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W BA 07 73 _V 1. 1 PSICOPEDAGOGIA CLÍNICA 2 Juliana Zantut Nutti São Paulo Platos Soluções Educacionais S.A 2021 PSICOPEDAGOGIA CLÍNICA 1ª edição 3 2021 Platos Soluções Educacionais S.A Alameda Santos, n° 960 – Cerqueira César CEP: 01418-002— São Paulo — SP Homepage: https://www.platosedu.com.br/ Diretor Presidente Platos Soluções Educacionais S.A Paulo de Tarso Pires de Moraes Conselho Acadêmico Carlos Roberto Pagani Junior Camila Braga de Oliveira Higa Camila Turchetti Bacan Gabiatti Giani Vendramel de Oliveira Gislaine Denisale Ferreira Henrique Salustiano Silva Mariana Gerardi Mello Nirse Ruscheinsky Breternitz Priscila Pereira Silva Tayra Carolina Nascimento Aleixo Coordenador Giani Vendramel de Oliveira Revisor Neide Rodriguez Barea Tavares Editorial Alessandra Cristina Fahl Beatriz Meloni Montefusco Carolina Yaly Mariana de Campos Barroso Paola Andressa Machado Leal Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)_________________________________________________________________________________________ Nutti, Juliana Zantut N985p Psicopedagogia Clínica / Juliana Zantut Nutti, – São Paulo: Platos Soluções Educacionais S.A., 2021. 38 p. ISBN 978-65-89965-67-1 1. Diagnóstico. 2. Clinico. 3. Aprendizagem. I. Título. CDD 371.4 ____________________________________________________________________________________________ Evelyn Moraes – CRB: 8 SP-010289/O © 2021 por Platos Soluções Educacionais S.A. Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida ou transmitida de qualquer modo ou por qualquer outro meio, eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia, gravação ou qualquer outro tipo de sistema de armazenamento e transmissão de informação, sem prévia autorização, por escrito, da Platos Soluções Educacionais S.A. https://www.platosedu.com.br/ 4 SUMÁRIO Diagnóstico clínico e queixas de aprendizagem ______________ 04 Técnicas projetivas, linguagem e uso de jogos _______________ 21 Avaliação do raciocínio lógico-matemático e da psicomotricidade _____________________________________________ 36 Compreensão Diagnóstica e Informe Psicopedagógico _______ 49 TECNOLOGIAS EMERGENTES EM DI 5 Diagnóstico clínico e queixas de aprendizagem Autoria: Juliana Zantut Nutti Leitura crítica: Neide Rodriguez Barea Objetivos • Apresentar as principais funções e os objetivos da avaliação psicodiagnóstica clínica. • Analisar a importância da postura adequada do psicopedagogo diante dos envolvidos no processo de diagnóstico psicopedagógico clínico. • Compreender a correlação das queixas de aprendizagem com a hipótese diagnóstica de cada caso. 6 1. Diagnóstico clínico e queixas de aprendizagem Olá, seja muito bem-vindo e muito bem-vinda! Você já se imaginou no lugar de um psicopedagogo que vai atender a um paciente pela primeira vez? O que ele precisa saber? O que ele precisa fazer? Pensando nisso, neste Tema, vamos estudar as principais funções do diagnóstico clínico, a importância da postura correta do psicopedagogo em relação aos envolvidos nesse processo, bem como buscar a compreensão da relação entre as queixas e a hipótese diagnóstica para cada caso. Segundo Fagali e Vale (2001), a Psicopedagogia Clínica tem um enfoque terapêutico ou curativo em relação às pessoas com distúrbios e dificuldades de aprendizagem. Esse enfoque considera como o objeto de estudo da Psicopedagogia a identificação, a análise, o diagnóstico e o tratamento de dificuldades de aprendizagem. Dessa forma, a atuação em Psicopedagogia Clínica tem como o objetivo possibilitar que o indivíduo em atendimento retome a capacidade de aprender e de se desenvolver cognitivamente. Para isso, é essencial que ocorra o estabelecimento de uma relação terapêutica entre o psicopedagogo e o indivíduo em atendimento, cujo sintoma é o não aprender. Na maioria das vezes, a atuação clínica ocorre em consultórios ou clínicas multidisciplinares particulares. Conforme Bossa (2000): O trabalho psicopedagógico [...] implica compreender a situação de aprendizagem do aprendente, individualmente ou em grupo, dentro do seu próprio contexto. Tal compreensão requer uma modalidade particular de atuação para a situação em estudo, o que significa que não há procedimentos predeterminados. Defino esta característica 7 como configuração clínica da prática psicopedagógica. A metodologia do trabalho, ou seja, a abordagem e tratamento, enfim a forma de atuação se vai tecendo em cada caso, na medida em que a problemática aparece. Cada situação é única e requer do profissional atitudes específicas em relação àquela situação. (BOSSA, 2000, p. 85) De acordo com a autora, no trabalho clínico, a postura do psicopedagogo é a de compreender o porquê de aquele aprendente não estar aprendendo, além de o que e como ele poderia ou deveria estar aprendendo. A busca das respostas para essas indagações se inicia no diagnóstico clínico, que é o momento de “leitura” da realidade do aprendente, para posteriormente o profissional iniciar o planejamento e a realização das atividades/técnicas de intervenção. Qual é a função do diagnóstico psicopedagógico? Em síntese, o diagnóstico psicopedagógico clínico é a investigação complexa sobre as capacidades de aprendizagem de uma pessoa ou de um grupo de pessoas. Mas é possível captar a singularidade do aprender no decorrer do processo de avaliação diagnóstica? Para Weiss (2007), no diagnóstico psicopedagógico, o que importa é a tentativa de captar a forma individual de aprender de um determinado aluno. Sendo assim, parte da ideia de que algo não vai bem com o aprendente em relação a uma conduta de aprendizagem que é esperada pela escola e/ou pela família para aquele momento específico do desenvolvimento cognitivo. Os familiares e a escola são as maiores responsáveis pelos encaminhamentos dos indivíduos, especialmente crianças e adolescentes, aos consultórios e ambulatórios. Também são eles que oferecem os principais esclarecimentos sobre as queixas de dificuldades de aprendizagem escolares, que, em sua maioria, estão relacionadas a problemas na aquisição de leitura e escrita e no cálculo e raciocínio lógico-matemático, em diferentes graus e séries. Assim, as queixas mais frequentes são relacionadas ao não aprender algo; ao aprender algo 8 com muita dificuldade ou muito lentamente; ao não prestar atenção na aula; ao não demonstrar adequadamente o que aprendeu; ao se negar ou resistir a aprender; e/ou ao fugir de situações de aprendizagem. O diagnóstico psicopedagógico se inicia a partir do momento em que há a formulação da queixa (jargão clínico para designar o motivo de uma consulta ou de um encaminhamento) até o final, quando é feita a devolução dos resultados do processo de avaliação. Em geral, a queixa é trazida pelos pais e/ou responsáveis logo no primeiro atendimento e vem expressa em frases como “ele/ela não consegue aprender”, ou “não aprende o que a professora espera dele/dela”, “não sabe ler e/ou escrever direito”, “não sabe matemática”, “não presta atenção nas aulas”, não gosta de estudar”, entre outros motivos acerca do não aprender. Portanto, o alvo do diagnóstico clínico será o esclarecimento da queixa comunicada ao psicopedagogo pela família, pela escola ou pelo próprio aprendente. É muito comum não haver uma coincidência constante entre os olhares da família, da escola e do indivíduo sobre as dificuldades de aprendizagem que motivaram a queixa. Nesse sentido, o psicopedagogo deve “filtrar” os pontos essenciais a serem pesquisados durante o diagnóstico. É necessário valorizar os dados que podem ser coletados a partir de instrumentos de investigação relacionados ao contexto familiar e escolar. Inicialmente, esses dados são apresentados por meio das falas dos familiares e/ou responsáveis pelo aprendente. Em um segundo momento, eles aparecem na entrevista de anamnese (análise da história dedesenvolvimento do aprendente) e durante as atividades que compõem o processo de diagnóstico psicopedagógico. A investigação psicopedagógica clínica tem como objetivo principal obter uma compreensão global da forma de aprender do aprendente e dos possíveis desvios que estão ocorrendo nesse processo. Para isso, 9 busca-se a organização dos dados obtidos sobre a sua vida biológica, intrapsíquica e social de forma única. O diagnóstico psicopedagógico deve ser visto como um estudo de caso único e individualizado e, de acordo com Weiss (2007), buscar uma coerência para não transformar a investigação diagnóstica em “colcha de retalhos” com a mera apresentação e/ou a soma de resultados de testes e provas. Toda avaliação diagnóstica deve partir de uma premissa básica: a importância da família, da escola e do aprendente e a interseção dos três sistemas (biológico, intrapsíquico e social) que compõem o processo. Sempre que há um desvio da aprendizagem esperada, devem ser levantados os parâmetros relacionados a esse desvio, os quais envolvem as exigências familiares e da escola sobre a aprendizagem, especialmente durante a alfabetização, e a relação entre os conteúdos escolares e o desenvolvimento de estruturas de pensamento (WEISS, 2007). Nessa abordagem, o foco da análise não deve ficar restrito ao aprendente somente, mas se estender aos grupos a que está relacionado e às instituições básicas nas quais vive e convive, como a família, a escola, o clube, a casa dos amigos, entre outros. Devem ser analisadas as relações grupais escolares e familiares e os conflitos da instituição escolar que o paciente frequenta, buscando-se aspectos como a oportunidade concreta de aprendizagem no plano social, escolar ou familiar, a condução do problema educacional, entre outras questões. Não se pode apenas diagnosticar aspectos isolados do aprendente, pois é necessário compreender a ideologia dominante nos diferentes grupos com que ele convive: a família, a escola, as instituições de abrigo de menores e as casas comunitárias, os quais se relacionam com os objetivos e as situações de aprendizagem e interferem nas construções cognitivas e afetivas (WEISS, 2007). 10 1.1 A avaliação da queixa no “tripé” família, escola e indivíduo A avaliação em Psicopedagogia Clínica envolve algumas etapas e a realização de procedimentos específicos para cada uma dessas etapas. Análise da queixa com a família Conversa realizada com os pais e/ou responsáveis pela criança/ aprendente, a fim de observar o motivo do encaminhamento e a dinâmica familiar diante da problemática do aluno. A avaliação psicopedagógica de crianças que apresentam dificuldades para aprender pressupõe avaliar o seu desenvolvimento cognitivo, as condições que o influenciam e sua interação na vida social, escolar e familiar. Os vínculos de confiança que se estabelecem entre o psicopedagogo, a família e a criança/indivíduo são essenciais, devendo o contato com a família ser cuidadosamente realizado para apresentar os relatos sobre a criança e os acontecimentos importantes na vida familiar. A esse vínculo damos o nome rapport (SIGNIFICADOS, 2017), um conceito do ramo da psicologia que significa uma técnica usada para criar uma ligação de sintonia e empatia com outra pessoa. A palavra tem origem no termo em francês rapporter, que significa “trazer de volta”, e ocorre quando existe uma sensação de que há sincronia entre as pessoas envolvidas em um relacionamento mais próximo, como o do paciente com o terapeuta. Ao realizarmos as entrevistas iniciais com os pais ou responsáveis e professor(es), buscamos subsídios para analisar o desenvolvimento da criança ou do adolescente na escola e na família. Assim, a seguir apresentamos um modelo de roteiro para ser seguido na análise da queixa na perspectiva da família. 