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DESCRIÇÃO As fases farmacocinética e farmacodinâmica, bem como sua importância e influência na ação dos fármacos. PROPÓSITO Compreender as fases farmacocinética e farmacodinâmica do mecanismo de ação dos fármacos para o entendimento das diferenças das vias de administração e do efeito dos fármacos no organismo humano – conhecimento fundamental para atuação do profissional farmacêutico em diversos campos de trabalho, como hospitais e drogarias. OBJETIVOS MÓDULO 1 Descrever a influência dos fatores estruturais e das propriedades físico-químicas sobre a atividade dos fármacos MÓDULO 2 Reconhecer os receptores de fármacos e as interações fármaco-receptor INTRODUÇÃO Neste conteúdo, vamos aprender o funcionamento e os fatores que afetam as importantes fases relacionadas ao mecanismo de ação dos fármacos. A fase farmacocinética é importante, pois tem influência na eficácia terapêutica de uma substância e envolve os processos conhecidos pela sigla ADME – absorção, distribuição, metabolismo e excreção. Tais processos influenciam diretamente a biodisponibilidade da molécula e seu tempo de meia-vida no organismo. Também abordaremos a fase farmacodinâmica, que corresponde à fase de reconhecimento molecular. Vamos conhecer as principais forças de interação entre uma molécula, por meio de seus grupamentos farmacofóricos, e seu sítio-alvo. Vamos relacionar a estrutura química com a atividade biológica e entender a importância da estereoquímica presente nos fármacos. MÓDULO 1 Descrever a influência dos fatores estruturais e das propriedades físico-químicas sobre a atividade dos fármacos FASES DE UM FÁRMACO – DA ADMINISTRAÇÃO AO LOCAL DE AÇÃO Existem 3 fases gerais de ação dos fármacos a partir do momento em que ingerimos ou administramos o medicamento – fase farmacêutica, fase farmacocinética e fase farmacodinâmica. FASE FARMACÊUTICA Envolve as diferentes vias de administração e as formas farmacêuticas. FASE FARMACOCINÉTICA Engloba o caminho a ser percorrido pelo fármaco e o que acontece com ele. Nessa etapa, entram os processos de absorção, distribuição, metabolismo e excreção (ADME). FASE FARMACODINÂMICA Compreende a interação do fármaco com seu alvo biológico e o desencadeamento da resposta/efeito terapêutico. As 3 fases estão resumidas na Figura 1 a seguir. Figura 1 – As fases de um fármaco desde sua administração até o local de ação. Veremos, a seguir, como funcionam as fases farmacêutica e farmacocinética, e como elas influenciam a ação dos fármacos. No módulo 2, veremos como ocorre a última fase – a farmacodinâmica. javascript:void(0) javascript:void(0) javascript:void(0) FASE FARMACÊUTICA Sabemos que existem diferentes formas farmacêuticas para a apresentação dos medicamentos assim como diversas vias de administração. Ambas vão afetar diretamente a biodisponibilidade de um fármaco. Cada forma farmacêutica tem sua via específica de administração. Por exemplo, os sólidos – como comprimidos, cápsulas e pílulas – são administrados por via oral e, na fase farmacêutica, sofrem desintegração. A desintegração será mais ou menos rápida dependendo da maior ou menor compressão da forma farmacêutica. Após a desintegração, ocorre a dissolução do princípio ativo, que necessita estar solúvel no meio para ser absorvido. Imagem: Shutterstock.com BIODISPONIBILIDADE A biodisponibilidade mede a quantidade percentual do fármaco que atinge a circulação sistêmica em relação à dose administrada por via oral. javascript:void(0) Em uma classificação geral, há dois tipos de vias de administração – a enteral e a parenteral. A enteral são as vias oral, sublingual e retal. Nessas vias, o fármaco chega ao trato gastrointestinal, onde é absorvido. Na via parenteral – intramuscular, intravenosa, intratecal e subcutânea –, o fármaco atinge a circulação sanguínea sem passar pelo sistema gastrointestinal. FASE FARMACOCINÉTICA Já vimos que a fase farmacocinética envolve os processos conhecidos como ADME, que significa absorção, distribuição, metabolismo e excreção. Uma vez que estudos toxicológicos são importantes e também se aplicam nessa fase, podemos chamá-la de ADMET ou ADME/Tox. A farmacocinética de um fármaco é uma fase extremamente importante, já que ela determina a concentração de fármaco que chegará ao seu local de ação e o tempo em que ficará lá. A pesquisa por moléculas bioativas, em geral, inicia-se por testes in vitro e, posteriormente, in vivo em animais. Muito frequentemente, as moléculas que foram ativas in vitro não apresentam o mesmo perfil in vivo. Isso se deve, em geral, a problemas na sua farmacocinética. Imagem: Shutterstock.com Uma farmacocinética inadequada é responsável pelo abandono de muitos processos de desenvolvimento de fármacos. O número de compostos abandonados ao longo do processo de desenvolvimento é muito superior ao número de fármacos que chegam ao mercado. Daí a importância dos estudos de ADMET logo nas etapas iniciais do processo. Modificações estruturais nos compostos protótipos devem ser feitas com o intuito de otimizar essas propriedades de ADMET logo no início dos estudos para que, em etapas posteriores, eles não precisem ser abandonados. Esse abandono tardio gera enorme prejuízo financeiro e de tempo. ABSORÇÃO Considerando as vias de administração enteral, após a última etapa da fase farmacêutica, o fármaco está dissolvido, ocorrendo a absorção, ou seja, ele passa para a circulação sistêmica. Para isso, ele precisa atravessar membranas celulares que são hidrofóbicas, formadas por bicamadas lipídicas. Com isso, observamos a importância do estudo das propriedades físico- químicas dos fármacos, como lipofilicidade e pKa. Veremos essas propriedades com mais detalhes adiante. A passagem de moléculas através das barreiras biológicas pode se dar por diferentes mecanismos, como osmose, filtração, difusão simples, difusão facilitada, transporte ativo, endocitose ou exocitose. javascript:void(0) javascript:void(0) javascript:void(0) javascript:void(0) javascript:void(0) javascript:void(0) javascript:void(0) Imagem: Shutterstock.com OSMOSE Passagem de água a favor do gradiente de concentração – de uma área de baixa concentração de soluto (alta concentração de água) para uma área de alta concentração de soluto (baixa concentração de água). FILTRAÇÃO Passagem de soluto e solvente, através da membrana plasmática, a favor do gradiente de concentração. DIFUSÃO SIMPLES Passagem de gases – como oxigênio e dióxido de carbono – e moléculas pequenas e apolares – lipossolúveis ou hidrofóbicas – através da membrana plasmática, a favor do gradiente de concentração, até que se atinja o equilíbrio no gradiente de concentração entre os meios intra e extracelular. DIFUSÃO FACILITADA Passagem das moléculas através da bicamada lipídica por meio de proteínas carreadoras específicas (permeases), sem gasto de energia. TRANSPORTE ATIVO Transporte através da membrana plasmática com gasto de energia. ENDOCITOSE Processo de internalização de moléculas para o interior da célula por meio de invaginações da membrana plasmática. EXOCITOSE Processo pelo qual vesículas do interior da célula se fundem à membrana plasmática e liberam o seu conteúdo para o meio extracelular. VIAS DE ADMINISTRAÇÃO ENTERAL A maioria dos fármacos é administrada por via oral e absorvida no intestino. Existem diversos fatores que afetam a absorção no trato gastrointestinal, como: 1 Se o indivíduo está em jejum ou alimentado – presença de conteúdo estomacal e intestinal. 