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Indaial – 2020 Design Prof.ª Adriana Silva da Silva 1a Edição introDução ao Elaboração: Prof.ª Adriana Silva da Silva Copyright © UNIASSELVI 2020 Revisão, Diagramação e Produção: Equipe Desenvolvimento de Conteúdos EdTech Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI Ficha catalográfica elaborada pela equipe Conteúdos EdTech UNIASSELVI Impresso por: S586i Silva, Adriana Silva da Introdução ao design. / Adriana Silva da Silva. – Indaial: UNIASSELVI, 2020. 226 p.; il. ISBN 978-65-5663-056-4 ISBN Digital 978-65-5663-057-1 1. Design. – Brasil. Centro Universitário Leonardo Da Vinci. CDD 701 A disciplina de Introdução ao Design tem como objetivo expor alguns conceitos, definições e teorias do design, sob o contexto histórico mundial e brasileiro a fim de demonstrar como esta área vem se consolidando ao passar do tempo. A disciplina também propõe um momento de reflexão sob o âmbito educacional do design, abordando a pesquisa e o campo de atuação do profissional designer. De posse de algumas informações acerca da consolidação do Design, enquanto área do conhecimento e considerando que o design é um elemento que nos permite avaliar as particularidades de um período do tempo, ampliaremos nossa discussão ao momento atual. Com vistas à contemporaneidade, serão abordadas as perspectivas do design, reforçando aspectos sobre a teoria e a evolução das tendências na área. De forma sucinta, alguns aspectos formais, sensíveis e sociais do design serão elencados considerando suas relações com estética e meio ambiente numa abordagem que contempla as dimensões emocional e social. O livro está estruturado em três unidades que pretendem discutir os seguintes temas. A Unidade 1, trata das concepções do design e seu contexto histórico apresentado sob o olhar de alguns teóricos. Também expõe uma breve introdução histórica de forma geral, de acordo com o âmbito histórico mundial, seguido pela implementação do design no Brasil e seus reflexos no campo educacional. A partir disso, questões referentes ao contexto de pesquisa e campo de atuação do profissional serão apresentadas a fim de denotar a pluralidade do mercado na área. A Unidade 2, procura entender o contexto contemporâneo do design relacionando-o com as transformações pelas quais a sociedade e as tecnologias vêm passando, refletindo também, sobre como essas demandas têm influenciado na atuação do profissional designer. A Unidade 3, introduz os aspectos formais, sensíveis e sociais do Design e tem como objetivo compreender os conceitos estéticos e as relações existentes entre forma e função. As interconexões entre o Design e o meio ambiente buscam denotar o perfil transformador desta área do conhecimento, guiando o estudante a fim de elucidar questões relativas às dimensões emocionais e sociais do Design, reconhecendo no designer um agente com potencial transformador. Boa leitura e bons estudos! Prof.a Adriana Silva da Silva APRESENTAÇÃO Olá, acadêmico! Para melhorar a qualidade dos materiais ofertados a você – e dinamizar, ainda mais, os seus estudos –, nós disponibilizamos uma diversidade de QR Codes completamente gratuitos e que nunca expiram. O QR Code é um código que permite que você acesse um conteúdo interativo relacionado ao tema que você está estudando. Para utilizar essa ferramenta, acesse as lojas de aplicativos e baixe um leitor de QR Code. Depois, é só aproveitar essa facilidade para aprimorar os seus estudos. GIO QR CODE Olá, eu sou a Gio! No livro didático, você encontrará blocos com informações adicionais – muitas vezes essenciais para o seu entendimento acadêmico como um todo. Eu ajudarei você a entender melhor o que são essas informações adicionais e por que você poderá se beneficiar ao fazer a leitura dessas informações durante o estudo do livro. Ela trará informações adicionais e outras fontes de conhecimento que complementam o assunto estudado em questão. Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é o material-base da disciplina. A partir de 2021, além de nossos livros estarem com um novo visual – com um formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura –, prepare-se para uma jornada também digital, em que você pode acompanhar os recursos adicionais disponibilizados através dos QR Codes ao longo deste livro. O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com uma nova diagramação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página – o que também contribui para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo. Preocupados com o impacto de ações sobre o meio ambiente, apresentamos também este livro no formato digital. Portanto, acadêmico, agora você tem a possibilidade de estudar com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador. Preparamos também um novo layout. Diante disso, você verá frequentemente o novo visual adquirido. Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa continuar os seus estudos com um material atualizado e de qualidade. ENADE LEMBRETE Olá, acadêmico! Iniciamos agora mais uma disciplina e com ela um novo conhecimento. Com o objetivo de enriquecer seu conheci- mento, construímos, além do livro que está em suas mãos, uma rica trilha de aprendizagem, por meio dela você terá contato com o vídeo da disciplina, o objeto de aprendizagem, materiais complementa- res, entre outros, todos pensados e construídos na intenção de auxiliar seu crescimento. Acesse o QR Code, que levará ao AVA, e veja as novidades que preparamos para seu estudo. Conte conosco, estaremos juntos nesta caminhada! Acadêmico, você sabe o que é o ENADE? O Enade é um dos meios avaliativos dos cursos superiores no sistema federal de educação superior. Todos os estudantes estão habilitados a participar do ENADE (ingressantes e concluintes das áreas e cursos a serem avaliados). Diante disso, preparamos um conteúdo simples e objetivo para complementar a sua compreensão acerca do ENADE. Confira, acessando o QR Code a seguir. Boa leitura! SUMÁRIO UNIDADE 1 - CONCEPÇÕES DO DESIGN E SEU CONTEXTO HISTÓRICO ............................ 1 TÓPICO 1 - DEFINIÇÕES E CONCEITOS SOBRE DESIGN .....................................................3 1 INTRODUÇÃO .......................................................................................................................3 2 O QUE É DESIGN? ................................................................................................................3 RESUMO DO TÓPICO 1 ......................................................................................................... 16 AUTOATIVIDADE .................................................................................................................. 17 TÓPICO 2 - PERSPECTIVA HISTÓRICA MUNDIAL DO DESIGN .......................................... 19 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 19 2 OS PRIMÓRDIOS DO DESIGN ........................................................................................... 20 RESUMO DO TÓPICO 2 ........................................................................................................ 39 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................. 40 TÓPICO 3 - PERSPECTIVA HISTÓRICA BRASILEIRA DO DESIGN ..................................... 41 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 41 2 O DESIGN EM TERRITÓRIO BRASILEIRO ......................................................................... 41 RESUMO DO TÓPICO 3 ........................................................................................................66 AUTOATIVIDADE ..................................................................................................................67 TÓPICO 4 - PERSPECTIVAS HISTÓRICAS NA FORMAÇÃO DO DESIGNER NO BRASIL: ENSINO, PESQUISA E CAMPO DE ATUAÇÃO ................................................. 69 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 69 2 O SURGIMENTO DO DESIGN COMO ÁREA DE CONHECIMENTO NO BRASIL................. 69 LEITURA COMPLEMENTAR ................................................................................................ 82 RESUMO DO TÓPICO 4 .........................................................................................................87 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................. 88 UNIDADE 2 — ENTENDENDO O CONTEXTO CONTEMPORÂNEO DO DESIGN ................... 89 TÓPICO 1 — AS PERSPECTIVAS DO DESIGN CONTEMPORÂNEO ...................................... 91 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 91 2 A HISTÓRIA DO DESIGN CONTEMPORÂNEO ................................................................... 91 RESUMO DO TÓPICO 1 .......................................................................................................109 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................ 110 TÓPICO 2 - TEORIAS DO DESIGN .......................................................................................111 1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................................111 2 BASES TEÓRICAS DO DESIGN ........................................................................................111 RESUMO DO TÓPICO 2 .......................................................................................................126 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................ 127 TÓPICO 3 - AS TENDÊNCIAS DO DESIGN HOJE ...............................................................129 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................129 2 DESIGN HOJE ..................................................................................................................129 LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................... 147 RESUMO DO TÓPICO 3 .......................................................................................................153 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................154 UNIDADE 3 — OS ASPECTOS FORMAIS, SENSÍVEIS E SOCIAIS DO DESIGN ..................155 TÓPICO 1 — ESTÉTICA: PERCEPÇÃO, FORMA E FUNÇÃO NO DESIGN ............................ 157 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 157 2 A CONSTRUÇÃO ESTÉTICA DO DESIGN ........................................................................ 157 LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................... 175 RESUMO DO TÓPICO 1 ....................................................................................................... 181 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................182 TÓPICO 2 - DESIGN E MEIO AMBIENTE ............................................................................183 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................183 2 O MEIO AMBIENTE SOB A AÇÃO DO DESIGNER ............................................................183 RESUMO DO TÓPICO 2 ...................................................................................................... 200 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................201 TÓPICO 3 - O ELO ENTRE DESIGN E AS DIMENSÕES SOCIAL E EMOCIONAL ............... 203 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 203 2 PESSOAS E EMOÇÕES: O DESIGN COMO MEDIADOR .................................................. 203 RESUMO DO TÓPICO 3 ...................................................................................................... 220 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................221 REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 223 1 UNIDADE 1 - CONCEPÇÕES DO DESIGN E SEU CONTEXTO HISTÓRICO OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM PLANO DE ESTUDOS A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de: • expor o conceito do design; • identificar o contexto histórico internacional do design; • apresentar o contexto nacional do design; • discorrer sob os processos de instauração do ensino do Design no Brasil, voltados para a pesquisa e para o campo profissional do designer. A cada tópico desta unidade você encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado. TÓPICO 1 – DEFINIÇÕES E CONCEITOS SOBRE DESIGN TÓPICO 2 – PERSPECTIVA HISTÓRICA MUNDIAL DO DESIGN TÓPICO 3 – PERSPECTIVA HISTÓRICA BRASILEIRA DO DESIGN TÓPICO 4 – PERSPECTIVAS HISTÓRICAS NA FORMAÇÃO DO DESIGNER NO BRASIL: ENSINO, PESQUISA E CAMPO DE ATUAÇÃO Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos em frente! Procure um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá melhor as informações. CHAMADA 2 CONFIRA A TRILHA DA UNIDADE 1! Acesse o QR Code abaixo: 3 DEFINIÇÕES E CONCEITOS SOBRE DESIGN 1 INTRODUÇÃO Quando iniciamos nossos estudos na área do design é comum que a pergunta “o que é design?” venha à tona, e esse não é um questionamento irrelevante, pois a complexidade da área faz com que seja difícil identificar seus produtos em algumas situações. Além das questões conceituais inerentes ao campo do saber do design algumas vezes a confusão entre profissão e profissional é percebida, portanto, para começar, a área de atuação profissional é chamada de design enquanto aquele que exerce essa profissão é chamado de designer. Cientes desta nomenclatura, avance a leitura para que você conheça alguns conceitos inerentes à área a fim de lhe auxiliar no entendimento sobre “o que é design”. Desta forma, você acompanhará, neste tópico, a reflexão de alguns profissionais da área sobre este tema. TÓPICO 1 - UNIDADE 1 2 O QUE É DESIGN? Antes de começar com a teoria, você consegue dizer o que é design? Em caso negativo, consegue ao menos listar algumas coisas que você considera compor, ou não, o arcabouço do design? Ainda parece complexo? Então tente listar o que não possui design para você. Acompanhe as imagens a seguir, elas vão lhe dar pistas importantes sobre o que é design. 4 Para você entender a importância de Paula Scher para o Design, assista ao episódio Paula Scher: design gráfico da série Abstract: a arte do Design, disponível na Netflix. DICAS FIGURA 1 – GOLF DIGEST – PENTAGRAM FONTE: <https://www.pentagram.com/work/golf-digest#18762>. Acesso em 03 de julho de 2020. <https://www.pentagram.com/work/golf-digest#18765>. Acesso em 03 de julho de 2020. A Golf Digest é uma revista americana sobre golfe e seu design busca se conectar com os millenial golfers (geração de jogadores cujas idades variam entre 25 e 34 anos). A versão antiga da revista focava em um público menos jovem, por volta dos 50 anos.Com o novo design, a revista atualizou seus conteúdos e passou a incorporar matérias sobre estilo de vida. O projeto foi desenvolvido pelo estúdio Pentagram, que reúne um grande conjunto de designers de renome, como Paula Scher e outros. Atuando em diversas áreas do design – gráfico e identidade, arquitetura e interiores, embalagens e produtos, web e experiência digital –, o estúdio foi responsável pelo desafio de identificar novos métodos para visualização de conteúdo, buscando quebrar com a monotonia que era presente nas imagens de gramados verdes em contraste com o céu azul. A tipografia da marca possui terminais arredondados que denotam um tom divertido, agregando liberdade ao movimento e o pingo vermelho do i foi mantido para fazer um link com a versão antiga da revista. 5 Com base no exposto, podemos presumir que, dentre os elementos que constituem o campo do design, está o editorial, que engloba revistas, jornais, livros, entre outras. Observe a seguir, outro case. FIGURA 2 – GIN VELVO – BOTANIC E ARTICE – PREMIER PACK FONTE: <http://www.abre.org.br/galeria_inovacao/fotos/premio_2019_1450.jpg>. Acesso em: 15 jun. 2020. A embalagem para a bebida alcoólica Gin Velvo foi vencedora do prêmio nessa categoria, no ano de 2019. O design foi desenvolvido por Premier Pack e o Brand Owner (ou seja, o proprietário da marca) é a Velvo Destilaria. A embalagem teve como objetivo posicionar no mercado um Gin, produzido no Brasil, baseada em referenciais de seus concorrentes no exterior. A opção do cliente foi o uso de uma garrafa que guardasse relação com as antigas garrafas de boticário, com vistas a um design contemporâneo e sofisticado. Além dos aspectos estéticos facilmente identificados, a embalagem conta com uma economia de material (vidro), usando um processo de fabricação da garrafa que garante resistência mecânica com o uso de menos matéria prima. A Premier Pack é uma empresa brasileira de embalagens de vidro, possui uma ampla cartela de clientes dos ramos de bebida, alimentos, perfumaria e cosméticos. Agora faça uma pausa e pense em todos os produtos que você consome, para ser um pouco mais restritivo, pense sobre a sua experiência em um supermercado: todo e qualquer produto está embalado, desde os mais nobres até mesmo aqueles que são tão comuns no nosso dia a dia que nem pensamos na importância da embalagem. Elas garantem que o consumidor tenha informações sobre o produto das mais diversas ordens (composição, validade etc.), mantêm os produtos conservados e com qualidade para serem consumidos, facilitam o transporte da fabricação para o ponto de venda e deste, para a sua casa. Só este exemplo amplia muito sua percepção sobre o que pode ser design. Avance para o próximo exemplo, no qual você poderá verificar que o mobiliário também pode ser introduzido dentro da concepção do que é design. 6 FIGURA 3 – JARDIM/GARDEN – STUDIO OVO FONTE: <http://ovo.art.br/conteudo/Ovo_2019.pdf>. Acesso em: 15 jun. 2020. Na imagem, vê-se o sofá Jardim isolado, sua aplicação no ambiente e seu desenho técnico. Você deve estar se perguntando: o que esta imagem representa? O desenho técnico apresenta as informações técnicas para execução de um projeto, por exemplo, forma, medidas, posição dos elementos que compõe o objeto, entre outras. No caso da imagem aqui apresentada, ela informa apenas as medidas básicas do sofá, ou seja, as medidas que quem está adquirindo o produto precisa levar em consideração para aplicá-lo em um ambiente. A geometria do sofá Jardim tem o objetivo de explorar o paisagismo modernista, no qual é possível sentar-se em qualquer lugar devido à sua forma desconstruída. Luciana Martins e Gerson de Oliveira produzem trabalhos que oscilam entre arte e design, atuam no mercado há pelo menos 27 anos e seus produtos podem ser adquiridos na loja Ovo. Além do mobiliário, entra nesse contexto o design de ambientes, de objetos de decoração e de produtos. Neste momento, tente pensar nas experiências que você já teve nos mais diversos ambientes, desde aqueles compartilhados com o público em geral até os mais íntimos, como sua casa, por exemplo. Todo mobiliário adquirido, no mínimo, foi considerado a partir das suas dimensões, seguido por fatores estéticos e emocionais. Tente pensar na configuração de restaurantes populares, restaurantes mais sofisticados e até mesmo as praças de alimentação dos shoppings. Reflita sobre o quanto a ambientação de um espaço pode modificar a sua relação e experiência com ele. Siga para o próximo exemplo, você já pensou sobre como se dá a sua relação com os textos? O próximo campo do design a ser apresentado visa demonstrar que um texto é mais do que palavras, as características de uma tipografia afetam diretamente a experiência que temos em uma leitura. 