11 Roteiro para a análise da queixa – família • O que tem acontecido com a criança para que seja necessário o atendimento de um psicopedagogo? É a primeira vez que a criança é encaminhada a um especialista devido a essa queixa (motivo do encaminhamento)? • Como é a história escolar da criança? Desde quando os problemas apresentados existem? (o mais detalhado possível). • Há problemas comportamentais associados ao problema de aprendizagem da criança? Quais são? Quais são a intensidade e a frequência? Ocorrem em outros lugares além da escola? • Como a família enfrenta as dificuldades de aprendizagem do filho? • Qual é a explicação que a família dá para os problemas apresentados pelo filho? • O que tem sido feito para auxiliar o filho em suas dificuldades, na escola, na sala de aula ou fora da escola? • Outras questões que julgar interessantes (sempre focadas no esclarecimento da queixa). É importante ressaltar que falar sobre os problemas de aprendizagem dos filhos pode trazer tensão e/ou constrangimento para os pais diante do avaliador. É comum que, em alguns casos, os pais ou outros membros da família discordem uns dos outros sobre a existência, a importância ou as razões para a existência da queixa. Caso isso aconteça, deve-se manter a calma, ou seja, resgatar o equilíbrio e pedir que os envolvidos se preocupem em ajudar a compreender a dificuldade da criança sem perder o equilíbrio emocional. Se isso não for suficiente, deve-se interromper a sessão, pontuar a existência de clima desfavorável e reagendar novo encontro. 12 Análise da queixa com o professor do indivíduo Conversa para obter os motivos do encaminhamento e investigar a dinâmica do processo de aprendizagem do aluno. A qualidade dos processos interativos entre adultos e outras crianças do convívio do aprendente, na sala de aula e em outras dependências da escola, é investigada pelo psicopedagogo a partir de uma entrevista com o professor. Na maioria das vezes, devido ao ritmo acelerado de trabalho docente, é mais viável que essa comunicação seja realizada via mensagens escritas trazidas pelos pais do aprendente, por e-mails ou por telefone. A entrevista com o professor possibilita conhecer o significado do que chamamos de “não aprendizagem” na visão desse ator educacional, além da maneira como ele vê a criança/aprendente, se tem a perspectiva de que as dificuldades sejam superadas, ou seja, se ele julga o caso desanimador, se a criança/aprendente está inserida na sala de aula ou se já a considera excluída, o tipo de relacionamento que estabelece com a criança e sua família, as estratégias que utiliza a fim de auxiliá- la a melhorar sua condição de aprendizagem, entre outros aspectos. Nesse sentido, o roteiro a seguir pode ser utilizado pelo avaliador para a análise da queixa por parte do professor da criança/aprendente. Roteiro para a elaboração de entrevista ou questionário para o professor • Qual(is) o(s) motivo(s) principal(is) para o encaminhamento do aluno a uma avaliação psicopedagógica? • Há problemas comportamentais associados ao problema de aprendizagem do aluno? • Há quanto tempo esses problemas se manifestam? • Faça uma retrospectiva da história escolar desse aluno, caso a conheça. 13 • Conhece a família do aluno? Como ela se caracteriza? • Como é o relacionamento da criança com a escola em geral? • Qual é a sua concepção explicativa sobre os problemas apresentados pelo aluno? • O que tem sido feito para auxiliar os alunos em dificuldades na escola ou em sala de aula? • Outras questões que julgar interessantes (sempre focadas no esclarecimento da queixa). Análise da queixa com o indivíduo Essa conversa visa escutar e analisar a queixa a partir da ótica do aprendente, estabelecendo um vínculo acolhedor e respeitoso e informando a ele sobre os objetivos dos encontros psicopedagógicos. Após ouvirmos a versão da família e da escola, temos que ouvir a criança para fecharmos o que se chama de “triangulação” do processo de coleta de dados qualitativos em pesquisa. Conhecer a perspectiva do aprendente, mesmo que seja uma criança, sobre os seus supostos problemas deaprendizagem é imprescindível, já que ele é o elemento mais importante de todo o processo de investigação clínica. Apesar de nem sempre conseguir expressar suas ideias e opiniões de forma verbal, deve-se estimulá-la a verbalizar o que pensa e sente sobre os motivos de estar na situação de avaliação. Roteiro para a elaboração de entrevista ou questionário – individuo (aluno) • Por que você acha que está vindo aqui conversar comigo? • Além de algumas dificuldades para aprender, você acha que tem algum outro problema na escola, como bagunça ou brigas? 14 • Faz tempo que tem tido esses problemas? • Conte um pouco sobre a escola, desde que você começou a ir lá. • Gosta da escola? O que mais gosta na escola e por quê? • O que você não gosta na escola? • Seus pais/ responsáveis conversam com você sobre os problemas que você tem na escola? O que eles dizem? • Por que você acha que esses problemas estão acontecendo? • Você já visitou outras pessoas para ajudar em suas dificuldades na escola ou fora da escola? O que achou dessas visitas? O que foi feito nessas visitas? • O que você faz fora da escola, nas suas horas de lazer? Fale um pouco das suas atividades em casa quando não está estudando. • Outras questões que julgar interessantes (sempre focadas no esclarecimento da queixa). 1.2 A anamnese e a análise do binômio aprendente- escola A importância da família é evidente no momento de aplicação da anamnese, que é definido como um roteiro que contém um conjunto de questões que permitem investigar a história de desenvolvimento do aprendente, da gestação aos dias atuais, especialmente se houve problemas eventuais durante o percurso de desenvolvimento intrauterino, no pré-natal, no parto, no desmame, no controle dos esfíncteres, na aquisição da linguagem, entre outros aspectos. A entrevista para a realização da anamnese possibilita a obtenção de dados sobre a história de vida da criança desde a gestação até os dias 15 atuais, iniciando a busca por hipóteses que serão confirmadas ou descartadas durante todo o processo diagnóstico. É necessário que o psicopedagogo obtenha, mediante a realização da anamnese, a maior quantidade de informações possíveis sobre a história de vida do aluno, não somente para subsidiar o processo de avaliação psicopedagógica, mas também para informar outros profissionais que porventura venham a atuar com o aluno, como psicólogo, fonoaudiólogo, neurologista, entre outros. Weiss (2007) considera a entrevista de anamnese como um dos pontos cruciais de um bom diagnóstico já que possibilita a integração das dimensões de passado, presente e futuro e permite perceber a construção das diferentes gerações familiares, ou seja, ela não se refere apenas ao aprendente, sendo uma anamnese da família. Nesse sentido, a autora apresenta um roteiro de anamnese, sendo muito importante que o psicopedagogo construa ou tenha em mãos o seu roteiro da anamnese. Para Weiss (2007), a visão da família sobre a história de vida do aprendente possibilita conhecer os preconceitos, as normas, as expectativas, a dinâmica dos afetos e do conhecimento e o peso das gerações anteriores depositado sobre o aprendente. Por exemplo: se entre os membros da família existem muitos casos de pessoas com sucesso na aprendizagem, o peso das dificuldades de aprendizagem naquele aprendente será muito maior do que em famílias em que essas dificuldades são mais comuns. A análise dos dados da anamnese auxilia no levantamento de hipóteses sobre as possíveis causas das dificuldades de aprendizagem. Por isso, é necessário que seja bem conduzida e registrada de forma completa. Outro aspecto importante é como e com quem fazer a entrevista de anamnese, que comumente é realizada com os pais, mas, na ausência destes, pode ser realizada com quem conhece melhor a história de vida do aprendente, como avós, tios ou irmãos mais velhos. Quando 16 os pais são separados, deve-se deixar a critério deles virem juntos ou separados, com ou sem seus novos companheiros. Já o contato com a escola pode ocorrer antes ou depois da entrevista de anamnese. Ele pode ser presencial, com a visita do psicopedagogo à escola, ou por mensagem escrita, usando os pais como intermediários, ao solicitar que o professor envie um relatório sobre a queixa e o desempenho escolar do aprendente. É interessante não direcionar muito sobre o conteúdo do relatório para a escola, de modo que possa ser percebido como se dá o engajamento desta sobre a queixa e o encaminhamento do aluno. É sempre recomendado que o psicopedagogo visite presencialmente a escola para poder compreender melhor a dinâmica escolar, estreitar o vínculo com o docente do aprendente e mostrar que o aprendente está sendo acompanhado por um especialista no processo de aprendizagem, despertando mais interesse do professor, aumentando a possibilidade de correção de algumas ações e mostrando ao aprendente que o psicopedagogo está envolvido com a sua situação. Isso poderá favorecer o rapport, aumentando a sensação de apoio e acolhimento e melhorando a sua autoestima. No entanto, essa visita precisa ser agendada e a família ou os responsáveis e o aprendente precisam ser notificados sobre a data e a hora. Os dados enviados ou coletados diretamente com o professor possibilitam conhecer o significado da “não aprendizagem” na visão desse profissional, como vê a criança/aprendente; se tem perspectiva de que suas dificuldades sejam superadas, ou seja, se julga seu caso desanimador; se o aprendente está inserido na sala de aula ou se o considera excluído; o tipo de relacionamento que estabelece com a criança e sua família; as estratégias que utiliza a fim de auxiliá-lo a melhorar sua condição de aprendizagem; entre outros aspectos. O fato de o professor não responder ou evitar manter contato com o psicopedagogo pode denunciar um desconforto ou uma fuga em 17 relação ao problema do aprendente. Muitas vezes o professor não quer se envolver no processo de avaliação por julgar que só o fato de ter encaminhado o caso para o psicopedagogo já é o suficiente. Nesses casos, deve-se tentar o contato com muita cautela e, se isso não for possível, registrar o acontecido para ser analisado posteriormente. Para Weiss (2007), na avaliação da relação entre o aprendente e a escola, ou seja, o binômio aluno-escola, no que diz respeito à avaliação diagnóstica clínica, devem ser questionados os seguintes aspectos: • Se a escola tem a mesma ideologia ou filosofia de educação que a família. • Se a escola solicita a participação dos pais nos trabalhos de casa, na realização de atividades diversas e no comparecimento a reuniões, bem como se os pais cumprem essas solicitações. • Como é a organização da escola em relação ao perfil do aluno; se o aluno se sente acolhido ou intimidado; se as salas de aula são superlotadas; se há espaço para atividades diversificadas, como playgrounds e quadras de esportes; e se há projetos para