2 A motilidade gastrointestinal, que pode estar mais lenta ou rápida pela utilização de outro medicamento. 3 O tamanho da partícula e a formulação do medicamento. 4 O fluxo sanguíneo. 5 Os fatores físico-químicos do fármaco, que veremos a seguir. Existem outras vias de administração enteral menos comuns, como a via sublingual e retal. No caso da sublingual, o fármaco é rapidamente absorvido pela mucosa e cai diretamente na circulação sanguínea. Nesse caso,ele tem um efeito rápido, além do fato de não passar pelo metabolismo no fígado. A via retal é geralmente usada quando o paciente não pode tomar o medicamento pela via oral ou quando se deseja um efeito local, como no tratamento da colite ulcerativa. Vias de administração parenteral Entre as vias de administração parenteral principais encontramos a subcutânea, intramuscular e intravenosa. VIAS SUBCUTÂNEA E INTRAMUSCULAR Podem ser utilizadas para absorção imediata, ou lenta e prolongada, dependendo da formulação utilizada. VIA INTRAVENOSA O fármaco vai diretamente para a circulação sanguínea, e é a vida de administração que proporciona o efeito farmacológico mais rápido. A via intravenosa é geralmente usada em emergências ou quando o medicamento não pode ser administrado por via enteral por limitações físicas do paciente, farmacotécnicas ou farmacocinéticas. Existe também a via transdérmica , que é mais usada quando há necessidade de um efeito local na pele. Nesse caso, pode haver certa absorção levando a efeitos sistêmicos. Em geral, a maioria dos fármacos é pouco absorvida pela pele, mas o uso de formas farmacêuticas transdérmicas é cada vez mais frequente. Após a absorção, teremos as seguintes etapas da fase farmacocinética: DISTRIBUIÇÃO Após a absorção gastrointestinal, ocorre a distribuição do fármaco, que é a sua transferência do local de absorção até o local de ação através da circulação sanguínea. Em geral, antes de chegar ao seu local de ação, o fármaco passa pelo fígado – principal local de metabolismo ou biotransformação. METABOLISMO No fígado, ocorre o efeito de primeira passagem – ou seja, o metabolismo da droga –, que acarreta a diminuição da sua concentração. O metabolismo reduz significativamente a biodisponibilidade do fármaco. Isso ocorre uma vez que o fármaco sofre diversas reações enzimáticas e é transformado em moléculas chamadas de metabólitos. ELIMINAÇÃO Os metabólitos são excretados na fase de eliminação. Essas moléculas costumam ser compostos mais polares e hidrofílicos do que o fármaco de origem, o que facilita sua eliminação. Os metabólitos podem ser moléculas inativas ou apresentar atividade farmacológica parecida ou diferente do fármaco inicial. A fase de eliminação pode ocorrer por meio de urina, lágrima, bile, suor, saliva e outras. BIODISPONIBILIDADE O efeito de primeira passagem no fígado ocorre em maior ou menor extensão, dependendo das características do fármaco. Isso também vai influenciar a concentração desse fármaco que atinge a circulação e, consequentemente, a quantidade que alcança o sítio de ação. Alguns fármacos são totalmente metabolizados e, por isso, não podem ser administrados por via oral, como o anestésico local e antiarrítmico ligonocaína. A partir daí, podemos entender que não há relação proporcional entre absorção e biodisponibilidade oral. Desse modo, uma molécula com boa absorção pode apresentar biodisponibilidade baixa devido ao efeito de primeira passagem. A seguir, iremos aprender um pouco mais sobre as características do fármaco. PROPRIEDADES FÍSICO-QUÍMICAS DO FÁRMACO Algumas propriedades físico-químicas das moléculas afetam muito sua farmacocinética e, como consequência, a fase de ação e reconhecimento pelo sítio receptor. Já mencionamos a importância da solubilidade – que ocorre na fase farmacêutica – para a absorção do fármaco. Isso ocorre uma vez que o fármaco precisar estar em solução para ser absorvido. Fármacos pouco solúveis, portanto, tem sua absorção limitada, já que apresentarão menor quantidade de moléculas dissolvidas. Os fármacos com baixa solubilidade são aqueles que possuem estruturas moleculares mais lipofílicas, que apresentam, em geral, mais grupamentos apolares. As principais propriedades físico-químicas que influenciam a concentração plasmática dos fármacos e, consequentemente, a extensão dos seus efeitos biológicos são a lipofilicidade e a constante de acidez, medida em função de pKa Vamos abordar detalhadamente cada uma dessas propriedades a seguir. LIPOFILICIDADE A lipofilicidade (log P), grosso modo, é a habilidade de uma molécula se dissolver em lipídeos. Mais precisamente, a lipofilicidade é definida pelo coeficiente de partição (P), que é caracterizado pela razão entre a concentração de uma substância na fase orgânica (Corg) e sua concentração na fase aquosa (Caq), em um sistema onde se encontram dois compartimentos em equilíbrio. Podemos representar o coeficiente de partição pela seguinte equação: Atenção! Para visualização completa da equação utilize a rolagem horizontal P = Corg Caq Foto: Shutterstock.com Moléculas com alto coeficiente de partição têm mais afinidade pela fase orgânica, sendo mais permeáveis através das membranas celulares. Logaritmo do coeficiente de partição (P) – log P A lipofilicidade é estimada em valores de log P, que é o logaritmo do coeficiente de partição (P), e está geralmente relacionado à atividade biológica. Valores de log P considerados ótimos para uma lipofilicidade adequada estão entre 0 e 3. Fora desses valores, podemos entender que, para log P menor do que zero, o composto terá mais afinidade pela fase aquosa, ou seja, será mais hidrofílico/menos lipofílico. A maior hidrossolubilidade pode ser boa para a fase inicial de dissolução do fármaco. No entanto, compostos muito hidrossolúveis podem apresentar baixa permeabilidade pela bicamada lipídica das células e, consequentemente, menor biodisponibilidade. Por outro lado, valores muito altos de log P são apresentados por moléculas muito hidrofóbicas/muito lipofílicas. Nesse caso, apesar de apresentarem melhor permeabilidade pela membrana celular, poucas moléculas são solubilizadas na fase inicial de dissolução. Equação de Hansch Hansch e colaboradores demonstraram que existem correlações entre a atividade biológica e os parâmetros como a lipofilicidade. Eles definiram uma constante hidrofóbica de determinado substituinte como πx, conforme as equações a seguir: Atenção! Para visualização completa da equação utilize a rolagem horizontal Desse modo, o log P de um composto com um substituinte x pode ser calculado por: Atenção! Para visualização completa da equação utilize a rolagem horizontal Como exemplo da utilização da equação de Hansch, podemos calcular o log P da molécula m- clorobenzamida, partindo de valores obtidos experimentalmente para o benzeno, clorobenzeno e benzamida, como mostramos na Figura 2. Imagem: Estela Maris Freitas Muri. Figura 2 – Predição do log P da m-clorobenzamida. O log P calculado será o valor do log P do benzeno somado aos valores das constantes hidrofóbicas dos substituintes (π) cloro (πCl = 0,71) e amida (πCONH2 = -1,49). O resultado do valor de log P teórico obtido nos indica que é bem próximo ao valor experimentalmente observado. Alteração da lipofilicidade πx = logPx − logPH ou πx = log Px PH logPx = logPH + πx Valores positivos de π, em geral, indicam substituintes mais hidrofóbicos do que o hidrogênio – grupamentos que incrementam a lipofilicidade. Já os valores negativos indicam substituintes menos hidrofóbicos do que o hidrogênio – aqueles que reduzem a lipofilicidade. Dessa