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1ª Edição, 2021 Coordenação Editorial Denise Corrêa / Daverson Guimarães Criação Capa Vinicius Schelck Criação Miolo e Diagramação Fernanda Oliveira Produção Gráfica Denise Corrêa / Maristela Carneiro Revisão Ortográfica Marcus Mendonça Produção Digital Loope Editora Catalogação na publicação Elaborada por Bibliotecária Janaina Ramos – CRB-8/9166 N494 Neuroarquitetura: a neurociência no ambiente construído / Vilma Villarouco, Nicole Ferrer, Marie Monique Paiva, et al. – Rio de Janeiro: Rio Books, 2021. Outras autoras Julia Fonseca Ana Paula Guedes Rio de Janeiro: Rio Books, 2021. 256 p., il.; 15,7 X 23 cm ISBN 978-65-87913-47-6 1. Neurociências. 2. Neuroarquitetura. 3. Construção. 4. Espaço urbano. 5. Arquitetura. I. Villarouco, Vilma. II. Ferrer, Nicole. III. Paiva, Marie Monique. IV. Título. CDD 612.8 Índice para catálogo sistemático I. Neurociências : Neuroarquitetura Todos os direitos desta edição são reservados a: Editora Grupo Rio Books. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônicos ou mecânicos, incluindo fotocopias e gravação) ou arquivada em qualquer sistema de banco de dados sem permissão escrita do titular do editor. Os artigos e as imagens reproduzidas nos textos são de inteira responsabilidade de seus autores. Todos os esforços foram feitos no sentido de se encontrar a fonte dos direitos autorais de todo o material contido nesse livro. Rio Books Rua Valentin da Fonseca 21 / 504 – Sampaio Tel. (21) 99312-7220 CEP 20950-220 Rio de Janeiro – RJ contato@riobooks.com.br www.riobooks.com.br mailto:contato@riobooks.com.br https://www.riobooks.com.br/ Além de um material rico sobre Neuroarquitetura, este livro também é a celebração de uma vida ceifada muito cedo. A Profa. Dra. Vilma Villarouco, uma das autoras deste livro, faleceu no dia 20 de junho de 2021 por Covid-19, deixando-nos este material como um dos últimos projetos de sua brilhante carreira. Vilma deixa um legado importante nos estudos da Ergonomia e da Neuroarquitetura no ambiente construído. A preocupação com o bem-estar da pessoa sempre foi uma questão norteadora em seu trabalho. Com centenas de artigos publicados, dezenas de pesquisas e queridos orientandos em mais de 30 anos de docência na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), ela nos deixa a certeza de que devemos pensar em uma arquitetura para pessoas. Mente inquieta, com ideias fervilhando a cada momento, seu entusiasmo estava sempre presente, tudo isso regado de alegria e um sorriso estampado no rosto... é assim que foi e sempre será nossa lembrança! Aprofundando as relações Ergonomia-Arquitetura, vislumbrou na Neurociência o caminho para respostas às suas inquietudes quanto à adequação espacial, tendo como seu principal protagonista o usuário. Não basta projetar um espaço estético e agradável se não atender aos anseios de quem nele habita numa proposição sistêmica homem-ambiente, seja qual for a atividade ali exercida. E assim, a felicidade de poder contribuir para a discussão se materializou aqui nessa obra, que é claro, temos certeza de que seria apenas o início de tantas outras. Somos gratas à Vilma, sobretudo, por ter sido o elo que nos uniu como grupo e frutificou em trocas criativas e intelectuais muito ricas, que buscamos expressar nesta obra. Esperamos que este trabalho sirva para honrar sua memória e sua trajetória profissional e acadêmica. SUMÁRIO APRESENTAÇÃO INTRODUÇÃO: UMA NOVA FORMA DE VER A ARQUITETURA BASES DA NEUROCIÊNCIA SOBRE A NEUROCIÊNCIA E SUAS ESTRUTURAS NOSSOS PROCESSOS COGNITIVOS FORMAS DE VER O CÉREBRO DEFINIÇÕES DA NEUROARQUITETURA SOBRE A NEUROARQUITETURA E SUA FORMA DE PROJETAR PERCEPÇÃO VISUAL E O PROJETO ARQUITETÔNICO NOÇÕES MENTAIS DE ESPACIALIDADE A EXPERIÊNCIA ARQUITETÔNICA NEUROARQUITETURA NA PRÁTICA A NEURO APLICADA AOS AMBIENTES NEUROARQUITETURA EM AMBIENTES RESIDENCIAIS EXPERIÊNCIA DA NEUROCIÊNCIA EM AMBIENTE URBANO UMA NOVA FORMA DE PROJETAR CONCLUSÃO: UM OLHAR PARA O FUTURO FONTES DE FIGURAS REFERÊNCIAS APRESENTAÇÃO Foi com muita alegria que recebemos o convite da Editora Rio Books para produzir esta obra, o que entendemos como uma grande oportunidade para compartilhar nossos conhecimentos em neurociência e arquitetura, além dos resultados de alguns de nossos trabalhos. Há algum tempo temos estudado, pesquisado e implementado conceitos e técnicas das neurociências nos trabalhos desenvolvidos no nosso Grupo de Pesquisa em Ergonomia Aplicada ao Ambiente Construído, em que os estudos da percepção ambiental sempre ocuparam uma posição de destaque. Entendemos que da mesma forma que o ambiente construído é transformado pelo ser humano, também o espaço pode afetar consideravelmente as pessoas em múltiplas dimensões. Os estudos científicos das últimas décadas cada vez mais fortalecem a importância da arquitetura na saúde humana, tanto física quanto mental, muito mais do que os próprios projetistas imaginavam. Habitamos o espaço, seja ele uma sala, seja um edifício, seja uma rua, seja uma cidade. Viver é interagir constantemente com variados estímulos ambientais que guiam nossas emoções, pensamentos e comportamentos. Desde a forma das coisas até elementos que podem parecer um detalhe – como padrões, luz, cor, sons e texturas –, os espaços nos afetam constantemente, sem sequer percebermos que isso está acontecendo. Como isso acontece? Por que isso acontece? Com esses questionamentos em mente, avançamos nossos estudos em busca de respostas, aprofundando-nos nas questões da mente frente ao ambiente construído e sentindo a necessidade de um maior entendimento acerca de como as pessoas percebem os ambientes, de como eles as impactam, e de como essa relação mútua acontece. Não seria possível esse mergulho na cognição e percepção humanas sem a apropriação dos conhecimentos da neurociência. Esse foi o pano de fundo do cenário que uniu quatro arquitetas, autoras deste livro, em uma sala de aula do curso de Pós- graduação em Neurociências Multiprofissional, estudando neurofisiologia, neuroanatomia, circuitos neurais, neuroquímica, cognição, processamento de imagens e emoções, mergulhando nas memórias e nas neurométricas, dentre tantas outras disciplinas desafiadoras para pessoas da área da arquitetura. Três de nós carregamos a experiência e o foco da academia, das pesquisas apresentadas e debatidas em congressos científicos nacionais e internacionais, das teses e dissertações, das discussões teórico-metodológicas próprias do ambiente universitário, tudo mesclado também com produções projetuais. Mas há também nesse grupo uma profissional do mercado da arquitetura, que traz em sua vivência as nuances do atendimento ao cliente, da busca do entendimento dos desejos, de necessidades e aspirações daqueles que procuram seu trabalho e que muito cedo despertou para a inserção da neurociência nos seus projetos. Foi a necessidade de aprofundar nossos conhecimentos para a prática da neurociência aplicada à arquitetura que nos uniu, tanto nos estudos quanto na parceria para a produção deste livro. E a equipe já estava muito boa, mas ficou ainda mais completa e especializada quando uma psicóloga com mestrado em neurociências, estudiosa da interseção entre a sua área de especialização e os estudos dos ambientes, foi incorporada ao grupo, trazendo enormes contribuições. O resultado da união dessas cinco mulheres está apresentado neste livro, dividido em três sessões cujos capítulos são agrupados por similaridade de temáticas. Introduzimos a obra estabelecendo relações entre a arquitetura, a psicologia ambiental e a neurociência. Percorremos uma trajetória da evolução destes estudos, com a incorporação de nossas reflexões e alguns materiais de autores que têm colaborado na construção do conhecimento na área, por meio de publicações na literatura especializada. A Seção 1 traz em seu capítulo Sobre a Neurociência e Suas Estruturas as bases da neurociência, objetivando nos posicionar em relação a sua forma de pensar, além deesclarecer termos e procedimentos, recursos teóricos e metodológicos para o estudo do cérebro. Tentamos desmistificar o funcionamento do sistema nervoso – tanto em sua totalidade quanto em partes –, assunto tão alheio ao vocabulário arquitetônico conhecido. No capítulo Nossos Processos Cognitivos, debruçamo-nos sobre as questões da cognição: atenção, percepção, aprendizado, memória, consciência e emoções. Esses processos são extremamente importantes para o entendimento da interação ambiente-cérebro e se conectam diretamente com o sistema sensitivo humano: visão, audição, tato, olfato, paladar, interocepção e propriocepção. Essa seção encerra com o capítulo Formas de Ver o Cérebro, o qual nos põe em contato com as neurométricas e técnicas de neuroimagem. Elas permitem visualizar o sistema nervoso, ou parte dele, seja para identificar estruturas ou funções em imagens estáticas, seja para enxergar os movimentos cerebrais em tempo real. Objetivamos aqui criar um panorama dos conceitos básicos da neurociência. Sem saber nomear as estruturas do corpo humano e suas relações com o funcionamento das reações cognitivas e fisiológicas frente ao ambiente, não estaríamos falando de neurociência quando aplicada à arquitetura. A Seção 2 começa com o capítulo Sobre a Neuroarquitetura e Sua Forma de Projetar, o qual introduz a neurociência aplicada à arquitetura e essa nova forma de projetar. Estabelecem-se relações entre mente, meio e comportamento, fazendo uma ponte com as dimensões das emoções, percepção, cognição e psicologia ambiental, a fim de posicionar a neurociência em sua aplicação na arquitetura. O capítulo Percepção Visual e o Projeto Arquitetônico desta seção aborda em detalhes a percepção visual, uma vez que a visão é considerada hoje o principal sentido usado para entender os estímulos ambientais. Nele tratamos de luz, cores, movimentos, percepção da forma e utilizamos uma linguagem neurocientífica mais simplificada para explicar os processos de formação da imagem e das sensações por ela transmitida. O capítulo Noções Mentais de Espacialidade chega com as noções de espacialidade, traçando um paralelo entre arquitetura e percepção humana. Será abordada nele a análise da forma, apresentando a perspectiva dos estudos da psicologia experimental da Gestalt. O capítulo A Experiência Arquitetônica finaliza a Seção 2, com foco na experiência arquitetônica, relacionada às estruturas cerebrais da percepção ambiental: navegação espacial, simbologias e emoções, com exemplificações a partir de edifícios emblemáticos da arquitetura. O capítulo trata ainda do projeto da vivência no ambiente construído e sua relação com o bem-estar das pessoas, em um texto que combina teoria e prática arquitetônica, e desperta o desejo de saber mais sobre cheios e vazios, luz e sombra, proporções e percepções, ferramentas do fazer projetual. Essa seção foi pensada para apresentar de forma didática uma evolução da complexidade do espaço: a bidimensionalidade da imagem, com a percepção visual; a tridimensionalidade do ambiente, com a percepção espacial; e a inserção da quarta dimensão na experiência humana, a progressão temporal. A Seção 3 vem trazendo experiências práticas. Começa no capítulo A Neuro aplicada aos Ambientes com o resgate de publicações que mostram relatos em periódicos científicos especializados e de alto impacto, e que abordam trabalhos desenvolvidos em centros de pesquisas internacionais. Apresenta- se aqui como a neurociência tem sido utilizada para o entendimento das reações do cérebro frente a características de ambientes construídos. Na sequência, os próximos dois capítulos foram dedicados a apresentar pesquisas desenvolvidas pelo Grupo de Pesquisa em Ergonomia Aplicada ao Ambiente Construído, como forma de exemplificar algumas coisas que já se sabe, mas, principalmente, o muito que ainda é necessário explorar quanto à aplicação da neurociência na arquitetura. No capítulo Neuroarquitetura em Ambientes Residenciais, apresentamos uma pesquisa que trata da neuroarquitetura em ambientes residenciais. O trabalho avaliou salas residenciais de pessoas idosas, utilizando a conjugação da realidade virtual imersiva (RVi) com a eletroencefalografia (EEG). O objetivo foi identificar ativações cerebrais para as variáveis de valência emocional, atenção e memória no grupo pesquisado. No capítulo A Experiência da Neurociência em Ambiente Urbano, uma experiência desenvolvida no Nordeste brasileiro, onde princípios, teorias e técnicas da neurociência são aplicados em uma pesquisa na temática da acessibilidade de pessoas com cegueira no espaço urbano. O estudo observou as respostas neurais dos sujeitos ao realizar trajetos na cidade a partir de instruções verbalizadas e mapas táteis. Por fim, o capítulo Uma Nova Forma de Projetar da sessão vem trazer reflexões acerca do mercado da neuroarquitetura como uma nova forma de projetar. Trata das contribuições da neurociência à arquitetura e destaca que por sermos pessoas diferentes, precisamos de soluções também diferenciadas. O capítulo apresenta ainda exemplos de projetos internacionais, além de experiência brasileira com a participação de uma das autoras deste livro. Encerramos esse capítulo citando algumas publicações pertinentes à discussão. Assim, concluímos o livro ao trazer considerações de todo o cenário abordado, do “estado da arte” da temática tratada nesta obra e de perspectivas futuras. Não pretendemos dizer aqui que todo o material existente relativo à neuroarquitetura foi esgotado neste livro. Longe disso. Encaramos a aventura de escrever um livro nessa temática como forma de iniciar uma discussão proveitosa, cheia de potencial. A maioria do material de qualidade que existe hoje sobre neuroarquitetura está em inglês e em âmbito acadêmico, inacessível para boa parte do público brasileiro. Também o material de neurociência está condensado nas áreas da saúde, com um vocabulário especializado e de difícil compreensão para arquitetas e arquitetos. Com isso, acreditamos que esta obra ajudará a comunidade de projetistas que se interessam e se encantam com a forma como o nosso mundo construído pode nos afetar, assim como ele pode guiar nossas vidas. Esperamos que este livro desperte em você um novo olhar sobre nossos velhos conhecidos: as edificações, as paisagens e as configurações urbanas dos espaços que habitamos. INTRODUÇÃO UMA NOVA FORMA DE VER A ARQUITETURA É muito provável que a maioria de nós, que lê este texto agora, já tenha se deparado com matérias em revistas ou jornais abordando algumas palavras que iniciam com o termo neuro. Podem ter sido a neuroeducação, o neuromarketing, o neurobusiness e tantos outros, muito comentados em anos recentes e contando com alto índice de interesse dos leitores. Fato é que temos assistido a um forte crescimento das pesquisas da neurociência aplicada a diversos ramos do conhecimento. Isso é algo positivo, já que parece que estamos nos conscientizando do quanto o cérebro é estimulado por tudo que acontece ao nosso redor. O Brazilian Institute of Neuroscience and Neurotechnology (BRAINN) nos diz que, “em apenas algumas décadas, a humanidade passou da simples análise sob o microscópio de Santiago1 para a observação de neurônios humanos em funcionamento em tempo real”. Essa expansão dos estudos da neurociência é verificada por essa nova abordagem multidisciplinar, com a possibilidade de entendimento e exploração de sensações de satisfação ou de repúdio frente a situações do cotidiano. Técnicas e equipamentos já consagrados nesse ramo – e muito aplicados no âmbito da saúde – vêm propiciando amplas possibilidades de utilização em áreas nas quais se deseja investigar reações mentais de usuários a partir de diferentes vivências, seja nas compras, na educação, nas relações interpessoais e até mesmo nos ambientes que habitamos. Hoje sabemos que áreas distintas do cérebro são ativadas por ondas elétricas a partir de sensações e percepções, sendo de grande importância detectar quais estímulos correspondem às ativações,com quais tipos de frequências e em quais regiões do cérebro elas acontecem. Não só a neurociência nos explica como uma reação específica acontece, como ela nos mostra porque isso ocorreu. Mesmo com todas essas fascinantes possibilidades, todo esse conhecimento é ainda muito recente e exige estudos e pesquisas aprofundadas, sob o risco de se realizarem afirmações equivocadas – o que por vezes acaba acontecendo, caso não haja rigor científico e interpretação correta dos dados. Na verdade, muito temos a crescer antes de criar aplicações e conclusões, como bem comenta a neurocientista Molly Crockett, em um TED Talk realizado em 20122, quando em poucos minutos elenca muitos erros cometidos em nome de leituras cerebrais. A neurocientista enfatiza o poder que uma imagem de cérebro tem sobre os consumidores quando colocada numa embalagem, por exemplo, de um “neuro drink”, que promete reduzir o stress, melhorar o humor ou aumentar a concentração, mas que não apresenta qualquer evidência científica por trás da promessa. Ela chama de “neuro absurdos” quando são atribuídas boas sensações ao serem identificadas ativações de algumas estruturas encefálicas que respondem também por más sensações. Precisamos estar muito atentos ao que encontramos nessa área. Felizmente nem tudo é engano e ilusão e muitos estudos sérios são conduzidos nas diversas áreas em que a neurociência tem sido evocada. Compondo com as áreas já citadas e formando uma onda crescente, são localizados os estudos da arquitetura que vem inserindo os conceitos da neurociência, quando a preocupação com o bem-estar do ser humano ao vivenciar ambientes representa o foco principal dos projetistas. Nessa aplicação, o interesse está no entendimento das reações registradas no cérebro, quando da observação de ativações de regiões que representam sensações, emoções ou comportamentos desencadeados por características do ambiente. De fato, os profissionais e estudiosos da arquitetura há muito tempo têm conhecimento da interferência dos edifícios sobre as pessoas. A aplicação da neurociência nessa área vem somar esforços no sentido de melhor caracterizar, entender e, principalmente, mensurar esses efeitos. Estudos nessa linha são encontrados na última década e paradoxalmente a esse recente incremento, insere-se aqui a colocação de Hipócrates (séc. IX a.C.)3: O homem deve saber que de nenhum outro lugar, mas do encéfalo, vem a alegria, o prazer, o riso e a diversão, o pesar, o ressentimento, o desânimo e a lamentação. E por isto, de uma maneira especial, adquirimos sabedoria e conhecimento, e enxergamos e ouvimos e sabemos o que é justo e injusto, o que é bom e o que é ruim, o que é doce e o que é amargo.... E pelo mesmo órgão tornamo-nos loucos e delirantes, e medos e terrores nos assombram.... Todas estas coisas suportamos do encéfalo quando não está sadio.... Neste sentido sou da opinião de que o encéfalo exerce o maior poder sobre o homem. Precisamos aqui clarear a utilização da palavra encéfalo, talvez estranha no vocabulário arquitetônico. Esse é o termo técnico para o que coloquialmente se chama cérebro, sendo que o cérebro em si é na realidade parte do encéfalo, composto também pelo cerebelo e o tronco encefálico. Não encontraremos um neurocientista, ou um texto neurocientífico, que use a palavra cérebro referindo-se a tudo que temos dentro do crânio. Tratar dessa massa intracraniana é um tema tão complexo que diversas áreas do conhecimento têm se unido à neurociência para tentar desvendar esse poder do qual Hipócrates já falava há mais de dois mil anos. Como essa influência acontece? Como esse complexo órgão recebe e processa os estímulos exteriores, associa- os às memórias e às vivências, e transmite-os ao corpo em forma de sensações? Como essa fonte de informações e experiências pode ser explorada em favor do corpo onde ela se insere? De fato, o tema é denso e neurocientistas de todas as linhas se esforçam para estabelecer as verdades a respeito do sistema nervoso, sendo a neurociência, em si, um ramo científico relativamente novo. É o encéfalo que comanda todo nosso corpo, comportamentos e ações que, dependendo do ambiente onde estamos inseridos, pode ocorrer de maneira mais ou menos prazerosa, mais ou menos produtiva, com maior ou menor bem-estar4. Estudiosos já tratam desse entendimento há algum tempo, alertando para a importância dos conceitos da Neurociência como elemento de suporte na concepção de espaços com execução de direcionamentos, informações e estímulos adequados visando à promoção da segurança e bem-estar de seus usuários5. Nesse panorama, a cautela é fundamental a fim de evitar que a empolgação excessiva das novidades e as boas perspectivas das descobertas embacem conceitos primordiais, como já temos presenciado. Edificações que utilizam formas mais arrojadas, estruturas impactantes e elementos da natureza como vegetação em seu interior são facilmente apontadas como exemplos de utilização da neuroarquitetura, até mesmo por profissionais que militam na área. Tais avaliações desconsideram as diferenças individuais sedimentadas nas experiências vivenciadas por cada pessoa, suas preferências e memórias, que definem particularidades e não permitem generalizações. É fundamental para arquitetas e arquitetos entender os usuários dos espaços, internos e externos, bem como suas finalidades e cada elemento ali contido. A utilização da neurociência na arquitetura apresenta muitas novas possibilidades, mas também exacerba o desafio de alinhar soluções projetuais a desejos e preferências de pessoas distintas que habitam o mesmo espaço. Revisões na literatura especializada mostram que a maioria dos conceitos utilizados na área foram desenvolvidos em termos teóricos, não contando ainda com validações robustas a partir de estudos experimentais para parte significativa dessas teorias. Mesmo com o crescente número de trabalhos científicos, o cenário mostra que a grande variedade de conceitos requer mais pesquisa, que terão um enorme potencial e fortes desafios. O relacionamento entre a experiência humana e o ambiente construído a partir de abordagens da neurociência irá influenciar fortemente os estudos futuros, apresentando-se como uma área em plena ascensão. As diversas linhas de conhecimento e ramos científicos que tratam de incrementar o bem-estar do ser humano entrelaçam suas teorias e aplicações, o que gera um largo arranjo de possibilidades no estabelecimento de metodologias, técnicas e diretrizes para atingir objetivos comuns. Todos esses conhecimentos se complementam na busca de satisfação, de bem-estar e, por que não dizer da felicidade de encontrar a sintonia entre o espaço que se habita (no sentido mais amplo do termo), as limitações e necessidades do corpo, os anseios da alma e as frequências do encéfalo. A inter-relação entre os ambientes e seus usuários acontece com tal profundidade que consegue tatuar as marcas do sentimento humano nas características dos espaços. Toques de organização e agradabilidade, sensações de aconchego e limpeza raramente são encontrados em residências de pessoas que estão “pra baixo”, como se a ambiência avisasse aos visitantes que seus usuários não estão bem. Por outro lado, é possível estimular essas pessoas por meio desses mesmos ambientes. Há uma via de mão dupla nessa relação quando entendemos que apenas “estar” em ambientes agradáveis, leves e confortáveis pode mudar sensações e sentimentos. Mas, afinal, o que é um espaço agradável? Como conferir esse atributo, quando pessoas distintas enxergam por lentes diferentes as características do mesmo lugar? São os estudos da percepção ambiental que iniciaram a reflexão sobre a importância do ambiente construído na qualidade de vida dos usuários. Por meio das ferramentas desenvolvidas no âmbito da Psicologia Ambiental – e exploradas pela psicologia cognitiva, neurociência e arquitetura –, busca-se entender comportamentos e desejos das pessoas, gerando um maior entendimento sobre como elas percebem e interpretam o espaço ao seu redor. Oque acontece é que o ambiente fornece estímulos constantemente – de maior ou menor intensidade –, que são captados pelo corpo como sensações para que a mente as processe, gerando percepção e consciência, o que pode desencadear uma resposta comportamental. É possível ainda dizer que os indivíduos enxergam e reconhecem apenas o que lhes chama a atenção, influenciados por suas crenças, visão de mundo e pensamentos6. Na verdade, existe uma grande proximidade entre os estudos da percepção ambiental e os que são focados na neuroarquitetura, chegando a haver certa confusão entre os limites de cada uma dessas áreas. No entanto, para nós está claro que enquanto uma busca entender comportamentos, percepções e sensações, por intermédio de observações, verbalizações e vivências; a outra se preocupa em investigar as reações ocorridas no interior das nossas cabeças, o porquê dessas conexões. Assim, o estudo do funcionamento do sistema nervoso é o foco da neurociência e das áreas que dela se utilizam, investigando as regiões encefálicas e suas ativações, ocorridas por ondas de diferentes frequências elétricas, quando da interação do sujeito com o objeto da área estudada. Assim, cabe à neuroarquitetura o estudo das reações neurofisiológicas a partir da interação com ambientes diversos e os estímulos que eles provocam nas pessoas. Talvez sejam os processos de obtenção das métricas a tênue linha divisória entre as duas competências, e tentaremos aqui tornar mais claros os contornos das duas disciplinas, buscando um entendimento mais detalhado, embora como marcos introdutórios. Sendo a neuroarquitetura o objetivo e tema central deste livro, teremo-na abordada e aprofundada ao longo do seu desenvolvimento. O QUE É NEUROARQUITETURA? Hoje, experimentos científicos explicam os processos que ocorrem no cérebro humano, bem como as localizações, dinâmicas e interações específicas da atividade cerebral. No entanto, experimentar o significado mental e poético do espaço, a partir das dimensões de forma, matéria e iluminação é um fenômeno bem diferente das observações de atividades eletroquímicas nos nossos organismos7. Criar essa “ponte” entre ciência e experiência vem a ser o objetivo da neurociência aplicada à arquitetura. Classificada como um campo multidisciplinar nascente que combina neurociência, psicologia e arquitetura, a chamada neuroarquitetura surge como uma nova linha de pensamento projetual, que olha para as atividades neurais em interação com o ambiente construído. Projetistas têm adotado cada vez mais esse termo para descrever um novo campo de estudo que explora como a forma arquitetônica pode servir ainda mais às funções humanas ao gerar prazer e satisfação. Como definido pela Academy of Neuroscience for Architecture (ANFA): A Neuroarquitetura é um campo interdisciplinar que consiste na aplicação da neurociência aos espaços construídos, visando maior compreensão dos impactos da arquitetura sobre o cérebro e os comportamentos humano8. Assim, a interseção da neurociência e da arquitetura é vista hoje como uma ferramenta positiva para avaliar o desempenho de um ambiente existente. Ela fornece subsídios para decisões de projetos que melhorem a qualidade de vida dos seres humanos em sociedade. Mas, ainda assim, essa tarefa se apresenta como desafio. Há uma contradição inerente nos métodos usados nessas duas disciplinas. Em certas áreas da teoria e projeto da arquitetura, pesquisas são conduzidas por questões abertas e pela aplicação de pesquisas qualitativas, muitas vezes sobre um ponto de vista fenomenológico, que revelam uma nova abordagem e uma nova compreensão de como as pessoas vivenciam os espaços. Entretanto, as pesquisas no campo da neurociência utilizam métodos com abordagem positivista, dentro de uma forma analítica e cartesiana de ver o mundo. A neurociência utiliza uma hipótese específica e clara para seus questionamentos, explorada em experimentos que comprovam ou refutam a veracidade dessa hipótese9. Encontrar a interseção entre o positivismo e a fenomenologia significa ter dados objetivos e baseados em evidências para criar a experiência arquitetônica. Isso permite que arquitetas e arquitetos fujam de “achismos” e dados empíricos na hora de projetar. Assim, o desenvolvimento desse conhecimento não apenas permitirá compreender o ambiente construído, mas também continuará a desempenhar um papel cada vez mais importante, fornecendo orientação para o futuro domínio dos estudos de arquitetura. A neuroarquitetura passa então a ser vista como uma “solução” para os céticos dos métodos tradicionais de projeto, muitas vezes intuitivos e qualitativos. Claro, sempre há o outro lado da moeda, com dúvidas que naturalmente surgem em novos campos de pesquisa. Corremos o risco de olhar para as ações humanas de forma exclusivamente determinística, mecanizando as interações sociais. Há quem diga que a neuroarquitetura muitas vezes não considera o contexto social, cultural, político e histórico mais amplo da questão do espaço. No entanto, esse não é o foco. Não serão feitos “projetos neuroarquitetônicos”, se é que esse termo já foi usado. O que é possível com o uso da neurociência aplicada à arquitetura é encontrar explicações para os fenômenos do ambiente construído que já são conhecidos, mas não necessariamente entendemos como funciona. O resultado são projetos que melhor consideram seu impacto nas pessoas, e como fazer isso de forma positiva. Quando falamos de neuroarquitetura, é possível subdividir o objeto de estudo. Pode-se pensar na neurociência no processo de projeto, que examina os cérebros dos arquitetos. É possível considerar a arquitetura neuromórfica, que examina os “cérebros” dos edifícios. Ou então, a neurociência da experiência arquitetônica, a qual examina o cérebro de indivíduos que vivenciam um ambiente construído predeterminado. Além disso, muitos são os métodos e técnicas utilizadas nos estudos de neurociência e do ambiente construído. Basicamente, eles se distribuem em três grupos gerais: técnicas de pesquisas de ambiente e comportamento; técnicas de pesquisas em neurociência clássica; e técnicas de pesquisas com uso de ferramentas digitais. O grupo de técnicas de pesquisas de ambiente e comportamento trabalha com medidas observacionais, medições de autorrelato, dados de arquivo e técnicas de mapeamento. Esses mapeamentos tendem a utilizar ferramentas oriundas da psicologia ambiental: mapa mental, mapa comportamental e mapa cognitivo. São utilizados também equipamentos de mapeamento com biossensores. Já o grupo de técnicas de pesquisas em neurociências investiga as medidas psicofisiológicas utilizando as técnicas de neuroimagem – EEG, ERP, MEG, PER e fMRI (que serão mais bem abordadas no capítulo Formas de Ver o Cérebro). Também serão coletadas as atividades eletrodérmicas – com sensores de pele que medem temperatura, resposta galvânica da pele e condutância de pele –; eletromiografia; frequência cardíaca; pressão e volume sanguíneo; e movimentos e piscar de olhos. Quanto ao uso das ferramentas digitais, existe a possibilidade de contribuição colaborativa (do inglês crowdsourcing), em que a partir de uma comunidade on-line, é possível coletar ideias, conteúdos etc. O uso de dispositivos conectados ao usuário está sendo cada vez mais utilizado nas pesquisas do ambiente construído, sendo possível apresentar ao participante imagens de realidade virtual (VR do inglês virtual reality) e realidade aumentada ou expandida (AR do inglês augmented reality), utilizando-se equipamentos como câmera, microfone e óculos diferenciados (HMD do inglês head-mounted display), os quais podem, por exemplo, realizar rastreamento ocular (do inglês eye tracking). Em pesquisas que lidam com percursos, uma tecnologia muito usada é o Sistema de Posicionamento Global, o GPS. A escolha de recursos que digam como respondemos à estimulação que o ambiente construído nos proporciona é um benefício que a neurociência oferece à arquitetura. As avaliações dos efeitos nos indivíduos que se baseiam emdados verbais por vezes perdem a acurácia das informações daquilo que causa o efeito de agrado ou desagrado no indivíduo, ou que proporciona conforto ou desconforto. Muito do que a neurociência nos mostra é que a consciência é uma parte pequena da vivência em um ambiente e grande parte do que experienciamos é impalpável até mesmo para nossa própria consideração. Ao termos acesso a informações que nos mostram alterações na forma como o ambiente nos estimula, podemos planejar mudanças nos próximos experimentos e projetos, comparar com mais objetividade e permitir considerações sobre a experiência que “fugiram das palavras”. Grande parte de nossa percepção é não consciente. Especialmente quando relacionada ao ambiente, que quase sempre é o fundo de outras experiências das pessoas que não aprendem a pensar no espaço da mesma forma que um arquiteto. Como bem disse Juhani Pallasmaa em seu livro Os olhos da pele, “o corpo sabe e lembra. O significado da arquitetura deriva das respostas arcaicas e reações lembradas pelo corpo e pelos sentidos”10. Steven Holl, outro grande arquiteto da projetação da experiência vivida no espaço, diz no prefácio desse livro que Pallasmaa: “pratica a arquitetura dos sentidos, impossível de ser analisada, cujas características fenomenológicas concretizam suas ideias sobre a filosofia da arquitetura”. A neuroarquitetura vem abrir as fronteiras para analisar o que era impossível ser analisado. É disso que nós falamos. 1 O cientista espanhol Santiago Ramón y Cajal conseguiu corar neurônios individuais e descobrir padrões celulares nunca antes percebidos, abrindo caminho para estudos iniciais das células e estruturas que permitem que o cérebro funcione corretamente. Iniciando o ramo da ciência que busca desvendar os quebra - cabeças por trás do poder cerebral: a neurociência. In: www.brainn.or g.br. 2 Disponível em: https://www.ted.com/talks/molly_crockett_beware_neuro_bunk?l anguage=pt-br#t-657523 3 Bear et al., 2002, p. 3. 4 Nasar, 2008. 5 Zeisel, 2006. 6 Okamoto, 2002. 7 Juhani Pallasmaa. In: Tidwell, 2013. 8 Mena, 2019, on-line. 9 Karakas & Yildiz, 2020. 10 Pallasmaa, 2011, p. 57. http://www.brainn.org.br/ https://www.ted.com/talks/molly_crockett_beware_neuro_bunk?language=pt-br#t-657523 SOBRE A NEUROCIÊNCIA E SUAS ESTRUTURAS Existem diferentes maneiras de se olhar para o cérebro, da mesma forma que existem diferentes maneiras de ver o mundo à nossa volta. Também o sistema nervoso – e particularmente o cérebro – pode ser estudado por diferentes óticas. Um psicólogo olhará para as propriedades emergentes, entendendo o SN como um elemento capaz de produzir comportamento e consciência. Um farmacêutico estará interessado nas reações químicas que acontecem entre as moléculas dentro e fora das células nervosas. Ou seja, é possível focar em diferentes partes, estruturas, funcionamentos ou conexões do sistema nervoso. Considere, então, a transformação que uma simples lâmpada fez na vida de todos. Ter energia elétrica em casa permite uma expansão enorme da nossa capacidade produtiva, já que agora não estamos mais “presos” às limitações do horário da luz natural. No entanto, a iluminação elétrica é bem diferente da radiação solar, tendo variações quanto à intensidade, o conteúdo espectral e o próprio tempo de duração em um período diário de 24 horas. Só que os seres humanos evoluíram ao longo de milhões de anos considerando esse padrão dia-noite da radiação solar como pista circadiana primária11, com nossos corpos “pré-programados” hoje para manter um ritmo de liberação de melatonina12, além de uma série de outros ritmos fisiológicos, incluindo o ciclo vigília-sono. Ou seja, a iluminação elétrica no ambiente construído é geralmente mais do que suficiente para o desempenho visual, mas pode ser inadequada para a manutenção dos ritmos neuroendócrinos normais para humanos. A realidade é que disciplinas como engenharia, arquitetura e design de interiores enfatizam o desempenho visual, enquanto a função circadiana não é sequer mencionada. Porém, se a iluminação elétrica – como empregada atualmente – contribui para a “desregulação circadiana”, também pode ser uma causa importante de “desregulação endócrina”, o que contribui para o adoecimento13. Além disso, a vida na sociedade contemporânea é principalmente a vida dentro de edifícios. Então, se quisermos projetar esses espaços considerando as reações que podemos instigar no corpo humano, parece lógico entender como esse organismo funciona. Para isso, faz-se necessário um panorama anatômico14 e fisiológico15 do sistema nervoso (SN), a fim de entender e correlacionar suas propriedades funcionais. Entende-se que o SN é responsável por coordenar, integrar, analisar e armazenar as informações que recebemos de estímulos à nossa volta. Assim, subdividido em sistema nervoso central (SNC) e sistema nervoso periférico (SNP), cada parte está intimamente relacionada com um ponto de vista morfológico e funcional do organismo. O SNC fica dentro dos ossos no centro do corpo, o chamado esqueleto axial, composto pela cavidade craniana, em que fica localizado o encéfalo; e pelo canal vertebral que protege a medula espinal – com funções ordenadoras, receptoras e aferentes. Por sua vez, o SNP é formado pelos gânglios16 da medula espinhal, pelos 31 pares de nervos espinhais e pelas terminações nervosas na periferia do corpo humano (Figura 1)17. O encéfalo é protegido por um grosso crânio, uma espessa camada de tecido conjuntivo – conhecida como meninge18 – e milhões de pequenas células interconectadas. Ele é, ainda, subdividido em 3 estruturas: tronco encefálico, cérebro e cerebelo (Figura 2). O tronco encefálico, por sua vez, é composto pelo bulbo, ponte e mesencéfalo. É ele quem conecta a medula espinhal com as estruturas encefálicas superiores, sendo responsável por funções ordenadoras e controladoras do SN. Apesar de contígua à medula espinal, ele é diferente em sua forma e função, uma vez que contém núcleos e tratos19 que levam a informação sensorial para os centros superiores do cérebro20. É Ô FIGURA 1 – DIVISÃO DO SISTEMA NERVOSO COM BASE EM CRITÉRIOS ANATÔMICOS DO CORPO HUMANO FIGURA 2 – ENCÉFALO REPRESENTADO EM VISTA SAGITAL (CORTE), COM SUAS SUBDIVISÕES ESTRUTURAIS A porção inferior do tronco encefálico – região que se conecta diretamente à medula espinal – é o bulbo, que participa das funções vitais como um centro respiratório, centro vasomotor (batimentos cardíacos e pressão sanguíneos) e centro do vômito. A ponte é a porção mediana e funciona como uma estação para as informações provenientes do cérebro e que se dirigem para o cerebelo. Por fim, o mesencéfalo é a porção superior do tronco encefálico. Nele está uma estrutura ventral conhecida como corpos quadrigêmeos, formado pelos colículos superiores, envolvidos no controle dos movimentos oculares; e pelos colículos inferiores, que fazem conexão com as vias auditivas7. Na região do tronco encefálico também estão as conexões com os 12 pares de nervos21 cranianos, exceto os nervos I (nervo olfatório) e II (nervo óptico). Os nervos cranianos estão relacionados a três funções principais: inervação sensorial e motora da cabeça e pescoço; inervação dos órgãos dos sentidos; e inervação parassimpática22 dos gânglios do sistema autonômico23, que controlam as vísceras – respiração, pressão arterial, deglutição, funcionamento intestinal etc. O cerebelo – outra estrutura que forma o encéfalo – é considerado um “minicerébro” tanto por sua estrutura morfológica quanto pela ampla gama de funções que participa ativamente. Ele está envolvido no movimento involuntário, postura corporal, equilíbrio, tônus muscular, coordenação motora e aprendizagem motora. Ou seja, dependemos do cerebelo para interagir com nosso espaço ao andar, correr, passear de bicicleta e tantas outras tarefas. Definido tecnicamente como cérebro são as estruturas encefálicas superiores, divididas em diencéfalo e telencéfalo. O diencéfalo é um conjunto de estruturas subcorticais (abaixo do córtex do telencéfalo)muito importantes: tálamo, hipotálamo, subtálamo e epitálamo. Cada uma tem uma função diferente em como identificamos o mundo e reagimos a ele. O tálamo lida com a sensibilidade, motricidade, comportamento emocional e ativação do córtex, além de desempenhar um papel no mecanismo de estado de alerta. O hipotálamo lida com a atividade visceral, coordena a homeostasia e participa do controle emocional. Já o subtálamo é uma região do diencéfalo que faz parte do circuito motor. E, por fim, o epitálamo tem uma função endócrina pela conexão com a glândula pineal, e é exatamente essa estrutura que será afetada pela lâmpada, inibindo a produção de melatonina (descobrimos o “culpado”). Sim, são muitos nomes e muitas estruturas, cada uma mexendo com uma parte diferente do nosso organismo e que nos permitem dizer quem somos e como reagimos às situações e ambientes que a vida nos apresenta. As informações (resumidas) que estão neste capítulo, por mais “alienígenas” que possam ser para nós arquitetas e arquitetos, fazem parte da neurociência. Falar de neuroarquitetura sem entender o “neuro” nessa relação nos parece contraproducente. SOMOS O QUE PENSAMOS Podemos dizer que o cérebro é o “computador central” de tudo aquilo que somos, fazemos e pensamos. É ele que reúne as informações, reage às situações e toma a decisão. Hoje, sabemos que um ambiente amplo e iluminado ajuda na concentração do estudo; o uso de cores em locais estratégicos pode aumentar a produtividade; e a escolha inteligente de móveis pode induzir a pessoa ao relaxamento. Mas por quê? O que acontece em nós para que tenhamos essas reações? Tudo isso se passa no cérebro e falar de cérebro é falar de conexão. O interessante é que esse órgão que se conecta com todas as partes do corpo – e é responsável por “funcionarmos” – representa apenas 2% da massa corporal. Ao mesmo tempo, ele consome pelo menos 20% da energia que produzimos. Além disso, apesar de ter se tornado comum dizer que o cérebro deve ser treinado e exercitado para evitar atrofia, ele não é um músculo. Esse órgão principal do sistema nervoso é composto por dois tipos celulares principais: os neurônios e os gliócitos. O neurônio é uma célula excitável (Figura 3), visto como a unidade sinalizadora responsável por processar e transmitir os sinais químicos e/ou elétricos em conexões chamadas de sinapses, que acontecem na zona de contato – chamada fenda sináptica (Figura 4) – entre dois neurônios, ou entre um neurônio e uma célula muscular, fornecendo informações para diferentes partes do sistema24. Responsáveis pela conexão do cérebro com o corpo, eles podem ter formas diferentes a depender da região e da informação que irão transmitir. Mas de modo geral, a morfologia do neurônio é adaptada para suas funções, sendo composto por uma região que recebe a informação de outros neurônios (o soma, ou corpo neuronal), na qual ficam seu núcleo e organelas, além de vários pequenos prolongamentos e ramificações (os dendritos), que captam a informação enviada; e a outra região que, configurada como