7 FIGURA 4 – TIPOGRAFIA CURITYBA. CYLA COSTA FONTE: <https://www.behance.net/cylacosta>. Acesso em: 15 jun. 2020. A tipografia Curityba foi desenvolvida por Cyla Costa e foi inspirada em tipografias utilizadas na cidade de Curitiba no século XIX, que marcou o surgimento da Tipografia Paranaense. As referências para a tipografia vieram do acervo imagético da Casa da Memória de Curitiba. Cyla Costa é designer gráfica e artista tipográfica. Observando a tipografia apresentada, pense sobre os juízos que você fez ao visualizá-la: parece retrô? É fácil ou difícil de ler? Você consegue perceber que, além do texto que a tipografia informa, ela também desperta sensações? Pense sobre a experiência de ler uma bula de remédio, um contrato qualquer, um livro e uma página de notícias na internet. Perceba que, além das qualidades inerentes à tipografia, o suporte ao qual ela está aplicada interfere, também, na experiência que você terá na leitura. Pense sobre como era a produção de livros antes do computador: parece algo absurdamente complexo e inviável se compararmos com a facilidade de mudança de tipografia que fazemos hoje, quando criamos um layout no computador. Enfim, essa lista de “coisas que possuem design” é infinita. Elas não serão abordadas por uma questão de foco em tentar elucidar o que é design, mas incorpore nos seus pensamentos algumas coisas: design de jogos, design de joias, design da informação, design de interação, enfim, muitos designs para um único conceito. Reforçamos, portanto, que os projetos aqui listados são apenas uma parte daquilo que está dentro dos limites do design. Agora faça um pequeno esforço para identificar coisas em comum ao que fora apresentado: além dos aspectos estéticos muito bem elaborados, as peças apresentam um contexto, denotam a existência de um conceito que orienta as escolhas formais. Obviamente, o que vemos ali é a superfície do design, mas existe todo um estudo, um motivo, uma justificativa para o uso de cada um daqueles elementos. É nesse caminho, imbricado entre ideia e concretude, entre esboço e objeto, que o design se manifesta naquilo que consideramos sua melhor forma: o projeto. 8 Para ampliar mais nossa concepção sobre design, podemos citar aqui alguns de- signers de grande expressão no contexto nacional e internacional: Walter Gropius (arqui- teto alemão); Jan Tschichold (tipógrafo alemão); Aloísio Magalhães (designer gráfico bra- sileiro), Alan Fletcher (designer gráfico queniano); Philippe Stark (designer francês); Ruth Carter (figurinista americana); Cas Holman (designer americana de brinquedos); Ilse Craw- ford (designer britânica). A partir desses nomes você poderá realizar pesquisas sobre de- sign e descobrir novos indícios para lhe ajudar na tarefa de compreender o que é design. Espero que por meio da leitura deste tópico você comece a perceber que o design está presente em coisas que você menos espera. Ampliando essa abordagem sobre o que é design, acompanhe a seguir a perspectiva de alguns teóricos da área. Uma outra perspectiva é apresentada por Daniel Furtado em seu canal sobre UX Design. O vídeo O que é design? está disponível no YouTube, no endereço a seguir: https://www.youtube.com/watch?v=zaFEEvHZgjw.DICAS Não raramente, ao assistir palestras, vídeos, propagandas, entre outros, somos lançados à ideia de que design é tudo ou tudo é design. Em contrapartida, uma propaganda de automóvel veiculada pela televisão anuncia: “seu carro com mais design”. Nesse contexto dúbio, no qual tudo pode ser design e que algumas coisas possuem mais design do que outras, se constrói uma área que parece não estar conseguindo responder ao certo a que veio. Sobre esse tema, o professor Norberto Chaves (s.d.) publicou um artigo, em sua página da web, intitulado: Diseño: disciplina “vacía” (Design: disciplina vazia). A abordagem de Chaves (s.d.) é muito interessante, pois ele problematiza esse lugar comum em que o design é depositado, para ele, quando colocamos este entendimento numa posição generalista, acabamos deixando de lado tudo aquilo que o próprio design produz, ficando apenas debruçado sobre tarefas projetuais, definindo todos os aspectos do projeto, antes de sua efetiva produção e objetivando as necessidades do usuário. Basicamente, dentro dessa perspectiva, o design é orientado por aspectos formais e materiais que compõe o contexto social. Na perspectiva de Chaves (s.d.), cabe ao designer inteirar-se dos códigos vigentes e incorporá-los, uma vez que este profissional precisa estar a par de todos os elementos que estão além de suas práxis. Basicamente, o que Chaves (s.d.) apresenta é que se nos limitarmos a pensar apenas que o designer é o responsável por combinar 9 materiais, cores e formas, observando as particularidades do projeto, estamos, de fato, dizendo que tudo é design. Essa postura acaba esvaziando o próprio conceito, tornando-o uma prática universal de produção. No entanto, é necessário entender que a tarefa do designer é anterior ao produto, ou seja, todo o estudo realizado antes de sua concepção, de esboços a protótipos, definição de critérios, normas e função de acordo com o contexto, é o que caracteriza de forma mais assertiva a atividade do designer. Basicamente, o designer trabalha com o objetivo de adequar seu projeto à necessidade de uso do produto, considerando o que se pretende atingir com esse produto. Para Chaves (s.d.), o estudo do design parte do conhecimento construído sobre sociedade e cultura, fatores imprescindíveis na tomada de decisão sobre os aspectos do design propriamente dito. Portanto, apesar dessa característica de amplidão do design, que lhe confere uma concepção, de certa forma, “vazia”, é exatamente o que o coloca num lugar de destaque, pois não é a ausência de normas que colocará em cheque aquilo produzido pelo designer, mas sim, aquilo que ele não conseguiu absorver do contexto de mundo. Dentro da perspectiva apresentada por Chaves (s.d.), se podemos afirmar que uma coisa é certa no design é sua eficiência e sua eficácia, os recursos para atingir esses dois fatores estão naquilo que o próprio designer consegue construir enquanto repertório, e o quanto ele consegue projetar isso na linguagem do design. Para entender um pouco mais sobre a linguagem do design, observe como ele se comunica com seu público: conclui-se, assim, que a linguagem do design é permeada por textos, imagens, formas, cores, suportes, materiais, entre outros, tudo organizado de forma sistemática dentro de um determinado espaço. Esses fatores são empregados em decorrência de um conceito e podemos inferir que design possui um elemento simbólico relacionado ao projeto, que é expresso na medida em que se explora os elementos estéticos e formais. Mas, o que entendemos como projeto? Um projeto está relacionado às definições, requisitos, restrições, geração de ideias, organização da informação, reconhecimento das necessidades humanas, entre outras particularidades. Em face disso, podemos nos perguntar sobre como concatenar todo esse volume de informação e é no método que encontramos nossa resposta – ele será responsável pelo modo como iremos projetar algo. Devido a sua linguagem formal, o design tem forte apelo estético o que denota um caráter simbólico. Mas se design é tudo, como podemos identificar um bom ou um mal design? E aqui, caímos mais uma vez no aspecto dualístico do design: partimos da estética, do gosto pessoal e das sensações para avaliar um design, assim como partimos de aspectos técnicos, se o suporte é adequado, se o material empregado é o melhor disponível, se a plataforma digital atende a todas as necessidades do projeto e mais um mar de outras possíveis considerações. A subjetividade no design pode ser um elemento avaliado, inclusive, pelo contexto no qual o objeto de design está inserido. 10 O livro Conceitos-chave em Design, organizado por Luiz Antonio Coelho (2008), apresenta uma série de verbetes relacionados com a atividade do design em diversos campos. Consultando o verbete design, somos inicialmente advertidos sobre o caráter polissêmico da palavra, cujos sentidos podem contemplar “designar, indicar, representar, marcar, ordenar, dispor, regular” (COELHO, 2008, p. 189) e enquanto significado, pode abranger termos como “invento, planejamento, projeto, configuração” (COELHO, 2008, p. 189), denotando assim, sua distinção em relação à palavra desenho (drawing em inglês). Além disso, como alerta o filósofo tcheco, naturalizado no Brasil, Vilém Flusser (2013), a palavra design tem origem no idioma inglês e pode ser substantivo ou verbo. O campo do design é uma área interdisciplinar, dotada de flexibilidade e que oportuniza diferentes interpretações. O verbete segue apresentando que a prática na área é permeada por teorias fundamentais e críticas, com isso, design visa dar forma a objetos que possuem um objetivo específico. Possui vasto campo, com atividades que requerem determinada especialização – retomaremos este tema no Tópico 4 desta unidade – as quais são de ordem técnica e cientifica, criativa e artística se desdobrando no contexto bidimensional e tridimensional, virtual e gráfico, para espaços ou produtos. Diante destas considerações, o verbete defende que as atividades desempenhadas pelo designer envolvem desenvolvimento projetual, considerando uso, função, produção, mercado, utilidade, qualidade formal e estética, orientado por fatores socioculturais, ecológicos, econômicos, tecnológicos, ergonômicos, entre outros. Ao designer, cabe equacionar a relação entre homem e objeto, atendendo às necessidades do primeiro, criando uma relação prazerosa com o objeto. Coelho (2008) também comenta sobre o amplo campo de atuação do designer, e afirma que este também pode ser reconhecido como desenhista industrial, designer industrial, comunicador visual, programador visual, entre outras designações. Em sua definição, Flusser (2013), no livro O mundo codificado, faz uma análise sobre o termo design e seus possíveis desdobramentos, observando como as transformações históricas fizeram com que o termo fosse revisto até atingir o significado que possui hoje. O filósofo passa pelo universo semântico da palavra, relacionando-a com arte e técnica, em que, por oscilar tanto na arte quanto na técnica, o termo se posicionou entre ambas, unificando características destes dois universos. Além disso, ele defende o design contemporâneo como algo expresso por meio de ideias que funcionam como elementos de valoração. Com uma abordagem diversa, o design é fator importante na compreensão sobre a manipulação e percepção de algo. Também apontando para a pluralidade da área, o professor e pesquisador Bernd Löbach (2001) propõe que o termo seja visto sob múltiplas perspectivas: a dos usuários, a do fabricante, a de um crítico marxista, a do designer e a de um advogado dos usuários, demonstrando que distintas perspectivas apresentam diferentes concepções de design e isso não significa que alguma delas seja a mais certa ou a mais errada. 11 Na concepção do usuário, uma visão simplista: design é design. Já para o fabricante, design está relacionado com o uso de insumos de forma rentável, com estéticapara seduzir os clientes e otimizando custos na produção. Para o crítico marxista, o design tem como função aumentar as vendas de algo com aparência nobre que pode aumentar ou qualificar seu valor. O designer se coloca como um mediador na resolução de problemas entre homem e meio, enquanto o advogado defenderia a necessidade de adaptação de um ambiente às necessidades físicas e psíquicas do homem. Löbach (2001) aborda o design como sinônimo de projeto, plano, esboço, desenho, construção e modelo e, a partir destas características, propõe que o design seja entendido como ideia, planejamento que serve para tangibilizar a solução de um problema oriundo das necessidades dos sujeitos. O professor argentino Jorge Frascara aborda o termo design em seu livro Diseño y Comunicación (2000). Nele, reitera a variedade de interpretações, porém, sua abordagem gira em torno dos conceitos relativos ao ato de programar, projetar, coordenar, selecionar e organizar elementos que produzam o efeito da comunicação visual. Ele alerta aqueles que buscam relacionar a palavra design com desenho: apesar de esta tarefa compor o contexto do design, o mesmo não se restringe a isso. Por esse motivo, o professor Frascara relaciona o termo design com projeto. Tenha isso em mente, pois lhe ajudará a entender melhor o contexto do design. Ele também determina o termo de forma ampla, estando, muitas vezes, acompanhado de outras palavras para que possa ser qualificado, por exemplo: design gráfico, design digital, design de produtos, entre tantos outros, delimitando, também áreas profissionais: designer digital, designer de produto, entre outras. Frascara (2000) enfatiza o caráter multidisciplinar do design ressaltando que um designer precisa desenvolver habilidades para criar boas relações interpessoais, isso é extremamente importante, pois, em um projeto, o designer não contará apenas com pares da área, mas sim, trabalhará em conjunto com outros profissionais, como das engenharias, por exemplo. Sua habilidade retórica deve ser aprimorada de forma que ele consiga transpor conceitos técnicos numa linguagem acessível para aqueles que não possuem a mesma formação, por exemplo. Para este professor, o designer precisa apresentar algumas características importantes, como estar apto a realizar análises de forma original, possuir uma imaginação criativa e um bom senso de realismo. Ao mencionar a criatividade, ele enfatiza que ela não está relacionada à criatividade característica da arte, mas sim, na capacidade criativa para solução de problemas, independente do grau de dificuldade. 12 Nesta perspectiva, ele associa criatividade à inteligência e aposta na capacidade de ampliação do conhecimento, potencializando a capacidade de conectar informações aparentemente desconexas, criar novas relações para ressignificar coisas com poder de síntese inovadoras e admiráveis. Aponta para o fato de o designer ter um ótimo senso de observação, atenção e grande poder de análise, orientado por métodos que primem pela flexibilidade e eficiência. Desta forma, o designer consegue entender as necessidades dos clientes, propondo soluções eficientes e flexíveis. Ainda que atento aos aspectos comunicativos do design projetado, um designer não pode se desligar dos aspectos sensíveis, ou seja, deve estar atento às questões estéticas representadas no projeto, tendo em vista que os elementos aplicados em determinada peça são os mecanismos para comunicação. Assim como o conjunto de palavras deste livro lhe transmite uma informação, um objeto de design deve transmitir informação por meio de texto, imagem, cor, textura, entre outros. A atenção aqui deve ser redobrada para não gerar ambiguidades que tornem as informações em algo não compreensível. É de suma importância entender que os elementos estéticos aplicados em um design devem estar em consonância com o público alvo, considerando as características desse projeto (sejam elas: idade, fatores sociais, culturais etc.) (FRASCARA, 2000). Uma questão muito importante no contexto do design é que ele não deve ser exclusivamente uma questão de gosto, tão pouco um meio para a expressão das ideias do designer (porém, isso não quer dizer que também não possa ser, mas essa é uma outra discussão). Quando afirmamos isso, queremos dizer que o designer é responsável por comunicar aquilo que o cliente está solicitando, embora suas preferências estéticas sejam ativadas no processo criativo, o compromisso do designer é comunicar com base naquilo que o contexto da comunicação está exigindo, dirigindo-se ao público alvo desejado (HOLLIS, 2000). Outra preocupação do designer deve ser a reprodutibilidade daquilo que está projetando. Um projeto normalmente começa com esboços em papel ou computador, o qual também passará por finalização. Junto a uma equipe, todo o material necessário para a produção da peça gráfica é organizado (fotografias, ilustrações, protótipos etc.). Discute- se resultados com os clientes, percorrendo várias etapas até a finalização do design. Cabe ressaltar a perspectiva da professora e pesquisadora Milene Cará (2010), a qual lança uma outra ideia sobre o conceito de design. Para ela, ainda carecemos de uma definição consensual sobre o que é design, o que faz com que as discussões no Brasil ainda girem em torno do termo design e reconhece o fato desta área concatenar aspectos concretos e abstratos. Ela realiza uma análise entre o acréscimo da palavra industrial no contexto das atividades desenvolvidas pelos designers, cujos objetos do seu ofício podem derivar produtos, serviços gráficos, interiores e arquitetura. Para ela, o design está intimamente ligado à capacidade de melhorar os padrões de vida das pessoas, somando outros profissionais as suas atividades. 