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106 BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR – BNCC A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) é um documento de caráter normativo que apresenta para a educação básica um conjunto orgânico e progressivo de aprendizagens essenciais, que definem o que todos os alunos devem desenvolver no decorrer das etapas e modalidades da educação básica, sem que deixem de ser assegurados seus direitos de aprendizagem e desenvolvimento, em conformidade com o Plano Nacional de Educação (PNE). Criada em agosto de 2018 e orientada pelos princípios éticos, políticos e estéticos definidos pelas Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica (DCN’s), a Base vem para somar aos propósitos principais de direcionamento da educação brasileira de formação humana integral e construção de uma sociedade mais justa, democrática e inclusiva. Apesar de ser considerada recente, a BNCC passou por diversas adequações e mudanças nos últimos 30 anos, até chegar a estar como conhecemos hoje, vejamos um histórico de acontecimentos importantes na elaboração da base: - 1988: É promulgada a Constituição da República Federativa do Brasil que prevê, em seu Artigo 210, a Base Nacional Comum Curricular. Art. 210. Serão fixados conteúdos mínimos para o ensino fundamental, de maneira a assegurar formação básica comum e respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais e regionais. - 1996: É aprovada a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que em seu Artigo 26, regulamenta uma base nacional comum para a Educação Básica. 107 - 1997 a 2000: São consolidados, em dez (10) volumes, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) para o Ensino Fundamental, do 1º ao 5º ano (1997); São consolidados, em dez (10) volumes, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) para o Ensino Fundamental, do 6º ao 9º ano (1998); São lançados os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (PCNEM) (2000). - 2008 a 2012: é instituído o Programa Currículo em Movimento para educação básica (2008); Realização da CONAE, falando a respeito da necessidade da BNCC como parte de um PNE (2010); Definição das DCN’s da educação básica (2010); Instituição do Pacto Nacional pela Alfabetização da Idade Certa (PNAIC) (2012). - 2014 A 2016: Regulamentado o Plano Nacional de Educação (PNE), com vigência de 10 (dez) anos. O Plano tem 20 metas para a melhoria da qualidade da Educação Básica e 4 (quatro) delas falam sobre a Base Nacional Comum Curricular (BNC). (2014); Seminário Interinstitucional para elaboração da BNCC; Disponibilizada 1ª versão da BNCC. (2015); Disponibilizada 2ª versão da BNCC. (2016). - 2017 a 2018: CNE apresenta a RESOLUÇÃO CNE/CP Nº 2, DE 22 DE DEZEMBRO DE 2017 que institui e orienta a implantação da Base Nacional Comum Curricular; Em 06 de março de 2018, educadores do Brasil inteiro se debruçaram sobre a Base Nacional Comum Curricular, com foco na parte homologada do documento, correspondente às etapas da Educação Infantil e Ensino Fundamental, com o objetivo de compreender sua implementação e impactos na educação básica brasileira. Fonte: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/historico/ http://basenacionalcomum.mec.gov.br/historico/ 108 A BNCC atualmente é referência nacional na formulação de currículos nos sistemas educacionais dos Estados, Distrito Federal e Municípios, assim como para as propostas pedagógicas, além de contribuir para o alinhamento de diversas políticas e ações em âmbito federal, estadual e municipal. Na educação básica, as aprendizagens definidas pela BNCC devem garantir que se assegurem aos estudantes o desenvolvimento de dez competências gerais, que são definidas como a “mobilização de conhecimentos (conceitos e procedimentos), habilidades (práticas, cognitivas e socioemocionais), atitudes e valores para resolver demandas complexas da vida cotidiana, do pleno exercício da cidadania e do mundo do trabalho.” (BRASIL, 2018). Vejamos abaixo as competências estabelecidas pela BNCC para a educação básica, lembrando que elas inter-relacionam-se e desdobram-se nas disposições didáticas propostas para as três etapas da educação básica (Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio). COMPETÊNCIAS GERAIS DA EDUCAÇÃO BÁSICA 1 - Valorizar e utilizar os conhecimentos historicamente construídos sobre o mundo físico, social, cultural e digital para entender e explicar a realidade, continuar aprendendo e colaborar para a construção de uma sociedade justa, democrática e inclusiva. 2 - Exercitar a curiosidade intelectual e recorrer à abordagem própria das ciências, incluindo a investigação, a reflexão, a análise crítica, a imaginação e a criatividade, para investigar causas, elaborar e testar hipóteses, formular e resolver problemas e criar soluções 109 (inclusive tecnológicas) com base nos conhecimentos das diferentes áreas. 3 - Valorizar e fruir as diversas manifestações artísticas e culturais, das locais às mundiais, e também participar de práticas diversificadas da produção artístico-cultural. 4 - Utilizar diferentes linguagens – verbal (oral ou visual-motora, como Libras, e escrita), corporal, visual, sonora e digital –, bem como conhecimentos das linguagens artística, matemática e científica, para se expressar e partilhar informações, experiências, ideias e sentimentos em diferentes contextos e produzir sentidos que levem ao entendimento mútuo. 5 - Compreender, utilizar e criar tecnologias digitais de informação e comunicação de forma crítica, significativa, reflexiva e ética nas diversas práticas sociais (incluindo as escolares) para se comunicar, acessar e disseminar informações, produzir conhecimentos, resolver problemas e exercer protagonismo e autoria na vida pessoal e coletiva. 6 - Valorizar a diversidade de saberes e vivências culturais e apropriar-se de conhecimentos e experiências que lhe possibilitem entender as relações próprias do mundo do trabalho e fazer escolhas alinhadas ao exercício da cidadania e ao seu projeto de vida, com liberdade, autonomia, consciência crítica e responsabilidade. 7 - Argumentar com base em fatos, dados e informações confiáveis, para formular, negociar e defender ideias, pontos de vista e decisões comuns que respeitem e promovam os direitos humanos, a consciência socioambiental e o consumo responsável em âmbito 110 local, regional e global, com posicionamento ético em relação ao cuidado de si mesmo, dos outros e do planeta. 8 - Conhecer-se, apreciar-se e cuidar de sua saúde física e emocional, compreendendo-se na diversidade humana e reconhecendo suas emoções e as dos outros, com autocrítica e capacidade para lidar com elas. 9 - Exercitar a empatia, o diálogo, a resolução de conflitos e a cooperação, fazendo-se respeitar e promovendo o respeito ao outro e aos direitos humanos, com acolhimento e valorização da diversidade de indivíduos e de grupos sociais, seus saberes, identidades, culturas e potencialidades, sem preconceitos de qualquer natureza. 10 - Agir pessoal e coletivamente com autonomia, responsabilidade, flexibilidade, resiliência e determinação, tomando decisões com base em princípios éticos, democráticos, inclusivos, sustentáveis e solidários. MARCOS LEGAIS QUE EMBASAM A BNCC - Constituição Federal de 1988: Em seu artigo 210, o texto constitucional reconhece que é necessário que sejam “fixados conteúdos mínimos para o ensino fundamental, de maneira a assegurar formação básica comum e respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais e regionais” (BRASIL, 1988). - Lei de Diretrizes e Bases: Afirma no Inciso IV do Artigo 9º, que cabe à União “estabelecer, em colaboração com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, competências e diretrizes para a Educação Infantil, o Ensino Fundamental e o Ensino Médio,que 111 nortearão os currículos e seus conteúdos mínimos, de modo a assegurar formação básica comum (BRASIL, 1996). E no Artigo 26 “os currículos da Educação Infantil, do Ensino Fundamental e do Ensino Médio devem ter base nacional comum, a ser complementada, em cada sistema de ensino e em cada estabelecimento escolar, por uma parte diversificada, exigida pelas características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e dos educandos (BRASIL, 1996). - Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN’s): Artigo 14 “Define Base nacional comum como conhecimentos, saberes e valores produzidos culturalmente, expressos nas políticas publicas e que são gerados nas instituições produtoras do conhecimento cientifico e tecnológico. ( . . . )” - Plano Nacional de Educação (PNE): Reitera a necessidade de se “estabelecer e implantar, mediante pactuação interfederativa [União, Estados, Distrito Federal e Municípios], diretrizes pedagógicas para a educação básica e a base nacional comum dos currículos, com direitos e objetivos de aprendizagem e desenvolvimento dos(as) alunos(as) para cada ano do Ensino Fundamental e Médio, respeitadas as diversidades regional, estadual e local (BRASIL, 2014). Traduzido nas metas 2, 3 e 7. Em seu contexto, a BNCC afirma categoricamente o seu compromisso com a educação integral, reconhecendo que a educação básica deve visar à formação e ao desenvolvimento humano global, que implica a compreensão da complexidade do desenvolvimento humano integral, rompendo com visões reducionistas que prezam apenas ou a dimensão intelectual 112 (cognitiva) ou a dimensão afetiva. Isso implica adotar uma visão plural da educação e singular e integral dos estudantes, considerando-os sujeitos de aprendizagem. A BNCC em relação aos currículos, apresentam uma relação complementar de forma a assegurar as aprendizagens essenciais, visto que essas aprendizagens necessitam da materialização de um conjunto de decisões que caracterizam o currículo em ação para serem concretizadas. Através dessas decisões as proposições da BNCC devem ser adequadas às realidades locais das instituições de ensino, bem como às especificidades dos alunos. Tais decisões são referenciadas na BNCC, entre outras ações, a: contextualizar os conteúdos dos componentes curriculares, identificando estratégias para apresentá-los, representá-los, exemplificá-los, conectá-los e torná-los significativos, com base na realidade do lugar e do tempo nos quais as aprendizagens estão situadas; decidir sobre formas de organização interdisciplinar dos componentes curriculares e fortalecer a competência pedagógica das equipes escolares para adotar estratégias mais dinâmicas, interativas e colaborativas em relação à gestão do ensino e da aprendizagem; selecionar e aplicar metodologias e estratégias didático-pedagógicas diversificadas, recorrendo a ritmos diferenciados e a conteúdos complementares, se necessário, para trabalhar com as necessidades de diferentes grupos de alunos, suas famílias e cultura de origem, suas comunidades, seus grupos de socialização etc.; 113 conceber e pôr em prática situações e procedimentos para motivar e engajar os alunos nas aprendizagens; construir e aplicar procedimentos de avaliação formativa de processo ou de resultado que levem em conta os contextos e as condições de aprendizagem, tomando tais registros como referência para melhorar o desempenho da escola, dos professores e dos alunos; selecionar, produzir, aplicar e avaliar recursos didáticos e tecnológicos para apoiar o processo de ensinar e aprender; criar e disponibilizar materiais de orientação para os professores, bem como manter processos permanentes de formação docente que possibilitem contínuo aperfeiçoamento dos processos de ensino e aprendizagem; manter processos contínuos de aprendizagem sobre gestão pedagógica e curricular para os demais educadores, no âmbito das escolas e sistemas de ensino. Quanto à organização das ações realizadas entre a BNCC e o currículo, estes podem ser entendidos conforme o esquema abaixo: 114 115 Adota uma visão plural valorizando uma educação singular e Define o que todos os alunos devem das etapas e modalidades da BNCC (Educação Básica) Referência nacional na formulação de currículos nos sistemas educacionais dos Estados, Distrito Federal e Municípios Os currículos devem adequar a BNCC à realidade subjetiva de cada instituição. É um documento que orienta a criação de currículos em regime de colaboração. PNE. Documento obrigatório de com a educação integral; Foca no competências. 116 históricos BNCC digitais de informação (Competências gerais) 7- Argumentação cidadania apreciar-se diálogo e resolução de conflitos decisões linguagens 117 BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR PARA A EDUCAÇÃO INFANTIL A Educação Infantil é a primeira etapa da educação básica, e também considerada o primeiro fundamento do processo educacional, esta tem como objetivo ampliar o universo de experiências, conhecimentos e habilidades das crianças, atuando de forma complementar à educação familiar e incentivando novas aprendizagens dentro dos campos de experiência estabelecidos. A base institui que por se tratar de crianças em fase de creche e pré-escola, é muito importante a relação de diálogo e compartilhamento de responsabilidades entre família e instituição de ensino, para além dessa relação, também é apresentado como essencial o trabalho com culturas plurais e expressão da diversidade cultural das famílias e da comunidades. De marco legislativo anterior, o mais marcante para a Educação Infantil e do qual derivam muitos conceitos e alinhamentos da BNCC são as Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Infantil (DCNEI, 2009). Elas definem a criança como “sujeito histórico e de direitos, que, nas interações, relações e práticas cotidianas que vivencia, constrói sua identidade pessoal e coletiva, brinca, imagina, fantasia, deseja, aprende, observa, experimenta, narra, questiona e constrói sentidos sobre a natureza e a sociedade, produzindo cultura” (BRASIL, 2009). A BNCC também estabelece que os eixos estruturantes das práticas pedagógicas da Educação Infantil são as interações e a brincadeira, e tendo em vista esse eixos estruturantes e as competências gerais, a base propõe seis direitos de aprendizagem 118 e desenvolvimento, que asseguram condições que subsidiam a aprendizagem das crianças, são eles: 1- Conviver com outras crianças e adultos, em pequenos e grandes grupos, utilizando diferentes linguagens, ampliando o conhecimento de si e do outro, o respeito em relação à cultura e às diferenças entre as pessoas. 2- Brincar cotidianamente de diversas formas, em diferentes espaços e tempos, com diferentes parceiros (crianças e adultos), ampliando e diversificando seu acesso a produções culturais, seus conhecimentos, sua imaginação, sua criatividade, suas experiências emocionais, corporais, sensoriais, expressivas, cognitivas, sociais e relacionais. 3- Participar ativamente, com adultos e outras crianças, tanto do planejamento da gestão da escola e das atividades propostas pelo educador quanto da realização das atividades da vida cotidiana, tais como a escolha das brincadeiras, dos materiais e dos ambientes, desenvolvendo diferentes linguagens e elaborando conhecimentos, decidindo e se posicionando. 4- Explorar movimentos, gestos, sons, formas, texturas, cores, palavras, emoções, transformações, relacionamentos, histórias, objetos, elementos da natureza, na escola e foradela, ampliando seus saberes sobre a cultura, em suas diversas modalidades: as artes, a escrita, a ciência e a tecnologia. 5- Expressar, como sujeito dialógico, criativo e sensível, suas necessidades, emoções, sentimentos, dúvidas, hipóteses, descobertas, opiniões, questionamentos, por meio de diferentes linguagens. 119 6- Conhecer-se e construir sua identidade pessoal, social e cultural, constituindo uma imagem positiva de si e de seus grupos de pertencimento, nas diversas experiências de cuidados, interações, brincadeiras e linguagens vivenciadas na instituição escolar e em seu contexto familiar e comunitário Fonte: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/abase/#infantil A BNCC também está estruturada em campos de experiência, dentro dos quais são definidos os objetivos de aprendizagem e desenvolvimentos, estes campos de experiência constituem arranjo curricular que inclui situações e experiências concretas da vida cotidiana das crianças, juntando conhecimentos e patrimônio cultural, vejamos: O eu, o outro e o nós – É na interação com os pares e com adultos que as crianças vão constituindo um modo próprio de agir, sentir e pensar e vão descobrindo que existem outros modos de vida, pessoas diferentes, com outros pontos de vista. Conforme vivem suas primeiras experiências sociais (na família, na instituição escolar, na coletividade), constroem percepções e questionamentos sobre si e sobre os outros, diferenciando-se e, simultaneamente, identificando- se como seres individuais e sociais. Ao mesmo tempo que participam de relações sociais e de cuidados pessoais, as crianças constroem sua autonomia e senso de autocuidado, de reciprocidade e de interdependência com o meio. Por sua vez, na Educação Infantil, é preciso criar oportunidades para que as crianças entrem em contato com outros grupos sociais e culturais, outros modos de vida, diferentes atitudes, técnicas e rituais de cuidados http://basenacionalcomum.mec.gov.br/abase/#infantil 120 pessoais e do grupo, costumes, celebrações e narrativas. Nessas experiências, elas podem ampliar o modo de perceber a si mesmas e ao outro, valorizar sua identidade, respeitar os outros e reconhecer as diferenças que nos constituem como seres humanos. Corpo, gestos e movimentos – Com o corpo (por meio dos sentidos, gestos, movimentos impulsivos ou intencionais, coordenados ou espontâneos), as crianças, desde cedo, exploram o mundo, o espaço e os objetos do seu entorno, estabelecem relações, expressam-se, brincam e produzem conhecimentos sobre si, sobre o outro, sobre o universo social e cultural, tornando-se, progressivamente, conscientes dessa corporeidade. Por meio das diferentes linguagens, como a música, a dança, o teatro, as brincadeiras de faz de conta, elas se comunicam e se expressam no entrelaçamento entre corpo, emoção e linguagem. As crianças conhecem e reconhecem as sensações e funções de seu corpo e, com seus gestos e movimentos, identificam suas potencialidades e seus limites, desenvolvendo, ao mesmo tempo, a consciência sobre o que é seguro e o que pode ser um risco à sua integridade física. Na Educação Infantil, o corpo das crianças ganha centralidade, pois ele é o partícipe privilegiado das práticas pedagógicas de cuidado físico, orientadas para a emancipação e a liberdade, e não para a submissão. Assim, a instituição escolar precisa promover oportunidades ricas para que as crianças possam, sempre animadas pelo espírito lúdico e na interação com seus pares, explorar e vivenciar um amplo repertório de movimentos, gestos, olhares, sons e mímicas com o corpo, para descobrir variados modos de ocupação e uso do espaço com o corpo (tais como sentar com apoio, rastejar, 121 engatinhar, escorregar, caminhar apoiando-se em berços, mesas e cordas, saltar, escalar, equilibrar-se, correr, dar cambalhotas, alongar-se etc.). Traços, sons, cores e formas – Conviver com diferentes manifestações artísticas, culturais e científicas, locais e universais, no cotidiano da instituição escolar, possibilita às crianças, por meio de experiências diversificadas, vivenciar diversas formas de expressão e linguagens, como as artes visuais (pintura, modelagem, colagem, fotografia etc.), a música, o teatro, a dança e o audiovisual, entre outras. Com base nessas experiências, elas se expressam por várias linguagens, criando suas próprias produções artísticas ou culturais, exercitando a autoria (coletiva e individual) com sons, traços, gestos, danças, mímicas, encenações, canções, desenhos, modelagens, manipulação de diversos materiais e de recursos tecnológicos. Essas experiências contribuem para que, desde muito pequenas, as crianças desenvolvam senso estético e crítico, o conhecimento de si mesmas, dos outros e da realidade que as cerca. Portanto, a Educação Infantil precisa promover a participação das crianças em tempos e espaços para a produção, manifestação e apreciação artística, de modo a favorecer o desenvolvimento da sensibilidade, da criatividade e da expressão pessoal das crianças, permitindo que se apropriem e reconfigurem, permanentemente, a cultura e potencializem suas singularidades, ao ampliar repertórios e interpretar suas experiências e vivências artísticas. Escuta, fala, pensamento e imaginação – Desde o nascimento, as crianças participam de situações comunicativas cotidianas com as pessoas com as quais interagem. As primeiras 122 formas de interação do bebê são os movimentos do seu corpo, o olhar, a postura corporal, o sorriso, o choro e outros recursos vocais, que ganham sentido com a interpretação do outro. Progressivamente, as crianças vão ampliando e enriquecendo seu vocabulário e demais recursos de expressão e de compreensão, apropriando-se da língua materna – que se torna, pouco a pouco, seu veículo privilegiado de interação. Na Educação Infantil, é importante promover experiências nas quais as crianças possam falar e ouvir, potencializando sua participação na cultura oral, pois é na escuta de histórias, na participação em conversas, nas descrições, nas narrativas elaboradas individualmente ou em grupo e nas implicações com as múltiplas linguagens que a criança se constitui ativamente como sujeito singular e pertencente a um grupo social. Desde cedo, a criança manifesta curiosidade com relação à cultura escrita: ao ouvir e acompanhar a leitura de textos, ao observar os muitos textos que circulam no contexto familiar, comunitário e escolar, ela vai construindo sua concepção de língua escrita, reconhecendo diferentes usos sociais da escrita, dos gêneros, suportes e portadores. Na Educação Infantil, a imersão na cultura escrita deve partir do que as crianças conhecem e das curiosidades que deixam transparecer. As experiências com a literatura infantil, propostas pelo educador, mediador entre os textos e as crianças, contribuem para o desenvolvimento do gosto pela leitura, do estímulo à imaginação e da ampliação do conhecimento de mundo. Além disso, o contato com histórias, contos, fábulas, poemas, cordéis etc. propicia a familiaridade com livros, com diferentes gêneros literários, a diferenciação entre ilustrações e escrita, a aprendizagem da 123 direção da escrita e as formas corretas de manipulação de livros. Nesse convívio com textos escritos, as crianças vão construindo hipóteses sobre a escrita que se revelam, inicialmente, em rabiscos e garatujas e, à medida que vão conhecendo letras, em escritas espontâneas, não convencionais, mas já indicativas da compreensão da escrita como sistema de representação da língua. Espaços, tempos, quantidades, relações e transformações – As crianças vivem inseridas em espaços e tempos de diferentes dimensões, em um mundo constituído de fenômenos naturais e socioculturais. Desde muito pequenas, elas procuram se situar em diversosespaços (rua, bairro, cidade etc.) e tempos (dia e noite; hoje, ontem e amanhã etc.). Demonstram também curiosidade sobre o mundo físico (seu próprio corpo, os fenômenos atmosféricos, os animais, as plantas, as transformações da natureza, os diferentes tipos de materiais e as possibilidades de sua manipulação etc.) e o mundo sociocultural (as relações de parentesco e sociais entre as pessoas que conhece; como vivem e em que trabalham essas pessoas; quais suas tradições e seus costumes; a diversidade entre elas etc.). Além disso, nessas experiências e em muitas outras, as crianças também se deparam, frequentemente, com conhecimentos matemáticos (contagem, ordenação, relações entre quantidades, dimensões, medidas, comparação de pesos e de comprimentos, avaliação de distâncias, reconhecimento de formas geométricas, conhecimento e reconhecimento de numerais cardinais e ordinais etc.) que igualmente aguçam a curiosidade. Portanto, a Educação Infantil precisa promover experiências nas quais as crianças possam fazer 124 observações, manipular objetos, investigar e explorar seu entorno, levantar hipóteses e consultar fontes de informação para buscar respostas às suas curiosidades e indagações. Assim, a instituição escolar está criando oportunidades para que as crianças ampliem seus conhecimentos do mundo físico e sociocultural e possam utilizá- los em seu cotidiano. Fonte: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/abase/#infantil/os- campos-de-experiencias Os campos de experiência propões objetivos de aprendizagem de acordo com as especificidades dos alunos por faixa etária, esses grupos estão sequenciados em três grupos por faixa etária, são eles: - Bebês (0 a 1 anos e 6 meses); - Crianças bem pequenas (1 ano e 7 meses a 3 anos e 11 meses); - Crianças pequenas (4 anos a 5 anos e 11 meses). De acordo com a BNCC é importante também observar e registrar o percurso da aprendizagem de todos os alunos individualmente e como um grupo, criando registros diversos das experiências vividas pelas crianças na escola, como forma de demonstração à família e de revisitação dos momentos pelos alunos. http://basenacionalcomum.mec.gov.br/abase/%23infantil/os- Eixos estruturantes: - As interações; - A brincadeira. Direitos de aprendizagem: 1 - Conviver; 2 - Brincar; 3 - Participar; 4 - Explorar; 5 - Expressar; 6 - Conhecer-se BNCC (Educação Infantil) 125 - Ampliação do universo de experiências; - Essencial relação de diálogo e compartilhamento entre família e instituição de ensino; - Trabalho com culturas plurais e expressão da diversidade; - A criança como sujeito histórico e de direitos. Avaliação e registros do percurso individual e do grupo na E.I. Faixas etárias: - Bebês (0 – 1 anos e 6 meses); - Crianças bem pequenas (1 anos e 7 meses – 3 anos e 11 meses); - Crianças pequenas (4 anos – 5 anos e 11 meses). Primeiros fundamentos para o processo educacional. Campos de experiência: movimentos; formas; pensamento e quantidades, relações e transformações. 126 BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR NO CONTEXTO DA EDUCAÇÃO BÁSICA O Ensino Fundamental é a etapa mais longa da educação básica, tendo 9 anos de duração e atendendo alunos entre 6 e 14 anos, dividida em anos iniciais (1º ao º ano) e anos finais (6º ao 9º ano), se tratando de uma etapa diversificada tanto em faixas etárias, quando aspectos de desenvolvimento, todos esses aspectos impõem desafios à elaboração de currículos nessa etapa de escolarização. De acordo com o que destacam as DCN’s o desenvolvimento das habilidades e da autonomia dos alunos, acontece através da interação com o espaço, a relação com múltiplas linguagens e uso social da escrita e da matemática, permitindo a participação no mundo letrado e construção de novas aprendizagens. Nos anos iniciais do Ensino Fundamental, o foco deve ser a alfabetização, proporcionando aos alunos amplas oportunidades de apropriação do sistema de escrita alfabética, como aponta o Parecer CNE/CEB nº 11/2010, “os conteúdos dos diversos componentes curriculares [...], ao descortinarem às crianças o conhecimento do mundo por meio de novos olhares, lhes oferecem oportunidades de exercitar a leitura e a escrita de um modo mais significativo” (BRASIL, 2010). Nos anos finais é importante retomar e ressignificar as aprendizagens dos anos iniciais no contexto das diferentes áreas, de modo a aprofundar a ampliar o repertório dos estudantes, além da importância de incentivo à autonomia e aquisição de valores morais e éticos. 127 A BNCC apresenta áreas de conhecimento que devem ser trabalhadas no ensino fundamental. A primeira é a Área de Linguagens, composta pelos seguintes componentes curriculares: Língua Portuguesa, Arte, Educação Física e nos anos finais Língua Inglesa. Esses componentes devem garantir aos alunos o desenvolvimento de competências específicas. 1. Compreender as linguagens como construção humana, histórica, social e cultural, de natureza dinâmica, reconhecendo-as e valorizando-as como formas de significação da realidade e expressão de subjetividades e identidades sociais e culturais. 2. Conhecer e explorar diversas práticas de linguagem (artísticas, corporais e linguísticas) em diferentes campos da atividade humana para continuar aprendendo, ampliar suas possibilidades de participação na vida social e colaborar para a construção de uma sociedade mais justa, democrática e inclusiva. 3. Utilizar diferentes linguagens – verbal (oral ou visual-motora, como Libras, e escrita), corporal, visual, sonora e digital –, para se expressar e partilhar informações, experiências, ideias e sentimentos em diferentes contextos e produzir sentidos que levem ao diálogo, à resolução de conflitos e à cooperação. 4. Utilizar diferentes linguagens para defender pontos de vista que respeitem o outro e promovam os direitos humanos, a consciência socioambiental e o consumo responsável em âmbito local, regional e global, atuando criticamente frente a questões do mundo contemporâneo. 128 5. Desenvolver o senso estético para reconhecer, fruir e respeitar as diversas manifestações artísticas e culturais, das locais às mundiais, inclusive aquelas pertencentes ao patrimônio cultural da humanidade, bem como participar de práticas diversificadas, individuais e coletivas, da produção artístico-cultural, com respeito à diversidade de saberes, identidades e culturas. 6. Compreender e utilizar tecnologias digitais de informação e comunicação de forma crítica, significativa, reflexiva e ética nas diversas práticas sociais (incluindo as escolares), para se comunicar por meio das diferentes linguagens e mídias, produzir conhecimentos, resolver problemas e desenvolver projetos autorais e coletivos. A área de Matemática é citada na BNCC como sendo necessária para todos os alunos da Educação Básica, por sua grande aplicabilidade na sociedade e potencialidade de formação cidadã. Além de não se restringir apenas à quantificação e cálculos, esta também é responsável pela criação de sistemas abstratos, organizar e inter-relacionar espaço, movimento, formas e números dos mais variados contextos. A área de Matemática é composta pelos seguintes componentes curriculares: Aritmética, Álgebra, Geometria, Estatística e Probabilidade. De acordo com a BNCC (2017) “O Ensino Fundamental deve ter compromisso com o desenvolvimento do letramento matemático45, definido como as competências e habilidades de raciocinar, representar, comunicar e argumentar 129 matematicamente, de modo a favorecer o estabelecimento de conjecturas, a formulação e a resolução de problemas em uma variedade de contextos, utilizando conceitos, procedimentos, fatos e ferramentas matemáticas.”O componente curricular Matemática deve assegurar aos alunos as seguintes competências. 1. Reconhecer que a Matemática é uma ciência humana, fruto das necessidades e preocupações de diferentes culturas, em diferentes momentos históricos, e é uma ciência viva, que contribui para solucionar problemas científicos e tecnológicos e para alicerçar descobertas e construções, inclusive com impactos no mundo do trabalho. 2. Desenvolver o raciocínio lógico, o espírito de investigação e a capacidade de produzir argumentos convincentes, recorrendo aos conhecimentos matemáticos para compreender e atuar no mundo. 3. Compreender as relações entre conceitos e procedimentos dos diferentes campos da Matemática (Aritmética, Álgebra, Geometria, Estatística e Probabilidade) e de outras áreas do conhecimento, sentindo segurança quanto à própria capacidade de construir e aplicar conhecimentos matemáticos, desenvolvendo a autoestima e a perseverança na busca de soluções. 4. Fazer observações sistemáticas de aspectos quantitativos e qualitativos presentes nas práticas sociais e culturais, de modo a investigar, organizar, representar e comunicar informações relevantes, para interpretá-las e avaliá-las crítica e eticamente, produzindo argumentos convincentes. 130 5. Utilizar processos e ferramentas matemáticas, inclusive tecnologias digitais disponíveis, para modelar e resolver problemas cotidianos, sociais e de outras áreas de conhecimento, validando estratégias e resultados. 6. Enfrentar situações-problema em múltiplos contextos, incluindo-se situações imaginadas, não diretamente relacionadas com o aspecto prático-utilitário, expressar suas respostas e sintetizar conclusões, utilizando diferentes registros e linguagens (gráficos, tabelas, esquemas, além de texto escrito na língua materna e outras linguagens para descrever algoritmos, como fluxogramas, e dados). 7. Desenvolver e/ou discutir projetos que abordem, sobretudo, questões de urgência social, com base em princípios éticos, democráticos, sustentáveis e solidários, valorizando a diversidade de opiniões de indivíduos e de grupos sociais, sem preconceitos de qualquer natureza. 8. Interagir com seus pares de forma cooperativa, trabalhando coletivamente no planejamento e desenvolvimento de pesquisas para responder a questionamentos e na busca de soluções para problemas, de modo a identificar aspectos consensuais ou não na discussão de uma determinada questão, respeitando o modo de pensar dos colegas e aprendendo com eles. A área de Ciências da Natureza tem como objetivo o desenvolvimento do letramento científico, a forma com que os alunos desenvolvem a capacidade de compreender a interpretar o mundo (natural, social e tecnológico) e também de transformação através 131 dos processos científicos. As competências a serem desenvolvidas nessa área são as seguintes. 1. Compreender as Ciências da Natureza como empreendimento humano, e o conhecimento científico como provisório, cultural e histórico. 2. Compreender conceitos fundamentais e estruturas explicativas das Ciências da Natureza, bem como dominar processos, práticas e procedimentos da investigação científica, de modo a sentir segurança no debate de questões científicas, tecnológicas, socioambientais e do mundo do trabalho, continuar aprendendo e colaborar para a construção de uma sociedade justa, democrática e inclusiva. 3. Analisar, compreender e explicar características, fenômenos e processos relativos ao mundo natural, social e tecnológico (incluindo o digital), como também as relações que se estabelecem entre eles, exercitando a curiosidade para fazer perguntas, buscar respostas e criar soluções (inclusive tecnológicas) com base nos conhecimentos das Ciências da Natureza. 4. Avaliar aplicações e implicações políticas, socioambientais e culturais da ciência e de suas tecnologias para propor alternativas aos desafios do mundo contemporâneo, incluindo aqueles relativos ao mundo do trabalho. 5. Construir argumentos com base em dados, evidências e informações confiáveis e negociar e defender ideias e pontos de vista que promovam a consciência socioambiental e o respeito a si próprio e 132 ao outro, acolhendo e valorizando a diversidade de indivíduos e de grupos sociais, sem preconceitos de qualquer natureza. 6. Utilizar diferentes linguagens e tecnologias digitais de informação e comunicação para se comunicar, acessar e disseminar informações, produzir conhecimentos e resolver problemas das Ciências da Natureza de forma crítica, significativa, reflexiva e ética. 7. Conhecer, apreciar e cuidar de si, do seu corpo e bem-estar, compreendendo-se na diversidade humana, fazendo-se respeitar e respeitando o outro, recorrendo aos conhecimentos das Ciências da Natureza e às suas tecnologias. 8. Agir pessoal e coletivamente com respeito, autonomia, responsabilidade, flexibilidade, resiliência e determinação, recorrendo aos conhecimentos das Ciências da Natureza para tomar decisões frente a questões científico-tecnológicas e socioambientais e a respeito da saúde individual e coletiva, com base em princípios éticos, democráticos, sustentáveis e solidários. A área de Ciências Humanas, visa contribuir para o desenvolvimento das noções de tempo e espaço, partindo da ideia na qual se baseia o raciocínio espaço-temporal, em que o ser humano produz o espaço em que vive, apropriando-se dele em circunstâncias históricas. O ensino das ciências humanas deve instigar uma atitude investigativa da realidade política, social e cultural, econômica e ambiental. A área de Ciências Humanas apresenta dois 133 componentes: Geografia e História, e as seguintes competências específicas. 1. Compreender a si e ao outro como identidades diferentes, de forma a exercitar o respeito à diferença em uma sociedade plural e promover os direitos humanos. 2. Analisar o mundo social, cultural e digital e o meio técnico-científico- informacional com base nos conhecimentos das Ciências Humanas, considerando suas variações de significado no tempo e no espaço, para intervir em situações do cotidiano e se posicionar diante de problemas do mundo contemporâneo. 3. Identificar, comparar e explicar a intervenção do ser humano na natureza e na sociedade, exercitando a curiosidade e propondo ideias e ações que contribuam para a transformação espacial, social e cultural, de modo a participar efetivamente das dinâmicas da vida social. 4. Interpretar e expressar sentimentos, crenças e dúvidas com relação a si mesmo, aos outros e às diferentes culturas, com base nos instrumentos de investigação das Ciências Humanas, promovendo o acolhimento e a valorização da diversidade de indivíduos e de grupos sociais, seus saberes, identidades, culturas e potencialidades, sem preconceitos de qualquer natureza. 5. Comparar eventos ocorridos simultaneamente no mesmo espaço e em espaços variados, e eventos ocorridos em tempos diferentes no mesmo espaço e em espaços variados. 134 6. Construir argumentos, com base nos conhecimentos das Ciências Humanas, para negociar e defender ideias e opiniões que respeitem e promovam os direitos humanos e a consciência socioambiental, exercitando a responsabilidade e o protagonismo voltados para o bem comum e a construção de uma sociedade justa, democrática e inclusiva. 7. Utilizar as linguagens cartográfica, gráfica e iconográfica e diferentes gêneros textuais e tecnologias digitais de informação e comunicação no desenvolvimento do raciocínio espaço-temporal relacionado a localização, distância, direção, duração, simultaneidade, sucessão, ritmo e conexão. A área de Ensino Religioso na Educação Básica, é estabelecida como componente curricular de oferta obrigatória, mas a matrícula é facultativa, cuja função educacional é a de assegurar o respeitoà diversidade cultural religiosa, sem proselitismos e deve garantir aos alunos o desenvolvimento das seguintes competências específicas. 1. Conhecer os aspectos estruturantes das diferentes tradições/movimentos religiosos e filosofias de vida, a partir de pressupostos científicos, filosóficos, estéticos e éticos. 2. Compreender, valorizar e respeitar as manifestações religiosas e filosofias de vida, suas experiências e saberes, em diferentes tempos, espaços e territórios. 3. Reconhecer e cuidar de si, do outro, da coletividade e da natureza, enquanto expressão de valor da vida. 135 4. Conviver com a diversidade de crenças, pensamentos, convicções, modos de ser e viver. 5. Analisar as relações entre as tradições religiosas e os campos da cultura, da política, da economia, da saúde, da ciência, da tecnologia e do meio ambiente. 6. Debater, problematizar e posicionar-se frente aos discursos e práticas de intolerância, discriminação e violência de cunho religioso, de modo a assegurar os direitos humanos no constante exercício da cidadania e da cultura de paz. Articulação e na educação desenvolvimento de pensamento 136 BNCC (Ensino Fundamental) conhecimento aprofundam e Áreas de conhecimento: Linguagens; Ciências da Natureza; e aquisição de valores devem ser focados em alfabetização. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO CÂMARA DE EDUCAÇÃO BÁSICA RESOLUÇÃO Nº 5, DE 17 DE DEZEMBRO DE 2009 (*) Fixa as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil O Presidente da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação, no uso de suas atribuições legais, com fundamento no art. 9º, § 1º, alínea “c” da Lei nº 4.024, de 20 de dezembro de 1961, com a redação dada pela Lei nº 9.131, de 25 de novembro de 1995, e tendo em vista o Parecer CNE/CEB nº 20/2009, homologado por Despacho do Senhor Ministro de Estado da Educação, publicado no DOU de 9 de dezembro de 2009, resolve: Art. 1º A presente Resolução institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil a serem observadas na organização de propostas pedagógicas na Educação Infantil. Art. 2º As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil articulam-se com as Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica e reúnem princípios, fundamentos e procedimentos definidos pela Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação, para orientar as políticas públicas na área e a elaboração, planejamento, execução e avaliação de propostas pedagógicas e curriculares. Art. 3º O currículo da Educação Infantil é concebido como um conjunto de práticas que buscam articular as experiências e os saberes das crianças com os conhecimentos que fazem parte do patrimônio cultural, artístico, ambiental, científico e tecnológico, de modo a promover o desenvolvimento integral de crianças de 0 a 5 anos de idade. Art. 4º As propostas pedagógicas da Educação Infantil deverão considerar que a criança, centro do planejamento curricular, é sujeito histórico e de direitos que, nas interações, relações e práticas cotidianas que vivencia, constrói sua identidade pessoal e coletiva, brinca, imagina, fantasia, deseja, aprende, observa, experimenta, narra, questiona e constrói sentidos sobre a natureza e a sociedade, produzindo cultura. Art. 5º A Educação Infantil, primeira etapa da Educação Básica, é oferecida em creches e pré-escolas, as quais se caracterizam como espaços institucionais não domésticos que constituem estabelecimentos educacionais públicos ou privados que educam e cuidam de crianças de 0 a 5 anos de idade no período diurno, em jornada integral ou parcial, regulados e supervisionados por órgão competente do sistema de ensino e submetidos a controle social. § 1º É dever do Estado garantir a oferta de Educação Infantil pública, gratuita e de qualidade, sem requisito de seleção. § 2° É obrigatória a matrícula na Educação Infantil de crianças que completam 4 ou 5 anos até o dia 31 de março do ano em que ocorrer a matrícula. § 3º As crianças que completam 6 anos após o dia 31 de março devem ser matriculadas na Educação Infantil. § 4º A frequência na Educação Infantil não é pré-requisito para a matrícula no Ensino Fundamental. (*) Resolução CNE/CEB 5/2009. Diário Oficial da União, Brasília, 18 de dezembro de 2009, Seção 1, p. 18. § 5º As vagas em creches e pré-escolas devem ser oferecidas próximas às residências das crianças. § 6º É considerada Educação Infantil em tempo parcial, a jornada de, no mínimo, quatro horas diárias e, em tempo integral, a jornada com duração igual ou superior a sete horas diárias, compreendendo o tempo total que a criança permanece na instituição. Art. 6º As propostas pedagógicas de Educação Infantil devem respeitar os seguintes princípios: I – Éticos: da autonomia, da responsabilidade, da solidariedade e do respeito ao bem comum, ao meio ambiente e às diferentes culturas, identidades e singularidades. II – Políticos: dos direitos de cidadania, do exercício da criticidade e do respeito à ordem democrática. III – Estéticos: da sensibilidade, da criatividade, da ludicidade e da liberdade de expressão nas diferentes manifestações artísticas e culturais. Art. 7º Na observância destas Diretrizes, a proposta pedagógica das instituições de Educação Infantil deve garantir que elas cumpram plenamente sua função sociopolítica e pedagógica: I - oferecendo condições e recursos para que as crianças usufruam seus direitos civis, humanos e sociais; II - assumindo a responsabilidade de compartilhar e complementar a educação e cuidado das crianças com as famílias; III - possibilitando tanto a convivência entre crianças e entre adultos e crianças quanto a ampliação de saberes e conhecimentos de diferentes naturezas; IV - promovendo a igualdade de oportunidades educacionais entre as crianças de diferentes classes sociais no que se refere ao acesso a bens culturais e às possibilidades de vivência da infância; V - construindo novas formas de sociabilidade e de subjetividade comprometidas com a ludicidade, a democracia, a sustentabilidade do planeta e com o rompimento de relações de dominação etária, socioeconômica, étnico-racial, de gênero, regional, linguística e religiosa. Art. 8º A proposta pedagógica das instituições de Educação Infantil deve ter como objetivo garantir à criança acesso a processos de apropriação, renovação e articulação de conhecimentos e aprendizagens de diferentes linguagens, assim como o direito à proteção, à saúde, à liberdade, à confiança, ao respeito, à dignidade, à brincadeira, à convivência e à interação com outras crianças. § 1º Na efetivação desse objetivo, as propostas pedagógicas das instituições de Educação Infantil deverão prever condições para o trabalho coletivo e para a organização de materiais, espaços e tempos que assegurem: I - a educação em sua integralidade, entendendo o cuidado como algo indissociável ao processo educativo; II - a indivisibilidade das dimensões expressivo-motora, afetiva, cognitiva, linguística, ética, estética e sociocultural da criança; III - a participação, o diálogo e a escuta cotidiana das famílias, o respeito e a valorização de suas formas de organização; 2 IV - o estabelecimento de uma relação efetiva com a comunidade local e de mecanismos que garantam a gestão democrática e a consideração dos saberes da comunidade; V - o reconhecimento das especificidades etárias, das singularidades individuais e coletivas das crianças, promovendo interações entre crianças de mesma idade e crianças de diferentes idades; VI - os deslocamentos e os movimentos amplos das crianças nos espaços internos e externos às salas de referência das turmas e à instituição; VII - a acessibilidadede espaços, materiais, objetos, brinquedos e instruções para as crianças com deficiência, transtornos globais de desenvolvimento e altas habilidades/superdotação; VIII - a apropriação pelas crianças das contribuições histórico-culturais dos povos indígenas, afrodescendentes, asiáticos, europeus e de outros países da América; IX - o reconhecimento, a valorização, o respeito e a interação das crianças com as histórias e as culturas africanas, afro-brasileiras, bem como o combate ao racismo e à discriminação; X - a dignidade da criança como pessoa humana e a proteção contra qualquer forma de violência – física ou simbólica – e negligência no interior da instituição ou praticadas pela família, prevendo os encaminhamentos de violações para instâncias competentes. § 2º Garantida a autonomia dos povos indígenas na escolha dos modos de educação de suas crianças de 0 a 5 anos de idade, as propostas pedagógicas para os povos que optarem pela Educação Infantil devem: I - proporcionar uma relação viva com os conhecimentos, crenças, valores, concepções de mundo e as memórias de seu povo; II - reafirmar a identidade étnica e a língua materna como elementos de constituição das crianças; III - dar continuidade à educação tradicional oferecida na família e articular-se às práticas sócio-culturais de educação e cuidado coletivos da comunidade; IV - adequar calendário, agrupamentos etários e organização de tempos, atividades e ambientes de modo a atender as demandas de cada povo indígena. § 3º - As propostas pedagógicas da Educação Infantil das crianças filhas de agricultores familiares, extrativistas, pescadores artesanais, ribeirinhos, assentados e acampados da reforma agrária, quilombolas, caiçaras, povos da floresta, devem: I - reconhecer os modos próprios de vida no campo como fundamentais para a constituição da identidade das crianças moradoras em territórios rurais; II - ter vinculação inerente à realidade dessas populações, suas culturas, tradições e identidades, assim como a práticas ambientalmente sustentáveis; III - flexibilizar, se necessário, calendário, rotinas e atividades respeitando as diferenças quanto à atividade econômica dessas populações; IV - valorizar e evidenciar os saberes e o papel dessas populações na produção de conhecimentos sobre o mundo e sobre o ambiente natural; V - prever a oferta de brinquedos e equipamentos que respeitem as características ambientais e socioculturais da comunidade. 