trabalhar com os alunos com problemas de aprendizagem. • Quais são a metodologia de ensino, os procedimentos de avaliação, os recursos e os materiais didáticos e as expectativas da escola e da família em relação à produção do aprendente. Weiss (2007) ainda adverte sobre o fato de que a avaliação pedagógica não deve se limitar ao conteúdo escolar, já que a conduta do aprendente deve ser vista sempre como uma expressão global, unindo o nível pedagógico ao funcionamento cognitivo e as emoções aos conteúdos e às ações escolares. É necessário saber como ele articula os conteúdos entre si, como aplica o conhecimento nas diferentes situações escolares e sociais e como se dá o processo de assimilação de novos conhecimentos. Também deve ser verificado o nível pedagógico para 18 avaliar a adequação à série que o aprendente cursa, pois a defasagem entre o desenvolvimento cognitivo do aprendente e as exigências escolares pode agravar ou criar mais dificuldades. Para Weiss (2007), se bem conduzido, o diagnósticopsicopedagógico clínico possibilita mudanças significativas na singularidade de cada um dos participantes, respeitando o que é do próprio aprendente, o que pertence à família, o que pertence à escola e o que pertence à sociedade naquele determinado momento. Para Gasparian (1997), pensar na escola, na família e no aluno à luz da Psicopedagogia significa analisar os processos, as estruturas e os contextos de cada um dos elementos que compõem o “tripé”, o que inclui as questões metodológicas, relacionais e socioculturais, englobando o ponto de vista de quem ensina, de quem aprende e de quem observa, bem como a participação de todos os envolvidos e da comunidade. Portanto, vemos como é importante conhecer as contribuições da família e da escola no processo de diagnóstico das dificuldades de aprendizagem e valorizar a sua participação. Após o esclarecimento sobre a(s) queixa(s) por parte dos familiares, do próprio aprendente e da escola (caso já haja algum tipo de encaminhamento por escrito), deve-se dar início ao planejamento dos rumos a serem seguidos no processo diagnóstico. Aqui é importante ressaltar que o processo de avaliação em Psicopedagogia Clínica difere do processo de avaliação comumente conhecido entre os educadores, na medida em que o psicopedagogo busca respostas para tentar entender as possíveis causas relacionadas à queixa ou ao conjunto de queixas que motivam o encaminhamento do aprendente para o trabalho psicopedagógico, indo além da tradicional avaliação de conteúdos e habilidades acadêmicas que ainda é predominante no sistema educacional. A avaliação diagnóstica é sempre um processo parcial, e, para se tornar mais completa, é necessária uma visão interdisciplinar do fenômeno que se apresenta. 19 O diagnóstico é um processo de investigação em que o profissional age como um “detetive” para investigar o processo de aprendizagem a partir da totalidade dos fatores envolvidos, buscando o conhecimento de outras áreas, mas atuando de acordo com limites definidos. Esse processo de investigação implica que o profissional saia da posição de espectador para a de um terapeuta que interage com o indivíduo desde o início do processo. Podem ocorrer mudanças no quadro do indivíduo no próprio decorrer do processo de avaliação diagnóstica, especialmente em relação à visão de si como um fracasso para a visão de sua potencialidade para aprender. A avaliação deve ser constante, estar presente em todos os momentos, inclusive durante a intervenção para a reabilitação da aprendizagem. Ademais, deve incluir todos os dados obtidos na análise do indivíduo, além de dificuldades, dúvidas e inquietações do próprio psicopedagogo ao longo do processo. O diagnóstico psicopedagógico clínico deve ocorrer em um espaço apropriado, com recursos e materiais específicos e previamente selecionados. É fundamental que o psicopedagogo assegure aos envolvidos no processo de avaliação o sigilo e a confidencialidade dos dados, que são de sua responsabilidade e de seu comprometimento, de acordo com o código de ética da Psicopedagogia. Referências BOSSA, Nádia. A Psicopedagogia no Brasil: contribuições a partir da prática. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2000. FAGALI, Eloisa Quadros; VALE, Zélia Del Rio do. Psicopedagogia institucional aplicada: a aprendizagem escolar dinâmica e construção na sala de aula. 6. ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2001. GASPARIAN, Maria Cecília Castro. Psicopedagogia institucional sistêmica: contribuição do modelo relacional sistêmico para a psicopedagogia institucional. São Paulo: Lemos Editorial, 1997. 20 SIGNIFICADOS. O que é rapport? 2017. Disponível em https://www.significados. com.br/rapport/ Acesso em: 11 abr. 2021. WEISS, Maria Lúcia Lemme. Psicopedagogia Clínica: uma visão diagnóstica dos problemas de aprendizagem escolar. 12. ed. Rio de Janeiro: Lamparina, 2007. https://www.significados.com.br/rapport/ https://www.significados.com.br/rapport/ 21 Técnicas projetivas, linguagem e uso de jogos Autoria: Juliana Zantut Nutti Leitura crítica: Neide Rodriguez Barea Objetivos • Analisar as características da avaliação diagnóstica clínica, o conceito de sintoma e os eixos de análise horizontal (a-histórico) e vertical (histórico). • Apresentar o conceito de prova ou técnica projetiva por meio das provas Par Educativo e Família Educativa, elaboradas por Visca. • Compreender como se dá a análise da linguagem e da compreensão de texto a partir da análise do material escolar e da escrita e da leitura de textos. • Discutir a importância dos jogos, por meio da apresentação de uma situação-problema, para a avaliação psicopedagógica com aprendentes com dificuldades de aprendizagem. 22 1. Técnicas projetivas, linguagem e uso de jogos O diagnóstico psicopedagógico é uma prática que requer o uso de procedimentos específicos, de acordo com a postura teórica adotada, com o aprendente, com sua história de vida e com as queixas ou os motivos de encaminhamento. O processo tem início quando a família e/ou os responsáveis fazem o primeiro contato ou a primeira consulta e é desenvolvido em algumas sessões (em torno de oito), tendo cada uma um objetivo diferente para a coleta de dados sobre a dificuldade de aprendizagem. Neste Tema, vamos conhecer as técnicas diagnósticas projetivas, as relacionadas à linguagem e o uso de jogos no processo de diagnóstico O diagnóstico deve ser visto como uma “pesquisa-ação” que possibilita ao psicopedagogo levantar hipóteses provisórias que vão sendo confirmadas ou não ao longo do processo, restando, ao final, as hipóteses de trabalho que podem ser aplicadas para novos casos clínicos (WEISS, 2007). Na avaliação diagnóstica, o que é percebido pelo próprio aprendente ou pelos outros (pais e professores) é chamado de sintoma. Para Weiss (2007), o sintoma mostra algo como é e, com ele, o aprendente “diz alguma coisa aos outros” sobre si mesmo, ou seja, é uma forma de comunicação. O sintoma é, portanto, o que emerge da personalidade em interação com o sistema social em que está inserido o aprendente. Tal fato evidencia que há um certo tipo de desvio em relação a determinados parâmetros existentes no meio, os quais são representados por suas exigências (WEISS, 2007). 23 Quadro 1 – Queixas e sintomas e as origens das dificuldades de aprendizagem Queixa/Sintomas Reflexão sobre as origens das dificuldades de aprendizagem O aprendente não fixa nada na cabeça Há um problema com as funções da memória? É muito lento para fazer as coisas Tem dificuldade com aspectos temporais? É comportamental, é da idade ou pode ter causas emocionais? Vai bem em tudo, menos em matemática Discalculia? Vai muito bem em tudo, só não gosta de ciências A resistência se dá por fatores emocionais? Há problemas de “ensinagem”? Há algum bloqueio na relação professor-aluno? Faz trocas de letras, não termina a escrita da palavra, lê de forma hesitante e fragmentada Dislexia? Não para quieto, interrompe o professor toda hora, tem o caderno destruído, não conclui as tarefas TDAH? Fonte: elaborado pela autora. 24 Após o esclarecimento sobre a dimensão do desvio de aprendizagem, inicia-se o planejamento do processo de diagnóstico psicopedagógico, que possui dois grandes eixos de análise: 1. Análise horizontal (a-histórico): diz respeito à visão do presente, isto é, do “aqui e agora”. 2. Análise vertical (histórico): é a visão do passado, referente à construção do desenvolvimento do aprendente. Nas análises do eixo horizontal, devem ser exploradas as causas atuais que podem estar relacionadas ao sintoma. É quando se realiza a contextualização do caso por meio das entrevistas com a família, com a equipe da escola, com outros profissionais e com o aprendente; de provas e testes diversos; de análises da produção do material escolar; e de avaliações, desenhos e produção de textos. Já no eixo vertical, as análises são históricas, ou seja, é quando se busca saber como se deuo desenvolvimento global do indivíduo, contextualizado em diferentes momentos, como na gestação, nos marcos de desenvolvimento e nos primeiros anos de escolaridade. Para isso, deve-se utilizar o roteiro de anamnese realizado com os pais, de preferência, ou com o responsável pelo aprendente que conhece sua história de vida. Pode-se ainda recorrer à escola, a outros profissionais e à análise de documentos, como laudos e relatórios escolares. Uma informação importante: a obtenção dos dados dos dois grandes eixos não pode seguir apenas as regras prefixadas, pois cada aprendente apresenta um caminho de desenvolvimento individual, o qual deve ser respeitado pelo psicopedagogo. Os instrumentos de avaliação fornecem os subsídios para a análise do passado, do presente e das expectativas futuras sobre o caso (prognóstico), sendo essencial a utilização dos instrumentos de forma a coletar o máximo de informações articuladas nos campos cognitivo, afetivo, social e pedagógico do indivíduo em avaliação. A qualidade do diagnóstico 25 dependerá da relação estabelecida entre o psicopedagogo e o aprendente: quanto mais empatia, confiança, respeito e engajamento, melhores são o processo diagnóstico e as intervenções posteriores. 1.1 As técnicas projetivas no diagnóstico psicopedagógico Sobre as provas ou técnicas projetivas, Visca (2018) afirma que são técnicas que permitem avaliar a afetividade, usando conhecimentos provenientes da Psicologia. Quando o objetivo do psicopedagogo é analisar os fatores emocionais que condicionam a aprendizagem, as provas projetivas podem ser utilizadas por serem capazes de indicar os vínculos que o aprendente estabelece com a escola, a família e consigo mesmo. As sessões de aplicação das provas projetivas podem ser registradas por escrito ou gravadas (com autorização dos pais e do aprendente), com o objetivo de tornar mais acurada a análise das explicações realizadas. Em seguida, a análise das produções é feita por dois âmbitos: • Função semiótica: são as elaborações que o aprendente relata em relação ao processo de ensino-aprendizagem. • Cognição-afetividade: no relato escrito, são observados os erros gramaticais e a capacidade de transpor a cena de um relato oral para uma passagem escrita. Segundo Nogueira e Leal (2014), o desenho solicitado nas provas projetivas é analisado: • Em relação ao grafismo: ou seja, traços, tamanho dos sujeitos em relação aos demais, a posição em que se coloca na folha, os detalhes e os objetos incluídos no desenho. 