forma, ao estudarmos uma série de compostos desenvolvidos a partir de um composto protótipo, chamada de série congênere, podemos ter os valores de π como uma orientação para introdução ou retirada de grupos funcionais substituintes, dependendo de como queremos alterar a lipofilicidade dos derivados. Imagem: Shutterstock.com Algumas características afetam os valores de π e, consequentemente, a lipofilicidade – por exemplo, os efeitos indutivo e de ressonância. O valor de π de um substituinte é aumentado quando tem menos afinidade pela fase aquosa, o que pode acontecer por efeito indutivo ou de ressonância. No primeiro caso, grupos retiradores de elétrons deixam os elétrons não compartilhados menos disponíveis para formação de ligação hidrogênio e, no segundo caso, isso também ocorrepela ressonância desses mesmos elétrons para um sistema aromático. Se a capacidade de formação de ligação hidrogênio é reduzida, a afinidade pela água também é, aumentando o valor de π. Nesse grupo de substituintes retiradores de elétrons que aumentam a lipofilicidade, podemos citar os halogênios (Cl, Br, F, I), o grupo nitro (NO2) e o trifluorometil (CF3). Imagem: Shutterstock.com ATENÇÃO Qualquer efeito ou característica estrutural que diminua a afinidade do substituinte pela fase aquosa vai reduzir o valor de π. Entram, nesse caso, efeitos estéricos e conformacionais que blindem elétrons não compartilhados, por exemplo. PKA As propriedades de acidez e basicidade de uma molécula, assim como a lipofilicidade, podem ser alteradas por modificações estruturais com introdução de grupamentos adequados para a obtenção de um pKa desejado. Sabendo que o pKa determina o grau de ionização, inferimos que ele afeta a solubilidade e a permeabilidade dos compostos. Tais características, por sua vez, determinam a extensão de absorção em nível intestinal. O grau de ionização de um composto, que pode ser medido a partir do valor de pKa, também é uma propriedade físico-química importante na farmacocinética. Moléculas neutras, não ionizadas, são mais lipofílicas do que moléculas ionizadas. Com isso, elas conseguem atravessar barreiras lipídicas mais facilmente. As moléculas ionizadas/carregadas são polares e não sofrem absorção passiva com facilidade, pois estão solvatadas pela água. Grande parte das moléculas dos fármacos são ácidos ou bases fracas. Além disso, dependendo do pH do meio em que estão inseridas, podem estar majoritariamente nas formas neutras, ácida (HA) e básica (B), ou ionizadas, básica (A-) e ácida (BH+) (Figura 3). Figura 3 – Ionização de fármacos ácidos e básicos fracos. EQUAÇÃO DE HENDERSON-HASSELBALCH Semelhante à equação de Hansch para lipofilicidade, a equação de Henderson-Hasselbalch pode ser aplicada para o cálculo do grau de ionização de ácidos e bases. A fração ionizada chamada de α pode ser calculada pela equação a seguir: Para moléculas ácidas: Atenção! Para visualização completa da equação utilize a rolagem horizontal Para moléculas básicas: % de ionização (α) = 100 − 100 1+anti log (pH−pKa) Atenção! Para visualização completa da equação utilize a rolagem horizontal A farmacocinética das moléculas pode ser prevista por meio dessas equações, uma vez que temos a informação dos valores de pH dos compartimentos do organismo, por exemplo, mucosa intestinal pH ~ 5, plasma pH ~ 7,4 e mucosa gástrica pH ~ 1. Se o valor de pKa também for conhecido, podemos calcular a concentração das espécies neutras e iônicas. ACIDEZ E BASICIDADE Devemos entender alguns aspectos importantes das moléculas com caráter ácido e básico. Dependendo do pH da solução em que se encontram, a concentração das espécies nas formas neutra e iônica irá variar: PARA OS ÁCIDOS Quanto menor o valor do pH, maior será a concentração de suas moléculas na sua forma neutra (HA) em relação à forma aniônica (A-). PARA AS BASES Quanto menor o pH, maior será a concentração da forma catiônica (BH+) e menor será a concentração da forma neutra (B). % de ionização (α) = 100 − 100 1+anti log (pKa−pH) Em relação ao pKa, temos que ácidos mais fortes apresentam menores valores de pKa. Esses compostos, em solução aquosa, são mais intensamente ionizados, tendendo a formar maior quantidade da sua forma aniônica (A-). Já as bases mais fracas são as que tem menores valores de pKa (do seu ácido conjugado) e são fracamente protonadas, de modo que a forma ionizada (BH+) não é favorecida. Vamos observar um exemplo da influência do pKa e pH na absorção de um fármaco. O ácido acetilsalicílico (AAS) possui caráter ácido fraco com pKa ~ 3,5. Uma pequena parte do fármaco é absorvida no estômago (pH entre 1 e 3), responsável pelos seus efeitos secundários mais importantes como irritação gástrica, sangramentos e até úlcera péptica. A maior parte do AAS é absorvida nos segmentos proximais do intestino (pH ~ 5), onde está em grande quantidade na sua forma não ionizada e, portanto, passível de absorção. Após a absorção, o fármaco cai na corrente sanguínea, que apresenta pH mais elevado (pH ~ 7), sendo majoritariamente ionizado e distribuído pelo organismo (Figura 4). Imagem: Estela Maris Freitas Muri. Figura 4 – Efeito do pH na concentração e absorção do AAS. Como vimos, após a absorção, certa quantidade do fármaco vai para o fígado e sofre o efeito de primeira passagem. Outra parte dele pode ser diretamente distribuída, atingindo seu sítio de ação. Dependendo do local de ação do fármaco, novamente a questão da lipofilicidade deve ser levada em consideração. log D O coeficiente de distribuição (D), que é expresso como log D, mede a variação do coeficiente de partição (P) em função da alteração do pH da fase aquosa. Em geral, o log D é igual ao log P, e os valores considerados ótimos estão na faixa de 1-3. Um perfil adequado para uma boa absorção gastrointestinal de um candidato a fármaco deve ser obtido por meio de um balanço apropriado entre permeabilidade e hidrossolubilidade. Valores de log D / log P fora dessa faixa de 1-3 mostram que esse balanço não está adequado, impactando a biodisponibilidade oral da molécula em questão. Fora dessa faixa considerada ótima, temos que: LOG D MENOR QUE 1 Valores de log D menores que 1 mostram compostos com boa hidrossolubilidade, mas com baixa absorção devido à pobre permeabilidade. LOG D ENTRE 3 E 5 Valores entre 3 e 5 são apresentados por substâncias com baixa hidrossolubilidade, levando a uma absorção reduzida mesmo com alta permeabilidade. LOG D MAIOR QUE 5 Valores maiores que 5 mostram compostos com hidrossolubilidade muito baixa, o que leva à baixa absorção e biodisponibilidade. No quadro a seguir podemos visualizar a relação entre os valores de log D e as principais características que interferem na biodisponibilidade dos fármacos. Faixa de log D Hidrossolubildade Permeabilidade Absorção Biodisponibilidade Menores do que 1 Alta Baixa Baixa Baixa Entre 1 e 3 Ótima Ótima Ótima Ótima Entre 3 e Baixa Alta Baixa Baixa javascript:void(0) javascript:void(0) javascript:void(0) 5 Maiores do que 5 Muito baixa Alta Baixa Baixa Atenção! Para visualização completa da tabela utilize a rolagem horizontal Quadro 1 – Relação entre log D e as características que afetam a biodisponibilidade dos fármacos. Elaborado por: Estela Maris Freitas Muri. Um exemplo que mostra a importância da otimização em compostos protótipos que visam à melhoria de parâmetros e características farmacocinéticas para candidatos a fármacos é o indinavir – inibidor da enzima HIV protease. O seu composto protótipo foi inativo por via oral devido à baixa hidrossolubilidade. Modificações estruturais foram realizadas e a introdução da cadeia lateral com sítios de ionização básicos fez com que o indinavir apresentasse melhor solubilidade em água e uma biodisponibilidade oral aumentada (Figura 5). Imagem: Estela Maris Freitas Muri. Figura 5 – Otimização do composto protótipo do indinavir. REGRA DOS CINCO Vimos que a predição de estruturas químicas de moléculas, que possam ser candidatas a fármacos já nos estágios iniciais da pesquisa, é de grande relevância, principalmente econômica. Baseados nisso, Lipinski e colaboradores propuseram a chamada Regra dos Cinco após analisar o banco de dados chamado World Drug Index (Índice Mundial de Drogas). Os autores relacionaram, por meio da análise desse banco de dados para fármacos ativos por via oral, algumas características estruturais e propriedades físico-químicas necessárias para que novas moléculas apresentassem uma boa hidrossolubilidade e permeabilidade – e, consequentemente, uma biodisponibilidade elevada. De acordo com a Regra dos Cinco, as características relevantes seriam: 1 Log P calculado menor ou igual a 5. 