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Curso para Coordenador de Proteção de Dados Pessoais - DPO São Paulo 2021 Fenabrave – Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores Professor Alexandre Rodrigues Atheniense Curso 3 – Formação de encarregado pelo tratamento de dados / Data Protection Officer (DPO) Alexandre Rodrigues Atheniense é advogado formado pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), especialista em Internet Law pelo Berkman Center – Harvard Law School – e sócio fundador do escritório de advocacia Alexandre Atheniense Advogados. Com experiência profissional de 32 anos, é um dos precursores do Direito Digital no Brasil. Possui vasta experiência acadêmica e institucional, tendo exercido por oito anos (2002-2010) a presidência da Comissão de Tecnologia da Informação da OAB Federal, representando a entidade na discussão de projetos de lei no Congresso Nacional sobre temas relacionados à tecnologia da informação. É coordenador da Comissão de Direito Digital do Centro de Estudos das Sociedade de Advogados (CESA); árbitro em questões relacionadas à propriedade intelectual e tecnologia da informação na Competição Brasileira de Arbitragem (CAMARB), Câmara Mineira de Arbitragem (CAMINAS) e Associação Brasileira da Propriedade Intelectual (ABPI). É autor de diversas obras sobre Direito Digital no Brasil e no exterior. Colaboradores: Lorenzzo Antonini Itabaiana e Adriana Bessone Sadi Sumário Apresentação 1. Formação e certificação do DPO 1.1. Visão panorâmica da função no mundo 1.2. Certificações e empresas certificadoras 2. Atribuições e funções do DPO 2.1. Características 2.2. Perfil 2.3. Incumbências 2.4. Ética e responsabilidades 3. Ferramentas tecnológicas a serviço do DPO 4. DPO e manutenção de registros de tratamento de dados pessoais – accountability Apresentação O curso Formação de encarregado pelo tratamento de dados / Data Protection Officer (DPO) compõe o módulo 3 do curso Formação de Encarregados de Proteção de Dados Pessoais (DPO), oferecido pela Fenabrave em cinco partes distintas e independentes. O objetivo geral é capacitar os envolvidos no processo de tratamento desses dados, por meio de conteúdo teórico e prático, preparando-os para o desafio da jornada de governança corporativa. Neste curso, apresentam-se tópicos importantes para melhor compreensão da função e do perfil do encarregado pelo tratamento de dados pessoais. Os participantes devem assistir às aulas gravadas em vídeo, ler o conteúdo explicitado na apostila e ouvir o podcast disponível. Sugerimos, ainda, que consultem fontes indicadas na bibliografia constante no final deste material. Na sequência, devem responder ao questionário de avaliação, que permite a revisão dos principais pontos abordados. Formação e certificação do DPO 1. Formação e certificação do DPO A função do encarregado pelo tratamento de dados pessoais ainda não é bem compreendida por grande parte das organizações brasileiras, já que o cargo representa inovação recente trazida pela Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). As instituições não definem claramente um perfil para o posto, já que a Lei não o previu, e a orientação legal só deve ser suprida com a regulamentação emitida pela Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD). Assim, na maioria dos casos, é evidente a dificuldade na nomeação do DPO, uma vez que o ofício exige dele multidisciplinaridade e conhecimento jurídico-regulatório mais profundo do que o oferecido pelos profissionais encontrados atualmente no mercado. De modo geral, estes não possuem capacitação suficiente para exercer o serviço, que os permita avaliar com extremo rigor potenciais conflitos de interesse. 1.1. Visão panorâmica da função no mundo Na América Latina, vários países têm legislação avançada sobre proteção de dados pessoais, como Argentina, México, Chile e Uruguai – este último com lei sobre o tema há mais de dez anos. Somente com a entrada em vigor da General Data Protection Regulation (GPDR), tais nações incluíram a figura do DPO em seus ordenamentos jurídicos e já contam com seus delegados de protección de datos, cujas funções se assemelham às do encarregado no Brasil. Na América do Norte, Canadá e Estados Unidos adotam legislação esparsa e não contam com norma única e geral, como as que são adotadas pelo Brasil e pela União Europeia. Os Estados Unidos têm leis setoriais, tais como a Lei de Privacidade