetts, o guarda-costas Yakutat foi
despachado para o local, como também o McCulloch, de Boston.
Outros guarda-costas — incluindo o Acushnet, em Portland, Maine
—  foram colocados em alerta. Um navio militar do serviço de
transporte, o Short Splice, também correu em auxílio do petroleiro. O
mar, no entanto, não ajudava os barcos de resgate, e a velocidade deles
era de lentos três nós. As ondas de cerca de quinze metros de altura e os
ventos de 130 quilômetros por hora provinham diretamente do norte, e
o ar estava cheio de uma mistura de neve, água do mar e espuma.
A bordo do Fort Mercer, o capitão Paetzel se retesava cada vez que
uma onda particularmente grande, chicoteada pelo vento, atingia a
embarcação. O óleo continuava a manchar o oceano, e o intendente do
navio se esforçava como podia para manter a proa naquelas águas que se
aproximavam. Paetzel fez seus tripulantes vestirem os coletes salva-
vidas, mas além dessa medida de segurança pouco podiam fazer senão
esperar que a Guarda Costeira chegasse.
De modo notável, às dez da manhã o Boston Globe conseguiu uma
conexão telefônica da costa com o capitão do navio. Paetzel disse que as
condições eram muito difíceis e que as ondas haviam alcançado vinte
metros, elevando-se até o cordame, mas que acreditava que seu navio
“não corria nenhum perigo imediato”. Ainda assim, reconheceu que não
podia ter certeza, porque avaliar o dano mais de perto no convés seria
suicídio. “Estamos apenas parados”, acrescentou. Para concluir, pensou
nos entes queridos na costa e expressou a esperança de que “a esposa de
nenhum de nós ouça falar sobre isso”. O Mercer não estava inclinado, e
visto que o anterior som do metal rachando não causara mais graves
eventos, Paetzel mantinha a esperança de que o pior já havia passado.
Embora Paetzel sentisse que o Mercer não estava em perigo
imediato, ele também conhecia a história dos petroleiros t-2
parcialmente pré-fabricados e soldados, o que não era reconfortante.
Até aquele momento, oito desses petroleiros haviam sido perdidos em
decorrência de fraturas no casco, e eles eram particularmente suscetíveis
a rachaduras quando grandes ondas eram acompanhadas por
temperaturas frias —  a exata situação que o Mercer enfrentava. O
capitão respiraria mais aliviado quando avistasse os barcos da Guarda
Costeira.
Subitamente, às 10h30, ouviu-se o som de outra rachadura
aterrorizante, e o navio deu uma guinada.Paetzel instantaneamente
enviou outra mensagem à Guarda Costeira, que explicava que a situação
estava piorando. Uma fria sensação de medo atravessou o capitão; ele
sabia que seu navio poderia se tornar o nono petroleiro t-2 a ser levado
pelo mar.
O estresse no navio crescia, em especial quando uma onda levantou
a proa e outra, a popa, deixando o meio sem nenhum apoio. A
tempestade havia quebrado o casco soldado do tanque, e o mar parecia
ter a intenção de estender a rachadura. O capitão Paetzel e sua equipe
não podiam fazer nada além de esperar os socorristas.
Outra longa hora se passou, sem incidentes. E então, às 11h40,
houve um terceiro anúncio, alto, quando mais metal rachou. Paetzel já
podia ver a fratura, que se estendia do tanque de carga 5, a estibordo, até
vários metros acima da linha d’água, e o óleo jorrava no mar furioso. Às
11h58, Paetzel enviou outro sos, dessa vez acompanhado da mensagem:
“Nosso casco está se partindo”.
Dois minutos depois, uma onda açoitou o petroleiro com tanta força
que os tripulantes foram atirados ao chão. Quando conseguiram se
levantar, não podiam acreditar no que viam: o navio estava dividido em
dois!
O tripulante Alanson Winn disse que quando a fratura final e a
separação ocorreram, o barulho foi tão alto e violento que ele pensou
que o navio havia sido abalroado. “Então, ele se ergueu para fora da
água como um elevador. Deu dois saltos. E, quando parou, rasgou-se ao
meio.”
Paetzel estava preso na proa com mais oito homens, enquanto na
popa ficaram 34 tripulantes, e cada ponta navegava à deriva para longe
uma da outra. O mar jogava a proa descontroladamente sobre suas águas
como se fosse um brinquedo quebrado, primeiro balançando de forma
brusca para estibordo. A extremidade da frente da proa empinou alto,
mas a de trás se inclinou para baixo, submergindo uma parte do convés e
levando os barcos salva-vidas. Igualmente devastador, o acidente
inutilizou o rádio, e Paetzel não podia mais falar com a Guarda Costeira
e pedir resgate; nem dar instruções aos tripulantes na popa. Paetzel e
seus homens estavam impotentes, presos na ponte; sair podia significar
morte instantânea. A proa chafurdava no mar monstruoso, e, sem a
força do motor, ficou de costado para as ondas, sofrendo impactos
diretos.
A popa, onde ficava o motor, estava em melhores condições,
totalmente acima da água. Logo após a divisão, os engenheiros
imediatamente desligaram o motor, mas sua tripulação já podia ver as
ondas empurrando a proa na direção deles como um aríete. Mila- 
grosamente, os engenheiros conseguiram religar o motor. Colocaram a
hélice no sentido inverso e conseguiram virar a popa para longe, antes
que a proa os acertasse, mas seus problemas estavam só começando.
capítulo 4
“Não pode ser verdade”
Navegue adiante, orientado apenas para águas profundas.
walt whitman
A bordo do Eastwind, o operador de rádio Len Whitmore mantinha
comunicação regular com o operador John O’Reilly, do Mercer. Len
tentava conservar a tripulação do Mercer animada dizendo-lhe que o
Eastwind, o Unimak, o McCulloch e a Yakutat estavam a caminho e que
barcos de resgate a motor, aviões e um guarda-costas adicional haviam
acabado de ser despachados. O avanço do Eastwind nas garras da
ventania uivante, no entanto, era extremamente lento, e Len se sentia
frustrado, porque horas se passariam antes que eles pudessem chegar ao
petroleiro.
Com 43 tripulantes do Mercer em risco de perder a vida a qualquer
minuto, os comandantes da Guarda Costeira sabiam que precisavam de
barcos no local o mais depressa possível e reagiram, enviando lanchas
salva-vidas de Chatham e Nantucket. Enviar lanchas salva-vidas de 36
pés ao mar contra ondas duas vezes seu tamanho era uma decisão difícil;
os oficiais sabiam que os botes e sua tripulação poderiam ser as próximas
vítimas do oceano.
A primeira embarcação de resgate a motor enviada para o turbilhão
partiu da Estação Brant Point, Nantucket. Em seu comando estava o
chefe dos contramestres Ralph Ormsby, com três tripulantes: Alfred
Roy, Donald Pitts e John Dunn. Os quatro homens percorreram
cinquenta perigosas milhas (cerca de oitenta quilômetros) para chegar às
metades do Mercer, e seu barco navegava a somente duas milhas por
hora em ondas tão grandes que muitas vezes ensoparam a tripulação.
Depois de deixar Nantucket, o barco teve a difícil tarefa de navegar
através do perigoso canal Pollock Rip, cujas boias orientadoras haviam
sido arrancadas pelo mar. Quase imediatamente, a embarcação se viu em
apuros. “Roy, que estava ao leme”, disse Ormsby, “foi jogado dali. Eu o
segurei. O barco estava quase condenado pelas ondas que quebravam
sobre sua proa. Observávamos as ondas antes de bater para guiar seu
curso.”
Uma segunda lancha de salvamento, de 36 pés, foi mandada de
Chatham. O comandante da estação, suboficial contramestre Daniel
Cluff, recebeu ordens para enviar o barco, e ele, por sua vez, disse ao
imediato Donald Bangs, de Scituate, que selecionasse uma equipe e
rumasse para o Mercer. Bangs rapidamente escolheu uma tripulação,
composta pelo engenheiro de primeira classe Emory Haynes, pelo
contramestre de terceira classe Antonio Ballerini e pelo marinheiro
Richard Ciccone. Quando Bernie Webber ouviu as ordens, pensou
consigo: Meu Deus, eles acham mesmo que uma lancha de salvamento e sua
tripulação podem adentrar o mar nesta tempestade e encontrar o navio
quebrado em meio a neve ofuscante e ondas furiosas, só com uma bússola para
orientá-los?. Webber percebeu que, ainda que a tripulação não
congelasse até a morte, ela nunca conseguiria tirar os homens das partes
do Mercer arrasadas pela tempestade. Bernie era amigo daqueles
homens e se perguntava se os veria vivos novamente.
A preocupação de Webber de que os homens morressem congelados
era muito realista, assim como o potencial efeito do frio sobre a
capacidade deles de manobrar o barco e reagir aos problemas. Uma das
primeiras respostas do corpo ao lutar contra a hipotermia é diminuir o
fluxo de sangue para os membros, reduzindo a perda de calor pelas
extremidades do corpo, principalmente os pés e as mãos, que têm uma
elevada concentração de vasos sanguíneos. A tripulação das embarcações
de resgate teria o fluxo sanguíneo periférico para os membros reduzido
nas primeiras horas no mar, por causa do esforço do corpo para manter
o calor interno, essencial para os órgãos principais, em especial o
coração. Contudo, a diminuição do fluxo sanguíneo para mãos, braços e
pés tem um custo: compromete a capacidade de realizar tarefas. Se o
motor da lancha de salvamento pifasse, os homens a bordo não teriam a
destreza dos dedos para resolver o problema. Mãos e pés também
sofreriam queimaduras quando a temperatura da pele despencasse, e o
próprio sangue engrossaria como óleo de motor em uma manhã fria,
tornando as pernas e os braços dos homens rígidos e lentos. E, em 1952,
antes da época das luvas de neoprene e das roupas de baixo de
polipropileno, os tripulantes não tinham nada para proteger a pele, além
de roupas emborrachadas.
As equipes de Bang e de Ormsby seriam testadas pelo mar e pelo ar
gelados muito além dos limites de sua resistência — se seus barcos não
virassem primeiro, matando-os antes.
A primeira embarcação a chegar ao local do acidente do Mercer foi
o cargueiro Short Splice. A essa altura, a proa e a popa do Mercer já
haviam se afastado. O Short Splice manobrou o mais perto que se
atreveu da popa do Mercer, na esperança de conseguir jogar um cabo.
As ondas, porém, eram grandes demais, e o capitão do Short Splice teve
de abandonar a ideia e esperar, pronto para tentar tirar os homens da
água, se fosse preciso.
Os aviões partiram para o céu tempestuoso da Estação Aérea da
Guarda Costeira, em Salem, Massachusetts, e da base aérea naval de
Quonset Point, Rhode Island. Um dos aviões chegou antes dos guarda-
costas, aproximadamente às catorze horas. O piloto George Wagner
comunicou pelo rádio: “O navioestá definitivamente nas últimas. Sua
popa está contra o vento e quase inundada”. Também informou que os
botes salva-vidas do Mercer não estavam ali e que o mecanismo para
descê-los estava abaixado, o que o fez pensar que alguns tripulantes
haviam abandonado o navio. O piloto guiou seu avião seguindo a
direção do vento, procurando os botes salva-vidas, mas não encontrou
nenhum.
Mais ou menos ao mesmo tempo em que os aviões chegavam ao
local, o comandante da estação, Cluff, e o contramestre de primeira
classe, “Chick” Chase, estavam na torre de vigia de Chatham, onde
ficava a tela do radar. De manhã cedo, o equipamento apresentara
problemas, mas já havia sido consertado, e a primeira coisa que eles
viram na tela foram dois objetos estranhos. “Os objetos”, recordou
Chase, “estavam a apenas cinco milhas (oito quilômetros) da costa,
longe de onde o Mercer deveria estar. Eu me perguntava como o
Mercer poderia ter ido para tão longe, e percebemos que alguma coisa
estava errada.” Cluff e Chase sabiam que o vento soprava em direção
sul, e que se os objetos fossem o Mercer, ele havia ido em direção
noroeste. Nada disso fazia sentido, e Cluff imediatamente chamou a
sede. Eles, por sua vez, alertaram Wagner, que já estava sobrevoando a
popa do Mercer.
Wagner, lutando para controlar seu avião na tempestade, ficou
imaginando que diabos significava aquela mensagem desconcertante.
Ele estava olhando para a popa do Mercer e pensava que era impossível
que a proa houvesse derivado mais de 25 milhas (quarenta quilômetros)
em direção a Chatham. E o que significava o fato de Chatham ter
captado dois alvos no radar? Tudo o que Wagner podia fazer era virar
seu avião e seguir para oeste para dar uma olhada. Felizmente, a neve
havia se transformado em chuva e granizo, e a visibilidade melhorara um
pouco.
Ele voou a baixa altitude, fustigado pelo vento, mas logo chegou ao
conhecido farol flutuante Pollock Rip. Incrivelmente, não muito longe
dali estava a metade partida da proa de um petroleiro. Wagner notou
que a superestrutura abaixo da proa era marrom, diferente da branca da
popa que ele havia visto. Balançou a cabeça, incrédulo, e sobrevoou para
olhar de novo. E, então, ficou de queixo caído. Na proa, em grandes
letras brancas, estava o nome pendleton! Quando comunicou pelo
rádio o que havia visto, todos na Guarda Costeira ficaram atordoados.
Era demais acreditar que um segundo navio, a apenas trinta milhas (48
quilômetros) do Mercer, também havia se partido ao meio.
O operador de rádio do Eastwind, Len Whitmore, ficou atônito,
perguntando-se se havia ouvido corretamente as palavras do piloto.
Outro petroleiro? Até aquele momento, ninguém sequer mencionara o
Pendleton. Len pensou: Isso não pode ser verdade. Deve have algum engano.
capítulo 5
“Você tem de pegar a 36500”
Ah, Senhor, tem misericórdia, Teu mar é tão grande, e meu barco é tão pequeno.
oração de breton �sherman
Antes de o Pendleton ser avistado, Bernie Webber já estava tendo uma
manhã agitada. Vários barcos de pesca tiveram a amarração quebrada e
se espalharam pela costa de Old Harbor, e Webber e sua equipe usaram
a lancha de salvamento 36500 para ajudar os pescadores a puxar os
barcos para a praia e prendê-los, antes que a arrebentação os danificasse.
Era a versão marinheira de arrebanhar gado, mas, em vez de trabalhar
sob o sol quente do Texas, os homens tinham de exercer sua função na
neve ofuscante e a temperaturas congelantes. Webber, porém, sabia da
importância do trabalho, pois sem seus navios de pesca os pescadores
não podiam sustentar suas famílias durante o rigoroso inverno de Cape
Cod.
Ele foi auxiliado na tarefa pelo marinheiro Richard Livesey e pelo
amigo de longa data, o técnico de máquinas de primeira classe Mel
Gouthro, que, além de lutar contra o clima, estava lutando contra a
gripe. A tempestade Nor’easter fez Livesey se lembrar dos catorze
meses que passara em um quebra-gelo, no Atlântico Norte. Aos 22 anos,
era dois anos mais novo que Webber, e, assim como acontecia com seu
chefe, o que faltava a Livesey em idade ele compensava com experiência.
Richard Livesey nascera em South Boston, em 1930, e fora criado a
noventa quilômetros ao sul, em Fairhaven, uma vila de pescadores na
costa de Buzzards Bay, em frente ao porto de New Bedford. Livesey foi
direcionado a uma vida no mar desde cedo, graças às inúmeras histórias
contadas por seu pai, Oswald, durante 22 anos suboficial de caldeira na
Marinha dos Estados Unidos. As ruas de paralelepípedos de sua cidade
natal sem dúvida inspiraram Richard Livesey a uma carreira marítima.
Fairhaven tinha uma história rica. A cidade havia sido o local da
primeira batalha naval da Revolução Americana, em maio de 1775,
quando Nathaniel Pope e Daniel Egery lideraram milicianos locais na
captura de duas corvetas britânicas, em Buzzards Bay. Nos dois anos
seguintes, os fundadores da cidade erigiram uma fortaleza em Nobscot
Point, equipada com onze canhões, alguns dos quais capturados nas
Bahamas pelo herói naval norte-americano John Paul Jones. O forte foi
destruído em 1778, quando os britânicos invadiram o porto e levaram
quatro mil tropas a New Bedford. Contudo, foi reconstruído, e recebeu
o nome de Fort Phoenix, por causa do pássaro mítico que renasce das
próprias cinzas. A cidade se expandiu, ao longo do tempo, colaborando
com a prosperidade baleeira de New Bedford.
Richard Livesey era um daqueles jovens que pareciam ter água
salgada nas veias. Desde que podia se lembrar, queria ingressar na
Marinha norte-americana, e quando teve idade suficiente, pediu ao pai
que o acompanhasse ao gabinete de recrutamento naval. “Claro”,
dissera o velho Livesey, radiante porque o filho estava seguindo a
tradição marinheira. No entanto, seu entusiasmo se apagou
momentaneamente quando o recrutador informara que havia uma
espera de dez meses para o alistamento. Era 1947, e Richard Livesey
tinha 17 anos. Dez meses parecia uma vida para o adolescente ansioso.
Ele queria ação e aventura. Enquanto saíam do gabinete de
recrutamento, Richard disse a seu pai que, então, entraria na Força
Aérea dos Estados Unidos. Naquele momento, pai e filho notaram uma
placa que indicava o gabinete de recrutamento da Guarda Costeira,
poucas portas abaixo. As esperanças do adolescente de viver aventuras
no mar não foram frustradas, afinal. Livesey fez apenas uma pergunta ao
recrutador: “Quando serei enviado em missão?” “Amanhã!”, vociferou o
homem. Livesey se alistou no local, mas não foi enviado em missão no
dia seguinte como prometido. Precisou esperar uma semana até ir para
o campo de treinamento de recrutas em Mayport, Flórida, que era o lar
de uma das maiores concentrações da frota naval dos Estados Unidos.
Livesey seguira a rotina no campo de treinamento de recrutas contando
os dias, até que saíra ao mar. Passara os quatro anos seguintes servindo
em guarda-costas e quebra-gelos da Guarda Costeira ao redor dos
Estados Unidos e em Newfoundland, antes de encontrar seu caminho
em um barco de patrulha na estação de New Bedford, em frente ao
porto de sua cidade natal. Ele deixaria a Guarda Costeira brevemente,
em 1951, depois que seu período de alistamento acabou, e tentaria
primeiro trabalhar na construção de estradas e também em algumas
indústrias de peixe. O salário era melhor, mas o trabalho não tinha a
emoção que ele havia experimentado na Guarda Costeira, de modo que
se alistou novamente. Assim, lá estava ele, mais uma vez, puxando barcos
de pesca para suas amarras naquela manhã brutal de segunda-feira, em
meados de fevereiro.
Quando concluíram o trabalho, Webber, Livesey e Gouthro
amarraram a lancha de salvamento e, em seguida, pularam na canoa e
voltaram para a costa. Os homens estavam exaustos, com fome e frio, e
mal podiam esperar para voltar à Estação de Resgate de Chatham, fazer
uma refeição quente e trocar de roupa. A água gelada do mar havia
passado através das roupas de chuva diretamente para seus ossosdoloridos. Livesey e Gouthro usavam finos macacões de lona
emborrachada e jaquetas até a cintura do mesmo material. Webber
vestia uma calça de algodão até os joelhos e uma parca com capuz de
pele. Eram todas remanescentes da Segunda Guerra Mundial e não
ofereciam mais proteção contra o clima implacável do inverno. Gouthro
tremia por causa do frio e da gripe. Ele e Livesey tentavam manter as
mãos quentes em luvas de lã que haviam mergulhado em água salgada e
torcido antes de colocá-las, na tentativa de ajudar na circulação e evitar a
fadiga. Era uma prática comum entre os marinheiros: o calor do corpo
propiciava mais calor. Webber simplesmente enfiava as mãos nuas e
geladas nos bolsos de seu casaco. Ele não podia usar luvas em um dia
como esse, porque precisava sentir o leme, a alavanca da embreagem e o
acelerador dos barcos que ajudara a guiar de volta às amarras. Quando
os homens cansados pararam no píer de pesca de Chatham para analisar
seu trabalho, um caminhão da Guarda Costeira estacionou ao lado.
“Voltem para Orleans e Nauset Beach”, gritou o motorista. “Houve
um naufrágio no mar e eles precisam de ajuda.” A confirmação em terra
da situação do Pendleton havia sido dada por uma mulher que vivia na
entrada de Nauset. Ela ouvira a buzina do navio tocar sete vezes mar
adentro e imediatamente ligara para o chefe de polícia de Orleans, John
Higgins, que, em seguida, informara a Estação de Resgate de Nauset
sobre o problema.
Webber e equipe foram instruídos a se juntar ao grupo da Estação
Nauset em seu veículo anfíbio (dukw) para tentar localizar o petroleiro
e prestar socorro, se possível. O Duck, como era chamado, era um
caminhão anfíbio com tração nas seis rodas, desenvolvido durante a
Segunda Guerra Mundial, especialmente usado durante a invasão aliada
da Normandia, no Dia D. dukw é o código do equipamento militar que
representa as características do veículo: D significa 1942, ano em que o
veículo foi fabricado, U reflete suas qualidades anfíbias, K se refere à
capacidade de tração dianteira, e W à tração traseira dupla. E agora,
usado pela Guarda Costeira em Nauset Beach, o Duck era o veículo
perfeito para transportar os guardas costeiros sobre a areia e a água,
enquanto caçavam o Pendleton à deriva. Contudo, primeiro, Webber e
sua equipe tinham de chegar a Orleans.
Por estradas acidentadas cobertas de neve grossa, o caminho pelo
braço de Cape Cod na Route 28 rumo a Orleans foi tensa para os três
guardas costeiros. Sob a neve descansava uma camada de gelo; o
caminhão Dodge era forçado a avançar devagar pela estrada sinuosa.
Felizmente, o aquecimento interno funcionava; mas o conforto só fez
Webber pensar em seu amigo, Donald Bangs, que estava ali fora, no
oceano gelado, esperançosamente ainda vivo.
Webber, Livesey e Gouthro, por fim, chegaram a Orleans e foram
recebidos por Roy Piggott e o resto da equipe da Estação de Resgate de
Nauset. Os homens se amontoaram em um dukw e seguiram para
Nauset Beach, onde estacionaram em uma colina, perto de Mayo’s Duck
Farm, na época a principal fornecedora de aves para os seis estados da
Nova Inglaterra. As aves se esconderam em segurança em suas casinhas,
enquanto os guardas costeiros ocuparam a colina em busca de algum
sinal de um navio na tempestade ofuscante. Em qualquer outro
momento, a colina teria servido como o local perfeito para escrutar os
quilômetros de costa. Contudo, o alto poleiro não oferecia nenhuma
ajuda nesse dia, porque a linha litorânea havia praticamente
desaparecido. O mar corria para a praia, em frente ao estacionamento e
até o meio da colina. No entanto, depois de alguns instantes a neve
diminuiu brevemente e os homens conseguiram detectar um volume
cinzento, um objeto mais escuro que o oceano, rolando pelas ondas
gigantescas. Era metade de um navio, derivando rapidamente em
direção ao sul, para Chatham. Eles sabiam que não havia nenhuma
maneira de o dukw conseguir pegá-lo naquele momento.
A Guarda Costeira emitiu uma diretriz para todos os navios que
participavam da operação de resgate do Fort Mercer. O alerta foi
classificado como imediatamente operacional e impresso em negrito.
Indicação de�nitiva de que petroleiro pendleton partiu-se ao meio — popa nas
ondas para chatham; proa derivando perto farol pollock rip — nenhuma
indicação prévia relativa a acidente para pendleton — pendleton devia estar em
boston ontem e não chegou — isso somado ao fort mercer.
Na Estação de Resgate de Chatham, o clima desagradável havia
mantido o engenheiro Andy “Fitz” Fitzgerald dentro do calor relativo
do “barracão do motor Mack”. O engenheiro, de 20 anos, era o mais
jovem membro da Guarda Costeira na estação. Fitz não nascera para o
mar, e, na verdade, não sabia nadar muito bem até entrar na
Corporação. Havia nascido em 1931, na então chamada capital mundial
de calçados, Brockton, Massachusetts. A cidade ganhara esse apelido
durante a Guerra Civil, quando as encomendas, feitas pelo governo, de
calçados para o exército transformaram Brockton na maior produtora
do artigo do país. Em 1929, Brockton abrigava sessenta fábricas de
calçados, que empregavam mais de trinta mil trabalhadores. Um desses
empregados era o pai de Fitzgerald, que trabalhara em duas fábricas de
calçados antes de desarraigar sua família e se mudar para Blackstone
Valley e arranjar um trabalho melhor em uma fábrica têxtil, em
Whitinsville. Ao contrário de seu colega, Richard Livesey, Fitz não
vivera cercado pelos fantasmas da Revolução Americana durante a
infância. A cidade de Whitinsville havia sido estabelecida por quacres,
cujas influências pacifistas os impediam de participar ativamente na luta
pela independência. Contudo, houve muita luta para o jovem Andy
Fitzgerald. Como defensor abaixo do tamanho ideal, o adolescente de
63 quilos se iniciou no futebol na Northbridge High School, onde
também jogou basquete e beisebol. O final dos anos 1940 foi uma época
sombria em Blackstone Valley. As poderosas usinas ao longo do rio
Blackstone, que haviam dado sangue vital para a Revolução Industrial
no século xix, estavam morrendo. Quando Fitzgerald terminou o
Ensino Médio, não tinha dinheiro para a faculdade nem perspectivas de
futuro em Whitinsville, por isso ele e um amigo foram de carona até a
estação de trem local, seguiram até Boston e ingressaram na Guarda
Costeira.
Parte do dever de Fitzgerald, pelas manhãs, em Chatham era
conduzir para fora da estação três embarcações: o barco patrulha de 38
pés e as duas lanchas salva-vidas de 36 pés, a cg36383 e a cg36500, as
“velhas 36”, como as chamavam. Fitz devia se certificar de que cada
barco estava abastecido de combustível e também ligar os motores e dar
uma boa corrida antes de retornar à costa. Nessa manhã, o novo
comandante da Estação de Chatham, Daniel W. Cluff, ordenara a
Fitzgerald que não saísse. A tempestade estava forte demais para
arriscar-se enviando ao mar o jovem engenheiro em um minúsculo
barco a remo.
O final da tarde foi dando lugar à escuridão da noite, enquanto
Bernie Webber e sua equipe, exaustos, dirigiam o caminhão Dodge do
sul de Nauset Beach para a Estação de Chatham. Webber precisava
informar ao contramestre Cluff que a popa do Pendleton estava se
deslocando depressa. Ele encontrou seu chefe andando de um lado para
o outro, tentando decidir o melhor modo de agir. Essa era a primeira
grande emergência de Cluff como subtenente na estação de Chatham, e
alguns guardas costeiros se perguntavam se ele estaria à altura do
desafio. Daniel Cluff era natural de Chincoteague, uma pequena vila de
pescadores na costa oriental da Virgínia e lar do famoso evento
Chincoteague Pony Swim. O comandante não participava muito do
trabalho com os barcos na estação; achava que primeiro precisava
conhecer os líderes empresariais da cidade.
Cluff chamou Webber com seu sotaque sulista e disse: “Webber,
escolha uma tripulação. Você tem de pegar a 36500, atravessar aquela
barra arenosa e ajudar aquele navio, estáme ouvindo?”.
Webber sentiu um nó no estômago. Ele podia se imaginar
atravessando com o pequeno barco de resgate de madeira o perigoso
Chatham Bar e avançando em alto-mar; era o pior pesadelo de um
marinheiro. O Chatham Bar é uma ilha-barreira, uma coleção de barras
de areia em constante mudança, com correntes transbordantes que
transportam ondas que podem destroçar pequenas embarcações em
segundos. Formadas nas profundezas do oceano, as ondas acabam
correndo em direção à barra, ganhando força, velocidade e tamanho em
águas mais rasas, onde se enrolam formando vagas assustadoras. Isso
quando o tempo está bom. Naquela situação, o perigo era dez vezes
maior. Webber já havia visto barcos de pesca com para-brisas
estilhaçados e cabines rasgadas como resultado de um encontro violento
com o Chatham Bar. E também coisa pior. Da primeira vez que Webber
vira a morte no Chatham Bar fora em um acidente com o Cachalot, um
barco de pesca para dois homens, de quarenta pés, que tentara atravessar
a ilha-barreira em uma tarde ensolarada de outono, em 1950. Escondida
nesses belos cenários havia uma onda irada que continuava batendo na
costa. Quando o barco de pesca bateu na barra de areia, foi pego por
uma onda de quebra que o fez dobrar ao meio. Quando, por fim, o
barco deu em uma praia nas proximidades, de cabeça para baixo, não
havia sobreviventes. Webber conseguiu recuperar o corpo de um
pescador, Elroy Larkin; o corpo de seu parceiro, Archie Nickerson,
nunca foi encontrado. Richard Livesey também participou da busca. Ele
não sabia disso na época, mas estava à procura do pai de sua futura
esposa. Quatro anos mais tarde, Livesey se casaria com a filha de Archie
Nickerson, Beverly.
As imagens daquele dia fatídico queimavam na memória de Bernie
quando ele recebeu as ordens de Cluff; imediatamente ele pensou no
lema oficial da Guarda Costeira: Semper Paratus, sempre pronto, em
latim. Contudo, era o lema não oficial da Guarda Costeira que pesava
em sua mente: Você tem de ir, mas não tem de voltar. “Certo, Mr. Cluff”,
respondeu Webber. “Vou me preparar.” Em particular, ele se perguntava
por que fora escolhido para essa missão perigosa se havia oficiais
igualmente experientes de plantão. No entanto, aceitou o desafio sem
hesitação. Ele precisava de alguns homens de pensamento similar para
seguir sua liderança. “Quem vai comigo?”, perguntou, em voz alta. O
convite era apenas uma cortesia. “Na Guarda Costeira, você pode
perguntar primeiro, mas se a resposta não for imediata, diga: ‘Você,
você e você!’”, recordaria Webber, mais tarde.
Richard Livesey estava mais que um pouco preocupado. Ele vira as
poderosas ondas que quebravam sobre North Beach e sabia que seria
uma missão horrenda. Ainda assim, lutou contra o medo, a fadiga e o
frio que atravessava seu corpo e levantou a mão. “Bernie, eu vou com
você”, disse. Em seguida, Webber voltou-se para seu velho amigo, Mel
Gouthro, um dos engenheiros da estação, que estava deitado em uma
cama dobrável, queimando de febre, em decorrência da mesma cepa de
gripe que mantinha a esposa de Webber na cama. Andy Fitzgerald
também estava na sala e disse: “Mel está doente, eu vou”. Fitz andara
lutando contra o tédio durante o dia todo e estava ansioso para ser
voluntário. A tripulação ainda precisava de um quarto homem. Ervin
Maske estava à toa no refeitório quando ouviu o chamado de Webber.
Ele era convidado na estação e poderia facilmente ter dito não. Maske,
de 23 anos, nativo de Marinette, Wisconsin, uma cidade madeireira às
margens de Green Bay, era membro do navio-farol Stonehorse e havia
acabado de voltar de licença. Estava esperando o transporte para voltar a
seu navio, atracado a cerca de uma hora da ponta sudeste de Monomoy
Point. Ervin era o mais novo de treze filhos nascidos de Albert e Bertha
Maske, que administravam uma grande fazenda de cavalos e gado, em
Marinette. Seus irmãos mais velhos foram para o serviço militar em um
momento ou outro, mas Ervin decidira seguir seu irmão Clarence
—  chamado de “Honey Boy” pela família —  para a Guarda Costeira.
Como Webber, Maske também tinha uma esposa que esperava por ele
em casa. Ele era recém-casado com Florence Silverman, que conhecera
em um salão de dança, no Brooklyn. Ervin Maske tinha muito a perder
e pouco a ganhar nessa operação, com uma tripulação que ele nunca
havia visto antes, mas se ofereceu para a missão de resgate sem hesitar
um segundo sequer. Webber apertou a mão de Maske e mandou-o se
preparar.
A tripulação de quatro pessoas estava pronta e disposta, porém ela
seria capaz? Webber, com apenas 24 anos, era o mais velho do grupo e o
mais experiente. Os outros tinham 20 e poucos anos, e Andy, aos 20
anos, estava na Guarda Costeira havia dois anos e acabara de se formar
técnico de motores. Ele nunca participara de um resgate, mas ouvira
falar das dificuldades de atravessar o Chatham Bar em alto-mar. O
maior susto na carreira de Fitzgerald havia acontecido logo após o
campo de treinamento de recrutas, quando ele fora designado a um
navio-farol ancorado na ilha de Cuttyhunk. Andy acordou com o
barulho assustador das correntes da âncora estalando e se partindo.
Enquanto a tripulação corria, o navio-farol começou a derivar
perigosamente próximo às rochas. Depois de alguns minutos frenéticos,
a tripulação conseguiu ligar os motores antes que batessem na costa
rochosa. O técnico esperava que sua falta de experiência não fosse
prejudicial para a tripulação. Embora não conhecesse Bernie muito bem
pessoalmente — Bernie era mais velho e casado —, Andy havia saído na
36500 com ele durante o trabalho de rotina e notado como o capitão
levara o barco habilmente sobre o Chatham Bar. Se Andy precisasse
escolher qualquer homem da estação para atravessar com o barco de
salvamento a barra de areia e as águas circundantes durante uma
tempestade, teria escolhido Bernie. Contudo, aquela não era uma
tempestade comum. Andy ouvira os diversos relatórios da rádio marinha
que falavam de ondas inimagináveis de mais de dezoito metros.
Maske, Webber, Fitzgerald e Livesey nunca haviam treinado juntos
e, de fato, os três homens de Chatham sequer conheciam Maske até
aquele dia. No entanto, o quarteto tinha tantas semelhanças quanto
diferenças. Todos estavam em ótima forma física e haviam entrado na
Guarda Costeira para salvar vidas, e agora tinham uma chance. Webber
era o mais alto dos homens, com 1,89 metro, compleição esguia e uma
atitude reservada. Livesey, com cerca de dez centímetros a menos de
altura, era animado e tinha senso de humor. Sua calma, porém, só ia até
aí. Livesey havia ganhado o apelido de “Touro da Manada”, por sua
capacidade de assumir a liderança e distribuir ordens aos outros homens.
Andy, com 1,83 metro, tinha um sorriso pronto e fazia amigos por onde
passava. Maske, o menor do grupo, era um jovem modesto,
relativamente calmo, mas com energia — poucos homens colocam sua
vida em risco se oferecendo para entrar em um turbilhão com três
estranhos. Os quatro se sentiam dominados pelo medo ao pensar no mar
tempestuoso, embora carregassem a determinação de manter a
ansiedade sob controle e fazer o que tinha de ser feito.
capítulo 6
Chatham Bar
Com grande trepidação, Webber, Livesey, Fitzgerald e Maske partiram
da Estação de Resgate de Chatham e se dirigiram ao Fish Pier. Webber
estacionou o caminhão Dodge e desceu na neve. Através dos flocos de
neve espessa a equipe mal podia ver o pequeno bote salva-vidas de
madeira que ia pegar para a jornada, balançando violentamente para a
frente e para trás, a distância. Os guardas costeiros foram até a lateral do
cais e desceram uma escada para um pequeno douro. Estavam
preparando-o para sair quando Webber ouviu uma voz chamar no cais
acima. “É melhor vocês se perderem antes de chegarem muito longe”,
gritou um pescador local, John Stello. Era sua maneira de dizer:
“Desistam enquanto ainda é tempo”. Stello era capitão do Jeanie S.
— homenagem a sua esposa — e conhecidono negócio como high-liner,
termo que se refere a um barco tão bem-sucedido que fica pesado de
tanto peixe, tornando sua linha d’água alta. Ele havia sido um dos
muitos pescadores de Chatham forçados a permanecer em terra até que
a feroz tempestade se afastasse. Stello e Webber haviam se tornado
amigos íntimos, nos últimos dois anos. Eles moravam um em frente ao
outro, em Sea View Street. “Ligue para Miriam e siga a ela o que está
acontecendo”, gritou Webber, de volta. Bernie não falava com a esposa
havia dois dias. Pensou nela em sua casa, na cama, doente, e sentiu o
coração se apertar. Webber olhou para os outros três homens no douro
e se perguntou como se sairiam nas horas seguintes. Tornou a lembrar-
se da esposa e se questionou como seria para ela se ele não voltasse.
Bernie pôde encarar arriscar a própria vida em uma missão que parecia
ser suicida, mas uma onda de emoção o dominou quando pensou na vida
que havia começado a construir com Miriam.
O relacionamento de Bernie e Miriam exigira grande persistência,
especialmente da parte dela. Era um caso de amor que havia começado
por telefone, dois anos antes, em 1950. Webber e dois amigos tinham
ido até Provincetown em seu Plymouth sedã 1939, de duas portas, para
um encontro com três meninas de lá. Webber chegou até Orleans
quando o carro de repente quebrou. Precisou andar até encontrar um
telefone público e ligar para a moça com quem ia se encontrar para
explicar o ocorrido. Era o fim de sua noite na cidade e Webber teve de
rebocar o velho Plymouth de volta para Chatham. A possibilidade de
romance parecia fora de alcance, então. Algumas noites depois, uma
jovem ligaria para a Estação de Resgate de Chatham procurando um
cavalheiro chamado Webb. A mulher tinha o nome errado, mas
encontrou o homem certo. Bernie pegou o telefone e começou a
conversar com a jovem misteriosa, que não lhe dissera seu nome nem
nada sobre si mesma. Ela alegremente contara que já o havia visto antes
e que sabia quem ele era. O jogo duraria por várias conversas telefônicas
mais, e a curiosidade de Webber só crescia. Durante suas longas
conversas ao telefone, ele achava estranho que ela o interrompia
constantemente. “Espere um segundo”, dizia ela, antes de abandonar a
linha por alguns momentos. O mistério foi resolvido quando a mulher
finalmente disse a Webber que era operadora de telefonia na cidade
vizinha de Wellfleet. Na verdade, ela havia sido a operadora que
completara o telefonema de Webber a sua namorada na noite em que
seu carro quebrara a caminho de Provincetown. “Com o passar do
tempo, descobri que ela também era loira e, aparentemente, tinha outras
características que despertaram meu interesse”, escreveu Webber em sua
autobiografia, em 1985, Chatham: the lifeboatmen. Bernie pediu o
telefone da garota, mas, para sua surpresa, ela negou. Isso aconteceria
diversas vezes, até que Webber, frustrado, deu-lhe um ultimato: “Ou
nós nos encontramos”, disse, “ou não me ligue mais”.
A mulher misteriosa finalmente cederia, sob a condição de que fosse
um encontro duplo. Webber e seu amigo, Mel Gouthro, foram com o
Plymouth até a farmácia de Bob Murray, em Main Street, Wellfleet. Era
uma noite fria de janeiro, mas Bernie suava de ansiedade. Ele entrou na
farmácia e viu duas moças, uma atrás do balcão e outra sentada em um
banquinho. Nenhuma das duas se encaixava na descrição de sua mulher
misteriosa. Perguntou à moça atrás do balcão se havia visto uma garota
chamada Miriam. A mulher apontou para uma cabine telefônica na
extremidade da loja. Webber ficou em silêncio, enquanto a porta da
cabine se abria para dentro e de lá saía a desconhecida com quem teria
seu encontro às escuras. Miriam usava um grande casaco de pele que
podia esconder seu corpo, mas não sua beleza. O robusto Webber ficaria
maravilhado. O primeiro encontro levou a alguns beijos, e o segundo a
conhecer os pais dela, Otto e Olga Pentinen, cordiais finlandeses que
imigraram para os Estados Unidos, alguns anos antes. O romance-
relâmpago daria um grande passo à frente apenas dois meses depois,
quando o casal estava no velho Plymouth, estacionado em Nauset
Beach. “Quer se casar comigo?”, perguntaria Miriam a um Bernie
assustado. Webber claramente foi pego de surpresa. A única resposta
que lhe veio à cabeça foi “Não”, exatamente o que acabou deixando
escapar. Destemida, Miriam disse: “Muito bem, então me leve para
casa”. Atordoado, Webber começou a voltar para a casa dos pais dela.
Ele parou na calçada da casa de estilo Cape Cod e clareou as ideias.
Sabia que a amava e que não queria perdê-la. Webber estacionou o
carro e se voltou para Miriam: “Tudo bem”, disse. “Tudo bem?”, ela
perguntou. “Tudo bem, vou me casar com você.” Ele fez uma pausa,
esperando que ela pulasse em seus braços. Em vez disso, ela perguntou:
“Quando?”. Webber, realmente confuso, disse a Miriam que marcasse a
data. “Em 16 de julho”, responderia ela de pronto.
O casamento ocorreria em 16 de julho de 1950, na casa da família
Webber, em Milton, Massachusetts. O pai de Bernie, reverendo A.
Bernard Webber, realizou a cerimônia. Os recém-casados se mudaram
para um pequeno apartamento no último andar de um edifício, ao lado
de uma fábrica de cortinas, em Wellfleet. Bernie mal veria sua esposa
durante os primeiros meses de casados. Ele passava dez dias seguidos na
estação de salvamento e só dois em casa. O casal percebeu quase de
imediato que isso teria de mudar. Mais tarde, eles se mudaram para uma
casa espaçosa, perto da Estação de Resgate Chatham, pois Bernie
poderia se esgueirar para casa com mais frequência e passar mais tempo
com Miriam. A Guarda Costeira não pagava o suficiente para que o
jovem casal pudesse viver, de modo que Miriam arranjou um emprego
na First National Store para ajudar a pagar as contas. O casal havia
construído uma vida juntos em Chatham e Bernie Webber tinha muito a
agradecer. Contudo, sua felicidade conjugal estava ligada a um trabalho
perigoso, e isso tinha um preço.
Enquanto a tripulação remava para o porto, Webber avaliou a
cg36500, que parecia olhar para ele na distância. Muito se esperava
daquele barco de salvamento de madeira. A vida de seus três tripulantes,
a de quem ainda estivesse vivo na popa do Pendleton e a dos futuros
filhos que pretendia ter com Miriam dependiam da cg36500. Está pronta
para o desafio, minha velha?, pensou. Igual a todos os barcos de
salvamento em forma e tamanho, a 36500 havia sido construída no
estaleiro da Guarda Costeira em Curtis Bay, Maryland. O estaleiro
produzira 138 barcos de 1937 a 1956. A lancha estacionada em Chatham
fora construída em 1946; tinha apenas cinco anos e estava no auge.
Tinha 36 pés e oito polegadas de comprimento, boca máxima de dez pés
e calado de três pés. O barco pesava sólidas nove toneladas e podia se
desvirar e drenar a água sozinha, graças a sua quilha de bronze de uma
tonelada. A embarcação de duas extremidades havia sido projetada para
suportar praticamente qualquer coisa que a Mãe Natureza pusesse em
seu caminho, mas Bernie imaginava se seus construtores haviam
contemplado a possibilidade de um furacão de inverno como o que
agora açoitava a costa da Nova Inglaterra.
As embarcações de salvamento haviam evoluído muito desde sua
criação, em 1790, em South Shields, Inglaterra. Um ex-aprendiz de
carpintaria e construção naval, chamado Henry Greathead, projetara o
primeiro barco de salvamento de trinta pés com seis pares de remos, o
que exigia doze remadores. A embarcação não tinha leme; em vez disso,
trazia um longo remo direcional que podia ser acionado da direita para a
esquerda. A invenção de Greathead nascera de uma grande tragédia. Em
1789, o navio Adventure encalhara em Herd Sands, um perigoso banco
de areia além de Tynermouth, Inglaterra, perto da casa de Greathead,
em South Shields. Embora o navio pudesse ser visto da praia, todos os
tripulantes morreram, porque não havia barcos adequados para fazer um
resgate bem-sucedido naarrebentação. Após o desastre, as autoridades
britânicas ofereceram uma recompensa para o melhor design de bote
salva-vidas, e a invenção de Greathead venceu a competição. O design
do barco continuou evoluindo ao longo do tempo e, cem anos depois, a
embarcação salva-vidas padrão era uma Ryder de 35 pés que carregava
uma tripulação de três homens e dez remadores. As embarcações de
salvamento começaram a aparecer nos Estados Unidos por volta de
1851, quando voluntários remaram surfboats de 26 a trinta pés em
missões de salvamento de marinheiros encalhados. A primeira
embarcação motorizada chegou em 1899, quando os homens da estação
da Marquette Life Saving, no lago Superior, acoplaram um motor a gás
em um barco de salvamento de 34 pés. Em 1908, botes salva-vidas de 36
pés estavam a serviço em postos de todos os Estados Unidos, incluindo
cinco em Massachusetts: em Gloucester, Hull, Provincetown,
Cuttyhunk e Monomoy, em Chatham. Em 1952, o design do barco
havia sido aprimorado, mais uma vez. A versão mais recente era a do
barco de salvamento motorizado h-Series, projetado com um casco
duplo e o compartimento do motor fechado a meia-nau, chamado
Modelo t.