2 Peso molecular (PM) menor do que 500 Dalton. 3Número menor ou igual a 5 grupos doadores de ligação de hidrogênio. 4 Número menor ou igual a 10 grupos aceptores de ligação de hidrogênio. A Regra dos Cinco, apesar de ajudar bastante na estimativa das características estruturais e propriedades físico-químicas adequadas para um novo composto, não é uma regra para que uma substância venha a se tornar um fármaco. Temos alguns exemplos de fármacos comercializados que não a seguem, como o lapatinibe e o nilotinibe, que apresentam PMs acima de 500 Da e log D maior do que 5. Vimos, neste módulo, a importância dos estudos da farmacocinética com diversos objetivos no processo de desenvolvimento de um fármaco. Tais estudos evitam o descarte de uma molécula promissora, orientam modificações estruturais que levam à otimização de propriedades importantes para o fármaco, além de orientar a dosagem e posologia do medicamento. Neste vídeo, você conhecerá um pouco sobre as propriedades físico-químicas e a ação dos fármacos. VERIFICANDO O APRENDIZADO 1. CONHECEMOS AS FASES FARMACÊUTICA E FARMACOCINÉTICA E VIMOS COMO ELAS INFLUENCIAM O PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO DE FÁRMACOS. A SEGUIR, LISTAMOS CARACTERÍSTICAS IMPORTANTES DESSAS DUAS FASES. ASSINALE A ALTERNATIVA INCORRETA EM RELAÇÃO A ELAS. A) A fase farmacêutica compreende as etapas de desintegração e dissolução do fármaco após administração oral. B) Existem diferentes vias de administração de medicamentos e diversas formas farmacêuticas relacionadas a elas. C) Após a desintegração e dissolução do princípio ativo, este passa para a fase farmacocinética, que envolve os processos de ADME. D) A primeira fase da farmacocinética é a absorção, que pode ocorrer por diferentes meios e, por isso, não afeta diretamente a biodisponibilidade do fármaco. E) O metabolismo é uma importante fase da farmacocinética, pois reduz consideravelmente a biodisponibilidade do fármaco por meio de reações químicas. 2. VERIFICAMOS AS PRINCIPAIS PROPRIEDADES FÍSICO-QUÍMICAS DE FÁRMACOS E COMO ELAS PODEM ALTERAR CARACTERÍSTICAS IMPORTANTES DESSES FÁRMACOS. EM RELAÇÃO ÀS PROPRIEDADES ESTUDADAS, ANALISE AS AFIRMATIVAS E MARQUE AQUELA QUE ESTÁ CORRETA. A) A lipofilicidade é uma das mais importantes propriedades de um fármaco e é determinada pelo coeficiente de partição (P). B) A equação de Hansch mostra a relação entre a lipofilicidade e hidrofilicidade de uma molécula. C) A lipofilicidade é muito mais importante do que o grau de ionização de um fármaco para o seu processo de absorção. D) O grau de ionização da molécula é determinado pelo seu pKa e afeta somente a solubilidade, sem alterar a permeabilidade dela. E) Moléculas na forma ionizada e não ionizada são capazes de atravessar barreiras biológicas e serem absorvidas de forma adequada, pois isso depende de sua concentração. GABARITO 1. Conhecemos as fases farmacêutica e farmacocinética e vimos como elas influenciam o processo de desenvolvimento de fármacos. A seguir, listamos características importantes dessas duas fases. Assinale a alternativa incorreta em relação a elas. A alternativa "D " está correta. A fase da farmacocinética compreende os processos de ADME iniciados pela absorção do fármaco que pode ocorrer por diferentes mecanismos – osmose, filtração, difusão passiva ou facilitada, transporte ativo, endocitose ou exocitose. Fármacos pobremente absorvidos tendem a apresentar baixa biodisponibilidade. 2. Verificamos as principais propriedades físico-químicas de fármacos e como elas podem alterar características importantes desses fármacos. Em relação às propriedades estudadas, analise as afirmativas e marque aquela que está correta. A alternativa "A " está correta. A lipofilicidade é uma das mais importantes propriedades de um fármaco e é determinada pelo coeficiente de partição (P), mas não é a única. O grau de ionização e as propriedades de acidez e basicidade de uma molécula também são muito importantes. MÓDULO 2 Reconhecer os receptores de fármacos e as interações fármaco-receptor FASE FARMACODINÂMICA – CONTEXTUALIZAÇÃO No módulo anterior, vimos as primeiras fases de ação dos fármacos a partir da sua administração – fases farmacêutica e farmacocinética. Aqui, estudaremos a fase em que o fármaco encontra o seu sítio-alvo ou sítio de ação para o desencadeamento da resposta farmacológica. Devemos entender como sítio-alvo os locais de ação dos fármacos, que podem ser receptores, enzimas, canais iônicos, proteínas estruturais ou intracelulares, DNA e moléculas transportadoras. Imagem: Shutterstock.com Muitas questões estão envolvidas nessa fase de interação do fármaco com o sítio-alvo, tais como as forças intermoleculares, entre as moléculas do fármaco e do sítio de ação. Outra questão importante nessa interação é a complementaridade entre as partes. Tal complementaridade deve ser não apenas geométrica, mas também estereoeletrônica. Neste módulo, portanto, vamos entender os principais fatores envolvidos na fase farmacodinâmica. Para começar, veremos que os fármacos podem ser classificados quanto ao modo de interação, ou mecanismo de ação, de duas formas – fármacos estruturalmente inespecíficos e específicos. A seguir, iremos conhecer cada uma dessas formas. FÁRMACOS ESTRUTURALMENTE INESPECÍFICOS Os fármacos estruturalmente inespecíficos são aqueles que, para produzir sua atividade farmacológica, dependem somente de suas propriedades físico-químicas – coeficiente de partição (P), pKa, acidez, basicidade, entre outras. Podemos citar, como exemplo de fármacos estruturalmente inespecíficos, a classe dos anestésicos gerais. Esses fármacos têm sua atividade farmacológica diretamente ligada à sua lipossolubilidade. Outro exemplo bastante conhecido são os antiácidos, como o hidróxido de magnésio, Mg(OH)2. Vamos entender melhor acompanhando a Figura 6. Sabemos que a produção excessiva de ácido estomacal acontece em algumas patologias. Dessa forma, o hidróxido de magnésio, por meio de sua característica físico-química básica, age por meio de uma reação de neutralização do ácido nessa região. Observe que não houve, nesse caso, nenhuma interação com receptor específico. Imagem: Shutterstock.com Figura 6 – Reação de neutralização do HCl pelo Mg(OH)2 FÁRMACOS ESTRUTURALMENTE ESPECÍFICOS Os fármacos dessa categoria se ligam aos sítios-alvo específicos para que a resposta farmacológica ocorra. Como dissemos anteriormente, essa