de Comunicações Eletrônicas de 1986; a Lei de Privacidade de 1974 e o California Consumer Privacy Act (CCPA), no estado da Califórnia. Aliás, somente este último tem legislação específica voltada para o tema, mas não apresenta obrigações relativas à nomeação de um responsável pelo tratamento de informações pessoais, cabendo às empresas o cumprimento de requisições dos titulares desses dados. Na Ásia, um dos maiores centros de tecnologia e inovação do mundo, Japão e Coreia do Sul despontam como países interessados em editar legislação sobre a matéria. No Japão, a Comissão de Proteção de Informações Pessoais – órgão similar à Autoridade Nacional de Proteção de Dados Pessoais brasileira – determina que os controladores devem nomear um encarregado de proteção de dados, sem, contudo, estabelecer ou recomendar as atribuições do cargo. A Coreia do Sul tem legislação similar à LGPD e à GDPR, que inclui a obrigação de nomeação do DPO (na Coreia, Privacy Officer). A China apresenta-se como um caso especial, pois, apesar de ser um polo tecnológico e industrial, não tem legislação para proteção de dados de seus cidadãos. Dessa forma, não há obrigação no país de se nomear um DPO. A União Europeia tem sido referência mundial no assunto, desde a edição da Diretiva 95/46/CE até a publicação da GPDR. Ainda que o encarregado de proteção de dados europeu em muito se assemelhe ao que se prevê no Brasil, a legislação europeia é bastante específica quanto aos requisitos, às atribuições e às habilidades desse profissional, que deve apresentar: 1. conhecimento jurídico-regulatório e independência; 2. experiência com liderança e gestão, bem como capacidade para lidar com os recursos necessários à execução da função; 3. capacidade de se expressar, com linguagem comum e acessível, que lhe permita atuar como canal de comunicação entre instituições, autoridades e titulares de dados pessoais; 4. experiência relevante em privacidade e assessments de riscos de segurança, e também conhecimento das melhores práticas de mitigação, selos, certificações de privacidade e padrão de segurança da informação. Embora a legislação brasileira não estabeleça, ainda, os requisitos para o cargo de DPO, é essencial que ele tenha experiência em privacidade e assessments de riscos de segurança. 1.2. Certificações e empresas certificadoras Considerando-se as diversas habilidades exigidas para a função de encarregado pelo tratamento de dados e a dificuldade em encontrar profissionais com tais características, alguns processos de certificação foram criados para garantir, minimamente, que o DPO apresente as qualidades necessárias para o desempenho de suas atividades. No âmbito da GDPR, surgem diversos cursos e procedimentos de certificação oferecidos por universidades e instituições privadas. No Brasil, a ANPD ainda não se manifestou sobre a criação de autoridades oficiais de certificação, já que a atuação do DPO não está regulamentada. Mas existem instituições independentes, conhecidas mundialmente, com processos autônomos. Entre elas, temos o instituto EXIN, que atua desde 1984, e a International Association of Privacy Professionals (IAPP),fundada em 2000 e considerada mundialmente a maior comunidade independente sobre o tema. Além dessas, destacam-se as ISOs: ISO 27001 – Padrão internacional de segurança da Informação ISO 27701 – Atualização da ISO 27001 EXIN – Privacy and Data Protection Essentials / Privacy and Data Protection Foundation / Privacy and Data Protection Practitioner IAPP – Certified Information Privacy Manager (CIPM) IAPP – Certified Information Privacy Tecnologist (CIPT) Apesar de não ter um processo de certificação específico para a LGPD e de apresentar todas as modalidades de testes em inglês, a IAPP se sobressai quando o assunto é privacidade e proteção de dados pessoais, exigindo criteriosa preparação por meio de testes difíceis. Também é importante demonstrar as melhores referências acadêmicas para cada segmento de mercado, de acordo com importante pesquisa realizada por Alvarez & Marçal (2020): Fonte: Alvarez & Marsal (2020, p. 7) Como podemos notar, no setor automotivo a GDPR e a nova ISO 27701 são as referências mais utilizadas. Esta última estabelece as diretrizes para a implementação de um programa de privacidade, relacionando- se com outras normas da família 27000, que fornecem suporte para implementação da conformidade. Reiteramos, por fim, que a ANPD ainda