3 Art. 9º As práticas pedagógicas que compõem a proposta curricular da Educação Infantil devem ter como eixos norteadores as interações e a brincadeira, garantindo experiências que: I - promovam o conhecimento de si e do mundo por meio da ampliação de experiências sensoriais, expressivas, corporais que possibilitem movimentação ampla, expressão da individualidade e respeito pelos ritmos e desejos da criança; II - favoreçam a imersão das crianças nas diferentes linguagens e o progressivo domínio por elas de vários gêneros e formas de expressão: gestual, verbal, plástica, dramática e musical; III - possibilitem às crianças experiências de narrativas, de apreciação e interação com a linguagem oral e escrita, e convívio com diferentes suportes e gêneros textuais orais e escritos; IV - recriem, em contextos significativos para as crianças, relações quantitativas, medidas, formas e orientações espaçotemporais; V - ampliem a confiança e a participação das crianças nas atividades individuais e coletivas; VI - possibilitem situações de aprendizagem mediadas para a elaboração da autonomia das crianças nas ações de cuidado pessoal, auto-organização, saúde e bem-estar; VII - possibilitem vivências éticas e estéticas com outras crianças e grupos culturais, que alarguem seus padrões de referência e de identidades no diálogo e reconhecimento da diversidade; VIII - incentivem a curiosidade, a exploração, o encantamento, o questionamento, a indagação e o conhecimento das crianças em relação ao mundo físico e social, ao tempo e à natureza; IX - promovam o relacionamento e a interação das crianças com diversificadas manifestações de música, artes plásticas e gráficas, cinema, fotografia, dança, teatro, poesia e literatura; X - promovam a interação, o cuidado, a preservação e o conhecimento da biodiversidade e da sustentabilidade da vida na Terra, assim como o não desperdício dos recursos naturais; XI - propiciem a interação e o conhecimento pelas crianças das manifestações e tradições culturais brasileiras; XII - possibilitem a utilização de gravadores, projetores, computadores, máquinas fotográficas, e outros recursos tecnológicos e midiáticos. Parágrafo único - As creches e pré-escolas, na elaboração da proposta curricular, de acordo com suas características, identidade institucional, escolhas coletivas e particularidades pedagógicas, estabelecerão modos de integração dessas experiências. Art. 10. As instituições de Educação Infantil devem criar procedimentos para acompanhamento do trabalho pedagógico e para avaliação do desenvolvimento das crianças, sem objetivo de seleção, promoção ou classificação, garantindo: I - a observação crítica e criativa das atividades, das brincadeiras e interações das crianças no cotidiano; 4 II - utilização de múltiplos registros realizados por adultos e crianças (relatórios, fotografias, desenhos, álbuns etc.); III - a continuidade dos processos de aprendizagens por meio da criação de estratégias adequadas aos diferentes momentos de transição vividos pela criança (transição casa/instituição de Educação Infantil, transições no interior da instituição, transição creche/pré-escola e transição pré-escola/Ensino Fundamental); IV - documentação específica que permita às famílias conhecer o trabalho da instituição junto às crianças e os processos de desenvolvimento e aprendizagem da criança na Educação Infantil; V - a não retenção das crianças na Educação Infantil. Art. 11. Na transição para o Ensino Fundamental a proposta pedagógica deve prever formas para garantir a continuidade no processo de aprendizagem e desenvolvimento das crianças, respeitando as especificidades etárias, sem antecipação de conteúdos que serão trabalhados no Ensino Fundamental. Art. 12. Cabe ao Ministério da Educação elaborar orientações para a implementação dessas Diretrizes. Art. 13. A presente Resolução entrará em vigor na data de sua publicação, revogando-se as disposições em contrário, especialmente a Resolução CNE/CEB nº 1/99. CESAR CALLEGARI 5 MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO CÂMARA DE EDUCAÇÃO BÁSICA RESOLUÇÃO Nº 7, DE 14 DE DEZEMBRODE 2010 (*) Fixa Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental de 9 (nove) anos. O Presidente da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação, de conformidade com o disposto na alínea “c” do § 1º do art. 9º da Lei nº 4.024/61, com a redação dada pela Lei nº 9.131/95, no art. 32 da Lei nº 9.394/96, na Lei nº 11.274/2006, e com fundamento no Parecer CNE/CEB nº 11/2010, homologado por Despacho do Senhor Ministro de Estado da Educação, publicado no DOU de 9 de dezembro de 2010, resolve: Art. 1º A presente Resolução fixa as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental de 9 (nove) anos a serem observadas na organização curricular dos sistemas de ensino e de suas unidades escolares. Art. 2º As Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental de 9 (nove) anos articulam-se com as Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Básica (Parecer CNE/CEB nº 7/2010 e Resolução CNE/CEB nº 4/2010) e reúnem princípios, fundamentos e procedimentos definidos pelo Conselho Nacional de Educação, para orientar as políticas públicas educacionaise a elaboração, implementação e avaliação das orientações curriculares nacionais, das propostas curriculares dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, e dos projetos político-pedagógicos das escolas. Parágrafo único. Estas Diretrizes Curriculares Nacionais aplicam-se a todas as modalidades do Ensino Fundamental previstas na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, bem como à Educação do Campo, à Educação Escolar Indígena e à Educação Escolar Quilombola. FUNDAMENTOS Art. 3º O Ensino Fundamental se traduz como um direito público subjetivo de cada um e como dever do Estado e da família na sua oferta a todos. Art. 4º É dever do Estado garantir a oferta do Ensino Fundamental público, gratuito e de qualidade, sem requisito de seleção. Parágrafo único. As escolas que ministram esse ensino deverão trabalhar considerando essa etapa da educação como aquela capaz de assegurar a cada um e a todos o acesso ao conhecimento e aos elementos da cultura imprescindíveis para o seu desenvolvimento pessoal e para a vida em sociedade, assim como os benefícios de uma formação comum, independentemente da grande diversidade da população escolar e das demandas sociais. Art. 5º O direito à educação, entendido como um direito inalienável do ser humano, constitui o fundamento maior destas Diretrizes. A educação, ao proporcionar o desenvolvimento do potencial humano, permite o exercício dos direitos civis, políticos, sociais e do direito à diferença, sendo ela mesma também um direito social, e possibilita a formação cidadã e o usufruto dos bens sociais e culturais. § 1º O Ensino Fundamental deve comprometer-se com uma educação com qualidade social, igualmente entendida como direito humano. (*) Resolução CNE/CEB 7/2010. Diário Oficial da União, Brasília, 15 de dezembro de 2010, Seção 1, p. 34. § 2º A educação de qualidade, como um direito fundamental, é, antes de tudo, relevante, pertinente e equitativa. I – A relevância reporta-se à promoção de aprendizagens significativas do ponto de vista das exigências sociais e de desenvolvimento pessoal. II – A pertinência refere-se à possibilidade de atender às necessidades e às características dos estudantes de diversos contextos sociais e culturais e com diferentes capacidades e interesses. III – A equidade alude à importância de tratar de forma diferenciada o que se apresenta como desigual no ponto de partida, com vistas a obter desenvolvimento e aprendizagens equiparáveis, assegurando a todos a igualdade de direito à educação. § 3º Na perspectiva de contribuir para a erradicação da pobreza e das desigualdades, a equidade requer que sejam oferecidos mais recursos e melhores condições às escolas menos providas e aos alunos que deles mais necessitem. Ao lado das políticas universais, dirigidas a todos sem requisito de seleção, é preciso também sustentar políticas reparadoras que assegurem maior apoio aos diferentes grupos sociais em desvantagem. § 4º A educação escolar, comprometida com a igualdade do acesso de todos ao conhecimento e especialmente empenhada em garantir esse acesso aos grupos da população em desvantagem na sociedade, será uma educação com qualidade social e contribuirá para dirimir as desigualdades historicamente produzidas, assegurando, assim, o ingresso, a permanência e o sucesso na escola, com a consequente redução da evasão, da retenção e das distorções de idade/ano/série (Parecer CNE/CEB nº 7/2010 e Resolução CNE/CEB nº 4/2010, que define as Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Básica). PRINCÍPIOS Art. 6º Os sistemas de ensino e as escolas adotarão, como norteadores das políticas educativas e das ações pedagógicas, os seguintes princípios: I – Éticos: de justiça, solidariedade, liberdade e autonomia; de respeito à dignidade da pessoa humana e de compromisso com a promoção do bem de todos, contribuindo para combater e eliminar quaisquer manifestações de preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. II – Políticos: de reconhecimento dos direitos e deveres de cidadania, de respeito ao bem comum e à preservação do regime democrático e dos recursos ambientais; da busca da equidade no acesso à educação, à saúde, ao trabalho, aos bens culturais e outros benefícios; da exigência de diversidade de tratamento para assegurar a igualdade de direitos entre os alunos que apresentam diferentes necessidades; da redução da pobreza e das desigualdades sociais e regionais. III – Estéticos: do cultivo da sensibilidade juntamente com o da racionalidade; do enriquecimento das formas de expressão e do exercício da criatividade; da valorização das diferentes manifestações culturais, especialmente a da cultura brasileira; da construção de identidades plurais e solidárias. Art. 7º De acordo com esses princípios, e em conformidade com o art. 22 e o art. 32 da Lei nº 9.394/96 (LDB), as propostas curriculares do Ensino Fundamental visarão desenvolver o educando, assegurar-lhe a formação comum indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhe os meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores, mediante os objetivos previstos para esta etapa da escolarização, a saber: I – o desenvolvimento da capacidade de aprender, tendo como meios básicos o pleno domínio da leitura, da escrita e do cálculo; II – a compreensão do ambiente natural e social, do sistema político, das artes, da tecnologia e dos valores em que se fundamenta a sociedade; 2 III – a aquisição de conhecimentos e habilidades, e a formação de atitudes e valores como instrumentos para uma visão crítica do mundo; IV – o fortalecimento dos vínculos de família, dos laços de solidariedade humana e de tolerância recíproca em que se assenta a vida social. MATRÍCULA NO ENSINO FUNDAMENTAL DE 9 (NOVE) ANOS E CARGA HORÁRIA Art. 8º O Ensino Fundamental, com duração de 9 (nove) anos, abrange a população na faixa etária dos 6 (seis) aos 14 (quatorze) anos de idade e se estende, também, a todos os que, na idade própria, não tiveram condições de frequentá-lo. § 1º É obrigatória a matrícula no Ensino Fundamental de crianças com 6 (seis) anos completos ou a completar até o dia 31 de março do ano em que ocorrer a matrícula, nos termos da Lei e das normas nacionais vigentes. § 2º As crianças que completarem 6 (seis) anos após essa data deverão ser matriculadas na Educação Infantil (Pré-Escola). § 3º A carga horária mínima anual do Ensino Fundamental regular será de 800 (oitocentas) horas relógio, distribuídas em, pelo menos, 200 (duzentos) dias de efetivo trabalho escolar. CURRÍCULO Art. 9º O currículo do Ensino Fundamental é entendido, nesta Resolução, como constituído pelas experiências escolares que se desdobram em torno do conhecimento, permeadas pelas relações sociais, buscando articular vivências e saberes dos alunos com os conhecimentos historicamente acumulados e contribuindo para construir as identidades dos estudantes. § 1º O foco nas experiências escolares significa que as orientações e as propostas curriculares que provêm das diversas instâncias só terão concretude por meio das ações educativas que envolvem os alunos. § 2º As experiências escolares abrangem todos os aspectos do ambiente escolar:, aqueles que compõem a parte explícita do currículo, bem como os que também contribuem, de forma implícita, para a aquisição de conhecimentos socialmente relevantes. Valores, atitudes, sensibilidade e orientações de conduta são veiculados não só pelos conhecimentos, mas por meio de rotinas, rituais, normas de convívio social, festividades, pela distribuição do tempo e organização do espaço educativo, pelos materiais utilizados na aprendizagem e pelo recreio, enfim, pelas vivências proporcionadaspela escola. § 3º Os conhecimentos escolares são aqueles que as diferentes instâncias que produzem orientações sobre o currículo, as escolas e os professores selecionam e transformam a fim de que possam ser ensinados e aprendidos, ao mesmo tempo em que servem de elementos para a formação ética, estética e política do aluno. BASE NACIONAL COMUM E PARTE DIVERSIFICADA: COMPLEMENTARIDADE Art. 10 O currículo do Ensino Fundamental tem uma base nacional comum, complementada em cada sistema de ensino e em cada estabelecimento escolar por uma parte diversificada. Art. 11 A base nacional comum e a parte diversificada do currículo do Ensino Fundamental constituem um todo integrado e não podem ser consideradas como dois blocos distintos. 3 § 1º A articulação entre a base nacional comum e a parte diversificada do currículo do Ensino Fundamental possibilita a sintonia dos interesses mais amplos de formação básica do cidadão com a realidade local, as necessidades dos alunos, as características regionais da sociedade, da cultura e da economia e perpassa todo o currículo. § 2º Voltados à divulgação de valores fundamentais ao interesse social e à preservação da ordem democrática, os conhecimentos que fazem parte da base nacional comum a que todos devem ter acesso, independentemente da região e do lugar em que vivem, asseguram a característica unitária das orientações curriculares nacionais, das propostas curriculares dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, e dos projetos político-pedagógicos das escolas. § 3º Os conteúdos curriculares que compõem a parte diversificada do currículo serão definidos pelos sistemas de ensino e pelas escolas, de modo a complementar e enriquecer o currículo, assegurando a contextualização dos conhecimentos escolares em face das diferentes realidades. Art. 12 Os conteúdos que compõem a base nacional comum e a parte diversificada têm origem nas disciplinas científicas, no desenvolvimento das linguagens, no mundo do trabalho, na cultura e na tecnologia, na produção artística, nas atividades desportivas e corporais, na área da saúde e ainda incorporam saberes como os que advêm das formas diversas de exercício da cidadania, dos movimentos sociais, da cultura escolar, da experiência docente, do cotidiano e dos alunos. Art. 13 Os conteúdos a que se refere o art. 12 são constituídos por componentes curriculares que, por sua vez, se articulam com as áreas de conhecimento, a saber: Linguagens, Matemática, Ciências da Natureza e Ciências Humanas. As áreas de conhecimento favorecem a comunicação entre diferentes conhecimentos sistematizados e entre estes e outros saberes, mas permitem que os referenciais próprios de cada componente curricular sejam preservados. Art. 14 O currículo da base nacional comum do Ensino Fundamental deve abranger, obrigatoriamente, conforme o art. 26 da Lei nº 9.394/96, o estudo da Língua Portuguesa e da Matemática, o conhecimento do mundo físico e natural e da realidade social e política, especialmente a do Brasil, bem como o ensino da Arte, a Educação Física e o Ensino Religioso. Art. 15 Os componentes curriculares obrigatórios do Ensino Fundamental serão assim organizados em relação às áreas de conhecimento: I – Linguagens: a) Língua Portuguesa; b) Língua Materna, para populações indígenas; c) Língua Estrangeira moderna; d) Arte; e e) Educação Física; II – Matemática; III – Ciências da Natureza; IV – Ciências Humanas: a) História; b) Geografia; V – Ensino Religioso. § 1º O Ensino Fundamental deve ser ministrado em língua portuguesa, assegurada também às comunidades indígenas a utilização de suas línguas maternas e processos próprios de aprendizagem, conforme o art. 210, § 2º, da Constituição Federal. § 2º O ensino de História do Brasil levará em conta as contribuições das diferentes culturas e etnias para a formação do povo brasileiro, especialmente das matrizes indígena, africana e européia (art. 26, § 4º, da Lei nº 9.394/96). 4 § 3º A história e as culturas indígena e afro-brasileira, presentes, obrigatoriamente, nos conteúdos desenvolvidos no âmbito de todo o currículo escolar e, em especial, no ensino de Arte, Literatura e História do Brasil, assim como a História da África, deverão assegurar o conhecimento e o reconhecimento desses povos para a constituição da nação (conforme art. 26-A da Lei nº 9.394/96, alterado pela Lei nº 11.645/2008). Sua inclusão possibilita ampliar o leque de referências culturais de toda a população escolar e contribui para a mudança das suas concepções de mundo, transformando os conhecimentos comuns veiculados pelo currículo e contribuindo para a construção de identidades mais plurais e solidárias. § 4º A Música constitui conteúdo obrigatório, mas não exclusivo, do componente curricular Arte, o qual compreende também as artes visuais, o teatro e a dança, conforme o § 6º do art. 26 da Lei nº 9.394/96. § 5º A Educação Física, componente obrigatório do currículo do Ensino Fundamental, integra a proposta político-pedagógica da escola e será facultativa ao aluno apenas nas circunstâncias previstas no § 3º do art. 26 da Lei nº 9.394/96. § 6º O Ensino Religioso, de matrícula facultativa ao aluno, é parte integrante da formação básica do cidadão e constitui componente curricular dos horários normais das escolas públicas de Ensino Fundamental, assegurado o respeito à diversidade cultural e religiosa do Brasil e vedadas quaisquer formas de proselitismo, conforme o art. 33 da Lei nº 9.394/96. Art. 16 Os componentes curriculares e as áreas de conhecimento devem articular em seus conteúdos, a partir das possibilidades abertas pelos seus referenciais, a abordagem de temas abrangentes e contemporâneos que afetam a vida humana em escala global, regional e local, bem como na esfera individual. Temas como saúde, sexualidade e gênero, vida familiar e social, assim como os direitos das crianças e adolescentes, de acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90), preservação do meio ambiente, nos termos da política nacional de educação ambiental (Lei nº 9.795/99), educação para o consumo, educação fiscal, trabalho, ciência e tecnologia, e diversidade cultural devem permear o desenvolvimento dos conteúdos da base nacional comum e da parte diversificada do currículo. § 1º Outras leis específicas que complementam a Lei nº 9.394/96 determinam que sejam ainda incluídos temas relativos à condição e aos direitos dos idosos (Lei nº 10.741/2003) e à educação para o trânsito (Lei nº 9.503/97). § 2º A transversalidade constitui uma das maneiras de trabalhar os componentes curriculares, as áreas de conhecimento e os temas sociais em uma perspectiva integrada, conforme a Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Básica (Parecer CNE/CEB nº 7/2010 e Resolução CNE/CEB nº 4/2010). § 3º Aos órgãos executivos dos sistemas de ensino compete a produção e a disseminação de materiais subsidiários ao trabalho docente, que contribuam para a eliminação de discriminações, racismo, sexismo, homofobia e outros preconceitos e que conduzam à adoção de comportamentos responsáveis e solidários em relação aos outros e ao meio ambiente. Art. 17 Na parte diversificada do currículo do Ensino Fundamental será incluído, obrigatoriamente, a partir do 6º ano, o ensino de, pelo menos, uma Língua Estrangeira moderna, cuja escolha ficará a cargo da comunidade escolar. Parágrafo único. Entre as línguas estrangeiras modernas, a língua espanhola poderá ser a opção, nos termos da Lei nº 11.161/2005. PROJETO POLÍTICO-PEDAGÓGICO 5 Art. 18 O currículo do Ensino Fundamental com 9 (nove) anos de duração exige a estruturação de um projeto educativo coerente,articulado e integrado, de acordo com os modos de ser e de se desenvolver das crianças e adolescentes nos diferentes contextos sociais. Art. 19 Ciclos, séries e outras formas de organização a que se refere a Lei nº 9.394/96 serão compreendidos como tempos e espaços interdependentes e articulados entre si, ao longo dos 9 (nove) anos de duração do Ensino Fundamental. GESTÃO DEMOCRÁTICA E PARTICIPATIVA COMO GARANTIA DO DIREITO À EDUCAÇÃO Art. 20 As escolas deverão formular o projeto político-pedagógico e elaborar o regimento escolar de acordo com a proposta do Ensino Fundamental de 9 (nove) anos, por meio de processos participativos relacionados à gestão democrática. § 1º O projeto político-pedagógico da escola traduz a proposta educativa construída pela comunidade escolar no exercício de sua autonomia, com base nas características dos alunos, nos profissionais e recursos disponíveis, tendo como referência as orientações curriculares nacionais e dos respectivos sistemas de ensino. § 2º Será assegurada ampla participação dos profissionais da escola, da família, dos alunos e da comunidade local na definição das orientações imprimidas aos processos educativos e nas formas de implementá-las, tendo como apoio um processo contínuo de avaliação das ações, a fim de garantir a distribuição social do conhecimento e contribuir para a construção de uma sociedade democrática e igualitária. § 3º O regimento escolar deve assegurar as condições institucionais adequadas para a execução do projeto político-pedagógico e a oferta de uma educação inclusiva e com qualidade social, igualmente garantida a ampla participação da comunidade escolar na sua elaboração. § 4º O projeto político-pedagógico e o regimento escolar, em conformidade com a legislação e as normas vigentes, conferirão espaço e tempo para que os profissionais da escola e, em especial, os professores, possam participar de reuniões de trabalho coletivo, planejar e executar as ações educativas de modo articulado, avaliar os trabalhos dos alunos, tomar parte em ações de formação continuada e estabelecer contatos com a comunidade. § 5º Na implementação de seu projeto político-pedagógico, as escolas se articularão com as instituições formadoras com vistas a assegurar a formação continuada de seus profissionais. Art. 21 No projeto político-pedagógico do Ensino Fundamental e no regimento escolar, o aluno, centro do planejamento curricular, será considerado como sujeito que atribui sentidos à natureza e à sociedade nas práticas sociais que vivencia, produzindo cultura e construindo sua identidade pessoal e social. Parágrafo único. Como sujeito de direitos, o aluno tomará parte ativa na discussão e na implementação das normas que regem as formas de relacionamento na escola, fornecerá indicações relevantes a respeito do que deve ser trabalhado no currículo e será incentivado a participar das organizações estudantis. Art. 22 O trabalho educativo no Ensino Fundamental deve empenhar-se na promoção de uma cultura escolar acolhedora e respeitosa, que reconheça e valorize as experiências dos alunos atendendo as suas diferenças e necessidades específicas, de modo a contribuir para efetivar a inclusão escolar e o direito de todos à educação. Art. 23 Na implementação do projeto político-pedagógico, o cuidar e o educar, indissociáveis funções da escola, resultarão em ações integradas que buscam articular-se, pedagogicamente, no interior da própria instituição, e também externamente, com os serviços 6 de apoio aos sistemas educacionais e com as políticas de outras áreas, para assegurar a aprendizagem, o bem-estar e o desenvolvimento do aluno em todas as suas dimensões. RELEVÂNCIA DOS CONTEÚDOS, INTEGRAÇÃO E ABORDAGENS Art. 24 A necessária integração dos conhecimentos escolares no currículo favorece a sua contextualização e aproxima o processo educativo das experiências dos alunos. § 1º A oportunidade de conhecer e analisar experiências assentadas em diversas concepções de currículo integrado e interdisciplinar oferecerá aos docentes subsídios para desenvolver propostas pedagógicas que avancem na direção de um trabalho colaborativo, capaz de superar a fragmentação dos componentes curriculares. § 2º Constituem exemplos de possibilidades de integração do currículo, entre outros, as propostas curriculares ordenadas em torno de grandes eixos articuladores, projetos interdisciplinares com base em temas geradores formulados a partir de questões da comunidade e articulados aos componentes curriculares e às áreas de conhecimento, currículos em rede, propostas ordenadas em torno de conceitos-chave ou conceitos nucleares que permitam trabalhar as questões cognitivas e as questões culturais numa perspectiva transversal, e projetos de trabalho com diversas acepções. § 3º Os projetos propostos pela escola, comunidade, redes e sistemas de ensino serão articulados ao desenvolvimento dos componentes curriculares e às áreas de conhecimento, observadas as disposições contidas nas Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Básica (Resolução CNE/CEB nº 4/2010, art. 17) e nos termos do Parecer que dá base à presente Resolução. Art. 25 Os professores levarão em conta a diversidade sociocultural da população escolar, as desigualdades de acesso ao consumo de bens culturais e a multiplicidade de interesses e necessidades apresentadas pelos alunos no desenvolvimento de metodologias e estratégias variadas que melhor respondam às diferenças de aprendizagem entre os estudantes e às suas demandas. Art. 26 Os sistemas de ensino e as escolas assegurarão adequadas condições de trabalho aos seus profissionais e o provimento de outros insumos, de acordo com os padrões mínimos de qualidade referidos no inciso IX do art. 4º da Lei nº 9.394/96 e em normas específicas estabelecidas pelo Conselho Nacional de Educação, com vistas à criação de um ambiente propício à aprendizagem, com base: I – no trabalho compartilhado e no compromisso individual e coletivo dos professores e demais profissionais da escola com a aprendizagem dos alunos; II – no atendimento às necessidades específicas de aprendizagem de cada um mediante abordagens apropriadas; III – na utilização dos recursos disponíveis na escola e nos espaços sociais e culturais do entorno; IV – na contextualização dos conteúdos, assegurando que a aprendizagem seja relevante e socialmente significativa; V – no cultivo do diálogo e de relações de parceria com as famílias. Parágrafo único. Como protagonistas das ações pedagógicas, caberá aos docentes equilibrar a ênfase no reconhecimento e valorização da experiência do aluno e da cultura local que contribui para construir identidades afirmativas, e a necessidade de lhes fornecer instrumentos mais complexos de análise da realidade que possibilitem o acesso a níveis universais de explicação dos fenômenos, propiciando-lhes os meios para transitar entre a sua e outras realidades e culturas e participar de diferentes esferas da vida social, econômica e política. 7 Art. 27 Os sistemas de ensino, as escolas e os professores, com o apoio das famílias e da comunidade, envidarão esforços para assegurar o progresso contínuo dos alunos no que se refere ao seu desenvolvimento pleno e à aquisição de aprendizagens significativas, lançando mão de todos os recursos disponíveis e criando renovadas oportunidades para evitar que a trajetória escolar discente seja retardada ou indevidamente interrompida. § 1º Devem, portanto, adotar as providências necessárias para que a operacionalização do princípio da continuidade não seja traduzida como “promoção automática” de alunos de um ano, série ou ciclo para o seguinte, e para que o combate à repetência não se transformeem descompromisso com o ensino e a aprendizagem. § 2º A organização do trabalho pedagógico incluirá a mobilidade e a flexibilização dos tempos e espaços escolares, a diversidade nos agrupamentos de alunos, as diversas linguagens artísticas, a diversidade de materiais, os variados suportes literários, as atividades que mobilizem o raciocínio, as atitudes investigativas, as abordagens complementares e as atividades de reforço, a articulação entre a escola e a comunidade, e o acesso aos espaços de expressão cultural. Art. 28 A utilização qualificada das tecnologias e conteúdos das mídias como recurso aliado ao desenvolvimento do currículo contribui para o importante papel que tem a escola como ambiente de inclusão digital e de utilização crítica das tecnologias da informação e comunicação, requerendo o aporte dos sistemas de ensino no que se refere à: I – provisão de recursos midiáticos atualizados e em número suficiente para o atendimento aos alunos; II – adequada formação do professor e demais profissionais da escola. ARTICULAÇÕES E CONTINUIDADE DA TRAJETÓRIA ESCOLAR Art. 29 A necessidade de assegurar aos alunos um percurso contínuo de aprendizagens torna imperativa a articulação de todas as etapas da educação, especialmente do Ensino Fundamental com a Educação Infantil, dos anos iniciais e dos anos finais no interior do Ensino Fundamental, bem como do Ensino Fundamental com o Ensino Médio, garantindo a qualidade da Educação Básica. § 1º O reconhecimento do que os alunos já aprenderam antes da sua entrada no Ensino Fundamental e a recuperação do caráter lúdico do ensino contribuirão para melhor qualificar a ação pedagógica junto às crianças, sobretudo nos anos iniciais dessa etapa da escolarização. § 2º Na passagem dos anos iniciais para os anos finais do Ensino Fundamental, especial atenção será dada: I – pelos sistemas de ensino, ao planejamento da oferta educativa dos alunos transferidos das redes municipais para as estaduais; II – pelas escolas, à coordenação das demandas específicas feitas pelos diferentes professores aos alunos, a fim de que os estudantes possam melhor organizar as suas atividades diante das solicitações muito diversas que recebem. Art. 30 Os três anos iniciais do Ensino Fundamental devem assegurar: I – a alfabetização e o letramento; II – o desenvolvimento das diversas formas de expressão, incluindo o aprendizado da Língua Portuguesa, a Literatura, a Música e demais artes, a Educação Física, assim como o aprendizado da Matemática, da Ciência, da História e da Geografia; III – a continuidade da aprendizagem, tendo em conta a complexidade do processo de alfabetização e os prejuízos que a repetência pode causar no Ensino Fundamental como um todo e, particularmente, na passagem do primeiro para o segundo ano de escolaridade e deste para o terceiro. 8 § 1º Mesmo quando o sistema de ensino ou a escola, no uso de sua autonomia, fizerem opção pelo regime seriado, será necessário considerar os três anos iniciais do Ensino Fundamental como um bloco pedagógico ou um ciclo sequencial não passível de interrupção, voltado para ampliar a todos os alunos as oportunidades de sistematização e aprofundamento das aprendizagens básicas, imprescindíveis para o prosseguimento dos estudos. § 2º Considerando as características de desenvolvimento dos alunos, cabe aos professores adotar formas de trabalho que proporcionem maior mobilidade das crianças nas salas de aula e as levem a explorar mais intensamente as diversas linguagens artísticas, a começar pela literatura, a utilizar materiais que ofereçam oportunidades de raciocinar, manuseando-os e explorando as suas características e propriedades. Art. 31 Do 1º ao 5º ano do Ensino Fundamental, os componentes curriculares Educação Física e Arte poderão estar a cargo do professor de referência da turma, aquele com o qual os alunos permanecem a maior parte do período escolar, ou de professores licenciados nos respectivos componentes. § 1º Nas escolas que optarem por incluir Língua Estrangeira nos anos iniciais do Ensino Fundamental, o professor deverá ter licenciatura específica no componente curricular. § 2º Nos casos em que esses componentes curriculares sejam desenvolvidos por professores com licenciatura específica (conforme Parecer CNE/CEB nº 2/2008), deve ser assegurada a integração com os demais componentes trabalhados pelo professor de referência da turma. AVALIAÇÃO: PARTE INTEGRANTE DO CURRÍCULO Art. 32 A avaliação dos alunos, a ser realizada pelos professores e pela escola como parte integrante da proposta curricular e da implementação do currículo, é redimensionadora da ação pedagógica e deve: I – assumir um caráter processual, formativo e participativo, ser contínua, cumulativa e diagnóstica, com vistas a: a) identificar potencialidades e dificuldades de aprendizagem e detectar problemas de ensino; b) subsidiar decisões sobre a utilização de estratégias e abordagens de acordo com as necessidades dos alunos, criar condições de intervir de modo imediato e a mais longo prazo para sanar dificuldades e redirecionar o trabalho docente; c) manter a família informada sobre o desempenho dos alunos; d) reconhecer o direito do aluno e da família de discutir os resultados de avaliação, inclusive em instâncias superiores à escola, revendo procedimentos sempre que as reivindicações forem procedentes. II – utilizar vários instrumentos e procedimentos, tais como a observação, o registro descritivo e reflexivo, os trabalhos individuais e coletivos, os portfólios, exercícios, provas, questionários, dentre outros, tendo em conta a sua adequação à faixa etária e às características de desenvolvimento do educando; III – fazer prevalecer os aspectos qualitativos da aprendizagem do aluno sobre os quantitativos, bem como os resultados ao longo do período sobre os de eventuais provas finais, tal com determina a alínea “a” do inciso V do art. 24 da Lei nº 9.394/96; IV – assegurar tempos e espaços diversos para que os alunos com menor rendimento tenham condições de ser devidamente atendidos ao longo do ano letivo; V – prover, obrigatoriamente, períodos de recuperação, de preferência paralelos ao período letivo, como determina a Lei nº 9.394/96; 9 VI – assegurar tempos e espaços de reposição dos conteúdos curriculares, ao longo do ano letivo, aos alunos com frequência insuficiente, evitando, sempre que possível, a retenção por faltas; VII – possibilitar a aceleração de estudos para os alunos com defasagem idade-série. Art. 33 Os procedimentos de avaliação adotados pelos professores e pela escola serão articulados às avaliações realizadas em nível nacional e às congêneres nos diferentes Estados e Municípios, criadas com o objetivo de subsidiar os sistemas de ensino e as escolas nos esforços de melhoria da qualidade da educação e da aprendizagem dos alunos. § 1º A análise do rendimento dos alunos com base nos indicadores produzidos por essas avaliações deve auxiliar os sistemas de ensino e a comunidade escolar a redimensionarem as práticas educativas com vistas ao alcance de melhores resultados. § 2º A avaliação externa do rendimento dos alunos refere-se apenas a uma parcela restrita do que é trabalhado nas escolas, de sorte que as referências para o currículo devem continuar sendo as contidas nas propostas político-pedagógicas das escolas, articuladas às orientações e propostas curriculares dos sistemas, sem reduzir os seus propósitos ao que é avaliado pelos testes de larga escala. Art. 34 Os sistemas, as redes de ensino e os projetos político-pedagógicos das escolas devem expressar com clareza o que é esperado dos alunos em relação à sua aprendizagem. Art. 35 Os resultados de aprendizagem dos alunos devem ser aliados à avaliação das escolas e de seus professores, tendo em conta osparâmetros de referência dos insumos básicos necessários à educação de qualidade para todos nesta etapa da educação e respectivo custo aluno-qualidade inicial (CAQi), consideradas inclusive as suas modalidades e as formas diferenciadas de atendimento como a Educação do Campo, a Educação Escolar Indígena, a Educação Escolar Quilombola e as escolas de tempo integral. Parágrafo único. A melhoria dos resultados de aprendizagem dos alunos e da qualidade da educação obriga: I – os sistemas de ensino a incrementarem os dispositivos da carreira e de condições de exercício e valorização do magistério e dos demais profissionais da educação e a oferecerem os recursos e apoios que demandam as escolas e seus profissionais para melhorar a sua atuação; II – as escolas a uma apreciação mais ampla das oportunidades educativas por elas oferecidas aos educandos, reforçando a sua responsabilidade de propiciar renovadas oportunidades e incentivos aos que delas mais necessitem. A EDUCAÇÃO EM ESCOLA DE TEMPO INTEGRAL Art. 36 Considera-se como de período integral a jornada escolar que se organiza em 7 (sete) horas diárias, no mínimo, perfazendo uma carga horária anual de, pelo menos, 1.400 (mil e quatrocentas) horas. Parágrafo único. As escolas e, solidariamente, os sistemas de ensino, conjugarão esforços objetivando o progressivo aumento da carga horária mínima diária e, consequentemente, da carga horária anual, com vistas à maior qualificação do processo de ensino-aprendizagem, tendo como horizonte o atendimento escolar em período integral. Art. 37 A proposta educacional da escola de tempo integral promoverá a ampliação de tempos, espaços e oportunidades educativas e o compartilhamento da tarefa de educar e cuidar entre os profissionais da escola e de outras áreas, as famílias e outros atores sociais, sob a coordenação da escola e de seus professores, visando alcançar a melhoria da qualidade da aprendizagem e da convivência social e diminuir as diferenças de acesso ao conhecimento e aos bens culturais, em especial entre as populações socialmente mais vulneráveis. 10 § 1º O currículo da escola de tempo integral, concebido como um projeto educativo integrado, implica a ampliação da jornada escolar diária mediante o desenvolvimento de atividades como o acompanhamento pedagógico, o reforço e o aprofundamento da aprendizagem, a experimentação e a pesquisa científica, a cultura e as artes, o esporte e o lazer, as tecnologias da comunicação e informação, a afirmação da cultura dos direitos humanos, a preservação do meio ambiente, a promoção da saúde, entre outras, articuladas aos componentes curriculares e às áreas de conhecimento, a vivências e práticas socioculturais. § 2º As atividades serão desenvolvidas dentro do espaço escolar conforme a disponibilidade da escola, ou fora dele, em espaços distintos da cidade ou do território em que está situada a unidade escolar, mediante a utilização de equipamentos sociais e culturais aí existentes e o estabelecimento de parcerias com órgãos ou entidades locais, sempre de acordo com o respectivo projeto político-pedagógico. § 3º Ao restituir a condição de ambiente de aprendizagem à comunidade e à cidade, a escola estará contribuindo para a construção de redes sociais e de cidades educadoras. § 4º Os órgãos executivos e normativos da União e dos sistemas estaduais e municipais de educação assegurarão que o atendimento dos alunos na escola de tempo integral possua infraestrutura adequada e pessoal qualificado, além do que, esse atendimento terá caráter obrigatório e será passível de avaliação em cada escola. EDUCAÇÃO DO CAMPO, EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA E EDUCAÇÃO ESCOLAR QUILOMBOLA Art. 38 A Educação do Campo, tratada como educação rural na legislação brasileira, incorpora os espaços da floresta, da pecuária, das minas e da agricultura e se estende, também, aos espaços pesqueiros, caiçaras, ribeirinhos e extrativistas, conforme as Diretrizes para a Educação Básica do Campo (Parecer CNE/CEB nº 36/2001 e Resolução CNE/CEB nº 1/2002; Parecer CNE/CEB nº 3/2008 e Resolução CNE/CEB nº 2/2008). Art. 39 A Educação Escolar Indígena e a Educação Escolar Quilombola são, respectivamente, oferecidas em unidades educacionais inscritas em suas terras e culturas e, para essas populações, estão assegurados direitos específicos na Constituição Federal que lhes permitem valorizar e preservar as suas culturas e reafirmar o seu pertencimento étnico. § 1º As escolas indígenas, atendendo a normas e ordenamentos jurídicos próprios e a Diretrizes Curriculares Nacionais específicas, terão ensino intercultural e bilíngue, com vistas à afirmação e à manutenção da diversidade étnica e linguística, assegurarão a participação da comunidade no seu modelo de edificação, organização e gestão, e deverão contar com materiais didáticos produzidos de acordo com o contexto cultural de cada povo (Parecer CNE/CEB nº 14/99 e Resolução CNE/CEB nº 3/99). § 2º O detalhamento da Educação Escolar Quilombola deverá ser definido pelo Conselho Nacional de Educação por meio de Diretrizes Curriculares Nacionais específicas. Art. 40 O atendimento escolar às populações do campo, povos indígenas e quilombolas requer respeito às suas peculiares condições de vida e a utilização de pedagogias condizentes com as suas formas próprias de produzir conhecimentos, observadas as Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Básica (Parecer CNE/CEB nº 7/2010 e Resolução CNE/CEB nº 4/2010). § 1º As escolas das populações do campo, dos povos indígenas e dos quilombolas, ao contar com a participação ativa das comunidades locais nas decisões referentes ao currículo, estarão ampliando as oportunidades de: I – reconhecimento de seus modos próprios de vida, suas culturas, tradições e memórias coletivas, como fundamentais para a constituição da identidade das crianças, adolescentes e adultos; 11 II – valorização dos saberes e do papel dessas populações na produção de conhecimentos sobre o mundo, seu ambiente natural e cultural, assim como as práticas ambientalmente sustentáveis que utilizam; III – reafirmação do pertencimento étnico, no caso das comunidades quilombolas e dos povos indígenas, e do cultivo da língua materna na escola para estes últimos, como elementos importantes de construção da identidade; IV – flexibilização, se necessário, do calendário escolar, das rotinas e atividades, tendo em conta as diferenças relativas às atividades econômicas e culturais, mantido o total de horas anuais obrigatórias no currículo; V – superação das desigualdades sociais e escolares que afetam essas populações, tendo por garantia o direito à educação; § 2º Os projetos político-pedagógicos das escolas do campo, indígenas e quilombolas devem contemplar a diversidade nos seus aspectos sociais, culturais, políticos, econômicos, éticos e estéticos, de gênero, geração e etnia. § 3º As escolas que atendem a essas populações deverão ser devidamente providas pelos sistemas de ensino de materiais didáticos e educacionais que subsidiem o trabalho com a diversidade, bem como de recursos que assegurem aos alunos o acesso a outros bens culturais e lhes permitam estreitar o contato com outros modos de vida e outras formas de conhecimento. § 4º A participação das populações locais pode também subsidiar as redes escolares e os sistemas de ensino quanto à produção e à oferta de materiais escolares e no que diz respeito a transporte e a equipamentos que atendam as características ambientais e socioculturais das comunidades e as necessidades locais e regionais. EDUCAÇÃO ESPECIAL Art. 41 O projeto político-pedagógico da escola e o regimento escolar, amparados na legislação vigente, deverão contemplara melhoria das condições de acesso e de permanência dos alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades nas classes comuns do ensino regular, intensificando o processo de inclusão nas escolas públicas e privadas e buscando a universalização do atendimento. Parágrafo único. Os recursos de acessibilidade são aqueles que asseguram condições de acesso ao currículo dos alunos com deficiência e mobilidade reduzida, por meio da utilização de materiais didáticos, dos espaços, mobiliários e equipamentos, dos sistemas de comunicação e informação, dos transportes e outros serviços. Art. 42 O atendimento educacional especializado aos alunos da Educação Especial será promovido e expandido com o apoio dos órgãos competentes. Ele não substitui a escolarização, mas contribui para ampliar o acesso ao currículo, ao proporcionar independência aos educandos para a realização de tarefas e favorecer a sua autonomia (conforme Decreto nº 6.571/2008, Parecer CNE/CEB nº 13/2009 e Resolução CNE/CEB nº 4/2009). Parágrafo único. O atendimento educacional especializado poderá ser oferecido no contraturno, em salas de recursos multifuncionais na própria escola, em outra escola ou em centros especializados e será implementado por professores e profissionais com formação especializada, de acordo com plano de atendimento aos alunos que identifique suas necessidades educacionais específicas, defina os recursos necessários e as atividades a serem desenvolvidas. EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS 12 Art. 43 Os sistemas de ensino assegurarão, gratuitamente, aos jovens e adultos que não puderam efetuar os estudos na idade própria, oportunidades educacionais adequadas às suas características, interesses, condições de vida e de trabalho mediante cursos e exames, conforme estabelece o art. 37, § 1º, da Lei nº 9.394/96. Art. 44 A Educação de Jovens e Adultos, voltada para a garantia de formação integral, da alfabetização às diferentes etapas da escolarização ao longo da vida, inclusive àqueles em situação de privação de liberdade, é pautada pela inclusão e pela qualidade social e requer: I – um processo de gestão e financiamento que lhe assegure isonomia em relação ao Ensino Fundamental regular; II – um modelo pedagógico próprio que permita a apropriação e a contextualização das Diretrizes Curriculares Nacionais; III – a implantação de um sistema de monitoramento e avaliação; IV – uma política de formação permanente de seus professores; V – maior alocação de recursos para que seja ministrada por docentes licenciados. Art. 45 A idade mínima para o ingresso nos cursos de Educação de Jovens e Adultos e para a realização de exames de conclusão de EJA será de 15 (quinze) anos completos (Parecer CNE/CEB nº 6/2010 e Resolução CNE/CEB nº 3/2010). Parágrafo único. Considerada a prioridade de atendimento à escolarização obrigatória, para que haja oferta capaz de contemplar o pleno atendimento dos adolescentes, jovens e adultos na faixa dos 15 (quinze) anos ou mais, com defasagem idade/série, tanto na sequência do ensino regular, quanto em Educação de Jovens e Adultos, assim como nos cursos destinados à formação profissional, torna-se necessário: I – fazer a chamada ampliada dos estudantes em todas as modalidades do Ensino Fundamental; II – apoiar as redes e os sistemas de ensino a estabelecerem política própria para o atendimento desses estudantes, que considere as suas potencialidades, necessidades, expectativas em relação à vida, às culturas juvenis e ao mundo do trabalho, inclusive com programas de aceleração da aprendizagem, quando necessário; III – incentivar a oferta de Educação de Jovens e Adultos nos períodos diurno e noturno, com avaliação em processo. Art. 46 A oferta de cursos de Educação de Jovens e Adultos, nos anos iniciais do Ensino Fundamental, será presencial e a sua duração ficará a critério de cada sistema de ensino, nos termos do Parecer CNE/CEB nº 29/2006, tal como remete o Parecer CNE/CEB nº 6/2010 e a Resolução CNE/CEB nº 3/2010. Nos anos finais, ou seja, do 6º ano ao 9º ano, os cursos poderão ser presenciais ou a distância, devidamente credenciados, e terão 1.600 (mil e seiscentas) horas de duração. Parágrafo único. Tendo em conta as situações, os perfis e as faixas etárias dos adolescentes, jovens e adultos, o projeto político-pedagógico da escola e o regimento escolar viabilizarão um modelo pedagógico próprio para essa modalidade de ensino que permita a apropriação e a contextualização das Diretrizes Curriculares Nacionais, assegurando: I – a identificação e o reconhecimento das formas de aprender dos adolescentes, jovens e adultos e a valorização de seus conhecimentos e experiências; II – a distribuição dos componentes curriculares de modo a proporcionar um patamar igualitário de formação, bem como a sua disposição adequada nos tempos e espaços educativos, em face das necessidades específicas dos estudantes. Art. 47 A inserção de Educação de Jovens e Adultos no Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica, incluindo, além da avaliação do rendimento dos alunos, a aferição de indicadores institucionais das redes públicas e privadas, concorrerá para a universalização e a melhoria da qualidade do processo educativo. 