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1 FACULDADE ÚNICA DE IPATINGA 2 Karla Menezes Lopes Niels Doutora em Estudos de Literatura pela Universidade Federal Fluminense (2018). Mestre em Letras pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Graduada em Letras pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (2010). Atua como docente pela Secretaria de Educação do Estado do Rio de Janeiro e nos cursos de graduação em Letras nas áreas de Teoria da Literatura, Literatura Brasileira, Literatura Portuguesa e Língua Portuguesa. É Pesquisadora do fantástico na Literatura Brasileira e autora de diversos artigos e capítulos de livros sobre o tema. 1ª edição Ipatinga – MG 2021 TEORIA DA LITERATURA I 3 FACULDADE ÚNICA EDITORIAL Diretor Geral: Valdir Henrique Valério Diretor Executivo: William José Ferreira Ger. do Núcleo de Educação a Distância: Cristiane Lelis dos Santos Coord. Pedag. da Equipe Multidisciplinar: Gilvânia Barcelos Dias Teixeira Revisão Gramatical e Ortográfica: Izabel Cristina da Costa Revisão/Diagramação/Estruturação: Bárbara Carla Amorim O. Silva Bruna Luiza Mendes Leite Carla Jordânia G. de Souza Guilherme Prado Salles Rubens Henrique L. de Oliveira Design: Brayan Lazarino Santos Élen Cristina Teixeira Oliveira Maria Luiza Filgueiras Taisser Gustavo de Soares Duarte © 2021, Faculdade Única. Este livro ou parte dele não podem ser reproduzidos por qualquer meio sem Autorização escrita do Editor. Ficha catalográfica elaborada pela bibliotecária Melina Lacerda Vaz CRB – 6/2920. NEaD – Núcleo de Educação a Distância FACULDADE ÚNICA Rua Salermo, 299 Anexo 03 – Bairro Bethânia – CEP: 35164-779 – Ipatinga/MG Tel (31) 2109 -2300 – 0800 724 2300 www.faculdadeunica.com.br 4 Menu de Ícones Com o intuito de facilitar o seu estudo e uma melhor compreensão do conteúdo aplicado ao longo do livro didático, você irá encontrar ícones ao lado dos textos. Eles são para chamar a sua atenção para determinado trecho do conteúdo, cada um com uma função específica, mostradas a seguir: São sugestões de links para vídeos, documentos científico (artigos, monografias, dissertações e teses), sites ou links das Bibliotecas Virtuais (Minha Biblioteca e Biblioteca Pearson) relacionados com o conteúdo abordado. Trata-se dos conceitos, definições ou afirmações importantes nas quais você deve ter um maior grau de atenção! São exercícios de fixação do conteúdo abordado em cada unidade do livro. São para o esclarecimento do significado de determinados termos/palavras mostradas ao longo do livro. Este espaço é destinado para a reflexão sobre questões citadas em cada unidade, associando-o a suas ações, seja no ambiente profissional ou em seu cotidiano. 5 SUMÁRIO O QUE É TEORIA ........................................................................................ 7 1.1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 7 1.2 DO SENSO COMUM AO CONCEITO ................................................................... 7 1.3 ESTUDOS LITERÁRIOS ANTES DA TEORIA .......................................................... 11 1.4 NASCE A TEORIA ............................................................................................... 13 FIXANDO O CONTEÚDO ............................................................................................... 17 MAS, O QUE É LITERATURA? .................................................................... 22 2.1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 22 2.2 “EM BUSCA DO SANTO GRAAL” OU POR UM CONCEITO DE LITERATURA ..... 23 2.3 DAS CARACTERÍSTICAS DA LITERATURA OU DA LITERARIEDADE .................... 25 2.4 DAS MUITAS FUNÇÕES DA LITERATURA ............................................................ 27 FIXANDO O CONTEÚDO ............................................................................................... 31 A ARTE IMITA A VIDA? ............................................................................ 39 3.1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 39 3.2 PLATÃO E O MITO DA CAVERNA ...................................................................... 40 3.3 AS FORMAS E O MITO DA CAVERNA ............................................................... 41 3.4 A MIMESES PLATÔNICA ..................................................................................... 42 FIXANDO O CONTEÚDO ............................................................................................... 44 LITERATURA: A ARTE DAS PAIXÕES? ....................................................... 51 4.1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 51 4.2 DA POÉTICA ARISTOTÉLICA E OUTRAS POÉTICAS ........................................... 51 4.3 DAS PAIXÕES HUMANAS À CATARSE ............................................................... 54 FIXANDO O CONTEÚDO ............................................................................................... 58 PERIODIZAÇÃO LITERÁRIA E FORMAÇÃO DO CÂNONE....................... 66 5.1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 66 5.2 POR UMA HISTÓRIA DA HISTÓRIA ..................................................................... 66 5.3 COMO SE CONSTRÓI UM CÂNONE? ................................................................ 69 5.4 TODO CÂNONE PRECISA DE REVISÃO! ............................................................ 70 FIXANDO O CONTEÚDO ............................................................................................... 73 DE NOVO, A TEORIA: CORRENTES .......................................................... 78 6.1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 79 6.2 FORMALISMO RUSSO E ESTRUTURALISMO ........................................................ 79 6.3 NEW CRISTICISM E NEW HISTORICISM .............................................................. 82 6.4 TEORIA DO EFEITO ESTÉTICO E TEORIA DA INTERPRETAÇÃO ........................... 84 6.5 “DE SE FAZER MUITOS LIVROS NÃO HÁ FIM” OU DAS MUITAS TEORIAS ......... 88 FIXANDO O CONTEÚDO ......................................................................... 90 REFERÊNCIAS ........................................................................................... 97 UNIDADE 01 UNIDADE 02 UNIDADE 03 UNIDADE 04 UNIDADE 05 UNIDADE 06 6 CONFIRA NO LIVRO Na unidade I, falaremos sobre o que é a Teoria da Literatura, sua origem, trajetória e fundamentos. Antes distinguiremos senso comum de conceito e juízo de valor, cuja compreensão é essencial para a disciplina. Na unidade II, abordaremos uma questão que é bastante complexa para os Estudos Literários e, por conseguinte, para a Teoria da Literatura, a saber, a definição de seu objeto, a Literatura: O que é Literatura? Na Unidade III, discorreremos sobre os conceitos de mimeses e verossimilhança - conceitos essenciais para a Teoria da Literatura e para os Estudos Literários -, a partir da República, de Platão e do mito da caverna. Na Unidade IV, consideraremos a visão de Aristóteles, e de outros autores, a respeito dos conceitos de mimeses e de verossimilhança. Falaremos também sobre os conceitos de peripécia e catarse, conceitos também imprescindíveis. Na unidade V,adentraremos o terreno da historiografia literária, ao falarmos sobre a periodização da literatura, sobre a formação das escolas literárias e sobre as escolhas que possibilitam a formação de um cânone literário. Na unidade VI, fechamos o ciclo desta disciplina, ao retornar à abordagem histórica dessa iniciada na Unidade 01, a fim de comentar as principais correntes teóricas da Teoria da Literatura. 7 O QUE É TEORIA 1.1 INTRODUÇÃO Roberto Acízelo de Souza (2018)inicia o seu manual de Teoria da Literatura com um capítulo cujo título, per si, já nos conduz à reflexão: “Sem uma Teoria, a Literatura é o óbvio”. A palavra teoria, obviamente nos remete à algumas conhecidas teorias como a teoria do big bang, a teoria da evolução, a teoria das cordas, entre outras. De fato, desde o século XIX, com o racionalismo, o positivismo e o avanço das ciências, fomentar teorias (e, por conseguinte, comprová-las), tornou-se de extrema importância para as mais diversas áreas do conhecimento, inclusive as humanas, como é o caso da Literatura. Mas o que vem a ser uma teoria? O que seria a Teoria da Literatura? E, por que sem ela, a Literatura se torna óbvia? É o que veremos nesta Unidade. Vamos lá? 1.2 DO SENSO COMUM AO CONCEITO Antes de falarmos propriamente sobre a Teoria, é imprescindível que distingamos senso comum de conceito. E, para falarmos de senso comum, convém, a priori, desmembrarmos a expressão: a palavra senso, diz respeito à faculdade de julgar, de sentir, de apreciar; juízo, entendimento, percepção, sentido; já o termo comum nos remete a algo habitual ou partilhado entre várias pessoas de uma comunidade, enfim, algo que não é dotado de uma especificidade que o singularize. O sentido de senso comum é descrito desde a Roma antiga como uma sorte de convicções tidas como verdadeiras pela sociedade, apresentando-se como um juízo partilhado por todos sobre a vida cotidiana e desprovido de questionamentos ou reflexões a respeito deste entendimento ou percepção. Grosso modo, portanto, poderíamos dizer que o senso comum é um conhecimento compartilhado por indivíduos de uma dada sociedade. O filósofo Hans-Georg Gadamer (2000) aduz que o presente não é uma coleção fixa de opiniões, sendo moldado pelo passado para construção do senso UNIDADE 8 comum presente em uma dada sociedade que, obviamente, tende a modificar-se no futuro. Para ele, os conhecimentos, os valores e as visões estão situados dentro de tradições comuns, enraizados comunitariamente, das quais induzimos nossa produção de ideias e pensamentos, ou seja, o senso comum nos direciona a uma dinâmica entre convicções concebidas e herdadas pela sociedade através do tempo e a um presente ininterruptamente formado em que analisamos e criticamos o conhecimento humano. Antes dele, o filósofo Immanuel Kant (2016) já havia discorrido sobre a questão. Ele cria também que senso comum era algo compartilhado por todos nós, mas entendia o adjetivo comum como sinônimo de vulgar. O termo em sua etimologia seria aquilo que pertence ao vulgo, isto é, à plebe ou povo, portanto, sem distinção ou nobreza. Desse modo, ele compreendia o senso comum como um poder de julgar que levaria em conta não apenas a nossa própria impressão, mas as de outros sobre o mesmo objeto ou assunto. Ademais, para o filosofo a faculdade de julgar estaria relacionada sobremaneira a capacidade de pensar “o particular contido no universal” Assim, a capacidade de julgar, segundo Kant, sempre dependerá de uma antinomia entre um gosto que “não se funda em conceitos”, racional, e outro “se funda em conceitos”, sensitivo (KANT, 2016, p. 339). Figura 1:Immanuel Kant Disponível em https://bit.ly/3wVnGK6. Acesso em: 09 abr. 2021. 9 De fato, o senso comum é aquilo que nos permite apreender o real através de um conhecimento historicamente compartilhado, mas quando começamos a refletir sobre o real (ou parte dele), como o surgimento do universo, ou o início da vida, por exemplo, começamos formular ideias, isto é, teorias e conceitos que validem ou modifiquem nosso conhecimento de mundo. Portanto, é a reflexão sobre um objeto que nos permite formular teorias sobre ele e, por conseguinte, engendrar conceitos a seu respeito. Dentro desse contexto, o conceito aparece como resultado de um esforço que produz ideias, valores e conhecimentos partindo de uma perspectiva formal, objetiva, institucionalizada e metódica, resultado de um trabalho que deriva em um aprendizado que, no que lhe concerne, advém de uma observação analítica sobre o real, para além do que o senso comum oferece, que questiona e problematiza as ideias concebidas usualmente pelo senso comum. Logo, podemos afirmar que o conceito é um modo de retorno ao que nos é apresentado, ao que está diante de nós e nos provoca a assimilá-lo. Com isso, entendemos que senso comum e conceito são termos que, utilizados em determinados momentos, podem expressar uma objeção entre ideias adquiridas acriticamente e ideias que são resultado de um pensamento crítico. Entretanto, quando refletimos analítica e criticamente sobre a expressão senso comum, também podemos evoluir para um conceito de senso comum. Da mesma maneira, o senso comum pode ser confirmado pelo conceito ou até servir de base primária para a produção do conceito. Sobre a relação entre o senso comum e os conceitos gerados pela teoria é pertinente trazer a lume o que afirmou Compagnon (1999, p. 17-18)a respeito: Os paradigmas não morrem nunca, juntam-se uns aos outros, coexistem mais ou menos pacificamente e jogam indefinidamente com as noções – noções que pertencem à linguagem popular [...]. É sempre pertinente parir das noções populares que a teoria quis anular, as mesmas que voltaram quando a teoria se enfraqueceu, a fim de não só de rever as respostas opositivas que ela propôs, mas também 10 tentar compreender porque essas respostas não resolveram de uma vez por todas as velhas perguntas. No entanto, quando refletimos sobre um objeto (neste caso, a Literatura), antes de chegarmos à formulação de um conceito sobre ele, podemos emitir juízos, isto é, julgamentos ao seu respeito que não se fundam em conceitos, mas na apreciação estética que temos da contemplação do objeto, isto é, do sentimento de prazer que sentimos ao observá-lo; ou podemos formular preceitos, isto é, normatizá-lo. Se teorizar é uma maneira de pensar e refletir sobre um objeto de forma a gerar conceitos sobre ele, a Teria da Literatura, assim como as outras disciplinas que se ocupam do fazer literário, implica em uma forma de pensar a produção literária. Há, no entanto, duas maneiras nas quais podemos pensar sobre um objeto; uma de forma prescritiva e normativa; e outra de descritiva e reflexiva. Pense agora nas práticas literárias que conhece e pense em que situações o crítico e/ou o teórico de literatura pode apresentar uma atitude normativa ou uma atitude descritiva. A crítica jornalística, é descritiva ou normativa? O resumo que você lê na contracapa ou na orelha de um livro que deseja comprar, é descritivo ou normativo? Por fim, pense, uma aula de literatura deve ser descritiva ou normativa ou conjugar ambas as modalidades? 11 1.3 ESTUDOS LITERÁRIOS ANTES DA TEORIA Antes de haver a escrita, já havia a Literatura. Desde sempre o homem não apenas narra seus feitos, derrotas e vitórias, como fabula sobre aquilo que o real não dá conta. De imagens rupestres à contação de histórias ao redor da fogueira, a Literatura acompanha a humanidade e sua necessidade de criar e recriar o real. Se há um objeto, então, há como teorizá-lo. Será, então, a Teoria tão antiga quanto o seu objeto? A resposta é não.Se a necessidade de fabulação humana remonta a tempos imemoriais, a necessidade de estudar os produtos desta fabulação é deveras recente. Mas ainda assim, não tão recente quanto é a Teoria da Literatura. Quando falamos em cultura literatura ocidental sempre retroagimos a Grécia antiga. Da mesma maneira, ao falarmos sobre estudos literários, é preciso retroagir à Antiguidade Clássica, aos estudos da Retórica (mais tarde na Idade Média sob o nome Eloquência) e da Poética, disciplinas que até o século XIX ocuparam-se, digamos, dos estudos literários. A primeira promovia uma profunda reflexão sobre a linguagem; a segunda, origina-se em obras que podemos chamar fundadoras como a Poética, de Aristóteles, a Ars poetica, de Horácio, e o Sobre o sublime, de Longino, e preocupava-se sobremaneira com da arte literária, em que predominavam, conforme pontua Souza (2018, p. 18)uma “atitude normativa” frente ao texto literário, isto é, “que diz como a literatura deve ser e como precisa ser julgada”. Do Século I a.C. até século XV d.C, os estudos da Poética aparecem amalgamados aos estudos da Retórica, como se uma disciplina tivesse absorvido a outra. Será apenas no século XV que dando origem às artes poéticas do Classicismo europeu moderno, ela ressurge, mas por pouco tempo, pois cederá lugar para outra disciplina no século XVIII, a Estética; esta menos normativa que a Poética e mais descritiva, marcada portanto pela sensibilidade, pelo gosto e pela fruição. Cumpre ressaltar que a despeito dos momentos de aparente ausência da Poética, essa nos legou conceitos e noções chave para os estudos literários e para a Teoria da Literatura1. A partir do século XVIII, com o Iluminismo, surgem novas formas de se ver e entender o mundo. Com isso mudam-se as relações sociais, assim como as relações com a ciência e com as artes. Nesse momento, no que diz respeito à Literatura, a 1 No capítulo 4, no aprofundaremos na Poética aristotélica e noutras poéticas. 12 Europa verá nascer e crescer um sistema literário com o surgimento do gênero romance, cujo sucesso suplanta o épico, bem como de um mercado livreiro. Esse sistema engendra então o surgimento de um novo fazer ligado às artes literárias, a crítica literária. Um fazer que se ligara sobretudo aos novos meios de comunicação, como o jornal, e o surgimento dos salões e dos cafés (sobretudo na França), que influirão sobre uma nova ideia de literatura e fazer literário. Cabe lembrar que antes deste momento, em especial na Idade Média, os textos literários eram aqueles destinados a uma atuação performática (ZUMTHOR, 1997), o que se distancia pragmaticamente da ideia de circulação e recepção de texto que há nesse momento. Desse cadinho emerge então a discussão que é possível se verificar em Descartes e depois em Kant sobre razão e sensibilidade. Nesse respeito, a filosofia kantiana se tornará crucial para os Estudos Literários (e, por conseguinte, para Teoria da Literatura ainda a nascer), ao estabelecer a diferenciação entre o conhecimento racional e o estético. No que diz respeito ao belo, o juízo desse não seria aquele que passa pela razão, mas pela sensibilidade. Para ele se o gosto é particular e subjetivo não haveria como determinar o que é ou não literário, o que é ou não poético. Um impasse que nos leva diretamente a France, principal nome do Impressionismo crítico, que alegava não haver crítica objetiva haja vista não haver arte objetiva: Não existe crítica objetiva, tanto quanto não existe arte objetiva, e todos que esperam colocar outra coisa além de si mesmos em suas obras são enganados pela mais falaciosa ilusão. A verdade é que nunca saímos de nós mesmos. É uma de nossas maiores misérias (FRANCE, 2011, p. 580). 