não regulamentou a atuação do DPO no Brasil, o que deve ocorrer ao longo de 2021. Certamente, haverá impacto no conteúdo dos cursos ofertados. Atribuições e funções do DPO 2. Atribuições e funções do DPO 2.1. Características A definição de encarregado está no Artigo 5, inciso VIII, da LGPD: “pessoa indicada pelo controlador e operador para atuar como canal de comunicação entre o controlador, os titulares de dados e a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD)”. Ele pode ser representado por pessoa física, pessoa jurídica, entidades terceirizadas, comitês, departamentos, entre outros. A nomeação do DPO – que deve ser publicada – é obrigatória para pessoas naturais, empresas e poder público que tratem dados pessoais. A escolha desse profissional deve ser realizada com base nas principais características exigidas para a função: sua experiência, seus conhecimentos, suas habilidades e suas credenciais para o cargo. Evidentemente, devem ser avaliadas sua integridade e ética profissional, garantindo-se sua imparcialidade. O DPO deve ser um profissional interdisciplinar, que, além de ter amplo conhecimento das legislações (inclusive daquelas específicas do seu setor), deve ter habilidades associadas à governança de dados; domínio do conceito básico de segurança da informação e considerável capacidade de comunicação interpessoal. 2.2. Perfil Apesar da indefinição do perfil legal do DPO, anteriormente a legislação apontava, principalmente, para a necessidade de conhecimento jurídico-regulatório, inclusive aptidão para prestar serviços especializados em proteção de dados pessoais – disposição que foi vetada, por ser contrária ao interesse público. Na ausência de regulamentação específica, as organizações devem observar, no mínimo, se o profissional tem conhecimento e habilidade suficientes para exercer o previsto no Artigo 41, parágrafo 2, da LGPD: I. aceitar reclamações e comunicações dos titulares, prestar esclarecimentos e adotar providências; II. receber comunicações da Autoridade Nacional e adotar providências; III. orientar os funcionários e os contratados da entidade a respeito das práticas a serem tomadas em relação à proteção de dados pessoais; IV. executar as demais atribuições determinadas pelo controlador ou estabelecidas em normas complementares. Entre as competências desejáveis, destacam-se: ● conhecimento jurídico-regulatório: recomenda-se que o DPO seja detentor desse conhecimento, sem exigência de formação superior em curso de Direito, mas o nível mínimo de sua qualificação profissional deve ser técnico; ● capacidade de atuar como relações públicas/governamentais: em razão de sua atuação como canal de comunicação com os titulares e a ANPD, o DPO deve, obrigatoriamente, ter habilidade para se posicionar em nome da empresa perante terceiros. Deve também conhecer estratégias de comunicação interpessoal, para que possa interagir adequadamente com colaboradores, corpo diretivo, acionistas, órgãos fiscalizadores e demais stakeholders; ● gerenciamento de riscos e tecnologia da informação: ele deve ser capaz de identificar riscos associados a operações de tratamento e apresentar conhecimentos razoáveis sobre tecnologias da informação, para indicar ferramentas adequadas na implementação de controles de segurança com foco na mitigação de riscos de acessos indevidos, vazamentos, tratamento abusivo, entre outros. É essencial, ainda, que conheça processos de segurança da informação, com base em padrões e frameworks reconhecidos, tais como a ISO/EC 27701 e o National Institute of Standards and Technology (NIST); ● boa comunicação, capacidade de liderança e independência: o DPO, como longa manus, ou seja, como braço estendido do corpo diretivo da empresa, deve interagir livremente com membros da instituição que tenham poder decisório e também com membros de todos os níveis hierárquicos, para que a tomada de decisões seja ágil e eficiente; ● perfil de educador/conscientizador: ele deve ser capaz de transmitir didaticamente seus conhecimentos, de modo que seus interlocutores entendam a relevância do tema e tenham interesse em cumprir as regras existentes, inclusive propagando- as. Em outras palavras, ele deve desenvolver um talento para ser educador e conscientizador; ● conhecimento de auditoria e proatividade: o DPO deve ser fiscal da conformidade da LGPD e das demais normas de proteção de dados aplicáveis, preservando sempre sua