13 A IMPLEMENTAÇÃO DESTAS DIRETRIZES: COMPROMISSO SOLIDÁRIO DOS SISTEMAS E REDES DE ENSINO Art. 48 Tendo em vista a implementação destas Diretrizes, cabe aos sistemas e às redes de ensino prover: I – os recursos necessários à ampliação dos tempos e espaços dedicados ao trabalho educativo nas escolas e a distribuição de materiais didáticos e escolares adequados; II – a formação continuada dos professores e demais profissionais da escola em estreita articulação com as instituições responsáveis pela formação inicial, dispensando especiais esforços quanto à formação dos docentes das modalidades específicas do Ensino Fundamental e àqueles que trabalham nas escolas do campo, indígenas e quilombolas; III – a coordenação do processo de implementação do currículo, evitando a fragmentação dos projetos educativos no interior de uma mesma realidade educacional; IV – o acompanhamento e a avaliação dos programas e ações educativas nas respectivas redes e escolas e o suprimento das necessidades detectadas. Art. 49 O Ministério da Educação, em articulação com os Estados, os Municípios e o Distrito Federal, deverá encaminhar ao Conselho Nacional de Educação, precedida de consulta pública nacional, proposta de expectativas de aprendizagem dos conhecimentos escolares que devem ser atingidas pelos alunos em diferentes estágios do Ensino Fundamental (art. 9º, § 3º, desta Resolução). Parágrafo único. Cabe, ainda, ao Ministério da Educação elaborar orientações e oferecer outros subsídios para a implementação destas Diretrizes. Art. 50 A presente Resolução entrará em vigor na data de sua publicação, revogando- se as disposições em contrário, especialmente a Resolução CNE/CEB nº 2, de 7 de abril de 1998. FRANCISCO APARECIDO CORDÃO 14 Proposta Curricular de Santa Catarina .. Ensino Fundamental Educação Infantil . Ensino Médio (Temas Multidisciplinares) 1998 PROPOSTA CURRICULAR (Educação Especial) 57 EDUCAÇÃO ESPECIAL INTRODUÇÃO Ao analisar o processo histórico da educação no Brasil, sua constituição e desdobramentos nos deparamos com o entendimento da educação especial enquanto um apêndice do sistema geral de ensino. O sentido a ela atribuído tem sido o de assistência a crianças e jovens deficientes e não o de educação de alunos que têm necessidades educativas especiais. As exigências educacionais historicamente vêm determinando esta compreensão, fundamentada no entendimento de que somente o saberespecializado garante o atendimento ao portador de deficiência. Por suas características intrínsecas, pode-se dizer que é considerado diferente da espécie, portanto não pode aproveitar os processos correntes de escolarização e integração social, necessitando de formas especiais para realizar o que os normais fazem de forma "espontânea". A educação especial, por sua vez, tem desenvolvido seu trabalho pedagógico praticamente centrado nas peculiaridades desta população, reduzindo sua ação de tal forma que o fundamental de sua prática transita entre a abordagem clínica e a assistencial. Quando busca adotar uma proposta de ensino, com conteúdos sistematizados, utiliza-se de métodos, técnicas e materiais didáticos diferentes dos usuais, pautada numa abordagem tecnicista, reducionista que prioriza a forma em detrimento do sujeito. Fundamentada numa concepção a-histórica, esta abordagem desconsidera o saber acumulado, espera dos alunos comportamentos definidos via memorização de conteúdos homogeneizados e considera a sociedade ideal como somatório de indivíduos que sabem gerenciar, controlar, administrar e planejar. A educação especial, hoje, em busca da superação de sua condição de apêndice, participa no processo de discussão e redimensionamento da presente proposta curricular. Isto demarca um momento histórico importante na caminhada para efetivamente possibilitar um sistema educacional mais abrangente e menos excludente. CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DA DEFICIÊNCIA Refletir a história, implica em desfazer-se do costumeiro entendimento relativizado de que todas as atitudes e formas de vida em sociedade são espontaneamente naturais, para compreendê-la enquanto produto de escolhas culturais que atendam às necessidades dos homens, num determinado contexto, numa determinada época, fundada no pressuposto de que o homem ao produzir sua vida, produz e satisfaz a cada dia novas necessidades. No que diz respeito à escola, por exemplo, refletir sobre suas modificações não significa tomá-las como modificações metodológicas. Não foi "errado" usar palmatória, do mesmo modo que não é "certo" usar hoje a psicologia. São os homens que ao modificar o modo de produzir suas vidas, produzem novos métodos como expressão de suas próprias transformações. Estes novos métodos e novas atitudes não podem ser julgados "superiores" aos que os antecederam, porque não se está num julgamento, para saber qual deles é melhor. A preocupação nesta reflexão histórica não é encontrar coisas certas ou erradas, mas entender as questões e os homens que produzem estas questões em termos históricos. Na Antigüidade clássica, a preocupação dos homens era descrever o movimento interno de cada coisa. A sociedade movia-se na busca daquilo que considerava perfeição: a arte, a ciência, a técnica da retórica. Portanto, a dedução, o silogismo, o raciocínio perfeito, argumentação sem erros e a forma de expressão sobre qualquer assunto eram fundamentais. Embora este momento histórico não traga na literatura muitas referências quanto aos portadores de deficiência, é sabido que em Esparta crianças portadoras de deficiências físicas ou mentais eram consideradas sub-humanas, o que legitimava sua eliminação ou abandono. Portanto, pode-se dizer que não PROPOSTA CURRICULAR (Educação Especial) 58 existia nenhum processo de interação com tais indivíduos. Na Idade Média, passa-se da valorização do discurso e da argumentação à valorização do conhecimento religioso. Neste período foram fundadas as primeiras universidades, onde só podiam ser ensinados assuntos da Igreja por teólogos e sacerdotes. Com a difusão do Cristianismo na Europa, a base das relações é teológica. A dicotomia Deus-Diabo, céu-inferno movem as idéias e os valores deste período histórico. Os deficientes começam a escapar do abandono e da exposição, passando a ser acolhidos em conventos ou igrejas sob a ambivalência castigo x caridade. Merecem o asilo cujas paredes convenientemente isolam e escondem o incômodo ou inútil. As estruturas sociais eram definidas por leis divinas, sob domínio da igreja Católica, em que qualquer idéia ou pessoa que pudesse atentar a esta estrutura teria de ser exterminada. A Inquisição religiosa bem cumpriu este papel, quando sacrificou como hereges ou endemoniados milhares de pessoas, entre elas loucos, adivinhos, alucinados e deficientes mentais. Na Reforma Luterana, o tratamento dado aos imbecis, idiotas e loucos não se diferencia muito da Inquisição católica, eles permanecem com uma rigidez ética carregada de culpa, porém com responsabilidade pessoal. A explicação reside na visão pessimista do homem, entendido como uma "besta demoníaca", quando lhe vem a faltar a razão ou ajuda divina. Na Idade Moderna, o homem passa a ser entendido como animal racional, que trabalha planejando e executando atividades para melhorar o mundo dos homens e atingir a igualdade através da produção em maior quantidade. A apologia era o método experimental. Valoriza-se a observação, a testagem, as hipóteses. Encaminham-se esforços para descobrir as leis da natureza relegando-se a plano secundário as discussões sobre as leis divinas. Com o surgimento do método científico iniciam-se estudos em torno das tipologias e com elas a mentalidade classificatória na concepção das deficiências, decorrente do modelo médico, impregnadas de noções com forte caráter de patologia, doença, medicação, tratamento... A fatalidade hereditária ou congênita assume o lugar da danação divina, para efeito de prognóstico. A ineducabilidade ou irrecuperabilidade do idiota é o novo estigma, que vem substituir o sentido expiatório e propiciatório que a deficiência recebera durante as negras décadas que antecederam a medicina, também supersticiosa. O médico é o novo árbitro do destino do deficiente. Ele julga, ele salva, ele condena. (PESSOTI, 1984, p. 68) Na Idade Contemporânea, o problema crucial é o próprio homem na sociedade. Não é o método de pensar dedutivo, não é a associação entre fé e razão, não é trabalho, não é a técnica, mas sim o homem na sociedade o conteúdo central do questionamento deste período. Com base nesta compreensão, as atitudes para com os portadores de deficiência se modificam nesta nova sociedade, na medida em que vão sendo oferecidas oportunidades educacionais e de integração social até chegar aos dias atuais, em que sua integração se efetiva ou está em vias de se concretizar. Embora a fase clínico/assistencialista não possa ainda ser considerada como passado, o presente vê crescer e se fortalecer ideais da ética contemporânea: integração e direitos. O homem passa a ser pensado através das relações que mantém com outros homens na sociedade. Beneficiando-se (ou ajudando a promover?) de toda uma reavaliação dos direitos humanos e na esteira que inclui a mulher, a criança, o índio, o negro, o idoso... a pessoa com necessidades especiais pode começar a ser olhada e a olhar para si mesma, de forma menos manequeísta: nem herói nem vítima, nem deus nem demônio, nem melhor nem pior, nem super-homem nem animal. Pessoa (AMARAL, 1994, p. 15) A Integração: implicações históricas em suas múltiplas dimensões -Papai, eu e R. vamos ficar noivos no mês que vem. PROPOSTA CURRICULAR (Educação Especial) 59 -Nunca! Só por cima do meu cadáver. Aos gritos, andando pela sala, atropelando os móveis, o homem externaliza em gestos incoerentes o furor contido. Num esforço, sobrehumano, controla os movimentos e organiza as frases de forma que pareçam coerentes e racionais: -Filho, pense bem. Você está sendo um ingênuo ao se amarrar ao primeiro rabo-de-saia que aparece. Uma aleijada! -Mas pai... -Nem mais, nem meio mas. Moças como R. devem ficar bem trancafiadas em instituições das quais não possam sair. Para que não venham para o nosso mundo roubar os nossos filhos. Casar com meu filho! Perfeito, inteligente, culto, formado... Dramalhão mexicano? Novela de rádio?Folhetim barato? NÃO. Depoimento de carne e osso da depoente. Episódio que pode ser reescrito com personagens os mais variados, cenários diversos, nuances intermináveis. Mas por que iniciar assim as reflexões sobre a integração da pessoa deficiente? Porque para falar de integração é preciso caracterizar também o seu contrário: a segregação. No episódio acima, o pai, sem máscaras, sem disfarces ou eufemismos, posiciona-se claramente pela segregação. (AMARAL, 1994:39) Na década de 80, importantes movimentos em favor dos direitos civis provocaram iniciativas em torno da integração da pessoa com necessidades especiais na sociedade. Na prática, o rompimento com os modelos segregadores (ruptura esta não tão efetiva) resultou em iniciativas voltadas à integração no âmbito escolar. O Estado de Santa Catarina confirma esta tendência, na medida em que as iniciativas integracionistas aqui desenvolvidas, já desde o início da Educação Especial, através da Fundação Catarinense de Educação Especial, tem priorizado ao longo de sua história o aprimoramento das ações voltadas à integração escolar. Este movimento foi desencadeado de forma mais consistente a partir de 1987, com a reformulação do sistema estadual de ensino, que garantiu a efetivação da política de integração da pessoa com necessidades especiais, na rede comum de escolarização, a partir da deflagração da matrícula compulsória, estabelecida no plano para a campanha de matrícula escolar da Secretaria da Educação – 1987-1991. Concomitante à campanha de matrícula, deu-se início à discussão e produção da Proposta Curricular do Estado, cujo princípio norteador, sustentado nos pressupostos da perspectiva histórico-cultural, propõe a socialização do conhecimento (científico, erudito e universal) porque fruto da produção do homem, implicando desta forma em sua universalização. E neste prisma a proposta assume que, ou se escolariza todos ou não se trabalha para a socialização do conhecimento, e quando se fala de todos, os portadores de necessidades especiais estão necessariamente incluídos. O movimento de integração então desencadeado veio constituindo uma trajetória pontuada por vários movimentos, sustentados na prática cotidiana da escola por diferentes concepções de aprendizagem, e que revelam não haver exorcizado de todo o fantasma da estigmatização. Apesar de assimilado o princípio constitucional da "Educação para todos", a cultura escolar, através de suas práticas e conteúdos dominantemente estabelecidos, não abre espaços para a massa diversificada de alunos, com desigual capital de origem familiar e social, com desiguais expectativas e interesses que se enfrentam com conteúdos e ritos pedagógicos de transmissão de conhecimento homogeneizados. A política de integração praticada neste período entendia que com a garantia do acesso e estruturação paralela de serviços de educação especial (salas de recursos, classes especiais e salas de apoio pedagógico) estaria assegurada a integração plena da pessoa com necessidades especiais. Integração esta analisada de um ponto de vista instrucional, cujo paradigma sustentava-se na avaliação, planejamento e intervenção centrada no aluno. Uma das posições assumidas, originária da crença nas capacidades inatas, conduzia a uma leitura centrada na deficiência do sujeito, por se acreditar na impossibilidade de transformação por traços comportamentais e pela capacidade intelectual. PROPOSTA CURRICULAR (Educação Especial) 60 Camuflada sob o disfarce das aptidões, da prontidão e do coeficiente de inteligência, estas posições acabaram por produzir uma "suposta integração", dando lugar a uma exclusão velada: havia convicção de que as diferenças não seriam superáveis pela educação, gerando imobilismo e resignação. A forma como os educadores se referem à "aptidão" das crianças é, potencialmente, uma forma insidiosa de discriminação. Assim, embora não mais apoiemos o uso dos testes de inteligência para determinar a aptidão e o potencial de aprendizagem das crianças, a linguagem do teste de inteligência ainda é utilizada em abundância. Isso pode, nos exemplos mais negativos, levar as crianças a serem, bastante arbitrariamente, identificadas como alguém a quem falta inteligência ou aptidão, com a conseqüência inevitável de que as expectativas para sua aprendizagem futura sejam baixas. (SOLITY 1991, p.15) Uma outra posição atribuía exclusivamente aos fatores externos a origem da constituição da singularidade do ser humano, concebendo-o como produto da ação modeladora do meio ambiente. Nessa perspectiva, a "deficiência" do sujeito também é imutável, fundada na pressuposição de que se trata de um indivíduo passivo que tem seu comportamento moldado, manipulado, controlado e determinado pelas pressões do ambiente. Assim sendo, a escola se isenta de uma avaliação interna e não se vê como co-participante no processo de uma efetiva inclusão deste indivíduo, por acreditar na sua incapacidade de modificar-se. Este entendimento contribuiu no máximo para uma inserção espacial ou "integração física", na medida em que desconsidera as relações sociais que permeiam o processo de aprendizagem. A partir da última década, o processo de integração, analisado sob um prisma dinâmico e multidimensional, fruto da reflexão teórico-prática e do aprofundamento da concepção histórico-cultural com ênfase nas contribuições de L.S. Vygotsky, conduzem a um redimensionamento da concepção de integração. Vygotsky, fornece uma base de abordagem bastante relevante para a compreensão de que as deficiências corporais afetam antes de tudo as relações sociais destes indivíduos e não suas interações diretas com o ambiente físico. Cabe destacar alguns temas que constituem o núcleo de sua teoria e contribuem significativamente para a produção de novos significados no processo de inclusão da pessoa com necessidades especiais: • os processos psicológicos superiores têm sua origem em processos sociais e têm natureza social, numa visão de constituição mútua de fenômenos individuais e sociais; • a concepção do processo de conhecimento implica relação entre sujeito e o objeto a ser conhecido, necessariamente mediada por outro sujeito; • a criança cujo desenvolvimento se complicou por um defeito não é sensivelmente menos desenvolvida do que as normais, é uma criança com outro desenvolvimento. Sob este prisma, é impossível pensar que o sucesso ou fracasso na aprendizagem do sujeito está unicamente vinculado a sua capacidade ou incapacidade individual inata. É na relação com o outro, numa atividade prática comum que este, por intermédio da linguagem, acaba por se constituir enquanto sujeito. A idéia chave que se encontra na origem da teoria, postulando as relações entre as interações sociais e o desenvolvimento cognitivo, vem revolucionar o processo educativo dos portadores de deficiência, seja na escola especial ou regular. No que se refere a esta última, a abordagem da aprendizagem escolar em termos de interação social traz à reflexão o redimensionamento do processo de ensino até então estruturado com base na comportamentalização do conhecimento, organização de turmas homogêneas, padronização da avaliação, fatores que, entre outros, conduzem à expulsão e marginalização contundente do diverso. Neste sentido, a dimensão interativa evidencia a heterogeneidade como fator imprescindível no contexto escolar, na medida em que a vivência, a troca e a ação entre parceiros de diferentes possibilidades, experiências e comportamentos, oportunizam não só o conhecimento do outro e produção de conhecimento com o outro como fundamentalmente a possibilidade de aprender a olhar de frente a diferença/deficiência; a conviver e PROPOSTA CURRICULAR (Educação Especial) 61 compartilhar com a dessemelhança, a desmontar moldes pré-estabelecidos, adquirindo assim um caráter estruturante na constituição dos sujeitos em suas múltiplas dimensões. Na esteira desta concepção,cabe refletir sobre o papel das escolas especiais. Sabe-se que em função das condições específicas de alguns alunos com maiores limitações, impostas pela deficiência, nem sempre é possível sua inclusão no espaço da escola regular, sendo necessária ainda uma educação em escola especial. Entretanto, este contexto "especial" vem exigindo dos educadores o estabelecimento de um quadro de referência que supere a intervenção ativista assistencial ou clínica. As escolas especiais não podem ser apenas locais onde se atendam os alunos nas suas necessidades físicas. As escolas especiais precisam estar ocupadas com o desenvolvimento intelectual de seus alunos pois se assim não fosse, não poderiam ser consideradas escolas. (HENTZ, 1996, p. 3). Mais recentemente, esta questão tem sido alvo de reflexão no seio da escola especial, em razão do acesso aos pressupostos da abordagem histórico-cultural, cujas contribuições, apontam que as funções psíquicas do indivíduo não podem ser desvinculadas da apropriação do legado cultural da humanidade. ... a apropriação cultural se dá, de forma ampla, no e pelo processo educativo e, de forma mais restrita, no e pelo ensino, por parte de adultos ou companheiros mais experientes, das conquistas das gerações precedentes. Desta maneira, o desenvolvimento cognitivo depende tanto do conteúdo a ser apropriado como das relações que se estabelecem ao longo do processo de educação e ensino. (DAVIS,1989, p. 50) Neste entendimento, não cabe pensar em escola especial senão aquela com um projeto político- pedagógico que possibilite o acesso ao conhecimento das diferentes áreas mediante a utilização de caminhos, recursos e estratégias alternativos que possibilitem o alargamento das capacidades cognitivas de seus alunos. Importante enfatizar entretanto, que esta escola, ao promover a apropriação e produção de conhecimento, propicie interações sociais, uma vez que nada garante que elas se dêem espontaneamente, que assegurem aos alunos o direito de pensar, expressar seu pensamento, entabular negociações, criar argumentos a partir de discussões realizadas, buscar soluções comuns a partir de contribuições diversas. Tais interações são, pouco freqüentes na educação em geral e, particularmente, na especial. Desta maneira, é relevante observar as condições que garantam as interações sociais, o que atribui ao professor um papel fundamental, como um dos interlocutores mais experiente na tarefa de tornar as interações sociais um processo formativo e constitutivo de um novo saber. Debates, questionamentos, ilustrações, explicações, justificativas, extrapolações, generalizações e inferências são presença obrigatória nas interações sociais que se quer nas escolas, contribuindo para que se alcance uma concepção de homem, mundo e sociedade mais flexível, menos ideológica e menos alienante. (DAVIS, 1989, p. 54). Pressupostos Viabilizadores do Processo de Inclusão Os pressupostos filosóficos e metodológicos da presente proposta, nos seus diferentes saberes, tais como: educação infantil, alfabetização, avaliação, educação e trabalho, tecnologia educacional, disciplinas do curso de magistério e todas as demais áreas do conhecimento constituir-se-ão nos mecanismos que darão sustentação a uma prática pedagógica inclusiva. Profissionais da FCEE, entendendo que a educação especial não pode ser encarada no presente documento como um capítulo ou um currículo a parte, adotaram como procedimento discutir as questões relativas à educação de pessoas com necessidades especiais no contexto e espaço de produção dos documentos norteadores dos diversas áreas do conhecimento acima citadas. PROPOSTA CURRICULAR (Educação Especial) 62 As questões fundamentais que vêm permeando as discussões da escola num contexto mais amplo sobre sua função social e conseqüente prática pedagógica não estão dissociados das preocupações que perpassam as práticas cotidianas da escola especial em busca de desvendar suas reais finalidades. De que forma a escola pode se organizar e estruturar sua prática pedagógica no sentido de viabilizar a apropriação do conhecimento? Como superar mecanismos de avaliação baseados em requisitos prévios e classicatórios? Que relações de ensino-aprendizagem devem ser estabelecidas a fim de formar cidadãos atuantes no processo de transformação da sociedade? Qual a função do professor no espaço de sala de aula? Estas interrogações, inquietações e dúvidas nos remetem aos posicionamentos assumidos e aprofundados na presente proposta no que diz respeito a concepções de currículo, avaliação, alfabetização, relações de ensino, aprendizagem, projeto político pedagógico, educação e trabalho dentre outros, que servirão de subsídios à construção da proposta pedagógica para a educação de pessoas com necessidades especiais. Algumas destas idéias podem ser aqui delineadas na perspectiva de constituírem-se no eixo condutor do redimensionamento da prática pedagógica: • O processo dialético de construção e reconstrução do conhecimento deve ser permanentemente produzido em conjunto por alunos e professores como tentativa de responder aos desafios de suas realidades e de lutar por uma sociedade mais igualitária. • Enfatizar a produção de conhecimento no currículo demanda uma transformação substancial nas relações e na hierarquia da escola e da sala de aula; isto significa dizer que há necessidade de discussão coletiva e participação ampla de todos. • A seleção e organização dos conteúdos que devem fazer parte deste currículo é tarefa de cada escola, entendendo-se o espaço da sala de aula como um lugar de confronto de diferentes saberes (saber do aluno, do livro e do professor). Não se trata de abandonar os conteúdos acadêmicos nem tampouco imortalizá-los, mas de definir novos critérios para articulá-los. Basear o currículo nas disciplinas tradicionais não garante a formação de cidadãos ativos, participantes e responsáveis.(...) Trata-se de verificar crítica e cuidadosamente se há espaço para elas no currículo e, se concluímos que há, trata-se, então, de analisá-los, de desmistificar sua neutralidade, de entender suas origens, seus elementos ideológicos e de reorientá-los... (MOREIRA, s.d. p.83). • A avaliação, enquanto constituidora e subsidiadora do processo ensino-aprendizagem, pode ser entendida como uma prática pedagógica que norteia a ação do educador, indicando-lhe caminhos e refletindo sua ação junto os alunos. Professores e alunos devem aprender com a avaliação, identificando de forma transparente os objetivos, o projeto educativo proposto, distinguindo claramente suas dificuldades, suas possibilidades. A tentativa de superação das dificuldades do aluno é uma tarefa educativa que a avaliação pode realizar quando conduzida num movimento dialético. Isto não significa dizer que o processo de avaliação tenha um caráter menos rígido e menos efetivo. Significa que haja um real compromisso com a construção do conhecimento como processo de apropriação do trabalho realizado pelo professor e pelo aluno. Nesta perspectiva, a escola busca trabalhar na direção da heterogeneidade, possibilitando lugar e espaço para as diversidades. A expectativa de todo ser humano é de se apropriar do conhecimento sistematizado que é ensinado no espaço escolar. A impossibilidade de acesso e apropriação deste conhecimento restringe a ação e identificação do sujeito no seu grupo social. As pessoas com necessidades especiais, por terem impresso o estigma da incapacidade, têm vivido no decorrer da história a negação do acesso a este conhecimento. Isto implica numa dupla tarefa de rompimento: a primeira diz respeito a condição de deficiência como incapacidade e a segunda a condição de analfabeto. A escola pode contribuir significativamente para esta ruptura, se definir como proposta uma alfabetização que gere espaço para o dizer, o ouvir, o negociar, o discordar, o ajudar. PROPOSTA CURRICULAR (EducaçãoEspecial) 63 Para a pessoa com necessidades especiais, apropriar-se da linguagem escrita por exemplo, pode significar um importante salto no desenvolvimento, resultando em mais um instrumento de interação social. Ao colocar o aluno diante da experiência interativa de produção e apropriação de diferentes linguagens, fazendo uso, praticando, conhecendo, questionando, a escola viabiliza o entendimento da base do desenvolvimento do pensamento abstrato. Precisamente porque a criança com deficiência mental chega com dificuldades a dominar o pensamento abstrato, a escola deve desenvolver esta habilidade por todos os meios possíveis. A tarefa da escola em resumidas contas consiste não em adaptar-se ao defeito, senão em vencê-lo. (...) A tentativa de nossos programas, de proporcionar à criança com deficiência mental uma concepção científica de mundo, de descobrir diante dele as relações entre os fenômenos fundamentais da vida, as relações de uma ordem não concreta e de formar nele, durante a aprendizagem escolar, a atitude consciente diante da vida futura, é para a pedagogia uma experiência de importância histórica. (VYGOTSKY, 1989, p. 116). BIBLIOGRAFIA AMARAL, Lígia Assunção. Pensar a diferença/deficiência. Brasília: CORDE, 1994. BUENO, José Geraldo Silveira. Educação Especial Brasileira: integração/segregação do aluno diferente. São Paulo: EDUC, 1993. DANIELS, Harry (org.) Vygotsky em foco: pressupostos e desdobramentos. 2.ed. Campinas: Papirus, 1995. DAVIS, Claúdia. Papel e valor das Interações Sociais em Sala de Aula. Cadernos Pesquisa, São Paulo (71):49-54, nov. 1989. FERRI, Cássia. Diversidade nas diferentes áreas do conhecimento. Florianópolis, 1996 (mimeo). FERREIRA, Júlio Romero. 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Brecht) A avaliação no interior do processo de escolarização vem sendo um dos temas educacionais mais discutidos no contexto brasileiro, quer por expressar resultados incompatíveis com as expectativas de alunos e pais – mais imediatamente – quer por ser relacionada à evasão ou à repetência escolar, ou ainda por refletir modelos de ensino contrários à aquisição de conhecimentos fundamentais aos alunos excluídos dos benefícios da riqueza socialmente produzida. Quando educadores encontram-se para estudos e debates sobre suas competências pedagógicas e os resultados de seu trabalho, de pronto o tema avaliação é colocado em cena. No entanto, o problema se instala quando avaliar passa a ser analisado como um processo final e isolado do conjunto das ações pedagógicas. A avaliação no interior do trabalho escolar deve, sim, ser um tema com abordagem específica dada a sua representatividade em termos do projeto político pedagógico. Em outras palavras, é importante desenhar uma perspectiva para o processo de avaliar em uma proposta curricular que se pretende orientadora de relações de conhecimento democráticas. Alguns pressupostos esclarecedores se fazem necessários para um início de discussão. AVALIAÇÃO: presença constante no cotidiano escolar A Proposta Curricular do Estado de Santa Catarina constitui-se num espaço de discussão e análise das relações ensino-aprendizagem que, pelas opções já feitas, se orientam a partir da inter-relação entre o sujeito que aprende, o sujeito mediador (o que ensina) e o conhecimento (objeto da aprendizagem). Estas relações tecidas no cotidiano escolar formam uma trama que se constitui em pano de fundo no qual se desenvolve a ação pedagógica. Trama esta marcada por contradições, vicissitudes e problemas mas também por acertos e possibilidades. Desvelar estas relações produzidas pelas múltiplas vozes (que explicitam ou não entendimentos, ritos, procedimentos) que atuam no cotidiano escolar, em todas as dimensões do ato pedagógico, implica em explicitar idéias sobre currículo, conhecimento, relações de ensino aprendizagem, estabelecendo diálogo com os pressupostos da abordagem histórico-cultural. Nessa perspectiva, as discussões sobre AVALIAÇÃO, no presente documento, dar-se-ão necessariamente articuladas a estas idéias, por ser a AVALIAÇÃO entendida como constituidora e subsidiadora do processo ensino-aprendizagem. Falas como as que seguem são expressões do modo como a avaliação vem sendo efetivada na prática escolar: PROPOSTA CURRICULAR (Avaliação) 65 Se vocês não ficarem quietos, faço prova relâmpago... Fulano... vou descontar um ponto na sua média! Avalio porque sempre se avaliou. Avalio para forçar os alunos a estudarem.... Como é que eu vou saber se os alunos aprenderam o que ensinei? Preciso fazer prova. Quando tiro nota boa, pulo, grito... e penso: estou livre de mais esta matéria. Prestem atenção, pois vai cair na prova, depois não quero ouvir choradeira. Não sei o que me acontece!!! Na hora da prova me dá um branco. A avaliação serve para obrigar o aluno a estudar, às vezes, só no dia da prova. Tiro notas baixas porque não vou com a cara do professor. O papel do aluno é passar de ano. Vocês vão ver o que eu vou fazer com vocês no dia da prova. Vou comunicar os pais de vocês, pois não estão aprendendo nada. Avalio porque tenho que cumprir a lei. Por outro lado, o discurso, os estudos e pesquisas sobre avaliação têm aumentado muito na literatura educacional. Vê-se na grande maioria das escolas falas que se comprometem em avaliar não apenas com a prova mas considerando todos os aspectos envolvidos no trabalho pedagógico. No entanto, comprova-se por inúmeros estudos o quanto a avaliação ainda permanece como uma forma de manutenção do poder do professor e se perpetua a chamada “cultura da prova”24. Este texto propõe-se a buscar o desvelamento dos princípios que vêm permeando as práticas avaliativas através do histórico da avaliação educacional, explicitando seus pressupostos e as interfaces com os demais aspectos do processo pedagógico. Medir e Julgar: metas da avaliação educacional Segundo FRANCO (1993), as primeiras discussões sistemáticas sobre avaliação educacional estavam vinculadas a uma vertente da psicologia da educação dedicadaà psicometria. A emergência da chamada psicologia científica deu-se baseada nos critérios de cientificidade aplicáveis às ciências naturais, em que a observação, a verificação e a experimentação eram tidas como condições indispensáveis. As pesquisas avaliativas do início do século voltavam-se particularmente para a MENSURAÇÃO de mudanças do comportamento humano. Nesta forma de avaliar não se diferenciam avaliação e medida, o objetivo é classificar e determinar os progressos realizados e a maior preocupação dos “técnicos avaliadores” é a elaboração de instrumentos e testes eficientes. Na década de 1930, TYLER afirma que avaliação educacional ...é descobrir o que os estudantes aprenderam na escola e quais deles estão encontrando dificuldades de aprendizagem (WORTHEN apud GOLDEBERG & SOUZA, 1982). Seus estudos, junto com Smith, introduziram ... vários procedimentos de avaliação, tais como inventários, escalas, listas de registros de comportamentos, questionários para coletar informações referentes ao desempenho dos alunos, durante o processo educacional, tendo em vista os objetivos curriculares, cuja concepção reflete-se até hoje nos trabalhos desenvolvidos na área de avaliação (SOUSA, 1993, p. 28). A influência do pensamento norte-americano prossegue no Brasil através de autores como POPHAM, BLOOM, GRONLUND, EBEL e AUSUBEL. Assim se expressam alguns destes autores: Avaliação sempre implica julgamentos de melhor ou pior (...) Uma medida nos diz o quanto de uma determinada característica um indivíduo possui. Se, então, dissemos, baseados nessa medida, “excelente”, “satisfatório” ou “terrível” foi feita uma avaliação (...) Esta processa-se tendo em vista objetivos específicos (EBEL apud SOUSA, 1993, p. 30). Avaliar significa emitir um julgamento de valor ou mérito, examinar os resultados educacionais para saber se preenchem um conjunto particular de objetivos educacionais (AUSUBEL et al. apud SOUSA, 1993, p. 30). 24 A chamada “cultura da prova” se caracteriza por medir a capacidade, dando validade aos testes e padronizando os resultados. PROPOSTA CURRICULAR (Avaliação) 66 Assim, a tendência é conceber a avaliação como processo de julgamento do desempenho do aluno em face dos objetivos educacionais propostos. Considerado este contexto, a avaliação escolar assume um caráter quantitativo no qual o que se aprende eqüivale a uma certa quantidade de conhecimento ensinado, implicando na ... idéia de que a palavra do outro deve ser reiterada parcial ou totalmente, a meta do ensino é, por assim dizer, a repetição da palavra (GÓES, 1997, p. 12). Estas práticas avaliativas assumem características que, segundo SOUZA (1995) vêm se apoiando na premiação e classificação, vistas como decorrentes do empenho individual em aproveitar as oportunidades de ensino, servindo essencialmente ao controle e adaptação das condutas sociais dos alunos, manifestando- se por relações de poder e subordinação, ocultando assim, a dimensão social da seletividade escolar. Estes estudos e a concepção da avaliação por objetivos nascem no bojo das discussões sobre currículo. Esta concepção de currículo se reproduziu e se cristalizou no decorrer da história. Na escola, vivenciamos inúmera idéias, dentre elas, a de que currículo enquanto um rol de conteúdos, de disciplinas articuladas à seriação, onde cada etapa torna-se pré-requisito para a seguinte aumentando-se o grau de exigência em cada uma delas. Elementos como conteúdos, organização espaço-temporal e avaliação, etc... do trabalho de ensino e aprendizagem, são coerentes com um modelo de ensino baseado na relação entre seleção de conteúdos prontos e acabados e na transmissão através de exposição e fixação memorística. Observando a argumentação de professores acerca dos pré-requisitos – no sentido de aprendizagens necessárias a outras aprendizagens – SAMPAIO (1997, p. 54) comenta o funcionamento do ensino escolar: O currículo está bem delineado neste todo indissociável, do qual não fazem parte os alunos, a não ser naquilo que se espera ou que não tenha sido atingido por eles. Assim, se a identificação dos pré- requisitos permite ao professor identificar falhas anteriores e prever o preparo para as fases seguintes do ensino, no entanto não se observa que isto venha a ser utilizado para provocar retornos ou desvios no movimento curricular, de forma a atender o aluno. O que se perde permanece perdido. Ainda segundo a autora uma combinação entre seriação, conteúdos e objetivos por disciplinas, organiza o ensino, mas não necessariamente o processo de aprendizagem: o ensino pode ocorrer à parte da aprendizagem independente das dificuldades dos alunos. Neste sentido, o professor preocupa-se com o cumprimento do programa desconsiderando a continuidade do processo ensino-aprendizagem. Com isso, o currículo desenvolve-se numa direção contrária ao favorecimento do acesso ao conhecimento Esse modelo de ensino permite ao aluno entender informações, memorizar e mecanizar aquisições, ter bom desempenho em provas de devolução das informações transmitidas e com isso avançar no percurso seriado; possibilita entretanto, que os conteúdos não sejam apropriados, mas que se possa aprender a responder nas provas o que foi memorizado apenas para um desempenho satisfatório nesta situação, o que equivale a conseguir sucesso sem aprendizagem real. (SAMPAIO, 1997, p. 64) Tal fato, ao criar a ilusão do “sucesso” escolar, mesmo quando a aprendizagem de fato não ocorre, remete-nos a pensar sobre o fracasso escolar. A situação de fracasso, entendida apenas como problema de repercussões para o aluno, produz limitações e mutilações para todos na medida em que impede que o professor e a escola percebam a dicotomia em que se encontram enquanto sujeitos envolvidos na relação ensino-aprendizagem, sendo eles também atingidos por este fracasso na medida em que sua atividade, voltada ao cumprimento do programa, pode transcorrer independente do processo e dos resultados da aprendizagem, impedindo-os de se apropriarem das múltiplas formas de aprender de seus alunos. O currículo nesse desenho básico define para o professor a atividade de ensino mas não a atividade de levar a aprender, define o papel do professor como aquele que explica, treina e avalia, e o papel do aluno como aquele que ouve, repete, “devolve” e de aperfeiçoar o que recebeu sem que ninguém lhe diga como (SAMPAIO, 1997, p. 65). PROPOSTA CURRICULAR (Avaliação) 67 As relações de ensino-aprendizagem que se estabelecem a partir destas concepções ... adquirem algumas características (... linear, unilateral, estática) porque, do lugar onde o professor se coloca ( e é colocado), ele se apodera (não se apropria) do conhecimento, pensa que o possui e pensa que sua tarefa é precisamente dar o conhecimento à criança. Aparentemente, então, o aprendizado da criança fica condicionado à transmissão do conhecimento do professor (SMOLKA, 1996, p. 31). Centrada no aluno que deve apresentar determinado rendimento em relação às expectativas definidas pela escola e para saber o quanto a criança aprendeu, ou melhor, conseguiu reter deste conhecimento, o professor elabora provas e, então, a idéia da avaliação como medida e julgamento tem sua expressão nas NOTAS e seu valor considerado em relação à MÉDIA alcançada. De acordo com THORNDIKE (1969 apud DEPRESBITERIS, 1993) notas são símbolos somativos que caracterizam o desempenho dos estudantes em seus esforços educacionais. Segundo ele, a principal função das notas é fornecer informações concisas a certos grupos (administradores escolares, pais, empregadores, conselheiros e outras escolas) sobre o desempenho dos alunos em um curso ou parte dele. A exigência e o acúmulo de esforços feitos por professores na discussão sobre avaliação, que muitas vezes recai sobre a questão de ter que dar uma nota, de ser obrigado a dar uma médiafinal, demonstra o que se valoriza na escola, ou seja, na maioria das vezes, o papel, o registro, o procedimento formal. A preocupação centrada na nota, comumente usada para fundamentar necessidades de classificação dos alunos, dá ênfase à comparação de desempenhos e não aos objetivos que se deseja atingir. Segundo LUCKESI (1995) somam-se e dividem-se notas, revestindo a avaliação de um caráter exclusivamente comercial, contabilístico, que desconsidera o aspecto educacional. A pesquisadora Miriam Krasilchick, em debate sobre a questão da avaliação, definiu que a moeda corrente na escola é a nota, explicando que alunos e professores movimentam-se em torno de sua atribuição/recepção advertindo que tal prática serve cada vez mais ao distanciamento do que deve ser o objeto da relação entre professores e alunos: a aquisição de conhecimentos e a organização do trabalho pedagógico. Através de pesquisa, SILVA (1994) constatou que a nota não tem o valor absoluto que lhe é atribuído, pois ela denuncia o ponto de vista de quem avalia, ou seja, revela sua concepção de mundo, de homem, de aprendizagem e conhecimento. Por exemplo: ao submeter a mesma prova a diferentes professores verifica-se uma variação na escala de nota de 2 a 8. Além disso, quando a mesma prova é corrigida pelo mesmo professor em situações diferentes recebe notas diferentes, o que expressa a vulnerabilidade deste processo por estar vinculado ao “estado emocional” do avaliador e a empatia entre professor e aluno. Esta situação se agrava quando se observa que na confecção de provas – os instrumentos mais utilizados ainda para atribuição de notas – o professor tende a priorizar a memorização do conteúdo apresentado, com as respostas obtidas sendo comparados com respostas esperadas, dispensando qualquer elaboração pessoal de cada aluno. Há um cenário predominante de relações escolares em que o aluno “é ensinado” a buscar a “boa nota” e não a aquisição de conhecimentos pois embora se afirme que o importante é aprender, ele vai experenciando o processo de sobrevivência escolar de aprovação/reprovação. O aluno estuda para trocar conteúdo memorizado por nota e não para se apropriar de um conhecimento que lhe dê condição para interagir com a complexidade do meio em que vive. Esta forma de avaliar, no movimento histórico, tem gerado sérios questionamentos por parte de alguns educadores. As críticas aos testes padronizados e a absorção acrítica dos resultados foram ressaltando a necessidade de respeitar o ritmo individual de cada um para aprendizagens significativas. É nesse contexto que se inicia a valorização da “auto-avaliação”, das provas subjetivas, das questões abertas, do sujeito construindo suas próprias respostas, etc. bem como o estudos dos aspectos afetivos e a análise das condições emocionais que interferem na aprendizagem (FRANCO, 1993). Estes elementos apesar de representarem um avanço em relação a posição anterior mostraram-se insuficientes para a explicitação do trabalho pedagógico como prática social. Permanecendo no âmbito das conclusões centradas no indivíduo e em vínculos determinados por trajetórias pessoais, ignoram o caráter histórico PROPOSTA CURRICULAR (Avaliação) 68 destas trajetórias e suas interfaces com a prática social, com as contradições e conflitos resultantes destas relações. Negociar e realimentar: a avaliação deixa de ser centrada no aluno para ser um elemento do processo pedagógico Na década de 90 emerge a geração da avaliação, cuja característica principal é a da NEGOCIAÇÃO. O consenso é buscado entre pessoas de diferentes valores, respeitando-se os dissensos identificados. Processo interativo e negociado busca ...se desenvolver a partir das preocupações, proposições ou controvérsias em relação ao objeto de avaliação seja ele um programa, projeto, curso ou outro foco de atenção (FIRME, 1994, p. 8). Nesse enfoque, a avaliação caracteriza-se por ser um processo de investigação, tendo como ponto de partida e de chegada o processo pedagógico, para que estabelecidas as causas de dificuldades possam ser traçados procedimentos e possibilidades de enfrentamento destas situações. A avaliação passa a ter a finalidade de ... fornecer sobre o processo pedagógico informações que permitam aos agentes escolares decidir sobre as intervenções e redirecionamentos que se fizerem necessários em face do projeto educativo definido coletivamente e comprometido com a garantia da aprendizagem do aluno. Converte-se então em um instrumento referencial e de apoio às definições de natureza pedagógica, administrativa e estrutural, que se concretiza por meio de relações partilhadas e cooperativas (SOUSA, 1993, p. 46). Neste sentido, afirma DARSIE (1996, p. 48) Se a ação educativa visa promover modificações nos sujeitos nela e por ela envolvidos, interferindo na aprendizagem destes, e se a ação de aprender se torna capaz de provocar tais modificações... então a avaliação da ação de aprender deve refletir tal intencionalidade. Assim, a avaliação passa a ser um instrumento da intencionalidade educativa, não mero momento de constatação desta. Tornar possível uma proposta curricular que dê voz às múltiplas relações que se estabelecem na escola e possibilite a todos se colocarem como sujeitos fazedores de história, implica em assumir o currículo como artefato sócio-cultural. É fato que tradicionalmente deixamos nas mãos de outras pessoas a decisão de que conteúdos devem compor o currículo. Ao mesmo tempo estes conteúdos se tornam os únicos possíveis/pensáveis quando trabalhamos em sala de aula (FERRI, 1997). Historicamente temos vivido um currículo que foi sendo determinado em função de uma organização disciplinar (distribuição de tempos, espaços, materiais, etc.) sendo naturalizado na escola e com isso perdendo a dimensão de ter sido produzido por sujeitos que fizeram escolhas, que expressavam interesses, valores, formas de pensar. Se currículo implica em expressão de interesses (muitas vezes conflituosos e difíceis de serem equacionados) concepções, idéias, relações de poder, a escola ao assumí-lo enquanto artefato sócio-cultural se coloca na função de produzir conhecimento (que leva em conta diferenças culturais), de definir sua forma de organização, de realizar com responsabilidade suas escolhas numa dinâmica que exige o envolvimento de todos os que dela fazem parte. Segundo MOREIRA & SILVA (1995, p. 7-8) o currículo não é um elemento inocente e neutro de transmissão desinteressada do conhecimento social. O currículo está implicado em relações de poder, o currículo transmite visões sociais particulares e interessadas, o currículo produz identidades individuais e sociais. O currículo não é PROPOSTA CURRICULAR (Avaliação) 69 um elemento transcendente e atemporal – ele tem uma história, vinculada a formas específicas e contigentes de organização da sociedade e da educação. Nesta perspectiva, o conhecimento não é tratado como algo pronto e acabado, como verdade absoluta e imutável mas fruto das relações e produções dos homens podendo desta forma ser apropriado, elaborado e reelaborado num terreno em que se enfrentam diferentes e conflitantes concepções de vida social. O currículo assume sob