26 • Em relação aos vínculos com o conhecimento e com aquele que lhe ensina: verificar como o aprendente se projeta em situações de aprendizagem e como são os afetos e pensamentos elaborados em relação a essas situações. • Em relação aos vínculos afetivos que possui com a família, a sua maturidade cognitiva e os aspectos motores, econômicos e socioculturais que aparecem nas produções gráficas. As provas projetivas podem ser divididas em: provas de vínculos escolares, provas de vínculos familiares e provas de vínculos consigo mesmo. A seguir, iremos descrever a aplicação de dois tipos de provas projetivas, a prova de vínculo escolar do Par Educativo e a prova de vínculo familiar da Família Educativa, de acordo com Visca (2018). O Desenho do Par Educativo foi criado por Malvina Oris e Maria Luisa S. de Ocampo, na Argentina, e se trata de uma técnica projetiva que tem como objetivo detectar a relação entre quem ensina e quem aprende. Ele pode ser utilizado em qualquer circunstância que envolva duas ou mais pessoas em situação de aprendizagem, em contextos diversos, como a escola, a família e os colegas. MATERIAL: papel, lápis, apontador, régua e borracha. OBJETIVO: investigar os vínculos de aprendizagem do aprendente com aqueles que ensinam e com os objetos escolares. DESENVOLVIMENTO: solicitar ao aprendente que desenhe duas pessoas, uma que ensina e uma que aprende. Após o término do desenho, pedir que explique quem são essas pessoas que desenhou e suas idades e o que está acontecendo no desenho e que dê um título a ele. Se o aprendente souber escrever, solicitar que escreva uma história sobre a cena no verso da folha desenhada. Realizar perguntas sobre o contexto, se julgar necessário. 27 AVALIAÇÃO: O tamanho do desenho está vinculado à importância que o aprendente dá à sua aprendizagem; assim, desenhos muito grandes ou muito pequenos podem indicar um vínculo negativo com o processo de ensino- aprendizagem. Os tamanhos bem dimensionados indicam uma relação equilibrada, em que o positivo e o negativo estão bem integrados. Em relação aos personagens e aos objetos escolares desenhados, se o tamanho é muito pequeno, o vínculo não é importante; se é médio, o vínculo é relativamente importante; e, se é grande, o vínculo é muito importante. Se a proporção entre os tamanhos está adequada ou se a pessoa que ensina é muito maior do que a pessoa que aprende, pode indicar a supervalorização desta em relação ao aprendente ou a possibilidade deste se sentir perseguido. Se a pessoa que aprende for muito maior do que a pessoa que ensina, pode significar a desvalorização do aprendente e uma negação das suas dificuldades de aprendizagem. O mesmo procedimento se dá em relação à análise dos objetos. Sobre a posição dos personagens, ou seja, avaliação do desenho a partir da observação sobre quem ensina e quem aprende: se estão frente a frente, indica um vínculo positivo (de igual para igual); se estão lado a lado, indica um vínculo regular da aprendizagem; se ambos estão de costas um para o outro, indica uma relação negativa na aprendizagem; e, se quem aprende está de costas para quem ensina, indica um possível sentimento de rejeição pelo professor. Sobre o título do desenho, este resume em poucas palavras as características do vínculo com o processo de ensino-aprendizagem. Dessa forma, o psicopedagogo deve verificar se o título é coerente com o desenho, pois, se for dissociado do contexto do desenho, é indicativo de um vínculo negativo. A fala do aprendente sobre o seu desenho traz complemento às produções gráficas e o psicopedagogo deve analisar 28 se essa fala demonstra características do vínculo com o processo de ensino-aprendizagem, se há uma relação do relato com o título dado ao desenho ou se são incoerentes. Figura 1 – Exemplo de desenho de Par Educativo K., 9 anos e 11meses. “Estudando matemática” Fonte: Tietze e Castanho (2016). A Família Educativa é uma variação da prova Par Educativo para a investigação dos vínculos familiares com a aprendizagem. MATERIAL: papel, lápis, apontador, régua e borracha. OBJETIVOS: analisar o vínculo da aprendizagem com o grupo familiar e cada um de seus integrantes e como a criança se posiciona espacial e afetivamente no contexto projetado; analisar o tipo de vínculo existente no grupo familiar e como se este está sendo ou não transferido para 29 as situações de ensino-aprendizagem, articulando-se às causas da não aprendizagem. DESENVOLVIMENTO: solicitar ao aprendente que desenhe a sua família, com cada um de seus integrantes fazendo o que sabe fazer. Após o término do desenho, solicitar que escreva ou indique o nome das pessoas que desenhou, seus sexos e idades. Solicitar um título ao desenho e que descreva o que está acontecendo. Se o aprendente souber escrever, solicitar que escreva uma história sobre a cena no verso da folha. Realizar perguntas, se julgar necessário. AVALIAÇÃO: Os detalhes do desenho revelam a atividade de cada familiar de maneiras diferentes, dependendo da idade do aprendente. As crianças de 7 a 12 anos, geralmente representam nos desenhos o que os membros da família fazem em casa, enquanto as de 12 anos em diante, nas atividades profissionais. A idade e o sexo dos membros da família podem indicar as diferenças entre as atividades de cada um, como o grau de autonomia e a rigidez em relação aos papéis sexuais, a aprendizagem doméstica direcionada aos membrosfemininos do grupo, a iniciativa de cada pessoa no grupo; além disso, podem demonstrar a forma como a família encara a aprendizagem, se é de forma rígida ou criativa. O título do desenho pode resumir as características do vínculo com os membros da família. O psicopedagogo deve observar se o título é coerente com o desenho realizado, sendo indicado um vínculo negativo se estiver dissociado do conteúdo apresentado. A fala do aprendente sobre o desenho demonstra o grau de compreensão maior ou menor das atividades realizadas pelos membros da família: quanto maior a compreensão, melhor o vínculo com o processo de aprendizagem formal e informal. Devem ser observadas as 30 contradições e incoerências entre a grafia e a fala, pois isso pode revelar conflitos na questão da aprendizagem e do ambiente familiar. Pode-se verificar que, nas duas provas projetivas apresentadas, é necessário que o sujeito compreenda o que é esperado que ele faça nas provas e tenha motivação para realizar a atividade. Além das provas apresentadas, existem outras técnicas projetivas, sendo muito importante que o psicopedagogo se aproprie delas e se atualize permanentemente. 1.2 Análise da linguagem: a leitura e a escrita A aprendizagem da leitura e da escrita são requisitos básicos para a sobrevivência em nossa sociedade, em que a realização de atividades simples como as do cotidiano (ex.: pegar ônibus, ler bulas de medicamentos e preencher cadastros na internet) exige a capacidade de ler e escrever. Inclusive, a queixa mais frequente para o diagnóstico psicopedagógico clínico de crianças e adolescentes com dificuldades de aprendizagem é de leitura e escrita. A avaliação dessas queixas deve seguir os procedimentos gerais para todos os casos, mas com uma investigação cuidadosa em relação a essas dificuldades e à compreensão e à interpretação de textos, pois essas dificuldades podem ter uma explicação mais social do que escolar (NOGUEIRA; LEAL, 2014). O primeiro passo para a análise da linguagem, leitura e escrita é a análise da história de vida do aprendente, em que são verificadas as condições de desenvolvimento e aprendizagem anteriores à escola. Em seguida, devem ser analisadas as questões escolares com a checagem do material escolar, analisando-se os cadernos escolares para compreender o desenvolvimento diário do aprendente na escola. 31 Segundo Chamat (2004): Por meio do exame do caderno podemos processar uma análise dos aspectos gerais e específicos vinculados à estruturação, identidade e à aprendizagem do sujeito. O caderno nos permite observar a identificação do sujeito com seu instrumento de trabalho, a relação vincular do sujeito com o instrumento de conhecimento. (CHAMAT, 2004, p. 227) A autora sugere que sejam analisados, no mínimo, dois cadernos, um de lições de casa e o usado em sala de aula. Além disso, é importante analisar um caderno do início do ano letivo anterior e um do início do ano atual, para fazer uma comparação entre todos a fim de compreender os avanços nas estruturas cognitivas do aprendente. Ademais, deve-se observar se o aprendente escreve na linha, se pula linhas, se invade as margens, como é a preensão do lápis no papel, se tem noção de lateralidade, se usa excessivamente a borracha e como são a limpeza e os cuidados gerais que têm com o caderno. Ainda, é importante verificar o grafismo, como o tamanho, a oscilação, a coordenação motora, tremores, tipos de traçados e escrita em espelho; e a ortografia, como trocas, omissões, aglutinações, escrita e fonética (CHAMAT, 2004). Após a análise do material escolar, em especial, do caderno, podem ser realizados procedimentos como a leitura de um gibi ou de livros de histórias adequados à idade do aprendente e aplicação de provas projetivas que investiguem domínio da leitura, escrita, compreensão e interpretação de textos. Pede-se que o aprendente escreva uma história e, em seguida, faça a leitura para o psicopedagogo. As provas projetivas são um recurso diagnóstico eficiente para a análise da leitura e da escrita, se o aprendente já for alfabetizado. 32 Para a análise da leitura com crianças, Weiss (2007) também recomenda utilizar material com significado completo, como coleções de livros de histórias atraentes; já para adolescentes, indica o uso de crônicas e reportagens de revistas. A autora acrescenta ainda que, ao final da leitura, deve-se verificar se o aprendente compreendeu o sentido global do texto e se é capaz de sintetizá-lo. Também, deve-se verificar se o aprendente consegue recontar ou reescrever o texto com sequência temporal, contínua com seu texto; se estabelece relações de causa e efeito; se inclui os acontecimentos menores e parciais em classes maiores; e se verifica as relações afetivas do texto e dos personagens entre si (WEISS, 2007). Weiss (2007) orienta que o psicopedagogo deve avaliar a escrita de forma diferente de uma prova formal de Língua Portuguesa. Assim, não deve focar em seus aspectos específicos, mas em seus aspectos mais globais, os quais irão auxiliar na compreensão da queixa que foi apresentada inicialmente. Devem ser analisados a noção que o aprendente apresenta sobre a realidade e a fantasia; a coerência interna entre significado, fluência e criatividade, temática e estrutura de texto em relação aos dados obtidos no diagnóstico; e se aparecem referências a conceitos de dificuldade, medo, fracasso, erro, sucesso, vitória e persistência, que também pode estar presentes em outras produções, como nos desenhos. Por fim, depois que as hipóteses são levantas pelo psicopedagogo, recomenda-se a visita à escola para conversar sobre o aprendente e sobre seu processo de ensino-aprendizagem com o(s) docente(s) e/ou com o(s) coordenador(es), a fim de obter mais dados que irão confirmar ou refutar hipóteses levantadas sobre as causas das dificuldades. A análise da escola como um todo é um ponto importantíssimo, ou seja, o profissional deve verificar como a instituição funciona; qual a linha didático-pedagógica seguida; qual a metodologia adotada pelos professores; como são as rotinas; como o processo de ensino- 33 aprendizagem é abordado pela instituição; e qual a visão dela sobre o aprendente e sobre a avaliação psicopedagógica. 