independência na obtenção de informações necessárias para execução de seu trabalho. A empresa Alvarez & Marçal (2020) apresenta o perfil do DPO requerido em diversos segmentos do mercado: Fonte: Alvarez & Marsal (2020, p. 7) O setor automotivo opta por um profissional da área jurídica, já que está sujeito a alta regulamentação. Salientamos que a adequação à LGPD ultrapassa a adoção de medidas técnicas, exigindo interpretação e aplicação de preceitos contidos em diversas normas. Destacamos também o fato de que a atuação contenciosa administrativa é regida por lei federal, e a defesa da instituição perante instâncias administrativas sempre se realizará por meio de advogado. Embora não seja recomendável o acúmulo da função de DPO com funções inerentes a profissionais do Direito, um conhecimento jurídico mais aprofundado é um diferencial importante. Porém, para além de uma avaliação de leis e normas, outras incumbências são exigidas desse profissional. 2.3. Incumbências Entre as incumbências do DPO, está a necessidade de prestar informações para um titular de dados, avaliando-se a legalidade ou a ilegalidade de determinado tratamento, bem como a possibilidade de atender a um pedido do titular. Um ex-funcionário de uma concessionária pode exigir, por exemplo, que lhe sejam informados quais dados pessoais são tratados pela empresa. Tal informação deve constar no mapeamento de dados pessoais (data mapping), elaborado durante o processo de adequação à LGPD. O mesmo ex-funcionário pode exigir a remoção de todos os seus dados pessoais das plataformas da instituição, o que somente será possível com a análise da base legal envolvida no tratamento. Deve ser elaborado um relatório a partir desse levantamento, também conhecido como gap analysis ou relatório de lacunas. No processode análise, o DPO poderá atender ou não o pedido do titular, justificando, entre outras possibilidades, que os dados referentes à contribuição previdenciária devem ser armazenados pelo período estipulado na Lei e, desse modo, a remoção das informações não poderá ser realizada. A comunicação com a ANPD e com os demais órgãos fiscalizadores também é função do DPO, mas isso ainda é um desafio, já que não há regulamentação sobre o formato dessa interlocução. Conforme dispõe o Artigo 55-K da LGPD, a aplicação das sanções previstas na Lei compete exclusivamente à ANPD, e suas competências prevalecerão sobre as competências correlatas de outras entidades ou órgãos da administração pública, no que se refere à proteção de dados pessoais. Assim, em princípio, somente a ANPD teria competência para interpretar e aplicar as sanções previstas na LGPD. Entretanto, se a violação de dados pessoais resultar de uma relação de consumo, também será lícito ao Programa de Proteção e Defesa do Consumidor (PROCON) e ao Ministério Público intervir, caso em que o encarregado deve atuar, de igual maneira, como canal de comunicação com esses órgãos. A orientação a colaboradores e contratados da organização quanto às práticas de proteção de dados pessoais também é tarefa do DPO. Além disso, ele deve cumprir atribuições secundárias, tais como formular regras de boas práticas de governança, avaliar as reclamações e petições dos titulares, auxiliar na elaboração de normas de segurança e padrões técnicos, definir obrigações específicas para todos os agentes envolvidos no tratamento, exercer ações educativas, propor mecanismos internos de supervisão e de mitigação de riscos e executar outras atividades determinadas pelo controlador ou estabelecidas em normas complementares. 2.4. Ética e responsabilidades Junto com as habilidades mencionadas acima, o encarregado deve apresentar credenciais de integridade e um elevado nível de ética profissional, além de total independência para que se evitem conflitos de interesses. Enfatizamos que o DPO é o pilar da governança, da privacidade e da proteção de dados em organizações que buscam conformidade com a LGPD. Nesse prisma, deve se portar como verdadeiro fiscal da Lei e também de outras normas de proteção de dados pessoais, além de proteger as políticas institucionais internas. Assim, caso o vendedor de uma concessionária, responsável pela coleta dos dados de clientes, negociasse a transferência das informações para terceiros, a análise da legalidade desse tratamento estaria prejudicada e, então, esse funcionário jamais poderia ser um DPO. De acordo com orientações do Grupo de