este prisma uma compreensão mais ampla que inclui todas as ações e relações existentes na escola. Assim, ela deixa de estar submetida a uma mera grade curricular determinada por outrem, para definir coletivamente um projeto político pedagógico em que explicita seu entendimento de escola, aluno, sociedade e currículo e neste, o planejamento, a avaliação, a estrutura organizacional, as relações de trabalho, conselho de classe, entre outros. Entretanto, não basta um posicionamento filosófico, torna-se fundamental que na medida mesma em que se venha a processar estes entendimentos, novas formas de condutas e organização da escola tornem-se manifestações reais daqueles. Consequentemente vai se definindo os rumosda ação educacional, assumindo um posicionamento claro e explícito de tal modo que possa orientar diuturnamente a prática pedagógica. Neste movimento, a escola vai se constituindo num espaço de exercício da cidadania. Isto se legitima mediante relações de ensino e aprendizagem constituídos por sujeitos interativos (nem receptivos, nem apenas ativos) que elaboram conhecimentos numa relação necessariamente mediada pelo outro. Relação esta nem sempre harmoniosa, mas dinâmica, conflituosa e positivamente tensa. ... A mediação não se restringe a outros sujeitos fisicamente presentes, estende-se aos efeitos da incorporação de experiências nas relações sociais, vividas em diferentes contextos e de diferentes modos. (...) o conhecer tem gênese nas relações sociais, é produzido na intersubjetividade e é marcado por uma rede complexa de condições culturais. (Góes, 1997, p. 14). Admitindo que a relação pedagógica tem como objetivo final a aquisição de conhecimentos e que esta relação se dá no interior de duas culturas – a social, mediata e a escolar, imediata – o professor precisa construir sua competência pedagógica de forma a apropriar-se da lógica do conhecimento que deverá ensinar, e ao mesmo tempo, dos processos pelos quais o aluno elabora o conhecimento. Apreender a lógica do próprio conhecimento sugere tomá-lo em seu percurso de constituição e em sua trama particular... É preciso reconhecer, por exemplo, que conhecimento matemático significa uma forma singular de observação e relação com o mundo, diferente do conhecimento da geografia e da literatura. Então, professores e alunos debruçam-se sobre a realidade em que vivem, juntos refazem os conhecimentos e criam novos saberes admitindo interesses, estilos, ritmos de aprendizagem e formas de trabalhar diferentes. Os diferentes ritmos, comportamentos, experiências, relações pessoais, familiares, valores e trajetórias de aprendizagem de cada criança, exigem do educador buscar intervenções pedagógicas que garantam como fator essencial o respeito à heterogeneidade. Na perspectiva histórico-cultural prevalecem as possibilidades de aprendizagem garantidas pelas abordagens interacionais, atribuindo ao professor um importante papel de mediador nesta tarefa, atuando na zona de desenvolvimento proximal, que tem como pressuposto que o companheiro mais experiente influencia, com seu ponto de vista o menos experiente, levando-o a apropriar-se de conhecimentos que antes não dispunha, gerando um espaço em movimento criado na e pela interação. É por meio de uma investigação sistemática das situações que o professor medeia e desafia o aluno na atividade da aprendizagem que será possível entender como se dá seu processo de internalização do conhecimento e que estratégias poderão ser utilizadas para fazê-lo avançar. Aqui a avaliação passa a ser um instrumento que favorece as decisões do professor e autolocalização do aluno. Esta dinâmica interativa exige, entretanto, um reconhecimento da diversidade de características do funcionamento intersubjetivo e dos encontros e desencontros relativos a forma de elaboração de conhecimentos que se produzem nas interações... PROPOSTA CURRICULAR (Avaliação) 70 o jogo dialógico entre os sujeitos não tende a uma só direção; ao contrário, envolve circunscrição, ampliação, ampliação, dispersão e estabilização de sentidos. Um determinado conhecimento pode ou não ser construído pelo indivíduo, mas em qualquer caso, é na complicada dinâmica do funcionamento inter-subjetivo que devemos examinar o processo. (Góes, 1997, p. 27) A relação de ensino-aprendizagem nesta perspectiva, reflete uma prática avaliativa que se realiza como fonte de informação para os novos procedimentos a serem tomados a cada instante no processo educacional. (SANTA CATARINA, 1996:7). Avaliação do processo – o ensino e aprendizagem apropriados por seus sujeitos O presente documento assume a postura de que a avaliação subsidiando a intencionalidade do processo ensino-aprendizagem terá que oportunizar aos professores a retomada sistemática dos encaminhamentos metodológicos no sentido de que o aluno aprenda mais e significativamente. Entendendo desta forma, rompe-se com as idéias cristalizadas de avaliação, enquanto julgamento de resultados finais e irrevogáveis, para assumir sua função diagnóstica, ou seja, instrumento do reconhecimento dos caminhos percorridos e da identificação dos caminhos a serem seguidos. ... A avaliação diagnóstica será com certeza um instrumento fundamental para auxiliar cada educando no seu processo de competência e crescimento para a autonomia (Luckesi, 1994, p. 44). O fato de ser diagnóstica não significa menos seriedade na prática da avaliação, exigindo do professor um rigor técnico e científico como forma de lhe assegurar um instrumento de tomada de decisão. Para tanto, professor e aluno podem contar no espaço de sala de aula com importantes instrumentos que possibilitam levantar dados e avaliar seus processos de aprendizagem, quais sejam: a observação, o registro diário e a reflexão constante que podem se expressar nas formas de: dossiês, sumários, relatórios descritivos e outros. Da mesma forma, rompe-se com as idéias instaladas de avaliação centrada no sujeito que aprende, para compreendê-la como um processo que ocorre a todo momento e que envolve todos os segmentos: professores, pais, alunos e outros co-responsáveis pela ação educativa durante o processo de aprendizagem. Nos espaços de reuniões, assembléias e conselhos de classe estes envolvidos analisam avanços e entraves, retomam e reorganizam a ação educativa. No que diz respeito aos pais, a escola poderá criar as mais diversas situações que os levem a participar efetivamente da proposta pedagógica, falando, opinando, avaliando e escrevendo. Uma das alternativas poderá ser um boletim informativo onde constam: critérios utilizados na avaliação, parecer do professor quanto ao processo de aprendizagem do aluno, espaço para que os pais possam escrever, expressando sua opinião sobre a escola, o ensino e as aprendizagens dos seus filhos. Sendo participativa a avaliação possibilita dinamizar oportunidades para que professor e aluno tomem consciência da evolução de sua aprendizagem, como momento de ajuda, como mais um instrumento de reflexão sobre o processo, podendo, assim, fazer e refazer caminhos numa permanente atitude investigadora frente ao conhecimento. Ao invés do mecanismo de controle e coerção, pode vir a funcionar como processo de apropriação do próprio trabalho que realizam o professor e o aluno. Mediante estas práticas a escola deixaria de pontuar seus critérios de seleção, na busca da homogeneidade, o que a tem colocado no lugar de agência de cristalização de estigmas, que contribuem para elevar os índices de evasão e repetência, para abrir espaço à massa diversificada de alunos com desigual capital de origem familiar e social, com desiguais expectativas e interesses. A sala de aula, que é um lugar de tantos desencontros e diferenças, que é de onde partem as primeiras suspeitas de anormalidade e dificuldades das crianças; que é o lugar de onde falam os que são (competentes ou não) designados a transmitir os conhecimentos socialmentes valorizados é, também o lugar onde se pode proporcionar aos alunos a superação de dificuldades, experiênias ainda não vivenciadas e instrumentos para realizar as aprendizagens necessárias ao pleno exercício de sua condição humana. (PADILHA apud SANTA CATARINA, 1996). PROPOSTA CURRICULAR (Avaliação) 71 BIBLIOGRAFIA ABRAMOWICZ, Mere. Avaliando a avaliação da aprendizagem: um novo olhar. São Paulo: Lumen, 1996. ALVES, Maria Leila (Coord.) Avaliação do rendimento escolar. São Paulo: Fundação para o desenvolvimento da educação, n.22, 1994. DARSIE, Marta Maria Pontin. Avaliação e aprendizagem. Caderno Pesquisa, São Paulo, n.99, p.47-59, nov. 1996. DEPRESBITERIS, Lea. Avaliação da aprendizagem: revendoconceitos e posições. 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São Paulo: Cortez, 1995. MOREIRA, Antônio Flávio & SILVA, Tomaz Tadeu da. Currículo, cultura e sociedade. São Paulo: Cortez, 1995. SAMPAIO, Maria das Mercês Ferreira. Um gosto amargo de escola: relação entre currículo e fracasso escolar. São Paulo: PUC, 1997 [Tese de doutorado]. SANTA CATARINA. SECRETARIA DO ESTADO DE EDUCAÇÃO E DO DESPORTO. Abordagem às diversidades no processo pedagógico. Florianópolis, 1996. SAUL, Ana Maria. Avaliação emancipatória. Desafio à teoria e à prática de avaliação e reformulação de currículo. 2 ed. São Paulo: Cortez, 1991. SAVIANI, Nereide. Saber escolar, currículo e didática: Problemas da unidade conteúdo/método no ensino. São Paulo: Cortez, 1997. SILVA, Maurício da. Avaliação no ensino da matemática: mecanismos intra-escolar de desescolarização? Guarapuava. OEST, 1994. SILVA, Maurício da. Avaliação, projeto da escola e projeto social. Epísteme, Tubarão, v. 4, n. 11/12, 1997. SMOLKA, Ana Luiza B. & GÓES, Maria Cecília R. (Org.) 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GRUPO DE TRABALHO PARTICIPANTES: MARLI JACINTO - 15 ª CRE ZILMA MÔNICA SANSÃO BENEVENUTTI - 4 ª CRE JAIR ORANDES DE FREITAS - 7 ª CRE ODILA BRISIDA FACCIO - 17 ª CRE LÉA REGINA CARDOSO GIL - IEE MAURÍCIO DA SILVA - 2 ª CRE MARIA ESMÉRIO MOTTA - 7 ª CRE NARA ELIANE CLAUDIO - 3 ª CRE COORDENAÇÃO: NADIR PEIXER DA SILVA - DIEF/ SED REGINA CÉLIA LINHARES HOSTINS - FCEE CONSULTORIA: VÂNIA BEATRIZ MONTEIRO DA SILVA CÁSSIA FERRI PROPOSTA CURRICULAR (Processo Pedagógico) 72 ABORDAGEM ÀS DIVERSIDADES NO PROCESSO PEDAGÓGICO A DIVERSIDADE NA VISÃO HISTÓRICO-CULTURAL As sociedades ao longo da história, desde a antigüidade, vêm estabelecendo mecanismos de categorização das pessoas a partir de atributos considerados “naturais”, como por exemplo: deficiente, excepcional, louco, aleijado, etc. Essas categorizações, entretanto, são construções históricas e culturais que se elaboram a partir de padrões previamente estabelecidos por um determinado grupo social. A transgressão a estes padrões produz significações de desvantagem e de descrédito, transformando-se em estigmas (marcas/impressão) associados a um determinado tipo de indivíduo. Os gregos criaram o termo estigma para se referirem a sinais corporais com os quais se procurava evidenciar alguma coisa de bom ou mau sobre o status moral de quem os apresentava. Os sinais que eram feitos com cortes ou fogo, no corpo, significavam que o portador era um escravo, um criminoso ou traidor, uma pessoa marcada que deveria ser evitada em lugares públicos. Na Era Cristã, dois níveis de metáfora foram acrescentados ao termo estigma: o primeiro deles referia-se a sinais corporais de graça divina que tomaram a forma de flores em erupção sobre a pele: o segundo, uma alusão médica a essa alusão religiosa, referia-se a sinais corporais de distúrbios físicos. Atualmente, o termo é amplamente usado de maneira um tanto semelhante ao sentido original, aparecendo como um constructo social que permeia todas as relações que se refletem nos indivíduos e são por eles internalizadas. Por definição, é claro, acreditamos que alguém com um estigma não seja completamente humano. Com base nisso, fazemos vários tipos de discriminação, através das quais efetivamente e, muitas vezes sem pensar, reduzimos suas chances de vida. Construímos uma teoria do estigma, uma ideologia para explicar a sua inferioridade e dar conta do perigo que ela representa, racionalizando algumas vezes uma animosidade, baseada em outras diferenças, tais como as de classe social. Utilizando termos específicos de estigmas como aleijado, bastardo, retardado, em nosso discurso diário, como fonte de metáfora e representação sem pensar no seu significado original. (GOFFMANN, 1978, p. 15). Neste entendimento o “normal e o estigmatizado” não são pessoas concretas, mas perspectivas que são geradas em situações sociais. Assim, nenhuma diferença é em si mesma vantajosa ou desvantajosa, pois a mesma característica pode mudar sua significação dependendo dos diversos olhares que se lançam sobre ela. Isto significa que o olhar dos pais sobre os filhos, dos professores sobre os alunos, das instituições sobre os indivíduos contribui para a criação dos estigmas. VYGOTSKY (1989) forneceu uma base de abordagem bastante relevante para a compreensão destas questões quando relacionadas aos “portadores de deficiências” ou de “necessidades especiais”, ao afirmar que as deficiências corporais afetam antes de tudo as relações sociais dos indivíduos e não suas interações diretas com o ambiente físico. Partindo da concepção de que as instituições sociais estabelecem categorias de pessoas que têm probabilidade de serem por elas aceitas, situamos a instituição escolar enquanto agência de cristalização dos estigmas com uma enorme dificuldade de acolher a diversidade. Mesmo aqueles que não apresentam sinais físicos de “anormalidade” são estigmatizados por não apresentarem um perfil acadêmico considerado normal. A escola, ao longo da história, vem pontuando seus critérios de seleção na busca da homogeneidade, traduzindo em suas propostas teórico-metodológicas e em suas relações inter-subjetivas a incapacidade de PROPOSTA CURRICULAR (Processo Pedagógico) 73 trabalhar com a diferença. Apesar de assimilado o princípio constitucional da “Educação para todos”, a cultura escolar, através de suas práticas e conteúdos dominantemente estabelecidos, não abre espaço para a massa diversificada de alunos, com desigual capital de origem familiar e social, com desiguais expectativas e interesses que se enfrentam com conteúdos e ritos pedagógicos de transmissão de conhecimento homogeneizados. Segundo SACRISTÁN (apud MOREIRA & SILVA, 1995), são múltiplos os fatores que contribuem para a padronização e homogeneização do trato pedagógico: a) a estrutura organizativa do sistema educacional e das escolas, que gradua as aprendizagens a transmitir, ordenadas em séries e graus, marcando níveis e caminhos de passagem de uns para outros; b) a ordenação do currículo especializando seus componentes, atribuindo tempo próprio para cada tipo de conteúdo e, portanto, professores diferentes a cada um deles, assim como recursos e materiais didáticos específicos; c) a segregação em tipo de escolas e de educação para alunos com peculiaridade pessoais, culturais e com diferentes destinos sociais: escolas para crianças com deficiências físicas e mentais, para os bem dotados, para os trabalhadores, para o campo etc.; d) a acomodaçãoprofissional dos docentes e a resposta adaptativa destes a certas condições de trabalho não satisfatórias, o que tem reforçado a crença de que é mais fácil trabalhar com uma base homogênea; e) os mecanismos seletivos do sistema escolar e de controle interno e externo sobre os conteúdos que são transmitidos, impondo uma cultura de certo modo homogeneizada dos professores, assim como tipos e níveis de rendimento padronizados dos estudantes, inclusive a obrigatoriedade escolar que não é ou não deveria ser, seletiva; f) a escassa variedade de espaços, de estímulos e recursos culturais para a aprendizagem, que levam ao uso de fontes uniformizadas de informação, como é o caso do emprego massivo de livros didáticos idênticos para todos. Esses múltiplos fatores presentes na escola encontram sustentação numa visão estática e linear da aprendizagem/desenvolvimento que torna difícil admitir interesses, estilos, ritmos de aprendizagem e formas de trabalhar diferentes, dentro de um mesmo grupo de alunos. Os estigmas conferidos às crianças “diferentes”, sejam elas portadoras de deficiências físicas, lingüísticas, cognitivas ou culturais, dentre outras, vêm acompanhados de uma concepção de aprendizagem centrada na carência de aptidão para aprender. Na verdade, quando se começa a colocar as causas das dificuldades de aprendizagem nessas deficiências, o que se pretende é escamotear uma estrutura social injusta que vem legitimando a visão de uma criança “normal”, limpa, saudável, assídua, obediente, proveniente de famílias legalmente constituídas etc. Isto se contrapõe à visão histórico-cultural, que preconiza que o indivíduo se humaniza num ambiente social, em interação com outras pessoas, tornando impossível considerar o desenvolvimento do sujeito como um processo previsível, linear e gradual. O sujeito se faz diferenciado do outro, mas formado na relação com o outro singular, mas constituído socialmente e, por isso mesmo, numa composição individual, mas não homogênea. (SMOLKA & GÓES, 1993). Neste sentido é impossível pensar, no contexto escolar, que os alunos são iguais. Eles diferem nas suas crenças, valores, comportamentos, origem social e econômica. São sujeitos reais que dão significados diferenciados às suas experiências e vivências como pessoas. As informações disponíveis a cada um são distintas, as estratégias de pensamento e ação, bem como os recursos utilizados, são diferentes. A diferença entre os indivíduos é fundamental para a interação social que se consolidará em sala de aula: sem essa diversidade não seria possível a troca e, conseqüentemente, a ampliação das capacidades cognitivas na busca de soluções compartilhadas. PROPOSTA CURRICULAR (Processo Pedagógico) 74 Assim sendo, as interações são fundamentais para o desenvolvimento. O sujeito destas interações é, portanto, um sujeito interativo – o que significa dizer que ele não é passivo e nem só ativo, mas partilha, necessariamente, dos planos inter e intrasubjetivo. Assim, o sujeito individualiza-se e se socializa num processo constante de incorporação da cultura e individuação que é marcada pelos recursos mediadores. (FERRI, 1996, p. 5). A escola e a diversidade Considerando que o papel da escola é promover a apropriação, elaboração e reelaboração de conhecimento, torna-se necessário que se favoreçam determinados tipos de interações sociais, o que nos remete à discussão acerca do papel do professor na sala de aula e à concepção que fundamenta sua pratica pedagógica. A ideologia da “Democratização do Ensino” anuncia o acesso ao conhecimento a todos pela via da escolarização, mas efetivamente o inviabiliza pelas próprias condições desta escolarização. Na produção do ensino em massa as práticas pedagógicas não apenas discriminam e excluem, mas emudecem e calam. Criam-se mitos em relação ao fracasso escolar; as relações interpessoais são camufladas, interrompidas, não questionando as condições e os métodos, entendendo que as crianças que não aprendem possuem características pessoais impeditivas. A escola passa a apontar uma série de patologias nas crianças, começando a surgir as dislexias, os problemas neurológicos, psicomotores, foniátricos, psicológicos, desinteresse total e falta de motivação. SMOLKA (1989, p. 17) questiona: Mas o que é pedagógico e o que é patológico? Como distinguir? Como diagnosticar? Quem faz ou pode fazer este diagnóstico? O patológico é sempre originário na criança? Ou pode ser produzido pelas condições sociais e pela inculcação pedagógica? Através de um currículo que seleciona e valoriza certos componentes, produzem-se limitações e mutilações para todos, mas principalmente para os alunos que se encontram em situação de desvantagem, seja em função de uma deficiência orgânica, seja em função da desigualdade em relação ao capital cultural de origem familiar e social que este alunos carregam. Esta transformação das dificuldades em “patologias” gerou uma demanda significativa para o ensino especial através de classes especiais, salas de apoio e escolas especiais, provocando um equívoco que desloca o eixo do trabalho do professor do conteúdo escolar para “atividades pedagógicas específicas”. Historicamente, a institucionalização do atendimento a “portadores de deficiências” tem se limitado a criar espaços específicos de apoio a esta parcela da população. Isto cria um distanciamento das possibilidades de, na e pela interação social com outro sujeitos, acessarem ao conhecimento historicamente produzido conforme expressa o compromisso de escolarização para todos. Segundo COSCODAI (1994) o “certo”, o “normal” do mundo é que as pessoas caminhem, falem, escrevam, produzam, saibam controlar seus instintos e suas vidas da forma como prevêem as normas sociais e que sejam capazes de se sujeitar a qualquer regra e conhecimento. No entanto, há pessoas que não chegam a fazer tudo isso. Há casos em que a diferença é entendida como deficiência. Contudo, esta diferença pode ser entendida de um outro jeito e guiada por outros princípios: através de uma outra ética, de uma outra lógica e de um outro saber que acaba por implicar em outras ações e reflexões acerca não só das pessoas, mas também, das coisas por elas e com elas produzidas. É portanto na e pela interação social que o homem se constitui enquanto sujeito e que o conhecimento é ...construído na interação sujeito e objeto e que essa ação sobre o sujeito é socialmente mediada. (GÓES, 1991, p. 21). PROPOSTA CURRICULAR (Processo Pedagógico) 75 TRABALHANDO COM A DIVERSIDADE Considerações sobre uma proposta curricular Tornar possível uma proposta curricular que dê voz à diversidade no processo pedagógico implica em discussões acerca da própria concepção de currículo que se pretende assumir. Desta forma, far-se-á, a seguir, algumas considerações a respeito do tema. As atuais discussões sobre CURRÍCULO deixaram para trás a concepção meramente técnica, voltada para as questões relativas a procedimentos, técnicas e métodos. O CURRÍCULO assume hoje as características de um artefato social e cultural, o que o coloca na moldura mais ampla de suas determinações sociais, de sua história e de sua produção contextual. Segundo MOREIRA & SILVA (1995, p.7-8) O currículo não é um elemento inocente e neutro de transmissão desinteressada do conhecimento social. O currículo está implicado em relações de poder, o currículo transmite visões sociais particulares e interessadas, o currículo produz identidades individuais e sociais particulares. O currículo não é um elemento transcendente e atemporal – ele tem uma história, vinculada a formas específicas e contingentes de organização da sociedade e da educação. Desta forma, é preciso atenção ao tratarmos do conhecimento corporificado como currículo, uma vez que não é mais possível analisá-lo fora da sua constituição social e histórica. Não é possível encarar de modo ingênuo o papel constitutivodo conhecimento organizado em forma curricular e transmitido nas instituições educacionais. O currículo existente, isto é, o conhecimento organizado nas instituições educacionais, passa a ser visto não apenas como implicado na produção de relações assimétricas de poder no interior da escola e da sociedade, mas também como histórica e socialmente contingente. O currículo é uma área contestada, é uma arena política. (MOREIRA & SILVA, 1995, p. 21). Compreender o currículo enquanto artefato social e cultural implica também em uma concepção de cultura que não é conjunto estático de valores e conhecimentos que são transmitidos às próximas gerações, nem existem de forma unitária e homogênea. Ao contrário, a cultura é um terreno em que se enfrentam diferentes e conflitantes concepções de vida social. O currículo torna-se, portanto, um terreno de produção e de política cultural, no qual os materiais existentes funcionam sobretudo como matéria-prima de criação, recriação e, sobretudo, de contestação e transgressão. Em contradição à escola e ao processo de aprendizagem que se discutiu até então, ainda existem na rede de ensino modalidades específicas de atendimento à diversidade, dentre os quais o Serviço de Apoio Pedagógico (SAP), que tendem a assumir um caráter cada vez mais transitório, caminhando para superação da sua marginalidade, na medida em que as escolas assumirem a diversidade como o pressuposto fundamental para organização de sua prática e formulação de seu projeto político- pedagógico. Orientação teórico-metodológica O fato de termos nas salas de aula um grupo de alunos de diferentes possibilidades exige-nos pensar esta aprendizagem de forma coletiva e diferenciada dos moldes atuais de compartimentação da escola padrão. A busca aponta-nos os pressupostos da abordagem histórico-cultural de aprendizagem e desenvolvimento, basicamente pela possibilidade de formação de grupos heterogêneos, ou seja, porque ...a heterogeneidade, característica presente em qualquer grupo humano, passa a ser vista como fator imprescindível para as interações na sala de aula. Os diferentes ritmos, comportamentos, experiências, PROPOSTA CURRICULAR (Processo Pedagógico) 76 trajetórias pessoais, contextos familiares, valores e níveis de conhecimentos de cada criança (e do professor) imprimem ao cotidiano escolar a possibilidade de troca de repertórios, de visão de mundo, confrontos, ajuda mútua e conseqüente ampliação das capacidades individuais. (REGO, 1995, p. 88). A partir disto, pode-se sentir que a heterogeneidade dos grupos eleva suas possibilidades, abrindo espaço para a ampliação das potencialidades cognitivas. A visível assimetria entre professor e alunos e destes entre si não poderá, portanto, ser encarada somente de modo negativo como vem acontecendo, mas, ao contrário, aproveitada enquanto oportunidade efetiva de aprendizagem. A busca pela simetria deve garantir a igualdade de todos na ocupação do tempo e do espaço interativo, na expressão individual, na negociação das regras de funcionamento do grupo, etc. E o simples contato entre professor e alunos e dos alunos entre si bastaria? Para assegurar a construção do conhecimento no âmbito escolar é preciso que determinados tipos de interação social sejam efetivados dentro do grupo. Interações sociais que contribuem para a construção do saber e que, por esta razão, são consideradas educativas referem-se, pois, a situações bem específicas: aquelas que exigem coordenação de conhecimentos, articulação da ação, superação das contradições, etc. Para tanto, é preciso que certezas sejam questionadas, o implícito explicitado, lacunas de informações preenchidas, conhecimentos expandidos, negociações entabuladas, decisões tomadas. Tal interação, no entanto, ocorrerá apenas na medida em que houver conexões entre seus objetivos (conhecimentos a serem construídos) e o universo vivido pelos participantes, entendidos enquanto atores que possuem interesses, motivos e formas próprias de organizar sua ação. Para que os parceiros de uma dada interação abram mão da individualidade que os move, é fundamental que o significado e a importância da atividade conjunta esteja claro para todos os participantes. (DAVIS, 1989:52). Ao destacar a importância da experiência partilhada, da comunhão de situações, do diálogo, da colaboração e conceber, deste modo, o aprendizado como um processo de trocas, portanto social, é que VYGOTSKY formula – e nos remete ao estudo – do conceito de Zona de Desenvolvimento Proximal. Tendo como pressuposto que o companheiro mais experiente influencia, com seu ponto de vista, o menos experiente, levando-o a apropriar-se de conhecimentos de que antes não dispunha, de que é na e pela interação que os conhecimentos são historicamente construídos, é que o conceito de Zona de Desenvolvimento Proximal faz-se necessário para o estudo das possibilidades de aprendizagem na classe heterogênea. Segundo MACHADO (1994), VYGOTSKY, ao postular o conceito de zona de desenvolvimento proximal, define-a como sendo “a diferença entre o nível de resolução de problemas sob a direção e com a ajuda dos adultos e aquele atingido sozinho”. Desta forma, entende-se que – em um plano teórico, portanto virtual – existem dois níveis de desenvolvimento: o real e o potencial. O primeiro (real) faz parte do sujeito, enquanto processo intrapessoal, na forma de conhecimentos apropriados e faz parte do social enquanto conhecimentos historicamente acumulados. O segundo, potencial, só é ativado e se transforma em possibilidade de vir a tornar-se desenvolvimento real em uma situação de interação. Neste sentido a Zona de Desenvolvimento Proximal é um espaço em movimento criado na própria interação, em função do conhecimento utilizado pelo participante menos competente e também pelo suporte, instrumentos e recursos de apoio empregados pelo participante mais competente. Articulando o movimento aprendizagem/desenvolvimento/ensino no espaço virtual da zona de desenvolvimento proximal, a formação das funções psicológicas superiores aparece como elemento chave. Estas funções são elaboradas através das atividades do sujeito em contexto de interação mediante apropriação e utilização de instrumentos e signos. São elas: percepção categorial, memória lógica, atenção focalizada, emoção e imaginação criadora, auto-regulação da conduta, abstração, raciocínio lógico, generalização e outras. Em síntese, a formação das funções psicológicas superiores torna-se possível na interação, que por PROPOSTA CURRICULAR (Processo Pedagógico) 77 sua vez permite a ativação da ZDP. A ação de conhecer se dá no movimento inter e intrapsicológico, no vai e vem dialético entre os parceiros: na confirmação de objetivos comuns, no confronto de idéias, na busca de soluções, na competição, na cooperação. Esse movimento cria condições para a formação de conceitos, viabilizando, ao mesmo tempo, os processos de abstração (análise, classificações, inferências, deduções) tanto individuais quanto coletivos, ou seja, intercâmbios inter e intrapsicológicos que alimentaram o desenvolvimento e a manutenção da interação. (MACHADO, 1994, p.45) Compreendendo que é papel da educação promover o desenvolvimento das funções psicológicas superiores que permitem ao indivíduo constituir-se enquanto sujeito capaz de pensar a realidade e transformá-la, é que se propõe que o ensino seja uma forma de ajuda através dos processos de aprendizagem. Os processos de aprendizagem a serem desencadeados por uma escola que pretenda abordar a diversidade supõe necessariamente a proposição de atividades que possibilitem a elaboração conceitual, dando ao conteúdo um tratamento histórico-cultural. Isso pressupõe possibilitar aos alunos o encontro com novos conhecimentos, oferecendo-os e destacando-os em contextos diversos, auxiliá-los a analisar e organizar os mesmos confrontando- os com outras possibilidades de elaboração e aproximando-osdos conhecimentos em circulação na sala de aula e modos de utilização destes nas práticas cotidianas, na comunidade e na dinâmica histórica. Pressupõem, ainda, partilhar com os alunos informações, indagações, sentidos possíveis, validando-as, colocando-as em dúvida, explicitando limites e contradições, provocando novas relações e novas possibilidades. Constituição do Serviço de Apoio Atualmente, em razão de todos os fatores histórico-sociais anteriormente considerados, ainda existem modalidades de atendimento às diversidades que assumem um caráter segregacionista, a exemplo das classes de apoio pedagógico. Isto tende a ser superado na medida em que a escola discuta coletiva e permanentemente a prática pedagógica adotada, refletindo sobre as diferentes formas do fazer educacional, que levam ao êxito ou ao fracasso coletivo dos alunos e busque alterá-la a partir de discussões teóricas acerca do que fundamenta a aprendizagem. Disto resultará a sua reorganização a partir de um Projeto Político-Pedagógico, importante marco teórico e referencial de orientação ao trabalho educacional, que implique na mudança de olhar e de lógica que percebe a diferença enquanto deficiência. Nesta perspectiva insere-se o Serviço de Apoio Pedagógico que ora se apresenta enquanto alternativa diretamente vinculada e articulada ao Projeto Político- Pedagógico das Escolas. Este serviço é entendido como uma ação coletiva , integrante do trabalho cotidiano da escola, de responsabilidade de todos diretamente envolvidos com o processo educativo, a saber: direção, especialistas, professores, integradores de ensino e de educação especial, devendo ser avaliado permanente e sistematicamente. Muito mais do que a estruturação de uma classe para atender em separado, trata-se de uma ação da escola no sentido de acolher a diversidade ao longo do processo educativo, sendo preferencialmente buscadas alternativas pedagógicas no espaço da sala de aula. Neste momento conta-se com a possibilidade de estruturação de pólos de atendimento às necessidades especiais em nível regional, aglutinando alunos provenientes de escolas próximas. Cabe salientar que esta modalidade não se esgota em si mesma e pressupõe: a) uma certa transitoriedade; b) articulação permanente com todos os elementos que constituem o processo pedagógico das escolas envolvidas; c) uma interlocução permanente do profissional responsável pelo serviço de apoio com os professores, especialistas, integradores de ensino e de educação especial; d) sua constituição enquanto espaço de produção e investigação de alternativas metodológicas; e) a oferta de suportes que, trabalhados em novas pautas interacionais, permitam ao aluno avançar no processo de elaboração conceitual. PROPOSTA CURRICULAR (Processo Pedagógico) 78 Considera-se sua transitoriedade tendo em vista a falta de sustentação desta modalidade de atendimento frente a concepção teórico-metodológico da Proposta Curricular do Estado de Santa Catarina e referenciada neste documento. Pressupostos estes ainda não materializados na prática pedagógica das escolas. A articulação se dará sob a coordenação da CRE que viabilizará o aprofundamento das questões teórico-metodológicas do SAP à luz dos pressupostos da Proposta Curricular, bem como a avaliação permanente do mesmo em todas as suas dimensões. A interlocução entre os elementos que compõem o SAP deve ser um fórum privilegiado de discussão, onde se possam repartir angústias, comemorar sucessos, mas principalmente estudar e aprofundar alternativas de trabalho educativo. A reflexão conjunta sobre o trabalho desenvolvido pela escola deve estabelecer um diálogo de co-autoria onde possam interagir sujeitos concretos que lidem com seus limites e possibilidades. A constituição do SAP enquanto espaço de produção e investigação de alternativas pedagógicas significa a reflexão conjunta sobre as situações vividas no trabalho pedagógico, desvelando posições pessoais e profissionais, despertando discussões, redimensionando-se questões e pressuposições iniciais, percebendo as dificuldades e as possibilidades de investimento. O trabalho pedagógico do SAP não repetirá os procedimentos e/ou atividades que foram realizadas na sala de aula. Ao contrário, possibilitará novas oportunidades para que o aluno possa preencher lacunas ou elaborar os conhecimentos. Ao oportunizarmos à criança lançar mão de outros sentidos e experiências, para elaborar o saber escolar, incorporamos a esse conhecimento um imenso arsenal de outras possibilidades, ou seja, no exercício vivo das trocas de sentido e de modos de operar intelectualmente, as crianças não só se apropriam dos conceitos, mas também elaboram modos de interação, de participação como perguntar, como responder, como argumentar e de negociação ( FONTANA, 1996). As atividades a serem realizadas pelo SAP enfatizarão a elaboração dos conceitos fundamentais das diferentes áreas do conhecimento, dando ao conteúdo um tratamento histórico-cultural, e principalmente, como dito acima, procurando auxiliar o grupo de alunos na aquisição de instrumentos mediadores que os possibilitem apropriar-se de modo cada vez mais elaborado do conhecimento. Encaminhamentos do Serviço de Apoio Pedagógico: Os encaminhamentos ao SAP iniciam um processo de avaliação que, em função do que já dissemos anteriormente, diz respeito a todo o processo pedagógico e contexto escolar. Faremos a seguir algumas considerações sobre a questão da avaliação. Gradativamente, no sistema escolar, o conceito de avaliação vem evoluindo; pode-se perceber ... o caminhar de uma concepção tecnicista onde avaliar significa medir, atribuir nota, predizer, em direção a uma concepção sócio-política em que a avaliação é vista em um contexto mais amplo sócio-cultural, historicamente situada, auto-construída, transformadora e emancipadora. (ABRAMOWICZ, 1996, p.26) Entende-se a avaliação como um processo que ocorre a todo momento e que envolve todos os elementos do processo pedagógico: professor, alunos, todas as pessoas que trabalham ou estão envolvidos com a escola, assim como os objetivos, os conteúdos e as atividades realizadas na escola e em sala de aula. A compreensão da perspectiva histórico-cultural que pressupõe a aprendizagem como a principal fonte de desenvolvimento, onde prevalecem as possibilidades garantidas pelas pautas interacionais e onde o conceito de zona de desenvolvimento proximal coloca professores na constante tarefa de mediação com seus alunos e o conhecimento, parte do princípio de uma avaliação que se realiza como fonte de informação para os novos procedimentos a serem tomados a cada instante no processo educacional. Viabilizado enquanto fonte de informação o processo avaliativo compor-se-á no cotidiano, observando e entrecruzando-se todas as reações, convicções, possibilidades e dificuldades do conjunto de alunos e de professores. Mais importante do que a discussão de mecanismos de avaliação, como provas, testes, exercícios, PROPOSTA CURRICULAR (Processo Pedagógico) 79 trabalhos escritos individuais e coletivos, pesquisa e outros, está a possibilidade de conceber e trabalhar com o conceito de avaliação que dê espaço à criatividade, à criticidade e à autonomia, distanciando-se, desta forma de um controle de domínio cognitivo pela memorização trivial e medíocre. Como reverter a prática avaliativa alicerçada em instrumentos legais que legitimam a seleção prevendo (obrigando/protegendo) o uso de provas, testes, notas, médias, classificações periódicas em tempos estanques e pré-determinados ? A busca de um grande número de educadores tem sido a de trabalhar com os pressupostos de uma avaliação emancipatória cujas características são : a) processual e contínua. Significa estar intimamente ligada à concepção de conhecimento e currículo como uma construção histórica, singular e coletiva dos sujeitos num processo permanente deação-reflexão-ação, a fim de proporcionar avanços, progressões e inclusões na dinâmica de aprendizagem dos alunos; b) participativa. Ao envolver todos os segmentos: pais/mães, alunos, professores, funcionários como co-participantes, co-autores e co-responsáveis na práxis durante o processo de aprendizagem, o processo de avaliação retoma, reorganiza e reeduca os envolvidos através de reuniões, assembléias e conselhos de classe etc.; c) investigativa e diagnóstica. O aluno é parâmetro de si mesmo, respeita-se o processo de apropriação de conhecimento do aluno, considerando os erros como pontos de reflexão, busca de alternativas e desafios para novas construções. A observação, o registro e a reflexão constante são alguns dos múltiplos instrumentos para levantar dados e “ver” a realidade. ( LOCK, 1996)25. Avaliar faz parte do ato educativo, do processo de aprendizagem. Avalia-se para diagnosticar avanços e entraves, para intervir, agir, problematizando, interferindo e redefinindo os rumos e caminhos a serem percorridos. Compreendendo-se a avaliação desta forma, o encaminhamento de um aluno para o SAP será um intenso processo de reflexão sobre todos os aspectos da prática pedagógica e, principalmente, do trabalho desenvolvido para a aprendizagem deste aluno. Caracteriza-se desta forma um Serviço de Apoio Pedagógico que não se destina aos sujeitos de modo individualizado, mas um apoio pedagógico para o ato educativo, para a escola e seu projeto, voltado, portanto, a permanente reflexão sobre o modo como estão se realizando as atividades possibilitadoras de aprendizagens. Desta forma, a sala de aula, que é um lugar de tantos desencontros e diferenças; que é de onde partem as primeiras suspeitas de “anormalidades” e “dificuldades” das crianças; que é o lugar de onde falam os que são (competentes ou não) designados a transmitir os conhecimentos socialmente valorizados... (PADILHA,1994, p. 127) é , também, o lugar onde se pode proporcionar aos alunos a superação de dificuldades, experiências ainda não vivenciadas e instrumentos para realizar as aprendizagens necessárias ao pleno exercício de sua condição humana. O trabalho do Serviço de Apoio Pedagógico é uma aposta em uma escola que assuma todos os seus alunos e alunas como pessoas que merecem respeito, descartando modelos seletivos e aprofundando a compreensão que se pode/deve oferecer aos alunos as mesmas possibilidades e experiências educativas, independentemente de sua posição social, econômica, raça, sexo, capacidade intelectual ou qualquer outra característica. É uma aposta em uma escola que, incluindo as diferenças, exclui as desigualdades. Estruturação do Pólo de Atendimento às Necessidades Especiais A estruturação da Escola pólo de atendimento é de responsabilidade da equipe pedagógica da CRE (diretores de ensino, integradores de ensino regular e especial). 25 LOCK, Jussara. Avaliação Emancipatória. In: SILVA, Luiz Heron da et-al. Novos Mapas Culturais/Novas Perspectivas. Porto Alegre: Sulinas, 1996 PROPOSTA CURRICULAR (Processo Pedagógico) 80 Os procedimentos necessários para encaminhamentos são: a) a equipe da escola, a partir do entendimento assumido neste documento, procura a equipe pedagógica da CRE munida de relatório de avaliação de todos os aspectos do processo pedagógico e principalmente do trabalho desenvolvido para o processo de aprendizagem do aluno a ser encaminhada ao Serviço. b) a equipe pedagógica da CRE, após avaliação e análise com a equipe da escola, encaminhará o processo de estruturação do Serviço para SED/DIEF de que deverá constar: justificativa, local para funcionamento, professor respeitando os critérios e relatórios das escolas. c) a equipe da DIEF, em parceria com a FCEE, analisará os processos, recorrendo a equipe da CRE se necessário, tomando as devidas providências para estruturação. O funcionamento do pólo deverá ser proposto pela CRE, em discussão com SED/FCEE. BIBLIOGRAFIA COSCODAI, Beatriz Teresinha. Quando uma diferença é posta como deficiência: reflexões sobre três Histórias. Florianópolis : Universidade Federal de Santa Catarina, 1994 [Dissertação de Mestrado]. DAVIS, Claudia et.al. Papel e valor das interações sociais em sala de aula. Cadernos de Pesquisa. São Paulo, n.71, p.40-51, nov.1989. FERRI, Cássia. Diversidade nas diferentes áreas do conhecimento. Texto apresentado no I Seminário de Intercâmbio científico entre educadores do ensino regular e especial. Fraiburgo, 1996. [mimeo]. GOFFMAN, Erving. Estigma: notas sobre a manipulação da identidade deteriorada. 4 ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1978. GÓES, Maria Cecília. A natureza social do desenvolvimento psicológico. Cadernos CEDES. Campinas, n.24, p.17-24, 1991. LOCK, Jussara. Avaliação emancipatória. In: SILVA, Luiz Heron da et.al. Novos mapas culturais/novas perspectivas educacionais. Porto Alegre : Sulinas, 1996. MACHADO, Maria Lúcia de A. Exclamações, interrogações e reticências na instituição de educação infantil : uma análise a partir da teoria sócio-interacionista de Vygotski. São Paulo : Pontifícia Universidade Católica de São Paulo/ PUC-SP, 1993 [ Dissertação de Mestrado]. PADILHA, Anna Maria Lunardi. O encaminhamento de crianças para a classe especial: possibilidades de histórias ao contrário. Campinas : Universidade Estadual de Campinas, 1994 [ Dissertação de Mestrado]. SACRISTÁN, J. Gimeno. Currículo e diversidade cultural. In: SILVA, Tomaz Tadeu da & MOREIRA, Antônio Flávio Moreira. Territórios Contestados: o currículo e os novos mapas políticos e culturais. Petrópolis: Vozes, 1995. SILVA, Tomaz Tadeu da & MOREIRA, Antônio Flávio Moreira. Currículo, cultura e sociedade. São Paulo: Cortez, 1995. SMOLKA, Ana Luiza B. & GÓES, Maria Cecília R. de. A linguagem e o outro no espaço escolar: Vygotsky e a construção do conhecimento. Campinas : Papirus, 1993. SMOLKA, Ana Luiza B. A criança na fase inicial da escrita: a alfabetização como processo discursivo. São Paulo : Cortez ; Campinas : Universidade Estadual de Campinas, 1989. REGO, Teresa Cristina. A origem da singularidade humana na visão dos educadores. Cadernos CEDES, Campinas, n.35, p.79-93, 1995 VYGOTSKY, L.S. A formação social da mente. 3 ed. São Paulo : Martins Fontes, 1989. VYGOSTKY, L.S. Pensamento e Linguagem. 