Webber e sua tripulação finalmente chegaram à cg36500 e subiram a
bordo. Amarraram na boia o douro, um barquinho usado para
transportar tripulantes ao navio maior, e seguiram rumo à árdua jornada
pela frente. Webber, Fitzgerald e Livesey estavam familiarizados com a
cg36500. Livesey a havia conduzido ida e volta algumas vezes para
abastecer os navios-faróis Pollock Rip e Stonehorse, a cerca de uma
milha (1,6 quilômetro) da costa. Ainda assim, Livesey sabia quem era o
chefe, e pôs-se de lado quando Webber assumiu sua posição na cabine
do timoneiro. A tripulação partiu do píer de pesca de Chatham, às
17h55. O céu havia ido de cinza-carvão a preto-piche. As luzes em terra
iam diminuindo, conforme os quatro homens seguiam caminho,
atravessando o porto de Chatham. A tripulação podia ver as ondas que
quebravam em North Beach. Cada homem avaliava as possibilidades
que tinham de passar pelo Chatham Bar. Webber amarrou uma longa
cinta de couro em sua cintura e a prendeu à cabine. A cg36500 virou no
canal, onde os homens encontraram o feixe de varredura do Farol de
Chatham. A distância, Webber podia ver as luzes brilhantes e ofuscantes
do edifício principal. O que está acontecendo lá dentro?, pensou. Por um
momento, rezou para receber uma chamada pelo rádio ordenando-lhe
que voltasse atrás. Webber pegou o rádio e chamou a estação, dando
informações atualizadas a Cluff e esperando uma mudança nas ordens.
“Prosseguir conforme instruções”, respondeu Cluff, com seu sotaque da
Virgínia. Webber e sua equipe seguiram em frente. Já estavam lutando
contra o frio intenso; seus pés cansados pareciam blocos de gelo dentro
de suas galochas de borracha afiveladas. Chegando ao fim do porto de
Chatham, os homens ouviram os rugidos na barra de areia, onde as
ondas que quebravam criavam hectares de espuma branco-amarelada.
Não vai ser uma boa viagem, pensou Richard Livesey consigo. À medida
que o barulho tumultuoso na barra de areia ia ficando mais alto, Livesey
tinha a nítida sensação de que estava passando seus últimos minutos na
Terra e esperava morrer quando a 36500 batesse no Chatham Bar. Andy
Fitzgerald, que controlava o holofote montado na frente do
compartimento em forma de casco de tartaruga, também sentiu medo
quando o bramido torturante das ondas se tornou maior. Ele depositava
sua fé na experiência de Bernie e na construção da 36500, que sempre
lhe parecera como um tanque flutuante: lento, mas muito navegável, em
qualquer tempo. Nesse momento, o pequeno tanque era a única coisa
que se interpunha entre ele e o oceano gelado.
Quando foram se aproximando, o holofote iluminou parcialmente os
baixios da barra de areia e os quatro homens tiveram um vislumbre do
que tinham à frente. Webber não podia acreditar na altura das ondas e
em como seu barco parecia menor que nunca. Assustado e quase
morrendo de frio, viu-se forçado a tomar uma decisão que poderia
muito bem custar a vida de seus tripulantes. Volto? Sigo em frente? O que
faço agora? Bernie sabia que não seria criticado por voltar atrás. Por que
aumentar a tragédia enviando mais quatro homens para a morte, no
Chatham Bar? Em conflito, voltou seus pensamentos para os homens
que estava tentando salvar. Em sua mente, Bernie imaginou a tripulação
do Pendleton presa dentro do caixão de aço gigante. Webber
compreendeu que ele e sua equipe eram sua única esperança.
Os pensamentos de Webber voltaram para dois anos antes e outra
tentativa de resgate feita em condições igualmente perigosas. Ficara tão
assombrado pela tragédia que quase podia ver o rosto daqueles homens
esquecidos na crista de cada onda crescente. Como a tripulação do
Pendleton, a equipe do pesqueiro William J. Landry, de New Bedford,
também havia ficado presa em uma terrível tempestade Nor’easter que
ocorrera no início da primavera de 1950, mostrando que o inverno não
tinha a intenção de liberar a Nova Inglaterra de suas garras. A neve
pesada caía como uma cortina sobre Cape Cod, acumulando-se até a
altura de vinte centímetros em algumas áreas, e a ira da tempestade era
agravada ainda mais por ventos de mais de cem quilômetros por hora e
o mar agitado. O William J. Landry, que recentemente havia gastado 40
mil dólares em reparos, fora inundado pelas águas quando tentava
contornar Monomoy, em direção a Nantucket Sound. A tripulação
trabalhara febrilmente, tirando baldes de água do mar pela amurada do
pesqueiro de arrasto de casco de madeira. Durante a tormenta, o capitão
Arne Hansen conseguira enviar um pedido de socorro, que fora
recebido pelo navio-farol Pollock Rip e retransmitido para a Estação de
Resgate de Chatham.
Um plano de resgate foi rapidamente traçado; exigiria as habilidades
e a coragem da tripulação do navio-farol e dos guardas costeiros em
terra. A estratégia contemplava dois cenários prováveis. Se o pesqueiro
de arrasto que estava naufragando conseguisse chegar ao navio-farol, a
tripulação do Pollock Rip mandaria uma sirga para amarrar o navio,
prendendo o cabo nas duas proas. Em seguida, a equipe lançaria bombas
portáteis na esperança de controlar a inundação. Ao mesmo tempo, a
Estação de Chatham enviaria uma equipe na lancha de salvamento para
levar os homens de volta à costa ou para ajudar o Landry, se o pesqueiro
de arrasto não conseguisse chegar ao farol. O plano parecia simples, até
que o destino interveio. A tripulação do Pollock Rip estava com muita
dificuldade de realizar sua tarefa, visto que o navio-farol rolava e puxava
constantemente no vendaval furioso. Um homem quase fora jogado ao
mar durante a tentativa de tirar a sirga no convés externo do navio-farol.
O desafio era o mesmo para os homens em Chatham. Bernie Webber
fazia parte de uma equipe de quatro homens liderados pelo marinheiro
veterano Frank Masachi, então contramestre chefe da Estação de
Chatham. Eles receberam a ordem de pegar a lancha de salvamento
36383, que estava atracada no porto de Stage, mas só chegar até a
embarcação mostrara-se uma luta de vida ou morte. O normalmente
tranquilo porto de Stage estava coberto por um manto de espuma
ameaçadora, nítido aviso para que os homens sensatos ficassem em
terra.
Webber e os outros dotaram o pequeno douro de cavilhas para fixar
os remos e o arrastaram para a beira d’água. Empurraram o barco e, em
seguida, ajudaram-se a entrar a bordo. Webber e Gouthro pegaram os
remos e começaram a batalha contra o mar turbulento, enquanto
Masachi e Ballerini tentavam se acalmar no barco. O pequeno douro
começara a encher quase imediatamente, conforme se esforçava para
chegar à cg36383. Teria sido muito mais fácil se houvessem escolhido a
cg36500 para a missão, porque o barco estava atracado no porto velho e
mais perto de seu destino final, mas os superiores de Webber achavam
que a 36383 teria mais condições denavegar naquela poderosa
tempestade. No entanto, a cg36383 não teria chance de provar sua
suposta superioridade sobre a cg36500. O douro viraria, jogando
Webber e os outros na água de gelar os ossos antes que pudessem
alcançar a lancha de salvamento. Os homens foram atingidos pelo
choque repentino do oceano gelado, mas o pânico inicial logo diminuiu
quando seu treinamento instintivamente falou mais alto. Os guardas
costeiros se livraram de suas botas pesadas e se seguraram na parte
inferior do barco virado. Graças ao treinamento, sabiam que nadar seria
inútil naquelas condições brutais, porque esse tipo de esforço físico faria
o corpo perder calor com muito mais rapidez que ficando parado. A
equipe montara as ondas de volta à costa quando o douro encalhara na
ilha de Morris, em frente ao porto de Stage. Webber e outros homens
esperavam encontrar refúgio em uma velha garagem de barcos, mas,
lutando contra a dormência e o frio que lhe subia pelas pernas, Frank
Masachi se recusara a desistir da missão. Masachi era um homem que
inspirava o respeito de Bernie Webber, o mais jovem guarda costeiro.
Ele ordenara a seus homens que voltassem ao douro de dezenove pés,
encontrassem os remos e retomassem a viagem rumo à cg36383. Seu
valente esforço fora em vão novamente; dessa vez, as cavilhas dos remos
estouraram, o barco emborcou e, de novo, lançou os homens à água
gelada. Mais uma vez, os homens conseguiram voltar à ilha de Morris,
onde, por fim, optaram por ficar aquecidos dentro da garagem de
barcos.
A tripulação esfregava braços e pernas doloridos, ligando o velho
gerador Kohler movido a gasolina, enquanto Frank Masachi girava o
magneto do telefone antiquado, conectando-se com o pessoal da
Estação de Chatham. Masachi comunicou sua situação terrível, e foi
então que lhe disseram que o William J. Landry ainda estava à tona, mas
com muita água dentro, aproximando-se do navio-farol Pollock Rip.
Dois outros barcos da Guarda Costeira também se juntavam à operação
de resgate: a embarcação guarda-costas Legare, de 125 pés, e o
Hornbeam, navio-balizador de 180 pés. Os barcos provinham de
Buzzards Bay e Woods Hole, respectivamente, a cerca de cinquenta
milhas (oitenta quilômetros) de distância. Naquelas condições brutais,
levaria horas até que qualquer barco chegasse perto do Landry.
Contudo, Arne Hansen e sua tripulação ainda estavam vivos, e essa
pontinha de esperança pareceu energizar Frank Masachi; ele disse a seus
homens que fariam uma terceira tentativa de chegar ao bote salva-vidas.
Webber e os demais homens arranjaram alguns cabos de vassoura e os
cortaram para substituir as cavilhas quebradas. Os homens cansados e
congelados andaram com suas pernas doloridas de volta para a praia e a
água gelada. Foram virados de ponta-cabeça uma terceira vez quando os
remos quebraram e a embarcação emborcou, lançando-os de novo no
mar escuro. Eles lutaram mais uma vez para voltar à ilha de Morris,
cientes da dura realidade de que não estariam por muito mais tempo em
condições de ajudar a resgatar a tripulação do Landry. Naquele
momento, os homens de Chatham precisaram resgatar a si mesmos dos
elementos naturais que quase os mataram três vezes.
Masachi guiou seus homens por um canal entre a ilha de Morris e
Chatham, onde a maré estava baixa; pelo menos era o que acreditavam.
A água parecia quente quando a equipe começou sua longa caminhada
para atravessar o canal, mas a forte corrente que pressionava contra suas
pernas dormentes quase os derrubava a cada passo. Os homens
prosseguiram; a água foi ficando mais profunda — muito mais profunda
do que eles poderiam ter imaginado. Já cobria o pescoço de Webber,
contornando seu queixo. Ele e Mel Gouthro eram os mais altos da
equipe, de modo que tiveram de enfrentar a tarefa de atravessar Frank
Masachi e Antonio Ballerini. Durante a volta à estação, Masachi ainda se
recusava a admitir a derrota. Para grande desânimo de Webber e dos
outros jovens, Masachi e Alvin E. Newcomb, na época oficial
encarregado da Estação de Chatham, discutiram possíveis planos de usar
a cg36500 para chegar ao Landry. A equipe, exausta, voltara para a
estação e se arrastara para a sala de sentinela, onde foram imediatamente
atualizados sobre a situação do Landry. O rádio captara uma transmissão
entre o pesqueiro de arrasto e o navio-farol Pollock Rip. O capitão do
Landry, Arne Hansen, informara que seu navio estava a
aproximadamente meia milha (oitocentos metros) de distância do farol,
mas que a água estava subindo e tomava o navio, apesar dos melhores
esforços de sua equipe. O capitão do navio-farol, Guy Emro, dissera ao
capitão do Landry que sua equipe estaria pronta com a sirga quando o
pesqueiro de arrasto chegasse mais perto. Hansen, que temia que o uso
de um cabo de reboque em mar tão bravio pudesse rasgar seu navio ao
meio, percebeu que não tinha mais escolha e seguira em direção ao
navio-farol.
Ainda havia uma chance de salvar os homens. Depois de dar a seus
homens alguns minutos para se aquecer e trocar de roupa, Masachi os
enviou a Old Harbor, onde a cg36500 estava à espera daquela que seria
uma quarta tentativa de resgate. Nesse momento, a tripulação a bordo
do navio-farol Pollock Rip finalmente avistava o Landry. Essa era a boa
notícia. A ruim era que a tempestade estava se intensificando e as ondas
ficavam cada vez mais altas. Enquanto a tripulação do Landry tentava
pegar a sirga do navio-farol, uma poderosa onda fez as embarcações se
abalroarem, danificando ainda mais o pesqueiro de arrasto. Depois de
24 horas lutando pela vida, a tripulação do Landry estava física e
emocionalmente acabada. O capitão anunciou que não haveria mais
tentativas de amarrar o barco ao farol Pollock Rip. Em vez disso, a
tripulação do Landry depositaria suas fracas esperanças nos homens de
resgate marítimo de Chatham. O capitão Emro, do navio-farol,
confirmou a escuta da decisão do capitão Hansen pelo rádio e recebeu
uma resposta preocupante. Emro ouviu as palavras “Ah, meu Deus” e
em seguida, mais nada. Uma fração de segundo depois, o mundo de
Emro viraria de cabeça para baixo com a força de uma onda monstruosa
que fez o navio-farol girar completamente. Enquanto tentava recuperar
o rumo, Emro recebeu uma última mensagem do Landry. O capitão lhe
informava que a sala de máquinas estava inundando e que haviam
desistido de lutar. A última onda havia sido um punhal no coração da
tripulação. “Vamos descer para rezar e comer alguma coisa”, relatou o
capitão, esgotado. “Se morrermos aqui, será de estômago cheio. Adeus,
e obrigado. Deus abençoe a todos vocês.” Guy Emro reportaria a notícia
à estação de Chatham e depois observaria as ondas engolirem o William
J. Landry inteiro. Os corpos da tripulação nunca foram encontrados,
mas os destroços do pesqueiro condenado, posteriormente, chegaram à
costa de Nantucket.
A tragédia deixara um gosto amargo na boca de Bernie Webber,
assim como a loucura que se seguiu. Oficiais da Guarda Costeira
chegaram de Boston para questionar e criticar todos os envolvidos no
resgate fracassado. Se pudessem ter visto o olhar determinado de Frank
Masachi naquela noite, os superiores da Guarda Costeira teriam sabido
que todo o esforço possível fora feito para salvar os homens do Landry.
Frank Masachi havia sido movido por algo além do valor da coragem
humana durante as horas escuras de 7 de abril de 1950.
Nesse momento, menos de dois anos depois, seu protegido
enfrentava um desafio similar, desesperador. Estaria Bernie Webber
preparado para levar sua tripulação ao limite e além, até os homens
presos no Pendleton?
Quando olhou para o sinistro Chatham Bar, Bernie Webber teve
uma epifania. Acreditou que a Providência o havia colocado nesse
tempo e nesse lugar. Pensou na vontade de ferro de Frank Masachi e
também relembrou os milhares de sermões que havia ouvido seu pai
proferir durante a infância. Todos haviam servido para prepará-lo para
isso. Imaginou a decepção nos olhosde seu pai quando ele deu as costas
para o ministério, em sua juventude sem rumo. O reverendo Webber
queria que seu filho mais novo servisse a Deus. E Bernie acreditava que
estava servindo a Deus nessa noite de tempestade. Mais tarde, ele
recordou a sensação. “Você recebe a força e a coragem e entende qual é
seu dever. Você percebe que tem de tentar um resgate. Isso nasceu em
você; é parte de seu trabalho.”
À medida que o barco de salvamento se dirigia ao desfiladeiro de
ondas, Webber e sua equipe começaram espontaneamente a cantar.
Cantavam com uma combinação de determinação e medo, atravessando
a neve e as geladas águas que espirravam do mar. A voz dos quatro
formou uma harmonia que foi crescendo através dos ventos uivantes.
Bernie não poderia imaginar nenhum hino mais pungente para a
situação em que se encontravam.
Rock of Ages, cleft for me,
Let me hide myself in Thee;
Let the water and the blood,
From Thy wounded side which flowed,
Be of Sin the double cure;
Save from wrath and make me pure.
Not the labor of my hands,
Can fulfill Thy law’s demands;
Could my zeal no respite flow;
All for sin could not atone;
Thou must save, and Thou alone.
Nothing in my hand I bring,
Simply to the cross I cling;
Naked, come to Thee I dress;
Helpless look to Thee for grace;
Foul to the fountain fly;
Wash me, Savior, or I die.[a]
O canto foi diminuindo e os homens ficaram em silêncio, enquanto
Webber pilotava a cg36500 rumo ao Chatham Bar. O holofote cortava a
neve e as trevas, e Andy podia ver — e sentir — que as ondas provinham
de todas as direções. Ele se preparou para o abalroamento, que sabia que
viria.
Quando chegaram à barra de areia, a pequena embarcação cortou
uma gigantesca onda de quase dezoito metros de altura. Os tripulantes
sentiram como se estivessem dirigindo em alta velocidade para uma
imponente parede de concreto. Uma montanha de água brutalmente
fria levantou a cápsula de madeira, lançando-a no ar como se fosse um
brinquedo. Todos os homens voaram temporariamente.
O barco e os homens desabaram de volta sobre a dura superfície do
mar, mas, de repente, outra onda enorme os atingiu. Dessa vez, uma
torrente de água caiu sobre a tripulação, derrubando-os no convés. A
onda violenta quebrou o para-brisa, lançando fragmentos afiados de
vidro no rosto e no cabelo de Webber quando ele caiu para trás.
A onda havia feito a cg36500 girar completamente e sua proa estava
de frente para a costa. Era a posição mais perigosa para o barco e a
tripulação. Webber se levantou e tentou guiar de volta rumo ao mar
antes que novas ondas os pegassem e os matassem. Tirou cacos de vidro
do rosto com uma das mãos e com a outra segurou firme o volante.
Com o para-brisa quebrado, os respingos de água do mar atravessavam a
cabine do timoneiro, bombardeando a carne de Webber e fazendo arder
suas feridas abertas. A neve açoitava seu rosto com tanta força que ele
mal conseguia abrir os olhos. Tentando se orientar, ele olhou para baixo,
onde deveria estar a bússola do barco. No entanto, a bússola —  seu
único meio de navegação —  havia desaparecido, arrancada de sua
estrutura. Bernie teria de confiar somente em seu instinto agora.
Às cegas, Webber apontou o barco para a próxima onda que se
aproximava. Quando ele foi atingido, Livesey teve a sensação de que o
pequeno bote salva-vidas estava sendo consumido pela parede de água
salgada. Podia sentir que o barco estava inclinado de lado, e, por um
segundo nauseante, perguntou-se se ele conseguiria se endireitar.
A onda libertou o barco de suas garras e Webber, usando toda a sua
força, mais uma vez o endireitou e acelerou, avançando alguns metros
preciosos. Poucos segundos depois, outra onda bateu na embarcação, de
novo fazendo-a inclinar em um ângulo de 45 graus.
Webber conseguiu retomar o controle do barco de salvamento. E
então, apesar do barulho do oceano, todos perceberam que faltava um
ruído. O motor havia morrido, e a próxima onda estava caindo sobre
eles.
capítulo 7
Mobilização em Chatham
Onde, afinal, estaria a poesia do mar, se não houvesse ondas selvagens?
joshua slocum, 1900
Em uma estranha coincidência, a primeira página do jornal The New
York Times de 18 de fevereiro de 1952 trazia um artigo sobre os navios
da Segunda Guerra Mundial, sem nenhuma relação com o drama que se
desenrolava na costa de Chatham. A matéria descrevia como “indivíduos
nacionalmente conhecidos” transformaram um investimento de 100 mil
dólares em um lucro de 2,8 milhões de dólares, comprando e fretando
cinco navios da Segunda Guerra Mundial. O subcomitê de investigações
do Senado daria início a audiências públicas referentes aos petroleiros e
à corrupção no governo. No entanto, as maiores notícias do dia
centravam-se na Guerra Fria, nas tensões políticas ao redor do mundo e
na crescente corrida armamentista. A Grã-Bretanha acabara de anunciar
que testaria uma arma atômica em um lugar na Austrália, enquanto
comunistas coreanos que participavam de negociações de trégua exigiam
que a União Soviética fosse uma das partes a policiar o acordo. O
general Dwight D. Eisenhower recebia mais poder da Otan, enquanto
França, Inglaterra e Estados Unidos consideravam um papel para a
Alemanha Ocidental na Organização. Enterrado no fundo do jornal,
entre anúncios de cursos de idiomas do Dale Carnegie e de um novo
filme chamado Uma aventura na África, estrelado por Humphrey Bogart
e Katharine Hepburn, havia uma breve menção de uma tempestade de
neve que assolava a Nova Inglaterra. Os dias de mensagens instantâneas
ainda não haviam chegado e, até então, as únicas pessoas bem
informadas acerca do duplo desastre com os petroleiros eram a Guarda
Costeira e os cidadãos de Chatham.
Ed Semprini havia acabado de encerrar um longo dia na cabine de
transmissão da estação de rádio wocb, em Cape Cod. O teletipo havia
transmitido em tempo real uma grande história de Nova York: Willie
“The Actor” Sutton havia sido capturado a poucos quarteirões da sede
da polícia no Brooklyn, terminando, assim, uma caçada de cinco anos ao
mais procurado assaltante de bancos dos Estados Unidos. Sutton havia
ganhado seu apelido por causa de sua tendência a usar disfarces
elaborados em muitos de seus roubos. O que fez dessa uma importante
história, na Nova Inglaterra, foi o fato de que o fbi queria interrogar
Sutton sobre o grande assalto ao edifício da Brinks, em Boston, que
ainda estava por resolver. A prisão de Sutton foi uma grande história,
mas não maior que a nevasca que estava causando estragos na região.
Semprini passou a maior parte do dia transmitindo cancelamentos de
aulas e as últimas destruições da neve. Quando, por fim, voltou para
casa, naquela noite, recebeu um telefonema de seu colega jornalista Lou
Howes, que trabalhava como correspondente para o Boston Post. “Nem
se dê o trabalho de se sentar para jantar”, aconselhou Howes. “Temos
um petroleiro que afundou em Chatham.” Antes que Semprini pudesse
responder, Howes acrescentou à gravidade da situação: “Não é um
petroleiro”, disse ele, “são dois!”.
Howes disse a Semprini que ia para a Estação de Resgate de
Chatham. “Pode me dar uma carona?”, perguntou Semprini, “eu vou
com você”. Semprini desligou o telefone e, em seguida, ligou para seu
engenheiro, Wes Stidstone. “Pegue seu equipamento e me encontre em
Chatham”, disse Semprini. “Acho que temos uma grande história nas
mãos.”
A esposa de Semprini, Bette, ouvira a conversa e viu pela janela a
neve forte iluminada pelas luzes da rua. “Você tem de sair em uma noite
dessas?”, perguntou, com preocupação na voz. Semprini assentiu,
cansado, e, em seguida, colocou o casaco de lã e o chapéu, e se
perguntou o que a noite lhe reservaria.
Semprini crescera em Allentown, Pensilvânia, onde trabalhara para
um pequeno jornal semanal, antes de conseguir um emprego de
repórter no Cape Cod Standard Times, em 1940. “Parecia que estava em
outro planeta”, disse ele, sobre a mudança das usinas de aço de
Allentown paraos pântanos de oxicoco de Cape Cod. Hotéis exóticos se
alinhavam nas estradas cercadas de dunas ao redor de Cape Cod,
enquanto lojas bregas chamavam a atenção dos turistas que passavam
pela movimentada Route 28, a principal estrada de Bourne, na ponta de
Provincetown. Cape Cod era o playground de verão para os
trabalhadores, bem como para a nata da sociedade. Em nenhum lugar
isso era mais aparente que em Chatham, onde pequenos hotéis à beira-
mar partilhavam a vista para o mar com uma joia dourada, chamada
Chatham Bar Inn. Inaugurado em 1914, o hotel, com seu longo pórtico
que oferecia uma vista panorâmica de Pleasant Bay, atendia a algumas
das famílias mais proeminentes dos Estados Unidos: famílias de nomes
como Rockefeller, Morgenthau e Ford. O luxuoso hotel também servira
como refúgio para a família real holandesa, enquanto estava no exílio,
durante a Segunda Guerra Mundial.
Ed Semprini mal tivera tempo de molhar os pés em Cape Cod
quando, em março de 1941, fora convocado para lutar na Segunda
Guerra Mundial. Ele serviria no Exército dos Estados Unidos por cinco
anos, no China-Burma-India Theater, antes de retornar a seu lar
adotivo. Durante os anos seguintes, Semprini ficaria indo e vindo entre
Cape Cod e Pensilvânia, onde trabalharia brevemente em um jornal
diário, até se estabelecer definitivamente em Cape Cod com Bette, a
quem conhecera no tempo de Exército. Enquanto trabalhava na
Pensilvânia, Ed recebeu um telefonema de um amigo que estava na
rádio wocb. “Estou me mudando para a Califórnia”, ouviu. “Eles
querem construir a estação de rádio, e você conhece Cape Cod e as
notícias. Ligue para eles, se estiver interessado.” Semprini ligou e ali
nasceu sua carreira no rádio.
Lou Howes parou em frente à casa de Semprini e tocou a buzina
— ela e o motor pareciam ser os únicos instrumentos em bom estado de
funcionamento no velho Chevrolet surrado. Semprini ouviu o barulho e
atravessou a neve em direção a sua carona. Sentou-se no lado do
passageiro e esfregou as mãos frias na frente do aquecedor.
Rapidamente, percebeu que estava quebrado. Melhor que a viagem valha
a pena, pensou o jornalista, enquanto a lata-velha se afastava de sua casa
pela neve ofuscante.
Enquanto a nevasca chorava lá fora, Cape Cod inteira ficava em
casa, aquecida e reunida em volta do rádio, pois a notícia da missão de
resgate havia começado a se espalhar. Quem tinha rádio de ondas curtas
podia ouvir em tempo real a comunicação dramática entre a estação da
Guarda Costeira e as equipes de resgate. Os líderes da cidade de
Chatham foram notificados primeiro acerca do drama que se
desenrolava além de sua costa, durante a reunião de orçamento anual.
Lentamente, eles foram guardando as coisas e chacoalhando a neve de
seus casacos, quando foram informados da situação calamitosa em que
estavam os marinheiros. Os negócios da cidade teriam de esperar. O
fotógrafo profissional Dick Kelsey percebeu imediatamente a
importância do que estava acontecendo. Correu para casa e pegou sua
velha câmera Speed Graphic 4 × 5, dois flashes, vários filmes e se dirigiu
ao Fish Pier.
Se as equipes de resgate conseguissem voltar vivas, estariam geladas,
famintas e, possivelmente, muito doentes. Pediram ao alfaiate da cidade
que arrecadasse roupas quentes. O representante local da Cruz
Vermelha também foi alertado. Homens e mulheres comuns foram para
suas casas e começaram a preparar refeições quentes para os
marinheiros, na esperança de que conseguissem voltar. A população de
Chatham tinha sido criada no mar e sabia o que devia ser feito para
ajudar não apenas os marinheiros presos, mas também os homens que
estavam arriscando a própria vida para salvá-los.
Chatham dependia do mar, e esse fato remontava a seu fundador,
que havia comprado a terra com um barco. William Nickerson, um
tecelão de Norfolk, Inglaterra, fora o primeiro a se estabelecer ali. Em
1656, Nickerson oferecera uma chalupa ao cacique monomoyick,
Mattaquason, em troca de 6,5 quilômetros quadrados de terra
acidentada onde o inglês construiria sua propriedade. Para fechar o
acordo, Nickerson também desembolsou doze machados, doze enxadas,
doze facas e quarenta xelins em miçangas. Durante séculos, os
monomoyicks compartilhavam o baixo Cape, do rio Bass até
Provincetown, com duas outras tribos, os nausets e os sauquatuckets. As
fronteiras da tribo dos monomoyicks corriam ao longo do cotovelo de
Cape Cod, começando no Porto de Allen, em Harwichport, e
estendendo-se ao redor de Monomoy até o lado norte de Pochet
Highlands, em East Orleans. Os índios nausets controlavam tudo ao
norte desse ponto, ao passo que os sauquatuckets tinham sua principal
aldeia em Brewster e possuíam tudo do lado oeste. Mattaquason era o
cacique mais poderoso na área e permitira que Nickerson construísse
sua cabana perto da dele.
Nickerson, sem dúvida, aprendera com os erros cometidos por outro
homem branco, cinquenta anos antes. O explorador francês Samuel de
Champlain havia sido o primeiro europeu a visitar a área próxima ao
porto de Stage, em outubro de 1606. (O navegador britânico, capitão
Bartholomew Gosnold, baixara âncora brevemente nas águas de North
Chatham quatro anos antes, em 1602.) Para Champlain, a área oferecia
possibilidades ilimitadas, tanto que ele a chamou de Port Fortune. “Ao
longo da costa, observamos a fumaça que os índios produziam, e isso
nos fez decidir visitá-los”, escreveu Champlain em seu diário de bordo:
Aqui, há muita terra desmatada e pequenas colinas, onde os índios cultivam milho e
outros grãos, dos quais vivem. Também há vinhas muito finas, muitas árvores de
castanhas e nozes, carvalhos, ciprestes e alguns pinheiros [...] Seria um lugar muito
bom para situar e construir as bases de um Estado, se o porto fosse um pouco mais
profundo e sua entrada mais segura.
Champlain estava descrevendo o que mais tarde ficou conhecido
como barras de areia de Pollock Rip. As ondas que quebravam nas
barras de areia haviam danificado o leme de seu navio na entrada. Os
monomoyicks viram o grande navio à deriva no mar, pegaram suas
canoas a remo e foram até a embarcação de Champlain, instruindo a
tripulação francesa sobre como passar pelas perigosas barras de areia no
porto de Stage. Como escreveu Warren Sears Nickerson, historiador de
Cape Cod: “Os monomoyicks acolheram os franceses na costa e lhes
permitiram montar uma tenda para panificação [para abastecer de pão
os armários vazios do navio] e uma forja para consertar o ferro do leme
quebrado da embarcação”. Champlain ficara impressionado com a
hospitalidade e passara a admirar seus anfitriões, descrevendo-os como
“bem-proporcionados, de pele cor de oliva”. Os homens, bem como as
mulheres, usavam penas e colares de contas e andavam impecavelmente
vestidos com tangas de pele de cervo ou de foca. Suas tendas tinham um
grande formato circular e eram cobertas com grama densa ou grandes
palhas de milho. Os homens da tribo armazenavam suas provisões de
inverno em buracos cavados nas laterais de grandes dunas de areia.
Os dois lados fizeram permutas em termos amigáveis durante duas
semanas. Os índios ofereceram milho, feijão e peixe para trocar pelo que
houvesse a bordo do navio. Um dia, porém, uma provocação fez com
que a tripulação de Champlain abrisse fogo contra os monomoyicks,
dando início, assim, à batalha que os franceses chamam de luta em
Fortune. Quando a fumaça dos mosquetes por fim abaixou, três
franceses estavam mortos e vários outros gravemente feridos. Sete
monomoyicks também haviam tombado, tendo seu escalpo retirado por
Secondon, índio tarrantine e guia de Champlain. Sangrando, mas ereto,
um dia depois, Champlain fez um contra-ataque e tentou, sem sucesso,
capturar os índios e vendê-los como escravos. Os monomoyicks lutaram
bravamente e Champlain, enfim, capitulou, levantando âncora e
navegando para longe para continuar a explorar a costa atlântica.
Os índios do baixo Cape travaram escaramuças com tripulações
europeiasnas décadas seguintes, até que William Nickerson construiu
sua extensa propriedade, perto da cabeça de Ryder’s Cove. Ele havia
comprado a terra diretamente dos monomoyicks, sem a aprovação das
autoridades da colônia de Plymouth. A compra de Nickerson foi
contestada e só foi resolvida no tribunal dezesseis anos depois. O colono
inglês foi obrigado a pagar uma multa de 90 libras e teve de obter as
escrituras do cacique Mattaquason e de seu filho, John Quason.
Nickerson já possuía, então, mais de quatro mil hectares de terra; os
nativos norte-americanos tinham o restante. Imediatamente, ele
recorreu ao tribunal para incorporar Monomoit, como era então
conhecida, como cidade. O tribunal indeferiu o pedido, com o
fundamento de que ali não havia nenhum pastor residente. Monomoit
seria conhecido como um distrito com poder limitado até que tivesse
residentes suficientes para dar suporte a uma igreja. Nickerson dividiu a
terra entre seus filhos e, logo, outros colonos se juntaram a eles. A terra
era abundante, oferecia todos os benefícios agrícolas que Champlain
listara em seu diário de bordo. No entanto, também era inclemente. Os
fortes ventos costeiros eram um companheiro uivante constante para os
resistentes colonos, que isolavam suas pequenas casas com algas secas.
Eles construíam suas moradias com telhados baixos, para resistir a
furacões e tempestades de neve, e voltadas para o sul, para obter o
máximo de exposição ao sol. Em 1711, o assentamento receberia seu
primeiro pastor residente, o reverendo Hugh Adams. As vinte famílias
que o habitavam apresentaram uma segunda petição de incorporação. O
pedido foi carimbado para aprovação de Joseph Dudley, governador da
colônia de Massachusetts, sob a condição de que trocasse seu nome de
estilo indígena por um de sonoridade mais inglesa. Assim, Monomoit foi
rebatizada como Chatham, homenagem à cidade portuária da
Inglaterra.
Em meados do século xviii, os colonos de Chatham ainda
priorizavam sua colheita na terra, não no mar. Os agricultores
plantavam tabaco, centeio e trigo, embora, como para os monomoyicks
antes, seu principal alimento fosse o milho. A cultura do milho era tão
vital para a cidade que se aprovou uma lei que declarava que todos os
proprietários de terra tinham de matar os pássaros que comessem o
grão, três corvos ou doze melros por ano, e que suas cabeças deviam ser
entregues como prova aos membros do conselho municipal. Quem não
o fizesse era multado em cerca de seis shillings. Na época da Revolução
Americana, porém, a maré econômica de Chatham havia virado da
agricultura para a pesca. Os agricultores já plantavam menos milho,
porque a plantação contínua fora esgotando de nutrientes o solo outrora
fértil. Os homens de Chatham começaram a pescar peixes de águas
profundas, tão abundantes que pareciam saltar nas redes e nas linhas de
pesca. As águas além da costa de Cape Cod viriam a se tornar das mais
movimentadas rotas marítimas do mundo, perdendo apenas para o
Canal da Mancha.
Com a pesca chegaram os naufrágios. A Humane Society of the
Commonwealth of Massachusetts foi o primeiro grupo organizado a
oferecer ajuda aos homens náufragos, construindo cabanas em áreas
remotas da costa para servir de abrigo aos sobreviventes que chegassem
à praia. A primeira cabana de sobrevivência foi construída em 1807, na
ilha de Lovell, no porto de Boston. Mais tarde, o grupo ergueria a
primeira estação de salvamento da comunidade, em Cohasset, e
continuaria construindo estações de voluntários por toda a costa sul e,
por fim, em Cape Cod. A primeira cabana de Cape Cod, construída em
Stout’s Creek, em Truro, era mais adequada para o deserto que para a
praia. Estava equipada com uma chaminé e fora erguida em um local
onde a grama da praia não crescia. Não demorou muito para um vento
forte soprar a areia da fundação, fazendo a chaminé desmoronar e até a
própria cabana.
Em 1845, a sociedade tinha cerca de vinte estações salva-vidas
equipadas com barcos que pontilhavam a costa de Massachusetts.
Quatro anos depois, os voluntários membros de uma estação de
Wellfleet ajudaram a salvar a vida de dezenas de passageiros a bordo do
amaldiçoado navio Franklin. O navio de imigrantes havia partido de
Deal, Inglaterra, com destino a Boston, no final do inverno. Encalhara
perto da estação de Cahoon’s Hollow, onde o capitão Mulford Rich e
seu filho Benjamin estavam prontos para oferecer assistência. Eles
lançaram um bote salva-vidas e fizeram várias viagens até o navio
danificado. O jovem Ben conseguiu inclusive salvar um bebê, cuja mãe
havia perecido — ela foi um dos dez passageiros e vários tripulantes que
morreram naquele dia de frio intenso, no início de março de 1849. Nem
o mau tempo nem a pobre marinharia poderiam ser responsabilizados
pela tragédia. O destino daqueles que morreram fora decidido na
Inglaterra, semanas antes. Além de salvar um bebê, Ben Rich também
recuperou a valise do capitão, que havia chegado a terra. Nela,
encontrava-se uma carta dos proprietários do navio aconselhando o
capitão a destruir a embarcação antes de chegar à América. O Franklin
havia sido segurado por duas vezes seu valor. Posteriormente, os
proprietários foram acusados por seu esquema homicida, mas nunca
foram presos.
Em 1847, o Congresso finalmente tomou medidas para melhor
proteger os marinheiros, apropriando-se de milhares de dólares dos
contribuintes para construir estações salva-vidas ao longo de vastas
zonas costeiras dos Estados Unidos. Seriam necessários mais 27 anos
antes que as primeiras estações de salvamento autorizadas pelo governo
fossem erguidas em Cape Cod. Ao todo, nove estações foram
construídas, de Race Point, em Provincetown, à ilha de Monomoy, em
Chatham. Eram estruturas de madeira de dois andares, erguidas nas
dunas assoladas pelo sol, longe do alcance da maré alta e protegidas de
cheias. Pintadas de vermelho-escuro, tinham bandeiras de 18 metros
para torná-las facilmente reconhecíveis do oceano. As estações eram
providas de até sete guardas costeiros, de 1º de agosto a 1º de junho do
ano seguinte. O guardião da estação mantinha-se atento nos restantes
dois meses. Esse guardião ganhava 200 dólares por ano por seu trabalho,
ao passo que os guardas costeiros recebiam 65 dólares por mês. Cada
um deles, independentemente dos anos que já houvessem servido, era
obrigado a passar por um exame físico extenuante, no início de cada
nova temporada. O escritor J. W. Dalton descreveu a rotina semanal dos
guardas costeiros em seu livro, lançado em 1902, The life savers of Cape
Cod:
Na segunda-feira, a equipe deixava a estação em ordem. Na terça-feira, se o tempo
permitisse, a equipe treinava nas águas com o barco de resgate. Na quarta-feira, os
homens treinavam os códigos internacional e geral de sinais. Na quinta-feira,
treinavam com o aparato de praia e o breeches-buoy.[b] Sexta-feira, a equipe treinava a
reanimação de pessoas aparentemente afogadas. Sábado era dia de limpeza, e domingo,
dedicado a práticas religiosas.
A Estação de Chatham foi uma das nove estações de salvamento
originais construídas em Cape Cod, e sua patrulha cobria mais de
quatro milhas (seis quilômetros) de norte a sul. A estação era equipada
com quatro surfboats, um douro, dois carrinhos de carga e um cavalo,
chamado Baby, usado para transportar equipamento de salvamento da
praia para o navio com problemas.
A costa de Chatham era tão movimentada quanto perigosa. Os
marinheiros tinham de se preocupar não só com barras de areia mortais,
mas também com as armações de homens que tentavam roubar seus
pertences. Esses homens eram chamados de mooncussers e tentavam
desorientar os capitães e encalhar seus navios, acenando agressivamente
com uma lanterna nas dunas. Os bandidos das dunas, então, resgatavam
os marinheiros, mas tomavam seus bens. Os mooncussers tinham esse
apelido porque “amaldiçoavam” a Lua em noites de luar; eles só podiam
pôr em prática sua perigosa traição quando o céuestava feito breu.
Henry David Thoreau ficara fascinado com os misteriosos mooncussers
durante várias viagens que fizera para Cape Cod, entre 1849 e 1857.
“Logo conhecemos um desses vigaristas; um homem normal de Cape
Cod [...] de rosto descolorido e surrado pelo clima; dentre suas rugas,
não distingui nenhuma característica especial”, escreveu Thoreau:
Era como uma vela velha dotada de vida [...] sombrio demais para rir, duro demais para
chorar; indiferente como um molusco [...] ele estava à procura de destroços, registros
antigos [...] pedaços de tábuas e vigas [...] quando o diário de bordo era grande demais
para transportar, ele o cortava ali, onde a última onda o deixara, ou o fazia rolar por
alguns metros, indicando que era sua propriedade, fincando duas varas no solo e
cruzando-as acima do diário.
A tradição de rapina dos mooncussers prosseguiria por mais cem anos.
Na década de 1950, os restos de madeira de naufrágios antigos ainda
podiam ser encontrados nas praias de Chatham, desaparecendo e
reaparecendo nas areias movediças. Um morador local, de 82 anos, o
“Bom” Walter Eldridge, construíra uma casa com madeira retirada dos
destroços de dezessete navios diferentes que encontraram seu destino no
Chatham Bar.
Agora, os cidadãos de Chatham esperavam e rezavam para que a
36500 guiada por Bernie Webber e sua equipe não somasse suas costelas
de madeira e pranchas aos destroços causados pelas águas rugientes do
Chatham Bar.
capítulo 8
“Ele veio à tona, boiando”
Visto que cada morte nos diminui um pouco, sofremos a perda não tanto pela
morte, mas por nós mesmos.
lynn caine
Enquanto Chatham se mobilizava e Bernie e sua tripulação eram
açoitados no Chatham Bar, a Eastwind lutava ao norte, em direção às
metades partidas do Fort Mercer. A escuridão se fechava e o movimento
violento a bordo do barco era diferente de tudo o que o operador de
rádio Len Whitmore já experimentara. Contudo, nenhum tripulante
sentia a menor ansiedade em relação à própria situação. Anos de
treinamento davam frutos agora.
Embora o medo não fosse um fator na Eastwind, havia muita tensão;
a tripulação sabia que as tentativas de resgate do Short Splice até então
tinham sido frustradas. Len se perguntava se as duas metades do Mercer
permaneceriam direitas ou se continuariam na superfície até que a
lancha guarda-costas chegasse. Ele não abandonara os limites apertados
da sala de rádio desde as oito horas, e a tensão aumentava a cada hora.
No entanto, apesar dessa situação de ansiedade, houve um momento
mais leve. O capitão da embarcação guarda-costas estava na sala de
rádio, tentando entrar em contato com os donos do Mercer, quando, de
repente, um pombo saiu de trás de um dos transmissores e caminhou
casualmente pelo incrédulo capitão. Len não sabia onde se enfiar — era
seu pombo. Enquanto o barco estivera em Nova York, Len encontrara o
pombo com a asa quebrada e o levara discretamente a bordo, onde
planejava cuidar dele. O capitão olhou para cada homem ali na sala;
todos ficaram em silêncio. Len se preparou para ouvir o capitão exigir
saber quem havia levado o pássaro a bordo; mas, em vez disso, este
voltou para sua tentativa de entrar em contato com os proprietários do
Mercer, e Len suspirou, aliviado.