13 Cará (2010) apresenta no livro Do desenho industrial ao design no Brasil, as definições para design propostas pelo International Council of Societies of Industrial Design (Conselho Internacional das Sociedades do Design Industrial – ICSID), hoje conhecido como World Design Organization (Organização Mundial do Design – WOD). É interessante perceber as transformações desse conceito com o passar do tempo, pois isso denota o caráter atualizador do design, que atua em consonância com as preocupações e tecnologias do seu tempo. O cerne de todas as versões do conceito de design fornecidas pelo ICSID/ WOD denota as relações da produção com a tecnologia, economia, política e com o social. Nessa perspectiva, podemos dizer que o design assume uma posição relativa ao passar do tempo, tendo em vista todas as transformações que as sociedades passam, associado às múltiplas realidades que encontramos ao redor do mundo. A World Design Organization é uma organização não governamental que tem como objetivo promover a profissão de design industrial e com vistas à sua capacidade de gerar produtos, sistemas, serviços e experiências com melhor qualidade. Também é atenta às necessidades da indústria no que diz respeito à geração de negócios e indústria de qualidade, o que implica em um ambiente e em uma sociedade melhor. No ano de 2018, na 29ª Assembleia Geral em Gwagju na Coréia do Sul, o comitê de Prática Profissional apresentou a versão mais recente do conceito de desenho industrial, defendendo ser um processo estratégico para solução de problemas. Ele é impulsionado pela inovação que propicia sucesso nos negócios, gerando uma melhor qualidade de vida por meio de produtos, sistemas, serviços e experiências inovadoras. De perspectiva transdisciplinar, a profissão é calcada na criatividade para resolver problemas e criar soluções conjuntas, visando melhorias em diversos setores. Para o WOD, o design industrial viabiliza um olhar otimista para o futuro, unindo inovação, tecnologia, pesquisa, negócios, clientes, gerando vantagens competitivas em diversos níveis: econômico, social e ambiental. Ainda na perspectiva da WOD, o ser humano é o centro do processo, e a compreensão dasnecessidades dos usuários parte de uma abordagem de empatia e processos pragmáticos. O pesquisador e designer Rafael Cardoso (2008), no livro Uma introdução à história do design, também opta pela delimitação do termo design e reforça o antagonismo entre abstrato e concreto que a palavra engendra. No campo abstrato, design relaciona-se com conceber, projetar e atribuir, enquanto no campo concreto, a palavra refere-se a registro, configuração e forma. Para ele, o objetivo do design é unir estes dois contextos, em que a forma é a expressão das ideias e dos conceitos 14 intelectuais, assim, o design atende tanto a dimensão do projeto (expresso por meio de esboços ou modelos) quanto à dimensão projetual (expresso por meio da engenharia, por exemplo). Diante de todas essas acepções podemos selecionar algumas palavras recorrentes no contexto do design: organização, seleção, estratégia, planejamento, percepção, coordenação, esboço, desenho, configuração, manipulação, construção, programação e projeto. A partir de agora, faça o exercício de refletir sobre como você consegue encaixar estes termos dentro da concepção de design que você construiu ao longo deste tópico. O termo organizar relaciona-se com o design, pois ele é o meio através do qual mensagens são expressas, portanto, esse termo refere-se ao modo como iremos atuar junto ao cliente ou empresa. Não nos ateremos, aqui, nos processos do design, mas a organização é sempre importante em qualquer atividade que você intente desempenhar. Selecionar é uma condição muito importante e ela refere-se ao apego que eventualmente desenvolvemos com relação a uma ideia ou desenho. Pode parecer estranho, agora que você está iniciando seus estudos no campo do design, mas, brevemente, você verá que, às vezes, nos apegamos a coisas que parecem insubstituíveis, quando, na verdade, toda ideia deve ser ventilada para que bons designs surjam. Aprenda a selecionar aquilo que serve e o que não serve para um projeto, assim como a se desapegar quando necessário. Todo ato comunicativo pressupõe uma estratégia: observe como uma criança pede um brinquedo novo para os pais. Várias coisas mudam, tom de voz, postura, expressão corporal, entre outras. Com o design é assim: dependendo do que você pretende dizer e para quem quer dizer, você vai assumir uma postura, um tom de voz e uma maneira específica de expressar aquelas informações. Partindo deste mesmo exemplo, uma criança consegue planejar o modo como irá abordar um adulto para fazer uma solicitação, no campo do design, precisamos planejar como vamos comunicar, qual tipo de mídia ou material é mais adequado aquilo que se pretende dizer, qual o melhor momento para lançar um produto a mais. Aprenda a observar o mundo ao seu redor: analisar como as pessoas utilizam determinados produtos e interagem com marcas, por exemplo, isso pode transformar a sua percepção, abrindo as portas para situações que possivelmente você ainda não tenha pensado. Design se relaciona com o ato de coordenar, em diversos sentidos. Se você for atuar como freelancer, é preciso coordenar seu tempo para que você consiga atender bem os seus clientes. Se você for atuar num projeto que envolva um número razoável de pessoas, é preciso que você coordene suas tarefas e ações com o restante do grupo. 15 Esboço, desenho, configuração, manipulação, construção, programação são ações que orientam o desenvolvimento do projeto. Considere que a ideia de representar, no design, está relacionada ao fato de o design se colocar no lugar de algo para transmitir uma informação, uma mensagem. Essa representação pode ser orientada pelo estilo ou conceito da peça que está sendo desenvolvida. A discussão sobre o que é design é longa e certamente não será esgotada aqui. No próximo tópico você acompanhará a história do design no mundo, o que lhe permitirá gerar e aprofundar outras reflexões. ESTUDOS FUTUROS 16 Neste tópico, você aprendeu: • Existem diversas reflexões que buscam delinear aquilo que se deve entender por design. • O design pode ser empregado como elemento de apelo de valor ou de forma conceitual, porém, interessa-nos a perspectiva que discute, também, os aspectos projetuais do design. • Existe uma série de incertezas diante dessas classificações e que a discussão não se esgota nos aspectos que apresentados. • O design é uma palavra que engloba uma série de atividades profissionais e que essas atividades estão presentes de diversas formas no nosso cotidiano: seja na embalagem de um produto, seja no projeto de um móvel, na estrutura de uma letra, na identificação ou definição de um público, entre outras. • Apesar de não haver ainda uma definição concreta sobre o que é design, muitos teóricos já expuseram suas reflexões sobre o tema e existem alguns elementos que se repetem ao longo das explanações, são eles: projeto, organização, esboço, desenho, entre outras palavras já mencionadas ao longo do texto. • A atividade criativa que engendra o design difere-se da criatividade usada no campo da arte ainda que ambas se utilizem de códigos visuais para sua comunicação. O design volta-se mais para a solução de problemas do que para a expressividade a qual a arte se propõe. • De posse destas informações esperamos que você assuma uma posição mais crítica a respeito do design, no sentido de compreender que tudo que é produzido de forma industrial perpassa uma etapa projetual que independe dos nossos juízos de valor ou gosto e é neste ponto que encontramos a natureza do design. RESUMO DO TÓPICO 1 17 AUTOATIVIDADE 1 A partir da leitura do capítulo, te convidamos a tentar consolidar todas as informações aqui apresentadas. Portanto, formule um parágrafo construindo o seu entendimento sobre o que é design. 2 Escolha um designer brasileiro e um estrangeiro contemporâneo e comente em dois parágrafos sobre a biografia dos mesmos. Tente escolher designers com quem você possua alguma identificação. Por fim, redija dois parágrafos relatando o que você espera do mercado de trabalho, qual área do design você se identifica mais. 18 19 PERSPECTIVA HISTÓRICA MUNDIAL DO DESIGN 1 INTRODUÇÃO Como você viu no tópico anterior, a definição da profissão do designer é muito recente, se observarmos o que diz respeito à formação profissional, a atividade e aos seus objetivos. Este tópico nos dará subsídios para as narrativas históricas que apresentaremos no âmbito internacional. Vamos nos debruçar sobre o contexto histórico do design a partir de uma visão sistêmica para, em seguida, nos focarmos nas particularidades dos contextos já mencionados. Neste momento, lembre-se que este é o momento inicial de construção de um referencial visual que lhe ajudará futuramente no desenvolvimento de suas peças gráficas. Para uma melhor compreensão sobre o contexto histórico do design é importante lembrar que, segundo Denis (2000), os estudos acerca da história do design são incipientes, tendo iniciado por volta da década de 1920, portanto, a maturidade das pesquisas nesse campo é bem recente. Como você viu no tópico anterior, a definição da profissão do designer é muito recente, se observarmos o que diz respeito à formação profissional, a atividade e aos seus objetivos. Este tópico nos dará subsídios para as narrativas históricas que apresentaremos no âmbito internacional. Vamos nos debruçar sobre o contexto histórico do design a partir de uma visão sistêmica para, em seguida, nos focarmos nas particularidades dos contextos já mencionados. Segundo Denis (2000), os estudos acerca da história do design são incipientes, tendo iniciado por volta da década de 1920, portanto, a maturidade das pesquisas nesse campo é bem recente. UNIDADE 1 TÓPICO 2 - 20 2 OS PRIMÓRDIOS DO DESIGN Os primeiros historiadores do design buscavam delinear o campo consagrando o que e quem produzia design, logo, um grande conjunto de obras de grande representatividade já estão disponíveis a todo e qualquerleitor. Nos interessa aqui apresentar o contexto, de forma que designers e suas respectivas produções assumam a posição de representação de um espaço de tempo. Além disso, conhecer o legado histórico, no campo do design, nos permitirá romper as barreiras dicotômicas que tanto assolam esta área: forma/função; aparência/uso; mercado/sociedade; arte/design. O designer Richard Hollis (2000) afirma que a comunicação visual data de tempos remotos, quando o homem primitivo, quando em contato com as pegadas de um animal na lama, já estava recebendo e interpretando um sinal gráfico. Segundo Frascara (2000), ao longo da história, é possível observar que o desenvolvimento de peças gráficas com objetivos específicos já é identificado em artefatos que datam de 25 mil anos antes de Cristo. Obviamente, os métodos de trabalho diferem-se, em muito, daquilo que entendemos como design hoje em dia, uma vez que designers comunicam por meio de mídias de massa para uma diversidade de público ampla, as quais, depois de produzida, não conseguem controlar a mensagem. De acordo com Hollis (2000), representações gráficas possuem diversas origens e servem para nos indicar algo, funcionam como a representação de algo. Quando essas representações estão ordenadas, compõem uma imagem. Nesta perspectiva, o designer é o responsável pelo agrupamento destas marcas, organizando-as de modo a transmitir uma ideia. Logo, o signo criado pelo designer está inserido em um contexto que lhes agrega determinado sentido, atribuindo-lhe um novo significado. Hoje, a produção de artefatos de design conta com um grande referencial para suas produções, seja no que diz respeito ao estilo, materiais, processos, entre outros, e servem para dar bases e justificativas para sua produção. A história da arte e do design apresentam diversas possibilidades de criações, que hoje, podem ser invocadas na medida em que o designer reconhece as necessidades comunicativas de uma peça de design (FRASCARA, 2000). Não existe regra que indique se o texto deve ser sobreposto a imagem, ou se ambos devem ser usados em conjunto ou não, é possível que um seja mais proeminente que o outro. Para Hollis (2000) a palavra gravada sobre uma superfície qualquer, representa o registro da fala. Através do tratamento gráfico da palavra consegue-se ir além do seu sentido semântico ultrapassando, assim, essa limitação. Por exemplo, ao ampliar ou reduzir um texto, ao usar uma espessura de linha mais ou menos espessa, o designer consegue imprimir sensações ao texto, desta forma, ele é responsável por criar uma expressão única. Para pensar sobre o quanto a qualidade gráfica de um texto pode modificar a experiência de leitura, pense na palavra PARE e observe a imagem a seguir: 21 FIGURA 5 – PLACA DE TRÂNSITO PARE FONTE: <https://www.lojaviaria.com.br/placa-de-pare-parada-obrigatoria-r-1>. Acesso em: 29 jun. 2020. Todos nós já vimos essa placa em alguma situação da vida, especialmente quando estamos dirigindo. Existe um significado: indicar uma ação no trânsito que deve ser vista a uma distância segura; e existe uma razão: manter as pessoas seguras e evitar acidentes. Partindo desses dois pressupostos, você consegue imaginar outra configuração para essa placa que seja tão assertiva quanto a apresentada na Figura 5? Todos os elementos ali se justificam: a cor vermelha, que desperta atenção; o formato geométrico diferente dos outros tipos de placa; a tipografia com boa leiturabilidade devido aos espaços cheios e vazios. Agora, observe na Figura 6 algumas variações da placa de PARE, e reflita se elas criam a mesma sensação da anterior: FIGURA 6 – VARIAÇÃO DE TIPOGRAFIA NAS PLACAS DE PARE FONTE: A autora Você consegue perceber o quanto a nossa impressão com a placa PARE muda devido a uma pequena alteração na tipografia? Faça esse exercício, observe embalagens, sinalizações, produtos e tente imaginar uma configuração diferente para eles, pensando sobre o quanto nossa experiência poderia ser diferente. Refletir sobre isso nos faz entender um pouco sobre a importância do trabalho de um designer no processo de comunicação. Os textos de Vitruvius (80-10 a.C.), artista e engenheiro romano, tratam da arte da construção em aspectos práticos e teóricos, estes textos apresentam o conceito de funcionalismo que será retomado no século XX (BÜRDEK, 2006). Segundo Hollis (2000), foi só a partir de meados do século XX que a profissão de designer gráfico passou a existir. 22 Frascara (2000) afirma que por algum tempo, desde a criação dos primeiros processos de impressão, a produção de mensagens gráficas estava mais próxima das atividades realizadas por um impressor do que de um designer, uma vez que cabia a este profissional avaliar a qualidade daquilo que estava sendo produzido. Com o desenvolvimento da prensa de Johannes Gutenberg (-1468), a difusão da informação cresceu e novos modos de produzir peças gráficas surgiram. A partir do ano de 1890, os processos de comunicação passaram a contar com uma variedade maior de processos. Com isso, no período da Revolução Industrial – que teve seu início entre 1760 e 1840 –, uma grande transformação nos processos de comunicação gráfica aconteceu. Esse período foi marcado pela passagem da sociedade agrícola para a industrial, o que ocasionou uma radical transformação social e econômica. Foi com a criação e aperfeiçoamento da máquina a vapor de James Watt (1736-1829) que o modo de geração de energia, antes prioritariamente adquirida a partir de tração animal ou humana, mudou o contexto do trabalho. Na sequência, o desenvolvimento de eletricidade e motores movidos a gasolina, aumentaram ainda mais a produtividade. A indústria passou a integrar tarefas mecanizadas e a disponibilidade de novas matérias primas, incluindo ferro e aço, aperfeiçoaram a execução e a produção de alguns produtos (MEGGS; PURVIS, 2009). Foi neste período que o conceito de design industrial que conhecemos hoje começou a ser consolidado. A Revolução Industrial foi uma cisão entre o projeto de manufatura e a divisão do trabalho, ou seja, até então um único artesão dava conta da totalidade de um projeto, com a industrialização houve uma compartimentalização da produção (BÜRDEK, 2006). Essa característica da Revolução Industrial será contestada na década de 1970 conforme veremos em breve neste livro. Como resultado da Revolução Industrial, cidades começaram a se consolidar e crescer, as pessoas passaram a abandonar a vida no campo e foram buscar empregos nas fábricas. Aristocratas perderam força de poder para os fabricantes capitalistas, para os comerciantes e até mesmo para os operários. O conhecimento científico estava em franca expansão sendo direcionados para o desenvolvimento de novos processos e matérias primas para a indústria. As sociedades foram tomadas por um sentimento de confiança, na medida em que o entendimento acerca de assuntos da natureza começou a ser consolidado (MEGGS; PURVIS, 2009). O dono de terras deu espaço para o capitalista, ampliou-se os investimentos em maquinário para a fabricação em massa e essa foi a base para que toda a indústria passasse por transformações. A população passou a ter poder aquisitivo e eram estimuladas a consumir cada novo desenvolvimento tecnológico. Desta forma, se estabeleceu um dos pressupostos do mercado: a lei da oferta e da procura, que eram influenciados pelo volume de produção. Foi neste período que as artes gráficas ganharam força, pois elas passaram a ter papel decisivo no processo de comercialização de produtos (MEGGS; PURVIS, 2009). 23 Obviamente, este contexto de euforia e superprodutividade impactou as socieda- des. Era comum jornadas de trabalho de 13 horas, o uso da força de trabalho de crianças, desestruturação econômica. A sociedade passou a deixar de lado questões humanistas e deflagraram sua atenção para bens materiais. As Revoluções Francesa e Americana au- mentaram as desigualdades sociais, e em contrapartida, ampliou-seo acesso à educação para todas as classes. Com isso, aumentou o número de leitores, tornando a comunicação gráfica uma atividade importante. Devido ao desenvolvimento tecnológico, o custo de produção do material reduziu, fazendo com que a produção de impressos fosse maior, viabilizando a produção de materiais em massa (MEGGS; PURVIS, 2009). Como mencionado anteriormente, as artes manuais foram gradativamente perdendo a força, o artesão que antes era responsável pela execução de um projeto do início ao fim, foi cedendo espaço para as especializações e linha de produção, que resultou na fragmentação das atividades desenvolvidas por artistas manuais, surgindo, assim, as etapas de projeto e produção. A criação de novas tipografias aqueceu o mercado, o surgimento da fotografia e das técnicas de impressão de imagens fotográficas transformou e expandiu aquilo que se entendia na época por documentação visual e das informações ilustradas. Com a aplicação de litografia colorida, experimentar imagens em cores se tornaram uma realidade, porém seus produtos eram destinados aos poucos privilegiados da sociedade. A Revolução Industrial foi um período de forte efervescência e transformação do contexto de comunicações visuais voltadas para o desenvolvimento tecnológico, que permitiram o desenvolvimento de materiais criativos (MEGGS; PURVIS, 2009). A fotografia passou a ser utilizada como ferramenta para registros históricos e igualmente passou a alimentar os estudos de imagens em movimento, que resultou nos pressupostos do cinema. Passou-se a desenvolver um volume considerável de cartazes devido às facilidades da reprodutibilidade da impressão e o campo editorial foi se consolidando como área (MEGGS; PURVIS, 2009). Em meados do século XIX inicia um movimento na Inglaterra que discutia o design de interiores. Siegfried Giedion (1888-1968) defendia a expressividade de ambientes na Idade Média que se dava por meio das suas proporções, seus materiais e formas. Essas concepções são retomadas pelos arquitetos da Bauhaus no século XX, cujos móveis projetados serviam para compor os ambientes sem atrair atenção para si mesmo. Henry Cole (1808-1882) publicou o Journal of Design na Inglaterra e buscava orientar o público sobre uma configuração da vida cotidiana, orientando sobre o uso de objetos, com vistas à decoração. Daí resulta as propostas de feiras ou exposições de produtos, cuja importância para consumo foi marcante. Outro nome importante neste período é Joseph Paxton (1803-1865) que projetou um pavilhão da Feira Mundial de Londres em 1851: nasce o Palácio de Cristal que marcou o modo de produção do século XIX (BÜRDEK, 2006). 