2 ed. São Paulo : Martins Fontes, 1989. GRUPO DE TRABALHO NADIR PEIXER DA SILVA - SED/DIEF REGINA CÉLIA LINHARES HOSTINS - FCEE MARIA HELENA GARCIA - FCEE SANDRA MARA CARDOSO - SED/ DIEF PAULA ÁVILA BROËRING - SED/ DIEF CARLA ADRIANA SCHAUFFERT - FCEE COORDENADORA NADIR PEIXER DA SILVA - SED/DIEF CONSULTORIA CÁSSIA FERRI PROPOSTA CURRICULAR (Eixos Norteadores) 12 EIXOS NORTEADORES DA PROPOSTA CURRICULAR Paulo Hentz* Qualquer proposta curricular fundamenta-se, explícita ou implicitamente, em alguns eixos fundamentais. É impensável uma propostra curricular que se dê no espontaneísmo, sem que haja um norte a partir do qual a mesma se fundamente. Entendemos como eixos fundamentais uma concepção de homem e uma concepção de aprendizagem. Pela primeira, decide-se que homem se quer formar, para construir qual modelo de sociedade. Consequentemente, escolhe-se o que ensinar; pela segunda (que não está descolada da concepção de homem), escolhe-se a maneira de compreender e provocar a relação do ser humano com o conhecimento. Para a Proposta Curricular de Santa Catarina, o ser humano é entendido como social e histórico. No seu âmbito teórico, isto significa ser resultado de um processo histórico, conduzido pelo próprio homem. Essa compreensão não consegue se dar em raciocínios lineares. Somente com um esforço dialético é possível entender que os seres humanos fazem a história, ao mesmo tempo que são determinados por ela. Somente a compreensão da história como elaboração humana é capaz de sustentar esse entendimento,sem cair em raciocínios lineares. Ilustrativo dessa concepção é a afirmação de que os homens fazem sua própria história, mas não a fazem como querem: não a fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com as quais se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado. A tradição de todas a gerações mortas oprime como um pesadelo o cérebro dos vivos (MARX, 1978). Em termos de conhecimento produzido no decorrer do tempo, esta proposta curricular parte do pressuposto de que o mesmo é um patrimônio coletivo, e por isso deve ser socializado. Essa afirmação, mesmo que à primeira vista pareça simples, implica numa série de desdobramentos. Alguns deles: Falar-se em socialização do conhecimento implica em garanti-lo a todos. Não se socializa nada entre alguns. Isto tem implicações com políticas educacionais que devem zelar pela inclusão e não pela exclusão, tais como campanhas de matrícula abrangentes, capacitação de professores, programas de formação, e com posturas dos professores diante do ato pedagógico, que zelem igualmente pela inclusão, tais como: zelar para que todos aprendam, não apenas os que tenham maior facilidade para tal, garantir que o conhecimento do qual o professor é portador seja efetivamente oportunizado a todos os alunos. Um indicativo da preocupação desta proposta curricular com a radicalidade do significado da socialização do conhecimento é a abordagem do Serviço de Apoio Pedagógico e da Educação Especial, uma vez que o corpo conceitual que lhe dá sustentação não consegue admitir que não se trate da educação escolar das crianças e dos jovens com necessidades educativas especiais. Falar em socialização do conhecimento das ciências e das artes implica também em encarar a relação desse conhecimento com outros saberes, tais como o do cotidiano e o religioso. Não se trata de negar a existência, nem a importância desses saberes, nem de considerar que o aluno chega à escola sem saber nenhum. Nas diferentes áreas do conhecimento, as crianças e os jovens já trazem conceitos elaborados a partir das relações que estabelecem em seu meio extra-escolar, que não podem ser ignorados pela escola. Trata-se de lidar com esses saberes como ponto de partida e provocar o diálogo constante deles com o conhecimento das ciências e das artes, garantindo a apropriação desse conhecimento e da maneira científica de pensar. Com o conhecimento das ciências e das artes, as gerações mais jovens se apropriam de conhecimentos mais complexos e socialmente mais legítimos, uma vez que, a partir do Renascimento (Séc. XVI), o conhecimento que se pôs como dominante na Europa e em todo o mundo então tido como civilizado foi o científico, em substituição ao teológico, cuja legitimidade social reinou absoluta durante toda a Idade PROPOSTA CURRICULAR (Eixos Norteadores) 13 Média. É importante notar que a mudança de eixo do conhecimento, da teologia para ciência, não fora um acontecimento isolado. Foi decorrência de um conjunto de fatores de ordem econômica e política, ligado à ascensão econômica e política da burguesia e da conseqüente diminuição do poder político da Igreja. Em outras palavras, o clero governava pela teologia, ao passo que, na sociedade burguesa se passou a governar pela ciência. Há, portanto, uma relação do conhecimento considerado mais legítimo em cada tempo, com o poder. Assim, quanto mais esse conhecimento estiver concentrado nas mãos de poucos, maior é a possibilidade de esses poucos controlarem pacificamente a maioria; quanto mais, porém, esse conhecimento for socializado, maior a possibilidade de conquista ou do controle do poder pela maioria. Gramsci (1989)2 chama atenção para a necessidade de as camadas populares terem acesso ao conhecimento próprio da camada dominante da sociedade para se tornarem também governantes. O NOME DA ROSA, de Umberto Eco, serve como ilustração da relação direta entre o conhecimento mais legítimo de uma época com o poder (o conhecimento mais complexo, mesmo da teologia, era escondido também de muitos de dentro da hierarquia da Igreja, para que poucos pudessem mandar mais facilmente em todos). A socialização é sempre socialização de riqueza. À escola não é possível promover a socialização da riqueza material. A socialização da riqueza intelectual – apanágio da escola – no entanto, é um dos caminhos para a socialização da riqueza material. Isto não significa, porém, que basta ter a riqueza intelectual, que a material vem por acréscimo. Significa, por outro lado, que a apropriação da riqueza intelectual abre caminhos para a ação política das camadas populares, capacitando-as para criarem alternativas sociais de maior distribuição da riqueza material. É importante frisar, ainda, sobre este assunto: socializar o conhecimento das ciências e das artes implica também em oportunizar uma maneira científica de pensar. Apenas oportunizar a informação científica, de forma dogmática, acrescenta muito pouco ao preparo intelectual dos alunos, uma vez que as informações científicas, diante da dinamicidade da ciência, tornam-se rapidamente obsoletas. O que não se obsoletiza é a maneira de pensar que permita a autonomia de cada um na compreensão do conhecimento e das informações, na busca e na elaboração de novas informações e de novos conhecimentos, uma vez que a elaboração de novos conhecimentos se dá sempre a partir dos conhecimentos que alguém já tem internalizados. A socialização do conhecimento na perspectiva do universal implica em não se prender a conhecimentos localizados, nem à abordagem localizada do conhecimento. Isto, no entanto, não significa uma postura de desprezo para com a realidade proximal dos alunos, apenas na necessidade de ir para além dela, oportunizando ao aluno o entendimento de que o conhecimento tem características universais. Explicitando melhor: trabalhar com o conhecimento numa perspectiva universal significa saber lidar com a realidade proximal dos alunos, provocando o diálogo dessa realidade com conhecimentos que a expliquem, mas expliquem ao mesmo tempo o mundo. Exemplificando: a história da vida individual de cada aluno pode adquirir um caráter universal, se for compreendida a carga da história universal que determina essa história individual. Em termos de concepções de aprendizagem, pode-se afirmar que, desde a antigüidade, duas concepções básicas convivem e, em diferentes momentos, cada uma delas ganha relevo, em detrimento da outra, que é minimizada. Há diferentes referências a essas concepções. Atualmente, é mais usual chamá-las de inatismo (gestaltismo) e empirismo (behaviorismo, ambientalismo). A primeira delas, com raízes na Grécia antiga, entende que todo o conhecimento tem sua origem em estruturas mentais inatas. Nesta concepção, o conhecimento é anterior à experiência. Na relação sujeito/objeto, não há influência do objeto, uma vez que o mesmo é “parido” pelo sujeito. A segunda, com origem igualmente na antiguidade grega, entende que todo o conhecimento é transmitido, de modo que o sujeito recebe o objeto do conhecimento sem agir sobre ele. No que diz respeito a este assunto, a Proposta Curricular de Santa Catarina faz a opção pela concepção histórico-cultural de aprendizagem, também chamada sócio-histórica ou sociointeracionista. Esta é uma concepção relativamente jovem, embora traga também uma carga conceitual que a liga a diferentes momentos da tradição filosófica, desde a antiguidade. 2 GRAMSCI, Antonio. Os Intelectuais e a Organização da Cultura. Trad. Carlos Nelson Coutinho. 7.ed. - Rio de Janeiro. Civilização Brasileira, 1989, 244 p. PROPOSTA CURRICULAR (Eixos Norteadores) 14 Esta concepção, na sua origem, tem como preocupação a compreensão de como as interações sociais agem na formação das funções psicológicas superiores. Estas não são consideradas uma determinação biológica. São resultado deum processo histórico e social. As interações sociais vividas por cada criança são, dessa forma, determinantes no desenvolvimento dessas funções. Portanto, a partir deste ponto de vista, há diferença na formação do que se chama normalmente de inteligência, entre uma criança que vive em um meio social intelectualmente rico e outra que vive em um meio social intelectualmente pobre. Ser mais ou menos capaz de acompanhar as atividades escolares deixa de ser visto como uma determinação da natureza, e passa a ser visto como uma determinação social. Nesta perspectiva a criança (sujeito) e o conhecimento (objeto), se relacionam através da interação do social. Não há, portanto, uma relação direta do conhecimento (como algo abstrato) com a criança. Isto equivale a afirmar que o conhecimento não existe sozinho. Existe sempre impregnado em algo humano (ou um ser humano ou uma criatura humana, como o livro, um aparelho, o meio social). Na educação escolar, o professor passa a ter a função de mediador entre o conhecimento historicamente acumulado e o aluno. Ser mediador, no entanto, implica em também ter se apropriado desse conhecimento. A ação educativa que permite aos alunos dar saltos na aprendizagem e no desenvolvimento, é a ação sobre o que o aluno consegue fazer com a ajuda do outro, para que consiga fazê-lo sozinho. Utilizar o tempo que o aluno está na escola para exercitar com ele aquilo que ele já sabe, sem desafiá-lo a algo novo, equivale a fazê-lo perder tempo, uma vez que a repetição do mesmo nada acrescenta ao conhecimento já apropriado ou elaborado até aquele momento. Tentar forçar o aluno a trabalhar questões com as quais não tenha nenhuma familiaridade, além de causar a rejeição por sua parte, traz a dificuldade inerente a trabalhar com algo totalmente estranho. No âmbito desta concepção de aprendizagem, o processo pedagógico passa a ter um sentido ético mais marcado do que em muitas outras concepções. As concepções que permitiam a classificação das crianças e dos jovens em capazes e incapazes de aprender podiam muitas vezes levar a escola a remeter à natureza a responsabilidade pelo fracasso escolar. A concepção histórico-cultural, ao contrário, à medida que considera todos capazes de aprender e compreende que as relações e interações sociais estabelecidas pelas crianças e pelos jovens são fatores de apropriação de conhecimento, traz consigo a consciência da responsabilidade ética da escola com a aprendizagem de todos, uma vez que ela é interlocutora privilegiada nas interações sociais dos alunos. De todos os alunos. *Coordenador Geral de Ensino e coordenador do Grupo Multidisciplinar. BIBLIOGRAFIA GRAMSCI, Antonio. Os intelectuais e a organização da cultura. Trad. Carlos Nelson Coutinho. 7. Ed. Rio de Janeiro. Civilização Brasileira, 1989. MARX, Karl. O dezoito brumário de Luiz Bonaparte. In: Os Pensadores. São Paulo. Abril, 1974. SANTA CATARINA.PROPOSTA CURRICULAR: Uma Contribuição para a Escola Pública do Pré-Escolar, 1o Grau, 2o Grau e Educação de Adultos. Florianópolis. Secretaria de Estado da Educação/ Coordenadoria de Ensino, 1991. VYGOTSKY, Lev Seminovich. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. Trad. José Cipolla Neto, Luiz Silveira Menna Barreto, Solange Castro Afeche. 4. Ed. São Paulo. Martins Fontes, 1991. PROPOSTA CURRICULAR (Educação Especial) 62 EDUCAÇÃO ESPECIAL INTRODUÇÃO Ao analisar o processo histórico da educação no Brasil, sua constituição e desdobramentos nos deparamos com o entendimento da educação especial enquanto um apêndice do sistema geral de ensino. O sentido a ela atribuído tem sido o de assistência a crianças e jovens deficientes e não o de educação de alunos que têm necessidades educativas especiais. As exigências educacionais historicamente vêm determinando esta compreensão, fundamentada no entendimento de que somente o saber especializado garante o atendimento ao portador de deficiência. Por suas características intrínsecas, pode-se dizer que é considerado diferente da espécie, portanto não pode aproveitar os processos correntes de escolarização e integração social, necessitando de formas especiais para realizar o que os normais fazem de forma "espontânea". A educação especial, por sua vez, tem desenvolvido seu trabalho pedagógico praticamente centrado nas peculiaridades desta população, reduzindo sua ação de tal forma que o fundamental de sua prática transita entre a abordagem clínica e a assistencial. Quando busca adotar uma proposta de ensino, com conteúdos sistematizados, utiliza-se de métodos, técnicas e materiais didáticos diferentes dos usuais, pautada numa abordagem tecnicista, reducionista que prioriza a forma em detrimento do sujeito. Fundamentada numa concepção a-histórica, esta abordagem desconsidera o saber acumulado, espera dos alunos comportamentos definidos via memorização de conteúdos homogeneizados e considera a sociedade ideal como somatório de indivíduos que sabem gerenciar, controlar, administrar e planejar. A educação especial, hoje, em busca da superação de sua condição de apêndice, participa no processo de discussão e redimensionamento da presente proposta curricular. Isto demarca um momento histórico importante na caminhada para efetivamente possibilitar um sistema educacional mais abrangente e menos excludente. CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DA DEFICIÊNCIA Refletir a história, implica em desfazer-se do costumeiro entendimento relativizado de que todas as atitudes e formas de vida em sociedade são espontaneamente naturais, para compreendê-la enquanto produto de escolhas culturais que atendam às necessidades dos homens, num determinado contexto, numa determinada época, fundada no pressuposto de que o homem ao produzir sua vida, produz e satisfaz a cada dia novas necessidades. No que diz respeito à escola, por exemplo, refletir sobre suas modificações não significa tomá-las como modificações metodológicas. Não foi "errado" usar palmatória, do mesmo modo que não é "certo" usar hoje a psicologia. São os homens que ao modificar o modo de produzir suas vidas, produzem novos métodos como expressão de suas próprias transformações. Estes novos métodos e novas atitudes não podem ser julgados "superiores" aos que os antecederam, porque não se está num julgamento, para saber qual deles é melhor. A preocupação nesta reflexão histórica não é encontrar coisas certas ou erradas, mas entender as questões e os homens que produzem estas questões em termos históricos. Na Antigüidade clássica, a preocupação dos homens era descrever o movimento interno de cada coisa. A sociedade movia-se na busca daquilo que considerava perfeição: a arte, a ciência, a técnica da retórica. Portanto, a dedução, o silogismo, o raciocínio perfeito, argumentação sem erros e a forma de expressão sobre qualquer assunto eram fundamentais. Embora este momento histórico não traga na literatura muitas referências quanto aos portadores de deficiência, é sabido que em Esparta crianças portadoras de deficiências físicas ou mentais eram consideradas sub-humanas, o que legitimava sua eliminação ou abandono. Portanto, pode-se dizer que não PROPOSTA CURRICULAR (Educação Especial) 63 existia nenhum processo de interação com tais indivíduos. Na Idade Média, passa-se da valorização do discurso e da argumentação à valorização do conhecimento religioso. Neste período foram fundadas as primeiras universidades, onde só podiam ser ensinados assuntos da Igreja por teólogos e sacerdotes. Com a difusão do Cristianismo na Europa, a base das relações é teológica. A dicotomia Deus-Diabo, céu-inferno movem as idéias e os valores deste período histórico. Os deficientes começam a escapar do abandono e da exposição, passando a ser acolhidos em conventos ou igrejas sob a ambivalência castigo x caridade. Merecem o asilo cujas paredes convenientemente isolam e escondem o incômodoou inútil. As estruturas sociais eram definidas por leis divinas, sob domínio da igreja Católica, em que qualquer idéia ou pessoa que pudesse atentar a esta estrutura teria de ser exterminada. A Inquisição religiosa bem cumpriu este papel, quando sacrificou como hereges ou endemoniados milhares de pessoas, entre elas loucos, adivinhos, alucinados e deficientes mentais. Na Reforma Luterana, o tratamento dado aos imbecis, idiotas e loucos não se diferencia muito da Inquisição católica, eles permanecem com uma rigidez ética carregada de culpa, porém com responsabilidade pessoal. A explicação reside na visão pessimista do homem, entendido como uma "besta demoníaca", quando lhe vem a faltar a razão ou ajuda divina. Na Idade Moderna, o homem passa a ser entendido como animal racional, que trabalha planejando e executando atividades para melhorar o mundo dos homens e atingir a igualdade através da produção em maior quantidade. A apologia era o método experimental. Valoriza-se a observação, a testagem, as hipóteses. Encaminham-se esforços para descobrir as leis da natureza relegando-se a plano secundário as discussões sobre as leis divinas. Com o surgimento do método científico iniciam-se estudos em torno das tipologias e com elas a mentalidade classificatória na concepção das deficiências, decorrente do modelo médico, impregnadas de noções com forte caráter de patologia, doença, medicação, tratamento... A fatalidade hereditária ou congênita assume o lugar da danação divina, para efeito de prognóstico. A ineducabilidade ou irrecuperabilidade do idiota é o novo estigma, que vem substituir o sentido expiatório e propiciatório que a deficiência recebera durante as negras décadas que antecederam a medicina, também supersticiosa. O médico é o novo árbitro do destino do deficiente. Ele julga, ele salva, ele condena. (PESSOTI, 1984, p. 68) Na Idade Contemporânea, o problema crucial é o próprio homem na sociedade. Não é o método de pensar dedutivo, não é a associação entre fé e razão, não é trabalho, não é a técnica, mas sim o homem na sociedade o conteúdo central do questionamento deste período. Com base nesta compreensão, as atitudes para com os portadores de deficiência se modificam nesta nova sociedade, na medida em que vão sendo oferecidas oportunidades educacionais e de integração social até chegar aos dias atuais, em que sua integração se efetiva ou está em vias de se concretizar. Embora a fase clínico/assistencialista não possa ainda ser considerada como passado, o presente vê crescer e se fortalecer ideais da ética contemporânea: integração e direitos. O homem passa a ser pensado através das relações que mantém com outros homens na sociedade. Beneficiando-se (ou ajudando a promover?) de toda uma reavaliação dos direitos humanos e na esteira que inclui a mulher, a criança, o índio, o negro, o idoso... a pessoa com necessidades especiais pode começar a ser olhada e a olhar para si mesma, de forma menos manequeísta: nem herói nem vítima, nem deus nem demônio, nem melhor nem pior, nem super-homem nem animal. Pessoa (AMARAL, 1994, p. 15) A Integração: implicações históricas em suas múltiplas dimensões -Papai, eu e R. vamos ficar noivos no mês que vem. PROPOSTA CURRICULAR (Educação Especial) 64 -Nunca! Só por cima do meu cadáver. Aos gritos, andando pela sala, atropelando os móveis, o homem externaliza em gestos incoerentes o furor contido. Num esforço, sobrehumano, controla os movimentos e organiza as frases de forma que pareçam coerentes e racionais: -Filho, pense bem. Você está sendo um ingênuo ao se amarrar ao primeiro rabo-de-saia que aparece. Uma aleijada! -Mas pai... -Nem mais, nem meio mas. Moças como R. devem ficar bem trancafiadas em instituições das quais não possam sair. Para que não venham para o nosso mundo roubar os nossos filhos. Casar com meu filho! Perfeito, inteligente, culto, formado... Dramalhão mexicano? Novela de rádio? Folhetim barato? NÃO. Depoimento de carne e osso da depoente. Episódio que pode ser reescrito com personagens os mais variados, cenários diversos, nuances intermináveis. Mas por que iniciar assim as reflexões sobre a integração da pessoa deficiente? Porque para falar de integração é preciso caracterizar também o seu contrário: a segregação. No episódio acima, o pai, sem máscaras, sem disfarces ou eufemismos, posiciona-se claramente pela segregação. (AMARAL, 1994:39) Na década de 80, importantes movimentos em favor dos direitos civis provocaram iniciativas em torno da integração da pessoa com necessidades especiais na sociedade. Na prática, o rompimento com os modelos segregadores (ruptura esta não tão efetiva) resultou em iniciativas voltadas à integração no âmbito escolar. O Estado de Santa Catarina confirma esta tendência, na medida em que as iniciativas integracionistas aqui desenvolvidas, já desde o início da Educação Especial, através da Fundação Catarinense de Educação Especial, tem priorizado ao longo de sua história o aprimoramento das ações voltadas à integração escolar. Este movimento foi desencadeado de forma mais consistente a partir de 1987, com a reformulação do sistema estadual de ensino, que garantiu a efetivação da política de integração da pessoa com necessidades especiais, na rede comum de escolarização, a partir da deflagração da matrícula compulsória, estabelecida no plano para a campanha de matrícula escolar da Secretaria da Educação – 1987-1991. Concomitante à campanha de matrícula, deu-se início à discussão e produção da Proposta Curricular do Estado, cujo princípio norteador, sustentado nos pressupostos da perspectiva histórico-cultural, propõe a socialização do conhecimento (científico, erudito e universal) porque fruto da produção do homem, implicando desta forma em sua universalização. E neste prisma a proposta assume que, ou se escolariza todos ou não se trabalha para a socialização do conhecimento, e quando se fala de todos, os portadores de necessidades especiais estão necessariamente incluídos. O movimento de integração então desencadeado veio constituindo uma trajetória pontuada por vários movimentos, sustentados na prática cotidiana da escola por diferentes concepções de aprendizagem, e que revelam não haver exorcizado de todo o fantasma da estigmatização. Apesar de assimilado o princípio constitucional da "Educação para todos", a cultura escolar, através de suas práticas e conteúdos dominantemente estabelecidos, não abre espaços para a massa diversificada de alunos, com desigual capital de origem familiar e social, com desiguais expectativas e interesses que se enfrentam com conteúdos e ritos pedagógicos de transmissão de conhecimento homogeneizados. A política de integração praticada neste período entendia que com a garantia do acesso e estruturação paralela de serviços de educação especial (salas de recursos, classes especiais e salas de apoio pedagógico) estaria assegurada a integração plena da pessoa com necessidades especiais. Integração esta analisada de um ponto de vista instrucional, cujo paradigma sustentava-se na avaliação, planejamento e intervenção centrada no aluno. Uma das posições assumidas, originária da crença nas capacidades inatas, conduzia a uma leitura centrada na deficiência do sujeito, por se acreditar na impossibilidade de transformação por traços comportamentais e pela capacidade intelectual. PROPOSTA CURRICULAR (Educação Especial) 65 Camuflada sob o disfarce das aptidões, da prontidão e do coeficiente de inteligência, estas posições acabaram por produzir uma "suposta integração", dando lugar a uma exclusão velada: havia convicção de que as diferenças não seriam superáveis pela educação, gerando imobilismo e resignação. A forma como os educadores se referem à "aptidão" das crianças é, potencialmente, uma forma insidiosa de discriminação. Assim, embora não mais apoiemos o uso dos testes de inteligência para determinar a aptidão e o potencial de aprendizagemdas crianças, a linguagem do teste de inteligência ainda é utilizada em abundância. Isso pode, nos exemplos mais negativos, levar as crianças a serem, bastante arbitrariamente, identificadas como alguém a quem falta inteligência ou aptidão, com a conseqüência inevitável de que as expectativas para sua aprendizagem futura sejam baixas. (SOLITY 1991, p.15) Uma outra posição atribuía exclusivamente aos fatores externos a origem da constituição da singularidade do ser humano, concebendo-o como produto da ação modeladora do meio ambiente. Nessa perspectiva, a "deficiência" do sujeito também é imutável, fundada na pressuposição de que se trata de um indivíduo passivo que tem seu comportamento moldado, manipulado, controlado e determinado pelas pressões do ambiente. Assim sendo, a escola se isenta de uma avaliação interna e não se vê como co-participante no processo de uma efetiva inclusão deste indivíduo, por acreditar na sua incapacidade de modificar-se. Este entendimento contribuiu no máximo para uma inserção espacial ou "integração física", na medida em que desconsidera as relações sociais que permeiam o processo de aprendizagem. A partir da última década, o processo de integração, analisado sob um prisma dinâmico e multidimensional, fruto da reflexão teórico-prática e do aprofundamento da concepção histórico-cultural com ênfase nas contribuições de L.S. Vygotsky, conduzem a um redimensionamento da concepção de integração. Vygotsky, fornece uma base de abordagem bastante relevante para a compreensão de que as deficiências corporais afetam antes de tudo as relações sociais destes indivíduos e não suas interações diretas com o ambiente físico. Cabe destacar alguns temas que constituem o núcleo de sua teoria e contribuem significativamente para a produção de novos significados no processo de inclusão da pessoa com necessidades especiais: • os processos psicológicos superiores têm sua origem em processos sociais e têm natureza social, numa visão de constituição mútua de fenômenos individuais e sociais; • a concepção do processo de conhecimento implica relação entre sujeito e o objeto a ser conhecido, necessariamente mediada por outro sujeito; • a criança cujo desenvolvimento se complicou por um defeito não é sensivelmente menos desenvolvida do que as normais, é uma criança com outro desenvolvimento. Sob este prisma, é impossível pensar que o sucesso ou fracasso na aprendizagem do sujeito está unicamente vinculado a sua capacidade ou incapacidade individual inata. É na relação com o outro, numa atividade prática comum que este, por intermédio da linguagem, acaba por se constituir enquanto sujeito. A idéia chave que se encontra na origem da teoria, postulando as relações entre as interações sociais e o desenvolvimento cognitivo, vem revolucionar o processo educativo dos portadores de deficiência, seja na escola especial ou regular. No que se refere a esta última, a abordagem da aprendizagem escolar em termos de interação social traz à reflexão o redimensionamento do processo de ensino até então estruturado com base na comportamentalização do conhecimento, organização de turmas homogêneas, padronização da avaliação, fatores que, entre outros, conduzem à expulsão e marginalização contundente do diverso. Neste sentido, a dimensão interativa evidencia a heterogeneidade como fator imprescindível no contexto escolar, na medida em que a vivência, a troca e a ação entre parceiros de diferentes possibilidades, experiências e comportamentos, oportunizam não só o conhecimento do outro e produção de conhecimento com o outro como fundamentalmente a possibilidade de aprender a olhar de frente a diferença/deficiência; a conviver e PROPOSTA CURRICULAR (Educação Especial) 66 compartilhar com a dessemelhança, a desmontar moldes pré-estabelecidos, adquirindo assim um caráter estruturante na constituição dos sujeitos em suas múltiplas dimensões. Na esteira desta concepção, cabe refletir sobre o papel das escolas especiais. Sabe-se que em função das condições específicas de alguns alunos com maiores limitações, impostas pela deficiência, nem sempre é possível sua inclusão no espaço da escola regular, sendo necessária ainda uma educação em escola especial. Entretanto, este contexto "especial" vem exigindo dos educadores o estabelecimento de um quadro de referência que supere a intervenção ativista assistencial ou clínica. As escolas especiais não podem ser apenas locais onde se atendam os alunos nas suas necessidades físicas. As escolas especiais precisam estar ocupadas com o desenvolvimento intelectual de seus alunos pois se assim não fosse, não poderiam ser consideradas escolas. (HENTZ, 1996, p. 3). Mais recentemente, esta questão tem sido alvo de reflexão no seio da escola especial, em razão do acesso aos pressupostos da abordagem histórico-cultural, cujas contribuições, apontam que as funções psíquicas do indivíduo não podem ser desvinculadas da apropriação do legado cultural da humanidade. ... a apropriação cultural se dá, de forma ampla, no e pelo processo educativo e, de forma mais restrita, no e pelo ensino, por parte de adultos ou companheiros mais experientes, das conquistas das gerações precedentes. Desta maneira, o desenvolvimento cognitivo depende tanto do conteúdo a ser apropriado como das relações que se estabelecem ao longo do processo de educação e ensino. (DAVIS,1989, p. 50) Neste entendimento, não cabe pensar em escola especial senão aquela com um projeto político- pedagógico que possibilite o acesso ao conhecimento das diferentes áreas mediante a utilização de caminhos, recursos e estratégias alternativos que possibilitem o alargamento das capacidades cognitivas de seus alunos. Importante enfatizar entretanto, que esta escola, ao promover a apropriação e produção de conhecimento, propicie interações sociais, uma vez que nada garante que elas se dêem espontaneamente, que assegurem aos alunos o direito de pensar, expressar seu pensamento, entabular negociações, criar argumentos a partir de discussões realizadas, buscar soluções comuns a partir de contribuições diversas. Tais interações são, pouco freqüentes na educação em geral e, particularmente, na especial. Desta maneira, é relevante observar as condições que garantam as interações sociais, o que atribui ao professor um papel fundamental, como um dos interlocutores mais experiente na tarefa de tornar as interações sociais um processo formativo e constitutivo de um novo saber. Debates, questionamentos, ilustrações, explicações, justificativas, extrapolações, generalizações e inferências são presença obrigatória nas interações sociais que se quer nas escolas, contribuindo para que se alcance uma concepção de homem, mundo e sociedade mais flexível, menos ideológica e menos alienante. (DAVIS, 1989, p. 54). Pressupostos Viabilizadores do Processo de Inclusão Os pressupostos filosóficos e metodológicos da presente proposta, nos seus diferentes saberes, tais como: educação infantil, alfabetização, avaliação, educação e trabalho, tecnologia educacional, disciplinas do curso de magistério e todas as demais áreas do conhecimento constituir-se-ão nos mecanismos que darão sustentação a uma prática pedagógica inclusiva. Profissionais da FCEE, entendendo que a educação especial não pode ser encarada no presente documento como um capítulo ou um currículo a parte, adotaram como procedimento discutir as questões relativas à educação de pessoas com necessidades especiais no contexto e espaço de produção dos documentos norteadores dos diversas áreas do conhecimento acima citadas. PROPOSTA CURRICULAR (Educação Especial) 67 As questões fundamentais que vêm permeando as discussões da escola num contexto mais amplo sobre sua função social e conseqüente prática pedagógica não estão dissociados das preocupações que perpassam as práticas cotidianas da escola especial em busca de desvendar suas reais finalidades.De que forma a escola pode se organizar e estruturar sua prática pedagógica no sentido de viabilizar a apropriação do conhecimento? Como superar mecanismos de avaliação baseados em requisitos prévios e classicatórios? Que relações de ensino-aprendizagem devem ser estabelecidas a fim de formar cidadãos atuantes no processo de transformação da sociedade? Qual a função do professor no espaço de sala de aula? Estas interrogações, inquietações e dúvidas nos remetem aos posicionamentos assumidos e aprofundados na presente proposta no que diz respeito a concepções de currículo, avaliação, alfabetização, relações de ensino, aprendizagem, projeto político pedagógico, educação e trabalho dentre outros, que servirão de subsídios à construção da proposta pedagógica para a educação de pessoas com necessidades especiais. Algumas destas idéias podem ser aqui delineadas na perspectiva de constituírem-se no eixo condutor do redimensionamento da prática pedagógica: • O processo dialético de construção e reconstrução do conhecimento deve ser permanentemente produzido em conjunto por alunos e professores como tentativa de responder aos desafios de suas realidades e de lutar por uma sociedade mais igualitária. • Enfatizar a produção de conhecimento no currículo demanda uma transformação substancial nas relações e na hierarquia da escola e da sala de aula; isto significa dizer que há necessidade de discussão coletiva e participação ampla de todos. • A seleção e organização dos conteúdos que devem fazer parte deste currículo é tarefa de cada escola, entendendo-se o espaço da sala de aula como um lugar de confronto de diferentes saberes (saber do aluno, do livro e do professor). Não se trata de abandonar os conteúdos acadêmicos nem tampouco imortalizá-los, mas de definir novos critérios para articulá-los. Basear o currículo nas disciplinas tradicionais não garante a formação de cidadãos ativos, participantes e responsáveis.(...) Trata-se de verificar crítica e cuidadosamente se há espaço para elas no currículo e, se concluímos que há, trata-se, então, de analisá-los, de desmistificar sua neutralidade, de entender suas origens, seus elementos ideológicos e de reorientá-los... (MOREIRA, s.d. p.83). • A avaliação, enquanto constituidora e subsidiadora do processo ensino-aprendizagem, pode ser entendida como uma prática pedagógica que norteia a ação do educador, indicando-lhe caminhos e refletindo sua ação junto os alunos. Professores e alunos devem aprender com a avaliação, identificando de forma transparente os objetivos, o projeto educativo proposto, distinguindo claramente suas dificuldades, suas possibilidades. A tentativa de superação das dificuldades do aluno é uma tarefa educativa que a avaliação pode realizar quando conduzida num movimento dialético. Isto não significa dizer que o processo de avaliação tenha um caráter menos rígido e menos efetivo. Significa que haja um real compromisso com a construção do conhecimento como processo de apropriação do trabalho realizado pelo professor e pelo aluno. Nesta perspectiva, a escola busca trabalhar na direção da heterogeneidade, possibilitando lugar e espaço para as diversidades. A expectativa de todo ser humano é de se apropriar do conhecimento sistematizado que é ensinado no espaço escolar. A impossibilidade de acesso e apropriação deste conhecimento restringe a ação e identificação do sujeito no seu grupo social. As pessoas com necessidades especiais, por terem impresso o estigma da incapacidade, têm vivido no decorrer da história a negação do acesso a este conhecimento. Isto implica numa dupla tarefa de rompimento: a primeira diz respeito a condição de deficiência como incapacidade e a segunda a condição de analfabeto. A escola pode contribuir significativamente para esta ruptura, se definir como proposta uma alfabetização que gere espaço para o dizer, o ouvir, o negociar, o discordar, o ajudar. PROPOSTA CURRICULAR (Educação Especial) 68 Para a pessoa com necessidades especiais, apropriar-se da linguagem escrita por exemplo, pode significar um importante salto no desenvolvimento, resultando em mais um instrumento de interação social. Ao colocar o aluno diante da experiência interativa de produção e apropriação de diferentes linguagens, fazendo uso, praticando, conhecendo, questionando, a escola viabiliza o entendimento da base do desenvolvimento do pensamento abstrato. Precisamente porque a criança com deficiência mental chega com dificuldades a dominar o pensamento abstrato, a escola deve desenvolver esta habilidade por todos os meios possíveis. A tarefa da escola em resumidas contas consiste não em adaptar-se ao defeito, senão em vencê-lo. (...) A tentativa de nossos programas, de proporcionar à criança com deficiência mental uma concepção científica de mundo, de descobrir diante dele as relações entre os fenômenos fundamentais da vida, as relações de uma ordem não concreta e de formar nele, durante a aprendizagem escolar, a atitude consciente diante da vida futura, é para a pedagogia uma experiência de importância histórica. (VYGOTSKY, 1989, p. 116). BIBLIOGRAFIA AMARAL, Lígia Assunção. Pensar a diferença/deficiência. Brasília: CORDE, 1994. BUENO, José Geraldo Silveira. Educação Especial Brasileira: integração/segregação do aluno diferente. São Paulo: EDUC, 1993. DANIELS, Harry (org.) Vygotsky em foco: pressupostos e desdobramentos. 2.ed. Campinas: Papirus, 1995. DAVIS, Claúdia. Papel e valor das Interações Sociais em Sala de Aula. Cadernos Pesquisa, São Paulo (71):49-54, nov. 1989. FERRI, Cássia. Diversidade nas diferentes áreas do conhecimento. Florianópolis, 1996 (mimeo). FERREIRA, Júlio Romero. 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ELABORAÇÃO: ÁGUIDA TERESINHA LUCIANO ALVES ELISETE COSTA VIEIRA ANAMAEVE ALVES SOARES MARIA HELENA GARCIA REGINA CÉLIA LINHARES HOSTINS COLABORAÇÃO: HENRIQUE RIOS MARIA FRANCISCA GHIRON NEUSA MARIA LEAL PIES PROFISSIONAIS DA FUNDAÇÃO CATARINENSE DE EDUCAÇÃO ESPECIAL PROPOSTA CURRICULAR (Processo Pedagógico) 77 ABORDAGEM ÀS DIVERSIDADES NO PROCESSO PEDAGÓGICO A DIVERSIDADE NA VISÃO HISTÓRICO-CULTURAL As sociedades ao longo da história, desde a antigüidade, vêm estabelecendo mecanismos de categorização das pessoas a partir de atributos considerados “naturais”, como por exemplo: deficiente, excepcional, louco, aleijado, etc. Essas categorizações, entretanto, são construções históricas e culturais que se elaboram a partir de padrões previamente estabelecidos por um determinado grupo social. A transgressão a estes padrões produz significações de desvantageme de descrédito, transformando-se em estigmas (marcas/impressão) associados a um determinado tipo de indivíduo. Os gregos criaram o termo estigma para se referirem a sinais corporais com os quais se procurava evidenciar alguma coisa de bom ou mau sobre o status moral de quem os apresentava. Os sinais que eram feitos com cortes ou fogo, no corpo, significavam que o portador era um escravo, um criminoso ou traidor, uma pessoa marcada que deveria ser evitada em lugares públicos. Na Era Cristã, dois níveis de metáfora foram acrescentados ao termo estigma: o primeiro deles referia-se a sinais corporais de graça divina que tomaram a forma de flores em erupção sobre a pele: o segundo, uma alusão médica a essa alusão religiosa, referia-se a sinais corporais de distúrbios físicos. Atualmente, o termo é amplamente usado de maneira um tanto semelhante ao sentido original, aparecendo como um constructo social que permeia todas as relações que se refletem nos indivíduos e são por eles internalizadas. Por definição, é claro, acreditamos que alguém com um estigma não seja completamente humano. Com base nisso, fazemos vários tipos de discriminação, através das quais efetivamente e, muitas vezes sem pensar, reduzimos suas chances de vida. Construímos uma teoria do estigma, uma ideologia para explicar a sua inferioridade e dar conta do perigo que ela representa, racionalizando algumas vezes uma animosidade, baseada em outras diferenças, tais como as de classe social. Utilizando termos específicos de estigmas como aleijado, bastardo, retardado, em nosso discurso diário, como fonte de metáfora e representação sem pensar no seu significado original. (GOFFMANN, 1978, p. 15). Neste entendimento o “normal e o estigmatizado” não são pessoas concretas, mas perspectivas que são geradas em situações sociais. Assim, nenhuma diferença é em si mesma vantajosa ou desvantajosa, pois a mesma característica pode mudar sua significação dependendo dos diversos olhares que se lançam sobre ela. Isto significa que o olhar dos pais sobre os filhos, dos professores sobre os alunos, das instituições sobre os indivíduos contribui para a criação dos estigmas. VYGOTSKY (1989) forneceu uma base de abordagem bastante relevante para a compreensão destas questões quando relacionadas aos “portadores de deficiências” ou de “necessidades especiais”, ao afirmar que as deficiências corporais afetam antes de tudo as relações sociais dos indivíduos e não suas interações diretas com o ambiente físico. Partindo da concepção de que as instituições sociais estabelecem categorias de pessoas que têm probabilidade de serem por elas aceitas, situamos a instituição escolar enquanto agência de cristalização dos estigmas com uma enorme dificuldade de acolher a diversidade. Mesmo aqueles que não apresentam sinais físicos de “anormalidade” são estigmatizados por não apresentarem um perfil acadêmico considerado normal. A escola, ao longo da história, vem pontuando seus critérios de seleção na busca da homogeneidade, traduzindo em suas propostas teórico-metodológicas e em suas relações inter-subjetivas a incapacidade de PROPOSTA CURRICULAR (Processo Pedagógico) 78 trabalhar com a diferença. Apesar de assimilado o princípio constitucional da “Educação para todos”, a cultura escolar, através de suas práticas e conteúdos dominantemente estabelecidos, não abre espaço para a massa diversificada de alunos, com desigual capital de origem familiar e social, com desiguais expectativas e interesses que se enfrentam com conteúdos e ritos pedagógicos de transmissão de conhecimento homogeneizados. Segundo SACRISTÁN (apud MOREIRA & SILVA, 1995), são múltiplos os fatores que contribuem para a padronização e homogeneização do trato pedagógico: a) a estrutura organizativa do sistema educacional e das escolas, que gradua as aprendizagens a transmitir, ordenadas em séries e graus, marcando níveis e caminhos de passagem de uns para outros; b) a ordenação do currículo especializando seus componentes, atribuindo tempo próprio para cada tipo de conteúdo e, portanto, professores diferentes a cada um deles, assim como recursos e materiais didáticos específicos; c) a segregação em tipo de escolas e de educação para alunos com peculiaridade pessoais, culturais e com diferentes destinos sociais: escolas para crianças com deficiências físicas e mentais, para os bem dotados, para os trabalhadores, para o campo etc.; d) a acomodação profissional dos docentes e a resposta adaptativa destes a certas condições de trabalho não satisfatórias, o que tem reforçado a crença de que é mais fácil trabalhar com uma base homogênea; e) os mecanismos seletivos do sistema escolar e de controle interno e externo sobre os conteúdos que são transmitidos, impondo uma cultura de certo modo homogeneizada dos professores, assim como tipos e níveis de rendimento padronizados dos estudantes, inclusive a obrigatoriedade escolar que não é ou não deveria ser, seletiva; f) a escassa variedade de espaços, de estímulos e recursos culturais para a aprendizagem, que levam ao uso de fontes uniformizadas de informação, como é o caso do emprego massivo de livros didáticos idênticos para todos. Esses múltiplos fatores presentes na escola encontram sustentação numa visão estática e linear da aprendizagem/desenvolvimento que torna difícil admitir interesses, estilos, ritmos de aprendizagem e formas de trabalhar diferentes, dentro de um mesmo grupo de alunos. Os estigmas conferidos às crianças “diferentes”, sejam elas portadoras de deficiências físicas, lingüísticas, cognitivas ou culturais, dentre outras, vêm acompanhados de uma concepção de aprendizagem centrada na carência de aptidão para aprender. Na verdade, quando se começa a colocar as causas das dificuldades de aprendizagem nessas deficiências, o que se pretende é escamotear uma estrutura social injusta que vem legitimando a visão de uma criança “normal”, limpa, saudável, assídua, obediente, proveniente de famílias legalmente constituídas etc. Isto se contrapõe à visão histórico-cultural, que preconiza que o indivíduo se humaniza num ambiente social, em interação com outras pessoas, tornando impossível considerar o desenvolvimento do sujeito como um processo previsível, linear e gradual. O sujeito se faz diferenciado do outro, mas formado na relação com o outro singular, mas constituído socialmente e, por isso mesmo, numa composição individual, mas não homogênea. (SMOLKA & GÓES, 1993). Neste sentido é impossível pensar, no contexto escolar, que os alunos são iguais. Eles diferem nas suas crenças, valores, comportamentos, origem social e econômica. São sujeitos reais que dão significados diferenciados às suas experiências e vivências como pessoas. As informações disponíveis a cada um são distintas, as estratégias de pensamento e ação, bem como os recursos utilizados, são diferentes. A diferença entre os indivíduos é fundamental para a interação social que se consolidará em sala de aula: sem essa diversidade não seria possível a troca e, conseqüentemente, a ampliação das capacidades cognitivas na busca de soluções compartilhadas. PROPOSTA CURRICULAR (Processo Pedagógico) 79 Assim sendo, as interações são fundamentais para o desenvolvimento. O sujeito destas interações é, portanto, um sujeito interativo – o que significa dizer que ele não é passivo e nem só ativo, mas partilha, necessariamente, dos planos inter e intrasubjetivo. Assim, o sujeito individualiza-se e se socializa num processo constante de incorporação da cultura e individuação que é marcada pelos recursos mediadores. (FERRI, 1996, p. 5). A escola e a diversidade Considerando que o papel da escola é promover a apropriação, elaboração e reelaboração de conhecimento, torna-se necessário que se favoreçam determinados tipos de interações sociais, o que nos remete à discussão acerca do papel do professor na sala de aula e àconcepção que fundamenta sua pratica pedagógica. A ideologia da “Democratização do Ensino” anuncia o acesso ao conhecimento a todos pela via da escolarização, mas efetivamente o inviabiliza pelas próprias condições desta escolarização. Na produção do ensino em massa as práticas pedagógicas não apenas discriminam e excluem, mas emudecem e calam. Criam-se mitos em relação ao fracasso escolar; as relações interpessoais são camufladas, interrompidas, não questionando as condições e os métodos, entendendo que as crianças que não aprendem possuem características pessoais impeditivas. A escola passa a apontar uma série de patologias nas crianças, começando a surgir as dislexias, os problemas neurológicos, psicomotores, foniátricos, psicológicos, desinteresse total e falta de motivação. SMOLKA (1989, p. 17) questiona: Mas o que é pedagógico e o que é patológico? Como distinguir? Como diagnosticar? Quem faz ou pode fazer este diagnóstico? O patológico é sempre originário na criança? Ou pode ser produzido pelas condições sociais e pela inculcação pedagógica? Através de um currículo que seleciona e valoriza certos componentes, produzem-se limitações e mutilações para todos, mas principalmente para os alunos que se encontram em situação de desvantagem, seja em função de uma deficiência orgânica, seja em função da desigualdade em relação ao capital cultural de origem familiar e social que este alunos carregam. Esta transformação das dificuldades em “patologias” gerou uma demanda significativa para o ensino especial através de classes especiais, salas de apoio e escolas especiais, provocando um equívoco que desloca o eixo do trabalho do professor do conteúdo escolar para “atividades pedagógicas específicas”. Historicamente, a institucionalização do atendimento a “portadores de deficiências” tem se limitado a criar espaços específicos de apoio a esta parcela da população. Isto cria um distanciamento das possibilidades de, na e pela interação social com outro sujeitos, acessarem ao conhecimento historicamente produzido conforme expressa o compromisso de escolarização para todos. Segundo COSCODAI (1994) o “certo”, o “normal” do mundo é que as pessoas caminhem, falem, escrevam, produzam, saibam controlar seus instintos e suas vidas da forma como prevêem as normas sociais e que sejam capazes de se sujeitar a qualquer regra e conhecimento. No entanto, há pessoas que não chegam a fazer tudo isso. Há casos em que a diferença é entendida como deficiência. Contudo, esta diferença pode ser entendida de um outro jeito e guiada por outros princípios: através de uma outra ética, de uma outra lógica e de um outro saber que acaba por implicar em outras ações e reflexões acerca não só das pessoas, mas também, das coisas por elas e com elas produzidas. É portanto na e pela interação social que o homem se constitui enquanto sujeito e que o conhecimento é ...construído na interação sujeito e objeto e que essa ação sobre o sujeito é socialmente mediada. (GÓES, 1991, p. 21). PROPOSTA CURRICULAR (Processo Pedagógico) 80 TRABALHANDO COM A DIVERSIDADE Considerações sobre uma proposta curricular Tornar possível uma proposta curricular que dê voz à diversidade no processo pedagógico implica em discussões acerca da própria concepção de currículo que se pretende assumir. Desta forma, far-se-á, a seguir, algumas considerações a respeito do tema. As atuais discussões sobre CURRÍCULO deixaram para trás a concepção meramente técnica, voltada para as questões relativas a procedimentos, técnicas e métodos. O CURRÍCULO assume hoje as características de um artefato social e cultural, o que o coloca na moldura mais ampla de suas determinações sociais, de sua história e de sua produção contextual. Segundo MOREIRA & SILVA (1995, p.7-8) O currículo não é um elemento inocente e neutro de transmissão desinteressada do conhecimento social. O currículo está implicado em relações de poder, o currículo transmite visões sociais