um longo prolongamento (o axônio), envia os sinais recebidos pelo soma para o próximo neurônio na forma de disparos elétricos, chegando a pequenas hastes no fim do axônio (os terminais sinápticos). Já os gliócitos são um conjunto de células não neurais que desempenham funções de infraestrutura no sistema nervoso. Em maior número que os neurônios, eles “nutrem as outras células, dão sustentação mecânica, controlam o metabolismo dos neurônios”25. Os gliócitos possibilitam o trabalho dos neurônios, que estão agrupados em grandes conjuntos de papéis funcionais específicos. Diante do disparo elétrico no neurônio, as terminações sinápticas liberam moléculas chamadas de neurotransmissores26, mediadores químicos que servirão para estimular os dendritos de outros neurônios, em uma grande cadeia de comunicação. Talvez você já tenha ouvido falar em serotonina ou dopamina: essas substâncias são exemplos de neurotransmissores. Além desses, ainda existem outros: GABA, glutamato, noradrenalina, acetilcolina, ocitocina e endorfina. Concentrados em pequenas vesículas nos terminais sinápticos, os neurotransmissores são liberados na fenda sináptica, uma vez que recebem sinal elétrico com carga suficiente. Geralmente, caracterizadas por certos tipos de atividades cerebrais, a serotonina está relacionada às emoções, a dopamina à motivação, a ocitocina ao amor e afeto, a noradrenalina ao estresse, e assim por diante. Entretanto, essas são representações ultrassimplificadas dessas substâncias. Podemos sim separá-las por certo nível de especialização que diferencia quais neurônios poderão se comunicar com o receptor, um tipo de fechadura existente nos dendritos de cada neurônio. Serão eles que permitirão que os neurotransmissores influenciem o neurônio. FIGURA 3 – ESTRUTURA DO NEURÔNIO, CÉLULA ESPECIALIZADA QUE RECEBE E TRANSMITE SINAIS ELÉTRICOS FIGURA 4 – REPRESENTAÇÃO DA CONEXÃO ENTRE TERMINAL DO AXÔNIO E DENDRITO ATRAVÉS DA SINAPSE, COM LIBERAÇÃO DE NEUROTRANSMISSORES NA FENDA SINÁPTICA Vale considerar que a serotonina, por exemplo, tem um papel importante na região do cérebro relacionada às emoções (o sistema límbico27), mas outros neurotransmissores também o são. Por isso a importância de evitar o completo reducionismo dos conceitos. Uma forma mais correta de diferenciar os neurotransmissores seria pelos tipos de receptores com os quais fazem conexão. A composição das moléculas fará com que eles se liguem a apenas alguns tipos de receptores: aminoácidos (GABA e Glutamato), peptídeos (ocitocina e endorfinas), monoaminas (noradrenalina, histamina, dopamina, serotonina), purinas (adenosina e ATP), gasotransmissores (óxido nítrico e monóxido de carbono) e a acetilcolina (que é o único transmissor de sua classe). Também é possível diferenciá-los por suas funções no organismo: neurotransmissores excitatórios aumentam a probabilidade de um neurônio disparar seu sinal elétrico, como a noradrenalina e o glutamato. Os neurotransmissores inibitórios diminuem a probabilidade de um neurônio disparar seu sinal elétrico, como a serotonina e o GABA. Contudo, a dopamina e a acetilcolina, por exemplo, são de certo modo polivalentes. Elas podem criar tanto efeitos excitatórios quanto inibitórios, dependendo do tipo de receptores que uma determinada célula tenha, chamando-os de neurotransmissores moduladores ou neuromoduladores. Alguns tipos podem até mesmo impactar no efeito de outros neurotransmissores, complexificando o tipo de comunicação que nossos neurônios podem fazer. Entender as substâncias liberadas do corpo representa uma ferramenta a mais para explorar as possibilidades projetuais do espaço. Afinal, são os neurotransmissores que ativam, ou não, uma determinada emoção ou “impulsionam” um comportamento específico. Como dizia uma linha de pensamento de neurocientistas que estudavam a sinapse, somos uma “sopinha química”. Bom, já falamos que o cérebro é formado pelo diencéfalo e o telencéfalo. Juntos, integram e consolidam as informações recebidas pelos estímulos do ambiente construído. Além disso, o cérebro é responsável pelas atividades voluntárias (as que escolhemos fazer em nível consciente). FIGURA 5 – DIVISÃO DO CÉREBRO EM LOBOS: (I) VISTA LATERAL; (II) VISTA LATERAL COM ABERTURA PARA VISUALIZAÇÃO DA ÍNSULA; (III) VISTA SUPERIOR; (IV) VISTA SAGITAL (EM CORTE) Estruturalmente, o cérebro pode ser visto em duas partes, conhecidas como hemisférios cerebrais, divididos pelo plano mediano do corpo. Separados por um grande sulco (a fissura longitudinal), o cérebro é descrito como tendo um hemisfério esquerdo e outro direito. No entanto, eles não trabalham bem de forma isolada, necessitando de uma conexão para o desempenho saudável de suas funções. Essa ligação é feita pelo corpo caloso, um grande feixe de fibras nervosas. Vale ressaltar que quando há uma “ponte” entre os hemisférios, diz-se que ela é uma comissura – e existem algumas outras menores no encéfalo28, como a comissura anterior, a comissura posteriore o fórnix –, que transferem informações entre os dois hemisférios para coordenar funções localizadas. Isso pode ser visto no processamento de sinais sensoriais, por exemplo, que é tipicamente recebido em um hemisfério para depois ser compartilhado com o outro. Em uma visão lateral, os hemisférios podem ser subdivididos em lobos (Figura 5 acima). Essa organização identifica certas regiões cerebrais que se comunicam principalmente com outras regiões do próprio encéfalo, que por sua vez se especializa em certos tipos de atividades cerebrais. O lobo frontal é responsável pelo movimento do corpo e pelas capacidades cognitivas superiores, como raciocínio, decisão e planejamento; o lobo temporal lida com o processamento de sinais auditivos, além de ter importância na cognição do aprendizado e da memória; o lobo parietal integra as informações cognitivas sensoriais, e é responsável pela atenção, além da representação do espaço à nossa volta; o lobo occipital foca no processamento da visão; e o lobo da ínsula processa o paladar e faz conexão com o sistema límbico. Lembremos que as funções de cada região não devem ser completamente simplificadas, uma vez que possuem nuances e podem participar de funções em outros contextos dependendo da necessidade e da conexão neural29. Além disso, o córtex tem sua superfície “dobrada”, o que cria algumas estruturas com um leve relevo que chamamos de GIROS, marcados por depressões chamadas de SULCOS. Essas duas configurações criam a imagem de textura rugosa do cérebro. Além disso, são essas composições topográficas que permitem uma divisão ainda mais detalhada dos lobos, especificando aos nossos olhos sub-regiões. MOVER OU SENTIR, EIS A QUESTÃO Não podemos dizer que nosso fascínio pelo cérebro é recente. Cientistas de diferentes áreas de estudo vêm há décadas tentando entender e “mapear” o principal órgão do sistema nervoso, em que o telencéfalo se mostrou foco de análise. Em sua área mais central existe a massa ou substância branca, composta principalmente pelos axônios dos neurônios, o que permite a conexão entre suas diferentes regiões (as fibras30 de associação) e com outras estruturas cerebrais (as fibras de projeção). A camada externa é o córtex cerebral, área de processamento mais sofisticado do cérebro. Também conhecido como massa ou substância cinzenta, é rico em neurônios, sendo a concentração dos somas (o corpo celular) o que lhe atribui essa coloração. Depois de muitos experimentos, os neurocientistas descobriram um aspecto interessante da estruturação do córtex e sua conexão com o restante do corpo: a retroalimentação sensorial. O conceito de retroalimentação, também denominada por feedback, refere-se a um efeito retroativo, em que a informação que o emissor envia é produzida como resposta à mensagem que o receptor enviou antes, mantendo-se essa relação constante. Ou seja, na conexão entre mente e corpo, o organismo capta continuamente estímulos do ambiente para fornecer informações ao córtex para que ele possa ajustar processos de percepção, controle motor, excitação, homeostase, motivação, aprendizado ou memória. Para isso, o sistema nervoso faz uso de certos tipos de neurônios: aferente, eferente e interneurônio. As vias aferentes formam uma grande população de neurônios distribuídos estrategicamente por todo o corpo, onde recebem a informação sensorial do espaço a partir de receptores31 e enviam para diferentes áreas corticais primárias32. No córtex, a informação é processada e analisada, sendo possível integrar várias modalidades sensoriais. Em seguida, faz uso das vias eferentes para levar uma resposta aos músculos e glândulas alvos de diversas partes do corpo. Já os interneurônios fazem conexões entre as vias aferentes e eferentes do corpo, ajustando o sinal em percurso. Essa complexa relação de feedback contínuo vêm sendo estudada exaustivamente, tanto do ponto de vista sensorial quanto do motor. Para isso se deu o nome de sistema somatossensorial ou sensorial somático, um conjunto de estruturas que nos dão a capacidade de receber informações sobre as diferentes partes do corpo. Assim, os sentidos somáticos ou somestésicos, especificamente, irão lidar com o tato e a identificação de textura; o reconhecimento da localização espacial do corpo e noção de posição e movimento (propriocepção); a percepção da temperatura (termocepção); e percepção da dor (nocicepção). No contexto de mapeamento do córtex em relação a essas percepções (processo de somatotopia), o médico neurocirurgião Wield Penfield (1891-1976) identificou a região específica de controle motor e sensorial do corpo humano. Conhecida hoje como homúnculo de Penfield – do latim “homem pequeno” –, temos hoje uma representação da figura humana com proporções correspondentes a cada área especializada (Figura 6). Vale ressaltar que os trabalhos deste neurocientista foram fundamentais para o desenvolvimento das interfaces cérebro máquina (ICMs). De forma mais ampla, o mapeamento do córtex chamado Área de Brodmann (Figura 7), desenvolvido pelo anatomista alemão Korbinian Brodmann (1868-1918), define o córtex cerebral em 52 áreas distintas. De forma geral, essas áreas se organizam em três grandes grupos: o córtex pré-frontal está envolvido com a cognição (raciocínio, controle inibitório, memória de trabalho) e ações motoras; o córtex parieto-têmporo-occipital se relaciona com funções sensoriais mais elaboradas, além da linguagem; e o córtex límbico lida com a memória, emoção e aspectos motivacionais do comportamento. FIGURA 6 – REPRESENTAÇÃO CORTICAL DO HOMÚNCULO DE PENFIELD, IDENTIFICANDO A PROPORÇÃO DE SENSIBILIDADE DAS DIVERSAS PARTES DO CORPO FIGURA 7 – REPRESENTAÇÃO DAS ATIVIDADES CORTICAIS COM APROXIMAÇÃO DE LOCALIZAÇÃO Algumas das áreas de Brodmann são mencionadas com mais frequência na leitura de neurociência. O córtex visual primário corresponde à área 17. O córtex auditivo primário é composto pelas áreas 41 e 42, importantes para os processos cognitivos de percepção e linguagem. A área 4 é o córtex motor primário, e está situado no giro pré-central. O giro pós-central, no qual se localizam as áreas somatossensoriais, é dividido em áreas 1, 2 e 3. Evolutivamente, o córtex pré-frontal é a área que mais se modificou nos últimos tempos, desenvolvendo-se em nossa espécie de forma impressionante em comparação a outras espécies. Talvez por isso seja tão difícil de sumarizar suas características, uma vez que ele é uma área de associação de informações muito diversas. Essa região cortical recebe as informações íntero e exteroceptivas (sensações internas e externas ao corpo), de forma a selecionar as respostas motoras apropriadas para cada estímulo, dentre as várias disponíveis. Uma de suas funções fundamentais – e que talvez seja uma das mais importantes para caracterizar nossa humanidade – é a capacidade de avaliar as consequências de planejamentos e ações futuras, ainda que ele participe de muitas outras funções. De maneira geral, podemos considerar que o córtex pré-frontal sintetiza todas as informações sensoriais e experiências emocionais de forma a produzir percepções conscientes que resultam em comportamentos específicos, e consonantes com os estímulos que chegam ao cérebro. O nosso contato com o mundo está diretamente ligado ao estado do nosso meio interno (fome, sede, sexo, raiva e prazer)33. A fome pode fazer com que a voz do professor perca o foco, enquanto que o cheiro do almoço no restaurante controla completamente seus pensamentos, por mais que se saiba que aquelas informações do professor são importantes. As emoções que experimentamos são regidas pelo sistema límbico e o córtex pré-frontal, interconectados de forma que o indivíduo pode também exercer um controle sobre seu estado emocional (usando estratégias cognitivas para manter o foco); ou ter um controle emocional de seus pensamentos (perdendo o foco pela fome ou a imaginação do almoço em casa). De uma maneira geral, podemos considerar que o córtex pré-frontal integra todas as informações sensoriais e experiênciasemocionais, de forma a produzir percepções conscientes. Isso leva à produção de comportamentos específicos e consonantes com a estimulação cerebral. Já no córtex occipital, um determinado padrão de atividade disparado por estímulos visuais envia informações para o córtex parieto-têmporo-occipital, em que a informação é processada em função das características espaciais e para o reconhecimento desses estímulos. É interessante pensar que se esse é seu primeiro contato com a neurociência, talvez tudo isso pareça difuso e exija também algum tempo de anotações. Mesmo os neurocientistas mais experientes precisam repassar essas relações, e algumas delas aprofundam-se muito, sendo motivo para especialização. Contudo, você inevitavelmente lidará com os nomes dessas estruturas em suas leituras de neuroarquitetura, e reconhecê-las e ter uma referência para encontrá-las é importante no caminhar de quem começa a buscar as pontes entre neurociência e arquitetura. 11 Ritmo (ou ciclo) circadiano é o período de aproximadamente 24 horas em que se baseia o ciclo biológico do ser humano; é influenciado pela variação dia- noite de condicionantes como luz, temperatura, marés e ventos. 12 Melatonina é um hormônio produzido pela glândula pineal, que só é ativada quando não há estímulos luminosos; ou seja, a produção de melatonina só ocorre à noite e induz o sono. 13 Stevens & Rea, 2001. 14 Anatomia é o estudo da forma e da estrutura do organismo, bem como suas partes. 15 Fisiologia é o estudo das funções e funcionamento do organismo em função de processos físico-químicos. 16 Gânglios são formados pelo agrupamento de corpos de neurônios no SNP 17 Purves et al., 2008. 18 Meninge é cada uma das três membranas superpostas (dura-máter, aracnoide e pia-máter) que envolvem o sistema nervoso central. 19 Tratos são vias neurais que percorrem a medula espinal (para cima ou para baixo) e representam os caminhos do sistema nervoso central (SNC). 20 Brandão et al., 2005. 21 Nervo é o prolongamento de axônios do neurônio que formam fibras nervosas. 22 O sistema nervoso parassimpático é parte do sistema nervoso autônomo, sendo responsável por estímulos de calma, saciedade, repouso e digestão. 23 O sistema nervoso autônomo (SNA) faz parte do SNC e controla grande parte das funções viscerais do organismo. 24 Lent, 2010. 25 Lent, 2010, p. 2. 26 Brandão et al., 2005. 27 Sistema límbico, também conhecido como cérebro emocional, é um conjunto de estruturas subcorticais responsáveis pelas respostas emocionais aos estímulos captados. 28 Encéfalo é a junção do cérebro, do cerebelo e do tronco encefálico, todos protegidos pela estrutura craniana. 29 Eysenck & Keane, 2017; Purves et al., 2008. 30 Fibras são os prolongamentos dos neurônios (os axônios), que se agrupam para formar feixes. 31 Receptores são células especializadas responsáveis pela captação da energia do estímulo e sua conversão em um sinal biológico. 32 Áreas Primárias são regiões corticais que têm relação diretamente com a sensibilidade ou com a motricidade. 33 Brandão et al., 2005; Purves et al., 2008. NOSSOS PROCESSOS COGNITIVOS Um ponto importante para compreensão da neurociência é que não existe análise técnica sem uma base teórica consistente. Ainda que seja possível compreender vários fatores sobre a fisiologia do cérebro por meio de tecnologias existentes, a interpretação desses achados depende diretamente de conceitos bem definidos e coerentes que estabeleçam os critérios para as referências comportamentais usadas nos experimentos. Predomina na neurociência a forte influência da teoria da Psicologia Cognitiva, que oferece bases experimentais muito importantes para definir claramente dimensões da mente, como: percepção, aprendizagem, atenção, memória, consciência e emoção. Muitas das características dessas atividades cognitivas não são ainda correlacionadas com eventos que conhecemos em termos fisiológicos, ou até são, mas ainda são discutidas propostas conceituais distintas, que levam a dados fisiológicos diferentes. Por isso, avaliar o conjunto de evidências dessas linhas teóricas permite produzir revisões bibliográficas importantes, que são tão relevantes quanto o desenvolvimento de uma nova tecnologia34. Existe, por exemplo, mais de uma definição sobre memória de trabalho ainda em debate, com pesquisadores de diferentes linhas de estudo buscando o melhor delineamento para que ela possa ser operacionalizada como variável em experimentos que buscam seus correspondentes fisiológicos. A aprendizagem também depende de um tipo de ativação chamada potenciação de longa duração35 (LTP, do inglês long term potentiation), da qual são conhecidos alguns aspectos, mas ainda não se sabe qual neurotransmissor é responsável por iniciá-la. A hipótese mais promissora tem sido o óxido nítrico, mas ainda são necessárias mais evidências científicas para de fato apontá-lo como causa para as LTPs. Além disso, como usamos comportamentos expressos em tarefas para descrever uma habilidade cognitiva, escolher uma tarefa que acreditamos medir um determinado fator envolve um importante trabalho de refletir sobre experimentos e suas delimitações. Em usos muito equivocados de apropriação da neurociência, muitas vezes, pesquisadores se precipitam em atribuir relações para tarefas que querem medir. Por isso, quando os conceitos são operacionalizados em uma tarefa que pode ser aplicada em um experimento – ou seja, descritos como habilidades e comportamentos que podem ser observados –, precisam atentar para a validade ecológica da tarefa. Isto é, verificar se as condições analógicas criadas realmente correspondem às condições que se quer recriar de tais habilidades e comportamentos observados na vida real. Por exemplo, uma pessoa que simplesmente use o jogo da memória para avaliar as habilidades de memória de curto prazo, não leva em consideração que esse jogo é conhecido por muitas pessoas. Alguém pode ir bem em sua tarefa não pelo uso da habilidade de memória de curto prazo, mas por ter outras estratégias advindas da experiência com o jogo, usando na verdade aspectos da memória de trabalho. Assim, é preciso saber qual aspecto se deseja avaliar, identificar outras habilidades cognitivas que podem turvar os dados que serão obtidos e prever esse aspecto no estudo. Por isso, há experimentos especializados exclusivamente em validação de testes e atividades que podem ser usadas para avaliar uma habilidade cognitiva. A neuropsicologia e a psicologia cognitiva tiveram importantes avanços nesse quesito e podem ser uma boa busca para arquitetos que desejem fazer esse tipo de análise. Aliás, esse é só o início da jornada. A neurociência tem muitas outras formas de interagir com a arquitetura. Sua aplicação permite entender melhor os efeitos que o ambiente construído tem no cérebro humano. Muitos conhecimentos sobre as habilidades cognitivas conhecidas pela neurociência podem ser um ponto rico de trocas para criação de projetos arquitetônicos. Até mesmo o conhecimento da saúde do cérebro e seu desenvolvimento podem ser interessantes para escolhas projetuais que ofereçam qualidade de vida específica para pessoas com deficiência, crianças, idosos ou mesmo adultos em busca de um estilo de vida menos estressante. O FUNCIONAMENTO DA MENTE Vamos apresentar aqui de forma resumida alguns dos resultados mais amplamente aceitos sobre atenção, percepção, memória, consciência e emoções. Esses são os conceitos mais frequentemente emprestados da psicologia cognitiva para os estudos experimentais de neurofisiologia ou para definir aspectos clínicos das atividades cerebrais. Tudo começa nos nossos sentidos: visão, audição, tato, olfato, paladar, interocepção36 e propriocepção37. As informações são recebidas continuamente, todas ao mesmo tempo, ainda que elas sejam de certa forma um filtro. Isso porque não detectamos todos os tipos de luz, como o infravermelho ou luz ultravioleta; nem ouvimos todas as ondas sonoras possíveis, como os cães e gatos são capazes. Ainda assim, essas informações chegamdurante cada segundo de vida e é fácil imaginar o mar de informações recebidas pelo corpo. Logo, a experiência mental reflete uma parte ínfima de informações que inunda o ser humano a cada momento. A habilidade cognitiva que realiza uma primeira triagem dessas informações é nossa atenção. Ela é geralmente dividida em atenção focalizada e atenção dividida38. A atenção focalizada se refere a situações em que os indivíduos tentam prestar atenção a apenas uma fonte de informação, ignorando outros estímulos; também conhecida como atenção seletiva. A palavra ignorar aqui é importante. O controle inibitório – uma característica do córtex pré-frontal que envolve deprimir atividades em certas áreas cerebrais – será muito importante para a atenção e autocontrole. De certo modo, ele “silenciará” as áreas que processariam as informações que não são importantes para a tarefa em foco naquele momento. Um exemplo simples são os momentos em que estamos tão imersos à leitura de um livro que até esquecemos do resto do ambiente. Os estímulos do ambiente são recebidos pelos seus sentidos, mas as áreas que irão processá-los estarão enfraquecidas ou inibidas por interferirem na produção da sensação de mergulhar na sua história. O que faz você não ouvir a chaleira apitando na cozinha com seu chá. A atenção dividida, por sua vez, diz respeito a situações em que lidamos com duas ou mais tarefas ao mesmo tempo, como o ato de dirigir, por exemplo, que requer prestar atenção na pista, mas também em pedestres e outros veículos. É importante ressaltar que alteramos os períodos de foco mais rapidamente entre as tarefas, em vez de mergulhar em um estado de concentração em apenas uma. Isso faz diferença, porque a mudança de foco também significa momentos de negligência para o que não está em foco. Essa mudança apenas é mais rápida que a negligência da sua chaleira quando mergulhados na leitura. Uns parênteses importantes aqui: por mais que possamos monitorar dois eventos ou duas tarefas ao mesmo tempo, nossa atenção é muito mais limitada do que gostaríamos de acreditar. A atenção dividida permite que não entremos num estado de foco e concentração tão profundos para que possamos transitar entre dois ou mais elementos ambientais. Mas isso significa um custo maior de energia para o cérebro, com uma qualidade menor de eficiência. E essa perda de qualidade é proporcionalmente menor quando aumentamos o número de tarefas e quando envolvemos tarefas que não são automatizadas em nossa vida. Não entenda mal, a habilidade de atenção dividida é importante e pode ser melhorada em situações em que estamos muito bem treinados nas tarefas envolvidas. No entanto, sempre que se precisar fazer algo bem, prefira organizar sua tarefa de modo a se permitir foco em uma atividade por vez. Em casos como dirigir, em que a atenção dividida é inevitável e você precisa prestar atenção em diferentes aspectos ambientais para uma direção adequada, é importante se expor para que essa atividade melhore com a repetição e automatização, e não inclua mais atividades não essenciais nesse processo, como falar ao celular ou digitar uma mensagem. Uma tarefa a mais pode ser o elemento que torne sua resposta às prioridades lenta e com menos qualidade. O cérebro não é uma máquina com energia infinita, e é importante saber que o “uso”, ao estar acordado e responsivo (chamado estadode vigília), faz com que sua qualidade atencional vá se tornando pior ao longo do dia, assim como seus músculos se cansam de sentar, andar e correr em sua rotina. Todo seu corpo, não importa o tipo de tecido, desgasta-se, cansa e precisa do período restaurador do sono profundo para funcionar bem. Com nosso cérebro não é diferente e isso é bem mais palpável no caso da atenção concentrada. O sono adequado e intervalos de relaxamento são essenciais para que seu corpo se recupere de grandes gastos energéticos por tarefas de atenção concentrada (ou focalizada) e atenção dividida prolongada. Há outra distinção entre características da atenção muito usadas, dessa vez entre a atenção externa e interna. Atenção externa se refere à seleção e processamento das informações dos sentidos em contato com o meio externo (como visão, tato, olfato e paladar), enquanto a atenção interna diz respeito à seleção e processamento de informações internas (tarefas que dependem de memória, imaginação ou raciocínio). Essa subdivisão lança luz sobre outra forma de olhar para a atenção e colabora para entender alguns fenômenos. Um exemplo interessante é o que os cientistas chamaram de “the cocktail party effect” (em português, o efeito do coquetel). Ele diz respeito à interferência na qualidade da sua atenção a uma voz quando duas ou mais pessoas estão falando ao mesmo tempo – esperamos que se lembre carinhosamente desse texto quando for conversar durante uma aula ou reunião. A atenção seria responsável, então, por realizar uma triagem da inundação de informações captadas pelos sentidos. Contudo, essas informações filtradas pela atenção interagem com a percepção, que simultaneamente organiza essas informações segundo os padrões que o cérebro aprendeu a reconhecer. Assim, o cérebro formula uma experiência integrada dessas informações, permitindo o processamento daquilo que já foi visto e redireciona a atenção para aquilo que parece novo ou estranho, o que se torna prioritário para o indivíduo. AO PERCEBER O MUNDO Padrão é uma palavra essencial. Não se enxerga o mundo como ele é, mas sim como se aprendeu a ver. A percepção é então esse processo de colocar as informações dentro do que a memória permite reconhecer, unidas a fim de identificar situações de perigo, posicionamento espacial, reconhecimento de formas. Contudo, parte desse reconhecimento envolve preencher lacunas e reaproveitar padrões mais recorrentes, anulando certos elementos de variabilidade de informações nesse processo. Essa característica de funcionamento é o que favorece a existências de fenômenos cognitivos como a constância perceptiva e as ilusões perceptivas. No caso da constância perceptiva, as informações recebidas do ambiente são variáveis, mas a percepção se mantém constante. Um exemplo interessante é a variação de luz ao longo do dia e dos ambientes pelos quais passamos: se o reconhecimento da imagem de uma pessoa dependesse de que todos os estímulos que a identificam permanecessem iguais (como tom de pele, dimensão dos detalhes do rosto, formato do corpo, roupas) as mudanças de luz, maquiagem, roupas ou detalhes no cabelo já não corresponderiam a esse conjunto tão detalhado39. Por isso, a constância perceptiva é o que permite que alguns aspectos daquela experiência sejam detectados como essenciais para o reconhecimento de elementos e outros possam ser desprezados nesse processo. Por isso que por vezes uma maquiagem nova e bonita ainda permite que reconheçamos a pessoa, mesmo que os estímulos desprezados nesse processo sejam inefáveis e nos deem a sensação de que algo mudou, mas sem saber exatamente o quê. O escritor argentino Jorge Luis Borges (1899-1986) criou o personagem Funes, o memorioso, que nos permite inclusive pensar como esse processo é tão dependente do que aprendemos e memorizamos, mas não do que vemos diante dos nossos olhos. Em seu livro de ficção, Borges diz que Funes: Havia aprendido sem esforço o inglês, o francês, o português, o latim. Suspeito, contudo, que não era muito capaz de pensar. Pensar é esquecer diferenças, é generalizar, abstrair. No mundo abarrotado de Funes não havia senão detalhes, quase imediatos40. Funes era um indivíduo incapaz de esquecer, e porque não esquecia mesmo os mínimos detalhes, não podia reconhecer. A iluminação, posição e comportamento de um cachorrinho eram tão diferentes de outros cachorros, que até mesmo no cachorro de duas horas atrás era impossível ver a mesma experiência. As memórias detalhadas tornavam impossível agrupar similaridades, porque tudo era visto e lembrado. Tudo merecia um nome novo porque seriam diferentes demais para serem agrupados. As repetições das nossasexperiências estabelecem o que mais se repete como aquilo que será lembrado, e as variações desses momentos serão esquecidas. Aquilo que se esquece para reconhecer é o que permite a constância perceptiva, o que é essencial para termos a capacidade de abstração. Há o que chamamos de constâncias perceptivas de forma, tamanho e cor. A primeira, a constância da forma, permite o reconhecimento de rosto, objetos, estímulos, por desprezar a variação de alguns elementos que não correspondem ao “gabarito” aprendido sobre o que sou no espelho, quem é minha mãe, qual é a minha blusa, ou minha letra cursiva. Já a constância de tamanho envolve a interpretação da variação do espaço que uma imagem ocupa em relação a nós mesmos a depender do tamanho comparado dos outros elementos do ambiente41. FIGURA 1 – GRAVURAS DO LIVRO ALICE NO PAÍS DAS MARAVILHAS (1865) ESCRITO POR LEWIS CARROLL Imaginemos ver Alice em um vácuo flutuante. Nesse caso, ao beber de um vidrinho, enxergamos que ela aumentou ou diminuiu por compará-la com os objetos registrados e, nossa memória recente, vista há poucos minutos. Entretanto, se ao fundo o país das maravilhas, onde existem linhas de perspectiva e outros estímulos conhecidos que sabemos seu tamanho em comparação a Alice, e todos eles aumentarem ou diminuírem proporcionalmente à menina. Não interpretaremos mais que ela cresceu, mas que ela ainda tem o mesmo tamanho, caso esteja mais perto ou mais longe de nós (Figura 1). Se essa análise que faz uso das pistas perceptuais mencionadas do resto do ambiente não envolvessem constância, toda aproximação de um objeto poderia levar equivocadamente à interpretação de que um objeto cresceu ou que ele não é mais o mesmo. Manter essas referências constantes e desprezar essas mudanças como elemento diferenciador fazem com que mantenhamos nosso reconhecimento da Alice como a mesma e com o mesmo tamanho. A percepção também está relacionada à constância da cor, que é a tendência que uma superfície ou objeto tem de ser percebido como tendo a mesma cor quando os comprimentos de onda mudam42. Sem ela, as mudanças de um ambiente com luz amarela para outro com luz branca mudaria tanto as cores dos objetos e dos seres naquele ambiente que não o reconheceríamos. Manter a identificação da cor vermelha de uma blusa como o mesmo vermelho, apesar de a luz do ambiente modificar sua tonalidade, permite que possamos encontrá-la; ainda que se esteja procurando em um quarto escurecido pelas cortinas semicerradas para não acordar a pessoa nesse quarto. Claro que, nesse caso, conhecer bem a blusa ajuda na constância de cor. Não seria tão fácil reconhecê-la no escuro pelo seu tom de vermelho tendo a visto poucas vezes. Outra possibilidade que colabora para a constância de cor é o decréscimo rápido da iluminação. Nesses casos, tende-se a perceber menos a mudança de luz e manter a percepção das cores vistas quando havia mais iluminação (adaptação cromática). Nesse caso, não seria preciso grande conhecimento dos objetos vistos, apenas contato com eles enquanto as mudanças de luz acontecem. O cérebro tenta manter uma visão que favorece o reconhecimento daquele ambiente, por mais que a luz mude rapidamente. Essas constâncias e pistas perceptuais são ferramentas que economizam muita energia cerebral e guiam a experiência perceptual, como os arquitetos sabem bem e usam no dia a dia de escolha de cores, luz e perspectivas de um projeto. O templo do Partenon, edifício da Grécia Antiga (Figuras 2 e 3), é um grande exemplo de como o pensamento arquitetônico pode depois ser descrito em pistas perceptuais. O edifício faz uso da êntase, uma técnica projetual que auxilia na redução da ilusão óptica gerada por uma coluna quando as duas linhas do limite visual do fuste parecem curvar para dentro. FIGURA 2 – PARTENON NA ACRÓPOLE DE ATENAS, GRÉCIA (SÉCULO V A.C.) PROJETADO POR CALÍCRATES E ICTINOS, VISTO DE LONGE FIGURA 3 – DETALHAMENTO DOS ELEMENTOS VERTICAIS DA GRÉCIA ANTIGA: À DIREITA, AS COLUNAS DO PÓRTICO DAS CARIÁTIDES DO TEMPLO ERECTEION NA ACRÓPOLE DE ATENAS (421 A.C.); À ESQUERDA, AS COLUNAS DO PARTENON NA ACRÓPOLE DE ATENAS (SÉCULO V A.C.) Apesar de parecerem retas e paralelas, as colunas do Partenon são levemente curvadas para fora no meio, para poder compensar a tendência de visualização das linhas paralelas se curvando para dentro. Da mesma forma, as linhas horizontais das vigas que cruzam o topo das colunas e a plataforma do piso são levemente inclinadas para cima, a fim de compensar a percepção de que elas se curvam para baixo. As próprias cariátides do templo Erecteion são ajustadas, e suas formas humanas funcionam para diminuir a distorção óptica (Figura 4). Além disso, as colunas sempre se inclinam ligeiramente para dentro no topo, para compensar a tendência de serem percebidas como se estivessem se abrindo, quando vistas do ponto de vista do observador, que entra na Acrópole em um nível mais baixo. Esse é um conhecimento arquitetônico que perdura e que serviu de exemplo para discussões sobre quais estímulos são interessantes para investigar mudanças na percepção. FIGURA 4 – DIAGRAMAS DA ILUSÃO DE ÓPTICA DO PARTENON: (I) O QUE IMAGINAMOS VER COMO RESULTADO DO PROJETO; (II) EXAGERAÇÃO DAS PEQUENAS DEFORMAÇÕES DA TÉCNICA DE ÊNTASE USADAS AO COMPREENDER O MUNDO Até o momento foi falado aqui sobre a percepção dar sentido ao que está sendo recebido, entretanto, o perceber nem sempre será consciente. Perceber não será o mesmo que compreender o que está acontecendo. Apenas uma pequena parte de todo conteúdo processado chegará a esse patamar. Cabe aqui diferenciar: usa-se o termo consciência, especialmente na neurociência médica, para identificar o nível de responsividade do cérebro aos estímulos ambientais. Nesse caso, é possível variar entre um estado de coma ao estado de pleno funcionamento, como quando apresentamos a vigília adequada que permitirá boa qualidade atencional e do funcionamento dos outros processos cognitivos. Os registros de atividade cerebral em onda apresentados no capítulo anterior são inclusive muito úteis para estabelecer referências mensuráveis sobre esses tipos de ativação. Contudo, parte da literatura busca estudar também esse estado de percepção consciente que dá a sensação de eu. Ela se refere à informação sobre estímulos internos e externos ao corpo: pensamentos, memórias, imaginações e autoconsciência e autocontrole de seu comportamento, chamados de consciência fenomenal. Essa seria a consciência envolvida na capacidade de raciocinar e criar uma experiência subjetiva43. Como se pode imaginar, essas definições geram bastante debate e não são conceitos simples. Ao fazer um pequeno panorama sobre as funções consensualmente atribuídas a essa consciência, é possível estabelecer uma associação à percepção do ambiente, que desempenha um papel importante na comunicação social e na compreensão do que outras pessoas estão pensando (chamado na literatura de metacognição ou cognição social). A consciência fenomenal também desempenha um papel no controle das ações, o que permite refletir sobre as situações vividas – tanto no momento em que ela ocorre como um posterior – e, por fim, ela integra e combina vários tipos de informações. Um aspecto importante a ser ressaltado é que falamos em “dar sentido” quando nos referimos à percepção, mas não falamos especificamente de consciência. A vigília, a atenção e a percepção são etapas importantes para o funcionamento do organismo humano, mas grande parte delas representa uma pequena parcela desse funcionamento. Isso mesmo elas sendo usadas de modo determinante para uma atividade cerebral adequada e a consciência tal como é conhecida (consciência das ações e do que se pode ver). A consciência ajuda muito na resolução de problemas e no processamento de adequação rápida ao ambiente. No longo caminho entre a padaria e a casa feito pela primeira vez, o processo consciente de agir em cada etapa da condução do carro é preciso, uma vez que todos esses movimentos e reações não estão automatizados.Na próxima vez, é possível se corrigir para melhorar e estar mais preparado para perigos, que talvez no início não se tenha tanta habilidade para resolver de repente. Entretanto, com mais experiência para dirigir nesse trajeto, a consciência de todos os seus movimentos e todos os aspectos percebidos no ambiente será menos exigida. A partir de então, o motorista chegará ao seu destino em um piscar de olhos, como também não lembrará com muitos detalhes como dirigiu, ou detalhes do processo de dirigir, pois a consciência poderá dividir o espaço com alguns detalhes mais importantes do caminho e do carro, como pensamentos ou conversas dentro do carro. Outro aspecto interessante a ser ressaltado é a controvérsia a respeito das evidências comportamentais que sugerem que a noção de controle consciente das ações é uma ilusão, conduzida pelos princípios de prioridade, consistência e exclusividade. Os estudos de neuroimagem indicam que algum processamento de decisões relevantes ocorre antes da percepção consciente. Essas questões surgem principalmente pelo grande papel que as emoções exercem no controle das nossas capacidades cognitivas, principalmente atenção, percepção, memória e autocontrole. Estados emocionais envolvendo uma intensidade motivacional elevada estão associados à prioridade no foco da atenção, enquanto aqueles envolvendo baixa intensidade emocional estão associados à ampliação da atenção – em outras palavras, a busca por estímulos mais interessantes. A limitação e a ampliação da atenção determinam parcialmente o que é lembrado na memória de longo prazo, porque você perceberá com mais detalhes. Quantos de nós não temos momentos fugazes que na memória parecem durar horas. Essas emoções também induzem a consolidação mais rápida da memória. Emoções muito intensas, como a paixão ou o medo forte (especialmente o medo), parecem ter prioridade para se tornar uma memória de longo prazo quando comparado com situações de baixa intensidade emocional. Até mesmo o julgamento e a tomada de decisão sofrem grande interferência de sentimentos como ansiedade, tristeza, raiva e afetos positivos, levando a diferentes padrões de efeitos sobre esses processos cognitivos44. O controle das emoções está até mesmo na própria consciência – com análises que passam pelo filtro do senso comum para julgá- las racionais –, e estará sempre profundamente enviesado por nossas emoções. A ansiedade e a depressão têm sido associadas a tipos de quatro vieses cognitivos: viés de atenção, viés interpretativo, viés de memória explícita e viés de memória implícita. Mas nem só de psicopatologias são feitos os vieses. Ficamos sim “cegos de paixão” ou empolgação, simplesmente porque certos momentos ganham mais relevância para a atenção por serem emocionalmente mais intensos. Se esses estímulos não estiverem concorrendo com perigos, que normalmente ganham no balanceamento dessa atenção, fortes emoções como paixão, atração sexual e euforia podem, sim, cegar-nos para outros estímulos que estavam no ambiente enquanto vivíamos a experiência. Nem sempre esses vieses vêm apenas do ambiente diretamente. Na verdade, a memória é uma grande faca de dois gumes nessas situações. Tanto ela é intensamente afetada por como as emoções guiam nossa atenção, percepção e consciência, levando a definição das prioridades para o que deve ser consolidado como memória; como ela interfere no reconhecimento dos elementos do ambiente, conectando-os inclusive com as emoções que eles remetem, redirecionando a atenção nesse caso e interferindo muito no funcionamento da consciência nessas situações. Essa consolidação mencionada é o processo que diferencia a memória de curto prazo da memória de longo prazo. A memória de curto prazo é a informação recém-percebida ou recém-recuperada, e que será usada naquele momento enquanto você a percebe ou se lembra. A consolidação é a modificação dessa memória como algo que pode ser descartado para algo que precisa ser incluído no seu acervo mais duradouro de informações, a memória de longo prazo. Outra modalidade, a memória de trabalho (Figura 5), é o mecanismo correspondente à manutenção um pouco mais prolongada de uma memória de curto prazo (que duraria apenas alguns segundos) por meio do uso de funções executivas (capacidades cognitivas relacionadas ao raciocínio e a consciência). Ela é especialmente representada pela experiência, um pouco envelhecida, confesso, de tentar decorar um número de telefone. Nós não apenas olhamos ou ouvimos o número. Será essencial que nós usemos a técnica de recitar ou visualizar no pensamento aquilo que se pretende manter um pouco mais na consciência, antes de finalmente telefonar e pedir a pizza que se quer. FIGURA 5 – CORTE CORONAL DO ENCÉFALO, NA ALTURA DAS ESTRUTURAS DE MEMÓRIA O implacável esquecimento, entretanto, atinge todas as memórias de uma forma ou outra. Tudo o que vivemos retoma memórias e as modifica pouco a pouco, uma vez que elas nunca são reconsolidadas exatamente da mesma maneira que foram lembradas. Quando olhamos uma obra abstrata pela primeira vez, ela nos trará emoções, guiará nossa atenção, será base para formação de percepções baseadas em nossas memórias que serão revividas enquanto olhamos para a obra. Quando terminarmos de apreciá-la, as memórias antigas terão algo dessa nova experiência que as recuperou e podem ser até drasticamente modificadas. Nossas memórias somos nós, todo nosso potencial de ser e pensar, e isso nos guia, tornando nosso mundo único, que são modificados a cada nova experiência. Redefinimos as experiências em nossos caminhos para o futuro e pensamos nelas como nosso passado45. Ou seja, é possível criar memórias falsas nessas modificações. Sim, é possível esquecer memórias que são base para muitas outras. Não, não é possível impedir o esquecimento. Pelo menos não por completo. Ainda que busquemos reviver sempre as mesmas memórias todos os dias, nosso humor, nossas experiências daquele dia, sempre terão pequenas interferências. E ainda que se escolha deixar de viver qualquer coisa que não aquela experiência (algo que diríamos não ser muito saudável) para mantê-la “intacta”, o envelhecimento inevitavelmente nos leva a modificações no nosso cérebro, apagando-se aos poucos como uma página de um livro que esvanece com o tempo. Não é que não tenhamos memórias duradouras. Todos temos memórias antigas que vivenciamos novamente com forte caráter emocional, mas elas se modificarão. Não é algo que controlemos, pois esses “ajustes” seguem as mudanças aleatórias que a vida nos impõe. 