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Química Geral Aplicada à Biomedicina Material Teórico Responsável pelo Conteúdo: Prof. Dr. Fernando Perna Revisão Textual: Prof.ª Dr.ª Selma Aparecida Cesarin Fundamentos de Química Orgânica • Aspectos Gerais das Moléculas Orgânicas; • Nomenclatura de Compostos Orgânicos; • Funções Orgânicas; • Reações em Sistemas Biológicos; • Isomeria. • Conhecer conceitos básicos de Química Orgânica; • Reconhecer as funções orgânicas e as suas características; • Conhecer as estruturas das principais moléculas de importância biológica; • Ter noções sobre como nomear compostos orgânicos; • Familiarizar-se com alguns tipos de reações de compostos orgânicos; • Compreender o fenômeno da Isomeria Óptica e suas características. OBJETIVOS DE APRENDIZADO Fundamentos de Química Orgânica Orientações de estudo Para que o conteúdo desta Disciplina seja bem aproveitado e haja maior aplicabilidade na sua formação acadêmica e atuação profissional, siga algumas recomendações básicas: Assim: Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte da sua rotina. Por exemplo, você poderá determinar um dia e horário fixos como seu “momento do estudo”; Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar; lembre-se de que uma alimentação saudável pode proporcionar melhor aproveitamento do estudo; No material de cada Unidade, há leituras indicadas e, entre elas, artigos científicos, livros, vídeos e sites para aprofundar os conhecimentos adquiridos ao longo da Unidade. Além disso, você tam- bém encontrará sugestões de conteúdo extra no item Material Complementar, que ampliarão sua interpretação e auxiliarão no pleno entendimento dos temas abordados; Após o contato com o conteúdo proposto, participe dos debates mediados em fóruns de discus- são, pois irão auxiliar a verificar o quanto você absorveu de conhecimento, além de propiciar o contato com seus colegas e tutores, o que se apresenta como rico espaço de troca de ideias e de aprendizagem. Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte Mantenha o foco! Evite se distrair com as redes sociais. Mantenha o foco! Evite se distrair com as redes sociais. Determine um horário fixo para estudar. Aproveite as indicações de Material Complementar. Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar; lembre-se de que uma Não se esqueça de se alimentar e de se manter hidratado. Aproveite as Conserve seu material e local de estudos sempre organizados. Procure manter contato com seus colegas e tutores para trocar ideias! Isso amplia a aprendizagem. Seja original! Nunca plagie trabalhos. UNIDADE Fundamentos de Química Orgânica Aspectos Gerais das Moléculas Orgânicas Introdução Química Orgânica é definida como a química dos compostos de carbono e hi- drogênio. Não é uma definição muito rigorosa, pois CCl4 é considerado um com- posto orgânico, enquanto H2CO3 não é. Os átomos de carbono possuem a capacidade única de se ligarem indefinida- mente entre si, formando cadeias. Disso resulta a enorme variedade de compostos orgânicos (são conhecidas cerca de 10 milhões de moléculas orgânicas). À exceção da água, quase todas as substâncias presentes nos organismos vivos são compostos orgânicos. Isso é tão verdade que, antigamente, o termo “orgânico” era associado a compostos que se considerava somente poderem ser produzidos por organismos vivos. Daí surgiu a teoria da força vital, segundo a qual haveria uma força misteriosa responsável pela síntese de compostos orgânicos a partir dos organismos vivos. Esse conceito mudou na primeira metade do século XIX, quando se descobriu que compostos orgânicos podem ser obtidos em laboratório. A teoria da força vital, também conhecida como vitalismo, muito em voga no início do século XIX, foi refutada em 1828, pelo químico alemão Friedrich Whöler, ao produzir ureia (NH2CONH2), subproduto do metabolismo de animais, eliminada pela urina, a partir do aque- cimento de uma solução de cianato de amônio (NH4OCN). Ex pl or Postulados de Kekulé Entre os anos de 1857 e 1858, o químico alemão Friedrich August Kekulé von Stradonitz enunciou os princípios básicos que governam a formação dos compostos orgânicos, conhecidos como Postulados de Kekulé: • O átomo de carbono é tetravalente: H C H H H H C F H Cl 8 9 • As quatro valências do carbono são equivalentes: H C Cl Cl Cl Cl C Cl H Cl Cl C H Cl Cl Cl C Cl Cl H Existe apenas uma substância de fórmula CHCl3 ⇓ As quatro estruturas são quivalentes. Importante! Essa afirmação não é totalmente válida nos dias de hoje. Aplica-se a casos em que o carbono faz apenas ligações simples, mas não é verdadeira para moléculas em que o carbono faz ligações duplas ou triplas. Importante! • Os átomos de carbono podem ligar-se, formando cadeias: CH3 CH2 CH CH CH2 C CH3 CH3 CH3 CH3 CH2 CH3 H2C H2C C CH2 CH C CH3 H2 H2 Importante! Em 1858, de forma independente, o químico escocês Archibald Scott Couper propôs uma teoria estrutural muito semelhante à de Kekulé. Contudo, por haver proposto a tetrava- lência do carbono no ano anterior, em 1857, Kekulé ficou com a primazia da descoberta. Por isso, os postulados também são chamados de postulados de Kekulé-Couper. Você Sabia? • Apenas por ligações simples: C ; • Por ligações duplas: C ou C ; • Por ligação tripla: C . Em qualquer caso, o número total de ligações do átomo de carbono é sempre igual a quatro. 9 UNIDADE Fundamentos de Química Orgânica Classificação Existem diferentes critérios que são aplicados à classificação de compostos orgâ- nicos, apresentadas a seguir. Classificação de átomos de carbono em uma cadeia carbônica Dependendo de a quantos outros átomos de carbono estiver ligado, um átomo de carbono pode ser classificado em: • Primário: liga-se a 1 átomo de carbono; • Secundário: liga-se a 2 átomos de carbono; • Terciário: liga-se a 3 átomos de carbono; • Quaternário: liga-se a 4 átomos de carbono: 4ário 3ário 2ário 1ário CH3CH2 CH CH3 CH3 CH3 CCH3 Essa classificação independe da forma como os átomos de carbono se ligam (ligações simples, duplas ou triplas). Essa classificação não se aplica quando um átomo de carbono não estiver ligado a outros átomos de carbono; nesse caso, o átomo é chamado de carbono metílico: CH3CH2 CH CH3 CH3OC metílico Classificação de átomos de cadeias carbônicas Apesar da enorme variedade de compostos orgânicos, as suas cadeias podem ser classificadas por critérios simples: • Existência de ramificações: cadeia normal (sem ramificações) ou cadeia ra- mificada (com ramificações): CH3CHCH3 CH3 CH3CH2CH2CH3 Cadeia normal Cadeia ramificada 10 11 • Fechamento da cadeia: cadeia acíclica (ou aberta) ou cadeia cíclica (ou fechada): CH3CH2CH2CH3 Cadeia aberta Cadeia fechada H2C CH2 CH2H2C • Tipo de ligação entre os átomos de carbono: cadeia saturada (apenas liga- ções simples entre os átomos de carbono) ou cadeia insaturada (ligações duplas ou triplas entre os átomos de carbono): CH3CH2CH3 Cadeia saturada Cadeia insaturadas HC CCH3CH2 CHCH3 • Presença de heteroátomos: cadeia homogênea (não contém heteroátomos) ou cadeia heterogênea (contém heteroátomos). Heteroátomo é o átomo de um elemento químico que não seja o carbono (usu- almente, nitrogênio, oxigênio e enxofre) posicionado entre os átomos de carbono constituintes de uma cadeia: CH3CCH3 O CH3CH2OH HC CH HC S CHCH3CH2OCH2CH3 Cadeias homogêneas Cadeias heterogêneas Observação • Cadeia cíclica e homogênea também é denominada cadeia homocíclica; • Cadeia cíclica e heterogênea também é denominada cadeia heterocíclica. Essas diferentes formas de classificação são independentes, pois se baseiam em critérios diferentes, podendo