1.3 O uso de jogos no diagnóstico psicopedagógico clínico A importância dos jogos no processo de aprendizagem já é conhecida há muito tempo, assim como a eficácia desses recursos lúdicos nas avaliações e intervenções psicopedagógicas, especialmente no trabalho com as dificuldades de aprendizagem. Nesse sentido, o psicopedagogo deve ter consciência desses aspectos e conhecer as fases que caracterizam a evolução cognitiva e afetiva em relação ao brincar a fim de elaborar as intervenções adequadas ao seu processo de avaliação psicopedagógica. Ao se propor uma atividade com jogos, é preciso deixar claro que essa ferramenta é um meio para se adquirir uma compreensão significativa sobre o processo de aprendizagem, pois proporciona a possibilidade de se refletir sobre as ações que o aprendente toma diante dos desafios que o jogo traz e desenvolve habilidades para entender as estratégias usadas pelo adversário ao se colocar no lugar do outro. Assim, de acordo com Macedo, Petty e Passos (2000), para que uma atividade seja considerada lúdica, deve ter cinco qualidades: a) proporcionar prazer funcional; b) ser desafiadora; c) criar possibilidades de ação; d) ter um caráter simbólico; e e) ser expressa de modo construtivo ou relacional. O psicopedagogo clínico poderá se fundamentar em atendimentos que envolvam jogos, atividades de expressão artística, linguagem oral e escrita, dramatização e todo tipo de recurso que facilite o desenvolvimento da capacidade de aprender, levando em consideração as capacidades físicas, sociais e emocionais do aprendente. O uso dos jogos é considerado como uma atividade importante a ser empregada na educação de crianças, tanto em contextos escolares como emsituações psicopedagógicas. Nos contextos psicopedagógicos, os jogos 34 permitem investigar, diagnosticar e remediar as dificuldades, sejam elas de ordem afetiva, cognitiva ou psicomotora. Piaget (1975) definiu três tipos de estruturas para caracterizar o jogo como instrumento para a aprendizagem, visto que o nascimento deste se dá nas fases iniciais do desenvolvimento, e os classificou como jogos de exercícios, simbólicos e de regras. Vamos nos ater aos jogos de regras, que estabelecem interações sociais, sendo o uso da regra uma imposição do grupo e a sua violação resulta em uma falta do participante do jogo. Esse jogo contém elementos de outros tipos de jogos, como os de exercício sensório-motor (ex.: o jogo de bolinhas de gude), ou de imaginação simbólica (ex.: brincadeiras de adivinhação ou de charadas), nos quais as regras resultam na organização coletiva das atividades lúdicas. Os jogos de regra são situações-problema que levam os jogadores a terem que encontrar meios que os possibilitem chegar a resultados favoráveis. Psicopedagogos os têm utilizado como uma maneira de conhecer a realidade do aprendente em avaliação e observar o modo como ele manifesta a sua criatividade, orientando o diagnóstico das dificuldades de aprendizagem. O uso dos jogos permite a aproximação com o mundo cognitivo do aprendente, por meio da análise dos procedimentos que são construídos durante o jogo e influenciam a estruturação cognitiva ao favorecerem a construção de raciocínio no processo de intervenção dos aprendentes com dificuldades de aprendizagem. É necessário conhecer as diversas técnicas diagnósticas, pois a construção do processo avaliativo da dificuldade de aprendizagem é feita pelo profissional de forma personalizada, isto é, ele seleciona as melhores técnicas para poder realizar um diagnóstico mais preciso. Neste Tema, abordamos algumas técnicas projetivas, as possibilidades de avaliação da linguagem oral e escrita e da leitura, bem como a 35 dimensão pedagógica. Também apresentamos como o jogo de regras funciona como ferramenta diagnóstica. Referências CHAMAT, Leila S. J. Técnicas de diagnóstico psicopedagógico. São Paulo: Vetor, 2004. MACEDO, Lino; PETTY, Ana Lúcia Sicoli; PASSOS, Norimar Christe. Aprender com jogos e situações problema. Porto Alegre: Artmed, 2000. NOGUEIRA, Makeliny Oliveira Gomes; LEAL, Daniela. Psicopedagogia Clínica: caminhos teóricos e práticos. São Paulo: Intersaberes, 2014. PIAGET, Jean. A Formação do Símbolo na Criança: imitação, jogo e sonho, imagem e representação. Rio de Janeiro: Zahar, 1975. TIETZE, Francisca; CASTANHO, Marisa Irene Siqueira. Educação Integral: significações por alunos de ensino fundamental pelo par educativo. Revista Psicopedagogia, ed. 100, v. 33, 2016. Disponível em http://www.revistapsicopedagogia.com.br/ detalhes/12/educacao-integral—significacoes-por-alunos-de-ensino-fundamental- pelo-par-educativo. Acesso em: 19 abr. 2021. VISCA, Jorge. Técnicas projetivas psicopedagógica e pautas gráficas para sua interpretação. 6. ed., Buenos Ayres: Visca & Visca Editores, 2018. WEISS, Maria Lúcia Lemme. Psicopedagogia Clínica: uma visão diagnóstica dos problemas de aprendizagem escolar. 12. ed. Rio de Janeiro: Lamparina, 2007. http://www.revistapsicopedagogia.com.br/detalhes/12/educacao-integral-significacoes-por-alunos-de-en http://www.revistapsicopedagogia.com.br/detalhes/12/educacao-integral-significacoes-por-alunos-de-en http://www.revistapsicopedagogia.com.br/detalhes/12/educacao-integral-significacoes-por-alunos-de-en 36 Avaliação do raciocínio lógico-matemático e da psicomotricidade Autoria: Juliana Zantut Nutti Leitura crítica: Neide Rodriguez Barea Objetivos • Discutir a importância do uso do Método Clínico proposto por Piaget por de um ”diálogo” contra- argumentativo entre a criança e o psicopedagogo. • Conhecer as provas operatórias para a avaliação do desenvolvimento cognitivo e do raciocínio lógico- matemático no diagnóstico das dificuldades de aprendizagem. • Verificar as estratégias de avaliação dos conteúdos relacionados à matemática por meio de atividades e jogos que envolvam contagem e cálculos em geral. • Analisar as possibilidades de avaliação da psicomotricidade a partir de baterias e escalas de desenvolvimento psicomotor. 37 1. Avaliação do raciocínio lógico-matemático e da psicomotricidade Antes de iniciarmos a abordagem sobre as técnicas de avaliação do raciocínio lógico-matemático por meio das provas operatórias piagetianas, precisamos introduzir o conceito de “método clínico”, utilizado por Piaget em suas pesquisas sobre o desenvolvimento da inteligência. O Método Clínico foi elaborado por Piaget para resolver as hipóteses epistemológicas de suas pesquisas genéticas, por tratar-se de um procedimento que possibilita intervir diretamente em uma situação experimental. Piaget buscava métodos que permitissem colocar em evidência os processos complementares de assimilação e acomodação em diferentes níveis do desenvolvimento infantil, situação essa que não era explicada pelos métodos da observação direta nem pelos testes. Dessa forma, trata-se da criação de um “diálogo” na situação experimental, a parti do qual a criança tem que decidir a sua resposta em função da contra- argumentação do experimentador, desenvolvido por meio de perguntas e respostas em forma de conversação e de observação direta. Porém, ultrapassa a observação pura, já que há uma interação entre os envolvidos, ou seja, o experimentador participa ao vivo da experiência do sujeito, a fim de estabelecer um diálogo constante entre ambos. O Método Clínico consiste em investigar o pensamento de uma criança para compreender as suas ações, reações e verbalizações sobre fatos e conceitos. Ele se caracteriza, por um lado, pela possibilidade de a criança expressar-se espontaneamente e de elaborar ou construir formas de pensar próprias; e, por outro, pelo esforço do experimentador em empregar a linguagem da criança e em compreender o seu ponto de vista, mas sem deformá-lo. 38 Na elaboração de uma investigação clínica, as questões feitas às crianças devem ter o mesmo formato das perguntas espontâneas formuladas pelas crianças da mesma idade ou até mais jovens sobre um determinado assunto. Esse cuidado permite afastar o perigo de sugerir uma ideia, uma resposta, pela própria formulação da pergunta. Entretanto, é preciso completar o trabalho com a exploração crítica, tanto pela dificuldade de observar um número muito grande de crianças nas mesmas condições, como pela dificuldade imposta pelo egocentrismo inicial da criança. Devido a esse egocentrismo, ela não procura comunicar todo o seu pensamento, e, por esta razão, o pesquisador constrói um diálogo que permite a exploração das hipóteses lógicas das crianças acerca do assunto que está em observação. Entre os seus amigos, a criança conversa sobre a situação do “aqui e agora” ou fala sobre as brincadeiras ou sobre o que ocorre na natureza. Já com os adultos, ela tende a fazer muitas perguntas e, às vezes, não se explica ou por achar as suas explicações muito naturais e acredita que todos já as conhecem, ou por medo de errar e de se frustrar. Somente com o auxílio de perguntas, apoiadas na atividade desenvolvida pela criança sobre o material e nas suas verbalizações anteriores, com o auxílio de contraprovas e contra-argumentações, colocadas pelo experimentador, é possível procurar essa distinção extremamente necessária para conhecer suas ideias sobre os objetos, o meio e o mundo. Há, assim, a necessidade de interrogar a criança sobre os pontos em que a observação pura não permite a distinção entre a crença e a fantasia ou a resposta sugerida, bem como detectar os erros sistemáticos a que eles conduzem. 39 1.1 As provas operatórias e o desenvolvimento das estruturas cognitivas e das operações lógico- matemáticas Para avaliar o desenvolvimento cognitivo e do raciocínio lógico- matemático no diagnóstico dasdificuldades de aprendizagem, a instrumentação clássica é a aplicação das chamadas provas operatórias ou, simplesmente, provas piagetianas, as quais permitem analisar o nível de estruturação cognitiva global do indivíduo. No entanto, para a utilização dessas provas, o psicopedagogo precisa estar muito bem familiarizado com cada uma delas, pois é necessário conhecer, praticar as avaliações a partir do Método Clínico piagetiano e conhecer os procedimentos de argumentação e contra-argumentação que são usados para provocar os desequilíbrios que estimulam as estruturas cognitivas. A avaliação realizada por um psicopedagogo pouco familiarizado com as questões da estruturação cognitiva pode levar a informações parciais e incompletas sobre o que realmente está ocorrendo com o aprendente. O manejo das provas operatórias é fundamental para que o profissional articule a aplicação e a análise destas aos estágios do desenvolvimento. Segundo Visca (2008), as provas piagetianas são fundamentais para o desenvolvimento do trabalho psicopedagógico clínico, porque estabelecem as regularidades entre os níveis cognitivos, a aprendizagem e as diferenças entre as funções psicológicas e a aprendizagem. Ainda segundo o mesmo autor, os obstáculos epistêmicos (aqueles relacionados à construção do conhecimento) e os funcionais (os relacionados aos problemas no uso das funções psicológicas) só podem ser estudados mediante a utilização das provas piagetianas; portanto, elas têm um peso imenso no diagnóstico e na intervenção psicopedagógica, visto que fundamentam toda a avaliação. 