34 Eysenck & Keane, 2017. 35 Potenciação de longa duração (LTP) é o aumento de respostas pós- sinápticas por um período de tempo após a breve estimulação repetitiva de estruturas pré-sinápticas. 36 Interocepção é o sentido que fornece informações sobre o estado interno das vísceras do corpo. 37 Propriocepção é o sentido que fornece informações sobre o posicionamento do corpo no ambiente, advindo principalmente dos músculos. 38 Eysenck & Keane, 2017. 39 Eysenck & Keane. 2017. 40 Funes, o memorioso. In: Borges, 2007. 41 Eysenck & Keane, 2017; Purves et al., 2008. 42 Eysenck & Keane, 2017. 43 Eysenck & Keane, 2017; Sternberg, 2000. 44 Purves et al., 2008. 45 Eysenck & Keane, 2017 ; Purves et al., 2008. FORMAS DE VER O CÉREBRO As áreas de contato entre neurociência e arquitetura têm se mostrado diversas e promissoras. Entretanto, novas integrações de conhecimento trazem consigo desafios para os profissionais que se aventuram fora dos seus meios de leitura e comunicação usuais. A arquitetura tem os braços abertos para a imensa complexidade da vida humana, integrando muitas informações sobre sua saúde, sua política e sua cultura. Algo que a neurociência destrincha e esmiúça, tentando decompor o que é imenso e complexo em partes que podem ser relacionadas ao funcionamento do cérebro. Dessa forma, um ponto importante do caminhar de nosso livro será apresentar a neurociência às arquitetas e arquitetos interessados nessa nova forma de ver o espaço, sendo proveitosopara o diálogo científico gerado por esses dois campos a tradução entre conceitos e paradigmas da arquitetura para o reducionismo necessário aos métodos neurocientíficos. Um bom ponto de partida é a apresentação do método experimental, usado nesses processos em que um cenário complexo da vida cotidiana é decomposto – o que neurocientistas experimentais se referem como fenômenos, objetos de estudo – até a sua representação mais simples e essencial. Assim, para que mais pessoas possam ter referências mensuráveis e comparáveis sobre o que está sendo estudado sem que os pontos de vista sejam apenas análises pessoais. Uma boa possibilidade para isso é tentar descrever claramente e recriar tal fenômeno em laboratório (ou ainda que fora dele, mas em circunstâncias mais controladas), em uma analogia do evento mais complexo que assistimos em nosso mundo e que não conseguiríamos isolar das influências da nossa experiência pessoal ao realizar análises diretamente em contato com ele46. (A) (B) (C) O ponto mais importante desse processo é realizar tentativas de reconstruir o mais básico daquele comportamento ou daquela atividade cognitiva, podendo recriá-lo, ou mesmo fazer algumas modificações nas condições do experimento para ver como ele pode variar. As condições que acreditamos ser responsáveis por causar ou modificar nosso objeto de estudo são chamadas de variáveis independentes (VI). Os eventos, gerados após a apresentação das variáveis independentes, são chamadas de variáveis dependentes (VD). Uma dica para se lembrar, caso você se aventure por ler estudos e textos de neurociência, é pensar que no experimento chamamos de VI aquilo que supomos ser a causa do que vamos estudar e VD o efeito que buscamos estudar. Tal suposição será criada a partir da observação e da discussão teórica em trabalhos da comunidade científica, buscando nossa formulação mais adequada, para então criar hipóteses que guiem nossos experimentos47. Se usarmos como exemplo um estudo que parta da hipótese de que certo medicamento pode afetar a memória de curto prazo48 – baseado em alguns relatos de casos clínicos encontrados na literatura –, vamos precisar criar um experimento que teste essa hipótese. Define-se a fórmula e a dose desse medicamento como a VI, e a intensidade da perda de memória de curto prazo como VD. A formulação da hipótese deve se preparar para verificar os três resultados mais prováveis nas correlações: Se o uso do medicamento produzir perda de memória proporcional à quantidade do seu uso, dizemos que há correlação positiva entre VI e VD (aumentar VI produz modificações diretamente proporcionais na VD). Se o uso do medicamento diminuir a perda de memória, dizemos que há correlação negativa entre VI e VD (aumentar VI produz redução nas ocorrências da VD). Caso o medicamento em diferentes intensidades não gere qualquer perda de memória, dizemos então que não há correlação entre VI e VD (aumentar ou diminuir VD não modifica em nada os parâmetros registrados da VD). Perceba que na linguagem experimental as palavras “positivo” ou “negativo” não têm a ver com ser bom ou ruim. Na verdade, descobrir uma correlação negativa entre a substância e a perda de memória seria algo bom, pois teríamos potencialmente um remédio que atrasa ou reduz a perda de memória. Contudo, toda discussão sobre as implicações de uma correlação entre variáveis, seus potenciais usos e questões éticas não são feitas no experimento. Elas dependem de mais produções, mais experimentos e estudos de filosofia e bioética49. Por isso, não afirmamos jamais como dado definitivo o que foi mostrado apenas em um primeiro estudo; nem pulamos para conclusões absolutas sobre uma correlação. A neurociência anda sempre um pequeno passo de cada vez. Além disso, é importante ressaltar que o termo correlação é usado para indicar que há alguma interação entre as variáveis estudadas, mas só consideramos que algo é de fato causa de um comportamento ou evento cognitivo50 se ele tiver uma condição de suficiência e necessidade com a VD. O termo suficiência pode ser definido como a condição em que a VI sozinha – sem qualquer outra variável que também pode interferir no experimento – é capaz de gerar a VD. Por sua vez, o termo necessidade refere-se a uma relação em que aquela VI que identificamos interferir na VD estava presente, sem exceções, em todos os momentos em que conseguimos produzir aquela VD51. Se usarmos como exemplo nosso medicamento hipotético, é possível identificar nos resultados que o remédio está correlacionado positivamente com a perda de memória de curto prazo e isso pode indicar cautela e estudo específico de seu uso clínico. Contudo, para dizer que ele causa aquele tipo de perda de memória de curto prazo, seria preciso ter certeza que todos que usam o medicamento terão, em algum grau, aquele tipo de perda de memória. Nesse caso, diríamos que ele atende ao critério de necessidade para ser chamado de causa. Também seria preciso que nenhuma outra variável – como outra substância, condição genética ou problema de saúde preexistentes – esteja presente para que a perda de memória se manifeste. Caso o medicamento apenas acelere ou piore o quadro de pessoas com Alzheimer52, por exemplo, ou gere o quadro de perda de memória apenas se administrado com o álcool, ainda é possível afirmar a correlação positiva, mas definitivamente não usaremos a expressão causa, uma vez que ela não atende ao critério de suficiência. Por fim, para complementar nosso vocabulário básico de neurociência experimental, é importante ressaltar que não é usada a expressão “prova” como é dita na vida cotidiana: “Fulano provou que isso funciona para melhorar a memória”. Prova, como termo técnico, é aplicada ao direito ou à matemática, que curiosamente tem um significado bem distinto em cada uma dessas áreas. Geralmente o substituto mais correto para o que desejamos expressar com a palavra prova é a palavra evidência. O neurocientista sempre afirma o que pode ser descrito a partir do conjunto de evidências científicas existentes até aquele momento. Contudo, a revisão científica é contínua e o aspecto definitivo da prova não expressaria o princípio de que o debate precisa sempre ser revisado e rediscutido à luz de novos construtos, novas tecnologias. Muitas vezes na neurociência, aquilo que se considerava como as evidências mais fortes em certo momento é completamente desconstruído pelo surgimento de novos experimentos ou tecnologias que permitiram medir melhor e observar com mais dinamismo53. Não se assuste se o assunto não parecer tão intuitivo logo na primeira leitura. Fazer o exercício de tentar formular hipóteses colocando os elementos que você pode identificar como possíveis VI e VD ajuda a naturalizar essa forma de pensar, além de treinar o olhar. Expor-se a mais leituras que usem esse vocabulário é definitivamente a melhor maneira de se apropriar dele. Se pudermos sumarizar o que foi dito em um pequeno mantra a ser repetido todas as vezes que a dúvida surgir, lembre-se desse texto e repita: “Correlação positiva não é o mesmo que causa. Afirmamos causa apenas quando as evidências indicarem que há relação de necessidade e suficiência entre as variáveis”. Se conseguir lembrar desse mantra e se educar para explicá-lo a si mesmo em situações de dúvida, você provavelmente estará preparado para se nortear em uma vasta gama de estudos experimentais. Lembremos que a neurociência é uma área multidisciplinar e muitas vezes lida com variados conceitos de disciplinas completamente diferentes, o que lhe oferece procedimentos de estudo muito diversos. Dentro do guarda-chuva de técnicas de análise, encontram-se muitos experimentos que falam estritamente dos hormônios do cérebro (neuroquímica), funcionamento dos neurônios (neurofisiologia), estrutura e organização do cérebro (neuroanatomia), desenvolvimento e senescência do cérebro (neurodesenvolvimento e neuroplasticidade), adoecimento do cérebro (neuropatologias, neuropsiquiatria, neurologia), e tantas outras áreas54. Por vezes, osprofissionais que recebem a alcunha de neurocientistas terão uma formação e área de especialidade completamente diferentes, encontrando-se apenas porque todas essas habilidades levam ao mesmo objeto de estudo: o cérebro. Nem o mais articulado dos neurocientistas terá conhecimento sobre todas essas áreas, e você, como potencial neuroarquiteto, provavelmente fará escolhas de aprofundamento e técnica a depender do seu campo de interesse. Por isso, vamos criar aqui um panorama geral dos métodos e técnicas que potencialmente serão aplicadas à neuroarquitetura. É importante ressaltar que ainda estaremos longe de oferecer uma visão completa da neurociência em toda sua imensidão. Esta é uma breve apresentação de algumas informações que permitirão ler com certa crítica os dados deste livro e também aguçar o interesse de arquitetas e arquitetos para que se aprofundem e se apropriem do conhecimento da neurociência. RECURSOS TEÓRICOS E METODOLÓGICOS PARA O ESTUDO DO CÉREBRO Uma grande limitação do uso de respostas comportamentais – no estudo da atenção, por exemplo, são relatos verbais, entrevistas ou testes que requerem apertar uma tecla em resposta a um dado estímulo – é que elas são aferidas depois de vários outros fenômenos cognitivos – como a percepção, mecanismos de memória ou tomada de decisão –, de forma que fica difícil relacionar uma dada resposta com processos atencionais. As medidas de atividade cerebral nos respondem melhor qual etapa do processamento da tarefa pode estar ou não fora do padrão conhecido. FIGURA 1 – MÁQUINA DE RESSONÂNCIA MAGNÉTICA FUNCIONAL (FMRI) UTILIZADA PARA CAPTAR IMAGEM DAS VARIAÇÕES NO FLUXO SANGUÍNEO EM RESPOSTA À ATIVIDADE NEURAL FIGURA 2 – EQUIPAMENTO DE ELETROENCEFALOGRAMA (EEG) USADO PARA AVALIAR A ATIVIDADE ELÉTRICA DO CÉREBRO EM PROCEDIMENTO SEGURO, INDOLOR E NÃO INVASIVO Muitas vezes, a aplicação de mais de um equipamento e procedimento estará presente em uma mesma pesquisa ou em suas replicações. Isso porque é necessário que tenhamos mais peças para começar a montar esse quebra-cabeça e formar uma perspectiva sobre o fenômeno investigado. Existem inúmeras formas de obter informações detalhadas sobre o funcionamento e a estrutura do cérebro. Algumas delas popularmente conhecidas: podem ser aplicadas técnicas de imagem cerebral, como a imagem por ressonância magnética funcional (Figura 1) (fMRI, do inglês functional magnetic resonance imaging), e técnicas eletrofisiológicas de registros de sinais elétricos cerebrais, como o eletroencefalograma (EEG). Tais ferramentas permitem encontrar as áreas cerebrais e o momento de ativação em muitos processos cognitivos. Em certos procedimentos experimentais, é possível até mesmo especificar a ordem em que diferentes áreas cerebrais se tornam ativas – quando alguém realiza uma tarefa, por exemplo –, ou descobrir se duas tarefas envolvem a ativação das mesmas áreas do cérebro55. Entretanto, há uma miríade de avanços tecnológicos já consolidados em estudos de neurociência que são interessantes de se conhecer. Estudos com estimulação magnética transcraniana (TMS) são voltados para a investigação de quais capacidades cognitivas ou comportamentais são modificadas por lesões cerebrais56. Os estudos do paciente Phineas Gage no século XIX marcaram a história da neurociência pelas mudanças comportamentais geradas a partir da lesão na região do córtex pré- frontal ventromedial. Ainda, estudos com animais que usam drogas ou técnicas de análises genéticas permitem investigar mudanças nas estruturas cerebrais ou no funcionamento cerebral desses animais de modo seguro para humanos. Para a neuroarquitetura, entretanto, essas técnicas descrevem a imagem cerebral e as medições eletrofisiológicas, que são potencialmente mais interessantes por se tratarem de procedimentos seguros e não invasivos, com medidas de variáveis para construção de experimentos. Elas permitirão conhecer melhor quais as atividades cerebrais são identificadas no contato com um ambiente ou aspecto estético dele, por exemplo. Para esse fim, as principais técnicas não invasivas usadas para estudar o cérebro são as técnicas de registro de potenciais relacionados a eventos (ERP, do inglês event-related potentials). O mesmo estímulo – ou estímulos muito similares entre si – é apresentado repetidamente, e o registro de padrão de atividade cerebral elétrica é realizado por meio de vários eletrodos colocados no couro cabeludo, a fim de registrar as áreas que têm mais atividade elétrica no momento da tarefa. Essa técnica permite investigar vários processos cognitivos com muita precisão temporal5 7, mas sua resolução espacial58 é muito fraca. Dentre as opções não invasivas essa é possivelmente a de menor custo e com maior flexibilidade de local, já que é possível ter acesso a equipamentos de ERP que possam ser transportáveis, como o EEG (Figura 2), por exemplo. O EEG é um método não invasivo e de alta sensibilidade para registro de superfície dos potenciais cerebrais que refletem as correntes elétricas nos neurônios do córtex cerebral. Essas correntes elétricas são captadas pelos eletrodos colocados na superfície da cabeça de um indivíduo, direto no couro cabeludo ou com uma touca. A depender da região que apresenta mais atividade elétrica sendo captada, além dos padrões característicos gerados – diferentes em amplitude da onda e frequência – é possível classificar ondas, identificadas normalmente como alfa, beta, teta, delta e gama. Para registrar o EEG são usados dois eletrodos: um eletrodo ativo sobre a área da qual queremos medir as flutuações de atividade elétrica e um eletrodo neutro a certa distância dessa área. Comumente são utilizados também vários eletrodos ativos colocados sobre a pele da cabeça (ou na touca), acima dos lobos frontal, parietal e temporal (regiões cerebrais). Os registros medem as diferenças de potencial elétrico59 entre dois eletrodos ativos ou entre um destes e o eletrodo neutro. Em geral, as frequências dos potenciais registrados da superfície da cabeça em um h normal variam de 1 a 30 Hz, e a amplitude entre 20 a 100 μV (Figura 3). FIGURA 3 – CLASSIFICAÇÃO DAS ONDAS ELÉTRICAS CEREBRAIS EM FUNÇÃO DE SUA FREQUÊNCIA (EM HERTZ), DEPENDENDO DA ATIVIDADE ELÉTRICA DOS NEURÔNIOS FIGURA 4 – LOCALIZAÇÃO DOS ELETRODOS PARA A ELETROENCEFALOGRAFIA NO SISTEMA INTERNACIONAL 10-10 Quando estamos acordados, o EEG registra ondas relativamente rápidas e de pequena amplitude (14 a 30 ciclos por segundo, também chamados de ondas beta). Se o indivíduo fecha os olhos ou está relaxado e se desliga do seu meio, o padrão eletroencefalográfico beta dá lugar a uma atividade mais lenta e de maior amplitude (8 a 13 ondas por segundo, chamadas de ondas alfa)60. A região do cérebro também importará para a interpretação dessas atividades, pois certas regiões do cérebro estão geralmente relacionadas a alguns fenômenos fisiológicos e cognitivos. Você provavelmente verá com frequência um mapa que identifica as regiões de eletrodos que permitem medidas que são referências importantes para o estudo da atividade cerebral (Figura 4). A partir dessas referências, muitas outras podem ser estabelecidas para medir e identificar padrões cerebrais mais comuns. Como no caso dos registros de componente de potenciais evocados61, que também são referências interessantes, como o P300, que tem sido usado no estudo de agrupamentos de estímulos, ou N400 para identificar reconhecimento de novas relações entre estímulos62. Em muitos casos, essas técnicas de medida são usadas em conjunto com outras técnicas de medidas fisiológicas de atividade autonômica, tais como frequência cardíaca, respiratória, respostas galvânicas e outras, que poderiam também servir como indicadores fisiológicos do estado de atenção. Há outras técnicas – infelizmente caras, por sua infraestrutura digna de uma ficção científica – que também possuem especialidades que nem sempre obtemos com o ERP. A tomografia por emissão de pósitrons (PET), por exemplo, é uma técnica que envolve a detecção de pósitrons (partículasatômicas emitidas por algumas substâncias radioativas). A PET tem razoável resolução espacial, mas pouca resolução temporal, e mede a atividade neural apenas de forma indireta. A imagem por ressonância magnética funcional (fMRI), mencionada anteriormente, é uma técnica que captura a imagem da oxigenação do sangue, usando uma máquina de imagem por ressonância magnética (IRM). A fMRI tem resolução espacial e temporal superiores à PET, e fornece uma medida indireta da atividade neural. A magnetoencefalografia (MEG), por sua vez, é uma técnica que envolve a mensuração dos campos magnéticos produzidos pela atividade elétrica cerebral. Proporciona informações bastante detalhadas em nível de milissegundos sobre o curso temporal dos processos cognitivos, com uma resolução espacial razoavelmente boa63. Existem também os equipamentos usados nos testes psicofisiológicos64. Eles geralmente combinam alguns equipamentos com tipos de tarefas específicas para avaliar habilidades cognitivas, em contraste aos equipamentos mencionados anteriormente. Um exemplo é o Efeito Stroop – bastante usado em estudos de atenção – que estuda os substratos neurais do controle inibitório65. Em um desses estudos, que focava em palavras comuns, como nomes de cores, por exemplo, elas são apresentadas em uma tela, e o indivíduo que participa do teste é solicitado a nomear a cor em que a palavra está impressa. Na metade das tentativas da sessão, o nome da palavra é diferente da sua cor: a palavra verde pode aparecer escrita na cor azul. Na outra metade da sessão, a palavra e sua cor são compatíveis (a palavra vermelho escrita com letras em cor vermelho). Geralmente, nessa tarefa, sentimos grande dificuldade em nomear a cor e não ler a palavra diante de nós. Os indivíduos sem patologias apresentam um bom desempenho no teste, embora o tempo de resposta seja maior na situação de conflito que na condição de compatibilidade. Essa é considerada uma tarefa psicofisiológica, pois ela é uma tarefa comportamental com relação já bem estabelecida como correspondente a um processo neurofisiológico. OS NEUROCIENTISTAS PODEM LER NOSSAS MENTES? Os resultados apresentados pelas pesquisas voltadas para a análise de nossa atividade cerebral são impressionantes. Com controle adequado de variáveis, é possível identificar o que estamos olhando por meio da leitura dos padrões de nossa atividade cerebral; ou se o que estamos ouvindo nos agrada. Em um estudo, pesquisadores pediram que os participantes visualizassem figuras de oito categorias diferentes enquanto sua atividade cerebral era monitorada por fMRI. A predição do estímulo selecionado pelo olhar de cada participante foi correta em 96% das vezes. Infelizmente, alguns cuidados são importantes para que as pesquisas sejam tão eficientes: os estímulos visuais usados eram apresentados de maneira simplificada, não estavam inseridos em cenas complexas como encontramos em nosso cotidiano. Além disso, antes que o teste fosse realizado, os participantes tiveram suas atividades medidas enquanto olhavam cada um dos estímulos a serem usados durante os testes. Assim, seria possível aprender os padrões de atividade cerebral de cada participante para que depois a leitura dessas atividades sem que os pesquisadores soubessem para o que olhavam fossem feitas. Esse método em que o participante da pesquisa é o próprio controle do estudo é importante, porque ao contrário do que muitos pensam (e até mesmo a neurociência pensava no passado), o cérebro não possui um lugar para cada atividade cerebral nem tem os padrões de ativação exatamente iguais. Há diferenças e especificidades que esse procedimento permite controlar para uma análise adequada66. A escolha dos estímulos também tem um papel importante na construção do experimento. Imagens escolhidas por serem frequentes no cotidiano e/ou cultura dos participantes resultaram em um bom nível de predição, mesmo em situações que a medida acontecia pela primeira vez, sem que uma linha de base fosse realizada para padronizar como o cérebro responderia. Essa escolha cuidadosa de estímulos ao se conhecer mais do contexto dos participantes permitiu um acerto na “leitura” das mentes de 92% para um grupo e 72% para outro. Comparado aos estudos anteriores, em que o padrão de escolha de estímulos era feito sem a linha de base, e com estímulos escolhidos sem consideração do contexto dos participantes, esse resultado foi de 0,8%67. O avanço tecnológico e das pesquisas que buscam padronizar e validar as formas de leitura dos equipamentos de neuroimagem68 têm avançado a passos largos. A grande riqueza dos dados obtidos tem colaborado muito nas construções de modelos teóricos sobre o funcionamento do cérebro. Contudo, a análise dos mesmos resultados envolve muitas recomendações de cautela na leitura desses dados. Para que o equipamento seja usado adequadamente, não basta boa tecnologia, mas uma base teórica clara para que o planejamento da pesquisa, e seu controle de variáveis, seja bem feito. Seria o mesmo que acreditar que saber usar os softwares para projetar seria suficiente para criar bons projetos arquitetônicos. O software de desenhar projetos sem toda a base teórica e conceitual da teoria projetual levará a problemas no resultado final. Alguns mais evidentes, outros menos, mas definitivamente a expertise de como usar o equipamento interferirá no resultado final, muito mais do que usar software ou papel e prancheta para produzir aquele projeto. Do mesmo modo, tecnologias de registro de atividade cerebral sem uma base teórica levarão a conclusões equivocadas, as quais levarão a aplicações equivocadas. O nome neurociência tem hoje forte peso midiático e, frequentemente, o resultado de uma pesquisa é superestimado e ganha mais força e visibilidade, mas ainda assim com problemas metodológicos. As relações entre processos cognitivos e áreas cerebrais de uma pequena região no cérebro (apelidadas como “bolha” – blob) são interpretadas e noticiadas como área do medo, área do amor, área da fé etc. Essas abordagens, tão disseminadas, são referidas na literatura especializada como “bolhalogia” (“blobology”) em análises críticas, um modo de rotular criticamente as pesquisas que em suas análises realizam inferência reversa, ou seja, inferência de um processo cognitivo a partir da ativação de “bolha”69. O psicólogo acadêmico britânico Michael Eysenck dá um exemplo interessante ao mencionar esse problema em seu livro. Em pesquisas de imagem cerebral que envolvem a apresentação de estímulos ameaçadores, há consistentemente em seus resultados a ativação de uma estrutura cerebral denominada amígdala (essa não é a que fica na garganta). Logo, essa estrutura subcortical é uma das regiões do nosso sistema do medo. Certo? Não, não é tão simples assim, porque outra pesquisa demonstrou que o processamento da maioria das emoções também implicou a ativação da amígdala. Além de as áreas do cérebro não serem envolvidas em processos cognitivos muito diferentes, é preciso considerar no procedimento experimental e na generalização dos resultados questões sobre o desenvolvimento e adaptação do cérebro (processo conhecido como plasticidade cerebral) que levam a pequenas diferenças no funcionamento cerebral de cada pessoa. É preciso replicação e metanálise70 para que possamos atribuir certos locais no cérebro a certos processos cognitivos. O problema da inferência inversa foi demonstrado claramente em um estudo de metanálise que considerava as áreas de ativação cerebral em 3.489 pesquisas diferentes, mostrando que algumas áreas eram ativadas em estudos variados e muito diferentes sobre processos cognitivos71. Pensar em processos cognitivos como algo que está em um lugar tem deixado de fazer sentido. As estruturas cerebrais são ativadas em certos padrões e cada um desses padrões são característicos de certos processos cognitivos que buscamos estudar. Também é importante ressaltar que estudos de neuroimagem são caros, geralmente envolvendo poucos participantes. Isso torna a generalização dos resultadossempre curta, dependendo de revisões para dados mais consistentes. A paciência é importante nesses casos. Principalmente porque problemas metodológicos podem ocorrer e um dos principais problemas para padronizar técnicas de neuroimagem são os ruídos durante as análises, também chamados de falsos-positivos. O que seria isso? São os dados interpretados como ativações cerebrais por problemas na análise estatística dos dados coletados. A maioria das técnicas de imagem cerebral mostra correlações entre atividades cerebrais (VD) e um comportamento (VI). O processo cognitivo que chamamos de atenção, ou mesmo a emoção que denominamos amor, são conceitos que definimos a partir de certas demonstrações comportamentais, expressões em tarefas ou a partir de relatos, que depois são validados como o construto. Entretanto, alguns desses construtos ainda divergem bastante sobre a melhor definição e mudar um conceito pode mudar bastante a forma de lidar com essa variável em uma pesquisa. Além disso, não necessariamente os participantes estarão engajados na tarefa como pensamos. É comum que participantes fiquem ansiosos sobre o que precisam executar ou seu desempenho, tanto que a ativação registrada pode não refletir a tarefa como gostaríamos, e sim outros processos cognitivos que aconteceram durante o experimento. Ou mesmo no processo de ativação intrínseca do cérebro, até em ambientes com pouca estimulação, os registros não são drasticamente alterados por uma tarefa. São variáveis de confusão que precisam estar previstas na discussão conceitual das variáveis do seu experimento e da forma de medi-las durante o processo. Por isso que é interessante usar construtos validados por outras pesquisas. Por fim, muitas vezes, as generalizações que atribuem grandes conclusões a dados preliminares são uma forte tentação, que têm apelo midiático para notícias na TV e que nos fazem pensar na neurociência como algo capaz de ler nossas mentes, mas que não correspondem ao que de fato podemos utilizar. A arquitetura provavelmente compartilhará as mazelas da neurociência, logo que ela receber seu prefixo “neuro” nos estudos. Entender o método científico e criar uma comunidade científica que replica e discute a validade de seus dados será essencial para permitir que os pequenos passos da neurociência ajudem a arquitetura e todas as suas novas possibilidades. 46 Cozby, 2003. 47 Cozby, 2003. 48 Memória de curto prazo é a capacidade de reter uma pequena quantidade de informação na mente. 49 Bioética é uma área de estudo interdisciplinar que envolve os princípios éticos que regem a vida quando essa é colocada em risco na formação de estudos científicos. 50 Eventos cognitivos são todos os processos internos envolvidos em extrair sentido do ambiente e decidir que ação deve ser apropriada, como a atenção, percepção, memória etc. 51 Cozby, 2003. 52 Alzheimer é uma doença causada pela degeneração e morte das células cerebrais, causando um declínio constante na memória e nas funções mentais. 53 Dawkins, 2009. 54 Purves et al., 2008. 55 Eysenck & Keane, 2017. 56 Brandão et al., 2005. 57 Resolução temporal é a habilidade de registrar as linhas de evolução temporal de potenciais elétricos gerados pela atividade neuronal; ou seja, uma alta resolução temporal significa que é difícil saber as mudanças na natureza da onda cerebral. 58 Resolução espacial é a habilidade de distinguir dois objetos com diferentes intensidades de sinal; ou seja, uma baixa resolução espacial significa que é difícil saber de qual área detalhada do cérebro foi captado o estímulo elétrico. 59 Potencial elétrico é a capacidade que um corpo energizado tem de realizar trabalho; neste caso, a habilidade das células do cérebro de transmitir informações. 60 Brandão et al., 2005. 61 Potencial evocado é o registro elétrico no sistema nervoso seguido de um estímulo; é diferente dos potenciais espontâneos mais comumente detectados por eletroencefalografia, eletromiografia ou outro método de registro de eletrofisiologia. 62 Jaeger & Parente, 2010. 63 Eysenck & Keane, 2017. 64 Psicofisiologia é o estudo das relações entre fenômenos psíquicos e fisiológicos. 65 Brandão et al., 2005. 66 Eysenck & Keane, 2017. 67 Kay et al., 2008. 68 Neuroimagem é o uso de técnicas para registrar imagens da estrutura, funcionamento ou química do sistema nervoso. 69 Eysenck & Keane, 2017. 70 Metanálise é uma técnica estatística que combina resultados provenientes de diferentes estudos. 71 Yarkoni et al., 2011. SOBRE A NEUROARQUITETURA E SUA FORMA DE PROJETAR O conhecimento das respostas humanas sobre os ambientes detém alto poder de decisão no planejamento e criação dos espaços que buscam uma interação harmoniosa entre humano e ambiente. Desse modo, a qualidade do ambiente construído está associada ao nível do entendimento de nossas respostas aos estímulos do espaço – quanto mais soubermos sobre esse feedback, mais acurada será a projetação e materialização espacial para seus usuários. Pensemos em uma das obras mais icônicas de Oscar Niemeyer, a Catedral Metropolitana de Nossa Senhora Aparecida, mais conhecida como Catedral de Brasília, um dos símbolos da arquitetura moderna brasileira. Localizada no centro da capital, o edifício possui 16 pilares de concreto que nos remetem à imagem abstrata de duas mãos em oração (Figura 1). O piso do edifício se encontra abaixo do nível do solo (semienterrado), sendo a entrada marcada por quatro enormes esculturas dos evangelistas Marcos, Mateus, Lucas e João em direção a uma rampa descendente e escura. Para entrar no edifício, paulatinamente, à medida que se caminha pela rampa, o ambiente urbano desaparece, o espaço contrai, nossas pupilas se ajustam com a diminuição de luz, os sons da cidade vão sumindo e o eco do silêncio vai tomando conta do ser. Ao final, saímos da escuridão e nos deparamos com a luz, um contraste de expansão do vazio e refração da radiação solar nos vitrais. A monumentalidade do ambiente nos faz elevar os olhos aos céus, onde anjos sobrevoam o interior em forma de escultura, passando uma sensação de chegada a um espaço sagrado (Figura 2). FIGURA 1 – VISTA EXTERNA DA CATEDRAL METROPOLITANA DE BRASÍLIA (1970) PROJETADA PELO ARQUITETO MODERNISTA OSCAR NIEMEYER Podemos pensar nessa experiência como um conjunto de decisões projetuais carregadas de simbologia e domínio da manipulação espacial. No entanto, só é possível sentir e entender esse percurso graças à nossa capacidade de movimento, visão, audição, de conseguir ver uma imagem e abstrair um significado dela. Para tudo isso, precisamos do nosso sistema nervoso. FIGURA 2 – VISTA INTERNA DA CATEDRAL METROPOLITANA DE BRASÍLIA (1970) PROJETADA POR OSCAR NIEMEYER: À ESQUERDA, O OBSERVADOR ESTÁ NA RAMPA; À DIREITA, O OBSERVADOR ESTÁ NO ÁTRIO DO EDIFÍCIO, COM OS ANJOS ESCULPIDOS POR ALFREDO CESCHIATTI ACIMA O ser humano está em constante interação com o mundo a sua volta, recebendo estímulos do espaço que habita e criando respostas a esses estímulos, sejam elas físicas, sejam elas mentais. Onde quer que estejamos, nosso sistema nervoso está constantemente processando informações em relação ao que estamos sentindo. Isso faz com que o cérebro humano seja um órgão complexo, difícil de entender e de explicar. Assim, por um bom tempo, a compreensão das respostas da mente às questões da arquitetura vem sendo definida em termos de experiências e comportamentos humanos, sensações, emoções e processos cognitivos no ambiente construído. A preocupação das arquitetas e arquitetos com a relação mente-meio de certa forma sempre existiu, mas apenas começou a ser estudada de forma sistemática a partir da década de 1960 com pesquisas focadas na relação entre o ambiente e o comportamento humano. As novas teorias do ambiente construído promoveram a colaboração entre arquitetura e neurociência a partir de pesquisas sobre ambiente e comportamento. Essa é uma época de descontentamento de grande parte das pessoas com a arquitetura, na qual há um sentimento contra os aspectos mecanicistas e materialistasda cultura ocidental presente. Iniciou-se, então, uma busca por um pensamento mais humanista da vivência arquitetônica e urbana, sendo necessário considerar no projeto a complexidade do ser humano, uma vez que “o espaço fragmentado, que aboliu a rua, revelou-se fonte de dissociação e desintegração mental”72. Nessa época, os estudos usavam técnicas tradicionais de pesquisa, como levantamento de dados, questionários e observações, a fim de obter evidências mais concretas. Pensadores acreditavam que o Modernismo estava em declínio no mundo pela crítica de que os arquitetos se preocupavam, sobretudo, com a forma das coisas, em uma busca por uma estética agradável, para só depois se atentar à experiência que o espaço construído despertaria nas pessoas. Muitos estudos partiram do princípio de que a cidade deve ser feita para o ser humano, e não para as máquinas, com pesquisas sobre a aglomeração urbana quanto às ressonâncias do comportamento humano. Os urbanistas começaram a perceber que: Um planejamento higiênico e uma distribuição racional do espaço urbano não são em si incapazes de assegurar aos habitantes o sentimento de segurança ou de liberdade, a riqueza na escolha das atividades, a impressão de vida e o elemento de distração necessários à saúde mental e sua repercussão na saúde física73. Essa postura é bem marcada nas ideias de Jane Jacobs (1916- 2006), escritora e ativista norte-americana, que fez severas críticas ao modelo urbano modernista corbusiano em detrimento aos espaços de vivência mais acessíveis. Verdadeira precursora da criação das cidades amigáveis, ela defendeu a importância da comunidade e da escala humana, ou seja, o ponto de partida deveria ser a pessoa, já que “uma rua viva sempre tem tanto usuários quanto meros espectadores”74. Paralelamente a Jacobs, um grupo europeu diverso de cunho político e artístico, autodenominado Internacional Situacionista, começou a se aglutinar sob a bandeira da rejeição ao urbanismo modernista. Com seu maior influenciador, o escritor francês Guy Debord (1931-1994), os situacionistas criaram uma série de trabalhos para conscientizar o público sobre a importância de participar da vida cotidiana nas cidades. Dentre muitas coisas, estabeleciam uma relação de liberdade com o espaço, a fim de quebrar as amarras da vida cotidiana, e fugir da alienação. Igualmente defensor do uso amigável do espaço urbano, com outros modos de apropriação e percepção, o filósofo marxista e sociólogo francês Henri Lefebvre (1901-1991) defendia que deveria ser feita uma humanização da vida cotidiana, com paixão e emoção, no locus cidade. Figura influente desse período, explicou a alienação individual como perda da essência do ser, resultado da fragmentação do espaço e da dissociação da vida cotidiana. Lefebvre defendia que o cidadão deve ter direito à cidade e, desse modo, os espaços são vinculados à realidade social, sendo definidos como espaço percebido por meio dos canais sensoriais, concebido através de sua representação e vivido por seus usuários. O movimento situacionista e as reivindicações de Lefebvre compartilham um terreno comum em suas afirmações. Ambos defenderam que as deficiências inerentes às teorias urbanas contemporâneas levaram ao sofrimento humano e causaram a alienação das pessoas que enfrentam os tipos de problemas encontrados na vida cotidiana “simples”75. Outra importante figura desse processo de transformação do pensamento projetual, o urbanista e escritor Kevin Lynch (1918- 1984) estudou o importante conceito de imageabilidade ou legibilidade. Ou seja, em destaque à qualidade visual citadina, deve ser entendido o quanto a cidade é clara em seus símbolos para a formação mental de sua imagem pelos usuários. Lynch investigou cidades norte-americanas por meio de mapas mentais – ferramenta clássica da Psicologia Ambiental –, considerando que o ambiente urbano e sua paisagem são carregados de elementos que transmitem prazer ou aflição, identidade ou repulsa, impõem segurança e bem-estar, ou não. A favorabilidade dessas características implica a orientação e movimento de quem os vivencia (Figura 3). FIGURA 3 – DIAGRAMAS BASEADOS E INSPIRADOS POR KEVIN LYNCH E SEUS ELEMENTOS DE ANÁLISE Muitas são as variáveis envolvidas nas quais os usuários percebem e podem se identificar com aquele determinado espaço urbano. Assim, por meio de elementos como caminhos, limites físicos, bairros, pontos nodais e marcos76, a cidade passa a ser reconhecida e se constitui em cenário de significados e vivência para as pessoas. Comungando com as ideias de Jane Jacobs, o ritmo e a dinâmica urbana suscitam os estímulos sensoriais a despertar o prazer do viver o espaço urbano. Sem dúvida, é através de Lynch que tomamos consciência do envolvimento dos processos mentais no ambiente construído, principalmente a memória, na sistematização da percepção visual para a formação das imagens mentais que construímos, transformando em identidade e significado os elementos componentes da paisagem urbana (Figuras 4 e 5). FIGURA 4 – VIDA URBANA NA 5TH AVENUE EM NOVA YORK, EUA, COM O FLATIRON BUILDING (1902) PROJETADO POR DANIEL BURNHAM NO CENTRO FIGURA 5 – VIDA URBANA NA E. WASHINGTON STREET EM CHICAGO, EUA, COM O JAY PRITZKER PAVILION (2004) PROJETADO POR FRANK GEHRY AO FUNDO A maneira como o ambiente se apresenta é muito importante para quem dele usufrui, já que a imagem que vemos é aquela que vai impactar e influenciar nosso comportamento nesse espaço. Então, por que quando questionados sobre determinado ambiente, as pessoas têm observações diferentes? Por que determinados elementos chamam a atenção de uma pessoa, mas não de outra? A resposta para isso é muito simples e simultaneamente complexa: as reações humanas são conduzidas pela expectativa, pelo julgamento e pelos processos cognitivos de cada um de nós. O interesse acontece de acordo com características próprias do indivíduo e se relaciona com nossas memórias (emocionais e sensoriais), hábitos, cultura, aspectos intelectuais, entre outras questões. Quando interagimos com um ambiente, sensações são desencadeadas, o que nos levam a formar uma opinião sobre esse espaço, gerando emoções que são relacionadas à cognição. Cabe aqui ressaltar que a emoção pode vir a se relacionar unicamente com a visão, por meio de características intrínsecas visualizadas, sendo algo racional e executado de forma consciente. Contudo, a cognição é mais complexa pelo seu caráter subjetivo: ela está associada à evocação das diversas experiências vividas. Considerado como sistema, usuário e ambiente interagem em uma relação simbiótica, contínua (já que ocorre em tempo integral) e indissociável (sempre existirá um ambiente envolvido nas ações humanas), em que as respostas das pessoas frente ao espaço desencadeiam comportamentos impactados por sentimentos e julgamentos feitos pela apreensão da realidade à nossa volta. Nesse sentido, é possível afirmar que ao experienciarmos um ambiente, todos vemos o mesmo espaço circundante; o que diferencia é a interpretação, a maneira como cada um de nós entende as informações absorvidas. Por outro lado, a questão projetual da arquitetura envolve os anseios das pessoas à materialização dos espaços no desenvolvimento das atividades ali praticadas, contemplando aspectos físicos, funcionais e estéticos. Nesse caso, a estética não se resume apenas ao que é belo, mas se constitui em algo maior: a harmonia do conjunto, a maneira como os diversos elementos “conversam” entre si (forma, materiais, textura, cor, etc). Ou seja, o processo de percepção envolve tanto o reconhecimento das propriedades físicas do ambiente (forma, tamanho, profundidade, iluminação, etc), quanto o estado emocional e afetivo do observador77, em que todos atuam sobre o comportamento humano. Assim, a compreensão comportamental dos espaços a partir da comunicação humana é expressa por meio de linguagem verbal e não verbal (gestos, posturas, orientação corporal, entre outros), participando do processo de comunicação interpessoal, assim comoda interação pessoa-ambiente. Esse diálogo não verbal de natureza contínua e bidirecional78 revela, entre outros fatores, a importância de aspectos funcionais e estéticos dos ambientes na apreensão da percepção dos usuários relacionada aos espaços, face à otimização do desempenho das atividades operacionalizadas. Assim, a compreensão espacial é fundamental para entender o comportamento humano e as sensações que envolvem as pessoas e ambientes. Desse modo, a percepção espacial concentra sua importância na permuta entre estímulos visuais e proprioceptivos, levando as pessoas a não só identificar objetos em relação a outros, mas também seu próprio posicionamento dentro dos espaços79. Ocorrendo de modo dinâmico e por meio de representações integradas entre objeto físico e social, essa identificação acontece sob a forma de esquemas socioespaciais80, abrangendo objetivos particulares do indivíduo e experiência anterior. Nessa direção, a presença de esquemas espaciais vincula-se à orientação espacial por