ser usadas simultaneamente. Classificação de moléculas orgânicas De acordo com o tipo de cadeia carbônica, as moléculas se classificam em: • Aromáticas: possuem anéis aromáticos em sua estrutura. Entende-se por anel aromático o benzeno e moléculas que partilham de semelhanças estruturaiscom o benzeno: ou 11 UNIDADE Fundamentos de Química Orgânica Aromaticidade é um conceito estrutural que se encontra além dos objetivos desta Disciplina. O benzeno é a mais importante molécula aromática, mas existem diversas outras moléculas que também apresentam essa característica, como a piridina, o tiofeno e o cátion tropílio: ON Piridina Furano Cátion tropílio Figura 1 Ex pl or • Alifáticas: não possuem anel aromático: CH3CH2CH= CH3 CH2CHCH3 Cl Observação Compostos cíclicos e alifáticos são denominados alicíclicos. Nomenclatura de Compostos Orgânicos A nomenclatura de compostos orgânicos segue um modelo sistemático, de acor- do com as Normas estabelecidas pela IUPAC1. Estrutura-se da seguinte forma: nome da molécula = prefixo + meio + terminação Prefixo A primeira parte do nome de uma molécula orgânica indica o número de átomos de carbono da cadeia: 1 C: met 2 C: et 3 C: prop 4 C: but 5 C: pent 6 C: hex 7 C: hept 8 C: oct 9 C: non 10 C: dec 11 C: undec 12 C: dodec 13 C: tridec · · · 20 C: icos 1 abreviação em inglês para União Internacional da Química Pura e Aplicada. Trata-se de uma organização interna- cional, que visa a estabelecer padrões normativos para a área da Química. 12 13 Se a cadeia for cíclica, coloca-se a palavra ciclo antes dos prefixos. Meio A próxima parte do nome da molécula indica o tipo de ligação entre os átomos de carbono: cadeia saturada: an cadeia insaturada por uma ligação dupla: en cadeia insaturada por uma ligação dupla: in Se a cadeia possuir duas ou mais insaturações iguais, usam-se os prefixos di, tri, tetra, etc. para indicar as suas quantidades. Terminação A última parte do nome da molécula indica a função orgânica à qual a subs- tância pertence: hidrocarboneto: o álcool: ol enol: ol aldeído: al cetona: ona ácido carboxílico: oico amina: amina amida: amida nitrila: nitrila A união das três partes forma o nome da molécula. Exemplos: Tabela 1 – Nomenclatura ofi cial de algumas moléculas Molécula Análise da cadeia Nome ofi cial CH3CH2CH2CH3 4 átomos de carbono: but cadeia saturada: an hidrocarboneto: o butano CH3CH2OH 2 átomos de carbono: et cadeia saturada: an álcool: ol etanol CH2=CHCO2H 3 átomos de carbono: prop cadeia insaturada por uma ligação dupla: en aldeído: al ácido propanoico O cadeia cíclica: ciclo 5 átomos de carbono: pent cadeia saturada: an cetona: ona ciclopentanona 13 UNIDADE Fundamentos de Química Orgânica Ramificações A nomenclatura de ramificações é muito semelhante à nomenclatura de cadeias carbônicas: nome da ramificação = prefixo + il Os prefixos são os mesmos usados para cadeias carbônicas. Exemplos: Observação Normalmente, o prefixo “n”, designador de cadeia normal, pode ser omitido. De forma genérica, cadeias alifáticas são denominadas grupos alquila e são representadas por “R”; cadeias aromáticas são denominadas grupos Arila, representadas por “Ar”.Ex pl or Moléculas ramificadas A nomenclatura de cadeias ramificadas é feita da seguinte forma: • Procurar a cadeia principal: a cadeia principal é aquela com o maior número de átomos de carbono; • Numerar a cadeia principal: a numeração é feita de um extremo a outro da cadeia, num sentido tal que se deem os menores números possíveis às ca- deias laterais; grupos funcionais têm precedência na numeração sobre cadeias laterais. Usam-se os prefixos multiplicativos di, tri, tetra, etc. para indicar quan- tas vezes o substituinte aparece na molécula; 14 15 • Designar os substituintes e as suas posições: os substituintes são designa- dos em ordem alfabética, precedidos dos números dos átomos de carbono em que estiverem. Prefixos multiplicativos não são considerados no estabele- cimento da ordem alfabética; • Indicar o nome da molécula, citando primeiro os substituintes e, depois, a ca- deia principal. Exemplos: CH3CH2CH2CHCH3 CH3 12345 CH3CH=CHCH=CHCH3 1 2 3 4 5 6 Cl CH2CH3 1 2 8 7 6 5 4 3 2 1 CH3CHCH3 CH3CH3 CH3CHCH2CH2CHCHCH2CH3 CH2=CCH2C O OH 1234 2-metilpentano 1-cloro-2-metilciclopentano nitroetano ácido 2-fenil-3-butenóico4-isopropil-3,7-dimetiloctano hexadieno-2,4 CH3CH2NO2 Funções Orgânicas Introdução À exceção da água, quase todas as substâncias presentes nos organismos vivos são compostas de carbono e hidrogênio, classificados como compostos orgânicos. Isso é tão verdade que, antigamente, o termo “orgânico” era associado a com- postos que se considerava somente poderem ser produzidos por organismos vivos. Entretanto, esse conceito mudou na primeira metade do século XIX, quando se descobriu que compostos orgânicos podem ser obtidos em laboratório. 15 UNIDADE Fundamentos de Química Orgânica Compostos orgânicos têm grande variedade de aplicações, como combustíveis, polímeros, medicamentos, cosméticos, detergentes, produtos de limpeza, papéis, borrachas, tintas, produtos de higiene, pesticidas, fertilizantes agrícolas, fibras têx- teis, etc. Atualmente, são conhecidos quase 10 milhões desses compostos, que se apre- sentam nas mais diferentes formas, com características das mais variadas. O Beilsteins Handbuch Der Organischen Chemie, publicado pela primeira vez em 1881, é uma base de dados que contém informações sobre ca. 9,8 milhões de compostos orgânicos, cobrindo a literatura científica de 1771 até os dias de hoje. Essa base contém estruturas e grande variedade de propriedades físicas e químicas de cada substância, com referências à literatura original. Ex pl or Apesar dessa enorme variedade de substâncias, é possível encontrar aquelas com propriedades similares. Grupos de substâncias com propriedades semelhantes são denominados funções (compostos orgânicos podem ser agrupados num gran- de número de funções diferentes). As semelhanças nas propriedades que caracterizam as funções originam-se de semelhanças estruturais – substâncias pertencentes à mesma função possuem um átomo ou um conjunto de átomos em comum, denominado grupo funcional, res- ponsável pelas propriedades observadas. Grupos funcionais orgânicos Hidrocarboneto São compostos orgânicos constituídos exclusivamente por átomos de carbono e de hidrogênio. Exemplos: Metano (gás de rua) Etino (acetileno) (gás de maçarico) Limoneno (Óleo essencial de limão/laranja) Naftaleno (Inseticida) CH4 HC=CH CH3C=CH2 CH3 16 17 Os hidrocarbonetos constituem a função fundamental da Química Orgânica. É a partir deles que as outras funções são organizadas, podendo-se dizer que elas têm origem neles. Os hidrocarbonetos são divididos em três classes, de acordo com o tipo de liga- ção entre os átomos de carbono: • Alcanos: possuem apenas ligações simples; • Alcenos: possuem uma ou mais ligações duplas; • Alcinos: possuem uma ou mais ligações triplas Propriedades físicas dos hidrocarbonetos Hidrocarbonetos são moléculas apolares ou pouco polares, e as suas proprieda- des físicas refletem essa característica. São insolúveis em água e solúveis em sol- ventes apolares, como outros hidrocarbonetos, benzeno, éter etílico e clorofórmio. De maneira geral, em condições ambiente, as moléculas de até 4 átomos de car- bono são gases, moléculas de 5 a 17 átomos de carbono são líquidos e moléculas maiores são sólidas. A densidade aumenta com o aumento do tamanho da molécula, mas tende a um limite máximo de 0,8 g/mL, ou seja, hidrocarbonetos são menos densos que a água (Figura 2). Figura 2 – Mancha de petróleo na costa do Rio de Janeiro. Devido à menor densidade, hidrocarbonetos fl utuam em água Fonte: fsma.edu.br Álcool Função caracterizada pela presença do grupo hidroxila (–OH) ligado a um átomo de carbono saturado. 