particulares e interessadas, o currículo produz identidades individuais e sociais particulares. O currículo não é um elemento transcendente e atemporal – ele tem uma história, vinculada a formas específicas e contingentes de organização da sociedade e da educação. Desta forma, é preciso atenção ao tratarmos do conhecimento corporificado como currículo, uma vez que não é mais possível analisá-lo fora da sua constituição social e histórica. Não é possível encarar de modo ingênuo o papel constitutivo do conhecimento organizado em forma curricular e transmitido nas instituições educacionais. O currículo existente, isto é, o conhecimento organizado nas instituições educacionais, passa a ser visto não apenas como implicado na produção de relações assimétricas de poder no interior da escola e da sociedade, mas também como histórica e socialmente contingente. O currículo é uma área contestada, é uma arena política. (MOREIRA & SILVA, 1995, p. 21). Compreender o currículo enquanto artefato social e cultural implica também em uma concepção de cultura que não é conjunto estático de valores e conhecimentos que são transmitidos às próximas gerações, nem existem de forma unitária e homogênea. Ao contrário, a cultura é um terreno em que se enfrentam diferentes e conflitantes concepções de vida social. O currículo torna-se, portanto, um terreno de produção e de política cultural, no qual os materiais existentes funcionam sobretudo como matéria-prima de criação, recriação e, sobretudo, de contestação e transgressão. Em contradição à escola e ao processo de aprendizagem que se discutiu até então, ainda existem na rede de ensino modalidades específicas de atendimento à diversidade, dentre os quais o Serviço de Apoio Pedagógico (SAP), que tendem a assumir um caráter cada vez mais transitório, caminhando para superação da sua marginalidade, na medida em que as escolas assumirem a diversidade como o pressuposto fundamental para organização de sua prática e formulação de seu projeto político- pedagógico. Orientação teórico- metodológica O fato de termos nas salas de aula um grupo de alunos de diferentes possibilidades exige-nos pensar esta aprendizagem de forma coletiva e diferenciada dos moldes atuais de compartimentação da escola padrão. A busca aponta-nos os pressupostos da abordagem histórico-cultural de aprendizagem e desenvolvimento, basicamente pela possibilidade de formação de grupos heterogêneos, ou seja, porque ...a heterogeneidade, característica presente em qualquer grupo humano, passa a ser vista como fator imprescindível para as interações na sala de aula. Os diferentes ritmos, comportamentos, experiências, PROPOSTA CURRICULAR (Processo Pedagógico) 81 trajetórias pessoais, contextos familiares, valores e níveis de conhecimentos de cada criança (e do professor) imprimem ao cotidiano escolar a possibilidade de troca de repertórios, de visão de mundo, confrontos, ajuda mútua e conseqüente ampliação das capacidades individuais. (REGO, 1995, p. 88). A partir disto, pode-se sentir que a heterogeneidade dos grupos eleva suas possibilidades, abrindo espaço para a ampliação das potencialidades cognitivas. A visível assimetria entre professor e alunos e destes entre si não poderá, portanto, ser encarada somente de modo negativo como vem acontecendo, mas, ao contrário, aproveitada enquanto oportunidade efetiva de aprendizagem. A busca pela simetria deve garantir a igualdade de todos na ocupação do tempo e do espaço interativo, na expressão individual, na negociação das regras de funcionamento do grupo, etc. E o simples contato entre professor e alunos e dos alunos entre si bastaria? Para assegurar a construção do conhecimento no âmbito escolar é preciso que determinados tipos de interação social sejam efetivados dentro do grupo. Interações sociais que contribuem para a construção do saber e que, por esta razão, são consideradas educativas referem-se, pois, a situações bemespecíficas: aquelas que exigem coordenação de conhecimentos, articulação da ação, superação das contradições, etc. Para tanto, é preciso que certezas sejam questionadas, o implícito explicitado, lacunas de informações preenchidas, conhecimentos expandidos, negociações entabuladas, decisões tomadas. Tal interação, no entanto, ocorrerá apenas na medida em que houver conexões entre seus objetivos (conhecimentos a serem construídos) e o universo vivido pelos participantes, entendidos enquanto atores que possuem interesses, motivos e formas próprias de organizar sua ação. Para que os parceiros de uma dada interação abram mão da individualidade que os move, é fundamental que o significado e a importância da atividade conjunta esteja claro para todos os participantes. (DAVIS, 1989:52). Ao destacar a importância da experiência partilhada, da comunhão de situações, do diálogo, da colaboração e conceber, deste modo, o aprendizado como um processo de trocas, portanto social, é que VYGOTSKY formula – e nos remete ao estudo – do conceito de Zona de Desenvolvimento Proximal. Tendo como pressuposto que o companheiro mais experiente influencia, com seu ponto de vista, o menos experiente, levando-o a apropriar-se de conhecimentos de que antes não dispunha, de que é na e pela interação que os conhecimentos são historicamente construídos, é que o conceito de Zona de Desenvolvimento Proximal faz-se necessário para o estudo das possibilidades de aprendizagem na classe heterogênea. Segundo MACHADO (1994), VYGOTSKY, ao postular o conceito de zona de desenvolvimento proximal, define-a como sendo “a diferença entre o nível de resolução de problemas sob a direção e com a ajuda dos adultos e aquele atingido sozinho”. Desta forma, entende-se que – em um plano teórico, portanto virtual – existem dois níveis de desenvolvimento: o real e o potencial. O primeiro (real) faz parte do sujeito, enquanto processo intrapessoal, na forma de conhecimentos apropriados e faz parte do social enquanto conhecimentos historicamente acumulados. O segundo, potencial, só é ativado e se transforma em possibilidade de vir a tornar-se desenvolvimento real em uma situação de interação. Neste sentido a Zona de Desenvolvimento Proximal é um espaço em movimento criado na própria interação, em função do conhecimento utilizado pelo participante menos competente e também pelo suporte, instrumentos e recursos de apoio empregados pelo participante mais competente. Articulando o movimento aprendizagem/desenvolvimento/ensino no espaço virtual da zona de desenvolvimento proximal, a formação das funções psicológicas superiores aparece como elemento chave. Estas funções são elaboradas através das atividades do sujeito em contexto de interação mediante apropriação e utilização de instrumentos e signos. São elas: percepção categorial, memória lógica, atenção focalizada, emoção e imaginação criadora, auto-regulação da conduta, abstração, raciocínio lógico, generalização e outras. Em síntese, a formação das funções psicológicas superiores torna-se possível na interação, que por PROPOSTA CURRICULAR (Processo Pedagógico) 82 sua vez permite a ativação da ZDP. A ação de conhecer se dá no movimento inter e intrapsicológico, no vai e vem dialético entre os parceiros: na confirmação de objetivos comuns, no confronto de idéias, na busca de soluções, na competição, na cooperação. Esse movimento cria condições para a formação de conceitos, viabilizando, ao mesmo tempo, os processos de abstração (análise, classificações, inferências, deduções) tanto individuais quanto coletivos, ou seja, intercâmbios inter e intrapsicológicos que alimentaram o desenvolvimento e a manutenção da interação. (MACHADO, 1994, p.45) Compreendendo que é papel da educação promover o desenvolvimento das funções psicológicas superiores que permitem ao indivíduo constituir-se enquanto sujeito capaz de pensar a realidade e transformá-la, é que se propõe que o ensino seja uma forma de ajuda através dos processos de aprendizagem. Os processos de aprendizagem a serem desencadeados por uma escola que pretenda abordar a diversidade supõe necessariamente a proposição de atividades que possibilitem a elaboração conceitual, dando ao conteúdo um tratamento histórico-cultural. Isso pressupõe possibilitar aos alunos o encontro com novos conhecimentos, oferecendo-os e destacando-os em contextos diversos, auxiliá-los a analisar e organizar os mesmos confrontando- os com outras possibilidades de elaboração e aproximando-os dos conhecimentos em circulação na sala de aula e modos de utilização destes nas práticas cotidianas, na comunidade e na dinâmica histórica. Pressupõem, ainda, partilhar com os alunos informações, indagações, sentidos possíveis, validando-as, colocando-as em dúvida, explicitando limites e contradições, provocando novas relações e novas possibilidades. Constituição do Serviço de Apoio Atualmente, em razão de todos os fatores histórico-sociais anteriormente considerados, ainda existem modalidades de atendimento às diversidades que assumem um caráter segregacionista, a exemplo das classes de apoio pedagógico. Isto tende a ser superado na medida em que a escola discuta coletiva e permanentemente a prática pedagógica adotada, refletindo sobre as diferentes formas do fazer educacional, que levam ao êxito ou ao fracasso coletivo dos alunos e busque alterá-la a partir de discussões teóricas acerca do que fundamenta a aprendizagem. Disto resultará a sua reorganização a partir de um Projeto Político-Pedagógico, importante marco teórico e referencial de orientação ao trabalho educacional, que implique na mudança de olhar e de lógica que percebe a diferença enquanto deficiência. Nesta perspectiva insere-se o Serviço de Apoio Pedagógico que ora se apresenta enquanto alternativa diretamente vinculada e articulada ao Projeto Político- Pedagógico das Escolas. Este serviço é entendido como uma ação coletiva , integrante do trabalho cotidiano da escola, de responsabilidade de todos diretamente envolvidos com o processo educativo, a saber: direção, especialistas, professores, integradores de ensino e de educação especial, devendo ser avaliado permanente e sistematicamente. Muito mais do que a estruturação de uma classe para atender em separado, trata-se de uma ação da escola no sentido de acolher a diversidade ao longo do processo educativo, sendo preferencialmente buscadas alternativas pedagógicas no espaço da sala de aula. Neste momento conta-se com a possibilidade de estruturação de pólos de atendimento às necessidades especiais em nível regional, aglutinando alunos provenientes de escolas próximas. Cabe salientar que esta modalidade não se esgota em si mesma e pressupõe: a) uma certa transitoriedade; b) articulação permanente com todos os elementos que constituem o processo pedagógico das escolas envolvidas; c) uma interlocução permanente do profissional responsável pelo serviço de apoio com os professores, especialistas, integradores de ensino e de educação especial; d) sua constituição enquanto espaço de produção e investigação de alternativas metodológicas; e) a oferta de suportes que, trabalhados em novas pautas interacionais, permitam ao aluno avançar no processo de elaboração conceitual. PROPOSTA CURRICULAR (Processo Pedagógico) 83 Considera-se sua transitoriedade tendo em vista a falta de sustentação desta modalidade de atendimento frente a concepção teórico-metodológico da Proposta Curricular do Estado de Santa Catarina e referenciada neste documento. Pressupostos estes ainda não materializados na prática pedagógica das escolas. A articulação se dará sob a coordenação da CRE que viabilizará o aprofundamento das questões teórico-metodológicas do SAP à luz dos pressupostos da Proposta Curricular, bem como a avaliação permanente do mesmo em todas as suas dimensões. A interlocução entre os elementos que compõem o SAP deve ser um fórum privilegiado de discussão,onde se possam repartir angústias, comemorar sucessos, mas principalmente estudar e aprofundar alternativas de trabalho educativo. A reflexão conjunta sobre o trabalho desenvolvido pela escola deve estabelecer um diálogo de co-autoria onde possam interagir sujeitos concretos que lidem com seus limites e possibilidades. A constituição do SAP enquanto espaço de produção e investigação de alternativas pedagógicas significa a reflexão conjunta sobre as situações vividas no trabalho pedagógico, desvelando posições pessoais e profissionais, despertando discussões, redimensionando-se questões e pressuposições iniciais, percebendo as dificuldades e as possibilidades de investimento. O trabalho pedagógico do SAP não repetirá os procedimentos e/ou atividades que foram realizadas na sala de aula. Ao contrário, possibilitará novas oportunidades para que o aluno possa preencher lacunas ou elaborar os conhecimentos. Ao oportunizarmos à criança lançar mão de outros sentidos e experiências, para elaborar o saber escolar, incorporamos a esse conhecimento um imenso arsenal de outras possibilidades, ou seja, no exercício vivo das trocas de sentido e de modos de operar intelectualmente, as crianças não só se apropriam dos conceitos, mas também elaboram modos de interação, de participação como perguntar, como responder, como argumentar e de negociação ( FONTANA, 1996). As atividades a serem realizadas pelo SAP enfatizarão a elaboração dos conceitos fundamentais das diferentes áreas do conhecimento, dando ao conteúdo um tratamento histórico-cultural, e principalmente, como dito acima, procurando auxiliar o grupo de alunos na aquisição de instrumentos mediadores que os possibilitem apropriar-se de modo cada vez mais elaborado do conhecimento. Encaminhamentos do Serviço de Apoio Pedagógico: Os encaminhamentos ao SAP iniciam um processo de avaliação que, em função do que já dissemos anteriormente, diz respeito a todo o processo pedagógico e contexto escolar. Faremos a seguir algumas considerações sobre a questão da avaliação. Gradativamente, no sistema escolar, o conceito de avaliação vem evoluindo; pode-se perceber ... o caminhar de uma concepção tecnicista onde avaliar significa medir, atribuir nota, predizer, em direção a uma concepção sócio-política em que a avaliação é vista em um contexto mais amplo sócio-cultural, historicamente situada, auto-construída, transformadora e emancipadora. (ABRAMOWICZ, 1996, p.26) Entende-se a avaliação como um processo que ocorre a todo momento e que envolve todos os elementos do processo pedagógico: professor, alunos, todas as pessoas que trabalham ou estão envolvidos com a escola, assim como os objetivos, os conteúdos e as atividades realizadas na escola e em sala de aula. A compreensão da perspectiva histórico-cultural que pressupõe a aprendizagem como a principal fonte de desenvolvimento, onde prevalecem as possibilidades garantidas pelas pautas interacionais e onde o conceito de zona de desenvolvimento proximal coloca professores na constante tarefa de mediação com seus alunos e o conhecimento, parte do princípio de uma avaliação que se realiza como fonte de informação para os novos procedimentos a serem tomados a cada instante no processo educacional. Viabilizado enquanto fonte de informação o processo avaliativo compor-se-á no cotidiano, observando e entrecruzando-se todas as reações, convicções, possibilidades e dificuldades do conjunto de alunos e de professores. Mais importante do que a discussão de mecanismos de avaliação, como provas, testes, exercícios, PROPOSTA CURRICULAR (Processo Pedagógico) 84 trabalhos escritos individuais e coletivos, pesquisa e outros, está a possibilidade de conceber e trabalhar com o conceito de avaliação que dê espaço à criatividade, à criticidade e à autonomia, distanciando-se, desta forma de um controle de domínio cognitivo pela memorização trivial e medíocre. Como reverter a prática avaliativa alicerçada em instrumentos legais que legitimam a seleção prevendo (obrigando/protegendo) o uso de provas, testes, notas, médias, classificações periódicas em tempos estanques e pré-determinados ? A busca de um grande número de educadores tem sido a de trabalhar com os pressupostos de uma avaliação emancipatória cujas características são : a) processual e contínua. Significa estar intimamente ligada à concepção de conhecimento e currículo como uma construção histórica, singular e coletiva dos sujeitos num processo permanente de ação-reflexão-ação, a fim de proporcionar avanços, progressões e inclusões na dinâmica de aprendizagem dos alunos; b) participativa. Ao envolver todos os segmentos: pais/mães, alunos, professores, funcionários como co-participantes, co-autores e co-responsáveis na práxis durante o processo de aprendizagem, o processo de avaliação retoma, reorganiza e reeduca os envolvidos através de reuniões, assembléias e conselhos de classe etc.; c) investigativa e diagnóstica. O aluno é parâmetro de si mesmo, respeita-se o processo de apropriação de conhecimento do aluno, considerando os erros como pontos de reflexão, busca de alternativas e desafios para novas construções. A observação, o registro e a reflexão constante são alguns dos múltiplos instrumentos para levantar dados e “ver” a realidade. ( LOCK, 1996)25. Avaliar faz parte do ato educativo, do processo de aprendizagem. Avalia-se para diagnosticar avanços e entraves, para intervir, agir, problematizando, interferindo e redefinindo os rumos e caminhos a serem percorridos. Compreendendo-se a avaliação desta forma, o encaminhamento de um aluno para o SAP será um intenso processo de reflexão sobre todos os aspectos da prática pedagógica e, principalmente, do trabalho desenvolvido para a aprendizagem deste aluno. Caracteriza-se desta forma um Serviço de Apoio Pedagógico que não se destina aos sujeitos de modo individualizado, mas um apoio pedagógico para o ato educativo, para a escola e seu projeto, voltado, portanto, a permanente reflexão sobre o modo como estão se realizando as atividades possibilitadoras de aprendizagens. Desta forma, a sala de aula, que é um lugar de tantos desencontros e diferenças; que é de onde partem as primeiras suspeitas de “anormalidades” e “dificuldades” das crianças; que é o lugar de onde falam os que são (competentes ou não) designados a transmitir os conhecimentos socialmente valorizados... (PADILHA,1994, p. 127) é , também, o lugar onde se pode proporcionar aos alunos a superação de dificuldades, experiências ainda não vivenciadas e instrumentos para realizar as aprendizagens necessárias ao pleno exercício de sua condição humana. O trabalho do Serviço de Apoio Pedagógico é uma aposta em uma escola que assuma todos os seus alunos e alunas como pessoas que merecem respeito, descartando modelos seletivos e aprofundando a compreensão que se pode/deve oferecer aos alunos as mesmas possibilidades e experiências educativas, independentemente de sua posição social, econômica, raça, sexo, capacidade intelectual ou qualquer outra característica. É uma aposta em uma escola que, incluindo as diferenças, exclui as desigualdades. Estruturação do Pólo de Atendimento às Necessidades Especiais A estruturação da Escola pólo de atendimento é de responsabilidade da equipe pedagógica da CRE (diretores de ensino, integradores de ensino regular e especial). 25 LOCK, Jussara. Avaliação Emancipatória. In: SILVA, Luiz Heron da et-al. Novos Mapas Culturais/Novas Perspectivas. Porto Alegre: Sulinas, 1996 PROPOSTA CURRICULAR (Processo Pedagógico) 85 Os procedimentos necessários para encaminhamentos são: a) a equipe da escola, a partir do entendimento assumido neste documento, procura a equipe pedagógica da CRE munida de relatório de avaliação de todos os aspectos do processo pedagógico e principalmente do trabalho desenvolvido para o processo deaprendizagem do aluno a ser encaminhada ao Serviço. b) a equipe pedagógica da CRE, após avaliação e análise com a equipe da escola, encaminhará o processo de estruturação do Serviço para SED/DIEF de que deverá constar: justificativa, local para funcionamento, professor respeitando os critérios e relatórios das escolas. c) a equipe da DIEF, em parceria com a FCEE, analisará os processos, recorrendo a equipe da CRE se necessário, tomando as devidas providências para estruturação. O funcionamento do pólo deverá ser proposto pela CRE, em discussão com SED/FCEE. BIBLIOGRAFIA COSCODAI, Beatriz Teresinha. Quando uma diferença é posta como deficiência: reflexões sobre três Histórias. Florianópolis : Universidade Federal de Santa Catarina, 1994 [Dissertação de Mestrado]. DAVIS, Claudia et.al. Papel e valor das interações sociais em sala de aula. Cadernos de Pesquisa. São Paulo, n.71, p.40-51, nov.1989. FERRI, Cássia. Diversidade nas diferentes áreas do conhecimento. Texto apresentado no I Seminário de Intercâmbio científico entre educadores do ensino regular e especial. Fraiburgo, 1996. [mimeo]. GOFFMAN, Erving. Estigma: notas sobre a manipulação da identidade deteriorada. 4 ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1978. GÓES, Maria Cecília. A natureza social do desenvolvimento psicológico. Cadernos CEDES. Campinas, n.24, p.17-24, 1991. LOCK, Jussara. Avaliação emancipatória. In: SILVA, Luiz Heron da et.al. Novos mapas culturais/novas perspectivas educacionais. Porto Alegre : Sulinas, 1996. MACHADO, Maria Lúcia de A. 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TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA ESTIGMA 3 Apresentação Olá, nosso novo aluno(a)! Neste primeiro encontro, você irá aprender como as normas e valores influenciam grandemente a maneira de como percebemos as pessoas ao nosso redor. Você descobrirá como os estereótipos são criados e mantidos e como, a partir deles, é construído o estigma. Logo em seguida, deverá ser feita uma análise bastante detalhada do conceito de estigma ressaltando as suas dimensões e os vários mecanismos de sua sucessão. E por fim, limitaremos nossa discussão, descrevendo o processo de estigmatização da pessoa portadora de alguma deficiência. Objetivos : 1. Definir estigma. 2. Explicar como o estigma é formado. 3. Identificar dimensões do estigma. 4. Definir a deficiência. 5. Definir os aspectos estigmatizantes da deficiência. Conceitos e (Pré) conceitos O mecanismo de organização de informações, também conhecido como processo de categorização, é normal, adaptativo e importante em vários tipos de interações sociais. Ele nos ajuda a saber como nos comportar diante do outro, porque permite antever com uma alta margem de segurança, as ações do outro. Foi essa categorização que influenciou a forma de como você Saudaria e interagiria com as pessoas. E esse mesmo mecanismo que determina o tom de voz que é adotado diante de uma figura de autoridade ou a forma com que se senta no chão para brincar com uma criança. A categorização simplifica a percepção social. Ela funciona como uma espécie de "filminho" que, rapidamente, roda em nossas cabeças oferecendo informações essenciais sobre as características mais marcantes de cada indivíduo - e como devemos agir diante dele. Um bom exemplo de se usar é que se você visse uma mulher boa, idónea, formal, carismática, serena, com um crucifixo, você provavelmente culminaria em um estereótipo de uma fiel. Agora se você visse uma pessoa que contempla ideias de informalidade, senso de humor apurado ou atitude contestatória com vestes mais "largadas", você provavelmente o associaria com um hippie. Com esses estereótipos em mente, você estaria inclinado a cumprimentar a fiel de maneira mais formal e cerimoniosa, como um simples aperto de mão. O hippie, por outro lado, dar-lhe uma batidinha nas costas seguida das palavras "E aí, cara". Esses são exemplos, mas o mais importante é refletir que provavelmente, você saudaria o hippie e a fiel de forma distinta, em constância com o estereótipo que temos dos grupos a que pertencem. Posso afirmar que os estereótipos armazenados em minha memória influenciam as percepções que tenho das pessoas e de seus diferentes grupos sociais. Imagina o que aconteceria, então, com o estereótipo da fiel se eu descobrisse que ela, uma renomada professora de português, está sendo procurada pela polícia por ter liderado uma quadrilha de assaltantes de banco no Acre (salientando que se trata de um caso fictício, sendo apenas uma suposição). Essas condutas "inesperadas", negativamente avaliadas e incongruente com o estereótipo que tenho do indivíduo, formam a base para o surgimento do estigma. O estigma é um atributo depreciativo atribuído a uma pessoa ou um grupo por aqueles considerados "normais". Revela-se como uma torpeza moral, uma falha, considerada motivo de vergonha. Esta exata falha é criada pela lacuna existente entre um indivíduo, de acordo com a expectativa da sociedade em que vivemos, ela sendo considerada uma mulher correta, idônea, seria como se a "identidade social real dela não correspondesse com sua identidade social virtual". De forma esquemática, poderíamos facilmente representar o conceito de estigma da seguinte forma. 4 Figura 1- Representação gráfica do estigma O termo estigma faz referência ao aspecto depreciativo no caráter do indivíduo que faz divergência da norma. Ele não é, no entanto, formado pelo atributo em si, mas sim pela relação não condizente estabelecida entre esse atributo e estereótipo. A fiel, possivelmente, recebia o estigma de "a criminosa", uma vez que é esse o atributo que foge do estereótipo de "pessoa religiosa". Poderíamos representar a instauração de seu estigma da seguinte forma: 5 Figura 2 - O caso da fiel Assaltante de banco representa sua identidade real (o que é ela) e pessoa idônea, sua identidade virtual (o que deveria, na perspectiva da sociedade, ser). O grau de estigmatização depende do quanto indesejável o atributo depreciativo for considerado pelo grupo. Ou seja, quanto maiorfor a "lacuna" existente entre a identidade real e a virtual, maior o grau de estigmatização. É importante se atentar que quando o estigma é formado, todos os outros atributos da pessoa parecem ser ofuscados. Ou seja, quando identifico o indivíduo como desviante, tudo que ele faz ou é passa a ser interpretado em função dos atributos estereotipados do estigma. Assim, mesmo sendo uma fiel extraordinária professora de português e uma pessoa carismática, essas características são minimizadas quando o estigma de "criminosa" lhe é empregado. As especificidades do estigma "Um atributo que estigmatiza alguém pode confirmar a normalidade deste outro alguém, portanto, ele não é em si mesmo, nem desonrosa e nem honroso: Assim, observe as fotografias. 6 Olhando a imagem do homem à direita podemos ver que seus atributos são condizente com o estilo "punk". Já o homem à esquerda pode lembrar a figura de um jovem advogado que trabalha num escritório. Agora imagine, esses mesmos homens inseridos nos ambientes contrários. O homem da direita em um escritório de advogacacia e o da esquerda esquerda um show de rock. O que você acha que aconteceria ? O camarada de chapéu, embora fosse um excelente promotor de justiça, poderia ser facilmente rotulado de "cabeludo de chapéu" no escritório. O de gravata, mesmo sendo um exímio guitarrista de rock, seria chamado no show de "o engravatado" O interesse é pensar que esses mesmos rótulos tendem a desaparecer quando mudam as "audiências". Na medida em que caracterizo alguém como desviante, posso lhe assegurar da normalidade das demais pessoas que participam de um grupo. É como se cada grupo desenvolvesse um conjunto de critérios ou regras determinando os atributos e condutas considerados aceitáveis a serem seguidos por seus membros. A presença de algo "diferente" realça bastante e sedimenta os atributos característicos de cada tipo de organização social. Quando o rótulo o jovem promotor de "cabeludo do chapéu", realço a ideia de que o correto, normal e desejável seria que os advogados adotassem um visual mais discreto, sem adereços. Por outro lado, no contexto do grupo de pessoas "punks" seria muito adequado abandonar a gravata. Você deve ter percebido que o estigma funciona como um rótulo. Assim temos no mundo as pessoas que rotulamos de "o burro", "o cego", "o aleijado", "o louco", "o preguiçoso", "o encostado", "o bêbado", "o bonitão", e etc. Todos esses nomes carregam em si uma grande história. Ao narrá-la, desvendamos a biografia da formação do estigma. 7 Diferentes fatores que podem contribuir para o grau de estigmatização de um indivíduo. Este quadro fala de seis dimensões, propostas por Ainlay e Cristy, que podem afetar o processo de estigmatização. 8 9 Quadro 1 - Dimensões da estigmatização Deficiência: conceitos da atualidade Agora reflita sobre o conceito de estigma discutido nos trechos acima. É indispensável que você compreenda a deficiência não apenas como um fenômeno biológico, mas como um conceito produzido e mantido pelo meio social. Nesse sentido,é essencial que você compreenda os sentimentos diante da diferença. Aqui vemos algumas deficiências que serão muito trabalhadas: 10 Leituras complementares… As três referências apresentadas à seguir trazem um aprofundamento da reflexão que foi feita sobre o estigma. AMARAL, Lígia. Sobre crocodilos e avestruzes: falando de diferenças físicas, preconceitos e sua superação. In: AQUINO, Júlio G. (Org.). Diferença e preconceitos. São Paulo: Summus, 1998. P 11-30. 11 MAGALHÃES, Rita de Cássia Barbosa, Reflexões sobre a diferença: uma introdução à educação espacial. Fortaleza: Edições Demócrito Rocha, 2002. OMOTE, S. Deficiência e não deficiência: recortes do mesmo tecido. Revista Brasileira de educação Especial, v. 2, n.1, p. 65-74, 1994. Agora listo alguns filmes que trabalham a questão do estigma de pessoas com necessidades especiais na sociedade. Neles, você verá como o estigma é construído e a forma como as pessoas que evidenciam excepcionalidade são percebidas pela sociedade 12 EDUCAÇÃO ESPECIAL : UM POUCO DA HISTÓRIA Apresentação Neste segundo encontro, será feita uma viagem pela história da Educação Especial. Nesse percurso, você irá observar as várias concepções acerca da deficiência nas diferentes épocas, partindo da antiguidade e chegando à contemporaneidade. Você verá também como os acontecimentos religiosos, sociais, econômicos e políticos da época que influenciaram fortemente as várias percepções sobre a excepcionalidade sobre as oportunidades educacionais oferecidas às pessoas que são portadoras de alguma deficiência. Além disso, você também verá, através de um trabalho de campo, como mitos consolidados nos tempos passados ainda podem persistir no presente. 13 Objetivos : 1. Concluir as concepções de deficiências na antiguidade, na idade Média, na idade Moderna e contemporânea. 2. Caracterizar as várias oportunidades de educação ofertadas aos indivíduos com deficiência nos períodos referidos. 3. Fazer relações referentes às concepções de deficiência nos diferentes períodos históricos com a atualidade. A antiguidade Caro aluno, essa história começa na Grécia antiga, em um mundo controlado pelo pensamento mítico-religioso, em que os deuses e os espíritos que possuíam forças divinas e demoníacas, traçavam o destino dos homens e da natureza. Na visão dos gregos, as pessoas que possuiam alguma deficiência não eram consideradas propriamente humanas, mas entidades que possuíam poderes sobrenaturais. Três tipos de distúrbios eram os mais preocupantes de acordo com eles: a "insanidade", a "surdez" e a "cegueira". O primeiro, compreendido como diferentes formas de doença mental, deficiência intelectual e epilepsia, era o mais temido pelos gregos, e também pelos romanos. As preocupações com a defesa militar e a subsistência em uma sociedade agrária justificam a importância que os gregos conferiam às habilidades físicas e intelectuais do homem. Nesse cenário, os deficientes, eram percebidos como aqueles corpos e mentes "disformes", seriam incapazes de produzir para a agricultura ou servir em guerras. Assim sendo vistos como seres que ameaçavam a sobrevivência da sociedade. A necessidade de manutenção de uma sociedade vigorosa dependia, nesse cenário, da força inata de seus cidadãos. Presos à essa ideia, gregos e romanos promoviam leis destinadas a eliminar precocemente "aqueles que não podiam contribuir". Assim, registros históricos indicam que, em Atenas, os recém nascidos que demonstravam deformidades físicas era sacrificados, ou eram colocados em vasos de barro e deixado à beira das estradas. Em Esparta, as pessoas consideradas "loucas" eram lançadas em rios ou abismos abandonados nas florestas. Em Cartago, região do área mediterrânea, as crianças cegas eram queimadas em sinal de sacrifício ao sol. Pessoas que possuíam deficiências só eram toleradas se pudessem trazer benefícios econômicos ou sociais à pólis. A história nos revela, por exemplo, que em Roma, meninos cegos eram treinados para se tornarem mendigos, e meninas cegas, prostitutas. Já as pessoas com deficiência intelectual e física eram, juntamente com anões, hermafroditas e gigantes, vendidos como objeto de entretenimento para famílias abastadas, em feiras livres. 14 15 Idade Média O cristianismo e sua influência no período medieval traz consigo o fim do pensamento mítico, politeísta e instaura a nova ordem do monoteísmo e dos lemas de amor ao próximo. O deficiente passa a imagem de um indivíduo sub-humano ou sobre- humano para um indivíduo carente e merecedor de compaixão. Eram as "crianças de Deus" aqueles para quem todos oravam e faziam suas preces com olhares piedosos. E, por não dizer, também, olhares de medo? Afinal, as diferenças sempre trouxeram a consciência do perigo da imperfeição, do "eu" disforme, do "ai, e se fosse comigo?". Voltando à história. A deficiência na idade Média é compreendida comouma forma de escolha divina. Assim, as pessoas com prejuízos sensoriais, mentais e intelectuais ou físicos passam a ser considerados como: instrumentos de Deus, para alertar os homens, os agraciando com a possibilidade de fazerem caridade. Em outras palavras, os indivíduos com deficiência passaram a ser importantes para que os "bons cristãos" pudessem exibir suas ações de caridade. Já por outro lado, a deficiência é, também, entendida comi uma forma de punição e revelação do anticristo. Desse modo, durante a inquisição, se a excepcionalidade do indivíduo fosse percebida como a encarnação do mal, ele podia ser torturado, queimado ou tornar-se alvo de cerimônias de exorcismo. O julgamento era feito, essencialmente, pela observação do comportamento do indivíduo. Registros históricos nos indicam, que os murmúrios de pessoas que possuem deficiência intelectual eram interpretados como conversas com o diabo e crises epiléticas como a possessão satânica. 16 Figura 1 - Tribunal da inquisição Você pode estar se perguntando agora: "E os deficientes que não ameaçavam a ordem social e os preceitos da igreja Católica?" Então, esses eram mantidos para o entretenimento, gora o destino de tantos na antiguidade. Mas dessa vez, no entanto eram empregados em palácios no papel de bobos da corte, exibidos em circos e praças públicas. O que marcou a Idade Média e seus princípios cristãos foi, no entanto,a mudança de status do deficiente de coisa para pessoa. Enquanto pessoa, pelo olhar de Deus, o deficiente deveria ter o direito à vida. Era-lhe tirado o direito de receber heranças, depor em tribunais ou fazer testamentos. Mas, apesar dos obstáculos, mudanças ocorreram! A ética religiosa, a despeito da Inquisição, reprimiria o extermínio das pessoas com deficiência. Em seu lugar, instaura a necessidade de manter e cuidar das mesmas. Não podemos esquecer, que os deficientes ainda assustavam a sociedade medieval. A relação com deficiência é marcada pela separação que destaca a contradição de castigo e caridade, que continua transpassando a concepção cristã sobre a deficiência. Sendo assim, a sociedade cristã da época, por temer o castigo divino, acolhe as pessoas com deficiência, mostrando assim seus gestos de caridade. Assim, ao invés de mortos e abandonados, as pessoas com deficiência, durante a Idade Média, foram primordialmente segregadas em instituições religiosas, abrigos e manicômios. Nesses recintos, mantidos pela caridade da Igreja e por bons cristãos, o deficiente não recebia qualquer tratamento especializado. Na Idade Média, mesmo com a fundação das primeiras universidades, a 17 educação continuava sendo um privilégio de poucos. Em uma sociedade pouco letrada e essencialmente agrária, o indivíduo deficiente, que agora ganha status de pessoa, se fundia com a grande maioria analfabeta e não escolarizada. 18 A idade Moderna A Idade Moderna é caracterizada pela passagem do mundo Feudal ao Capitalista, e é marcada pelas expansões territoriais e científicas. O desenvolvimento da medicina desarticula a concepção de deficiência de possessão demoníaca ou obra divina na Idade Média. É instaurada, em seu lugar, a ideia de excepcionalidade como manifestação de doença. É nesse cenário novo que, no século XVI, os médicos Paracelso Cardano (Figura 2B) argumentam ser a deficiência fruto de fatalidades hereditárias ou congênitas. Para eles, alterações nas estruturas do cérebro causariam as excepcionalidades. Assim, ao invés de punir ou destacar o deficiente, é reconhecida a necessidade de tratá-lo. Figura 2 - (A) Médico Paracelso; (B) Médico Cardano A ideia de dar educação a população que possuíam deficiências era pouco expressiva no começo da idade Moderna. Merece destaque no entanto, o trabalho de Ponce de León (1520-1584), figura 3A, sendo considerado o primeiro educador especial da história, Ponce desenvolveu na Espanha, um método de comunicação para deficientes auditivos. Quase duzentos anos depois, Charles Michel de L'Épée (1712-1789), figura 3B, criou a primeira instituição educacional para surdos na França. 19 Figura 3 - (A) Pedro ponce de León; (B) Charles Michel de L'Épée; (C) Valentin Haüy 20 Foi também na França que Valentin Haüy (Figura 3C), em 1784, fundou a "instituição Nationale des Jeunes Aveugles", considerada a 1° escola para a educação de pessoas com cegueira. Se inspirando em Rosseau e L'Epée, desenvolveu um programa para ensinar os cegos a lerem, fazendo uso das letras em alto relevo. Esse sistema seria, posteriormente, substituído pelo Braille, método de leitura e escrita, criado por Louis Braille em 1832. Haüy e Épée mostraram que pessoas sensorialmente privadas, como surdos e cegos, poderiam ser educadas. Já os deficientes intelectuais? Seriam capazes de aprender? As perspectivas sobre a "estupidez" e a "idiotia", as atribuições dadas na época para referir-se ao deficiente intelectual, variavam. Para Thomas Willis (1621-1625), figura 4, médico inglês, por exemplo: [...] A idiotia e a estupidez dependem de uma falta de julgamento e de inteligência, que não corresponde ao pensamento racional real; o cérebro é a sede da enfermidade, que consiste numa ausência de imaginação localizada no corpo caloso ou substância branca; e a memória, na substância cortical. Assim, se a imbecilidade e a estupidez aparecem, a causa reside na região envolvida ou nos espíritos animais, ou ambos. 21 Nesse sentido, a deficiência intelectual era compreendida como uma falha cognitiva causada, possivelmente por uma disfunção cerebral. Figura 4 - (A) Thomas Willis; (B) John Locke; (C) Jean Marc Gaspard Itard 22 No século XVII, John Locke revolucionou a visão organicista da deficiência,propondo novas perspectivas sobre o funcionamento cognitivo. Locke pregava que a mente do homem, ao nascimento, era uma tábula rasa, um quadro em branco, uma lousa vazia. Segundo ele, os registros nessa lousa eram produzidos aos poucos, "escritos" por meio da experiência. Ou seja, ao invés de inato, o conhecimento era adquirido pelo contato do homem com o mundo.A partir dessa perspectiva, condições como a deficiência intelectual passam a ser compreendidas como estados de carência de ideias e operações intelectuais, semelhantes ao do recém-nascido. Nessa perspectiva, é aberta a possibilidade para que a experiência e o ensino supram os déficits cognitivos observados em algumas deficiências. Inspirado nos pressupostos de Locke, o médico Jean Itard (1775-1850), Figura 4C),preconizava que a deficiência, ao invés de biológica, poderia ter como causa a privação cultural. Ficou famoso pelo tratamento de Victor, "o menino selvagem", que fora encontrado vagando pela floresta de Aveyron, sul da França.A criança, que tinha na época por volta de 12 anos, não falava e manifestava comportamentos semelhantes aos animais, como andar de quatro. Através de um método de ensino que intitulou "educação moral e mental". Jean conseguiu que o menino aprendesse habilidades básicas, mas não a falar fluentemente. A metodologia desenvolvida por Itard continuou a inspirar médicos e educadores nos séculos subsequentes. Merecem destaque os trabalhos de Edouard Seguin e Maria Montessori. Edouard Seguin, discípulo de Itard, publicou, em 1866. Idiocy and Its Treatments by the Physiological Method, um dos primeiros tratados de educação especial da história. Nesse livro, adotado por instituições que trabalham com crianças deficientes 23 intelectuais, Seguin falava da importância do ambiente estruturado, da instrução direta, do ensino de habilidades de cuidados pessoais e da estimulação motora para a aprendizagem. O trabalho de Seguin influenciou Maria Montessori (1870-1951), uma educadora italiana que acreditava na experiência direta como fonte essencial para a aprendizagem. Criadora do método montessoriano de ensino, Montessori trabalhou com crianças que apresentavam deficiência intelectual e, posteriormente, com alunos com desenvolvimento normal. Os recursosdidáticos criados por ela, como o material dourado, são, até hoje, usados em escolas regulares. A idade Contemporânea A Idade Contemporânea, compreendida pelo período que se estende do final do século XIX até os dias atuais, é marcada pelo desenvolvimento e consolidação do regime capitalista. As duas Grandes Guerras Mundiais, o crescimento econômico e a demanda por uma sociedade cada vez mais "produtiva" são fatores que fortemente influenciaram as concepções e a educação ofertada às pessoas deficientes na atualidade. No século XX, são proliferadas por todo o mundo as instituições especializadas na educação de pessoas com deficiência. As primeiras foram criadas para surdos e cegos. Posteriormente, foram contemplados os indivíduos com deficiências intelectuais.. Essas instituições, mantidas essencialmente por entidades filantrópicas ganham maior visibilidade após as duas grandes guerras. Isso porque muitas pessoas que antes se encaixavam nos padrões de normalidade voltaram das batalhas com mutilações e outras condições de excepcionalidade, que exigiam um atendimento especializado (Mendes, 2006). Ressalta-se o fato de serem esses individuos ex-combatentes, detentores de um capital social e cultural diferenciado (CARVALHO-FREITAS, 2007), que justificavam uma reabilitação para a (re) inserção no mercado de trabalho. A economia do século XX, marcada pelo desenvolvimento industrial e pelo crescimento urbano, demandava uma sociedade escolarizada e competitiva. Assim, surge a obrigatoriedade do ensino e, com o crescimento das cidades, a proliferação das escolas. Essas instituições passam a receber grupos cada vez maiores e mais heterogêneos de alunos. Muitos desses educandos não apresentavam deficiências "visíveis", mas dificuldades nas habilidades de aprender. Desse modo, a sociedade é instigada a pensar nas diferenças individuais, nas excepcionalidades. Em paralelo ao sistema regular de ensino, expandiam-se, também, as instituições especiais que, aos poucos, passaram a receber maior apoio do Estado. Os movimentos sociais de Direitos Humanos, surgidos em meados do século XX, ratificaram o direito à educação da pessoa com deficiência, assim como sua inserção no mercado de 24 trabalho. Alertavam, ainda, para os efeitos prejudiciais de uma educação segregada (Mendes, 2006). Pesquisas indicavam que as pessoas excepcionais aprendiam melhor em escolas regulares ao invés de apartadas em instituições especializadas. Aliados a isso estavam os altos custos do Estado em manter essas instituições que, por fim, produziram indivíduos pouco capacitados e competitivos. Surgem, então, os movimentos de integração e inclusão escolar que ofertaram à pessoa com deficiência o direito a ser educada em ambientes menos restritivos. NO BRASIL :EDUCAÇÃO ESPECIAL UM PANORAMA HISTÓRICO Apresentação Depois dessa longa viagem em que delineamos um panorama geral da história da deficiência no mundo, você deve estar curioso para saber como andava a Educação Especial, especificamente, no Brasil, se perguntando: como surgiu? Quando surgiu? Quem foram os primeiros educandos a serem contemplados por serviços especializados? Como foi a caminhada desses indivíduos rumo às escolas regulares? Essas perguntas serão respondidas durante esta nova jornada, em que traçaremos um breve histórico da educação especial do Brasil colonial até a década de 1990. 25 Objetivos : 26 1. Identificar os tipos de atendimentos ofertados aos indivíduos com deficiência no Brasil, do período Imperial até a década de 1990. 2. Identificar os marcos históricos que influenciaram o processo de atendimento a pessoas com deficiência no Brasil, do período Imperial até a década de 1990. 3. Definir os paradigmas da Educação Especial, incluindo o Modelo da segregação e da Integração. As primeiras instituições : século XVII -XIX A educação no contexto do Brasil colonial era um privilégio deum limitado segmento da nobreza. Nesse cenário essencialmente agrário e escravocrata, o deficiente parecia mesclar-se com a grande maioria da população não escolarizada. Assim como na Europa, os excepcionais que falharam em se adequar às normas sociais tinham com destino os hospitais, cadeias ou asilos. Poucas instituições especiais parecem ter surgido no período colonial para atender as deficiências mais visíveis. Merece destaque uma instituição religiosa destinada ao tratamento de deficientes físicos, alocada em São Paulo, em 1600. O atendimento educacional às populações especiais passou a ser expressivo no final do século XVIII e início do século XIX. Inspirado nas iniciativas europeias, o imperador D. Pedro II funda dois importantes institutos para o atendimento de deficientes sensoriais. O primeiro. como você pode ver na Figura 1(A). Alcunhado Imperial Instituto para Meninos Cegos, hoje denominado Instituto Benjamin Constant (IBC), foi inaugurado em 1851, no Rio de Janeiro. Três anos depois, nossa mesma cidade, sob influência de Ernest Huet, é fundado o Instituto dos Surdos-Mudos. Figura 1(B), conhecida como Instituto Nacional dos Surdos (INES). Figura 1 - (a) Instituto Benjamin Constant (IBC) e (C) Instituto Nacional dos Surdos (INES) Em regime de internato, os alunos do Instituto de Cegos tinham uma formação primária e cursos do secundário. Adicionalmente, recebiam educação moral e religiosa, além de ensino de música, ofícios fabris e trabalhos manuais. Os educandos cegos com "dificuldades para aprender" e com "problemas de comportamento" eram excluídos do programa. O Instituto de Surdos sofreu fortes influências de Charles Michel de L'Épée. Lembra-se dele? Falamos desse grande educador em nosso segundo encontro. Pois bem, além de fundar a primeira instituição educacional para surdos na França, L'Épée criou um método conhecido por gestualismo, que foi disseminado em várias partes do mundo. Esse método é caracterizado pelo uso de sinais manuais. Foi adotado pelo Instituto de Surdos no Brasil. Paralelamente a escolaridade, a referida instituição oferecia um ensino profissionalizante, como oficinas de sapateiro, encadernação, além de corte e costura. Até o final do Império, apenas duas instituições para o atendimento de deficientes intelectuais aparecem nos registros históricos do Brasil. A primeira, especializada no atendimento a essa população, estava alocada na Bahia, A segunda, de ensino regular, atendia também deficientes físicos e visuais no Rio de Janeiro, Vale ressaltar, ainda, que essas instituições, mantidas pelo estado, parecem ter surgido para atender deficiências intelectuais mais graves, Os senhores da aristocracia rural, principais responsáveis pelo comando político do Brasil na época, demandam uma mão de obra, compulsoriamente, escrava. Em uma economia essencialmente agrária, portanto, parecía inexistir vontade política para a escolarização da sociedade, De fato, apesar de a Constituição Federal de 1824 proferir uma educação primária e gratuita para todos, registros de 1870 denunciam que apenas 2% da população tinha acesso ao Ensino Fundamental. Eram isentos da escola, em algumas regiões do país, os alunos "normais" que viviam há mais de 2 ou 3 27 quilómetros de distância das instituições de ensino,os portadores de doenças contagiosas e os desprovidos de recursos. Sabe se, também, que as crianças que apresentavam atestados médicos de incapacidade mental ou física não precisavam ir à escola. Nesse contexto, plausível supor que as pessoas com deficiência fundiam-se com a grande maioria iletrada, no final do século XIX. O paradigma da segregação Os médicos, principais responsáveis pela identificação e "tratamento" desses indivíduos, começaram a perceber a importância da pedagogia no início do século XX. Essa perspectiva é revelada pela criação de instituições escolares ligadas a hospitais psiquiátricos. Como exemplo, temos a oferta de serviços pedagógicos para crianças com deficiência intelectual, no Hospício da Praia Vermelha, no Rio de Janeiro, em 1905 e, noHospício de Juqueri, em São Paulo, por volta de 1920. Esses serviços eram coordenados por médicos, tendo como auxiliares, os pedagogos. Eram, também, os médicos que supervisionavam, através do Serviço Médico -Escolar, o funcionamento de escolas, na década de 1920. Esses inspetores eram responsáveis por vistoriar as escolas regulares e separar os alunos normais dos que apresentavam “anormalidades". De acordo com documentos correntes, os "anormais" incluíam, além dos deficientes, os tímidos, os sofridos ou indisciplinados, os preguiçosos ou desatentos e retardados por diferentes causas. A legislação vigente na época proferia que esses educandos, por não aprenderem e impedirem a aprendizagem dos colegas “normais", fossem encaminhados a classes especiais. Registros históricos, no entanto, falham em descrever se essas classes foram, de fato, criadas nesse período Supõe-se que o destino de muitos tenha sido os hospitais psiquiátricos e outras instituições segregadoras.Para o interesse dos cofres públicos era pertinente prover escolas para o deficiente, uma vez que, em manicômios e prisões, custam mais caro ao Estado. Como educar, então, esses alunos? É nesse contexto que o trabalho de Helena Antipoff (1892-1974), Figura 2, uma educadora russa, residente no Brasil, ganha destaque. 