intermédio da imagem corporal gerada e de relações experienciais associadas a fatores biológicos e à capacidade de representação espacial. AS RELAÇÕES ENTRE MENTE E ESPAÇO O fim da Segunda Guerra Mundial trouxe uma demanda por orientação para o programa de reconstrução das cidades, necessário após a destruição resultante do conflito. A fim de fornecer requisitos de planejamento, muitos países estabeleceram centros de pesquisa que estudaram como as pessoas usavam o espaço. Com a crescente preocupação com o meio nesse contexto, a Psicologia Ambiental foi formada durante as décadas de 1950 e 1960, e consolidada a partir da Conferência de Estocolmo81, com raízes internas e externas à Psicologia. Em suas raízes internas destacam-se os “elementos ligados à Escola da Gestalt, ao behaviorismo, à Psicologia Social e à incorporação da perspectiva ambiental à compreensão do indivíduo”82. Já entre as raízes externas, encontramos conhecimentos das ciências sociais – antropologia, sociologia e geografia – assim como da arquitetura e urbanismo. Essa nova disciplina também contribuiu para a área de pesquisa dos fatores humanos, mostrando que as escolhas de métodos e objetos nem sempre eram lógicas e frequentemente seguiam motivos irracionais. Compete à Psicologia Ambiental cuidar das relações entre pessoas e ambiente físico-social, natural ou construído83, visando ao entendimento da influência e do impacto gerado entre comportamento e indivíduos84. De caráter multidisciplinar e com enfoques teóricos e metodológicos, essa disciplina aborda o ambiente físico como um todo, em uma visão holística85. O interesse principal desse novo campo de investigação psicológica repousava na descoberta da importância da dimensão espacial-física do ambiente como parte das ações e experiências humanas nos níveis intrapessoal, interpessoal, grupal, intergrupal e social. Os primeiros estudos do cientista social Roger Barker86 (1903-1990) sobre configurações de comportamento na área da psicologia ecológica, assim como os estudos dos psicólogos Robert Sommer87 (1929-2021) e Irwin Altman88 (1930) sobre espaço pessoal e comportamento social, permanecem como marcos iniciais da psicologia ambiental. Destacam-se também os estudos de William Ittelson, Harold Proshansky, Leanne Rivlin e Gary Winkel, definindo vários conceitos com a publicação em 1974 do livro An introduction to environmental psychology. Essa é uma área da psicologia cujo foco de investigação é a inter-relação do ambiente físico com a conduta e as experiências humanas, compreendendo uma ampla área de estudos em constante evolução. A percepção implica o processo de conhecer o ambiente físico imediato por meio dos sentidos, proporcionando as informações básicas que determinam as ideias que o indivíduo forma sobre o ambiente, bem como suas atitudes em relação a ele89. A Psicologia Ambiental é o estudo das inter-relações entre o indivíduo e seu ambiente físico e social, nas suas dimensões espaciais e temporais. O ambiente é uma construção daquele que o percebe, incluindo-se a dimensão cultural nessa relação, em que é feita a análise das percepções, comportamentos e atitudes dos indivíduos com o contexto físico e social no qual esses convivem90. A Psicologia Ambiental faz o papel de uma ponte entre a arquitetura e a psicologia, já que nenhuma dessas áreas do conhecimento humano consegue abranger todos os aspectos da relação homem- ambiente, o que permite a produção de ambientes mais humanizados e ecologicamente coerentes91. Assim, as pesquisas nessa área passam a considerar o comportamento e as experiências humanas. A organização perceptiva espacial torna-se mais evidente segundo modificações ambientais, promovendo a necessidade de adaptação para a realização das atividades programadas. De outro lado, o ambiente construído se constitui em um meio para o processamento das experiências, associadas aos canais sensoriais e a aspectos culturais, criando relações afetivas com os espaços com os quais o usuário interage. Dessa maneira, percepção e comportamento estão vinculados a diferentes contextos ambientais e sob influências culturais diversas, permitindo interpretações variadas de uma mesma realidade. Então, falar sobre o ambiente ultrapassa os limites tridimensionais, uma vez que o sentimento de afeto e atração ou de repulsa e incômodo por diferentes espaços é desenvolvido pelas pessoas em suas relações com esses ambientes e também conduzido por experiências anteriores ou mesmo pela própria imaginação, decorrente do desejo subconsciente do indivíduo. Sem dúvida o tema é amplo, tendo alargado suas fronteiras ao longo de décadas de estudo, em que se assistiu à proposição e ao desenvolvimento de muitas técnicas e procedimentos com objetivos de melhor entender a percepção humana acerca dos espaços e suas variáveis. Como exemplos de algumas dessas ferramentas, podemos citar: a técnica de mapeamento visual, o modelo de análise hierárquica, o método de análise visual, o walktrough, a observação incorporada, o poema dos desejos, a seleção visual, a constelação de atributos, dentre tantos existentes. Nos processos de entendimento dos estímulos e sensações promovidos pelos ambientes carecemos de aprofundamento nesses elementos, sucintamente expostos nessa introdução e isso será encontrado nas seções e capítulos que compõem esta obra. A partir dessas rápidas incursões na Psicologia Ambiental e na Neurociência, objetivamos estabelecer as relações entre as duas, ao tempo em que as delimitamos em seus campos de atuação. Os estudos da neuroarquitetura aparecem como um caminho natural da mente investigativa que já não se satisfaz em identificar a existência dos processos perceptivos, suas origens e seus canais, mas busca agora entender onde e como acontecem e como reverberam em sensações e comportamentos. Uma espécie de evolução do conhecimento guardando especificidades em duas áreas distintas, mas interconectadas. NEUROCIÊNCIA NA ARQUITETURA Nos anos 2000, o papel desempenhado pelo cérebro humano na experiência do ambiente construído foi introduzido nas pesquisas, buscando entender o processamento da percepção e das emoções. Os avanços nos métodos neurocientíficos tornaram possível estudar a influência de diferentes elementos arquitetônicos por meio de dados baseados em evidências. Medições psicofisiológicas e técnicas de neuroimagem passam a fazer parte do vocabulário de um pequeno nicho de arquitetos. Abre-se espaço para a discussão da neurociência aplicada à arquitetura, com novos movimentos e tendências arquitetônicas que priorizam a qualidade do espaço e a confirmação científica da efetividade de suas decisões de projeto. Isso significa que, enquanto a Psicologia Ambiental nos informa sobre qual comportamento está ocorrendo no espaço, a neurociência vai além e explica o porquê de esse comportamento acontecer. Essa mudança de paradigma no entendimento do ambiente construído possibilitou novas perspectivas que relacionam o cérebro humano ao espaço que ele habita. A neurociênciafaz parte das ciências cognitivas e estuda o sistema nervoso com foco específico no cérebro humano. Com as ferramentas da neurociência, muitas dimensões subjetivas do ambiente construído podem ser quantificadas e mais bem entendidas. Um bom exemplo dessa transformação de paradigma é a pesquisa que relaciona cognição e aprendizagem realizada pela neurocientista Eleanor Maguire e sua equipe, na University College London92. Foram feitas medições cerebrais por ressonância magnética (MRI) do hipocampo (Figura 6) de pessoas com vasta experiência em navegação: taxistas licenciados em Londres há mais de um ano e meio, tendo participantes com esse tempo de experiência até outros com 42 anos “de estrada”. Esses dados foram analisados, e comparados com as medições de indivíduos do grupo de controle que não dirigiam táxis. O que os pesquisadores descobriram foi que as regiões posteriores dos hipocampos dos taxistas eram significativamente maiores em relação aos dos indivíduos do grupo de controle. Em contraposição, uma região mais anterior do hipocampo foi maior em indivíduos controle do que em taxistas (Figuras 7 e 8). O volume do hipocampo se correlacionou na pesquisa com a quantidade de tempo gasto como motorista de táxi (positivamente na região posterior e negativamente no hipocampo anterior). Esses dados estão de acordo com a ideia de que o hipocampo posterior armazena uma representação espacial do ambiente e pode se expandir regionalmente para acomodar a elaboração dessa representação em pessoas com alta dependência de habilidades de navegação. Parece que há uma capacidade de mudança plástica local na estrutura do cérebro humano adulto saudável em resposta às demandas ambientais. FIGURA 6 – MRI: À ESQUERDA, CORTE SAGITAL; À DIREITA, CORTE CORONAL DO HIPOCAMPO FIGURA 7 – SAGITAL: AUMENTO DO VOLUME POSTERIOR DOS HIPOCAMPOS ESQUERDO E DIREITO (LH E RH, RESPECTIVAMENTE) DOS TAXISTAS EM RELAÇÃO AOS CONTROLES FIGURA 8 – MRI EM CORTE CORONAL EM TRÊS COORDENADAS DIFERENTES NO EIXO Y PARA ILUSTRAR A EXTENSÃO DA DIFERENÇA AO LONGO DO EIXO LONGO DO HIPOCAMPO A descoberta de que o hipocampo posterior aumenta de volume quando há dependência ocupacional da navegação espacial é evidência de diferenciação funcional dentro do hipocampo. Em humanos, como em outros animais, o hipocampo posterior parece estar preferencialmente envolvido quando a informação espacial previamente aprendida é usada, enquanto a região anterior do hipocampo pode estar mais envolvida (em combinação com o hipocampo posterior) durante a codificação de novos layouts ambientais93. A nova consciência da complexidade dos processos cognitivos e emocionais envolvidos na experiência diária de ambientes projetados vem crescendo rapidamente. Tal interesse também levou à fundação da Academia de Neurociência para Arquitetura (ANFA) no ano de 2003 em San Diego, EUA. Desde então, várias contribuições importantes surgiram nos campos envolvidos na temática. Assim, compreender as principais partes e sistemas do cérebro nos permite pesquisar como pensamos, percebemos, movemo-nos, lembramos, aprendemos e sentimos sobre o ambiente construído. Quanto mais aprofundamos nosso conhecimento do cérebro humano, mais perto podemos estar de compreender a experiência humana no ambiente construído e, assim, projetar espaços mais adequados ao seu uso, permitindo qualidade de vida e bem-estar. Naturalmente, essa mudança paradigmática requer novas perspectivas para relacionar o cérebro humano ao ambiente construído dentro da prática da arquitetura. A própria natureza do conhecimento da neurociência requer uma análise profunda de estudos experimentais, expandindo-se essa necessidade para a prática projetual. Logo, antes de qualquer coisa, é necessário explorar a experiência humana no ambiente construído de uma forma multidimensional, holística e abrangente. 72 Choay, 2015, p. 45. 73 Choay, 2015, p. 43. 74 Jacobs, 2011, p. 35. 75 Heynen, 1999 apud Karakas & Yildiz, 2020. 76 Lynch, 2011. 77 Nasar, 2008. 78 Elali, 2009. 79 Pinheiro & Elali, 2011. 80 Lee, 1977. 81 A Conferência de Estocolmo, realizada em junho de 1972 em Estocolmo, Suécia, foi a primeira grande reunião de chefes de estado organizada pelas Nações Unidas (ONU) para tratar da degradação do meio ambiente,. (https://pt.wikipedia.org/wiki/Conferência_de_Estocolmo) 82 Elali, 2006, p. 5. 83 Aragonés & Amérigo, 1998. 84 Cavalcante & Elali, 2011; Gifford et al., 2011. 85 Holismo é um sistema de abordagem que define que as propriedades de um sistema não podem ser explicadas apenas pela soma dos seus componentes, mas visto em sua totalidade para entender como se comportam as partes. 86 Ver Barker, R. G. Ecology of motivation. In: Nebraska Symposium on Motivation, Lincoln: University of Nebraska Press, 1960. p.1-49. 87 Ver Sommer, R. Studies in personal space. In: Sociometry, v.22, 1959, p. 247- 260. 88 Ver Altman, I. The environment and social behavior: Privacy, personal space, territoriality and crowding. Monterey, CA: Brooks/Cole, 1975. 89 Holahan, 1999. 90 Moser, 2005. 91 Elali, 1997. 92 Maguire et al., 2000. 93 Maguire et al., 2000. PERCEPÇÃO VISUAL E O PROJETO ARQUITETÔNICO Ler este livro pode parecer algo simples. Na verdade, é muito mais complexo do que se imagina. E não estamos falando do conteúdo discutido aqui – já que arquitetas e arquitetos estudando fisiologia certamente saem da zona de conforto –, mas sim da ação de leitura em si. É preciso observar as letras, utilizar regras fonéticas e gramaticais – preestabelecidas e previamente aprendidas – para organizá-las em palavras, e então ser capaz de entender o conteúdo que se quer transmitir. Esse é um processo que faz uso de muitas estruturas encefálicas do sentido da visão e da percepção visual, sem falar dos processos cognitivos de memória e aprendizagem que estão envolvidos. A visão é o sentido mais usado conscientemente para entender o espaço em que se está. Tanto que ela pode influenciar como as informações captadas pelos demais sentidos serão interpretadas. Onde quer que se esteja, o corpo humano é constantemente bombardeado por inúmeras sensações do que está à volta. Ou seja, o sistema nervoso recebe estímulos do ambiente, que são transformados em informação para ser processada pelo cérebro. Assim, perceber o mundo é o resultado do processamento que se faz das informações que os olhos captam e enviam ao sistema nervoso. Nesse sentido, podemos fazer uma analogia de que não vemos o mundo apenas com nossos olhos, mas principalmente com nosso cérebro. Neste capítulo, dedicaremo-nos a explicar o funcionamento da visão e seu processamento perceptual, a fim de criar um panorama das habilidades bidimensionais do nosso corpo. Além disso, cabe aqui reiterar que estamos falando da visão por ela ter certa força sobre as outras percepções, mas os processos de percepção sonora, térmica, tátil, e tantas outras, são cada uma um verdadeiro mundo de informações à parte. Claro que terão algumas similares, mas as áreas corticais envolvidas serão diferentes, o que tornaria esse texto muito extenso. Assim, é importante dizer que a capacidade visual humana evoluiu ao longo do tempo em função das características da energia encontrada no planeta, o que permitiu que a espécie se adaptasse às condições do mundo, sendo o uso da visão referência principal. Hoje, os olhos humanos são adaptados para enxergar a luz refletida pelos objetos em diferentes padrões. A energia radiante provinda da luz se manifesta ao mesmo tempo como partícula (fótons) e onda, capaz de se propagar em uma direção determinada e de vibrar na orientação ortogonal. Para entender a visão, é necessário compreender as características irradiantes e ondulatórias da luz. Convencionou-se representar a propagação da luz como uma curva senoidal94 (Figura 1) que descreve uma trajetória vibratória, determinando uma amplitude, que é a quantidade de energia contida em uma radiação (quanto maior a amplitude, mais forte é a luz); e o comprimento da onda, que é a distância entre duas cristas ou dois valesda curva. Esse comprimento é inversamente proporcional à frequência da onda, que determina a quantidade de vibrações ao longo do tempo (quanto maior a frequência, menor o comprimento e mais rápida a vibração da onda). As inúmeras combinações entre amplitude, comprimento e frequência permitem ao indivíduo realizar operações funcionais no sistema visual, destinado à realização de múltiplas tarefas. Dessa forma, há a localização espacial, que possibilita identificar no campo de visão a posição de um objeto; a tarefa de medida da intensidade da luz estima o brilho de cada objeto em relação ao ambiente; a capacidade de discriminação de formas diferencia e reconhece os objetos segundo seus contornos; a detecção de movimento permite que percebamos que alguns objetos se movem e outros ficam parados; e, por fim, há a possibilidade de visão das cores. Cada uma dessas tarefas é uma submodalidade visual que trabalha em função da ativação específica de diferentes regiões neurais interconectadas vindas do olho95. O ponto de partida do sistema visual são os olhos, órgãos sensoriais da visão que conseguem detectar diferentes padrões de luz refletidos pelos objetos. A onda luminosa atravessa a córnea do olho – uma espécie de “vidro transparente” –, que ajuda a focar a imagem e protege a abertura ocular, a pupila; essa é controlada pela íris, a responsável por abrir mais ou menos esse vão (pela contração e dilatação). O cristalino, uma lente que existe atrás dessa abertura, trabalha com a íris no processo chamado de acomodação para focar melhor a imagem e deixá-la nítida. O cristalino também irá direcionar a luz para a região de células no fundo do olho, chamada de retina. É ela o receptor sensorial da visão que tem conexão direta com o nervo óptico, que faz parte do sistema nervoso central. FIGURA 1 – ESTRUTURA DO OLHO HUMANO COM REPRESENTAÇÃO DA CURVA SENOIDAL DA ONDA LUMINOSA Com mais de 130 milhões de células diversificadas na retina, é nela que estão localizados os cones e bastonetes que detectam as ondas luminosas. Os cerca de 6 milhões de cones existentes em cada olho ficam progressivamente mais concentrados na região da retina chamada fóvea, na qual a visão é mais distinta96. Nesse ponto da retina não existem bastonetes – que somam uma média de 120 milhões –, estando mais concentrados nas bordas externas da retina. Há três tipos de cones, sendo que cada um é sensível a uma faixa de comprimento de onda do espectro luminoso visível aos seres humanos. São percebidas as ondas que correspondem às cores vermelha (comprimentos de onda maiores), verde e amarela (comprimentos de onda por volta de 550 nm), e azul (comprimento de ondas menores), sendo que os diferentes matizes e tons entre elas são distinguidas pela análise do cérebro a partir da ativação dessas células fotossensíveis97. Logo, se estivermos olhando dois objetos, um verde e outro azul e com a mesma luminância98, o objeto verde parecerá mais intenso por produzir maior estímulo elétrico nas fibras do nervo óptico. Quanto à intensidade da luz, a avaliação dos receptores dependerá de fatores que vão além da característica da própria energia, como: nível de adaptação da retina ao ambiente claro ou escuro; nível de “ruído interno” do próprio sistema visual, já que os neurônios da retina disparam impulsos a uma certa frequência, mesmo sem estimulação externa, o que define o limite inferior de sensibilidade; cor do estímulo, como já foi explicado; e as condições de contorno em volta do estímulo, já que o contraste do objeto em fundo escuro é percebido com mais intensidade (mais claro) e em fundo claro com menos intensidade (mais escuro)99. Além disso, os bastonetes são capazes de identificar as luzes de menor intensidade – o que permite a visão noturna dos seres humanos –, mas têm dificuldade de identificar cores e detalhes finos da imagem captada. Já os cones registram ambientes de maior luminosidade com diferenciação de cores e maiores detalhes. Essas células fotossensíveis deflagram o processo de transdução: uma vez que a luz é captada pelos cones e bastonetes, as células da camada média da retina realizam uma série de “cálculos” sobre as características das ondas. Dessa camada são formadas as células ganglionares e retinais, responsáveis por gerar o sinal elétrico, esse sinal será conduzido por uma série de axônios inervados na retina que se juntam no chamado ponto cego do olho, uma pequena área que não contém receptores de luz, para então formar o nervo óptico. Ou seja, a transdução é a conversão da energia luminosa em sinal elétrico para envio ao encéfalo. Vale ressaltar que a luz projetada no ponto cego não é processada como informação no encéfalo. O que acontece é que no processamento mental da imagem esse ponto é preenchido com informações do que está ao redor e com informações registradas pelo outro olho, sendo que a imagem formada no cérebro não é capaz de representar sombra. Façamos um teste: cubra o olho direito e foque o olho esquerdo no + abaixo; de forma lenta e gradual, afaste a cabeça do livro enquanto foca a visão apenas no +, prestando atenção na região periférica; haverá uma posição em que o círculo à esquerda irá sumir do seu campo de visão. Se você continuar a se movimentar, o círculo irá reaparecer. O PROCESSAMENTO NEURAL DA VISÃO Com mais de 1 milhão de fibras100, o nervo óptico sai de cada globo ocular e cruza101 em uma região chamada quiasma óptico, no qual por volta de metade das fibras que saem do olho esquerdo cruza em direção ao lado direito do cérebro. Da mesma forma, cerca de metade das fibras que saem do olho direito passa para o lado esquerdo. O restante permanece do mesmo lado. Esse cruzamento parcial das informações é essencial para que cada hemisfério do cérebro receba sinais visuais captados por ambos os olhos. Em seguida, as fibras passam a se chamar trato óptico e levam o estímulo elétrico para alguns locais diferentes do cérebro (Figura 2). O primeiro destino é o hipotálamo, uma estrutura subcortical do diencéfalo que regula o metabolismo do corpo e irá utilizar a informação visual para sincronização do relógio biológico com o ciclo noite-dia102. Essa função temporizadora do organismo levará em conta a diferença de acionamento dos cones e bastonetes para “saber” o horário. Assim, entende-se que ambientes escuros, onde se desenvolvem tarefas que demandam um tempo prolongado, favorecem a sonolência e falta de concentração. Ao mesmo tempo, se a tarefa a ser desenvolvida necessita de um estado mental de relaxamento, mecanismos para diminuição da luminosidade são essenciais. FIGURA 2 – PLANO HORIZONTAL DO ENCÉFALO COM REPRESENTAÇÃO DO SISTEMA DA VISÃO, DESDE OS OLHOS (ACIMA) ATÉ O CÓRTEX VISUAL PRIMÁRIO (ABAIXO) FIGURA 3 – PLANO LATERAL DO ENCÉFALO COM REPRESENTAÇÃO DO SISTEMA DA VISÃO, DESDE OS OLHOS (À ESQUERDA) ATÉ O CÓRTEX VISUAL PRIMÁRIO (À DIREITA) Outro destino do trato óptico é o corpo geniculado lateral do tálamo, importante estrutura subcortical para a percepção visual. Ele serve como estação celular intermediária na via visual para em seguida projetar axônios ao córtex cerebral. Nesse contexto, do tálamo para o córtex visual, existem duas vias paralelas que transmitem a informação: a via com células parvocelulares (células P) e a via com células magnocelulares (células M). As células P são estimuladas pela atividade que vem dos cones, sendo sensíveis à cor e pequenos detalhes dos objetos. Elas são relacionadas à via ventral que sai do córtex visual – em que realizam processos perceptuais que identificam as características do estímulo, como cor e forma (qual é o estímulo) – em direção ao córtex temporal inferior. Já as células M são estimuladas pela atividade nos bastonetes, sendo sensíveis a informações sobre o movimento. Essas células se relacionam com a saída do córtex visual pela via dorsal (Figura 3), que segue em direção ao córtex parietal, com a informação de como e onde está o estímulo captado. A partir dessas vias, o corpo caloso conecta os dois hemisférios do cérebro paraunificação da percepção dos objetos no campo visual. A informação saída do tálamo chega inicialmente no córtex visual primário, primeiro nível do processamento cortical da informação visual no centro do lobo occipital. Desse ponto, o sinal elétrico irá se espalhar pelas demais áreas corticais visuais de ordem superior (consciência), que serão responsáveis por diferentes aspectos da visão. Essa “divisão de responsabilidades” em grupos funcionais é importante, já que permite que o encéfalo possa minimizar a quantidade de neurônios acionados para analisar diferentes aspectos da visão. Assim, o processo completo de análise pelo encéfalo de uma cena visual se dá em três níveis. Em um primeiro nível “mais simples”, são identificados aspectos como contraste local, orientação, cor e movimento. Em um nível intermediário, o foco é na análise da disposição da cena, com criação de um mapa topográfico do espaço e definição de propriedades das superfícies, distinguindo o que é primeiro plano e o que é o plano de fundo. Em um nível superior, que requer a atividade racional do cérebro, há o reconhecimento do objeto, sendo necessário acessar áreas da memória. Vale ressaltar que ainda há controvérsia (como em qualquer área científica) sobre as funções exatas do córtex visual, necessitando maiores estudos. Além disso, o sistema visual é uma estrutura complexa, em que a plasticidade do nosso cérebro faz com que essas análises não possam ser consideradas absolutas. PISTAS PERCEPTIVAS DA VISÃO Imagine que você está dirigindo pela cidade e se depara com um cruzamento em que o “sinal fechou”. Provavelmente, você ficará olhando o semáforo à espera de um estímulo provindo do espaço urbano, onde ondas luminosas na cor verde serão emitidas (propriedade física do ambiente). Em seguida, os receptores sensoriais dos olhos (cones e bastonetes) irão captar a energia física do semáforo (sensação) para que possa ser transformada em sinais elétricos e transmitida ao cérebro (transdução). Essa informação será então traduzida e interpretada (percepção) para que se decida a ação a ser tomada para voltar a movimentar o carro. Tudo isso em milésimos de segundos. Nessa situação, os estímulos recebidos podem ser a luz com comprimento de onda verde, amarela e vermelha, estando a informação qualitativa do estímulo nos diferentes receptores que conseguem perceber essa variação de cores. E dependendo da hora do dia, esse estímulo do ambiente pode ser percebido com mais ou menos brilho. Ao anoitecer, é possível perceber de maneira quantitativa uma maior intensidade do estímulo pela variação da taxa de disparo em um neurônio específico em relação ao que acontece na claridade da manhã, por exemplo, o que cria uma melhor nitidez da informação. Vale salientar que detectar um estímulo é uma decisão subjetiva do indivíduo. Essa decisão é afetada pela sensibilidade a ele em comparação a outros estímulos que possam causar distração, assim como os critérios usados para julgar uma informação ambígua recebida. O ambiente construído está cheio desses estímulos que podem acionar diferentes órgãos sensoriais, mas nem todos eles o nosso corpo consegue captar. Falar de uma “força” mínima do estímulo para que ele seja captado é chamado de limiar absoluto, que define a intensidade da estimulação para desencadear a sensação. Da mesma forma, a quantidade mínima para detectar a mudança entre dois estímulos de uma mesma natureza é o limiar de diferença. Um exemplo disso é que se você estiver em um ambiente interno e, de repente, alguém tirar uma foto com flash sem você esperar, isso irá chamar a atenção nessa diferença entre estímulos (a luz no espaço e luz do flash da câmera). A percepção da forma também é feita pela avaliação tridimensional do objeto em relação ao ambiente em que está inserido. “Os objetos são geralmente vistos como configurações concretas de tamanhos e formas, arranjados espacialmente com relação uns aos outros e estendendo-se para fora em um espaço tridimensional, a alguma profundidade ou distância no espaço físico”103. No entanto, a forma com que captamos essa visão se dá de maneira bidimensional, sendo apenas no encéfalo transformada em uma representação tridimensional. Isso traz dificuldades na hora de se entender profundidade e distância no ambiente construído, já que esses aspectos precisam ser “construídos” pelo encéfalo. Para tanto, a própria retina desenvolveu a capacidade de distinguir algumas características da incidência luminosa no espaço, o que chamamos de pistas perceptivas ou pistas pictóricas (Figuras 4 e 5), que irão ajudar na construção desse mapa mental. É muito provável que como projetistas tenhamos familiaridades com elas, sem sabermos seus funcionamentos. As pistas trabalham a partir de elementos de referência – e que aprendemos por exposição – para perceber as dimensões e texturas do ambiente. Ou seja, são estímulos que tendem a ser usados pelo cérebro como comparação para criar estimativas sensoriais. FIGURA 4 – ANÁLISE DO RECORTE DA OBRA ESCOLA DE ATENAS (1509) DO PINTOR ITALIANO RAFAEL SANZIO FIGURA 5 – ANÁLISE DA OBRA “A AULA DE MÚSICA” (1662) DO PINTOR HOLANDÊS JOHANNES VERMEER Todas as pistas dão informações ambíguas e, com frequência, pistas diferentes dão informações conflitantes. Elas são tanto fornecidas pelo movimento do observador ou de objetos no ambiente visual, como por estímulos não visuais (p. ex., baseadas no tato ou na audição), ainda que nossa visão seja soberana sobre todos os nossos sentidos. A percepção de profundidade gerada por pistas oculomotoras é fundamentada na percepção de contrações dos músculos em torno dos olhos. Elas podem ser monoculares, quando os indícios da percepção são registrados por cada olho de maneira isolada; e as binoculares, com indícios de percepção requeridos por ambos os olhos de forma simultânea. Ambas são muito importantes para que a estimativa de uma distância chegue mais perto do acerto, além de necessariamente depender das informações enviadas por dois olhos. As pistas monoculares são muitas e incluem: sobreposição, perspectiva aérea, sombreamento e iluminação, altura, perspectiva linear, gradientes de textura e tamanho relativo. Há também pistas monoculares dinâmicas: paralaxe de movimento, perspectiva de movimento e acomodação. Já nas pistas binoculares existem dois tipos: convergência e disparidade binocular104. A sobreposição ou oclusão parcial diz respeito à nossa capacidade de entender a forma de um objeto que está parcialmente oculto por outro. Nesse caso, o objeto não oculto será percebido como um elemento mais próximo ao observador, o que cria a noção de uma profundidade relativa, comparativa. Essa é uma noção também relacionada às experiências que temos desde a infância, nos primeiros contatos com o ambiente, em que logo desenhamos sóis sorridentes atrás de montanhas sobrepostas. O simples desenho de um aluno pré-escolar, ainda que pouco realista, passa-nos a sensação de que há superposição entre as montanhas e o sol, com detalhes muito simples e sutis. A perspectiva aérea ou nitidez fala sobre o quão claro e em foco o objeto parece ser (objeto próximo) em oposição à aparência sem nitidez e desfocada (objeto distante). Isso acontece pelo efeito das partículas suspensas da atmosfera, já que quando a luz as atravessa, elas criam uma espécie de “filtro” que deixa a imagem com menor “limpeza”, além de que a luz refletida de objetos com maior profundidade no campo visual precisa percorrer distâncias maiores. O sombreamento lida com o jogo de sombra e luz, conceito familiar na projetação do espaço construído. Para a neurociência, essa pista lida com a intensidade do brilho do objeto, já que o objeto afastado da luz parece ter menos brilho e mais sombra. Além disso, o padrão de nossos ambientes é a superfície plana, bidimensional, que não cria sombras por si mesma. Essa pista perceptual também auxilia no entendimento de profundidade em uma superfície descontínua, marcando as reentrâncias e saliências existentes. Na pista perceptivade altura, vê-se o horizonte mais elevado verticalmente que o primeiro plano. Assim, os objetos mais altos no campo visual estão mais distantes do que aqueles que parecem mais abaixo. A ideia de profundidade em uma imagem reticular pode ser enfatizada pela perspectiva linear, o que envolve a diminuição sistemática dos objetos. O que se vê é uma conversão das linhas em direção a um mesmo ponto, chamado de ponto de fuga, técnica de representação muito conhecida entre arquitetas e arquitetos. Para a visualização de profundidade e distância na imagem, o gradiente de textura representa a mudança relativa da densidade do material de acordo com a posição do objeto no espaço. A textura (lisa, rugosa, felpuda, pedregosa) se torna mais ou menos visível a depender da distância. Assim como na perspectiva linear, a textura parece ficar com padrões menores e mais próximos – mais comprimidos – à medida que se afastam do primeiro plano do campo visual. Outra pista útil é o tamanho familiar. Quando sabemos o tamanho do objeto, podemos estimar o tamanho de sua imagem na retina (células que capturam as imagens em nosso olho) para fornecer uma estimativa precisa de sua distância. No entanto, podemos nos enganar se um objeto não estiver em seu tamanho familiar. Outra é a pista de tamanho relativo que se dá quando há dois objetos semelhantes. Comparam-se os tamanhos para melhor entender a posição de cada um no espaço e assim aferir a relação de profundidade do ambiente. Dessa forma, o emprego dessas pistas monoculares estáticas aqui descritas dentro de uma imagem bidimensional torna possível a percepção pictórica, tendo-se a impressão de profundidade. Existem também as pistas monoculares com informação dinâmica ou cinética. Elas permitem a percepção de movimento da imagem. Com o movimento do observador, ou dos objetos próximos a ele, produz-se a paralaxe em função da profundidade e distância entre esses objetos, sendo esse efeito o movimento relativo aparente dos objetos. Essa pista está associada à diferença de deslocamento, podendo ser percebida quando a pessoa fixa o olhar em um ponto da cena visual e a cabeça mexe, mesmo que bem lentamente, fazendo com que os objetos mais próximos do ponto fixo movam-se com maior rapidez que os mais distantes. Outro aspecto da paralaxe é que a direção aparente do movimento não é a mesma entre objetos mais perto, que parecem ir na direção oposta da cabeça e os objetos longe parecem se deslocar na mesma direção. Uma forma simples de se entender a paralaxe é fechar um olho e colocar dois dedos alinhados diretamente ao campo de visão monocular, com uns 20 cm de distância entre eles, mantendo-os parados. Movimente levemente a cabeça para um lado e para o outro. Ao focar o olhar no dedo de trás (mais distante), ele parecerá se mover na mesma direção que a sua cabeça. Ao focar no olho mais perto, ele parece se mover ao contrário da sua cabeça. James Jerome Gibson (1904-1979) foi um psicólogo americano reconhecido como um dos colaboradores mais importantes no campo da percepção visual. Ele definiu perspectiva de movimento como a pista monocular que fornece informações sobre a distância dos objetos no padrão de fluxo óptico105. Esses padrões “criados pelo movimento em direção a uma superfície, ou paralelos a ela, fornecem informações sobre a velocidade e a direção do movimento”106. O efeito disso é perceber objetos que passam perto do observador parecem se deslocar mais rapidamente que objetos mais distantes. Por fim, como pista monocular dinâmica, existe a acomodação, que consiste nos músculos dos olhos fazerem ajustes para que o cristalino possa focar melhor para criar uma imagem retiniana nítida. Apesar de diferenciar a contração muscular de formas diferentes para objetos perto ou longe, essa é uma pista com limitação relativa, funcionando em seres humanos com distâncias de até 2 m107. Algumas fontes de informação do espaço necessitam do uso dos dois olhos ao mesmo tempo, as chamadas pistas binoculares. A convergência lida com a tendência que os olhos têm de se moverem coordenadamente em direção um ao outro para observar objetos perto do observador (Figura 6; I). Enquanto isso, para objetos distantes, os olhos ficam mais próximos da linha de visão. Isso faz com que o próprio controle muscular indique ao encéfalo um sinal de profundidade ou de distância (Figura 6; II). FIGURA 6 – MOVIMENTO DO OLHO: (I) CONVERGÊNCIA OCULAR AO FOCAR EM UM OBJETO PRÓXIMO, COM CRISTALINO ABAULADO; (II) CONVERGÊNCIA OCULAR AO FOCAR EM UM OBJETO DISTANTE, COM CRISTALINO RELATIVAMENTE PLANO; (III) IMAGENS EM DISPARIDADE BINOCULAR Os olhos humanos estão direcionados para a frente do corpo, o que cria um campo de visão relativamente abrangente. No entanto, por causa da distância de 5 a 7,5 cm que existe um do outro, as informações chegam levemente diferentes. Essa diferença de imagem retiniana é conhecida como disparidade binocular, dando ao encéfalo acesso a essas duas informações de forma simultânea. Com elas, nossa mente é capaz de “calcular” a distância entre os objetos de maneira altamente precisa. A disparidade binocular produz estereopsia, que é a percepção de profundidade produzida pela disparidade binocular. A estereopsia é muito potente a curtas distâncias e para testá-la basta colocar um dedo a poucos centímetros do seu nariz e alternar o fechamento de um dos olhos. Você terá a sensação de que o dedo, ainda que imóvel, deslocou-se. Tal sensação de deslocamento é maior a objetos mais próximos de nossos olhos e gradativamente menor à medida que observamos objetos distantes. Isso porque as informações dos dois olhos terão diferenças (disparidades) de ângulo de objetos mais próximos ao nosso rosto e menor diferença de objetos que estão próximos à linha do horizonte. A discrepância nas imagens retinianas de um objeto diminui a um fator de cem quando sua distância do observador aumenta de 2 para 20 m. No entanto, apesar dessas pistas, nossos olhos podem nos enganar. Tudo dependerá de como o cérebro irá interpretá-las para criar a percepção. Técnicas de ilusão de ótica, por exemplo, acabam sendo muito interessantes para se entender melhor a visão. Uma vez que são muitas informações captadas pelos olhos para serem processadas a cada instante, somos condicionados pelo cérebro a ver a interpretação mais provável. Em alguns casos, duas pessoas interpretam a cena visual de formas diferentes e quando essa interpretação é errada, chamamos de ilusão de óptica. Um exemplo é a sala ou caixa de Ames. Desenvolvida pelo oftalmologista norte-americano Adelbert Ames Jr. em 1946, essa ilusão óptica é centrada no uso de um ambiente distorcido. Vista frontalmente, ela parece um espaço cúbico regular. Porém, se duas pessoas se posicionarem nas duas arestas do fundo, o observador da posição frontal irá ver uma disparidade impressionante no tamanho das duas pessoas. Na realidade, o espaço é trapezoidal e o que se vê é um truque de perspectiva (Figura 7). FIGURA 7 – ILUSÃO CAIXA DE AMES CRIADA PELO NORTE-AMERICANO ADELBERT AMES JR Já a ilusão das cobras giratórias foi desenvolvida pelo psicólogo e professor Akiyoshi Kitaoka em 2003 com base em cores e formas geométricas que criam efeitos de movimento (Figura 8). Essa imagem estática trabalha com o conceito de ilusão de deriva periférica, refere-se a uma ilusão de movimento anômalo que pode ser observada na visão periférica. O movimento ilusório tende a aparecer na direção de uma região mais escura para uma mais clara adjacente. Essa ilusão é aprimorada por perfis de luminância graduais, sendo que estímulos com perfis de luminância suaves fornecem uma ilusão mais fraca. Ela é também reforçada por bordas fragmentadas ou curvas, tendo estímulos feitos de bordas longas um resultado mais fraco108. FIGURA 8 – ILUSÃO DE DERIVA PERIFÉRICA COBRAS GIRATÓRIAS CRIADA PELO JAPONÊS AKIYOSHI KITAOKA Na construção do espaço, a técnica de ilusão já foi utilizada muitas vezes. “Enganar” os olhos do observador pode favorecer uma intenção espacial que se tem por objetivo.Desde a Antiguidade grega até os dias de hoje, forçar ou enfatizar uma determinada perspectiva do ambiente construído se apresenta como uma técnica válida para a construção de efeitos espaciais. Isso irá influenciar como pensamos e avaliamos uma determinada obra. Seja na visualização do espaço construído ou na renderização de um ambiente que irá existir, somos levados a acreditar em imagens que na realidade não existem. Esse fenômeno é feito com a movimentação de objetos para mais perto do plano de fundo, por exemplo, distantes da lente – seja ela uma lente humana, seja fotográfica. Consegue-se fazer com que o espaço pareça maior ou menor, mais alto ou mais baixo, mais curto ou profundo do que realmente é apenas em função da disposição dos objetos, planos e elementos construtivos. Basta entender como o cérebro lê as pistas perceptivas em função do tamanho angular e as dicas de contexto existentes para que se consiga “ajustar” a realidade. Quando as coisas têm o mesmo tamanho angular, por exemplo, o cérebro pensa que os objetos têm o mesmo tamanho que o contexto os define. Assim, se o objetivo for criar a sensação de amplitude em um ambiente pequeno, por exemplo, um espelho poderia alongar as linhas de contorno do espaço, dando a sensação de alongamento. Porém, se essa for a única pista disponível, ou for contrastante com outras pistas que dão a sensação de diminuição do local, esse efeito não será criado. Ou seja, a experiência arquitetônica, somada com a capacidade de nomear os elementos perceptuais usados, pode ser um recurso rico de investigação das pistas perceptuais de modo integrado. Esses detalhes de deformação que são encontrados em diferentes prédios são soluções arquitetônicas que compensam as condições visuais de diferentes objetos, o que reforça “a unidade do conjunto, ao estabelecer e modificar a forma dos elementos de acordo com sua posição na obra”109. Elementos como janelas, portas e a própria fachada não devem ser considerados isoladamente, mas sim em consonância, a fim de identificar como eles funcionam juntos em sua disposição geral. Uma pessoa diretamente “ao pé” do edifício perceberá esse volume de maneira diferente do que se olhasse de longe. 94 Curva senoidal é uma curva matemática que descreve uma oscilação repetitiva em uma onda contínua. 95 Lent, 2010. 96 Machado & Haertel, 2013. 97 Machado & Haertel, 2013. 98 Luminância é uma medida da densidade da intensidade de uma luz refletida em uma dada direção. 99 Lent, 2010. 100 Fibras nervosas são os axônios dos neurônios que, quando em conjunto, formam os feixes ou tratos do sistema nervoso central e os nervos do sistema nervoso periférico. 101 Decussação é o cruzamento em “X” das fibras nervosas. 102 Lent, 2010. 103 Schiffman, 2005. 104 Schiffman, 2005. 105 Fluxo óptico é o campo que descreve os deslocamentos ocorridos entre dois quadros consecutivos. 106 Schiffman, 2005. 107 Schiffman, 2005. 108 Kitaoka & Ashida, 2003. 