13 Paralelamente, nesse momento, que coincide com o Romantismo, os estudos literários serão sobretudo marcados pelos historicismos e pelo biografismo, em que contexto histórico e vida do autor importavam muito mais do que o texto literário. Fosse a abordagem de viés psicológico, sociológico, ou filológico, sempre se daria pelo viés histórico, no entanto. Com isso, surge então uma nova disciplina, “a história literária, que, desinteressada das noções clássicas de boas ou belas-letras [, isto é, das estabelecidas pela Poética] instala o conceito moderno de literatura nacional” (SOUZA, 2018, p. 33)daí termos até hoje em nossos currículos escolares e universitários disciplinas como Literatura Brasileira, Literatura Portuguesa, Literatura Francesa, Literatura Italiana etc. 1.4 NASCE A TEORIA Como vimos no tópico anterior, desde a antiguidade clássica, diversas disciplinas se ocuparam do estudo da literatura, a saber, a Retórica, a Poética, a Estética, a História Literária, a Crítica Literária. Sobre esta última (que não é exatamente uma disciplina, mas uma prática literária) é imperativo trazer a lume um comentário de Souza (2018, p. 32): A crítica dita científica, no século XIX, buscou apoios conceituais na história, na sociologia, na psicologia, ao passo que, no século XX, aproximou-se da linguística, da antropologia, da psicanálise. Por outro lado, institucionalizou-se na universidade, enquanto sua vertente conhecida como impressionismo (ou crítica impressionista) elegeu jornais e revistas como espaço para suas manifestações. A crítica literária, por seu turno, no âmbito acadêmico, passou a ser 14 empregada no século XX ora para designar o estudo analítico dos textos específicos (no sentido, pois, de análise literária), ora como sinônimo de teoria da literatura, neste último caso, ao que parece, por influência de sua acepção usual em língua inglesa. Seria então a Teoria da Literatura somenos um braço da Crítica ou um mero exercício de análise literária? Apesar de quaisquer disciplinas dos Estudos Literários sempre partirem de análises de textos literários seja para formular seja para comprovar teorias, a disciplina em causa não é um mero exercício de analise literária. Ocorre que no século XIX e início de século XX os Estudos Literários teriam sido marcados por duas grandes áreas, digamos, a história da literatura e a crítica literária; essa dividida entre uma crítica impressionista e uma especializada (a acadêmica). Contudo, com o “declínio do historicismo e do naturalismo científico, [...] a ascensão das chamadas ciências humanas, [...] e o surgimento das chamadas vanguardas artísticas” (SOUZA, 2018, p. 36). Torna-se essencial novas abordagens do literário como maior rigor metodológico, que a considerasse como um produto da linguagem e que procurasse escrutinar suas características intrínsecas em detrimento às extrínsecas. Os Estudos Literários passam então a dialogar com outros campos do saber como a linguística, a antropologia e a psicanálise em lugar a filologia, da sociologia e da psicologia. Tais estudos darão origem, ainda nas primeiras décadas do século XX à algumas correntes teóricas como a Estilística, o Formalismo Russo e o New Cristicism2. A despeito de a expressão Teoria da Literatura já haver sido utilizada anteriormente, é em 1949, com a publicação do manual homônimo de René Wellek e Austin Warren (1962) é que Teoria emerge propriamente como disciplina, posto que “graças ao prestígio alcançado [...] logo passaria a integrar currículos universitários mundo afora” (SOUZA, 2018, p. 24). O primeiro, oriundo do Formalismo Russo; o segundo do New Cristicism, duas correntes teóricas que a despeito das divergências eram avessas ao historicismo e ao biografismo que marcaram os estudos literários no século anterior. Ademais, o compêndio representou um marco ao estabelecer “uma distinção central entre a abordagem extrínseca do estudo da literatura (biográfica, histórica,sociológica, psicológica) e o estudo intrínseco da literatura, interessado pela estrutura do artefato verbal” (CULLER, 1988, p. 12 Apud ARAÚJO, 2020, p. 27), e rumando em 2 Falaremos mais detidamente sobre tai corrente teóricas na Unidade ¨deste livro. 15 direção a uma abordagem metodológica da Literatura que se opusesse ao historicismo, valorizando o caráter literário dos textos sem, contudo, alcançar o outro extremo, o do estudo do texto pelo texto. Para os professores Wellek e Warren História, Teoria e Crítica, longe de serem concorrentes, deveriam ser complementares. Souza (2018)afirma que a partir desse momento tem-se um entendimento equivocado acerca da Teoria da Literatura, pois passa-se a compreendê-la como “a disciplina que trata das questões literárias em geral” (SOUZA, 2018, p. 24)que abarcaria todas as outras sob suas asas. Entendimento que segundo Souza, desconhece a “especificidade histórica da teoria da literatura quanto das demais disciplinas” (SOUZA, 2018, p. 25) que se ocupam do literário. A Teoria, portanto, seria a disciplina que se ocupa sobremaneira com a investigação dos princípios gerais, científicos e filosóficos, da literatura enquanto área do conhecimento, isto é, enquanto ciência. 16 17 FIXANDO O CONTEÚDO 1. (Enade 2014) Não sendo um meio de conhecimento ou informação, a literatura expeliu de seu âmbito o jornalismo, a história, a filosofia. Para a poética neoclássica, os gêneros literários eram todas as manifestações da atividade intelectual, possuíam um sentido amplo e sua classificação era exaustiva. Mas, a duras penas, a literatura libertou-se das outras atividades. E isso depois que a ciência estética, a partir do Século XVIII, se desenvolveu, passando pela polêmica romântica acerca dos gêneros literários e pelas restrições de Croce. Em nosso tempo, as teorias poéticas, não aceitando, embora, o negativismo croceano, tampouco se deixaram reverter à tradição neoclássica. Repelem, pois, o sentido lato, amplo, reduzindo os gêneros literários àqueles de cunho estritamente literário, isto é, os gêneros narrativos da ficção e epopeia, os gêneros dramáticos, líricos e ensaísticos, fechando a porta a tudo o mais que não seja produto da imaginação e vise objetivos de conhecimento, investigação, informação, análise. COUTINHO, A. Notas de teoria literária. Rio de Janeiro: Vozes, 2008, p.92 (adaptado). A partir da relação entre crítica literária e literatura estabelecida no texto acima, avalie as afirmações a seguir. I. A crítica literária é uma atividade intelectual reflexiva cuja matéria-prima é o fenômeno literário. II. A crítica literária não possui um campo de atuação que lhe é próprio; por isso, transita por diversos setores da cultura e das ciências. III. A crítica literária constitui-se no desenvolvimento de todas as forças intelectuais de um povo: é o complexo de suas luzes e civilização; é a expressão do grau de ciência que ele possui; é a reunião de tudo quanto exprime a imaginação e o raciocínio pela linguagem. É correto o que se afirma em a) I, apenas. b) II, apenas. c) I e III, apenas. 18 d) II e III, apenas. e) I, II e III. 2. Para o filósofo Hans-Georg Gadamer, os conhecimentos, os valores e as visões que utilizamos estão situados dentro de tradições comuns, enraizados comunitariamente, das quais induzimos nossa produção de ideias e pensamentos. Ou seja, o senso comum nos direciona a uma dinâmica entre convicções concebidas e herdadas pela sociedade através do tempo e a um presente ininterruptamente formado em que analisamos e criticamos o conhecimento humano. A partir disso, podemos entender senso comum como: a) Conjunto de ideias e valores compartilhados pelos membros de uma comunidade e elaborados criticamente. b) Conjunto de ideias e valores compartilhados pelos membros de uma comunidade com aprofundamento teórico. c) Conjunto de ideias e valores compartilhados por uma parcela de membros de uma comunidade acriticamente. d) Conjunto de ideias e valores compartilhados por uma parcela de membros de uma comunidade criticamente e) Conjunto de ideias e valores compartilhados pelos membros de uma comunidade sem aprofundamento crítico e/ou teórico. 3. Sobre conceito é correto afirmar: I - O conceito é o fruto de um estudo analítico e científico sobre determinado assunto. II - O conceito é a ideia que todos compartilhamos sobre determinado assunto. III - O conceito aparece como resultado de um esforço que produz ideias, valores e conhecimentos partindo de uma perspectiva formal, objetiva. a) I, apenas. b) II, apenas. c) I e III, apenas. d) II e III, apenas. e) I, II e III. 19 4. Eis o grande problema a ser solucionado pela Theory tal como formulado logo no início do livro por Wellek e Warren [...] avulta bem entendido, em vista de certo imperativo enunciado de antemão pelos autores: o da cientificidade ou racionalidade no estudo da literatura. Sim, pois se a atividade literária em si mesma “é criadora, uma arte”, ponderam os autores, o estudo literário, por sua vez, “se não precisamente uma ciência, é uma espécie de conhecimento ou saber”. ARAÚJO, N. Teoria da Literatura e história da crítica: momentos decisivos. Rio de Janeiro: Eduerj, 2020. Para Wellek e Warren o estudo literário é: a) Uma atividade impressionista motivada pelo gosto; b) Uma atividade impressionista sem motivação científica; c) Uma prática social como a própria Literatura; d) Uma ciência básica que produz um saber sobre o literário; e) Uma ciência aplicada que procura usos práticos para a Literatura. 5. A linguagem poética organiza, comprime os recursos da linguagem cotidiana e, às vezes, até comete violência contra ela, em uma tentativa de forçar a nossa consciência e atenção. Muitos desses recursos um escritor encontrará formados, ou pré-formados, pelas atividades silenciosas e anônimas de muitas gerações. Em certas literaturas altamente desenvolvidas e especialmente em certas épocas, o poeta limita-se a usar uma convenção estabelecida: a linguagem, por assim dizer, poetiza por ele (WELLEK; WARREN, 2003, p. 17). Segundo Wellek e Warren, não o autor não é um gênio, no sentido atribuído pelos românticos. Nesse respeito, a linguagem poética surge da: a) Emulação inconsciente de modelos autorais de outras épocas; b) Da originalidade inconsciente do poeta de qualquer época; c) Da cópia consciente de modelos autorais de outras épocas; d) De seguir preceitos normativos de modelos autorais do passado; e) Da paródia e do pastiche dos modelos autorais de sua época. 20 6. O estudo de um texto literário pode ser dar a partir de diferentes abordagens, histórica, sociológica, antropológica, psicanalítica etc. Que abordagens teriam sido combatidas pelos estudos literários dos primeiros anos do século XX? a) A abordagem antropológica e sociológica; b) A abordagem historiográfica e biográfica; c) A abordagem estruturalista e formalista; d) A abordagem retórica e poética; e) A abordagem psicanalítica e antropológica. 7. Sobre a Teoria da Literatura é correto afirmar: a) É uma disciplina recente que se ocupa do estudo do literário; b) É uma disciplina que remonta da Antiguidade Clássica; c) É uma disciplina que integra as artes literárias; d) É uma disciplina que se ocupa da crítica impressionista; e) É uma disciplina que se ocupa da história da literatura. 8. Ora, contrariando a sólida tradição de que a produção literária se presta a tornar-se objeto de estudo – de caráter normativo ou descritivo-especulativo-,desenvolveu-se uma posição que pretende subtrair o texto literário a esse círculo analítico, para confiá-lo à fruição subjetiva e desinteressada de métodos e conceitos, próxima àquela espécie de desarmamento conceitual próprio do leitor comum. Essa atitude antiteórica é conhecida pelo nome de impressionismo crítico, tendo encontrado seu momento de formulação em fins do século XIX e início do século XX, como reação contra o esforço de atingir objetividade científica[...]. Assim, para os adeptos do impressionismo, o que se pode fazer com a produção literária não é teorizar a seu respeito, mas tão somente registrar impressões de leitura [...]. (SOUZA, R.A.de. Teoria da Literatura: trajetória, fundamentos, problemas. São Paulo: É realizações, 2018. Sobre o impressionismo crítico é correto afirma: a) Trata-se de uma crítica literária motivado por princípios científicos; b) Trata-se de uma crítica literária respaldada pela retórica; 21 c) Trata-se de uma crítica literária motivada pela antropologia social; d) Trata-se de uma crítica literária respaldada pela Poética; e) Trata-se de uma crítica literária motivada pelo juízo de gosto. 22 MAS, O QUE É LITERATURA? 2.1 INTRODUÇÃO Se perguntarmos a alguém na rua, ou mesmo a um estudante do ensino fundamental ou médio o que é Literatura, ou, ainda, se fizermos uma rápida pesquisa em um site de buscas, acharemos respostas das mais diversas, mas nenhuma que responda satisfatoriamente a essa questão. Uns dirão que são romances, contos, poemas – somenos exemplos de textos literários; outros tratar-se de uma forma de entretenimento – uma das funções da Literatura; ainda outros que é simplesmente uma disciplina estudada na escola. De fato, há diversas opiniões no senso comum para a pergunta “o que é Literatura?”, mas nenhuma que responda assertivamente à questão. Como vimos na Unidade I, para Roberto Acízelo de Souza, a Literatura, sem uma teoria que a balize, se torna algo óbvio. Se a Literatura é algo mais que do que romances, contos, poemas que servem ao entretenimento e ao estudo, o que ela vem a ser então? A resposta a essa pergunta, por mais simples que possa parecer, é assaz complexa (ao menos para aqueles que se dedicam ao estudo dela!). Mas, digamos que seja possível alcançar uma resposta satisfatória. Essa ainda levantaria muitas outras questões: O que distingue o texto literário do não literário? Há algum traço distintivo partilhado pelas obras literárias? A que propósito serve a Literatura? Quais seriam suas funções? O que diferencia a Literatura de outras atividades humanas? A fim de responder não apenas o que é Literatura, mas também às demais questões que se desdobram desta primeira, nesta Unidade, abordaremos as dificuldades da definição do que é Literatura; apresentaremos (e discutiremos) a visão de alguns teóricos e; por fim, discorreremos sobre algumas das funções dela. Vamos lá? UNIDADE 23 2.2 “EM BUSCA DO SANTO GRAAL” OU POR UM CONCEITO DE LITERATURA Como falamos na Introdução, definir o conceito do objeto de estudo da Teoria da Literatura não é assim tão fácil. Uma vez que a Literatura é um objeto complexo, defini-la e conceitua-la é uma tarela igualmente complexa. O filósofo Edmund Husserl () já defendia que o objeto a ser conceituado já existe e que apresenta com um caráter familiar. Noutras palavras, antes de haver um conceito de literatura, já há uma ideia de literatura. Diferentemente, no entanto, de alguns conceitos das áreas de exatas ou de biomédicas, não há uma única e taxativa ideia de Literatura. Essa muta-se de autor para autor e de época para época. Cunhar um conceito de Literatura, portanto, seria como sair em busca do Santo Graal. Sobre tal dificuldade, Culler (1999, p. 26-27) afirmou: O que é Literatura? Essa é uma pergunta difícil. Os teóricos lutaram com ela, mas sem sucesso notável. As razões estão longe de se encontrar: as obras literárias de literatura vêm em todos os formatos e tamanhos e a maioria delas parece ter mais em comum com as obras que não são geralmente chamadas de Literatura do que com algumas outras obras reconhecidas como Literatura. Ao que parece, para Culler, nem sempre aquilo que se denomina como Literatura parece sê-lo e vice e versa. Exemplo disso é o fato de hoje lermos a Carta de Achamento do Brasil de Pero Vaz de Caminha como Literatura, quando originalmente não foi escrito com a finalidade de sê-lo. De fato, o conceito de literatura remete a retomada crítica do que é literatura pelo senso comum, assim como uma revisão histórica que perpassa sua conceituação dada pelas diferentes culturas desde a invenção da escrita até a atualidade. Por exemplo, muito do que hoje chamamos de "literatura", na Idade Média (ou mesmo antes) deveria ser mais propriamente denominado de performance, uma vez que manuscritos eram escritos apenas para serem executados (ZUMTHOR, 1993). Sendo assim, faz-se mister retrocedermos até a origem do termo que queremos conceituar. A palavra Literatura, não apenas em língua portuguesa, mas em língua igualmente românicas como o francês, o espanhol, o italiano; como não românicas como inglês e alemão, origina-se do latim LITTERAE. O mesmo termo latino daria origem em português à palavra letra, estabelecendo assim uma estreita relação com o código escrito da língua. Sendo assim, poderíamos considerar como sendo Literatura todo e qualquer texto escrito? Como um conjunto do que se produziu em 24 termos de cultura letrada? De fato, antes do século XIX, tinha-se por literatura “as inscrições, a escritura, a erudição, o conhecimento das letras” (COMPAGNON, 1999, p. 30). Ainda hoje, de acordo com o significado da palavra, podemos entender o termo literatura como um coletivo de textos escritos, a exemplo, da literatura médica (tudo que se escreveu sobre medicina), da literatura de engenharia (tudo o que se escreveu sobre engenharia), da literatura matemática (tudo o que se escreveu sobre matemática) etc. Mas o que queremos aqui é definir o que é Literatura enquanto instituição e área do conhecimento, tal qual os contornos que ganhou durante e após o Romantismo. Sobre tal ponto, Eagleton (1997, p. 21-22)dirá que: Alguns textos nascem literários, outros atingem a condição de literários, e a outro tal condição é imposta. [...] A Literatura não existe da mesma maneira que os insetos, e os juízos de valor que a constituem são historicamente variáveis, mas que esses juízos têm, eles próprios, uma estreita relação com as ideologias sociais. Já Souza (2014, p. 14 ) defenderá que: “[...] a literatura é um produto cultural que surge com a própria civilização ocidental, pelo fato de que textos literários figuram entre os indícios mais remotos da existência histórica da civilização “. O que podemos compreender dos pontos de vista de Eagleton e de Souza? Se a Literatura é um produto cultural, é preciso entender primeiro o que é cultura e como a Literatura é um produto seu. Segundo Terry Eagleton, em A ideia de Cultura, definir e conceituar a cultura é uma atividade tão complexa como definir e conceituar literatura: “estamos presos, no momento, entre uma noção de cultura debilitantemente ampla e outra desconfortavelmente rígida” (EAGLETON, 1997, p. 52). Mas, para nós, no entanto, interessa saber qual a ideia de cultura parece ter sido adotada por Souza (2014)ao afirmar que a literatura é um produto cultural que emerge junto com a civilização ocidental. Fiquemos, portanto, com uma definição apontada pelo mesmo Eagleton (1997, p. 58) De maneira alternativa, pode-se tentar definir cultura funcionalmente em vez de substantivamente,como tudo o que for supérfluo com relação às exigências materiais de uma sociedade. Segundo essa teoria, a comida não é cultural, mas tomates secos são; o trabalho não é cultural, mas usar trabalhos ferrados ao trabalhar é. Na maioria 25 dos climas, usar roupas é uma questão de necessidade física, mas que tipos de roupas se usa não é . Mais adiante, Eagleton (1997, p. 63)complementa: A inflação da cultura é, assim, parte da história de uma época secularizada, visto que de Arnold em diante, a Literatura – justamente a Literatura! – herda as pesadas tarefas éticas, ideológicas e mesmo políticas que tinham sido uma vez confiadas a discursos mais técnicos ou práticos. Em suma, cultura seria tudo aquilo que o homem não precisa para sua sobrevivência física, mas que é essencial para o seu desenvolvimento e sobretudo para a vida em sociedade, isto é, práticas simbólicas que vão desde a língua a vestimenta de uma comunidade. Nesse sentido, a literatura como parte de um fazer social, torna-se um produto cultural, isto é, uma arte e uma prática social solidamente incorporada e, como tal, carrega a ideologia da época e da sociedade que a produziu. Isto, portanto, significa dizer que o conceito de literatura varia de acordo com a comunidade e o tempo em que se insere. Com isso, voltamos à citação de Culler: o que hoje entendemos como literário, não era no passado; e, talvez, aquilo que viermos a compreender no futuro não será o que entendemos ser no presente. 