17 UNIDADE Fundamentos de Química Orgânica Exemplos: etanodiol-1,2 (Etilenoglicol) (Anticongelante) Mentol (Principal componente do óleo de menta) HOCH2CH2OH CH3CHCH3 CH3 OH Os álcoois são divididos em três classes, de acordo com o tipo de átomo de car- bono ao qual se liga a hidroxila: • Álcool primário: possui a hidroxila ligada a um átomo de carbonoprimário; • Álcool secundário: possui a hidroxila ligada a um átomo de carbono secundário; • Álcool terciário: possui a hidroxila ligada a um átomo de carbono terciário. Propriedades físicas dos álcoois As propriedades físicas dos álcoois refletem a presença do seu grupo funcional. A molécula de um álcool possui uma parte apolar, representada pela cadeia carbô- nica, e uma parte altamente polar, constituída pela hidroxila. Nos álcoois de cadeia pequena, o caráter polar da hidroxila confere elevada solubilidade em água, enquanto a cadeia carbônica apolar promove a solubilidade em solventes apolares. Conforme aumenta o tamanho da cadeia carbônica, a po- laridade da molécula diminui, junto com a sua solubilidade em água (Tabela 2), já o aumento do número de hidroxilas aumenta a solubilidade da molécula do álcool. Tabela 2 – Solubilidade de alguns álcoois em água Fórmula Solubilidade (g/100 g H2O) CH3OH infinita CH3CH2OH infinita CH3CH2CH2OH infinita CH3(CH2)2CH2OH 7,9 CH3(CH2)3CH2OH 2,3 CH3(CH2)4CH2OH 0,6 CH3(CH2)5CH2OH 0,2 CH3(CH2)6CH2OH 0,05 Fonte: Adaptado de MORRISON; BOYD, 1990, p. 563 Os pontos de ebulição dos álcoois são muito maiores que os dos hidrocarbonetos correspondentes. Por exemplo, enquanto o metano (CH4) é um gás à temperatura 18 19 ambiente (PE = – 162 °C), o metanol (CH3OH) é um líquido de ponto de ebulição razoavelmente alto (PE = 64,5 °C). Enol Função caracterizada pela presença do grupo hidroxila (–OH) ligado a um átomo de carbono alifático insaturado por uma ligação dupla. Exemplos: CH2=C H OH OH Etenol Ciclopentenol A representação de uma molécula entre 〈 〉 indica tratar-se de uma substância instável, que se decompõe rapidamente. Ex pl or Os enóis são altamente instáveis, tendendo a se converter no composto carboní- lico (aldeído ou cetona) correspondente. Fenol Função caracterizada pela presença do grupo hidroxila (–OH) ligado a um átomo de carbono aromático (anel benzênico). Exemplos: Fenol (Desinfetante) 1,4-diidroxibenzeno (Hidroquinona) (Revelador Fotográ�co) OH OHHO Propriedades físicas dos fenóis Os fenóis mais simples são líquidos ou sólidos de baixos pontos de fusão. O grupo hidroxila lhes confere elevados pontos de ebulição. Apesar do anel aromá- tico apolar, o grupo funcional polar proporciona alguma solubilidade em água, que diminui com a presença de grupos alquílicos ligados ao anel. 19 UNIDADE Fundamentos de Química Orgânica O anel aromático torna a hidroxila dos fenóis levemente ácida. Essa acidez é fortemente influenciada por substituintes no anel benzênico. Aldeído Função caracterizada pela presença do grupo formila C O H , que corresponde ao grupo carbonila C O ligado a um átomo de hidrogênio. Exemplos: Metanal (Formaldeído) (Desinfetante) Benzaldeído (Óleo de amêndoas) HC O H C O H Propriedades físicas dos aldeídos O grupo carbonila polar confere aos aldeídos pontos de ebulição mais altos que compostos de massa molecular comparável, mas menores que os álcoois corres- pondentes, que são mais polares. Como nos álcoois, os aldeídos de cadeias mais curtas apresentam elevadas solu- bilidades em água, que diminuem com o aumento do tamanho da cadeia carbônica; são solúveis nos solventes orgânicos usuais. Cetona Função caracterizada pela presença do grupo carbonila C O ligado, pelos dois lados, a cadeias carbônicas. Exemplos: Propanona (Acetona) (Solvente) Muscona (Almíscar) O CH3CH3CCH3 O 20 21 Pelo fato de aldeídos e cetonas possuírem em comum o grupo carbonila como grupo funcional (variando apenas a sua posição na cadeia), esses compostos apresentam comportamentos quí- micos muito semelhantes, sendo chamados genericamente de compostos carbonílicos. Ex pl or Propriedades físicas das cetonas Por partilharem o grupo funcional, cetonas e aldeídos apresentam propriedades físicas similares. Ácido carboxílico Função caracterizada pela presença do grupo carboxila C O OH , formado pela reunião da carbonila à hidroxila. Exemplos: Ácido etanoico (Ácido acético) (Componente do vinagre) Ibuprofeno (Advil® – Analgésico) CH3C O OH CHC O OH CH3 CH3 CH3CHCH2 Ácidos carboxílicos de cadeia longa, como os ácidos caproico (C5H11CO2H – 6 átomos de car- bono) e linoleico [CH3(CH2)4CH=CHCH2CH=CH(CH2)7CO2H – 18 átomos de carbono], são cha- mados de ácidos graxos. Ex pl or Propriedades físicas dos ácidos carboxílicos O grupo funcional torna os ácidos carboxílicos polares, apresentando compor- tamento similar ao dos álcoois: boa solubilidade em água, que diminui conforme aumenta o tamanho da cadeia carbônica, e solúveis em solventes apolares. Devido às suas características estruturais, os ácidos de até 4 átomos de carbono são solúveis em água, o ácido de 5 carbonos é parcialmente solúvel, e os ácidos superiores são pratica- mente insolúveis. Ex pl or 21 UNIDADE Fundamentos de Química Orgânica Os ácidos carboxílicos são moléculas fortemente ácidas para um composto orgâ- nico, porém muito mais fracos que ácidos inorgânicos. A sua acidez é influenciada por substituintes na cadeia carbônica, principalmente se localizados no átomo de carbono diretamente ligado à carboxila. Sal de ácido carboxílico Função derivada de um ácido carboxílico pela abstração do átomo de hidrogênio da carboxila, formando um carboxilato C O O . Exemplos: C O ONa CH3CH2C O O 2 Ca Benzoato de sódio (Conservante – Inibe o crescimento de fungos e bactérias) Propanoato de cálcio (Conservante de queijos, pães e bolos) Propriedades físicas dos sais de ácidos carboxílicos Os sais de ácidos carboxílicos são compostos iônicos, apresentando todas as propriedades características desse tipo de substâncias: são sólidos cristalinos, de elevado ponto de fusão, solúveis em água e insolúveis em solventes apolares. Por se tratar de um composto orgânico, a solubilidade em água diminui com o aumento da cadeia carbônica. Éster Função derivada de um ácido carboxílico pela substituição do átomo de hidrogê- nio da carboxila por grupos alquila ou arila. Ésteres cíclicos são chamados lactonas. Exemplos: Metanoato de etila (Formiato de etila) (Aroma de rum) Acetato de isopentila (Aroma de banana) HC O OCH2CH3 CH3C O OCH2CH2CHCH3 CH3 22 23 Importante! A maioria dos ésteres possui odor de frutas e, por isso, muito são usados como aromati- zantes artificiais. Você Sabia? Ésteres de ácidos carboxílicos graxos em que o grupo ligado ao átomo de oxigênio também é de cadeia longa, como o cerotato de miricila (C25H51CO2C30H61, principal componente da cera de carnaúba, com 56 átomos de carbono) e o palmitado de triacontanila (C15H31CO2C30H61, principal componente da cera de abelha, com 46 átomos de carbono), são os constituintes de ceras. Ex pl or Propriedades físicas dos ésteres A presença do grupo carbonila confere alguma polaridade aos ésteres. Os seus pon- tos de ebulição são similares aos de aldeídos e cetonas de massas molares semelhantes. São solúveis em solventes orgânicos, e moléculas de até 3-5 átomos de carbono são solúveis em água. Anidrido carboxílico Também chamada apenas de anidrido, é uma função caracterizada pela presen- ça do grupo anidrido O C O C O ligado a cadeias alifáticas