Len imaginava como os homens da metade partida do Mercer
estavam. Acreditava que se sentiam encorajados por saberem que a
Guarda Costeira ouvira seu Mayday e estava respondendo, o que, por si
só, não significava salvação. Apenas algumas semanas antes, em 9 de
janeiro de 1952, a tripulação do ss Pennsylvania, um navio cargueiro de
7 600 toneladas brutas, construído em 1944, aprendera essa verdade
amarga. Quarenta e seis tripulantes acordaram naquela manhã e se
encontraram em uma tempestade semelhante àquela pela qual o Mercer
e o Pendleton passavam. Em frente à costa de Washington, o navio
naufragou quando ondas de mais de treze metros de altura o açoitaram,
fazendo seu casco se dividir. Às 6h45, o capitão George Plover falou por
rádio com a Guarda Costeira, explicando que uma rachadura de cerca
de quatro metros havia surgido a bombordo do Pennsylvania e que a
água inundara a sala de máquinas. A plataforma de carga, que carregava
caminhões do Exército, soltara-se e batera no convés, rasgando as lonas
do postigo dianteiro. Plover chamaria a Guarda Costeira novamente,
dizendo que daria meia-volta e rumaria para Seattle. Outra comunicação
foi feita logo em seguida, dessa vez dizendo que estavam com problemas
na direção, aparentemente porque havia tanta água nos compartimentos
dianteiros que o leme saíra acima d’água. O navio estava em situação
Mayday. O Pennsylvania se manteve na superfície durante todo o dia e à
noite. A tripulação rezava para que o navio ficasse inteiro até o dia
seguinte, quando esperavam que a Guarda Costeira chegasse. Contudo,
às dez da noite, algo devastador aconteceria e o capitão Plover enviaria
uma última mensagem para dizer que toda a tripulação estava
abandonando o navio.
Nunca se soube exatamente o que aconteceu nos minutos seguintes
à última mensagem. Embarcações da Guarda Costeira, navios da
Marinha e aviões, mais tarde, chegaram à última localização conhecida
do Pennsylvania e, embora tenham procurado por dias, nem um único
membro da tripulação foi encontrado. Além disso, o próprio
Pennsylvania desaparecera. Somente um bote salva-vidas do navio foi
encontrado, emborcado. A Guarda Costeira concluíra, mais tarde, que
“em função das condições de vento, mar, casco fraturado e inundação, o
navio afundou antes que os botes salva-vidas pudessem ser lançados, de
modo que a tripulação não pôde abandoná-lo com sucesso”. Se isso for
verdade, é provável que enquanto os tripulantes embarcavam nos botes
salva-vidas, o Pennsylvania tenha rolado de lado e virado, jogando os
marinheiros no turbilhão do mar revolto. Talvez tenham estado a
poucos minutos de escapar da morte.
O relatório do inquérito da Guarda Costeira também concluiu:
Parece que o clima violento se somou à plataforma de carga à deriva, à inundação dos
compartimentos 1 e 2, à falha do sistema de direção e à consequente incapacidade de
governar o navio no mar revolto, e tudo isso contribuiu em maior medida para o
naufrágio do Pennsylvania que a falha estrutural.
Embora os eventos listados certamente tenham levado ao
desaparecimento da embarcação, é provável que nada disso ocorresse se
o casco não se houvesse rachado. O metal frágil foi o catalisador que
preparou o palco para o Pennsylvania afundar. Em muitos aspectos, a
tragédia do Pennsylvania espelhava a situação em Cape Cod. O
Pennsylvania era um Classe Liberty Ship convertido construído
apressadamente durante a Segunda Guerra Mundial para transporte de
carga para o front de guerra. Um suprimento constante de navios era
essencial para o esforço de guerra, especialmente no início da
deflagração, quando submarinos alemães afundavam navios norte-
americanos tão depressa quanto os Estados Unidos os podiam construir.
Assim, os Liberty Ships, como os petroleiros t-2, foram construídos da
maneira mais rápida possível. Isso significa que os cascos, feitos de aço
inferior, foram soldados em vez de rebitados, enfraquecendo-os ainda
mais.
O Pennsylvania fora, literalmente, uma morte anunciada, e tudo o
que se necessitava era o poder de uma tempestade oceânica para
provocar seu fim, assim como o do Pendleton e do Mercer.
Às 18h30 a embarcação guarda-costas Yakutat, comandada por J. W.
Naab, de Yarmouth, Maine, chegou à proa do Mercer. Além das ondas,
do vento e da neve, a escuridão também atrapalhava Naab. Nos céus,
um avião da estação aérea naval de Floyd Bennett Field, no Brooklyn,
Nova York, lançava sinais luminosos, fazendo o melhor possível para
fornecer um pouco de luz aos homens que trabalhavam embaixo.
Os homens do capitão Naab tentaram lançar cabos para o petroleiro,
mas o vento tornava a tarefa quase impossível. O tripulante da Yakutat,
Gil Carmichael, lembra como estavafrio quando ele ajudou a lançar os
cabos:
O capuz de minha parca ficava voando de minha cabeça, enquanto eu tentava atirar os
cabos até o Mercer. A certa altura, minha cabeça estava tão adormecida que esfreguei a
mão nela e senti algo. Era um grande amontoado de gelo, e, quando o puxei, uma
grande mecha de cabelo saiu junto. Contudo, estava tão gelado que eu nem senti.
Como os cabos ficaram aquém de seu alvo, o capitão Naab e sua
equipe deram início a uma dança perigosa, tentando aproximar mais a
embarcação guarda-costas da proa do Mercer. Enquanto manobravam
mais para perto, no entanto, Naab percebeu que a proa do Mercer subia
tão violentamente que as duas embarcações poderiam colidir; todos
poderiam morrer. O capitão decidiu se afastar, torcendo para que a
tempestade em breve diminuísse um pouco para tentar um novo resgate.
Durante cinco horas e meia a Yakutat ficou junto à proa do Mercer,
atenta a qualquer sinal de mudança.
Enquanto a Yakutat chegava ao local onde esperavam fazer um
resgate, a lancha de salvamento de 36 pés comandada por Ralph
Ormsby, que havia deixado Nantucket ao meio-dia, não estava tendo
tanta sorte. Ormsby e sua tripulação — Alfred Roy, Donald Pitts e John
Dunn — haviam passado as primeiras quatro horas da missão tentando
chegar ao Mercer, mas foram desviados em direção ao Pendleton
quando este foi descoberto. “Não conseguíamos ver nada”, disse
Ormsby. “Havia rajadas de neve e as ondas eram enormes.”
Quando a noite caiu, suas ordens mudaram mais uma vez, sendo
orientados a buscar segurança, provavelmente porque os oficiais
superiores perceberam que uma embarcação tão pequena montando
ondas em mar aberto por horas a fio poderia se tornar uma vítima.
Ormsby direcionou seu barco e sua tripulação congelada para o Pollock
Rip, uma embarcação estacionária utilizada como farol flutuante. Estava
entrando em uma das águas mais traiçoeiras da Costa Leste: o labirinto
de barras de areia em constante mudança entre Nantucket e o cotovelo
de Cape Cod. As marés causavam estragos nas águas rasas dali; a água se
movia para trás e para a frente entre Nantucket Sound e o mar aberto,
criando fortes correntes de retorno, ondas cheias de areia assustadoras,
mesmo em dias calmos. E agora, com ondas monstruosas, vento e
correntes, o pequeno barco de salvamento de Ormsby era jogado como
restos de um naufrágio. Se o barco virasse no meio das ondas, ele e sua
equipe morreriam em minutos — nenhum barco da Guarda Costeira
conseguiria alcançá-lo a tempo.
De alguma forma, Ormsby conseguiu conduzir sua embarcação
através do labirinto de barras de areia, e o capitão parou ao lado do
navio-farol. Alfred Roy posicionou-se na proa do barco de salvamento e
tentou lançar um cabo com um peso na ponta — chamado “punho de
macaco” — para a tripulação do farol. Assim que Roy lançou o cabo, a
lancha foi atingida por uma onda e Roy foi lançado pelos ares, batendo
o rosto nas tábuas de carvalho da proa. Ormsby tentou firmar o barco
atingido; Roy se levantou e jogou o cabo de novo. Dessa vez, a
tripulação do navio-farol pegou a outra ponta e a lancha ficou presa ao
navio maior. Os homens subiram a bordo, onde trataram da ferida no
supercílio de Roy.
A segunda lancha de 36 pés enviada mais cedo, comandada por
Donald Bangs, cumpria uma missão igualmente angustiante. Bangs e
sua tripulação quase não sobreviveram aos primeiros minutos de sua
jornada quando contornaram Monomoy Point e foram acertados por
uma enorme onda. O capitão pensou que se tentasse manobrar o barco
sobre as ondas, teria uma boa chance de que a proa subisse e, a seguir, a
popa, emborcando o barco de salvamento. Ele tinha só um minuto para
tomar uma decisão: ligou o motor e forçou sua pequena embarcação a
atravessar as ondas. Quando ele e seus homens saíram do outro lado,
estavam completamente no ar, e em seguida, em queda livre, bateram na
água abaixo.
Bangs tinha as ondas e os ventos contra si, mas havia uma coisa que
trabalhava a seu favor: a experiência. Embora houvesse nascido em
Somerville, uma comunidade sem litoral a apenas cinco quilômetros ao
norte de Boston, mudara-se ainda pequeno para Scituate, na costa sul.
Lá, passara tempo considerável no oceano e decidira, como havia feito
seu pai antes dele, ingressar na Guarda Costeira. Um ano depois de
concluir o Ensino Médio, em 1936, alistou-se na Guarda Costeira, e
ainda estava a serviço quando a Segunda Guerra Mundial estourou. A
Marinha dera bom uso aos guardas costeiros. Bangs passara a trabalhar a
bordo de um pequeno navio-tanque da Marinha, entregando diesel para
o Pacífico Sul. Enquanto esteve no Pacífico, sofreu dois tufões e viu
ondas com alturas que a maioria das pessoas nem poderia imaginar.
Contudo, nessa tempestade de fevereiro, ele não estava só tentando
salvar a vida dos homens no petroleiro partido; também estava
preocupado com a vida de sua equipe. Até então, sua missão fora não só
perigosa, como também frustrante. Ele e sua equipe haviam sido
originalmente enviados para ajudar o Mercer, mas quando chegaram ao
Pollock Rip, cerca de quatro horas antes, os homens do navio-farol lhes
disseram para virar e voltar para Chatham — dois objetos haviam sido
detectados no radar. Os homens do navio-farol não sabiam que estes
eram as metades do Pendleton; acharam que era o Mercer e, aos gritos,
disseram a Bangs que alguém deveria fazer um trabalho melhor de
navegação, deixando implícito que a Estação de Chatham o havia
enviado para o lado errado.
Donald Bangs era um homem calado, austero, mas até ele deve ter
expressado sua frustração por passar duas horas combatendo as águas
em direção ao Mercer, para depois ser informado de que precisavam ir
para um novo local. Como Ormsby e sua equipe, os homens de Bangs já
haviam sofrido muito. A cabine aberta de sua lancha não tinha
aquecimento, e os homens repetidamente se molhavam com a água e a
espuma das ondas. Ainda caíam neve e granizo, e as orelhas, os dedos, as
mãos e os pés da tripulação estavam dormentes de frio. As botas dos
homens estavam cheias de água, e o movimento do barco era tão
violento que eles não conseguiam esvaziá-las. Sua única proteção contra
a neve, a água e o vento eram suas capas, que estavam encharcadas.
A certa altura, um dos tripulantes gritou para seu capitão: “Será que
vamos conseguir?”. Bangs, atento à próxima onda, gritou em resposta:
“Como diabos vou saber? Eu nunca vi nada parecido com isso!”.
Lutando através do mar em direção a Chatham, Bangs soube pelo
rádio que os objetos no radar não eram o Mercer, e sim o Pendleton, e
que metade deste último estava bem próxima à posição de Bangs, perto
do navio-farol. Já era quase noite e o capitão diminuiu a velocidade do
barco de salvamento, ciente de que, na escuridão, poderia navegar direto
para o casco preto do Pendleton e morrer.
Em poucos minutos, ele viu a proa do Pendleton montando
assustadoramente as ondas, com a extremidade dianteira apontando para
cima na noite escura. A superestrutura e a ponte na parte traseira do
navio partido estavam inundadas pelo mar agitado, e a rampa coberta de
gelo da plataforma, desde essa extremidade até a ponta da proa, formava
um ângulo de 45 graus, aparentemente íngreme demais para alguém
escalar.
Bangs notou cabos que pendiam para fora do navio e temeu que suas
hélices se enroscassem. A proa estava inclinada a bombordo; Bangs
contornou lentamente o casco, à procura de algum sinal de movimento
ou brilho de uma lanterna. Acionou um sinal sonoro a intervalos curtos,
na esperança de que alguém aparecesse no convés. Tentou manter seu
barco parado, a favor do vento, e o capitão e sua tripulação ficaram
atentos a gritos dos marinheiros presos, mas era apenas o vento; a proa
parecia deserta.
Onde estão os tripulantes, perguntou-se Bangs. Foram lançados para fora
do navio? Pegaram os botes salva-vidas? Não havia absolutamente nenhuma
pista. A proa fraturada parecia um navio fantasma chafurdando no mar
violento, prontapara descer às profundezas a qualquer momento.
E assim a tripulação congelada de Bangs —  Ballerini, Haynes e
Ciccone — virou o barco em direção a Chatham, pensando que poderia
ajudar a localizar a popa do Pendleton. Estavam a mais de meio
caminho da popa quando o rádio estalou. O capitão do McCulloch
gritou que estava na proa do Pendleton e que acabara de ver uma luz
piscar — havia sobreviventes a bordo, afinal!
Pela terceira vez, Bangs estabeleceu um novo rumo, correndo o mais
que pôde em meio a ondas de pelo menos doze metros de altura, de
volta para a proa. Dessa vez, ele se aproximou ainda mais do casco, e
quando as cristas das ondas levantavam sua pequena embarcação, ele e
seus homens ficavam com o convés do navio avariado quase ao nível dos
olhos. Foi quando viram um homem solitário na ala estibordo da ponte.
“Vimos um homem em pé sobre a ponte”, lembrou Bangs. “Ele
estava gritando para nós, mas não conseguíamos ouvir uma palavra.
Aproximamo-nos e vimos que ele estava em pé na asa da ponte. O vento
e as ondas balançavam o navio em graus absurdos. Tentamos jogar um
cabo a bordo, mas tivemos de desistir. Então, vimos o homem pular ou
cair no mar. Ele veio à tona, boiando a uma distância de um barco e
meio de nós. E quando estávamos prestes a tirá-lo da água, a maior onda
da noite quebrou sobre nosso convés.”
Recuperando-se do golpe, o capitão usou seu holofote para tentar
encontrar o homem no mar agitado. No feixe da luz, Bangs o viu a
metros de distância, flutuando imóvel de costas. Em seguida, o homem
desapareceu. O mar simplesmente o engolfou, e sua luta pela vida
terminou. Bangs e sua equipe procuraram, circularam a noite toda, mas
não viram o homem de novo. De uma maneira inacreditável, os quatro
homens congelados da Guarda Costeira ficaram procurando
sobreviventes durante mais algumas horas, passando um total de 22
horas em mar tempestuoso.
Nenhum dos outros sete homens que se sabia estarem na proa do
Pendleton, incluindo o capitão Fitzgerald, jamais apareceu na borda do
navio, jamais disparou um sinalizador ou piscou uma luz; e concluiu-se
que haviam sido jogados para fora do navio muito antes de Bangs fazer
sua heroica tentativa de resgatar o homem que havia pulado.
Na proa do Mercer, o capitão Paetzel e sua equipe se desesperavam.
A frente da proa já estava completamente levantada para fora da água,
mas a parte traseira do casco, onde ele e sua tripulação se viam presos na
sala de mapas, sem aquecimento, afundava cada vez mais. Eles não
tinham luzes nem outro meio de responder aos sinais da Yakutat e,
lentamente, a sala se enchia de água. Pouco antes da meia-noite, eles
decidiram tentar passar da sala de mapas para o castelo de proa, onde
esperavam escapar da água que subia e encontrar equipamento de
sinalização. Para isso, no entanto, primeiro teriam de sair da sala de
mapas e seguir para o convés exposto, lavado de respingos, de neve e, às
vezes, do próprio mar. A portinhola da sala de mapas para o convés
ficava muito perto da extremidade afundada do casco, e o salto para fora
seria grande demais para arriscar pular. Assim, a equipe improvisou,
pegando várias bandeiras sinalizadoras e amarrando-as para criar uma
corda, que eles baixaram pela portinhola da frente da sala de mapas. Um
a um, os homens foram saindo, primeiro descendo pela corda feita de
bandeiras sinalizadoras e, depois, dando os passos mais angustiantes da
vida deles ao seguirem para a frente pela passarela gelada e ascendente.
O navio balançou e inclinou, e os homens correram para o castelo de
proa, enquanto a água branca espumante subia ao redor de seus pés. O
operador de rádio John O’Reilly — que havia se comunicado com Len
Whitmore pela manhã — escorregou, perdeu o equilíbrio e foi lançado
ao mar, desaparecendo no abismo revolto. Os outros oito tripulantes
conseguiram chegar com segurança ao castelo de proa; inclusive o
capitão Paetzel, que fora pego de chinelos quando o petroleiro se
dividira ao meio e fez a travessia com os pés descalços.
O capitão Naab, na Yakutat, havia visto os homens atravessarem a
passarela e sabia que os tripulantes do petroleiro estavam desesperados a
ponto de fazer qualquer coisa, de modo que decidiu que era melhor
fazer outra tentativa de retirá-los de lá. Manobrou seu barco a
barlavento do Mercer. Em seguida, seus homens amarraram vários botes
salva-vidas em fileira e os lançaram ao mar, deixando que o vento os
levasse para o petroleiro. Havia luzes e coletes salva-vidas em cada bote.
Na proa do Mercer, os sobreviventes viram os botes vindo em sua
direção. Era hora de tomar uma decisão — uma decisão terrível. Cada
homem tinha de fazer sua escolha imediatamente, o que poderia
significar a diferença entre a vida e a morte. Não havia ninguém para
dar-lhes orientação, garantia ou explicação sobre as chances que tinham,
porque ninguém sabia o que aconteceria. Se ficassem no navio
fraturado, corriam o risco de ele emborcar a qualquer momento,
levando-os para o fundo, prendendo-os na negra água gelada abaixo.
Contudo, saltar do navio tinha seus perigos, e um deles era a
possibilidade de que não caíssem dentro dos botes. E, se isso
acontecesse, simplesmente não sabiam o que o oceano faria com eles.
Talvez tivessem força para nadar até os botes e se salvar, ou talvez o mar
frígido os enfraquecesse de tal modo que eles não conseguiriam sequer
chegar perto dos botes, muito menos subir a bordo.
Três tripulantes julgaram que pular nos botes era sua melhor chance
de escapar vivos da tempestade. Arrastaram-se para a lateral do convés e,
um a um, atiraram-se ao mar em direção aos botes. Os três erraram os
alvos. O choque da água gelada tornou nadar uma tarefa quase
impossível e, embora eles tentassem chegar aos botes, ondas
montanhosas os venceram e eles desapareceram de vista. O capitão
Naab assistiu com horror aos vagalhões engolindo os homens.
Subitamente, um dos tripulantes do petroleiro, Jerome Higgins,
ainda a bordo do Mercer, viu que a Yakutat estava perto e fez uma
escolha fatal. Saltou pela borda, caiu na água e tentou nadar até o
guarda-costas. Na escuridão uivante, as ondas o arrastaram para longe e
em um curto instante ele desapareceu. Naab, não querendo testemunhar
mais afogamentos, afastou a lancha e desistiu, entendendo que uma
tentativa de resgate noturno seria suicida para a tripulação do petroleiro.
A melhor opção era esperar o amanhecer.
Mais tarde, Naab diria que ver os tripulantes pulando do navio e ser
engolidos pelo mar havia sido “o pior momento de minha vida”.
Apenas quatro homens permaneceram na proa fraturada do Mercer:
o capitão Paetzel, o comissário Edward Turner, o terceiro imediato
Vincent Guldin e o primeiro imediato Willard Fahrner. Amontoados
para se aquecer, os quatro ficaram ali em estado de choque, sem poder
acreditar que cinco companheiros estavam mortos ou morrendo
sozinhos no oceano congelante.
Os sobreviventes estavam molhados, por causa da travessia da
passarela, e a hipotermia e as queimaduras eram preocupações reais.
Eles rezaram e ajudaram o capitão Paetzel a esfregar seus pés
congelados. As ondas açoitavam o pedaço de metal onde navegavam e,
várias vezes, pareceu que a proa ia emborcar. Os homens estavam presos
ali — haviam visto o que acontecera com seus amigos que tentaram
abandonar o navio. Naab, na Yakutat, sentia-se impotente: “Não havia
nada mais que pudéssemos fazer, de modo que a operação foi
abandonada até que chegasse a luz do dia. Ficamos só rezando para que
o casco aguentasse”.
capítulo 9
Perdendo as esperanças: 
na popa do Pendleton
Medo. Enquanto não tiver coragem de perder de vista a costa, ninguém nunca vai
sentir o terror de ficar perdido no mar para sempre.
larry kersten
À deriva por quase catorze horas, os homens a bordo da popa do
Pendleton ainda tinham comida, água e aquecimento, e também poucas
esperanças. A tentativa de resgate do Fort Mercer estava em andamento,
mas a tripulação do Pendleton ainda nãoouvira nada no rádio sobre a
própria situação. O engenheiro-chefe Ray Sybert havia assumido como
capitão da popa e estava apavorado. Sentia-se assustado com a enorme
responsabilidade que lhe fora imposta e pela sensação crescente de que
ele e seus homens não voltariam para casa vivos. Apesar de Sybert já ter
navegado pelos sete mares do mundo, nesse momento ele se encontrava
em águas estrangeiras, em uma terra estranha. Mantendo a compostura
e escondendo o medo de seus homens, Sybert ordenou à tripulação que
apertasse os parafusos a ré para proteger o máximo possível os fracos
tabiques da extremidade posterior, e para manter a embarcação avariada
o mais longe da costa. A tripulação também passava dia e noite de
plantão no apito do navio, visto que a popa mantinha um pouco de
eletricidade. Os sobreviventes acionaram o apito durante doze horas
seguidas, sem nenhuma resposta.
Os homens, sem dúvida, haviam se aproximado muito mais uns dos
outros durante a provação, embora a imensa pressão começasse a afetar
todos. Wallace Quirey desejava ter sua Bíblia. Ele podia ouvir a voz
suave da mãe ecoando em sua mente. “Mantenha-a sempre com você”,
dissera-lhe. “Ela vai protegê-lo.” Quirey não era o único homem que
orava para que Deus os tirasse do inferno em que estavam. Fred Brown
também rezava para ser resgatado, mas o nativo de Portland, Maine,
também era um homem prático. Ele observava o entardecer na popa
que balançava. O céu estava ficando mais preto e era impossível ver
onde a água encontrava o horizonte. Tudo lhe parecia uma coisa só. O
respingo das ondas caía como chuva de balas de chumbo e Brown não
podia imaginar que alguém ou alguma coisa pudesse penetrar as ondas
violentas para resgatá-los. O ex-pescador havia passado por vendavais
ferozes em Casco Bay, tempestades que podiam levantar um navio fora
d’água, mas nunca havia imaginado que testemunharia ondas tão altas
de novo. Fred Brown sabia, no fundo do coração, que estava tudo
perdido. Em vez de encontrar a morte no convés do Pendleton, ele
decidiu ir para o convés inferior, no relativo conforto de seu beliche,
dizer adeus a sua família e esperar pelo fim.
Como a tripulação do William J. Landry, os homens do Pendleton
que haviam lutado com a tempestade não aguentavam mais. Homens
como Fred Brown se conformaram com o fato de que a morte poderia
estar a uma monstruosa onda de distância. Todos estavam sob enorme
estresse psicológico desde que o Pendleton se dividira em dois. Em
momentos assim, o corpo humano libera o combustível armazenado,
incluindo gorduras e açúcares, para obter uma explosão rápida de
energia. A frequência cardíaca e a pressão arterial de cada tripulante
haviam subido para levar mais sangue aos músculos. A reação fisiológica
do organismo ao estresse inclui a intensificação dos sentidos. A audição
dos tripulantes se tornara mais sensível e até o olfato mais apurado. Os
psicólogos chamam isso de “postura de proteção”, que permite que uma
pessoa comum enfrente perigos potenciais. No entanto, as pessoas não
podem manter esse elevado nível de alerta por longo tempo. Estresse e
ansiedade não liberados degeneram em desânimo e cansaço. E isso era o
que a tripulação do Pendleton devia estar enfrentando.
Um dos tripulantes manteve sua confiança, pelo menos
externamente. George Myers havia passado boa parte do dia disparando
foguetes para fornecer à costa a posição da popa. Myers era nativo de
Avella, Pensilvânia, cidade cuja principal atividade era a mineração de
carvão, a menos de uma hora de Pittsburgh. Myers era lubrificador e
cozinheiro de meio período, e, sem dúvida, curtia o sabor da comida que
ajudava a preparar. Pesava quase 140 quilos e era carinhosamente
conhecido pela tripulação como “Tiny”. Era um sujeito tão afável que
outro tripulante, um dia, havia dito que Tiny Myers era “o maior
homem da Terra”. Esse elogio havia sido feito por Rollo Kennison, de
23 anos, nascido em Kalamazoo, Michigan. Ele havia observado seu
volumoso amigo levantar o ânimo da tripulação durante grande parte do
dia e, agora, via Myers apontar seu sinalizador nos ventos escuros e
agitados. Myers lançou outro sinalizador e entregou a arma a Kennison.
“Guarde isto, garoto”, disse ele, com um sorriso. “Quero guardá-lo de
lembrança quando chegarmos à costa.”
Charles Bridges, de 18 anos, ia periodicamente para o convés, na
esperança de ver uma embarcação de salvamento se aproximar. Uma
dessas incursões quase lhe custou a vida.
A água havia congelado nas plataformas e, quando uma grande onda atingiu o navio,
perdi o equilíbrio e comecei a deslizar pelo convés. Não havia como parar. Vi que
minha última chance era me agarrar à borda do navio e que, se eu não conseguisse,
passaria por baixo dela, direto para o mar. Felizmente, consegui me segurar. Se
houvesse deslizado mais à frente, teria caído direto no mar onde o navio havia rachado.
Bridges lembra que se juntava periodicamente aos outros em volta
do pequeno rádio portátil no refeitório, ouvindo as comunicações da
Guarda Costeira:
De manhã e de tarde toda a conversa era sobre o Mercer; não havia menção ao nosso
navio. Por isso, entendemos que ninguém sabia de nossa situação. Tínhamos
esperanças de que a Guarda Costeira nos captasse no radar, mas, à medida que as horas
passavam, comecei a achar que todos estaríamos mortos antes que isso acontecesse.
Ele disse que seu ânimo estava no fim, por volta do meio da tarde.
Foi quando batemos em um banco de areia e paramos de derivar. Toda vez que uma
onda batia no navio, empurrava-nos mais alguns centímetros. Logo, o navio ficou
inclinado de um jeito bem ruim e os homens começaram a falar de baixar os botes
salva-vidas. Seguiu-se uma grande discussão sobre isso. Eu disse: ‘Vocês estão loucos se
pensam que eu vou entrar em um desses. Enquanto este navio flutuar, vou ficar aqui
mesmo’. Eu sabia que, se embarcássemos nos botes salva-vidas, provavelmente não
conseguiríamos nem nos afastar do navio. As ondas nos esmagariam contra o casco. E,
ainda que os botes saíssem de baixo do navio, onde estava a costa? Ninguém sabia a
que distância estava, nem sequer se a costa ofereceria algum lugar a que a água pudesse
nos levar. Mesmo com o convés inclinado, ninguém baixou bote nenhum.
O moral de Frank Fauteux estava igualmente baixo: “Esperamos o
dia todo por resgate e a tensão estava começando a tomar conta”.
Acrescentou Sybert: “Nenhum de nós ali estava em condições de
navegar e não havia nada que pudéssemos fazer, mesmo se
conseguíssemos”.
O intenso impacto da tempestade estava chegando às massas; os
jornais noturnos da segunda-feira informavam sobre os subsequentes
resgates no oceano, bem como as calamidades em terra. Na primeira
página do Boston Globe, uma matéria detalhava que a tempestade havia
matado quinze pessoas na Nova Inglaterra em diversos acidentes,
especialmente nas estradas cobertas de neve ou por ataques cardíacos
decorrentes do trabalho de retirá-la. Mais de mil motoristas ficaram
presos em seus carros em Maine Turnpike, desde que a tempestade
começara, na noite anterior. A polícia do estado organizara um esforço
de resgate de duas frentes, antes que a hipotermia matasse os motoristas.
Uma equipe de resgate liderada por uma escavadeira gigante foi para o
sul da Turnpike Maine, saindo de Portland, enquanto uma segunda
equipe, a bordo de um trem da Boston & Maine, rumou para o norte de
Dover, New Hampshire, em direção a Scarborough, Maine, até um
viaduto, a partir do qual os socorristas seguiriam a pé.
A tempestade havia sido uma surpresa, inclusive para o Serviço Na- 
cional de Meteorologia que, no domingo, previra um pouquinho de
neve; a edição de terça-feira do Globe trazia uma matéria intitulada: “O
que aconteceu? O pouquinho de neve virou nevasca”. A matéria passava
a explicar que três diferentes sistemas de baixa pressão se combinaram
na costa de Nova Jersey e se intensificaram sobre o oceano, enquanto
seguiam para o leste pelo nordeste.No entanto, a verdadeira surpresa
para os meteorologistas fora que a tempestade parara logo além de
Nantucket, permitindo que vomitasse sua ira hora após hora.
A tormenta despejara mais de cinco centímetros de neve no centro
do Maine e o Globe informava que “vinte mil estão ilhados em três
cidades do Maine”, explicando que Rumford, Andover e México
estavam separados do mundo exterior por montes de neve gigantes. A
comida e o combustível estavam acabando, e “buscam-se voluntários
para reforçar as já dobradas equipes de neve que trabalham com todos
os equipamentos disponíveis à mão, tentando retirar montes de 25 a 30
centímetros de altura”.
Na edição seguinte do jornal, o número de mortos em terra mais
que dobrara e o Globe relatava: “Nova Inglaterra está de joelhos hoje,
depois da pior tempestade de neve em anos. A tempestade Nor’easter
deixou em seu rastro milhões de dólares em danos e pelo menos 33
mortos”. Além das mortes em terra e as relacionadas com os dois
petroleiros, dois pescadores de lagostas morreram quando seu barco de
trinta pés naufragou no mar do Maine. Em terra e no mar, a fria mão
mortífera da tempestade pegara muitos no lugar errado na hora errada.
Também houve pessoas de sorte. Em Bar Harbor, Maine, três dias
após a tempestade, a polícia cutucava os bancos de neve com longas
varas, na esperança de encontrar um carro que fora visto derrapando
fora da estrada. Enquanto sondava um deles, particularmente profundo,
ao lado da Route 3, o chefe de polícia, Howard MacFarland, pensou ter
ouvido um grito abafado nas profundezas nevadas. MacFarland
começou a raspar e escavar a neve compacta, até que viu um carro.
Continuou cavando até chegar à porta do motorista. Em seguida, de
acordo com o Boston Herald, retirou George Delaney, de 20 anos, “com
as articulações duras, piscando, mas aparentemente bem”. Delaney havia
passado mais de dois dias inteiros soterrado. Seu carro derrapara na
estrada e caíra em uma vala, e, enquanto esperava por ajuda, ele
adormeceu. Quando acordou, seu carro estava completamente
enterrado e ele não conseguiu abrir as portas. “Eu não sofri”, disse o
jovem sortudo, “e não tive dificuldade para respirar.”
Para maior drama, moradores de Cape Cod que tinham rádios de
ondas curtas escutaram os esforços de resgate do Pendleton e do
Mercer. O Boston Globe relatava:
Todo o drama e páthos das operações de salvamento no mar se tornaram realidade viva
para muitos moradores de Cape Cod, na noite passada. Com rádios de ondas curtas,
eles puderam se sentar no calor de suas casas, a salvo dos ventos uivantes de inverno, e
ouvir relatos sobre as heroicas operações de resgate no Pollock Rip. Não havia
nenhum narrador para preencher as pausas, nenhum anúncio publicitário para mudar
o ritmo ou aliviar a cena. Chegavam somente as mensagens sombrias e concisas dos
socorristas que arriscavam a vida em ondas montanhosas para salvar a vida dos outros.
Enquanto isso, as tripulações das três pequenas lanchas salva-vidas,
comandadas por Bangs, Ormsby e Webber, estavam em condições tão
diferentes que eles poderiam muito bem estar em outro planeta: um
planeta de ventos, ondas e oceano infinitos e implacáveis, que poderiam
matá-los em questão de minutos, se seus homens cometessem o menor
erro.
capítulo 10
Todos menos um: 
o resgate à popa do Pendleton
Nenhuma piedade, nenhum poder o controla. Abrindo-se e bufando como um louco
corcel que perdeu seu cavaleiro, o oceano ingovernável extravasa o globo.
herman melville
O motor estava morto e, em breve, Bernie Webber e sua tripulação
estariam também se não conseguissem fazer a pequena lancha se mexer.
O resistente barco tinha um defeito: o motor parava se balançasse
demais ao navegar. Andy Fitzgerald dirigiu-se cuidadosamente da proa
até o compartimento do motor, que ficava localizado logo à frente da
cabine do timoneiro. A cg36500 continuava a jogar e empinar
violentamente, enquanto Fitzgerald tentava se segurar firmemente no
corrimão. Teria sido mais fácil para ele rastejar pela passarela estreita,
mas não havia onde se segurar. Fitzgerald olhou para as ondas frígidas
que batiam na lateral do barco e se perguntou quanto tempo duraria se
fosse jogado ao mar. Não muito tempo, portanto, não seja jogado, pensou,
enquanto se segurava firmemente no corrimão.
Ele conseguiu chegar ao compartimento do motor e se arrastou para
dentro do espaço pequeno, que parecia ainda menor por causa de suas
pesadas roupas molhadas. Quando já estava ali, outra forte onda bateu
no barco de salvamento, fazendo Fitzgerald rolar. Andy gritou quando
foi jogado como um boneco de pano contra o motor incandescente.
Apesar das queimaduras, dos hematomas e dos arranhões que sofreu, ele
conseguiu controlar a dor, enquanto segurava a alavanca, na esperança
de que o combustível começasse a fluir para o motor de novo. Andy
ligou o motor de 90 cavalos e, assim que este voltou à vida, Webber
notou uma mudança nas ondas. Eram ainda mais monstruosas nesse
momento, mas também se expandiam para mais longe. Com isso, Bernie
entendeu que ele e sua tripulação haviam desafiado as probabilidades.
Tinham conseguido atravessar o Chatham Bar.
No entanto, seu pesadelo estava apenas começando. Bernie sabia
que estavam fora do Chatham Bar, porém não tinha ideia de qual era sua
localização exata. Empurrou o acelerador para baixo e adentrou mais
profundamente a tempestade. Se eu conseguir chegar ao navio-farol Pollock
Rip, acho que ficaremos bem, disse a si mesmo. “Eu tinha esperanças de
vislumbrar o navio-farol e seguir até ele, e, pelo menos, encontrar algum
conforto no fato de saber onde estávamos”, escreveu Webber em seu
livro de memórias. Ele não tinha bússola e o rádio estava tão
congestionado de comunicações que era totalmente inútil naquele
momento. Os quatro homens estavam sozinhos, de frente para as ondas
mais poderosas que já haviam visto.
Era uma dança de gigantes quando as ondas entre 18 e 21 metros de
altura subiam e desciam. Os sentidos dos homens estavam mais
aguçados e eram assaltados pelos rugidos do vento quando o barco
cavalgava as ondas até o topo para, depois, ficar envolvido em uma
calma estranha, à medida que mergulhava no vale de águas. Todos
estavam encharcados do mar congelante, mas corria tanta adrenalina
através deles que não percebiam. Cada vez que o barco mergulhava, os
respingos e a espuma gelada lhes davam tapas no rosto, e Webber lutava
contra o volante, impedindo que a lancha virasse. Eles mantinham os
joelhos dobrados, tentando antecipar o impacto da onda seguinte.
Enquanto Webber se agarrava ao volante, Livesey, Fitz e Maske
seguravam-se com firmeza no corrimão, sabendo que se fossem
arremessados para fora do barco provavelmente nunca seriam
encontrados. Os três tripulantes sabiam que estavam adentrando mais o
mar e fizeram uma oração silenciosa para pedir que Bernie continuasse
fazendo os movimentos certos.
A tempestade ia ficando mais forte, à medida que seguiam; o
caldeirão de vento e neve só se intensificava. A única opção de Webber
era montar as ondas como uma montanha russa trovejante. Deixou o
motor da cg36500 ocioso, enquanto subiam lenta e progressivamente o
mar montanhoso. A equipe se preparou quando a lancha subiu em
direção ao pico encrespado e espumante da onda. Bernie ligou o motor
para levá-los para a crista da onda e segurou, enquanto o barco de
salvamento corria para o outro lado a uma velocidade vertiginosa. A
lancha ia tão depressa que Webber reverteu o motor, sabendo que se
não desacelerasse rapidamente, o navio se enterraria no mar, o que
significaria morte instantânea para a tripulação. Livesey, Maske e
Fitzgerald se agarraram ao corrimão ao ser jogados amontoados para a
lateral da cabine do timoneiro, enquanto Bernie tentava
desesperadamente controlar o barco. Webber tinha bastante espaço para
manobrar e não foi impedido por um colete salva-vidas — que ele havia
decidido não usar, porque atrapalharia sua capacidadede manobrar o
barco no Chatham Bar. A lancha podia ser tão durável quanto um
tanque, mas era difícil de controlar e dirigir. A neve e os respingos da
água do mar continuavam batendo contra seu peito, e Bernie desejava
estar de colete salva-vidas, pelo menos para se proteger do frio.
A equipe prosseguiu, atravessando o topo de uma onda imponente
atrás de outra, enquanto Webber continuava fitando a escuridão em
busca de algum sinal de esperança. Ele estava preocupado agora que
tinha se afastado do navio-farol Pollock Rip e adentrado muito o mar.
Tentou o rádio, mais uma vez. Seu primeiro chamado foi para o navio-
farol, mas não houve resposta. Em seguida, Bernie chamou a Estação de
Chatham, e, de novo, seu apelo ficou sem retorno. Deixou o rádio e
olhou nos olhos desesperados de sua tripulação. Não havia nenhum
derrotista nem preguiçoso entre eles, porém esses jovens estavam sendo
confrontados com dificuldades intransponíveis. O amanhecer ainda
estava a muitas horas de distância, e eram poucas as chances de a
tripulação conseguir sobreviver tanto tempo à deriva no mar cruel e
implacável.
Como os homens a bordo da popa do Pendleton, a tripulação do
cg36500 também rezou para que aquela não fosse sua última noite na
Terra. Embora Webber não admitisse isso para seus homens, sua
esperança estava desaparecendo. Mais uma vez, ele pensou em Miriam,
doente, na cama, em casa. Quem contaria a ela que seu marido jamais
voltaria? Bernie tentou afastar a imagem e reorientou sua atenção para
as ondas furiosas a sua frente.
Ele olhou pelo vidro quebrado do para-brisa e sentiu seu coração dar
um salto. Pôde ver uma misteriosa forma escura subindo
ameaçadoramente acima da água. Diminuiu a velocidade do barco até
quase parar. Há alguma coisa ali, disse a si mesmo. “Andy! Vá até a proa e
ligue o holofote!”, gritou. Fitzgerald seguiu a ordem e foi com cuidado
para a cabine da frente, ligando o interruptor do holofote. Um pequeno
feixe de luz foi lançado, iluminando um objeto enorme a menos de
quinze metros de distância. Se Webber houvesse ido mais longe, teriam
colidido. O vulto de aço era escuro e ameaçador, sem sinais aparentes de
vida. Meu Deus, chegamos tarde demais, Bernie pensou. É um navio
fantasma.
Raymond Sybert lutava contra seus pensamentos mais obscuros,
enquanto ele e mais 32 homens ficavam sentados, impotentes, na popa
partida do Pendleton. Não havia mais nada a fazer senão enfrentar a
tempestade e esperar a ajuda chegar. Se chegasse. Os tripulantes
estiveram atentos o dia todo, mas não houve nenhum sinal de vida nas
ondas turbulentas além do navio fraturado. O engenheiro-chefe também
devia estar preocupado com o destino do capitão Fitzgerald e dos
homens presos na proa. Teriam sido resgatados? Ou ainda estavam
presos na poderosa tempestade de inverno? Só então o homem de vigia
percebeu algo subindo e descendo no mar agitado — uma pequena luz
vindo em sua direção.
Frank Fauteux e Charles Bridges também viram a luz. “Foi a visão
mais gloriosa”, disse Fauteux, “uma única luz balançando para cima e
para baixo nas ondas. Ninguém comemorou. Ficamos só olhando,
encantados.” Bridges lembrou que a luz parecia um alfinete na
escuridão, e que ele observava fascinado, à medida que ela avançava por
entre as ondas enormes, lentamente se aproximando.
Bernie Webber aproximou a cg36500 para olhar mais atentamente,
enquanto Andy Fitzgerald continuava a lançar o holofote em cima e por
toda a ampla circunferência do petroleiro. O feixe de luz brilhou sobre o
conjunto de letras que formava o nome pendleton no alto da lateral do
casco. O navio gigante parecia enorme e indestrutível. Como pôde ter se
dividido ao meio?, pensou Webber, enquanto levava sua pequena lancha
de resgate a bombordo da popa. Era evidente que o navio e sua
tripulação haviam passado por um inferno. Os corrimãos ao redor das
plataformas elevadas estavam retorcidos e partidos. Um sentimento de
culpa tomou Bernie Webber quando ele se deu conta de que havia posto
em risco a vida de seus homens por uma causa perdida. Fora uma
viagem inútil. Os marinheiros a bordo do Pendleton não tiveram a menor
chance, pensou Bernie. E agora meus homens têm pouca chance de voltar para
casa vivos.
Um estranho silêncio pairava sobre o navio, enquanto a tripulação
do barco de salvamento inspecionava os destroços de olhos arregalados.
O silêncio foi quebrado por rangidos quando Webber e sua tripulação
chegaram ao buraco que havia sido ligado à proa. Os homens olharam as
entranhas do navio, com seus compartimentos retalhados e suas vigas de
aço e placas soltas, balançando para a frente e para trás na arrebentação
espumante. O navio fraturado ergueu-se sobre o mar em frente à
tripulação, criando uma cachoeira que escorreu no oceano. Então, ele
caiu para trás e para baixo na superfície do mar com um baque
ensurdecedor. Webber seguiu pelo túnel gigante que levava às entranhas
do navio e guiou a lancha pela popa, onde sua equipe foi surpreendida
por outra coisa. Uma sequência de luzes brilhava no alto das plataformas
— a popa fraturada do navio não havia ficado sem energia, afinal. No
brilho das luzes, eles também puderam ver uma pequena figura! Um
homem agitava os braços freneticamente!
Eles não haviam perdido a viagem.
Contudo, como poderiam resgatar esse homem do alto convés? O
sobrevivente teria de pular, e havia forte possibilidade de que ele fosse
engolido pelas ondas.
Enquanto a tripulação da cg36500 analisava seu próximo passo, o
homem no convés alto desapareceu. Aonde ele foi?, perguntou-se Bernie.
Subitamente, a figura voltou, e dessa vez não estava sozinha. Três outros
homens estavam com ele, e então mais quatro ou cinco apareceram, e
mais pessoas continuaram chegando. Em um minuto, mais de duas
dezenas de sobreviventes de coletes salva-vidas cor de laranja se
alinhavam na balaustrada! Todos olhavam diretamente para a pequena
lancha abaixo, que tentava se manter a postos nas ondas revoltas.
Fred Brown e Tiny Myers estavam lado a lado na balaustrada. Tiny
se voltou para Fred e, enquanto tirava a carteira da calça, disse: “Pegue
minha carteira. Acho que eu não vou conseguir”. Fred foi pego de
surpresa com o comentário e retrucou: “Você tem as mesmas chances
que eu”. Brown pegou a carteira e a enfiou de novo no bolso de Tiny.