2.3 DAS CARACTERÍSTICAS DA LITERATURA OU DA LITERARIEDADE Podemos definir a Literatura, então, a partir da diferenciação do que é ou não texto literário para determinada época e sociedade. Mas a despeito disso, é ainda imperativo nos perguntarmos: haveria uma “essência” da Literatura? Algo que a caracterizasse definitivamente como tal assim como uma mesa é e será sempre uma mesa? Segundo Eagleton (1997) não. Para ele não há no texto literário algo que seja único e exclusivo desse tipo de texto. Seria o uso social que se faz dele, o que definiria a sua natureza literária. Antes de Eagleton, no entanto, um grupo de estudiosos da Literatura, que ficou conhecido como “Formalistas Russos”, defenderam que o texto literário apresentaria traços e formas que o caracterizaria como imanentemente literário. Para esses estudiosos, a arte literária, assim como qualquer arte, apresentaria características próprias que nos fariam reconhecê-la como tal, assim como quem assiste ao Lago dos Cisnes sabe estar diante de uma apresentação de balé, ou se ouve a uma execução de Mozart, sabe que está a ouvir uma ópera. A esses traços, denominaram “Literalidade”, isto é, usos específicos da 26 linguagem encontrados em textos de natureza literária. Vejamos, então, alguns desses que, em tese, caracterizariam o texto literário: 1. Organização linguística da linguagem – A Literatura é a linguagem que coloca em 1º plano a própria linguagem (CULLER, 1999). Se o pintor usa tela e pincel para criar a sua obra, o escritor usa papel e palavras para criar a sua obra. A linguagem é sua matéria-prima. Da mesma forma, como um artista plástico trabalha as cores e as texturas de forma a criar significados únicos para sua obra, assim o faz o escritor com as escolhas de termos nos eixos sintagmáticos e paradigmáticos, trabalha os elementos de formar a criar múltiplos significados para sua obra. Sendo assim, ele vai selecionar e organizar as palavras de forma a passar mais do que uma simples informação ao seu receptor. Uma seleção muito mais criteriosa do que a que fazemos em nossos atos de fala cotidianos, ao conversamos com colegas, familiares, ou mesmo ao escrever um e-mail ou ao escrever uma dissertação. 2. A relação entre a forma e o conteúdo - A contribuição que cada elemento escolhido pelo autor traz para a construção do todo, a saber, o ritmo, a sonoridade, a rima, as repetições, aliterações, metáforas, metonímias, etc. Em outras palavras, como que o tema (ou assunto) tratado se relaciona com a forma escolhida, se um soneto, uma ode, um hacai, um conto, uma crônica, um romance. 3. A plurissignificação – O texto literário ao fazer um uso bastante específico dos termos da língua, confere a essa uma significação múltipla, para além do sentindo dicionarizados dos termos. Você já aprendeu que a língua pode ser usada em seu sentido denotativa, isto é, em seu sentido primeiro, concreto, dicionarizado; e em seu sentido conotativo, isto é, para além do seu significado primeiro, o sentido figurado, metafórico. É sobretudo esse uso da língua por parte da literatura que a permite ter múltiplos significados. O semiologista Umberto Eco, no livro Opera aperta, defendeu que a literatura é uma obra de arte que está aberta às inferências do leitor. Da mesma maneira, o filósofo francês Jean-Paul Sartre, em O que é Literatura?, assim como o professor e crítico literário alemão Wolfgang Iser, dirá que toda obra literária apresenta vazios e lacunas que devem ser preenchidas pelo leitor, tal qual coautor da obra. Obviamente, cada leitor um preencherá as lacunas de 27 acordo com o seu reportório cultural, conforme postulado por Jauss (1994). 4. Ficcionalidade – “As obras literárias se referem a indivíduos imaginários e não históricos. [...] A ficcionalidade da literatura separa a linguagem de outros contextos nos quais ela poderia ser usada e deixa a relação da obra com o mundo aberta à interpretação” (CULLER, 1999, p. 33) justamente por primar pela linguagem conotativa e, com isso, ampliar suas significações, como vimos no ponto 3. Nesse processo, recria-se, problematiza-se o real permitindo ao leitor refletir sobre o mundo em que vive, o que nos leva diretamente ao ponto 5. 5. Construção intertextual ou autorreflexiva – toda obra de arte existe e significa a partir das relações que estabelece com o seu meio. A literatura é uma manifestação artística que, reflete e problematiza o seu meio, isto é, a sociedade em que vivemos. E, isso sempre se dá pela releitura que cada texto faz do repertório cultural, literário e não literário, desta mesma sociedade. 6. Função estética da linguagem - literatura vista como objeto estético que “exorta os leitores a considerar a interrelação entre forma e conteúdo” e despertar-lhe emoções prazerosas, através do contato com essa. Da mesma maneira que podemos nos emocionar com uma música ou sentir medo com um filme de terror, o texto literário pode proporcionar a mesma experiência. 2.4 DAS MUITAS FUNÇÕES DA LITERATURA Bosi (2006) argumenta que a Literatura não tem função pragmática na sociedade, apesar de ser uma prática social solidamente incorporada. Por outro lado, o teórico da Literatura Tzvetan Todorov (2009) afirma, em Literatura em Perigo, que a Literatura amplia nosso universo, incita-nos a imaginar outras maneiras de concebê-lo e organizá-lo. Quem já não ouviu a máxima, “Quem lê, viaja”? Da mesma maneira, Candido (2017)em “Direito à Literatura”, afirma que a 28 Literatura tem o poder de confirmar e negar, de propor e denunciar, de apoiar e combater e, com isso, fornecer-nos todas as “possibilidades de vivermos dialeticamente os problemas” (CANDIDO, 2017, p. 177)de nossa época, e, por isso, deveria ser entendida como um “direito inalienável”de todo e qualquer ser humano. Sendo assim, que funções, além das expostas por Todorov e Candido, podemos atribuir à Literatura? O Italiano Umberto Eco, em Sobre a Literatura, aponta alguns que comentamos a seguir: 1. “A língua mantém em exercício, antes de tudo, a língua como patrimônio coletivo” (ECO, 2002, p. 10) 2. “A prática literária mantém em exercício também a nossa língua individual” (ECO, 2002, p. 11) 3. “As obras literárias nos convidam à liberdade de interpretação,pois propõem um discurso com muitos planos de leitura e nos colocam diante das ambiguidades e da linguagem da vida” (ECO, 2002, p. 12) 4. “O mundo da literatura é tal que nos inspira confiança de que algumas proposições não podem ser postas em dúvida; que ele nos oferece, portanto, um modelo tanto quanto se quiser, de verdade (ECO, 2002, p. 14) 5. “A função dos contos ‘imodificáveis’ [isto é, a Literatura] é precisamente esta: contra qualquer desejo de mudar o destino, eles nos fazem tocar com a impossibilidade de mudá-lo [...]. Creio que esta educação ao Fado e à morte é uma das funções principais da literatura” (ECO, 2002, p. 21) Muitas são as funções da literatura. Impossível seria comentar todas neste livro. Mas é fato que concordamos com Umberto Eco que “a educação ao Fado e À morte” (ECO, 2002, p. 21) é uma de suas principais funções. Na Unidade quatro, você verá como esta função foi considerada já na Grécia Antiga por Aristóteles. 29 30 Literatura: Forma de manifestação artística ficcional que utiliza a linguagem verbal e mista como matéria prima e que integra as práticas culturais de uma dada sociedade Literatura comparada: Também conhecido por comparatismo, trata-se do estudo que visa comparar duas ou mais literaturas nacionais ou mesmo diferentes obras literárias de mesma língua e origem. Literatura infantil e juvenil: Conjunto de textos literários produzidos especificamente voltado para a criança e para o jovem. Literatura feminina: Literatura escrita por autoras mulheres, muitas das vezes, mas não via de regra, abordando temas afins ao feminismo. Literatura marginal: O termo marginal aparece nas décadas de 1970 e 1980. Designava um tipo de literatura surgente naqueles anos que afrontava o cânone ao romper com os modelos estéticos e culturais ora vigentes. O termo também fora usado para qualificar o trabalho de escritores que, contrários às regras impostas pelo mercado editorial, partem para a produção e venda independente de sua obra. Ainda, no cenário contemporâneo o termo qualifica a produção literária de autores oriundos das periferias e que tematizam em sua literatura problemas de ordem social destas periferias como o crime, a violência, as drogas e a miséria. Literatura mundo ou world literature: Ideia que se contrapõe à ideia de literatura nacional. Essa relacionasse com a circulação de texto literários pelo mundo. Literatura nacional: A ideia ou conceito de literatura nacional surge e ganha força com o movimento romântico, quando a expressão da cultura nacional foi bastante valorizada. Nesse sentido, literatura nacional diz respeito a literatura produzida na língua e por cidadão nascidos/residentes em determinado estado-nação. Daí termos Literatura Brasileira, Literatura Portuguesa, Literatura Moçambicana, Literatura Americana, Literatura Francesa etc. Literatura oral – Narrativas que constituem a cultura de um povo ou comunidade que são transmitidas oralmente de geração em geração, às vezes, compiladas como no caso dos contos compilados pelos irmãos Grimm ou das lendas catalogadas por Câmara Cascudo. 31 FIXANDO O CONTEÚDO 1. (OMNI 2021 – Prefeitura Santana do Livramento – magistério - adaptado) Cegalla, no Dicionário escolar da língua portuguesa, afirma que a Literatura é a “arte de compor ou escrever trabalhos em prova ou verso com o objetivo de atingir a sensibilidade ou emoção do leitor ou do ouvinte” (CEGALLA, 2005, p. 543). Com base na afirmação, analise as afirmativas a seguir: 1) Considera-se obra literária somente o escrito que se distingue pela beleza da forma e a excelência do conteúdo. Será tanto mais apreciada quanto maior o seu poder de sugerir, de tocar a nossa sensibilidade, de empolgar o nosso espírito. 2) As obras literárias de alcance universal têm, geralmente, menos valor que as de caráter estritamente nacional ou regional. 3) Todo escritor tem seu estilo próprio, pessoal, isto é, sua expressão reveste uma forma característica, pela qual se manifestam seus impulsos emotivos, sua sensibilidade e a feição peculiar de seu espírito, afirmando que o estilo é o espelho em que se reflete a alma do escritor, a tela em que se projeta a personalidade do artista. Assinale a alternativa CORRETA. a) Está correta somente a primeira afirmativa. b) Está correta somente o segunda afirmativa. c) Está correta apenas a terceira afirmativa d) Estão corretas o primeira e segunda afirmativas. e) Estão corretas a primeira e a terceira afirmativas. 2. (UECE-CEV - 2018 - SECULT-CE - Analista de Cultura - Letras) Concebendo a Literatura como uma forma de apreensão do real, podemos dizer que esta capacidade de apreender o real chama-se literariedade. Assim, a literatura tem esta propriedade devido a dois fatores: a linguagem, enquanto aquilo que nos capacita dizer o que dizemos; e a ideia ou ideologia, entendida como a apreensão do real que há naquilo que dizemos. Assinale a opção que faz digressão 32 ao conceito de Literatura e aos fatores da literariedade a) O termo literariedade nasceu com os críticos conhecidos como formalistas. O destino desse termo se dirigiu à Linguística, ciência da linguagem humana, não como crítica da escrita, mas como crítica literária. b) A Literatura fala do mundo através de uma imagem do mundo. Segundo Sartre (1973), só apreendemos o real se sairmos do real, pela imaginação. c) Sendo a Literatura uma forma de apreensão do real, é ideológica, pois a sua mimese passa por um código ideológico. Os dois fundamentos – linguagem e ideologia – caracterizam a escrita do texto de arte literária. d) Pode-se assegurar que linguagem e ideologia são duas faces da mesma moeda, pois se a linguagem é aquilo que nos capacita dizer o que dizemos, seu dizer não se dá sobre um vazio semântico, o que ele diz é ideológico, e sua capacidade de dizer manifesta a linguagem. e) Segundo Eco, a Literatura não tem função na sociedade, portanto, não tem serventia pragmática para além da estética. 3. (Enade 2014) Texto 1 Ainda quando se defende a existência de "uma escrituralidade literária", herdeira, em certo sentido, do conceito de "literariedade", utilizado pelos formalistas russos, a questão da especificidade do discurso literário esbarra em entraves complicados e quase sempre obriga o estudioso a trilhar caminhos que podem desviá-lo do seu objeto de análise. Isso explica, por exemplo, a possibilidade de haver excelentes teóricos da literatura que sejam incapazes de ser leitores "desarmados" de literatura; que possam deixar de lado a teoria e "entrar no texto", confundir-se com personagens que transitam no palco literário. Se, de fato, parece ser problemático definir literatura pelo que ela é – e sua existência está comprovada por uma tradição e pela multiplicidade de obras que mantêm viva essa tradição –, talvez seja mais prudente concordar com a existência de um "estatuto do literário" que, por vezes, se vale de critérios externos ao texto mais do que de uma observação minuciosa de sua produção. Disponível em: <http://www.pucminas.br>. Acesso em: 28 jul. 2014 (adaptado). 33 Texto 2: Desencanto Eu faço versos como quem chora De desalento... de desencanto...Fecha o meu livro, se por agora Não tens motivo nenhum de pranto. Meu verso é sangue. Volúpia ardente... Tristeza esparsa... remorso vão... Dói-me nas veias. Amargo e quente, Cai, gota a gota, do coração. E nestes versos de angústia rouca, Assim dos lábios a vida corre, Deixando um acre sabor na boca. Eu faço versos como quem morre. (BANDEIRA, M. A cinza das horas. 1917) A partir dos textos citados, assinale a opção que apresenta a relação entrea especificidade da linguagem literária e a crítica literária. a) A partir de leituras críticas do poema de Manual Bandeira, é possível fruí-lo melhor, pois a crítica literária não deixa nada descoberto. b) Os critérios de classificação propostos pela crítica e pelos teóricos da literatura permitem ao leitor uma fruição mais prazerosa do poema de Manuel Bandeira. c) Para facilitar a leitura e permitir fruição estética mais intensa ao leitor, os críticos literários mostram a morfologia do texto e as armadilhas que constituem a sua estrutura. d) A crítica literária, por não apontar caminhos precisos do processo de leitura do texto, é ineficaz para a fruição e interpretação do poema de Manuel Bandeira. e) Para que possa fruir esteticamente o poema de Manuel Bandeira, é necessário que o leitor articule sua experiência de mundo com seus conhecimentos sobre a literatura. 4. (Enade 2011) Nos textos comuns, não literários, o autor seleciona e combina as palavras geralmente pela sua significação. Na elaboração do texto literário, ocorre uma outra operação, tão importante quanto a primeira: a seleção e a combinação de palavras se fazem muitas vezes por parentesco sonoro. Por isso se diz que o discurso literário é um discurso específico, em que a seleção e a 34 combinação das palavras se fazem não apenas pela significação, mas também por outros critérios, um dos quais, o sonoro. Como resultado, o texto literário adquire certo grau de tensão ou ambiguidade, produzindo mais de um sentido. Daí a plurissignificação do texto literário. GOLDSTEIN, N. Versos, sons, ritmos. 5. ed. São Paulo: Ática, 1988, p. 5. Os símbolos, as metáforas e outras figuras estilísticas, as inversões, os paralelismos e as repetições constituem outros tantos meios de o escritor transformar a linguagem usual em linguagem literária. AGUIAR E SILVA, V. M. Teoria da literatura. 3. ed. Coimbra: Almedina, 1979, p.58 (com adaptações). Tomando como referência os textos acima, avalie as afirmações que se seguem. I. A plurissignificação de um texto literário é construída pela combinação de elementos que vão além da significação das palavras que o compõem. II. A construção do texto literário envolve um processo de seleção e combinação de palavras baseados, necessariamente, no uso de metáforas. III. A ambiguidade do texto literário resulta de um processo de seleção e combinação de palavras. IV. O texto literário se diferencia do não literário por não depender de significação, mas, sim, de outros recursos no processo de seleção e combinação das palavras. É correto apenas o que se afirma em a) I e II. b) I e III. c) II e IV. d) I, III e IV. e) II, III e IV. TEXTO PARA AS PRÓXIMAS 3 QUESTÕES: 35 Textos para a(s) questão(ões) a seguir. Texto 1 Texto 2 A própria produção literária atual encaminha-se na direção de uma fusão com vários segmentos culturais, de que a chamada cultura de massa, tradicionalmente discutida em sua diferença negativa, constitui tão somente um dos aspectos de negociação em bases renovadas. A defesa exclusiva da literatura clássica e da herança nacional, um casamento expresso e legitimado pela construção e manutenção de repertórios recheados de um saber cultural canônico, no entanto, parece tão problemática quanto a sua rejeição global. Hoje circulam e prevalecem formas culturais mistas, e até os textos canônicos são relidos como pontos de cruzamento de discursos amplos, que transcendem as fronteiras tradicionais da esfera do literário e do horizonte de pertença a espaços nacionais linguística e geograficamente circunscritos. OLINTO, H. K. Literatura/cultura/ficções reais. In: OLINTO, H. K.; SCHLLHAMMER, K. E. Literatura e Cultura. Rio de Janeiro: EPUC, 2008, p. 75 (adaptado). 5. (Enade 2014) Assinale a opção que melhor expressa as ideias desenvolvidas no 36 texto 2. a) b) c) d) 37 e) 6. (Enade 2014) Tomando como referência os textos 1 e 2, avalie as afirmações a seguir. I. A Literatura, como toda arte, é uma transfiguração do real, é a realidade cultural recriada. II. A literatura apropria-se de valores de diversos segmentos culturais, estabelece fusão entre eles e reelabora-os, por meio da língua, em formas estéticas. III. A fusão estabelecida entre literatura e cultura tem por princípio apenas os valores culturais canônicos. IV. A literatura canônica está inserida em formas culturais mistas que transcendem a esfera do tradicional. É correto apenas o que se afirma em a) I e II. b) I e III. c) III e IV. d) I, II e IV. e) II, III e IV. 7. (Enade 2014) Considerando a imagem e a citação, pode-se afirmar que a relação entre manifestações literárias contemporâneas e cultura : a) reelabora os valores culturais. Assim, a diversidade é transformada em unidade, à semelhança do que se observa na imagem. b) apresenta começo e fim determinados. Assim, a imagem aponta diversidades culturais que existiram por um período preestabelecido. 38 c) desenvolve a diversidade cultural, à semelhança do que aponta a imagem, mas não transcende os valores canônicos tradicionais da esfera do literário. d) estabelece a fusão entre diversos valores culturais. Os elementos apresentados na imagem são mais ou menos destacados, dependendo da literatura em que são referenciados. e) torna a literatura contemporânea um modismo a partir dos cânones exclusivos das literaturas clássicas. Assim, contrapõe-se à imagem que aponta para diversos elementos culturais não canônicos. 