ligação/interação será mais efetiva quanto melhor for a complementaridade molecular entre o ligante e o alvo. Você sabe o que significa complementaridade molecular? Vejamos! COMPLEMENTARIDADE MOLECULAR Complementaridade molecular significa que o ligante – fármaco – deve se unir de forma eficiente ao sítio-alvo, de modo que essas duas estruturas sejam complementares. Isso depende de vários fatores, como características estruturais do ligante, disposição espacial de seus substituintes, intensidade e número de forças de interação entre eles, entre outras. Para entender melhor como se dá essa interação, vamos observar a Figura 7, que mostra o modelo chave-fechadura. Nesse modelo, as chaves são os ligantes que devem se encaixar na fechadura, que é o sítio receptor. Dessa forma, poderá “abrir” (ou não) a porta, que significa desencadear o efeito biológico. De acordo com esse modelo, podemos observar 3 tipos de chaves: CHAVE ORIGINAL É o agonista natural, que se encaixa perfeitamente na fechadura e abre a porta – provoca a resposta biológica. CHAVE MODIFICADA É o agonista parcial, capaz de entrar na fechadura e abrir a porta, pois tem características semelhantes à chave original. Desencadeia a mesma resposta biológica, mas com menor potência. CHAVE FALSA É o antagonista, que tem acesso mínimo à fechadura, não sendo capaz de abrir a porta – não promove o efeito biológico. Imagem: Química medicinal: as bases moleculares da ação dos fármacos, BARREIRO & FRAGA, 2015, p. 3 , fig. 1.4. Figura 7 – Modelo chave-fechadura de interação. Podemos observar,nesse modelo, que a afinidade do ligante pelo receptor é uma característica importante para a interação entre eles. Além disso, a formação do complexo ligante-receptor pode desencadear respostas biológicas quantitativamente diferentes – a chamada atividade intrínseca de um fármaco. Devemos ter em mente, portanto, que nem sempre um ligante com alta afinidade pelo seu receptor levará a uma resposta biológica. Tal resposta irá depender da sua atividade intrínseca. FORÇAS DE INTERAÇÃO LIGANTE-RECEPTOR Já entendemos que o ligante ou fármaco precisa se ligar ao seu sítio receptor e que precisa haver reconhecimento e complementaridade entre essas moléculas para que a resposta biológica ocorra. Agora, vamos aprender quais são as forças envolvidas nessas interações intermoleculares. As principais forças intermoleculares podem ser classificadas como: FORÇA ELETROSTÁTICA Ocorre entre moléculas polares com cargas ou com momentos de dipolo permanentes. FORÇA DE INDUÇÃO Ocorre com uma molécula polar e outra apolar, sendo que a polar induz a formação de um momento de dipolo na apolar. FORÇA DE DISPERSÃO É característica de moléculas apolares ou hidrofóbicas. Veremos, a seguir, como funcionam as forças eletrostáticas e de dispersão, as principais responsáveis pelas interações fármaco-receptor. FORÇAS ELETROSTÁTICAS As forças eletrostáticas acontecem pela atração de dipolos ou íons de cargas opostas. Em geral, no pH fisiológico, tanto as moléculas dos fármacos quanto os aminoácidos presentes no sítio ativo do receptor se encontram na forma ionizada. LIGAÇÃO IÔNICA Imagem: BARREIRO & FRAGA (2015, p. 6, fig. 1.7 e p. 8, fig. 1.9) adaptada por Estela Maris Freitas Muri. Tipos de interações iônica. Os aminoácidos básicos, como a arginina e lisina, estão protonados na forma de cátions. Já os aminoácidos ácidos, como ácido aspártico e ácido glutâmico, estão desprotonados e nas formas aniônicas. Quando as duas partes – ligante/fármaco e receptor – encontram-se nas formas ionizadas, elas podem interagir por ligação iônica. Podemos citar a interação entre a acetilcolina e seu receptor como exemplo de interação iônica. Observe, na figura acima, que o grupamento amônio quaternário carregado positivamente do neurotransmissor interage com o íon carboxilato presente no aminoácido do sítio ativo do receptor. LIGAÇÃO ÍON-DIPOLO Imagem: BARREIRO & FRAGA (2015, p. 6, fig. 1.7 e p. 8, fig. 1.9) adaptada por Estela Maris Freitas Muri. Tipos de interações íon-dipolo. Em outras situações, quando a interação ocorre entre uma molécula ionizada – um íon – e outra parcialmente carregada – uma molécula neutra polarizável –, chamamos de interação íon- dipolo. LIGAÇÃO DIPOLO-DIPOLO Imagem: BARREIRO & FRAGA (2015, p. 6, fig. 1.7 e p. 8, fig. 1.9) adaptada por Estela Maris Freitas Muri. Tipos de interações dipolo-dipolo. Já interação dipolo-dipolo ocorre entre moléculas neutras com polarizações diferentes, devido à diferença de eletronegatividade entre os átomos – geralmente, um heteroátomo (oxigênio, nitrogênio ou halogênio) e o carbono, como observamos na figura acima. Existem outros tipos de interações dipolo-dipolo chamadas de empilhamento-π e empilhamento-T, além da interação íon- dipolo conhecida como cátion-π. Essas interações ocorrem por meio de anéis aromáticos e heteroaromáticos presentes na maioria dos ligantes e em vários resíduos de aminoácidos que compõem o sítio ativo receptor. O empilhamento-π e o empilhamento-T ocorrem pela aproximação em paralelo e ortogonal, respectivamente, dos sistemas aromáticos presentes nas duas moléculas. Já a interação cátion-π ocorre entre sistemas aromáticos, ricos em elétrons, e um íon carregado positivamente. LIGAÇÕES DE HIDROGÊNIO As ligações de hidrogênio são uma das interações mais importantes e ocorrem entre o hidrogênio, ligado a um átomo eletronegativo (H-O, H-N, H-F), e outro átomo eletronegativo. O que acontece é que essas ligações se tornam polarizadas devido à presença do átomo eletronegativo (O, N, F). Tal átomo atrai a densidade eletrônica para si e deixa o H com carga parcial positiva. Dessa forma, o H interage com elétrons livres de outro átomo eletronegativo. Na Figura 9, podemos conhecer alguns grupamentos doadores e aceptores de ligação hidrogênio. Imagem: BARREIRO & FRAGA (2015, p. 13, fig. 1.18) adaptada por Estela Maris Freitas Muri. Figura 9 – Grupamentos doadores e aceptores de ligação hidrogênio. As ligações hidrogênio são muito importantes em sistemas biológicos, pois mantêm a estrutura conformacional das proteínas, dos peptídeos e do DNA. Observamos, na Figura 10, um exemplo importante da presença de ligações hidrogênio, entre a adenina (A) e timina (T), para a manutenção da dupla hélice de uma molécula de DNA. Figura 10 – Ligações hidrogênio entre adenina e timina e dupla hélice do DNA. FORÇAS DE DISPERSÃO As forças de dispersão de London – também conhecidas como forças de Van der Waals – ocorrem entre moléculas apolares. Elas partem de uma polarização temporária (dipolo temporário) de ligações carbono-carbono ou carbono-hidrogênio de uma molécula que, ao se aproximar de outra, induz nela a formação de outro dipolo temporário oposto. Podemos entender melhor analisando a Figura 11. Observe que, no primeiro momento, temos duas moléculas apolares que se aproximam. Uma delas forma um dipolo temporário que, no segundo momento, induz a formação de outro dipolo na molécula vizinha. No terceiro momento, elas se atraem através dos dipolos opostos. As forças de Van der Waals são relativamente fracas, mas não menos importantes no processo de interação e reconhecimento fármaco-receptor, porque a soma delas contribui bastante. Imagem: Estela Maris Freitas Muri. Figura 11 – Forças de Van der Waals entre moléculas apolares. INTERAÇÕES HIDROFÓBICAS As interações hidrofóbicas acontecem entre moléculas apolares que se organizam em cadeias apolares por causa da repulsão das moléculas de água presentes no sistema. Quando essas cadeias apolares se aproximam