Bernie, olhando para cima, para aquelas figuras sombrias, primeiro
ficou muito feliz ao ver tantos marinheiros vivos; porém rapidamente
chegou a uma conclusão assustadora: seria impossível que todos os
homens coubessem no barco de salvamento de 36 pés. A
responsabilidade acertou Webber como um maremoto. Como vamos
salvar todos esses homens? Se eu falhar, será uma tragédia.
De fato, o pensamento seguinte de Webber foi tirar a própria
tripulação da lancha e levá-la à popa partida. Apesar do dano extenso, o
Pendleton parecia mais seguro que a pequena e instável cg36500. Antes
que ele pudesse comunicar o plano para sua tripulação, Bernie viu uma
escada de corda com degraus de madeira — chamada escada de Jacob
—  cair pela lateral do Pendleton. E, no instante seguinte, os
marinheiros encalhados começar a descer a escada o mais depressa que
podiam.
O primeiro homem a descer a escada pulou e caiu com um estrondo
na proa da lancha. Os outros se agarravam firmemente à corda, visto
que ela balançava perigosamente, enquanto o Pendleton se debatia nas
ondas. Seus gritos ecoaram através dos ventos quando eles bateram de
volta contra o casco com o balanço do navio na direção oposta. Bernie
levou o barco em direção ao casco, tentando cronometrar a manobra
para que cada sobrevivente pousasse no barco, e não na água gelada.
Com as ondas, isso mostrou ser uma tarefa impossível. Alguns
sobreviventes pularam para o barco de salvamento, mas só o que
conseguiram foi mergulhar nas ondas geladas. A cg36500 era equipada
com um cabo de segurança que passava ao redor do casco da lancha, e os
marinheiros encharcados, por fim, conseguiram subir à superfíciee se
agarrar à corda para sobreviver. Fitzgerald, Maske e Livesey pegaram os
homens encharcados e os içaram a bordo. A equipe agia depressa, com
medo de que os sobreviventes fossem arrastados para baixo da proa da
lancha. Durante todo o tempo, Webber manteve uma mão firme no
volante, fazendo manobras cada vez que um homem desesperado pulava
da escada de Jacob. Uma vez em segurança a bordo, Fitzgerald, Maske e
Livesey levavam os sobreviventes para dentro da cabine dianteira, mas
aquele pequeno espaço se enchia rapidamente. Com o peso adicional, a
cg36500 estava se enchendo de água. Como capitão do barco, Bernie
tinha de tomar uma decisão de vida ou morte. Paramos agora e tentamos
levar os homens que já temos de volta à costa com segurança? Ou devemos
arriscar tudo? Webber decidiu que nenhum homem seria deixado para
trás. “Viveríamos todos, ou todos morreríamos”, disse ele, mais tarde.
Enquanto o resgate se desenrolava, a popa partida do Pendleton
balançou profundamente e aumentou a inclinação a bombordo,
raspando com força contra o solo do oceano. A equipe de resgate
continuou levando os sobreviventes a bordo, espremendo-os em
qualquer lugar que pudessem. O compartimento do motor estava
transbordando de carga humana, assim como a área ao redor da cabine
do timoneiro. Bernie lutava para ter espaço para os cotovelos, enquanto
continuava manobrando em volta do petroleiro avariado. Mais uma vez,
ele tinha de cronometrar suas manobras com perfeição, caso contrário,
as ondas lançariam o barco de salvamento contra o casco do navio e
todos seriam engolidos pelo mar.
Trinta e um sobreviventes já estavam a bordo de um barco que havia
sido projetado para comportar apenas doze homens, incluindo a
tripulação. Dois homens ainda estavam no navio: Raymond Sybert, que,
como capitão em exercício, seria o último homem a sair, e Tiny Myers.
Fitzgerald manteve o holofote sobre o homem musculoso, enquanto ele
descia lentamente pela escada de Jacob. Myers estava sem camisa; dera
grande parte da própria roupa para aquecer outros tripulantes do
Pendleton. As ondas que cercavam o navio eram mais e mais violentas a
essa altura, fazendo com que dirigir o barco de salvamento se tornasse
um desafio ainda maior para Bernie. Só mais um pouco e poderemos dar o
fora daqui, pensou.
Myers estava na metade da escada quando, de repente, escorregou e
caiu no oceano profundo. Reapareceu segundos depois e a equipe de
salvamento tentou freneticamente puxá-lo a bordo. “Por aqui!”, gritou
Andy. Myers foi para o lado interno da lancha e se agarrou na corda. Em
seguida, Richard Livesey se inclinou na lateral e pegou a mão de Myers.
O movimento quase lhe custou a vida. Myers era tão pesado e forte que
começou a puxar Livesey para dentro d’água. Maske e Fitzgerald
correram para ajudar, segurando Livesey pelas pernas e pela cintura para
impedir que fosse puxado ao mar. Enquanto eles tentavam, em vão, içar
Myers para o barco, o grande homem foi engolido por uma onda ainda
maior e desapareceu de vista. Ouviu-se um suspiro coletivo de horror na
lancha de resgate quando os sobreviventes viram seu amigo sendo
engolido pelo mar. Bernie deu ré na lancha e se afastou da lateral do
petroleiro. A cg36500 andava em círculos, enquanto Andy mantinha o
holofote brilhando nas cristas das ondas. Por fim, avistaram Myers na
escuridão.
Por causa do ângulo do navio, as três pás da hélice estavam acima da
água. As ondas batiam, e Webber sabia que teria apenas uma chance de
salvar aquele homem. Direcionou a proa da lancha para Myers e depois
desacelerou lentamente à frente. Nesse momento, Webber e sua equipe
sentiram o fundo da lancha levantar; uma enorme onda ergueu a
cg36500 e os lançou contra o navio. O barco de resgate estava fora de
controle e correndo em direção a Myers. Webber pôde ver o olhar de
pânico nos olhos do grande homem. Maske estendeu a mão e conseguiu
segurar o homem mais uma vez. Um segundo depois, sentiram o
impacto súbito de uma colisão estrondosa, quando a proa da lancha
abalroou Myers, jogando seu corpo destruído na lateral do navio.
capítulo 11
Trinta e seis homens 
em um barco de 36 pés
Venha devagar ou depressa, é a morte quem vem por último.
sir walter scott
Webber tentou desesperadamente desviar de Tiny Myers quando a
lancha guinou para a frente. Até tentou jogar a cg36500 no sentido
inverso, mas isso só afogou o motor mais uma vez. Ervin Maske fora o
último homem a segurar Myers e pagou um preço por isso. Suas mãos
foram esmagadas na colisão, e ele podia sentir o sangue pulsando nelas,
que estavam começando a inchar. Não havia como resgatar o corpo de
Myers naquele momento. Webber tentou afastar o pensamento de sua
mente e manobrou com sucesso a lancha de volta para a escada,
resgatando o último homem, Raymond Sybert. Andy Fitzgerald rastejou
de volta no compartimento do motor, na esperança de conseguir religá-
lo. A lancha levou outro soco violento de uma onda, jogando Andy de
novo sobre o motor tão logo o ligou. Webber ouviu o grito de seu
colega quando as velas de ignição queimaram suas costas. Bernie estava
prestes a mandar outro tripulante para o compartimento quando
Fitzgerald se arrastou para fora. Andy podia sentir os vergões crescendo
em suas costas, mas, afora isso, estava bem. Webber e sua equipe haviam
vencido o Chatham Bar, e tirar os sobreviventes da proa do Pendleton
havia sido uma grande realização; mas voltar com segurança à costa
tinha os próprios perigos.
Quase no local exato onde Webber, Livesey, Fitzgerald e Maske
lutavam com um barco sobrecarregado, uma tentativa de resgate
semelhante havia ocorrido em 1902. Durante uma tempestade de
inverno, em 11 de março daquele ano, duas barcaças, a Wadena e a
Fitzpatrick, que estavam sendo levadas por um rebocador, o
Sweepstakes, encalharam em um banco de areia. Socorristas da Estação
da ilha de Monomoy remaram na tempestade e com segurança
retiraram um total de dez tripulantes das duas embarcações encalhadas.
Um ou dois dias depois, quando o tempo clareou, socorristas
chamados de “sucateiros” foram levados ao local e, com a ajuda de outro
rebocador, começaram a retirar as cargas, esperançosos de que as
barcaças desencalhariam. O trabalho era lento e os homens ainda
estavam ali, em 16 de março, quando as ondas começaram a crescer e a
chuva a chicotear o oceano. O rebocador tirou a maioria dos homens
das barcaças, levando-os a porto seguro, mas cinco deles, incluindo o
proprietário do Wadena, W. S. Mack, preferiram ficar e enfrentar a
tempestade. Na segunda barcaça encalhada, a Fitzpatrick, que estava a
certa distância, três homens permaneceram a bordo.
Na manhã seguinte, Marshall Eldridge, guardião da Estação de
Resgate de Monomoy, soube que os homens ainda estavam nas barcaças.
Tanto o vento quanto as ondas haviam aumentado desde o dia anterior,
e Eldridge ficou tão preocupado que se arrastou por quase cinco
quilômetros na tempestade, até a ponta de Monomoy, para verificar as
barcaças. Olhando através da chuva torrencial, Eldridge viu algo que fez
seu coração pular. A bandeira no Wadena estava hasteada de cabeça para
baixo — um sinal de perigo.
Eldridge correu para o pequeno barracão e telefonou para o
socorrista Seth Ellis, dizendo-lhe que reunisse uma equipe e levasse o
surfboat da baía de Monomoy para a ponta da língua de areia, onde ele
estaria esperando. Além de Ellis, seis outros tripulantes estavam a bordo
do barco de resgate quando chegaram a sota-vento de Monomoy. Todos
os homens, exceto um, eram casados e tinham filhos.
Não foi difícil para Ellis localizar Marshall Eldridge em pé no
litoral. Eldridge tinha mais de 1,80 metro de altura e pesava quase 100
quilos. Era um forte cidadão de Cape Cod que andava pela praia com os
pés descalços mesmo durante o outono e não colocava sapatos até o
início do inverno.
Quando o surfboat chegou, Eldridge entrou na água e subiu na popa
do barco. Com a equipe completa, os homens remaram até chegar aoWadena, contornando-o a sota-vento e parando perto da popa. Os cinco
homens a bordo da barca haviam passado uma noite aterrorizante; as
ondas haviam açoitado repetidamente seu navio contra o banco de areia,
ameaçando partir-lhe o casco. Contudo, a salvação chegara e os homens
assustados queriam sair dali, e depressa. Imediatamente, começaram a
descer pela lateral com uma corda. Em uma cena estranhamente similar
às do resgate no Pendleton, um homem particularmente grande, o
capitão Olsen, perdeu o controle na corda e caiu dentro do barco,
quebrando um dos assentos e transformando-o em lascas. Ao contrário
de Tiny, Olsen rolou para o fundo do barco, mas dois remadores
ficaram sem assentos, o que limitou a força que poderiam imprimir aos
remos.
Quando Eldridge e seus tripulantes se afastavam da barca, uma onda
jogou água no surfboat. Os cinco homens que haviam sido resgatados
entraram em pânico, pensando que o barco ia virar. Levan tan do-se, eles
se agarraram aos remadores, tornando impossível que a equipe de
resgate manobrasse o barco. Eldridge gritou com os sucateiros para que
se acalmassem, e foi quando outra onda descarregou mais água dentro
do barco. Seus gritos caíram em ouvidos moucos; os resgatados se
agarraram aos socorristas. A próxima onda viraria o barco e, então, treze
homens estavam na água, segurando-se no casco virado, enquanto ondas
espumosas e congelantes lavavam repetidamente o surfboat emborcado.
Com as roupas encharcadas e pesadas, um homem após o outro foi
perdendo aderência no barco de resgate, afastou-se e se afogou nas
águas turbulentas. Em poucos minutos, somente dois homens, Arthur
Rogers e Seth Ellis, ainda estavam vivos e agarrados ao surfboat. A certa
altura, Rogers começou a escorregar, pois com os dedos congelados não
conseguia se segurar no corrimão submerso do barco. Ellis tentou
encorajá-lo, mas Rogers desistiu e suspirou: “Tenho de ir”. O oceano o
levou, como aos outros.
Sozinho, Ellis obstinadamente se segurou na quilha. O barco
derivou para águas mais calmas, e ele usou uma oportunidade
inesperada para tirar as botas e as roupas que o deixavam pesado. Outro
golpe de sorte atravessou seu caminho quando a quilha pivotante do
barco saiu de seu revestimento entreaberto, proporcionando-lhe melhor
aderência.
Os três homens a bordo da segunda barcaça, o Fitzpatrick, não
haviam visto o barco de resgate sair em socorro ao Wadena. Elmer
Mayo acabava de passar pelo convés quando viu o barco virado e Ellis
ainda se segurando nele. Mayo era de Chatham e, seguindo a tradição
dos marinheiros de lá, decidiu arriscar a própria vida para tentar salvar
Ellis. O Fitzpatrick tinha um pequeno douro de doze pés a bordo e
Mayo pediu aos outros dois tripulantes que o ajudassem a baixá-lo pela
lateral da barcaça. Um deles tentou dissuadi-lo, gritando: “Não, o douro
não vai resistir nessas águas selvagens, senhor!”. Mayo, no entanto,
ignorou o aviso, e uma vez com o douro na água, passou por cima da
borda da barcaça e saltou para o pequeno bote. Apenas dois dias antes, o
douro emborcara em mares moderados e perdera os dois remos. Os que
os substituíram eram muito mais curtos que os originais e mal adaptados
ao bote, mas Mayo não se intimidou e partiu para onde havia visto Ellis
pela última vez.
Quando o douro foi jogado para a crista de uma onda, Mayo
procurou o barco de resgate virado, mas os respingos, a chuva e a
espuma obscureciam sua visibilidade. Ele fez o melhor que pôde para
manobrar, mantendo a proa de seu barco nas ondas, até, depois de
alguns minutos, avistar Ellis ainda agarrado ao casco do surfboat. Mayo
virou o douro, remou com todas as forças e chegou ao lado de Ellis.
Em uma notável exibição de persistência, Ellis reuniu uma última
explosão de energia, largou o barco virado e se agarrou ao douro, para,
com a ajuda de Mayo, subir pela borda antes de desmaiar no fundo do
bote. “Eu estava totalmente esgotado”, lembrou Ellis, “não conseguia
falar.” Ele não fazia ideia de como Mayo conduziria o douro pelas ondas
gigantes até a costa.
Mayo analisou as ondas tempestuosas; sabia que não poderia voltar à
barcaça. Então, procurou a terra mais próxima: a praia de Monomoy,
onde as ondas de quase cinco metros quebravam na areia, rugindo e
jogando espuma no ar. A seguir, Mayo viu um homem correndo pela
costa a distância, guiando-os.
O homem era Francisco Bloomer, outro socorrista da estação. Mayo
esperou que o homem chegasse a um ponto diretamente em frente ao
douro e, visto que a ajuda havia chegado, decidiu pegar a próxima onda
em direção à costa. Escolheu uma onda e quando a crista se ergueu por
baixo do barco, remou loucamente. De alguma forma, o douro ficava até
na vertical, cavalgando a onda, e Mayo tentava desesperadamente
manter a proa apontada para a costa. Nas ondas agitadas, a água enchia
o douro, ameaçando inundá-lo, mas Mayo continuava remando,
enquanto Bloomer entrava no mar. Bloomer se lançou ao douro e, com
Mayo, arrastou-o para a costa. Em seguida, levaram Ellis de volta à
Estação de Monomoy.
Em um relatório do U.S. Life-Saving Service [Serviço de
Salvamento Marítimo dos Estados Unidos] sobre o acidente, Mayo e
Ellis foram citados por sua bravura:
Quando o capitão Mayo deixou o Fitzpatrick e assumiu essa perigosa missão
autoimposta de humanidade, foi alertado de que não conseguiria, mas, quando
conseguiu e as notícias se espalharam no exterior, o feito foi proclamado como a
realização mais notável e brilhante, do começo ao fim. Em reconhecimento a seus
méritos extraordinários, o Secretário do Tesouro lhe concedeu a medalha de ouro de
salvamento, que é concedida somente àqueles que demonstram a mais extrema e
heroica ousadia no salvamento de vidas dos perigos do mar. O socorrista Ellis, por sua
devoção ao dever, sua coragem impecável e sua fidelidade abnegada a seus camaradas,
também foi homenageado e promovido a responsável por sua Estação.
Mais tarde, Ellis comentaria que a morte dos cinco homens da
barcaça e dos sete socorristas nunca deveria ter acontecido. “Se aqueles
cinco homens que tiramos da barcaça tivessem se controlado e feito o
que nós dizíamos, todos teríamos desembarcado em segurança.”
Bernie Webber ouvira a história do Wadena e sabia que seu barco de
resgate lotado poderia sofrer um destino semelhante a qualquer
momento. À deriva na escuridão, e sem bússola para orientá-los,
Webber ainda não tinha ideia de onde estavam exatamente. Além disso,
não sabia aonde haviam ido os outros barcos da Guarda Costeira, mas
entendeu que seu barco devia estar em algum lugar nas águas de
Chatham, ou talvez ao sul da ilha de Monomoy. Se eu puder situar o mar
atrás de mim e seguir em frente, vamos acabar em Nantucket Sound e, então,
nas águas rasas de algum lugar em Cape Cod, tentou se convencer. A seguir,
Bernie transmitiu seus planos ao resto dos homens a bordo.
“Se o barco parar de repente, vão para a praia”, ordenou. “Não
percam tempo fazendo perguntas. Saiam e ajudem quem estiver ferido.
Saiam o mais depressa que puderem!”
Webber achava que se conseguisse levar a proa do barco o mais
perto possível da praia assolada pela tempestade, e manter o motor
ligado, os homens teriam os preciosos momentos de que precisavam
para chegar à costa com segurança. Os sobreviventes entenderam
perfeitamente o plano. “Conte conosco, timoneiro!”, gritaram, e
seguiram-se altos aplausos e vivas da tripulação do Pendleton.
Contudo, um tripulante do barco de resgate não estava tão otimista.
“O pior momento, para mim, foi quando estávamos voltando”, lembrou
Richard Livesey. Seus braços estavam presos por causa dos homens
espremidos em pé no convés, bem na frente do para-brisa quebrado.
Estavam todos de volta às ondas gigantescas sem a proteção que a popa
do Pendleton lhes havia fornecido. A cg36500 estava pesada e baixa com
a carga humana, e poderosas ondas continuavam a açoitar seu convés
lotado. Livesey e os outros prendiam a respiração quando cada onda
batiae os envolvia em uma torrente de água gelada. Quando isso vai
acabar?, perguntava-se Livesey. Parecia uma eternidade. O barco de
resgate estava tão baixo que era como se estivessem em um submarino.
Se a lancha não subir um pouco mais, eu vou me afogar aqui dentro mesmo,
pensou Richard.
Webber tentou mais uma vez o rádio e ficou surpreso ao conseguir
contatar a Estação de Resgate de Chatham. O contramestre Cluff
pareceu ainda mais surpreso ao ouvi-lo. Webber informou que levavam
32 homens do Pendleton a bordo e que estavam tentando voltar, apesar
de não terem instrumentos de navegação para ajudá-los. O capitão de
um dos barcos de resgate foi chamado e orientou Webber a virar e
avançar para o mar, em direção a ele. Bernie ouviu mais chiados pelo
rádio e ainda mais ideias sobre a melhor forma de concluir o já
improvável resgate. No entanto, ele e sua equipe já haviam decidido;
iam para a praia. Bernie desligou o rádio e voltou sua atenção para o
desafio a sua frente. Ninguém falava a bordo do barco de resgate,
enquanto Bernie atacava as ondas à frente.
Conforme a cg36500 foi avançando, as ondas começaram a mudar.
Já não eram tão fortes, nem se espalhavam tão distantes como antes. A
lancha navegava por águas rasas, agora. Contudo, de maneira nenhuma,
estavam fora de perigo. Eles ainda tinham de atravessar o Chatham Bar.
Webber estava avaliando suas opções quando notou algo que parecia ser
uma luz vermelha, piscando à distância. Seria uma boia? Seria o sinal de
alerta de aeronaves das torres da estação de rádio rca, ali no alto? Bernie
esfregou seus olhos cansados e queimados de sal. Em um momento, a
luz parecia estar bem acima de sua cabeça, em outro, parecia estar bem
abaixo do barco de resgate. À medida que se aproximavam, Webber
ordenou ao homem mais próximo do holofote, na frente do barco, que o
ligasse de novo. A luz vermelha piscante estava ficando mais clara. Os
homens rapidamente perceberam que a luz provinha do alto da boia que
ficava dentro do Chatham Bar e que conduzia à entrada de Old Harbor.
Bernie olhou para a luz piscante mais uma vez e desviou o olhar para os
céus tormentosos. No fundo do coração, ele sabia que Deus os estava
levando para casa.
capítulo 12
Pandemônio em Chatham
A fé é um conhecimento dentro do coração, além do alcance da prova.
kahlil gibran
A cg36500 estava em um curso que levaria de volta sua tripulação e os
32 sobreviventes do Pendleton para o Fish Pier de Chatham. Eles ainda
tinham de atravessar o Chatham Bar, onde quase haviam morrido, horas
antes. Dessa vez, o barco estaria indo com as ondas, mas, quando se
aproximaram do banco de areia, a tripulação notou que elas não
pareciam tão altas como antes. Seu fraco holofote brilhava na
arrebentação, que também parecia menor.
Webber acelerou um pouco e enfiou o nariz da lancha na espuma
— estavam em cima do banco de areia. Chamou pelo rádio a Estação de
Resgate de Chatham e deu sua posição ao operador. Este, atordoado,
não podia acreditar que a cg36500 havia realmente conseguido voltar
para Old Harbor. Imediatamente, ele enviou uma mensagem para os
outros barcos da Guarda Costeira:
Cg36500 tem 32 homens a bordo, da popa partida; todos, exceto um homem que
está na água e eles não podem resgatar. mais nenhum homem falta, que eles
saibam. deve haver cerca de seis homens na proa partida...
Seguiu-se uma avalanche de instruções, conforme o operador
tentava guiar Webber até o porto. Bernie não precisava de instruções.
“Eu estava bem familiarizado com Old Harbor e havia entrado e saído
dele muitas vezes”, escreveu em seu livro de memórias. “Eu sabia onde
ficavam os bancos de areia e quando tinha de virar. Não estava com
disposição para ouvir conversa no rádio.”
As notícias do resgate provocaram mais que conversa no Fish Pier,
onde os moradores de Chatham esperavam ansiosamente por uma
palavra. Aplausos tonitruantes ondularam por todo o cais, enquanto as
pessoas se abraçavam e choravam, e esperavam avistar o barco.
Também se derramavam lágrimas a bordo da cg36500. Bernie ouviu
o choro dos homens que se amontoavam no minúsculo compartimento
da frente da lancha de resgate. Apesar das águas mais calmas e da intensa
sensação de claustrofobia que deviam sentir, os sobreviventes
permaneceram escondidos na cabine, recusando-se a sair até que
alcançassem o porto.
A pequena, mas robusta, lancha de resgate já estava à vista, e a
multidão de pessoas reunida no Fish Pier se acotovelava para olhar mais
de perto. O fotógrafo Dick Kelsey posicionou sua grande câmera Speed
Graphic 4 × 5 e começou a fotografar aquilo que se tornaria algumas das
imagens mais marcantes da história de Cape Cod. Kelsey capturou no
filme a lancha avariada, conforme chegava, esfregando-se contra os
pontões de madeira. Ele podia ver o rosto dos homens assustados, mas
agradecidos que espreitavam pelo para-brisa quebrado do barco e pelas
vigias. Bernie observou o Fish Pier e viu bem mais de uma centena de
moradores locais. Eram homens, mulheres e crianças de Chatham, e
todos pareciam estar estendendo as mãos para pegar as cordas do barco
e ajudar. As crianças Ryder estavam perto de seu pai, David, um velho
pescador de Chatham que conhecia Bernie muito bem e sabia que ele
era mais que um competente socorrista. No entanto, nem mesmo ele
havia acreditado nas chances de Webber e sua tripulação, naquela noite.
“Tínhamos a grande preocupação de que a equipe não conseguisse”,
recorda Ryder. “Não há dúvida de que ele [Bernie] é um homem bom e
tem experiência na barra de areia, mas nenhum de nós jamais havia visto
uma tempestade como essa.” Como a maioria das pessoas reunidas no
cais, Ryder não podia acreditar em seus olhos enquanto via o pequeno
barco de resgate voltando para casa. “Ele estava muito baixo, e fiquei
espantado ao ver quanta gente saiu dele.”
Uma vez que a cg36500 estava amarrada em segurança no cais, as
pessoas ajudaram os abalados sobreviventes a sair do barco. A
embarcação havia estado tão pesada e baixa que Richard Livesey a sentia
subir, cada vez que um homem descia. Bernie Webber, exausto, ficou em
silêncio na proa da embarcação, com o cotovelo apoiado sobre a cabine
e o antebraço sustentando sua cabeça. Sua mente estava cheia das
imagens terríveis das últimas horas e da bravura de sua equipe. Ele
pensou em Tiny Myers e no olhar do homem condenado, poucos
segundos antes de ser morto. Pensou nos 32 sobreviventes a bordo. E
pensou em Miriam e em como se sentiria voltando para ela, depois de
tudo. Seus dedos cansados começaram a tremer e, logo, todo o seu
corpo tremia. Webber chorou abertamente e agradeceu a Deus por
guiá-los para casa. Kelsey observava em silêncio e percebeu que o
momento privado de Webber simbolizava o calvário que cada homem
havia atravessado. “Levou um bom tempo até ele descer”, disse Kelsey,
mais tarde. “Todos os homens já haviam saído, mas ele ficou ali, em
transe. Que coisa maravilhosa ele havia feito!”
Os sobreviventes estavam sendo espremidos dentro de carros e
levados até a Estação de Resgate de Chatham. Joe Nickerson, de 34
anos, que vivera a vida toda em Chatham, levou dois em seu Ford sedã.
“Eu levei um grande e alto marinheiro negro”, lembra Nickerson. “Ele
me disse que estava na parte da frente do navio quando ele se dividiu em
dois. Disse que se salvou porque pulou uma rachadura enorme e voltou
para a popa. Se ele não houvesse feito isso, teria sido arrastado com a
proa.” No entanto, os sobreviventes do Pendleton se recusavam a
considerar seu capitão e mais sete pessoas como desaparecidas. Os
homens se apegavam à crença de que seus camaradas seriam
encontrados vivos.
Os sobreviventes foram levados à Estação, onde foram recebidos
pelo médico local, Carroll Keene. De imediato, ele atestou que muitos
dos homens estavam em estado de choque. “Um dos rapazes que eu
levei simplesmente entrou em colapso quando entramos na Estação”,
lembra Joe Nickerson. “Então, como no dominó, outro sujeito desabou,
edepois outro. Havia oito rapazes caídos no chão, inconscientes.” Os
marinheiros caídos foram atendidos pelo doutor Keene, bem como por
Leroy Anderson e sua unidade da Cruz Vermelha. O alfaiate Ben
Shufro, gerente da Puritan’s Clothing, na rua principal de Chatham,
levava uma fita métrica em volta do pescoço e tirava medidas dos
sobreviventes que permaneciam em pé para lhes arranjar roupas novas.
O reverendo Steve Smith, da Igreja Metodista Unida, também estava ali
para oferecer orações aos sobreviventes. A presença do reverendo foi
especialmente reconfortante para Wallace Quirey. O marinheiro se
aproximou do pastor e lhe disse que havia perdido sua Bíblia durante a
confusão a bordo do navio. O reverendo Smith balançou a cabeça e deu
a Quirey o próprio exemplar do livro sagrado.
John Stello, amigo e vizinho de Bernie, ligou para a casa de Webber
e deu a notícia a Miriam, que ainda estava de cama, com gripe. Seu
marido estava sendo aclamado como herói, e Stello lhe contou por quê.
Ed Semprini, o jornalista de sobrancelhas grossas da wocb, resistira
à cansativa viagem pela Route 28, coberta de neve. O mau tempo não o
abandonara durante a jornada de 33 quilômetros de Hyannis a
Chatham. Quando Semprini chegou à Estação de Resgate de Chatham,
encontrou seu engenheiro, Wes Stidstone. Os dois homens estavam
preparando a fiação do som quando os sobreviventes do Pendleton se
arrastaram para dentro. Semprini sabia que não tinha muito tempo.
Tinha de concluir as entrevistas rapidamente para poder voltar para a
estação de rádio em Yarmouth e transmitir ao vivo. Ele colocou o
microfone diante do rosto de praticamente todos os exaustos
sobreviventes, enquanto eles se aqueciam com café e donuts. “Eles não
falavam muito bem”, lembra Semprini. “Acho que todos os homens com
quem falei eram do sul.” Os sotaques confundiram o jornalista veterano;
ele próprio ainda estava aprendendo a entender o jeito de falar dos
habitantes de Cape Cod. “Um sobrevivente da Louisiana me perguntou
se sua família poderia ouvi-lo ao vivo.” Semprini explicou ao marinheiro
que as entrevistas seriam transmitidas mais tarde, de costa a costa, pela
Mutual News Network. Cada sobrevivente que Semprini entrevistava,
naquela noite, não conseguia dizer o suficiente sobre Bernie Webber e
sua equipe. “Diziam que havia sido um milagre”, lembra Semprini com
um sorriso.
Webber, enquanto isso, subia as escadas de seu beliche, na Estação
de resgate de Chatham, ainda abalado pelas longas horas passadas
cavalgando as maiores ondas, na pior tempestade de sua vida. Ele se
deitou e tirou as galochas. E, então, ligou para Miriam. “Eu estou bem,
ligo para você amanhã”, disse. Um café e um donut cairiam bem agora,
pensou. Webber foi até a cozinha, onde foi recebido por Fitzgerald,
Livesey e Maske. Todos acenaram com a cabeça. Ninguém disse nada.
Deixaram isso para o contramestre Daniel Cluff, que pronunciou
palavras de felicitações e admitiu que achava que não veria nenhum
deles vivo de novo. Ed Semprini estava procurando Bernie e, por fim,
viu-o saindo da cozinha. Webber estava sendo chamado de o verdadeiro
herói do resgate, e o jornalista entendia o motivo. Bernie respondeu a
algumas perguntas da maneira mais coerente possível. Terminou sua
xícara de café e devorou o donut de seu companheiro, mas, nessa hora,
tudo que ele queria era dormir. Voltou para sua cama e desabou. Ele
estava a salvo, mas, enquanto adormecia, só pensava naqueles que ainda
lutavam contra a tempestade no mar.
p a r t e   i i
capítulo 13
Emborca a proa do Mercer
No mar, o homem se mostra. Nesse sentido, a água salgada é como o vinho.
herman melville
Enquanto Chatham comemorava o resgate de 32 marinheiros da popa
do Pendleton, os sobreviventes ainda a bordo da proa do Fort Mercer à
deriva se amontoavam para se aquecer. Eles haviam visto vários colegas
de tripulação cair para a morte, e nesse momento, na escuridão, tudo o
que podiam fazer era esperar pelo amanhecer e que a Yakutat, que estava
ali aguardando, de alguma forma pudesse tirá-los de lá antes que
afundassem com o navio.
O capitão da Yakutat, Naab, tinha passado a noite em claro olhando
para o enorme casco negro do Mercer, rezando para que permanecesse
na superfície até o amanhecer. E, assim, quando o capitão viu o primeiro
sinal de luz ao leste, ficou aliviado. Também ficou entusiasmado, porque
a neve e o granizo haviam parado. O vento ainda uivava, mas as ondas
pareciam ter diminuído um pouco, caindo de mais de quinze metros
para cerca de doze metros. Naab avaliava suas opções. Depois do que
havia acontecido na noite anterior, ele não queria mandar mais botes
salva-vidas. Tinha medo de que, caso os sobreviventes caíssem no
oceano gelado, não tivessem força ou destreza para se manter na
superfície ou subir nos botes. Naab sabia que a única maneira de salvar
os homens na água era alguns de seus tripulantes esperar por eles.
Então, tomou uma decisão de extremo risco. O barco de resgate de 26
pés seria mandado com cinco tripulantes. Era uma aposta alta, com
certeza; Naab tinha de se preocupar não só com a sobrevivência da
tripulação do petroleiro; ele sabia que seus homens poderiam perecer
também.
O capitão também temia que os homens deixados na proa do
Mercer, ao ver um bote salva-vidas indo em sua direção, pulassem cedo
demais. Ele pegou um alto-falante e avisou os sobreviventes que
mandaria um barco de resgate e que a tripulação a bordo lhes daria um
sinal quando fosse a hora de pular. E disse que, quando chegasse o
momento, eles deveriam pular para o mar ao lado do barco, e que seus
homens os puxariam para dentro. Naab sabia que se o resgate não fosse
bem-sucedido, sua decisão seria questionada e a morte dos homens o
assombraria para sempre. No entanto, olhando para a proa, achou que
corria o risco de virar a qualquer momento. Ele não podia se dar ao luxo
de esperar mais.
O barco de resgate era conhecido como “surfboat Monomoy”,
porque havia sido projetado com uma proa alta para a grande
arrebentação que chegava a Monomoy, logo depois de Chatham.
Contudo, as ondas de no mínimo doze metros de altura que serpeavam
em volta da Yakutat podiam ser demais para a embarcação de madeira.
Se o barco de resgate virasse, as pessoas a bordo teriam menos de dez
minutos de consciência antes de a hipotermia os fazer desmaiar.
O segundo-tenente William Kiely, de Long Branch, Nova Jersey, foi
escolhido para liderar o ousado resgate, acompanhado por Gil
Carmichael, Paul Black, Edward Mason Jr. e Walter Terwilliger. Uma
das partes mais perigosas da missão seria o início: o barco de resgate
tinha de se afastar da Yakutat antes que as ondas o jogassem de volta e o
inundassem.
Carmichael lembra-se de que ele e seus colegas subiram nervosos no
barco; os homens a bordo da lancha os baixaram com roldanas, corda e
manivela. “O mar estava tão violento que o barco foi jogado para longe
da lancha e depois de volta, fazendo-nos chocar. Não percebemos no
momento, mas acho que a lateral de madeira do barco rachou. Quando
baixamos à água foi que tomei plena consciência de como nosso barco
era pequeno em comparação com as ondas e de minhas dúvidas de que
voltaríamos vivos à lancha.”
Os quatro socorristas navegaram o barco de resgate através das
ondas gigantes e pararam ao lado do casco de aço maciço do Mercer,
tendo o cuidado de não chegar perto demais.
Dentro da proa partida do Mercer, os homens começaram a discutir
quem pularia primeiro. O capitão Paetzel disse que queria ser o último a
sair, mas seus homens achavam que, com o estado de deterioração de
seus pés e a fraqueza que demonstrava por causa da hipotermia, ele
devia ser o primeiro a ir. Nenhum dos homens sabia se o pequeno barco
de resgate suportaria os quatro, nem se os socorristas seriam mesmo
capazes de arrancá-los das ondas. No entanto, todos sentiam que era um
risco que tinham de correr: se ficassem a bordo e o navio emborcasse,
seria o fim. Os tripulantes disserama Paetzel que se ele não pulasse
primeiro, eles o jogariam.
Os homens do Mercer —  Paetzel, Turner, Guldin e Fahrner —
andavam pelo convés oscilante olhando para baixo, para o barco que
balançava descontroladamente nas ondas. Seria uma longa queda até a
água. Se eles pulassem na vala de uma onda, seria uma queda livre de
aproximadamente dezoito metros; mas se entrassem na crista da onda,
seriam cerca de seis metros apenas.
Kiely olhou para o capitão Paetzel e lhe fez sinal para pular. Paetzel,
relutante, concordara em ir primeiro; porém, no momento, devia estar
se perguntando se estava pulando para a morte. O barco de resgate
abaixo parecia de brinquedo, insignificante perto das altas ondas.
Paetzel esperou que uma crista de onda se erguesse em sua direção.
Em seguida, pulou. Ele caiu na água a vários metros de distância do
barco de resgate, primeiro afundando completamente antes que seu
colete salva-vidas o levasse de volta à superfície. O choque na água
frígida lhe tirou o fôlego e fez com que a dor gritasse por todo o seu
corpo. Ele balançava nas ondas assassinas; seus braços já fracos estavam
ficando dormentes. Preciosos segundos se passaram, enquanto ele
observava a luta da tripulação do barco de resgate para virá-lo em sua
direção.
Kiely e sua equipe fizeram o melhor que puderam para manobrar o
barco até perto do capitão sem acertá-lo. Um minuto havia se passado
desde que o capitão pousara no oceano, e dava para ver que ele estava
tossindo água do mar. Quando estavam a um braço de distância, um
socorrista agarrou o colete salva-vidas de Paetzel, puxando-o para o
barco. A roupa encharcada no capitão duplicou seu peso, e três homens
tiveram de somar forças para arrastá-lo a bordo.
Enquanto isso, Kiely fazia o que podia para manter o barco longe do
casco de aço do navio. Com o capitão já em segurança a bordo, ele virou
o barco e buscou uma posição abaixo dos três tripulantes restantes. Era
hora de Turner pular, e o comissário esperou no convés do navio
inclinado pelo sinal de Kiely para saltar. Ele havia visto a dificuldade dos
socorristas de manobrar para perto do capitão e esperava que fossem
capazes de chegar a ele sem nenhum incidente. Observando o pequeno
barco de Monomoy abaixo, ele devia estar se perguntando como
conseguiriam mantê-lo em posição naquelas ondas gigantes.
Kiely fez sinal para que pulasse, e Turner pulou, tentando
cronometrar seu salto com uma onda que se erguia e lavava o casco de
aço e um espaço de sobra. Quando Turner mergulhou, uma onda
levantou o barco no ar, e uma sequência delas o jogou em direção a
Turner. Havia apenas um instante para arremeter em direção a Turner,
mas os jovens socorristas pegaram o comissário, enquanto eram
arrastados. No momento em que os homens tentavam puxar Turner a
bordo, o barco de resgate bateu no casco do petroleiro.
A sacudida quase derrubou os homens para fora do barco, mas
mantiveram Turner firme e o puxaram para cima. No entanto, o barco
de resgate não se saíra tão bem. Sua lateral de madeira estava
arrebentada, e água corria em cascata sobre a amurada partida. O peso
adicional da água junto com o de Paetzel e Turner fez o barco baixar, e
Kiely tinha dificuldade de controlá-lo.
O barco de resgate estava afundando!
Kiely sabia que teria de abortar o resgate, ou correria o risco de
perder os seis homens a bordo do barco. O capitão Naab percebeu o
mesmo e, pelo alto-falante, ordenou a Kiely que voltasse. O jovem
segundo-tenente tinha lágrimas nos olhos; era avassalador ter de deixar
os homens no navio, mas virou a pequena embarcação de volta para a
Yakutat e, lentamente, começou a navegar as ondas em direção à
segurança.
“Eu ficava esperando que nosso barco virasse”, diz Carmichael.
“Estávamos muito baixos, e as ondas vinham e entravam pelas laterais e
pelas rachaduras no casco. Os sobreviventes jaziam na água empoçada
no fundo do barco, onde haviam desmaiado.” Quando o barco de
resgate chegou à lancha, jogaram ganchos para prender a proa e a popa.
“Fixamos o gancho na proa sem problemas, mas quando me virei para
pegar o outro, que balançava na popa, ele bateu na lateral de minha
cabeça, deixando-me atordoado. Não sei como, mas conseguimos fixar o
gancho na popa e fomos içados para o convés da lancha. Foi quando
fiquei inconsciente. A próxima coisa de que me lembro é de acordar em
minha cama.”
De volta à proa do Mercer, Guldin e Fahrner ficaram no convés,
aliviados ao ver que o barco de resgate havia voltado com segurança e
sido içado a bordo. No entanto, também sabiam que tinham acabado de
perder a melhor chance de ser resgatados. O barco avariado não poderia
ser usado de novo, nem o capitão Naab poderia pôr em risco outro
barco e a tripulação. E os dois últimos sobreviventes se perguntavam se
o casco de aço flutuante em que estavam não seria seu caixão. Não havia
mais nada que pudessem fazer senão esperar.
A bordo da Yakutat, por volta das dez horas da manhã, o
radiotelegrafista enviou a seguinte mensagem para o Centro de
Comunicações da Guarda Costeira, em Marshfield, ma:
Dois sobreviventes, fredrick c. paetzel (capitão) e edward e. turner (comissário),
resgatados por barco. clima piorando. não se pode usar o barco para os dois
homens restantes. vão tentar resgate por corda e barco in�ável.
O capitão Naab, percebendo que o vento havia diminuído um pouco
desde o dia anterior, reconsiderou a opção de enviar mais um barco de
resgate. Achou que uma corda poderia ser lançada com sucesso na proa
do Mercer. O plano era prender uma ponta da corda no bote inflável e
estender a outra corda até a Yakutat. Se tudo corresse bem, os dois
sobreviventes pegariam a corda, puxariam o bote inflável em direção a
eles e prenderiam a corda no petroleiro, mantendo o salva-vidas no
lugar. Os relatos de testemunhas oculares diferem quanto ao que
aconteceu em seguida. Em um cenário, um sobrevivente pularia do
petroleiro e nadaria até o bote; uma vez em segurança a bordo, o outro
homem desamarraria a corda do petroleiro e a fixaria em volta de sua
cintura. E, então, também pularia do petroleiro, e o primeiro homem o
puxaria para o bote salva-vidas e o ajudaria a subir a bordo.
No segundo cenário, os dois sobreviventes deslizariam corda abaixo
e, uma vez em segurança a bordo do bote salva-vidas, com um canivete
cortariam a corda presa ao casco que afundava. Independente mente do
plano adotado, este permitiria que os guardas costeiros na Yakutat
rapidamente puxassem a outra corda, levando os sobreviventes e o bote
de volta para a lancha antes que a hipotermia os matasse.
O plano dependia do lançamento bem-sucedido de uma corda da
Yakutat ao Mercer — uma estratégia que havia acabado em fracasso na
noite anterior. Por um lado, Naab precisava que a Yakutat ficasse o mais
perto possível do casco para que a corda não ficasse aquém; mas, por
outro lado, o Mercer balançava e se inclinava tão violentamente que ele
não se atrevia a chegar muito perto.
Naab manobrou a Yakutat a sota-vento do petroleiro, chegando o
mais perto que ousou, e gritou aos sobreviventes pelo megafone:
“Preparem-se, vamos jogar uma corda e amarrar um bote nela”.
Nesse momento, a proa do Mercer se projetava acima do mar em
um ângulo de 45 graus, com a extremidade dianteira completamente
fora da água e a traseira totalmente submersa. Guldin e Fahrner tiveram
de se agarrar com firmeza do lado de fora do parapeito para não
escorregar no convés inclinado direto para a espuma que se agitava em
volta dos pedaços irregulares de aço onde o petroleiro havia se dividido.
Naab posicionou a Yakutat para que sua proa apontasse diretamente
a bombordo do petroleiro. Os homens a bordo da lancha observavam
em silêncio, enquanto o atirador Wayne Higgins se preparava para
disparar a corda. A arma de lançamento era um rifle Springfield
modificado com uma carga de granada que dispararia o projétil, uma
haste de aço de 45 centímetros inserida no cano da arma. Na
extremidade que saía do tamborda espingarda havia um peso de latão de
cinco quilos. A pequena haste tinha um orifício circular que a ligava ao
peso de bronze, conectando-a à fina corda que se estendia até uma caixa
de vinte centímetros de comprimento, que ficava no tambor da arma. A
corda ficava enrolada dentro da caixa, pronta para ser levada através das
ondas quando o projétil fosse disparado.
“Eu estava na ponta da proa”, lembra Higgins, “com medo de
deslizar no gelo, especialmente porque eu não podia usar as mãos para
me segurar no parapeito, pois precisava das duas no rifle. Eu sabia que a
corda teria de chegar ao navio imediatamente, porque parecia que ele ia
virar a qualquer momento. Quando disparei a arma, o recuo foi imenso,
e minha mão esquerda escorregou e cortei o dedo indicador na caixa da
corda, mas o tiro pareceu bom.”
Nessa primeira tentativa, a corda fez um arco no ar e pousou quase
diretamente em cima de Guldin e Fahrner. Naab fez sinal para que os
sobreviventes começassem a puxar a corda, e o bote, na outra
extremidade, foi lançado da lancha ao mar.