8. (Quadrix - 2018 - SESC-DF - Professor - Português) De fato, antes procurava‐se mostrar que o valor e o significado de uma obra dependiam de ela exprimir ou não certo aspecto da realidade, e que este aspecto constituía o que ela tinha de essencial. Depois, chegou‐se à posição oposta, procurando‐se mostrar que a matéria de uma obra é secundária, e que a sua importância deriva das operações formais postas em jogo, conferindo‐lhe uma peculiaridade que a torna de fato independente de quaisquer condicionamentos, sobretudo social, considerado inoperante como elemento de compreensão. Hoje sabemos que a integridade da obra não permite adotar nenhuma dessas visões dissociadas; e que só a podemos entender fundindo texto e contexto numa interpretação dialeticamente íntegra, em que tanto o velho ponto de vista que explicava pelos fatores externos, quanto o outro, norteado pela convicção de que a estrutura é virtualmente independente, se combinam como momentos necessários do processo interpretativo. Sabemos, ainda, que o externo (no caso, o social) importa, não como causa, nem como significado, mas como elemento que desempenha um certo papel na constituição da estrutura, tornando‐se, portanto, interno. Antonio Candido. Crítica e sociologia. In: Literatura e sociedade. Rio de Janeiro: Ouro sobre azul, 2010, p. 13 e 14. A respeito das duas correntes teóricas de interpretação da obra literária apresentadas no texto acima, assinale a alternativa correta. a) De acordo com o texto, o essencial em uma obra literária é a expressão de determinado aspecto concreto da realidade, independentemente de fatores 39 estéticos. b) A fusão de texto e contexto no processo interpretativo da obra significa, necessariamente, o apagamento do contexto em favor das dimensões estéticas do texto. c) Uma interpretação dialeticamente íntegra implica na neutralidade do crítico, que não deve assumir nem uma perspectiva sociológica nem uma abordagem esteticista. d) Infere‐se do texto que a abordagem críticaexigida pela obra de arte é aquela que considera o trabalho estético de internalização dos dados externos na estrutura da obra. e) O texto defende a ideia de que a corrente crítica que privilegia a centralidade da matéria social na obra de arte está ultrapassada e deve ser substituída pela perspectiva crítica atenta aos jogos de linguagem. A ARTE IMITA A VIDA? 3.1 INTRODUÇÃO UNIDADE 40 Vimos no capítulo anterior que o conceito de Literatura é algo complexo, difuso e historicamente marcado, variando a ideia do que venha a ser ou não texto literário de acordo com a época, a cultura e a ideologia social na qual se insere (EAGLETON, 1997). No entanto, é imperativo retroceder às poéticas clássicas, isto é, aos gregos antigos, para compreender o(s) conceito(s) modernos de Literatura e da disciplina Teoria da Literatura. Por isso, neste capítulo, falaremos sobre o conceito de mimeses na filosofia e na Grécia antiga, sobretudo, em Platão, discutindo a importância de sua visão para os estudos literários que o sucederam. Vamos lá! 3.2 PLATÃO E O MITO DA CAVERNA Certamente você já ouviu a máxima: “a arte imita a vida e a vida imita a arte”. De fato, a arte parte do que lhe fornece o real a fim de trabalhar e retrabalhar este mesmo real, conferindo-lhe novos significados. Grosso modo, através das mais diversas manifestações artísticas o homem consegue melhor compreender a si, à sociedade e ao mundo que o cerceia. Platão, no entanto, via essa imitação de uma maneira negativa. Tanto que no diálogo A República, bane a Literatura de sua cidade ideal por endenter que ela era nociva para a paideia, a educação grega que envolvia trabalhar corpo e mente, e a aletheia, a verdade filosófica. A primeira obra platônica a tratar de um tema diretamente ligado à Literatura é o diálogo Ion, mas é n’ A República que Platão vai engendrar duas teorias que embasam seu pensamento, a Teoria das Formas e o Mito das Cavernas, ambas complementares para entendermos o porquê Platão considera a Literatura como um fazer negativo. Argumentação contra a arte e a Literatura O diálogo é dividido em dez livros. Destacamos aqui os que interessam sobremaneira ao nosso estudo. No livro I, Platão introduz o seu conceito de justiça e ética; no livro II, inicia sua argumentação contra a literatura através de uma crítica pedagógica e teológica contra essa, crítica que dá continuidade no Livro III ao abordar a constituição da cidade-estado ideal. No livro VII, apresenta a Alegoria ou Mito da Caverna e, por fim, no Livro X, formula sua crítica à mimeses e, por conseguinte, conclui que a literatura não pode ter espaço na cidade-estado ideal. 41 3.3 AS FORMAS E O MITO DA CAVERNA Platão, em A República, caracteriza as causas inteligíveis dos objetos físicos como ideias ou formas, sendo essas as causas da beleza da verdade e da justiça. Os objetos, por seu turno, meras sombras daqueles. Para ele, somente através de processos cognitivos, isto é, do pensamento filosófico, pode-se se desamarrar da matéria e atingir-se a verdade das coisas, a saber, suas formas etéreas3. A fim de defender tal argumentação, Sócratres4 a ilustrará através de uma alegoria. Figura 2: Mito da Caverna Disponível em https://bit.ly/3y2SmcP. Acesso em: 28 maio 2021. Ele pede a Glauco que imagine uma caverna na qual prisioneiro viveram a vida toda sem jamais conhecer o mundo fora dela. Tudo que viam do mundo exterior era apenas sombras dos objetos, animais e pessoas que se projetavam em uma parede à sua frente, como pode se verificar na imagem acima. Essas sombras significavam todo o conhecimento de mundo desses homens. As sombras, como é sabido, distorcem a forma dos objetos de acordo com a posição e projeção da luz. Portanto, o conhecimento do mundo que esses homens tinham era distorcido assim como as sombras projetadas na parece. No entanto, na sequência de sua argumentação, afirma que aqueles prisioneiros, não tendo contato com o mundo exterior, criam ser o que viam a verdade (ou ao menos a sua verdade), tanto que afirma que se um deles saísse e retornasse contando o que vira no mundo exterior seria taxado de mentiroso. Paralelamente, a caverna representaria o mundo material, sensitivo e físico, 3 Platão aprofunda no diálogo de Fedro a questão das ideias 4 O diálogo em A república ocorre entre Sócrates e Glauco. 42 em contraponto ao mundo exterior que representaria o mundo inteligível ou das ideias. Quadro 1: Forma versus sombra Externo - espírito Caverna - corpo Ideia – forma matéria Inteligível sensitivo Real aparente Universal particular Eterno Efêmero Essência objeto Fonte: Elaborado pela Autora (2021) A ideia de essência e essencial é que ordenaria a noção particulares das coisas, isto é, sua imagem ou objeto. Sendo assim, Platão entendia que as artes, por serem somenos simulacro da verdade, dificultariam o processo de ascensão ao mundo inteligível, pois por serem aparências das formas presentes no mundo ideal, enganariam o receptor. 3.4 A MIMESES PLATÔNICA Se de dentro da caverna só se viam as sombras das formas, aquele que as via tinha apenas uma vaga noção do mundo ideal. Desse modo, aquele que fabrica um objeto baseado não na forma, mas na ideia daquele objeto, fabrica uma cópia. Por sua vez, se um pintor pinta aquilo que foi fabricado estará produzindo uma cópia da cópia, portanto, afastando-se três vezes do real, isto é, a forma etérea das coisas. 43 Conforme salienta Benedito Nunes, em Platão: [...] o artista imita por deficiência de conhecimentos. Se fosse verdadeiramente sábio, não trocaria a realidade pela aparência. Sua práxis, supérflua, é apenas um jogo, uma atividade gratuita, que nada tem de séria, e que pode, contudo, aumentando a sedução equívoca da matéria sobre a sensibilidade, enredar a alma na trama de falsos sentimentos e emoções, facilmente suscitados pela Música e pela Poesia. Reencontramos o duplo sentido da mimese assinalado no capítulo 4: as composições poéticas e musicais sugestionam o ouvinte, induzindo-o a experimentar os estados de alma a que se associam. Em linguagem moderna, diríamos que elas expressam e comunicam estados afetivos (NUNES, 1999, p. 19). O artista, portanto, é em Platão apenas um mero criador de aparências, simulacros que não correspondem a verdade etérea das coisas, essas apenas possível de serem alcançadas no mundo das ideias. Da mesma maneira, a literatura produziria um conhecimento que seria nefasto a república ideal porque três vezes afastado da realidade. Por não corresponder à verdade, não seria possível aprender nada por meio dela. Platão, portanto, não admitia uma característica essencial do literário, a possibilidade de assemelhar-se ao real, sem de fato imitá-lo integralmente. O termo mimeses, em grego, seria, grosso modo, puramente imitação. Uma arte mimética seria, portanto, meramente imitativa. Segundo Eric Haverlock (1996), primeiro como mera classificação estilística, depois como método de composição e/ou ato de criação, na qual o poeta entraria em contato com a musa5, e, por último atuação/perfomance. Esta é, pois, a chave mestra da opção de Platão relativamente à palavra mimesis para descrever a experiência poética. Ela se concentra inicialmente não na atividade criativa do artista, mas em sua capacidade de fazer com que seu público se identifique quase patológica e sem dúvida empaticamente com o conteúdo do que ele está dizendo. E, por conseguinte, também quando Platão parece confundir os gêneros épico e dramático, o que está dizendo é que qualquer enunciado poetizado deve ser planejado e recitado de maneiratal que se transforme numa espécie de drama dentro da alma tanto do recitador quanto, consequentemente, do público. Essa espécie de drama, essa maneira de reviver a experiência na memória em vez de analisá-la e compreendê-la, constitui para ele "o inimigo" [a ser combatido] (HAVERLOCK, 1996, p. 61). 5 Ao que remete à sua Teoria do Entusiasmo em Fedro. 44 FIXANDO O CONTEÚDO 1. (Enade 2008) E dir-se-á o mesmo do justo e do injusto, do bom e do mau e de todas as ideias: cada uma, de per si, é uma, mas, devido ao fato de aparecerem em combinação Aletheia – palavra grega que designava a relação entre verdade e razão. Grosso modo, a verdade filosófica pertencente ao mundo inteligível. Mimeses: Noção grega que entende a arte como uma forma de representação da realidade. Mundo inteligível: O mundo das ideias, aquele que só se atinge através do pensamento filosófico. O conhecimento por esse propiciado, portanto, é aquele que se atinge pela razão. Mundo Sensitivo: Conhecimento que se atinge através da percepção sensitiva, sem fundamento no pensamento ou na razão, por isso, próprio das artes. Efêmero: Algo passageiro; de curta duração. Verossimilhança: Similar ao que é verdadeiro. Que se assemelha ao real. Paideia - Sistema de educação grego que incluía visava preparar o homem para o exercício de seu papel na pólis (cidade). Era uma educação completa que trabalhava desde ginástica, a artes, retórica e matemática. 45 com ações, corpos, e umas com as outras, cada uma delas se manifesta em toda a parte e aparenta ser múltipla. Platão, República V. 476a. Fundação Calouste Gulbenkian. A partir desse texto, assinale a opção correta. a) Cada ideia é uma, mas aparenta ser múltipla. b) Cada uma das ideias em toda a parte manifesta ser uma. c) Ações e corpos manifestam-se em combinação uns com os outros. d) As aparências combinam-se umas com as outras em toda a parte. e) Cada ideia é múltipla, manifestando-se em combinação em toda a parte. 2. (Enade 2005) – Que responda esse honrado homem que não acredita que algo seja belo em si, nem exista nenhuma ideia de um belo em si, sempre idêntica a si mesma, mas que reconhece muitas coisas belas – esse amante dos espetáculos – que não aceita que lhe digam que o belo é um só, e o justo, e do mesmo modo as outras realidades. Ora, dentre estas coisas, diremos que, das muitas que são belas, acaso haverá alguma que não pareça feia? E das justas, uma que não pareça injusta? E, das santas, uma que não pareça ímpia? – Não, é forçoso que as mesmas coisas pareçam belas e feias, tal como as outras de que falas. Platão. República. (com adaptações). Com base nesse texto de Platão, analise as asserções a seguir. I. As coisas parecem ser o que são e o seu contrário PORQUE II. As muitas coisas são idênticas a si mesmas. Assinale a opção correta a respeito dessa afirmação. a) As duas asserções são proposições verdadeiras, e a segunda é uma justificativa correta da primeira. b) As duas asserções são proposições verdadeiras, mas a segunda não é uma justificativa correta da primeira. 46 c) A primeira asserção é uma proposição verdadeira, e a segunda é uma proposição falsa. d) A primeira asserção é uma proposição falsa, e a segunda é verdadeira. e) As duas asserções são proposições falsas. 3. (INSTITUTO AOCP - 2019 - adaptado) O Mito da Caverna, de Platão, estabelece uma relação interna ou intrínseca entre paideia (educação) e aletheia (verdade): a filosofia é educação ou pedagogia para a verdade. Sobre o Mito da Caverna e o conceito de verdade em Platão, assinale a alternativa INCORRETA. a) A relação entre paideia e aletheia é proposta pelo mito com a analogia entre os olhos do corpo e os olhos do espírito quando passam da obscuridade à luz: assim como os primeiros ficam ofuscados pela luminosidade do Sol, também o espírito sofre um ofuscamento no primeiro contato com a luz da ideia do Bem, que ilumina o mundo das ideias. b) Platão abandonou o antigo conceito de verdade, isto é, a evidência como adequação entre a ideia e o intelecto, o inteligível e a inteligência, obtida apenas pelas operações da própria alma e o substituiu por aquele em que o próprio ser se manifesta no mundo e ao mundo. c) A trajetória realizada pelo prisioneiro é a descrição da essência do homem (um ser dotado de corpo e alma) e sua destinação verdadeira (o conhecimento intelectual das ideias). Essa destinação é seu destino: o homem está destinado à razão e à verdade. d) O Mito da Caverna preserva o antigo sentido da aletheia como não esquecimento e não ocultamento da realidade, pois aletheia é o que é arrancado do esquecimento e do ocultamento da realidade, fazendo-se visível para o espírito, embora invisível para o corpo. e) É uma alegoria retirada de “A República” de Platão, que fala sobre o conhecimento verdadeiro e o governo político. 4. (IF-RR – 2015) - Acaso não existem três formas de cama? Uma que é a forma natural, e da qual diremos, segundo entendo, que Deus a confeccionou. Ou que outro Ser poderia fazê-lo? - Nenhum outro, imagino. - Outra, a que executou o 47 marceneiro. - Outra, feita pelo pintor. Ou não? - Sim. - Logo, pintor, marceneiro, Deus, esses três seres presidem aos tipos de cama. PLATÃO. A república. São Paulo: Martin Claret, 2000: 295. (adaptado) No diálogo do Livro X de “A República”, o autor discorre sobre o processo mimético, ou seja, a relação imitativa entre as formas naturais e poéticas. A partir da reflexão do fragmento platônico, música e músico estariam: a) Excluídos do processo mimético. b) Próximos à forma natural e semelhantes a deus. c) Igualados à função de imitadores da imitação como o pintor d) Posicionados como imitadores de 1ª categoria como o marceneiro. e) Presentes nas três formas e, portanto, ocupando as três posições de criação. 5. (Colégio Pedro II – 2016 - adaptado) – Então, tomemos dessas pluralidades a que quiseres; a seguinte, por exemplo, se estiveres de acordo: leitos há muitos, e também mesas. – Como não? – Porém para todos esses móveis só há duas ideias: a ideia do leito e a ideia da mesa. – Certo. – Costumamos, também, dizer que os obreiros desses móveis têm em mira a ideia segundo a qual um deles apronta leitos e outros as mesas de que nos servimos, e assim para tudo o mais. Porém a ideia em si mesma, o obreiro não fabrica. Como o poderia? (PLATÃO. A República – livro X. In: MARÇAL, Jairo (org.). Antologia de textos filosóficos. Curitiba: SEED, 2009. p. 553) O trecho citado, retirado do Livro X da República de Platão, expressa a) a crítica à imitação como afastamento da verdade em três graus. b) um caso tipificado de contemplação das formas pela experiência. c) o reconhecimento da forma de leito e de cadeira por reminiscência. d) uma explicação do uno e do múltiplo pressupondo a teoria das ideias. e) Um elogio à imitação como forma exemplar de contemplação do real. 6. (Colégio Pedro II – 2016 -adaptado) A arte de imitar está muito afastada da verdade, sendo que por isso mesmo dá a impressão de poder fazer tudo, por só atingir parte mínima de cada coisa, simples simulacro. O pintor, digamos, é capaz 48 de pintar um sapateiro, um carpinteiro ou qualquer outro artesão, sem conhecer absolutamente nada das respectivas profissões. No entanto, se for bom pintor, com o retrato de um carpinteiro, mostrado de longe, conseguirá enganar pelo menos crianças ou pessoas simples e levá-las a imaginar que se trata de um carpinteiro de verdade. (PLATÃO. A República (Livro X).In: MARÇAL, Jairo (org.). Antologia de textos filosóficos. Curitiba: SEED, 2009. p. 558.) Sobre a relação entre arte e verdade, assinale a alternativa correta, segundo o pensamento platônico. a) As obras de arte estão distanciadas três graus da realidade, e, por isso, estão muito distantes da representação da verdade. b) Não poderíamos nos aproximar da verdade por meio das obras de arte, uma vez que elas apresentam somente uma representação das ideias. c) Existe um valor positivo da arte imitativa, mas no âmbito da cidade ela era corrosiva, pois, em relação à verdade, desloca a atenção que a política necessitava. d) As obras de arte são necessárias para uma aproximação da verdade, mas apenas no âmbito privado, negando dessa forma, sua função na cidade e, portanto, deveriam ser excluídas. e) A arte imitativa é positiva porque permite ao fruidor através da mimese escapar do real e vivenciar experiências que jamais vivenciaria se não fosse pela arte. 7. Por isto, Wolfgang Iser reconhece a necessidade da literatura neste efeito de perspectiva, vale dizer, na sua propriedade de obrigar o leitor, ao identificar-se com um personagem, ou com o narrador, a olhar-se, e ao mundo por um ângulo novo, por um ângulo inusitado – por uma nova perspectiva. As consequências estéticas, psicológicas e éticas desta perspectivação podem ser radicais, obrigando-nos não só a compreendermos que a realidade, em última instância, nos é inacessível – só temos acesso, no máximo, à sua sombra. A realidade nos é inacessível porque ela engloba tudo o que existe e todas as perspectivas possíveis. (BERNARDO, Gustavo. O conceito de Literatura. In: JOBIM, José Luís (Org.) Introdução aos termos Literários. Rio de Janeiro: Eduerj, 1999). 49 Ao dizer que a realidade nos é inacessível, que apenas acessamos a sua sombra, Gustavo Bernardo refere-se; a) À teoria da ideia platônica; b) À mimeses aristotélica; c) À teoria da contingência platônica; d) Ao mito grego de Narciso; e) À ideia de peripécia e catarse. 8. Leia a tirinha abaixo 50 Disponível em: https://bit.ly/3y5GPK9 . Acesso em: 28 maio 2021. Sobre mito da Caverna, de Platão é que: I - Que aquele que conhece o mundo apenas através das sombras das formas, não chegou a conhecer a verdade das coisas; II - Que aquele que vê o mundo apenas através das sombras das formas, vê que as formas correspondem aos objetos; III – A literatura, como toda arte, é uma sombra distante três vezes da forma ideal. a) I, apenas. b) II, apenas. c) I e II, apenas. d) II e III, apenas. e) I, II e III. 51 LITERATURA: A ARTE DAS PAIXÕES? 