40 O material utilizado para a realização das provas se chama “caixa piagetiana” e é composto por: • Dezesseis fichas acrílicas, sendo oito de cada cor, para a prova da conservação das quantidades discretas. • Oito copos acrílicos para a prova da conservação do líquido. • Flores de tecido ou de plástico, sendo cinco rosas e três girassóis para a prova da inclusão de classes – flores. • Frutas plásticas, sendo cinco maçãs e duas bananas, ou outras frutas comuns, para a prova da inclusão de classes – frutas. • Uma caixa de massa de modelar para a prova da conservação da massa. • Uma prancha com dez bastonetes presos e dez bastonetes soltos para a prova da seriação. A caixa piagetiana possui várias configurações, e esta é uma delas. Já em outras configurações pode apresentar uma balança com duas correntes, entre outros materiais específicos das chamadas provas piagetianas. 41 Figura 1 – Material da Caixa Piagetiana Fonte: acervo da autora. As provas piagetianas são divididas em: provas de classificação, conservação e seriação, sendo seu objetivo, de modo geral, obter dados acerca do funcionamento e do desenvolvimento das funções lógicas da criança. As provas de classificação têm como objetivo avaliar a capacidade de classificar objetos e se dividem em prova de inclusão de classes e de interseção de classes. Já as provas de conservação se dividem em: • Conservação de quantidades. • Conservação de quantidades de líquido. • Conservação da quantidade de massa. • Conservação de peso. • Conversação de volume. 42 • Conversação de comprimento. Figura 2 – Prova de conservação de quantidades com fichas Fonte: acervo da autora. Na aplicação da prova de conservação de quantidade, são feitas configurações das fichas em, pelo menos, dois formatos diferentes para que o psicopedagogo realize a contra-argumentação. Após a mudança das configurações, o aprendente deve verificar se há a conservação da quantidade novamente. Por sua vez, as provas de seriação são realizadas para verificar a capacidade de seriação de elementos com dimensões diferentes. Para cada prova, existe um roteiro de argumentação e de contra- argumentação, que pode ser encontrado em Visca (2008). Recomenda- se a aplicação das provas operatórias na avaliação de aprendentes a partir de 6 anos e até em torno de 12 a 13 anos, pois, após essa idade, já ingressam na etapa operatória-formal de desenvolvimento cognitivo, o que exige o uso de outros tipos de estratégias de avaliação de raciocínio lógico-matemático, como testes de lógica dedutiva e indutiva. 43 1.2 Avaliação do raciocínio lógico-matemático: outras estratégias Muitos dos sujeitos encaminhados para a avaliação diagnóstica de dificuldades de aprendizagem apresentam queixas de problemas específicos com a matemática. Nesse sentido, a avaliação dos conteúdos relacionados à matemática pode ser realizada em atividades semelhantes às usadas na escola e com jogos que envolvam contagem e cálculos em geral, como pega-varetas e dominó. A seguir, apresentamos a Prova da Noção de Soma, que pode ser usada com os sujeitos nas sessões de avaliação com base em Sastre e Moreno (1992, apud BRENELLI, 2016). A prova organizada por esses autores tem como objetivo verificar se o aprendente estabelece relações entre as ações materiais de reunir objetos e a operação de soma, comumente solicitada nos exercícios gráficos que são propostos na escola, e se tem capacidade de definir esse conceito de soma de forma adequada: • São colocados sobre uma mesa minibrinquedos e/ou objetos de plásticos, como carros, aviões, bolas de gude, casinhas e bonecos, de forma aleatória, e se pede para que a criança explore esses objetos. Pode-se perguntar para ela de qual objeto ela gosta mais, qual ela tem em casa, qual é mais bonito. Após essa conversação, pede-se para que ela preste atenção no que será feito em seguida pelo psicopedagogo, porque será pedido que ela explique depois o que foi realizado. • O profissional deve pegar, então, três objetos iguais e entregá- los à criança e, depois, mais dois objetos iguais. Em seguida, deve perguntar ao aprendente: “O que eu fiz?”. • Repete-se a mesma atividade quantas vezes forem necessárias, alterando o objeto e a quantidade, até que a criança enuncie as duas ações executadas pelo psicopedagogo e o número de objetos 44 que recebeu. Por exemplo: “Primeiro, você me deu três carros e, depois, mais dois carros”. • Convida-se a criança a pensar sobre o que acabou de acontecer, se essa situação se parece com as atividades que ela realiza na escola. Se a criança responde que sim, pergunta-se a ela com que atividade parece; se diz que não, pede-se que ela pense até que esteja completamente segura de sua resposta. Weiss (2007) orienta que, para avaliar o nível operatório da estrutura de pensamento concreto ou abstrato dos cálculos matemáticos, podem ser elaborados desafios lúdicos e/ou problemas mais formais, retirados de livros didáticos e, preferencialmente, de situações reais ou a partir de folhetos de propagandas de supermercados ou recortes de jornais e revistas com enunciados claros. 2. Avaliação da psicomotricidade: as baterias e as escalas de desenvolvimento psicomotor A psicomotricidade, de acordo com Galvani (2002), é considerada uma ciência ampla que engloba a tripolaridade do homem: o intelectual (os aspectos cognitivos), o emocional (os aspectos afetivos) e o motor (os aspectos orgânicos). A autora afirma que, biologicamente, o homem busca o equilíbrio, e por meio da psicomotricidade que consegue equilibrar suas ações, seus movimentos e suas emoções. Ainda, para a autora: [...] o indivíduo só terá condições de ativar seus potenciais psíquicos na realização das atividades psicofuncionais, se for trabalhado corporalmente nos seguintes aspectos: esquema e imagem corporal; equilibração; coordenação; lateralização; tonicidade. (GALVANI, 2002, p. 23) 45 Barbosa (2002) afirma que a psicomotricidade tem um status científico que facilita a interface com as atividades escolares e fornece possibilidades de encaminhamento para atendimento específico, o que a torna muito valiosa para a Psicopedagogia no campo de prevenção e reabilitação das dificuldades de aprendizagem. Segundo Fonseca (1995), se a criança não realizar uma organização adequada no processo de desenvolvimento da psicomotricidade, poderá apresentarperturbações no planejamento e na expressão dos movimentos intencionais, motivados e aprendidos, o que pode se refletir no desenvolvimento tanto de sua aprendizagem como de sua personalidade. As dificuldades no desenvolvimento da psicomotricidade devem ser identificadas, se possível, de forma precoce e com cautela, para que os problemas psicomotores não levem a problemas de comportamento ou de aprendizagem mais severos. Desse modo, as técnicas de avaliação têm como principal objetivo identificar o potencial de aprendizagem da criança, já que a psicomotricidade contém o sentido concreto do comportamento e da aprendizagem e concebe o corpo não apenas como o receptáculo do cérebro, mas como o habitat da inteligência (FONSECA, 1995). Dessa forma, para suprir as lacunas que o exame neurológico clássico possui para avaliar o Sistema Nervoso, dentro da concepção que a psicomotricidade valoriza, essa área desenvolveu metodologias para abordar a tarefa complexa de avaliar as funções motoras das crianças, apresentando um conjunto de tarefas significativas para esse objetivo. Com isso, pretende-se realizar uma detecção qualitativa de sinais funcionais que se desviam dos padrões esperados e a análise dos fatores psiconeurológicos subjacentes a esses sinais, a fim de tentar contribuir para a compreensão das dificuldades de aprendizagem e de desenvolvimento global da criança. A partir dessa abordagem clínica e psicopedagógica, foi desenvolvida a Bateria Psicomotora (BPM), que busca, por meio de um conjunto de 46 tarefas, identificar déficits funcionais em termos psicomotores, cobrindo a integração sensorial perceptiva que se relaciona com o potencial de aprendizagem da criança. Os indicadores de avaliação da BPM podem ser vistos a seguir. Figura 3 – Indicadores de avaliação da bateria psicomotora de Fonseca Fonte: adaptada de Fonseca (1995). Além da Bateria Psicomotora de Fonseca, há ainda a Escala de Desenvolvimento Motor (EDM), elaborada por Rosa Neto, que tem como objetivo uma avaliação psicomotora que abrange um conjunto de provas bastante diversificadas, com dificuldades graduadas para mensurar o desenvolvimento motor infantil (SOUZA; URZÊDA; SOUZA, 2011). Com a EDM, podem ser detectadas características específicas 47 do desenvolvimento psicomotor infantil, bem como se existem atrasos no desenvolvimento motor e/ou perturbações no equilíbrio, na coordenação, na lateralidade, na agilidade, na sensibilidade, no esquema corporal, na estrutura e orientação espacial, no grafismo e na afetividade. No protocolo da EDM, há a análise dos seguintes aspectos: motricidade fina; motricidade global; equilíbrio; esquema corporal (na imitação de posturas e rapidez); organização espacial; organização temporal (da linguagem e estruturas temporais); e lateralidade das mãos, olhos e pés (SOUZA; URZÊDA; SOUZA, 2011). É importante dizer que há formas mais simples de avaliar a psicomotricidade, como o uso de jogos como “pega varetas”, a preensão do lápis nos desenhos e nas pinturas, a coordenação visomotora nas atividades de recortar e colar para a avaliação da motricidade fina; a observação da postura para sentar, levantar, abrir e fechar uma porta, chutar uma bola com a perna esquerda e direita, pular em um pé só, andar pé ante pé em uma linha reta mantendo o equilíbrio, entre outras ações que envolvem a coordenação motor grossa; além da lateralidade e do esquema corporal em brincadeiras simples, como nomeação das partes do corpo e indicação de “esquerda, direita, em cima, embaixo”. Porém, todas essas atividades precisam ser planejadas e analisadas dentro do contexto de avaliação psicopedagógica clínica em uma visão fundamentada em conceitos básicos da psicomotricidade e do conhecimento dos marcos maturativos do desenvolvimento psicomotor. Referências BARBOSA, H. Psicomotricidade: otimizando as relações escolares. In: COSTALLAT, D. et al. A psicomotricidade otimizando as relações humanas. São Paulo: Arte & Ciência, 2002. (Coleção Estudos Acadêmicos). BRENELLI, R. P. O jogo como espaço para pensar: a construção de noções lógicas e matemáticas. Campinas: Papirus, 2016 FONSECA, V. Manual de observação psicomotora: significações psiconeurológicas dos fatores psicomotores. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995. 48 GALVANI, C. A formação do psicomotricista, enfatizando o equilíbrio tônicoemocional. In: COSTALLAT, D. M. M. (org.). A psicomotricidade otimizando as relações humanas. São Paulo: Arte e Ciência, 2002. SOUZA, S. G.; URZÊDA, W.; SOUZA, S. G. Escala de desenvolvimento motor: avaliação e ampliação das habilidades motoras utilizando o conteúdo esportes: uma revisão. Revista EFDeportes, Buenos Aires, ano 15, n. 154, 2011. Disponível em: https:// www.efdeportes.com/efd154/escala-de-desenvolvimento-motor-utilizando-o- conteudo-esportes.htm. Acesso em: 10 maio 2021. VISCA, J. O diagnóstico operatório na prática psicopedagógica. São José dos Campos: Pulso, 2008. WEISS, M. L. L. Psicopedagogia Clínica: uma visão diagnóstica dos problemas de aprendizagem escolar. 