do sítio receptor, elas se desfazem, permitindo a interação da molécula do fármaco com o sítio-alvo. Assim como as forças de dispersão, as interações hidrofóbicas são fracas, mas importantes, devido ao fato de, geralmente, estarem presentes em grande número. Por exemplo, fármacos que apresentam uma cadeia lateral alquílica podem interagir com alguma cavidade lipofílica do sítio receptor por interações hidrofóbicas. LIGAÇÃO COVALENTE As interações que envolvem ligações covalentes não são muito comuns e são as mais fortes entre fármacos-receptores, motivo pelo qual são consideradas irreversíveis. Esse tipo de interação envolve a formação de ligação sigma entre um átomo do ligante e outro do receptor, que passam a compartilhar um par de elétrons. Esse compartilhamento nem sempre é igual entre os átomos, pois vai depender da eletronegatividade deles. Como a ligação covalente é a interação mais forte entre o fármaco e seu receptor, geralmente, ela é irreversível e nem sempre desejada. Há situações em que se necessita reverter a interação fármaco-receptor, por exemplo, no aparecimento de algum efeito adverso severo, em que há necessidade de suspender a administração do fármaco. EXEMPLO Alguns fármacos formam esse tipo de interação, como é o caso da fenoxibenzamina, um antagonista dos receptores α-adrenérgicos que age pela formação de ligação covalente, levando a um antagonismo irreversível. A fenoxibenzamina é utilizada para controle da pressão arterial relacionada a uma doença chamada feocromocitoma. A ligação covalente que ela forma com seu receptor explica a sua prolongada duração de ação. Outros exemplos de fármacos que se ligam covalentemente incluem os agentes quimioterápicos alquilantes do DNA e compostos organofosforados. Alguns antibióticos β-lactâmicos também agem por inibição enzimática irreversível. Podemos observar como isso ocorre analisando a Figura 12. O ácido clavulânico é um potente inibidordas enzimas β-lactamases usado em infecções bacterianas resistentes às penicilinas e cefalosporinas. Ele é usado juntamente com esses antibióticos, uma vez que, ao inibir as β- lactamases, as bactérias passam a ser sensíveis a eles. O mecanismo de ação do ácido clavulânico ocorre por um ataque nucleofílico inicial da hidroxila do aminoácido serina, presente no sítio ativo da enzima, sobre a carbonila eletrofílica do anel de quatro membros, provocando a abertura dele e formando uma ligação covalente, o que leva à inibição irreversível. A inativação dessa enzima permite que os outros antibióticos atuem na infecção bacteriana. A combinação de ácido clavulânico e amoxicilina, comercializada no Brasil como Clavulin, também é utilizada dessa forma e foi um medicamento campeão de vendas durante muitos anos. Imagem: Shutterstock.com e SILVA, SILVA & BRUM (2018, p. 44) adaptada por Estela Maris Freitas Muri. Figura 12 – Mecanismo de inibição irreversível do ácido clavulânico. TEORIA DE AÇÃO DOS FÁRMACOS: FLEXIBILIDADE CONFORMACIONAL Vimos, anteriormente, o modelo chave-fechadura de Fischer, que foi muito útil para o entendimento da interação e complementaridade ligante/fármaco-receptor. No entanto, esse modelo não retrata bem a realidade por ser um modelo estático. A teoria (ou modelo) mais aceita é do encaixe induzido, proposta por Koshland, pois leva em conta o acomodamento conformacional das moléculas no sítio de interação (Figura 13). A teoria do encaixe induzido demonstra como o reconhecimento entre as moléculas é um processo dinâmico, que gera mudanças conformacionais no receptor após a interação com o ligante, acomodando-o da melhor forma. Isso está diretamente relacionado à ação do ligante, já que a enzima receptora, por exemplo, pode adotar conformações diferentes para as ações agonistas e antagonistas. Figura 13 – Modelo do encaixe induzido. Devemos ter em mente que moléculas congêneres – de uma mesma série – podem apresentar diferentes perfis de complementaridade molecular mesmo tendo pouca diferença estrutural entre elas. Moléculas com pequenas diferenças estruturais podem apresentar conformações bioativas diferentes e, dessa forma, interagir diferentemente com o sítio receptor. Um exemplo desse caso ocorre quando observamos diferentes modos de interação fármaco-receptor da tacrina – primeiro fármaco usado na doença de Alzheimer – e seus análogos. A Figura 14 mostra as estruturas da tacrina e de dois compostos análogos a ela, que apresentam o mesmo grupamento farmacofórico. Apesar da semelhança estrutural, os três compostos diferem em suas orientações e têm formas um pouco diferentes de reconhecimento pelo receptor. Imagem: Estela Maris Freitas Muri. Figura 14 – Estruturas da tacrina e seus análogos. INFLUÊNCIA DA ESTEREOQUÍMICA NA ATIVIDADE BIOLÓGICA O entendimento da estrutura tridimensional dos fármacos é, atualmente, de extrema relevância em seus processos de desenvolvimento. A importância da configuração absoluta de uma molécula e sua influência na atividade biológica começou a ser percebida e estudada após a tragédia da talidomida. Você sabe do que se trata essa tragédia ocorrida na década de 1960? TALIDOMIDA A talidomida é um fármaco que foi usado para o tratamento de enjoos em mulheres grávidas e era comercializado em sua forma racêmica – mistura dos isômeros (R) e (S). O uso desse fármaco resultou no nascimento de milhares de bebês com malformação congênita. Nesse caso, o efeito teratogênico foi atribuído ao enantiômero (S), e o efeito desejado, ao enantiômero (R). Hoje, sabe-se que o enantiômero (R) também causa o efeito colateral grave, pois sofre racemização no organismo. Imagem: Benjah-bmm27/ Wikimedia Common/ CC.0 Estrutura química da Talidomida. A partir daí, novas normas de produção e comercialização de fármacos foram estabelecidas. Desse modo, passaram a exigir o conhecimento da estereoquímica escolhida, incluindo novos testes pré-clínicos e clínicos, além do conhecimento do efeito biológico e toxicológico dos enantiômeros em separado e da mistura racêmica, para garantir segurança e eficácia. PROPRANOLOL Podemos observar a importância e os efeitos de uma mudança na disposição espacial de uma molécula na atividade biológica observando o caso do propranolol, na Figura 15. O propranolol é um anti-hipertensivo bloqueador dos receptores β-adrenérgicos. O enantiômero (S) é o responsável pela atividade anti-hipertensiva, enquanto o (R) quase não apresenta propriedades β-bloqueadoras de interesse terapêutico. Essa diferença nos comportamentos biológicos pode ser explicada pelas diferentes interações que os dois enantiômeros apresentam com o receptor. Imagem: Jürgen Martens/ Wikimedia Common/ CC.0 Fórmula estrutural do (S )-propranolol. O (S )-propranolol apresenta três pontos de interação com o receptor, que são: 1 Formação de ligação de hidrogênio entre o grupo hidroxila (-OH) e a carboxila ionizada do resíduo de aspartato do sítio receptor. 2 Interação do tipo íon-dipolo entre a amina da cadeia lateral do fármaco, que está ionizada no pH do meio, e o resíduo de asparagina. 