24 FIGURA 7 – JOGO DE CHÁ HENRY COLE FIGURA 8 – SOPEIRA HENRY COLE FONTE: <http://twixar.me/7pLm>. Acesso em: 15 jun. 2020. FONTE: <http://twixar.me/7pLm>. Acesso em: 15 jun. 2020. Para conhecer um pouco mais sobre as Exposições Internacionais assista ao vídeo Exposições Universais – 1851-2020, disponível, no YouTube, no endereço a seguir: https ://www.youtube.com/watch?v=AC6mX74-7U0. DICAS Ao longo do século XIX, o desenvolvimento de mensagens gráficas era realizado por artistas ou impressores, que eram formados pela escola de artes e ofícios. Os artistas focavam em elementos ornamentais e ilustrativos, deixando a tipografia para segundo plano. Já os impressores exploravam a composição tipográfica nos seus impressos, ficando os ornamentos entendidos como arte (FRASCARA, 2000). O século XIX chegava ao seu fim e em decorrência da Revolução Industrial o de- sign e a produção de livros pereciam, com exceção dos livros editados por William Pickering (1796-1854), que na sua juventude foi aprendiz de um livreiro editor de Londres. Com 24 anos montou sua livraria especializada em títulos raros e antigos e em seguida iniciou seu catálogo de publicações. Pickering foi crucial no processo de separação do design gráfi- co da produção tipográfica. Atuava na definição de formato, seleção de tipos, ilustrações e demais questões de ordem visual. Ciente da necessidade do design, encomenda novos or- namentos e ilustrações tipográficas. Seu trabalho caracterizava-se pelo acompanhamento próximo aos editores, realizando constante supervisão (MEGGS; PURVIS, 2009). William Pickering foi responsável pela edição do livro The elements of Euclid (Os elementos de Euclides, 1847) no qual apresenta diagramas e símbolos que eram impressos com xilogravuras e com brilhantes cores primárias. Ele utilizou a cor em 25 substituição da rotulação alfabética convencional na identificação de linhas, figuras e formas nas aulas de geometria. Observe na figura a seguir a qualidade gráfica do projeto de Pickering. FIGURA 9 – PÁGINA DO LIVRO THE ELEMENTS OF EUCLID EDITADO POR PIKERING FONTE: <https://wolfsonianfiulibrary.files.wordpress.com/2011/08/xb1990-1009_060.jpg>. Acesso em: 15 jun. 2020. O contexto da decadência dos livros perdurou até o final do século XIX e, a partir deste momento, os livros passaram a se destacar novamente. O movimento Arts and Crafts, que teve origem na Inglaterra, surgiu como uma reação aos problemas social, moral e artístico constituído pela Revolução Industrial. Basicamente este movimento enaltecia o design e o retorno aos ofícios manuais e eram contra os bens resultantes da produção em massa. William Morris (1834-1896) encabeçou o movimento e defendia que os propósitos fossem claros, e que se guardasse fidelidade à natureza dos materiais, dos métodos de produção, da expressão pessoal (da parte do designer) e do trabalhador (MEGGS; PURVIS, 2009). O movimento Arts and Crafts foi inspirado pelas ideias do artista e escritor John Ruskin (1819-1900), que questionava sobre como a sociedade conseguiria influenciar a vida de seus membros visando a felicidade e a dignidade destas pessoas. Ruskin era contra a economia mercantil e defendia a união entre arte e trabalho a serviço da sociedade. Para ele, a industrialização e o desenvolvimento tecnológico reforçavam a cisão entre arte e sociedade, iniciada no Renascimento. Como resultado houve o isolamento do artista, menor desenvolvimento criativo e o design produzido por engenheiros passou a ser mais valorizado, ainda que estes não se mostrassem preocupados com questões estéticas. Ruskin atentou-se, também, para questões de justiça social, atuando como defensor da melhora da habitação para trabalhadores industriais, bem como o desenvolvimento de um sistema nacional de educação e benefícios de aposentadoria para idosos. Deste período resultam objetos expressivos do design, em que podemos destacar a Cadeira Thonet nº 14 projetada por Michel Thonet. Sua importância para o design se dá pelo método criado por Thonet para curvar madeira a partir de um mecanismo a partir de vapor (BÜRDEK, 2006; MEGGS; PURVIS, 2009). 26 William Morris foi figura de destaque no desenvolvimento do design de interiores. A casa em que viveu com a esposa Jane Burden, conhecida como Red House, foi projetada por Phillip Web. O desenho da casa tem origem em um planejamento funcional de espaço interior. Ao mobiliá-la, Morris deparou-se com os produtos e móveis vitorianos que estavam em estado lastimável. Diante dessa situação, Morris funda a empresa de decoração artística com outros dois amigos: a Morris, Marshall, Faulkner and Company, em 1861. A empresa montou showrooms em Londres e envolveu uma grande diversidade de profissionais: desde tecelões e tintureiros, a ceramistas e ladrilheiros. É o autor de pelo menos 500 projetos de papéis de parede, tecidos, carpetes e tapeçarias. Em 1875 a empresa passou por reformulações e Morris passou a ser o único funcionário (BÜRDEK, 2006; MEGGS; PURVIS, 2009). FIGURA 10 – INTERIOR DA RED HOUSE DE MORRIS FONTE: <https://pt.wikiarquitectura.com/wp-content/uploads/2017/08/William-Morris-Red-House-interior- -1024x692.jpg>. Acesso em: 15 jun. 2020. O crescimento do comércio e comunicação entre países asiáticos e europeus ao final do século XIX, resultou emum choque cultural entre Ocidente e Oriente, que se influenciaram reciprocamente. Sob influência da arte asiática, designers europeus e estadunidenses desenvolveram novas formas de explorar cor, espaço, convenções de desenho e temas distintos dos que já estavam estabelecidos na tradição ocidental. Esse processo trouxe novos ares para o design deste período (MEGGS; PURVIS, 2009). Os movimentos de Art Nouveau (França), o Jugendstill (Alemanha) e o Modern Style (Inglaterra) e o Sezenssionstil (Áustria) acenavam que aspectos da arte deveriam refletir-se em produtos da vida cotidiana (BÜRDEK, 2006). A ornamentação ganhou força com o estilo Art Nouveau (1920), movimento de grande importância, pois apresenta clara orientação estilística, com alto nível de complexidade formal, dotado de coerência visual e uso de diversos estilos tipográficos em um mesmo layout (FRASCARA, 2000). Observe, a seguir, o exemplo de um rótulo em estilo Art Nouveau: 27 FIGURA 11 – RÓTULO EM ESTILO ART NOUVEAU FONTE: <https://n.i.uol.com.br/licaodecasa/ensfundamental/artes/cartaz-nouveau.jpg>. Acesso em: 15 jun. 2020. O Art Nouveau foi um movimento marcado pela temática botânica, com linhas sinuosas e peças bem ornamentadas, com o uso de molduras características desta linguagem. A tipografia possui um estilo mais orgânico e as linhas possuem extremidades sinuosas, explorando o movimento por meio de traços longos. Este estilo decorativo atuou sobre as artes projetuais (arquitetura, design de mobiliário, produto, moda e artes), foi aplicado em cartazes, embalagens, bules, pratos, colheres, escadas, entre outros (MEGGS; PURVIS, 2009). Um dos nomes expressivos deste período é o belga Henry Van de Velde (1863-1957) que desenvolveu móveis, objetos e interiores. Diferente de Moris, em de Velde fomentava a ideia de uma consciência elitista e individual (BÜRDEK, 2006). A virada do século XIX para o século XX foi marcada pelo questionamento das convenções e a busca por novos caminhos que pudessem alterar a situação cultural. Assim, designers de arquitetura, moda, artes gráficas e produtos, buscaram novas formas de expressão que foram fortalecidas pelos avanços tecnológicos e industriais. O Art Nouveau, que contestou as convenções do período vitoriano, demonstrou que criar formas era viável, e a produção de formas geometrizadas por artistas austríacos e alemães, apontaram para a possibilidade de explorar a abstração no design, trazendo à tona uma nova filosofia estética (MEGGS; PURVIS, 2009). Essa nova concepção de design foi marcada por nomes como do arquiteto estadunidense Frank Lloyd Wright (1867-1959), e que serviu de inspiração para aqueles que estavam evoluindo das formas curvas do Art Nouveau para uma estética mais retilínea na organização do espaço. Wright negava o historicismo e buscava uma filosofia da “arquitetura orgânica” e a “realidade do edifício”, considerando não apenas a fachada, mas sim os espaços internos e dinâmicos por onde as pessoas transitavam. Para Wright, a essência do design é o espaço, suas obras foram influenciadas pelo design japonês, do 28 qual extraiu a ideia de busca pela proporção harmoniosa e poesia visual e das referências pré-colombianas, extraiu a ornamentação, controlada a partir de repetição matemática (MEGGS; PURVIS, 2009). Destacaram-se os trabalhos dos designers Josef Hoffmann (1870-1956), Joseph Olbrich (1867-1908) e Otto Wagner (1841-1918), que criaram uma associação artística que viera a desenvolver uma linguagem formal reduzida que primava pelo uso de ornamentos geométricos. Surge assim a Wiener Wekstäten que produzia móveis para a classe burguesa da época (BÜRDEK, 2006). Outro nome marcante nesse período foi o de Peter Behrens (1868-1940), que propôs uma reforma no campo da tipografia, sendo o precursor no uso de tipos sem serifas e no uso de grids para delimitar os espaços em seus layouts. Recebeu o título de primeiro designer industrial em face ao reconhecimento dos projetos de produtos que desenvolveu para a indústria. O trabalho que executou para a AEG (Elektrizitäts-Gesellschaft) é tido como o primeiro projeto de identidade visual. Sua arquitetura ficou marcada por inaugurar o uso de cortinas de vidro não estruturais, estendidas entre as vigas de sustentação (MEGGS; PURVIS, 2009). FIGURA 12 – MARCA AEG E CAPAS PARA MANUAL DE ORIENTAÇÃO DE PAVILHÃO DA AEG – PETER BEHRENS FONTE: <https://designhistoryresearch.files.wordpress.com/2010/11/538225674_cfad436fa0.jpg>. Acesso em: 15 jun. 2020. Serifa é um elemento da tipografia compostos por pequenos traços ou prolongamentos localizados ao final das hastes do tipo. Essas tipografias são conhecidas como sans-serif, grotescas ou góticas. O grid é uma estrutura geométrica que auxilia na distribuição e organização dos elementos no espaço. NOTA Além da marca da AEG Behrens foi responsável pelo design de alguns produtos: 29 FIGURA 13 – VENTILADOR PETER BEHRENS – AEG FONTE: <https://i.pinimg.com/236x/d9/97/1d/d9971dedc1fa158ca579b9a0e6c4f670--peter-behrens-i- ron-table.jpg>. Acesso em: 15 jun. 2020. FIGURA 14 – CHALEIRA ELETRICA PETER BEHRENS – AEG FONTE: <https://i.pinimg.com/474x/a6/bc/fa/a6bcfac46f1366a63a0fe08ec9422358.jpg>. Acesso em: 15 jun. 2020. FIGURA 15 – SECADOR DE CABELO PETER BEHRENS – AEG FONTE: <https://assets.catawiki.nl/assets/2018/7/11/8/2/c/thumb5_82c81958-c8bc-475f-9516-871e- 52a58cde.jpg>. Acesso em: 15 jun. 2020. 30 Antes do século XX, os serviços de comunicação visual eram ofertados por artistas comerciais; tipógrafos, ilustradores e retocadores. Basicamente, o artista comercial criava os layouts, os tipógrafos desenhavam os textos e orientavam a composição, os ilustradores desenhavam desde diagramas mecânicos até desenhos de moda, e os retocadores finalizavam o layout para sua reprodução. A produção deste período era basicamente em branco e preto, impressas em papel (na maioria das vezes em apenas um lado da folha), isso fez com que relações como cheio e vazio, figura e fundo, se tornassem decisivas no processo de criação (HOLLIS, 2000). Já as duas primeiras décadas do século XX foram marcadas por um período de grandes transformações que influenciaram diversos níveis da vida social, política, cultural e econômica. A monarquia europeia deu espaço para a democracia, o socialismo e o comunismo. O sistema de transporte foi alterado com a criação do automóvel (1885) e do avião (1903). A comunicação sofreu grande impacto com o surgimento do cinema (1896) e da transmissão por radiofrequência. A revolução turca iniciada em 1908 e a declaração de independência da Bulgária incitou povos colonizados a reivindicar independência. O impacto da Primeira Guerra Mundial em números de mortos foi enorme, muito em função do uso de tecnologias e armas de destruição em massa (MEGGS; PURVIS, 2009). Fundada em 1907, em Munique, o Deutsche Werkbund (Liga de Ofícios Alemã) era uma associação que reunia diversos profissionais que buscavam melhorias e integração do fazer artístico, da indústria e do artesanato por meio do ensino. Defendiam duas perspectivas: a estandardização industrial associada à tipificação de produtos e o desenvolvimento da atividade artística. Surgiram novos materiais e consequentemente novos modos de ocupar os espaços. Henry Van de Velde fundou, em 1902, um seminário de artes aplicadas que posteriormente se transformou em escola de artes aplicadas, cuja fusão com a escola de artes plásticas deu origem à Bauhaus (BÜRDEK, 2006). FIGURA 16 – ESCRIVANINHA. PROJETO DE HENRY VAN DE VELDE FONTE: <http://1.bp.blogspot.com/_KHWOdx4Qak4/SORN7PHWlAI/AAAAAAAAABE/6BLHZqOPURA/ s320/v.gif>. Acesso em: 15 jun. 2020. 31 FIGURA 17 – CHALEIRA. HENRY VAN DE VELDE FONTE: <https://dam-13749.kxcdn.com/wp-content/uploads/2019/08/cropped-Henry-Van-de-Velde-Tea- pot-1904-2.jpg>. Acesso em: 15 jun. 2020. Walter Gropius (1883-1969) difundia a ideia de que arte e técnica deveriam se tornar uma nova e moderna unidade (BÜRDEK, 2006). A Bauhausé uma escola de grande relevância no contexto do Design, porém, não aprofundaremos informações neste momento sobre a mesma pois consideramos que a história da Bauhaus pode ser melhor contemplada em uma disciplina de História do Design. Para conhecer um pouco sobre a História da Bauhaus, assista ao vídeo de Paulo Biacchi, A primeira escola de design do mundo. O vídeo está disponível no endereço: https://www.youtube.com/watch?v=ERrzzMFAeNY. DICAS Neste contexto, as artes visuais e o design passaram por impactantes revoluções criativas, problematizando os valores e abordagens de espaço antigos, estendendo a reflexão para discussões sobre o papel da arte e do design na sociedade. Questões sobre cor e forma, protesto social e teorias freudianas associadas ao estado emocional particular estavam fazendo com que a mente de alguns artistas efervescesse (MEGGS; PURVIS, 2009). Foi por meio dos movimentos artísticos modernos junto ao contexto social, político e econômico do século XX, que o design gráfico se transformou consideravelmente, relacionando-se com a pintura, a poesia e as arquiteturas modernas. Movimentos artísticos como Dada, De Stijl, Suprematismo, Cubismo, Construtivismo, Futurismo e Bauhaus desenvolveram uma nova perspectiva em todos os sentidos das artes visuais, afetando frontalmente o design. Esses movimentos são marcados pela negação às artes decorativas e populares da época, também se opunham à ornamentação do Art Nouveau que acabou despertando o interesse deste grupo por geometria, trazendo à tona o Art Déco (FRASCARA, 2000). 32 Estes movimentos de vanguarda têm origem em um espírito inovador perceptível em todas as artes deste período. Fomentam, assim, a criação de manifestos, de novos estilos artísticos, de novas publicações e incorporaram arquitetos e educadores que expressavam verbalmente suas posições. Com vistas à geometrização, construtivismo, suprematismo, neoplaticismo, De Stijl e parte da Bauhaus influenciaram, de modo permanente, o design do século XX. Assim, a forma ganhou status comunicativo. Observe na imagem a seguir o cabeçalho do jornal Der Dada (Berlim, 1919) e acompanhe como a estrutura do material gráfico difere-se das obras do Art Nouveau. FIGURA 18 – CAPA DO JORNAL DER DADA (BERLIM, 1919) FONTE: <http://www.monografica.org/prova/wp-content/uploads/2011/12/Der-Dada.jpg>. Acesso em: 15 jun. 2020. A capa desse jornal representa a liberdade que era tão exaltada pelos membros do movimento, a irracionalidade e a oposição ao estado e ao seu tempo, bem como às exposições de arte do período. Os membros do De Stijl também comunicaram suas con- cepções estéticas por meio das formas (FRASCARA, 2000). Neste estilo podemos apre- sentar o logotipo geométrico desenhado por Theo Van Doesburg (1883-1931), em 1917: 33 FIGURA 19 – CARTÃO DE STIJL – THEO VAN DOESBURG FONTE: <https://www.idesign.wiki/wp-content/uploads/2015/11/theo_van_doesburg_138-768x762. jpg>. Acesso em: 15 jun. 2020. A produção de cartazes também foi fortemente impactada pela arte moderna e a comunicação passou a atender às necessidades decorrentes da Primeira Guerra Mundial. Ainda que sofrendo as influências de movimentos como Cubismo e Construtivismo, os designers deste período sabiam que era necessário guardar relação com referências figurativas de modo que seus cartazes conseguissem comunicar algo para o público. Os designers oscilavam entre criar imagens dotadas da capacidade expressiva e simbólica, e em organizar visualmente o plano da imagem. Neste contexto, destacaram-se James Pryde (1866-1941) e William Nicholson (1872-1949), ou como ficaram conhecidos: os Beggarstaffs. Eles montaram um ateliê de desenho publicitário em 1894 e optaram pelo uso de pseudônimos a fim de proteger suas reputações enquanto artistas. São os responsáveis pelo desenvolvimento de técnicas de colagem, com uso de planos completamente chapados e com linhas irregulares pelo uso das tesouras. Frequentemente utilizavam imagens incompletas de forma a despertar o interesse dos espectadores. Infelizmente a dupla não obteve sucesso financeiro e encerraram a parceria (MEGGS; PURVIS, 2009). O design ocidental herdou o alfabeto romano, sofrendo poucas modificações com o passar dos anos. Inicialmente imitavam letras dos escribas que eram desenhadas com pena. Com o passar do tempo, a geometrização dos tipos, simetria e proporções passaram a ser objetos de pesquisas que buscavam elucidar questões referentes a padrões estéticos e progresso técnico imposto pelos meios de produção (HOLLIS, 2000). Foi com os trabalhos de László Moholy-Nagy (1895-1946) e Herbert Bayer (1900- 1985) para a Bauhaus que a preocupação pela minimização dos ruídos da comunicação se tornou mais evidente. Outro nome importante para o design é Edward Johnston (1872-1944), que desenhou o alfabeto para o metrô de Londres em 1917. Seu trabalho começou a apresentar traços do que, hoje, temos no campo do design da informação. 34 Jan Tschichold (1902-1974) é outro designer influenciado pelos construtivistas, que utilizou da tipografia para criar uma organização visual, sem se desprender do aspecto estético, passando a compô-la como elemento que constitui a informação. Assim, o design dedicou-se a pensar sobre como agrupar e estabelecer sequências e hierarquias que permitissem a realização de uma leitura organizada (FRASCARA, 2000). FIGURA 20 – LÁSLÓ MOHOLY-NAGY FIGURA 21 – CAPA REVISTA BAUHAUS, HERBERT BAYER FONTE: <http://twixar.me/p8Lm>. Acesso em: 15 jun. 2020. FONTE: <http://twixar.me/88Lm>. Acesso em: 15 jun. 2020 O desenho de tipografias durante os anos de 1920 e 1930, buscaram a ampliação de novas formas, dentre os designers de tipografia de destaque, podemos citar Herbert Bayer, atento às formas, a necessidade de unidade e simplicidade como índices de beleza e funcionalidade. Uma de suas criações é a tipografia Universal, que tem como base linhas retas e arcos assertivos em termos de forma cuja função gera economia compositiva para atingir uma simplicidade visual (FRASCARA, 2000). Observe a figura a seguir e acompanhe a geometria da tipografia desenvolvida por Bayer. FIGURA 22 – UNIVERSAL DE HERBERT BAYER FONTE: <https://sep.yimg.com/ay/artbook/ellen-lupton-on-herbert-bayer-s-indelible-Bauhaus-universal- -lettering-1.gif>. Acesso em: 15 jun. 2020. 