12. ed. Rio de Janeiro: Lamparina, 2007. https://www.efdeportes.com/efd154/escala-de-desenvolvimento-motor-utilizando-o-conteudo-esportes.htm https://www.efdeportes.com/efd154/escala-de-desenvolvimento-motor-utilizando-o-conteudo-esportes.htm https://www.efdeportes.com/efd154/escala-de-desenvolvimento-motor-utilizando-o-conteudo-esportes.htm 49 Compreensão Diagnóstica e Informe Psicopedagógico Autoria: Juliana Zantut Nutti Leitura crítica: Neide Rodriguez Barea Objetivos • Refletir sobre o processo de elaboração da hipótese diagnóstica sobre a queixa ou o motivo de encaminhamento do aprendente para a avaliação psicopedagógica. • Estabelecer a importância da queixa inicial como o principal parâmetro para o levantamento da hipótese diagnóstica. • Definir o conceito de Compreensão Diagnóstica como o momento em que o psicopedagogo analisa o conjunto de dados para poder enunciar as hipóteses diagnósticas. • Discutir sobre a apresentação dos dados encontrados na avaliação diagnóstica por meio das entrevistas devolutivas para os envolvidos. • Orientar sobre a elaboração do Informe Psicopedagógico e sua importância para o encaminhamento do aprendente para outros especialistas. 50 1. Definindo o conceito de Compreensão Diagnóstica Antes de iniciarmos a definição de Compreensão Diagnóstica para a elaboração da(s) hipótese(s) diagnóstica(s), vamos analisar as funções do diagnóstico psicopedagógico, de acordo com Griz (2009): Para a Psicopedagogia, não se trata de enquadrar o indivíduo em categorias patológicas que possam vir, no futuro, a rotulá-lo, aumentando, assim, sua baixa estima, seu bloqueio para o processo de aprender. O que o psicopedagogo busca é compreender a modalidade de aprendizagem do indivíduo e o que está ocorrendo nessa modalidade para que não tenha sucesso ao investir na aprendizagem. É buscar os dados de sua vida orgânica, cognitiva, emocional e social, para que, de forma global, possa integrar os dados encontrados, analisá-los e chegar a uma hipótese diagnóstica que possibilite o início de uma ação capaz de ajudar o sujeito a retomar o prazer de aprender e a mostrar-lhe sua capacidade para tal, dando-lhe o sentimento de competência. (GRIZ, 2009, p. 128, grifos nossos) Portanto, conforme Griz (2009), nesse momento, é necessário compreender as possíveis alterações no modo de aprender para levantar a(s) hipótese(s) diagnóstica(s) que deem início à busca por estratégias capazes de ajudar o aprendente a resgatar o prazer pela aprendizagem e o senso de autoeficácia, que devem ser o foco do psicopedagogo. Devemos lembrar sempre que, de acordo com Nogueira e Leal (2014, p. 98), a hipótese diagnóstica “pode ser provisória, sendo modificada ou confirmada ao longo de todo o processo psicopedagógico, só obtendo clareza no final do acompanhamento interventivo”. Ao final das atividades diagnósticas, espera-se que o psicopedagogo tenha obtidoum conjunto de dados suficientes para a elaboração de uma ou mais hipóteses diagnósticas acerca da queixa que motivou o encaminhamento do aprendente para a avaliação. O profissional teve 51 a oportunidade de obter as informações necessárias para analisar a queixa; delinear o perfil afetivo-cognitivo do aprendente; compreender a sua capacidade de leitura, escrita e de raciocínio-lógico matemático; entender sua psicomotricidade em geral; além de conhecer as condições de seu desenvolvimento pregresso e atual, os principais aspectos de seu contexto familiar e escolar e a suas relações sociais mais amplas, nos seguintes momentos que compõem o processo diagnóstico: Figura 1 – Processo diagnóstico Fonte: elaborada pela autora. Podemos dizer que, desde o momento em que o psicopedagogo tem acesso ao “caso” do aprendente, tomando conhecimento da queixa, ele dá início ao que se denomina, na abordagem da Gestalt terapia, de Compreensão Diagnóstica. A Gestalt oferece ao psicopedagogo uma visão do todo do sujeito em avaliação, sendo, portanto, uma abordagem importante para a que se entenda o processo diagnóstico de forma global. São entendidos como Compreensão Diagnóstica os momentos em que o terapeuta (no caso, o psicopedagogo, terapeuta da aprendizagem) enuncia as hipóteses sobre um diagnóstico, considerando a somatória dos dados e da individualidade do sujeito, por meio de um olhar sobre o 52 todo, com o objetivo de observar as possibilidades de desenvolvimento e as potencialidades do cliente, não somente as suas psicopatologias (CHAIM; COSTA, 2015). Devemos ressaltar que a queixa inicial é o principal parâmetro para o levantamento da hipótese diagnóstica. Portanto, após a coleta dos dados obtidos por meio dos instrumentos de avaliação, o psicopedagogo deve analisar todas as informações, impressões e resultados e refletir sobre esse conjunto de indicadores, a fim de responder às seguintes questões: • Foi possível verificar a queixa sobre o aprendente durante as sessões de avaliação em sua totalidade e frequência? Em outras palavras, todas as dificuldades que motivaram o encaminhamento pela família, pela escola e/ou pelos profissionais que realizaram o encaminhamento para a avaliação psicopedagógica foram demonstradas durante as avaliações gerais e específicas? • Se a resposta para a questão anterior for sim, as dificuldades apresentadas pelo aprendente podem ser causadas por fatores como: • Atrasos ou dificuldades na transição de etapas do desenvolvimento cognitivo? • Comprometimentos psiconeurológicos no decorrer do desenvolvimento pré e pós-natal? • Existência de distúrbios ou transtornos de aprendizagem específicos não diagnosticados anteriormente? • Efeito dos distúrbios ou transtornos de aprendizagem já diagnosticados? • Problemas orgânicos e/ou psicológicos que afetam a aprendizagem? 53 • Dificuldades na aprendizagem relacionadas a conflitos na dinâmica familiar ou no relacionamento do aprendente com os pais? • Dificuldades no processo de ensino-aprendizagem relacionadas a questões de caráter didático-metodológicas e/ ou ao nível de inadequação de exigências acadêmicas? • Dificuldades no processo de ensino-aprendizagem relacionadas a fatores relacionais, como conflitos conscientes ou inconscientes com o docente e/ou colegas? • Combinações dos fatores anteriores e outras possibilidades. • Se a resposta para a questão for não foi possível verificar as dificuldades apresentadas como queixas relativas ao atendimento psicopedagógico em nenhum momento da avaliação, o psicopedagogo deve considerar que: • As dificuldades de aprendizagem são transitórias. • A relação do aprendente com o psicopedagogo pode ter sido um fator para que este não apresentasse suas dificuldades, mas suas potencialidades. • Há aspectos mais complexos envolvidos na emissão da queixa e no encaminhamento, como projetar (“depositar”) problemas no aprendente que não sejam de sua responsabilidade. Weiss (2007) ainda propõe que o psicopedagogo deva refletir sobre outras questões, como: • O aprendente, ao ingressar na escola, já apresentava dificuldades para aprender e isso não foi observado ao longo dos anos? 54 • A dificuldade de aprendizagem se agravou ao longo dos dois primeiros anos do Ensino Fundamental e só foi sendo percebida pela escola por volta do 5º ano? • A dificuldade de aprendizagem desenvolveu-se no contexto escolar por métodos inadequados e o aprendente passou a ser penalizado por isso, sem que a escola assuma a sua responsabilidade? • A criança não apresenta dificuldades de aprendizagem, mas passa por uma fase difícil e temporária que pode causar o fracasso, como alterações no contexto familiar ou escolar: doenças; mortes; mudanças de cidade ou residência, de escola, de docente; separação dos pais; nascimento de irmãos; entre outros. De modo geral, a questão a ser respondida pelo psicopedagogo para a família, a escola e o aprendente é: há alterações no desenvolvimento cognitivo, que é o foco da avaliação psicopedagógica, que justifiquem a existência das dificuldades responsáveis pelo encaminhamento do aprendente? Deve ser dado andamento ao processo de intervenção? O psicopedagogo deve sempre analisar cuidadosamente o material coletado e elaborar as hipóteses diagnósticas com o máximo de segurança possível, apesar de sabermos que nem sempre é fácil identificar as causas de distúrbios ou dificuldades de aprendizagem com clareza, por serem fenômenos complexos e multifatoriais. De acordo com Griz (2009), o diagnóstico é baseado em dois conceitos fundamentais e complementares: o conceito do ser humano e o de problema de aprendizagem. O ser humano é complexo, pluridimensional e transversalizado pelos seus vínculos afetivos. É um ser contextualizado e sujeito da construção de seu conhecimento, e os problemas de sua aprendizagem estão ligados a um todo. Assim, o sintoma que emerge do processo de aprendizagem irá colocar em cena a totalidade da pessoa, produto de uma estrutura global. A aprendizagem humana é constituída por uma rede de interações que se constituem em um sistema complexo e é nessa rede que o 55 psicopedagogo atua para ter o envolvimento não apenas do aprendente e da família, mas da escola e da sociedade. Rosa (2009) afirma que, com os avanços das tecnologias e de estudos na área, como de psicologia, neurologia, pedagogia, sociologia e da própria psicopedagogia, os problemas de aprendizagem podem surgir em qualquer sujeito, pois possuem várias causas envolvidas, desde fatores genéticos até os de caráter social e econômico, como as situações de risco e vulnerabilidade social e as metodologias de ensino utilizadas na escola de forma inadequada às necessidades do aprendente. 1.1 A entrevista devolutiva Após a etapa de Compreensão Diagnóstica e do levantamento das hipóteses, o psicopedagogo deverá iniciar a fase de devolução dos resultados, mediante as entrevistas devolutivas e a elaboração do Informe Psicopedagógico. Segundo Sampaio (2018), a devolução psicopedagógica é entendida como uma forma de comunicação verbal feita pelo psicopedagogo para os pais e/ou responsáveis e para o aprendente acerca dos resultados que foram obtidos no processo de avaliação diagnóstica. As chamadas “devoluções” são as entrevistas para fornecer o resultado da avaliação para os pais e/ou responsáveis, para o docente e/ou para a escola e para o aprendente. Na entrevista devolutiva com os pais, é realizada a síntese diagnóstica, que é a discussão dos dados, a divulgação da(s) hipótese(s) diagnóstica(s) e a reflexão sobre o prognóstico (desenvolvimento esperado sobre a condição com e sem o tratamento adequado e as probabilidades de sucesso e fracasso no tratamento), além da apresentação das conclusões sobre a avaliação. É também o momento de realizar os devidos encaminhamentos e indicar os profissionais que podem compor a equipe multidisciplinar, caso haja a necessidade de que o aprendente seja avaliadopor outros especialistas 56 e/ou de um novo por profissional da área de psicopedagogia mais específico para aquele caso. Weiss (2007, p. 144) adverte que a entrevista devolutiva (....) “pelas suas características de ser a apresentação do resultado de uma investigação, ela é também geradora de muita ansiedade para o terapeuta, o paciente e os pais”. Afirma ainda que É preciso levar em consideração não só as fantasias de doença, mas também as defesas que a família utiliza para não penetrar no que é falado. Nas situações em que aflorem resistências, é preciso não transformar a devolução num duelo entre terapeuta e família na busca do que cada um considera válido ou verdadeiro. É preciso que circule muito afeto para que todos sintam o desejo de recolocar suas dúvidas, sentimentos de confusão, para que eles possam afetuosamente ver trabalhados e repensados os sentimentos de culpa. A mobilização, obviamente, diante desta situação, não é apenas da família, mas também do terapeuta. (WEISS, 2007, p. 144) Portanto, esse momento exige grande preparo técnico e emocional do psicopedagogo e a maior confiança e segurança possível nos resultados do diagnóstico realizado, apesar de sabermos que, na área clínica, muitas vezes iremos conviver mais com as hipóteses do que com as certezas. No caso da entrevista devolutiva realizada com o aprendente, deve-se adequar o formato da linguagem à idade e ao nível de compreensão. Weiss (2007) traz um exemplo de como iniciar a entrevista com o aprendente e os pais, retomando a queixa inicial: “Você lembra por que a escola pediu para você vir conversar comigo?”