Quando o bote chegou perto da proa do Mercer, Fahrner e Guldin
prenderam a corda e hesitaram antes de subir no longo parapeito, talvez
reunindo toda a coragem antes de abandonar o navio. Um dos homens
— não se sabe qual — desceu pela corda para a água. Aterrissou a cerca
de 45 metros do bote e atravessou as águas geladas rumo à salvação.
Entretanto, quando tentou subir no bote, ele virou. Imedia tamente o
segundo homem, talvez no esforço de ajudar seu companheiro,
abandonou a ideia de desamarrar a corda do Mercer e deslizou por ela
rumo ao oceano.
Os tripulantes da Yakutat, impotentes para ajudar os homens na
água, observavam, enquanto Fahrner e Guldin lutavam nas ondas,
tentando desesperadamente se agarrar ao bote antes que a hipotermia
tornasse seus membros inúteis. Por um momento, parecia que o mar
reivindicaria mais duas vítimas, mas os homens lutaram com valentia e
ambos conseguiram se agarrar ao bote, virá-lo de volta para cima e, em
seguida, subir a bordo, desabando ali dentro.
No entanto, os sobreviventes estavam longe de estar salvos. O
segundo sobrevivente que saltara não havia desamarrado a corda do
petroleiro antes de pular e, a essa altura, os dois homens estavam
congelados demais para abrir um canivete para cortá-la. Isso significava
que o bote não poderia ser puxado de volta para a lancha de resgate.
O oficial de comunicações Bill Bleakley, observando o drama por
uma janela da ponte da Yakutat, sentiu medo de que a cena que havia
presenciado na noite anterior — os sobreviventes perecendo diante de
seus olhos —  acontecesse de novo. Bleakley não conseguia esquecer a
visão dos homens que pularam do petroleiro e foram engolidos pelo
frígido oceano e ficara particularmente chocado quando vira um homem
pular e bater de volta no casco do petroleiro antes de ser carregado pelas
águas.
Naab estava ao lado de Bleakley e disse: “E agora, o que vou fazer?
Se for para trás” — o que significaria reverter os motores — “e a corda
entre nós e o bote se partir, nós os perderemos. Mas se a corda entre o
bote e a proa se partir, podemos pegá-los”.
“O senhor não tem escolha, capitão”, disse Bleakley. “Reverta e
tenha esperança.”
Naab sabia que Bleakley estava certo. Qualquer hesitação significaria
a morte dos homens no bote por hipotermia, ao passo que forçar a
corda para que se partisse lhes daria 50% de chance de sobrevivência. O
capitão deu ordem de reverter os motores, e todos os homens a bordo
da lancha prenderam a respiração, imaginando de que lado a corda se
partiria —  ou, pior ainda, se o bote seria dilacerado, lançando os
homens nas ondas.
As linhas se retesaram e se ergueram fora da água. Meio segundo se
passou. Em seguida, ouviu-se um súbito grito de viva dos homens na
lancha quando a corda entre o bote e a proa se rompeu! Muitas mãos
rapidamente puxaram a corda do bote, e, em poucos minutos, Guldin e
Fahrner estavam abaixo do guarda-costas. Cordas e uma rede foram
jogadas, e os dois sobreviventes rastejaram pela lateral do bote e no mar
para alcançá-las, porém mal conseguiam levantar os braços. No entanto,
a tripulação da Yakutat havia previsto esse problema, e os socorristas
Dennis Perry e Herman Rubinsky, já com roupa apropriada, desceram
pela rede até a água. Cada um ajudou um sobrevivente, amarrando
cordas em volta do peito dos dois para que pudessem ser içados.
Quando Guldin e Fahrner estavam sendo içados, um deles se
enroscou na rede. Phillip Griebel, tripulante da Yakutat, viu o que estava
acontecendo e, sem a proteção da roupa apropriada, desceu pela rede e
liberou o homem. Então, os dois sobreviventes foram içados a bordo da
lancha de resgate.
Segundos depois, um socorrista apontou para a proa do Mercer e
gritou: “Olhem! Lá vai ela!”.
A proa se ergueu como se fosse uma coisa viva, apontando
diretamente para o céu cinza. Em seguida, ela girou, caindo para trás no
mar e espirrando água, completamente emborcada. Só uma pequena
parte da quilha se manteve acima das ondas.
Exatos dezessete minutos haviam se passado desde o momento em
que Guldin e Fahrner pularam da proa.
A Yakutat ficou ao lado da proa virada até que foi substituída pela
Unimak, naquela noite. E, então, o capitão Naab navegou a todo vapor
para Portland, Maine, para que os sobreviventes pudessem ser
hospitalizados. Eles estavam com hipotermia e ulcerações do frio, mas o
capitão Paetzel estava pior, com pneumonia. Repórteres de jornais
estavam no cais quando os sobreviventes foram retirados da lancha de
resgate. Fahrner, calmamente, disse ao Boston Herald: “Foi por pouco”.
A proa emborcada do Mercer era considerada um perigo para a
navegação, de modo que a Unimak, mais tarde, recebeu sinal verde para
afundar a metade flutuante. O oficial de artilharia Ben Stabile recorda
que primeiro disparou uma arma antiaérea de quarenta milímetros na
proa, logo acima da linha d’água, “para ver o que aconteceria”. Stabile
pensou que talvez o petróleo vazasse dos porões de carga e fosse
substituído por água, que é mais pesada que o óleo, ou que os projéteis
incendiários altamente explosivos que atirara fariam o petroleiro
explodir e afundar. Quando a proa nem se mexeu, o capitão da Unimak,
Frank McCabe, disse a Stabile: “Ben, vamos disparar a arma K com
cargas de profundidade”. Stabile nunca havia disparado cargas de
profundidade, e as armas K, utilizadas para dispará-las, lançava-as a
apenas cerca de setenta metros; a tripulação se perguntava se não seria
perto demais.
Depois de muita discussão, decidiram que a Unimak deveria estar a
todo vapor quando Stabile disparasse a arma K. Assim, a lancha se
distanciaria da carga de profundidade antes que explodisse.
As cargas de profundidade tinham forma de lágrima, para melhor
propulsão pela água; tinham 60 centímetros de comprimento e 45
centímetros de diâmetro na parte mais larga. A arma K dispararia as
cargas de profundidade formando um longo arco no ar, e, se tudo
corresse bem, elas cairiam no oceano perto da proa. Eram programadas
para explodir quando chegassem a uma profundidade de quinze metros.
Quando todos estavam prontos, o capitão McCabe acionou o motor
e a Unimak saiu voando em direção à proa, a uma velocidade de dezoito
nós. Quando a lancha estava adjacente ao casco do petroleiro, Stabile
descarregou três armas. Alguns segundos se passaram, e as cargas
explodiram debaixo d’água, lançando enormes nuvens de água
pulverizada no ar. A Unimak estremeceu violentamente, apesar de estar
a uma distância segura, mas a proa do Mercer mal se mexeu.
Depois de ver, durante meia hora, que o casco partido do petroleiro
continuava na mesma posição, McCabe decidiu repetir o procedimento.
“Dessa vez foi diferente”, diz Stabile. “A proa se ergueu no ar e, em
seguida, foi para baixo. Demos um grande suspiro de alívio. Não
queríamos estar perto daquela coisa quando caísse a noite. Era muito
difícil de ver, mesmo com radar, e eu tinhamedo de que batêssemos
nela e nos tornássemos suas últimas vítimas.”
capítulo 14
Uma manobra memorável
Coragem é graça sob pressão.
ernest hemingway
Uma metade do Fort Mercer já estava no fundo do mar. A outra
metade, a popa, ainda flutuava e era conduzida para o sul pelo vento e
pelas ondas. Os homens a bordo dela sentiam toda a gama de emoções;
seu humor e suas perspectivas subiam e desciam como o meio navio em
que estavam presos. Quando o petroleiro se partira ao meio, medo e
confusão reinaram na popa. Irromperam discussões sobre o que fazer, e
a confusão ameaçara transformar-se em pânico e caos, especialmente
porque o líder, capitão Paetzel, afastara-se na proa do Mercer. Alguns
homens falaram em abandonar o navio em botes salva-vidas, enquanto
outros argumentaram que os botes deveriam ser guardados como último
recurso. O intendente Luis Jomidad tentara se garantir; ele disse mais
tarde: “Eu fui até o convés dos botes e subi até um deles com um
machado. A liberação era feita por fora do bote, e eu queria ter certeza
de que funcionaria; por isso levei o machado. Um sujeito estava louco e
gritava: ‘Vamos pular no mar!’, mas eu disse: ‘Não, espere até que
afunde, e depois pulamos’. Durante as quatro horas seguintes, fiquei
sentado no bote salva-vidas com o machado na mão, pronto para cortar
a corda para liberá-lo”. O intendente, congelado até os ossos, por fim
havia voltado para dentro, mas ficara acordado a noite toda pronto para
correr de volta para o bote salva-vidas. “Se ele fosse baixado”, disse ele,
“eu queria estar ali fora.”
Embora a popa do Mercer pudesse virar, como a proa virara, os 34
homens na popa tiveram sorte, porque nessa metade do navio ainda
havia energia. Isso significava que eles tinham luzes operáveis, bombas e
um sistema de aquecimento que funcionavam. Infelizmente, não havia
rádio na popa, e a tripulação não tinha como se comunicar com o navio
mercante Short Splice, que estava à espera. Os sobreviventes tinham
aguentado até segunda-feira à noite, e, nesse momento, terça-feira de
manhã, rezavam para que a Guarda Costeira chegasse e que seu navio
fraturado ficasse à tona mais um pouco.
A tempestade que ameaçava tantas vidas estava longe de acabar e, a
bordo do Eastwind, o operador de rádio Len Whitmore estava deitado
em seu beliche, inquieto, enquanto o navio empinava e balançava.
Estava na pausa de seu posto no rádio, mas entre o movimento do navio
e os dramáticos acontecimentos do dia, dormir era quase impossível; por
isso ele se vestiu, saiu da cama e subiu. Len soube que o operador de
rádio do Mercer, John O’Reilly, com quem ele havia se comunicado
antes da divisão do petroleiro, estava morto. Mais vidas se perderiam?, ele
se perguntava, antes de o Eastwind chegar ao local.Ele sabia que a
tripulação do barco de resgate só faria a diferença, depois de tanto
treinamento, se chegasse a tempo.
Um resgate também poderia ajudar a aliviar a dura lembrança da
recente história trágica do Eastwind. Apenas três anos antes, em 19 de
janeiro de 1949, o Eastwind se dirigia de Boston para Chesapeake Bay
quando adentrou o denso nevoeiro na costa de Nova Jersey.
Inacreditavelmente, o que aconteceu depois envolvera um petroleiro t-
2, o Gulfstream, mas, nesse caso, o barco da Guarda Costeira fora, em
grande parte, responsável pelo acidente.
O relatório do inquérito da Guarda Costeira descreve os eventos: às
4h15, o Eastwind estava atravessando a névoa a uma rápida velocidade
de catorze nós, quando o operador de radar captou um alvo, o
Gulfstream, a cerca de cinco milhas (oito quilômetros) de distância (o
Gulfstream não tinha radar). O tenente Roland Estey Jr., que estava de
guarda como oficial de navegação, reconheceu que o Eastwind e o alvo
estavam em risco de colisão e, assim, ordenou uma leve mudança de
rumo; entretanto, nenhuma plotagem foi realizada para determinar o
caminho e a velocidade do alvo.
Apesar da mudança no rumo do Eastwind, o operador de radar
apontou que ainda estavam em rota de colisão, e a distância do alvo
diminuía com rapidez. Então, quando o alvo estava a menos de uma
milha de distância, “desapareceu no mar, fora do alcance do radar”.
Como o radar não conseguia localizar o alvo, Estey não desacelerou o
Eastwind nem soou a sirene. E, então, através do nevoeiro, o
Gulfstream surgiu a pouco mais de cem metros de distância, indo
diretamente para o Eastwind.
Estey segurou o leme com firmeza, porém já era tarde demais. A
proa do enorme petroleiro bateu no quebra-gelo a estibordo, bem à ré
da ponte, “penetrando a tal profundidade que a parte superior de sua
roda de proa se ergueu contra a chaminé do Eastwind”. As duas
embarcações se incendiaram. A tripulação do Gulfstream conseguiu
apagar o fogo em seu navio, mas no Eastwind ele se espalhou
rapidamente, incendiando a ponte, a sala de rádio e o compartimento de
amarração. Treze homens da Guarda Costeira morreram e outros 21
sofreram queimaduras.
A comissão de inquérito observou que o Gulfstream estava se
deslocando a uma velocidade excessiva (quinze nós) no nevoeiro, mas
que o Eastwind, sob as “regras da estrada”, havia sido o principal
responsável pelo acidente. Estey foi indiciado por não seguir as ordens
de informar o comandante se o radar captasse qualquer alvo dentro de
três milhas (cinco quilômetros), e de reduzir a velocidade do propulsor
da embarcação para 50 rpm e emitir sinais de nevoeiro. O capitão do
Eastwind também foi levado perante o Tribunal-Geral da Guarda
Costeira por permitir que um oficial com experiência insuficiente fosse
o oficial de guarda e que um homem inexperiente ficasse de sentinela. O
incidente deixou uma mancha na reputação da Guarda Costeira e no
Eastwind, em particular.
Com o Eastwind quase no local da popa do Mercer, Whitmore
olhou para o céu acima das ondas tempestuosas e se perguntou como o
capitão Peterson procederia para o resgate. Whitmore havia
acompanhado as comunicações de rádio da Yakutat quando tentara
resgatar os homens presos na proa do Mercer; sabia das vidas salvas e
das perdidas.
O segundo-tenente Larry White, a bordo do Eastwind, estava
igualmente consciente dos resultados mistos da Yakutat e esperava que
sua equipe conseguisse resgatar todos os homens da popa do Mercer. E
também estava preocupado com o efetivo a bordo do quebra-gelo,
porque muitos homens estavam mareados. “Havíamos preparado o
navio duas semanas antes”, lembra White, “para ir até o rio Hudson e
quebrar o gelo. Contudo, o Eastwind estava empinando e balançando.
Acostumados com o rio, nós não havíamos tido muito tempo para nos
aclimatar com o mar, e boa parte dos homens estava mareada demais
para exercer suas funções, de modo que outros tiveram de trabalhar em
dobro.”
White era um dos homens não mareados e, quando o Eastwind ficou
ao alcance visual do Mercer, ele observou que as ondas invadiam a ponta
irregular do petroleiro, descendo em cascata. O jovem segundo-tenente
percebeu que isso dificultaria o trabalho dele e de seus companheiros.
Ficou surpreso ao ver fumaça saindo das chaminés do petroleiro, mas
notou que a parte traseira da popa estava inclinada para cima; dava para
ver sua hélice cada vez que uma onda batia. À medida que o Eastwind se
aproximava do casco, White e Whitmore viram vários tripulantes do
petroleiro no parapeito do convés acenando freneticamente para eles. O
Eastwind navegou com lentidão a sota-vento do petroleiro para evitar
ficar em uma posição na qual o Mercer pudesse derivar para cima dele.
A primeira decisão do capitão Peterson no local foi estabelecer
comunicação com o Mercer. Para isso, ele instruiu que uma corda com
peso — punho de macaco — fosse lançada ao petroleiro. Na ponta da
corda havia um rádio portátil em um recipiente à prova d’água, e os
marinheiros do petroleiro conseguiram levá-lo a bordo. Uma vez que
retiraram o rádio do recipiente hermético, puderam começar a falar com
o barco de resgate. O engenheiro chefe Jesse Bushnell, dePasadena,
Texas, homem de mais alta patente na popa do petroleiro, disse ao
capitão Peterson que alguns homens haviam decidido tentar a sorte
ficando no casco, ao passo que outros queriam sair imediatamente.
Peterson respondeu que mandaria um bote inflável. Sua equipe disparou
outra corda para o petroleiro. Anexa a ela havia outra mais pesada, presa
ao bote salva-vidas; a outra ponta dessa corda estava presa ao Eastwind.
Quando os sobreviventes fixaram a ponta da corda no lado em que
estava o bote salva-vidas, três homens imediatamente pularam no mar e
subiram nele. A cena não foi tranquila, porque o mar ainda estava
agitado e o Eastwind balançava tanto que a corda saía da água, erguendo
os homens e o bote no alto. E, em seguida, o bote caía de volta na água,
fazendo com que os sobreviventes não conseguissem se segurar —  a
única coisa que impedia a morte certa no mar gelado.
Uma rede foi baixada do Eastwind, e três homens da Guarda
Costeira —  John Courtney, Roland Hoffert e Eugene Korpusik —
ofereceram-se para ficar nela e ajudar os sobreviventes a subir. Cada vez
que o Eastwind balançava, os voluntários afundavam totalmente, mas
mantinham-se firmes. Quando o bote chegou ao lado do quebra-gelo,
os socorristas conseguiram amarrar cordas em volta deles e içá-los a
bordo. Contudo, o capitão Peterson já tinha visto o suficiente e,
balançando a cabeça, cancelou a operação, sabendo que havia tido sorte
de tirar os sobreviventes da água com segurança.
Durante o evento, um segundo barco de resgate, o Acushnet,
chegou ao local, depois de amargar por 24 horas, desde Portland, nas
garras da tempestade. O litoral do Maine havia sido especialmente
atingido pela nevasca, e o Portland Herald Press relatava em grandes
manchetes: tempestade paralisa estado: agência meteorológica a
iguala à pior da história. O Acushnet estava ancorado em Portland
para reparos, e metade de sua tripulação fora dispensada e deixada em
terra, incluindo seu capitão, John Joseph. Ele estava em sua casa em
South Portland quando recebeu o telefonema sobre o Pendleton e o
Mercer. “Comandante, Acushnet chamando. Chegou uma mensagem da
sede, em Boston. Dois petroleiros se partiram em Cape Cod, e estamos
indo fazer o resgate.”
Joseph sabia que teria dificuldade de localizar sua tripulação e
respondeu: “Tente reunir a tripulação por telefone. Se não conseguir,
ligue para as estações de rádio locais e transmita-lhes uma mensagem.
Eu estarei lá”. Contudo, era mais fácil falar que fazer. O carro de Joseph
havia encalhado nos montes de neve na ponte de Portland Vaughan
Street. Sabendo que levaria horas para ir andando até o cais no qual o
Acushnet estava atracado, chamou a Estação da Guarda Costeira de
South Portland. Eles mandaram um barco patrulha, que chegou pelo
rio, pegou Joseph na ponte e o levou ao Acushnet. Outros tripulantes
também lutaram com a neve, mas todos conseguiram chegar. O
Acushnet, de 213 pés, saiu do porto de Portland e seguiu para o sul na
tempestade. Entre as pessoas a bordo estavam dois jovens socorristas,
John Mihlbauer e Sid Morris, que se lembram de uma viagem muito
difícil até o Mercer e ficaram felizes de ter o capitão Joseph no
comando. “Certamente fiquei contente de ver o capitão Joseph a
bordo”, diz Morris. “Ele havia comandado admiravelmente o navio em
vários resgates a pesqueiros em Grand Banks, e a tripulação tinha um
sentimento unânime de confiança em nosso capitão, um veterano da
Guarda Costeira há 25 anos. Eu sabia que seria uma viagem ruim,
porque já estava difícil nos manter eretos ainda quando estávamos no
porto. E, quando aceleramos em mar aberto e chegamos ao farol de
Portland, todo mundo que achava que enjoaria na viagem passou mal, e
os outros estavam começando a querer marear também.” Normalmente,
a viagem de Portland até a posição do Mercer, perto de Nantucket,
levava dezoito horas, mas, em decorrência das enormes ondas,
demoraram seis horas a mais, o que deu a todos a bordo muito tempo
para ficar enjoados.
Morris se recorda de como ficou boquiaberto quando viu a popa do
Mercer. “Eu vi lascas gigantescas, irregulares, de aço partido, e
marinheiros desesperados, implorando, agarrados ao parapeito.”
Mihlbauer se lembra de chegar a tempo para ver o Eastwind puxar o
bote salva-vidas com os sobreviventes de volta. “Dava para ver a
dificuldade do Eastwind com o bote”, lembra Mihlbauer. “O bote
jogava para cima e para baixo, e rodava também. Eu estava com o
coração na boca sabendo que havia homens naquele bote.”
O capitão Joseph também observava, pensando na sorte que os
homens no bote haviam tido de chegar vivos ao Eastwind. Mesmo
assim, começou a cogitar outra maneira de fazer o resgate. “Do jeito
que o mar estava revolto”, disse Joseph, “parecia que a popa em breve ia
se juntar a sua proa nas profundezas do oceano. Alguma coisa tinha de
ser feita rapidamente. Eu fui para a sala de rádio e sinalizei ao
comandante do Eastwind, dizendo: ‘Comandante, gostaria de levar o
Acushnet ao lado do petroleiro; assim, os sobreviventes poderiam pular
para nosso convés. É arriscado, mas acho que podemos fazer isso’.”
No Eastwind, o capitão Peterson — o comandante no local de toda
a operação de resgate — hesitou antes de responder, ponderando o risco
tanto para os sobreviventes quanto para o próprio Acushnet. Esse barco,
um rebocador oceânico da Guarda Costeira, era menor e mais
manobrável que o Eastwind, mas, ainda assim, a tática era altamente
incomum, em especial no meio de uma tempestade. Se os navios
colidissem por causa das ondas furiosas, a tripulação do Acushnet
poderia se encontrar em quase tanto perigo quanto os sobreviventes no
petroleiro. Peterson estava ciente desses riscos, bem como do escrutínio
por que passaria se a manobra falhasse, mas também sabia que não
tinham mais opções. Passou um aviso pelo rádio para que o capitão
Joseph tentasse.
Joseph explicou o plano a seu timoneiro, Harvey Madigan,
instruindo-o a fazer um semicírculo com o Acushnet, a abordar o
petroleiro por trás e a deslizar ao lado dele até restarem em torno de
três metros entre os dois navios. Então, quando o Acushnet estivesse
paralelo ao petroleiro, desligariam os motores e deixariam o barco de
resgate deslizar um pouco mais, para que os sobreviventes pudessem
pular sobre a saliência no extremo da popa. Joseph acrescentou palavras
de cautela: “Harvey, podemos fazer isso, mas você precisa ter cuidado.
Não deixe a proa balançar para o petroleiro. Se isso acontecer, seremos
esmagados contra ela, pode ter certeza. Mantenha a proa apontada para
fora e vai dar tudo certo”. Os dois homens ficaram em silêncio e
estudaram a corrente e o vento, tentando determinar quão rapidamente
estariam à deriva quando as hélices parassem de girar.
Joseph se posicionou na asa da ponte, onde podia ver a saliência no
extremo da popa de seu barco —  local em que os sobreviventes
pulariam. Ele fez Madigan lentamente executar o semicírculo e levar o
barco para a traseira do petroleiro, onde estavam os motores mortos,
para poder reavaliar a taxa de deriva. Quando os motores a diesel
ficaram em silêncio, o impulso do Acushnet os impeliu para a frente,
onde se erguia o petroleiro que afundava. Mil pensamentos passaram
pela cabeça de Joseph: E se uma onda súbita esmagar os barcos um no outro e
os afundar? E se os sobreviventes caírem entre os navios e forem esmagados? E
se o óleo do petroleiro explodir no momento do impacto? Que será de meu futuro
se não conseguirmos? Esses possíveis resultados o fizeram parar, mas só
por um segundo ou dois. “Um terço adiante!”, ordenou.
Já estavam perto o suficiente para ver com clareza o desespero
gravado na face dos sobreviventes alinhados na amurada do petroleiro.
Nesse momento, uma onda do tamanho de uma montanha jogou a proa
do Acushnet em direção à hélice do petroleiro. Madigan girou o volante
furiosamente e Joseph gritou ao telefone que ligava com a sala de
máquinas: “Frente a estibordo, traseiraa bombordo”. Os motores
provocaram ainda mais espuma no oceano. A apenas alguns metros do
impacto, a proa do barco de resgate parou e, devagar, começou a se
inverter.
Joseph e Madigan soltaram um breve suspiro de alívio e, quando o
Acushnet começou a ir direta e perpendicularmente para o petroleiro,
Joseph gritou: “Para trás os dois motores”. Com cuidado para manter a
proa apontada para longe do petroleiro, Madigan virou o volante para
que a popa do barco diminuísse mais perto do petroleiro. A distância
entre a saliência no extremo da popa do Acushnet e o Mercer diminuíra
para poucos centímetros e, em seguida, um leve tremor atravessou o
barco quando sua popa bateu no petroleiro. “Pare os dois motores!”,
gritou Joseph.
Era hora de os sobreviventes pularem, mas nenhum deles se mexeu.
E quem poderia culpá-los? Eles viam como os dois barcos, a apenas
alguns centímetros de distância, subiam e desciam de forma caótica. Os
sobreviventes ficaram paralisados, indecisos.
O tenente da Guarda Costeira, George Mahoney, Sid Morris, John
Mihlbauer e alguns outros homens foram para o convés de popa do
Acushnet, escorregando, esperando que a tripulação do petroleiro
pulasse. Mahoney gritou: “Vamos lá rapazes, pulem! Vamos pegá-los!”.
Ainda assim, ninguém sequer ergueu uma perna sobre a amurada. O
petroleiro e o barco de resgate eram como duas extremidades de uma
gangorra, e foi só por um breve momento que a popa da embarcação
guarda-costas se ergueu um pouco mais de um metro acima do convés
antes de mergulhar de novo.
Mahoney, frustrado pela falta de ação dos sobreviventes, levou as
mãos em concha ao redor da boca e gritou: “Pessoal, não podemos ficar
aqui o dia todo! Pulem!”.
Por fim, um sobrevivente saiu do transe, subiu na amurada e, em
seguida, fez uma pausa, esperando que o barco de resgate subisse na
próxima onda. Quando o barco ficou a menos de um metro abaixo e
apenas meio metro distante do petroleiro, ele se atirou para a frente,
caindo no convés.
Seu salto bem-sucedido deu confiança aos outros e, assim, um
segundo homem escalou a amurada, preparando-se para pular. Os
barcos agora estavam mais separados, e Mihlbauer acenou com a mão e
gritou: “Ainda não! Espere um segundo. Muito bem, prepare-se. Pule!”.
O sobrevivente fez como ele disse e pulou, com apenas alguns
centímetros de margem, quase morrendo esmagado entre os barcos.
O capitão Joseph descreveu o que aconteceu quando o terceiro
homem pulou. “Ele subiu na amurada e pulou. No entanto, havia
esperado demais. Ele pulou quando estávamos descendo. Seus pés
tocaram nossa amurada e ele caiu para trás, rumo ao espaço estreito
entre os cascos dos navios. Horrorizado, vi quando um grito começou a
sair de sua boca.” Dois socorristas correram na direção do homem e o
agarraram pelo casaco, mas o impulso e o peso do sobrevivente
começaram a puxar todos por sobre a amurada. Então, mais três
socorristas seguraram os marinheiros e o sobrevivente, e todos foram
puxados de volta para o convés.
Os sobreviventes restantes ficaram mais relutantes que nunca para
pular. Dois socorristas, no entanto, agindo por conta própria, quando o
barco de resgate se ergueu sobre uma onda e quase se nivelou com o
petroleiro, simplesmente estenderam a mão e cada um puxou um
sobrevivente do Mercer para o convés do guarda-costas. Os dois
socorristas estavam se preparando para fazer isso de novo quando uma
onda particularmente grande levantou a parte traseira do Mercer tão
alto que parecia que desabaria sobre o barco de resgate. Homens se
espalharam pelo convés temendo ser esmagados, quando Joseph gritou
ao telefone: “Toda velocidade a frente”.
Sid Morris relembrou o que aconteceu em seguida: “Os motores
gemeram e se retesaram, os tabiques e as plataformas tremeram com a
súbita vibração lacrimejante, os parafusos duplos se agitaram
furiosamente e, depois do que pareceu uma eternidade, nosso barco se
esticou e caiu para a frente, longe das bordas afiadas da hélice do
petroleiro”.
A hélice, porém, estava tão perto que arranhou a amurada. O capitão
Joseph, permitindo-se respirar de novo, decidiu que a sorte estava do
lado deles e ordenou ao timoneiro que tentasse de novo. Quando
voltaram à posição, mais uma vez tiveram de convencer os
sobreviventes. Sid Morris recorda-se de que um marinheiro corpulento
pulou, derrapou loucamente —  em pé —  pelo convés e bateu na
amurada, sendo salvo graças à ação rápida de um socorrista que o
segurou antes que caísse para fora do navio. O sobrevivente, mais tarde,
contou a Sid que havia deslizado tanto porque colocara os sapatos novos
que queria salvar.
Um total de dezoito homens pulou do petroleiro para o barco de
resgate, sem uma única baixa. Treze tripulantes, no entanto, decidiram
que era mais seguro ficar no navio que pular. Joseph mandou uma
rápida mensagem para a sede: sobreviventes embarcados,
manobrando popa do acushnet para lado do petroleiro. dois passes.
recebeu cinco homens no primeiro e treze no segundo.
O capitão Joseph pediu e recebeu permissão para levar os dezoito
sobreviventes para Boston, visto que dois deles precisariam ser
hospitalizados. Os outros, que escaparam sem um arranhão, estavam em
êxtase por estarem em segurança a bordo de um barco da Guarda
Costeira, com café quente, comida e roupa seca. Todos ficaram
aliviados, para dizer o mínimo. “O momento mais feliz de minha vida”,
disse o intendente Hurley Newman, “foi quando pulei para a popa do
Acushnet.”
O Acushnet deixou o local do acidente no fim da tarde e navegou
durante toda a noite até Boston. Quando o capitão Joseph, sua
tripulação e os sobreviventes chegaram a Boston, às oito horas da manhã
da quarta-feira, ficaram surpresos com a enorme multidão reunida perto
das docas. Uma alta ovação se ergueu entre os espectadores e soaram
buzinas. A imprensa estava ali em peso, fazendo perguntas e tirando
fotos dos sobreviventes que desciam a prancha. Quando o capitão
Joseph surgiu, ergueu-se outra ovação. Dois sobreviventes, Massie Hunt
e Alan Nimm, puseram-se um de cada lado do capitão, passaram os
braços ao redor dos ombros dele e abriram um largo sorriso quando a
Associated Press tirou a foto que saiu na primeira página de vários
jornais, em todo o país. Mais tarde, quando o capitão Joseph e o
Acushnet chegaram a Portland, outro enxame de pessoas aguardava,
incluindo a família do capitão. Joseph escreveria, mais tarde: “Saí da ala
da ponte para receber os parabéns. Quando olhei para a multidão
reunida e acenei para minha esposa, meu filho mais novo gritou alto:
‘Qual é o problema, pai? Por que não tirou todos de lá? Afrouxou?’”.
Joseph só pôde sorrir e balançar a cabeça.
capítulo 15
Terça-feira na Estação de Chatham
Fraternidade é o preço real e a condição de sobrevivência do homem.
carlos p. romulo
Bernie Webber esfregou seus olhos cansados; todas as articulações de
seu corpo doíam. Apesar da exaustão, ele não havia dormido bem.
Bernie ergueu seu corpo maltratado do beliche e olhou pela sala. As
dores faziam-no recordar o que havia acontecido. Ele e sua corajosa
tripulação haviam resgatado 32 marinheiros em um pequeno bote salva-
vidas. Webber olhou para baixo e achou que estava sonhando. Notas de
dólar estavam espalhadas pelo chão e sua gaveta transbordava de
dinheiro. Sem saber o que significava, Webber rapidamente se vestiu,
pegou todo o dinheiro e desceu a escada. Havia sobreviventes em toda
parte, deitados em camas dobráveis e no chão. Bernie levou o dinheiro
ao contramestre Cluff.
“De onde veio todo esse dinheiro?”, perguntou. Cluff lhe disse que
o dinheiro era um presente coletado pelos sobreviventes do Pendleton
que haviam conseguido pegar alguns de seus pertences antes de
abandonar o navio. O dinheiro doado acabou servindo para comprar um
aparelho de televisão para a Estação de Chatham, um luxo raro em
1952. Contudo, outras pessoas percebiam Bernie de forma diferente;
seus superiores estavam irritados por sua violação do protocolodurante
o resgate. Cluff disse a Webber que alguns oficiais superiores ficaram
resmungando as palavras “corte marcial”, porque Bernie havia desligado
o rádio e ignorado as autoridades superiores na viagem de volta a Old
Harbor. Cluff prometeu a Webber que lidaria com as consequências e
disse que não se preocupasse. No entanto, Cluff não precisou interceder
a favor de Bernie ou de qualquer outro membro da equipe. Mais tarde,
o contra-almirante H. G. Bradbury, comandante do Primeiro Distrito
da Guarda Costeira, enviou a seguinte mensagem prioritária:
Parabéns a todos os participantes das operações de resgate do ss pendleton. a
bernard c. webber, contramestre no comando da cg36500, e aos tripulantes,
engenheiro andrew j. �tzgerald, marinheiro richard p. livesey e marinheiro
ervin e. maske sn. cito: “sua atuação extraordinária e total despreocupação com
sua segurança ao atravessar as perigosas águas do chatham bar em meio a ondas
imensas, extrema escuridão e neve durante o violento temporal de inverno para
resgatar da morte iminente 32 dos 33 tripulantes presos na popa partida do
malfadado petroleiro, minutos antes que ele emborcasse [...] mostra seu grande
mérito e seu serviço completo”.
Richard Livesey acordou naquela manhã com dor de garganta e a
cabeça latejando. Temia estar com pneumonia. Tinha uma semana de
folga e queria chegar a sua casa o mais depressa possível. Todavia,
Livesey e o resto da tripulação haviam sido orientados a esperar até que
um médico os examinasse, mais tarde. Richard ficou aliviado quando o
médico lhe informou que não estava gravemente doente. Contudo, o
alívio logo se transformou em frustração quando o médico disse que
queria manter Livesey e os outros tripulantes em observação por uma
semana, o que significava que sua folga seria adiada.
Os sobreviventes do Pendleton não ficaram na Estação de Resgate
de Chatham por muito tempo, mas aproveitaram a oportunidade para
expressar seus sentimentos a Webber e à tripulação. “Nunca vou
esquecer vocês, companheiros”, disse o sobrevivente Frank Fauteux,
apertando a mão de todos. “Deus os abençoe, de coração.” O limpador
Fred Brown balançou a cabeça. Mais tarde, embarcaram em um ônibus
com destino ao Hotel Essex, em Boston. No caminho, tiveram de pegar
dois tripulantes: Aaron Posvell, 51 anos, de Jacksonville, Flórida, e o
amigo íntimo de Tiny Myers, Rollo Kennison, que haviam sido tratados
do choque e da imersão no Hospital Cape Cod, em Hyannis. Quando o
ônibus deixou a Estação de Chatham, os marinheiros passaram pelos
destroços de seu navio que brilhavam ao sol da manhã. “Lá está ele”,
disse o jovem Carroll Kilgore, com tristeza na voz.
Àquela altura, a notícia do resgate havia se espalhado muito além da
pequena aldeia de Chatham. Os jornais locais informaram sobre a
captura do ladrão de bancos Willie Sutton, os planos para a primeira
cerimônia semipública da recém-coroada rainha Elizabeth e também
sobre as iminentes núpcias de Elizabeth Taylor e o ator britânico
Michael Wilding. No entanto, a história do dia foi claramente o drama
que continuava a se desenrolar na costa de Cape Cod. Um dos
principais jornais de Boston, o Daily Record, publicou a manchete em
negrito: Trinta e dois resgatados e 55 agarrados aos navios
partidos em cape. O Cape Cod Standard Times publicou uma manchete
que anunciava: Quatro barcos de resgate de chatham resgatam 32
de dois petroleiros fraturados em cape. A primeira página do Boston
Globe relatou: Trinta e dois salvos dos petroleiros. O jornal também
publicou uma foto do capitão John J. Fitzgerald com o subtítulo:
Capitão de boston morre na proa do pendleton. Essa declaração foi
certamente prematura, em especial para a família de Fitzgerald.
Margaret Fitzgerald havia recebido a primeira notícia de que o
marido estava em apuros na noite de 18 de fevereiro. O filho de 11 anos
do capitão do petroleiro, John J. Fitzgerald iii, ouviu o telefone tocar,
quando ele e seu irmão estavam assistindo a um episódio de The
Adventures of Kit Carson na televisão. Sua mãe atendeu e, em seguida,
ficou ouvindo em silêncio, enquanto lhe transmitiam as notícias
preocupantes. “Meu Deus!”, gritou Margaret. “Meu marido morreu?” A
pessoa do outro lado da linha disse a ela que a situação ainda era
confusa. Falou sobre as quatro operações de resgate simultâneas, e que,
até o momento, o destino de seu marido não era conhecido. Margaret
Fitzgerald desligou o telefone, tentou recuperar a compostura e reuniu
seus quatro filhos para lhes dar a notícia. Assim como seus três irmãos,
John iii teve dificuldade de compreender o que sua mãe estava tentando
dizer. Era inconcebível pensar que seu pai poderia não mais voltar para
casa. Embora o menino estivesse acostumado às ausências prolongadas
do pai — de fato, o capitão do petroleiro estivera em casa somente 45
dias naquele ano —, ele o esperava entrar pela porta da frente com os
braços cheios de presentes. Enquanto isso, sua mãe tomou providências
para que seus filhos ficassem bem e, em seguida, foi para Chatham.
Millie Oliveira era a única esposa a esperar no saguão do Hotel
Essex, quando os sobreviventes, cansados, foram saindo do ônibus
depois de uma viagem de duas horas e meia até Boston. Flanqueada por
dois de seus três filhos, ela abraçou o marido, Aquinol, assim que ele
entrou no saguão aquecido. Durante as longas horas encalhado na popa,
o magro cozinheiro de óculos temera nunca mais ver sua família.
Aquinol Oliveira e seus 31 companheiros receberam acomodações
gratuitas no Essex, enquanto esperavam para dar suas declarações no
iminente inquérito da Guarda Costeira — procedimento padrão depois
de uma tragédia daquela dimensão. Antes disso, porém, os sobreviventes
tiveram de descrever sua angustiante provação para ansiosos repórteres
que não haviam ido até Chatham. Durante uma entrevista para o Boston
Post, Aquinol disse que estava cozinhando no momento da fratura do
navio e que seu rosto estava coberto de farinha quando ele subira
correndo para ver o que havia acontecido. Também disse que a
tempestade havia sido pior do que qualquer coisa que os alemães
houvessem jogado contra seu navio durante a invasão da Sicília, nove
anos antes. Rollo Kennison carregava um pacote de papel triangular
quando falou com os repórteres. Quando lhe perguntaram o que era
aquilo, Kennison estendeu a mão e tirou o sinalizador que George
“Tiny” Myers havia lhe dado, antes de morrer. “Ele era bom demais
para morrer”, disse Kennison, ainda abalado, aos membros da imprensa.
Margaret Fitzgerald andava pela praia, na manhã seguinte, com os
braços cruzados para se proteger do frio. Ela olhava para as ondas e se
perguntava se o mar havia levado seu marido. Ela não estava sozinha.
Centenas de pessoas haviam ido até o penhasco em Chatham naquele
dia para ver ao vivo os destroços do Pendleton. A multidão era tão
grande que patrulhas especiais de polícia tiveram de ser chamadas para
dirigir o tráfego. Para muitos espectadores, a imagem da popa retalhada
era um lembrete ameaçador do poder do mar. Outros, porém, olhavam
os destroços e viam apenas oportunidade.
Corriam rumores de que uma pequena fortuna havia sido deixada
para trás em uma das mesas na popa. Diziam que um grupo de
marinheiros estava jogando baralho quando foi notificado de que um
barco de resgate estava se aproximando do navio. Quando os tripulantes
começaram a recolher o dinheiro, um jogador recordou aos outros a
superstição dos marinheiros que diz que um homem que recolhe suas
apostas, enquanto abandona o navio, um dia perecerá vítima do mar. O
boato começou só porque os sobreviventes tinham dinheiro suficiente
com eles para encher a gaveta de meias de Bernie Webber e o chão ao
redor de seu beliche. No entanto, muitos dentre os pescadores de
Chatham acreditavam nele, também tentados pela sala de máquinas
totalmente equipada do navio, caros equipamentos de navegação e
grande oferta de vestuário. A Guarda Costeira havia dito quenão
patrulharia as duas metades do Pendleton, se não recebesse ordens para
isso. As ordens nunca chegaram, de modo que, em consonância com a
tradição de rapina do perímetro de Cape Cod, David Ryder e outros se
arriscaram nas águas agitadas em busca do tesouro. Ryder usou o
próprio barco de 38 pés, Alice & Nancy, para se aproximar da popa,
enquanto dois amigos subiam a bordo e vasculhavam a carcaça. Ryder se
recusara a subir a bordo e observou os outros homens deslizarem pelo
convés oleoso. Entre os itens coletados nos destroços estava a bujarrona
vermelha do Pendleton, que permanece na família Ryder até hoje.
Enquanto a multidão nas praias de Chatham testemunhava a fúria da
tempestade, um grupo de espectadores se reunia a cerca de trinta
quilômetros de distância, em Barnstable, onde a tripulação de um navio
açoitado tinha a própria história de sobrevivência. Como o Pendleton e
o Fort Mercer, o pesqueiro de arrasto 40 Fathoms, de sessenta pés,
também havia sido pego por uma assassina tempestade Nor’easter. A
embarcação deixara o porto de Barnstable no sábado, 16 de fevereiro, e
se dirigira para as abundantes áreas de pesca a 45 quilômetros de
Provincetown. A tripulação tinha conseguido pegar quase 230 quilos de
vieiras antes da tempestade do dia seguinte. O capitão Warren Goff e
seus três tripulantes viram-se presos no mar quando uma onda enorme
invadiu o barco, quebrando a janela da cabine do piloto e encharcando o
ecobatímetro, o triangulador de sinais e o rádio.
Sem nenhum meio de navegação, o capitão Goff adentrara ainda
mais o mar com o 40 Fathoms, na esperança de escapar da tempestade.
Goff tinha mantido o navio em movimento durante três horas e, em
seguida, refeito sua rota e repetido o processo. Por fim, ele virara o
pesqueiro de arrasto e rumara para o sul. No meio da tarde de segunda-
feira, 18 de fevereiro, Goff conseguira dirigir seu navio para Dennis.
Tinha encontrado a entrada para Old Island, na baía de Cape Cod, onde
ele e seus homens esperaram passar a tempestade. A tripulação voltara
com segurança para o porto de Barnstable no dia seguinte. Só então
descobriria que outros marinheiros capturados na mesma tempestade
não haviam tido a mesma sorte.
capítulo 16
Treze homens ainda a bordo
O caminho certo para não falhar é determinar-se a ser bem-sucedido.
richard brinsley sheridan
Nas ondas ao sudeste de Nantucket, a quarta-feira amanheceu brilhante.
A luz do sol iluminava as benignas ondas de pouco mais de três metros
que o Eastwind cavalgava com graça. Apesar das condições mais
agradáveis, Len Whitmore estava exausto. Pareciam ter se passado
semanas desde que a primeira mensagem de socorro do Fort Mercer
tinha chegado pelo rádio, mas, na verdade, haviam sido apenas 48 horas.
A experiência toda fora meio surreal. Len pensou sobre quanto se
preocupara em chegar ao local tarde demais, e, mesmo assim, não ter
havido perda de vidas na popa do Mercer. Na verdade, os treze homens
que haviam escolhido ficar na popa estavam indo muito bem e não
tinham a intenção de ser retirados do mar. Len não sabia se era porque
viram como era perigoso pular para o Acushnet e se sentiram mais
seguros no navio, ou se estavam pensando em seus empregos —  a
tripulação devia saber que se todos abandonassem o navio, alguém
poderia subir a bordo e reivindicar direitos. Os proprietários do navio
não ficariam muito satisfeitos com esse resultado e, provavelmente,
recompensariam quem permanecesse a bordo.