35 A Bauhaus primava por alguns princípios: coerência, economia e simplicidade, e estes guardavam relação com a beleza e com a funcionalidade. Em decorrência desses princípios, erigiu-se um dos pilares do design a partir da funcionalidade, ou seja, na implicação do uso de processos mais simplificados, passando a ser entendido como um estilo próprio, logo, faz parte do processo de design, sendo assim um critério para sua avaliação. É necessário, porém, ao visualizar o alfabeto de Bayer, considerar que estudos sobre legibilidade eram limitados e incipientes (FRASCARA, 2000). O design, nos Estados Unidos, foi influenciado por imigrantes europeus que trou- xeram consigo as sementes da vanguarda europeia. Ao longo dos anos 1940, os Estados Unidos passaram a incorporar estes conceitos. Enquanto o design europeu era marcado pela teoria e pela estruturação, os americanos desenvolveram um estilo mais pragmático e intuitivo caracterizando uma menor formalidade na organização do espaço. Nova York se tornou o centro cultural estadunidense atraindo pessoas de grande talento, cuja sociedade valorizava a inovação técnica e a originalidade conceitual, seus designers estavam focados em solucionar problemas imprimindo uma expressividade particular. Designers estadunidenses ganharam status internacional e mantiveram essa posição até os dias atuais (MEGGS; PURVIS, 2009). Ao final da Primeira Guerra Mundial foi necessário reinventar a comunicação gráfica que traduzisse a era da máquina, por meio de ideias visualmente complexas. Já nas décadas que se seguiram, o final da Segunda Guerra Mundial, acompanharam o desenvolvimento de uma linguagemconceitual no campo do design. São imagens carregadas de informação, ideias e conceitos. Palavra e imagem passaram a atuar com maior integração. Nesse período, a história da arte passou a funcionar como uma biblioteca disponível ao designer e tudo assumiu um caráter de extremo potencial (MEGGS; PURVIS, 2009) Os movimentos artísticos serviam como inspiração e a autoexpressão do designer ganhou espaço, as imagens eram cada vez mais pessoais, criando novos estilos e explorando novas técnicas. O designer italiano Armando Testa (1912-1992) é um dos ícones deste novo momento da história do design (MEGGS; PURVIS, 2009). Observe, a seguir, o apelo estético de um de seus cartazes. 36 FIGURA 23 – CARTAZ PLAST (1972) DE ARMANDO TESTA FONTE: <https://i.pinimg.com/236x/41/1f/2b/411f2b812c57b9e3b2a5dc6d45d82a11--vintage-graphic- -vintage-posters.jpg>. Acesso em: 15 jun. 2020. Este cartaz foi produzido para uma exposição de borrachas e plásticos em 1972 em Milão. Testa apresenta uma mão de material sintético equilibrando uma bola de plástico. Na peça, o conceito é tão enfático que dispensa qualquer tentativa de tradução da mensagem. Por volta de 1950, pesquisas em outras áreas foram desenvolvidas e contribuíram profundamente com o design. Entre elas, podemos citar a psicologia experimental, que realizou estudos sobre percepção, aprendizagem e comportamento, e a psicologia social, com seus estudos sobre mercado, estatísticas e comportamentos. Além destas, as forças armadas também realizaram estudos no campo da percepção, comunicação, aprendizagem e comportamento. Com vistas a atender às necessidades do mercado, agências de publicidade e a indústria realizaram estudos sobre consumo, e nos anos 1960 iniciaram os estudos sobre linguística, retórica e semiótica. Destes estudos resultaram tipografias como a Helvética, desenvolvida por Miedinger para a fundição Haas em 1956 e a Univers criada por Adrian Frutiger para a fundição Lumitype-Photon em 1955 (FRASCARA, 2000). O design de tipografia se desenvolveu muito com base nos estudos mencionados, porém, devido a profundidade deste tema, não o detalharemos neste momento visto que este não é o objetivo deste tópico. Em 1953, é fundada a Escola de Design de Ulm que viria transformar a práxis do designer deste período (BÜRDEK, 2006). 37 A Escola de Design de Ulm é referência para o design. Assista ao vídeo que conta a sua história, A Escol de Design de Ulm, disponível no YouTube no endereço: https:// www.youtube.com/watch?v=QLfTwFR5Gho. DICAS Por volta da década de 1950, livros infantis adotaram um estilo mais simples e a publicidade de produtos diversos passou a explorar textos sintéticos, deixando espaço maior para avisos mais assertivos. Neste mesmo período, discussões sobre legibilidade tornaram-se mais frequentes e a partir daí concluiu-se que além de simples, um bom design precisa ser legível. A simplicidade como fator determinante no design acabou sendo aplicada nas mais diversas áreas, e a pesquisa de Smith e Watkins, desenvolvida na Universidade de Reading (na Inglaterra, em 1972), apontaram que materiais didáticos também eram influenciados pela simplicidade ao transmitir uma informação. (FRASCARA, 2000). A década de 1970 foi marcada pela crença de que a Idade Moderna se findava na arte, no design, na política e na literatura. As normas culturais passaram novamente a serem questionadas, o que resultou no enfrentamento das instituições tradicionais. As doutrinas relativas ao modernismo também foram contestadas e as mulheres começaram a lutar por igualdade, fomentando a diversidade cultural. A estética moderna já não atendia mais às necessidades da sociedade pós-industrial. Surge o termo pós- modernismo que vinha trazer os novos ares da mudança cultura. No campo do design, o pós-modernismo buscava o rompimento com o Estilo Internacional que havia sido consolidado pela Bauhaus (MEGGS; PURVIS, 2009). Na década de 1980, houve um consenso acerca da necessidade de as empresas serem representadas por meio de uma linguagem que a tornasse reconhecível em qualquer lugar. Assim, o design de identidade visual ganhou força. Neste período, os pôsteres poloneses, tchecos e húngaros influenciaram a estética no Ocidente e na União Soviética e com o aumento na distribuição de revistas de design no mundo todo foi possível conhecer o que estava sendo produzido em outros lugares. O punk também influenciou o estilo de alguns designers tendo na figura de Neville Brody um dos representantes do design da década de 80. Uma expressão do design deste período é a revista Émigré lançada em 1983 por Rudy VanderLans (1955-) e Zuzana Licko (1961-), uma revista produzida em Macintosh, que demonstra a potencialidade que o computador poderia atribuir ao design. O computador permitiu uma mistura de imagens tornando o 38 contexto do designer menor restrito às técnicas de impressão. Estudos sobre design da informação tiveram início neste período através dos estudos de Richard Saul Wurman (1935-) e, ao final dos anos 1980, o design foi incorporado ao marketing (HOLLIS, 2000). A década de 1990 traz outros problemas para o design: com a mudança do perfil consumidor as preocupações com o meio ambiente deram outro status para o design. Com isso, consumidores passaram a optar por pagar mais caro por produtos que denotassem sua preocupação com o meio ambiente. A indústria passou a preocupar-se com o impacto dos poluentes e isso implicou na explosão de embalagens, propagandas e estratégias de marketing com um apelo ecológico mais enfático. Surgem as certificações que representam a fiscalização dos órgãos competentes junto às empresas a fim de garantir que aquilo que está anunciado esteja em consonância com a prática da mesma. É desse período que resulta a máxima “think globally, act locally” (pense em escala global, haja em escala local) (CARDOSO, 2008). Por fim, chegamos ao ápice período da revolução digital com a passagem do século XX para o XXI. Como apresentamos o campo do design foi frontalmente impactado pelas possibilidades de hardware e software dos microcomputadores e foi com a disseminação da internet e seu crescimento explosivo que novos modos de comunicação foram construídos. Programas de computador especializados em imagens (seja para seu tratamento, criação ou modelagem) foram amplamente difundidos e potencializaram a criatividade dos designers. A personalização ganhou status de ordem, a presença nas redes é obrigatória para aqueles que pretendem ter sucesso nos seus negócios, a ampliação dos serviços ofertados cresceu exponencialmente e novos suportes foram inaugurados pela digitalização (MEGGS; PURVIS, 2009). É neste contexto que a produção de design se encontra hoje: inaugurando ferramentas, suportes, serviços e modos de criar. Na Unidade 2 avançaremos no estudo sobre o design contemporâneo e como a digitalização transformou os processos de produção de design. ESTUDOS FUTUROS O conteúdo até aqui apresentado objetiva promover em você, acadêmico, a capacidade de desenvolver uma leitura do contexto do mundo em que estamos inseridos e a partir deste ponto, reflita sobre os aspectos que constituem o design na contemporaneidade. Tente reconhecer tendências, esquemas visuais, linguagens e estéticas que sirvam como definição do design hoje. Acompanhe, a seguir, o próximo tópico que apresentará o contexto do design no Brasil. 39 RESUMO DO TÓPICO 2 Neste tópico, você aprendeu: • O conteúdo apresentado não busca esgotar o tema, porém, chamar a atenção para alguns eventos que consideramos de extrema relevância para a disciplina de Introdução ao Design. • O design sofreu fortes influências do contexto social no qual ele atua com objetivos a atender ou gerar necessidades nas pessoas do contexto artístico, as quais muitas serviram como base para a quebra dos paradigmas estéticos construídos para o design. • A arte foi fundamental para o desenvolvimento de um conceito de design, que ora aproximavaas áreas, ora afastava em busca de uma independência. O processo da Revolução Industrial foi um momento de cisão entre ideias que até então estavam consolidadas e que a fragmentação do trabalho ao qual ela se propunha foi contestado pelo Movimento Arts and Crafts. • A implantação de escolas como a Bauhaus e a de Ulm também marcaram a produção do design pois propuseram outras reflexões e perspectivas que foram fundamentais no desenvolvimento do design mundial. 40 AUTOATIVIDADE 1 Duas escolas que transformaram o design foram Bauhaus e Ulm. Construa um texto de, no máximo, duas laudas falando sobre a importância das duas escolas para o design. 2 Escolha um designer gráfico, um designer de produto, um designer de ambientes estrangeiros e apresente pelo menos um projeto de cada. Tente identificar fatores que tornam essa produção um ícone do seu tempo. 41 TÓPICO 3 - PERSPECTIVA HISTÓRICA BRASILEIRA DO DESIGN 1 INTRODUÇÃO No tópico anterior, você conheceu um pouco sobre o desenvolvimento do design no contexto histórico, desde os primeiros registros da área, passando pela criação da impressora de Johannes Gutemberg, pela Revolução Industrial e registrando o impacto social, político, econômico que gerou. Essas transformações puderam ser percebidas por meio da influência destacada no campo artístico, na consolidação de uma linguagem própria do design para o desenvolvimento de produtos e serviços em todas as áreas, até às transformações que a computação e a digitalização dos suportes implicaram para o mercado, resultando no design que é produzido na contemporaneidade. Como objeto de estudos deste Livro Didático, optamos por separar o contexto do design brasileiro do design mundial, pelo fato deste ter se estabelecido no Brasil da forma que conhecemos hoje. Outro fator que colabora para essa separação diz respeito aos fatos históricos do Brasil acontecerem de forma distinta dos outros países. UNIDADE 1 2 O DESIGN EM TERRITÓRIO BRASILEIRO Entendemos que o design perpassa a cultura de um país, tendo em vista que consumimos design diariamente, no entanto, raramente percebemos sua presença no cotidiano. O design faz parte da cultura de massa, portanto, precisa estar inserido dentro da memória nacional e ser analisado não somente como uma mera peça gráfica, mas sim como representação de um período histórico. A consciência desta necessidade é bastante recente, visto que o acervo historiográfico do design não está organizado por instituições públicas ou privadas, pois muito daquilo que fora criado já se perdera na linha de consumo. Alguns designers, conscientes da urgência desse registro, organizaram livros reunindo o maior número de peças gráficas, permeadas por um esforço de colocá-las numa lógica prioritariamente temporal, da qual, raras vezes, consegue-se voltar para a relação contextual que tais peças possuem com o meio no qual estão inseridas (MELO, 2006). 42 Recentemente, empresas e designers perceberam a necessidade comercial de organizar sua produção e seus projetos por meio de portfólios, objetivando apresentar aos clientes aquilo que é de sua autoria, no entanto, ainda carecemos de outras estru- turas de registros abrangentes e que nos permitam interpretar a passagem do tempo, assim como a interferência do contexto histórico por meio dessas narrativas gráficas. Essa situação é reflexo da falta de reconhecimento da área – expressa pelo não reconhecimento da profissão, ainda que diariamente se proliferem e nasçam outras subáreas do design – potencializado pela falta de valorização do produto nacional, o qual, na maioria das vezes, é ignorado. Pensando em uma perspectiva local do design, consideramos necessário conhecer quem, por que e como colaborou com a construção do design brasileiro, nos permitindo vislumbrar, através de suas peças, alguns traços representativos desta história. Obviamente, tal como vimos na história mundial do design, as atividades desenvolvidas antes deste período não atendiam ao nome Design, dentre algumas nomenclaturas que podemos encontrar ao longo da história estão: design industrial, programação visual, comunicação visual, artista gráfico, arte finalista e tantas outras. O que mantém a unidade destas atividades com a do design são os produtos delas originados. Para nos situarmos temporalmente, o termo desenho industrial é usado no Brasil desde 1850, quando a Academia Imperial de Belas Artes ofertou uma disciplina com este nome (CARDOSO, 2005). Para Cardoso (2005), chamar de designer alguém como Eliseu Visconti (1866-1944), cujo trabalho é de suma importância para a área, pode mascarar diferenças primordiais entre o que fora produzido em 1870 e o que é produzido atualmente. Portanto, transpor o conceito de designer para o passado, esperando que ele tenha o mesmo valor semântico da atualidade é um problema para o historiador, sendo fundamental que a história atue como um catalisador, nos permitindo reavaliar os pressupostos e determinar o sentido dado aos termos. As artes desenvolvidas no século XIX ainda eram inconsistentes, uma vez que ha- via também uma dificuldade em compreender como as artes aplicadas à indústria agrega- riam valor aos produtos, consequentemente as influências do design e as transformações que ele engendraria ainda eram muito nebulosas segundo Landim (2010). Quando falamos da produção de design gráfico de um determinado período, há que se considerar que existiram atividades projetuais desde 1870, que fomos influenciados por uma matriz estrangeira, mas é justamente daí que resulta uma tradição rica e genuinamente brasileira. Já na introdução do livro O design brasileiro antes do design, Cardoso (2005) afirma que apesar de muitos teóricos defenderem que a gênese da história do design brasileiro data da década de 1960, um olhar mais atento à produção gráfica brasileira nos aponta para outros momentos da história. 43 Cabe ressaltar, aqui, que data de antes de 1960 o registro de projetos que guardavam em si uma ampla complexidade conceitual, baseado no uso de tecnologias, orientadas por um valor econômico, aplicável para a produção em escala e, consequentemente, distribuído para consumo de produtos industrializados. Daí se justifica a necessidade da compreensão de um passado projetual que anteceda 1960. A concepção de que o design brasileiro surgiu em 1960 é patrocinada pelo poder público, com vistas a inserir o país em um sistema econômico mundial que auxiliava a construção da ideia de um país do futuro, com forças para romper com um passado arcaico e escravocrata, consequência de um pensamento republicano positivista. Além disto, de acordo com Landim (2010) foi com a criação do Programa Brasileiro de Design em 1996 e programas estaduais semelhantes que o design ganhou visibilidade, denotando que ele pode ser um elemento estratégico que agrega valor à indústria nacional. Cardoso (2005) atenta para o fato de o Brasil ser um país desprovido de memórias, uma vez que acionar o passado desacomoda as estruturas de poder vigentes. Melo e Ramos (2012) propõem uma macroperiodização que busca identificar traços que deem conta da produção diversificada do design. Organizadas em quatro períodos, definidos pelos pesquisadores na seguinte ordem: • Primeiro período – século XIX: a era da tipografia de chumbo. • Segundo período – de 1900 a meados do século XX: a era da ilustração. • Terceiro período – de meados do século XX aos anos 1980: a era da fotografia. • Quarto período – a partir dos anos 1990: a era digital. As sanções estabelecidas pela Coroa portuguesa ao Brasil nos séculos XVI, XVII e XVIII baniu o processo de impressão das atividades desenvolvidas aqui. Com a chegada da Impressão Régia os processos de impressão retornam ao território nacional. Os primeiros equipamentos tipográficos chegaram ao Brasil junto com a corte portuguesa em 1808, nos porões da esquadra de dom João VI, e eram muito semelhantes aos que Johannes Gutemberg havia desenvolvidocentenas de anos antes. Após a liberação do ofício de monopólio estatal, a atividade se alastrou rapidamente. Com isso, características da linguagem gráfica desenvolvidas no país, neste período, foram influenciadas pela tipografia de chumbo, suas coleções de tipos e ornamentos. Antes da chegada de Dom João VI ao Brasil, a preocupação com o mobiliário era praticamente inexistente. Com a chegada da corte surgiram marcenarias que exploravam o estilo rococó português utilizando folhagens para ornar os móveis. 44 O estilo Chippendale foi transformado para uma estética brasileira inserindo a palinha como material e as frutas tropicais como ornamento. O estilo Chippendale é em referência ao marceneiro inglês Thomas Chippendale (171-1779) quando ele publica o livro The Gentleman and Cabinet-Marker’s Director, um manual que apresenta diretrizes de seu estilo (BRANDÃO, 2010). No campo do mobiliário, foi no século XIX que surgiram as primeiras escolas de engenharia e Liceus de Artes e Ofícios, que foram os responsáveis pela formação de mão de obra capaz que assumir a demanda que até então era atendida pela importação de móveis. A fabricação nacional permitiu a instauração de pequenas industrias passando a conquistar um lugar de prestigio que antes era de domínio estrangeiro. A indústria moveleira foi influenciada por nomes como Thonet, Van der Rohe, Write e Van de Velde, designers os quais você já estudou no tópico anterior (BRANDÃO, 2010). Assista à entrevista de Chico Homem de Melo sobre a História do Design no Brasil, o vídeo está disponível no Youtube no endereço: https://www.youtube. com/watch?v=mK_k9sB-69w. DICAS Dentre os primeiros impressos, lançados pelas oficinas de Impressão Régia, está a Relação de despachos de 13 de maio de 1808. Um documento administrativo marcado pela simplicidade da composição, pela simetria vertical e variação no tamanho da tipografia a fim de organizar a informação. Inicialmente a indústria gráfica não fazia distinções entre os materiais produzidos na sua linha editorial, mas com o passar dos anos, a necessidade de diferenciar um jornal, uma revista e um livro foi se tornando uma realidade. Os livros possuíam um aspecto mais nobre e podiam ser divididos em duas categorias, uma mais elitista e outra com maior apelo visual focado para o público geral. Já as revistas eram produzidas de forma a cativar mais o leitor e servem hoje como memória gráfica do século XIX (MELO; RAMOS, 2012). Neste ramo destacam-se três europeus: o alemão Henrique Fleius, o português Rafael Bordalo Pinheiro e o italiano Angelo Agostoni, quem se tornou referência por suas ilustrações satíricas desenhadas para revistas. Sua obra mais conhecida foi a Revista Illustrada, que durou de 1876 a 1898, tendo como foco a luta pela causa abolicionista. Observe na figura a seguir o detalhamento que Agostini dá por meio da litografia. 