28 Figura 2 - Helena Antipoff Antipoff, inspirada nos métodos educativos delineados pela Psicologia, propôs a divisão "homogênea" de classes no sistema regular de ensino, assim como a criação de classes especiais. Ou seja, considerando os estudos de Binet, Antipoff sugeriu que os alunos fossem agrupados de acordo com seus níveis intelectuais, medidos a partir dos testes de inteligência. Criou, então, em Belo Horizonte, na década de 1930, um sistema de classes homogêneas, composta por grupos com QI elevado, médio e inferior. No entanto, [...] Os procedimentos que havia sugerido para a organização das classes homogéneas e o tratamento das crianças com dificuldades de aprendizagem estavam se voltando contra as próprias crianças que pretendiam ajudar. As classificações por nivel intelectual, realizadas no início do ano escolar, transformavam-se, nas mãos da tecnocracia educacional, em verdadeiras "profecias autocumpridas", selando o destino de muitas crianças com base em prognósticos baseados em resultados de testes de QI. 29 A carência de investimento no ensino e a escassez de serviços especializados para o atendimento de alunos excluídos das classes regulares era notório nesse período. O censo escolar de 1950 revelou, por exemplo, que dos 100 mil cegos e 50 mil surdos no país, apenas 0,3% e 1,5%, respectivamente, recebiam "educação oficial sistemática". E nesse panorama de descaso do poder público que se intensificam, a partir de 1930, a implantação de instituições filantrópicas de apoio e escolas especiais privadas para alunos deficientes.Merece destaque a Sociedade Pestalozzi, entidade fundada por Helena Antipoff, em 1932. para fornecer orientações médico pedagógicas a pais e professores de alunos com excepcionalidades, incluindo os com deficiências, problemas de conduta, surdos, dentre outros. Destaca-se, também, o Conselho Brasileiro para o Bem-estar Cego e a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE). fundados em 1954. A questão da deficiência ganhava notoriedade na medida em que as escolas começaram a receber um contingente maior e mais heterogêneo de educandos, a partir da década de 1950. Para você ter uma ideia, 2.413.592 alunos estavam matriculados no ensino fundamental em 1935. Vinte anos depois, em 1955, esse número chegará a 4.545.630. Com a heterogeneidade dos estudantes que adentravam as instituições de ensino, aumentava-se, também, o fracasso escolar de muitos, incluindo os deficientes. Aliado a esse fenômeno, surgiram, em todo o mundo, os movimentos sociais pelos direitos humanos, desencadeados no pós-guerra e intensificados na década de 1960. Esses movimentos alertavam a sociedade sobre os efeitos prejudiciais da segregação e marginalização das minorias. Nesses grupos minoritários, estavam os deficientes que, até a década de 1960, eram precariamente educados em sistemas segregados de ensino. Para ser mais preciso, em escolas especiais e instituições filantrópicas que funcionavam, em paralelo, às escolas regulares. Essa forma de agrupamento é o que se designa de 30 "modelo de duas caixas", caracterizando o paradigma da segregação na Educação Especial, como observado na Figura 3: Figura 3 - Paradigma da Segregação em Educação Especial 31 O paradigma da Integração No final da década de 60 e no decorrer da década de 70/80, surge, impulsionando pelos movimentos sociais de Direitos Humanos, o paradigma da Integração. Esse modelo representado por uma pirâmide invertida ou por uma cascata, revela o continuum de serviços educacionais ofertados em ambientes mais e menos separados, conforme mostra a Figura 4, mostrada a seguir: Figura 4 - paradigma da Integração Conforme foi observado no esquema acima, no topo da pirâmide teríamos a classe regular, almejada por todos. Na camada anterior, a classe regular com serviços complementares: em seguida, as classes especiais, em tempo parcial ou integral, são alocadas dentro da escola regular. E por fim, saímos da escola regular e encontramos as escolas especiais, seguidas dos contextos hospitalares e instituições residenciais. A permanência em espaços menos separados, ilustrados pelos retângulos maiores, localizados no topo da cascata, deve ser a meta de todos os educandos. Os espaços interiores, situados fora da escola regular, como as escolas especiais e as 32 instituições residenciais, devem ser menores e servir o menor número de alunos possíveis. As setas posicionadas à direita e à esquerda do modelo indicam, respectivamente, que os educandos devem "subir" a pirâmide o mais rapidamente possível e descer de forma vagarosa. Em outras palavras, o sistema de ensino deve criar certo tipo de mecanismo para manter os alunos em ambientes menos isolados, dificultando assim a imigração dos estudantes para espaços mais restritivos. As modalidades de atendimento na área da educação na perspectiva da integração passaram a ser selecionadas, conforme observado na figura 4. O educando podia ser atendido em classe comum, classe especial ou qualquer outro tipo de modalidade de ensino, que não incluía, necessariamente, a classe regular. No Brasil, o paradigma da integração é, inicialmente, refletido nas leis de Diretrizes e Bases da década de 60 e, posteriormente, na constituição federal de 1988. No art. 88 da LDB 1961 (4.024/19 61), por exemplo, consta que "a educação de excepcionais, deve, no que for possível, enquadrar se no sistema geral de educação, a fim de integrá- los na comunidade". A constituição Federal de 1988 consagrou a educação como um direito de todos e garantiu o atendimento educacional especializado aos "portadores de deficiência". Conforme expresso no artigo 208, esses educandos deveriam estudar "preferencialmente" na rede regular de ensino. Vale destacar o termo "preferencialmente" empregado no documento que, claramente, não significa exclusivamente ou obrigatoriamente. As dificuldades em avaliar e conceder a progressão do aluno de um nível mais limitativo para outro menos restritivo foi um dos principais obstáculos desse novo paradigma. As políticas de integração, embora realçassem que os educandos deveriam, "preferencialmente" estar alocados em classes regulares, findaram por aplicar, quase que permanentemente, a exclusão. Nesse cenário, mais crianças passaram a ser excluídas do que integradas. Esse resultado faz sentido quando analisamos "as entrelinhas" do modelo proposto. Para que a integração ocorra, é preciso que o aluno desenvolva habilidades específicas, para poder coabitar com seus pares em cada segmento da cascata. Em última instância, o educando deve adaptar-se à escola, que permanece inalterada. Essa perspectiva é refletida na PolíticaNacional de Educação Especial, publicada em 1994, na qual é salientado que devem ter acesso às classes comuns do ensino regular os educandos que "[…] possuem condições de acompanhar e desenvolver as atividades curriculares programadas do ensino comum, no mesmo ritmo que os alunos considerados normais". 33 Um novo paradigma de educação, em que os alunos com deficiência não apenas adentrem, mas permaneçam no sistema escolar tornou-se imperativo na década de 1990. Esse novo modelo deveria focar em transformações da escola, em detrimento das modificações de seus educandos. De forma específica, na construção de um ambiente educacional que atendesse às demandas de uma população heterogênea. Desse modo, a escola se adaptaria ao aluno e não o aluno à escola. Estavam, então, criados os fundamentos para o modelo da Educação Inclusiva, que será descrito em nosso próximo encontro. 34 EDUCAÇÃO INCLUSIVA 35 Apresentação A história da Educação você viu até agora servirá como base para construirmos um novo capítulo, o da Educação Especial nos dias de hoje. Episódios da viagem que fizemos nas aulas anteriores serão, certamente, lembrados neste novo momento. Nas próximas páginas, você aprenderá sobre o paradigma da Educação Inclusiva, que inspira as políticas e práticas educacionais na atualidade. Conhecerá, também, os alunos que devem, de acordo com a legislação brasileira vigente, ser contemplados com os serviços educacionais especializados. Você também conhecerá como e onde esses educandos devem receber atendimento. Objetivos: 1. Descrever o paradigma da Inclusão. 2. Diferenciar os seguintes paradigmas: Integração, Inclusão e Inclusão Total. 3. Diferenciar necessidades educacionais especiais de deficiência. 4. Identificar as características dos alunos contemplados pelos serviços da Educação Especial na atualidade. 5. Identificar as atribuições do atendimento educacional especializado. Educação Inclusiva: seus alicerces Em nossa última conversa, vimos que as políticas inspiradas no paradigma da integração resultaram em ações quase permanentes de exclusão das pessoas com deficiência: Aliado à fragilidade do paradigma de serviços, o mundo constata, no início da década de 1990, o nefasto panorama da educação em geral. Estimava-se que 960 milhões de adultos eram analfabetos e que mais de 100 milhões de crianças e jovens não tinham acesso à escolarização básica, sendo que destes, 60% eram meninas (Declaração Mundial sobre Educação para Todos: Satisfação das Necessidades Básicas de Aprendizagem, 1990). E os deficientes nos países em desenvolvimento, como o Brasil, eram menos de 1% recebendo algum tipo de atendimento, de acordo com registros da época (UNESCO, 1994). Essas estatísticas, expostas durante a Conferência Mundial sobre Educação apara Todos (evento promovido pela Organização das Nações Unidas para a Educação Ciência e Cultura - UNESCO, realizado na Tailândia, em 1990), fizeram com que diversos países olhassem para o alarmante número de alunos privados do direito de acesso, ingresso e permanência na escola básica. Essas ideias ganharam força em 1994 com a Declaração de Salamanca, documento produzido durante a Conferência Mundial sobre Necessidades Educacionais Especiais: acesso e qualidade (evento promovido pela UNESCO, Fundo das Nações Unidas para a Infancia UNICEF e Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento - PNUD). Nesse texto, considerado o mais relevante marco na propagação da filosofia da Educação Inclusiva, as escolas regulares passariam a: [...] acomodar todas as crianças independentemente de suas condições físicas, intelectuais, sociais, emocionais, linguísticas ou outras. Deveriam incluir crianças deficientes e superdotadas, crianças de rua e que trabalham, crianças de origem remota ou de população nômade, crianças pertencentes a minorias linguísticas, étnicas ou culturais e crianças de outros grupos em desvantagens ou marginalizados (Declaração de Salamanca, 1994). Em linhas gerais, a escola regular, de acordo com a Declaração de Salamanca, seria um espaço capaz de combater atitudes discriminatórias, criando um ambiente acolhedor para todas as crianças, inclusive as que apresentavam deficiências. Uma metáfora que bem representa o paradigma da inclusão é, nesse contexto, o de um caleidoscópico, representado na Figura 1, apresentada a seguir. 36 Em linhas gerais, a escola regular, de acordo com a Declaração de Salamanca, seria um espaço capaz de combater atitudes discriminatórias, criando um ambiente acolhedor para todas as crianças, inclusive as que apresentavam deficiências. Uma metáfora que bem representa o paradigma da inclusão é, nesse contexto, o de um caleidoscópico, representado na Figura 1. apresentada a seguir. Figura 1 - Metáfora do paradigma da inclusão Nessa representação, conforme argumenta Carvalho: [...] todos os pedacinhos são importantes e significativos para a composição da imagem. Quanto maior a diversidade, mais complexa e mais rica se torna a figura formada pelo conjunto das partes que a compõem. No modelo da inclusão, o continuum de serviços ofertados pela Educação Especial, continuaria a existir, mas de forma suplementar. A manutenção desses serviços é vista como essencial para a concretização da proposta da Educação Inclusiva. A questão, como salienta Garcia (2008), não é na existência ou não do continuum, mas na forma como o mesmo é utilizado. A meta é sempre a escola regular que, nesse novo paradigma, busca se modificar para atender as necessidades dos alunos com deficiência. Isso difere, consideravelmente, do modelo da integração, no qual o aluno deveria se modificar, ao invés da escola. Vale registrar, ainda, que vertentes “mais radicais" do paradigma da inclusão surgiram no final de 1990. Trata-se do Paradigma da Inclusão Total, no qual énproposto que os serviços da Educação Especial sejam extintos. Dois 37 motivos servem de alicerce para essa proposta. Primeiro, argumenta-se que, sem serviços de apoio, a escola seria capaz de se "reinventar", adaptando-se às necessidades especiais dos alunos. Assim, os professores teriam que adaptar, forçosamente, suas práticas pedagógicas para atender grupos heterogêneos de alunos. Em segundo lugar, a inserção do aluno com deficiência apenas na sala regular legitimaria o real sentido da inclusão. Os que defendem a inclusão total sugerem que o principal objetivo da escola é minimizar os preconceitos, ofertar oportunidades de socialização e criar laços afetivos entre alunos com e sem deficiência. Essa ideia é contrária à proposta da inclusão, em que é salientado o desenvolvimento de habilidades acadêmicas necessárias para a inclusão dentro e fora da escola. Em última instância, o público-alvo das duas propostas parece diferir. Para os inclusionistas, seriam os alunos com deficiências mais brandas, como distúrbios de aprendizagem ou deficiência intelectual leve. Para os proponentes da inclusão total, seriam os alunos com comprometimentos severos. Para recapitularmos essa ideia, confira o Quadro 1 a seguir, no qual são enfatizadas as principais diferenças desses dois modelos. Quadro 1 - inclusão X inclusão total 38 Mas, voltemos ao Brasil, onde o modelo adotado pelas políticas públicas é, atualmente, o da educação inclusiva ou inclusão. Isso é expresso na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDBN (Lei nº 9.394/96), que enaltece o papel da escola regular e atribui à Educação Especial uma função complementar. No novo cenário, a Educação Especial passa a configurar-se como uma modalidade de educação escolar que perpassa todos os níveis e etapas do ensino, conforme ilustra a figura 2 a seguir. Figura 2 - Educação Especial enquanto modalidade de ensino A Educação Especial, portanto, deve ser ofertada aos alunos com deficiência em qualquer etapa ou modalidade da educação básica, desde a educação infantil até o ensino superior. A proposta de modificação do meio, como forma de acomodar a heterogeneidadedos educandos, é refletida no art. 59 da LDB, no qual é preconizado que "os sistemas de ensino devem assegurar aos alunos currículo, métodos, recursos e organização específicos para atender às suas necessidades". Alunos com e deficiências ou necessidades educacionais especiais ? 39 Sob a influência do paradigma da inclusão, os alunos, antes referidos como excepcionais ou portadores de deficiência passaram a ser chamados de educandos com Necessidades Educacionais Especiais (NEE). De acordo com a resolução CNE/CEB nº. 02/2001, esses indivíduos incluíam aqueles que, durante o processo educacional, apresentassem: I - dificuldades acentuadas de aprendizagem ou limitações no processo de desenvolvimento que dificultem o acompanhamento das atividades curriculares, compreendidas em dois grupos: a) aquelas não vinculadas a uma causa orgânica específica; b) aquelas relacionadas a condições, disfunções, limitações deficiências; II.- dificuldades de comunicação e sinalização diferenciadas dos demais alunos, demandando a utilização de linguagens e códigos aplicáveis; III.– altas habilidades/superdotação, grande facilidade de aprendizagem que os leve a dominar rapidamente conceitos, procedimentos e atitudes (CNE/CEB/MEC, Resolução nº 2/2001, art. 5°). Podemos observar, nessa perspectiva, uma ampliação no leque de características comportamentais previamente consideradas críticas e propensas ao fracasso escolar, como os distúrbios de aprendizagem (dislexia, discalculia), os transtornos de déficit de atenção/hiperatividade, as doenças mentais (psicoses, esquizofrenia), dentre outros quadros. Adicionalmente, como salienta Delou (2008), englobaria alunos que: [...] se diferenciam por seus ritmos de aprendizagem sejam mais lentos ou mais acelerados. Apresentam dificuldades de aprendizagem, que nenhum médico, psicólogo ou fonoaudiólogo conseguiu identificar qualquer causa orgânica ou relacionada às características orgânicas [...] 40 E por que a mudança de termo? Deficiência e necessidade educacional especial não seriam a mesma coisa? Não necessariamente. Conforme argumentam Glat e Blanco: as necessidades educacionais especiais são construídas socialmente, no ambiente de aprendizagem, não sendo, portanto, consequências inevitáveis da deficiência ou do quadro orgânico apresentado pelo indivíduo (GLAT; BLANCO) O termo Deficiência, de acordo com a Organização Mundial de Saúde, refere-se a: perda ou anormalidade de estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica, temporária ou permanente. Incluem-se nessas a ocorrência de uma anomalia, defeito ou perda de um membro, órgão, tecido ou qualquer outra estrutura do nosso corpo, incluindo as funções mentais, representa a exteriorização de um estado patológico, refletindo um distúrbio orgânico, uma perturbação no órgão. Essa deficiência pode, ou não resultar em uma necessidade educacional especial. Por outro lado, a ideia de NEE está relacionada à interação do indivíduo com o meio. Ou seja, se a escola for capaz de atender às demandas do aluno, este não apresentará necessidades educacionais especiais (embora possa, ainda, apresentar deficiência). Para o esclarecimento desses conceitos, imaginemos duas cenas. 41 Agora se atente com as seguintes informações. Educação Inclusiva no Brasil: panorama atual Mesmo com a implementação de políticas que visavam à reestruturação dos sistemas educacionais inclusivos, os alunos com NEE continuaram apartados das classes regulares. De fato, estatísticas apresentadas pelo Censo do IBGE em 2000 indicaram que, pelo menos, 179 mil crianças brasileiras que possuíam alguma deficiência não estavam nas escolas. Foi nesse contexto que, em 2008, foi elaborada a Política da Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva. Esse documento determina que a Educação Especial, enquanto modalidade de ensino, deve ser restrita aos alunos que evidenciam deficiências, transtornos e altas habilidades. Pois é, mudamos de nomenclatura novamente! Ao invés de educandos com necessidades educacionais especiais (NEE), termos menos amplos foram adotados. Assim, na atualidade, os alunos contemplados pelos serviços de Educação Especial seriam aqueles apresentados no Quadro 2. 42 Quadro 2 - Alunos contemplados pelo serviço de educação especial na atual política educacional do Brasil E quais serviços de Educação Especial voltados aos alunos seriam esses? O Atendimento Educacional Especializado (AEE) é um exemplo. Trata-se de serviços que visam identificar, elaborar e organizar recursos pedagógicos e de acessibilidade, que eliminem as barreiras para a plena participação dos alunos,.considerando suas necessidades específicas. Ressalta-se que as atividades desenvolvidas no AEE diferenciam-se daquelas 43 realizadas na sala regular e não podem substituir a escolarização. Por isso, o AEE é ofertado em turno inverso ao da escola. Ou seja, se a criança estuda pela manhã, deverá receber o atendimento à tarde e vice-versa. Para ser contemplado com esses serviços, o aluno deve estar matriculado na sala de aula comum ou em centros especializados que realizem o atendimento educacional. Além disso, o atendimento deve, de acordo com a legislação, ser realizado, prioritariamente, na Sala de Recursos Multifuncionais, também chamada de SRM. E o que são as SRM? São espaços organizados com materiais didáticos, pedagógicos, equipamentos e profissionais com formação para o atendimento às necessidades educacionais especiais dos alunos que apresentam deficiências, transtornos ou altas habilidades. Esses recursos incluem materiais didáticos e pedagógicos acessíveis (livros, desenhos, mapas, gráficos e jogos táteis, em LIBRAS, em braile, em caráter am- pliado, com contraste visual, imagéticos, digitais, entre outros): Tecnologias de informação e de comunicação (TICS) acessíveis (mouses e acionadores, teclados com colmeias, sintetizadores de voz, linha braile, entre outros): e recursos ópticos; pranchas de CAA, engrossadores de lápis, ponteira de cabeça, plano incli-nado, tesouras acessíveis, quadro magnético com letras imantadas, entre outros. Uma descrição mais aprofundada desses recursos será fornecida no decorrer de nossos próximos encontros. Leituras complementares… Para complementar mais sobre o estudo do processo de escolarização de alunos com necessidades educacionais especiais, é recomendado que você consulte as referências a seguir. Nelas, você poderá ter mais sobre os pressupostos teóricos do modelo de educação inclusiva e as práticas adotadas em escolas regulares que atendem alunos com NEE. BRASIL. Revista Inclusão. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/index. php?option -com_content&view = article =12625&itemid - 860 >. GLAT, R. (Org.). Educação inclusiva: cultura e cotidiano escolar. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2007. MAGALHÃES, Rita de Cássia Barbosa Paiva (Org.). Educação Inclusiva: escolarização, política e formação docente. Brasília: Liber Livro, 2011. 182 p. 44 http://portal.mec.gov.br/index MARTINS, Lúcia de Araujo R. PIRES, Gláucia N. PIRES, J. (Org.). Inclusão Escolar: novos contextos, novos aportes. Natal: EDUFRN, 2012. MENDES, Enicéia Gonçalves. ALMEIDA, Maria Amélia (Org.). Dimensões Pedagógicas nas práticas de inclusão escolar. Marília Abpee, 2012. (Coleção Inclusão Escolar). 45 DEFICIÊNCIA FÍSICA 46 Apresentação Neste nosso novo encontro, vamos aprender sobre os tipos de deficiência física que podemos encontrar entre nossos alunos, os conceitos relacionados a limitação e restrição de atividade e participação. Vamos conhecer os serviços, recursos e estratégias que facilitam o aprendizado e a participação ativa do aluno com graus diferenciados de comprometimento do movimento e da coordenação motora, favorecendo o processo de escolarização e inclusão dessa população. Objetivos : 1. Definir os conceitos relacionados à deficiência física, 2. Reconhecer as causas da deficiência física, 3. Distinguir os diferentes tipos de deficiênciafísica. 4. Identificar necessidades do aluno com deficiência física. 5. Relacionar o trabalho da equipe de saúde que acompanha o aluno com deficiência física e as possíveis colaborações com a atividade do professor. 6. Identificar recursos de tecnologia assistiva e possibilidades de adaptação do material escolar para facilitar o aprendizado do aluno Deficiência física: palavras iniciais Caro aluno, as questões discutidas no processo de inclusão, na rede regular de ensino, de alunos com deficiência física abrangem desde o acesso ao sistema educacional e a organização do espaço físico das escolas, até a qualidade das respostas educativas e o efetivo aprendizado. O significado da deficiência para os pais, para os deficientes, para os professores e para a sociedade em geral direcionam as políticas públicas e as ações dos diversos níveis governamentais. Nesse sentido, conhecer as características e as possibilidades do aluno com deficiência física é fator essencial para que o professor possa desenvolver seu trabalho com essas crianças e esses jovens. Conceituando a deficiência física A deficiência física é entendida como alteração completa ou parcial de um ou mais segmentos do corpo humano, acarretando o comprometimento da função física e pode envolver diversos quadros. Entre as crianças com deficiência física, encontram-se aquelas com disfunção neuromotora, como paralisia cerebral, mielomeningocele, traumatismo crânio-encefálico e lesão degenerativa; aquelas com patologias genéticas, ortopédicas e traumatismos, entre outras causas que geram alteração da estrutura ósteo- músculo-esquelética. O documento "Salas de Recursos Multifuncionais. Espaço do Atendimento Educacional Especializado", publicado pelo Ministério da Educação, afirma que: A deficiência física se refere ao comprometimento do aparelho locomotor que compreende o sistema Osteoarticular, o Sistema Muscular e o Sistema Nervoso. As doenças ou lesões que afetam quaisquer desses sistemas, isoladamente ou em conjunto, podem produzir grandes limitações físicas de grau e gravidades variáveis, segundo os segmentos corporais afetados e o tipo de lesão ocorrida. A deficiência física já afeta o desenvolvimento motor da criança. Os quadros que podemos encontrar variam muito em função da parte do corpo acometida. Nos casos de deformidades ou amputações em extremidades (braços, mãos, pernas e pés), a função vai depender do segmento preservado. As doenças ou lesões que ocorrem no músculo, órgão que efetua o movimento, ou no cérebro, que é o órgão que comanda e controla o movimento, geram dificuldades de realizar movimentos, manter determinadas posturas, realizar deslocamentos, preensão e manipulação de objetos. Algumas crianças podem nunca engatinhar ou se arrastar. Pode ocorrer também alteração do tônus muscular, que é o estado de tensão do músculo em repouso. O aumento de tônus é chamado de hipertonia e pode chegar à espasticidade, quando há também a resistência ao movimento (estirando o músculo). O 47 tônus elevado provoca a contração excessiva de alguns músculos, gerando dificuldade de movimento e postura, sendo comum observarmos as mãos fechadas, os braços fletidos e a marcha com suporte de peso na ponta dos pés. Neste caso, a criança apresenta dificuldade ou não consegue realizar os movimentos opostos ao músculo muito contraído, como abrir a mão para largar ou pegar objetos, estender os braços ou apoiar o pé todo no chão. Em outros casos, o tönus pode ser muito baixo, hipotónico, gerando a dificuldade da contração muscular e requerendo maior esforço para a realização do movimento. Neste caso, o movimento pode ser de pequena amplitude e fraco, em graus variados em função do tipo e gravidade do acometimento. O tônus pode ainda ser irregular, flutuante, ora elevado ora baixo, levando a movimentos involuntários, como no caso de crianças com paralisia cerebral do tipo discinética, com movimentos amplos envolvendo todo o segmento (braço) ou só a extremidade (mãos). A dificuldade de movimento ocorre também no tronco e no pescoço. Algumas crianças podem ter a dificuldade de controlar o tronco e manter a postura sentada sem apoio ou mesmo manter a posição de cabeça que, em geral, fica em extensão (caída para trás) ou em flexão (caida para frente). Em outros quadros de deficiência fisica, pode ocorrer o movimento, mas há o comprometimento da coordenação motora, em graus variados de leve a grave. A dificuldade de se posicionar, se deslocar ou de manusear objetos pode levar a dificuldades secundárias, ou seja, não decorrentes de lesão, mas da limitação na exploração do mundo. Ferland (2009) sinaliza que, em consequência dessa limitação, a imitação e a capacidade de abstração (imaginação) podem se desenvolver tardiamente. Podem ocorrer dificuldades de percepção e de orientação espacial, pois são habilidades desenvolvidas na exploração do ambiente. Tal fato reforça a necessidade de atendimento adequado e oportuno, para minimizar danos secundários à deficiência física. Há necessidade de atendimento na área de educação infantil e de saúde, de forma integrada para responder às demandas do aluno de qualquer idade. Mais adiante, abordaremos sobre a rede de serviços para atender a crianças e jovens com deficiência física. Mas, antes devemos recordar que, apesar de suas limitações o aluno com deficiência física pode ser tão curioso, interessado e atento como qualquer outro aluno, e seu envolvimento nas atividades vai depender "mais da sua personalidade do que da gravidade de sua deficiência". 48 Lidando com a deficiência Historicamente, a organização de atendimento aos portadores de deficiência teve, de início, um caráter assistencial, visando fornecer algum conforto e bem-estar. Esse enfoque remeteu à segregação total, com assistência de portadores de deficiência em centros especiais, para toda a vida, política dominante até início do século XX. A esse modelo, seguiu-se o enfoque médico terapêutico, baseado no diagnóstico e no tratamento por especialistas. O modelo esteve presente até 1990 nas políticas nacionais de educação especial, determinando o "atendimento educacional em organizações assistenciais e terapêuticas". Gradativamente, o atendimento voltou-se para as escolas. O movimento para a integração social do deficiente surgiu nos anos 70, nos países escandinavos. A noção de integração foi difundida com base no princípio de normalização, ou seja, buscava-se que a pessoa com deficiência atingisse a normalidade, fosse "normal", igual às demais pessoas. Isso acontecia tanto no campo da educação como da saúde. Esse processo de integração envolve a oferta de uma gama de serviços entre a classe regular à escola especial, incluindo as classes especiais dentro de escolas regulares. A partir da Declaração de Salamanca de Princípios, Política e Prática em Educação Especial, elaborada em 1994, inicia-se um novo momento de mudança nos conceitos que envolvem a atenção educacional ao portador de necessidades educacionais especiais, com a conceituação da educação inclusiva. Nesse documento, o termo necessidades educacionais especiais" é conceituado como referente a todas aquelas crianças ou jovens cujas necessidades se originam em função de deficiências ou dificuldades de aprendizagem" e o direito à educação de cada indivíduo é salientado, com orientação no sentido de que todas as escolas deveriam acomodar todas as crianças Independentemente de suas condições físicas, Intelectuais, sociais, emocionais, linguísticas ou outras. Porém, as dificuldades para a concretização do processo de inclusão são muitas. Aliada ao desconhecimento das potencialidades de pessoas com deficiência, encontramos a dificuldade de como lidar com um ser, por vezes, tão diferente. A visão centrada nas dificuldades do aluno pode levar ao enfoque determinante, impedindo o desenvolvimento de alternativas que possibilitem o avanço no processo de aprendizagem. Nesta esfera de entendimento, umaluno que não consegue manipular lápis e papel ou contar com o uso de tesoura, pode não progredir no ensino regular, quando na realidade, o foco deve ser o conteúdo, o aprendizado, não o aspecto motor. Em 2001, a Organização Mundial de Saúde (OMS) adotou a Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidades e Saúde, conhecida como CIE. Este 49 documento apresenta uma estrutura para a descrição da saúde e de estados relacionados com ande, introduzindo uma para terminologia e o modelo de funcionalidade e Incapacidade. Considera a função e estruturas do corpo e deficiências sendo deficiência conceituada como problema nas funções ou estrutura do corpo. A funcionalidade engloba todas as funções do corpo, atividades e participação. De forma similar, incapacidade inclui deficiências, limitação da atividade ou restrição na participação.. Na terminologia usada, atividade é a execução de uma tarefa ou ação por um indivíduo e participação refere-se ao envolvimento de um indivíduo numa situação da vida real. Em sua estrutura, a CIF considera os fatores contextuais, subdivididos em fatores ambientais (ambiente físico, social e atitudinal) e pessoais (história de vida e estilo de vida de uma pessoa). Um ambiente com barreiras, ou sem facilitadores, restringe o desempenho de uma pessoa..Essa modificação é importante para desvincular a deficiência de estereótipos e preconceitos. Uma mesma alteração da estrutura corporal pode levar a incapacidades diferentes, pois o ambiente tem um papel importantíssimo na facilitação ou restrição para que uma pessoa possa realizar suas atividades. Um exemplo é a acessibilidade física. Se o acesso à sala de aula é feito por escadas, um aluno usuário de cadeira de rodas terá restrição para o seu deslocamento. Por outro lado, o acesso por rampas ou elevador torna o ambiente facilitador, pois o aluno poderá ter acesso a esta sala de forma digna. As barreiras no ambiente podem ocorrer por atitude, por desconhecimento ou por falta de uso de recursos disponíveis. O aluno com deficiência física, de maneira geral, vai necessitar de equipamentos ou recursos que, embora simples, podem representar a sua possibilidade de fazer ou não determinada atividade. Por exemplo, o uso de material antiderrapante sob o prato, pode ajudar uma criança com incoordenação a alimentar-se sozinho. Porém, a introdução do suporte antiderrapante pode ser visto pelo professor como algo que “marca a diferença do aluno para os outros”. Mas não usar significa que o aluno não tem a mesma oportunidade de participação que os colegas e é uma restrição do ambiente para a sua atividade. A aceitação de elementos facilitadores para o desempenho da criança pode representar a forma de se lidar com a pessoa "diferente", questão apontada por vários autores como fator de impedimento à integração. O que causa a deficiência física ? Alterações genéticas, traumas e doenças podem levar à deficiência física, podendo ser temporária ou permanente; regressivas ou estáveis; intermitentes ou contínuas. Veremos em seguida os casos mais comuns. 50 Paralisia cerebral A paralisia cerebral, também conhecida como disfunção ou encefalopatia crônica infantil, se distingue pela variedade e gravidade do comprometimento motor, que pode estar associado ou não a transtornos cognitivos, visuais e/ou auditivos. Caracteriza - se por distúrbios motores de caráter não progressivo, que se manifestam em um cérebro em desenvolvimento, antes dos três anos de idade. A paralisia cerebral representa um percentual importante na clientela da educação especial. A paralisia cerebral pode se apresentar de diversas maneiras, dependendo da região do cérebro que foi lesada. O dano ao sistema nervoso central pode ocorrer no período pré, peri ou pós-natal. As causas mais frequentes são prematuridade; hipóxia- isquemia (falta de oxigenação); infecções congênitas (durante a gestação), como rubéola, citomegalovirose, toxoplasmose, sífilis, herpes e HIV, entre outras; incompatibilidade de fator Rh; meningoencefalites; traumas cranio encefálicos e semi afogamentos. A classificação da paralisia cerebral pode ser em função do tipo e da localização da alteração motora em: 51 Doenças Neuromusculares: este item corresponde a um grupo de doenças, envolvendo os músculos e o sistema nervoso central ou periférico. As doenças neuromusculares são, em geral, degenerativas e se caracterizam pela piora progressiva da função motora. Podem ser hereditárias, como a Distrofia muscular de Duchenne, doença relacionada à deficiência de uma proteína específica do tecido muscular, que afeta meninos e leva à fraqueza muscular com dificuldade para andar. Mielomeningocele: é uma má-formação do tubo neural (que dá origem ao sistema nervoso) responsável por uma falha em seu fechamento, originando uma paralisia sensitivo-motora nos membros inferiores e nos esfincteres vesical e intestinal. Assim, a criança não apresenta movimentos nas pernas e não controla os esfíncteres. Traumatismo Cranioencefálico: lesões no sistema nervoso central podem ser causadas por quedas, atropelamentos, acidentes de trânsito, agressão e armas de fogo. Podem ser classificados em leve, moderado e grave, em função do acometimento das estruturas. As alterações dependem da área lesada, mas, em geral, causam déficits motores, cognitivos (ex.: alteração de memória), perceptivos (ex.: não discrimina figura-fundo) e sensoriais (ex.: não sentir o toque em alguma região corporal). Lesões da Medula espinhal: pode ocorrer lesões por traumatismo: ferimentos com projétil de arma de fogo, acidentes de trânsito, quedas, mergulho; e causas não traumáticas: tumor, infecção, doenças vasculares e degenerativas. A lesão pode ser completa ou incompleta, gerando alterações funcionais em graus variados, dependendo do nível da medula em que ocorreu. Amputações de membros superiores: amputação é definida como perda total ou parcial de um membro. Pode ser de origem traumática, congênita e, mais frequentemente em crianças, por retirada de tumor. . 52 Anomalias congênitas: qualquer alteração estrutural ou metabólica presente ao nascimento, que pode ser geneticamente determinada ou resultante da influência ambiental durante a vida fetal ou período embrionário. 53 Identificando necessidades As necessidades dos alunos são concluídas através da análise e observação das dificuldades encontradas. Os pais podem fornecer muitas informações importantes atuais, relatando a forma como lidam com a criança. Contatar os profissionais de saúde que atendem o aluno também é muito importante para conhecer as possibilidades de recursos que podem facilitar o aluno, especialmente quanto ao posicionamento, deslocamento, independência nas atividades de alimentação e higiene, comunicação, escrita e adaptação de material escolar. No cotidiano da escola, o professor pode identificar se existem barreiras físicas ou atitudinais que interferem no desempenho do aluno e que limitam sua participação nas atividades realizadas por seus colegas A criança ou jovem com deficiência física, em geral, terá um melhor desempenho se o ambiente for acessível, o que inclui ter a seu dispor recursos que facilitem a realização das atividades. O conjunto de recursos que ajudam a atividade funcional é chamado de Tecnologia Assistiva, como veremos a seguir. Tecnologia Assistiva O termo Tecnologia Assistiva (TA) é definido como área de conhecimento de característica multidisciplinar que compreende recursos, estratégias, metodologias, práticas e serviços com o objetivo de promover a funcionalidade e a participação de pessoas com incapacidades, visando à autonomia, à qualidade.de vida e à inclusão social. A Tecnologia Assistiva tem seu alvo focado na mobilidade alternativa, adequação postural, Comunicação Alternativa e Ampliada (CAA), acesso ao computador e suas adaptações, acessibilidade dos ambientes, adaptação de atividades escolares, adaptação de equipamentos de lazer e recreaçãoe transporte adaptado. O aluno com deficiência física precisa ser atendido em vários desses itens. Mas essa tarefa não é só do professor. Na área de tecnologia assistiva, é necessário o apoio de serviços de saúde, com terapeutas ocupacionais, fonoaudiólogos, fisioterapeutas e médicos, especialmente, embora muitos outros profissionais contribuam no processo de prescrição, treinamento e desenvolvimento de produtos, como técnicos em equipamentos, psicólogos, engenheiros, arquitetos e outros. A seguir, vamos falar brevemente de cada uma dessas áreas e das implicações no dia a dia da escola. Abordaremos, com mais detalhes, a área de Comunicação Alternativa, acessibilidade ao computador e adaptação de atividades escolares pela relação com o processo de aprendizagem. 54 Mobilidade alternativa Tem como objetivo principal o uso de meios auxiliares de locomoção, compensando as dificuldades que a pessoa tem para andar sem apoio. Podem se referir ao uso de bengalas, andadores, cadeiras de rodas manuais e motorizadas. Esses equipamentos são prescritos por fisioterapeutas e terapeutas ocupacionais (no caso de cadeiras de rodas) e são fornecidos pelo SUS para uso da criança, sem restrições. A prescrição adequada é fundamental para a adaptação da criança ou jovem ao equipamento e não pode ser desvinculada do acompanhamento para treinamento e uso do equipamento no dia a dia da criança. Em paralelo, o profissional responsável deverá fornecer orientações necessárias para os pais e professores, quanto ao manejo e especificidade para determinada criança/ jovem. Durante o acompanhamento, poderá ser vista a necessidade de modificações em função do quadro da criança (ex.: a criança compensa a fraqueza de uma musculatura usando posições que podem gerar deformidades), melhora do quadro motor, ou ainda, em função do crescimento do usuário. É importante que o professor pergunte aos pais ou converse com os profissionais que atendem ao aluno para saber como facilitar o deslocamento dos alunos que não tem a marcha independente, assim esse profissional poderá avaliar a possibilidade de inserir o uso dos equipamentos nos deslocamentos que acontecem naturalmente na escola, ao ir para o pátio, refeitório e para outras salas de aula. Algumas crianças podem necessitar de outros meios de locomoção para vivenciar o dominio do espaço e acompanhar os colegas. Dependendo das condições funcionais da criança, pode ser usado um suporte tipo skate ou outros equipamentos adaptado as suas possibilidades, Adequação postural Refere-se à adequação da postura sentada para usuários de cadeiras de rodas. Terapeutas ocupacionais e fisioterapeutas atuam diretamente nessa área. Pode envolver o uso de cintos, faixas e estabilizadores de tronco, quadril, cabeça, braços, pernas e pés, para ajudar a criança/ jovem a manter a postura alinhada, centralizada (sem cair para os lados). facilitar o posicionamento da cabeça para que o usuário possa melhor interagir e acompanhar visualmente os estímulos do ambiente, facilitar a realização de movimentos de forma funcional, É muito importante que o professor saiba como posicionar o aluno na cadeira de rodas e em outras posições, pois esse aluno permanece muitas horas na escola. Além disso, é importante que o usuário de cadeira de rodas possa ser mudado de posição pelo menos a cada duas horas. Algumas crianças podem se sentar, na sala de aula, em uma cadeira com encosto (na altura das axilas) e com braços, usando ou não faixas de suporte no tronco, e usar a cadeira de rodas para se deslocar. Especialmente na educação infantil, a criança precisa ter alternativa para sentar no chão, como os colegas. Pode ser com apoio de um adulto que se mantém por trás da criança, ou pode ser pensado em opções de cadeiras que permitam uma boa postura. O importante é manter num bom alinhamento da postura, permitindo que a criança participe e interaja nas atividades pedagógicas e lúdicas. Aqui vão alguns exemplos de cadeiras de rodas a seguir: 55 Figura 1 - Exemplos de cadeiras de roda Comunicação Alternativa e Ampliada (CAA) Certa parte dos alunos com deficiência física podem não conseguir desenvolver a fala, falar de forma pouco compreensível ou usar apenas poucas palavras e necessitarão de outras formas que não a fala para se comunicarem oralmente. Outras habilidades difíceis ou impossíveis são escrever, usar pincel, lápis e caneta e, por isso, a pessoa com disfunção neuromotora precisará de equipamentos adaptados às suas possibilidades para se expressar por meio da escrita. Tanto a comunicação oral como a escrita são essenciais no ambiente escolar. O uso de meios alternativos para expressão é fator crucial para ampliação das possibilidades de acesso aos recursos educacionais, não só na sala de aula, mas em todos os espaços de interação e aprendizagem. A CAA é o conjunto de recursos, técnicas e estratégias utilizadas para o desenvolvimento de alternativas à fala e à escrita para pessoas que não desenvolveram ou encontram-se impedidas de se expressar por esses meios. Pessoas com disfunções físicas podem usar o sorriso, os gestos, os sinais, os movimentos corporais, a expressão facial, a vocalização, o olhar e o choro, mostrando seus desejos e necessidades ou em resposta aos estímulos do ambiente. Como exemplo, podemos pensar em uma criança na sala de aula, o professor faz uma pergunta para a turma e a criança se mexe na cadeira, tentando mostrar que sabe a resposta. Essas formas de comunicação caracterizam os sistemas de comunicação não assistida, sem uso de tecnologia, mas que dependem do olhar do interlocutor para a criança e da valorização que este dá aos sinais emitidos por ela. Para ampliar as possibilidades de comunicação, outros dispositivos são essenciais. Além da sistematização do uso de recursos do próprio corpo, como sinalização de SIM e NÃO com movimentos de cabeça, olhos, boca, braços, pernas ou qualquer outra parte do corpo, podemos utilizar então: ● objetos reais e miniaturas ● fotografias e figuras ● símbolos gráficos (símbolos padronizados) 56 ● letras, palavras, frases Os elementos citados acima podem ser dispostos e organizados em cartões, pranchas ou álbuns de comunicação, comunicadores com voz gravada, computador ou tablets. Figura 2 -prancha de comunicação elaborada 57 Figura 3 - prancha de comunicação elaborada para uso fora do recreio 58 Grande parte das vezes a criança pode chegar na creche ou na escola e ainda não ter nenhuma regra estabelecida. Uma forma de aprender sobre sua forma de responder é perguntar aos responsáveis como eles sabem quando a criança gosta e quando não gosta de algo. O professor deve, ainda, observar o comportamento da criança, como ela demonstra satisfação/insatisfação, interesse pelos brinquedos ou pessoas, como reage quando perguntada sobre situações vivenciadas ou sobre a história que ouviu. Use perguntas que possam ser respondidas com sim/não. Precisamos estar atentos e valorizar a movimentação e as sinalizações que a criança e jovem faz. Como a criança com disfunção motora pode apresentar os movimentos em graus variados de incoordenação, como já falamos, nem sempre sua expressão facial e seus gestos são de fácil compreensão. O professor ou a pessoa que está conversando com o usuário de CAA pode confirmar se entendeu corretamente. Ex: após a leitura da história do "Chapeuzinho Vermelho", o professor pergunta: "Quem vestiu a roupa da vovó?". O aluno usuário de CAA, que não pode se expressar oralmente, sorri. O professor pode perguntar: "Você sabe?" e o aluno novamente sorri. O professor pergunta: "quem foi? O caçador? A mamãe? O lobo?". Após cada opção, o professor aguarda o sinal do aluno. Ele não precisa responder NÃO após cada resposta, pois isso aumenta o tempo de espera. Pode fazer o movimento afirmativo na resposta escolhida, quando quiser responder positivamente. Essa tática atende pelo nome de escaneamento auditivo, pois as opçõessão faladas uma a uma até a resposta afirmativa do usuário de CAA Agora, pense que outras formas podem facilitar a resposta do aluno. Assim, veja logo abaixo: ● Mediação com objetos: o professor pode ter bonecos, fantoches ou miniatura dos personagens, dispor no campo visual do aluno para que ele olhe para o personagem que quer dizer" como resposta. É importante observar que, na escolha visual, os objetos devem ser apresentados com a distância suficiente para identificarmos a direção do olhar. Comece com duas opções e de preferência a objetos grandes, pois grande parte das crianças com paralisia cerebral pode ter alterações visuais associadas ao quadro motor. No caso de objetos menores, experimente usar um anteparo de fundo, de cor contrastante, dando mais destaque ao objeto apresentado. Se a criança reconhece o objeto, podemos usar fotografias, rótulos e outras figuras para que ela use como forma de se expressar. Figura - símbolos soltos com rótulos para a escolha do lanche, para contar o que comeu no dia e etc ● Mediação com símbolos: o professor pode preparar antecipadamente uma prancha com as figuras ou símbolos dos personagens da história contada. Existem vários símbolos padronizados e desenvolvidos especialmente para a CAA. Um dos mais usados é o PCS (Picture Communication Symbols) disponível no programa Boardmaker, específico para a elaboração de material de CAA e adquirido pelo MEC, como parte do material disponível nas Salas de Recursos Multifuncionais. Outros programas, também específicos de CAA, como o Comunicar com Símbolos, disponibilizam outros conjuntos de símbolos. ● Mediação com letras/palavras: para o aluno que está em processo de alfabetização, pode ser construída uma prancha de comunicação com letras ou 59 com os nomes dos personagens, para continuarmos no exemplo de "Quem vestiu a roupa da vovó?". Assim, o aluno pode indicar a primeira letra, pode soletrar, apontando cada letra e o professor ou um colega escreve as letras apontadas para formar a resposta LOBO. Ou o aluno indica a resposta entre duas ou três palavras escritas LOBO VOVÓ CAÇADOR. Outra opção é o uso de letras móveis (de madeira, EVA. plástico, etc.), para as quais o aluno pode apontar até formar o nome ou ate o professor identificar a sua resposta. A estratégia depende da fase em que o aluno está no processo de alfabetização. Como o aluno seleciona a opção desejada ? Como vimos nos exemplos anteriores, o aluno pode olhar, apontar com mãos, dedos, punho ou outra parte do corpo. Para acelerar o tempo de resposta, o interlocutor pode fazer o processo de varredura das opções. Esse processo é o que usamos em alguns caixas eletrônicos de banco, quando vamos apertando uma tecla e o cursor vai se deslocando para outra opção e quando chega na opção desejada, apertamos a tecla "entra" ou outra tecla com função de indicar que a opção foi selecionada ao caso da prancha de comunicação, o interlocutor aponta cada opção e o usuário de CAA (o aluno) sinaliza afirmativamente na opção desejada. Se tivermos quatro opções na prancha (na página). podemos apontar item a item. Mas se tivermos mais opções, para agilizar e não ficar cansativo para quem "fala" e para o interlocutor, podemos apontar a coluna ou a linha e depois apontamos cada item da coluna ou linha selecionada. 