e/ou aromáticas. Normalmente, são moléculas simétricas devido à maior facilidade de obtenção. Exemplos: CH3C O O CH3C O O O O Anidrido acético (Reagente em síntese orgânica) Anidrido ftálico (Revestimento entérico de drogas) 23 UNIDADE Fundamentos de Química Orgânica Propriedades físicas dos anidridos carboxílicos Devido aos grupos carbonila, as moléculas dos anidridos são polares, mas os seus pontos de fusão e de ebulição são mais baixos que os dos álcoois e ácidos carboxílicos correspondentes. São mais densos que a água e não são solúveis em água, pois reagem com ela, mas dissolvem-se em solventes orgânicos (que devem estar rigorosamente anidros). Éter Função caracterizada pela presença do átomo de oxigênio ligado a cadeias alifá- ticas e/ou aromáticas.Formalmente, podem ser pensados como derivados da água pela substituição dos dois átomos de hidrogênio por cadeias carbônicas. Exemplos: Etoxietano (Éter comum) (Anestésico) CH3CH2OCH2CH3 Tetraidrofurano (THF) (Solvente) O Propriedades físicas dos éteres A inserção de um átomo de oxigênio na cadeia carbônica implica uma pequena polaridade aos éteres. Isso não afeta os pontos de ebulição de maneira apreciável, que são similares aos dos hidrocarbonetos de massas moleculares equivalentes e muito menores que dos álcoois correspondentes. Os éteres apresentam alguma solubilidade em água e são solúveis em solventes orgânicos comuns (benzeno, clorofórmio). Haleto orgânico Função caracterizada pela presença de um halogênio (F, Cl, Br, I) em substitui- ção a um ou mais átomos de hidrogênio de um hidrocarboneto. 24 25 Exemplos: Diclorodi�uorometano (freon-12 – Ataca a camada de ozônio) Cloreto de vinila (Precursor do PVC) 1,4-diclorobenzeno (Repelente de mariposas) CCI2F2 CH2=CHCL ClCl Os compostos orgânicos halogenados podem ser de dois tipos: • Haleto de alquila: possui cadeia carbônica alifática; • Haleto de arila: possui cadeia carbônica aromática. Por sua vez, os haletos de alquila são divididos em três classes, de acordo com o tipo de átomo de carbono ao qual se liga o halogênio: • Haleto primário: possui o halogênio ligado a um átomo de carbono primário; • Haleto secundário: possui o halogênio ligado a um átomo de carbono secundário; • Haleto terciário: possui o halogênio ligado a um átomo de carbono terciário. Propriedades físicas dos haletos orgânicos Devido à presença dos pesados átomos de halogênios, os haletos de alquila têm pontos de ebulição mais altos que os dos hidrocarbonetos com os mesmos números de átomos de carbono. São fracamente polares, sendo insolúveis em água e solúveis em solventes orgâ- nicos comuns, como benzeno, éter e clorofórmio. Haleto de acila Função derivada de um ácido carboxílico caracterizada pela presença de um halogênio (F, Cl, Br, I) em substituição à hidroxila de um ácido carboxílico. Exemplos: Cloreto de etanoíla (Cloreto de acetila) Brometo de benzoíla CH3C O Cl C O Br 25 UNIDADE Fundamentos de Química Orgânica Devido à sua grande facilidade de obtenção, o haleto de acila mais comum é, disparadamen- te, o cloreto. Por isso, haletos de acila são usualmente chamados de cloretos de ácido.Ex pl or Propriedades físicas dos haletos de acila O grupo carbonila torna a molécula dos haletos de acila polares, apresen- tando pontos de ebulição similares aos dos compostos carbonílicos de massas molares semelhantes. Não são solúveis em água, reagindo violentamente a ela, mas dissolvem-se em solventes orgânicos, que devem estar rigorosamente anidros. Os cloretos de acila têm odor forte e irritante de HCl. Amina Função caracterizada pela presença do átomo de nitrogênio ligado a uma ou mais cadeias alifáticas ou aromáticas. Formalmente, são considerados derivados da amônia pela substituição de um ou mais átomos de hidrogênio por cadeias carbônicas. Exemplos: Nicotina (tabaco) NH2CH2CH2CH2CH2NH2 1,4-diaminobutano (Putrescina) (Produto de decomposição de proteínas em animais mortos) N N CH3 As aminas são divididas em três classes, de acordo com o número de grupos orgânicos ligados ao átomo de nitrogênio: • Amina primária: possui um grupo orgânico ligado ao átomo de nitrogênio; • Amina secundária: possui dois grupos orgânicos ligados ao átomo de nitrogênio; • Amina terciária: possui três grupos orgânicos ligados ao átomo de nitrogênio. Devido à presença de um átomo de nitrogênio, as aminas apresentam propriedades básicas, sendo a classe de substâncias que compõem os alcaloides.Ex pl or 26 27 Propriedades físicas das aminas A exemplo de o que ocorre com os álcoois, o grupo funcional das aminas as torna moléculas polares (porém menos polares que os álcoois). Assim, os seus pontos de ebulição são mais elevados que os de compostos apola- res de massa molecular similar, mas menores que os dos álcoois e ácidos carboxílicos. São solúveis em solventes orgânicos, como álcoois, benzeno, éter e clorofórmio, e moléculas de até 6 átomos de carbono são solúveis em água. Aminas são moléculas com pronunciado caráter básico para um composto orgâ- nico, porém mais fracas que bases inorgânicas. As aminas de 1 ou 2 átomos de carbono têm odor muito semelhante ao do amo- níaco, as demais aminas alifáticas voláteis têm odor de peixe. Aminas aromáticas normalmente são muito tóxicas, sendo facilmente absorvidas pela pele. Amida Função derivada de um ácido carboxílico caracterizada pela substituição da hi- droxila pelo grupo amino (–NH2). Amidas cíclicas são chamadas lactamas. Exemplos: O C H2N NH2 NC(CH2)4CN(CH2)6NC O O O H H H Ureia nylon-6,6 Apesar de, a exemplo das aminas, as amidas também possuírem átomos de nitrogênio, a presença do grupo carbonila inibe fortemente o seu caráter básico.Ex pl or Propriedades físicas das amidas O grupo funcional confere elevada polaridade às amidas que, como consequ- ência, possuem elevado ponto de ebulição. São solúveis em solventes orgânicos e, moléculas de 5-6 átomos de carbono, são solúveis em água. 27 UNIDADE Fundamentos de Química Orgânica Nitrocomposto Função caracterizada pela presença do grupo nitro (–NO2), proveniente do HNO3. Exemplos: CH3 NO2 NO2 O2N CH3NO2 Nitrometano (Componente de combustível) 1-metil-2,4,6-trinitrobenzeno (2,4,6-trinitrotolueno – TNT) (Explosivo) Propriedades físicas dos nitrocompostos Os nitrocompostos são moléculas altamente polares. Apesar da elevada pola- ridade do grupo nitro, são apenas ligeiramente solúveis em água, solubilizando-se facilmente em solvente orgânicos. Devido à polaridade, os seus pontos de ebulição são marcadamente mais altos em comparação a outros compostos de massas moleculares comparáveis. Nitrocompostos alifáticos de cadeias menores são líquidos incolores com um odor agradável, e moléculas maiores são sólidas. Nitrila Função caracterizada pela presença do grupo ciano (–CN), proveniente do HCN. Exemplos: CNCH2=CHCN Propenonitrila (acrilonitrila) (Matéria prima de �bras sintéticas) Benzonitrila 28 29 Propriedades físicas das nitrilas Nitrilas são muito polares. Os seus pontos de ebulição são um pouco superiores aos dos álcoois de massas moleculares semelhantes, e as moléculas de até 15 áto- mos de carbono são líquidas. As moléculas menores são solúveis em água, mas essa solubilidade diminui à medida que a cadeia carbônica aumenta, e são solúveis em solventes orgânicos. A maior parte das nitrilas exibe forte odor, semelhante ao cianeto de hidrogênio, com toxidade de moderada a alta. Ácido sulfônico Função caracterizada pela presença do grupo sulfônico (–SO3H), proveniente do H2SO4. Exemplos: SO3Hn-C12H25CH3CH2SO3H Ácido etanossulfônico Ácido p-dodecilbenzenossulfônico (Detergente) Ácidos sulfônicos são fortemente ácidos, pois formalmente derivam do ácido sulfúrico, man- tendo grande semelhança estrutural e, consequentemente, semelhanças no comportamen- to químico. Ex pl or Propriedades físicas dos ácidos sulfônicos O seu grupo funcional torna as moléculas dos ácidos sulfônicos polares, com caráter fortemente ácido. Por isso, exibem elevada solubilidade em água, que dimi- nui conforme aumenta o tamanho da cadeia carbônica, e são solúveis em solventes apolares, como éter e benzeno. Tiocompostos É um grupo de funções que podem ser consideradas derivadas de funções oxi- genadas pela substituição do átomo de oxigênio pelo de enxofre. 