45 FIGURA 24 – RELAÇÃO DE DESPACHOS DE 13 DE MAIO DE 1808 FIGURA 25 – REVISTA ILLUSTRADA N° 498 FONTE: Melo e Ramos (2012, p. 27) FONTE: Melo e Ramos (2012, p. 49) A litografia, que surgiu em meados do século XIX, propiciou a ampliação da qualidade das reproduções gráficas. Tipografia de chumbo e litografia passaram a compor os impressos do período, resultando em um sistema híbrido de impressão cujos materiais são profundamente transformados no que diz respeito à sua estética. Devido à carência de profissionais para atuarem no ramo gráfico, a maioria dos trabalhadores desta área eram estrangeiros, chegados da Europa e isso fez com que os materiais aqui produzidos fossem influenciados por um estilo europeu (MELO; RAMOS, 2012). Dentre os ícones resultantes desse período, podemos citar os Olhos de Boi no nicho dos selos postais, sendo o segundo selo postal que circulou o mundo. Observe que o selo é marcado pela ausência de textos – com exceção à cifra – e pelo uso de ornamentos sóbrios, que denotam seu ineditismo. FIGURA 26 – SELO OLHOS DE BOI FONTE: Melo e Ramos (2012, p. 32) 46 Outro marco foi a primeira página do jornal A Província de São Paulo, publicada em 16 de novembro de 1889 a qual saudava a Proclamação da República e a bandeira da República que é o signo da identidade visual do Brasil até os dias de hoje. FIGURA 27 – PÁGINA DO JORNAL A PROVÍNCIA DE SÃO PAULO FONTE: Melo e Ramos (2012, p. 59) FIGURA 28 – BANDEIRA DA REPÚBLICA BRASILEIRA FONTE: Melo e Ramos (2012, p. 61) No início do século XX desembarcava no território brasileiro toda a efervescência que a Europa vinha aprendendo a lidar: os efeitos da Revolução Industrial, o desenvolvimento das cidades, a Belle Époque carioca, a construção de avenidas na capital da República, as novidades bombardeadas pelas revistas, tudo isso trazia uma sensação de novidade constante (MELO; RAMOS, 2012). Foi neste mesmo período que estudos históricos sobre mobília começaram a ser implementados. Havia uma necessidade em descrever casas, objetos e decoração e os móveis tinha uma função cenográfica (BRANDÃO, 2010). Surge a necessidade das revistas se segmentarem de acordo com seu conteúdo: nascem as revistas políticas, satíricas, literárias, de luxo, esportivas, femininas. Neste mesmo período o Art Nouveau chegou com força e impactou a indústria gráfica brasileira. O cenário gráfico, era composto por profissionais 47 estrangeiros, e logo cedeu espaço para profissionais brasileiros, cujos trabalhos eram de alta qualidade gráfica (MELO; RAMOS, 2012). Observe na imagem a seguir que os elementos característicos do movimento Art Nouveau – sinuosidade das linhas, motivos botânicos, conexão entre os elementos, arabescos, desenho tipográfico e influência dos grafismos na ilustração – podem ser verificados na capa da revista Renascença de 1904. FIGURA 29 – REVISTA RENASCENÇA (ANO 1 Nº 1) FONTE: Melo e Ramos (2012, p. 79) Os avanços tecnológicos que marcaram a passagem do século XIX para o XX propiciaram a reprodução de imagens coloridas. A partir da zincografia, ilustradores re- produziram desenhos feitos em papel, aumentando o uso de ilustrações, consequen- temente, isso fez com que elas passassem a ser o meio predominante de comunicação nas quatro décadas que se seguiram. Influenciadas pelo desenho de humor e pela arte, as ilustrações eram criadas por designers e artistas ecléticos, em que parte deles aten- diam às ilustrações para fins comerciais, que atingiam um público geral. Dentre esses, podemos destacar Raul Pederneiras, K. Lixto, Voltolino e J. Carlos (MELO; RAMOS, 2012). A zincografia é um processo de impressão planográfica que utilizava placas de zinco. NOTA 48 A cidade era o cenário da vida moderna, palco dos conflitos populares, lutas pela causa das mulheres e trânsito de veículos. Este contexto inspirava os ilustradores das revistas. Observe a capa da revista O Parafuso e reflita sobre os elementos compositivos presentes nela: uma transposição gráfica do contexto social do Brasil daquele período. FIGURA 30 – REVISTA O PARAFUSO N° 170 – ILUSTRAÇÃO DE VOLTOLINO FONTE: Melo e Ramos (2012, p. 85) Outra parte de ilustradores realizavam experimentações, atuando de forma mais eventual e algumas vezes composto por artistas que atuavam no contexto da cultura erudita, voltados para questões do modernismo e atentos às vanguardas internacionais. De modo geral, eram ilustradores que pensavam a ilustração para além da imagem, buscavam construir um campo gráfico relacionando-a, muitas vezes, a textos. Dentre estes, podemos citar Di Cavalcanti e Correia Dias, que ilustraram A dança das horas e Nós (MELO; RAMOS, 2012). Correia Dias é um dos ilustradores mais importantes entre os anos de 1910 e 1920, a capa a seguir apresenta motivos botânicos, com estrutura em blocos bem definidos. O uso de elementos densos é um destaque entre as capas do período. A capa de Di Cavalcanti para a Revista O Malho mostra uma ruptura na cultura estética da publicação, que era baseada em uma linguagem de charge, abrindo espaço para o simbolismo da pintura.49 FIGURA 31 – CAPA NÓS (1917 – CORREIA DIAS) FONTE: Melo e Ramos (2012, p. 73) FIGURA 32 – CAPA REVISTA O MALHO (1919 – DI CAVALCANTI) FONTE: Melo e Ramos (2012, p. 89) Com a tecnologia da autotipia a ilustração passou a dividir espaço com a foto- grafia, até que a mesma tomasse conta das mídias, essa técnica viabilizou a impressão de tons contínuos. A impressão de fotografias no Brasil iniciou-se ao final do século XIX e foi com a inauguração do offset, nos anos 1920, que a expansão da impressão ganhou impulso definitivo. Foi ao final da Segunda Guerra Mundial que este sistema de impres- são se consolidou, em parte influenciado pelo consumo, cada vez maior, de imagens realistas – tenha em mente que a fotografia era a linguagem que guardava maior relação com a realidade quando comparada às ilustrações, por exemplo (MELO; RAMOS, 2012). A autotipia é uma fotogravura utilizada para reproduzir fotos em tons de cinza. NOTA A Semana de Arte Moderna de 1922 resultou da agitação deixada pelo final da Primeira Guerra Mundial e reuniu intelectuais de diversos perfis e interesses. Focava- se na discussão acerca de uma identidade brasileira apresentada na frase que ecoava no momento “Tupy or not tupy, that is the question” e o Manifesto Antropofágico. Nele, defendia-se a ideia de digerir a cultura importada para o país e construir uma identidade nacional. No campo da arte, as obras modernistas resultaram de um exercício livre, marcando essa produção como uma fase de experimentação e não um delimitador de aspectos visuais (MELO; RAMOS, 2012). 50 Deste período, resultam obras icônicas como o programa para a Semana de 1922 de Di Cavalcanti, marcada pela ausência de ornamentos, com traços angulares e trazendo uma proximidade com a aspereza do expressionismo. Já a tipografia desenvolvida e apresentada na capa da primeira edição da revista Klaxon é composta por um arranjo tipográfico sem precedentes no território nacional (MELO; RAMOS, 2012). FIGURA 33 – PROGRAMA DA SEMANA DE ARTE MODERNA DE 1922 POR DI CAVALCANTI FONTE: Melo e Ramos (2012, p. 120) Esse período é marcado pela transição do Art Nouveau para o Art Déco, característico pela geometrização das formas. Monteiro Lobato se destaca no cenário da produção de livros devido a sua preocupação com a qualidade gráfica dos mesmos. Sua ousadia pode ser percebida na tiragem de 50 mil exemplares de A menina de narizinho arrebitado. A revista Cruzeiro, dirigida por Assis Chateaubriand, foi por 40 anos a revista de maior influência no cenário nacional, foi um sucesso comercial marcada por diversos aspectos inovadores e voltada para um público geral. A revista Para Todos, sob direção de arte de J. Carlos, é marcada pelo seu traço Art Déco, ele é um dos representantes de maior evidência no design editorial brasileiro. As capas são atraentes, com movimento, amplo uso de fotografia, uso de papel couché e impressão de alta qualidade. FIGURA 34 – CAPA KLAXON N° 1 (1922) FONTE: Melo e Ramos (2012, p. 120) 51 FIGURA 35 – CAPA DO LIVRO A MENINA DE NARIZINHO ARREBITADO (ARTE DE VOLTONINO – 1920) FIGURA 36 – CAPA REVISTA PARA TODOS (ARTE DE J. CARLOS – 1928) FONTE: Melo e Ramos (2012, p. 104) FONTE: Melo e Ramos (2012, p. 141) FIGURA 37 – CAPA REVISTA CRUZEIRO (N° 1 – CAPA MANUEL DE MÓRIA) FONTE: Melo e Ramos (2012, p. 139) Os profissionais surgidos no início do século XX atingiram maturidade nas suas produções, eram divididos entre aqueles que saíram da indústria gráfica com experiência na comunicação com leitor de revistas e aqueles alinhados às vanguardas artísticas. Belmonte junta-se aos ilustradores como Voltolino e Móra, enquanto Paim e Tarsila do Amaral juntam-se a Di Cavalcanti (MELO; RAMOS, 2012). 52 Assista ao curta Artes: Design Brasileiro (Parte 1 e 2) para aprofundar seus conhecimentos sobre a História do Design no Brasil, o vídeo está disponível no YouTube nestes links: https://www.youtube.com/watch?v=b4Xl-EjF0V4 e https:// www.youtube.com/watch?v=u2ljvVZfrIo. DICAS Na década de 1930 a semente do modernismo já havia eclodido e encontrava- se numa fase de franco amadurecimento, a identidade brasileira veio com força na obra de Di Cavalcanti e Cândido Portinari. A literatura passou a apresentar o romance regionalista, expressos por Graciliano Ramos e Jorge Amado. A sociedade brasileira passou a refletir sobre si mesma, a partir das obras de Gilberto Freyre, Caio Prado Junior e Sérgio Buarque de Holanda. A editora José Olympio ganhou espaço a partir do uso de uma linguagem gráfica brasileira por meio dos designs de Santa Rosa. No Rio Grande do Sul, a livraria O Globo teve, a frente de seu corpo editorial, o designer Ernest Zeuner. Em Pernambuco, a revista Pra Você reunia um conjunto de capas inovadoras de M. Bandeira. Bernard Rudofsky marca presença no cenário da identidade corporativa anunciando o que ainda estaria por vir no ramo na década de 1950. Célebres músicos surgiam como Noel Rosa, Ary Barroso, Lamartine Babo e Dorival Caymi (MELO; RAMOS, 2012). FIGURA 38 – CAPA A BAGACEIRA (SANTA ROSA – 1937) FONTE: Melo e Ramos (2012, p. 177) FIGURA 39 - A VIAGEM À AURORA DO MUNDO (CAPA ERNEST ZEUNER - 1939) FONTE: Melo e Ramos (2012, p. 164) 53 FONTE: Melo e Ramos (2012, p. 179) FONTE: Melo e Ramos (2012, p. 154) FIGURA 40 – ANUÁRIO DE PERNAMBUCO (MANOEL BANDEIRA – 1934) IGURA 41 – LOGOTIPO FOTOPTICA (BERNARD RUDOFSKY – 1939) Na década de 1930, dois nomes se destacavam na arquitetura: Lúcio Costa e Oscar Niemeyer. Eles buscavam uma arquitetura livre orientada pela diversidade da paisagem brasileira. Niemeyer buscava se afastar do estilo retilíneo e mecanizado a arquitetura racional internacional. Já o design de mobiliário renova-se e apresenta um traço brasileiro que harmoniza móveis e ambientes (REGO; CUNHA, 2016). FIGURA 42 – ESPEGUIÇADEIRA LÚCIO COSTA FIGURA 43 – POLTRONA LÚCIO COSTA FONTE: <http://twixar.me/zYLm>. Acesso em: 16 jun. 2020. FONTE: <http://twixar.me/5YLm>. Acesso em: 16 jun. 2020. 54 Em 1937 foi criado o Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, este órgão foi destinado ao estudo e programas de preservação dos bens culturais brasileiros, o que resultou no início da historiografia do mobiliário brasileiro, segundo Brandão (2010). Lúcio Costa escreveu um artigo que seria utilizado na introdução do álbum de fotografias de móveis brasileiros que seria enviado à Feira Internacional de Nova York. Este texto nunca foi impresso, sendo futuramente publicado pela revista número três do Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. O texto apresentava um estudo do mobiliário luso-brasileiro dividido em três grandes períodos: • Um que corresponde aos séculos XVI e XVII e início do XVIII. • Em seguida aborda a tradição barroca, no século XVIII. • E um terceiro período que compreende desde finais do XVIII até a primeira metade do XIX. A década de 1940 e o final da Segunda Guerra Mundial afetaram a economia brasileira e isso reverberou no campo do design, cuja produção, pode-se dizer, foi menos intensa que nos anos anteriores. Apesar disso, é nesse período que surge a maior editora de livros de luxo: a Sociedade dos Cem Bibliófilos. Outras publicações de peso que surgiram nesse período foram as revistas Sombra e Rio, que contou com nomes de Di Cavalcanti, Portinari, Lívio Abramo e Cícero Dias, marcando o encontro entre arte e design. A reprodução de fotografia colorida se instaurou nas revistas de massa, esmagando o mercado de ilustrações. Assim, a linguagem gráfica tornou-se homogênea, perdurando alguns anos a seguir. Destacam- se as capas de revista Tricô e Crochê de Alceu Penna; Augustus reedita as obras de Monteiro Lobato pela editora Brasiliense; Santa Rosa produz o ABC de Castro Alves e as capas das revistas Rio e Joaquim de Di Cavalcanti (MELO; RAMOS, 2012). FIGURA 44 – CAPA REVISTA TRICÔ E CROCHÊ (ALCEU PENNA 1950) FIGURA 45 – CAPA REINAÇÕES DE NARIZINHO (AU- GUSTUS – A PARTIR DE 1948) FONTE: Melo e Ramos(2012, p. 235) FONTE: Melo e Ramos (2012, p. 219) 55 FIGURA 46 – CAPA ABC DE CASTRO ALVES (DE SANTA ROSA (1941) FIGURA 47 – CAPA DE JOAQUIM (DI CAVALCANTI 1947) FONTE: Melo e Ramos (2012, p. 223) FONTE: Melo e Ramos (2012, p. 239) Em 1944, José de Almeida Santos realiza um estudo intitulado Mobiliário Artístico Brasileiro, composto por três tomos, o texto buscava discutir a identidade do mobiliário brasi- leiro, negando a mimese dos modelos portugueses, buscando reconhecer nessas influências algo tipicamente brasileiro. No mesmo ano, José Wasth Rodrigues publica o Documentário Arquitetônico que aborda a antiga construção civil brasileira. Com desenhos minuciosos, com medidas e escalas perfeitas, a obra apresenta elementos como chafarizes, sacadas, cornijas etc. com tal precisão que pode remeter a uma anatomia arquitetônica (BRANDÃO, 2010). FIGURA 48 – FOLHA DE ROSTO LIVRO MOBILIÁRIO ARTÍSTICO BRASILEIRO FIGURA 49 – FOLHA DE ROSTO LIVRO DOCUMENTÁRIO ARQUITETÔNICO FONTE: <https://www.levyleiloeiro.com. br/peca.asp?ID=224643>. Acesso em: 16 jun. 2020. FONTE: <https://www.traca.com. br/capas/695/695399.jpg>. Acesso em: 16 jun. 2020. 56 O mercado de revistas e jornais passaram a se comprometer com essa necessidade: de ter na fotografia o elemento de destaque da informação. Entre 1950 e 1960, um crescente criativo tomou o país e isso impactou a cultura e a economia. Nesse período, Juscelino Kubitschek constrói a nova capital do país em Brasília, fomentando ainda mais a ideia de industrialização e o desenvolvimento cultural alinha-se ao plano de desenvolvimento econômico. O construtivismo assinalou a entrada do Brasil na modernidade, o qual reverberou em diversos setores, inclusive no design e esse período, marcado pelo manifesto Concreto e Neoconcreto, pressupôs-se uma revolução formal (MELO; RAMOS, 2012). Com a chegada do design moderno no país, fomentou-se a criação de escolas de design, resultando na primeira turma de designers formada em território nacional. Em concomitância, outros modos de pensar o design estimulavam a diversidade, assim, artistas visuais, publicitários, arquitetos passaram a integrar o campo do design. A fotografia foi o estopim para as transformações do design ocorridas neste período, resultando em transformações, tanto nas mídias de massa, quanto no setor empresarial e no campo da cultura (MELO; RAMOS, 2012). Em 1951 inaugurou-se o Instituto de Arte Contemporânea do Masp (IAC), dirigido por Lina Bo e Pietro de Maria Bardi. As possibilidades de experimentações que este espaço deu à arte influenciou a inauguração da Escola Superior de Desenho Industrial – a ESDI – em 1963. O IAC contou com os professores europeus Roberto Sambonet, Leopoldo Haar e com palestras de Max Bill, então diretor da escola de Ulm. A arte construtivista dos anos 1950 influenciou o design e muitos dos artistas deste período acabaram atuando também nesse campo. Uma grande mudança de paradigma ocorrida nesse período, diz respeito ao fato de o design passar a ser entendido como conceito, profissão e ideologia, e o estudo relativo à esta área, até então, era realizado por meio de museus, inserindo o design no contexto artístico (MELO; RAMOS, 2012). A Escola de design de Ulm tinha sede na cidade de Ulm, Alemanha. Foi fundada em 1953 por Max Bill e outros, e tinha como objetivo promover os princípios de Bauhaus. Seu fechamento ocorreu em 1968 por motivações políticas e financeiras. IMPORTANTE Um designer de destaque no setor moveleiro é Sério Rodrigues, cuja produção estava voltada para uma coerência com a identidade cultural, com vistas a uma redução de materiais por meio da sintetização das formas. A poltrona Mole (1957) é um clássico de design brasileiro e foi premiada na Bienal de Cantu, na Itália, em 1961. Hoje, compõe o acervo permanente do MoMA em Nova York (REGO; CUNHA, 2016). 57 FIGURA 50 – POLTRONA MOLE DE SÉRGIO RODRIGUES FIGURA 51 – POLTRONA VERGA SÉRGIO RODRIGUES FONTE: <http://twixar.me/yPLm>. Acesso em: 16 jun. 2020. FONTE: <http://twixar.me/zPLm>. Acesso em: 16 jun. 2020. Algumas produções expressivas foram o Suplemento Dominical do Jornal do Brasil, um livro sobre a cultura brasileira que era publicado pelo governo federal e contava com capas de Ivan Serpa – esse projeto mostra o interesse do governo com as concepções modernistas, de forma que o conceito da mesma se desdobrou sobre produções governamentais. Os sistemas de identidade visual ganharam notoriedade e as capas de disco passaram a ser produzidas com um viés do design, inaugurando um novo suporte para estes profissionais. Com o início das transmissões da TV Tupi uma nova cisão aconteceria na cultura visual brasileira (MELO; RAMOS, 2012). FIGURA 52 – SUPLEMENTO DOMINICAL (1960) FONTE: Melo e Ramos (2012, p. 313) 58 FIGURA 53 – CAPA DISCO SAMBA E OUTRAS COISAS (JOSELITO 1950) FIGURA 54 – TUPI (MARIO FANUCHI 1950) FONTE: Melo e Ramos (2012, p. 252) FONTE: Melo e Ramos (2012, p. 246) Um dos nomes mais importantes do design brasileiro é Alexandre Wollner. O documentário Alexandre Wollner e a formação do design moderno no Brasil apresentam uma entrevista realizada com o designer, na qual ele conta como foi a sua vivência no design. Disponível no endereço: https://www.youtube.com/ watch?v=s7LOZLMRRO0. DICAS No que tange o design desenvolvido na década de 1960, podemos dizer que o projeto gráfico industrial é algo que perpassa aqueles que ainda não estavam sob a denominação de designer e estes, por sua vez, foram responsáveis por construir estilos e modos de inserção social. O que se pode afirmar é que este período foi marcado por uma forte ruptura, a exemplo de todo o contexto do design mundial, influenciado pela arte moderna (MELO; RAMOS, 2012). No Brasil, o golpe de 1964 e o AI5 em 1968 sufocaram as manifestações populares, propiciaram prisões, torturas, desaparecimentos e tudo isso passou a fazer parte do cotidiano nacional, e tanto a cultura quanto a arte foram permeadas por censura e ânimos exaltados. A Bossa Nova consolidou-se, nasceu a Música Popular Brasileira, a Jovem Guarda afirmou-se como expressão do rock no Brasil e o Tropicalismo explodiu como uma bomba na cena musical e cultural. Teatro e cinema tiveram suas expressões viradas ao avesso, representados por meio do Cinema Novo, Teatro Arena e do Teatro Oficina. O Centro Popular de Cultura da União Nacional de Estudantes rompeu com o caráter burguês das temáticas dos bens culturais de consumo. Os embates entre política e cultura marcaram a época, desta forma a arte tornou-se instrumento de militância social (MELO, 2006). 