4.1 INTRODUÇÃO A Poética, de Aristóteles, além de ser a pioneira a dedicar-se ao tema é um dos mais importantes títulos, senão o mais importante, para os Estudos Literários e, por conseguinte, para a Teoria. Nesse texto, deferentemente do texto platônico, é dedicado exclusivamente à arte literária, em especial, às do gênero épico e dramático, isto é, à épica e a tragédia. Apesar de Aristóteles tecer algumas considerações sobre a comédia e a lírica, concede a essas pouco espaço. Dissemos que A poética é de extrema importância para os Estudos Literários, isso porque nos legou conceitos importantíssimos que ainda hoje são basilares para a análise do texto literário como o próprio conceito de mimeses (na visão aristotélica que veremos a seguir e não a platônica), de verossimilhança e de catarse. Vejamos então o que é a mimesis para Aristóteles e para os que o sucederam. Vamos lá! 4.2 DA POÉTICA ARISTOTÉLICA E OUTRAS POÉTICAS Apesar de discípulo de Platão, Aristóteles divergirá de seu mestre, especialmente no valor que confere à obra de arte, inclusive a literária. Se para o mestre ela era perniciosa, para o discípulo ela é essencial para o desenvolvimento de senso de justiça e moral do povo, porque possibilitaria ao expectador (ou leitor) aprender sem ser pela experiência. Lembremos, pois, do que dissera Umberto Eco sobre a principal função da Literatura ser educar-nos ao “Fado e à morte” (ECO, 2002, p. 21). A função apresentada em Eco já estava em Aristóteles! Figura 3: Aristóteles UNIDADE 52 Disponível em https://bit.ly/3zRfz3d. Acesso em: 28 maio. 2021. Ao conceito de mimesis, conforme proposto pelo discípulo de Platão, se coaduna ao conceito de verossimilhança. Para o filósofo a arte poética, ou seja, a Literatura, não precisaria copiar fidedignamente o real, conforme postulava Platão (daí, ele condená-la por não se corresponder a verdade), mas deveria assemelhar- se com a realidade que se pretendia. Mas o que seria algo verossímil? Antes de discutirmos o conceito, desmembremos a palavra. Vero, do latim verus, significa verdadeiro (tanto que a palavra verdade em italiano é justamente vero!); Símil, do latim símile, significa semelhante. Então, grosso modo, podemos afirmar que algo verossímil seria algo semelhante ao verdadeiro. [...] é preciso, quanto ao caráter dos personagens, como também no arranjo das ações, procurar o necessário ou o provável, de forma a que alguém de certa qualidade diga ou faça coisas de certa qualidade necessariamente ou provavelmente. É evidente, então, que os desenlaces dos enredos devem decorrer do próprio enredo, e não do artifício da mêchanê [...]. Mas se deve fazer uso da mêchanê no que diz respeito ao que se passa fora de cena, seja o que ocorreu antes dos incidentes mostrados, que não é possível ao homem saber, seja o que ocorreu antes dos incidentes mostrados, que não é possível ao homem saber, seja o que é posterior e que necessita de uma predição e de um anúncio, pois aos deuses concedemos tudo verem (ARISTÓTELES, 2006, p. 91-93). Mesmo que o discurso da literatura não seja verdadeiro como desejava Platão, é necessário que seja provável, que tenha um pé calcado no real para que expectador ou leitor possa identificar-se com aquilo que assiste ou lê. Se o receptor não se identifica, a poesis não consegue cumprir com a sua função essencial (sobre a qual falaremos no próximo tópico). Sendo assim, a arte literária não é apenas uma reprodução do mundo em que vivemos, mas uma representação desse. A Literatura, portanto, teria a capacidade 53 de pela mimesis recriar acontecimentos, situações, criando outras possibilidades de existência no mundo (lembremos que Aristóteles atém-se sobremaneira à épica e a tragédia). Devido a essa capacidade do literário, seu discurso estaria mais próximo do discurso filosófico do que o discurso histórico que tem o dever de apresentar as coisas como ocorreram e não como poderiam ter ocorrido. Luiz Costa Lima, partindo das considerações de Friedrich Shelegel sobre a mímeses, dirá que essa “tem uma relação paradoxal com a verdade” (LIMA, 2000, p. 63). No texto, Lima fala sobre a obra Kaftiniana que, como é sabido, exploras temáticas irreais, fantásticas6, guardando, portanto, pouca semelhança com a verdade, isto é o real, mas ainda assim, ao guardar alguma “semelhança com o que a sociedade” toma por verdadeiro, é verossímil e, portanto, mimética. O que torna o efeito de verossimilhança “inseparável tanto da produção quanto da recepção” (LIMA, 2000, p. 64). O poeta romano Horácio, em consonância com o princípio aristotélico, defenderá ser a arte literária, assim como a pintura, como uma arte de imitação reprodutiva. Horácio, no entanto, em sua arte poética atem-se à um gênero literário que teria sido pouco considerado por Aristóteles, a lírica, a qual também considera produto fruto desta mesma atividade mimética. Na verdade, não apenas Horácio, como outros latinos, traduziram mímeses como imitatio (que literalmente significaimitação), mas com o tempo a ideia latina de criação literária será entendida para além da mimetização (ou imitação) da natureza e dos costumes humanos, como se verifica em outro autor latino, Quintiliano, para entende-la como imitação de modelos autorais anteriores, isto é, como aemulatio (emulação). Já em Aristóteles verificamos uma normatização do fazer literário; o como se deve fazer ou o como deve ser a obra literária de qualidade para que suscite as emoções que deve suscitar. Nos latinos isso refletirá a ideia de que se um poeta foi bem-sucedido usando determinadas técnicas, o caminho para o sucesso dos que haverão de vir é, obviamente, copiá-lo. Mas não era um puro e simples plágio como podemos equivocadamente sermos levados a pensar, mas uma emulação daquele autor considerado como autorictas (autoridade) no gênero. Mas qual a diferença entre imitar e emular algo ou alguém? Vejamos o esclarecimento dado por João 6 Para saber mais sobre a Kafka, leia o romance A metamorfose. 54 Cezar de Castro Rocha: [...] a prática da emulação implica uma ideia particular de sistema literário, privilegiando o ato de leitura como gesto eminentemente inventivo. Afinal, partindo-se da imitação de um modelo considerado autoridade num determinado gênero, busca-se emular esse modelo, produzindo uma diferença em relação a ele (ROCHA, 2013, p. 12). Grosso modo, portanto, a emulação implicaria em não apenas representar aquilo que a natureza nos oferece, conforme postulado por Aristóteles, mas em copiar um modelo autoral com vistas a suplantá-lo. Ideia que teria sido fortemente combatida pelos românticos que criam que a obra de arte devesse ser original e fruto da genialidade do artística e não da reprodução de técnicas de autores anteriores ou mesmo contemporâneos. 4.3 DAS PAIXÕES HUMANAS À CATARSE O termo catarse em sua origem grega, Kátharsis, significa purificação do espírito humano. O filósofo grego Aristóteles entendia que o objetivo da arte literária, especialmente a tragédia, como um meio de purificação das emoções humanas, ou seja, que através do terror ou da piedade proporcionados pelas ações sofridas pelas personagens, conduziriam o receptor (expectador ou leitor) a se aproximar de alguns personagens (geralmente o protagonista), levando-o a crer na possibilidade de ser moralmente superior ao outro, auxiliando-o na criação de um senso de justiça e de moral. Para que tal objetivo pudesse ser atingido, era crucial que o poeta partisse de um enredo verossímil, em que o herói trágico sairia “da fortuna para o infortúnio, não 55 por perversidade, mas por um grande erro de alguém”, ocasionando a mudança dos acontecimentos, isto é, a peripécia que conduziria o herói a sair do estado de desconhecimento para o de reconhecimento e, levando-o, por fim, ao evento patético ou catastrófico, o que por seu turno conduziria o expectador a expurgação de suas emoções, sofrendo o processo catártico. A catarse importa não apenas para textos literários escritos para serem encenados, como no caso da tragédia e por extensão ao teatro e cinema moderno, mas aos mais diversos gêneros literários. Sobre o processo catártico na literatura de horror, por exemplo, o ficcionista Stephen King afirma que [...] inventamos horrores para nos ajudar a suportar horrores verdadeiros. Contando com a infinita criatividade do ser humano, nos apoderamos dos elementos mais polêmicos e destrutivos e tentamos transformá-los em ferramentas – para desmantelar estes mesmos elementos. O temo catarse é tão antigo quanto o drama na Grécia [...], mas, mesmo assim, ele tem seu uso [...] (KING, 2007, p. 24). O comentário de King nos ajuda a compreender que os horrores da ficção podem amenizar nossos piores medos , uma vez que podemos experimentamos o apuro sem correr risco real. 56 57 58 FIXANDO O CONTEÚDO 1. (Prefeitura de Cujubim - RO 2018) Em teoria literária, usa-se o termo CATARSIS. Este termo, um tanto técnico, tem sua origem: a) Na mescla de mistério e magia desde sua criação. Penetrou na cultura dos povos primitivos e descobriu-se como gênero de experiências extravagantes na contemplação do belo. b) Na época de Aristóteles, termo empregado por um médico, significando purgação e, se usado por um discurso religioso, representava expiação ou purificação. c) Em tratados papais, expressão usada para caracterizar homem confuso e apreensivo com as transformações do mundo. Platão, na alegoria da Caverna, utilizou-a pela primeira vez na história da literatura. d) No Termo filosófico cunhado por Aristóteles em A República e agregado aos ofícios literários para designar que a arte replica o mundo, no qual está tudo contido e faz sentido. A expressão Catarsis se configurou como exercício de expurgação e purificação. e) Expressão Hebraica adaptada por Aristóteles em Filosofia prática. 2. (FCC - 2014 – TRT) O caldo cultural do Nordeste, particularmente do sertão, foi primordial na formação do paraibano Ariano Suassuna. A infância passada no sertão familiarizou o futuro escritor e dramaturgo com temas e formas de expressão artística que mais tarde viriam a influenciar o seu universo ficcional, como a literatura de cordel e o maracatu rural. Não só histórias e casos narrados foram aproveitados para o processo de criação de suas peças e romances, mas também todas as formas da narrativa oral e da poesia sertaneja foram assimiladas e reelaboradas por Suassuna. Suas obras se caracterizam justamente por isso, pelo domínio dos ritmos da poética popular nordestina. Com apenas 19 anos, Suassuna ligou-se a um grupo de jovens escritores e artistas. As atividades que o grupo desenvolveu apontavam para três direções: levar o teatro ao povo por meio de apresentações em praças públicas, instaurar entre os componentes do conjunto uma problemática teatral e estimular a criação de uma literatura dramática de raízes fincadas na realidade brasileira, particularmente na 59 nordestina. No final do século XIX, surgiu no Nordeste a chamada literatura de cordel. A primeira publicação de folheto no Nordeste, historicamente comprovada, aconteceu em 1870. O nome cordel originou-se do fato de os folhetos serem expostos em cordões, quando vendidos nas feiras livres. O principal nome do cordel foi Leandro Gomes de Barros, considerado por Ariano Suassuna “o mais genial de todos os poetas do romanceiro popular do Nordeste”. A peça Auto da Compadecida, de Suassuna, é uma releitura do folclore nordestino em linguagem teatral moderna. O enredo da peça é um trabalho de montagem e moldagem baseado em uma tradição muito antiga, que remonta aos autos medievais e mais diretamente a inúmeros autores populares que se dedicaram ao gênero do cordel. As apropriações de Suassuna tanto do folheto nordestino quanto de outras fontes literárias são possíveis porque a palavra imitação, usada por Suassuna, remete- nos ao conceito aristotélico de mimesis, cujo significado não representa apenas uma repetição à semelhança de algo, uma cópia, mas a representação de uma realidade. Suassuna já fez diversos elogios da imitação como ato de criação e costuma dizer que boa parte da obra de Shakespeare vem da recriação de histórias mais antigas. Recontar uma história alheia, para o cordelista e para o dramaturgo popular, é torná-la sua, porque existe na cultura popular a noção de que a história, uma vez contada, torna-se patrimônio universal e transfere-se para o domínio público. Autoral é apenas a forma textual dada à história por cada um que a reescreve. Depreende-se do contexto que o autor lança mãodo conceito de “mimesis” para a) explicitar que, em sua obra, Suassuna se apropria da literatura sertaneja, reelaborando-a com um estilo próprio. b) enaltecer a erudição de autores como Suassuna, capazes de revelar a essência de uma realidade por meio da literatura de cordel. c) diferenciar o plágio do processo por meio do qual se parte de uma forma artística já existente para parodiá-la, como fez Shakespeare. d) sugerir que Suassuna valoriza autores do romanceiro nacional que, 60 diferentemente de Shakespeare, foram consagrados pelo gosto popular. e) retratar a obra de Suassuna como pertencente a um modelo literário propenso a ser reproduzido em simulacros do folclore nacional. TEXTO PARA AS PRÓXIMAS 2 QUESTÕES: Considere o texto abaixo para responder à(s) questão(ões) a seguir. É célebre a escultura de Laocoonte, em que estão representados pai e filhos envolvidos por serpentes. Nela está tematizada a dor de um pai que vê os filhos serem devorados. O crítico alemão Lessing sentiu-se intrigado pela seguinte questão: como entender que a personagem principal do grupo representado mal abra a boca, apesar de sofrer de modo tão intenso? Para explicar a composição moderada da dor, assinala: “É que as leis da escultura impõem a figuração da dor de modo totalmente diverso do da poesia. A escultura e a pintura não podem representar senão um único momento de uma ação; é preciso então escolher o momento mais fecundo; ora, só é fecundo aquilo que deixa campo livre à imaginação; não é preciso, pois, escolher o momento do paroxismo [o momento mais intenso], mas o que o precede ou segue.” 3. (Enade 2005) Quanto à arte literária, é correta a seguinte inferência: a) a literatura distingue-se da escultura porque, nela, em todos os gêneros literários (lírico, épico e dramático), predomina a expressão de tempos simultâneos. b) uma obra de arte bem realizada (um romance ou um conto, por exemplo) renuncia ao clímax da situação narrada, em busca do ideal de preservar o imaginário do leitor. c) o processo de criação artística, em qualquer gênero literário que se considere, representa as paixões segundo modelos historicamente prestigiados. d) a brevidade do poema lírico o aproxima da pintura e da escultura, pois o eu poético só tem tempo para o desenrolar de uma única ação. e) os discursos literários, graças à natureza da linguagem verbal, podem retomar uma mesma ação em distintos momentos, diferentemente do que ocorre na escultura ou na pintura. 61 4. (Enade 2005) O que se pode deduzir corretamente do texto acerca da representação artística? a) Na arte, o modo como se retratam certas emoções depende do conhecimento da sua natureza pelo artista, pois o seu ideal é reproduzir o mundo natural. b) Numa obra de arte, a expressão não é determinada pela natureza do objeto representado, mas está relacionada aos princípios que regem a modalidade artística adotada. c) Em algumas formas de expressão artística, a representação corresponde necessariamente à diminuição da intensidade das emoções experimentadas. d) Na composição artística, a escolha de traços de um objeto que podem ser mais produtivos para a criação depende mais da perícia do artista em lidar com eles do que da linguagem da arte em que ele se expressa. e) Em qualquer expressão artística, é mais importante a capacidade que o artista tem de apontar, no ser humano representado, a grandeza e a serenidade da alma, do que retratar o vigor de um sofrimento. 5. Leia o texto abaixo A Barata ABERTO O ENVELOPE, SUSTO: a barata dentro dele, imóvel, expectante, sobre o cartão! Quem foi que teve ideia dessa brincadeira repulsiva! E como conseguiu que passasse pelo Correio sem esmagar a barata? Por que ela está viva, vivinha da silva & santos. Não se mexe é de sabida. -Joga fora essa imundice! Ou antes, não jogue... Esta é uma barata de lei, com cerca de 150 anos de existência. Criação verista de Debret, sua reprodução na capa do convite para a exposição de inéditos do artista é de tal modo convincente que engana qualquer um. [..] Barata ao vivo é nojenta, chinele-se a bicha. Barata pintada é arte. Maçã na casa de frutas, ferra-se o dente ou açucara-se em torta, vita brevis, re não se fala mais nisso! A maça de Cézanne, mas para que a maça? As cebolas de Cézanne, e mais a garrafa de rouge, o copo com vinho pela metade, a rolha, a faca, a toalha embolada, em Nature morte aux Oignos, refutam o princípio de destruição inevitável 62 das formas, pelo menos enquanto o quadro existir. Ideias velba, barata nova. Debret foi mais documentarista do que criador, mas nem por isso sua barata é menos criação. Porque Debret pegou do bicho imundo e disse: -Agora vou te dar vida longa, maior que a minha, vou te representar. Representar é ser outra vez, e mais. Tudo quanto posso fazer por mim, e por nós, é fazer-te e fazer-me. Representando-me, e aos objetos e cenas a que assisto (coroação, fira, inseto), asseguro a tudo a mais valia de uma vida suplementar, que se chama vida das figuras, das aparências, que são mais do que as essências, pois estas se evolam, e a aquelas persistem. Entendeste? [...] -Pensando melhor, a essência está na aparência, que nos propicia o conhecimento imediato do cosmo. O resto é imaginação ou confirmação. Ês habitante vil de um planeta confuso, que adotou padrões de classificação baseados em nada. Vil por quê? Por que assim te rotularam? Que achas das criaturas que te rotulam, ó barata minha? [...] Sei que a representação é completa e fiel, tão fiel, tão vera, que a representação de representação, no convite, fez uma senhorita jogas fora o papel e envelope, e correr para lavar as mãos: -Ui, que horror! Uma baratona. -Calma, ela é pintada. -E daí? Pareceu mais real que uma verdadeira! O maior elogio a Debret, que já ouvi. (ANDRADE, Carlos Drummond de. Barata. In: Poesia e Prosa. Rio de Janeiro. Ed. Nova Aguilar, 1983. P. 1438-1439). Aristóteles defende a mímeses não como uma cópia imperfeita do real como fizera Paltão, mas como uma representação de uma realidade. Como o conto de Drummond ratifica esta ideia? a) Ao criticar a pintura realista de Debret de uma barata. b) Ao mostrar que representação da barata não se assemelha ao real. c) Ao questionar o princípio da verossimilhança na representação artística. d) Ao mostrar que a representação feita pela arte pode suplantar o modelo real. e) Ao demonstrar que a essência estará sempre no real, nunca na representação. 