29 UNIDADE Fundamentos de Química Orgânica Exemplos: CH3CCH3 S CH3C O SCoA CH2=CHCH2SH CH3CH2SCH2CH3 Alilmercaptana (Um tioálcool ou mercaptana) (Presente no alho) Tioacetona (Uma tiocetona) Dietilsulfeto (Um tioéter ou sulfeto orgânico) Acetilcoenzima A (Um tioéster) (Importante intermediário do metabolismo celular) Propriedades físicas dos tiocompostos Devido à menor eletronegatividade do átomode enxofre, tiocompostos são me- nos polares que os compostos oxigenados correspondentes, com menores pontos de ebulição e menores solubilidades em água. Compostos organometálicos São compostos orgânicos que possuem metais ligados a átomos de carbono. Exemplos: CH3CH2-Cd-CH2CH3 CH3CH2 Pb CH2CH3 CH2CH3 CH3CH2 Dietilcádmio (Reagente usado em sínteses) Tetraetilchumbo (Aditivo da gasolina) 30 31 São conhecidos compostos organometálicos de todos os metais da tabela periódica. Ex pl or Entre os compostos organometálicos, têm especial importância os compostos de Grignard, que possuem magnésio ligado a uma cadeia carbônica e a um halogênio. Exemplos: CH3MgCl MgBr Cloreto de metilmagnésio Brometo de fenilmagnésio Propriedades físicas dos compostos organometálicos As propriedades dos compostos organometálicos dependem da natureza da li- gação carbono-metal: em alguns compostos, ela é covalente (cobre, mercúrio, esta- nho e chumbo), em outros, é iônica (metais alcalinos e alcalino-terrosos). Essa característica depende da diferença de eletronegatividade entre o átomo de carbono e o metal ligado a ele. A ligação é considerada covalente se a diferença de eletronegatividade entre os átomos que a compõem for menor que 1,7; se for maior, será iônica.Ex pl or Devido às diferenças dos tipos de ligação, as propriedades dos compostos orga- nometálicos variam muito. Na sua maioria, são sólidos, particularmente, aqueles com cadeias cíclicas ou aromáticas, mas alguns são líquidos e outros poucos, gases. Alguns organometálicos são muito estáveis, mas vários compostos dos metais mais eletropositivos, como sódio e potássio, são pirofóricos (inflamam-se esponta- neamente quando expostos ao ar) e reagem violentamente à água. Por causa do seu caráter iônico, não são voláteis e não se dissolvem facilmente em solventes não polares. Por outro lado, os compostos organometálicos mais co- valentes, como o (CH3)2Hg, são muito menos reativos. Eles são estáveis ao ar, são bastante voláteis e se dissolvem em solventes não polares. Muitos desses compostos são altamente tóxicos, especialmente, os voláteis e os de metais pesados (cádmio, mercúrio e chumbo). Compostos de função mista São compostos em que há mais de um grupo funcional. 31 UNIDADE Fundamentos de Química Orgânica Exemplos: CH2CHC NH2 O OH O I HO I I I Tiroxina (hormônio da glândula tireoide) N S CO2H O CH2CNH CH3 CH3O Penicilina G (antibiótico) CH3 CH3 C5H11 CH3 OH O Tetraidrocanabinol (maconha) N OC C CH3 OCH3 O O Cocaína O N RO RO CH3 R = H: mor�na (anestésico) R = CH3CO: heroína O OHHO O CHOH CH2OH Ácido ascórbico (vitamina C) C O OH OCCH3 O Ácido acetilsalicílico (Aspirina® – analgésico) NH2 CH3 OH OCH2CHCH2NHCHCH3 O CCH2 Ibuprofeno (Advil® – analgésico) HSCH2CHC O OHNH2 Cisteína (Aminoácido essencial) HO HO CHCH2NHCH3 OH Adrenalina (Hormônio da glândula Suprarrenal) CCH2CCH2C OH C O OH O HO O OH Ácido cítrico CH3 CH3 NHCCH2N(CH2CH3)2 O Xilocaína (anestésico local) 32 33 Moléculas de importância biológica A grande versatilidade do átomo de carbono em formar cadeias reflete-se nas biomoléculas. Diversas classes de moléculas estão presentes nos seres vivos, parti- cipando da estrutura e dos processos bioquímicos. Uma característica muito importante desse grupo de moléculas é que, pratica- mente todas elas, com raríssimas exceções, são opticamente ativas. Aminoácidos São ácidos carboxílicos contendo o grupo amino ligado ao átomo de carbono, em que também está ligada a carboxila, sendo por isso denominado carbono-a; por extensão, os ácidos são chamados a-aminoácidos. Exemplos: CO2H HR NH2 Figura 3 – Estrutura básica de aminoácidos. A natureza dos grupos R pode variar entre hidrofóbicos [p. e., –CH(CH3)2], hidrofílicos (p. e., –CH2OH), catiônicos [p. e., –(CH2)4NH3 +] ou aniônicos (p. e., –CH2CO2 –) A grande maioria dos aminoácidos de importância biológica é opticamente ativa e de configuração L. Os D-aminoácidos ocorrem em abundância nas paredes celulares da maioria das bacté- rias, em proteínas produzidas por organismos que vivem nas profundezas do mar e em alguns antibióticos. Ex pl or Proteínas As proteínas são o produto da reação entre aminoácidos; por serem moléculas bifuncionais, permitem a formação de longas cadeias. Exemplos: N CH C N CH C H H R RO O Figura 4 – Estrutura geral de uma cadeia de proteína. A natureza dos grupos R depende do aminoácido usado 33 UNIDADE Fundamentos de Química Orgânica Figura 5 – Estruturas das moléculas das proteínas tripsina (esquerda) e p53 (direita) Fontes: Acervo do conteudista Também chamadas de enzimas, as proteínas são catalisadoras dos processos bioquímicos. Carboidratos Importante! Carboidratos são as biomoléculas mais abundantes da Natureza. Você Sabia? São compostos carbonílicos contendo grupos hidroxila nos demais átomos da cadeia. Os carboidratos são opticamente ativos e a sua maioria é de configuração D, embora haja alguns exemplos de organismos que utilizam L-carboidratos. Em solução aquosa, as moléculas individuais reagem intramolecularmente, for- mando anéis. CHO OH HO H OHH CH2OH OHH H OHO HO OH OH OH Figura 6 – Estruturas aberta e cíclica da glicose 34 35 Exemplos: CHO OHH H OH H OH CH2OH CH2OH O HO H OHH CH2OH OHH HO CH2OH OH OH O O HO CH2OH CH2OH OH O HO O OH OH CH2OH O CH2OH OH OH OH O Ribose Frutose (glicose + frutose) Lactose (galactose + glicose) Figura 7 – Estruturas de alguns carboidratos Importante! A sucralose é um derivado clorado da sacarose, 600 vezes mais doce que ela. Você Sabia? HO CH2OH OH OH O O HO CH2Cl CH2Cl OH O Figura 8 – Estrutura da sucralose Carboidratos podem se ligar uns aos outros, formando estruturas mais comple- xas, como o amido e a quitina. Lipídeos São moléculas com grandes cadeias hidrocarbônicas, solúveis em meios apola- res. São utilizadas como meio de armazenamento de energia e na composição da parede celular. Quando formadas a partir da glicerina, produzem os glicerídeos. Exemplos: O OCCH2CH2CH2CH2CH2CH2CH2CH2CH2CH2CH2CH2CH2CH3 CH2 O OCCH2CH2CH2CH2CH2CH2CH2CH2CH2CH2CH2CH2CH2CH2CH2CH3CH CH2 O OCCH2CH2CH2CH2CH2CH2CH2CH2CH2CH2CH2CH3 Figura 9 – Exemplo de um triacilglicerídeo 35 UNIDADE Fundamentos de Química Orgânica Esteroides São um grande grupo de lipídeos que têm uma estrutura formada por um con- junto de anéis 4 fundidos e 17 átomos de carbono dispostos em uma ordem espe- cífica (Figura 10): Figura 10 – Esqueleto carbônico de esteroides A partir dessa estrutura básica, são produzidas diferentes substâncias, com fun- ções específicas no organismo. Por exemplo, atuam como componentes de mem- branas celulares e como moléculas de sinalização. Exemplos: HO H H H CHCH2CH2CH2CHCH3 CH3 CH3H3C H3C HO H3C OH H H H HO H H H OHH3C Colesterol Estradiol (hormônio feminino) Testosterona (hormônio masculino) Figura 11 – Exemplos de moléculas de esteroides Bases nitrogenadas São componentes dos ácidos nucleicos. O seu caráter básico deve-se à presença de átomos de nitrogênio na molécula. 