Trabalho de Proteção de Dados do Artigo 29 (GRUPO DO ARTIGO 29º PARA PROTEÇÃO DE DADOS, 2017), pode haver conflito de interesses nas seguintes situações: ● quando o encarregado pelo tratamento de dados pessoais ocupar cargos superiores de gestão (na diretoria executiva ou de operações; no setor financeiro; no departamento médico; no setor de marketing, recursos humanos ou informática etc.); ● quando o colaborador, mesmo não ocupando cargo superior de gestão, possuir outras funções que determinem a finalidade e os meios de tratamento; ● quando um DPO as a service representar o controlador ou o operador em processos envolvendo a proteção de dados pessoais. O Grupo sugere, portanto, que os responsáveis pelo tratamento de dados ou os subcontratantes: ● aprovem normas internas no intuito de evitar conflitos de interesses; ● incluam explicação mais generalizada sobre esses conflitos; ● declarem que os encarregados não têm conflitos de interesses no que se refere às funções exercidas; ● incluam salvaguardas no regulamento interno da empresa e assegurem que o anúncio de vaga para o preenchimento da função de DPO ou o contrato de prestação de serviços seja suficientemente preciso e pormenorizado, para evitar conflitos de interesses. Nesse contexto, importa considerar que os conflitos podem assumir formas diferentes, em razão do vínculo laboral do DPO como colaborador interno ou externo. As medidas apontadas pelo Grupo do Artigo 29 são baseadas na legislação europeia, não constituindo, ainda, obrigações legais. Todavia, podem ser consideradas boas práticas de governança. Destacamos que o Grupo lidou com questões relacionadas à proteção de dados pessoais e da privacidade até 25 de maio de 2018 – data de aplicação do Regulamento Geral de Proteção de Dados – RGPD. No Brasil, a LGPD preceitua que a ANPD poderá estabelecer normas complementares sobre a definição e as atribuições do encarregado, inclusive dispensar a sua indicação, com base na natureza e no porte da entidade ou no volume de operações de tratamento de dados. O DPO não responde, diretamente, por danos patrimoniais ou morais, individuais ou coletivos causados por violação à Lei. Normalmente, esse ônus recai sobre os controladores e operadores, pois o tratamento de dados pessoais está englobado no risco do negócio. Porém, se ele cometer ato ilícito, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência; se exceder os limites do cargo que ocupa, poderá ser responsabilizado perante a instituição, de acordo com o Código Civil. Ferramentas tecnológicas a serviço do DPO 3. Ferramentas tecnológicas a serviço do DPO A evolução tecnológica, apesar dos grandes desafios que normalmente a acompanham, é uma imprescindível aliada do DPO e dos profissionais que atuam na área de privacidade, auxiliando-os a visualizar e mitigar riscos. Contudo, a jornada de adequação das organizações à LGPD não se resume à adoção de um ou outro software. Algumas ferramentas, por mais avançadas que sejam, não conseguem interpretar normas, critérios e procedimentos, limitando-se à execução de rotinas predeterminadas. No entanto, se bem escolhidas e customizadas, tornam-se, como dissemos, poderosas aliadas do encarregado, permitindo-lhes um gerenciamento automatizado de importantes fases do tratamento de dados pessoais: coleta das informações, gestão do consentimento, exclusão dos dados. Na empresa, o DPO deve iniciar sua análise pelo levantamento dos softwares que tratam dados pessoais. Salientamos que o controle da conformidade legal às obrigações descritas na LGPD deve recair apenas sobre os softwares que tratam esses dados: cadastro, compartilhamento, planilhamento etc. Programas que tratam dados corporativos no que se refere a segurança da informação, sigilo industrial etc. devem ser excluídos. Após a identificação dos softwares, ele deve avaliar se as empresas desenvolvedoras estão em conformidade com a LGPD, possibilitando a geração de registros eletrônicos que lhe permitam realizar o gerenciamento das atividades de tratamento de dados pessoais. Se necessário, ele deve exigir dessas empresas um aprimoramento da ferramenta, para acesso aos logs de operações com fornecimento de toda a trilha de auditoria. Assim, em caso de incidentes, a informação será disponibilizada de maneira detalhada e segura, mediante rápido acesso. Os logs, que devem ser disponibilizados a partir da integração de todos os softwares, permitirão ao