109 Pereira, 2010. NOÇÕES MENTAIS DE ESPACIALIDADE A partir da ideia moderna derivada da filosofia de Immanuel Kant (1724-1804) de que a visão é um processo ativo e criativo que vai além das informações fornecidas para a retina, o século XX viu surgir muitos estudiosos da percepção espacial. Um desses estudiosos foi Hermann von Helmholtz (1821-1894), matemático, médico e físico alemão, visto por muitos cientistas como o fundador do estudo científico da percepção visual. Dentro de seus estudos sobre fisiologia e psicofísica, Helmholtz contribuiu com teorias da visão, da percepção visual, percepção espacial, visão a cores e muitas outras. Para ele, todo fenômeno mental teria uma correlação física, o que exige observação a partir de três aspectos: as configurações físicas dos estímulos (como a intensidade da luz); as condições mecânicas e eletroquímicas da estimulação no corpo (o olho e suas conexões nervosas); e as manifestações subjetivas do processo perceptivo, realizadas pela mente humana110. Se considerarmos que o ser humano não nasce com um dicionário inerente de significados preestabelecidos entre mente e meio, qual seria então a relação entre sensação e percepção? Helmholtz estabeleceu que essa relação é subjetiva e carece interpretação para cada indivíduo, sendo falsa a ideia de que a qualidade da sensação apreendida é a causa exata da percepção do objeto. Não há relação causal entre estímulo e fisiologia para o efeito mental criado. Isso significa que a percepção deriva do símbolo que damos para as relações do espaço à nossa volta, um “conjunto de expectativas sobre a base da qual nós podemos avaliar sensações futuras e atuar sucessivamente no mundo”111. A interpretação do espaço é, por conseguinte, subjetiva e complexa. Sob a ótica da neurociência, a percepção é o resultado do aprendizado e dos hábitos adquiridos, em que o tempo se apresenta como importante dimensão, já que a percepção de algo que tenhamos aos 20 anos pode não ser igual aos 60 anos. Além disso, “o que é adequado e próprio para uma geração torna-se ridículo para a seguinte, pois as pessoas adquiriram novos gostos e hábitos”112. Imagine, então, que você está em Praga, na República Tcheca, em frente ao edifício Casa Dançante (Figura 1) projetado por Vlado Milunić, em cooperação com Frank Gehry. Na faculdade de arquitetura, você aprendeu que esse prédio é um exemplo de arquitetura desconstrutivista, linha de projeto famosa pelos edifícios fragmentados, que manipulam a ideia de superfície e estrutura ao criar formas não retilíneas que distorcem os princípios clássicos da arquitetura, como o próprio envoltório do edifício. Você sabe também que o conceito dos projetistas foi inspirado na imagem de um casal dançando, tanto que originalmente o prédio se chamava Fred e Ginger, em alusão a Fred Astaire e Ginger Rogers, atores famosos pelas cenas de dança nos antigos filmes de Hollywood de meados do século XX. FIGURA 1 – CASA DANÇANTE EM PRAGA, REPÚBLICA TCHECA (1996) PROJETADO PELOS ARQUITETOS VLADO MILUNIĆ E FRANK GEHRY O que está acontecendo é que a luz do sol está batendo no edifício e refletindo em direção aos seus olhos, que captam esse estímulo e o transformam em informação eletroquímica para ser levada ao seu cérebro. No cérebro, essa imagem estimula vários pontos do córtex, fazendo com que você perceba a imagem à sua frente e se lembre das informações aprendidas anteriormente, conectando a imagem aos símbolos e significados estudados. Você vê que esse projeto arquitetônico brinca com a abstração entre forma e figura ao indicar uma “cintura” no edifício, uma saia esvoaçante ou um cabelo em cima da cúpula de metal do volume em concreto. Mas será que o turista próximo a você também consegue “ver” tudo isso? Será que ele consegue capturar todos esses significados? E se você não tivesse aprendido tudo isso, ainda assim conseguiria ter a mesma percepção? Os conhecimentos em neurociência, quando aplicados à arquitetura, quebram paradigmas tradicionais do projeto. A descoberta da perspectiva no século XV, com a representação das três dimensões – altura, largura e profundidade – revolucionou a forma de se pensar a arquitetura da época. Isso fez com que se passasse a privilegiar uma compreensão visual do objeto arquitetônico, em que a representação da perspectiva em si mesma se tornou “uma forma simbólica que não apenas descreve, mas também condiciona a percepção”113. No entanto, hoje a discussão se volta às ideias da corporização humana no espaço, com ênfase nas qualidades experienciais das sensações. A cada dia, novas e variadas descobertas emergem no campo da neurociência, com a promessa de uma compreensão mais profunda das implicações mentais e impactos da arte de construir. Além de sua essência como um artefato, a arquitetura agora precisa ser vista em seu contexto fisiológico em um paradigma emergente de mente-corpo-ambiente. Essas visões desafiam a compreensão visual tradicional que ainda prevalece da arquitetura e sugerem que as experiências arquitetônicas mais significativas surgem de encontros existenciaisem vez de percepções retinais, inteligência e estética do novo114. Partindo-se da premissa de que “o olho apenas permite ver, revelar através da luz, características daquilo que está diante dos nossos olhos, aquilo que chamamos de realidade”115, ao falar sobre percepção e colocar em foco o processo de interpretação do estímulo recebido, essa percepção será diferente entre as pessoas. Estamos falando de significados criados pela cultura de uma sociedade. Como dito por Heidegger116, o sujeito é ser-no-mundo, entendendo-se que ele está limitado por sua temporalidade e lugar de existência. Lembremos que para o filósofo, lugar (logos) deve ser entendido a partir de uma definição fenomenológica e existencial – em vez de geográfica – na qual devemos considerar o ser humano em função de dimensões antropológicas, psicológicas e biológicas, dentro de seu contexto de vida. Dessa forma, o que em uma cultura pode simbolizar afeto, em outra pode ser um gesto de desrespeito. Não existe uma percepção universal no entendimento do símbolo por si só, mas sempre um entendimento que passa por um filtro de racionalização daquilo que estamos vendo a partir daquilo que já vimos. Logo, isso significa que: O entendimento que temos das coisas é um somatório de percepções e visões que vão sendo guardadas no nosso cérebro, que são articuladas com outras percepções, constituindo um arquivo de referências que vai sedimentando a construção da imagem117. As obras arquitetônicas que brincam com a percepção das pessoas são mais ou menos bem-sucedidas em função da capacidade do indivíduo de ver e perceber a ideia que se quer transmitir, o que faz com que as experiências tidas com a arquitetura sejam subjetivas. Claro, o ser humano tem uma predisposição de prestar atenção a alguns estímulos mais que outros. A detecção da presença de um ser humano ou de um elemento natural está “embutida” em nossos cérebros por anos de evolução da espécie. Objetos derivados de elementos naturais, por serem mais comuns e conhecidos, foram mais expostos à nossa capacidade de percepção, o que implica em um reforço desse aprendizado no ser humano. A ANÁLISE DA FORMA A forma é um dos principais aspectos do ambiente construído e decidir quais usar é um dos aspectos mais desafiadores do processo de projeto. Embora arquitetas e arquitetos sejam responsáveis por considerar a função e a tecnologia de seu projeto, eles são geralmente livres para projetar a forma de acordo com suas ideias e preferências individuais. A própria palavra forma abrange diferentes conotações. Ela pode ser considerada a partir de um pensamento filosófico (a forma platônica ou aristotélica), lógico (forma versus matéria do juízo), epistemológico (a forma kantiana no espaço e tempo) ou estético (os limites exteriores da matéria)118. No campo da arquitetura, esse termo é empregado quando se fala da estrutura formal do projeto, dentro de uma lógica de composição coerente. A forma está embutida de padrões, relações e hierarquias organizacionais que definem o espaço. Lembremos que na geometria – base de muitas discussões na arquitetura – a forma se refere à massa ou ao volume, enquanto que os elementos compositivos, como linhas ou contornos, delimitam essa forma. Para tanto, existem quatro características da forma que prevalecem no projeto: formato, tamanho, cor e textura. O formato é a característica de conforto, o limite que se estabelece para criar a “figura” da forma. Falamos então da configuração da superfície em um plano bidimensional que, quando em conjunto com outras superfícies, é possível identificar a forma. O tamanho são as características dimensionais – largura, comprimento, altura – que ao serem definidas em função de um elemento referencial passa a ser entendido como escala. Daí poder dizer que um edifício é baixo ou alto, largo ou estreito: isso dependerá dos elementos aos quais a forma é comparada. Conforme o fenômeno de luz e percepção visual, tratados no capítulo Percepção Visual e o Projeto Arquitetônico, a cor pode ser atribuída à forma em função das dimensões de matiz, saturação, tom e brilho. Já a textura lida com a topografia na superfície, o que produz mais ou menos sombra no material. Tendo uma qualidade visual e tátil, a textura pode sofrer variações em função do tamanho, formato, proporção ou disposição das superfícies da forma. Além disso, elas trazem, inerente à forma, uma série de propriedades relacionais da composição dos elementos: posição, orientação e inércia visual119. Uma vez que a arquitetura consiste no ordenamento da passagem de um espaço dado a um espaço habitado, também essas características qualificam o objeto em análise. A posição fala da situação do objeto em estudo em relação ao ambiente que ocupa, seja um edifício em função da cidade, seja um ambiente em função do edifício, seja de um mobiliário em função do ambiente. A orientação é a determinação da direção da forma considerando o plano do solo, os pontos cardeais ou o campo visual do observador. Já a inércia visual lida com o quão estável e equilibrada, ou não, é a forma. Essa propriedade combina a posição e a orientação com a própria geometria do objeto arquitetônico, que irá lidar com a relação gravitacional – e estrutural – em função da linha do horizonte no campo de visão120. A forma pode ser apreendida como dura ou macia, leve ou pesada, tensa e solta, independente da materialidade de sua estrutura ou superfície. É uma associação intuitiva, feita a partir de diferentes estímulos vividos. Podemos, por exemplo, conectar a experiência com um tecido de algodão macio e extrapolar para uma “maciez” da parede revestida de um material similar. Isso significa que mesmo sem tocar o material, a nossa memória dele em uma situação diferente influencia nossa percepção da arquitetura. Essas “sensações” são ferramentas que projetistas possuem para influenciar a compreensão das pessoas quanto a um determinado ambiente ou volume. Com as qualidades perceptivas de material, forma, textura, cor etc., é possível empregar um “caráter” específico ao edifício, em que “cada implemento exerce seu próprio efeito particular sobre nossas mentes”121. Assim, a percepção espacial – uma dimensão da arquitetura que tanto exploramos em nossos projetos – fala da nossa capacidade de relacionar o contexto em que estamos com nós mesmos. Iniciamos no ponto bidimensional mais simples, no qual o elemento é considerado por sua expressão conceitual, para aos poucos trabalhar na complexidade do espaço tridimensional. Não é preciso enxergar unitariamente os pontos, as linhas ou os planos da forma arquitetônica, porque em nossas mentes eles serão sentidos. O ponto marca a posição do espaço, sendo um elemento de forte atração para o foco da visão. Quando centralizado no ambiente, passa a ideia de algo estático, centralizado e sem direção. Basta deslocar do centro que sentiremos desequilíbrio e tensão visual entre o ponto e o espaço em que ele está. Essas sensações estabelecem “uma condição em que cada parte de um todo está apropriadamente disposta com referência a outras partes e ao seu propósito, de modo a produzir um arranjo harmonioso”. No entanto, existem determinadas composições (Figura 2) que podem agradar mais que outras: a reação a um objeto perfeitamente simétrico e balanceado (I), ou um que assume sua assimetria ao manter o equilíbrio da forma (III) é diferente de um projeto sem uma composição bem definida, que pode parecer estranha ou passar a sensação de que tem alguma coisa errada (II). FIGURA 2 – DIAGRAMA DA ELEVAÇÃO DE UMA CASA, DO PONTO DE VISTA EXTERNO: (I) DESENHO SIMÉTRICO; (II) DESENHO LEVEMENTE ASSIMÉTRICO; (III) DESENHO ASSIMÉTRICO Sabe-se hoje que existem três níveis de percepção: a exterocepção, a propriocepção e a interocepção. A exterocepção é a interação direta do mundo externo com o corpo, que se dá pelo processo de captura dos estímulos ambientais pelos órgãos dos sentidos. Isso significa que teremos sensações táteis, auditivas, gustativas, olfativas e visuais. É por meio dessessistemas sensoriais que interagimos com o espaço à nossa volta ao captar os estímulos do meio e integrá-los, ou seja, organizá-los como uma única informação entendida. Como explicado no capítulo Nossos Processos Cognitivos, a propriocepção é considerada a sensação de si mesmo, o que transmite ao cérebro informações sobre posicionamento no ambiente. Espalhados pelos músculos, tendões e ligamentos, os receptores de propriocepção criam o sentido que nos ajuda a saber a posição e orientação do próprio corpo. É por causa deles que conseguimos, por exemplo, fechar os olhos e tocar o próprio nariz, mesmo sem ver o movimento acontecer. Por sua vez, a interocepção responde a estímulos viscerais do corpo em uma conexão direta com o controle da homeostase122. No entanto, essa dimensão de percepção vai além da regulação e manutenção corporal. A percepção interoceptiva regula também um “gatilho” comportamental importante quanto a questões emocionais, cognitivas e de autoconsciência. Ela permite a criação de experiências emocionais a partir de transformações fisiológicas processadas pelo córtex insular anterior, sendo responsável por identificarmos sensações internas como dor ou prazer. Ou seja, essa dimensão de sensações permite que sejam criadas representações sobre nosso espaço por meio de sentimentos e sensações corporais. O ESTUDO DA FORMA PELA GESTALT Muito do que entendemos como percepção e significado da forma deriva dos estudos desenvolvidos no século XX pelos psicólogos alemães Max Wertheimer (1880-1943), Kurt Koffka (1887-1967) e Wolgang Kohler (1886-1941), que aprofundaram as teorias de Hermann von Helmholtz. Fundadores da Gestalt123, escola de psicologia experimental, entendiam que um estímulo dependerá de suas propriedades inerentes, mas também do contexto em que ele foi captado em função das características do campo visual. Enquanto Helmholtz dizia que os estímulos ambientais seriam analisados e decompostos em sensações inconscientes simples e independentes, os cientistas da Gestalt afirmavam que a forma é mais que a soma de seus elementos124. A partir de variados estudos, os cientistas da Gestalt olharam para o processo perceptivo humano para entender o porquê de algumas formas agradarem mais que outras. Utilizando a relação figura-fundo em seus experimentos, acabaram por encontrar “evidências sobre a necessidade de ordem para o ser humano, a qual está associada ao funcionamento orgânico adequado nos níveis fisiológicos e psicológicos”125. A clássica ilusão de ótica a seguir (Figura 3) representa essas relações com duas possibilidades de visualização da imagem: é possível visualizar a silhueta de um vaso ou o perfil de dois rostos. O observador faz uma escolha mental entre essas duas interpretações válidas, na qual, em geral, se percebe apenas uma delas e somente após algum tempo ou estímulo adicional, consegue perceber a segunda. Após vários experimentos, concluíram que a forma é a unidade primitiva (mais simples) da percepção. FIGURA 3 – ILUSÃO DE ÓTICA CONHECIDA COMO VASO DE RUBIN Com base na fisiologia do sistema nervoso, eles afirmaram que o sistema visual encefálico processa as informações sensoriais de forma, cor, distância e movimento de objetos de acordo com certas “regras” inatas de organização da forma, preestabelecidas pela evolução do organismo humano, dentro da relação sujeito-objeto126. E que essas análises – de cor, brilho ou forma – não são em si absolutas, mas percebidas em um contexto de relações. Essa organização fala não apenas de uma regularidade da geometria, e sim de “uma condição em que cada parte de um todo está apropriadamente disposta com referência a outras partes e ao seu propósito, de modo a produzir um arranjo harmonioso”127. Dentro do pensamento da Gestalt, qualquer imagem – de arquitetura, mobiliário, produto, desenho, pintura etc., qualquer que seja seu tipo de manifestação visual – passa pelo princípio da pregnância para ser captada (Figura 4), em que fatores de equilíbrio, clareza e harmonia visual são uma necessidade do ser humano, logo, indispensáveis. Isso significa que a legibilidade da forma de qualquer objeto deve ser considerada como um todo – antes de focar no detalhe –, sendo que a organização formal do objeto, sob um ponto de vista mental, resultará em uma melhor solução do ponto de vista estrutural. Quanto mais complexa for a forma, com muitos detalhes, elementos diminutos e informação pormenorizada, menor é a nossa capacidade de identificar esses elementos, o que faz com que foquemos no todo para melhor leitura, identificação e compreensão da composição visual. Ou seja, quanto melhor for a nitidez, precisão e acuidade visual da imagem captada, melhor será seu nível de pregnância. Satisfazer esses aspectos de maneira adequada “respeitando-se os padrões culturais, estilos ou partidos formais relativos e intrínsecos aos diversificados objetos concebidos, desenvolvidos e construídos pelo homem”128. Entende-se, pois, que as relações psicofisiológicas (mente- corpo) no fenômeno da percepção são integradas, tendo o sistema nervoso uma característica dinâmica autorreguladora que busca estabilidade e tende a organizar as imagens do mundo de maneira coerente e unificada. Logo, determinados processos de interpretação do encéfalo são inatos ao ser humano, desenvolvidos a partir da evolução da espécie. Para os gestaltistas, esses são os princípios básicos de organização da forma perceptual “que explicam por que vemos as coisas de uma determinada maneira e não de outra”129, sendo eles: unidade, unificação, segregação, fechamento, continuidade, proximidade e segurança, todos em função da pregnância da forma. FIGURA 4 – IGREJA SAGRADA FAMÍLIA EM BARCELONA, ESPANHA (EM CONSTRUÇÃO) PROJETADA POR ANTONI GAUDÍ. EXEMPLO DE BAIXA PREGNÂNCIA, HÁ TANTA INFORMAÇÃO QUE É DIFÍCIL PERCEBER INDIVIDUALMENTE OS DETALHES CONSTRUTIVOS DA FACHADA, A NÃO SER QUE SE CHEGUE PERTO FIGURA 5 – COM UM GRANDE CONTRASTE ENTRE ELEMENTOS CONSTRUÍDOS E VEGETAÇÃO, ESTA IMAGEM DE UMA COMUNIDADE DO RIO DE JANEIRO É VISTA COMO DUAS GRANDES MASSAS UNIFICADAS, REALÇADAS PELAS LINHAS VERMELHAS TRACEJADAS (MARCAÇÃO FEITA PELAS AUTORAS) Do ponto de vista mais simples da teoria, a unidade consiste no elemento em si ou como parte de um todo. Essa ideia pode ser vista em um único objeto ou em um conjunto de objetos que trabalham para criar um volume ou massa única. Não só em um edifício, mas também a paisagem é vista dessa forma. Na Figura 5, por exemplo, se entende o céu como uma unidade de fundo; a massa edificada da comunidade carioca se comporta como um todo; e a mata em um primeiro plano contrasta com os elementos construídos. Podemos definir, assim, 3 unidades distintas. Porém, ao olhar a paisagem, também a entendemos como uma unidade composta por essas diferentes partes. A segregação da forma se dá pela diferenciação do estímulo (Figura 6). “Segregação significa a capacidade perceptiva de separar, identificar, evidenciar, notar ou destacar unidades, em um todo compositivo ou em partes deste todo, dentro de relações formais, dimensionais, de posicionamento”. Logo, para se ter unidade de elementos, é preciso contraste para que se possa diferenciar as formas. Caso não haja contraste nos estímulos recebidos, o entendimento das formas será o da unidade. Em contrapartida, a força de unificação age a partir da igualdade do estímulo recebido. Ela se dá quando a ordenação da forma é percebida como harmônica, equilibrada e coerente, em função de aspectos relacionais (formas, dimensões, cores, sombras etc.). FIGURA 6 – CONGRESSO NACIONAL EM BRASÍLIA, DF (1960) PROJETADA POR OSCAR NIEMEYER; POR SUA COMPLEXIDADE VOLUMÉTRICA, APESAR DE SABERMOS QUE É UM ÚNICO EDIFÍCIO, VISUALMENTE SE ENTENDE UMA SEGREGAÇÃO EM 5 PARTES: A BASE, AS CÚPULAS E OS VOLUMES VERTICAIS FIGURA 7 – GOLDEN GATE BRIDGE EM SÃO FRANCISCO, EUA (1937) PROJETADA POR IRVING MORROW. OS CABOS DE AÇO EM CURVA QUE SUSTENTAM A PONTE PASSAM UMA IDEIA DE CONTINUIDADE DO MOVIMENTO, APESAR DE SEREM LINHAS ISOLADAS NAESTRUTURA Quanto ao fator do fechamento (Figura 8), pesquisas de Wertheimer definem que é inerente ao ser humano a atividade mental de unir intervalos e estabelecer ligações. “Obtém-se a sensação de fechamento visual da forma pela continuidade em uma ordem estrutural definida, ou seja, por meio de agrupamento de elementos de maneira a constituir uma figura total mais fechada ou mais completa”130. Por exemplo, na Figura 6, a base do edifício do Congresso Nacional não é definida apenas pelas linhas horizontais da laje. A marcação rítmica dos pilares cria um efeito de proporcionalidade ao criar visualmente múltiplos retângulos que compõem o todo. A continuidade é outro princípio de organização da forma, em que se tenha a impressão visual de sucessividade das partes do objeto. A ideia é que uma unidade linear tende, psicologicamente, a se prolongar na mesma direção e com o mesmo movimento (Figura 7). Ou, se ela modifica sua direção suavemente, ainda entendemos como um movimento contínuo. Essa impressão, claro, pode ser formada não só pela linha, como também pela repetição de pontos ou planos, assim como pode ser definida por aspectos como cor, brilho ou tamanho. O importante é que se encontre fluidez na organização da forma. As distâncias entre os elementos auxiliam na organização da forma por proximidade (Figura 8). Quanto menor for a distância entre os objetos, maior a tendência de os agrupar e perceber como parte de uma composição. No entanto, a simples proximidade por vezes não basta para explicar o agrupamento de elementos. É necessário que esses tenham qualidades em comum, seja qual for o aspecto formal. Uma vez que buscamos visualizar o espaço em busca de unidade, essa semelhança das partes (Figura 9) – por formato, cor, tamanho, direção, etc. – auxilia nesse processo. Isso desperta a tendência dinâmica de constituir unidades, isto é, de estabelecer agrupamento das partes semelhantes. FIGURA 8 – IGREJA DA LUZ EM IBARAKI, JAPÃO (1989) PROJETADA POR TADAO ANDO; À ESQUERDA: VISTA EXTERNA; À DIREITA: VISTA INTERNA. A PARTIR DO CONTRASTE DE LUZ E A ORGANIZAÇÃO DA SUPERFÍCIE EM 4 QUADRANTES, É POSSÍVEL VER UMA CRUZ PELO FATOR DE FECHAMENTO FIGURA 9 – LAS VEGAS, EUA: À ESQUERDA, HOTEL BELLAGIO (1998); AO CENTRO, HOTEL CAESARS PALACE (1966). EM AMBOS OS EDIFÍCIOS, É POSSÍVEL AGRUPAR AS JANELAS PELA PROXIMIDADE E SEMELHANÇA DOS ELEMENTOS CONSTRUTIVOS Apesar de abordados aqui de forma individual, os princípios de organização da forma da Gestalt são interconectados. A proximidade e semelhança afetam a unificação tanto quanto a segregação; a segregação auxilia na visualização da unidade; a unificação permite a ideia de continuação; etc. Logo, perceber a forma arquitetônica como uma composição única, harmoniosa e balanceada, com coesão entre suas diversas partes, “implica percepção de unidade e de uma estrutura na organização dos elementos compositivos, provoca uma reação satisfatória ao estímulo e é condição para uma percepção apropriada da forma”131. FIGURA 10 – DIAGRAMAS EXPLICATIVOS DAS LEIS DE ORGANIZAÇÃO DA FORMA DESENVOLVIDOS PELA GESTALT Porém, essas características e propriedades da forma (Figura 10) são dimensões dinâmicas na arquitetura. Uma forma arquitetônica vai além de resolver um problema e suprir uma necessidade: “a arquitetura se pretende intenção de se apropriar singularmente de um espaço para poder habitá-lo”132. Diferente de outras atividades artísticas, falar de arquitetura é entender o espaço em sua tridimensionalidade, “como uma grande escultura escavada, em cujo interior o homem caminha”133. Sabemos que simplesmente olhar a arquitetura não é suficiente para entendê-la. É preciso vivenciá-la. 110 Santos & Veríssimo, 2018. 111 Turner, 1977, p. 49. 112 Rasmussen, 2015, p. 10. 113 Pallasmaa, 2011, p. 16. 114 Tidwell, 2013, p. 5. 115 Marques, 2006, p. 27. 116 Heidegger, 2005. 117 Marques, 2006, p. 27. 118 Gomes Filho, 2008. 119 Ching, 2008. 120 Ching, 2008. 121 Rasmussen, 2015, p. 28. 122 Homeostase indica um estado, relativamente constante, de equilíbrio interno do corpo. 123 Gestalt, do alemão, significa configuração; estrutura; figura; forma. 124 Lent, 2010, p. 568. 125 Reis, 2002, p. 17. 126 Gomes Filho, 2008. 127 Ching, 2008, p. 320. 128 Gomes Filho, 2008, p. 17. 129 Gomes Filho, 2008, p. 20. 130 Gomes Filho, 2008, p. 31. 131 Reis, 2002, p. 17. 132 Boutinet, 2002, p. 158. 133 Zevi, 2009, p. 17. A EXPERIÊNCIA ARQUITETÔNICA Com o surgimento e popularização da reprodução fotográfica, a quarta dimensão arquitetônica se desvelou. A “captura da realidade” nos fez ver que a arquitetura deve considerar o tempo a partir do deslocamento sucessivo do campo de visão. Afinal, se um espaço é criado para ser ocupado, pressupõe-se o movimento. Andar pelo espaço, seja ele interno, seja externo, faz-nos descobrir diferentes pontos de vista, criando uma realidade integral e individual. Historicamente, os estudos arquitetônicos foram baseados em construções filosóficas ou estéticas a fim de analisar padrões comportamentais relacionados a como o ser humano responde ao projeto em estudo. Classificada no universo das Belas Artes por vários séculos, a arquitetura lida com a forma e o volume, assim como o escultor. Lida também com a composição de cores, texturas e padrões, assim como o pintor. No entanto, a arquitetura deve ser utilizada além de observada, o que cria uma dimensão técnica do espaço, que será vivenciado, experienciado. Um cemitério com suas lápides verticais é semelhante em sua organização formal a um bairro de edifícios altos vistos de um avião. A diferença se encontra na escala humana, ou seja, no ponto de vista em que ocupamos e usamos o espaço, já que “a arquitetura significa formas criadas em torno do homem, criadas para nela se viver, não meramente para serem vistas de fora”134. Assim, o projetista deve trabalhar a partir da manipulação da forma para criar o espaço, elemento fundamental da arquitetura. Além disso, deve-se considerar que com o movimento do indivíduo a visão se transforma, sendo o espaço captado como uma sequência de planos em uma progressão temporal, em que a nitidez é maior na frente do indivíduo e diminui até chegar no plano de fundo. A dimensão do tempo no espaço equivale a uma sucessão de instantes espaciais: “fotos” tiradas continuamente sob perspectivas diferentes, sendo responsabilidade do encéfalo criar o “filme” que enxergamos. Afinal, “a arquitetura não é só arte nem só imagem de vida histórica ou de vida vivida por nós e pelos outros; é também, e sobretudo, o ambiente, a cena onde vivemos nossas vidas”135. Uma vez que nossa matéria-prima é o vazio que habitamos, emoldurado por elementos construtivos cuidadosamente pensados para proporcionar uma determinada experiência, impomos limites à liberdade visual e espacial do indivíduo. Percebemos a todo instante o que está a nossa volta e como nos relacionamos com esse entorno. Conseguir identificar diferentes escalas dos elementos, distâncias dos objetos ou movimento de pessoas se dá por esta vivência. A arquitetura é nosso principal instrumento de relação com o espaço e o tempo, e para dar uma medida humana a essas dimensões. Ela domestica o espaço ilimitado e o tempo infinito, tornando-o tolerável, habitável e compreensível para a humanidade136. Por séculos, os estudos da arquitetura focaram naquilo que funcionava estilisticamente para contar a história de uma comunidade, sociedade ou povo. Quando, no século XIX, nasceu a ciência clássica do método científico, a arquitetura pega “emprestada” a linha de raciocínio de diversas outras disciplinas. Nas últimas décadas, a arquitetura foi vista de várias perspectivas teóricas, fornecidas, por exemplo, pela psicologia, linguística estrutural, matemática e antropologia, bem como filosofias desconstrucionistas e fenomenológicas. Essas análises criaram um conjunto de critérios para o projeto em função dos locais e finalidades que os edifícios seriam construídos. A pesquisa social e comportamental iniciada no século passado deu início a umatransformação na maneira que projetistas concebem seus projetos. Há um aprofundamento na compreensão de como as pessoas respondem aos diferentes elementos projetuais. No entanto, embora essas pesquisas disponibilizem uma compreensão de como as pessoas respondem aos diferentes ambientes construídos, elas ainda não são capazes de explicar o porquê de tais respostas. Hoje, o campo da neuroarquitetura traz uma nova perspectiva para os efeitos do ambiente construído sobre o indivíduo ao utilizar ferramentas neurocientíficas. Ela fornece uma base de conhecimento com evidências claras do motivo das pessoas serem afetadas pelos projetos arquitetônicos137. Do ponto de vista da neurociência, a percepção espacial é a capacidade do indivíduo de perceber as relações no ambiente. Essas relações, interações e experiências que temos com o mundo, seja ele físico, seja ele social, passará pelo filtro cerebral que define a ação, a percepção e a memória. Ao mesmo tempo, o trabalho arquitetural implica um equilíbrio entre teoria e prática. Essa relação metodológica que dita: “nada de projeto diretor sem obra a ser realizada, nada de obra sem um projeto que a inspire”138. Em experiências com ratos, neurocientistas vêm se debruçando quanto à questão da espacialidade. A equipe do biólogo neurocientista britânico John O’Keefe descobriu que o hipocampo (Figura 1) – estrutura localizada nos lobos temporais do cérebro humano – possui um papel fundamental para a navegação espacial. Essa estrutura já era conhecida como a principal sede da memória – com a conversão da memória de curto prazo em memória de longo prazo – e importante componente do sistema límbico139. Ao colocar eletrodos no hipocampo de ratos, O’Keefe descobriu que alguns neurônios do hipocampo tendem a não responder ao que o rato estava vendo ou o que o rato estava fazendo, mas respondiam a sua localização em relação ao ambiente do laboratório. FIGURA 1 – VISTA SAGITAL DO ENCÉFALO COM AS ESTRUTURAS SUBCORTICAIS DOS NÚCLEOS DA BASE COM DESTAQUE PARA O HIPOCAMPO Enervadas no hipocampo e nomeadas como células de lugar, esses neurônios disparam apenas quando um animal está em um local específico. Cada célula de lugar responde a uma posição diferente, o que ficou conhecido como seu campo perceptivo espacial. Esse mecanismo funciona como um geoprocessamento140 cerebral. Porém, uma única célula não diz muito sobre o indivíduo (ou o rato). O mecanismo do cérebro chamado codificação populacional estabelece que um neurônio não “saberá” uma informação com precisão: o segredo está no conjunto (população) de neurônios que, em parceria, “constroem” o conhecimento. Ou seja, uma célula de lugar pode sinalizar “você está em algum lugar aqui” e outra célula pode sinalizar “você está um pouco para cima” ou “você está um pouco para a direita” – e entre elas a população dá ao rato informações muito precisas quanto à sua localização141. Além disso, por ser uma estrutura localizada no hipocampo, concluiu-se que o senso de lugar do indivíduo pode ser influenciado pelas memórias formadas em experiências anteriores, seja uma no mesmo local ou em um espaço semelhante. Por exemplo, dois ambientes separados por um painel de vidro podem ser fisicamente adjacentes no espaço, porém o hipocampo os tratará como locais separados. Isso porque o indivíduo não pode se mover diretamente de um ambiente para o outro já que o vidro é uma barreira física. Dessa forma, uma divisória de vidro, embora permita muita luz, ainda fornece uma separação entre uma sala e outra. Ademais, essas barreiras não precisam ser físicas. Fatores que reforçam caminhos consistentes de movimento em um ambiente também servirão para separar as representações de lugar dentro do hipocampo. Até mesmo a noção de direcionalidade (orientação) é influenciada. Diferentes experimentos com animais, nos quais eles tinham opções de movimento, detectaram que cada direção possível “liga” diferentes padrões de atividade neural, ou seja, andar em uma direção específica é efetivamente tratada pelo cérebro como um ambiente diferente142. Apesar de O’Keefe analisar sistematicamente os fatores ambientais que influenciam as propriedades de disparo de neurônios individuais do hipocampo, ainda não se sabe como nós – ou os ratos – conseguimos entender a experiência corporal de estar em um lugar específico, enquanto neurônios estão disparando em uma ampla região do encéfalo. O que se sabe é que a partir das experiências individuais da pessoa – e da repetição dessas experiências, conhecida como fenômeno do abrasamento (do inglês kindling)143 –, as sinapses fortalecem conexões neurais em diferentes áreas do cérebro, representando experiências sensoriais, motoras e tantas outras, enquanto se faz um percurso pelo ambiente construído. Seja do ponto de vista da navegação no espaço, ou da navegação no tempo (memória), o hipocampo possui local de destaque para o processamento das informações. É por isso que a neurociência estuda o hipocampo, além de regiões cerebrais relacionadas, a fim de melhor entender o nosso processamento sob o foco da localização de caminhos (do inglês wayfinding) como um componente ou propriedade particular do ambiente construído. Assim, arquitetas e arquitetos preocupados com a experiência das pessoas na passagem pelos espaços de um edifício devem considerar as pistas proporcionadas pela própria estrutura espacial do edifício – ou seja, o projeto em si – e como usar essa sinalização a partir de aspectos simbólicos da cognição para ajudar nessa navegação quando outras pistas falham. A SIMBOLOGIA DA PERCEPÇÃO ESPACIAL A neuroarquitetura está em contínua evolução, tentando entender a correlação entre cognição, comportamento e ambiente construído. Dentre tantas pesquisas, esses novos conhecimentos começam a transformar fundamentalmente o entendimento que se tem da experiência humana no espaço: o processamento do que se vê, ouve e cheira, em correlação ao que se pensa, toca, sente e faz. Essa experiência é guiada pelas percepções sensoriais e influenciada pelos pensamentos, fazendo uso de ambos para possibilitar o entendimento das informações que chegam ao cérebro pela interação com o mundo. Logo, quando algo acontece no mundo ou em nossas mentes, esse “algo” está sempre situado, em nossos corpos, em um determinado momento, e em um lugar específico144. Um exemplo interessante disso está no funcionamento da mente quando correlaciona um símbolo com um significado. Imagine que um ser humano primitivo ao andar por um ambiente natural se depara com uma pegada de animal na lama. O que ele está vendo é a composição física da lama que forma uma figura, o que este ser humano está pensando é que um animal passou por ali145. Ele pode ter sido ensinado por alguém em um momento de sua vida que uma pegada desse formato significa a passagem de um animal. Ou, então, em algum momento, ele teve a experiência de ver um animal passar e deixar sua pegada na lama. Ou seja, é possível ver algo que não necessariamente está físico à sua frente, mas está visível em sua mente. Os objetos no mundo não são compreendidos pelo ser humano meramente como manifestação física. Consciente ou inconscientemente, tendemos a imbuir de significado esses objetos a partir da capacidade de correlacionar as coisas de maneira muito mais profunda, em função de um aprendizado ou experiência. FIGURA 2 – NOTRE-DAME DE PARIS (1163) EM PARIS, FRANÇA: À ESQUERDA, VISTA EXTERNA NA MARGEM ESQUERDA DO RIO SENA; À DIREITA, VISTA INTERNA DA NAVE CENTRAL EM DIREÇÃO AO ALTAR FIGURA 3 – IGREJA DA PAMPULHA (SÃO FRANCISCO DE ASSIS) EM BELO HORIZONTE, MG (1943) PROJETADA POR OSCAR NIEMEYER: À ESQUERDA, VISTA EXTERNA NA MARGEM OPOSTA DO RIO SENA; À DIREITA, VISTA INTERNA DA NAVE CENTRAL EM DIREÇÃO AO ALTAR A arquitetura nos move. Ela pode nos confortar ou intimidar; pode nos iluminar ou nos mistificar; pode trazer alegria ou dilacerar nossos corações. A arquitetura nos move ao tocar três camadas de memória. Através do espaço primordial, ele pode tocar nosso núcleo emocionalmais profundo; evocando memórias sombrias do útero, da caverna, da floresta e da luz. Pode lembrar memórias da cultura ou nosso lugar no mundo histórico. As memórias pessoais adicionam sobreposições de significados subjetivos, pois os edifícios são associados a eventos em nossas vidas146. Muitos espaços são projetados com o intuito de evocar respostas emocionais das pessoas em um nível inconsciente. Entrar em uma igreja gótica do século X, por exemplo, – independente de sua crença – carrega um conjunto de significados nos elementos construtivos e no arranjo espacial do lugar. A arquitetura medieval considerava que “a concepção do plano e do espaço – e, portanto, a decoração – tem somente uma medida de caráter dinâmico: a trajetória do observador”147. A passagem do ambiente externo para o interno se dá pelo átrio, com um mezanino acima, o que “contrai” e escurece o vazio por onde passamos. Isso cria uma justaposição entre átrio e nave, sendo nossos olhos direcionados para o fundo do edifício, onde se localiza o altar-mor, que atrai e orienta o percurso (Figura 2). Consideremos agora uma igreja modernista do século XX. Mesmo com as mudanças de escala e forma, sendo as construções feitas em momentos da história da humanidade com um milênio de diferença, a configuração espacial e a presença de elementos-chave proporcionam uma experiência “semelhante” do espaço, onde as referências espaciais simbólicas estão presentes em ambos os edifícios. Na Igreja da Pampulha em Belo Horizonte, MG (1943) projetada por Oscar Niemeyer, existe a contração entre interno e externo, o átrio mais escuro e a orientação do arranjo espacial. Com essas referências, o indivíduo é capaz de saber para onde ir e o que fazer neste ambiente (Figura 3). Se você teve a oportunidade de entrar em uma igreja medieval, quando for visitar outra igreja – mesmo que de época diferente –, essa primeira experiência estará registrada em sua mente. Essa memória é capaz de despertar uma reação fisiológica por recordar de todas as experiências sensoriais daquele momento. Esse processo é cognitivo – imagens mentais organizadas em um processo de pensamento – e lida com aspectos das suas experiências anteriores. Essas avaliações cognitivas podem incluir relacionamentos pessoais ou outras situações, sendo derivados e guiados por disposições mantidas na memória de cada indivíduo148. A arquitetura se comunica com as pessoas a partir do que é conhecido em função de seus hábitos e cotidiano. A probabilidade delas de sentir emoções específicas na vivência da arquitetura aumenta à medida que o projetista seleciona símbolos familiares naquela sociedade, ou comunidade, que possui um repertório específico. Quando se consideram os fatores que contribuem para a configuração de um ambiente, tendemos a pensar nas características espaciais que o definem, como a composição de elementos ou marcos proeminentes, em conformação com os caminhos que podem ser percorridos ao se mover pelo espaço. Essas características influenciam a forma e a função de um ambiente e cada uma contribui para diferentes aspectos da percepção espacial e da memória. Para tanto, redes neurais no córtex pré-frontal149 reagem de maneira automática e involuntária aos sinais que surgem do processamento das imagens que estão sendo captadas. A resposta do córtex pré-frontal vem por representações que “lembram” de como certas experiências anteriores aconteceram, interligadas com as respostas emocionais à época. Como cada indivíduo tem um conjunto de memórias diferentes, isso faz com que essa reação a uma nova experiência semelhante seja “personalizada” para cada pessoa. O PROJETO DA EXPERIÊNCIA As sensações e sentimentos que se criam com a arquitetura são variações biológicas produzidas pela experiência de vivenciar o ambiente construído. Quando o ser humano nasce, já estão pré- programados em seu cérebro mecanismos automáticos de sobrevivência, um conjunto de reações fisiológicas que regulam o metabolismo e criam respostas instintivas a diferentes estímulos. À medida que se desenvolve, a criança passa a receber informações sobre estratégias sociais por meio da educação e da cultura. Estabelecemos padrões amplamente conhecidos: a curva que representa a mulher; a linha horizontal que fala de estabilidade; ou a linha vertical que remete à altivez. Esses são padrões que possuem uma interpretação específica e inerente, muito porque assim o criamos. Logo, quando na fase adulta, o indivíduo tem mais chances de se comunicar e sobreviver (objetivo evolutivo da espécie), desenvolvendo uma noção do eu150. Uma vez que a arquitetura funciona como a representação de uma sociedade em um determinado local e em um momento temporal específico, o ambiente construído passa a representar essa noção de eu coletivo, transmitindo o pensamento de uma época. O arquiteto Christian Norberg-Schulz, em seu livro Genius Loci, afirma que a arquitetura é a concretização do espaço existencial, que se configura como a relação básica entre o ser humano e seu meio151. Esse sentido existencial ao qual ele se refere fala do abrigo no sentido de lugar, um espaço que hoje nos referimos como tendo um caráter distinto, com uma atmosfera própria. Ter uma experiência significativa na arquitetura fala de uma relação inerente entre espaço exterior e espaço interior, em consonância com nosso corpo e mente. O espaço é então uma organização tridimensional, que é vista e sentida, logo, experienciada a partir do tempo. Entender as experiências no espaço equivale a compreender as operações mentais realizadas nesse processo. Afinal: A percepção do corpo e a imagem do mundo se tornam uma experiência existencial contínua; não há corpo separado de seu domicílio no espaço, não há espaço desvinculado da imagem inconsciente de nossa identidade pessoal perceptiva152. O Museu Judaico de Berlim projetado por Daniel Libenskind é um bom exemplo disso. FIGURA 4 – VISTAS EXTERNAS DO MUSEU JUDAICO DE BERLIM, ALEMANHA (1999) PROJETADO POR DANIEL LIBENSKIND: À ESQUERDA, DESCONSTRUÇÃO DA ESTRELA DE DAVID NA FACHADA; À DIREITA: CORREDOR COM PAREDES INCLINADAS E PISO DESNIVELADO FIGURA 5 – VISTAS INTERNAS DO MUSEU JUDAICO DE BERLIM, ALEMANHA (1999) PROJETADO POR DANIEL LIBENSKIND: À ESQUERDA: UM DOS “VAZIOS” NO PERCURSO DO MUSEU, SEM CONDICIONAMENTO DE AR E POUCA OU NENHUMA ILUMINAÇÃO ARTIFICIAL; À DIREITA: AS COLUNAS DO JARDIM DO EXÍLIO Construído para representar e lembrar um triste momento da história, o edifício representa em si mesmo as experiências dos judeus na Alemanha – continuidade, holocausto e exílio. A própria forma é uma desconstrução da Estrela de David (Figura 4), forte símbolo judaico, que pode também ser visto nas fachadas, como que “rasgando” o invólucro. O nazismo com certeza partiu famílias e vidas, e a forma representa essa memória. Os fatos desse momento histórico são tristes e angustiantes e a arquitetura reflete e suscita tais emoções em uma imersão sensorial, que leva a pessoa do medo à esperança. No espaço interno pintado em tons de cinza, o arranjo espacial é feito com passagens longas e estreitas, remetendo ao sofrimento vivido pelos judeus por muitos anos. Alguns corredores possuem o piso e o teto levemente inclinados, o que dificulta o movimento já que requer um “esforço” a mais para vencer a inclinação, e quebram com a noção de referência, já que o espaço ortogonal que se espera não existe ali. Há relatos de pessoas que têm respostas fisiológicas a esse espaço, como enjoo, tontura ou angústia. Dentre estas linhas de circulação, Libenskind criou os chamados Voids, grandes vazios com paredes de mais de 10 m de altura. Ou seja, dentro dos caminhos tortuosos que os judeus viveram, em muitos momentos tudo que restava era a desesperança. Esse é um edifício que conta uma história triste de muitas perdas. Ao final do percurso, o visitante encontra um espaço impactante. O Jardim do Exílio (Figura 5) é composto por pilares de concreto ocos, em inclinação de 12 graus do plano do piso. Eles são preenchidos com terra da cidadede Berlim, exceto o pilar central, que contém terra trazida de Jerusalém, com plantas saindo do topo. Esse ambiente, ao fazer uso da contraposição entre concreto e vegetação, remete ao indivíduo o processo de exílio que salvou muitos, mas que “desorientou” as referências de um povo que teve que lidar com um regime violento e totalitário. Note que a própria arquitetura tem o potencial de ensinar as pessoas, de contar uma história. A arquitetura acaba sendo um instrumento de educação que ensina as pessoas a enxergarem determinadas relações entre coisas, sejam elas físicas, sejam sociais. Não são necessárias palavras para explicar o que se sente enquanto a pessoa explora o museu: as percepções estimuladas pelo espaço são suficientes. O arquiteto estimula emoções específicas, antes mesmo de se tomar consciência na percepção física e mental para entender essa reação. Assim, o objetivo profissional de arquitetos e arquitetas deve ir além de meramente fazer um projeto, um edifício. Os elementos construídos, externos e internos, funcionam como um filtro constante entre a mente humana e o mundo que nos engloba, sendo a arquitetura uma disciplina híbrida e “impura”153. Praticar arquitetura exige que sejam fundidas categorias conflitantes e por vezes irreconciliáveis, como tecnologias materiais e intenções mentais, construção e estética, fatos físicos e crenças culturais, conhecimento e sonhos, passado e futuro, meios e fins. O que se vê na arquitetura contemporânea é o crescente interesse de projetistas pelo valor da experiência e da percepção dos sentidos no espaço construído, relacionado com a fenomenologia154. Orientados pelos pensamentos “do realismo específico da fenomenologia dos filósofos Edmund Husserl, Maurice Merleau-Ponty, Edith Stein e Gaston Bachelar e do existencialismo de Marin Heidegger e Hannah Arendt”155. Essa linha de pensamento para o projeto pode ser considerada uma grande contribuição à arquitetura, com obras de Steven Holl, Peter Zumthor, Elizabeth Diller e Ricardo Scofidio e muitos outros. Com embasamento nas teorias de Juhani Pallasmaa e Alberto Pérez-Gómez, a fenomenologia vê a arquitetura como um instrumento que dá ao ser humano um significado existencial, uma vez que o espaço construído tem, além dos aspectos práticos e funcionais, um impacto psicológico nas pessoas (percepção e simbolismo). Independente de considerarmos uma construção vernacular ou uma monumental, não haverá diferentes tipos de arquitetura, mas situações diferentes que requerem soluções diferentes, o que, inevitavelmente, irá despertar reações físicas e psicológicas nas pessoas. Como, então, pode a neurociência informar arquitetas e arquitetos quanto às melhores decisões projetuais para criar uma ou outra experiência? Para a neuroarquitetura, entender o funcionamento do corpo e da mente, além de suas relações intrínsecas, permite encontrar soluções projetuais customizadas para aquele local e aquele usuário. Entender o processo de atenção e seus gatilhos permite projetar de forma mais consciente um espaço onde idosos precisam permanecer em alerta enquanto se movem. É possível considerar como o arranjo espacial da sala de aula pode afetar os processos cognitivos das crianças; ambientes de trabalho podem ser melhorados em função de seus efeitos na produtividade; ou ainda, ter-se o objetivo de influenciar o ritmo circadiano das pessoas com a iluminação dos ambientes de hospitais. Pensar no bem-estar das pessoas é entender sua propensão a um comportamento ou outro com mais frequência, a partir dos estímulos que irá receber no espaço. Um projeto consciente tenta colaborar para que o indivíduo escolha ações mais produtivas e saudáveis. O espaço cria uma “cultura” entre as pessoas que o utilizam, podendo potencializar o convívio ou o isolamento. Uma cidade pode deixar as pessoas mais relaxadas ou estressadas em função de sua morfologia urbana. O ambiente construído controla nossas emoções muito mais do que a nossa consciência. Continuamente reagimos a ele a partir de padrões de memória e aprendizado de estímulos anteriores. O hipocampo, em parceria com os núcleos da base, age para que o indivíduo aprenda a relação entre informação sensorial e resposta motora (ação) com base no feedback de múltiplas tentativas (do inglês trial). Os estudos da arquitetura atrelados à neurociência têm tentado preencher a lacuna que existe entre arquitetura e psicologia ao descrever alguns dos mecanismos subjacentes que explicam como as diferenças nas características arquitetônicas causam resultados comportamentais156. Diferentes estudos em neuroarquitetura investigaram estilos arquitetônicos, corporificação do espaço, contornos, altura e invólucro, ambiente construído vs. ambiente natural, iluminação, cor, e o impacto do ambiente construído na memória humana. Isso não quer dizer que o assunto esteja esgotado, muito pelo contrário. Essa área de investigação começa a ser desvelada agora, apresentando muito mais perguntas do que respostas. Como toda ciência emergente, carece de análise e experimentação para começar a definir um corpo teórico conciso. 