36 37 Exemplos: N NN N NH2 H N NH O O CH3 H N NH O O H N N O NH2 H HN O N N NNH2 H Adenina Timina Uracila Citosina Guanina Figura 12 – Bases nitrogenadas formadoras dos ácidos nucleicos Reações em Sistemas Biológicos Compostos orgânicos exibem uma grande variedade de reações químicas – adi- ções, eliminações, substituições, oxidações, etc., determinadas pelas características dos seus grupos funcionais. Os mesmos tipos de reações também são observados nos seres vivos. É necessária a ocorrência de inúmeras reações químicas para que um organismo se mantenha vivo. Compostos orgânicos exibem uma grande variedade de reações. Alguns exemplos são mostrados a seguir. Uma das etapas do ciclo de Krebs consiste na descarboxilação (perda de CO2) de um carboxilato intermediário: + CO2CCCHCH2C O O O C O O O O CCCH2CH2CO O O O O + H+ isocitrato desidrogenase �-cetoglutarato oxalossuccinato Figura 13 – Reação de eliminação em etapa da respiração 37 UNIDADE Fundamentos de Química Orgânica A biossíntese da adrenalina envolve uma etapa em que ocorre uma reação de substituição: S-adenosilmetionina CHCH2NHCH3HO HO OH O2CCHCH2CH2SCH2 NH3 OHHO NH2 N N N N+ adrenalina S-adenosil-homocisteína CHCH2NH2HO HO OH O2CCHCH2CH2SCH2 NH3 CH3 OHHO NH2 N N N N+ noradrenalina � H+ Figura 14 – Reação de substituição na biossíntese da adrenalina Na síntese de proteínas, o encadeamento de cada aminoácido envolve outro tipo de reação de substituição. Nesse caso, forma-se uma ligação NC O denominada ligação peptídica: RCHC NH3 O O R'CHC NH3 O O + + H2O RCHC NH3 O NHCHCO2 R' enzima Figura 15 – Formação de uma ligação peptídica Por causa da ampla utilização das drogas b-lactâmicas2, certas bactérias desen- volveram mecanismos de defesa. Uma enzima chamada b-lactamase, presente em muitos tipos de bactérias, é capaz de quebrar o anel b-lactâmico (em vermelho), tornando o antibiótico inativo: N SRCNH CO2 CH3 CH3 O O + H2O �-lactamase HO2C CH3 CH3 CO2 CH S HN RCNH O inativo Figura 16 – Reação de hidrólise. A abertura do anel β-lactâmico converte o antibiótico em uma forma inativa 2 antibióticos b-lactâmicos são uma classe de antibióticos contendo um anel lactâmico de quatro membros em sua fórmula estrutural. 38 39 Isomeria Conceitos gerais Isomeria (do grego isos = igual e meros = parte) é o fenômeno pelo qual compostos com estruturas diferentes e, consequentemente, com propriedades físicas e químicas distintas, apresentam as mesmas fórmulas moleculares (Figura 17): Existem três tipos de isomeria: • Isomeria plana: os isômeros apresentam dife- renças visíveis nas estruturas planas; • Isomeria geométrica (isomeria cis-trans): os isômeros não podem ser interconvertidos pela rotação ao redor de ligações devido à existência de insaturações ou anéis; • Isomeria óptica: a diferenciação dos isômeros re- quer a análise de estruturas espaciais tridimensio- nais. Em conjunto, as isomerias geométrica e óptica compõem a isomeria espacial, em que é necessária a utilização de fórmulas estruturais espaciais para distinguir as estruturas dos isômeros. Ex pl or Nesta Unidade, será estudada apenas a isomeria óptica, de maior importância na área da saúde. Isomeria óptica Isômeros óticos são substâncias que apresentam atividade óptica, ou seja, têm a propriedade de girar o plano de vibração da luz polarizada (Figura 18). Diferentemente do que ocorre com a luz comum, a luz polarizada é uma forma de luz em que os campos elétrico e magnético possuem apenas um pano de vibração. Ex pl or C2H6O Gás Líquido Insolúvel em água não reage com sódio metálico CH3OCH3 CH3CH2OH reage com sódio metálico Existem duas substâncias com a mesma fórmula molecular Solúvel em água Figura 17 – Fenômeno da isomeria 39 UNIDADE Fundamentos de Química Orgânica Figura 18 – Polarização da luz. Enquanto a luz normal vibra em todas as direções, a luz polarizada vibra em apenas um plano Fonte: Acervo do conteudista Para entender melhor o processo de polarização de luz, assista ao vídeo Experimental demonstration of Polarisation of light (em Inglês – É possível acionar legendas com tradu- ção automática para o português). Disponível em: https://youtu.be/wTEIYtivVhM Ex pl or A atividade óptica se manifesta quando a luz polarizada incide sobre a amostra de uma substância opticamente ativa, que desvia o plano de vibração da luz pola- rizada para um lado (direita ou esquerda) em um determinado ângulo (Figura 19). Um aparelho denominado polarímetro (Figura 20) registra o desvio e mede o seu ângulo. Figura 19 – Atividade óptica Fonte: Acervo do conteudista 40 41 Figura 20 – Polarímetros analógico (esquerda) e digital (direita) Fontes: Adaptado de Wikimedia Commons Para visualizar melhor os princípios básicos da atividade óptica, assista à animação Luz Po- larizada. (narrada em espanhol, mas facilmente compreensível; é possível acionar legendas com tradução automática para o português). Disponível em: https://youtu.be/Y4WChJwZNN4 Ex pl or Como nem sempre se têm amostras com o mesmo tamanho, a rotação ob- servada é corrigida para compensar as variações na quantidade da amostra e no comprimento da célula de medição. É comum converter a rotação observada para uma rotação específica por meia da fórmula: lc � � ����� sendo: [a] = rotação específica (°)3; a = rotação observada (°); c = concentração da solução (g/mL); l = caminho óptico4 (dm). Importante! Por convenção, ângulos de desvio do plano de vibração da luz polarizada para a direita são positivos e ângulos de desvio para a esquerda são negativos. Importante! 3 a unidade correta da rotação específica é °.mL/dm.g, mas, na grande maioria das vezes, é representada apenas por °. 4 distância percorrida pelo feixe de luz na solução contendo a amostra. 41 UNIDADE Fundamentos de Química Orgânica O valor numérico da rotação específica depende das condições em que a medi- ção foi feita. Normalmente, a rotação específica é relatada indicando a temperatura, o com- primento de onda da luz usada, o solvente e a concentração da amostra, pois é sensível todos esses fatores. Por exemplo, uma amostra de (–)-mentol (usado em alimentos), dissolvida em etanol numa concentração de 10 g/100 mL a 20 °C tem uma rotação específica de – 50° se medida usando uma radiação de comprimento de onda de 589 nm. Isso é representado como [a]D 20 = – 50 ° (c = 10, etanol)5. O ângulo de rotação específica medido para um isômero óptico depende do comprimento de onda da luz utilizada. Para padronizar os valores obtidos, adota-se a radiação da raia D do espectro de emissão atômica do sódio, de coloração amarela e comprimento de onda 589,3 nm, de onde vem o índice “D” na representação da rotação específica. A temperatura também afeta os resultados, mas o efeito difere para cada composto. O valor do ângulo de rotação específica de um isômero é muito influenciado pelo solvente utilizado no preparo da solução da amostra. Ex pl or Figura 21 – Lâmpada de vapor de sódio com a sua característica luz amarela Fonte: tabelaperiodica.org Classificação dos isômeros ópticos As substâncias opticamente ativas são classificadas em: • Dextrógiras (do latim dexter = direita): giram o plano de vibração da luz polarizada para a direita. São designadas escrevendo (+)- ou (d)- à frente do nome ou da fórmula da substância; 5 quando a unidade