encarregado avaliar quais dados pessoais estão sendo tratados, em quais fluxos e com quais finalidades, para um preciso e rápido atendimento de eventuais solicitações dos titulares. Lembramos que uma das exigências da Lei e um dos principais direitos dos titulares é a correção de dados incompletos, inexatos ou desatualizados de modo rápido e seguro. Não há como o DPO realizar essa tarefa em cada um dos softwares, daí a importância da sincronicidade dos programas. Outra exigência legal diz respeito à anonimização dos dados, que impede a identificaçãoda pessoa, pela utilização de meios técnicos razoáveis e disponíveis na ocasião de seu tratamento. Então, se uma instituição possui um repositório com vários dados pessoais que não são mais interessantes, mas poderiam ainda gerar conhecimento estatístico para tomada de decisões mais assertivas, a LGPD permite a anonimização das informações. A automação desse processo gera maior segurança ao DPO se for efetivada de forma sistêmica e não manual. Afinal, esta última está mais sujeita a erro humano. A Lei também garante o direito de portabilidade dos dados pessoais, permitindo a um titular transportar seus dados de um controlador para outro, preferencialmente no padrão .csv (comma-separated values), que remete a arquivos de valores separados por vírgulas, comumente utilizados em softwares Office, tais como o Microsoft Excel e o LibreOffice. Nesse caso, o software utilizado deve possibilitar essa atividade, evitando a realização manual em planilhas Excel, na qual a manutenção e atualização dos registros de tratamento de dados pessoais é inviável. Hoje, no mercado, existem diversos tipos de softwares que podem estruturar informações, e a escolha por um deles deve ser feita, em princípio, de acordo com o porte da organização. Uma instituição educacional de grande porte, por exemplo, necessita de um programa que lhe permita o gerenciamento do consentimento fornecido por milhares de titulares, que podem, a qualquer momento, revogá-lo. DPO e manutenção de registros de tratamento de dados pessoais - accountability 4. DPO e manutenção de registros de tratamento de dados pessoais - accountability A LGPD incorporou o conceito de accountability, com adoção do princípio da responsabilização e prestação de contas, previsto em seu Artigo 6, inciso X. O dever de responsabilidade e de prestação de contas relaciona-se à demonstração, pelo agente de tratamento, de como são conduzidas as atividades referentes aos dados pessoais, não apenas por meio da adoção de medidas, mas também pela comprovação da sua eficácia. A obrigação de manter o registro de tratamento dos dados está prevista no Artigo 37 da Lei: “o controlador e o operador devem manter registro das operações de tratamento de dados pessoais que realizarem, especialmente quando baseado no legítimo interesse”. Essa obrigação deve ser invocada sempre que for identificada resistência no registro das atividades de tratamento de dados por qualquer parte envolvida na operação. Reforçamos que essa providência é imposta pelo princípio da responsabilização e da prestação de contas ou accountability, previsto no art. 6°, inciso X, mencionado no parágrafo anterior. Cabe, portanto, ao DPO promover, obrigatoriamente, o registro de todas as decisões efetivadas pelos controladores e operadores, identificando o fluxo das atividades de ponta a ponta, de acordo com o ciclo de vida do dado pessoal, ao mesmo tempo em que o mantém atualizado. Logo, qualquer mudança operacional necessária deve ser previamente comunicada ao encarregado, para que, antes de ser registrada, seja validada e aprovada em conformidade com os preceitos da LGPD. O DPO deve, então, proceder à auditoria desses processos para avaliar se algum procedimento foi alterado sem sua ciência. Aliás, é praxe incluir nos contratos a obrigação de comunicar previamente ao encarregado qualquer mudança na forma de tratamento dos dados pessoais, bem como a possibilidade da realização de auditorias. Como já foi observado, no caso de eventual fiscalização por parte da ANPD ou de requisição de dados pessoais por uma pessoa, o acesso imediato, mediante a manutenção desse registro, permitirá uma rápida e eficaz prestação de contas, reduzindo os riscos para a instituição. Lembramos que a manutenção dos fluxos atualizados é possível somente por meio de software específico. Como cada fluxo de tratamento de dados pessoais deve ter uma