Em algumas horas, nada disso importaria para Whitmore, porque
rebocadores estavam indo amarrar cabos na popa para rebocá-la para o
porto. Logo, ele e seus colegas receberiam a folga tão necessária. O
Eastwind tinha três sobreviventes a bordo; estavam indo para Boston. O
Unimak ficaria com a popa do Mercer até que os rebocadores
chegassem e se certificassem de que o capítulo final correra bem. Len
pensou na sequência de eventos. A imagem do Acushnet se aproximando
do petroleiro durante a tempestade era uma de que ele sempre se
recordava, dentre todas. Também se lembrava das mensagens trocadas
em código Morse com o operador de rádio do Mercer, John O’Reilly,
que não sobrevivera além daquele primeiro dia.
O resgate, no entanto, fora considerado um grande sucesso;
marinheiros, bem como o público, elogiaram a Guarda Costeira por
utilizar efetivamente cada recurso de seu arsenal, incluindo botes
infláveis, pequenas embarcações, estações de radar, aeronaves e
embarcações de resgate de todos os tipos. Os jornais e as emissoras de
rádio e televisão não conseguiam dar total cobertura ao resgate, e,
enquanto o capitão Peterson, do Eastwind, ainda estava no local,
solicitações dos jornalistas chegavam a ele, incluindo a seguinte
mensagem de rádio: “John Daley chama capitão Oliver Peterson para
ser seu convidado no programa de tv da cbs, na noite de segunda-feira,
25 de fevereiro. O programa se chama It’s News to Me. Se puder
comparecer, confirme quanto antes”.
Mais tarde, os rebocadores Foundation Josephine, proveniente de
Halifax, Nova Escócia, e M. Moran, de Nova York, chegaram ao local.
O Eastwind notificou a central da chegada, acrescentando:
Os treze restantes a bordo [do mercer] consistem de voluntários para operar o
navio e funcionários velhos demais ou inaptos �sicamente para desembarcar nas
condições existentes. um tripulante tem ferimentos leves nas costas e outro
apresenta leve caso de pleurite, mas está em boas condições. foram entregues
suprimentos médicos e cigarros ao fort mercer. dos três sobreviventes a bordo
do eastwind, um possui dor inguinal que pode indicar hérnia.
Uma hora depois, Len Whitmore partiu do local do acidente. Sua
missão havia sido cumprida. Todavia, para outros, estava apenas
começando. A popa do Mercer havia ido para sudeste, posicionando-se a
cerca de quarenta milhas (64 quilômetros) ao sul de Nantucket no
momento em que os primeiros rebocadores chegaram. Inicialmente, o
Foundation Josephine lançou um cabo para a popa do Mercer e os
homens a bordo puxaram-no. Anexa ao cabo havia uma corda forte e
grossa chamada sirga, que foi presa ao engate de reboque à ré da popa
do Mercer. Como a extremidade da frente do casco era uma massa de
aço mutilado, decidiram rebocar a embarcação pela extremidade
traseira, para trás. O segundo rebocador, o M. Moran, em seguida,
amarrou uma sirga de sua popa à proa do Foundation Josephine, e a
operação de reboque procedeu em conjunto, com o M. Moran à frente,
seguido pelo Josephine e, então, pelo petroleiro. A procissão avançava
lentamente a cinco nós, indo para Narragansett Bay e Newport, em
Rhode Island.
Os jornais cobriram cada fase da operação de resgate. The New York
Times relatou que “luzes amarelas brilharam esta noite na popa do Fort
Mercer e uma coluna de fumaça subiu da chaminé. Os homens que
optaram por ficar no navio tinham luz e aquecimento, porque as
caldeiras e quase todas as máquinas do navio estavam nessa metade.
Havia abundância de alimentos na cozinha”. A empresa proprietária do
petroleiro, a Trinidad Corporation, talvez preocupada com a
responsabilidade, caso o meio petroleiro afundasse de repente durante a
operação de reboque, anunciou que não havia participado da decisão dos
treze homens de permanecer a bordo. Um porta-voz da empresa disse:
“Os treze homens permaneceram a bordo por escolha deles. Hoje em
dia, os tripulantes fazem a própria escolha. Foi apenas a opção dos
tripulantes”. Independentemente da razão, a popa do Mercer tinha um
valor que ia além de seu casco de aço; detinha 45 mil barris de petróleo
e toda a maquinaria do navio.
Na sexta-feira, os rebocadores chegaram a Narragansett Bay. Um
capitão de Newport levou três membros da Associated Press a bordo da
popa, e o redator Tom Horgan relatou que ele e dois fotógrafos haviam
sido os “primeiros visitantes a embarcar no casco partido, desde a
fratura”. Horgan relatou que quando subiu a bordo o cozinheiro do
navio o levou a uma cozinha impecável, naqual longas mesas estavam
cobertas de linho branco limpo. Os treze tripulantes estavam vivendo
em grande estilo, e os convidaram para um café da manhã com
panquecas, ovos “de todo jeito”, batatas, bacon, leite e café. O tripulante
Lionel Dupuis, entrevistado por Horgan, explicou como soube que o
navio havia se dividido ao meio: “Eu estava tomando sopa de ervilhas na
cozinha. Corri para o convés quando ouvi o barulho. Vi uma proa e
pensei: ‘Santo Deus, vamos bater em outro navio’. E, então, vi o nome
na proa e percebi que nosso próprio navio havia se partido ao meio!”.
A chegada do Mercer a Newport foi um grande acontecimento. O
Boston Herald informou que “milhares de motoristas e outras pessoas
cobriam a praia quando os rebocadores puxaram a popa do Mercer para
as águas calmas do porto de Newport”. Em uma estranha coincidência,
John Mihlbauer, tripulante do Acushnet, que havia ajudado a resgatar os
três homens da popa, estava visitando seus sogros em Newport e se
questionou por que uma multidão se reunia na orla. Perguntou a um
vizinho o que estava acontecendo. “Fiquei chocado”, lembra Mihlbauer,
“quando me disseram que rebocadores estavam puxando a popa do Fort
Mercer para o porto. Desci para ver e pensei: Se essa coisa ainda está à
tona, por que tivemos todo o trabalho de tirar os homens de lá?”. No entanto,
Mihlbauer logo se lembrou de como a proa do Mercer havia virado
menos de vinte minutos depois de o último homem pular do navio e
sabia que o destino da popa poderia ter sido o mesmo.
Três dos homens que ainda estavam a bordo desembarcaram por fim
em Newport: Samuel Barboza, de New Bedford, tinha algumas costelas
quebradas; Coit Howard, de Bristol, Connecticut, estava com pleurite; e
Alphonse Chauvin, de 72 anos, proveniente de Nova York, só queria ir
para casa. Os restantes dez tripulantes decidiram permanecer a bordo
durante a etapa final da viagem, até um estaleiro em Nova York. Eles
tiveram uma atitude semelhante à do tripulante Earl Smith, da
Filadélfia, que disse: “Nós o trouxemos até aqui; podemos muito bem
levá-lo pelo resto do caminho”. Os outros homens que ficaram a bordo
foram Jesse Bushnell, de Pasadena, Texas; Wilfred Heroux, de
Woonsocket, Rhode Island; Byron Mathewson, de Concord, New
Hampshire; Howard Colby, de Houston, Texas; Charles Duprey, de
Wolverine, Michigan; Lionel Dupuis, de Fall River, Massachusetts;
Chester Brodacki, de Corpus Christi, Texas; Michael Crawley, de
Houston; e Arthur Cunningham, de Camas, Washington.
Antes de a popa ser rebocada de Newport para Nova York, foi
inspecionada pela seguradora e pelas autoridades federais e considerada
em condições de navegar. A Trinidad Corporation disse que a popa era
mais ou menos “dois terços do navio, e não metade”, e valia
aproximadamente 2 milhões de dólares.
A viagem de Newport a East River, Brooklyn, levou apenas 26 horas.
No estaleiro, uma nova proa foi fixada à popa, e quando a reconstrução
foi concluída o navio foi rebatizado de San Jacinto. Ele foi modificado e
ganhou mais um conjunto de tanques de carga; foi estendido em
quarenta pés, passando a 545 pés de comprimento. O San Jacinto cobriu
rotas de navegação pelos Estados Unidos por mais uma dúzia de anos,
até que o destino encontrou o bendito petroleiro mais uma vez. Em 25
de março de 1964, o navio estava indo para Jacksonville, Flórida, depois
de ter descarregado uma carga mista de gasolina, querosene e óleo em
Portland, Maine. O San Jacinto estava a quarenta milhas (64
quilômetros) da costa leste da Virgínia quando três fortes explosões
rasgaram o centro do navio. Um enorme clarão de fogo irrompeu do
tanque número 8, destruindo partes do convés acima. O capitão
rapidamente inspecionou os danos e concluiu que tinha de pôr seus
homens no bote salva-vidas o mais depressa possível. Como o ss Fort
Mercer, o ss San Jacinto se dividiu ao meio. O capitão ordenou que
baixassem o bote salva-vidas e enviassem um pedido de socorro, mas o
operador de rádio não pôde cumprir seu dever porque o sistema de
antenas de rádio havia sido destruído na explosão.
Felizmente, outro navio, o Mobil Pegasus, estava nas proximidades,
e o operador de rádio conseguiu estabelecer comunicação por meio de
sinalização. Contudo, uma vez no bote salva-vidas, a tripulação sofreu
outro sério golpe. O pânico e a emoção decorrentes da explosão e da
evacuação foram demais para o intendente-chefe do navio, de 56 anos,
Martin Dotilla, que sofreu um ataque cardíaco instantes depois de subir
no pequeno bote. O capitão ordenou que o salva-vidas abordasse o
Mobil Pegasus na esperança de conseguir o atendimento médico de
emergência de que Dotilla necessitava para sobreviver. Foi uma
tentativa corajosa, mas inútil. O intendente-chefe de Gulfport,
Mississippi, morreu a caminho do navio de resgate.
Contudo, os demais 36 tripulantes sobreviveram à explosão, que
havia sido estranhamente semelhante à que afundara parte do Fort
Mercer doze anos antes. Entretanto, ao passo que a primeira tragédia
havia sido causada por uma combinação fatal de solda e aço de má
qualidade e tempo ruim, a explosão que destruiu o San Jacinto foi
atribuída a algo diferente. Na longa averiguação que se seguiu, os
investigadores da Guarda Costeira determinaram que o mais provável
foi que a explosão tenha sido causada por gasolina que não havia sido
devidamente retirada do número 8. Cada tanque era equipado com
ânodos de magnésio, para controlar a corrosão interna. Os
investigadores acreditavam que um ânodo de magnésio atingira um
elemento estrutural interno no costado inferior do tanque de carga,
criando uma faísca que acendera vapores de combustível, causando uma
enorme bola de fogo. Dentre as recomendações da Guarda Costeira
após a investigação, uma foi a proibição de ânodos de magnésio em
tanques de carga que transportassem gás, querosene, óleo ou qualquer
outro líquido combustível. No relatório oficial da Guarda Costeira havia
uma menção a emendas na construção do navio, mas,
surpreendentemente, nada indicava que isso pudesse ter contribuído de
alguma forma para a fratura completa do ss San Jacinto.
capítulo 17
Buscas na proa do Pendleton
Tudo tem jeito, menos a morte.
emily dickinson
Nos dias seguintes ao desastre, as equipes da Estação de Resgate de
Chatham fizeram várias tentativas de abordar a proa partida do
Pendleton, que estava sob dezesseis metros de água, perto do navio-
farol Pollock Rip, a sete milhas (onze quilômetros) da costa de
Chatham. “As coisas parecem meio agitadas lá fora”, disse o
contramestre Daniel Cluff a repórteres, dois dias após o resgate, “mas
acho que vamos tentar abordá-la de qualquer maneira”. No entanto, as
condições do mar continuavam duras e impediam que os tripulantes
subissem a bordo do casco instável. Nesse meio-tempo, homens
patrulhavam a praia à procura de corpos que pudessem ter sido levados a
terra. Nada encontraram. O destino dos demais tripulantes do
Pendleton, sem dúvida, pesava muito na mente dos proprietários do
navio; eles também tinham de descobrir o que fazer com as duas
metades do enorme navio, que ainda transportava uma grande
quantidade de óleo. Com fortes esperanças, representantes da National
Bulk Carriers Incorporated se reuniram com membros de uma empresa
de salvamento de Nova York no Wayside Inn, em Chatham. A empresa
acreditava que ainda era possível levar as duas partes do navio de volta a
doca seca e soldá-las de novo.
O clima finalmente amainou no domingo, 24 de fevereiro, quase
uma semana depois de o navio se dividir ao meio. Richard Livesey, Mel
Gouthro, o timoneiro Chick Chase e outros dois socorristas da Estação
de Resgate de Chatham se juntaram aos marinheiros do rebocador Curb
quando este se posicionou ao lado da proa partida do Pendleton. O
casco havia derivado até quase o local exato em que estava ancorado o
navio-farol Pollock Rip, que fora retirado dois dias antes por receio de
que a proa o abalroasse. A proa do Pendleton flutuavamais ou menos na
vertical, com a ponta acima d’água em um ângulo de 45 graus. O mar já
estava calmo, e os homens conseguiram subir a bordo do navio com
relativa facilidade. Contudo, Richard Livesey ficou no barco de resgate;
ele ainda podia ver o rosto de Tiny Myers em sua mente. Era um rosto
que o perseguia durante o sono e em quase todos os momentos
acordado. Livesey não tinha noção do horror que os esperava quando
saíram em busca da proa do Pendleton, mas sabia que era algo que não
poderia testemunhar de novo. Mel Gouthro também não estava muito
animado a subir no casco: “Tínhamos certo medo de subir naquele
pedaço de aço sem saber quando poderia se mover”. No entanto, ele e
os outros foram a bordo, subindo pela ponta quebrada e escalando mão
ante mão até o convés íngreme. Moviam-se com cuidado ao longo da
amurada, porque um passo em falso certamente significava uma viagem
inesperada rumo à água gelada abaixo. A temperatura ainda era de seis
graus negativos, mas o sol brilhava e lhes oferecia a luz tão necessária
quando começaram as buscas. A seguir, acenderam lanternas ao adentrar
as entranhas do navio. “Era estranho”, lembra Gouthro, “porque o
navio fazia todo tipo de ruídos estrondosos, talvez porque as ondas
batessem na parte em que havia se partido.” Os homens vasculharam a
embarcação partida e não encontraram corpos acima da linha d’água.
Concluíram que o capitão John Fitzgerald e seus sete tripulantes haviam
sido levados pelas águas. Contudo, esse pensamento desapareceu
rapidamente quando Gouthro e sua equipe se aproximaram do castelo
de proa, onde fizeram uma triste descoberta. Entraram devagar no
compartimento, e suas lanternas detectaram um homem estendido sobre
uma prateleira em um armário de tintas. Era evidente que o homem
estava morto. Estava coberto com jornal, em uma aparente tentativa de
se proteger da hipotermia. Seus pés estavam dentro de sacos de
serragem e seus sapatos e meias foram encontrados no chão. O homem
não tivera acesso a cobertores porque todos os alojamentos da
tripulação, beliches e cozinha estavam na popa. Aparentemente, o
tripulante havia se protegido no depósito da frente e não ouvira ou vira
os barcos de resgate que haviam ido salvá-lo seis dias antes.
“Ele tinha um olhar congelado no rosto”, lembra Gouthro. “Aquele
jovem estava morrendo de medo. Que maneira mais solitária de
morrer...” Gouthro supôs que o marinheiro poderia ser vigia do navio,
postado bem na frente com uma sirene de nevoeiro pronta para soar
caso visse outra embarcação.
Não houve um minuto de silêncio pelo companheiro caído. Em vez
disso, o marinheiro do rebocador de salvamento começou a xingar o
cadáver. “Seu filho da puta”, Gouthro ouviu um homem dizer. “Se não
fosse por você, teríamos o dia de folga.” Essas palavras não caíram bem
para Gouthro e os outros socorristas. “O pessoal da Marinha Mercante
era rude”, lembra ele. O modo como manipularam o corpo do homem
morto foi igualmente revoltante. “Os sujeitos o jogaram no barco como
se ele fosse um peixe morto”, lembra Richard Livesey.
Na busca pelo corpo do marinheiro, encontraram uma carteira de
habilitação que o identificava como Herman G. Gatlin, 25 anos, de
Greenville, Mississippi. A identificação positiva surgiu mais tarde, com a
comparação das impressões digitais do polegar esquerdo do homem
morto com as encontradas na parte de trás de sua identidade.
Gatlin foi levado para a Estação de Chatham e deixado em um anexo
até a chegada do legista. Mais tarde, o doutor C. H. Keene chegou à
estação e realizou um exame no falecido. Algumas pequenas escoriações
foram encontradas no corpo, mas não havia outros sinais de lesão,
trauma ou ossos quebrados. O doutor Keene concluiu que a causa da
morte tinha sido exposição e choque, e, surpreendentemente, que a hora
do óbito ocorrera durante o primeiro dia do acidente: “Morto antes de
zero hora, 18/2/1952”.
O que aconteceu com o capitão Fitzgerald e os outros homens na
proa permanecerá um mistério. Foram varridos do navio pelas águas
pouco depois da fratura? Caíram da passarela tentando alcançar a parte
mais à frente do navio, assim como o operador de rádio John O’Reilly
na proa do Mercer? Ou morreram instantaneamente, no momento do
acidente, como supunha o sobrevivente Oliver Gendron? “Quando o
navio rachou ao meio”, disse Gendron, “uma onda de mais de vinte
metros nos levantou até que a proa empinou. Então, caímos, ouvimos
um ruído de aço se rasgando. Quando batemos na depressão da onda, o
mastro veio abaixo. Caiu a meia-nau. Eu devia estar lá, mas estava à ré,
jogando baralho.” Gendron acrescentou que acreditava que o mastro
atordoara, ferira ou matara os homens a meia-nau, incluindo o capitão
Fitzgerald.
Talvez Gendron estivesse certo, mas a única pessoa que
provavelmente tenha visto o que aconteceu com o capitão Fitzgerald e o
resto dos homens foi Herman Gatlin, cujo corpo sem vida jazia na
Estação de Chatham.
p a r t e   i i i
capítulo 18
A investigação
O culpado não é aquele que comete o pecado, e sim aquele que causa a escuridão.
victor hugo
Para os tripulantes resgatados do Pendleton, o alívio e a alegria por
terem sobrevivido à tragédia foram substituídos por raiva. Eles
permitiram que sua amargura fluísse durante uma audiência da
investigação da Guarda Costeira, que começou em 20 de fevereiro de
1952, em Charlestown, Massachusetts. Presidindo a audiência estavam
os três oficiais do Primeiro Distrito de Boston: capitão Walter R.
Richards, presidente e chefe do Estado-maior; capitão William W.
Storey, chefe da Divisão de Segurança da Marinha Mercante; e o
comandante William Conley Jr., inspetor da Marinha. O comandante
William G. Mahoney, inspetor da Marinha, registrou o testemunho.
Os três homens do comitê de investigação ouviram um sobrevivente
após outro se levantar e dizer que passara doze torturantes horas em
mar aberto, condenado a perecer. Uma das principais preocupações
estava em uma fratura no navio que havia sido descoberta um mês antes,
mas não consertada. A rachadura havia sido encontrada no tabique do
Pendleton entre os tanques número 4 e central. “Era uma fratura
múltipla feia”, disse James M. Young, chefe operador de bombas do
navio. Young, proveniente de Galveston, Texas, também acreditava que
a rachadura poderia não ser tão grave, ou o navio teria se dividido ao
meio muito antes.
O testemunho mais contundente foi de alguns tripulantes que
disseram ao comitê que boa parte do equipamento do navio estava em
más condições de funcionamento. Por exemplo, eles declararam que não
puderam encontrar sinalizadores de perigo no navio. Testemunhas
também relataram que os fumígenos e muitos dos sinais luminosos não
funcionavam. Até sair do navio se revelou uma tarefa árdua para os
tripulantes, porque a única escada de Jacob disponível tinha apenas três
degraus. Todavia, a falha mais gritante estava na construção do navio.
Depois de ouvir muitos testemunhos, o membro do comitê, capitão
William Storey, deduziu que o frio extremo e a agitação violenta no
mar, combinados com a tensão aplicada ao metal soldado, poderiam ter
causado o desastre em ambos os navios. O tripulante do Fort Mercer
John Braknis concordou com a dedução de Storey. Ele e outros
disseram aos investigadores que ouviram ruídos estranhos, como o som
de soldas se partindo, quatro horas antes de o navio fraturar.
Os armadores obtiveram apoio de William Renz, topógrafo do
Departamento de Transporte do distrito de Boston. “A tempestade que
açoitava o mar era muito poderosa”, disse Renz a repórteres. Ele disse
ser “injusto” dizer que navios soldados não eram tão seguros quanto os
rebitados. O inspetor também afirmou que havia casos de navios
rebitados que se partiram em tempestades. Um era o Lofthus,
construído em Sunderland, Inglaterra, e lançado em 1868. O longo
navio de 222 pés havia sido construído com ferro rebitado. Trinta anos
depois de seu lançamento, o Lofthus saiu de Pensacola, naFlórida, para
Buenos Aires, na Argentina, com um carregamento de madeira, quando
afundou a quase uma milha (1,6 quilômetro) de Boynton Beach, na
Flórida. Os dezesseis tripulantes chegaram à praia em segurança,
contudo, o navio sofreu perda total.
No referente ao ss Pendleton, o Conselho de Investigação da
Marinha concluiu: “O petroleiro apresentava uma grande falha
estrutural, que desencadeou falência total da viga mestra do casco,
fazendo com que o navio se partisse em dois entre os tanques números 7
e 8, e resultando na perda de nove vidas”. Os nomes de todos os homens
que morreram a bordo do Pendleton foram listados pela primeira vez.
John J. Fitzgerald, capitão
Martin Moe, suboficial
Joseph W. Colgan, segundo suboficial
Harold Bancus, terceiro suboficial
James G. Greer, operador de rádio
Joseph L. Landry, marinheiro de primeira classe
Herman G. Gatlin, marinheiro de primeira classe
Billy Roy Morgan, marinheiro
George D. Myers, marinheiro
Apesar dos testemunhos em contrário, o conselho também concluiu
“que o Pendleton estava tripulado e equipado de acordo com o
certificado de inspeção e que, no momento do acidente, havia 41
pessoas a bordo, incluindo o capitão”. O comitê reconheceu, no
entanto, que, dos quatro fumígenos laranja usados pelos tripulantes na
popa, somente um funcionara. Os investigadores notificaram que doze
dos foguetes paraquedas do navio foram disparados normalmente, mas
que apenas um único clarão iluminara o céu nevado.
Em síntese, para o comitê, três fatores principais levaram à ruptura
do ss Pendleton: 1) construção; 2) mau tempo; 3) carregamento. Em
relação à construção do navio, relatou-se que “em decorrência do design
e da construção com soldas, havia muitos pontos de concentração de
tensão no Pendleton”. O conselho apontou especialmente o que pareceu
ser uma soldadura defeituosa nos colchetes dos tabiques transversais.
Desse modo, julgou que a fratura inicial havia ocorrido perto, ou na
curva do bojo, imediatamente à frente dos tabiques transversais entre os
tanques números 7 e 8. Essa fratura inicial, em seguida, estendera-se por
dentro, em direção à linha central, e para cima, em direção ao convés e
ao obstrutor de trinca, a estibordo. Como as duas metades do navio
ainda estavam parcialmente submersas nas águas de Chatham, o comitê
só poderia especular que a fratura inicial havia avariado o casco, de tal
forma que outras rachaduras teriam ocorrido em “rápida sucessão”.
Quanto ao mau tempo, o Comitê de Investigação da Marinha
simplesmente reforçou o que os sobreviventes do Pendleton e os quatro
homens que os haviam salvado já sabiam. Na página dez do relatório de
catorze páginas, os investigadores escreveram:
O comitê é de opinião que o mau tempo desempenhou um papel vital na causa do
acidente, particularmente a temperatura e o mar. Havia forte vento nordeste no
momento, com ondas muito violentas, e a possível posição do navio em relação à
direção das ondas teria por vezes posicionado a proa e a popa do navio nas cristas das
ondas, com pouco ou nenhum apoio a meia-nau.
O comitê concluiu igualmente que o navio mudara o curso para o
sul depois de ser açoitado por várias ondas fortes, até que, por fim,
partira-se ao meio. Reconheceu que a baixa temperatura da água do
mar, de cerca de três graus centígrados, contribuiu para as fraturas.
A intensa tempestade havia sido culpa da Mãe Natureza apenas, ao
contrário do carregamento do navio, que foi resultado de erro humano.
A investigação constatou que o carregamento do petroleiro tinha um
“efeito adverso” que fizera o navio se retrair, criando mais tensão na
parte inferior. De acordo com o relatório, os tanques na parte da frente
do navio, excluindo 120 barris de óleo combustível no tanque profundo
a bombordo, estavam vazios. O tanque de número 9 estava quase vazio,
e os tanques de água foram apenas parcialmente preenchidos depois.
Isso deixou a maior parte do peso a meia-nau, o que provocou um
“efeito vergadura”, que foi “fortemente agravado pelas ondas
extremamente violentas”. Ao contrário dessa constatação, o comitê
concluiu que o navio havia sido carregado em fila, como é a prática
usual no ramo de petroleiros. Os investigadores também determinaram
que os obstrutores de trinca instalados no navio foram eficazes para
conter uma fratura, mas não impediram que outras se formassem.
No fim, o naufrágio do Pendleton seria atribuído ao destino, e
ninguém seria responsabilizado pelo Comitê de Investigação da
Marinha. Para muitos sobreviventes, o relatório parecia uma pá de cal
governamental. O conselho concluiu:
Não houve incompetência, má conduta, amadorismo ou violação dolosa da lei ou de
qualquer norma ou regulamento por parte de quaisquer oficiais, marinheiros,
empregadores, armadores ou agentes do navio, ou de qualquer inspetor da Guarda
Costeira que tenha contribuído para esse acidente.
O comitê recomendou a condução de um estudo sobre a melhor
maneira de carregar petroleiros t-2, na tentativa de reduzir a vergadura.
Os investigadores também sugeriram que quatro obstrutores de trinca
adicionais fossem instalados no fundo do navio (presumindo que
pudesse ser reconstruído), correspondentes àqueles sob o convés. E
recomendou, ainda, que fosse instalada uma escada vertical no costado à
frente da estrutura da ponte, para permitir ao capitão e à tripulação uma
saída de emergência pela ponte para o convés ou a passarela em frente.
O conselho também apontou que estava de pleno acordo com as
comendas concedidas a “vários oficiais e homens da Guarda Costeira
que participaram do bem-sucedido resgate de tripulantes do
Pendleton”.
capítulo 19
Ser rotulado de herói 
pode ser um fardo
Ser um herói é ter a profissão de mais curta duração na Terra.
will rogers
Nos meses seguintes ao resgate, Bernie Webber e sua equipe viram-se
galgando uma onda diferente — de adulação pública  —, tarefa que
mostrou ser igualmente difícil para os jovens socorristas, que nunca
quiseram ser o centro das atenções. Sua ascensão de homens corajosos
que estavam apenas fazendo seu trabalho para queridinhos da mídia foi
ditada pelas notícias do dia. A Guerra da Coreia continuava se
arrastando, enquanto conversações de armistício entre os Estados
Unidos e a Coreia do Norte mantinham-se em um impasse. De fato, em
18 de fevereiro, dia do resgate do Pendleton, quinze soldados norte-
americanos foram mortos em ação, incluindo sete militares do 224º
Regimento, 40ª Divisão de Infantaria, durante uma batalha perto de
Chung-bang Pyong, Coreia do Norte. Os norte-americanos, cansados
da guerra, precisavam de algo que lhes fizesse bem, algo que os unisse.
Os homens da cg36500 lhes forneceram uma otimista distração da dura
realidade da guerra.
Reminiscentes dos heróis imperfeitos descritos pelo escritor James
Bradley em seu best-seller A conquista da honra, Bernie Webber e sua
equipe foram usados pelo governo dos Estados Unidos como arma de
relações públicas para angariar apoio para o estilo de vida norte-
americano. Em A conquista da honra, os homens capturados naquela
fotografia icônica ao içarem a “segunda” bandeira norte-americana no
topo do Monte Suribachi durante a batalha de Iwo Jima foram
imediatamente levados de volta aos Estados Unidos para liderar um
circo itinerante e angariar indispensáveis fundos para apoiar a guerra.
Entretanto, no exato momento em que os homens que içaram a
bandeira — Ira Hayes, Rene Gagnon e John “Doc” Bradley — eram
saudados como heróis, seus camaradas morriam em um planalto
vulcânico deserto, em números recordes. Esse mesmo tipo de culpa
compartilhada por esses homens foi sentido de novo, sete anos depois,
pela tripulação da cg36500, que também acreditava que os verdadeiros
heróis haviam sido os homens que não voltaram.
Webber sentia remorsos não só por Tiny Myers e os outros que
haviam morrido no desastre, mas também por aqueles que não estavam
recebendo a atenção e o crédito que mereciam por seus papéis namilagrosa operação de resgate. Ele pensava em seu amigo Donald Bangs
e nos tripulantes da cg36383, que passaram, naquela noite fatídica, mais
horas enfrentando os elementos naturais do que a equipe de Webber. Os
dois homens eram próximos e discutiram sobre aquela noite muitas
vezes nos anos seguintes. “Eu amava aquele homem”, diz Bernie com
orgulho. “Naquela época, passávamos dez dias de plantão antes de talvez
conseguir dois dias de folga. Sem televisão, conversar era a única coisa a
fazer, e Donald era um ótimo papo. Com nossas xícaras de café fervido,
passávamos horas intermináveis conversando.” Bangs disse a Bernie que
todo o tempo que passou no resgate do Pendleton voltou-se ao homem
que pulara da proa e estava perdido. Bangs não conseguia entender por
que não foi mandado para ajudar na popa partida, visto que sua cg36383
estava a apenas uma milha (1,6 quilômetro) de distância. Bernie
rapidamente entendeu que se Bangs e seus homens não tivessem sido
mandados de volta à proa do Pendleton, mas sim autorizados a atender à
popa, Don Bangs, e não Bernie Webber, teria sido considerado o novo
“garoto-propaganda” da Guarda Costeira dos Estados Unidos.
Essas pontadas de culpa foram diminuindo graças à crença crescente
de Webber de que seu novo status de celebridade na Guarda Costeira
era mais um fardo que uma bênção. Logo após o resgate do Pendleton,
ele havia pedido transferência da Estação de Resgate de Chatham para o
Grupamento Woods Hole, bem maior, a cerca de oitenta quilômetros
de distância, do outro lado de Cape Cod. Lá, Webber havia
reencontrado seu mentor e amigo, capitão Frank Masachi, a bordo do
barco de resgate da Guarda Costeira cg8338. Bernie queria
desesperadamente deixar para trás Chatham e o árduo resgate e se
concentrar apenas em seu novo ambiente e em sua nova missão. Isso,
porém, mostrou-se uma tarefa impossível, uma vez que seus superiores
ficavam constantemente tirando-o do trabalho para fazer discursos nos
clubes Kiwanis e Rotary. Dezenas de fotografias foram tiradas de
Webber recebendo prêmios e elogios, mas um exame cuidadoso de sua
expressão nas imagens mostra um homem pouco à vontade, nunca
confortável. Fica claro que ele estaria melhor na água que
comparecendo a eventos sucessivos.
Webber, o contramestre Daniel Cluff e o operador de rádio William
Woodland foram homenageados pelo presidente da loja de
departamentos Jordan Marsh e agraciados com o Prêmio de Mérito
durante uma cerimônia no Parker House, em Boston, um luxuoso hotel
onde John F. Kennedy anunciara sua candidatura ao Congresso e,
posteriormente, pedira Jacqueline Bouvier em casamento. Vários
companheiros de Webber achavam que ele havia virado estrela, e um
profundo ressentimento começou a brotar. Bernie passou a entender
essa raiva e também se ressentia de superiores que estariam usando o
resgate do Pendleton para seus interesses.
Pelo menos um alto oficial da Guarda Costeira sabia o que Bernie
estava passando. John M. Joseph, que havia comandado a Acushnet no
resgate do Fort Mercer — no qual facilmente ganhou o respeito de sua
equipe e de toda a Guarda Costeira, incluindo Webber  —, tornara-se
seu comandante por ocasião da transferência para Woods Hole. “Na
estação de controle de popa de seu barco, ele teve coragem para se
aproximar o suficiente em meio à fúria das ondas para que os tripulantes
do petroleiro pudessem pular”, lembra Bernie. “Na época, a divisão
entre oficiais e praças era ampla. No entanto, o comandante Joseph me
chamou em seu escritório, fechou a porta e me convidou para sentar e
conversar um pouco.” Os dois homens haviam sido capturados pela
máquina de relações públicas da Guarda Costeira após os resgates. “Nós
tínhamos o resgate em comum e conhecíamos os prós e os contras disso.
Ele estava preocupado comigo e minha família e me deu apoio, o que
me ajudou nos dias seguintes. Ele era um oficial e um cavalheiro, tinha
respeito pelos marinheiros e reconhecia nosso papel no esquema das
coisas.”
Na verdade, Bernie Webber também tinha seus interesses. Ele
queria ter certeza de que seus colegas receberiam as mesmas honras e os
mesmos prêmios que ele próprio. Reuniu-se brevemente com Andy
Fitzgerald, Ervin Maske e Richard Livesey, em Washington, dc, em 14
de maio de 1952. Eles haviam ido à capital do país para receber a maior
honraria da Guarda Costeira: a Medalha de Ouro de Salvamento. Todos
ficaram felizes por se reencontrar e sabiam como eram afortunados por
ser agraciados com uma medalha de tanto prestígio. Contudo, o evento
nunca teria ocorrido se não fosse pela grande persistência de Bernie
Webber. Poucos dias após o resgate, ele foi chamado ao escritório do
contramestre Cluff e atendeu ao telefone. Do outro lado da linha, estava
um oficial da sede da Guarda Costeira, que, primeiro, felicitou Bernie
pelo resgate, e, em seguida, informou que ele seria agraciado com a
Medalha de Ouro de Salvamento.
“E minha equipe?”, perguntou Webber. “Todos eles vão receber a
Medalha de Prata de Salvamento”, respondeu o oficial.
A raiva e a exaustão de Bernie entraram em erupção através da linha
telefônica. “Eu acho isso uma merda”, gritou no fone. “Eles estavam lá,
assim como eu, e fizeram todo o resgate difícil. Se eles não vão receber a
medalha de ouro, eu também não quero.”
Cluff ficou visivelmente chateado ao ouvir um de seus homens falar
assim com um capitão. “Você está falando sério?”, perguntou o capitão,
estarrecido.
Webber disse que sim e foi inflexível. Se seus homens não
recebessem a medalha, ninguém receberia.
Os oficiais da Guarda Costeira cederam ao ultimato de Webber,
conscientes do pesadelo de relações públicas que enfrentariam se
virassem as costas ao novo herói. A medalha foi comemorada por todos
os homens, mas provavelmente por ninguém mais que por Richard
“Herd Bull” Livesey. Ao receber o prêmio, Livesey pensou em seu pai,
Oswald, que passara mais de duas décadas na Marinha dos Estados
Unidos. “Ele estava tão orgulhoso de mim!” Livesey sorria radiante,
mais de meio século depois. “Ele disse que, em todos os seus anos na
Marinha, nunca havia ouvido falar de um resgate como aquele.”
A Medalha de Ouro de Salvamento é uma das mais antigas honrarias
das Forças Armadas norte-americanas e foi concedida pela primeira vez
em 1876 a três irmãos —  Hubbard Clemons, Lucian Clemons e A. J.
Clemons —  que haviam salvado dois membros da escuna naufragada
Consuelo, perto da Ilha de Kelley, no Lago Erie, um ano antes. O
prêmio pode ser concedido a qualquer militar dos Estados Unidos que
realize um resgate em águas norte-americanas ou sob jurisdição dos
Estados Unidos. Recebe a Medalha de Ouro de Salvamento aquele que
tenta fazer um resgate correndo “perigo extremo e risco de morte”.
A medalha é considerada extremamente rara, mesmo para os
militares. Os participantes de resgates que não atendem aos critérios de
uma Medalha de Ouro de Salvamento são agraciados com a Medalha de
Prata. Chester W. Nimitz e George S. Patton receberam uma Medalha
de Prata de Salvamento. Nimitz, na época tenente e comandante do
submarino e-1 da Marinha dos Estados Unidos, recebeu a medalha em
1912, por resgatar do afogamento um de seus tripulantes. George S.
Patton sempre considerava sua Medalha de Prata de Salvamento uma de
suas favoritas, por causa de seu grande tamanho. Ele recebeu a medalha
em 1925, dois anos depois de resgatar três meninos durante uma
tempestade violenta, na costa de Massachusetts. Patton, na época major,
havia acabado de se formar na Escola de Cavalaria Avançada, em Fort
Riley, Kansas, e estava desfrutando uma licença de três meses com sua
esposa, Beatrice, na propriedade de sua família, em Beverly Farms. O
casal estava navegando nas proximidades do porto de Salem quando caiu
uma súbita tempestade, fazendo outro barco virar. Patton levou seu
barco até os garotos, que estavam agarrados a um douro. Com a ajuda
de um remo, o futuro herói da Segunda Guerra Mundial conseguiu içar
os meninos,um a um, para seu barco.
Bernie Webber nunca conseguiria a fama de um Patton ou um
Nimitz, mas estava prestes a receber um prêmio com o qual essas duas
lendas norte-americanas só poderiam sonhar. Vestindo seus uniformes
azuis da Guarda Costeira, Webber, Fitzgerald, Livesey e Maske ficaram
em posição de atenção, enquanto Edward H. Foley, subsecretário do
Tesouro, fixava as medalhas no peito de cada um. O segundo-tenente
William R. Keily Jr., da embarcação da Guarda Costeira Yakutat,
também recebeu uma Medalha de Ouro de Salvamento por arrancar
dois sobreviventes do Fort Mercer da água gelada. No entanto, seus
homens só foram agraciados com medalhas de prata. Fiel a sua
denominação, a medalha é 99,9% ouro puro. A inscrição no verso diz:
“Em testemunho de feitos heroicos para salvar vidas dos perigos da
água”.
O vice-almirante Merlin O’Neill, comandante da Guarda Costeira,
discursou perante o subsecretário Foley, os membros do Congresso e
outros vips sobre os cinco rapazes que receberam medalha de ouro e os
outros dezesseis homens da Guarda Costeira homenageados pelo
resgate de setenta homens do mar. No alto pódio, O’Neill descreveu
para a multidão o que esses heróis despretensiosos haviam realizado.
“Os dias 18 e 19 de fevereiro serão lembrados na história da Guarda
Costeira”, disse.
Nesses dois dias, uma tempestade Nor’easter assolou a Nova Inglaterra. Fazia muito
frio [...] havia neve, granizo e ventos uivantes. A leste de Cape Cod, ventos de 130
quilômetros por hora e ondas de dezoito metros de altura açoitaram navios mercantes
que não haviam conseguido aportar. Dois grandes petroleiros apareceram em cena —
o ss Fort Mercer e o ss Pendleton. A quarenta milhas (64 quilômetros) de distância
um do outro, ambos encontraram toda a força e horror da tempestade [...] Os
sobreviventes ficaram presos em cada parte [...] um total de 84 homens semicongelados
cujas chances de sobrevivência pareciam impossíveis. Estamos aqui reunidos hoje para
homenagear alguns dos homens que participaram das operações de salvamento do Fort
Mercer e do Pendleton. Digo alguns dos homens porque suas façanhas individuais
foram impressionantes, mas não devemos esquecer o número muito maior de seus
companheiros cuja habilidade, coragem e devoção ao dever passaram despercebidos na
operação como um todo.
Em seguida, o vice-almirante voltou sua atenção para os homens que
estavam sendo homenageados nesse dia.
Estes 21 homens enfrentaram quatro operações de resgate diferentes. Cada operação
apresentava problemas específicos. Mas cada um encarou os mesmos perigos de cascos
arremessados como rolhas nas altas ondas. Estes homens cumpriram seu dever
encharcados de água gelada, sem comer durante horas [...] e com a morte cavalgando
cada onda.
Receberam a Medalha de Prata de Salvamento:
Paul R. Black, operador de máquinas de segunda classe, Pittsburgh
Gilbert E. Carmichael, segundo-tenente, Dallas
Edward A. Mason Jr., aprendiz de marinheiro, Maynard, Massachusetts
Webster G. Terwilliger, marinheiro, Los Angeles
Os seguintes homens receberam a Comenda Ribbon da Guarda
Costeira, dada “àqueles que se distinguem por heroísmo, realização
extraordinária ou serviço meritório acima do normalmente esperado e
digno de reconhecimento especial”.
Antonio F. Ballerini, contramestre de terceira classe provisória, East Boston
Donald H. Bangs, imediato, Chatham, Massachusetts
Richard J. Ciccone, marinheiro, Providence, Rhode Island
John J. Cortney, contramestre de terceira classe, Filadélfia
John F. Dunn, operador de máquinas de primeira classe, Rockville, Rhode Island
Phillip M. Greibel, operador de rádio de primeira classe, Portland, Maine
Emory H. Haynes, operador de máquinas de primeira classe, Cambridge,
Massachusetts
Roland W. Hoffert, artilheiro de terceira classe, Bethlehem, Pensilvânia
John N. Joseph, capitão-tenente, South Portland, Maine
Eugene W. Korpusik, aprendiz de marinheiro, Detroit
Ralph L. Ormsby, contramestre chefe, Orleans, Massachusetts
Dennis J. Perry, marinheiro, Portland, Maine
Donald E. Pitts, marinheiro, Kansas City, Missouri
Alfred J. Roy, contramestre de primeira classe, Nantucket, Massachusetts
Herman M. Rubinsky, aprendiz de marinheiro, Brooklyn, Nova York
Para seu desânimo, as homenagens a Bernie Webber não acabaram
nessa noite. Ele foi indicado pelo comandante da Guarda Costeira e
agraciado com a Medalha de Valor da Legião Americana durante uma
cerimônia em Baltimore, em 1953. Dessa vez, Webber foi sozinho, sem
seus companheiros, e o peso de suas medalhas e seus prêmios se
acumulou, pressionando seu espírito. Para Bernie, a notoriedade não era
mais suportável. Ele queria voltar a sua velha vida, na qual suas únicas
recompensas eram o amor de sua esposa, Miriam, e o respeito de seus
companheiros da Guarda Costeira.
capítulo 20
Problemas no petroleiro
Aprendemos com a história que não aprendemos nada com a história.
george bernard shaw
Apesar do inquérito da Guarda Costeira e das recomendações
subsequentes, o Pendleton e o Mercer não seriam os últimos petroleiros
a se partir em dois. Por exemplo, o Lady Spartan rachou ao meio em
1975, ao sul de Martha’s Vineyard, e o Chester A. Poling teve o mesmo
destino em 1977, nas águas de Gloucester, Massachusetts. Entretanto,
talvez o exemplo mais flagrante do fato de uma companhia de navegação
colocar os lucros acima da segurança de seus homens tenha ocorrido seis
anos depois, quando 31 homens se afogaram nas águas geladas da
Virgínia. Carregando 27 mil toneladas de carvão, o cargueiro de 605 pés
Marine Electric partiu de Norfolk, Virgínia, em fevereiro de 1983, com
destino à Usina de Nova Inglaterra, em Brayton Point, Somerset,
Massachusetts. Construído como um petroleiro t-2 em 1944, o navio
fora convertido em um carvoeiro em 1962. Tinha 39 anos na época e
não estava bem conservado. O Marine Electric tinha mais que o dobro
da idade padrão de desativação e aposentadoria, e a aparentava. O navio
havia sido mal soldado, estava cheio de escotilhas malfeitas e furos no
casco. Um tripulante havia contado noventa rachaduras nas tampas das
escotilhas que foram se abrindo durante quase quatro décadas no mar.
Em 1982, um representante do fabricante da tampa da escotilha
advertiu os proprietários do navio, Marine Transport Lines, da ameaça
que representavam as tampas desgastadas, as quais, entretanto, nunca
foram inspecionadas. Segundo o ex-repórter do Philadelphia Inquirer,
Robert Frump, cujo intenso relato da tragédia é narrado em seu
excelente livro de 2001, Until the Sea Shall Free Them, uma estreita
relação entre os armadores e os inspetores de navios permitiu que a
embarcação permanecesse em serviço, sem muita supervisão.