59 Para entender melhor sobre o movimento Tropicalista Ascenção e Debates, assista ao vídeo no YouTube, disponível no link https://www.youtube.com/ watch?v=CrNOZ9ri9_A. INTERESSANTE Esse período influenciou o design, tanto pela atmosfera estimulante quanto pelo cerceamento da liberdade de expressão. Ainda assim, o Jornal da Tarde e o Pasquim são referências de publicações revolucionárias. A música, destaque na cena cultural, trouxe nas capas de discos de diversos artistas, fonte para refletir sobre as influências da arte no contexto do design. As capas da Bossa Nova guardavam a expressão dos padrões estéticos modernistas a grosso modo, e o mesmo se aplica às capas de músicos da MPB. Já nas capas tropicalistas vê-se a representação da vanguarda internacional, com influências do psicodelismo e da Pop Art (MELO, 2006). Ainda que com um acento estrangeiro, as capas tropicalistas apresentavam algo particular, reflexo da situação do Brasil. Apesar de a Jovem Guarda ter tido um grande enfoque em produtos, as capas de discos foram pouco expressivas, mas guardavam relações conceituais com o imaginário da época. Um exemplo da relação entre arte e design são os cartazes da Bienal de São Paulo, que demonstravam o estágio da linguagem gráfica brasileira de cada período. Possivelmente aqui temos um dos maiores referenciais representacionaisde uma época. De imagens estáticas, passamos pela mudança vertiginosa de canais, propiciada pelo controle remoto, o uso da fotografia apontando, cada vez mais, para a fragmentação da imagem (MELO, 2006). FIGURA 55 – CAPA DISCO CAETANO VELOSO (ROGÉRIO DUARTE 1968) FONTE: Melo e Ramos (2012, p. 341) 60 FIGURA 56 – DESENHO INDUSTRIAL DE 1968 (GOEBEL WEYNE) FIGURA 57 – CAPA REALIDADE (BARRETO FILHO 1966) FONTE: Melo e Ramos (2012, p. 355) FONTE: Melo e Ramos (2012, p. 400) A década de 1970 sofreu com o avanço das ditaduras na América do Sul, a economia brasileira cresceu de forma assombrosa devido às obras como a Transamazônica, a ponte Rio-Niterói e a hidrelétrica de Itaipu. O arrocho salarial, a repressão e a censura esmagaram a população brasileira, em contraponto, a seleção brasileira ganhou o tricampeonato mundial, acalentando o espírito nacionalista. Apesar da repressão, o contexto cultural se mostrou um campo fecundo de produção. A identidade corporativa teve em Aloisio Magalhães, seu representante de destaque e os escritórios de design passaram por um período de profissionalização. A cultura das massas vê nascer o símbolo da TV Globo pelas mãos de Hans Donner. Curitiba se tornou palco para Miran e seu tabloide Raposa, que ainda viria conquistar seu espaço no cenário internacional (MELO; RAMOS, 2012). FIGURA 58 – SESQUICENTENÁRIO DA INDEPENDÊNCIA (ALOISIO MAGALHÃES – 1972) FONTE: Melo e Ramos (2012, p. 421) 61 Em 1979, entrou no mercado a empresa gaúcha Grendene (fundada em 1971 em Farroupilha, que inicialmente fabricava embalagens plásticas para garrafões de vinho). Os irmãos Alexandre e Pedro Grendene fizeram algumas tentativas frustradas de produzir calçados até que criaram o primeiro modelo Melissa Aranha, inspirado pelas sandálias Fisherman usadas pelos pescadores da Riviera Francesa. O resultado foram vendas de aproximadamente 200 mil pares em 60 dias, culminando em 25 milhões de unidades em um único ano. A Melissa Aranha leva 26 segundos para ficar pronta. Isso sem contar o tempo de projeto e confecção das ferramentas para sua produção. FIGURA 61 – FÁBRICA GRENDENE COM AS TELAS PARA GARRAFÕES DE VINHO FIGURA 62 – PRIMEIRA SANDÁLIA PLÁSTICA GRENDENE – NUAR FONTE: <http://twixar.me/nVLm>. Acesso em: 16 jun. 2020. FONTE: <http://twixar.me/nVLm>. Acesso em: 16 jun. 2020. FIGURA 59 – REDE GLOBO (HANS DONNER – 1975) FONTE: Melo e Ramos (2012, p. 355) FIGURA 60 – CAPA RAPOSA (OSWALDO MIRANDO – 1978) FONTE: Melo e Ramos (2012, p. 513 62 A década de 1980 é marcada pelo nascimento de diversas bandas de rock e pelo fim da ditadura. José Sarney sobe ao poder e em 1989 Fernando Collor foi eleito presidente. A economia estava descontrolada, marcando um período de inflação flutuante. Diante deste contexto negativo, o pop rock surgiu como um catalisador da criatividade brasileira. As escolas de design passaram por mudanças significativas ao longo destes 20 anos, o modernismo caiu e deu espaço ao pós-modernismo. Surgiram ideias múltiplas e a pluralidade passou a ser a palavra de ordem. Rupturas importantes aconteceram em diversos setores, a fragmentação da imagem se estabeleceu enquanto linguagem – processo fomentado pela cultura digital. Destaque para a empresa SAO, que atuava com design corporativo e foi a criadora de um modelo de negócios inovador: ter um escritório de design junto a uma empresa de publicidade, um modelo que, apesar de ter gerado sucesso, não se consolidou (MELO; RAMOS, 2012). Na década de 1980, o design de móveis passa a contar com uma gama maior de materiais voltando-se para uma produção próxima ao artesanal. Os profissionais voltam- se para a globalização, abandonam o funcionalismo abrindo espaço para um design mais intuitivo e irreverente (REGO; CUNHA, 2016). Influenciados por estes fatores, em 1989 os irmãos Campana montam seu escritório. Exploram a reutilização de materiais (plástico, borracha, bichos de pelúcia, corda, tijolos etc.). FIGURA 63 – POLTRONA BANQUETE – IRMÃOS CAMPANA FIGURA 64 – POLTRONA EDRA – IRMÃOS CAMPANA FONTE: <http://twixar.me/FVLm>. Acesso em: 16 jun. 2020. FONTE: <http://twixar.me/hVLm>. Acesso em: 16 jun. 2020. Junto ao cenário musical, surgiram designers fonográficos, a editora Brasiliense passou por uma reestruturação. A revista Gráfica trouxe o que há de mais relevante no contexto do design internacional. Neste período estabeleceu-se a imagem que o design apresentaria nos anos que seguem. Ao final do ano de 1989, surge a ADG (Associação de Designers Gráficos) cuja atuação será extremamente importante nos anos a seguir (MELO; RAMOS, 2012). 63 FIGURA 65 – HOLLYWOOD ROCK (BOB GUEIROS –1987) FONTE: Melo e Ramos (2012, p. 530) FIGURA 66 – CAPA DISCO RPM (GERALDO ALVES PINTO E RICARDO LEITE – 1982) FONTE: Melo e Ramos (2012, p. 542) FIGURA 67 – TABÚ (OSCAR RAMOS – 1982) FONTE: Melo e Ramos (2012, p. 553) A revolução digital iniciada na década de 1980 firmou-se na década de 1990. O design foi afetado de forma rápida e radical em decorrência do uso de computadores pessoais. Designers passaram a abandonar a prancheta trocando-as pelas telas de computador. Esse comportamento alterou os processos de design gerados nos anos a seguir. A transição do analógico para o digital abriu oportunidades para os designers, marcando a era da desconstrução das imagens. A importância da ADG pode ser percebida pela sua responsabilidade em promover Bienais de Design Gráfico a partir de 1992 (MELO; RAMOS, 2012). Com o desenvolvimento de softwares gráficos, os designers passaram a atuar como produtores de imagens e surgiram os bancos de fotografias. Softwares como o Adobe Photoshop, próprios para a manipulação digital de imagens, transformaram a era fotográfica para a era pós-fotográfica, alargando o espaço entre fotografia documental e manipulada. A fotografia dividiu espaço no plano bidimensional com o texto e a ilustra- ção. Em seguida, os suportes consolidados do design passaram a disputar espaço com a linguagem eletrônica. A larga produção de vídeo clipes acentuou a convergência de elementos que geraram uma linguagem complexa e desconstruída (MELO; RAMOS, 2012). 64 FIGURA 68 – LOGOTIPO REDE GLOBO (HANS DONER – 1999) FONTE: Melo e Ramos (2012, p. 530) FIGURA 69 – PRIMEIRA PÁGINA FOLHA DE SÃO PAULO (ETTORE BOTTINI – 1999) FIGURA 70 – CAPA REVISTA BRAVO! (NORIS LIMA – 1999) FONTE: Melo e Ramos (2012, p. 668) FONTE: Melo e Ramos (2012, p. 679) Assista ao vídeo Panorama do design no Brasil, disponível no Youtube no endereço: https://www.youtube.com/watch?v=D4Tyw7iUrXk DICAS 65 Inicia-se aqui outro marco da história do design que ainda está em fase de construção, voltado para o design dos anos 2000, e esse será um tema que voltaremos na Unidade 2 deste livro. Refletir sobre o processo de instauração do design no Brasil nos faz perceber que, ainda que algumas atividades relativas ao campo do design fossem desenvolvidas no Brasil desde meados do século XIX, foi no século XX que podemos perceber uma maior rapidez nas transformações quando comparamos com aquelas ocorridas no design ao redor do mundo. É importante que você tenha em mente que hoje você começa a ajudar a construir a história do design contemporâneo. No tópico a seguir você irá estudar os caminhos percorridos para a implementação do ensino em Design no Brasil. 66 RESUMO DO TÓPICO 3 Neste tópico, você aprendeu: • A instauração do design no Brasil remonta ao século XIX ainda que a área tenha passado por um processo de popularização a partir de meados do século XX. • O desenvolvimento do design no Brasil, assim como no redor do mundo, se deu a partir de influências da arte e de designers estrangeiros. • A este contexto se aplica muito do que aconteceu no exterior: o design está diretamente relacionado com o contexto social, econômico, político e artístico. • O design brasileiro é influenciado pelo contexto social do país, servindo como espelho da história com maior ênfase no períododa ditadura. 67 AUTOATIVIDADE 1 Escolha um período entre os que foram apresentados (Primeiro período – século XIX: era da tipografia de chumbo; Segundo período – de 1900 a meados do século XX: era da ilustração; Terceiro período – de meados do século XX aos anos 1980: era da fotografia; Quarto período – a partir dos anos 1990: era digital) e construa uma linha do tempo com os artefatos de design que você julgar interessante. Tente contemplar uma diversidade nos objetos (gráfico, mobiliário, arquitetura etc.). Não esqueça de informar o período de produção e quem foi o designer responsável. 2 Pesquise três cases de sucesso do design brasileiro, lembre-se de escolher áreas diferentes do design (produto, embalagem, gráfico, mobiliário etc.). Identifique quem desenvolveu o projeto, se houve premiação etc. Redija um texto de no máximo três laudas e ilustre com imagens do projeto e justifique o motivo da sua escolha, informando o que mais lhe despertou atenção. 68 69 TÓPICO 4 - PERSPECTIVAS HISTÓRICAS NA FORMAÇÃO DO DESIGNER NO BRASIL: ENSINO, PESQUISA E CAMPO DE ATUAÇÃO 1 INTRODUÇÃO No tópico anterior, você acompanhou o contexto histórico de implementação do design no Brasil. Uma leitura atenta do tópico dois e três, mostra que, embora o desenvolvimento do design no país tenha acontecido em períodos desencontrados do que temos no contexto mundial. Fomos arrebatados por questões muito similares que fizeram com que o design brasileiro constituísse a sua própria identidade. Essa identidade é perpassada pela arte e pelos diversos acontecimentos políticos e sociais que constituem a história do país. Neste tópico você conhecerá sobre como se deu a construção da formação do designer no Brasil, sob a perspectiva do ensino, pesquisa e campo de atuação. UNIDADE 1 2 O SURGIMENTO DO DESIGN COMO ÁREA DE CONHECIMENTO NO BRASIL Apesar de uma cultura forte na indústria gráfica brasileira, o conceito de design em 1950 ainda era algo muito incipiente, para não dizer inexistente. Foi com o reconhecimento, por parte de uma elite paulista, da necessidade de formar pessoas capazes de projetar produtos e desenvolverem projetos de comunicação fomentado pela efervescência do cenário econômico e da indústria que estava se estabelecendo, que se passou a reconhecer a necessidade de um profissional que conseguisse desenvolver uma linguagem universal de fácil leitura pelos sujeitos (NIEMEYER, 2007). O discurso moderno não foi suficiente para defender o ensino do design numa perspectiva estético-projetiva. Destacou-se, no entanto, uma ênfase nas exigências da produção, focada nas tecnologias disponíveis, nas questões de ordem econômica, nas exigências do mercado, nas necessidades do desenvolvimento local, que criou uma ideia ampla do papel do desenho industrial inserido no contexto social (CARÁ, 2010). 70 Não compreender o desenho industrial como uma tarefa estético-projetiva, cercou a disciplina de questões negativas, pois, não raramente, confundia-se desenho industrial com arte, fazendo com que se confundisse, também, a atividade desse profissional com o fato de embelezar produtos industrializados. Ora relacionado à arquitetura, o desenho industrial, por vezes, foi entendido como um subproduto, uma vez que estes profissionais passaram a problematizar ques- tões de design sob o viés da arquitetura, conforme veremos mais à frente (CARÁ, 2010). Com o final da Segunda Guerra Mundial e o clima agitado que absorvemos do contexto internacional, associado ao desenvolvimento de inovações que estavam trans- formando a vida das pessoas, em concomitância, uma aura de prestígio cultural estava se espalhando, esse processo iniciou no Museu de Arte Moderna de Nova York em 1929, chegou à Europa no pós-guerra com o Museu de Arte Moderna de Paris e passaram a integrar exposições temporárias, atividades didáticas, culturais e sociais. No Brasil essa concepção chega em 1947, com a criação do Museu de Arte de São Paulo (MASP). Assis Chateaubriand já vinha apresentando a intenção em criar uma galeria de arte que con- figurasse sua importância ao lado das maiores galerias do mundo (NIEMEYER, 2007). Assis Chateaubriand é um nome muito importante no contexto da comunicação. Acesse o link Acesse o vídeo A biografia do Brasil – Assis Chateaubriand link https://www.youtube.com/watch?v=W9PjHWc0dAM para conhecer um pouco mais de sua persona. INTERESSANTE Chateaubriand aproximou-se de Pietro Maria Bardi, marchand (profissional que negocia obras de arte) e jornalista italiano, e de Lina Bo Bardi, arquiteta e esposa de Pietro, que, junto ao esposo, envolveu-se com a criação do MASP. O contexto paulista era propício para a criação de instituições culturais, a alta burguesia pagava para ter seus nomes relacionados às atividades artísticas. Dentre estes, Francisco Matarazzo Sobrinho (Cicilo), inaugurou o Museu de Arte Moderna de São Paulo (1951) e junto à Iolanda Penteado, a Primeira Bienal de São Paulo. O MASP foi palco para as primeiras conversas sobre design, fomentado por Lina Bo Bardi que, ao perceber o potencial da indústria paulista, apontou para a necessidade de se discutir design no museu. Assim, o casal Bardi inaugurou, em 1951, o Instituto de Arte Contemporânea (IAC) do MASP, solo fértil para germinar as primeiras sementes do ensino de design em nível superior. Muitos de seus alunos eram bolsistas e se tornaram referência no design no período que segue, entre eles, Alexandre Wolner (NIEMEYER, 2007). 71 Assista ao vídeo sobre a criação do MASP, Conhecendo Museus - Ep. 10: Museu de Arte de São Paulo - MASP, disponível no endereço: https://www.youtube.com/ watch?v=fuCQdmlAxVA. DICAS Figuravam o corpo docente, profissionais expressivos de diversas áreas: Roberto Sambonet, Lasar Segall, Roger Bastide e Max Bill, este que, por sua vez, convidou Almir Mavigner, Mary Vieira e Geraldo de Barros para estudar na Escola de Ulm, entre 1954 e 1958. Barros concedeu sua bolsa para Wolner, que ao retornar ao Brasil, tornou-se sócio de Barros, Ludovico Martino, Walter Macedo e Karl Heinz Bergmiller, no estúdio Forminform (1958), considerado o primeiro escritório de design do Brasil (NIEMEYER, 2007). O estúdio Forminform foi criado em 1958, em São Paulo, por Geraldo de Barros, Rubens Martins, Walter Macedo e Alexandre Wollner, assim que regressou de Ulm. Atuaram no escritório Karl Heinz Bergmiller, Ludovico Martino, Décio Pignatari, German Lorca e outros profissionais. IMPORTANTE Os cursos do MASP discutiam as relações entre arte, design, artesanato e indústria. Apesar da imensa relevância do IAC, sua vida foi breve, perdurando por apenas 3 anos. Infelizmente, os recursos para a instituição eram escassos. Ainda assim, a IAC conseguiu convergir a profissão com o pensamento do ensino formal brasileiro (NIEMEYER, 2007). Nos anos 1960 a historiografia do design e da arquitetura é complementado por novas áreas de conhecimento. A fenomenologia e as teorias da comunicação colocam o design numa posição reflexiva fazendo com que se reexamine algumas questões que já haviam sido sanadas. O conceito de desenho industrial é discutido por Reynar Banham e Tomás Maldonado, que identificam que a noção de desenho industrial já não dá mais conta de todas as tarefas que podem ser desenvolvidas por um designer. Com isso, o termo em inglês design passa a representar os aspectos tecnológicos, sociais, políticos e psicológicos identificados como pertencentes à esta formação (CARÁ, 2010). 72 As discussões sobre educação culminaram com a 1ª LDB de 1961, que flexibilizou o ensino, possibilitando o acesso ao ensino superior independente do curso. Possibilitou a migração interna do aluno de um outro ramo de ensino, via aproveitamento de estudos e norteou os 8 grandes eixos da educação: 1) dos fins da educação; 2) do direito à educação; 3) da assistência social escolar; 4) da liberdade de ensino; 5) da administração do ensino; 6) da educação de grau primário; 7) dos recursospara educação (COUTO, 2008). Em 1962, o design foi incluído no curso da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. Esse processo levou 14 anos e foi conduzido pelo engenheiro-arquiteto João Batista Vilanova Artigas. Com a renovação do currículo do curso, foram acrescidas disciplinas que ocupariam 4 horas semanais ao longo do curso e, cientes de que esse curto período não formaria designers completos, o curso sofreu uma cisão, de um lado arquitetos designers que defendiam sua operabilidade em projetos de design e, de outro lado, designers que defendiam um mercado de trabalho, ou melhor, a delimitação de um campo profissional (NIEMEYER, 2007). A Escola Técnica de Criação do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM), foi envolvida pela ideia de burgueses cariocas que defendiam que o país passava por uma transformação, marcada pela transposição de uma sociedade, cuja economia tinha base na agricultura, para uma cujas bases encontravam-se na indústria. Esse grupo era liderado por Raymundo Ottoni de Castro Maya. Para eles, a indústria deveria ter um padrão composto por uma expressão formal, de acordo com o período e apostavam na arte, na arquitetura e na cultura moderna (NIEMEYER, 2007). A criação de uma escola de design no MAM foi proposta por Max Bill, que havia ficado impressionado com a arquitetura do prédio moderno do museu, projetado por Afonso Eduardo Reidy. Além disso, Bill propôs algumas alterações para que o prédio fosse apto para abrigar uma escola com características particulares. Objetivava-se, portanto, propiciar aos estudantes um ambiente que suportasse atividades criativas, artísticas e que gerasse uma forma de arte que estivesse em consonância com o contexto social da época (NIEMEYER, 2007). Niomar Muniz Sodré, Affonso Eduardo Reidy e Carmem Portinho acreditaram na ideia e investiram em um projeto inovador: no lançamento de um curso totalmente inédito na América Latina e que contribuísse com o desenvolvimento do país. O objetivo do curso do MAM era de formar profissionais capazes de atender às necessidades da indústria, produzindo produtos adequados e com uma estética que refletisse os novos tempos. Assim, o design rompeu com as tradições das Belas Artes e seu conservadorismo proeminente (NIEMEYER, 2007). 