3 Interações hidrofóbicas com a unidade naftila da molécula. Observe, na Figura 15, que o enantiômero (R) não apresenta uma das três interações citadas. Ele não faz mais a ligação de hidrogênio devido à modificação da estereoquímica do carbono assimétrico, que fez com que a hidroxila se afastasse do aspartato. Imagem: Pubchem (2021) e BARREIRO & FRAGA (2015. p. 21, fig. 1.28) adaptada por Estela Maris Freitas Muri. Figura 15 – Interações entre os grupamentos farmacofóricos do propranolol e seu receptor. Existem nomenclaturas para designar o isômero mais ativo e o menos ativo ou inativo. Eutômero é aquele que apresenta maior afinidade pelo receptor e atividade biológica desejada. Distômero é o enantiômero de menor afinidade, podendo ser inativo, apresentar uma menor atividade ou, ainda, efeitos adversos. EXEMPLO Na Figura 15, observamos que a modificação espacial em torno de um único átomo da molécula levou ao desaparecimento da atividade biológica útil de um composto. Esse exemplo é somente uma das situações que podem ocorrer com a alteração da estereoquímica de um composto. Em outros casos, pode haver somente a diminuição do efeito biológico ou ainda o aparecimento de efeitos adversos graves, como é o caso da talidomida. Vamos ver, a seguir, alguns exemplos de fármacos ou compostos biologicamente ativos que se encaixam nessas diferentes situações. UM ENANTIÔMERO APRESENTA ATIVIDADE FARMACOLÓGICA E O OUTRO É INATIVO Nessa situação, temos o fármaco anti-inflamatório e analgésico ibuprofeno. Aqui, o enantiômero ativo (eutômero) é o estereoisômero (S) – também chamado de dexibuprofeno –, enquanto o (R) não apresenta atividade biológica. Esse fármaco é comercializado tanto na forma de mistura racêmica quanto como enantiômero puro (Seractil). A L-metildopa – um anti-hipertensivo usado principalmente em casos de hipertensão gestacional e pré-eclâmpsia – também tem seu efeito devido ao isômero (S), sendo o distômero inativo (Figura 16). Imagem: Estela Maris Freitas Muri. Figura 16 – Estruturas de fármacos ibuprofeno e L-metildopa. OS DOIS ENANTIÔMEROS APRESENTAM ATIVIDADE FARMACOLÓGICA E POTÊNCIA SIMILARES A prometazina e a terfenadina são exemplos de fármacos anti-histamínicos que se encaixam nessa categoria. Isso não é muito comum de acontecer, uma vez que, em geral, os sítios receptores reconhecem os enantiômeros de forma diferenciada, pelo fato de eles possuírem arranjos espaciais diferentes. A terfenadina foi retirada do mercado por apresentar arritmias cardíacas como efeito colateral. Imagem: Estela Maris Freitas Muri. Figura 16 – Estruturas de fármacos prometazina e terfenadina. OS DOIS ENANTIÔMEROS APRESENTAM A MESMA ATIVIDADE FARMACOLÓGICA COM DIFERENTES POTÊNCIAS Exemplificamos, na Figura 15, um fármaco que se encaixa nessa situação, o (S)-propranolol, que é muitomais ativo que o seu estereoisômero. Outro caso é a varfarina, um anticoagulante comercializado na forma racêmica. Nesse caso, o eutômero (S) é cinco vezes mais potente in vivo do que o (R). Existem muitos outros exemplos, como o salbutamol, cuja forma (R) é oitenta vezes mais ativa do que a (S). Imagem: Denwet/Wikimedia Common/CC.0 Varfarina - fórmula estrutural. Imagem: Jü/ Wikimedia Common/CC.0 Salbutamol - fórmula estrutural UM ESTEREOISÔMERO APRESENTA ATIVIDADE TERAPÊUTICA E O OUTRO É RESPONSÁVEL PELOS EFEITOS SECUNDÁRIOS Nesse caso, encontramos o clássico exemplo da talidomida, entre outros, como a cetamina. A (S)-cetamina é responsável pelos efeitos anestésicos, enquanto a (R) causa efeitos alucinógenos. Nessas situações, o fármaco deve ser comercializado em sua forma enantiomericamente pura. Outro exemplo é o etambutol, um agente tuberculostático devido ao isômero (S,S) e cuja forma (R,R) pode causar cegueira (Figura 17). Imagem: Estela Maris Freitas Muri. Figura 17 – Estrutura de fármacos estereoisoméricos com diferentes perfis de atividade. OS DOIS ESTEREOISÔMEROS TÊM DIFERENTES ATIVIDADES FARMACOLÓGICAS DE INTERESSE Nessa categoria, podemos citar o propoxifeno, em que ambos os diastereoisômeros apresentam especialidades farmacêuticas diferentes e são comercializados separadamente. O dextroproproxifeno – isômero (2S,3R) (Davron) – é um analgésico da classe dos opioides, e o levopropoxifeno – (2R,3S) (Novrad) – é usado como antitussígeno. Imagem: Vacinação/Wikimedia Common/CC.0 Fórmula estrutural do dextroproproxifeno. FÁRMACOS ENANTIOMERICAMENTE PUROS Cada vez vem crescendo mais o desenvolvimento de fármacos enantiomericamente puros a partir de misturas racêmicas já em comercialização. Dessa forma, as empresas conseguem obter novas patentes pela justificativa de que fármacos enantiomericamente puros apresentam inúmeras vantagens – menos efeitos colaterais, maior índice terapêutico, maior tempo de meia- vida, maior segurança e eficácia, entre outros. Imagem: Shutterstock.com Nem sempre, no entanto, essas vantagens correspondem à realidade, pois cada caso é um caso, a exemplo da talidomida. Atualmente, sabemos que, mesmo administrando somente o eutômero, este sofre racemização in vivo, mantendo os efeitos teratogênicos. Também existem situações em que a utilização da mistura racêmica é superior ao enantiômero puro, como é o caso do antidepressivo mirtazapina. Nesse caso, os dois enantiômeros contribuem para a atividade antidepressiva devido aos seus diferentes comportamentos farmacodinâmicos. CONFIGURAÇÃO RELATIVA (CIS/TRANS, E/Z) E ATIVIDADE FARMACOLÓGICA Já vimos como a configuração absoluta (R,S) de um fármaco pode influenciar a sua atividade farmacológica. Agora, veremos que a configuração relativa (cis/trans, E/Z) também pode atuar de forma diferente no processo de reconhecimento ligante-receptor. SAIBA MAIS Você sabia que a nossa visão está intimamente relacionada a diferentes formas de reconhecimento molecular de isômeros cis e trans pelos fotorreceptores? Vamos ver como isso funciona. Veja como a isomeria cis e trans influencia nossa visão: 1- VITAMINA A A vitamina A encontrada no nosso organismo, obtida da alimentação, por exemplo, e presente na retina, está nas formas de retinal (um aldeído), retinol (um álcool) e ácido retinoico (um ácido carboxílico). 2- RETINAL O retinal na sua forma 11-cis se combina com a proteína opsina, formando a rodopsina, que é responsável pela conversão da energia luminosa em energia química. A rodopsina é ativada por um fóton de luz visível e, quando isso ocorre, o cis-retinal isomeriza ao trans-retinal. 3- TRANS -RETINAL O trans-retinal, por sua vez, não apresenta uma complementaridade molecular adequada com a opsina, diferentemente do cis-retinal, dissociando-se dela. Quando ocorre essa dissociação, um impulso elétrico é gerado sobre o nervo óptico, indo direto ao cérebro e enviando a informação da imagem. 4 - REGENERAÇÃO DO ISÔMERO CIS O isômero trans que se dissociou é isomerizado ao cis que, novamente, pela ação da enzima retinal isomerase, liga-se à opsina para nova fotoisomerização. Esse processo ocorre milhões de vezes por segundo e é conhecido como o ciclo da visão ou ciclo visual. Dessa forma, entendemos por que a deficiência de vitamina A causa problemas de visão (Figura 18). Figura 18 – Interação do cis -retinal com a opsina formando a rodopsina. RESTRIÇÕES DA LIBERDADE CONFORMACIONAL Além das configurações absoluta e relativa, as diferentes conformações que uma molécula pode adotar também afetam sua complementaridade e interação com o sítio receptor. Um composto pode adotar diferentes conformações e, consequentemente, diferentes arranjos espaciais quando ocorrem rotações em torno de ligações covalentes sigma. Dependendo da estrutura da molécula, isso é bastante comum, mas existem técnicas de modificações estruturais que visam restringir certa liberdade conformacional. Podemos observar, na Figura 19, um exemplo bastante ilustrativo que mostra a acetilcolina, um neurotransmissor que atua nos receptores muscarínicos e nos receptores nicotínicos. Dependendo do receptor ativado, a acetilcolina irá exercer diferentes ações. Por exemplo, nas células musculares esqueléticas, ela