de concentração não é especificada, considera-se g/100 mL 42 43 • Levógiras (do latim laevus = esquerda): giram o plano de vibração da luz polarizada para a esquerda. São designadas escrevendo (–)- ou (l)- à frente do nome ou da fórmula da substância. Por exemplo, para amostras de ácido láctico (opticamente ativo): • O ácido láctico formado no tecido muscular desvia o plano de vibração da luz polarizada para a direita, sendo designado como ácido (+)-láctico ou ácido (d)-láctico; • O ácido láctico encontrado no leite azedo desvia o plano de vibração da luz polarizada para a esquerda, sendo designado como ácido (–)-láctico ou ácido (l)-láctico. Importante! Não é possível prever como um determinado isômero desviará o plano de vibração da luz polarizada, isso só pode ser obtido experimentalmente. Importante! Quiralidade O átomo de carbono que origina a isomeria óptica é denominado quiral (do gre- go kheir = mão, em referência ao mesmo tipo de assimetria observada nas mãos). A quiralidade e, consequentemente, a existência de atividade óptica, pode ser observada em outros átomos além do carbono, como silício, nitrogênio, fósforo e enxofre, e mesmo na ausência de átomos quirais. Contudo, é mais importante no átomo de carbono. Ex pl or Figura 22 – Quiralidade das mãos Fonte: Acervo do conteudista Na ausência de um centro quiral, a molécula torna-se simétrica e a atividade ópticainexiste. 43 UNIDADE Fundamentos de Química Orgânica Estruturalmente, a atividade óptica de uma substância relaciona-se à assimetria molecular, originando isômeros ópticos. Essa assimetria é observada ao redor de átomos de carbono saturados ligados a quatro grupos diferentes. Devido à geometria ao redor do átomo de carbono, denominada tetraédrica, são possíveis dois arranjos espaciais distintos (Figura 23): Figura 23 – Estruturas de isômeros ópticos. A geometria das ligações ao redor do átomo de carbono origina dois arranjos espaciais diferentes Fonte: chem.libretexts.org A representação no plano de estruturas tridimensionais tetraédricas é feita como mostrado na Figura 24: ligações no plano ligação para trás do plano ligação para frente do plano Figura 24 – Simbologia para a representação de uma estrutura tetraédrica no plano Quando necessário, o átomo de carbono quiral é explicitado numa estrutura com um asterisco (Figura 25): C CH2CH3 H Br * Figura 25 – Indicação do centro quiral na estrutura de uma molécula (destacado por *) 44 45 Enantiômeros As duas estruturas possíveis comportam-se como se fossem a imagem no espe- lho uma da outra, sendo denominadas enantiômeros (do grego enántios = oposto e méros = parte, ou seja, moléculas formadas por partes em posições opostas). A particularidade importante desse tipo de estrutura é que as duas formas não são sobreponíveis (Figura 26): Figura 26 – As moléculas de enantiômeros não são sobreponíveis Se o átomo de carbono estiver ligado a pelo menos dois grupos iguais, a molécu- la original e a sua imagem especular são sobreponíveis e a atividade ótica inexiste. Projeção de Fischer A projeção de Fischer, criada em 1891 pelo químico alemão Hermann Emil Louis Fischer, é uma forma de representação no plano de moléculas tridimensio- nais, muito usada para substâncias quirais. Segundo essa representação (Figura 27), o observador deve visualizar a cadeia principal na posição vertical, com as ligações horizontais orientadas em sua dire- ção. Tais ligações são substituídas por linhas, com os átomos de carbono da cadeia situados nas suas intersecções. Figura 27 – Visualização de uma projeção de Fischer (estrutura da direita) a partir da sua representação tridimensional (estrutura da esquerda) Fontes: Adaptado Wikimedia Commons 45 UNIDADE Fundamentos de Química Orgânica Por exemplo, para o ácido (+)-láctico, tem-se (Figura 28): CH3 OH H CO2H CO2H CH3 HHO CO2H CH3 HHO Estrutura tridimensional Projeção de Fischer Figura 28 – Processo de formação da projeção de Fischer para o ácido (+)-láctico Nomenclatura D, L Essa nomenclatura pode ser usada para diferenciar as estruturas de um isômero óptico, chamada configuração absoluta. O penúltimo carbono quiral de uma projeção de Fischer é designado D se o seu grupo funcional estiver à direita do observador, e L, se estiver à esquerda (Figura 29). Inicialmente aplicada a carboidratos, pode ser estendida a outras classes de moléculas. Importante! As designações D e L não têm nenhuma correlação com o fato de a molécula ser dextró- gira (d) ou levógira (l), mas podem coincidir em alguns casos. Por se basearem em critérios diferentes, as duas formas podem ser usadas ao mesmo tempo; por exemplo, L-(+)-arginina. Importante! 46 47 CO2H CH3 OHH CO2H CH3 OHH CO2H CH3 OHH CO2H CH3 OHH Forma L Projeção de Fischer Forma D Figura 29 – Isômeros D e L do ácido láctico Importante! À exceção da glicina (NH2CH2CO2H), todos os demais aminoácidos e carboidratos de im- portância biológica são opticamente ativos. Desses, a grande maioria é composta por L-aminoácidos e D-carboidratos. Você Sabia? Isomeria óptica na presença de 1 átomo de carbono quiral Todo composto com 1 carbono quiral possui 2 isômeros ópticos que são a ima- gem especular um do outro: o dextrógiro (d) e o levógiro (l). 47 UNIDADE Fundamentos de Química Orgânica CH3 OH H CO2H CH3HO H CO2H Ácido (+)-láctico Ou Ácido (d)-láctico Enantiômeros par d,l Ácido (–)-láctico Ou Ácido (l)-láctico Figura 30 – Enantoiômeros do ácido láctico Enantiômeros têm propriedades físicas e químicas iguais, a não ser o sentido da rotação específica. Os valores absolutos de rotação específica de enantiômeros são iguais, mudando apenas os sinais dos ângulos para os isômeros dextrógiro e levógiro. A Tabela 3 ilustra esses fatos com dados para o 2-bromobutano, que apresenta atividade óptica: Tabela 3 – Propriedades físicas de isômeros do 2-bromobutano (CH3CHBrCH2CH3) grandeza (+)-2-bromobutano (–)-2-bromobutano PF (°C) – 112,6 – 112,6 PE (°C) 91,3 91,3 d (g/cm3) 1,225 1,225 n 1,437 1,437 [a]D (°) + 23,1 – 23,1 * valores medidos a 20 °C Por outro lado, as propriedades biológicas de isômeros ópticos são diferentes. Por exemplo, o limoneno (Figura 31) é uma substância quiral que apresenta sa- bores diferentes, dependendo do seu isômero: CH3 C CH3 CH2 * CH3 C CH3 CH2 * Figura 31 – O (–)-limoneno (esquerda) é responsável pelo odor de limão/pinho, enquanto o seu enantiômero, o (+)-limoneno (direita), é responsável pelo odor de laranja (centros quirais destacados por *) 48 49 As diferenças de atividades biológicas de isômeros ópticos se manifestam nas mais diver- sas formas: existem isômeros com os mesmos efeitos, mas em intensidades diferentes. Em outros casos, um isômero é biologicamente ativo, enquanto outro é inerte, e também há exemplos de efeitos totalmente diferentes. Ex pl or Um exemplo muito importante de diferenças de atividades biológicas entre isô- meros ópticos é a talidomida (Figura 32). Usada no final da década de 1950 e início da década de 1960, para combater enjoos nas fases iniciais da gravidez, causou sérios defeitos de nascença. Comercializada como uma mistura dos enantiômeros, mais tarde descobriu-se que a (+)-talidomida tinha o efeito sedativo desejado, porém a (–)-talidomida era teratogênica (do grego teras = monstro e gene = origem) em fetos. N O O O NH O * N O O O NH O * Figura 32 – A (+)-talidomida (esquerda) tem ação sedativa, enquanto a (–)-talidomida (direita) causa deformidades em fetos (centros quirais destacados por *) Má-formação congênita causada pelo uso de talidomida durante a gestação: http://bit.ly/2KWGGRJ Ex pl or Uma solução contendo quantidades iguais de dois enantiômeros é denominada mistura racêmica (do latim racemus = cacho de uva, por ter sido identificada pela primeira vez no vinho). Como as rotações ópticas de ambos os enantiômeros se cancelam (mesmos ângulos, mas lados opostos), uma mistura racêmica é optica- mente inativa: o efeito de uma molécula sobre a luz polarizada é cancelado pela ação de outra molécula isômera (compensação externa). A mistura é designada escrevendo (±)-, (d,l)- ou, menos frequentemente, rac- à frente do nome ou da fórmula da substância. Por exemplo, (±)-CH3CH(OH)C2H5 ou (d,l)-butanol-2. Isomeria óptica na presença de 2 átomos de carbono quirais diferentes Átomos de carbono quirais diferentes são aqueles em que pelo menos um dos grupos substituintes não é comum aos átomos. 