134 Rasmussen, 2015, p. 8. 135 Zevi, 2009, p. 28. 136 Pallasmaa, 2011, p. 16. 137 Eberhard, 2009, p. 26. 138 Boutinet, 2002, p. 158. 139 Sistema límbico é uma unidade encefálica responsável pelas emoções e comportamento social. 140 Geoprocessamento é o tratamento das informações digitais de dados georreferenciados. 141 Michael Arbib. In: Tidwell, 2013, p. 47. 142 Sternberg, 2000, p. 240. 143 Fenômeno do abrasamento (kindling) é quando o cérebro desenvolve uma vulnerabilidade ou sensibilidade por repetição de estímulos. 144 Goldhagen, 2019, p. 45. 145 Hollis, 2001. 146 Christopher Egan. In: Eberhard, 2009, p. 89. Tradução livre das autoras. 147 Pereira, 2010, p. 104. 148 Eberhard, 2009, p.93. 149 Córtex pré-frontal é uma parte do cérebro localizada no lobo frontal, responsável pela atenção. 150 Eberhard, 2009. 151 Norberg-Schulz, 1980. 152 Pallasmaa, 2011, p. 38. 153 Juhani Pallasmaa. In: Tidwell, 2013. 154 Montaner, 2016, p. 9. 155 Montaner, 2016, p. 56. 156 Banaei et al., 2017. A NEURO APLICADA AOS AMBIENTES Neste ponto da leitura, acreditamos que muitos insights já tenham brotado aí no seu encéfalo, mas também algumas dúvidas podem ter surgido sobre como aplicar nos trabalhos e pesquisas da arquitetura todo esse conhecimento já abordado. Esta sessão, dividida em quatro capítulos, vem clarear essas questões, em que nessas notas introdutórias, já apresentamos materiais de interessantes pesquisas. Vamos ter como ponto de partida o fato que muito antes de nós, outras pessoas já começaram a pensar sobre a possibilidade de usar os estudos cerebrais para aplicações nos projetos de arquitetura. Nem sempre foram arquitetos, pois como temos registrado aqui, diversas áreas estão envolvidas nessa complexa temática. A boa notícia é que esses pesquisadores já começaram a asfaltar a estrada, deixando-a mais segura para os que chegam, quando compartilham conosco os resultados de seus trabalhos, em que a leitura das reações e métricas encefálicas são obtidas a partir de equipamentos capazes de produzir respostas confiáveis. Como tema multidisciplinar que é, nem sempre encontramos essas pesquisas divulgadas em periódicos, congressos ou livros de arquitetura. Muitas vezes vamos encontrá-las na literatura especializada da saúde, da psicologia, da neurociência, da medicina ambiental, de sistemas de computação, dentre outras. Facilmente identificamos também que a forte incidência desses trabalhos não está no Brasil, embora já contemos com alguns exemplos por aqui e que alguns deles são mostrados em capítulos específicos desta sessão. Mesmo ainda com poucos estudos e enfrentando algumas dificuldades, temos resultados de trabalhos brasileiros muito interessantes, como será visto adiante. Nessa linha, resolvemos iniciar esta sessão trazendo um pouco do material disponível, que compilamos por meio de uma revisão realizada em importantes bases de dados da literatura científica especializada.Um trabalho que deu pistas relevantes para nossa busca foi o artigo de Tulay Karakas & Dilek Yildiz157, publicado em 2020 na Frontiers of Architectural Research (disponível para download), o qual, por meio de uma Revisão Sistemática de Literatura (RSL), elencou um número significativo de trabalhos. Ali foram categorizados em estudos teóricos e estudos experimentais para em seguida serem relacionados e agrupados em conceitos emergentes, experiência humana, recursos do ambiente construído e técnicas de medição adotadas nessas pesquisas. Elas foram desenvolvidas em universidades e centros de pesquisas em países diversos e utilizam tecnologias como a ressonância magnética funcional (fMRI), eletroencefalograma (EEG), VR glasses (óculos de realidade virtual), eye tracker (captação e registro de movimentos oculares), gravações em vídeo, eletromiografia (EMG), além de aferição EDA (temperatura e condutância de pele), frequência cardíaca e pressão sanguínea, entre outras. Alguns desses equipamentos são mais acessíveis, tanto em valor de aquisição quanto em maior simplicidade de uso, sendo importante destacar a utilização de softwares que ajudam muito na análise e entendimento dos dados coletados. Para avaliações encefálicas, como a identificação de regiões corticais ativadas e das frequências da ativação, a eletroencefalografia (EEG) tem sido a mais adotada. Embora nessa tecnologia existam equipamentos complexos com alta quantidade de canais de captação, é possível realizar trabalhos com um número reduzido de pontos, a depender dos objetivos definidos para seu desenvolvimento. Também são encontradas pesquisas com utilização de dispositivos portáteis de EEG objetivando a realização dos registros com as pessoas em movimento. A fim de demonstrar possibilidades de aplicação e seus resultados, apresentamos sucintamente alguns trabalhos encontrados na literatura consultada. Evidentemente não é nosso objetivo esgotar o tema com esse resumido número de exemplos e recomendamos fortemente àqueles mais entusiastas do tema uma imersão nessas buscas e leituras. Iniciamos tratando de uma pesquisa realizada no Reino Unido por Anastasia Karandinou e Louise Turner158 que utilizou um dispositivo EEG portátil – o Emotiv Systems EPOC – (Figura 1) para examinar como dados neurofisiológicos, obtidos e registrados no equipamento, podem ajudar a entender como o cérebro responde a ambientes físicos em diferentes indivíduos deslocando-se em ambiente urbano. Paralelamente ao que vai sendo captado no EEG, a rota é também gravada em vídeo objetivando observar e analisar a relação entre o ambiente físico e o tipo de atividade cerebral do participante. FIGURA 1 – DISPOSITIVO EEG PORTÁTIL BRAINWEAR® DA EMOTIV SYSTEMS (EMOTIV EPOCX) O trabalho buscava mapear a experiência dos indivíduos em espaços cotidianos a partir das respostas neurais encefálicas, quando foram avaliados os resultados de 10 participantes ao longo de quatro viagens a pé em um ambiente urbano. A análise foi concentrada em pontos-chave de tomada de decisão para definir caminhos. Os registros de EEG foram analisados em termos de frequência, amplitude e distribuição das ondas, paralelamente às respostas dos participantes a uma curta entrevista, somados às observações por meio do vídeo do percurso. A correlação desses dados permitiu identificar onde os participantes estiveram mais concentrados, relaxados e calmos, ou tomando uma decisão livre sobre para onde ir, o que possibilitou associar as escolhas às características externas dos ambientes. As análises foram realizadas por um arquiteto e um neurocientista. Algumas respostas foram buscadas na condução da pesquisa, por exemplo, se o nível de familiaridade com um local tem impacto detectável sobre a atividade encefálica dos participantes; se há diferenças entre os registros de cada participante ao cruzar uma rua, ou esperar nos semáforos de pedestres; como o encéfalo responde às partes mais tranquilas do percurso e às mais agitadas; numa estratégia de wayfinding como o encéfalo reage às tomadas de decisão. Outra pesquisa pertinente ao nosso tema mostra os resultados obtidos a partir de uma conjugação de esforços entre pesquisadores em rede internacional159, que partem da premissa que para compreender o impacto das formas arquitetônicas tridimensionais (3D) naturais, é essencial perceber as formas de diferentes perspectivas. Foram planejadas possibilidades a partir das formas extraídas de imagens de interiores residenciais e construídos modelos de quartos em 3D. Para investigar a atividade encefálica durante a visualização 3D dos ambientes, foi registrando o eletroencefalograma (EEG) dos participantes enquanto eles caminhavam naturalmente por diferentes formas de interiores em realidade virtual (VR)160. Esse estudo investigou a dinâmica do cérebro humano relacionada ao impacto afetivo das formas interiores quando o observador explora um espaço arquitetônico. Para permitir que as experiências sejam as mais realistas possíveis, os participantes se movimentaram nas salas, percebendo formas de diferentes perspectivas usando um equipamento de EEG móvel sincronizado com a RV ajustada à cabeça. No experimento (Figura 2), foi utilizado um equipamento de eletroencefalografia de 128 canais que apresenta um grau de complexidade elevado, mas que garante um excelente nível dos resultados alcançados na leitura dos sinais elétricos encefálicos. FIGURA 2 – PARTICIPANTE DA PESQUISA: À ESQUERDA, ELE CAMINHA NO LABORATÓRIO USANDO UM HEAD-MOUNTED VR DISPLAY (HTC VIVE) E O ELETROENCEFALOGRAMA (EEG); À DIREITA, VISÃO PRÓXIMA DO EQUIPAMENTO COM 128 ELETRODOS ATIVAMENTE AMPLIFICADOS Na comparação das formas entre os quartos, que foram relacionadas ao prazer e à excitação, identificou-se que os quartos com geometria mais linear foram associados a classificações de prazer e excitação mais baixas e os quartos com geometrias mais curvas identificaram-se com reações de prazer e excitação mais altas. Os resultados do estudo mostraram também que o deslocamento por meio do espaço leva a respostas rápidas no córtex cingulado anterior161 que refletem uma primeira resposta afetiva às características do ambiente. As formas curvas apresentaram ativação de frequência Theta mais forte nessa região e estão correlacionadas a classificações positivas mais altas em relação ao estado afetivo dos participantes. O córtex cingulado posterior162 e o lobo occipital mostraram envolvimento na percepção das diferentes perspectivas e mudanças nas profundidades da sala, não havendo diferenças perceptuais significativas na perspectiva entre diferentes paredes do mesmo espaço arquitetônico. Os autores colocam que os resultados demonstraram que a forma interior é definida não apenas pela geometria e pelas características como tipo, localização, escala e ângulo, mas também pela forma como o habitante vivencia esse ambiente. A pesquisa abriu também novas perspectivas sobre o papel do córtex cingulado anterior na experiência vivenciada nos espaços arquitetônicos. Em mais um estudo que selecionamos para abordar resumidamente aqui, falamos deste163 que utilizou um rastreador ocular, mais conhecido como eye tracker (Figura 3), para avaliar as reações dos pesquisados ao observarem imagens de interiores, a fim de relacionar atributos do ambiente com reações emocionais. O experimento foi conduzido a partir da projeção de placas que continham padrões de interiores relacionados à iluminação, à proporção, ao layout de mobiliário e ao esquema de cores de uma sala, bem como à sensação de conforto e segurança mental. FIGURA 3 – PRODUTOS UTILIZADOS PARA RASTREAMENTO OCULAR: (I) HEAT MAP PRODUZIDO PELA AVALIAÇÃO; (II) ÓCULOS COM RASTREADOR OCULAR; (III) RASTREADOR OCULAR DE APOIO EM TELA O artigo apresenta os resultados mostrando que vários arranjos do espaço e de cores vistos pelos pesquisados provocaram diferentes respostas emocionais, confirmadas por parâmetros de reação da pupila, medidos pelo dispositivo de rastreamento ocular. O estudo relata a relação entreas mudanças no diâmetro da pupila com as reações emocionais dos sujeitos, confirmando a efetividade do uso do rastreamento ocular na avaliação de projetos arquitetônicos, possibilitando avaliação do impacto no bem-estar e na saúde dos usuários. Os trabalhos que trouxemos aqui são uma pequena amostra do que a literatura especializada nos oferece. Já existem muitos experimentos usando a neurociência na prática para as questões de ambientes e projetos arquitetônicos e precisamos nos abastecer com a riqueza de detalhes disponibilizados. Também foram localizados estudos que utilizaram fMRI, mas devido à complexidade e ao custo do equipamento, geralmente realizados em hospitais e grandes laboratórios, demos preferência a citar o uso do EEG, da RV e do eye tracker. Como informado anteriormente, já contamos com experiências brasileiras na aplicação dessas ferramentas nos estudos da neuroarquitetura, ainda que com poucos registros. Os trabalhos que abordamos a seguir expõem algumas dessas experiências. A primeira reúne pesquisadores de duas universidades nordestinas (UFRN e UFPB) e uma no Sul do país (UFSC) em uma experiência que utiliza o eye tracker na perspectiva de validá-lo como instrumento que permite conhecer a percepção do usuário na definição de rotas e tomada de decisão. O artigo164 consultado apresenta uma pesquisa desenvolvida com objetivo de identificar o foco de atenção visual em pessoas com deficiência motora usando o eye tracker. Para realizar a experiência, o trabalho contou com uma pessoa cadeirante e um usuário de prótese na perna realizando um trajeto interno em edificação de uso público. Os autores apontam que “os resultados indicam que a ausência de informação visual dificulta que as pessoas localizem e identifiquem a rota correta para o deslocamento dentro de um edifício, e o uso de tecnologias assistivas diminuem a subjetividade na tomada de decisões para tornar os ambientes acessíveis”. As análises dos dados (por softwares especializados) obtidos pela utilização do equipamento mostram que os participantes não fixaram o olhar em pontos específicos, visto que procuravam por informações visuais na edificação. A ausência da sinalização gerou falta de orientação e dificuldades para definir a rota certa para o alcance do objetivo de destino. Os participantes não conheciam o local e o experimento analisou os caminhos de varredura, mapas de calor (heat maps), desempenho de indicadores e gráficos, a partir da identificação do olhar para um conjunto de busca visual e tarefas de seleção usadas pelos participantes para obter orientação visuo-espacial no edifício (sem instruções de rota específicas). Os pesquisados poderiam solicitar informações a pessoas que encontrassem no trajeto. Essa experiência validou a efetividade do equipamento para contribuir na tomada de decisão dos profissionais de projetos para tornar os ambientes acessíveis, além da possibilidade de serem usados na análise de diversas tarefas, contribuindo no design, no projeto de arquitetura e na engenharia. É importante destacar que na revisão de literatura realizada no âmbito desta pesquisa, muitos outros trabalhos utilizando equipamentos de rastreamento ocular foram localizados. Neles podem ser encontradas outras possibilidades para utilização dessa tecnologia, além das duas aplicações que trouxemos neste texto. A partir dessa apresentação resumida das pesquisas demonstradas nesses artigos, todas publicadas em veículos especializados na divulgação da pesquisa científica, queremos estimular os nossos leitores para o estudo desses que se encontram referenciados neste livro e outros mais que possam acessar. As pesquisas abordadas em maior detalhe nos capítulos seguintes têm participação direta de autoras desta obra, sendo assim mais bem explicadas e apresentadas com maior riqueza de detalhes, tanto na condução metodológica quanto na exposição dos resultados. 157 Karakas & Yildiz, 2020. 158 Karandinou & Turner, 2018. 159 School of Architecture and Environmental Design, Iran University of Science and Technology; Department of Psychology, University of Tehran, Tehran, Iran; Department of Psychology and Ergonomics, Berlin Institute of Technology, Berlin, Germany; Center for Advanced Neurological Engineering, University of California, United States; School of Software, University of Technology Sydney, Australia. 160 Banaei et al., 2017. 161 Parte frontal do córtex cingulado é a região responsável por regular tanto funções autônomas, como a pressão sanguínea, quanto cognitivas, como a emoção e o aprendizado. 162 O córtex cingulado posterior tem como principal função a orientação visuoespacial. 163 Tuszyńska-Bogucka et al., 2020. 164 Merino et al., 2018, p. 07. NEUROARQUITETURA EM AMBIENTES RESIDENCIAIS A compreensão dos mecanismos cerebrais e seu envolvimento na cognição humana concorrem para o entendimento da percepção dos ambientes físicos. Quanto mais se conhece sobre a maneira como o cérebro interpreta os estímulos sensoriais e as sensações e emoções provocadas ao experienciarmos um ambiente, tantos novos direcionamentos são apontados e agregados à área emergente vinculada à neurociência e à arquitetura. Se a figura humana e o ambiente interagem e são influenciados em uma relação de reciprocidade e a máxima da arquitetura é a criação dos espaços (aqui expresso de modo bem minimalista), entendemos que o comportamento também é influenciado pela arquitetura. Nesse caso, é possível que o ambiente afete diretamente o modo como nosso inconsciente reage frente aos estímulos, sem que parte desse impacto seja percebido conscientemente. Mesmo que de modo inconsciente, a arquitetura representa uma forma de linguagem em diálogo constante e interativo entre as pessoas e o ambiente, seja por funcionalidade, seja por valores estéticos, seja por culturais165. Portanto, é fato que os espaços físicos são determinantes, não apenas à realização de atividades, mas, principalmente, quanto aos sentimentos gerados por esses lugares aos usuários. Seguindo esse raciocínio, sabemos que não comandamos sensações ocasionadas em nosso inconsciente e o papel preponderante que o espaço exerce sobre tal situação em seus usuários. Isso significa que todos esses sentimentos podem ser verbalizados pelas pessoas ao serem questionados, sem sequer serem expressos – ocorrendo por falta de conhecimento do fato ou mesmo por não querer comunicar seu verdadeiro motivo. É como se algo nos impedisse de externar a experiência com o ambiente – vergonha, medo, falta de vontade e até mesmo de atingir o que de fato acontece. De outro modo, vimos que por meio de técnicas de imagens, é possível identificar áreas do cérebro ativadas por meio da execução de tarefas predefinidas (ação). Portanto, temos como identificar a correspondência entre pensamento e visualização? Indagando isso, como a neuroarquitetura pode atuar como elemento de suporte à concepção de ambientes agradáveis, seguros e que suscitam o que há de melhor em nós? Afinal, o que todos queremos é permanecer em ambientes prazerosos, com estética primorosa e que nos tragam bem-estar. Nessa linha de adequação e qualidade espacial, o Grupo de Pesquisa em Ergonomia Aplicada ao Ambiente Construído da UFPE tem desenvolvido trabalhos e, a partir da tese “Percepção de salas residenciais por idosos – uso das técnicas de Seleção Visual, Realidade Virtual e Eletroencefalografia” defendida no início de 2018, passou a inserir a neurociência em suas pesquisas. Assim, a pesquisa discute as relações entre o usuário idoso, as preferências ambientais e as qualidades afetivas relacionadas aos ambientes residenciais de sala. Encontra direcionamentos na neurociência aplicada à arquitetura, por intermédio da eletroencefalografia, assim como na utilização da tecnologia de RV como elementos inovadores, conjugados na busca do entendimento das preferências voltadas ao ambiente. Por meio da percepção ambiental, apoiou-se na técnica de Seleção Visual166 para o reconhecimento de preferências ambientais e qualidades afetivasdo usuário idoso relacionadas ao ambiente residencial de sala. Dito isso, antes mesmo de expor a pesquisa propriamente dita, vamos aqui trazer em linhas gerais o cenário que envolve a temática. “Velhice não é doença”167. Entretanto, requer um olhar mais aguçado quando a questão é o espaço habitado por pessoas da terceira idade. Aos ambientes físicos de moradia é remetido o conceito de identidade do lugar com a criação de vínculos emocionais e afetivos, além de representações concretas e simbólicas, impondo ao espaço o sentido de lugar, a partir das experiências e vivências de seus usuários. Esse sentimento de espaço físico, convertido em espaço significativo para o indivíduo, é tido como um dos mais relevantes no processo de interação das pessoas com o ambiente168. No âmbito residencial há que se considerar a natureza dos ambientes e dimensões mínimas estabelecidas em legislações, associadas ao aspecto afetivo do usuário, como objeto central, atentando para a emoção causada pelo ambiente ao fazer parte do sistema de ocupação e vivência dos espaços. Essa preocupação é importante para usuários idosos que por força do curso vital apresentam alterações cognitivas, funcionais, sensoriais e motoras. Essas alterações exercem impacto direto na realização das atividades, sobretudo em ambientes residenciais onde são requeridos espaços físicos com adequação dimensional para as áreas de natureza física (espaço livre e zona de alcance) e de natureza visual (campo de visão horizontal e vertical). Ainda com relação aos ambientes residenciais vivenciados por idosos, o conhecimento das respostas comportamentais e dos atributos dos espaços identificados por seus usuários permitem compreender de que modo a pessoa idosa interpreta seus espaços, contribuindo, assim, para uma melhor adequação e qualidade espacial. Sobre os ambientes físicos internos, as pessoas demonstram quatro níveis de respostas aos espaços: sentimentos sobre ele (julgamento sobre o espaço); sentimentos nele (estado de humor sobre o ambiente); pensamentos sobre ele (significado e características do ambiente); e comportamento169. Em direção paralela, rapidamente a tecnologia ganhou espaço no campo das pesquisas gerando a visualização de ambientes virtuais em 3D de modo interativo em tempo real por meio da realidade virtual. As interfaces cada vez mais intuitivas tornaram mais fáceis a representação do imaginário, assim como do ambiente real, permitindo interações mais naturais, extrapolando os limites físicos do display de imagens170. Constituindo-se em processo que visa à influência recíproca entre ambientes sintéticos e computador, os sistemas de RV se apoiam nos princípios da imersão, interação e envolvimento, por meio da integração de interface ao corpo ou ao ambiente em que está o usuário. Contudo, apesar de todo avanço tecnológico, a interação do sistema humano-virtual não permite uma reprodução fiel das sensações produzidas pelo cérebro e em conjunto com o sistema sensorial, no sentido de identificar de modo exato o imaginário do mundo virtual e a imagem real. Diante de tais perspectivas, o uso da tecnologia de visualização tridimensional de objetos e espaços tem sido cada vez mais requisitado em situações e contextos diversos de pesquisa, permitindo a criação de ambientes em busca de vivências múltiplas em campos multidisciplinares e com objetivo comum. Sua aplicação também tem se prestado como elemento de correção (e até de predição) de inadequações espaciais em observação comportamental e neurofisiológica da mente e do cérebro de pessoas em situações que possam comprometer sua segurança ou mesmo em contextos declaradamente inapropriados. De outro lado, encontramos o cenário da pesquisa – a moradia. Esse espaço diferencia-se então da habitação pelo vínculo afetivo e territorial, carregado de identidade que seus moradores imprimem aos espaços, em contraponto à simples estrutura física de edificação. Conceitos de territorialidade, espaço pessoal e privacidade são associados aos espaços da moradia e com reflexo em aspectos diversos que envolvem objetos, mobiliário e arranjo espacial (layout), revestimentos e até a frequência de uso espacial. A sala de estar é classificada como ambiente de permanência prolongada, com a função de “estar e lazer”, onde são desenvolvidas várias atividades, além de guardar a intimidade das pessoas. Portanto, entendemos que esse espaço residencial é vital no cumprimento das necessidades diárias do idoso, diante da dinamicidade de seu cotidiano e da redução dos alcances espaciais para o desenvolvimento das atividades de vida diárias. Paralelamente, a moradia envolve várias perspectivas: características psicossociais e culturais, preferências, escolhas e satisfação para a constituição do lar, aspectos físicos (cor, forma, textura, revestimentos etc.), dimensionamento e layout, entre outros, todos fundamentais para a adequação espacial e repercutindo no bem-estar, segurança e conforto de seus usuários. Podemos pensar, então, que o conhecimento das respostas humanas insere diretamente o usuário no contexto participativo da criação, propiciando ambientes mais adequados. Desse modo, com objetivo de contribuir para a qualidade espacial de salas residenciais vivenciadas pelo usuário idoso, a presente pesquisa extrai preferências ambientais e confronta atributos com a geração de sensações provocadas por meio dos pilares de imersão, interação e envolvimento da RV, amparada pela neurociência no uso de EEG – com uma equipe de profissionais especialistas em neurociência, para a aquisição e interpretação dos sinais elétricos cerebrais coletados. DEFINIÇÕES INICIAIS DE PESQUISA E OS AGENTES SELECIONADOS Conseguir extrair a maneira como o usuário percebe o espaço é uma tarefa desafiadora. Quando esse indivíduo é uma pessoa idosa, o fato adquire uma dificuldade a mais por lidar com características específicas da idade. Ao ser incentivado a se expressar sobre ambientes, mesmo com o cognitivo preservado, a maioria dos idosos tende a demonstrar carência de fala e de escuta, mencionando diferentes aspectos, mas sem referências diretas ao espaço. Assim, a maior inquietação recaiu sobre a confirmação da percepção dos idosos. Sim, isso mesmo: como saber se o que eles relatam é o que eles percebem? Perseguindo respostas à nossa apreensão, entendemos que para atestar a verbalização dos idosos decorrente dos ambientes precisaríamos antes de tudo saber o que eles esperavam de um ambiente. Desse modo, o estudo foi dividido em 2 partes (Figura 1). FIGURA 1 – ESTRATÉGIA METODOLÓGICA DO ESTUDO SOBRE A PERCEPÇÃO DE SALAS RESIDENCIAIS DE IDOSOS Na primeira etapa, foram reconhecidas, por meio de estímulos visuais estáticos (fotografias), as preferências quanto aos espaços e identificados os atributos – desejáveis e os não desejáveis – pelos usuários idosos para os ambientes residenciais de sala. A segunda etapa tratou de simular ambientes em Realidade Virtual (estímulos visuais dinâmicos), a partir dos resultados da primeira etapa, averiguando por meio do EEG as emoções dos idosos sobre as imagens tridimensionais A pesquisa teve aprovação do projeto pelo Comitê de Ética em Pesquisa Envolvendo Seres Humanos da Universidade Federal de Pernambuco (CEP-PE) e só após a chancela do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido que se iniciou a coleta de dados. Como critérios de inclusão foi estabelecido que o participante deveria ter 70 anos ou mais, preservação de função cognitiva, ser funcionalmente independente e não apresentar visão monocular devido à necessidade de presença de característica binocular para visualização das imagens de RV. Assim sendo, os idosos foram submetidos ao protocolo de rastreamento cognitivo do Mini Exame do Estado Mental (MEEM), apresentando escore válido para o nível de escolaridade adquirida de cada participante. Também foram aplicados os protocolos de Katz e a escala de Lawton-Brody para avaliação da funcionalidade dos participantes, com resultado favorável para nível de independência máxima narealização de atividades de vida diária (AVD) e para as atividades instrumentais de vida diária (AIVD). Participaram ativamente da primeira etapa da pesquisa, 7 idosos, com idade variável entre 71 e 85, do sexo masculino e feminino, e pertencentes a universos distintos quanto ao nível socioeconômico e cognitivo. De acordo com a cláusula de anonimato determinado pelo CEP-PE, os idosos voluntários passaram a ser identificados pela letra I, seguido de numeral ordinal de 1 a 7. O corpo amostral de imagens foi conduzido de modo aleatório e por indicação, sendo selecionadas ao todo 12 moradias de diferentes tipologias (casa e apartamento) e dimensionamentos de área física. As moradias foram identificadas pela letra M seguida de numeral ordinal sequenciadas de 1 a 12, de acordo com o momento da adesão do morador idoso à pesquisa. Apresentada no padrão bidimensional (fotografia), impressa em cores e no tamanho 10 x 15 cm, a amostra dos estímulos visuais estáticos selecionados era um total de 24 imagens de salas residenciais, após análise e triagem para a seleção das imagens mais representativas para a investigação. Os registros fotográficos impressos receberam em seu verso numeração de 1 a 24 e posteriormente analisados segundo o número de elementos em suas composições e categorizados para os níveis de complexidade baixa, média e alta. Iniciando a primeira etapa da investigação, foi solicitado a cada um dos idosos participantes selecionar e classificar em ordem decrescente de preferência (da maior à menor opção) e de acordo com critérios especificados por eles para essa escolha, 5 estímulos visuais estáticos (ambientes de sala residencial) de um universo composto por 24 imagens apresentadas. Para cada uma das imagens selecionadas foi solicitado ao idoso apontar para cada fotografia o critério que o fez eleger a imagem, bem como verbalizar os aspectos positivos e negativos relacionados a cada uma das imagens. Ao final, as preferências foram categorizadas e sintetizadas em um quadro e, após análise, foram identificadas as 3 imagens mais citadas como de maior preferência, assim como os critérios de seleção adotados e atributos mais citados como desejáveis e não desejáveis em ambientes de salas residenciais. De acordo com a ordem de preferência, as salas residenciais mais recorrentes corresponderam a uma de baixa complexidade, seguida de uma imagem com alta complexidade e, por último, uma classificada como nível médio de complexidade. Portanto, essas imagens foram manipuladas e transformadas em estímulos visuais dinâmicos (RV), que em associação a uma técnica de Neurociência (EEG) buscaram identificar correspondência entre o perceber (emoção provocada) e o verbalizar a experiência real sentida, em exploração às respostas inconscientes. DEFINIÇÃO E CARACTERIZAÇÃO PARA A MODELAGEM DE AMBIENTES 3D Para visualização tridimensional das imagens das salas residenciais, foi adotada a técnica de Realidade Virtual imersiva, com a utilização dos óculos Gear VR, marca Samsung, em uso simultâneo de equipamento de eletroencefalografia wireless. Quanto à modelagem dos ambientes, foi utilizado o programa de modelagem SketchUp para a criação dos ambientes tridimensionais, mantendo a estrutura física (planta baixa) original das salas selecionadas, que foram registradas graficamente em padrão bidimensional (2D) assistido pelo software AutoCAD. À modelagem das imagens de RV (ambientes simulados) foram acrescentados ou suprimidos elementos dos ambientes selecionados (ambientes reais), de acordo com os requisitos mais desejados pelos idosos entrevistados para os espaços avaliados na etapa anterior com a técnica de seleção visual, acarretando em nova classificação quanto ao nível de complexidade, diferentemente daquele classificado originalmente (Figura 2). FIGURA 2 – PROPOSIÇÃO DE CARACTERÍSTICAS PARA AMBIENTE DE SALA DA M-11 SIMULADO PARA O NÍVEL DE COMPLEXIDADE BAIXA A moradia M-4 (casa), que foi classificada inicialmente como de baixa complexidade após manipulação dos elementos compositivos do espaço, passou a ser reconhecida por RV nº 1 e classificada como de alta complexidade. A moradia M-11 (RV nº 2) categorizada como de média complexidade passou a ser de baixa, enquanto que a moradia M-10 (RV nº 3), identificada como de alta complexidade, foi manipulada para complexidade intermediária (Figura 3). FIGURA 3 – AMBIENTE DE SALA DA MORADIA M-4 (DIREITA), M-11 (CENTRO) E M-10 (ESQUERDA) Do grupo de sete idosos entrevistados na etapa anterior de aplicação da técnica de Seleção Visual, apenas 5 idosos (I-1; e I-2; I-4; I-6 e I-7) se disponibilizaram para avaliar a percepção dos ambientes simulados por meio da técnica de RV associada ao equipamento de EEG. Para esse grupo, os voluntários apresentaram idade entre 75 e 81 anos, com níveis de escolaridade distintos e de ambos os sexos. Apesar de principiantes no uso de óculos de RV, os idosos se mostraram receptivos e tranquilos, não externando constrangimentos ou desconforto algum com o uso. REALIDADE VIRTUAL E EEG: O RELATADO E O PERCEBIDO Os sinais elétricos cerebrais foram captados de forma não invasiva utilizando o amplificador Neurobox (neuroUP, Recife, Brasil), com comunicação Bluetooth 3.0 ao computador e com taxa de amostragem de 250 Hz. Esse aparelho foi conectado à touca elástica neuroCAP (neuroUP, Recife, Brasil), que contêm oito eletrodos de Ouro (Au), posicionados de acordo com o Sistema Internacional 10-20, com referência no processo mastoide esquerdo, com um eletrodo ground na posição AFz, e utilizando um gel eletrolítico (Electrogel) para facilitar a condução do impulso elétrico. Para cada idoso pesquisado foram efetuadas 3 aquisições – relativas a cada uma das RVs visualizadas, totalizando 15 eventos, com tempo de aquisição de dois minutos por tarefa. A convocação dos idosos foi feita em ordem aleatória, contudo predefinida antes da chamada, assim como a ordem de visualização das imagens 3D para cada um dos idosos pesquisados. Dessa maneira, os voluntários ficaram referenciados como Idoso I-1, I- 2, I- 3, I-4 e I-5, enquanto que as imagens em 3D foram reconhecidas por: RV nº 1 – imagem simulada tridimensional de baixa complexidade; RV nº 2 – imagem simulada tridimensional de média complexidade; e RV nº 3 – imagem simulada tridimensional de alta complexidade. O processo para a visualização das 3 imagens tridimensionais, por meio dos óculos Gear VR com o celular modelo S7 da marca Samsung, associada à captura de impulsos elétricos cerebrais por intermédio de touca neuroCAP foi semelhante para todos os idosos. Foi visível a ansiedade dos voluntários idosos, não de modo negativo, mas decorrente da expectativa em participar de algo novo e tão inovador. Cada um deles foi convidado a sentar e acondicionar corretamente o equipamento de EEG e após a estabilização dos sinais cerebrais, permanecer com olhos fechados (30 segundos) até o comando para sua abertura. De olhos abertos, os idosos observaram cada uma das imagens 3D por 2 minutos, em silêncio e sem movimentações bruscas, para familiarização da imagem e do equipamento. Nesse intervalo, foram capturadas as ondas elétricas cerebrais para comparação do envolvimento de cada idoso com cada uma das imagens visualizadas, assim como entre os idosos por cada imagem (Figura 4). FIGURA 4 – IDOSOS PARTICIPANTES DA PESQUISA COM ÓCULOS RV E TOUCA DE EEG Após esse tempo, iniciaram-se as verbalizações livres com relação às impressões sobre o estímulo visual dinâmico, sendo todo o processo de aquisição e manifestações verbais gravados e filmados para posterior transcrição e análise dos dados. PROCESSAMENTO DE SINAIS DE EEG Os sinais elétricos cerebrais captados pelo EEG devem passar por uma série de processamentos com o objetivo de melhorar a relação sinal-ruído, de forma que se possa fornecer as informações representativas em relação aos sinais gerados pelo organismo. As aquisições passaram por pré-processamento dos sinais eletroencefalográficos, realizado no programa MATLAB com a ferramenta EEGLAB.Foram aplicados filtros do tipo butterworth passa-banda na faixa entre 1 Hz e 50 Hz e também um filtro Notch17 1 em 60Hz. Além disso, foi calculada a re-referência digital utilizando a média comum de todos os canais. Trechos com amplitudes maiores que 100 mV e com amplitudes maiores do que 50 mV na faixa de frequência entre 20-35Hz foram automaticamente rejeitados. Em seguida, foi aplicada a Análise de Componentes Independentes (ICA) por meio do algoritmo RUNICA, com o objetivo de separar componentes relacionados com artefatos biológicos e não biológicos. A rejeição dos componentes foi realizada de forma semiautomática com o algoritmo Multiple Artifact Rejection Algorithm (MARA), que calculou a probabilidade de esses não serem relacionados aos sinais cerebrais de acordo com critérios como topografia, análise espectral e desvios da normalidade. Os sinais cerebrais obtidos durante as visualizações das imagens 3D foram decompostos em ritmos Alfa, Beta, Theta, Gama e Delta usando a análise matemática de tempo-frequência para calcular os biomarcadores de Valência Emocional, índice de Memória e índice de Atenção. A seguir, apresentamos os resultados das aquisições dos sinais cerebrais por meio do EEG que foram captados em visualização simultânea aos estímulos visuais dinâmicos (imagens 3D), para os biomarcadores de Valência Emocional, Índice de Atenção e Índice de Memória. Para uma melhor compreensão visual dos gráficos foi adotada a cor azul para a RV nº 1 (baixa complexidade), a cor verde para a RV nº 2 (média complexidade) e a cor roxa para a RV nº 3 (alta complexidade). BIOMARCADOR DE VALÊNCIA EMOCIONAL Localizado no córtex frontal (FC172), o centro do pensamento e das emoções é considerado o controle encefálico. Essa medida tem como objetivo mensurar a assimetria do FC. O cálculo é realizado por meio dos eletrodos F3 e F4 (próximo ao córtex dorsolateral pré-frontal). Esses sinais são transformados pela potência espectral no ritmo Alfa, realizando a subtração entre os eletrodos direito e o esquerdo (F4-F3). A interpretação é que valores negativos refletem emoções de valência negativa e valores positivos indicam emoções positivas. O hemisfério direito tem a tendência de processar emoções negativas de evitamento (withdraw), enquanto que o esquerdo é ativado por emoções positivas de aproximação (approach). Portanto, os dados coletados para o biomarcador de Valência Emocional evidenciaram que o ambiente de baixa complexidade (RV nº 1) evocou emoções positivas, e os ambientes de média (RV nº 2) e de alta (RV nº 3) complexidade evocaram emoções negativas, progressivamente. Considerando que valores menores que zero representam emoções negativas, significando evitamento, a imagem em 3D referente ao ambiente de sala com alta complexidade (RV nº 3) foi a imagem que registrou o maior valor negativo, portanto, não provocando emoção positiva nos idosos investigados (Gráfico 1). Contudo, a RV nº 1 (baixa complexidade) foi aquela que mais positivamente evocou emoção nos idosos. GRÁFICO 1 – AQUISIÇÕES DE SINAIS ELÉTRICOS CEREBRAIS REFERENTE AO BIOMARCADOR DE VALÊNCIA EMOCIONAL O resultado para a valência positiva desse biomarcador encontra eco nas verbalizações livres, aqui transcritas, do idoso I-7 ao visualizar a RV nº 1 e expressar: “Está bonito! O ambiente é simples e gostoso”; ou mesmo o idoso I-6, ao falar: “A sala é interessante, não faz mal a ninguém. O ambiente é pequenininho, mas arrumadinho”. Com relação à RV nº 2, o idoso I-7 manifestou satisfação, mas não euforia, indicando certa indiferença: “Está mais alegre, mais ornamentado, de mais bom gosto. Está mais espaçoso que o outro. Serve para você sentar e jantar e do outro lado para conversar, tomar um vinhozinho... (sorrisos)”. Já a imagem de alta complexidade (RV nº 3) provocou sensação de desagrado ao idoso I-4, que afirmou: “Acho esse ambiente pequeno. É muito acanhado; muito pequeno. A decoração é até agradável. Cheio de quadro. Tem muita porta”. ÍNDICE DE MEMÓRIA Esse marcador tem ligação com o recrutamento de memória pelo hipocampo, que é o responsável pelo armazenamento da informação na memória de longa duração, influenciada pela emoção e ligação com memórias anteriores173. A frequência Theta é um ritmo gerado em regiões profundas e de geração hipocampal. Esses sinais são transformados na potência espectral em Theta no eletrodo T3, localizado no hipocampo esquerdo, na área do lobo temporal. Como leitura, podemos afirmar que a elevação desse índice indica aumento de recrutamento de memória. Apesar do resgate de armazenamento de memória ter ocorrido de modo progressivo para as 3 imagens, observamos que a diferença entre valores atribuídos para as imagens de baixa (RV nº 1) e média (RV nº 2) complexidade foi maior que aqueles referentes ao intervalo para as imagens 3D de média (RV nº 2) e alta complexidade (RV nº 3). O resultado do EEG demonstra que o estímulo visual tridimensional classificado como de alta complexidade (RV nº3) foi a imagem que mais provocou a ativação de memórias anteriores para o reconhecimento das informações apresentadas na Realidade Virtual imersiva (Gráfico 2). GRÁFICO 2 – AQUISIÇÕES DE SINAIS ELÉTRICOS CEREBRAIS REFERENTES AO ÍNDICE DE MEMÓRIA O discurso da idosa I-2 para a imagem 3D de alta complexidade (RV nº 3), manifesta insatisfação expressa: “... É mais descontraído, apesar de estar tudo entulhado. É muito enfeitado demais! O ambiente escurece por conta do teto... não gosto do teto, não gosto das pinturas; aqui é tudo muito excitante”. Essa verbalização vem confirmar o resultado apresentado no Gráfico 2, acima. Entretanto, observamos que a imagem 3D de baixa complexidade (RV nº 1) foi aquela que provocou um menor resgate da atividade de reconhecimento de informações anteriores. Para esse estímulo, a idosa I-6 deixou clara sua satisfação ao visualizar a imagem 3D de baixa complexidade (RV nº 1): Está bonito! O ambiente é simples e gostoso. Mesa bem grande, larga. Planta deixa tudo mais relaxante; gostei. É uma sala gostosa; só essa janela aí bem iluminada e bem clara já dá boa impressão. Eu gosto muito de claridade! As almofadas listradas são bonitas; poltronas gostosas; eu vejo que é bem agradável. ÍNDICE DE ATENÇÃO A atenção é um processo decorrente de várias estruturas corticais, subcorticais e redes neurais. O estado de alerta deflagra o processo de recepção dos estímulos resultante dos órgãos sensoriais e varia sob a forma de atenção sustentada (estado de alerta por um período); atenção dividida (desempenho simultâneo de tarefas); e atenção seletiva (direcionamento voluntário para determinado interesse)174. Esse índice tem ligação com a ativação da via de atenção no córtex frontal (FC) e é calculado através da razão Beta/Theta no eletrodo Cz. O ritmo Beta é gerado no córtex e é ativo em situações de demanda de atenção, enquanto que o ritmo Theta é gerado em regiões profundas e tem ligação com a introspecção e redução de atenção ao ambiente. A interpretação é que esse índice é aumentado quando o participante intensifica a atenção ao ambiente externo. Apresentamos no Gráfico 3, o resultado para as aquisições com objetivo de identificar a atenção dos idosos provocada pela visualização das imagens tridimensionais de ambientes de salas residenciais. O ambiente simulado com alta complexidade (RV nº 3) se destaca como o de maior índice, portanto, o que mais atenção despertou entre as 3 imagens tridimensionais. Contudo, analisando esse indicador isoladamente não se pode afirmar que o parâmetro do nível de atenção para a RV nº 3 tenha provocado mais sentimentos positivos. GRÁFICO 3 – AQUISIÇÕES DE SINAIS ELÉTRICOS CEREBRAIS REFERENTE AO ÍNDICE DE ATENÇÃO Entretanto, se for analisado em conjunto com o Biomarcador de Valência Emocional, os resultados sugerem que a imagem de alta complexidade (RV nº 3) foi aquela que mais chamou a atenção dos idosos, porém de modo negativo. Situação semelhante se encontra quando comparamos ao Biomarcador de Memória, que destaca a alta complexidade(RV nº 3) como a imagem que mais requer resgate de experiências anteriores. Ou seja, a imagem 3D (RV nº 3) foi avaliada por meio da aquisição de sinais elétricos cerebrais como imagem pouco preferida pelos idosos participantes do estudo. Esse resultado tem consonância com as verbalizações livres promovidas pelos entrevistados, conforme as transcrições das verbalizações do idoso I-7: Totalmente diferente dos anteriores. Muito colorido. Essa porta aqui do lado direito acho que é a porta de entrada. Os quadros são pequenininhos. O tamanho da sala é meio acanhado. A sala é pequena, aí os quadros são tudo agarradinho; tinha que distribuir mais. Uma sala sem quadros é triste. Um quadro dá muita vida numa sala. Cor influencia muito, (a pesquisadora perguntou: E se a parede fosse vermelha?). Se a parede fosse vermelha seria ruim ... um ambiente pequeno com uma parede vermelha seria muito chocante. E o discurso da idosa I-2: O ambiente é muito apertado... É muito pequeno o ambiente. Aqui é uma sala. É mais descontraído, apesar de estar tudo entulhado. É muito enfeitado demais! O ambiente escurece por conta do teto... não gosto do teto, não gosto das pinturas, aqui é tudo muito excitante. Eu aqui não ia ficar calma não... E PARA CONCLUIR... CONSIDERAÇÕES FINAIS SOBRE A PESQUISA A pesquisa apresenta a contribuição inovadora da Realidade Virtual associada à técnica não invasiva da Neurociência de Eletroencefalografia para a verificação de emoções do usuário ao visualizar imagens tridimensionais manipuladas com as preferências ambientais extraídas, a partir da técnica de Seleção Visual. A utilização dessa técnica se mostrou eficiente no entendimento das preferências dos idosos relacionadas aos ambientes residenciais de sala, bem como de elementos não desejáveis, por exemplo, o uso de tapetes, citado como agente de risco acidentário de quedas no ambiente domiciliar. Os resultados mostraram, por intermédio dos atributos verbalizados, que os idosos, indiferente à idade, têm consciência dos elementos necessários para a composição de espaços interiores adequados. Suas escolhas foram determinadas pela condição de seu bem-estar e conhecimento de suas limitações quanto a alterações posturais e de campo de visão, mesmo todos sendo funcionalmente independentes. Também ficou claro que eles se preocuparam mais com a funcionalidade, dimensionamento e conforto dos ambientes residenciais de sala do que com a estética espacial e de seus elementos compositivos. Em outra direção, o uso de Realidade Virtual imersiva como instrumento de compreensão dos ambientes físicos no reconhecimento de preferências ambientais associado à técnica da Neurociência (EEG) como elemento auxiliar no reconhecimento das preferências de idosos sobre os espaços estudados se constituiu em elemento inovador para essa investigação, que obteve resultados bastante positivos. A Neurociência, por meio de EEG, mostrou-se eficaz no reconhecimento de emoções positivas do usuário idoso ao expressar atributos subjetivos relacionados às preferências ambientais ocasionadas por estímulos visuais dinâmicos (Realidade Virtual). Por fim, essa pesquisa não se propôs a comparar as modalidades dos estímulos visuais (estáticos e dinâmicos), mas se apropriar dos estímulos visuais estáticos para certificar, no grupo de idosos avaliados, que os atributos mais desejáveis por eles para um ambiente residencial de sala seriam reconhecidos em imagens tridimensionais, em Realidade Virtual imersiva. E nessa direção, o EEG presente nessa avaliação teve como propósito identificar se a emoção ao vir uma imagem 3D com características desejáveis corresponderia aos resultados verbalizados e identificados durante a visualização dessas imagens, em resposta às sensações provocadas pelo ambiente. Assim como em pesquisas envolvendo a usabilidade de produtos, o uso de EEG em ambiente construído revelou ser uma técnica de grande potencialidade no sentido de contribuir para a qualidade espacial em adequações de ambientes existentes, assim como para conhecimento de parâmetros norteadores de novas concepções projetuais. Desse modo, entendemos a associação da utilização da técnica de Eletroencefalografia à Realidade Virtual em espaços residenciais com usuários idosos como elemento inovador e com grande potencial para futuras investigações do ambiente construído de uma forma geral, permitindo novas concepções mais adequadas do ponto de vista ergonômico. 165 Moore, 1979. 166 Sanoff, 1991 167 Zimerman, 2000, p. 32 168 Tuan, 2013 169 Zeisel, 2006; Nasar, 2008 170 Kirner & Sisouctto, 2007 171 O filtro Notch é um filtro muito nítido que atenua certa frequência no sinal. No EEG, um filtro de entalhe a 50 (60) Hz é usado para filtrar o ruído do sistema elétrico na sala (Kropotov, 2009). 172 Denominação em inglês Frontal Cortex. 173 Gazzaniga et al., 2006. 174 Nahas, 2001. EXPERIÊNCIA DA NEUROCIÊNCIA EM AMBIENTE URBANO O trabalho que mostraremos neste capítulo vem sendo desenvolvido desde o início do ano de 2019, em que parte da equipe do Grupo de Pesquisa em Ergonomia Aplicada ao Ambiente Construído da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) está envolvida. O projeto foi iniciado em Fortaleza, com um grupo da Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Ceará (UFC)175. Estávamos muito animados com o primeiro trabalho que havia sido desenvolvido no grupo usando os conceitos e técnicas da neurociência na avaliação de ambientes. A tese da Marie Monique Bruère Paiva (uma das autoras deste livro), abordada no capítulo anterior e que tinha usado a RV combinada com o EEG, mostrou- nos grandes possibilidades. Foi nesse clima de muita expectativa que formatamos a pesquisa em que se usaria o EEG para estudos da acessibilidade urbana e que seria desenvolvida em parceria com a professora Zilsa Santiago da UFC, docente entusiasta e reconhecida nos estudos do Design Universal e Acessibilidade. É importante destacar que esses nossos trabalhos têm sido realizados em equipes que contam sempre com neurocientistas experientes na eletroencefalografia e principalmente nas análises dos seus resultados. Registramos aqui um agradecimento especial ao Dr. Paulo Nascimento do Instituto Le Santè em Fortaleza, psicólogo, neurocientista, especialista em neurofeedback, que com sua seriedade e alta competência tem participado dos estudos com grande contribuição, elevando a qualidade dos trabalhos com sua incontestável experiência. Nesta pesquisa, temos trabalhado com a eletroencefalografia para avaliação de navegação de pessoas com cegueira em rotas urbanas, utilizando-se tanto a informação verbalizada quanto os mapas táteis para definição dos trajetos. Partimos da hipótese que o EEG nos ajudaria no entendimento da mobilidade das pessoas com deficiência visual, contribuindo na definição de estratégias para dar melhores condições de deslocamento e independência a essa parcela da população. Sabemos que é muito usual as pessoas com cegueira ouvirem explicações de como chegar em algum lugar, mas algumas utilizam os apps de mobilidade disponíveis para smartphones, e outras ainda dependem de amigos ou parentes que as levam aos lugares onde precisam estar. No entanto, nós que estudamos as Tecnologias Assistivas (TA) e as legislações e normas de acessibilidade, sabemos que as pessoas com deficiência precisam de autonomia na vida diária e trabalhamos no sentido de colaborar nessa condição. Aqueles que têm cegueira procuram aprender a leitura e escrita Braille, o uso da bengala, fazem cursos de mobilidade e deslocamentos, e alguns contam com a ajuda de cães-guia, na busca de recursos que os tornem independentes. É nesse contexto que se localiza nossa preocupação com uma TA muito abordada em estudos e textos científicos e que está presente em projetos de rotas acessíveis urbanas: o mapa tátil. Na verdade, ele ainda é pouco adotado no Brasil e muitas cidades não contam com nenhum exemplar. Muitas vezes eles são encontrados com mais frequência no interior de edifícios como museus, terminaisrodoviários e aeroviários, shoppings centers e grandes edifícios públicos, sendo mais raros nas vias urbanas. Essa carência faz com que muitas pessoas cegas nunca tenham tocado em um mapa tátil e pudemos constatar isso com as pessoas da nossa pesquisa. Mas como exatamente o trabalho foi realizado? Objetivando avaliar as ativações do córtex encefálico desses indivíduos e a partir delas entender melhor como eles reagem ao realizar um trajeto urbano, estabelecemos os passos metodológicos (Figura 1) da pesquisa: primeiro, as pessoas recebem instruções verbalizadas para realizar um percurso urbano definido, estando monitoradas por EEG enquanto escutam as instruções, para depois realizar o percurso até alcançar o destino apontado e novamente ser avaliado por EEG; em seguida recebe um mapa tátil e nele define seu caminho de volta ao local de origem, condicionado a passar em um determinado ponto preestabelecido pelos pesquisadores, de modo a não voltar pelo mesmo percurso da ida; ao final do trajeto, novo EEG é captado. FIGURA 1 – ESQUEMA METODOLÓGICO PARA PESQUISA DE CAMPO COM VOLUNTÁRIOS CEGOS Esse é um estudo de casos múltiplos, com amostragem não probabilística, acidental e, por conveniência, composta por 8 participantes com cegueira total, domínio da leitura Braille, e com experiência de deslocamentos em vias urbanas com auxílio de bengala. Das pessoas pesquisadas até o momento, identificam-se 100% de falta de familiaridade com os mapas táteis, o que gera ansiedade, stress e até medo. Como já citado, a pesquisa iniciou-se em Fortaleza, onde tivemos uma pessoa participando no teste piloto para os ajustes necessários, e em seguida trabalhamos com os demais participantes. No ano de 2020, a pesquisa foi implantada também em Recife, na UFPE com um grupo mais ampliado na equipe executora. É importante comentar sobre as dificuldades encontradas com a chegada da pandemia da Covid-19. Em Fortaleza, havíamos iniciado as coletas de dados em campo, quando na semana seguinte tudo parou, deixando-nos muitos meses sem possibilidade de dar continuidade aos experimentos, impactando inclusive no número de pessoas pesquisadas. Em Recife, tivemos que utilizar quase todo o ano de 2020 na elaboração de projetos para captação de bolsas de Iniciação Científica, treinamento e reuniões à distância e realização de revisões de literatura. Somente próximo ao final do ano, realizamos em ambiente interno de um edifício da universidade um trajeto com captação de EEG em voluntários com cegueira. Foram quatro pessoas e após as férias de janeiro não conseguimos mais continuar devido ao agravamento nos números da pandemia. FIGURA 2 – REALIZAÇÃO DO PERCURSO URBANO, ONDE A EQUIPE DE PESQUISA ACOMPANHA FIGURA 3 – VOLUNTÁRIA COM TOUCA DE EEG, SENDO INJETADO GEL CONDUTOR NOS ELETRODOS CABEADOS Detalhando a realização do trabalho, esclarecemos que quando os voluntários chegavam ao Instituto Le Santè, recebiam a explicação sobre a pesquisa e eram submetidos a um teste com uma psicóloga, o Inventário de Sintomas de Stress para Adultos de Lipp (ISSL), para logo em seguida ter a touca colocada na cabeça e iniciada a primeira captação de EEG. Esse teste é aplicado no início e no final dos percursos (Figura 2) a fim de identificar alterações nos níveis de estresse nos voluntários. Não iremos aqui descrever todos os casos estudados, mas nos ateremos a mostrar alguns resultados que consideramos importantes para nossos leitores. Nesse primeiro caso mostrado aqui (o piloto da pesquisa), o equipamento utilizado no EEG foi: touca em Neoprene com eletrodos de Prata de lei 950, proteções com tubulações termo retráteis, serial de 25 pinos e malha náutica; capas de eletrodos em impressão 3D em material Tritan ht, Tesk 20 canais; softwares especializados para leitura; gravação e disponibilização dos dados dos eletroencefalogramas. A touca (Figura 3) deve ficar bem ajustada à cabeça da pessoa e em cada ponto de contato dos canais é injetado um gel condutor que facilita a transmissão dos impulsos elétricos encefálicos captados pelos eletrodos, que estão ligados por cabos ao equipamento que funciona como amplificador dos sinais, para então transmiti-los ao computador no qual são armazenados em software específico. CAPTAÇÃO DE DADOS ENCEFÁLICOS Os dados coletados em um eletroencefalograma precisam ser tratados e analisados até termos imagens geradas por softwares específicos que possam ser mais bem entendidas por nós, profissionais da arquitetura. Sugerimos fortemente o estudo do capítulo Sobre a Neurociência e Suas Estruturas deste nosso livro a fim de entender um pouco mais sobre o encéfalo. Nesse ponto, conhecer suas regiões e as funções de cada uma delas é fundamental para o entendimento da experiência que expomos aqui. Embora o encéfalo trabalhe de forma sincronizada, acontecendo tudo com muita rapidez quando as regiões se interconectam, há características específicas para cada uma dessas partes. Os neurônios trabalham em conjunto comunicando-se continuamente. Quando observamos essa interação em atividade, é possível entender que cada área trabalha uma função específica, mas em distintas frequências das ondas encefálicas. O encéfalo funciona por frequências elétricas definidas como Delta, Theta, Alfa, Beta e Gama, como já abordado no capítulo Formas de Ver o Cérebro, mas que pela natureza da pesquisa exposta aqui, estamos detalhando mais um pouco. Delta é a frequência de repouso, de sono profundo. Ela tem localização difusa, o que significa que está presente no cérebro inteiro, geralmente com olhos abertos em amplitudes mais baixas. Com essas características, ela não apresenta importância nesta pesquisa. Já Theta é uma frequência internalizada. É quando a pessoa está dentro de si própria, não tem muita interconexão com o mundo externo, apresenta geralmente comportamentos de desatenção. Essa faixa de frequência é vinculada a devaneios, alguns estados de meditação e geralmente é a faixa na qual se apresentam alguns insights. É ela que se apresenta nos resgates das memórias armazenadas na região do hipocampo. Alfa é uma frequência considerada por alguns autores como “frequência média”, estando ligada a um estado intermediário de ativação, como um pouco de relaxamento. Verifica-se, então, em Alfa, um estado de corpo relaxado, de atenção, mas uma atenção leve e sem muitas racionalizações, sem processo de muito cálculo nem grande planejamento, mas também sem devaneios. A pessoa está presente na situação, mas relaxada e tranquila. Esse é um estado geral de tranquilidade. Já Beta está dividida em três faixas. Beta 1 é um estado cognitivo leve, como quando se está assistindo a uma aula, conversando com alguém. Beta 2 funciona como um estado cognitivo mais elaborado, como quando fazemos cálculos, planejamentos ou elaboramos uma estruturação de raciocínio. E High Beta está mais vinculada às funções de ansiedade, medo, tensão, preocupação. Por fim, Gama está vinculada às funções cognitivas. Ela é responsável por conduzir algumas frequências no encéfalo, fato denominado como acoplamento. No entanto, esta frequência não será aprofundada neste estudo ora apresentado, por haver muitas complexidades e não ser fundamental para o quadro de avaliação desta pesquisa. As ondas mais importantes aqui estudadas foram Alfa, Beta e Theta. O lobo frontal e o lobo parietal são os mais trabalhados nesta pesquisa pela função perceptiva que tendem a representar, seguidos do lobo temporal. Em situações de grande ansiedade, é o frontal que racionaliza e identifica situações positivas ou negativas. Estando ele em conjunto com os parietais, está ligado no reconhecimento da sensação. O lobo frontal é usualmente vinculado às ondas médias e rápidas, apresentando mais Alfa e Beta-1, e também Beta 2, quando da realização de tarefas. É nos parietais que mais se identifica a frequência Alfa de observação e das sensações. Quando se observa a ocorrência de situação de estresse gerado por ambientes, as frequências rápidas tendem a ser identificadas nos lobos parietais,como funções clássicas de medo, de fobia, de estresse, de irritabilidade. Nessa pesquisa, foi observada a presença dessa frequência, uma vez que o participante é submetido ao que o retira de sua zona de conforto, configurada na definição do seu percurso a partir do mapa tátil, ou mesmo na escuta do caminho que ele vai ter que percorrer. Quando a mente reconhece o ambiente, ele logo gera uma função e já responde a esse meio. Se esse meio for estável, tranquilo, sem elementos que causam medo, preocupação, tensão, observa-se a geração da imagem de um encéfalo equilibrado, com baixo nível de ondas rápidas. Se esse encéfalo reconhece que esse ambiente representa riscos, pode produzir alguma função de proteção: vai aumentar as ondas rápidas, principalmente nos parietais, occipitais e temporais. Os parietais apresentam esse aumento para que se incremente a capacidade de percepção, reduzindo assim as frequências rápidas dos frontais, isso porque quando se está sob risco, o cérebro não está preocupado em calcular, está preocupado em fugir. Esses padrões perceptivos vão depender da história de vida do indivíduo, dos momentos que ele passou e do que o cérebro dele reconhece desses ambientes, a partir da ativação de suas memórias. Esses conhecimentos, ainda que elementares, são fundamentais para o entendimento da pesquisa, visto que se trabalha com a identificação das frequências encefálicas e das ativações das regiões, na perspectiva de avaliar as sensações e percepções dos sujeitos pesquisados frente às situações por eles vividas. Para a interpretação das imagens que mostram as leituras encefálicas, que são demonstradas nas representações das cabeças que estão adiante, devemos registrar que a cor azul forte representa ausência de ativação e essa vai aumentando à medida que se aproxima do amarelo, alaranjado e vermelho, que é a cor da ativação máxima da região onde se apresenta. As imagens a seguir foram obtidas na aplicação do piloto do projeto e são representações de vistas de cima da cabeça da voluntária (a quem demos o nome fictício de Maria), em que identificamos quais regiões foram ativadas e qual tipo de onda foi registrada mais fortemente. Na Figura 4, vemos a representação do EEG obtido quando a pessoa estava ouvindo a descrição do percurso que deveria fazer, sendo identificada uma ativação de ondas lentas e médias (Delta, Theta e Alfa), dentro do padrão da normalidade para a faixa em repouso ou pouca atenção. Já nas bandas de frequências Beta 1 e Beta 2, houve ativação mais significativa das áreas temporais. Com esses resultados, verifica-se que nessa etapa do EEG, a pessoa pesquisada apresenta processamento de função auditiva ou imagética. FIGURA 4 – IMAGENS REGISTRADAS POR EEG A PARTIR DA ESCUTA DO PERCURSO A SER REALIZADO FIGURA 5 – IMAGENS REGISTRADAS POR EEG UMA VEZ QUE O PARTICIPANTE FINALIZOU A PRIMEIRA PARTE DO PERCURSO URBANO Sabemos que a escuta é o processo mais usual para as pessoas cegas se deslocarem num determinado trajeto. Em via de regra, as pessoas videntes explicam o caminho, elas memorizam e seguem auxiliadas por suas bengalas – que é a Tecnologia Assistiva (TA) mais usada para a caminhada. Isso pode explicar a tranquilidade registrada, sendo apenas solicitado que fosse repetida a instrução, a fim de melhor fixar os detalhes. Em seguida, iniciou-se a primeira etapa do percurso. Vencida a primeira parte, foi realizada nova gravação do EEG (Figura 5) ao chegar no primeiro ponto de destino. Verificou-se nesse resultado muita tranquilidade, ausência da ansiedade, com Beta 2 baixo, Alfa baixo, um pouco de Beta 1 registrado do lado esquerdo da cabeça, identificando-se no geral pouquíssima alteração. O caminho foi percorrido sem dificuldades, estresses ou erros. A próxima etapa é bem mais complexa, quando para a continuidade do trajeto um mapa tátil é entregue à pesquisada informando que o segundo trecho seria definido por ela a partir daquela TA que lhe estava sendo entregue. Nessa etapa, apenas foi esclarecido que os pontos principais estavam identificados no mapa (local onde a pessoa pesquisada estava, ponto de destino e um ponto condicionante por onde teria de passar), e que o participante deveria traçar sua rota e memorizá-la, para continuar em seguida. As imagens da gravação dessa fase do EEG estão na Figura 6. Ao passar a manusear o mapa tátil (Figura 7) para entendimento e memorização da próxima etapa, o EEG (Figura 6) começa a apresentar alterações mais fortes, com ativação em Beta 1, que indica pensamento, raciocínio, cálculo, tanto nas regiões temporais e nas temporo-frontais, como toda a parte posterior, que é a occipital; apresenta ansiedade em Beta 1, principalmente nas regiões temporais, deixando evidente que ela ficou mais ansiosa, com o cérebro trabalhando muito mais, gastando energia para perceber e aprender o caminho. Mapas táteis não são comumente encontrados nas cidades brasileiras, podendo ser essa umas das explicações para o registro da ansiedade. O receio de não ter sucesso na definição do percurso, de não conseguir sair-se bem no trajeto causa tensão na participante da pesquisa, mesmo sabendo ser acompanhada pela equipe de pesquisa a todo o tempo. FIGURA 6 – IMAGENS REGISTRADAS POR EEG A PARTIR DA MANIPULAÇÃO DO MAPA TÁTIL FIGURA 7 – PARTICIPANTE DA PESQUISA COM A TOUCA DE EEG ENQUANTO MANIPULA O MAPA TÁTIL Observando os registros dos EEGs, identifica-se forte aumento de Beta no uso do mapa tátil, com cérebro gastando mais energia, estando mais ansiosa e, ao final do segundo percurso, quando chega desse caminho obtido pelo mapa, ela se apresenta mais insegura, mais preocupada, mais tensa. Na Figura 8, em que há a gravação da linha de base da chegada ao ponto final, percebe-se uma grande ativação em Beta 1 no cérebro inteiro, mais notadamente nas regiões temporais, inclusive com Beta 2, indicando que foi mais complicado para ela cumprir a tarefa nessa função. Nesse percurso, Maria apresentou uma forte dúvida na penúltima rua a atravessar, pensando ser essa já a última rua onde deveria dobrar logo à esquerda, quando de fato ainda havia uma quadra a percorrer. Nesse ponto, foi preciso a intervenção da equipe. FIGURA 8 – IMAGENS REGISTRADAS POR EEG UMA VEZ QUE O PARTICIPANTE FINALIZOU O SEGUNDO PERCURSO Diferente desses achados após o percurso realizado a partir do mapa tátil, comentamos que na fase do caminho apreendido por intermédio da explicação por escuta, Maria se apresentou mais tranquila, a memorização foi mais fácil e ela não demonstrou ansiedade nem muito gasto energético encefálico, chegando no primeiro destino até mais tranquila que na linha de base 1, quando de sua chegada ao ambiente da pesquisa no Instituto le Santè. Como já citamos anteriormente, não vamos descrever os resultados de todos os participantes aqui. Tendo explicado o piloto da pesquisa, acrescentamos mais dois casos que consideramos importantes. O trabalho realizado com a primeira pessoa (Maria) foi mais bem detalhado para a explanação do passo a passo da metodologia adotada. Para os dois descritos em seguida, mostramos apenas um resumo dos principais resultados dos EEGs. É importante destacar que houve uma mudança no equipamento do EEG e por isso as imagens das cabeças que vemos são diferentes do padrão anterior, mas mantendo o mesmo princípio de cores para as áreas ativadas. A PESQUISA COM JOSEFA (NOME FICTÍCIO) Como resultados do EEG registrado na escuta do percurso (Figura 9), verifica-se a ocorrência de Theta central, mas com espalhamento em outras áreas, que significa um Theta cognitivo de planejamento e memória. O Alfa dela chama atenção e vemos também a existência de Beta 2, indicando que se ela tem bastante Theta e também Beta bem frontal, mostrando um bom indicador de que Josefa está processando a informação numa frequência mais alta de Beta 2. Isso pode estar relacionado com um processo cognitivo mais forte, como se estivesse gastando muita energia. Frequências de Beta no córtex frontal estão vinculadas a processamento de informação,mas pode ser também indicador de um pouco de ansiedade. Josefa apresenta um pouco de Beta do lado direito na região temporal, o hemisfério que tende a ser mais vinculado com a ansiedade. Vemos mais ativação do lado direito, o que se acredita indicar o registro de funções mais negativas, segundo alguns autores, inclusive Richard Davidson, que criou a teoria dos hemisférios na década de 1960. FIGURA 9 – À ESQUERDA: JOSEFA COM A TOUCA DO EEG; À DIREITA: IMAGENS DO EEG NA ESCUTA DO PERCURSO Podemos inferir que Josefa estava processando as informações ouvidas, mas estava preocupada. Registrou-se Alfa na área motora. Ela não só estava escutando, mas estava em tempo real fazendo mentalmente a caminhada. É como se já estivesse fazendo o movimento. Embora sendo uma tarefa corriqueira, a de escutar e definir caminhos, Josefa já aumenta um pouco o nível de preocupação ou ansiedade e vemos também uma ativação significativa na área motora neste momento da escuta, como se o cérebro dela já estivesse traçando o caminho e até fazendo o deslocamento. A imagética motora explica que quando se pensa no movimento, o cérebro o realiza, mesmo sem que ele aconteça em nível muscular. Para os resultados do EEG registrados na definição do percurso de volta no Mapa Tátil (Figura 10), verificamos que a frequência de Theta se espalha no cérebro todo. Josefa começa a recrutar várias redes de conexão cerebral para trazer as ondas Beta com as informações. A participante nunca tinha tido um contato com mapa tátil e começou a buscar informações de várias memórias existentes. Quem estava trazendo essa rede eram as faixas de Theta, recrutando várias redes de conexão para transportar frequências rápidas para várias estruturas encefálicas, a fim de ter a solução do problema. FIGURA 10 – À ESQUERDA: JOSEFA COM O MAPA TÁTIL; À DIREITA: EEG OBTIDO NO USO DO MAPA TÁTIL Vemos o cérebro todo ativado em Theta, com Beta processando muito no frontal. Têmporas ativadas, provavelmente vinculadas a medo, a stress, receio se vai ou não dar certo. Também houve ativação do córtex visual (embora seja cega, o que é muito interessante), para perceber, estruturar o ambiente. Mas Josefa responde bem ao estímulo, processando – meio tensa, com certo medo –, mas buscando alternativas. O tato aparece junto com o córtex motor. Ao final, a participante consegue fazer o percurso muito bem a partir da memorização do caminho que traçou pelo mapa tátil. A PESQUISA COM JOÃO (NOME FICTÍCIO) Observando o EEG registrado na escuta do percurso desse rapaz (Figura 11), encontramos uma frequência de Theta presente no córtex frontal e central indicando ativação de memória, visto que são ondas condutoras que tendem a conduzir a memória. Ele se mostrou muito focado nesse momento. Mas também verificamos que ele não tem a presença de Beta (onda rápida), que indicaria o processamento das informações trazidas da memória; ou seja, ele não faz com que essa memória venha ao consciente. Como já vimos, as faixas de Beta são frequências vinculadas à função de planejamento para realização de tarefas. Ele precisaria memorizar o caminho e realizar a função. No entanto, o que vemos é a demonstração de que João capta a informação, mas não processa bem. Aumenta Alfa que é uma onda média, ligada à função “piloto automático”. É como se ele acionasse uma memória de gravar e seguir, mas sem planejar, sem “visualizar” o trajeto mentalmente. Está tranquilo, mas sem planejamento. Nas imagens do EEG não se registra ativação em Beta, o que é indicador de ausência de atividade de planejamento, falta de uso das memórias, quando deveria uni-las ao que está sendo ouvido, estabelecer um rumo racional. João apresentou um pouco de dificuldade para realizar o percurso, mas chegou ao destino. FIGURA 11 – À ESQUERDA: JOÃO NA CAMINHADA; À DIREITA: IMAGENS DO EEG - ESCUTA PERCURSO Para os resultados do EEG registrados na definição do percurso de volta pelo Mapa Tátil, verificamos que o cérebro do João continua sem função de Beta. Ele não consegue planejar a ação. Embora seja possível entender que ele quer responder no piloto automático, mas não há correspondência, ele não tem Alfa, portanto, não desenvolve essa ativação. A diferença é grande em relação aos demais casos. Aqui resgatamos uma teoria chamada de familiarização. João não estava familiarizado, não tinha referencial, não tinha ainda tido contato com um mapa tátil, e quando não se tem noção do que está fazendo, não tem piloto automático. Nessa primeira experiência com o mapa, a frequência Beta seria fundamental para planejar e raciocinar, e isso não aconteceu. Na imagem da Figura 12, vê-se o cérebro em Beta todo azul, ou seja, sem nenhuma área ativada. Theta só é registrada na linha média, então, há pouco Theta, há pouco acoplamento. As informações não se ligam, não produzem efeito nenhum. Há muita informação, mas não consegue planejar, não ativa Beta, pode ser um foco ansioso. Não consegue gerar energia adequadamente e isso geralmente acontece em pessoas que sofreram traumas, pessoas que desistem, abandonam as tarefas, entram em descontrole, começam a se irritar. João foi o único a não conseguir ler o mapa nem traçar seu caminho por meio desta Tecnologia Assistiva. Os demais voluntários, mesmo com alguma dificuldade, conseguiram cumprir a tarefa contento. FIGURA 12 – À ESQUERDA: JOÃO COM O MAPA TÁTIL; À DIREITA: EEG NO USO DO MAPA TÁTIL CONSIDERAÇÕES SOBRE A PESQUISA A partir da utilização da tecnologia do eletroencefalograma pudemos identificar a existência de ansiedade nos sujeitos da pesquisa, notadamente quando se veem diante do mapa tátil, do qual não tinham experiência anterior. A Tecnologia Assistiva de Mapas Táteis é pouco adotada no Brasil. Embora muito se fale e publique sobre ela, há um enorme nível de dependência do Poder Público para a expansão do uso, não sendo identificadas políticas significativas na implantação de rotas acessíveis e, consequentemente, não são encontrados Mapas Táteis com frequência nas cidades. Observando os registros de EEG de Maria, identifica-se forte aumento de Beta no uso do mapa tátil, com cérebro gastando mais energia, estando mais ansiosa, e, ao final do segundo percurso, quando chega desse caminho obtido pelo mapa, ela se apresenta mais insegura, mais preocupada, mais tensa. Na escuta, ela se apresenta mais tranquila, a memorização foi mais fácil e ela não apresentou ansiedade, nem gasto energético encefálico, chegando no primeiro destino até mais tranquila que na primeira gravação de EEG. A Josefa foi uma pessoa que teve um desempenho bem satisfatório em todos os momentos da pesquisa de campo. Embora no registro da escuta do percurso tenha apresentado uma pequena ansiedade, memorizou fácil e rapidamente todo o percurso, realizando-o com tranquilidade e assertividade. Ela é uma atleta e essa condição facilitou a realização do percurso. No entanto, como todos os demais, apresentou muito receio na utilização do Mapa Tátil. Ela interagiu bem, mas apresentou muitas conexões cerebrais ativadas durante o conhecimento do mapa e a busca de fazer o seu percurso. Como já descrevemos anteriormente, Josefa registrou um forte processamento de informações nesse momento e o seu encéfalo estava ativado em todas as frequências, indicando o desejo de “fazer acontecer”, de ter sucesso naquele desafio que lhe foi proposto. Ao final, ela acertou o caminho e o realizou com tranquilidade. Infelizmente, o João foi o único que não conseguiu de forma alguma interagir e entender o Mapa Tátil. Ele precisou ser trazido de volta a partir da orientação do integrante da pesquisa que o acompanhava. Ele não interagiu, não teve reação alguma em frequências de Beta que indicaria um processamento mental. Algumas teorias podem ser levantadas sobre a condição geral do João, como sendo de alguém que sofreu traumas, mas tais diagnósticos não integram o escopo da pesquisa. A eletroencefalografia aplicada a pesquisas da acessibilidade configura-se como estudo de ponta e pioneiro, tanto no campo da arquiteturae planejamento urbano quanto na área da neurociência aplicada. Foi fascinante para nós enxergarmos claramente como uma pessoa que não ativa frequências de Beta apresenta seu desempenho prejudicado nas tarefas que lhe foram entregues. A realização deste trabalho, embora com uma amostra reduzida de sujeitos de pesquisa e sendo configurada como um estudo de casos múltiplos (o que não permite generalizações), aponta para a forte necessidade de um olhar direcionado à utilização dos Mapas Táteis por pessoas com cegueira. Hoje, a tecnologia dos Apps para Smartphones contribui fortemente para a mobilidade de pessoas cegas, mas nunca fornecerá a noção do traçado urbano, do bairro ou do entorno, nunca promoverá a formalização mental dos percursos. Sempre ficará faltando o Mapa Mental, completamente necessário para a apreensão do espaço. Um dos pesquisados, mostrando-se muito animado com o Mapa Tátil, expressou que gostaria de ter um deles para cada bairro, para cada trecho que precisasse percorrer. Esse foi o único do grupo, de nove pessoas ao todo, que já havia tido experiências com esse tipo de mapas. Essa Tecnologia Assistiva muito desejada pelos que militam na área da acessibilidade urbana, precisa ser difundida entre a comunidade de cegos, que devem ser treinados nos institutos e associações que existem nas grandes capitais e se destinam a prover elementos facilitadores para as pessoas com cegueira. Consideramos, ao final desta etapa do trabalho, que é preciso agir junto ao Poder Público para provisão de rotas acessíveis dotadas de Mapas Táteis nas grandes cidades. É uma tecnologia relevante e de bom auxílio à navegação das pessoas com cegueira, mas pelo desconhecimento e a falta de uso, torna-a difícil e complicada para a população alvo. Nessa direção, identifica-se a necessidade de ação também junto a institutos e associações de cegos para que haja treinamentos na leitura e apropriação dos mapas táteis. Para que a tecnologia seja bem utilizada, é preciso familiaridade com ela. Estima-se que a exemplo da leitura Braille e da mobilidade auxiliada por bengala, que são ensinadas e treinadas, o mesmo deve ser realizado em relação às demais tecnologias assistivas, incluindo os mapas táteis. Apesar dos poucos sujeitos pesquisados no estudo, pode-se inferir que as técnicas e equipamentos apontados como adequadas na literatura especializada e adotadas neste trabalho têm encontrado resultado favorável quanto às avaliações das sensações encefálicas. Consideramos de alta relevância a possibilidade de melhor entender por meio dos registros e leituras dos EEGs, as sensações e reações das pessoas às situações a que são expostas cotidianamente. Comparando os resultados que temos obtido nesta pesquisa frente aos trabalhos da neurociência aplicados aos estudos dos ambientes encontrados na literatura internacional e aqui citados, identificamos uma forte convergência na linha de atuação que temos adotado para nossas pesquisas. 