Compreendendo a política e os lucros envolvidos, um tripulante tomou
para si a missão de içar a bandeira vermelha. O primeiro imediato
Clayton Babineau alertou a Guarda Costeira sobre os graves problemas,
poucos meses antes da tragédia. Ele pleiteou aos oficiais que
inspecionassem o Marine Electric, que estava em doca seca em um
estaleiro em Rhode Island para reparos. Babineau descreveu as
rachaduras no pavimento e também pediu à Guarda Costeira que
inspecionasse as escotilhas gastas do navio. Por alguma razão misteriosa,
o alerta de Babineau deu em nada. Clayton Babineau estaria entre os 31
tripulantes a perecer, quando a velha banheira enferrujada se partiu a 85
milhas (136 quilômetros) de Rudee Inlet, Virgínia.
O navio afundou poucas horas depois de sua tripulação responder a
uma chamada de socorro da Guarda Costeira para ajudar o navio
pesqueiro de 65 pés Theodora, que havia ficado preso em uma nevasca.
O Marine Electric já havia passado por ele e teve de voltar atrás,
revertendo seu curso em meio a uma grande tempestade. O navio foi
açoitado por ondas entre seis e doze metros de altura, enquanto
navegava em direção ao Theodora. Quando o Marine Electric chegou
ao local, os tripulantes ficaram aliviados ao ver um helicóptero da
GuardaCosteira sobrevoando o pesqueiro, baixando bombas para que
os pescadores retirassem a água do mar que inundava o navio.
Aparentemente, o Theodora seria guiado de volta, mas a Guarda
Costeira pediu ao Marine Electric que ficasse ao lado do pesqueiro pelas
próximas horas. O comandante do navio, Phil Corl, aquiesceu, mas uma
hora depois começou a mudar de ideia. O mar estava piorando, e o
Marine Electric estava sendo açoitado por ondas que quebravam sobre o
convés e as tampas rachadas das escotilhas. Se fosse uma luta de boxe, o
Marine Electric estaria abraçando as cordas, na esperança de ser salvo
pelo gongo. Às 18h30, o capitão Corl chamou a Guarda Costeira
dizendo que o navio estava balançando e empinando, e que enfrentariam
grandes problemas se não saíssem logo dali. O capitão do Theodora
entrou na conversa, dizendo que as bombas d’água estavam funcionando
e dando a Corl sinal verde para ir. A Guarda Costeira também deu sua
aprovação, e o Marine Electric rumou para a costa sul de Massachusetts,
a 32 horas e 518 quilômetros dali.
O Marine Electric navegou como um aríete, atravessando altas
paredes de água, até o início da manhã seguinte, quando os tripulantes
notaram que a proa do navio estava inclinando para baixo. O capitão era
novo no navio e nunca o havia navegado em uma tempestade daquelas.
Corl alertou um tripulante veterano que, junto com o engenheiro-chefe,
concluiu que o navio estava de fato em apuros. Depois de enviar um
pedido de socorro por iniciativa própria, a tripulação preparou os botes
salva-vidas. O capitão tentou mais uma vez chegar a porto seguro,
rumando para a entrada da baía de Delaware. Assim como o capitão
Charles Burgess do Chester A. Poling havia feito, Corl inundou vários
dos tanques de carga na esperança de estabilizar o navio avariado.
Apesar do grande esforço da tripulação, era tarde demais. O vento havia
mudado para noroeste e as ondas caíam sobre o convés.
O capitão Corl ordenou à tripulação que acordasse e reunisse os
botes salva-vidas. Os homens, todos vestindo roupas pesadas, seguiram a
ordem, mas não esperavam que em breve tivessem de abandonar o
navio. Eles dobraram as capas dos botes e as guardaram, na crença de
que aquelas pequenas embarcações poderiam ser reutilizadas logo. O
Marine Electric havia desacelerado consideravelmente, passando para
apenas 1,5 nó. Nessa velocidade, o capitão Corl ainda era capaz de
dirigir seu navio usando o leme para manter o curso em dez graus. No
entanto, a proa estava ainda mais baixa, coberta por cerca de 1,80 metro
de águas agitadas. As ondas já chegavam à escotilha número 3, mas os
tripulantes não podiam determinar se as tampas aguentariam a pressão,
porque estavam completamente cobertas pela água do mar. Pouco
depois das quatro da manhã, Corl chamou a Guarda Costeira mais uma
vez. “Acho que vou perder meu navio aqui”, afirmou. “Estamos
começando a inclinar muito para estibordo.”
O operador de rádio correu para a ponte com mensagens de dois
navios mercantes. As notícias não eram boas. Eles levariam várias horas
para chegar. O capitão Corl sabia que o Marine Electric não aguentaria
muito tempo. Àquela altura, o navio estava a uma profundidade de 36
metros, a cerca de trinta milhas náuticas a leste de Chincoteague,
Virgínia. O navio estava inclinando perigosamente dez graus estibordo e
o capitão disse ao timoneiro que deixasse seu posto, porque o leme era
inútil naquele momento. Às 4h10, a Guarda Costeira informou que um
helicóptero de resgate estava a caminho e que chegaria em meia hora.
Três minutos depois dessa comunicação, o capitão Corl disse à Guarda
Costeira que ele e seus homens abandonariam o navio. A última
transmissão de voz chegou às 4h14: “Estamos abandonando o navio
agora, estamos abandonando o navio agora!”.
Antes de deixar a ponte, o terceiro imediato Gene Kelley acionou o
sinal sonoro de abandonar o navio, mas não chegou a dar o alarme geral.
A tripulação estava ocupada preparando o bote salva-vidas a estibordo
quando o Marine Electric virou súbita e violentamente e jogou a maior
parte dos tripulantes no oceano gelado. “Quando caí na água, olhei para
cima e vi o capitão Corl subindo na amurada, tentando pular”,
testemunhou o terceiro imediato, mais tarde. “Foi a última vez que vi o
capitão.” O enorme navio virou imediatamente, levando o resto da
tripulação com ele. O imediato Bob Cusick disse que o som era como o
da água ao sair da banheira, amplificado um bilhão de vezes. “Eu me
agarrava e nadava [...] Eu estava do lado de fora da sala de máquinas e as
luzes ainda estavam acesas [...] Olhei fixamente para a vigia e nadei por
ela [...] Subi à superfície, respirei fundo e, não muito longe de mim,
pude ver a chaminé. Parecia estar só um pouco acima da superfície.
Comecei a nadar.”
Cusick e mais dois tripulantes conseguiram chegar a dois botes
salva-vidas, enquanto outro grupo de sobreviventes se agarrava a boias,
subindo e descendo em ondas de mais de oito metros. Não foram as
fortes ondas que lentamente os foram matando, e sim a temperatura da
água, que estava pouco acima de zero grau. Os homens mantinham
contato entre si emitindo sons na escuridão. Ficaram assim durante
vários excruciantes minutos, até que suas vozes foram se silenciando.
Dos seis homens que seguravam boias, somente um ainda estava vivo
quando um helicóptero da Guarda Costeira chegou, trinta minutos
depois.
Quando tudo acabou, apenas três homens, incluindo Bob Cusick e
Gene Kelley, haviam sobrevivido ao naufrágio do Marine Electric. Vinte
e quatro corpos foram resgatados no local, muitos deles cobertos de
petróleo. O médico-legista concluiu que a maioria havia morrido de
hipotermia grave. Os corpos de sete outros tripulantes, incluindo do
capitão Phil Corl, nunca foram encontrados.
A tragédia do Marine Electric foi um crime horrendo de
incompetência humana que custou a vida de 31 homens. Ninguém
jamais foi criminalmente responsabilizado pelas mortes, porém o
desastre levou a algumas das reformas mais radicais na história
marítima. Os resultados foram a maior rigidez nas inspeções da Guarda
Costeira e a demolição de mais de setenta navios da Segunda Guerra
Mundial — que ainda estavam no mar, quarenta anos após a guerra. A
Guarda Costeira estabeleceu um programa de natação para socorristas,
para desenvolver habilidades de salvamento em águas de condições
extremas, e exigiu que todos os petroleiros tivessem roupas próprias
para intempéries para seus tripulantes em todas as viagens de inverno no
Atlântico Norte. As roupas de neoprene, que são costuradas e coladas e
protegem da água fria, teriam permitido às vítimas lutar contra a
imersão e a hipotermia, enquanto aguardavam o resgate.
O Pendleton naufragado ficou nas águas de Chatham,
Massachusetts, partido em dois, por quase 26 anos, servindo aos
navegantes como um preocupante lembrete do pior que o mar tinha
para oferecer. Por milhares de anos, o oceano havia oferecido sua
generosidade e cobrado suas dívidas. O tributo era pago pelos homens
engolidos pelo mar e por aqueles que deixaram para trás. Como os
familiares dos outros oito tripulantes condenados, a família do capitão
John J. Fitzgerald, do Pendleton, ficava se perguntando por que o
oceano que lhes dera tanto tomara ainda mais. No entanto, em vez de se
sentir repelida pela visão do naufrágio, a família do capitão era atraída
por ela. Inúmeras vezes, nos anos seguintes, a viúva de John J.
Fitzgerald, Margaret, colocou seus quatro filhos no carro para uma
viagem de 140 quilômetros de Roslindale a Chatham. Essa era a
maneira de Margaret manter a memória de seu marido viva para as
crianças. Seu filho, John J. Fitzgerald iii, ficou tão apaixonado pela
região que decidiu se mudar para lá. Ele criaria uma família em
Chatham, e seu próprio filho acabaria atendendo ao chamado do mar e
pescando nas mesmas águas que haviam custado a vida de seu avô,
tantos anos antes.
Houve tentativas de salvar os restos do Pendleton,cuja sucata valia
cerca de 60 mil dólares. Isso era motivo de preocupação para os
ambientalistas, que temiam que um vazamento acidental de óleo do
petroleiro fraturado arruinasse as praias locais e destruísse a vida
selvagem. John F. Kennedy, na época senador dos Estados Unidos,
insistia que qualquer operação de salvamento teria de ser aprovada e
supervisionada pela Guarda Costeira e pelo Corpo de Engenheiros do
Exército.
O Corpo de Engenheiros do Exército viria a desempenhar o papel
principal no afundamento das estruturas, de uma vez por todas. A
infame nevasca de 1978 retalhara o que restava da superestrutura do
Pendleton acima d’água. Os escombros haviam se tornado uma ameaça
para a navegação, uma vez que a popa já estava submersa e escondida da
vista de pessoas que pilotavam pequenas embarcações nas águas
movimentadas de Chatham. Empreiteiros foram chamados para cortar a
maior parte do aço antes que os engenheiros do Exército o explodissem
e o enterrassem onde estava, a apenas três milhas (4,8 quilômetros) de
Monomoy.
capítulo 21
Além do resgate
Reputação é o que homens e mulheres pensam de nós; caráter é o que Deus e os
anjos sabem de nós.
thomas paine
Como todas as grandes histórias, o resgate do Pendleton
rapidamente ganhou vida própria. Os membros da “Equipe Medalha de
Ouro”, como Bernie Webber, Richard Livesey, Andy Fitzgerald e Ervin
Maske passaram a ser chamados, não eram vistos como heróis só pela
próxima geração de homens da Guarda Costeira; eles haviam se tornado
imortais. Ralph Morris, da Geórgia, descobriu isso quando abandonou
seu trabalho em uma fazenda de amendoim para ingressar na Guarda
Costeira, em outubro de 1952. “A história estava por todo o
acampamento em Cape May, Nova Jersey”, lembra Morris. “Nós líamos
histórias sobre esses sujeitos, ou nossos instrutores nos falavam deles.
Eles simbolizavam tudo que eu queria ser.” Homens como Morris viam
apenas a adulação que se despejava sobre a Equipe Medalha de Ouro. O
que eles não podiam ver era o coração pesado de Bernie e seus homens
pela morte do tripulante do Pendleton George “Tiny” Myers.
A perda de Myers foi especialmente dura para Webber. Ele havia
visto os olhos assustados do homem quando a morte se fechava sobre
ele, naquela noite penosa de fevereiro de 1952. Bernie relembrava sem
parar o resgate, imaginando se poderia ter feito qualquer outra coisa
para evitar a horrível colisão que matara Myers. As pessoas lhe diziam
que o acidente havia sido inevitável, dadas as ondas e a natureza cruel da
tempestade. Lembravam-no do papel central que ele desempenhara no
resgate dos 32 sobreviventes, que poderiam ter morrido sem sua ajuda.
Ele se consolava com essa façanha incrível, mas só até certo ponto. Não
eram os homens que sobreviveram que chamavam Bernie em seus
sonhos; era o único homem que ele não pôde levar para casa.
Ralph Morris entendia o fardo de Webber. No inverno de 1953, ele
havia sido transferido para a Estação da Guarda Costeira de Race Point,
na costa de Provincetown. Lá, ouvira mais histórias sobre o lendário
Bernie Webber. Essas histórias deram ao jovem da Geórgia ainda mais
orgulho de vestir o uniforme da Guarda Costeira. Na verdade, foi por
causa de seu uniforme que Morris conheceu a fria realidade que é o
triunfo, às vezes, assim como a tragédia. “Lembro-me de que estava
entrando na loja Puritan’s Clothing, em Hyannis, um dia, e uma moça
com um garoto entraram pela porta”, diz Morris, com um forte sotaque
sulista. “O garoto parou e olhou para mim de cima a baixo. Eu estava de
uniforme. Ele me perguntou se eu era da Guarda Costeira, e eu disse
que sim. Então, ele me perguntou se eu conhecia Bernard Webber. Eu
disse que não, mas que já tinha ouvido falar dele. As palavras seguintes
do garoto me deixaram de queixo caído. Ele disse: ‘Eu odeio esse
homem’. Eu perguntei por que, e o menino disse: ‘Ele matou meu pai’.”
A mãe do menino disse que seu marido estava no Pendleton e que
havia perecido no resgate. Ralph Morris estava cara a cara com a viúva e
o filho de George “Tiny” Myers. Morris tinha muita experiência no
manejo de lanchas de resgate de 36 pés e se surpreendeu com a
virulência infundada da criança. Ele, calmamente, tentou explicar ao
garoto que a morte de seu pai havia sido nada mais que um trágico
acidente. “Eu tentei lhe dizer que se as ondas eram fortes o suficiente
para quebrar um navio, seria quase impossível controlar um barco nessas
condições.” Morris não sabia se o garoto havia entendido sua explicação
ou se já tinha sua opinião formada. Quanto à viúva de Myers, Morris
disse que era impossível avaliar seus sentimentos. Ele guardou o
encontro casual durante vários anos para si, mesmo depois de ter a
oportunidade de trabalhar com Bernie Webber, quando este assumiu a
Estação de Race Point, em 1955. A amizade dos dois continuou
florescendo ao longo dos anos, até que, por fim, Morris se sentiu à
vontade para abordar o assunto com seu lendário mentor. “Depois que
já o conhecia um pouco, eu contei a Bernie sobre a conversa com o filho
de George Myers. Bernie me contou o que havia acontecido. Ele se
emocionou, como se houvesse acabado de acontecer. Ele disse que o
homem era enorme e que não estava de casaco nem de colete salva-
vidas, e que havia sido impossível segurá-lo e içá-lo a bordo do barco de
resgate.”
Antes de assumir o comando de Race Point, Webber teria outro
dever a cumprir em Chatham. Àquela altura, ele e Miriam haviam
acolhido um filho e uma filha em sua vida. Construíram uma casa
vizinha à da irmã de Miriam, em Eastham, e, pela primeira vez, Webber
estava criando raízes em uma comunidade. Era uma sensação
revigorante para o homem que passara quase uma década na vida de
nômade de socorrista da Guarda Costeira. Em Chatham, Webber
reencontrou o chefe Ralph Ormsby. Os dois homens compartilhavam
uma experiência que poucas pessoas podiam imaginar. Ralph Ormsby
pilotara um barco de resgate de 36 pés que saíra de Nantucket no dia
em que o Pendleton e o Fort Mercer se acidentaram. Webber sempre
achou que a provação de Ormsby havia sido pior que a sua, porque a
equipe de Nantucket teve de percorrer uma distância maior em águas
ainda mais perigosas.
Webber também reencontrou uma velha amiga: a cg36500, que
havia salvado sua vida no passado e a vida de sua tripulação e dos
sobreviventes do Pendleton. Contudo, nesse momento, ele contaria com
a “velha 36” para salvar outra vida. O evento ocorreu em um dia
ensolarado, porém açoitado pelo vento, no inverno de 1955. A frota de
pesqueiros voltava de sua viagem matinal, encurtada pelas ondas que
cresciam e quebravam ferozmente sobre o temido Chatham Bar.
Webber conhecia bem o temperamento violento da ilha-barreira. Ela
era diferente de qualquer outra que já havia enfrentado. Era como se o
Chatham Bar fosse um organismo vivo, que respirava e tinha mente
própria. As barras de areia em constante mudança já eram perigosas em
um dia perfeito, e, nessa tarde tempestuosa, o Chatham Bar se tornou
especialmente traiçoeiro. Todos, exceto um pescador, voltaram com
segurança ao porto. A Guarda Costeira recebeu a notícia de que outro
navio estava lentamente voltando para o porto de Chatham. Webber
sabia que o barco pertencia a um tranquilo pescador chamado Joe
Stapleton. Também sabia que Stapleton pescava sozinho. Então, Bernie
pediu ao chefe Ormsby permissão para pegar a cg36500 para localizar
Stapleton e escoltá-lo com segurança de volta ao píer de pesca de
Chatham.
Ormsby consentiu e Webber reuniu sua equipe. Eram homens
jovens que, como Ralph Morris, tinham certo medo de seu famoso
capitão. Bernie Webber era extremamente competente, mas também
sabia que mesmo os marinheiros mais habilidosos não eram páreo para o
Chatham Bar. Ao sair com o barco de resgate, Webber notou as ondas
que quebravam e hesitou brevemente antes de prosseguir para a barra
de areia. Ele e sua equipe haviam sido informados de que a torre da
Guarda Costeira perderade vista o barco de Stapleton nas altas águas.
Webber mais uma vez pôs sua fé na “velha 36”, acelerou o motor e
dirigiu-se à ilha-barreira. O barco de resgate subiu altas ondas, uma
atrás da outra, enquanto a tripulação se segurava com força nos
corrimãos. Sua equipe podia estar mais que preocupada com o que
enfrentariam, mas Webber estava calmo; ele havia sobrevivido a coisa
muito pior naquelas águas. Quando chegaram a águas mais profundas, a
equipe escrutou o horizonte em busca de algum sinal do pesqueiro
desaparecido. Depois de alguns momentos, Bernie viu algo escuro na
água, ao lado da proa do barco de resgate. Era o barco de Joe Stapleton
totalmente submerso, logo abaixo da superfície. Não havia nenhum sinal
de seu capitão. Webber observou o céu; sabia que o tempo estava contra
ele. Estava escurecendo, o que tornava mais difícil enxergar.
As mãos de Webber não estavam no volante, mas o barco de resgate
ainda estava em marcha, movendo-se em pequenos círculos, enquanto
Bernie e sua equipe pensavam no próximo passo. Durante os minutos
seguintes, a “velha 36” começou a derivar para o sul, sozinha. Webber
ainda estava esperando ordens e não deu muita atenção à mudança de
direção a águas mais calmas. O barco de resgate continuou rumando
para o sul, e um tripulante notou algo na água, à frente. Webber, por
fim, reassumiu o controle do volante e seguiu em frente até se deparar
com um objeto que flutuava na água. Ele sabia tratar-se de uma caixa de
iscas, de madeira, do pesqueiro de Stapleton. Subitamente, outro objeto
flutuante surgiu. Era o próprio Joe Stapleton, segurando um colete
salva-vidas, enquanto subia e descia com as ondas.
A equipe usou um gancho para puxar o pescador a bordo. Seus olhos
estavam abertos, porém seu corpo estava mole. Ele está morto, pensou
Bernie. A onda de seus fracassos do passado caiu sobre ele mais uma vez;
mas o medo não durou muito tempo. Segundos depois, o corpo de
Stapleton voltou à vida. O pescador começou a respirar de novo, soltou
o colete salva-vidas e começou a movimentar seus membros. A
tripulação levou Joe para a cabine da frente, e cada homem cobriu o
pescador gelado com seu próprio casaco. Após o regresso ao píer de
pesca de Chatham, Stapleton foi levado de ambulância às pressas para o
hospital. Sua hipotermia foi tratada e, de resto, ele estava bem. Quando
teve alta, o tranquilo pescador não agradeceu a Webber e sua equipe.
Bernie compreendeu. Seu reconhecimento era tão grande que não
precisava ser expresso em palavras. Essas coisas não eram ditas
abertamente; era mais uma regra não escrita da vida no mar. Além do
mais, Webber acreditava, no fundo do coração, que ele não havia sido o
verdadeiro herói desse resgate. Seu barco, sim. Quem poderia explicar
como a cg36500 sozinha conseguira levar a tripulação à localização
exata de Joe Stapleton? Bernie sentia a mão de Deus desempenhando
seu papel, novamente.
Webber podia ter fincado raízes sólidas no departamento doméstico,
mas sua carreira na Guarda Costeira o mantinha em movimento. Ele
passou a servir na Estação de salvamento de Nauset, na já mencionada
Race Point e até em pontos ao norte de Southwest Harbor, Maine, onde
foi designado a um rebocador da Guarda Costeira. Bernie também
atuou no navio-farol em Nantucket antes de voltar para Chatham, pela
terceira vez. Em 1960, Webber foi nomeado oficial encarregado da
Estação de Resgate de Chatham. A vida na Estação de Chatham havia
melhorado desde a primeira temporada de Bernie. Os homens só
tinham de ficar na estação durante seis dias e depois tinham dois dias de
folga. A equipe tinha um aparelho de televisão — um modelo mais novo
que o comprado com o dinheiro que Webber havia recebido dos gratos
sobreviventes do Pendleton. Também tinham uma mesa de bilhar e
outras comodidades para ajudá-los a relaxar no tempo livre.
Conhecendo o estresse do trabalho, Webber também planejava várias
brincadeiras com seus tripulantes para descontraí-los. Todavia, quando
tinham trabalho a fazer, faziam. Ele se orgulhava do fato de sua estação
ter recebido as melhores notas dos inspetores da Guarda Costeira em
três anos consecutivos.
Em 1964, Webber completou dezoito anos de Guarda Costeira e
pensava em se aposentar. Ele servia em Woods Hole como oficial
encarregado do barco Point Banks. Webber tinha 37 anos e havia
chegado a primeiro oficial, que é o terceiro maior posto na hierarquia da
Guarda Costeira. O serviço havia sido bom para ele. Permitira-lhe
conhecer sua esposa e alimentar seu outro caso de amor: o mar.
Contudo, depois de quase vinte anos e incontáveis missões de resgate,
Bernie Webber sentia que já havia pagado sua dívida com a Guarda
Costeira. Ele e dois companheiros tinham planos de ter a própria
marina em Chatham, quando foram empurrados para um conflito
sangrento a meio mundo de distância.
Webber foi um dos 47 oficiais e 198 alistados enviados para o
Vietnã, na operação Market Time. A necessidade de homens da Guarda
Costeira foi percebida pela primeira vez em fevereiro de 1965, quando
um piloto do Exército viu algo peculiar ao sobrevoar a baía de Vung Ro,
perto de Qui Nhon. Era uma ilha no meio da baía que parecia se mover
de um lado a outro na costa. A “ilha” era um navio totalmente
camuflado usado para abastecer os vietcongues. O navio foi rapidamente
afundado por ataques aéreos dos Estados Unidos; entretanto, o
problema permaneceu. Seria possível garantir a segurança de 1.900
quilômetros de litoral com 60 mil sampans e junks entupindo a rota de
navegação? Era pouco provável que os Estados Unidos conseguissem
interromper completamente a linha de abastecimento viet congue, mas
um esforço sério tinha de ser feito. O secretário do Tesouro concordou
em fornecer não só sua Guarda Costeira, mas também seus navios para a
missão. Como membro do Esquadrão Um da Guarda Costeira, Bernie
Webber foi obrigado a se apresentar na Base Anfíbia da Marinha, em
Coronado, Califórnia, onde aprendeu a lidar com armadilhas e outros
métodos vietcongues usados para matar. De lá, ele foi para Camp
Pendleton, onde os marines norte-americanos ensinaram Webber e seus
companheiros a usar morteiros de 81 milímetros, metralhadoras calibre
.50 e granadas de mão. Salvar vidas já não era prioridade para socorristas
como Bernie Webber; eles estavam aprendendo a matar, se fosse
necessário. E o treinamento não acabava aí. Webber também foi
enviado a Whidbey Island, Washington, onde aprendeu a sobreviver a
torturas na água, a ficar trancado em uma caixa e a outras técnicas
brutais que o inimigo usava para atormentar soldados norte-americanos.
Então, ele partiu para as Filipinas, para fazer um curso intensivo
sobre os fundamentos da guerra na selva. Nada em seu treinamento
anterior o havia preparado para aquilo. A última vez que Webber tinha
sido forçado a amargar em um campo de treinamento de recrutas fora
quase duas décadas antes. Ele estava mais velho, e seu corpo não era tão
ágil. Todavia, Webber também era muito mais sábio do que em sua
época de recruta da Guarda Costeira. Ele sobreviveu ao treinamento
usando uma combinação de coragem e astúcia. Em seguida, foi enviado
ao Centro de Vigilância Costeira de Da Nang, no qual serviu durante o
ano seguinte. Webber e seus homens patrulhavam sua faixa do litoral
vietnamita observando atentamente os junks que operavam em áreas
restritas e pesqueiros ancorados, mas que não usavam as redes. A
Operação Market Time foi um sucesso instantâneo. Depois de apenas
um mês de patrulhas, os comandantes viram que as chances de um junk
passar pela segurança haviam caído para cerca de 10%. Atualmente,
Bernie Webber se recusa a falar sobre o tempo que serviu no Vietnã.
Não há dúvida de que ele testemunhou os horrores da guerra e, como
filho de um pastor de Deus, suas experiências podem tê-lo colocado em
nítido contraste com sua fé. Após o retorno de Webber do Vietnã, ele
foi brevemente designado ao navio-balizador Hornbeam, nas águas de
WoodsHole, antes de finalmente se aposentar, em 1966.
Ao contrário de Bernie Webber, Ervin Maske mal podia esperar para
sair da Guarda Costeira. Quando seu alistamento acabou, fugiu
rapidamente para terra firme. Alguma coisa havia mudado nele por
causa do suplício que havia passado na cg36500. Maske e sua esposa
voltaram para Marinette, Wisconsin, e formaram uma família. Ervin
arrumou um emprego no Departamento de Obras Públicas e nunca
sentiu vontade de voltar ao mar. Só de pensar no oceano seu sangue
gelava. “Ele ficou longe da água, de qualquer tipo de água”, lembra a
filha de Maske, Anita Jevne. “Meus tios o convidavam para pescar e ele
sempre recusava.” O aparente medo da água de Maske era a única
indicação que ele dava a sua família sobre seu papel no resgate do
Pendleton. Ele mal mencionava o assunto com seus dois filhos, Anita e
Mark. “Uma vez, ele pegou a medalha e a mostrou para mim, quando eu
era criança”, lembra Anita. “Ele era bem humilde em relação a isso.
Disse que a havia ganhado por salvar alguns homens.” Os filhos de
Maske nunca tinham imaginado o que seu pai enfrentara naquela gelada
noite de fevereiro em 1952, até que, certa noite, assistiam na televisão ao
filme Mar em fúria. “Era a cena em que o barco [o Andrea Gail]
cavalgava uma daquelas ondas enormes”, explica Anita. “Meu pai estava
assistindo ao filme em silêncio, mas atento, e talvez estivesse revivendo
alguma coisa. Ele olhou para mim e disse: ‘Foi exatamente assim,
exatamente assim’.”
Foi outro socorrista quem descobriu o fardo emocional que Ervin
Maske carregava. Aconteceu durante um encontro casual, na cidade
natal de Maske. Tony O’Neill fora removido havia alguns anos de sua
função de contramestre na Estação da Guarda Costeira de Sturgeon
Bay, em Wisconsin. Enquanto estava no serviço, ele comprou o livro de
Bernie Webber, Chatham: the lifeboatmen, em uma lojinha em Green
Bay. O livro tocou O’Neill, que ficou surpreso ao saber que um membro
da Equipe Medalha de Ouro também era de Wisconsin. O’Neill
guardou o livro e ficou imaginando se um dia teria a chance de conhecer
Ervin Maske. E o acaso os aproximou um dia. “Depois da Guarda
Costeira, tornei-me policial em Marinette e comecei a perguntar sobre
Ervin Maske por ali”, diz O’Neill. Alguém comentou que ele trabalhava
no Departamento de Obras Públicas, na área de saneamento. Um dia,
O’Neill foi ao aterro para jogar fora suas aparas de relva. Viu um
homem em um trator e o chamou. “Perguntei a ele: ‘Você conhece
Ervin Maske?’ Ele fez uma pausa e disse: ‘Sim, sou eu’.” O’Neill ficou
meio chocado e só conseguiu pensar em fazer uma coisa. Disse a Maske
que voltaria em seguida. “Fui para casa o mais depressa que pude e
peguei o livro”, recorda O’Neill. Ele voltou para o aterro; Maske ainda
estava sentado no alto de sua retroescavadeira. “Entreguei-lhe o livro e
disse: ‘Você merece este livro mais que eu’.” Maske pegou o que O’Neill
lhe oferecia e suas mãos começaram a tremer. Ele olhou para o livro e
começou a chorar. “Deixei-o lá com seu livro e suas memórias”, explica
O’Neill. “Fui embora sabendo que havia feito uma coisa boa.”
Andy Fitzgerald deixou a Guarda Costeira oito meses depois de
participar do resgate do Pendleton. Ele voltou para Whitinsville e
acabou conseguindo um emprego na Whitin Machine Works. Um
programa de treinamento permitiu-lhe estudar no Worcester Junior
College, formando-se em técnico em Engenharia. Foi nessa época que
ele conheceu sua futura esposa, Gloria Frabotta, de Uxbridge,
Massachusetts. “Eu tinha 22 anos e ela, 19”, lembra ele. “Nós nos
conhecemos em um chá bar.” O casal namorou três anos antes de se
casar. O nome de Andy Fitzgerald havia saído em jornais de costa a
costa, contudo sua nova esposa era alheia a sua fama. “Eu até comentei
sobre o Pendleton, porém, ela não fazia ideia da verdadeira história.”
Entretanto, isso mudou quando a mãe de Fitzgerald chegou com todos
os recortes de jornal. “Vendo aquelas matérias, Gloria percebeu que
havia mais coisas sobre seu marido do que ela imaginava.”
Sua vida pessoal navegava águas tranquilas, mas ele tinha sérias
dúvidas sobre seu futuro como engenheiro. “Eu estava na sala de
projetos na Whitin Machine Works quando percebi que não queria
fazer aquilo”, diz ele. “Eu sabia desenhar, mas não era muito bom.”
Fitzgerald imaginou que poderia se dar muito bem em vendas; ele era
engenheiro, conhecia as ferramentas e os produtos. Arranjou um
emprego de vendedor de motores e embreagens elétricas para fábricas
na Nova Inglaterra. Ele era tão bom vendedor que seu chefe lhe
ofereceu o cargo de gerente do novo escritório em Denver, para vender
equipamentos de inspeção de alta precisão. O “escritório” era composto
por exatamente um homem: ele mesmo. Fitzgerald contratou Gloria
para trabalhar meio período e os dois se acomodaram na boa vida nas
montanhas rochosas.
Após o resgate do Pendleton, Richard “Herd Bull” rodou pela
Guarda Costeira, de estação em estação, assim como seu ex-capitão
Bernie Webber. Livesey foi transferido para Nauset, depois para Woods
Hole e, por fim, para o navio-farol Stonehorse. Também se formou na
Escola de Liderança da Guarda Costeira e foi escolhido a dedo para
servir na Patrulha de Segurança Presidencial para proteger John F.
Kennedy em Hyannisport. “Quando Kennedy viajava pela Nova
Inglaterra, eu ficava na lancha de quarenta pés do Serviço Secreto”,
explica Livesey. “Ele ficava nos iates Marlin ou Honey Fitz. Eu o
encontrei muitas vezes nas docas. Ele era muito acessível e muito
gentil.” Livesey também se lembra com carinho da primeira-dama,
Jacqueline Kennedy. “Ela sempre foi muito agradável. Era um ótimo
trabalho. Fiquei arrasado quando ele foi morto.”
Depois de sua oportunidade com o presidente dos Estados Unidos,
Livesey foi transferido para a Estação de Cape Cod Canal, onde a vida
não era tão glamorosa. Seu dever básico era recolher os corpos de
vítimas de suicídio que pulavam da ponte de Sagamore. Richard Livesey
se aposentou da Guarda Costeira em 1º de novembro de 1967. Como
seu pai, Oswald, ele tinha vinte anos de serviço no mar. Livesey arranjou
emprego em uma fábrica de produtos químicos em Wilmington,
Massachusetts, antes de se mudar para a Flórida com sua esposa, em
1980. Nos dez anos seguintes, ele fez uma série de bicos, desde
segurança até zelador de uma escola secundária. Como muitos serviçais,
Livesey provavelmente devia ser desprezado por certas pessoas a seu
redor. Mal sabiam elas que o homem com a vassoura na mão ou sentado
no balcão de segurança havia desempenhado papel fundamental em um
dos resgates marítimos mais extraordinários da história dos Estados
Unidos.
capítulo 22
A restauração
A esperança, como a fênix, pode voar pelos céus do deserto e, ainda, desafiando o
despeito do destino, reviver das cinzas e crescer.
miguel de cervantes saavedra
Novembro de 1981
Despercebida, lá estava aquela lancha outrora orgulhosa, agora uma
mera casca do que era antes. Quem passava por ela nem lhe dava
atenção. No máximo, ela era um incômodo, e, sem dúvida, alguns
achavam que ela já deveria ter virado sucata havia anos. Seu toldo estava
podre e sua pintura toda lascada. Esquilos e outras criaturas pequenas
haviam construído seus ninhos em seu motor e as coberturas das cabines
estavam gastas por anos de negligência. A cg36500 havia sido posta
sobre blocos e deixada sem proteção contra a intempérie por treze anos,
atrás de uma garagem de manutenção na propriedade do Cape Cod
National Seashore, em South Wellfleet. Rodeado por areia, arbustos e
pequenos pinheiros, o histórico barco que havia salvado muitas vidas era
quem precisava ser resgatado.
A “velha 36” havia sido desativada em 1968, substituída pelo mais
recente barco de resgate de 44 pés, dois motores a diesel de 180 cavalos
de potência, totalmente de aço. Embora os barcos de 36 pés ainda
fossem considerados confiáveis, os de 44 pés eram mais rápidos e
podiam levar quase o dobro de passageiros.A maioria dos barcos de
resgate de 36 pés havia sido destruída, mas a lancha de Chatham havia
conseguido a suspensão de sua sentença de morte. Como era uma
embarcação “Medalha de Ouro”, a cg36500 foi entregue ao Cape Cod
National Seashore, e, de início, havia planos ousados de preservá-la. Os
funcionários queriam que o barco ficasse em um pequeno museu,
todavia a falta de financiamento e planejamento condenou o projeto e
deixou o barco em condições precárias. A lancha era agora nada mais
que uma monstruosidade que ocupava espaço na propriedade do
governo. A cg36500 havia sido vítima do sol escaldante de mais de uma
dúzia de verões e da neve e do granizo dos rudes invernos de Cape Cod.
Seus cuidadores haviam deixado de cobri-la com uma lona protetora.
Era uma visão triste. Algo que tanto significava para muitos havia
sobrevivido a sua utilidade e à própria lenda. Sua história poderia ter
desaparecido do folclore de Cape, não fosse a pura determinação de um
grupo de homens locais que lutou para restaurar ao barco sua antiga
glória.
Seu líder era Bill Quinn, um cinegrafista freelancer e amigo de longa
data do fotógrafo Dick Kelsey, cujas fotos do resgate do Pendleton
permanecem gravadas na memória coletiva dos afortunados que se
lembram da Equipe Medalha de Ouro. Quinn viu pela primeira vez o
barco quando ele e seu filho participaram de um leilão de veículos
usados patrocinado pelo National Seashore. Ele estava procurando um
automóvel robusto, com espaço para armazenar seu equipamento de
câmera e um bom motor que lhe permitisse cobrir com rapidez
qualquer notícia de última hora. Quando estava inspecionando jipes,
caminhões e outros veículos, o barco velho e cansado chamou sua
atenção. Quinn havia sido da Marinha e tinha um carinho especial por
embarcações, de modo que ele ficou imediatamente intrigado.
Aproximou-se para olhar mais de perto e notou os números desbotados
pintados perto da proa. Quinn chamou seu filho e mal pôde conter sua
excitação. “Puta merda, olhe isso!”, disse, apontando para a cg36500. “É
o barco que salvou todos aqueles homens.” A necessidade de um novo
veículo parecia ter perdido a importância. Quinn sabia que havia sido
atraído até ali por alguma razão. Chocado com a falta de cuidado e
atenção dados à histórica embarcação, ele teve uma ideia; tinha de salvar
o barco de salvamento. A questão era: ele poderia ser salvo?
Quinn mostrou o barco a um amigo da marina de Nauset, que era
especializado em reparos desse tipo. O amigo havia levado um picador
de gelo e começou a espetar a embarcação de proa a popa. O sonho de
Quinn de restaurar o barco de salvamento seria frustrado se ele
houvesse apodrecido. Contudo, apesar de sua péssima aparência externa,
os homens se surpreenderam ao encontrar muito pouca madeira podre
no barco. As únicas pequenas áreas preocupantes eram a sala de
máquinas e a coluna de reboque da popa. Debaixo da fachada estragada,
a cg36500 ainda era um barco de resgate saudável. Quinn ficou
realmente grato por a embarcação ter ficado em posse do Cape Cod
National Seashore por todos aqueles anos. Embora tenha sido deixado à
intempérie, o barco era propriedade do governo; portanto, nunca havia
sido vandalizado. Sim, aquele outrora orgulhoso barco de resgate
poderia ser restaurado, mas Bill Quinn sabia que não poderia fazê-lo
sozinho.
Primeiro, Quinn procurou a Chatham Historical Society para ver se
eles estariam dispostos a assumir a tutela do barco arruinado. Apesar da
clara importância histórica da embarcação, os membros da sociedade
temiam que o restabelecimento e a manutenção de um barco naquelas
condições fosse como cair em um poço sem fundo de dinheiro. “Quem
vai pagar pela restauração e pela manutenção contínua?”, perguntaram.
A perda de Chatham representou ganho para Orleans quando a
sociedade histórica da cidade vizinha concordou em aceitar a
embarcação se o Cape Cod National Seashore estivesse disposto a abrir
mão dela. Quinn se reuniu com oficiais do governo, que concordaram
em restaurar o barco, mas somente a título de empréstimo permanente.
No entanto, Quinn ficou atrás deles até que selaram um acordo dando-
lhe a propriedade legal do barco de resgate. Ele entregou o barco à
Orleans Historical Society e começou a arregimentar artesãos locais
para o importante trabalho de reconstrução. Quinn não teve falta de
voluntários e precisou de pouco esforço para convencê-los da missão.
Para os homens de Chatham, Orleans e Harwich, o pequeno barco de
resgate não era apenas uma lenda; era um testemunho do espírito de
Cape Cod. Robustez e confiabilidade eram traços tanto do barco quanto
das resistentes pessoas que esculpiam sua vida na areia, nas costas
açoitadas pelo vento do extremo oriental dos Estados Unidos.
Um pequeno grupo de homens se reuniu no National Seashore, em
uma fria manhã de novembro de 1981, para testemunhar o
renascimento desse barco. Eles observaram atentamente, enquanto um
grande guindaste içava a embarcação de seu berço, despertando-a de um
sono de treze anos. O pequeno barco foi colocado em um caminhão e
levado para a garagem Hershey Clutch, em Findlay Road, Orleans,
onde os voluntários trabalhariam. Logo, todos perceberam a quantidade
de suor e a habilidade necessárias para levar avante o projeto. O objetivo
era terminá-lo em cinco a seis meses, o que significaria milhares de
horas de trabalho. Os horários dos voluntários foram publicados no
jornal da comunidade; homens e mulheres trabalhavam em turnos, sete
dias por semana. Era uma comunidade se unindo por uma causa
comum. Eram voluntários de várias gerações; havia tanto jovens quanto
idosos, e todos haviam sido tocados de alguma forma pela cg36500. Um
voluntário se lembrava de ter sido rebocado pelo barco quando era
criança, quando a embarcação em que estava teve problemas no rio Bass.
Era momento de pagar essa dívida e preservar aquele pedaço de história
flutuante para as gerações futuras.
O passo inicial era verificar se o motor do barco poderia ser salvo. A
sala de máquinas estava em péssimas condições, mas,
surpreendentemente, o motor em si ainda era utilizável, embora
precisasse de sérios reparos. O motor gm-471 foi retirado e mandado
para Boston, onde foi recuperado de graça por mecânicos da Marinha.
O virabrequim do motor foi recondicionado e os cilindros, as bielas e os
rolamentos, substituídos. Cada parafuso do casco do barco teve de ser
retirado e substituído por outros maiores. Os mecânicos usaram
raspadeiras para desbastar o que restava da pintura e, em seguida,
lixaram o barco até deixar a madeira nua antes de reformar as pranchas
do fundo e dos costados. Todo esse árduo trabalho quase virou fumaça
em uma noite, quando o Corpo de Bombeiros de Orleans foi chamado à
garagem. Um queimador apresentara defeito, e muitos temiam que a
embarcação queimasse como lenha. Felizmente, ela não sofreu dano,
afora ficar coberta de óleo, que poderia ser limpo com facilidade.
Enquanto os voluntários se ocupavam com o barco, Bill Quinn ficou
com a igualmente difícil tarefa de arrecadar dinheiro para pagar tudo.
Ele entrou em contato com um repórter do Cape Cod Times, que
escreveu uma matéria sobre o projeto de restauração, e logo os fundos
tão necessários começaram a surgir. A Chatham Historical Society
também deu algum dinheiro para tocar o projeto. Quinn e seu grupo
levantaram mais de 10 mil dólares e uma quantidade equivalente em
materiais para realizar seu sonho.
Depois de seis meses, os voluntários, enfim, atingiram seu objetivo.
O barco de resgate estava restaurado por completo, repintado, e suas
famosas letras reapareciam audaciosamente perto da proa. Era hora de
ver se a “velha 36” era navegável. Uma cerimônia oficial de
relançamento foi realizada no porto de Harbor, em Orleans, local em
que o barco de resgate está até hoje. O relançamento desse famoso
barco não seria completo sem a presença de seu igualmente famoso
timoneiro. Bernie Webber tirou uma folga do trabalhoe, com Miriam,
foi de sua casa na Flórida até Cape Cod. Reencontrou a pequena
embarcação que havia salvado sua vida e a de tantos outros naquela
noite infernal de inverno, cinquenta anos antes.
A cg36500 continua sendo um museu vivo, dedicado aos socorristas
de Cape Cod. Ela permanece na água o ano todo, com sua lona de
proteção de inverno, no Meeting House Pond, em Orleans. Durante o
verão, a lancha deixa o cais de Rock Harbor e é levada a vários shows
náuticos pela região, onde sua lenda é recontada a uma nova geração da
Nova Inglaterra. Ao leme está Pete Kennedy, membro da Orleans
Historical Society e homem dedicado a manter vivo o espírito desse
pequeno barco e da Equipe Medalha de Ouro. Quando ele próprio o
navega em ondas entre dois e três metros de altura, não pode deixar de
pensar em Webber, Andy Fitzgerald, Richard “Herd Bull” Livesey e
Ervin Maske. “Eles viram ondas sete vezes maiores”, diz,
impressionado. “É incompreensível para mim que eles pudessem ter tão
excelente desempenho naquelas condições. Que feito notável para
aqueles jovens!”
epílogo
Eles já foram jovens
Leva muito tempo para cultivar um velho amigo.