63 6. (NC-UFPR - 2015 - COPEL) Comentários na Internet são “descarrego de ódio”, dizem psicólogos: Se você busca debates sadios, opiniões ponderadas e críticas construtivas, não entre nos comentários de notícias e posts na Internet. Os itens acima são coisa rara no meio do mais puro “ódio.com”. “É um canal de escape emocional 24 horas no ar. Se a emoção é forte, eu descarrego um caminhão de sentimentos nos comentários”, afirma Andréa Jotta, pesquisadora do Núcleo de Pesquisa em Psicologia em Informática da PUC-SP. “O problema é que a Internet deixa aquilo eterno. Você pode mudar de opinião, mas aquilo fica registrado e pode te prejudicar no futuro”, completa. Dez anos atrás se popularizou o conceito de “Web 2.0”, e os sites noticiosos abriram espaço para os internautas opinarem sobre as reportagens. A ideia original era tornar os portais de notícia “uma rua de mão dupla”. Na prática, o espaço virou um congestionamento de palavrões, ameaças e preconceitos. “A tecnologia da internet fez explodir a demanda social da catarse. As opiniões são sempre radicais, explosivas”, opina o psicólogo Jacob Pinheiro Goldberg. “A lógica binária da internet estimula a visão maniqueísta domundo: ou você é contra ou a favor. A sutileza não é o traço essencial da internet”, argumenta. A interatividade acabou gerando duas crias indesejadas: os “trolls” e os “haters”. O primeiro é um polemista que se diverte com a repercussão de suas “troladas”, gíria para opiniões descabidas e zombeteiras só publicadas para gerar revolta nos outros internautas. Já os “haters” são acusadores que distribuem sua fúria contra times, partidos, religiões, raças, gêneros, opções sexuais, gostos musicais e o que tiver em pauta. Rodrigo Bertolotto, disponível em https://bit.ly/3x8DyZ7 , 13/08/2015 De acordo com o texto, podemos entender “demanda social da catarse" como: a) O extravasamento de sentimentos através de opiniões explosivas e radicais dos leitores. b) A necessidade de um meio digital para as pessoas exercitarem a sensibilidade. c) A importância se disponibilizar uma forma de as pessoas aprenderem a lidar com o estresse. 64 d) Polêmicas geradas pelas crias da internet, os “trolls" e os “haters". e) A oportunidade dada aos comentaristas de internet de expressarem suas opiniões. 7. ( FCC - 2018 - DPE-AM ) Considere as afirmações abaixo. I. A mimese, prática observada apenas em seres humanos, consiste na recriação de uma determinada situação a partir do arremedo ou da imitação, com a finalidade de reinterpretá-la, conferindo-lhe novo significado. II. Pode-se observar, a partir das brincadeiras infantis, que as crianças são atraídas tanto pelo familiar e conhecido como pelo inovador e inusitado. lll. A imitação e o arremedo, práticas importantes para certas áreas, como o teatro, são condenáveis quando se trata de uma composição literária, já que, conforme se infere da opinião do autor, podem, nesse caso, constituir plágio. Está correto o que se afirma APENAS em a) I e II. b) II e III. c) II. d) I e III. e) I. 8. (Prefeitura do Rio de Janeiro - RJ -adaptado) “(…) a imitação da realidade, ou melhor, sua representação (...) supõe a existência de dois objetos – o modelo e o objeto criado –, que mantém entre si uma relação complexa de similitude e de dessemelhança.” No trecho acima, de Marie-Claude Hubert, a autora refere-se ao conceito de: a) Poética b) Mímeses c) Metafísica d) verossimilhança e) catarse 65 66 PERIODIZAÇÃO LITERÁRIA E FORMAÇÃO DO CÂNONE 5.1 INTRODUÇÃO Vimos na Unidade I que no século XVIII, com o Iluminismo, surgiram novas formas de se ver e entender o mundo, o que propiciou uma mudança das relações sociais e com isso a forma de produção e circulação da literatura. Consequentemente, mudou-se também a maneira como o estudioso passa a se relacionar com o texto literário dando origem à crítica impressionista e à historiografia. Será sobre esta última que falaremos nesta unidade. Vamos lá! 5.2 POR UMA HISTÓRIA DA HISTÓRIA A movimento literário que inicia na Europa ainda no século XVIII e aqui do outro lado do Atlântico, no século seguinte, – Romantismo – foi um movimento de extremo nacionalismo. Na Europa resultado direto da Revolução francesa; aqui dos movimentos de independência. Superado o absolutismo na Europa ou o domínio colonial aqui, tornava-se essencial uma afirmação dos Estados-nação por intermédio de seus produtos culturais, isto é, das artes. Era também necessário contar a história desses estados, e não seria diferente da história cultural e, por metonímia, a literária. A configuração do seu objeto, portanto, parte da premissa central do romantismo: cada nação se distingue por peculiaridades físico geográficas e culturais, sendo a literatura especialmente sensível a tais peculiaridades, do que deriva sua condição de privilegiada parcela da cultura, funcionando à maneira de um espelho em que o espirito do nacional pode mirar-se e reconhecer-se (SOUZA, 2014, p. 60). A partir desse momento, portanto, tornarem-se menos comuns as Poéticas, e surgirem em peso as Histórias Literárias – florilégios, parnasos e compêndios que inventariavam os textos literários produzidos sobre e naqueles estados por seus cidadãos, cujos textos eram agrupados segundo as características e a época em que foram produzidos, os chamados períodos literários ou estilos de época. Surge UNIDADE 67 então uma nova disciplina, “a história literária, que, desinteressada das noções clássicas de boas ou belas-letras ,isto é, das estabelecidas pela Poética] instala o conceito moderno de literatura nacional” (SOUZA, 2018, p. 33) mais preocupado no levantamento de textos representativos do nacional do que nas qualidades estéticas das obras. Surge, portanto, neste momento as disciplinas de história de literatura nacional que hoje conhecemos simplesmente por Literatura, Brasileira, Literatura Italiana, Literatura Russa, Literatura Francesa, Literatura Inglesa etc. O próprio conceito de história, conforme salienta José Luiz Jobim, esteve por muito tempo atrelado a textos escritos, em especial no século XIX. Afinal, “o passado não pode ser conhecido, exceto através da mediação das fontes, e as únicas fontes são as escritas. Em resumo: a história é feita de textos”. (POMIAN 1999, p. 34 Apud, JOBIM, 2003, p. 117). A obra literária também é texto. Mas essa, apesar de ser um objeto do passado (capaz de ajudar na sua reconstrução), diferente de outros eventos e documentos históricos também é um objeto do presente. Podemos ler hoje tanto o original de Dom Casmurro, na primeira edição, disponível na +Biblioteca Nacional, ou em uma edição em e-book diretamente na internet. O que faz com que o observemos tanto em perspectiva diacrônica como sincrônica. No caso da cultura brasileira, quando se fala em história literária nas escolas, parece que a referências básica são os chamados “períodos literários” (ou melhor, “estilos de época”, como se costuma designá- los). Estes são mostrados com frequência como entidades auto- evidentes, evitando-se na maior parte das vezes todos os problemas teóricos que a sua construção conceitual abriga (JOBIM, 2003, p. 126). No entanto, é preciso que o estudo da história da literatura seja mais do que apenas uma catalogação de obras literárias do passado ou uma lista de características de época que os alunos do ensino médio decoram a fim de passar nas provas. O que, apesar de um problema atual, tem raiz no próprio surgimento dos estudos historiográficos. Figura 4: Linhagem cronológica da Literatura 68 Disponível em https://bit.ly/3zLLnGN. Acesso em: 29 jun. 2021 Vale lembrar ainda que este momento, no qual emerge a historiografia literária, é também o momento da crítica impressionista de Anatole France e do biografismo de biografismo de Sainte-Beuve, o que condicionou parcialidade na formação do cânone na medida em que crítico e historiador selecionavam as obras que comporiam seus florilégios e parnasos, não apenas a partir de um horizonte de expectativas do presente, mas também a partir de seus juízos de valor, mesmo que entendendo como ciência buscasse imparcialidade (SOUZA, 2014). Um bom exercício para verificar essas características é ler comparativamente o História da literatura brasileira, de 1888, de Silvio Romero, e o História da literatura brasileira, de 2011, de Carlos Nejar. Por isso, os estudos historiográficos e os historicismos precisam e têm se preocupado cada vez mais com a “re-significação da herança anterior” (JOBIM, 2003, p. 121), ou seja, com a compreensão de que sentido tinha aquela atividade, aquele texto para determinado autor (ou autores), em determinado tempo e sociedade, cuidando assim para que se evite o erro do anacronismo – atribuiçãode conceitos do presente a obras do passado. Mas, ainda assim, ciente de que é difícil olhar para o passado sem alguma medida de contaminação do presente. No caso do exemplo citado acima de Dom Casmurro, devido ao romance abordar temas universais, que ainda hoje refletem a nossa sociedade, é preciso pensar concomitantemente tanto no ontem como no hoje. Falaremos mais sobre as perspectivas dessa nova história na Unidade 6 quando abordaremos o new historicism. 69 5.3 COMO SE CONSTRÓI UM CÂNONE? Quando vimos conceito de Literatura, vimos que a ideias do que vem a ser ou não literário estariam relacionadas aos juízos de valor de uma determinada sociedade em determinado momento histórico. Sendo assim, a cada época, alguns dos textos considerados literários apresentarão características, ou traços comuns, a que chamamos períodos literários, escolas literárias ou estilos de época. No entanto, esta visão pode nos conduzir a um pensamento equivocado de que a história da literatura sempre existiu e os autores dos quais sempre ouvimos falar e que permeiam os livros didáticos e as histórias da literatura são e serão sempre os mesmos. O que comporá ou não o cânone de uma determinada literatura nacional, ou mesmo da chamada literatura mundo, depende de escolhas, grosso modo, subjetivas, pois implicam uma valoração da obra de arte segundo a visão parcial do crítico. Vale ainda lembrar que a construção de um cânone é também uma construção política. Outro problema que não se pode desconsiderar é que a perspectiva do presente sempre influi sobre a escrita que se faz sobre o passado. O risco do anacronismo é sempre um risco real enfrentado pelo historiador da literatura, como consideramos no tópico anterior. Ainda, a perspectiva do presente do historiador ou teórico faz com que por ventura venha a considerar um elemento ou autor mais importante que outros. Daí, autores negros e autoras mulheres terem sido excluídos dos cânones apontados por nossas primeiras historiografias, por exemplo. 70 5.4 TODO CÂNONE PRECISA DE REVISÃO! Haroldo de Campos escreveu e publicou a tese cujo título chama-nos a atenção: O sequestro do barroco na Formação da Literatura Brasileira. O título remete ao fato de que no livro de natureza historiográfica, de Antônio Candido, Formação da Literatura Brasileira, o professor emérito da USP, considera o Arcadismo e o Romantismo como os períodos literários que dão início à disciplina Literatura Brasileira. Seu argumento seria que somente durante o Arcadismo é que teríamos tido um sistema de circulação literária. O livro de Campos, opõe-se à argumentação de Candido, defendendo que já no período anterior, mesmo que timidamente, já havia um sistema literário posto no Brasil colônia. Anos mais tarde, em 2017, Júlio França publica o artigo “O sequestro do gótico no Brasil”7, no qual argumenta que no Brasil, diferentemente do que tradicionalmente a historiografia tem mostrado, tivemos um profícuo movimento romântico de estética gótica e que esta estética permanece latente até a contemporaneidade. Semelhantemente, eu escrivei um artigo intitulado “O sequestro do fantástico na literatura brasileira”8, no qual discuto a formação de nosso cânone literário, ainda no século XIX, que teria optou por não incluir (ou desmerecer) um fazer literário que, assim como o gótico, acontecia marginalmente ao movimento romântico nacionalista marcado pela “cor local”, isto é, a literatura fantástica. O fato é que, como dissemos, a formação do cânone implica em escolhas subjetivas, políticas e, às vezes, motivadas por uma visão anacrônica do crítico. Por isso, se em algum momento um gênero ou autor foi considerado menor e excluído 7 O artigo integra o livro As nuances do gótico de organização do próprio Júlio França e de Luciana Colucci. 8 O artigo é fruto de comunicação apresentada no XIX simpósio de letras da UEMA, cujo artigo fruto dessa será publicado em seus Anais. Júlia Lopes de Almeida foi uma autora oitocentista brasileira bastante produtiva. Publicou entre romances, novelas, contos, peças teatrais etc, mais de trinta título. Apesar de ter participado da idealização da Academia Brasileira de Letras (ABL) e de seu ter estado na primeira lista dos imortais que a fundariam, seu nome fora excluído. Da mesma maneira, durante muitos anos seu nome também esteve apagado das historiografias literárias, bem como dos livros didáticos. Vamos pensar, quais seriam os motivos que ocasionaram essa exclusão da autora da Academia e do cânone? 71 do cânone; noutro poderá ser visto como autor universal e incluído. É o que vimos ocorrer, no caso brasileiro com as autoras Emília Freitas e Júlia Lopes de Almeida, por exemplo. Assim, como a própria forma de ler o cânone é modificada com o passar dos anos. A construção de um cânone de uma literatura nacional ou mundial é algo que está sempre me constante construção e revisão. 72 Vanguarda - Literatura ou arte que se pretende inovadora , e por isso, rompe com as estéticas vigentes. Ao início do Modernismo o mundo observou o surgimento de movimentos vanguardistas nas artes como o futurismo, o dadaísmo, o expressionismo, o surrealismo. 73 FIXANDO O CONTEÚDO 1. Sobre a historiografia literária, é correto afirmar: a) Trata-se de uma corrente dos estudos literários que se preocupa em estudar a literatura em perspectiva histórica. b) Trata-se de uma corrente dos estudos literários que se preocupa em estudar a cronologia das narrativas. c) Trata-se de uma corrente dos estudos literários que se preocupa estudas apenas obras contemporâneas d) Trata-se de uma corrente dos estudos literários que se preocupa em estudar a literatura textualmente. e) Trata-se de uma corrente dos estudos literários que se preocupa em estudar a obra literária segundo seu engajamento social. 2. (Enade 2011) Para estudar a história literária brasileira, em vez de um critério político, deve- se adotar uma filosofia estética compreendendo-a como um valor literário. Para tal, a periodização correspondente é de natureza estilística, isto é, em lugar da divisão em períodos cronológicos ou políticos, a ordenação por estilos. (COUTINHO, A. (Org.) Literatura brasileira: (introdução). In:. A literatura no Brasil: introdução geral. 6. ed. São Paulo: Global, 2003, v.1, p. 132). Nas sequências, está destacado um trecho da obra História Concisa da Literatura Brasileira, de Alfredo Bosi. Avalie se tanto o autor quanto o estilo literário indicados correspondem ao que Bosi trata no respectivo trecho. I. “Não se trata, aqui, de fechar os olhos aos evidentes defeitos de fatura que mancham a prosa do romancista: repetições abusivas, incerteza na concepção de protagonistas, uso convencional da linguagem...; trata-se de compreender o nexo de intenção e forma que os seus romances lograram estabelecer quando atingiram o social médio pelo psicológico médio (...)” Érico Veríssimo. Pré- Modernismo. II. “Sempre se salva, no foro íntimo, a dignidade última dos protagonistas, e se redimem as transações vis repondo de pé herói e heroína. Daí os enredos valerem 74 como documento apenas indireto de um estado de coisas, no caso, o tomar corpo de uma estética burguesa e ‘realista’ das conveniências durante o Segundo Império” José de Alencar. Romantismo. III. “Teve mão de artista bastante leve para não se perder nos determinismos de raça ou de sangue que presidiriam aos enredos e estofariam as digressões dos naturalistas de estreita observância [...]” Adolfo Caminha. Naturalismo. IV. “O seu equilíbrio não erao gotheano – dos fortes e dos felizes, destinados a compor hinos de glória à natureza e ao tempo; mas o dos homens que, sensíveis à mesquinhez humana e à sorte precária do indivíduo, aceitam por fim uma e outra como herança inalienável, e fazem delas alimento de sua reflexão cotidiana” Machado de Assis. Realismo. São corretas apenas as correspondências feitas em: a) I e II. b) I e III. c) II e IV. d) I, III e IV. e) II, III e IV. 3. (Enade 2011) Texto I [...] na leitura — e essa é a primeira reflexão que quero fazer — de qualquer obra literária, de qualquer texto que tenha por base a intensificação de valores — daquilo que chamamos de uma ou outra maneira aproximada de valores literários — , existe sempre, como dizia o grande crítico canadense recentemente falecido, Northrop Frye, a necessidade de conhecimento de duas linguagens. Segundo ele, na leitura de qualquer poema, “é preciso conhecer duas linguagens: a língua em que o poeta está escrevendo e a linguagem da própria poesia”. [...] a literatura nunca é apenas literatura; o que lemos como literatura é sempre mais — é História, Psicologia, Sociologia. Há sempre mais que literatura na literatura. No entanto, esses elementos ou níveis de representação da realidade são dados na literatura pela literatura, pela eficácia da linguagem literária. 75 (BARBOSA, J. A. Literatura nunca é apenas literatura. In: Seminário linguagem e linguagens: a fala, a escrita, a imagem. Disponível em: Acesso em: 16 ago. 2011 (com adaptações). Texto II Fatores linguísticos, culturais, ideológicos, por exemplo, contribuem para modular a relação do leitor com o texto, num arco extenso que pode ir desde a rejeição ou incompreensão mais absoluta até a adesão incondicional. Também conta a familiaridade que o leitor tem com o gênero literário, que igualmente pode regular o grau de exigência e de ingenuidade, de afastamento ou aproximação. (BRASIL. MEC/SEB. Orientações curriculares para o ensino médio: linguagens, códigos e suas tecnologias. Brasília, 2006, v.1, p. 68) Considerando os textos acima, é correto afirmar que os professores a) devem privilegiar, no ensino médio, o estudo de obras da literatura brasileira e portuguesa, a fim de preparar os alunos para o ingresso profissional na universidade. b) devem adotar, no ensino médio, metodologias que privilegiam a história da literatura, porque elas incorporam contextos socioculturais que favorecem a compreensão da linguagem literária. c) devem privilegiar o estudo de obras que se ajustam às necessidades programáticas tanto da Língua Portuguesa quanto das demais disciplinas da estrutura curricular, enfatizando a função didático-pedagógica da literatura e de outros códigos e linguagens. d) devem buscar a adequação de obras literárias a serem lidas, tomando como referência a idade dos alunos, a motivação e, ainda, o conteúdo programático a ser ministrado, favorecendo a interação entre língua e literatura. e) devem adotar metodologias que privilegiam o contato direto com o texto literário e reflexões acerca das relações que o texto estabelece com outras áreas do conhecimento e com outros códigos e linguagens. 4. “O ‘conteúdo’ de um período literário é o sentido formado tanto por aquilo que o período significa para acultura em que foi constituído [...] quanto por aquilo que ele significa para a cultura que se apropria dele, gerando uma unidade de sentido para o que evoca, revisa e/ou cria” (JOBIM, 2003, p. 127). 76 Assinale a alternativa consoante com a assertiva acima: a) O que o passado produziu de horizonte para o futuro precisa estar presente na reflexão do historiador e do teórico. b) O que o presente produziu de horizonte para si próprio precisa estar presente na reflexão do historiador e do teórico. c) O que o passado produziu de horizonte para si próprio precisa estar ausente na reflexão do historiador e do teórico. d) O que o passado produziu de horizonte para si próprio precisa estar presente na reflexão do historiador e do teórico e) O que o presente produziu de horizonte para o passado não precisa estar presente na reflexão do historiador e do teórico. 