60 Figura 6 - Leitura de livro adaptado com uso de acionador e comunicador sequencial. Mantendo o acionador pressionado, as crianças podem contar a história, gravada em um comunicador sequencial. Ela também pode ainda acompanhar a história, olhando para os objetos e para as figuras do livro. Comunicadores com voz gravada Diferentes tipos de dispositivos de CAA podem fornecer a opção selecionada pelo aluno através da emissão da mensagem gravada ou por voz sintetizada. Esses dispositivos são os comunicadores. São importados e existem vários modelos que permitem a gravação, desde uma mensagem até várias outras opções. Em geral, a gravação da mensagem é um processo bem simples e pode ser modificada conforme a demanda da atividade. Na Figura 6. podemos ver um comunicador sequencial que a criança ativa ao pressionar um acionador. Assim, ela pode ouvir a história já gravada, associá la com as imagens, com o texto do livro e com as miniaturas de elementos da história, facilitando sua compreensão. O comunicador também pode ser acionado 61 diretamente, sem uso de acionador. Outros exemplos de comunicadores podem ser observados na figura a seguir. Os comunicadores possuem determinado número de células para gravação de mensagens e colocação de pranchas de comunicação com símbolos, fotos, figuras ou miniaturas. No exemplo que estamos seguindo o aluno pode ter a mesma prancha de personagens da história colocada em um comunicador, o professor grava em cada célula de acordo com o simbolo (gravar a palavra LOBO, na célula onde está o símbolo do lobo) e, ao apertar a célula, a mensagem gravada é reproduzida. O mesmo processo pode ser usado no computador e em tablers. Alguns exemplos de comunicadores podem ser observados na figura a seguir. Figura 7 - exemplos de comunicadores de voz Acesso ao computador e suas adaptações O computador pode ser usado para a comunicação oral e escrita. Para uso do computador, é necessário promover a acessibilidade diante das condições motoras da criança. Ela pode usar acionadores com mouse adaptado, teclados adaptados ou especiais. Acionadores são dispositivos que podem ser ativados por pressão, tração, sucção e outras formas, em função das possibilidades motoras da criança. Para as crianças que 62 não conseguem usar o mouse comum, podemos acoplar o acionador a um mouse com encaixe especial e, quando a criança ativa o acionador, é como se estivesse usando o botão esquerdo do mouse. Dessa forma, o aluno pode usar, de forma independente, aplicativos que só dependam do uso do botão esquerdo do mouse. Um exemplo é o uso do programa PowerPoint. O professor pode desenvolver aplicativos sobre o conteúdo trabalhado em sala, histórias, músicas atividades nas quais o aluno pode trabalhar sozinho ou com os colegas, tendo uma participação ativa, pois ele pode fazer a apresentação dos slides, ativando o acionador, e alternar com os colegas que podem usar o mouse. Figura 8 - mouse adaptado com entrada para acoplar o acionador Tem vários tipos muitos programas desenvolvidos especialmente para a área de CAA, para confecção de pranchas de comunicação e para outras atividades, mas que também podem ser usados diretamente pelos alunos. O professor pode elaborar 63 atividades para o trabalho pedagógico, favorecendo o aprendizado da leitura, escrita e conceitos matemáticos, bem como material de ensino e de avaliação sobre conceitos mais complexos relacionados a qualquer disciplina. Alguns exemplos desses programas são Boardmaker com Speaking Dynamically Pro, IntelliPics Studio e Comunicar com Símbolos, que permitem a personalização de atividades para as condições visuais, cognitivas e motoras do aluno. É preciso considerar que o aluno precisa aprender a usar os recursos alternativos, o que pode ocorrer de forma concomitante na sala de aula, na Sala de Recursos Multifuncionais e nos atendimentos da área da saúde. Além disso, as pessoas que diretamente se relacionam com o aluno também precisam se familiarizar para que possam disponibilizar os recursos para o aluno. 64 Adaptação de atividades escolares Para crianças que não podem escrever devido ao grau de incoordenação de seus movimentos, pode ser necessário o uso de adaptações que viabilizam a escrita. Uma gama bem variada de adaptações pode ser utilizada. Dependendo das características do indivíduo, a modificação necessária pode ser o uso de um lápis mais grosso que o usual, ou a introdução de um computador. Para as crianças que não conseguem usar o lápis, mesmo adaptado, poderão ser usadas letras móveis em papel, madeira, borracha ou outro material. Algumas letras podem ser disponibilizadas para o alunoapontar com a mão, olho ou outra parte do corpo), enquanto o professor ou outro aluno cola ou escreve, registrando a resposta da criança com necessidade especial. A leitura de palavras ou textos ficará facilitada se estes estiverem escritos em letras de imprensa, maiúsculas, ampliadas e com espaço aumentado entre as linhas. Adaptação de equipamentos de lazer e recreação A oferta de brinquedos adaptados nos parquinhos pode proporcionar novas possibilidades de lazer e interação do aluno com deficiência e seus colegas. Balanços com cadeirinha que oferecem apoio nas costas e barra de segurança à frente é um exemplo. Brinquedos que funcionam com pilha podem ser adaptados para serem ativados por acionadores (os mesmos usados com o computador). Nesse caso, o brinquedo precisa estar adaptado ou necessitamos usar um interruptor de pilha para interromper o circuito, e o brinquedo passa a ser ativado quando a criança pressionar o acionador Transporte adaptado: os ônibus adaptados para a fácil entrada do usuário de cadeira de rodas e para o transporte com segurança são essenciais para que alunos com deficiência fisica possam ter acesso à escola e as atividades culturais que complementam o ensino. Leituras complementares… Se você quiser ler algo mais sobre deficiência, leia as indicações a seguir: NUNES, L. R. O. P.; PELOSI, M. B.; WALTER, C. C. F. (Org.). Compartilhando Experiências: ampliando a comunicação alternativa. Marília: ABPEE, 2011. NUNES, L. R. O. P. et al. Comunicar é preciso: em busca das melhores práticas na educação do aluno com deficiência. Marília: ABPEE, 2011. 65 66 DEFICIÊNCIA VISUAL 67 Apresentação Agora neste novo encontro, veremos a história do deficiente visual aqui no Brasil, partindo de instituições concentradas do Império, e chegando nas classes regulares da época. Identificarmos em seguida, as causas e os sinais relacionados à perda de visão. Então veremos que o número de deficientes visuais no país é expressivo e que, com a política da inclusão, teremos cada vez mais indivíduos cegos e com baixa visão em salas regulares. Nesse contexto, veremos alguns recursos e táticas pedagógicas delineadas para a viabilização da aprendizagem. Objetivos: 1. Descrever a trajetória educacional das pessoas cegas do final do século XIX até a atualidade. 2. Definir deficiência visual. 3. Identificar as causas da deficiência visual. 4. Identificar os sinais e as condutas relacionados à perda de visão. 5. Descrever os serviços, recursos e estratégias pedagógicas que viabilizem a aprendizagem de alunos com deficiência visual. Os primeiros passos O primeiro passo a ser tomado por um educador de pessoas portadoras de deficiência visual da América Latina foi o Imperial Instituto dos meninos cegos (IMC), fundado em 1854, na cidade de RJ. Essa instituição, é denominada Instituto Benjamin (IBC), Figura 1, funcionava em regime de internato, ofertando o ensino primário, além de educação religiosa e moral. Figura 1 - Instituto Benjamin Constant (IBC) Os alunos aprendiam, ainda, música, ofícios fabris e trabalhos manuais nesse recinto. A preparação acadêmica parecia servir, no entanto, para a atuação profissional dentro da mesma instituição. Em 1872, por exemplo, dos 16 alunos formados, mais de 81 % tornaram-se professores do próprio IMC. O número de educandos matriculados era inexpressivo. Para você ter uma ideia, em 1872. apenas 35 alunos, majoritariamente de classes abastadas, estudavam na instituição. Registros da época indicavam, no entanto, que havia no país 15.848 pessoas cegas. De 1920 a meados de 1950 observa-se uma expansão no número de instituições para deficientes visuais no pais. Em 1926. foi fundado o Instituto São Rafael, em Belo Horizonte, um ano depois, o Instituto para Cegos "Padre Chico'', em São Paulo. Em 1935 foi construído, em Pernambuco, o Instituto dos Cegos e posteriormente, em 1936. o Instituto de Cegos na Bahia, alocado em Salvador. Na década seguinte, merece destaque o Instituto Paranaense dos Cegos, estabelecido em Curitiba, em 1944. No nordeste, ressalta-se a fundação em 1952, do Instituto de Proteção aos Cegos e Surdos Mudos, atual Instituto de Educação e Reabilitação de Cegos do Rio Grande do Norte (IERC). Hoje, essa instituição, localizada em Natal (RN), é mantida pelo Governo do Estado e Prefeitura Municipal, recebendo esporadicamente apoio do Governo Federal. O IERC mantém Classes de Alfabetização atendendo crianças com deficiência visual de 6 a 7 anos e ensino do 1 ao 5º ano. 68 Grande parte dessas instituições foi fundada e mantida por associações filantrópicas e muitos dos professores que nelas atuaram formaram-se no Instituto Benjamin Constant. As instituições não governamentais foram, também, as responsáveis pela criação, em 1946, da Fundação para o Livro do Cego no Brasil. Essa fundação, atualmente denominada Fundação Dorina Nowill para Cegos, visava ampliar o acesso à leitura dos cegos pela impressão de livros em Braille. Em 1950, Dorina Nowill, uma de suas fundadoras, pleiteou junto a uma instituição americana (Kellogg Foundation) a doação de uma imprensa Braille. Os americanos compraram os equipamentos solicitados, sob a condição de que o governo brasileiro mantivesse a imprensa. Partindo da década de 1950, em decorrência dos movimentos sociais emergidos no pós-guerra, as iniciativas governamentais de apoio ao deficiente visual tornaram-se mais expressivas. Em 1953, por exemplo, foi promulgada uma lei no Estado de São Paulo, que institui as Classes Braille nos cursos pré-primário, secundário e de formação profissional. Nessas classes, que funcionavam paralelamente ao ensino regular, os alunos cegos recebiam apoio pedagógico de professores especializados e habilitados em Educação Especia. Três anos depois, o Ministério da Educação instituiu a Campanha nacional de educação e reabilitação dos deficitários visuais. Dentre as propostas assinaladas nesse documento estavam a instalação e a manutenção de centros de habilitação para deficientes visuais e ações que visavam promover a integração de educandos cegos em ambientes regulares de ensino. Registros históricos indicam, ainda, que foi nesse período que o Conselho Nacional de Educação permitiu o ingresso de alunos com deficiência visual no Ensino Superior. Os movimentos de integração educacional do cego, assim como das outras deficiências, ganhou fôlego na década de 1970. Foi nesse periodo que o Ministério da Educação criou o Centro Nacional de Educação Especial, responsável por coordenar a implementação de uma politica de educação para pessoas que portam algum tipo de deficiência. 69 O modelo padrão de educação vigente, como você estudou em nosso terceiro encontro, era o da integração. Embora a proposta fosse integrar o aluno a um ambiente menos restritivo possível, o modelo resultou em muita segregação. Por quê? Você está lembrado que, de acordo com a perspectiva da integração, o aluno deveria adaptar à escola e não o contrário? Pois então. Nesse período, diversas instituições e escolas especiais tornaram-se depósitos de alunos excepcionais, incluindo os deficientes visuais. Na década de 90, o paradigma da inclusão abriu novos horizontes para os de ficientes da visão que, a partir de então, passaram a ser denominados de alunos com necessidades educacionais especiais. A Educação Especial, enquanto modalidade de ensino, passava a ofertar o apoio necessário para que essa população tivesse acesso às salas regulares. A escola, nesse novo cenário, se propunha a adaptar-se as demandas do aluno. Em 2008, observou-se que, embora o aumento das matrículas desses educandos no ensino regular fosse expressivo, uma parcela significativa permanecia fora das escolas. Para você ter uma ideia, o número de crianças e adolescentes com deficiência visual, menores de 16 anos, no Brasil, em 2000, era de 1,5 milhões. Registros indicavam, na época, que apenas 25 mil estavam matriculados em escolas. Nesse panorama foiinstituído o Atendimento Educacional Especializado (AEE), que busca, na atualidade, viabilizar o acesso e permanência dos agora intitulados - deficientes visuais, nas classes comuns. O que é a deficiência visual ? Primeiramente vamos compreender os graus de visão, Observe a figura 2 logo abaixo: 70 Figura 2 - espectros da visão Vemos a seguir a melhor definição entre cegueira e baixa visão. 71 Na cegueira existe um certo tipo de padrão único de resposta: o aluno não enxerga. Quando falamos, um aluno de baixa visão, podem ser manifestados vários padrões distintos. Veja os exemplos do quadro 1 logo abaixo. Quadro 1 - Principais dificuldades apresentadas por alunos com baixa visão As deficiências visuais diferem das alterações visuais. No primeiro grupo, conforme estudamos, temos a cegueira e a baixa visão. São condições que não podem ser corrigidas por meio de óculos. As alterações visuais, por outro lado, compreendem distúrbios visuais que, por vezes, podem ser ajustados, pelo uso dos óculos/lentes. Dentre as alterações visuais mais comuns, encontramos a miopia, a hipermetropia, o astigmatismo e o estrabismo, descritos no próximo quadro. 72 Quadro 2 - Alterações na visão Sinais que são relacionados aos problemas de visão Você deve ficar atento aos sinais que indicam a presença de problemas visuais nos estudantes. Então se o seu aluno apresentar algumas das condições mostradas a seguir, com frequência, você deve solicitar o encaminhamento a um oftalmologista. 73 Quadro 3 - Sinais que podem indicar problemas visuais Veja a deficiência visual em números: De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), mais de 180 milhões de pessoas no mundo apresentam deficiência visual. Desse grupo, 45 milhões são cegas e 135 milhões têm baixa visão. Isso significa que para cada pessoa cega, existem quatro com visão subnormal. Os países em desenvolvimento apresentam índices mais elevados de deficiência visual do que os desenvolvidos. No Brasil, por exemplo, o Censo de 2000 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) revelou que 16,6 milhões de brasileiros apresentavam algum tipo de alteração visual (deficiência visual e distúrbios da visão) e 150 mil eram cegos. No censo de 2010, esse número aumentou significativamente, sendo superior a 35 milhões. 74 Causas da deficiência visual A deficiência visual podem ter causas desde o nascimento do indivíduo ou ser uma condição adquirida em decorrência de diferentes patologias. O quadro 4 mostra algumas dessas condições, observe a seguir. Quadro 4 - Condições que podem levar à deficiência visual Nas regiões mais carentes do país, como o norte e o nordeste, os índices de prevalência da deficiência visual são maiores. As causas mais frequentes estão relacionadas à desnutrição e infecções. Pesquisas indicam, por exemplo, que a hipovitaminose A (carência de vitamina A), problema comum na região nordeste, pode levar à cegueira. Adicionalmente, a falta de ações preventivas, como a vacinação para enfermidades como a rubéola e a toxoplasmose, pode contribuir para o aumento de casos de deficiência visual no país. E isso pode ser remediado, dependendo da causa, até 80% dos casos de deficiência visual podem ser evitados por mecanismos de prevenção ou tratamentos específicos. 75 Serviços, recursos e estratégias de ensino identificados Os alunos deficientes visuais, independente da sua idade ou grau de comprometimento da visão, aprende! A deficiência visual não interfere na capacidade cognitiva do indivíduo. A falta de estímulo, no entanto, pode propiciar atrasos significativos. Assim, é o dever da escola adaptar-se para desenvolver, em sua plenitude, as potencialidades dos educandos com deficiência. Na atual política educacional, cabe ao Atendimento Educacional Especializado (AEE) identificar serviços e recursos que, além da educação, promovam o desenvolvimento da autonomia e da independência do aluno. Dentre esses serviços destacam-se: a orientação e mobilidade, atividades da vida diária (AVD) e a aprendizagem do Sistema Braille. 76 Figura 3 - Representação de uma cela braille Cada tipo de sinal ocupa espaço numa cela braille, sendo identificado pelo tato. Um total de 63 combinações distintas é possível. As letras do alfabeto, os números e outros símbolos gráficos podem ser produzidos pelo Braille. Agora observe a seguir os 63 sinais do sistema na Figura 4, logo abaixo. 77 Figura 4 - Classificação da combinação dos pontos na cela braille 78 São vários os recursos que estabilizam a aprendizagem do aluno como deficiência visual. Merece destaque, os instrumentos de produção do braille, os recursos ópticos e não ópticos. Os vários sinais do braille são produzidos pela máquina de escrever braille ou reglete e punção. A reglete é muito parecida com um estilete, em formato de pera, sendo utilizado para a perfuração dos pontos na cela braille. Observe a figura 5 abaixo, ela mostra a ilustração dos instrumentos. Figura 5 - Reglete e punção Figura 6 - Máquina Braille 79 As lutas, lentes, telescópios e óculos especiais são ótimos exemplos de recursos ópticos. Eles tendem a melhorar a focalização por ampliação das imagens. Observe os recursos a baixo em formas de ilustrações. Figura 7 - Recursos opticos Os outros recursos que não são ópticos são as ferramentas utilizadas para modificar os estímulos (materiais, objetos) de forma que sejam adequadamente percebidos pela visão. Nessa categoria encontramos diversos acessórios, como plano inclinado (carteira adaptada, que permite inclinação), o lápis 4B ou 6B, suportenpara livros, gravadores, cadernos com pauta, dentre outros. Merece destaque, ainda, os softwares desenvolvidos para o deficiente visual. 80 Estratégias de ensino: dicas dentro da sala de aula 81 Aqui vão outras dicas para usar com alunos com deficiências visuais: 82 Leituras complementares… É recomendado que você assista o filme "ensaio sobre a cegueira", de Josué Saramago. O livro foi adaptado para o cinema. 83 DEFICIÊNCIA AUDITIVA 84 Apresentação Agora você aprenderá sobre os varios tipos espectros da audição e a identificar as causas da surdez. Saberá a estimativa de deficientes auditivos no mundo e quantos, no Brasil, estão incluídos nas escolas. Faremos, em seguida, um passeio pela história da educação do surdo, transitando pelas instituições segregadas e chegando às escolas inclusivas. Nessa trajetória, você conhecerá as distintas filosofias que inspiraram os métodos de ensino adotados na educação do surdo no decorrer dos tempos. Reconhecerá os vestígios dessas abordagens nas práticas pedagógicas e políticas educacionais vigentes. Por fim, finalizaremos a nossa narrativa falando do aluno surdo inserido em uma escola regular, procurando saber quais os desafios enfrentados por ele e, além disso, como favorecer sua aprendizagem. Objetivos: 1. Conceituar deficiência auditiva. 2. Identificar as causas e prevalência da deficiência auditiva. 3. Descrever a trajetória educacional das pessoas com deficiência auditiva no decorrer da história. 4. Identificar as principais características do oralismo, bilinguismo e comunicação total. 5. Moderado Identificar recursos e estratégias pedagógicas que viabilizem a aprendizagem de alunos com deficiência auditiva na sala de aula regular. Falando sobre a deficiência auditiva Pode-se definir a deficiência auditiva como a diminuição da percepção sonora. Assim como vimos na cegueira. A capacidade auditiva deve ser compreendida dentro de um continuum no qual em um extremo estaria a audição normal e em outro a incapacidade de perceber os sons. Então dessa forma a doença auditiva pode ser classificada em 5 tipos, desde a surdez até a surdez profunda, observe a figura 1 logo abaixo, para um melhor entendimento. Figura 1 - Os graus da audição Os níveis da perda auditiva se baseiam em decibéis (db) que é uma unidade de medida, que tem a função de indicar a intensidade e volumede sons. O quadro logo abaixo vai esclarecer à você. Quadro 1 - Itens de intensidade considerando a frequência dos (db) O conceito de decibéis ajuda-nos a compreender o espectros da audição. Desde a audição normal até a surdez profunda, conforme mostrado no quadro abaixo. 85 Quadro 2 - Classificação da capacidade auditiva Então, uma pessoa que é incapaz de ouvir o som de um cochicho (20db), pode apresentar uma surdez leve. Já aquele que não percebe o som de buzinas em um ruído de trânsito (80db), provavelmente evidencia uma deficiência auditiva severa. A criança pode nascer surda ou desenvolver a surdez no futuro. Podendo ter diversas causas, indo desde anomalias genéticas, até acidentes e traumas. Observe algumas condições que podem levar à surdez, logo abaixo no quadro 3. Quadro 3 - possíveis causas de uma surdez 86 Deficiência auditiva em números A OMS, estima que a deficiência auditiva afeta, aproximadamente, 10% da população mundial. De acordo com o Censo de 2010 do IBGE, 9,7 milhões de brasileiros apresentam algum nível de deficiência auditiva. O censo escolar de 2009 indica que mais de 40 mil alunos com algum tipo de deficiência auditiva estão matriculados em escolas regulares. 87 A educação dos Surdos no decorrer da história Agora veremos como a percepção/educação do surdo foi consideravelmente modificada no decorrer dos tempos pela idade antiga chegando até a contemporaneidade. Da Antiguidade à Idade Média Na Idade Antiga, Aristóteles preconizava que a pessoa surda, por não compreender ou utilizar a linguagem oral, era incapaz de raciocinar. Assim, impossibilitada de absorver qualquer tipo de conhecimento, não poderia trazer benefícios à sociedade. Para o bem da coletividade grega, que tanto valor atribuía à perfeição da mente e do corpo, era proposto, nesse contexto, que os surdos fossem extirpados do meio social. Durante a Idade Média, sob a influência da Igreja Católica, o deficiente auditivo (na época, denominado de surdo-mudo) passa a ser compreendido como um "instrumento de Deus". Nessa perspectiva, deveria ser "cuidado", uma vez que desempenhava o papel de “alertar os homens, para agraciar as pessoas com a possibilidade de fazerem caridade”. Embora digno de compaixão, era ainda considerado uma pessoa incapaz, permanecendo apartado de direitos, como a herança, o casamento e a educação. Da Modernidade à Contemporaneidade Na Idade Moderna, os avanços da Medicina desmantelaram o postulado de Aristóteles sobre a incapacidade intelectual do surdo e sobre sua impossibilidade de adquirir a fala. Pela primeira vez, a surdez foi desvinculada da mudez. Nesse momento histórico, deixam de ser chamados de surdos-mudos e ganham o direito à educação. Registros indicam que o primeiro professor de surdos foi Ponce de León (1520-1584), que você conheceu em nossa segunda aula. Pois bem, Ponce desenvolveu, na Espanha, um método educacional próprio. Os escassos relatos disponíveis sugerem que esse educador, inicialmente, ensinava seus alunos a escrever; depois a apontar para os objetos correspondentes à escrita e, finalmente, verbalizar as palavras. Mesmo que alguns desses professores fossem contemporâneos, grande parte divergia quanto aos métodos empregados para educar o surdo. Duas abordagens mereceram destaque na época: o gestualismo e o moralismo. O principal defensor da abordagem gestualista foi o abade Michel de L'Epée, responsável por fundar a primeira escola de surdos na França. L'Epée argumentava que o uso da língua de sinais pela escola poderia oferecer o principal meio de acesso à escrita e leitura. Criou, nesse contexto, os sinais metódicos, um sistema gestual artificial que mesclava elementos da lingua de sinais francesa, que havia aprendido com os surdos parisienses, com outros sinais inventados por ele. Os educadores, em sua perspectiva, deveriam aprender esses sinais para poder se comunicar com os surdos. Para L'Epée, além de um veículo de comunicação, a lingua de sinais, enquanto lingua natural do surdo, favorecia o desenvolvimento do pensamento. Samuel Heinicke, contemporâneo de L. Epée, acreditava que o pensamento ocorria por meio de palavras e para poder compreendê-las, era preciso saber articulá-las oralmente. Assim, em oposição ao gestualismo, defendia uma abordagem intitulada de oralismo. Os surdos, em sua perspectiva, deveriam ser ensinados a falar e a compreender a lingua falada. Para disseminar o oralismo, fundou na Alemanha, a primeira escola oral de surdos. Pouco é conhecido sobre a metodologia adotada por Heinicke, mas a concepção oralista teve forte impacto influenciando ate haje a história da educação do surdo no Brasil e no mundo. O marco inicial da educação do surdo em nosso pais teve início em 1856 com a fundação do Imperial Instituto de Surdos-Mudos no Rio de Janeiro. Esse instituto, hoje denominado Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES). Foi criado por iniciativa de met Huet, um dos discípulos de L'Epee. Além de disciplinas acadêmicas, a instituição oferecia oficinas de sapataria, alfaiataria, gráfica, marcenaria, dentre outras. Com o apoio de D. Pedro Il aproximadamente 100 alunos, entre 9 e 14 anos, recebiam atendimento. O uso da lingua de sinais na instituição prevaleceu ate 1911. quando a abordagem oralista ganhou maior evidência no Brasil e os surdos passaram a ser ensinados por oralmente. 88 A contemporaneidade Com o início da Revolução Francesa e a Revolução Industrial, no final do século XIX, a Europa passa por grandes transformações sociais, políticas e econômicas. A propagação dos ideais de “liberdade, igualdade e fraternidade” faz emergir um clima de conscientização acerca dos direitos humanos. A ávida busca por mão de obra qualificada faz proliferar as escolas e, com elas, as instituições especializadas na educação de surdos. Nesses educandários, a disputa entre as filosofias gestualistas e oralistas, iniciada no final do século XVIII, ganha maior evidência, A vitória do oralismo é consolidada em 1880 durante o Il Congresso Internacional sobre a Instrução de Surdos, realizado na Itália. Com maior representatividade de oralistas no evento, foi acordado que o método oral puro ou oralismo seria mais eficaz do que o uso dos sinais manuais, combinado ou não com a fala. As resoluções do congresso fortemente influenciaram a Europa e os países da América Latina nos anos subsequentes. Assim, durante o século XIX, o gestualismo foi praticamente abolido em várias regiões do mundo, onde prevaleceu o oralismo. O uso do Método Oral Puro, no entanto, produziu poucos resultados que pudessem proporcionar algum tipo de satisfação. A maioria dos surdos profundos, par exemplo, no desenvolveu uma fala socialmente inteligível, e no geral, o desenvolvimento alcançado foi parcial e tardio em relação a aquisição de fala apresentada pelos ouvintes, implicando um atraso de desenvolvimento global significativa Somadas a isso, estavam as dificuldades ligadas à aprendizagem da leitura e da escrita. Sempre tardia, cheia de problemas, mostrando sujeitos, muitas vezes apenas parcialmente alfabetizados após anos de escolarização. As pesquisas científicas aliadas aos insatisfatórios efeitos da abordagem oralista propiciaram o surgimento de novas abordagens pedagógico-educacionais para o surdo. Nesse contexto, merecem destaque os trabalhos do linguista Noam Chomsky e do professor William Stokve, publicados nas décadas de 1950 e 1960. Ambos defendiam que a lingua de sinais erit a lingua "natural" do surdo. Nesse sentido, não poderia ser compreendida como um mero conjunto desarticulado de símbolos mammas, inas, segundo Stokdo um sistema linguístico estruturalmente semelhante as outras linguas. Para Chomsky, independente da modalidade (oral ou geswal), o indivíduo surdo ou ouvinte teria a mesma capacidade para desenvolver a linguagem. A diferença entre eles 89 se limitaria a forma como essa linguagem é expressa, ou seja, através de uma modalidade viso-gestual(lingua de sinais) ou oral (fala). Com as novas concepções sobre a lingua de sinais outras abordagens educacionais, como a comunicação total e o bilinguismo entram em cena. A comunicação total, divulgada em diversos países a partir da década de 1970, defende o uso de múltiplas formas de comunicação. O desenvolvimento da fala não é considerado um objetivo central nesse modelo, mas uma das competências trabalhadas para possibilitar a integração social do surdo. A língua de sinais, por sua vez, não é empregada de maneira. Assim, formas linguísticas e não linguísticas de expressão são admitidas, incluindo sinais retirados da língua de sinais e sinais gramaticais modificados. Essa abordagem, amplamente adotada na atualidade, recomenda o uso simultâneo da fala e dos diferentes códigos manuais. A comunicação total no Brasil se configura pelo uso da Língua Brasileira de Sinais. O quadro 4 logo abaixo esclarece um pouco de cada metodologia. 90 Quadro 4 - Metodologias usadas na comunicação total A Comunicação Total desempenhou um importante papel na valorização da Libras. Apesar de não emprega-la em sua forma "pura". possibilitou que ela voltasse a ser inserida na educação do surdo. Nesse sentido, a comunicação total semeou o terreno para o desenvolvimento do bilinguismo. 91 O bilinguismo, compreendido como uma filosofia educativa, preconiza que os surdos formam uma comunidade com cultura e lingua próprias. Na perspectiva bilingue, o surdo deve adquirir inicialmente, como língua materna, a língua de sinais e, como segundo idioma, a lingua oficial de seu país. No caso do Brasil, por exemplo, 3 crianças surdas deve aprender, o mais precocemente possível. 3 Lingua Brasileira de Sinais (Libras) e, como segunda língua, o portugués. A ideia do acesso concomitantes duas linguas baseia-se no reconhecimento de que o surdo, apesar de conviver em uma sociedade essencialmente ouvinte, é interlocutor natural de uma lingua adaptada a sua capacidade de expressionismo. No Brasil, a Libras toi, em 2005, reconhecida como lingua oficial em todo território nacional o Decreto governamental 5.626, publicado no referido ano, tornando obrigatório o uso da lingua de sinais para os surdos, assim como para os professores que atendem esses alunos. Esse documento indica, sinda, que a lingua de sinais seis ensinada como primeira lingua e a lingua portuguesa na modalidade escrita, como segunda lingua nas escolas, Estratégias de ensino Conforme a política educacional vigente no Brasil, os alunos surdos devem frequentar classes regulares de ensino. Um expressivo número desses educandos, no entanto, chega à escola com uma defasagem linguística significativa, tanto em Língua Portuguesa como em Libras. Esse fenômeno acaba prejudicando, dentre outros fatores, o desempenho acadêmico do aluno em relação à leitura, interpretação e à estrutura linguística de textos. Assim, a mera inserção desses educandos em classes comuns não garante sua aprendizagem. Estratégias específicas de ensino e adaptações curriculares são imprescindíveis. Logo em seguida será mostrada certas estratégias de ensino e adaptações curriculares que podem favorecer a aprendizagem do aluno surdo inserido na sala regular. Essas regras são: 92 93 94 Leituras complementares… Para saber mais sobre estratégias de ensino para alunos com deficiência auditiva, consulte os materiais didáticos disponíveis online pelo MEC. BRASIL. Saberes e práticas da inclusão: desenvolvendo competências para o atendimento as necessidades educacionais especiais de alunos surdos. 2. ed.Brasília: MEC; Secretaria de Educação Especial, 2006. 116 p. (Serie: Saberes e práticas da inclusão). Disponível em: <http://portal mec.gov.br/seesp/arquivos/ pdi alunossurdos pdf> DAMAZIO, Millene Ferreira Machado. Atendimento educacional especializado na pessoa com surdez São Paulo: MEC/SEESP <http://portal,mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/alunossurdos.pdf> 95 http://portal/ DEFICIÊNCIA INTELECTUAL 96 Apresentação Agora falaremos sobre a deficiência intelectual. Em nossas reflexões abordaremos o conceito dessa necessidade educacional especial, algumas características do desenvolvimento de pessoas que a apresentam e aportes teórico-práticos relativos à escolarização de alunos com essa deficiência. Para esta aula é interessante você “ter a mão” as aulas sobre os fundamentos da educação inclusiva e, principalmente, a aula sobre estigma, para que sirvam de suporte às questões e reflexões, que será trabalhado conosco nessa aula. Objetivos : 1. Definir deficiência intelectual. 2. Identificar as implicações de modelos e sistema de classificação sobre a percepção do desenvolvimento do aluno com deficiência intelectual. 3. Reconhecer os elementos que auxiliam no desenvolvimento de alunos com essa deficiência. 4. Refletir sobre as situações de ensino e aprendizagem para o processo de escolarização do aluno com deficiência intelectual. Deficiência intelectual e suas palavras iniciais Antes de começarmos a falar sobre o tema dessa aula, tente imaginar o que são as necessidades educacionais especiais. Já pensou ? se já, então vamos à nossa aula. Necessidades educacionais: o que elas realmente são ? A deficiência intelectual pode ser listada como uma necessidade educacional especial. Então, antes de ser abordado a sua definição, devemos lembrar, o que são necessidades educacionais especiais. Quando uma pessoa apresenta uma condição incomum à maioria das pessoas, como uma deficiência ou doença, seja ela definitiva ou temporária, dizemos que ela tem uma necessidade especial. No entanto, se essas necessidades especiais não podem ser atendidas através dos meios e recursos convencionais de ensino, demandando estratégias especializadas para o ensino e a aprendizagem, então, passam a serem identificadas como necessidades educacionais especiais. É importante entendermos que as necessidades educacionais especiais devem ser compreendidas a partir de demandas relacionadas diretamente com o ambiente físico (familiar, escolar ou social) e poderão ser maiores ou menores, de acordo com os recursos e estratégias disponibilizadas durante a escolarização dessa pessoa. Mas e o diagnóstico e as questões que são orgânicas, não têm relevância? Veja, não estamos dizendo que os aspectos orgânicos não têm importância sobre as demandas que uma pessoa com necessidades educacionais especiais possa apresentar, mas que, com o diagnóstico de deficiência intelectual, por exemplo, as condições de desenvolvimento desse indivíduo têm relação direta com o tipo, quantidade e qualidade das relações, com as possibilidades e mecanismos de apoio ofertados a ele no ambiente em que vive e se desenvolve. Por isso, na escola, é importante que as necessidades educacionais especiais sejam analisadas fielmente a partir da relação entre o processo de aprendizagem do aluno, o tipo de proposta de ensino. Visando que até agora falamos até agora a respeito da necessidade educacional especial, então podemos dizer que os alunos portadores dessa necessidade são: Aqueles que apresentam vários tipos de especificidades no processo de aprendizagem e ensino, sendo necessário a mediação e recursos distintos dos convencionados em momentos de escolarização, em certos espaços e tempos que tendem a variar conforme as demandas apresentadas em seu desenvolvimento. Essa é uma definição que fica em constante discussão, tendo um grau de complexidades políticas e sociais que merecem um certo tipo de atenção. Mesmo com essa complexidade, há, no Brasil, uma definição nos documentos que balizam a inclusão escolar, divulgada pelo ministério de educação. Justamente por ter a divulgação de uma concepção oficial a respeito disso é que se faz necessário a presença de um olhar crítico sobre a forma de como essa definição é aplicada, para que as ações políticas, sociais e educativas possam ser organizadas de forma que contribuam com o desenvolvimento de 97 cada indivíduo. Na políticanacional de educação nacional de educação especial, na perspectiva da educação inclusiva no Brasil, são considerados alunos com necessidades educacionais aqueles que demonstram deficiência, transtorno de desenvolvimento e altas habilidades/ superdotação. Nestes casos e outros, que implicam transtornos funcionais específicos, a educação especial atua de forma articulada com o ensino comum, orientando para o atendimento às necessidades educacionais especiais desses alunos. Deficiência visual: Conceptualização Nos tempos passados, as ideias que surgiam, ao nos referimos a alunos com deficiências intelectuais, eram relacionadas a espaços e percepções reservadas somente à educação especial. Com o aumento dos debates sobre as propostas de inserção e, mais recentemente, com a chegada desse aluno no ambiente escolar, e conhecer mais sobre o modo como esse aluno aprende e se desenvolve passou a ser de interesse da educação, o envolvendo de forma geral. A deficiência intelectual pode ser definida pelo significado do termo socialmente validado em cada época, pela sociedade e os referenciais teóricos disponíveis, até chegar às pesquisas e das abordagens científicas atuais. Cada nomenclatura porta implicações na sua definição relacionadas com seu contexto social e histórico. Atualmente, há uma tendência mundial para uso do termo intelectual, no lugar de mental, inclusive no panorama nacional brasileiro. Pesquisadores como Sassaki, tentam explicar a mudança. Esse pesquisador defende o termo deficiência intelectual no lugar de deficiência mental, baseando-se em dois argumentos: 1)A deficiência intelectual teria mais relação com o fenômeno que envolve as características presentes no desenvolvimento de quem a tem. 2)A mudança do termo ajuda distinguir melhor a deficiência mental de uma doença mental, pois são dois termos comumente confundidos. Então, o que esse pesquisador quer dizer é que o termo deficiência intelectual é mais adequado, já que se relaciona diretamente com o funcionamento do intelecto especificamente e não com o funcionamento da mente, pois a mente abarca outros aspectos além do intelecto. 98 Todavia, independentemente do termo que possa ser indicado como mais apropriado, o que merece nossa atenção é o cuidado entre os conceitos que podem circular a partir do plano biológico ou do cultural. Por exemplo, o desenvolvimento da criança que se encontra em um ambiente letrado, mas não usufrui dos códigos utilizados por não ter tido acesso a esses bens culturais - apropriação da linguagem escrita e de conceitos científicos - não pode ser confundido com o desenvolvimento da criança apresenta uma questão orgânica, sendo então denominada deficiência intelectual. A confusão entre o que é dificuldade de aprendizagem e o que é deficiência intelectual ainda é uma realidade nos dias atuais, principalmente no espaço escolar. Muitos alunos, ao longo de seu processo escolar, por não terem tido acesso a recursos, bens culturais e por apresentarem baixo rendimento ou aproveitamento escolar, em relação aos demais, nem sempre está relacionado com a deficiência intelectual. Agora, pense sobre algumas hipóteses que poderiam justificar a confusão que permeia essas definições. Houve uma época em que os "testes de prontidão para aprender" eram aplicados para orientar e selecionar o ingresso de alunos no 1º ano, antiga classe de alfabetização, lembram? Assim, poderíamos supor, por exemplo, que a partir do momento em que um aluno obtivesse uma pontuação baixa nos testes de prontidão, esse seria considerado inelegível ao processo no universo escolar. 99 Mais tarde, com o avanço das discussões em relação aos enfoques teóricos sobre o desenvolvimento e baseados nos estudos de Piaget e Vigotski, essa abordagem de avaliação deixou de ser utilizada com tanta ênfase, como estratégia para avaliar a condição do aluno de ingressar na escola, para a alfabetização. Veja o que dizem Hansen et al sobre esse fato: Historicamente, o conceito de prontidão, ou preparação escolar, tem sido compreendido de duas maneiras: prontidão para aprender e prontidão para a escola. A prontidão para aprender é entendida como o nível de desenvolvimento a partir do qual a criança é capaz de aprender algo. Essa compreensão permaneceu por muito tempo como a única dimensão da prontidão, especialmente com a valorização dos aspectos cognitivos e exclusão das relações sociais. Assim, muitos alunos que não obtinham um resultado adequado aos padrões vigentes para o processo de alfabetização, muitas vezes, nem ingressaram na escola ou, então, eram encaminhados para a classe especial. E, desse modo, o percurso escolar desse aluno diferenciava-se dos demais, com um aspecto comprometedor, pois embora 100 sem a deficiência orgânica esse aluno era percebido como “deficiente mental leve" ou "lenta". Aspectos que envolvem a identificação da deficiência intelectual O diagnóstico e a identificação de uma deficiência intelectual e, principalmente, as necessidades educacionais especiais que um aluno pode apresentar quando seu desenvolvimento apresentar essa especificidade? 101 Tanto a DSM quanto o CID 10, ao prolongar dos anos e de investigações sobre a deficiência intelectual, têm como suporte o diagnóstico clínico dessa necessidade educacional especial. No entanto, quando nos referimos a 30 processo escolar e as condições pedagógicas para o desenvolvimento de um aluno com essa especificidade, tomamos como referência a definição divulgada nos instrumentos balizadores das políticas públicas nacionais. As políticas públicas brasileiras têm como base o sistema de definição, classificação e sistemas de apoios sobre a deficiência mental da American Association on Intellectual and Developmental Disabilities (AAIDD) desde 2002. Segundo essa associação a deficiência intelectual tem a descrição de: Uma incapacidade caracterizada por importantes limitações, tanto no funcionamento intelectual quanto no comportamento adaptativo, expresso nas habilidades adaptativas, conceituais, sociais e práticas. Essa deficiência tem início antes dos 18 anos. O avanço observado em relação à definição de deficiência intelectual quando considerarmos as suas versões anteriores, tem sua referência dada aos fatores socioambientais que antes não eram considerados, Assim os fatores biológicos, embora continuem a serem avaliados, passam a ser um dos aspectos que, aliado a outros, 102 compõem o contexto em que se dá a definição de deficiência intelectual e indicam o modo de como essa condição pode ser compreendida nos tempos atuais. Então essa tal definição não se dá meramente por um ou outro fator, biológico ou cultural. Nesse sentido, faz-se necessária a análise de alguns aspectos indispensáveis antes do diagnóstico. Com isso, a percepção que predominava em meados do século XX. Sobre a deficiência intelectual começou a mudar. Nesse período, a deficiência intelectual era compreendida como uma condição orgânico-estática, ou seja, que não pode ser modificada. Sob essa nova perspectiva, a identificação da deficiência intelectual passou a ser observada também a partir dos seguintes aspectos: a) Habilidades conceituais. b) Habilidades práticas. c) Habilidades sociais. Dessa forma, os aspectos que fazem parte do contexto social e cultural passam a ser tão importantes, quanto os aspectos biológicos ou orgânicos, para diagnosticar a deficiência intelectual. A intenção dessa proposta de redefinição dos elementos que caracterizam a condição de deficiência intelectual é redimensionar esse conceito tendo em vista os aspectos orgânicos em parceria com as características do ambiente. Para isso, a proposta organizada pela AAIDD apresenta cinco premissas que orientam a aplicação dessa definição. Veja quais são: ● As limitações no funcionamento atual devem ser consideradas dentro do contexto dos ambientes da comunidade em que a pessoa está inserida, observando quais pessoas são da mesma faixa etária e da