. Ou: “Vocês estão lembrados do que me disseram sobre as questões que a escola levantou?”. A seguir, faço uma síntese dos procedimentos adotados ou peço ao paciente que relembre o que fez durante as sessões: 57 “Você lembra as coisas que fez aqui comigo?”. É comum responderem: “Sei sim, brinquei, você jogou comigo, desenhei, fiz aquele negócio de quebra-cabeça e código secreto (WISC), li, escrevi...”. Ou: “Fiz aqueles desafios (provas do operatório formal, testes, redação...)”. Quando sou eu a relembrar para os pais, digo: “Procurei verificar aspectos pedagógicos: leitura, escrita, o raciocínio matemático etc., como pensa e resolve questões nos testes, como se sente como pessoa, quais as ligações da sua afetividade com a produção intelectual...”. (WEISS, 2007, p. 145) Após a retomada da queixa inicial, Weiss (2007) adverte que devem ser abordados os aspectos positivos do aprendente, valorizando o que ele fez de melhor e na perspectiva de melhoria no rendimento escolar e/ou no seu desenvolvimento em geral. Para a autora, a devolutiva é um momento importante para a reformulação da autoimagem e das avaliações dos pais do aprendente muitas vezes já distorcidas. Portanto, o aprendente deve entender que possui as capacidades e potencialidades necessárias para aprender e as possibilidades de superar as dificuldades e que, para isso, terá apoio de todos os envolvidos. O psicopedagogo deve estimular sua autoestima, sua autoconfiança e seu autoconceito positivos, mostrando o quanto ele foi bem-sucedido nas atividades de avaliação, como nos desenhos e jogos: “Você faz um desenho excelente”. “Você tem grande criatividade para elaborar histórias”. “O raciocínio matemático que você me mostrou é muito acima da sua idade” “Você não tem nenhum problema intelectual, fez bem todas as questões que indicavam o funcionamento da sua inteligência, parece-me que você pode escolher qualquer profissão...”. (WEISS, 2007, p. 145). 58 Sampaio (2018) adverte, por exemplo, que, quando o diagnóstico indica a hipótese de existência de distúrbios como o TDAH, em que o prognóstico nem sempre é bem recebido, é necessário esclarecer os pais sobre o problema e como deve ser o tratamento, enfatizando sempre a importância do tratamento multidisciplinar (psicopedagogo, psicólogo e neurologista), além do papel de cada profissional envolvido, especialmente do psicopedagogo. Segue algumas orientações para a realização da entrevista devolutiva para a família, para a escola ou para o próprio sujeito: • Ter uma atitude acolhedora e empática para com os pais, o professor e o aprendente. • Evitar o uso da linguagem técnica, usando termos mais simples de serem entendidos por leigos. • Ao iniciar a entrevista, sempre retomar as queixas e explicitar se elas se justificam ou não, de acordo com os resultados obtidos na avaliação e na intervenção psicopedagógica. • Mostrar-se positivo e confiante, mesmo que os resultados sejam preocupantes para os envolvidos, pois o foco deve ser sempre nas possibilidades de retomada da capacidade de aprender e na melhoria da autoestima do aprendente. • Promover a resiliência dos envolvidos, mostrando que os problemas serão superados com apoio e a busca de novas soluções. • Oferecer apoio a todos os envolvidos no processo de avaliação, pois eles buscaram ajuda para as dificuldades do aprendente, mesmo que, muitas vezes, isso não tenha acontecido da forma mais adequada. 59 Ao final da devolutiva com os pais, deve-se realizar o encaminhamento a outros profissionais, indicando a busca daqueles que forem necessários para comporem a equipe do caso, ou manter o atendimento com o psicopedagogo, a fim de dar andamento ao processo de intervenção. Em relação à devolutiva para o docente/escola, o profissional deve sempre tentar a entrevista presencial com o professor, mas, se não for possível, deve garantir que o Informe Psicopedagógico seja recebido, deixando claro que se encontra disponível para contato e esclarecimentos. 1.2 O Informe Psicopedagógico Após reunir o conjunto de informações necessárias sobre os aspectos que envolvem as dificuldades de aprendizagem do aprendente no decorrer da avaliação diagnóstica, o psicopedagogo as organiza e sistematiza de forma clara, coesa e coerente por meio do Informe Psicopedagógico (NOGUEIRA; LEAL, 2014). De acordo Carlberg (2000 apud NOGUEIRA; LEAL, 2014), o termo informe já indica que foi realizada uma imagem do aprendente, como uma fotografia, pois esta é uma forma de observar uma determinada situação por parte do psicopedagogo. Deve-se levar em conta a quem se destina o Informe Psicopedagógico e redigir seu conteúdo de acordo com o leitor. Por exemplo, se for um profissional da área, poderá ser mais técnico, enquanto para os pais e/ ou a escola, deve ser menos técnico; porém, em ambos os casos, deve- se ter o cuidado para não expor ou rotular o aprendente. Segundo Weiss (2007), ele deve ser elaborado em função de seu solicitante, levando em consideração o direito à privacidade do aprendente e de sua família, de acordo com a natureza dos dados coletados. A família precisa tomar decisões em relação ao encaminhamento profissional (psicólogo, fonoaudiólogo, neurologista) que irá complementar, realizar nova avaliação ou intervir para reabilitar 60 as dificuldades. Para isso, o Informe Psicopedagógico deve conter informações abrangentes para ser enviado aos profissionais e para a escola/professor. Aqui cabe uma ressalva: nem sempre o Informe Psicopedagógico é enviado à escola, para proteger informações sobre o aprendente que os pais/responsáveis não querem divulgar ainda. Essa ação depende também da abertura da escola e do relacionamento que o psicopedagogo conseguiu estabelecer, pois, algumas vezes, ele será usado para rotular o aluno, e não para potencializar sua aprendizagem. De acordo com Weiss (2007), a composição do Informe Psicopedagógico deve conter os seguintes itens: a. Dados pessoais: nome, data de nascimento, idade; nome dos pais, endereço e telefone para comunicação; escola, série, nome do(a) professor(a), telefone da escola e contato. b. Motivo da avaliação: descrever sucintamente a queixa de acordo com o ponto de vista da família, da escola e/ou do profissional que a encaminhou. c. Período de avaliação: definir em termos de meses a época e a duraçãodo processo, indicando e justificando as interrupções, se ocorrerem. d. Técnicas, recursos, provas e procedimentos utilizados: relatar as técnicas, os recursos, as provas e os procedimentos utilizadas para a coleta de dados, como entrevistas com a família, com o docente e/ou com aprendente; atividades lúdicas e representativas; atividades de leitura, escrita e cálculo; aplicação de provas operatórias, técnicas projetivas, desenhos; construção de cenas. e. Análise do processo de avaliação: descrever resumidamente a aplicação de cada instrumento de avaliação e o desempenho do aprendente. De acordo com o objetivo do Informe, podem ser incluídos exemplos de ação, de argumentação e contra- argumentação e outros materiais em anexos. 61 f. Síntese dos resultados: análise em que se estabelecem as relações entre os dados obtidos na aplicação dos diferentes instrumentos, explicando as potencialidades e as dificuldades apresentadas pelo aprendente em relação ao seu processo de desenvolvimento e de aprendizagem. g. Prognóstico, recomendações e indicações: elaborar uma hipótese sobre as consequências da situação atual do paciente; orientar pais e docentes e recomendar atitudes, exigências e cuidados; indicar tipos de atividade, considerando as possibilidades e dificuldades; encaminhar para intervenção e/ou complementação da avaliação por outros profissionais. h. Observações: acréscimo de dados de acordo com a necessidade de algumas situações mais específicas, como interferências durante o processo, interrupções, entre outros. Caso queira visualizar outros modelos de Informe Psicopedagógico, há vários sites da internet que trazem exemplos interessantes que você poderá buscar e analisar, alguns inclusive já preenchidos. Esperamos que o conteúdo apresentado neste material seja proveitoso para a sua prática e o seu desenvolvimento profissional! Boa sorte! Referências CHAIM, Maria Paula Miranda; COSTA, Danilo Suassuna Martins. Elementos para uma compreensão diagnóstica em psicoterapia: o ciclo do contato e os modos de ser. Revista da Abordagem Gestáltica, Goiânia, v. 21, n. 2, p. 243-244, dez. 2015. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1809- 68672015000200013&lng=pt&nrm=iso. Acesso em: 23 maio 2021. GRIZ, Maria das Graças Sobral. Psicopedagogia: um conhecimento em contínuo processo de construção. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2009. NOGUEIRA, Makeliny Oliveira Gomes; LEAL, Daniela. Psicopedagogia Clínica: caminhos teóricos e práticos. São Paulo: Intersaberes, 2014. http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1809-68672015000200013&lng=pt&nrm=iso http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1809-68672015000200013&lng=pt&nrm=iso 62 ROSA, Ivete Pellegrino. Psicopedagogia Clínica: modelo de diagnóstico compreensivo das dificuldades de aprendizagem. São Paulo: Porto de Ideias, 2009. SAMPAIO, Simaia. Manual prático do diagnóstico psicopedagógico clínico. Rio de Janeiro: Wak, 2018. WEISS, Maria Lúcia Lemme. Psicopedagogia Clínica: uma visão diagnóstica dos problemas de aprendizagem escolar. 12. ed. Rio de Janeiro: Lamparina, 2007. 63 BONS ESTUDOS! Sumário Estilos e técnicas em tendências no design Objetivos Técnicas projetivas, linguagem e uso de jogos Objetivos 1. Técnicas projetivas, linguagem e uso de jogos Referências Avaliação do raciocínio lógico-matemático e da psicomotricidade Objetivos 1. Avaliação do raciocínio lógico-matemático e da psicomotricidade 2. Avaliação da psicomotricidade: as baterias e as escalas de desenvolvimento psicomotor Referências Compreensão Diagnóstica e Informe Psicopedagógico Objetivos 1. Definindo o conceito de Compreensão Diagnóstica Referências