5. “Até o século XVIII enquanto persistiu o prestígio da retórica e da poética, pode- se dizer que a crítica consistia em apreciar a conformidade de um texto às regras do gênero respectivo; no entanto, depois de abandonada a preceptística clássica constituída por aquelas disciplinas antigas, pari passu com a revolução romântica nas letras, nas artes e no pensamento, a crítica se torna pessoal e tendenciosamente arbitrária, quando muito fixando como critério de valor noções vagas como autenticidade emocional ou verismo figurativo, cuja presença nos textos literários lhes garantiria o mérito (SOUZA, Roberto Acízelo de. História da literatura: Trajetória, fundamentos, problemas. São Paulo: É Realizações, 2014, p. 57) a) a crítica oitocentista ao ser pessoal e arbitrária fará uma seleção parcial do cânone em que não leva necessariamente em conta o valor estético das obras, mas juízos de valores pessoais, além de questões político-sociais daquele tempo. b) a crítica impressionista, apesar de pessoal e arbitrária, conseguia manter a neutralidade requerida a qualquer ciência, a fim de compor o cânone com imparcialidade. c) os estudos historiográficos oitocentistas continuaram tomando por base os estudos de retórica e poética, preocupando-se com como um texto seguia ou não as regras do gênero. d) a historiografia oitocentista, apesar de influenciada pelo critica impressionista e pelo biografismo, procurava seguir os preceitos das poéticas clássicas. 77 e) tanto a crítica impressionista quanto a biografista preocupavam-se com a personalidade do autor, mas sem esquecer-se das questões formais do texto, seu principal interesse. 6. São corretas as assertivas: I – A formação de um cânone depende de questões não apenas estéticas, mas subjetivas e político sociais II – Uma obra menor será sempre menor, nunca comporá o cânone. III – O horizonte de expectativas do passado é importante para a compreensão da obra literária. IV – São excluídos do cânone apenas obras consideradas best sellers. a) Apenas I b) I e IV c) II, III e IV d) II e IV e) I e III 7. (UNICENTRO-2019 -adaptado) O lançamento da obra Quarto de despejo, em 1960, fez de Carolina de Jesus o maior sucesso editorial da história da literatura brasileira, com cerca de um milhão de cópias vendidas. A autora deixou registrado o seguinte depoimento: “Enquanto escrevo vou pensando que resido num castelo cor de ouro que reluz na luz do sol. Que as janelas são de prata e as luzes de brilhantes. Que a minha vista circula no jardim e eu contemplo as flores de todas as qualidades.”(1976). Tendo em vista que a obra de Quarto de despejo não se encaixa exatamente no s chamados períodos literários, como o depoimento da autora de Jesus atesta o que sobre a obra: a) Seu estilo é romântico, com tendência a idealizar a realidade e a enxergar o mundo numa ótica maniqueísta, tanto na literatura como na vida. b) Seu estilo é neossimbolista na literatura, mas tem uma tendência realista na relação com a vida. 78 c) Apesar de seu estilo ser realista e espelhar a realidade da vida na favela, a narradora desta obra permite-se penetrar no mundo onírico com as digressões subjetivas. d) A escritora vale-se do realismo, retratando a vida como ela é, inclusive com personagens retirados do mundo real das favelas, permite-se sublimar tudo isso na vida real, vendo assim o mundo idealizado em seu pensamento. e) A narrativa segue os princípios do Realismo Fantástico, em que realidade e sonho se sobrepõemconfundindo o leitor. 8. Leia o trecho abaixo de Ferdinand Wolf, em O Brasil Literário, umas das primeiras historiografias da Literatura Brasileira: Macário e Noite na taverna, em prosa e que têm por heróis verdadeiras caricaturas meias Fausto, meio Don Juan, delirando como loucos, e expondo aos olhos um cinismo aborrecido. Suas expressões são a um tempo de uma sentimentalidade procurada e de uma rudeza de mau gosto, a dicção é amaneirada. [...] são na verdade aberrações de espírito, sem maturidade, transviado por leituras sem escolha e agitado por uma ambição enferma [...] (WOLF, Ferdinand. O Brasil literário. São Paulo: Companhia Nacional, 1955, p. 317 [1863]). Sobre o comentário de Wolf a respeito da prosa de Álvares de Azevedo é correto afirmar que: a) pautou-se nas pelas qualidades formais e estruturais das obras que demonstraram serem “de uma rudeza e mau gosto”. b) pautou-se não nas qualidades estéticas das obras, mas no juízo de gosto do historiador, influenciado pela biografia do autor. c) pautou-se no fato de sua obra em prosa demonstrar exacerbado nacionalismo, o que não era bem visto à época. d) pautou-se pelo fato de seus personagens serem caricaturas, o que esteticamente não vai bem à uma obra literária digna do cânone. e) pautou-se no fato de o drama Macário e os contos de Noite na taverna não seguirem os preceitos da Poética de Aristóteles. DE NOVO, A TEORIA: CORRENTES UNIDADE 79 6.1 INTRODUÇÃO No capítulo I falamos sobre estudos acerca do texto literário que antecederam o surgimento da disciplina Teoria da Literatura, como as poéticas clássicas que estudamos nos capítulos 3 e 4 ou como a historiografia que vimos no capítulo 5. Agora falaremos sobre outros estudos, ou correntes teóricas, que interessam aos Estudos Literários, e por conseguinte, à Teoria da Literatura. 6.2 FORMALISMO RUSSO E ESTRUTURALISMO Como vimos nas unidades 1 e 2 o Formalismo Russo surge ao início do século XIX, especificamente entre 1910 e 1930. Grosso modo, tratava-se de um grupo de estudiosos russos – Viktor Chklosvski, Vladimir Propp, Romam Jakobson, Yuri Tynianov, Boris Eikhenbaum, Roman Jakobson e Grigory Vinokur – que defendiam a materialidade do texto literário em detrimento à mimeses. Por isso, abriam mão de abordagens de ordem sociológica, histórica, política e filosófica como nos movimentos críticos do século anterior ou mesmo os do século XX como a crítica marxista9. Isso significa dizer que percebiam o texto literário como uma obra de arte que singulariza a linguagem ao ultrapassar a mesmice do discurso coloquial. Sendo assim, apresentaria traços e formas que, como vimos, caracterizaria o texto literário como literário, ao que chamaram de literariedade. Os formalistas russos são responsáveis por uma renovação da metalinguagem crítica, fornecendo novos termos de análise do texto literário, discutíveis individualmente, sem dúvida, mas que constituem ainda hoje objecto de reflexão e discussão, o que prova a sua importância. Muitos dos temas teóricos escolhidos para investigação nunca antes haviam sido discutidos [...] (CEIA, 2009). O movimento nasce ligado a duas áreas de estudos que podemos dizer serem circunvizinhas, a linguística e a poética procurando estabelecer um ponto de equilíbrio entre as duas áreas. Tendo como um de seus principais expoentes o 9 A crítica marxista, como o nome sugere dialoga com o pensamento do filósofo Karl Max, a fim a avaliar obras literárias segundo o seu engajamento político-social. Não abordaremos a crítica marxista neste livro. Mas para saber mais a respeito desta corrente crítico-teórica, sugiro consultar o livro Marxismo e crítica literária, de Terry Eagleton. 80 morfologista russo V. Chklosvski (porque seus estudos tornaram-se basilares para a Teoria, assim como os de Jakobson para a Linguística ou de Propp para os estudos do maravilhoso e do fantástico), nos interessa aqui comentar suas ideias sobre os procedimentos linguísticos formais que levam a construção do texto literário tal qual objeto artístico. Em “A arte como procedimento”, Chklosvski defende a tese de que a linguagem literária seria um desvio de nossa linguagem cotidiana. Por não abordar o cotidiano, a arte literária não pode partir de simples imagens do real que mimetiza. Daí sua contundente crítica ao teórico Potebnia para quem a arte, especialmente a poesia, seria uma maneira de permitir ao homem “pensar por imagens” (CHKLOVSKI, 1978, p. 39). É evidente que a arte literária, ao fazer uso da conotação, isto é, do sentido figurado das palavras, produz uma série de imagens que permitem ao leitor, quando confrontado com o texto literários, recompor o quadro ficcional construído pelo autor. No entanto, Chklosvski defende que a imagens não deveriam ser construídas como forma de facilitação do conhecimento e entendimento, como no caso das parábolas bíblicas, não como uma forma de singularização da linguagem, que desautomatize o processo de leitura e produza um efeito de estranhamento no leitor quando confrontado com a singularidade. É o caso que observamos, por exemplo, no realismo mágico de Jorge Luís Borges e Gabriel Garcia Marques ou nos romances de Saramago. 81 O estruturalismo, por seu turno, é uma corrente de pensamento que ultrapassa os estudos literários, estando presente na filosofia, na antropologia, a psicologia. A corrente, principalmente, na literatura, parte da linguística saussuriana. Grosso modo, propõe aplicar os princípios formulados por Saussure, em especial, os de langue e parole ao estudo do texto literário: [...] qualquer obra literária deve ser entendida como uma parole, isto é, como o uso individual da langue, que é aquele sistema impessoal constituído pelo conjunto de todos os usos que antecederam a apropriação específica desse sistema por um dado autor num determinado momento. Assim como o usuário da língua se apropria de estruturas que antecedem a sua fala, o romancista lança mão de unidades narrativas pré-existentes a seu romance. (TEXEIRA, 1998, p. 35). Assim, enquanto os estudos anteriores se preocupavam com elementos extratextuais, como a crítica impressionista, o biografismo e a historiografia, a crítica estrutural preocupar-se-á, como o nome já denuncia, com a estrutura dos textos literários. Isso porque, para a crítica estrutural “a obra literária é vista, neste caso, antes como uma construção verbal que a representação de uma realidade” (TODOROV, 1971, p. 12). Afinal, se a literatura é a arte da palavra, nada mais lógico do que o estudo de como essas se combinam de forma a formar uma estrutura que é o própria do texto literário, ou como ratifica Todorov “a letra e o signo verbal serão consideradas por todos nós como a base de toda a literatura”, posto que o “conhecimento da literatura e o conhecimento da linguagem são simultâneos” (TODOROV, 1971, p. 22), o que implicaria, portanto, que somente seja possível falar- se em um “discurso literário na medida em que possamos falar do verbo em geral, e A partir da argumentação de V. Choklovist que vê a imagem poética como aquela que pretende promover um desautomatização da percepção do leitor durante o processo de leitura, provocando o que chama de estranhamento, pense nos textos literários que já leu em como, e em que medida, estes procuram causar um estranhamento através, seja do uso de imagens poéticas como metáforas, metonímias e outras figuras de linguagem, seja por quebrar a expectativa lógica da narrativa. Por exemplo, quando lemos em Camões que que o amor “é um contentamento descontente, / é dor que desatina sem doer”, o paradoxo instaurado nos causa estranhamento, assim como ler as memórias de umdefunto narradas por ele mesmo como ocorre nas Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis. 82 inversamente” (TODOROV, 1971, p. 22). Não interessava, no entanto, ao crítico estudar as singularidades de uma única e específica obra literária, mas a criação de uma poética que explicitasse a estrutura e o funcionamento do discurso literário, como uma espécie de gramática descritiva do literário. Como postula Roland Barthes, em Introdução à Análise estrutural da narrativa, bastava o conhecimento de algumas obras literárias para observar as regras gerais que regeriam as demais, assim como faz o antropólogo ao observar alguns membros de uma comunidade para descrevê-la. A poética estrutural, ao não considerar valores extrínsecos à obra literária, como a vida do autor ou o contexto histórico-social no qual a obra talvez se insira, e cuidar exclusivamente da estrutura das obras, isto é, de sua construção verbal, não soluciona o problema surgente lá em Kant ainda no século, isto é, o “valor artístico, pois a caracterização do discurso literário ou a descrição estrutural de uma obra não explicam a razão de sua beleza” (TEIXEIRA, 1998, p. 37). Cumpre ressaltar, no entanto, que a despeito das muitas críticas que recebera o estruturalismo ao longo dos anos, é fato incontestável que tal corrente nos legou preceitos, conceitos e postulados se “incorporaram definitivamente no próprio modo de ser do pensamento contemporâneo” (TEXEIRA, 1998, p. 34), a exemplo dos pontos de vista narrativos e da ordem temporal narrativa. 6.3 NEW CRISTICISM E NEW HISTORICISM Como os próprios nomes já denunciam, as correntes teóricas do New Cristicism e do New historicismo, indicam o surgimento de uma nova crítica e de uma nova história literária. O primeiro, assim como o Formalismo Russo e o Estruturalismo, constitui-se em uma corrente literária avessa ao historicismo e ao biografismo que marcaram os estudos literários no século anterior, bem como os diálogos com o universo extratextual que ocorreu entre décadas de 1940 e 1950, mais propriamente entre o universo anglófono. Teve entre seus Assim como postulava o estruturalismo, o New Cristicism defendia o close reading, isto é, a abordagens na análise literária dos elementos estruturais do texto literário. Contrariando noções consagradas do século XIX, Eliot recusou a ideia de poesia como expressão da personalidade do poeta, concebendo- a como resultado consciente do trabalho do espirito, que organiza a 83 experiência da personalidade. Em vez de entender o poema como consequências como consequências de sentimentos pessoais, Eliot passou a encará-los como forma de apropriação pessoal da tradição literária, em que a visão individual das coisas deve, essencialmente, se transformar em sabedoria técnica (TEXEIRA, 1998, p. 34). Com isso em mente, a nova crítica, a partir dos ensaios “Intentional fallacy” “Affective fallacy”, de William K. Wimsatt e Monroe Beardsley, se orientará pelas noções por eles cunhadas homônimas aos títulos do ensaio – em português falácia intencional e falácia afetiva ou emotiva –, no sentido de rechaçar a ideia (falaciosa como denuncia o adjetivo fallacy) de que, na análise do texto literário, seja necessário recuperar as intenções do autor ou de que o estudioso deve-se preocupar-se com as emoções provocadas pelo texto literário, pois estes seriam aspectos que não caberiam à crítica literária, mas à historiografia no primeiro caso e à psicologia no segundo. O segundo, como o nome nos denuncia significa um retorno aos estudos historiográficos, formulando uma nova história. Assim como o New cristisism surge nos Estados Unidos da América, mas como uma oposição ao estruturalismo e ao próprio nem cristicism, através dos estudos de Stephen Greenblat. Greenblat, a partir dos estudos de Michel Foucaut e de Jacques Derrida, ambos também críticos ao pensamento estruturalista, entenderá a literatura como uma estrutura que nos permite “ler o espírito de uma época” (TEXEIRA, 1998, p. 32). Desse modo, seria impossível o seu estudo sem diálogo “com a historicidade do texto e a textualidade da história” (TEXEIRA, 1998, p. 32). No entanto, sua proposta de retorno ao estudo do literário que considere os contextos históricos de composição e circulação pretende se colocar como um meio termo entre o que eram os estudos historiográficos oitocentista, a crítica marxista e os estudos estruturalistas. Assim, a obra literária não é nem reflexo do contexto histórico social como preconizava o velho historicismo, nem pretexto para a leitura politizada da obra como postulava a crítica marxista e muito menos um conjunto de estruturas linguísticas sem função social como queriam os estruturalistas. “A primeira grande diferença entre o historicismo tradicional consiste na incorporação da ideia de história com discurso: a história não é fato, mas registro dele. [...] Para que o fato se converta em histórica é preciso primeiro assumir a condição de discurso” (TEXEIRA, 1998, p. 33) e esse discurso também é refletido no literário. Por isso, o estudo da obra literária, bem como de outras manifestações 84 culturais ajudariam na recomposição da episteme de uma época, isto é, na maneira como os diversos discursos se articularam a fim de promover “uma visão crítica da história” (TEXEIRA, 1998, p. 34). Mas isso só seria possível se o historiador ou crítico mantiver algum distanciamento para evitar a emissão de juízos de valor contaminados pelo seu tempo. 6.4 TEORIA DO EFEITO ESTÉTICO E TEORIA DA INTERPRETAÇÃO Como vimos os estudos literários do século XIX, em especial a historiografia, deram demasiada ênfase aos elementos autor e contexto. Já no século XX, a estilística, o formalismo, o estruturalismo e o new critcism tornaram a arte literária autônoma, quase a deixando órfão ao decretar a chamada “morte do autor” e ao supervalorizar a materialidade do texto. No ensaio “O que é um autor”, Foucault (1992), comenta que a autoria, que para nó hoje é algo tão óbvio, não era no passado. Na Antiguidade, o anonimato não constituía nenhum problema e os textos circulavam sem precisão exata acerca de sua autoria. Segundo ele, a autoria dos textos só passaram a ter importância quando os discursos, orais ou escritos, tornaram-se transgressões passíveis de punições. Eram preciso saber quem disse o que, onde e quando. Se a noção de autoria nasce em tempos relativamente recentes, essa pouco dura, pois logo o autor perde o seu prestígio (ao menos no que tange à literatura). É o que procura defender Roland Barthes (1977) no ensaio “A morte do autor”. Para o ensaísta de orientação estruturalista, o autor não deve ter a importância que os séculos XVIII e XIX lhe concederam, haja vista ser somenos um sujeito social e historicamente constituído, que ao escrever torna-se um produto deste . Ainda, Barthes questiona a visão romântica do autor como um gênio criador. Para ele o escritor será sempre o imitador de um gesto ou de uma palavra anteriores a ele, pois o ato de produção de discursos é sempre um ato dialógico, isto é, um ato que pressupõe um movimento de retomada a outros textos, a outros discursos. Sendo assim, as intenções do autor, sua biografia ou mesmo o contexto em que viveu e produziu deixam de ter importância para a interpretação da obra literária. Uma vez publicado, o livro passaria a ser livre, aguardando que o leitor lhe imputasse os sentidos cabíveis. Noutras palavras, morre o autor e nasce o leitor. Inseridos, portanto, nesse contexto de valorização da leitura e da livre 85 interpretação, muitas teorias foram então articuladas visando às questões receptivas da obra literária, tais como a estética da recepção de Hans Rober Jauss (1994)e a teoria do efeito estético de Wolfgang Iser (1996). Estudos que ao se voltarem para o receptor da obra literária, colocam a seu cargo o papel fundamental da (re)construção do sentido do texto, mas sem incorrer nas tentativas de recuperar as “intenções do autor”. Entretanto, cumpre ressaltar que [...] as posições de Jauss e Iser não são, nem nunca foram, totalmente homólogas, [apesar de dialógicas]. Ao passo que Jauss está interessado na recepção da obra, na maneira como ela é (ou deveria ser) recebida, Iser concentra-se no efeito (Wirkung) que causa, o que vale dizer, na ponte que se estabelece entre um texto possuidor de tais propriedades — o texto literário, com sua ênfase nos vazios, dotado pois de um horizonte aberto — e o leitor” (LIMA, 1979, p. 25). Isso significa dizer que para Jauss importa como a obra é recebida pelo público leitor e como o repertório de expectativas, ou seja, o conhecimento de mundo e leituras anteriores, desse público influi nesta recepção e na reconstrução dos sentidos do texto. Já para Iser importa quais os efeitos (no sentido propriamente aristotélico) a obra literária inflige no leitor quando desta reconstrução. Outro autor cujo o pensamento se coaduna ao de Jauss e Iser, é do francês Jean-Paul Sartre, para quem o leitor será sempre coautor do texto que lê. O texto, sem o movimento de leitura de um leitor real, não passaria de rabiscos num papel, pois “ler implica prever, esperar, prever o fim da frase, a frase seguinte, a outra página [...]” (SARTRE,1989, p. 35), num processo contínuo de coprodução autor-leitor. Uma das premissas teóricas de Iser reafirma esse aspecto fenomenológico da leitura, com o conceito de “leitor implícito”, leitor que só existe na medida em que o texto determina a sua existência através das estruturas imanentes. Apesar de não ter existência real, pressupõe uma leitura real: As perspectivas do texto visam certamente a um ponto comum de referências e assumem assim o caráter de instruções; o ponto comum de referências, no entanto, não é dado enquanto tal e deve por isso ser imaginado. É nesse ponto que o papel do leitor, delineado na estrutura do texto, ganha seu caráter efetivo [...]