175 Registramos a participação da equipe da pesquisa: a Profa. Dra. Zilsa Santiago; a bolsista PIBITI-UFC a estudante de Arquitetura e Urbanismo Raquel Medeiros; a mestranda do PPGAUD-UFC Alana Vasconcelos; a estudante de Arquitetura e Urbanismo-UFC Thanara Pereira, as duas últimas voluntárias da pesquisa; o Ms. Paulo Nascimento, neurocientista e psicólogo e a Profa. Dra. Andrea Quezada da UNIFOR, doutora em neurociência e psicóloga responsável pela aplicação e análise dos testes de stress. UMA NOVA FORMA DE PROJETAR Ao longo da história da humanidade, os estudos de arquitetura e das ciências biológicas têm sido continuamente inspirados uns nos outros. No entanto, só recentemente começaram a compartilhar de forma efetiva as perspectivas teóricas e metodológicas interdisciplinares. Hoje, a contribuição dos neurocientistas está influenciando ativamente o debate arquitetônico. Percebe-se que a compreensão do comportamento humano não depende apenas de autorrelatos derivados de pesquisas de pós-ocupação, já que não temos acesso consciente aos muitos processos que orientam nossas escolhas. Pessoas percebem inconscientemente espaços e estímulos de formas distintas, evidenciando-se a necessidade de mensurar tais reações. A utilização de métodos de aplicação de estudos neurocientíficos específicos para nossos projetos serve como ponto de partida para o desenvolvimento da neuroarquitetura não apenas baseada em evidências científicas que foram feitas em outros lugares do mundo e em contextos completamente diferentes. Por meio de uma arquitetura vinculada a conhecimentos neurocientíficos, mensuráveis e até mesmo preditivos, podemos ir além do projeto e criar experiências únicas (e por que não, memoráveis?). As novas tecnologias e métodos à nossa disposição permitem inferências reais sobre o espaço, sendo possível verificar se o estímulo inserido no projeto gera interesse ou repulsa. Embora muitos continuem aplicando apenas conceitos que já eram bem conhecidos na psicologia, discutindo a questão do espaço, das cores, da amplitude, da semiótica, precisamos ter claro que esses elementos já compunham essas discussões há algumas décadas. O recurso que a neurociência tem para trazer está muito mais associado à construção de significado em níveis hierárquicos de processamento, reatividade, tomada de decisão, ao estudo das emoções. Isso perpassa por questões metodológico-científicas, que envolvem a biometria, a leitura da atividade de eletroencefalografia, análise de tomografia e tantas outras técnicas que viabilizam a formulação de teorias a respeito do funcionamento cerebral diante das diferentes questões da arquitetura. Manter o preciosismo metodológico é fundamental para que possamos embasar os conhecimentos relacionados à neurociência aplicada à arquitetura, em pleno desenvolvimento. Assim, nosso objetivo neste capítulo é mostrar um pouco do que tem sido feito e falado atualmente em relação às práticas da neurociência aplicada à arquitetura. SAINSBURY WELLCOME CENTRE Localizado na pequena cidade de Fitzroviana, área central de Londres, Inglaterra, o edifício Sainsbury Wellcome Centre (SWC) leva a autoria do escritório Ian Ritchie Architects. O projeto foi concluído em 2016, substituindo um antigo centro de pesquisa da University College London (UCL), existente desde 1959. Hoje, o novo edifício é um laboratório de última geração, encomendado para ser a nova casa da Unidade de Neurociência Computacional de Gatsby (GCNU). O projeto do SWC ganhou uma série de prêmios, incluindo Projeto de Construção Principal do Ano no British Construction Industry Awards, bem como os prêmios de Projeto do Ano e Projeto Através da Inovação (do inglês design through innovation) no 2017 RICS Awards. A equipe do projeto visitou laboratórios de neurociência em toda a Europa e nos Estados Unidos, a fim de coletar dados de ambientes que permitissem o desenvolvimento de abordagens inovadoras para laboratório. Por mais de 4 anos, eles tiveram contato direto com neurocientistas para embasar suas decisões e fornecer oportunidades nos ambientes para uma interação entre cientistas teóricos e experimentais, com liberdade para o desenvolvimento científico176. Vale destacar que a colaboração entre indivíduos de diferentes disciplinas permite que pessoas criativas abordem questões de novas perspectivas e a maioria das inovações científicas surgem de um pensamento conjunto. Com área interna de aproximadamente 13.805m2, o Sainsbury Wellcome Centre (SWC) foi uma das primeiras edificações do mundo projetado com a mente em mente, como diz o próprio título do livro do arquiteto Ian Ritchie, Neuroarchitecture: Designing with the Mind in Mind, com um processo de design único que partiu “de dentro para fora”. O partido do projeto é o questionamento e análise de como os espaços em que vivemos e trabalhamos afetam nosso humor e a maneira como nos comportamos. FIGURA 1 – VISTA NO NÍVEL DA RUA DO EDIFÍCIO SAINSBURY WELLCOME CENTRE EM LONDRES, INGLATERRA (2016) PROJETADO PELO ESCRITÓRIO IAN RITCHIE ARCHITECTS FIGURA 2 – VISTASUPERIOR DO EDIFÍCIO SAINSBURY WELLCOME CENTRE EM LONDRES, INGLATERRA (2016) PROJETADO PELO ESCRITÓRIO IAN RITCHIE ARCHITECTS Em seu livro, Ritchie cita Charles Spence, professor de psicologia experimental na Universidade de Oxford, que pesquisa a integração de informações em diferentes modalidades sensoriais. Ou seja, nossos sentidos afetam uns aos outros simultaneamente, com destaque para algumas maneiras pelas quais as regras de integração multissensorial177 e influência cross-modal178 estão sendo reveladas pela neurociência, e que têm o potencial de criar uma abordagem multissensorial na prática arquitetônica. Para os clientes, o prédio tinha que ser capaz de atrair as melhores equipes de pesquisadores do mundo e oferecer um ambiente de trabalho adaptável e flexível o suficiente para acomodar as demandas em rápida evolução da pesquisa científica pelos próximos 60 anos ou mais. Assim, os neurocientistas John O’Keefe e Peter Dayan abraçaram a ideia de colaborar estreitamente com a equipe de projeto para garantir que as necessidades espaciais e de pesquisa fossem amplamente atendidas179. O próprio instituto de pesquisa SWC explica que, apesar da necessidade de mais pesquisas na área, as atuais evidências apontam que os projetos arquitetônicos têm um impacto biológico e neurológico real. O que se percebe pelas pesquisas é que os seres humanos parecem preferir espaços projetados em que possamos ver de longe todo o espaço, ao mesmo tempo que gostamos de nos sentir conectados uns com os outros. Gostamos de ter vários pontos de vista e espaços visuais variados – alguns íntimos e outros mais abertos. Assim, internamente, o edifício foi organizado priorizando a alta visibilidade e conectividade entre os ambientes, com múltiplos pontos de vista, vários volumes visuais e permeabilidade. Em um arranjo espacial organizado com múltiplas escalas de ambientes, faz-se uma alusão à rede “sem escala” do cérebro: sistemas celulares dinâmicos e flexíveis com “centros” principais e secundários de atividade com muitas conexões entre eles. O edifício é composto por amplos espaços flexíveis de laboratórios, salas de conferências, escritórios, salas de reuniões e instalações para seminários. Com um programa de necessidades distribuído em 6 andares acima do solo e 2 pavimentos no subsolo, um aspecto interessante do projeto foi a obrigatoriedade de laboratórios flexíveis e adaptáveis (Figura 3) para facilitar experimentos de tamanhos diferentes. Principalmente porque, em longo prazo, o edifício deveria acomodar equipamentos científicos que ainda não haviam sido inventados. Além disso, os cientistas queriam ser capazes de escrever em qualquer lugar, à medida que tivessem seus insights, por isso todas as faces internas em vidro do edifício podem ser usadas como superfícies de escrita. FIGURA 3 – LABORATÓRIOS DE CIÊNCIAS NO THE SAINSBURY WELLCOME CENTRE As principais vias de circulação em cada andar possuem dimensões generosas, incentivando as pessoas a parar e trocar ideias. Eles são projetados com linhas de visão em todo o edifício, de modo que, onde quer que a pessoa esteja, tenha uma sensação de conexão com todos os outros lugares. A pesquisa mostra que as pessoas que têm vista para o exterior e acesso a espaços ao ar livre tendem a se sentir menos estressadas e, de outra forma, mental e fisicamente mais saudáveis. Portanto, há terraços na cobertura, bem como uma ‘brasserie’180 que se abre para um jardim de flores silvestres que oferece um foco social para todos no edifício. Os neurocientistas também aprenderam que as pessoas se sentem melhor e permanecem mais saudáveis quando expostas aos níveis naturais e ciclos da luz do dia. Nossa arquitetura nem sempre permite esse tipo de luz nos edifícios, embora seja particularmente importante para as pessoas que passam a maior parte do tempo dentro deles. E isso certamente foi contemplado nesse projeto181. Uma vez que toda a razão de ser do edifício é incentivar a comunicação, os arquitetos quiseram garantir que o exterior do SWC também se relacionasse e tivesse interação com o público. Sob a marquise, uma instalação artística mostra partituras de Bach que ilustram a criatividade do cérebro de um lado, e do outro, formam os rostos das estrelas da Neurociência (Figura 4). Se você não olhar para cima, poderá perder a oportunidade de interagir com essa arquitetura. FIGURA 4 – CIRCULAÇÃO EXTERNA DO SWC - INTERAÇÃO DO AMBIENTE E DO USUÁRIO Não há dúvidas de que futuros estudos interdisciplinares abrangendo a arquitetura e a neurociência irão gerar novos conhecimentos sobre as relações ocultas entre as pessoas e o ambiente construído. No entanto, enquanto houver tão poucos estudos nesta área, defensores de estudos interdisciplinares talvez precisem ser mais cautelosos ao interpretar os resultados para evitar mais confusão. Não há nada de errado em reconhecer potencial, nem mesmo com interpretações “românticas” de evidências científicas disponíveis, mas é melhor que as conexões entre as duas disciplinas sejam apresentadas no campo de hipóteses em vez de afirmações182. MAJID AL FUTTAIM Majid Al Futtaim é uma empresa dos Emirados Árabes Unidos com sede em Dubai, pioneira no segmento de lazer em todo o Oriente Médio, África e Ásia. Para entender melhor como eles poderiam atender seus clientes, criando bons espaços para viver, trabalhar e residir, decidiram investigar a mente subconsciente usando a neurociência, tendo por base estudos que comprovam que autorrelatos são insuficientes para saber o que as pessoas realmente sentem, pensam e escolhem. FIGURA 5 – COMBINAÇÃO DE EEG COM EYE TRACKING Conduzido pela Neurons Inc.183, o estudo encomendado pelo Majid Al Futtaim usou eletroencefalografia (EEG) e tecnologia de rastreamento ocular (Figura 5) para medir como os participantes nos Emirados Árabes Unidos reagiram a 100 imagens urbanas e de paisagens ao redor mundo, tanto em nível subconsciente quanto consciente. Majid Al Futtaim revelou os resultados desse estudo de neurociência inédito na região, projetado para identificar os impulsionadores mais poderosos por trás do apego emocional a empreendimentos urbanos e comunidades. Nesse estudo, foram recrutados 31 participantes (faixa etária 25-43 anos, mulheres e homens) nos Emirados Árabes Unidos para serem expostos a diferentes imagens e conceitos que representavam espaços humanizados. O que interessava era entender melhor como as pessoas respondiam aos diferentes tipos de espaços de convivência, conforme fossem apresentados, em que prestavam atenção e como respondiam emocional e cognitivamente. Além disso, foram avaliadas as associações dos participantes a esses ambientes. Uma distinção clara entre respostas conscientes e subconscientes foi identificada pelo estudo. Enquanto os entrevistados declararam conscientemente gostar de ambientes vibrantes com elementos de interação social altamente ativa, sua atividade cerebral subconsciente apontou para uma preferência por atividades humanas simples e cotidianas (Figura 6). FIGURA 6 – ESTUDO DE NEUROCIÊNCIA DE MAJID AL FUTTAIM - MAPA DE CALOR DA ATIVIDADE HUMANA Os neurocientistas descobriram que das 100 imagens apresentadas aos participantes, os elementos de atividades humanas cotidianas tiveram um foco visual de 80% dentre as 10 imagens de melhor desempenho; vegetação, 70%; recursos artísticos, 50%; e cores vibrantes, 50%. Os elementos de atividades humanas cotidianas foram os impulsionadores mais poderosos do envolvimento emocional com destinos e ambientes. Uma ênfase foi encontrada na vegetação natural configurada de uma forma que fornecesse uma sensação de escala humana e privacidade. O estudo identificou também a preferência subconsciente por tons de azul e verde no design e nas características artísticas com as quais as pessoas pudessem interagir. Entre as respostas negativas mais fortes, foram registradas por imagens que exibiam uma visível falta de interação humana e de paisagens naturais. A sujeira e os danos também mostraram ter um impacto negativoimediato e duradouro nos participantes. Comentando o estudo, Hawazen Esber, diretor executivo da Majid Al Futtaim Communities, disse que, historicamente, pesquisadores e incorporadores têm se concentrado nos motivadores conscientes de preferência por design e desenvolvimento imobiliário. Ele acrescenta que “Nosso estudo exclusivo de pesquisa em neurociência permite uma compreensão mais profunda do que impulsiona subconscientemente o valor emocional e um sentimento de pertencimento para nossos clientes e a comunidade em geral”. Esber disse que o estudo apoiaria o objetivo de “criador de destinos”, especialmente no segmento de edificações de uso misto quando adotou valores emocionais e funcionais na abordagem de Majid Al Futtaim para o planejamento, design e desenvolvimento de empreendimentos imobiliários. Mais de um milhão de dados foi coletado e analisado para chegar a esses resultados. “É muito emocionante. É o primeiro estudo desse tipo na região, e eu diria que provavelmente o primeiro no mundo a se aprofundar no mercado imobiliário. Quando se trata de uso misto, escritório e residencial, há muitos benefícios, mas provavelmente também pode ser expandido para outros setores. [...] A menos que você meça, você não pode realmente personalizar seus produtos de acordo com o que as pessoas querem”, explica Esber. A partir do desenvolvimento deste trabalho, esse compromisso vai ainda mais longe, quando se planeja aprimorar seus recursos analíticos avançados, o que permitirá à empresa reunir insights mais profundos do consumidor, permitindo-lhe criar experiências personalizadas para os clientes. Ao investir em análises avançadas, esperam ser capazes de compreender e prever as necessidades e preferências em evolução e oferecer experiências que criem “momentos memoráveis” para os clientes no dia a dia. O olhar diferenciado para o processo da criação de espaços, ouvindo os clientes e dando opções de escolhas para eles, tem ocupado um lugar de destaque E Esber conclui: Por fim, quero enfatizar que a pesquisa que empreendemos é muito estimulante. É algo que não é apenas novo para o mercado, mas o pensamento por trás disso também é completamente novo. Acredito que essa é uma das vantagens que teremos, no sentido de casar know-how e arte com a ciência. Embora os estudos de neuromarketing e neurociência do consumidor tenham sido usados por muito tempo para testar o comportamento das pessoas no consumo, como respostas a anúncios, escolhas na loja e respostas aos produtos, poucas experiências arquitetônicas contaram com tais estratégias. Mais recentemente, e impulsionado pelo trabalho pioneiro da Neurons Inc, o estudo das respostas emocionais e cognitivas às experiências arquitetônicas foram viabilizadas. Nesse estudo apresentado, o objetivo foi mostrar o poder da neurociência em nos oferecer dados científicos para projetarmos ambientes de forma mais assertiva, bem como nos possibilitar a avaliação dos resultados. GOOGLE BH Google é uma empresa multinacional de serviços on-line e software dos Estados Unidos que dispensa maiores apresentações. Embora o estudo que iremos aqui apresentar tenha sido para essa empresa americana, foi desenvolvido por três arquitetas brasileiras, Ana Paula Guedes, Anadélia Rechi e Paula Tempelaars. Trata-se de um certame, realizado no segundo semestre de 2020 (em plena pandemia da COVID-19), no formato de uma “maratona de arquitetura”, com prazo de uma semana para o desenvolvimento de um estudo preliminar para o novo andar do Escritório da Google em Belo Horizonte, MG, com uma área de aproximadamente 1.200m². Um desafio e tanto, já que as arquitetas se propuseram além de fazer o projeto, apresentar ao cliente um estudo de neuroarquitetura, no qual foram inseridos conhecimentos práticos de neurociência aplicada à arquitetura, por meio de resultados mensuráveis e até mesmo preditivos. Especificamente para esse projeto foram realizadas análises de captação de atenção automática por intermédio de uma ferramenta neurocientífica de análise e predição de resultados de rastreamento ocular. FIGURA 7 – ESTUDO DE NEUROCIÊNCIA PARA O ESCRITÓRIO DO GOOGLE BH - MAPA DE CALOR DE SALIENCY Esses procedimentos foram adotados no sentido de dar o primeiro passo no entendimento do usuário do espaço e captar a sua atenção para os elementos que realmente importam para ele. A tecnologia foi utilizada para promover o poder da emoção humana, trazendo à tona o sentimento de pertencimento das pessoas, reforçando sua identidade e criando estímulos emocionais necessários para ser produtivo e realizar-se no trabalho. Primeiro, foram analisadas as características do edifício existente para, posteriormente, entrar na fase das decisões e escolhas de opções de design para o projeto baseadas nos resultados dos estudos neurocientíficos de rastreamento ocular feitos especialmente para cada ambiente ou elemento de referência escolhido. As análises produziram mapas de calor (do inglês, heat map) de cada ambiente. Trata-se de uma análise de saliência da imagem (do inglês, saliency), predizendo quais são os elementos que mais irão se sobressair. Considera-se que a atenção é o primeiro passo para envolver as pessoas. O heat map mostra um mapa de cores codificado de menor saliência (nas cores azul ou verde), passando pelo amarelo e depois o laranja, até chegar ao vermelho, em que estão as regiões de maior saliência, ou destaque, conforme indicado na Figura 7. Com esse tipo de análise, também é possível verificar se o ambiente está causando algum impacto negativo nos usuários devido ao excesso de demanda cognitiva que ocorre quando muitos elementos “competem” entre si para captar sua atenção. Na imagem seguinte (Figura 8), o objetivo era fazer com que as pessoas notassem facilmente o robozinho Android que está posicionado no local. Como exemplo de aplicação do heat map, verificou-se que a melhor opção seria utilizar o Android com acabamento metalizado, já que na outra proposta avaliada ele passaria praticamente despercebido. Verificam-se claramente na imagem da direita os elementos que se sobressaem e os que não captam a atenção automática nos primeiros 3 a 5 segundos de exposição aos estímulos. FIGURA 8 – ESTUDO DE NEUROCIÊNCIA PARA O ESCRITÓRIO DO GOOGLE BH - SIMULAÇÃO DE ACABAMENTOS PARA DEFINIÇÃO DA MELHOR OPÇÃO Para esse experimento, foi utilizada a ferramenta multiplataforma184 de resposta rápida (as imagens são analisadas em segundos), com abordagem no modelo de aprendizado de máquina, para garantir atenção visual. A ferramenta adotada é baseada em dois parâmetros fundamentais: um grande banco de dados de rastreamento ocular de alta qualidade (com 12.000 participantes) e uma variedade de modelos de aprendizado de máquina (N = 30) treinados e comparados para produzir a melhor previsão de modelo possível. O modelo científico automaticamente selecionado prevê rastreamento ocular com mais de 90% de precisão. Aqui o mapa de calor de rastreamento ocular representa o número de pessoas e o tempo gasto olhando para cada área da tela. A cor indica o tempo cumulativo de fixações oculares em cada (A) (B) (C) região de uma imagem ou vídeo, com cores mais quentes indicando mais atenção. Esse conjunto de dados foi alimentado no modelo de aprendizado de máquina. A precisão do modelo não foi apenas treinada para sensibilidade (acertar o alvo certo), mas também especificidade (ignorar os alvos errados). Estudos de rastreamento ocular são métodos poderosos e confiáveis, mas requerem um conjunto mínimo de participantes, um alto tempo de resposta para os resultados e demanda recursos financeiros elevados, inviabilizando que muitos os utilizem. Embora existam soluções on-line para monitoramento de atenção, como rastreamento ocular baseado em webcam, esses métodos não são suficientemente sensíveis ou confiáveis para fornecer insights válidos ao ponto de orientar as decisões de design. Como disse Thomas C. Redman185, “se seus dados forem ruins, suas ferramentas de aprendizado de máquina serão inúteis”.Complementando, a ferramenta utilizada permitiu que as arquitetas pudessem avaliar: Demanda Cognitiva – Uma pontuação que mostra a quantidade de informações que o visualizador tem que processar diante de sua imagem/vídeo. Quando as imagens são mais complexas, elas elevam a carga perceptiva e, portanto, mais demanda cognitiva. Clareza – Um índice de quão grande é a parte de sua imagem que cria atenção. Quando as imagens têm muitos itens que chamam a atenção das pessoas, é menos provável que elas vejam qualquer parte da imagem e, portanto, a imagem fica menos clara. Pontuações mais altas de clareza são obtidas quando uma única ou muito poucas áreas estreitas chamam a atenção. Intensidade de Cor e Brilho - Resume o grau de vermelhidão, verde e azulado, além de brilho da imagem. Não há níveis recomendados aqui, mas os valores são parâmetros interessantes se você espera que uma imagem tenha um perfil de cor muito particular. Também oferece uma boa maneira de alterar perfis de cores diferentes em seus estudos visuais. Por fim, nosso objetivo na apresentação desses três estudos é despertar o senso crítico para o tema da neuroarquitetura, trazer de fato um maior entendimento da aplicação prática da neurociência a ambientes construídos e ratificar quão grande ainda é o caminho que temos a percorrer para alcançarmos resultados científicos relevantes. ALGUMAS PUBLICAÇÕES É fato a notoriedade que a neuroarquitetura ganhou recentemente. Entretanto, muitos ainda têm confundido neurociência com psicologia, afirmando que o projeto arquitetônico está fundamentado em evidências neurocientíficas utilizando-se de padrões alheios à aceitação da própria comunidade científica. Dentre infinitas discussões, as medições do funcionamento encefálico de indivíduos experimentando o ambiente construído parece ser mesmo o caminho para o desenvolvimento da neuroarquitetura. Para finalizar este capítulo, selecionamos alguns trechos de publicações, de fontes de reconhecida credibilidade, que enfatizam a importância dessas neurométricas como a grande contribuição da neurociência para a arquitetura – a prática da neuroarquitetura que vai além da aplicação de evidências. A neurociência é uma disciplina que reúne outras áreas de estudo que evidenciam como o ser humano se comporta em diferentes ambientes e em resposta a diferentes estímulos. Seu foco é fortemente científico e serve de base para outras áreas, como programação, robótica, marketing, entre outras. Está próxima (mas longe da psicologia mais teórica) do feng shui e de outras áreas igualmente interessantes, mas que não se aplicam aos protocolos objetivos da comunidade científica e se baseiam em noções mais subjetivas. Suas origens remontam por volta do ano de 2002, quando a revista Forbes apresentou estudos que investigavam como diferentes áreas do cérebro eram ativadas com o uso de diferentes produtos de consumo, conforme afirma o neurocientista Antonio Ruiz, em seu artigo intitulado Neuroscience, a tool for modern architecture186 (Neurociência, uma ferramenta para a arquitetura moderna), publicado em novembro de 2019. Construtores e arquitetos antigos compreenderam instintivamente o que está no cerne da neuroarquitetura, mesmo que eles não tivessem ainda uma palavra assertiva para isso ou não tivessem as ferramentas para medi-la. Na verdade, nossas reações ao ambiente construído datam do início da humanidade. Mas a novidade é que agora podemos medir o como, e começar a entender por que reagimos da maneira como o fazemos. É aqui que entra a neuroarquitetura, de acordo com o artigo intitulado Neuroarchitecture: could this movement lead to the architecture of the future187 (Neuroarquitetura: esse movimento poderia levar à arquitetura do futuro?), publicado em maio de 2020. “O que é diferente sobre a neuroarquitetura é que agora estamos nos aproximando de um momento em que nossa compreensão da função cerebral progrediu ao ponto em que podemos começar a dizer coisas sensatas sobre sua relação com a arquitetura e o design”, diz o Dr. Colin Ellard188. Seguindo esse pensamento, a arquiteta Ana Paula Guedes189 afirma na matéria sobre neuroarquitetura, intitulada O poder da arquitetura e da decoração, publicada em fevereiro de 2019190, que a neurociência tem desenvolvido processos capazes de comprovar a influência dos ambientes na vida das pessoas, ou seja, o poder da arquitetura sobre a saúde e o comportamento humano. Assim expõe: “Por meio desses experimentos sabe-se, objetivamente, que toda experiência que o ser humano vivencia é consequência do resultado de atividades do cérebro, da mente e de sua percepção individual”. As pessoas respondem ao design individualmente. Não existe uma reação universal a um espaço singular e os neurocientistas levam isso em consideração. Campo em expansão, a neuroarquitetura aplica o rigor científico da neurociência ao mundo do design, buscando compreender melhor como os humanos percebem e vivenciam os espaços construídos em um nível biológico. O objetivo final é extrair descobertas que possam ser aplicadas na prática, fornecendo um suporte científico para projetar ambientes que moldem positivamente a experiência do usuário, enfatizam Emily Winer191 e Julia Kein192, no artigo intitulado Design on the brain: combining neuroscience and architecture193 (Design no cérebro: combinando neurociência e arquitetura), publicado em outubro de 2018. A tecnologia desempenha um papel fundamental no futuro da neuroarquitetura. As tecnologias líderes em neurociência, incluindo técnicas de monitoramento humano e realidade virtual auditiva e visual, foram adaptadas para se adequar a muitos dos objetivos da arquitetura. Os pesquisadores agora podem estudar a atividade cerebral à medida que as pessoas interagem com componentes do ambiente construído. Equipamentos de eletroencefalografia fornecem uma maneira não invasiva e acessível de monitorar o que está acontecendo no cérebro, transmitindo dados sem fios (wireless) para o computador de um pesquisador. Quando combinados com dados fisiológicos, como frequência cardíaca, esses achados revelam informações sobre o estado mental de uma pessoa, níveis de estresse e mecanismos de aprendizagem ao interagir com o espaço, complementam Winer e Kein. Um dos temas discutidos no ano em 2015, no evento Sculpting the Architectural Mind: Neuroscience and the Education of an Architect (Esculpindo a mente arquitetônica: neurociência e a educação de um arquiteto), realizado pela Academy of Neuroscience for Architecture (ANFA) e a Pratt Institute School of Architecture, foi a questão da realidade virtual representar uma oportunidade crescente para compreender e antecipar as reações humanas ao ambiente construído e os impactos potenciais de formas futuras antes de serem construídos. Eduardo Macagno, Professor de Ciências Biológicas da UC San Diego, discutiu algumas tecnologias que estão tornando isso possível. Esses desenvolvimentos empolgantes podem ajudar os designers a testar seus projetos antes de serem construídos, permitindo ajustes com base em como as pessoas realmente experimentarão um ambiente, afirmou Melissa Marsh em seu artigo intitulado The future of neuro-architecture has arrived (O futuro da neuroarquitetura chegou), publicado na Work Design Magazine, em março desse mesmo ano. São muitas as referências publicadas abordando a neuroarquitetura e sua relação intrínseca com métricas de funcionamento cerebral. Trouxemos aqui apenas algumas delas para melhor entendimento da interseção neurociência e arquitetura. 176 Ian Ritchie Architects, 2021, on-line. 177 Integração multissensorial, ou como integração multimodal, é o estudo de como as informações das diferentes modalidades sensoriais podem ser integradas pelo sistema nervoso. 178 Percepção cross-modal envolve interações entre duas ou mais modalidades sensoriais diferentes. Exemplos incluem sinestesia, substituição sensorial e o efeito McGurk, no qual visão e audição interagem na percepção da fala. 179 Ian Ritchie Architects, 2021, on-line. 180 Na Françae no mundo francófono, brasserie é um tipo de restaurante com um ambiente descontraído, que serve pratos simples e outras refeições; também é uma palavra francesa para cervejaria e, por extensão, é um “negócio de cerveja”. (https://pt.wikipedia.org/wiki/Brasserie). 181 Sainsbury Wellcome Centre, 2021, on-line. Tradução livre. 182 Saidi, 2019. 183 Empresa de neurociência do consumidor com sede na Dinamarca, que utiliza ferramentas e insights da neurociência para entender e melhorar a experiência do usuário. 184 Ferramenta multiplataforma trabalha em todas as plataformas digitais, incluindo telefones, tablets e computadores. 185 Thomas C. Redman ,“the Data Doc,” é presidente de soluções de qualidade de dados. Ajuda empresas e pessoas, incluindo start-ups, multinacionais, executivos e líderes em todos os níveis, a traçar seus cursos para futuros baseados em dados. Dá ênfase especial à qualidade, análises e capacidades organizacionais. 186 https://ark-architects.com/neuroscience-a-tool-for-modern-architecture-ark-arc hitects/ 187 https://ark-architects.com/neuroarchitecture-could-this-movement-lead-to-the- architecture-of-the-future-ark-architects/ 188 Autor e professor de neurociência cognitiva no Canadá, que mede como nossos cérebros e corpos respondem a espaços e lugares. 189 Arquiteta e urbanista no Brasil, com atuação em neurociência aplicada à arquitetura desde 2016. 190 https://estadodeminas.lugarcerto.com.br/app/noticia/decoracao/2019/02/27/int erna_decoracao,50610/neuroarquitetura-ensina-que-o-ambiente-fisico-influi-nas-e mocoes-e-no.shtml 191 Bacharel em psicologia pelo Carleton College e um MPH pela Mailman School of Public Health da Columbia University, onde passou um tempo pesquisando a influência do design de bairros urbanos nos comportamentos de caminhada entre as populações de adultos mais velhos. É líder do conceito de mente em Desenvolvimento de Padrões do International WELL Building Institute (IWBI). Seu trabalho se concentra na promoção da saúde mental e do bem-estar por meio de políticas de construção e local de trabalho, programas e estratégias de design. https://ark-architects.com/neuroscience-a-tool-for-modern-architecture-ark-architects/ https://ark-architects.com/neuroarchitecture-could-this-movement-lead-to-the-architecture-of-the-future-ark-architects/ https://estadodeminas.lugarcerto.com.br/app/noticia/decoracao/2019/02/27/interna_decoracao,50610/neuroarquitetura-ensina-que-o-ambiente-fisico-influi-nas-emocoes-e-no.shtml 192 Analista na equipe comercial do International WELL Building Institute (IWBI). Bacharel em Estudos Internacionais, Saúde Global e Meio Ambiente pela University of Michigan e um MPH pela Mailman School of Public Health da Columbia University, onde pesquisou como as políticas de planejamento urbano em nível municipal têm o potencial de moldar a saúde mental dos residentes. 193 Design on the brain: Combining neuroscience and architecture | Articles | WELL International WELL Building Institute (wellcertified.com). CONCLUSÃO UM OLHAR PARA O FUTURO Existe certa analogia entre entrar em um ambiente – experimentá-lo, senti-lo, observar seus detalhes, procurar entendê-lo – e penetrar em um livro, que igualmente deve ser explorado, entendido e ter seu conteúdo apreendido. Ambos nos trazem experiências que podem ser mais ou menos impactantes na medida em que despertam maiores ou menores sensações, emoções e interesses. O nosso sentimento ao concluir este livro é de encerramento de uma tarefa desafiadora. Como enfatizado ao longo do texto, para nós não é possível desassociar a neuroarquitetura dos estudos observacionais que utilizam métricas encefálicas, por ser a neurociência em si mesma definida como o ramo do conhecimento que trata do encéfalo e do sistema nervoso no todo. A forma de ler esses dados, entretanto, varia em cada uma das áreas de conhecimento que fazem parte do guarda-chuva da neurociência, que é multidisciplinar. Serão feitos aprofundamentos diferentes na psicologia, medicina ou farmácia. Na neuroarquitetura, isso não é diferente. O debate sobre o que mais interessa aprofundar durante a discussão de seu campo de conhecimento recém-desbravado é parte da proposta deste livro, que tentou esboçar por onde esse debate tem caminhado. Contudo, a conversa mal começou e esse debate deverá continuar e se expandir à medida que a comunidade neurocientífica e neuroarquitetônica se tornar maior. Para isso, um grande desafio foi expor conteúdos neurocientíficos em linguagem mais acessível e simplificada para um público formado prioritariamente por profissionais da arquitetura e do design de interiores. Por outro lado, não poderíamos deixar de abordá-los por sabermos da impossibilidade de alguém entender o impacto dos ambientes na mente das pessoas, sem conhecimentos mínimos da anatomia e fisiologia dessas estruturas. Até conseguimos olhar uma imagem de um encéfalo ativado em algumas de suas regiões e identificar a existência de ativações. No entanto, seria muito superficial concluir apenas que o ambiente ativou o encéfalo. Certamente nos questionaríamos: ativou o quê? Como? Por quê? Qual o sentido da ativação? Que tipo de sensação despertou? Essas são perguntas cujas respostas só acontecem a partir do entendimento de como os estímulos são captados, como são processados, como chegam ao encéfalo e o que produzem ali. Ora, se as neurociências aplicadas à saúde (onde seus estudos foram iniciados) utilizam equipamentos que permitem “visualizações” e “medições” da atividade cerebral para melhor entender e explicar o que acontece nessa importante estrutura, não seria diferente para outras áreas do conhecimento que tenham esse interesse. A literatura está repleta de exemplos que embasam nossa afirmação e cuidamos de mostrar aqui alguns deles, aplicados aos estudos dos ambientes. Tanto quanto as nossas preocupações em tornar os ambientes atrativos e agradáveis aos que os vivenciam, tentamos elaborar um livro interessante e que desperte bons estímulos para aqueles que penetram em suas palavras e imagens. No entanto, sabemos ser muito provável que nossos leitores encerrem esta leitura com muitas interrogações, o que nos anima, porque tínhamos mesmo esse objetivo. Questionamentos nos fazem querer aprender mais, buscar mais, procurar soluções, ainda mais quando tratamos de um tema altamente dinâmico, que se expande a cada dia e incorpora novas tecnologias e procedimentos oriundos das pesquisas que não param. Cremos firmemente que estamos em um caminho sem volta, embora consigamos clareza da existência de pelo menos três questões emergentes: o custo dos equipamentos; a dificuldade de interpretação dos dados obtidos; como relacionar grupos de pessoas a características de reações encefálicas. Para cada uma dessas dificuldades muito presentes no atual momento que vivemos (primeiro semestre de 2021), temos algumas expectativas de solução. Os equipamentos tendem a ter seu custo reduzido, à medida que se tornam mais utilizáveis e já presenciamos isso, se considerarmos todos os equipamentos que foram lançados nas últimas décadas e que foram incorporados ao cotidiano de milhões de pessoas. Além disso, tornam-se mais simples de serem usados. Para a dificuldade de entendimento dos resultados de um eletroencefalograma, por exemplo, já temos notícias de estarem em desenvolvimento algumas ferramentas que melhoram as análises de dados, facilitando esse trabalho que requer experiência de quem o realiza. E, finalmente, para as possibilidades de identificação de perfis encefálicos para grupos de pessoas, contamos com as equipes de pesquisadores que vêm estudando e buscando alternativas para facilitar as aplicações práticas. Esse último é mais polêmico e talvez de mais difícil solução. Sabemos que cada ser humano é único, percebe o mundo de maneira diferente dos demais, tem memórias, vivências e percepções diferenciadas e esse pode ser um forte impedimento para aplicações em grupo desses estudos. No entanto, muitas coisas impossíveis no passado são hoje realidade corriqueiraem nossas vidas. A ciência avança e nós crescemos junto com ela. Estamos estimuladas a continuar firmes nessa jornada, crendo que em um futuro não muito distante teremos muitas descobertas para mostrar, quem sabe em um volume II desta obra. Nós nos encontraremos em breve! LISTA DE FIGURAS SESSÃO 1 SOBRE A NEUROCIÊNCIA E SUAS ESTRUTURAS FIGURA 1 – ILUSTRAÇÃO POR NICOLE FERRER FIGURA 2 – ILUSTRAÇÃO POR NICOLE FERRER FIGURA 3 – ILUSTRAÇÃO POR NICOLE FERRER FIGURA 4 – ILUSTRAÇÃO POR NICOLE FERRER FIGURA 5 – ILUSTRAÇÃO POR NICOLE FERRER FIGURA 6 – ILUSTRAÇÃO POR NICOLE FERRER FIGURA 7 – ILUSTRAÇÃO POR NICOLE FERRER NOSSOS PROCESSOS COGNITIVOS FIGURA 1 – IMAGENS DO PORTAL DIGITAL WIKIMEDIA COMMONS FIGURA 2 – IMAGENS DO PORTAL DIGITAL WIKIMEDIA COMMONS FIGURA 3 – IMAGENS DO PORTAL DIGITAL WIKIMEDIA COMMONS FIGURA 4 – ILUSTRAÇÃO POR NICOLE FERRER FIGURA 5 – ILUSTRAÇÃO POR NICOLE FERRER FORMAS DE VER O CÉREBRO FIGURA 1 – IMAGENS DO PORTAL DIGITAL WIKIMEDIA COMMONS FIGURA 2 – IMAGENS DO PORTAL DIGITAL WIKIMEDIA COMMONS FIGURA 3 – ILUSTRAÇÃO POR NICOLE FERRER FIGURA 4 – ILUSTRAÇÃO POR NICOLE FERRER SESSÃO 2 SOBRE A NEUROARQUITETURA E SUA FORMA DE PROJETAR FIGURA 1 – FOTO DO ACERVO PESSOAL DE NICOLE FERRER FIGURA 2 – FOTO DO ACERVO PESSOAL DE NICOLE FERRER FIGURA 3 – ILUSTRAÇÃO POR NICOLE FERRER FIGURA 4 – FOTO DO ACERVO PESSOAL DE NICOLE FERRER FIGURA 5 – FOTO DO ACERVO PESSOAL DE NICOLE FERRER FIGURA 6 – MAGUIRE ET AL., 2000, P. 4399. ADAPTADO PELAS AUTORAS FIGURA 7 – MAGUIRE ET AL., 2000, P. 4399. ADAPTADO PELAS AUTORAS FIGURA 8 – MAGUIRE ET AL., 2000, P. 4399. ADAPTADO PELAS AUTORAS PERCEPÇÃO VISUAL E O PROJETO ARQUITETÔNICO FIGURA 1 – ILUSTRAÇÃO POR NICOLE FERRER FIGURA 2 – ILUSTRAÇÃO POR NICOLE FERRER FIGURA 3 – ILUSTRAÇÃO POR NICOLE FERRER FIGURA 4 – IMAGENS DO PORTAL DIGITAL WIKIMEDIA COMMONS. ADAPTADO PELAS AUTORAS FIGURA 5 – IMAGENS DO PORTAL DIGITAL WIKIMEDIA COMMONS. ADAPTADO PELAS AUTORAS FIGURA 6 – ILUSTRAÇÃO POR NICOLE FERRER FIGURA 7 – ILUSTRAÇÃO POR NICOLE FERRER FIGURA 8 – IMAGENS DO PORTAL DIGITAL WIKIMEDIA COMMONS NOÇÕES MENTAIS DE ESPACIALIDADE FIGURA 1 – IMAGENS DO PORTAL DIGITAL WIKIMEDIA COMMONS FIGURA 2 – ILUSTRAÇÃO POR NICOLE FERRER FIGURA 3 – ILUSTRAÇÃO POR NICOLE FERRER FIGURA 4 – FOTO DO ACERVO PESSOAL DE MARIE MONIQUE PAIVA FIGURA 5 – PREFEITURA DO RIO DE JANEIRO. ADAPTADO PELAS AUTORAS FIGURA 6 – FOTO DO ACERVO PESSOAL DE NICOLE FERRER FIGURA 7 – FOTO DO ACERVO PESSOAL DE NICOLE FERRER FIGURA 8 – IMAGENS DO PORTAL DIGITAL WIKIMEDIA COMMONS FIGURA 9 – FOTO DO ACERVO PESSOAL DE NICOLE FERRER FIGURA 10 – ILUSTRAÇÃO POR NICOLE FERRER A EXPERIÊNCIA ARQUITETÔNICA FIGURA 1 – ILUSTRAÇÃO POR NICOLE FERRER FIGURA 2 – IMAGENS DO PORTAL DIGITAL WIKIMEDIA COMMONS FIGURA 3 – IMAGENS DO PORTAL DIGITAL DO IPHAN FIGURA 4 – IMAGENS DO PORTAL DIGITAL ARCHDAILY BRASIL FIGURA 5 – IMAGENS DO PORTAL DIGITAL ARCHDAILY BRASIL SESSÃO 3 A NEURO APLICADA AOS AMBIENTES FIGURA 1 – IMAGENS DA EMOTIVE®. ADAPTADO PELAS AUTORAS FIGURA 2 – BANAEI ET AL., 2017, P. 4. ADAPTADO PELAS AUTORAS FIGURA 3 – IMAGENS DA TOBII PRO®. ADAPTADO PELAS AUTORAS NEUROARQUITETURA EM AMBIENTES RESIDENCIAIS FIGURA 1 – VILLAROUCO ET AL., 2020. ADAPTADO PELAS AUTORAS FIGURA 2 – ILUSTRAÇÃO POR MARIE MONIQUE PAIVA FIGURA 3 – FOTO DO ACERVO PESSOAL DE MARIE MONIQUE PAIVA FIGURA 4 – FOTO DO ACERVO PESSOAL DE MARIE MONIQUE PAIVA EXPERIÊNCIA DA NEUROCIÊNCIA EM AMBIENTE URBANO FIGURA 1 – VILLAROUCO ET AL., 2020. ADAPTADO PELAS AUTORAS FIGURA 2 – IMAGENS DO ACERVO DE PESQUISA DE VILMA VILLAROUCO FIGURA 3 – IMAGENS DO ACERVO DE PESQUISA DE VILMA VILLAROUCO FIGURA 4 – IMAGENS DO ACERVO DE PESQUISA DE VILMA VILLAROUCO FIGURA 5 – IMAGENS DO ACERVO DE PESQUISA DE VILMA VILLAROUCO FIGURA 6 – IMAGENS DO ACERVO DE PESQUISA DE VILMA VILLAROUCO FIGURA 7 – IMAGENS DO ACERVO DE PESQUISA DE VILMA VILLAROUCO FIGURA 8 –IMAGENS DO ACERVO DE PESQUISA DE VILMA VILLAROUCO FIGURA 9 – IMAGENS DO ACERVO DE PESQUISA DE VILMA VILLAROUCO FIGURA 10 – IMAGENS DO ACERVO DE PESQUISA DE VILMA VILLAROUCO FIGURA 11 – IMAGENS DO ACERVO DE PESQUISA DE VILMA VILLAROUCO FIGURA 12 – IMAGENS DO ACERVO DE PESQUISA DE VILMA VILLAROUCO UMA NOVA FORMA DE PROJETAR FIGURA 1 – IMAGENS DO SITE DO ESCRITÓRIO DE ARQUITETURA IAN RITCHIE ARCHITECTS FIGURA 2 – IMAGENS DO SITE DO ESCRITÓRIO DE ARQUITETURA IAN RITCHIE ARCHITECTS FIGURA 3 – IMAGENS DO PORTAL DIGITAL SMARTSTYLE INTERIORS FIGURA 4 – IMAGENS DO PORTAL DIGITAL SMARTSTYLE INTERIORS FIGURA 5 – IMAGENS DO PORTAL DIGITAL NEURONS INC.2 FIGURA 6 – IMAGENS DO PORTAL DIGITAL ALARABIYA NEWS FIGURA 7 – FOTO DO ACERVO PESSOAL DE ANA PAULA GUEDES, ANADÉLIA RECHI E PAULA TEMPELAARS FIGURA 8 – FOTO DO ACERVO PESSOAL DE ANA PAULA GUEDES, ANADÉLIA RECHI E PAULA TEMPELAARS REFERÊNCIAS ARAGONÉS, Juan I.; AMÉRIGO, María. 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Ele é escrito no primeiro trimestre de 2021, quando as cidades do Brasil estão iniciando o processo de vacinação contra a primeira pandemia planetária do século XXI, e nem se sabe quanto tempo levará para se poder aplicar-lhes esta alcunha de fato e de direito. Por outro lado, sabe-se que essa "vacina", aqui, representa as várias necessidades, dos vários territórios de nossas cidades. A vacina é a saúde das cidades, mas pode ser também o comportamento do cidadão, a consciência do político, o prato de comida na mesa, o emprego do trabalhador, a solidariedade humana, o desenvolvimento humano, o equilíbrio social etc. Carregado destes significados, mais de 60 autores e autoras convidados, pesquisadores, mestres e doutores de várias áreas do conhecimento científico (Arquitetura, Urbanismo, Engenharia, Direito, Turismo, Biologia, Administração, Comunicação, Relações Internacionais, Antropologia, História, Geografia, Paisagismo, Economia, Artes e outras especializações), apresentam seus ensaios, organizados pela Conselheira do INPUC, Arquiteta e Urbanista Leila Marques, com textos concisos e claros, http://www.mynextread.de/redirect/Amazon+%28BR%29/3036000/9786587913476/9786587913353/cb879be7c83d7693478531e4b639824b referenciando e atualizando estudos anteriores, abrindo questionamentos e caminhos para serem seguidos no momento que essa pandemia for debelada, e desde já, naquilo que é possível ser feito, respeitando-se o presente distanciamento social. Paulo Sergio Niemeyer Presidente do INPUC Compre agora e leia http://www.mynextread.de/redirect/Amazon+%28BR%29/3036000/9786587913476/9786587913353/cb879be7c83d7693478531e4b639824b Créditos Folha de Rosto Sumário Apresentação Introdução: Uma nova forma de ver a arquitetura O que é neuroarquitetura? 1. Bases da neurociência Sobre a neurociência e suas estruturas Somos o que pensamos Mover ou sentir, eis a questão Nossos processos cognitivos O funcionamento da mente Ao perceber o mundo Ao compreender o mundo Formas de ver o cérebro Recursos teóricos e metodológicos para o estudo do cérebro Os neurocientistas podem ler nossas mentes? 2. Definições da neuroarquitetura Sobre a neuroarquitetura e sua forma de projetar As relações entre mente e espaço Neurociência na arquitetura Percepção visual e o projeto arquitetônico O processamento neural da visão Pistas perceptivas da visão Noções mentais de espacialidade A análise da forma O estudo da forma pela Gestalt A experiência arquitetônica A simbologia da percepção espacial O projeto da experiência 3. Neuroarquitetura na prática A neuro aplicada aos ambientes Neuroarquitetura em ambientes residenciais Definições iniciais de pesquisa e os agentes selecionados Definição e caracterização para a modelagem de ambientes 3D Realidade Virtual e EEG: o relatado e o percebido Processamento de sinais de EEG Biomarcador de Valência Emocional Índice de Memória Índice de Atenção E para concluir... Considerações finais sobre a pesquisa Experiência da neurociência em ambiente urbano Captação de dados encefálicos A pesquisa com Josefa (nome fictício) A Pesquisa com João (nome fictício) Considerações sobre a pesquisa Uma nova forma de projetar Sainsbury Wellcome Centre Majid Al Futtaim Google BH Algumas publicações Conclusão: Um olhar para o futuro Fontes de figuras Referências