vai se ligar aos receptores nicotínicos, tendo uma ação excitatória e fazendo com que o músculo se contraia. Já nos músculos cardíacos, ela se liga aos receptores muscarínicos e apresenta uma ação inibitória, reduzindo os batimentos cardíacos. Os efeitos distintos acontecem porque a acetilcolina se liga a esses dois tipos de receptores por meio de duas conformações diferentes, nas quais os grupos farmacofóricos (acetato e amônio quaternário) apresentam diferentes arranjos espaciais. Observe que a conformação antiperiplanar, em que os grupamentos farmacofóricos estão mais afastados, liga-se preferencialmente aos receptores muscarínicos, e a conformação sinclinal interage com os receptores nicotínicos. Imagem: Estela Maris Freitas Muri. Figura 19 – Acetilcolina e suas diferentes conformações e receptores específicos. Neste vídeo, você conhecerá um pouco sobre estereoisomeria e a ação dos fármacos. VERIFICANDO O APRENDIZADO 1. (ADAPTADO DE SILVA, SILVA & BRUM, 2018). O MECANISMO DE AÇÃO DOS FÁRMACOS É UMA ÁREA DA QUÍMICA MEDICINAL QUE SE OCUPA EM ESTUDAR AS RELAÇÕES ENTRE A ESTRUTURA E A ATIVIDADE FARMACOLÓGICA DOS FÁRMACOS NO SEU SÍTIO DE AÇÃO – A SUA FARMACODINÂMICA. DE MANEIRA GERAL, UM FÁRMACO PODE DESEMPENHAR SEU EFEITO TERAPÊUTICO VIA MECANISMOS DE AÇÃO ESPECÍFICOS OU INESPECÍFICOS. ACERCA DOS MECANISMOS DE AÇÃO DOS FÁRMACOS, ASSINALE A ALTERNATIVA CORRETA. A) Para que um fármaco específico exerça sua atividade terapêutica, ele deve se ligar a uma molécula-alvo, que pode ser um receptor ou uma macromolécula endógena. Portanto, a atividade de um composto depende, exclusivamente, de sua ligação ao receptor, independentemente da sua estrutura química. B) Fármacos estruturalmente específicos são fármacos cuja estrutura química é conhecida. Nesses fármacos, os grupos farmacológicos são os grupos responsáveis pela ação e também pelos efeitos colaterais. C) Para que um fármaco específico ou inespecífico exerça sua atividade terapêutica, ele deve se ligar a uma molécula-alvo, que pode ser um receptor ou uma macromolécula endógena, ou ainda desempenhar sua ação via interações físico-químicas. Com isso, a atividade de um composto depende, exclusivamente, de sua ligação ao receptor e da sua estrutura química. D) Para que um fármaco inespecífico exerça sua atividade terapêutica, ele deve se ligar a uma molécula-alvo, que pode ser um receptor ou uma macromolécula endógena. Portanto, a atividade de um composto depende, exclusivamente, de sua ligação ao receptor e da sua estrutura química. E) Um fármaco estruturalmente inespecífico exerce sua atividade terapêutica principalmente por meio de suas propriedades físico-químicas.Desse modo, a sua atividade não depende apenas de sua ligação a um receptor, uma vez que os fármacos ditos inespecíficos agem por outras vias. 2. O PROCESSO DE RECONHECIMENTO MOLECULAR DE UM FÁRMACO COM SEU SÍTIO DE AÇÃO É BASEADO EM DIVERSOS TIPOS DE INTERAÇÕES, QUE PODEM SER MAIS OU MENOS FORTES. EM RELAÇÃO A ESSAS DIFERENTES FORÇAS INTERMOLECULARES, ESTÁ INCORRETO O QUE SE AFIRMA EM: A) São forças intermoleculares a ligação de hidrogênio, bem como as interações dipolo-dipolo e íon-dipolo. B) A ligação de hidrogênio ocorre em moléculas que possuem átomos de hidrogênio ligados a oxigênio, nitrogênio ou flúor. C) A interação entre um grupo amônio quaternário e o oxigênio de uma carbonila é considerada uma interação dipolo-dipolo. D) As forças de Van der Waals ocorrem entre moléculas apolares e são consideradas interações fracas. E) A ligação covalente é a interação mais forte entre fármaco-receptor e é considerada irreversível. GABARITO 1. (Adaptado de SILVA, SILVA & BRUM, 2018). O mecanismo de ação dos fármacos é uma área da química medicinal que se ocupa em estudar as relações entre a estrutura e a atividade farmacológica dos fármacos no seu sítio de ação – a sua farmacodinâmica. De maneira geral, um fármaco pode desempenhar seu efeito terapêutico via mecanismos de ação específicos ou inespecíficos. Acerca dos mecanismos de ação dos fármacos, assinale a alternativa correta. A alternativa "E " está correta. Os fármacos chamados de estruturalmente inespecíficos agem principalmente por meio de suas propriedades físico-químicas, como solubilidade ou grau de ionização. Assim agem os anestésicos locais, que devem sua ação à alta lipossolubilidade, e os antiácidos, que neutralizam a acidez estomacal por meio de uma reação de neutralização. 2. O processo de reconhecimento molecular de um fármaco com seu sítio de ação é baseado em diversos tipos de interações, que podem ser mais ou menos fortes. Em relação a essas diferentes forças intermoleculares, está incorreto o que se afirma em: A alternativa "C " está correta. Uma molécula pode interagir com seu sítio-alvo por meio de diversos tipos de interações/ligações, dependendo dos grupamentos farmacofóricos presentes em sua estrutura. Por exemplo, se uma molécula possui um grupo amônio quaternário, ou seja, um átomo de nitrogênio positivo (um íon), ela pode interagir com algum aminoácido presente no sítio que tenha disponível um grupo que forme um dipolo, como uma carbonila. Essa interação é chamada íon- dipolo. CONCLUSÃO CONSIDERAÇÕES FINAIS Neste estudo, vimos como os fármacos agem desde a sua administração até chegar ao seu local de ação, analisando as fases farmacêutica, farmacocinética e farmacodinâmica. Entendemos como é importante a escolha da via de administração e como ela influencia a biodisponibilidade do fármaco. Além disso, vimos como as propriedades físico-químicas das moléculas – como a lipofilicidade, evidenciada pelo coeficiente de partição, e o grau de ionização medido pelo valor de pKa – afetam sua farmacocinética e, como consequência, a fase de ação e reconhecimento pelo sítio receptor. Também entendemos como acontece o processo de ação dos fármacos na sua fase farmacodinâmica. Nesse sentido, pudemos reconhecer como é importante uma adequada complementaridade entre as moléculas do fármaco e do receptor. A formação desse complexo ligante/fármaco-sítio receptor é possível devido aos diferentes tipos de interações que ocorrem, tais como ligações de hidrogênio, íon-dipolo, dipolo-dipolo, interações hidrofóbicas, entre outras. Vimos, por fim, como os fatores estruturais e espaciais das moléculas estão relacionados com a maior ou menor afinidade por seus sítios de ligação. AVALIAÇÃO DO TEMA: REFERÊNCIAS BARREIRO, E. J.; FRAGA, C. A. M. Química medicinal: as bases moleculares da ação dos fármacos. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2015. OLIVEIRA, J. H. H. L. et al. Ácido clavulânico e cefamicina C: uma perspectiva da biossíntese, processos de isolamento e mecanismo de ação. Química Nova, v. 32, n. 8, p. 2142-2150, out. 2009. PATRICK, G. L. An introduction to Medicinal Chemistry. 5. ed. Reino Unido: Oxford University Press, 2013. SILVA, E. F.; SILVA, C.; BRUM, L. F. S. Fundamentos de Química Medicinal. 1. ed. Porto Alegre: Sagah, 2018. EXPLORE+ Leia o artigo Razões da atividade biológica – interações micro e biomacro-moléculas, de Carlos Alberto Manssour, publicado em 2001, para compreender mais sobre a relação entre a estrutura dos fármacos e a atividade biológica. Leia o artigo Os fármacos e a quiralidade: uma breve abordagem, de Vera Lucia Eifler Lima, publicado pela revista Química Nova, em 2009, e aprofunde seus conhecimentos sobre a importância da estrutura química e sua geometria espacial dos fármacos para a atividade farmacológica. CONTEUDISTA Estela Maris Freitas Muri CURRÍCULO LATTES javascript:void(0);