. O sentido do texto é apenas imaginável, pois ele não é dado explicitamente [...] (ISER, 1996, p. 75). Assim como Sartre, Iser admite a participação do leitor na (re)construção do sentido da obra através da leitura, mas como ato estruturado dentro do texto. Uma perspectiva parecida a que surge posteriormente na obra do semiologista italiano Umberto Eco, a partir de sua obra Obra Aberta (1961) e que se desenvolve em textos 86 posteriores. A Obra citada tratava-se de um estudo de estética que tocava nas questões receptivas e interpretativas de uma obra literária e que entende que o texto literário também depende das intervenções do leitor. O ensaio aborda, portanto, a dialética entre a problemática da liberdade de interpretação, a que Eco chamaria e superinterpretação, e a extrema fidelidade ao texto tal qual queria formalismo russo, o estruturalismo e o New Cristicism desejavam. A propósito disso, é válido citarmos o comentário de Sandra Cavicchioli que prefaciou a obra: Esta dialética se manifestou na combinação da tradição do estruturalismo e do pragmatismo de Peirce, com o objetivo de não fechar demais o texto sobre si mesmo e ao mesmo tempo não o abrir ilimitadamente a cada tipo de instância interpretativa. (ECO, 1995, p. 184, traduzido pela autora) Para Eco, portanto, todo texto literário é uma “máquina pobre” (ECO, 1994, p. 3 – traduzido pela Autora) que sobrevive da valorização do sentido que o leitor pode (e deve) ali introduzir, contando sempre, portanto, com o conhecimento de mundo seus leitores para atualizá-lo. Por ser “pobre”, toda narrativa é muito lacunar, como já defendia o alemão Iser, e, quanto mais lacunas apresentar, maiores serão os riscos de interpretações absurdas, como parece ocorrer em romances de cunho psicológico. Por exemplo, seria como ler Perto do coração selvagem, de Clarice Lispector adequando-o única e exclusivamente aos seus ideais políticos, sociais ou psicológicos, como se o romance falasse não para o leitor , mas sobre o leitor. Ou, ainda, ler O processo, de Kafka, como um romance policial; o que apesar de viável, textualmente não surtiria os mesmos efeitos do que lê-lo como uma narrativa fantástica, do absurdo. Outro exemplo desse movimento de participação do leitor na (re)construção do texto, são as narrativas vanguardistas, que, ao diferentemente das reais- naturalistas, não procuram identificar e instruir seu leitor, mas são construídas de modo a frustrá-lo e surpreendê-lo, causando um estranhamento ainda maior do que o de outros textos literários, exigindo do leitor um trabalho maior no processo interpretativo. Preencher tais lacunas, ou “vazios”, se usarmos o termo de Iser, portanto, não significa construir outro texto diverso do inicial, mas aceitar o jogo de reconstrução de sentidos proposto. Entretanto, tal afirmação reitera o pressuposto de que o texto precisa de um leitor para concretizá-lo. Nesse sentido, o leitor é condição indispensável para a capacidade concreta da comunicação do texto e da sua potencialidade criativa: 87 Em um texto narrativo, o leitor é forçado a cada momento a fazer uma escolha. Além, esta obrigação de escolha se manifesta através do nível de qualquer enunciado, pelo menos a cada ocorrência de um verbo transitivo. Enquanto o falante está prestes a terminar a frase, nós, mesmo que inconscientemente, fazemos uma aposta, antecipamos a sua escolha, ou nos sentimos angustiados em querer saber qual escolha ele fará (ECO, 1994, p. 7, traduzido pela Autora). O leitor empírico por ser um leitor real, de carne e osso como todos nós, ao contrário do leitor que Eco chama por modelo, não é compromissado com o texto, e por isso nele imprime os mais diversos sentidos segundo o seu desejo, às vezes, sentidos não necessariamente vinculados ao texto. O leitor modelo (ou ideal em termos formalistas), por seu turno, não é um leitor real; é na verdade uma criação do próprio texto, um efeito de suas estruturas narrativas. Para Eco, trata-se, portanto, de “un lettore-tipo che il testo non solo prevede come collaboradore, ma anche cerca di creare”10 (ECO, 1994, p. 11). Em outras palavras, o leitor modelo seria aquele que se questiona sobre como o texto precisa ser lido e busca a resposta ao seguir as pistas que o próprio texto, na figura do que Eco chama de autor modelo, isto é, as estratégias narrativas e as marcas próprias do gênero. É possível que esse leitor faça conexões extratextuais, mas jamais sem calçar- se no textual e cotextual, sob o risco de incorrer em uma superinterpretação, isto é, em afirmar algo que o texto não diz. Uma proposta de leitor que em muito se assemelha ao leitor implícito proposto por Wolfgang Iser. Mas no caso do teórico alemão, mesmo que entenda tal leitura implícita como parte da estrutura narrativa imanente ao texto, admite, assim como Sartre, a ocorrência de uma leitura real que se dá como ato estruturado fora do texto. Grosso modo, para o alemão , o leitor é aquele que condiciona o texto imputando-lhe sentido; para italiano, no entanto, o texto, melhor dizendo, suas estratégias narrativas, condicionam o leitor na recuperação dos sentidos possíveis. Com isso, é possível entendermos que toda leitura é empírica, no sentido proposto por Iser, e a leitura modelo, conforme proposta por Eco, como uma idealização teórica que precisa ser buscada não pelo leitor comum, mas pelo estudioso do texto literário. 10 Um leitor-tipo que o texto não somente prevê como colaborador, mas também procura criar (ECO, 1994, p. 11). 886.5 “DE SE FAZER MUITOS LIVROS NÃO HÁ FIM” OU DAS MUITAS TEORIAS Há um trecho da Bíblia, em Eclesiastes 12:12 em que o Rei Salomão afirma: “[...]” de se fazerem muitos livros não há fim [..]” (A BÍBLIA, 2013). Ora, você deve estar perguntando-se: Por que trazer um versículo bíblico para cá? A afirmativa do autor do livro bíblico é verídica, desde o advento da escrita, nas mais diversas culturas, a produção de livros tornou-se bastante profícua, tendo intensificado com a imprensa e agora, com a internet e os e-books, ainda mais. Quanto mais se produz literatura, mais inovações percebe-se nos novos textos literários surgentes. Afinal, aqueles que permanecerão para a posteridade serão sobretudo aqueles que ao invés de fazer mais do mesmo, produzem a diferença, ou nas palavras de Chklovcki, a singularização que propicia o estranhamento tão necessário à arte. Com tantos livros, dos mais diversos gêneros11, surgem, a fim de dar conta destes as mais diversas teorias e correntes teóricas para estudá-los. Tomemos por exemplo o gênero fantástico. Desde o seu nascedouro no século XVIII e XIX, muitos foram os estudiosos que se dedicaram a estudar o gênero e formularam as mais diversas teorias, algumas convergentes, outras divergentes12. Impossível contemplar todas as correntes teóricas nesta disciplina, abordamos somente as principais que configura a base para as demais. Cabe ao estudioso de literatura estar em constante renovação do conhecimento, buscando (e formulando) novas teorias que deem conta da produção literária da antiguidade a contemporaneidade. 11 Em Teoria da Literatura II, você aprenderá mais detidamente sobre a teoria dos gêneros literários, sua variedade e multiplicidade. 12 Para saber mais sobre as teorias acerca do gênero fantástico, leia o artigo “Fantástico genológico: considerações teóricas e outras considerações”, de minha autoria, disponível em: https://www.brazilianjournals.com/index.php/BRJD/article/view/20376 Acesso 09/06/2021. 89 90 FIXANDO O CONTEÚDO 1. (CESPE / CEBRASPE - 2018 - IFF - Professor - Letras/Espanhol) O séc. XX instaura um corte na episteme do século que o antecede ao modificar radicalmente o rumo dos estudos literários. Em vez da concepção de literatura como epifenômeno social ou como ramo de uma ciência hegemônica da qual todas as outras disciplinas derivassem, ou, ainda, como projeção narcísica do sujeito fruidor, dá-se ênfase agora à produção do discurso e às diferenciações discursivas e, em consequência, às indagações acerca da especificidade da literatura e da relação que esta mantém com a “realidade”, em contraposição a outras modalidades de discurso. Nesse contexto, surgem duas linhas de abordagem do literário, conforme a orientação teórica que as caracteriza predominantemente: as abordagens de cunho prevalentemente linguístico e as de cunho prevalentemente cultural, como as distingue Luiz Costa Lima, sem, contudo, deixar de assinalar os traços comuns que as correlacionam. (Sônia Lúcia Ramalho de Farias Graphos v 10, n º 2 João Pessoa, dez /2008 (com adaptações). A abordagem literária de cunho prevalentemente cultural mencionada no texto inclui a) a estilística. b) o formalismo russo. c) o new criticism. d) o estruturalismo. e) a crítica marxista. 2. (Enade 2014) Leia os textos abaixo Texto 1 Ainda quando se defende a existência de "uma escrituralidade literária", herdeira, em certo sentido, do conceito de "literariedade", utilizado pelos formalistas russos, a questão da especificidade do discurso literário esbarra em entraves complicados e quase sempre obriga o estudioso a trilhar caminhos que podem desviá-lo do seu objeto de análise. Isso explica, por exemplo, a possibilidade de haver excelentes teóricos da literatura que sejam incapazes de ser leitores "desarmados" de 91 literatura; que possam deixar de lado a teoria e "entrar no texto", confundir-se com personagens que transitam no palco literário. Se, de fato, parece ser problemático definir literatura pelo que ela é – e sua existência está comprovada por uma tradição e pela multiplicidade de obras que mantêm viva essa tradição –, talvez seja mais prudente concordar com a existência de um "estatuto do literário" que, por vezes, se vale de critérios externos ao texto mais do que de uma observação minuciosa de sua produção. (Disponível em: http://www.pucminas.br . Acesso em: 28 jul. 2014 (adaptado) Texto 2 Desencanto Eu faço versos como quem chora De desalento... de desencanto...Fecha o meu livro, se por agora Não tens motivo nenhum de pranto. Meu verso é sangue. Volúpia ardente... Tristeza esparsa... remorso vão... Dói-me nas veias. Amargo e quente, Cai, gota a gota, do coração. E nestes versos de angústia rouca, Assim dos lábios a vida corre, Deixando um acre sabor na boca. Eu faço versos como quem morre. (BANDEIRA, M. A cinza das horas. 1917). A partir dos textos citados, assinale a opção que apresenta a relação entre a especificidade da linguagem literária e a crítica literária. a) A partir de leituras críticas do poema de Manual Bandeira, é possível fruí-lo melhor, pois a crítica literária não deixa nada descoberto. b) Os critérios de classificação propostos pela crítica e pelos teóricos da literatura permitem ao leitor uma fruição mais prazerosa do poema de Manuel Bandeira. c) Para facilitar a leitura e permitir fruição estética mais intensa ao leitor, os críticos literários mostram a morfologia do texto e as armadilhas que constituem a sua estrutura. d) A crítica literária, por não apontar caminhos precisos do processo de leitura do texto, é ineficaz para a fruição e interpretação do poema de Manuel Bandeira. e) Para que possa fruir esteticamente o poema de Manuel Bandeira, é necessário 92 que o leitor articule sua experiência de mundo com seus conhecimentos sobre a literatura. 3. (Enade 2005) O texto abaixo, de Antonio Candido, exemplifica o trabalho do crítico. Em Gonçalves Dias, sentimos que o espírito pesa as palavras, em Castro Alves, que as palavras arrastam o espírito na sua força incontida. Situado não apenas cronologicamente entre ambos, Álvares de Azevedo é um misto dos dois processos. Na melhor parte de sua obra, as palavras se ordenam com medida, indicando que a emoção logrou realizar-se pelo encontro da expressão justa. Infelizmente, porém, (...) se na sua obra propriamente lírica existe não raro uma serena contenção, a que lhe deu fama e definiu a sua maneira própria se caracteriza pela tendência à digressão e à prodigalidade verbal, que o tornaram, com o passar do tempo, o poeta desacreditado de nossos dias. (Formação da literatura brasileira: momentos decisivos) Considere as afirmações que seguem. I. A crítica implica uma valoração, resultante das relações que o crítico estabelece entre os elementos constitutivos da obra analisada e a série literária. II. Em cada situação específica, a crítica incide na análise independente de um dos três aspectos do fenômeno literário: ou o produtor, ou a obra, ou o público. III. É tarefa do crítico prescrever leituras que, ao suprirem certas necessidades do ser humano, atendam às expectativas do público. Confirma-se no texto de Antonio Candido o que se declara corretamente sobre a crítica APENAS em a) I. b) II. c) III. d) I e II. e) II e III. 93 4. (Enade 2005) O universo (que outros chamam a Biblioteca) compõe-se de um número indefinido, e talvez infinito, de galerias hexagonais, com vastos poços de ventilação no centro, cercados por balaustradas baixíssimas. (...) A Biblioteca existead eterno. Dessa verdade, cujo corolário imediato é a eternidade futura do mundo, nenhuma mente razoável pode duvidar. (...) Em alguma estante de algum hexágono (raciocinaram os homens) deve existir um livro que seja a cifra e o compêndio perfeito de todos os demais: algum bibliotecário o consultou e é análogo a um deus. (Jorge Luís Borges, “A biblioteca de Babel”, Ficções) Associe a gravura abaixo ao texto de Borges, transcrito acima. O espaço descrito no texto e o espaço representado na gravura têm em comum a) a rejeição do irreal e o engajamento político. b) a emotividade e a negação da simetria. c) o efeito de claro-escuro e o sentimento da natureza. d) a vida idealizada e o sentimento do provisório. e) a fantasia intelectual e a composição geométrica. 94 5. (Enade 2005) O crítico José Guilherme Merquior, ao analisar a questão da literatura na Modernidade, afirma: ... a partir de Flaubert e Baudelaire, instala-se nas letras o senso da “vacuidade do ideal”; emerge a tradição moderna como literatura crítica. O ideal esvaziado de conteúdo, assinalado pelo crítico, no texto de Eça de Queirós, a) constitui a busca do “paladino da moral”. b) é considerado causa da ação de “celebrar missa durante tantos anos”. c) pode ser associado a “escangalhada catedral romântica”. d) está tomado como sinônimo de “palpitação mesma da vida”. e) é tido como consequência da “propaganda do amor ilegítimo”. 6. Para V. Choklovisk a literatura deve produzir imagens poéticas que se diferenciem das imagens corriqueiras. A obra de arte literária deve libertar-se do automatismo do reconhecimento para provocar um estranhamento através da singularização da imagem poética. Ciente disso, assinale a alternativa em que verifica uma imagem poética: a) “o amor é fogo que arde sem se ver” (Luís de Camões) b) Rio de neve em fogo convertido! (Gregório de Matos) c) “Pequenas canções me fazem feliz” (Aline Maciel) d) “A febre deve estar assando Nicó” (Arthur Engrácio) e) “Minha terra tem palmeiras onde canta o sabiá” (Gonçalves Dias) 7. (CESPE / CEBRASPE - 2018 - IFF) O texto a seguir é um trecho de uma entrevista concedida por Janet M. Paterson à revista Aletria. Aletria — Vários críticos, tais como Lacan, Derrida, Levinas, Deleuze, Lévi- Strauss, Bhabha e Spivak, têm discutido a questão da alteridade e as implicações das teorizações baseadas nas percepções do outro. Quais são as bases teóricas de sua pesquisa sobre figurações da alteridade? Janet M. Paterson — O trabalho do sociossemioticista francês Eric Landowski 95 forneceu o arcabouço conceitual de meu livro. Em Présences de l’Autre: essais de socio-sémiotique, Landowski estuda casos reais de alteridade em Paris, tais como os moradores de rua ou os artistas da região do Centre Pompidou. Isso lhe permitiu elaborar uma metodologia extremamente requintada e precisa que me pareceu muito útil. Mencionarei alguns de seus principais conceitos: a distinção entre diferença e alteridade (distinção que permite a Landowski conceituar alteridade); a necessidade de um grupo de referência (um grupo social dominante) para a existência de qualquer forma de alteridade; e a complexidade dos vários tipos de relações estabelecidas com o outro. Acima de tudo, eu era continuamente lembrada de que na literatura, assim como na sociedade, a alteridade é sempre uma construção. Na teoria literária, a emergência da noção de alteridade vincula-se teoricamente de modo mais expressivo aos textos produzidos no a) contexto da pós-modernidade. b) âmbito das vanguardas históricas. c) período da belle époque. d) contexto da crítica marxista. e) contexto pré-romântico. 8. O estruturalismo foi um movimento crítico que teve nos nomes de Roland Barthes e Tzvetan Todorov seus maiores expoentes. Para tal corrente crítica, o estudo do discurso literário deveria centrar-se: a) na biografia autor b) no contexto histórico c) nas estruturas narrativas d) nas idiossincrasias do leitor e) na estrutura da psique humana 96 RESPOSTAS DO FIXANDO O CONTEÚDO UNIDADE 01 UNIDADE 02 QUESTÃO 1 A QUESTÃO 1 E QUESTÃO 2 E QUESTÃO 2 A QUESTÃO 3 C QUESTÃO 3 E QUESTÃO 4 D QUESTÃO 4 B QUESTÃO 5 A QUESTÃO 5 B QUESTÃO 6 B QUESTÃO 6 D QUESTÃO 7 A QUESTÃO 7 D QUESTÃO 8 E QUESTÃO 8 D UNIDADE 03 UNIDADE 04 QUESTÃO 1 A QUESTÃO 1 B QUESTÃO 2 C QUESTÃO 2 A QUESTÃO 3 B QUESTÃO 3 E QUESTÃO 4 C QUESTÃO 4 B QUESTÃO 5 D QUESTÃO 5 D QUESTÃO 6 A QUESTÃO 6 A QUESTÃO 7 A QUESTÃO 7 A QUESTÃO 8 C QUESTÃO 8 B UNIDADE 05 UNIDADE 06 QUESTÃO 1 A QUESTÃO 1 E QUESTÃO 2 C QUESTÃO 2 E QUESTÃO 3 E QUESTÃO 3 A QUESTÃO 4 D QUESTÃO 4 E QUESTÃO 5 A QUESTÃO 5 C QUESTÃO 6 E QUESTÃO 6 B QUESTÃO 7 D QUESTÃO 7 A QUESTÃO 8 B QUESTÃO 8 C 97 REFERÊNCIAS ARAÚJO, N. Teoria da Literatura e história da crítica: momentos decisivos. 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