49 UNIDADE Fundamentos de Química Orgânica HOCH2 C C CHO H OH H OH * * Figura 33 – Molécula com carbonos quirais (destacados por *) diferentes: os átomos de carbono não estão ligados aos mesmos 4 grupos (têm em comum apenas H e OH) A presença de 2 ou mais átomos de carbono quirais causa o aumento do número de isômeros. Com o aumento do número de isômeros, as correlações entre as estruturas são mais complexas (Figura 34): CHO HHO H OH CH2OH CHO HHO H OH CH2OH CHO HHO HO H CH2OH CHO OHH H OH CH2OH e e d d d Figura 34 – Correlações entre isômeros ópticos Além da existência de enantiômeros, representados por (e) no esquema acima, o aumento do número de centros quirais origina isômeros que não são enantiômeros. Esses isômeros, representados por (d) no esquema acima, são chamados diaste- reoisômeros ou diastereômeros (do grego diá = semelhante a). Diastereoisômerostêm propriedades químicas (reatividade, acidez) semelhan- tes, pois são membros da mesma família de moléculas, mas não idênticas. Porém, as suas propriedades físicas (pontos de fusão e de ebulição, densidade, solubilidade, etc.), inclusive a rotação específica, e biológicas são diferentes. 50 51 Tabela 4 – Propriedades físicas de isômeros da efedrina [C6H5CH(OH)CH(CH3)NHCH3] N CH3 OH CH3 H (+)-efedrina N CH3 OH CH3 H (–)-efedrina N CH3 OH CH3 H (+)-pseudoefedrina N CH3 OH CH3 H (–)-pseudoefedrina [a]D = + 6,3 °* [a]D = – 6,3 °* [a]D = + 51,2 °* [a]D = – 51,2 °* d = 1,124 g/mL† d = 1,118 g/mL† PF = 38 °Cc PF = 119 °Cd solubilidade = 56,9 g/L† solubilidade = 106 g/L† atividade broncodilatadora (atividade relativa) 33,3 100 20 2,78 cronotropismo‡ (atividade relativa) 20 100 25 desprezível * Valores medidos a 20 °C. † Valores medidos a 25 °C. ‡ Efeito de uma substância sobre o ritmo cardíaco, acelerando-o (efeito posi- tivo) ou o diminuindo (efeito negativo). Quanto maior for o número de átomos de carbonos quirais diferentes, maior será o número de isômeros ópticos possíveis. O número total de isômeros óp- ticos e, por conseqüência, de misturas racêmicas, pode ser calculado pelas seguintes expressões: número total de isômeros: I = 2n número de misturas racêmicas: r = n2 2 ou r = 2n – 1 sendo: n: número de centros quirais diferentes Por exemplo, para a molécula de glicose, que possui 4 centros quirais diferentes, são possíveis 16 isômeros ópticos e 8 misturas racêmicas. Isomeria óptica na presença de 2 átomos de carbono quirais iguais Dois átomos de carbono quirais são ditos iguais se ambos possuírem os mesmos grupos substituintes: HO2C C C CO2H H OH H OH * * Figura 35 – Molécula com carbonos quirais (destacados por *) iguais: ambos os átomos de carbono estão ligados aos mesmos 4 grupos 51 UNIDADE Fundamentos de Química Orgânica Esse fato limita o número de isômeros que uma molécula possui (Figura 36). d dd e CO2H HO H H OH CO2H CO2H H OH HO H CO2H CO2H HO H HO H CO2H CO2H H OH H OH CO2H Não sobreponíveis Enantiômeros (par d,l) Sobreponíveis (mesma molécula) Isômero mesógiro Figura 36 – Correlações entre isômeros ópticos; e: enantiômero e d: diastereoisômero A existência de centros quirais iguais leva a um isômero cuja imagem especular é idêntica à molécula que a origina, denominada composto mesógiro. Isso é possível porque a molécula possui plano de simetria interna, como mos- trado no Figura 36. Salvo para estruturas mais complexas, isômeros meso não possuem enantiômeros, sendo formas diastereoisoméricas dos outros isômeros op- ticamente ativos. O isômero é designado pelo prefixo meso- à frente do nome ou da fórmula da substância; por exemplo, meso-butanodiol-2,3. Devido à sua simetria, a atividade óptica de um centro quiral é anulada pela atividade do outro centro de compensação interna, pois as suas configurações são opostas, o que torna o isômero meso inativo. 52 53 Material Complementar Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade: Vídeos Carbono e Vida A animação mostra o papel do carbono na dinâmica da vida no planeta. https://youtu.be/ZSiU6N8tBzI Os perigos da Talidomida: Medicamento que Deforma o Feto. Breve reportagem sobre a talidomida e os seus efeitos. https://youtu.be/swgzot1F3ic Leitura Superação do Vitalismo e o Imparável Desenvolvimento da Síntese Orgânica PAIXÃO, F. PEREIRA, M. M. Superação do Vitalismo e o Imparável Desenvolvimento da Síntese Orgânica, Boletim da Sociedade Portuguesa de Química, v. 120, n. 39, 2011. O artigo discorre sobre a derrubada da teoria da força vital e a evolução de conceitos em Química que levaram ao desenvolvimento de processos de síntese orgânica. http://bit.ly/2Mu8mAG Chemkeys – Liberdade para Aprender RODRIGUES, J. A. R. Chemkeys – Liberdade para Aprender – Nomenclatura de Compostos Orgânicos Segundo as Recomendações da IUPAC. Uma Breve Introdução. jul. 2011. O artigo discute as principais recomendações da IUPAC para a nomenclatura de compostos orgânicos. http://bit.ly/2Ms7cFY Evolução Biomolecular Homoquiral. A Origem e a Amplificação da Quiralidade nas Moléculas da Vida RODRIGUES, J. A. R. Evolução Biomolecular Homoquiral. A Origem e a Amplificação da Quiralidade nas Moléculas da Vida. Química Nova, v. 33, n. 5, 1175, 2010. O artigo discute teorias que tentam explicar a origem da quiralidade seletiva em biomoléculas. http://bit.ly/2Mt1TWK Fármacos e Quiralidade COELHO, F. A. S. Fármacos e Quiralidade. Química Nova na Escola, v. 3, n. 23, 2001. O artigo discute a relação entre a quiralidade de uma molécula com a sua atividade farmacológica. http://bit.ly/2MqKpKH 53 UNIDADE Fundamentos de Química Orgânica Referências ALMEIDA, B. C. et al. Novos Triterpenos Damarano e Esteroides da Cera de Carnaúba Tipo 1. In: 37ª. REUNIÃO ANUAL DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE QUÍMICA, 2014, Natal/RN. Resumos [...] São Paulo: SBQ, Painel QPN-113, 2014. Disponível em: <http://www.sbq.org.br/37ra/cdrom/resumos/T1619-1. pdf>. Acesso em: 18 jun. 2019. ENCYCLOPÆDIA BRITANNICA. Nitro Compound. Disponível em: <https:// www.britannica.com/science/nitro-compound>. Acesso em: 20 jun. 2019. ________. Organometallic Compound. Disponível em: <https://www.britannica. com/science/organometallic-compound>. Acesso em: 20 jun. 2019. MORRISON, R. T.; BOYD, R. N. Química Orgânica. Tradução de M. Alves da Silva. 9. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbekian, 1990. RUSSELL, J. B. Química Geral. Tradução de Márcia Guekezian. 2. ed. São Paulo: Makron Books, 1994. 2v. SMITH, M. B., MARCH, J. March’s Advanced Organic Chemistry. Reactions, Mechanisms, and Structure. 5th.ed. New York: John Wiley & Sons, Inc., 2001. SODERBERG, T. Organic Chemistry with a Biological Emphasis. University of Minnesota Morris Digital Well, Chemistry Publications, 2016. v.1 (e-book). Disponível em: <https://digitalcommons.morris.umn.edu/chem_facpubs/1>. Acesso em: 26 jun. 2019. Sites visitados <https://pubchem.ncbi.nlm.nih.gov> 54