base legal correspondente, em conformidade com as hipóteses dos Artigos 7 e 11 da Lei, não será possível uma análise se o fluxo estiver desatualizado, o que torna a instituição vulnerável. Lembramos que a manutenção dos fluxos atualizados é possível somente por meio de software específico. Como cada fluxo de tratamento de dados pessoais deve ter uma base legal correspondente, em conformidade com as hipóteses dos Artigos 7 e 11 da Lei, não será possível uma análise se o fluxo estiver desatualizado, o que torna a instituição vulnerável. O registro e a atualização devem incluir o nome do fluxo, a origem, o destino, os dados pessoais envolvidos, os titulares, a base legal correspondente, a informação de compartilhamento com terceiros, a forma de armazenamento, a forma e o período de descarte e os meios de segurança aplicáveis, entre outros aspectos que forem considerados relevantes pelo DPO. Nessa perspectiva, o procedimento de data mapping é de suma importância, principalmente quando elaborado em um software que permite ao DPO gerar relatórios customizados, avaliar métricas e padrões de utilização de dados pessoais (data discovery). Reiteramos que a otimização do processo por meio de software possibilita uma rápida resposta ao titular de dados ou à ANPD, em caso de fiscalização. Além disso, viabiliza um plano de ação que orientará a empresa em eventual incidente de segurança. Em um primeiro momento, é sempre esperada certa resistência dos parceiros de negócio e dos órgãos diretivos quanto à conformidade, mas o programa de governança é atividade contínua e depende da colaboração de todos para que o DPO se mantenha informado sobre eventuais mudanças. Alguns departamentos demasiadamente dinâmicos, como o setor de tecnologia da informação, sofrem constantes alterações de processos e procedimentos. Por isso, pequenos ajustes sistêmicos sem a ciência do DPO devem ser evitados, uma vez que o profissional deve avaliar se quaisquer modificações – por mais insignificantes que possam parecer – representam impacto na proteção de dados pessoais. As instituições têm demonstrado níveis diversos de maturidade quanto à proteção de dados, apresentando lacunas de todos os tipos: em algumas o fluxo de atividades é completamente informal e incompleto; em outras, existem procedimentos repetidos que geram dados duplicados e até há alguns processos mapeados, mas sem total cumprimento de aspectos relevantes da LGPD. Na verdade, ainda que haja mapeamento dos processos, na prática há grande informalidade, sendo pouquíssimas as empresas com nível gerencial otimizável, que executam revisões periódicas e fornecem feedbacks em relação à proteção de dados pessoais. O DPO é peça- chave em organizações que lidem com tais informações e deve trabalhar arduamente para aumentar o nível de excelência no tratamento desses dados. Bibliografia ALVAREZ & MARSAL (A&M). Disputes and investigations cyber risk services. Nível de maturidade do Mercado Brasileiro para a Lei Geral de Proteção de Dados – LGPD. Outubro de 2020. GRUPO DO ARTIGO 29º PARA A PROTEÇÃO DE DADOS. Orientações sobre os encarregados da proteção de dados (EPD). 16/PT. WP 243 rev.01. p. 19, 2017. SANCHES, Pedro Nachbar; SANTOS, Tiago F. Campanholi. A formação e certificações do DPO. In: Opice Blum, Renato; Vainzof, Rony; Moraes, Henrique Fabretti (coords.). Data Protection Officer (Encarregado). Teoria e prática de acordo com a LGPD e o GDPR. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, p. 431-440, 2020. Conteúdo complementar CURSOS ANTEBELLUM. Entenda as certificações DPO e ISO do EXIN. 17.09.2018. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=- 8X4VXQAem8. Acesso em: 20.01.20. FERREIRA, Luiz Felipe. Como obter a certificação EXIN Data Protection Officer. Canal Clavis – Segurançada Informação. Webinar #42. 05.05.20. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=CNMwgxp_AH4. Acesso em: 20.01.21. F3M INFORMATION SYSTEM S.A. Software DPO - Data Protection Officer. s/d. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=tziuYymZp14. Acesso em: 20.01.21. INTERNATIONAL ASSOCIATION OF PRIVACY PROFESSIONALS (IAPP). Privacy certification: CIPM. 29.04.2013. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=zAkNjHuZuHU. Acesso em: 20.01.21. SECURENINJATV. CIPT – Certified Information Privacy Technologist. 24.06.2016. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=G0h8b6JO7fs. Acesso em: 20.01.21.