John Leonard
Nos anos seguintes ao resgate do Pendleton, Bernie Webber e Richard
Livesey se encontravam de vez em quando em Cape Cod, e a conversa
normalmente girava em torno de suas famílias. Um assunto no qual
nunca tocavam era as horas tumultuadas que haviam passado naquelas
pequenas embarcações de madeira, ludibriando a morte no Chatham
Bar. Quando surgiu a ideia de um reencontro pelos cinquenta anos da
Equipe Medalha de Ouro, Webber foi contra. Ele não queria reviver o
passado. Webber seria foco de atenção, e adulação, e se sentiria meio
culpado e, possivelmente, assustado. Webber temia as lembranças
sombrias da morte de George “Tiny” Myers, enquanto amigos e
desconhecidos o estivessem elogiando por seu esforço heroico. Estaria
preparado? Outra preocupação era considerar bom um evento desses
para a Guarda Costeira. Webber podia ter se sentido usado pela Guarda
Costeira durante suas inúmeras aparições públicas nos meses seguintes
ao resgate, mas também sabia que o serviço havia sido justo com ele, em
geral, e não queria participar de algo que representasse uma zombaria
ao trabalho de sua vida. Os organizadores convenceram Webber de que
o reencontro seria feito com bom gosto, sem bregas recriações do
resgate ou afins.
Bernie também queria se certificar da participação dos três membros
de sua equipe. Não poderia haver reencontro da Equipe Medalha de
Ouro se os quatro homens não estivessem presentes. Webber havia
lutado pelo reconhecimento de sua equipe desde o dia em que quase
recusara a Medalha de Ouro de Salvamento, em 1952. Essa cerimônia
ainda marcava sua equipe, tantos anos depois. Miriam não havia sido
convidada, nem os familiares dos outros membros da equipe. Dessa vez,
Webber disse aos organizadores que os familiares teriam de ser
convidados. Eles concordaram com as exigências de Webber e
prometeram que as despesas de viagem de todos seriam cobertas.
Ervin Maske tinha as próprias dúvidas. Ele havia feito uma cirurgia
de joelho cerca de um ano antes, e ficar em pé por muito tempo seria
um enorme esforço, algo inevitável em uma reunião como aquela.
Como Bernie, ele também sabia que poderia ser forçado a reviver o
resgate em sua mente. Ele passara décadas mantendo essas lembranças
afastadas. Sua filha, Anita Jevne, disse que seu pai não pensava no
resgate havia anos, e foi um pouco indiferente à coisa toda. Entretanto,
aparentemente, isso era só uma máscara para Ervin. De sua parte, Andy
Fitzgerald e Richard Livesey ficaram animados para participar do
reencontro. O capitão W. Russell Webster, chefe de operações do
Primeiro Distrito da Guarda Costeira em Boston, assumiu o
planejamento e a localização de todos os membros da equipe, inclusive
de um sobrevivente do ss Pendleton. Charles Bridges tinha apenas 18
anos quando sua vida foi salva naquela noite gelada, tantos anos antes.
Bridges já tinha esposa, uma filha e uma fazenda de vinte hectares em
sua terra natal, North Palm Beach, Flórida.
As festividades do reencontro aconteceram em 12 de maio de 2002,
no Mariners House, em North End, Boston. Para os membros da
equipe, seu primeiro reencontro foi um tanto quanto estranho, de
acordo com uma organizadora, Theresa Barbo, que relatou o evento em
seu livro de 2007, The Pendleton disaster off Cape Cod. Afinal de contas,
esses homens podiam ter se falado ao telefone ocasionalmente, mas não
se viam havia muitas décadas. Eles haviam sido jovens um dia, dispostos
a arriscar a vida por seu trabalho, uns pelos outros, pelo fato de que
simplesmente não sabiam de nada. Nesse momento, ali, eles estavam no
crepúsculo de seus anos, mais velhos e, sem dúvida, um pouco mais
sábios. Todos haviam tentado deixar o resgate no passado, vendo-o
como um capítulo no livro da vida, e não como o momento que os
definia. Afinal, deram-se casamentos, nascimentos de filhos, e,
infelizmente, a morte de uma criança também. No entanto, quando
conversaram, ficou claro que o vínculo entre eles era forte como
sempre.
Para Bernie Webber, o momento mais emocionante foi quando viu
Ervin. O homem mal conseguia ficar em pé e ainda fazia grande esforço
para sorrir na dor. Maske sempre ocupou um lugar especial no coração
de Bernie; era o único homem que não tinha a obrigação de se oferecer
para aquela missão suicida. Ervin não havia feito juramento de lealdade
a Webber e seus homens; estava na Estação de Chatham apenas
esperando uma carona de volta para seu navio-farol. Um homem
comum poderia ter ficado quieto, cuidando de sua vida e fora da luta;
mas Ervin Maske havia provado ser um homem incomum. E, meio
século depois, era a vez de Bernie lhe agradecer. Ele se aproximou de
Maske com a voz embargada e o abraçou, choroso. Anita Jevne sentiu os
próprios olhos lacrimejarem quando viu o amor demonstrado a seu pai.
A experiência do reencontro abriu os olhos de Anita, que nunca soubera
os detalhes daquela noite traumática. “Meu pai sempre dizia que não
havia sido grande coisa”, lembra Jevne. “Ele dizia que era apenas seu
trabalho e que havia feito o que tinha de fazer. Quando ouvi a história
contada, no reencontro, fiquei admirada com meu pai e com os outros
três homens.”
O reencontro se estendeu por vários dias. A recepção acolhedora no
Mariners House foi acompanhada, no dia seguinte, por um almoço na
base da Guarda Costeira em Boston, e, finalmente, a viagem de volta a
Chatham. Cada evento havia sido cuidadosamente planejado, quase
cronometrado. As celebrações culminaram com uma breve viagem na
cg36500. A equipe sorria, enquanto subia a bordo; mas um deles
expressou suas reservas. “Por que temos de andar no barco?”, perguntou
Ervin a sua filha. Ervin havia feito o máximo para ficar longe da água
desde que acabara seu alistamento na Guarda Costeira, e lá estava ele,
pisando em um barco que podia ter salvado sua vida, mas que também o
havia deixado com pesadelos por décadas. Maske não compartilhou seus
sentimentos com mais ninguém quando se sentou e se preparou para o
que viria. Apesar da data no calendário, o ar estava frio, os ventos eram
fortes e a água um pouco agitada. Ainda assim, a equipe só poderia ter
sonhado com um tempo assim na última viagem que haviam feito
juntos. Eles deixaram o píer de pesca de Chatham para uma breve
viagem ao redor do porto. O sobrevivente do Pendleton Charles
Bridges observou o pequeno desfile de barcos que circulavam em volta
do píer de pesca de Chatham. A cg36500 foi acompanhada por dois
oficiais da Guarda Costeira da atual geração, que dariam uma mão caso
algo desse errado.
Nada deu errado nesse dia. Bernie Webber mais uma vez tomou seu
lugar de direito ao volante. A cg36500 foi ladeada por duas lanchas de
resgate de 44 pés e um bote inflável de 27 pés. Sem dúvida, os jovens
socorristas nessas embarcações, sabendo que um dia poderiam ser
testadosaté os limites de sua resistência, observaram com grande
orgulho.
apêndice
Na época, os resgates do Pendleton e do Mercer foram os maiores já
realizados pela Guarda Costeira, mais tarde superados pelos resgates
feitos após o furacão Katrina, em 2005, e pelo do navio de cruzeiro
Prinsendam, em 1980. Os resgates do Pendleton e do Mercer ainda são
os maiores em mar aberto feitos com pequenos barcos e lanchas na
história marítima norte-americana.
Donald Bangs
Donald Bangs já faleceu, mas Bernie Webber nunca o esqueceu,
insistindo em salientar que o que Bangs e sua equipe passaram durante o
resgate havia sido ainda pior do que a própria experiência de Bernie. E
Mel Gouthro acrescentou: “Eu sentia por Bangs e sua tripulação.
Depois de ficar na tempestade por horas e horas em um barco de
resgate de 36 pés, eles voltaram gelados, molhados e perto da
hipotermia. E quando perguntei se eles haviam tido alguma sorte com
os sobreviventes, Donald apenas anuiu”. Donald Bangs passou, com
distinção, trinta anos na Guarda Costeira.
Membros da família de Bangs acreditam que, embora ele raramente
mencionasse sua missão de resgate, perder o tripulante do Pendleton
para uma enorme onda quando ele estava quase resgatado o afetara
profundamente.
Bill Bleakley
“Ao refletir sobre a perda dos vários marinheiros da proa do Mercer,
naquela primeira noite, não posso deixar de pensar que se o acidente
tivesse acontecido apenas alguns anos depois, os homens poderiam ter
sido salvos por helicóptero. Embora não seja rotina, hoje, a capacidade
do helicóptero de içar homens em cestos de resgate pode fazer grande
diferença em operações de salvamento.” Bill tem um grande conselho
para todos os navegantes: “O incidente com o Mercer me ensinou uma
verdadeira lição: fiquem no navio até o final ou o máximo possível. O
mar não perdoa erros”.
Charles Bridges
Charles Bridges vive na Flórida, agora. Depois de sobreviver ao desastre
do Pendleton e ser resgatado por Bernie e sua equipe, ele ingressou na
Guarda Costeira e serviu por muitos anos. Nunca cruzou com Webber,
enquanto servia. Contudo, após aposentar-se, ao trabalhar em um navio
de pesquisas e, casualmente, mencionar que havia sobrevivido ao
Pendleton, soube que alguns tripulantes conheciam Bernie Webber,
pediu-lhes o número de telefone dele. Quando ligou para Bernie, soube
que ambos estariam no Cabo Canaveral ao mesmo tempo e, assim,
planejaram se encontrar pela primeira vez, desde o resgate. Bernie subiu
a bordo do navio de pesquisas e, depois que os homens apertaram as
mãos, Bridges disse: “Venha comigo”. E então Charles levou Bernie a
conhecer o capitão e, quando o apresentou, disse: “Este é o homem que
salvou minha vida, há 35 anos”.
Gil Carmichael
“Relembrando o evento do Pendleton e do Mercer, o que mais me
marcou foi que aprendi cedo na vida como me comportar em momentos
de crise. Eu sabia que quando lançávamos o barco poderíamos morrer,
mas todos nós pensávamos em tentar salvar vidas, e não em nossa
própria segurança. Tenho bastante orgulho de, quando jovem, não ter
hesitado em fazer o que era necessário. Isso me deu autoconfiança, e
estou contente por ter sido testado.”
Mel Gouthro
Mel Gouthro permaneceu na Guarda Costeira galgando postos,
passando por primeiro oficial e major, aposentando-se como capitão-
tenente. Por ironia, seu trabalho final foi na investigação de acidentes
marítimos.
John Joseph
Um grande elogio é dirigido ao capitão Joseph por parte dos homens
que serviram abaixo dele no Acushnet; homens como Sid Morris e John
Mihlbauer. Repetidas vezes, no decorrer da pesquisa dos autores, os
marinheiros se mostraram maravilhados com a manobra ousada de
Joseph para posicionar o barco de resgate ao lado da popa do Mercer na
tempestade.
Richard Livesey
Richard faleceu em 28 de dezembro de 2007. Ele relembrava seus dias
passados na Estação de Chatham como especialmente felizes, não por
causa do resgate, mas pelas amizades.
Ervin Maske
Ervin Maske morreu em 7 de outubro de 2003. Nessa época, ele era
motorista de ônibus escolar em período integral em sua cidade,
Marinette, Wisconsin. Maske estava indo buscar as crianças naquela
manhã; conseguiu atravessar os trilhos do trem pouco depois da
garagem do ônibus quando seu coração parou e ele caiu sobre o volante.
“Meu pai sempre usava o boné da Guarda Costeira quando dirigia o
ônibus”, diz Anita Jevne. “Naquele dia, não o estava usando. Talvez
soubesse que não voltaria para casa.”
Sid Morris
Sid escreveu um artigo sobre o resgate no qual citou um dos
sobreviventes que pularam da popa do Mercer para o Acushnet: “Um
marinheiro de Rhode Island, enrolado em cobertores e embriagado pelo
forte café da cozinha, exclamou ao me encontrar: ‘Foi a maior
demonstração de valentia marinha que eu já havia visto em vinte anos
no mar’. Foi muito gratificante ouvir de outros homens do mar que nos
valorizavam e sabiam o que o escudo de nosso uniforme representava”.
Olhando para trás, Sid diz: “O rugido do mar, o ruído dos navios se
chocando são tão vívidos em minha memória que parece que foi ontem.
Eu me orgulho de ter participado desse episódio emocionante e, até
hoje, relembro esses três dias como o momento mais arriscado de minha
vida”.
Ed Semprini
“Eu fazia a cobertura de JFK na residência oficial de verão, em
Hyannisport. Conheci um pouco o presidente e descobri que ele era um
verdadeiro cavalheiro. Foi um momento incrível quando toda a atenção
do mundo estava voltada para Cape Cod.” Ed Semprini continua
relatando as notícias em Cape Cod cerca de cinquenta anos depois. Seus
dias de rádio ficaram para trás, mas o jornalista veterano ainda escreve
uma coluna para o jornal Cape Codder.
Leonard Whitmore
“A lembrança mais forte desses dois dias é o impacto de receber um sos
e ser o operador de rádio que acompanhava toda a ação. Os operadores
de rádio podem passar a vida inteira sem nunca viver a experiência de
receber um sos ou qualquer pedido de ajuda. Eu senti verdadeiro
orgulho do trabalho de toda a equipe. O resgate me ensinou que eu
poderia fazer o que quisesse, se decidisse fazê-lo. Isso me permitiu
arriscar durante o resto da vida o que eu antes não teria tentado e me
deu forças para atravessar tempos difíceis. Eu me casei logo após o
resgate e, depois de apenas oito anos de casamento, minha esposa
morreu de câncer de mama. Tínhamos três filhos, de 2, 5 e 7 anos. Eu
os criei sozinho, antes de me casar de novo, sete anos depois, e ter mais
dois filhos.”
Para mais informações sobre a lancha de salvamento de 36 pés da
Equipe Medalha de Ouro, ou para fazer uma doação, visite
<www.cg36500.org ou www.myspace.com/finesthours>.
agradecimentos
Michael Tougias
Antes do projeto Horas decisivas, Casey Sherman e eu não nos
conhecíamos. Ambos estávamos interessados na história do Pendleton e
do Mercer e, pacientemente, fazíamos pesquisas. Durante as
investigações, disseram a Casey: “Outro escritor, Michael Tougias, está
fazendo a mesma coisa”. Casey entrou em contato comigo e sugeriu que
trabalhássemos juntos no projeto do livro, o que fez sentido para mim,
especialmente considerando quão intimidadoras eram as pesquisas, às
vezes.
Eu havia começado minha pesquisa sobre os acidentes do Mercer e
do Pendleton com o Comitê de Investigação da Guarda Costeira.
Igualmente importante foi o “Estudo da comunicação acerca da perda
dos petroleiros Fort Mercer e Pendleton”, da Guarda Costeira, que
incluía resmas de páginas que documentam cada mensagem de rádio
enviada durante os resgates.
Acompanhei a apuração inicial dos fatos lendo e tirando cópias de
jornais de 1952 que contavam o acidente. Alguns dos melhores artigos
haviam saído no Boston Globe, Boston Herald, Cape Cod Times, New York
Times, Portland (Maine) Herald e Providence Journal. Os repórteres dos
jornais haviam ido primeiro às docas, entrevistando e citando socorristas
e resgatados. Dezenas de artigos de revistas ofereciam visões gerais
interessantes, mas o maisimportante era que serviam como um
lembrete de que o evento marcante ocorrera em 1952. O fato de nossa
nação estar atolada na Guerra da Coreia, que se arrastava por amargos
meses a fio, pode ter sido uma das razões pelas quais os resgates do
Pendleton e do Mercer foram divulgados por todo o país. Era um
evento que envolvia nossos militares e refletia uma resposta coordenada,
rápida, que salvara vidas e fora resolvido em questão de dias.
Então, li o livro de Bernie Webber, Chatham: the lifeboatmen, que me
forneceu uma visão que os jornais desconheciam. Outro excelente livro
que incluía um capítulo sobre o Pendleton/Mercer foi From highland to
hammerhead, escrito por Charles Hathaway, um verdadeiro cavalheiro
que deixou suas coisas para me ajudar a rastrear testemunhas oculares.
Outros livros falavam sobre o resgate, como Voyager beware; Shipwrecks of
Cape Cod; Guardians of the sea; e o livreto Rescue at sea.
Quando achei que já tinha um bom conhecimento sobre os eventos,
comecei a buscar as testemunhas ainda vivas do resgate. Bernie Webber
estava no topo de minha lista. Expliquei a ele a pesquisa que havia feito
e que estava passando para o processo de entrevistas. Com muita
gentileza, Bernie respondeu a minhas perguntas preliminares e me deu
os números de telefone de Richard Livesey e Andy Fitzgerald. Passei
um dia com Livesey em sua casa, na Flórida, e mantive meu gravador
rodando durante a fascinante entrevista. (Infelizmente, Richard morreu
no mesmo dia que Casey e eu estávamos terminando o manuscrito.)
Andy Fitzgerald e eu nos falamos por telefone e e-mail, e, por fim,
pessoalmente, em minha casa, em Massachusetts. Bernie, Andy e
Richard foram incrivelmente pacientes: eles queriam que a história fosse
contada como acontecera de fato, sem dramaticidade.
Naqueles primeiros dias de pesquisa, consegui localizar Mel
Gouthro, que mostrou-se uma riqueza de conhecimentos e incentivo.
Ao passo que a maioria dos homens que entrevistei estava espalhada
pelos Estados Unidos, Mel morava a apenas oito quilômetros de mim.
Mel também havia guardado várias fotografias tiradas por ele próprio ou
por um fotógrafo da Guarda Costeira e me forneceu detalhes de cada
uma delas.
O sobrevivente do Pendleton Charles Bridges também foi tolerante
a meus muitos telefonemas e minhas perguntas. Ele me forneceu uma
perspectiva diferente da dos socorristas e foi crucial para eu entender a
sequência de eventos. Tive a sorte de Charles ter uma lembrança vívida
do que sentiu, pensou e fez naquelas horas terríveis, quando sua vida
estava em jogo na popa do Pendleton.
Quando reuni as histórias dos homens e li os relatórios e as matérias,
alguns aspectos da tragédia me pareceram especialmente tristes, como o
homem solitário, Herman Gatlin, cujo corpo foi encontrado na proa do
Pendleton. Morrendo de frio, sua única escolha tinha sido usar
serragem e jornais em uma tentativa desesperada de afastar a
hipotermia. Se houvesse sobrevivido, poderia ter fornecido a principal
peça que faltava a essa saga: O que aconteceu com o capitão Fitzgerald e
os outros tripulantes da proa? Contudo, ele sofreu sozinho, talvez até
pensando que a Guarda Costeira não correria o risco de se lançar ao
mar na tempestade e, provavelmente, nunca sabendo dos esforços
heroicos de Donald Bangs, Emory Haynes, Antonio Ballerini e Richard
Ciccone.
Pensar em Bangs e sua equipe, enquanto ficaram no mar em um
barco de 36 pés durante toda a noite, açoitados por ondas de seus quinze
metros de altura, neve, gelo e sensação térmica abaixo de zero é uma
história de sobrevivência em si mesma. Aqueles homens, bem como a
equipe de Bernie e a de Ormsby, tiveram a sorte de voltar vivos, e isso
me fez pensar na sabedoria dos oficiais da Guarda Costeira que
enviaram esses barcos ao resgate.
Quase tão desconcertante quanto a morte de Tiny Myers e a de
Herman Gatlin foi o triste fim que se abateu sobre o operador de rádio
do Mercer John O’Reilly. Ele sequer teve a chance de escolher entre
ficar no navio ou pular no mar quando a Yakutat chegou. Escorregou na
passarela quando estava tentando chegar à parte mais dianteira do navio,
tornando-se a primeira vítima do Mercer. O’Reilly foi o primeiro e o
último marinheiro com quem o operador de rádio do Eastwind Len
Whitmore conseguiu se comunicar.
Os homens nos petroleiros também tiveram sorte, como salientou
Doris Forand, cujo pai, Helger Johnson, estava a bordo do pesqueiro
condenado Paolina. O Eastwind, o Unimack e outros recursos da
Guarda Costeira haviam participado das buscas por esse navio nas águas
de Nantucket, por isso estavam na região e puderam ir socorrer o
Mercer.
Durante meus estudos iniciais, não pude deixar de admirar a
coragem demonstrada por Ervin Maske, que não tinha nenhuma
obrigação de se voluntariar para ir com Bernie ao Pendleton. Ervin
estava esperando ser levado ao navio-farol Pollock Rip e, por acaso,
estava na Estação de Chatham quando a emergência surgiu. Ele poderia
ter deixado Bernie escolher quatro tripulantes; contudo, colocou sua
vida em risco sem hesitação.
Foi nessa altura de minha pesquisa que Casey e eu soubemos dos
esforços um do outro e resolvemos trabalhar juntos. Casey havia lido
muitos dos artigos, relatórios e livros que eu lera; portanto, quando
somamos forças, percebemos que tínhamos um bom domínio da história
e que poderíamos então nos dedicar a localizar e entrevistar
testemunhas oculares, cujos nomes raramente apareciam no material
que havíamos estudado. Eu me voltei, sobretudo, às pesquisas sobre o
Mercer, e a primeira pessoa que entrevistei foi Len Whitmore, que
servira no Eastwind e como operador de rádio recebera o primeiro
pedido de socorro. Len e eu fomos jantar uma noite, e sua memória era
tão afiada e suas informações tão úteis que decidi que ele seria a fonte
principal para corrigir meus esboços sobre o Mercer. O capitão Russ
Webster, mais tarde, forneceu informações valiosas quando revisou os
primeiros capítulos sobre o Pendleton. Houve outros contribuintes
fundamentais, como John Mihlbauer, Albert Charrette, Sid Morris, Ben
Stabile, Wayne Higgins, Larry White, Bill Bleakley, George Maloney,
Gil Carmichael, Chick Chase, Phil Bangs, David Considine, Melvin
Gouthro, Pete Kennedy, George Wagner, Phil Bangs, Peter Joseph,
Bob Joseph, Stephen Mague, Matt Swensen e Sandy Howerton.
Especialmente úteis foram os relatos escritos do capitão John Joseph
sobre o que aconteceu.
Um comentário recorrente que ouvi de familiares dos socorristas já
falecidos (como Donald Bangs e Antonio Ballerini) foi semelhante a esta
lembrança da filha de Ralph Ormsby: “Meu pai simplesmente não falava
sobre esse assunto. Ele o considerava parte de seu trabalho”. Quase
todos os homens com quem conversei se sentiam da mesma maneira.
Eles apenas fizeram o que tinham de fazer.
Tenho certeza de que trabalhar com dois escritores, em vez de um,
não foi nada fácil para o agente Ed Knappman e os editores Colin
Harrison, Jessica Manners e Tom Pitoniak; entretanto, suas orientações
e suas sugestões foram muito úteis e apreciadas. Agradeço também a
todos os meus familiares, que me deram palavras de encorajamento e me
ouviam quando, feliz e repetidamente, eu gritava: “Acabei de encontrar
outra testemunha!”
E, claro, meus agradecimentos a Casey Sherman, que me fez avançar
no projeto, manter-me entusiasmado com a história; foi um prazer
trabalhar com ele.
Casey Sherman
Cresci em Cape Cod nas décadas de 1970/1980, porém não conhecia a
incrível história do resgate do Pendleton. Certo dia de verão, minha
curiosidade foi aguçada, enquanto eu autografava cópias de meu livro A
rose for Mary: the hunt for the real Boston strangler em uma pequena
livraria singular no centro de Chatham chamada Yellow Umbrella. Meu
irmão Todd passou por ali e discutimos alguns projetos futuros nos
quais eu estava interessado. Na época, eu escrevia um romance e ele me
perguntou se tinha planos de voltar a minhas raízes de nãoficção. “Só se
aparecer a história certa”, respondi. Ele sorriu para mim e disse: “Acho
que tenho uma”. Durante as horas seguintes, Todd me explicou o que
sabia sobre o resgate do Pendleton e fiquei encantado. Imediatamente,
fui atrás de Pete Kennedy, e ele me ofereceu um passeio até o barco, que
descrevi no prólogo deste livro. Kennedy também me forneceu vários
documentos e artigos de jornal para me ajudar a começar a investigação.
E me informou que outro escritor estava interessado na história,
mencionando o nome de Mike Tougias. Eu conhecia Mike por seus
livros Ten hours until dawn e The Blizzard of ‘78. Então, fui forçado a
tomar uma decisão: escreveria sozinho um livro que competiria com o
dele ou poderíamos trabalhar juntos? Felizmente para mim, escolhi o
segundo caminho e liguei para Mike.
Escritor é uma raça curiosa; não tinha ideia do que esperar de Mike.
Fiquei agradavelmente surpreso ao descobrir que, como eu, sua
motivação não era ver seu nome em negrito na capa de um livro. Mike
queria contar esta história da maneira mais completa e séria possível.
Nós decidimos combinar pesquisa, talento e ideias para começar um
projeto, que acabou se tornando este livro. Ao longo do processo, Mike
foi um verdadeiro profissional e me estimulou a ser um escritor melhor.
Por isso, minha gratidão a ele é eterna.
Várias pessoas merecem menção especial. Também gostaria de
agradecer a Bernie, Andy e Richard, por demonstrarem muita paciência
ao responder a minhas inúmeras perguntas. De início, Bernie se opôs ao
projeto. “Não há nenhuma história para contar”, disse-nos. Primeiro,
achei que Bernie estava fazendo o papel de herói relutante, até que
descobrimos as cicatrizes emocionais que ele continua carregando. Ao
ler o manuscrito, Bernie admitiu que havia se equivocado. Havia uma
história para contar. Ele elogiou nosso trabalho, e essa é a avaliação mais
querida e preciosa que Mike e eu teremos sobre este livro. Gostaria de
agradecer a Charles Bridges e a Mel Gouthro, por partilharem suas
memórias. Sou muito grato a Anita Jevne, por se abrir sobre seu pai,
Ervin Maske. Este livro não poderia ter sido escrito sem sua percepção
aguçada. Também sou grato a John J. Fitzgerald iii, por me contar sobre
seu pai e como sua mãe lidou com a tragédia. Obrigado a Ed Semprini,
por nos explicar a horda midiática que rodeou o evento. Agradeço a
Ralph Morris e a sua esposa, por suas conversas agradáveis comigo e
com minha mãe! Obrigado a Tony O’Neil, por compartilhar as próprias
memórias sobre Ervin Maske. Agradeço também ao já mencionado Pete
Kennedy, a Don St. Pierre e Bill Quinn, por atualizarem o projeto de
restauração e continuarem mantendo a cg36500 à tona. Meu apreço
também para Bengt Fornberg, que fez o que pôde para explicar a ciência
por trás das ondas traiçoeiras para um novato que seguiu carreira no
Jornalismo porque não era bom em Matemática. Obrigado também a
Joe Nickerson e à família Ryder, de Chatham, por descrever um retrato
vívido sobre o píer de pesca de Chatham, naquelas noites.
Mike mencionou alguns dos livros que estudamos para este projeto,
e aqui estão mais alguns: The Pendleton disaster off Cape Cod; The life
savers of Cape Cod, de J. W. Dalton; e Until the sea shall free them, de
Robert Frump.
Naturalmente, depois de cada livro, tenho de agradecer às pessoas
que me acompanharam em cada passo do caminho. A minha esposa,
Laura, eu te amo. A minhas filhas queridas, Isabella e Mia, abraços e
beijos do papai. A minha mãe, Diane, obrigado por atender aos
telefonemas. A meu irmão, Todd, obrigado pela inspiração. Ao ótimo
pessoal da Borders Express em Hanover e da Fryeburg Academy,
obrigado de novo por todo o imenso apoio.
Em 22 de janeiro de 2009, Mike e eu recebemos um e-mail de
Bernie Webber, junto com imagens da cg36500 remodelada, que dizia:
Pessoal, aqui está seu barco. Se um filme for feito, ela vai estar pronta, como se fosse
nova. Eu não estarei por perto, mas dê-lhe um beijo por mim!
Bernie
Dois dias depois, Bernie Webber faleceu em sua casa, em
Melbourne, Flórida. Ele tinha 80 anos. Bernie teve a premonição de que
não estaria vivo para ver sua história contada em filme, mas sempre
enfatizou: “O resgate do Pendleton não tem a ver comigo; sempre teve a
ver com a bravura de minha equipe e o milagre daquele pequeno barco
de salvamento”.
bibliogra�a
Informes da Agência do Governo
marine Board of Investigation: Structural Failure of Tanker Pendleton off Cape Cod. United
States Coast Guard.
marine Board of Investigation: Structural Failure of Tanker Fort Mercer off Cape Cod. United
States Coast Guard.
marine Board of Investigation/Collision of uscgc Eastwind and ss Gulfstream. United States
Coast Guard.
marine Board of Investigation: Structural Failure of Tanker Pine Ridge off Cape Hatteras.
United States Coast Guard.
marine Board of Investigation: Disappearance of ss Pennsylvania. United States Coast Guard.
m/v spartan lady Rescue. United States Coast Guard Memorandum Communi cations Study of
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priority Dispatch from Comeastarea to uscgc Eastwind, 18 feb. 1952. United States Coast
Guard.
priority Dispatch from ccdg one to Coguard Chatham lbs 19 feb. 1952. United States Coast
Guard.
priority Dispatch from noda/cgc McCulloch to Hips/ccgd one, 19 feb. 1952. United States
Coast Guard.
operational Immediate Dispatch from Chatham Mass LBS to Zen/ccgd one, 19 feb. 1952.
United States Coast Guard.
operational Immediate Dispatch from cgc McCulloch to ccgd one, 18 feb. 1952. United
States Coast Guard.
marine Casualty Report for the ss Marine Electric. United States Coast Guard.
marine Board of Investigation into Disappearance of F/V Paolina. United States Coast Guard.
united states Coast Guard in the Vietnam War. Disponível em: <www.uscg.mil>. Acesso em: 9
set. 2015.
Matérias de jornais e teletipos
mais seis morrem pulando para as balsas. The Boston American, 19 fev. 1952.
trinta e dois salvos dos petroleiros; trinta e três mortos, imensas perdas causadas pela
tempestade N. E.; vinte mil ilhados; seis tripulantes do Fort Mercer considerados perdidos;
heróis do resgate sofrem derrota terrível; quarenta e seis em perigo. The Boston Globe, 19 fev.
1952.
tempestade isola N. E. The Boston Globe, 18 fev. 1952.
marinheiros resgatados contam histórias; pendleton reduz velocidade antes de se partir ao
meio. The Boston Globe, 20 fev. 1952.
resgatadores do Maine rumo a mil ilhados; tripulação abandona embarcação atingida por
tempestade. The Boston Globe, ed. esp., 18 fev. 1952.
cinco mortos em tempestade selvagem. The Boston Globe, 18 fev. 1952.
encontrado barco de resgate estraçalhado [Paolina]. The Boston Globe, 17 fev. 1952.
um trabalho épico. The Boston Globe, 23 fev. 1952.
rebocadores puxam popa; tripulação do Mercer avalia liderança. The Boston Globe, 22 fev.
1952.
vazamento incomum no Fort Mercer, atesta contramestre. The Boston Globe, 26 fev. 1952.
setenta salvos, quatorze mortos depois que dois navios se partem. The Boston Herald, 20 fev.
1952.
trinta e dois salvos, cinquenta desaparecidos, dois mortos na fragmentação de dois petroleiros
nas águas de Cape Cod. The Boston Herald, 19 fev. 1952.
primeiro um rugido, depois a separação. The Boston Herald, 19 fev. 1952.
sobreviventes do Pendleton contam a angustiante experiência no mar. The Boston Herald, 20 fev.
1952.
corda de pano salva quatro. The Boston Herald, 20 fev. 1952.
metade de petroleiro desafia vendaval. The Boston Herald, 22 fev. 1952.
popa do Fort Mercer chega a salvo em Newport. The Boston Herald, 23 fev. 1952.
mil e quinhentos isolados; sem a proa, popa de uma embarcação é avistada. The Boston Herald, 18
fev. 1952.
maine sepultada em leiro de neve; mortes pela tempestade chegam a 31. The Boston Herald, 21
fev. 1952.
petroleiro partido captado primeiro pelo radar. The Boston Herald, 26 fev. 1952.
treze se recusam a deixar petroleiro — 58 salvos. The Boston Post, 20 fev. 1952.
http://www.uscg.mil/
rebocadorde salvamento vai resgatar navio partido; almirante elogia quatro em épico bote de
salvamento. Boston Traveler, 20 fev. 1952.
quarenta pessoas nas partes do petroleiro. Boston Traveler, 19 fev. 1952.
somos dezoito homens no petroleiro. Boston Traveler, 20 fev. 1952.
tempestade arremessa cofre de pesqueiro de arrasto. Cape Cod Standard Times, 20 fev. 1952.
quatro guardas costeiros resgatam 32. Cape Cod Standard Times, 19 fev. 1952.
popa do petroleiro é rebocada. Cape Cod Times, 23 fev. 1952.
guarda Costeira salva dezoito homens em Nantucket. Cape Cod Times, 20 fev. 1952.
proa do Pendleton sucumbe com corpos de marinheiros. Cape Cod Standard Times, 25 fev. 1952.
comitê de apuração toma testemunhos. Cape Cod Standard Times, 21 fev. 1952.
heróis de 1952 retornam do mar. Cape Cod Times, 16 maio 2002.
dilema de 40 Fathoms semana passada deixa passar destroços do petroleiro. Cape Codder, 28 fev.
1952.
nasce história sensacionalista. Cape Codder, 28 fev. 1952.
missão de salvamento no Pendleton. Cape Codder, 16 ago. 1956.
resgate de barco de salvamento a caminho. Cape Codder, 17 nov. 1981.
voluntários para o resgate. Cape Codder, 8 dez. 1981.
socorristas homenageados por ação heroica no passado. Cape Codder, 17 maio 2002.
marinheiros resgatados no auge da tempestade. Central Cape Press, 21 fev. 1952.
trinta e dois resgatados, 55 agarrados aos navios partidos em Cape Cod. The Daily Record, 19
fev. 1952.
quinze mortes com a fratura de petroleiros em Cape Cod. The New Bedford Standard Times, 19
fev. 1952.
navios açoitados, sobreviventes esgotados, novo marco épico no mar. The New Bedford Standard
Times, 20 fev. 1952.
senado investiga dados de todos os ganhos obtidos no negócio naval. The New York Times, 18
fev. 1952.
dois navios se rasgam ao meio. The New York Times, 19 fev. 1952.
petroleiro partido em perigo. The New York Times, 22 fev. 1952.
mais 25 resgatados de petroleiro partido. The New York Times, 20 fev. 1952.
dois rebocadores puxam popa de petroleiro partido. The New York Times, 22 fev. 1952.
tempestade de neve mata trinta em Nova Inglaterra. The New York Times, 19 fev. 1952.
popa do Mercer salva. Portland Herald Press, 22 fev. 1952.
capitão do petroleiro. Portland Herald Press, 22 fev. 1952.
cinquenta e sete homens arrebatados do mar. Portland Herald Press, 19 fev. 1952.
equipe de Brant Point atravessa mar bravio. Nantucket Town Crier, 22 fev. 1952.
ignore a nevasca — Retorne ao navio. Ketchikan News, 24 fev. 1965.
Livros
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kaplan, H. R. Voyager Beware. Nova York: Rand McNally, 1966.
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Pendleton Disaster Off Cape Cod. Charleston, S.C.: The History Press, 2007.
noble, Dennis. Rescued by the Coast Guard. Annapolis, Md.: US Naval Institute Press, 2004.
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stancliff, S. S. Fort Mercer and Pendleton Rescues. New London, Conn.: Golden Tide Rips,
1950.
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Artigos
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<www.cg36500>. Acesso em: 9 set. 2015.
stonecypher, Lamar. Aço velho: A fratura do ss Pennsylvania. Kudzu Monthly (publicação on-
line), 2002.
[a] Existe uma versão desse hino para o português, feita por Manoel da Silveira Porto Filho, em
1947: Rocha eterna, meu Jesus, / Quero em ti me refugiar! / O teu sangue, lá na cruz / Derramado em
meu lugar, / Traz as bênçãos do perdão: / Gozo, paz e salvação. // Não por obras nem penar / Plena paz
terei aqui. / Só tu podes consolar, / Há perdão somente em ti. / Rocha eterna, só na cruz / Eu confio, ó
meu Jesus!  / Que não se pode exprimir por palavras, indizível.  // Quando o derradeiro olhar / A este
mundo aqui volver / E no Trono eu te encontrar, / Teu chamado a responder; / Rocha eterna, espero ali /
Abrigar-me, salvo, em ti!  (N. T.)
[b] Equipamento antigo de resgate marítimo criado pelo capitão George William Manby, na
primeira década de 1800; consistia de uma corda, que tinha uma extremidade fixada na costa e
outra na embarcação em perigo para, com o auxílio de uma boia circular acoplada, transportar as
pessoas do navio à praia pela água. (N. T.)
Cortem as Cabeças
Dhar, Mainak
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192 páginas
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E se o mundo como o conhecemos de repente deixasse de existir? 
Cortem as cabeças é o fim e o começo de tudo: a queda do planeta
Terra e o nascimento do País das Armadilhas. 
Poucos meses antes de Alice nascer, um contágio impossível de ser
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controlado começou a afetar a humanidade transformando as
pessoas em Mordedores, mortos-vivos inexpressivos que se
alimentam de sangue e transformam os humanos em seres como
eles. Todos estão tomados pelo medo e a verdade por trás desse
ataque parece impossível de ser encontrada. 
Para os fãs da série Alice no País das Armadilhas ou para aqueles
em busca de uma nova aventura por um mundo distópico e
assustador, aqui poderá acompanhar histórias como o nascimento
da Rainha Mordedora, a dor de um jovem rapaz apaixonado
enquanto se transforma em Mordedor e tenta salvar seu grande
amor, e a luta da família de Alice para escapar de uma cidade
tomada pelo terror. 
Um futuro terrível está à sua frente e lembre-se: toda história tem
muitas versões.
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Você entendeu tudo errado
Kavanagh, Marianne
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288 páginas
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Como Harry conseguiu se envolver tanto em nossas vidas? 
Kim e Harry são completamente diferentes um do outro. Ela, uma
jovem que sonha com um mundo mais justo e igualitário para todos.
Ele, um banqueiro promissor, ou seja, a materialização de tudo
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aquilo que ela mais odeia na sociedade. A única coisa que os
mantêm presos um ao outro é terem as mesmas pessoas favoritas
no mundo: a irmã mais velha de Kim, Eva, e seu filho, Otis. 
Ambos, Harry e Kim, estão presos demais em seus preconceitos
para entenderem o que realmente está acontecendo na vida um do
outro. Eles nunca se entenderão – até a pior de todas as tragédias
os alcançar. Encarando a possibilidade de perderem a pessoa que
mais amam, segredos há muito enterrados vêm à tona em formas
que vão mudar Kim e Harry para sempre. 
Prepare-se para um Orgulho e Preconceito dos tempos modernos! 
 
Marianne cria uma história sobre laços familiares e mal-entendidos
românticos que consegue ser, ao mesmo tempo, emocionante e
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Senhora Einstein
Benedict, Marie
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Espero aprender, como há muito sugeri, se o tempo é mesmo
relativo. Mileva "Mitza" Marić Einstein 
 
Mileva Marić – ou Mitza, como gostava de ser chamada – sempre foi
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um pouco diferente das outras garotas. Em 1896, a maioria das
jovens de 20 anos já está casada, não estudando física em uma
universidade de eliteem Zurique. Mitza, porém, é inteligente o
bastante para saber que, para ela, a Matemática é um universo
muito mais fácil de se navegar do que o casamento. 
 
Tudo corria como planejado até que um de seus colegas, Albert
Einstein, passa a se interessar por ela muito além das dicas em
cálculos. Ele via em Mitza uma capacidade intelectual superior até à
dele e a força contrária perfeita para equilibrar a montanha-russa
emocional que ele era. 
 
Uma paixão intensa e arrebatadora nasce entre os dois,
transformando definitivamente o mundo de Mitza. No entanto,
mesmo com todos os sonhos e planos que fizeram juntos, pode não
haver espaço para mais de um gênio em um casamento. 
 
"O primeiro romance de Marie Benedict descreve cuidadosamente a
vida de Mileva – de estudante promissora a mãe solitária – com
especial atenção aos conflitos entre objetivos pessoais e
convenções sociais. Um intrigante romance sobre uma das mais
fortes parcerias intelectuais do século XIX." Kirkus
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Incrível
Benincasa, Sara
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256 páginas
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Eram olhos repletos de esperança — esperança irracional,
espantosa e, às vezes, até irritante. Esperança de que, de alguma
forma, tudo daria certo, mesmo quando estava claro que seu sonho
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lhe escapava como areia 
por entre os dedos de uma criança. 
 
 
Naomi Rye simplesmente odeia quando chega o verão e ela é
obrigada a ficar com sua mãe socialite em East Hampton. Afinal, ela
definitivamente não pertence àquele mundo de glamour e
adolescentes mimados. No entanto, tudo pode ser diferente neste
verão, pois a casa vizinha foi alugada pela linda e misteriosa Jacinta
Trimalchio, que sabe como impressionar com suas festas suntuosas
e selvagens e, claro, seu badalado blog Incrivel.com. 
 
Jacinta tem as próprias razões para se aproximar de Naomi: Delilah
Fairweather. O envolvimento dessas garotas poderá culminar em
grandes tragédias, e o mundo de riqueza e esbanjação
cuidadosamente construído por aqueles jovens ricos poderá cair em
pedaços. Naomi agora precisa decidir se está disposta a ser puxada
por essa vida que por tantos anos rejeitou, ou se enfim cederá aos
encantos da misteriosa e fascinante vizinha. 
 
 
 
Inspirada no clássico O grande Gatsby, Sara Benincasa traz todo
drama, glamour e romance com um toque moderno (e escandaloso)!
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O teste
Charbonneau, Joelle
9788567028330
320 páginas
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No dia de formatura de Malencia 'Cia' Vale e dos jovens da Colônia
Cinco Lagos, tudo o que ela consegue imaginar – e esperar – é ser
escolhida para O Teste, um programa elaborado pela Comunidade
das Nações Unificadas, que seleciona os melhores e mais brilhantes
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recém-formados para que se tornem líderes na demorada
reconstrução do mundo pós-guerra. Ela sabe que é um caminho
árduo, mas existe pouca informação a respeito dessa seleção.
Então, ela é finalmente escolhida e seu pai, que também havia
participado da seleção, se mostra preocupado. Desconfiada de seu
futuro, ela corajosamente segue para longe dos amigos e da família,
talvez para sempre. O perigo e o terror a aguardam. 
 
Será que uma jovem é capaz de enfrentar um governo que a
escolheu para se defender?"
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	Folha de rosto
	Créditos
	Prólogo
	Partes dos petroleiros e seus barcos de resgate
	Parte I
	Capítulo 1: Estação de Resgate de Chatham
	Capítulo 2: O Pendleton
	Capítulo 3: O Fort Mercer
	Capítulo 4: “Não pode ser verdade”
	Capítulo 5: “Você tem de pegar a 36500”
	Capítulo 6: Chatham Bar
	Capítulo 7: Mobilização em Chatham
	Capítulo 8: “Ele veio à tona, boiando”
	Capítulo 9: Perdendo as esperanças: na popa do Pendleton
	Capítulo 10: Todos menos um: o resgate à popa do Pendleton
	Capítulo 11: Trinta e seis homens em um barco de 36 pés
	Capítulo 12: Pandemônio em Chatham
	Parte II
	Capítulo 13: Emborca a proa do Mercer
	Capítulo 14: Uma manobra memorável
	Capítulo 15: Terça-feira na Estação de Chatham
	Capítulo 16: Treze homens ainda a bordo
	Capítulo 17: Buscas na proa do Pendleton
	Parte III
	Capítulo 18: A investigação
	Capítulo 19: Ser rotulado de herói pode ser um fardo
	Capítulo 20: Problemas no petroleiro
	Capítulo 21: Além do resgate
	Capítulo 22: A restauração
	Epílogo: Eles já foram jovens
	Apêndice
	Agradecimentos
	Bibliografia

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