73 A Escola Técnica de Criação (ETC) iniciou suas atividades em 1958 e a responsabilidade da criação do currículo da escola ficou a cargo de Tomás Maldonado e de contribuições de Max Bill. Os profissionais formados pela ETC aliavam capacidade criativa com conhecimento tecnológico, avançado e culturalmente embasado. Era um curso pago, com possibilidades de bolsas de ensino, desde que as aptidões artísticas fossem atestadas. As vagas eram distribuídas entre brasileiros e estrangeiros. A prática pedagógica buscava internalizar nos estudantes um novo modo de ensinar, de pensar e de fazer design, e o curso era composto por três habilitações: desenho industrial, comunicação visual e informação. Ainda que com um projeto de educação muito interessante, os custos para manutenção da ETC eram inviáveis, resultando no abandono do projeto do curso (NIEMEYER, 2007). O curso de Desenho Industrial do Instituto de Belas Artes (IBA) resultou no planejamento do curso que veio a consagrar o ensino do design no Brasil: a Escola Superior de Desenho Industrial. Na sua constituição, políticos envolveram-se profundamente com a implementação do curso, negando qualquer ajuda de educadores ou especialistas em ensino superior, além de ignorar qualquer planejamento de ensino. Neste período, interesses políticos estiveram à frente do ensino do design. Assim, o Estado investiu em aprender sobre cursos de design pelo mundo afora e buscou a criação de um curso, o qual seria seu financiador e, para minimizar os impactos burocráticos na implementação, definiu-se criar o curso no IBA. Basicamente, até o presente momento, todas as manifestações em prol da criação de um curso de design, focava em gerar mão de obra para atuar na indústria e tinham, no centro desse processo, uma proposta de renovação política (NIEMEYER, 2007). O curso fundamental do IBA era composto pelas disciplinas: introdução visual, métodos e processos de representação, trabalhos nas oficinas e integração cultural. As habilitações tinham enfoque técnico e científico: a de produtos industrializados subdividia-se em desenho industrial e equipamentos da habitação, e em comunicação visual verbal, que, por sua vez, dividia-se em comunicação visual e informação. Após idas e vindas, mudança de sedes e outros fatores, o curso de desenho industrial do IBA não foi assinado pelo governador (NIEMEYER, 2007). O secretário de Estado da Educação e Cultura, Flexa Ribeiro, buscou apoio do governador Carlos Lacerda para implementar seu curso de design. O governador, por sua vez, tinha interesses no projeto, desde que fosse de encontro ao seu plano de inovação do governo, com vistas ao desenvolvimento industrial. A Escola Superior de Desenho Industrial (ESDI) seria o meio que viabilizaria a construção de uma identidade nacional de produtos, cujo decreto de criação fora assinado em 5 de dezembro de 1962 (NIEMEYER, 2007). 74 Alguns artigos publicados por Cláudio Ceccon e Flávio de Aquino, em 1964, tem a Escola Superior de Desenho Industrial como tema. Eles buscavam explicar a proposta de ensino que viria a ser implementada, apresentando objetivos, expectativas, grade curricular, avaliações e um relato da experiência do primeiro ano da escola (CARÁ, 2010). A direção da ESDI foi dada a Mauricio Roberto, arquiteto, cuja relação com o design se dava por meio de interesses secundários, uma vez que seu foco era a arquitetura. O corpo docente era formado por Flávio d’Aquino, Aloísio Magalhães, Alexandre Wollner, Euryalo Cannabrava, Antonio Gomes Penna, Zuenir Carlos Ventura, Karl Heinz Bergmiller e Orlando Luiz de Souza Costa. A seleção dos estudantes se dava por meio de vestibular. A escola tinha foco no mercado de trabalho e previa a possibilidade de mudanças, conforme identificadas as necessidades do mercado. Assim, a ESDI organizou seu curso em torno de disciplinas de projeto, sendo este o cerne da formação do designer. A liberdade no funcionamento da escola fez com que a ESDI fosse definida como órgão descentralizado, relativamente autônomo do Departamento de Cultura. Em 1976 a ESDI foi incorporada pela UERJ (NIEMEYER, 2007). Como falado no início do tópico, neste período ainda não havia clareza sobre o que seria a função do designer. Ainda que os artigos de Décio Pignatari (A profissão do desenhista industrial e O desenhista industrial) e de Lúcio Grinover (Desenho Industrial) abordassem o tema, a contribuição dos mesmos ainda não havia sido suficiente para consolidar a ideia do que é a profissão do desenhista industrial (CARÁ, 2010). Foi com a contribuição de Magalhães, Wollner e Bergmiller que o caminho para uma definição da área e da profissão, começou a ser trilhado. A ESDI passou por algumas transformações ao longo dos anos, mas sua contribuição ao contexto acadêmico do design continua sendo de máxima importância. Em 1968 cresceu o incentivo às áreas tecnológicas, o que implicou em uma nova reflexão acerca dos currículos, fazendo com que cursos, antes de artes, se transformassem em cursos de design, para explorar os incentivos fiscais do governo federal. Eles eram orientados pelos currículos mínimos, em contraposição às interações entre as disciplinas (COUTO, 2008). Um tema ainda atual nos cursos de design diz respeito à formação acadêmica, em que algumas instituições defendem uma formação mais generalista, pois, nesta perspectiva compartimentar, o conhecimento levaria o profissional à uma prática pobre. Já a formação integral, defende a superficialidade do curso, tornando o designer um especialista em assuntos gerais, sem desenvolver habilidades consistentes. Esse ponto foi considerado na escrita da segunda LDB (NIEMEYER, 2007).Na 2ª LDB de 1971, período de efervescência da ditadura militar, as universidades atuavam em oposição ao governo. A reforma universitária iniciou as discussões sobre a busca de eficiência, modernização e flexibilização administrativa. Com isso, a lei da 75 Reforma Universitária conferiu ao Conselho Federal da Educação, a competência em fixar currículos dos cursos de graduação brasileiros. Decorre disso os currículos mínimos profissionais dos cursos de graduação e suas habilitações, às Instituições de ensino coube a escolha dos componentes curriculares complementares (optativas). Formou- se, assim, profissionais presos às estruturas rígidas, com pouco ou nenhum senso de mudança social, tecnológica e científica focados no processo de desenvolvimento da sociedade (COUTO, 2008). Na década de 1970 a situação sócio-político-econômica do Brasil impactou o desenvolvimento do design, o qual passou a ser discutido como um fator de desenvolvimento tecnológico. Com isso, a produção científica na área cresceu, sendo muitos deles veiculados por jornais de grande circulação. O debate sobre design que antes era restrito às revistas passa a ganhar popularidade. Constrói-se duas perspectivas sobre a área: uma que entende o design como elemento estratégico que objetiva sanar as necessidades dos consumidores e a noção de complexidade e interdisciplinaridade (CARÁ, 2010). Em resposta à rigidez imposta pelo período militar, a primeira Constituição Brasileira, que data de 1824, foi revista em 1988. A Carta Magna de 1988 causou mobilização social, resultando no Plenário de Pró-participação Nacional Popular Constituinte, no qual defendeu-se a escola pública e de qualidade. Assim, a Constituição de 1988 traz algumas emendas populares, em que a educação se tornou direito de todos, universal, gratuita, democrática, comunitária e com elevado padrão de qualidade (COUTO, 2008). Com isso, a educação deveria pautar-se nos Artigos 206, 207 e 208, que tratam dos deveres da educação brasileira: I- igualdade de condições para acesso e permanência na escola; II- liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber; III- pluralismo de ideias e concepções pedagógicas e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino; IV- gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais; V- valorização dos profissionais de ensino; VI- gestão democrática do ensino público, na forma da lei; VII- garantia de padrão de qualidade (BRASIL, 1988, art. 206). Assim, as universidades passaram a ter autonomia didático-pedagógica, científica, administrativa, de gestão financeira e patrimonial, orientada pelo princípio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão. Ao Estado, coube a garantia de ensino fundamental gratuito e obrigatório, padrões extensivos ao ensino médio, atendimento educacional especializado a portadores de deficiência, atendimento em creche e pré-escola, o acesso aos elevados níveis de ensino de pesquisa e criação artística, bem como a oferta de ensino noturno e regular. No ensino fundamental observa-se a necessidade de desenvolvimento de programas suplementares de material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde (COUTO, 2008). 76 Segundo Couto (2008), em abril de 1994, a Secretaria de Educação Superior do Ministério da Educação e do Desporto criou a comissão de especialistas de Ensino das Artes e do Design (CEEARTES). Ela representava associações e instituições de ensino nas áreas de Artes Plásticas, Música, Dança, Teatro, Educação Artística e Design. Suas atividades encerraram em dezembro de 1994 e uma nova comissão foi criada somente em 1996. A CEEARTES foi responsável por propor e executar estratégias para avaliação e melhoria do ensino de Artes e Design, acompanhando a execução das mesmas, em cará- ter consultivo. Além disso, promoveu diagnóstico e estudos prospectivos sobre o desen- volvimento das áreas e seus reflexos na qualidade do ensino. Outras ações desenvolvidas dizem respeito à produção científica e artística, ao mercado de trabalho (COUTO, 2008). Também prestou consultoria técnica na avaliação, fomento, apoio, acompa- nhamento e supervisão das instituições de ensino, objetivando a melhoria de seus padrões de qualidade e contribuiu para o aperfeiçoamento dos processos de avaliação de ensino, identificando fatores relevantes que afetavam a eficiência dos cursos, bem como estabeleceu padrões mínimos de qualidade para os cursos das áreas de Artes e Design. Em 1994 promoveu fóruns para realizar um diagnóstico do ensino de Artes e Design no Brasil, para debater a criação de um instrumento de avaliação do ensino su- perior e discutir políticas e tendências no ensino das artes e do design (COUTO, 2008). A 3ª LDB, de 1996, partia de uma análise crítica do cenário educacional, que pos- sibilitou a ampliação da dimensão política das instituições de ensino superior, tornando-as responsáveis pelas respostas às efetivas demandas sociais e aos avanços tecnológicos e científicos do país. No campo do design, vemos a influência da pedagogia e de metodo- logias do design alemão na Escola Superior de Desenho Industrial. Lucy Niemeyer revela, em seu livro Design no Brasil: origens e instalação (2007), o contexto político de criação das escolas de design de maior relevância na história do país (COUTO, 2008). Um marco no contexto geral da educação brasileira foi a Lei de Diretrizes e Bases (Lei 9.394), em 20 de dezembro de 1996 e em decorrência à necessidade de flexibilização do modelo de ensino universitário, são redigidas as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN), orientadas pelo Currículo Mínimo (LDB 4.024/61). Para entender a fundamentação da LDB, é preciso conhecer, também, alguns aspectos das Constituições Federais do país e das Leis de Diretrizes de Base da Educação Brasileira, com o objetivo de contextualização da nova LDB (COUTO, 2008). Na perspectiva de Couto (2008) defende-se que o mais importante problema da ESDI – apesar da sua inegável contribuição ao desenvolvimento do design no Brasil – é o fato de que ela não foi pensada como uma resposta às necessidades da indústria brasileira. A ESDI surgiu de um grupo de pessoas que, naquela época, tinha o poder de criá-la. Nos primeiros anos, ela permaneceu fechada em si mesma, isolada de problemas importantes da indústria brasileira. Foram ensinadas teorias e teses de origem europeia, mas ninguém se perguntou sobre sua função para a sociedade brasileira. 77 Em 1997, as diretrizes curriculares de bacharelados em design tiveram início sob a regência da CEEARTES. Só em março de 1998, foi criada a CEEDESIGN (Comissão de Especialistas de Ensino das Artes e do Design) que estabeleceu alguns princípios básicos (COUTO, 2008): • A designação do bacharelado em Desenho Industrial passaria a ser Bacharelado em Design, seguido do nome da habilitação ou ênfase. • A existência de um Núcleo Básico Comum de Conteúdos para o ensino de Design por área de conhecimento, seguido, quando for o caso, do nome da habilitação ou ênfase e este núcleo deveria ser dividido em 4 blocos. Estes quatro blocos estavam divididos da seguinte forma: • Fundamentação: compreendendo o estudo da história, das teorias do Design e de seus contextos filosóficos, sociológicos, antropológicos, psicológicos, artísticos, assim como de outras relações entre usuários, objeto e meio ambiente. • Planejamento e configuração: englobando estudo de métodos e técnicas de projeto e pesquisa, meios de representação, comunicação e informação. • Sistemas de utilização: desenvolvendo-se através do estudo das relações entre usuário e objeto, incluindo aspectos biofisiológicos, psicológicos, sociológicos, filosóficos, entre outros. • Sistemas de produção: compreendendo estudo de materiais, processos, gestão e outras relações com a produção e o mercado. De acordo com a LDB (BRASIL, 1996), os currículos de design devem ser estruturados em função de um Núcleo BásicoComum de Conteúdos, os quais não deveriam ser entendidos como blocos de conteúdos isolados e fechados. A carga horária ficaria em torno de 3200 horas, sendo 50% referente ao núcleo de disciplinas e 50% referente às atividades extracurriculares e de conhecimentos específicos da área. Em 1999, a CEEDESIGN apresentou à SESU-MEC, o documento com as diretrizes educacionais para o ensino de graduação em Design, aprovada em 3 de abril de 2002, que tinha como objetivos (COUTO, 2008): 1. Assegurar às instituições de ensino superior a ampla liberdade na composição da carga horária a ser cumprida para a integralização dos currículos, assim como na especificação das unidades de estudos a serem ministradas. 2. Indicar tópicos ou campos de estudos e demais experiências de ensino e aprendizagem que comporão os currículos, evitando ao máximo a fixação de conteúdo específico, com cargas horárias pré-determinadas que não podem exceder 50% da carga horária total dos cursos. 3. Evitar o prolongamento desnecessário da duração dos cursos de graduação. 78 4. Incentivar uma sólida formação geral, necessária para que o futuro graduado possa vir a superar os desafios de renovadas condições de exercício profissional e de produção do conhecimento, permitindo variados tipos de formação e habilitações diferenciadas em um mesmo programa. 5. Estimular práticas de estudos independentes, visando uma progressiva autonomia profissional e intelectual do aluno. 6. Encorajar o reconhecimento de conhecimentos, habilidades e competências adquiridas fora do ambiente escolar, inclusive as que se refiram à experiência profissional julgada relevante para área de formação considerada. 7. Fortalecer a articulação da teoria com a prática, valorizando a pesquisa individual e coletiva, assim como os estágios e a participação em atividades de extensão, as quais poderão ser incluídas como parte da carga horária. 8. Incluir orientações para a condução de avaliações periódicas, que utilizem instrumentos variados e sirvam para informar, a docentes e discentes, acerca do desenvolvimento das atividades didáticas (BRASIL, 2002, p. 3). As Diretrizes Curriculares Nacionais são responsáveis por definir o perfil do educando, defender a formação superior contínua, autônoma e permanente. Ofertar uma sólida formação básica e profissional, orientada por uma competência teórico- prática, com liberdade das instituições em inovar projetos pedagógicos, visando atender as mudanças para as quais o futuro formando deve estar preparado (COUTO, 2008). Avançando em nossa reflexão sobre a pesquisa no campo do design, vamos analisar os números oferecidos pelo site do Cadastro Nacional de Cursos e Instituições de Educação Superior (Cadastro e-MEC). Pesquisamos, em 2017, o número de instituições de ensino de design que estavam passando por processo de extinção ou que já haviam sido extintas, como resultado, obtivemos 309 instituições nessa situação. Esse número é bastante expressivo, quando comparado ao número de instituições ativas, que conta com um total de 258, sendo 55 destas ofertadas em instituições públicas. Recentemente, o campo do design passou por uma ampliação, com a oferta de cursos de especialização, mestrados e doutorados. Isso fez com que o número de pesquisas na área também aumentasse de forma exponencial. Neste momento, você deve estar se perguntando como iniciar uma pesquisa em design, e o mais óbvio seria responder “por um problema”. Isso nos coloca num paradoxo, se produzir design está relacionado à solução de problemas e a pesquisa em design está relacionada à solução de um problema, logo, toda produção em design é uma pesquisa? Bom, a resposta para essa pergunta pode ser sim ou não. Mas vamos com calma, pois o assunto demanda cautela. Podemos dizer que a pesquisa em design decorre de um problema projetual ou conceitual/teórico. Em grande parte, questões projetuais são amplamente discutidas a nível de graduação, porém, não exclusivamente. No entanto, a grande parte dos cursos de graduação pressupõe o desenvolvimento de um trabalho de conclusão de curso que tenha foco no projeto. Já as pesquisas de ordem conceitual/teórica são desenvolvidas em grande parte em cursos de pós-graduações. A dica aqui é que antes de se focar em um projeto ou numa pesquisa, você tente identificar qual área do design está mais alinhada com seus interesses pessoais e profissionais. 79 Falar sobre o campo de atuação do designer nos dias de hoje é cair em um grande e, por vezes, redundante emaranhado de nomenclaturas que nos levam, cada vez mais, a um afunilamento da profissão. Esse cenário é possível devido a profusão de suportes e mídias que a sociedade contemporânea tem lidado nas rotinas mais básicas: desde assistir a um filme no streaming de sua preferência, até realizar transações bancárias por meio do seu smartphone. O design se fragmentou tanto, e não entenda isso como um aspecto negativo da área, que hoje precisamos cada vez mais de especialistas em assuntos bem específicos. Outro fator é que, apesar desta especificidade, também é necessário ter um contexto amplo do design. Experimente colocar num buscador na internet a combinação “design” e “profissão”. Certamente o número de links será bem expressivo, assim como a diversidade de respostas. O termo streaming serve para indicar as transmissões contínuas de distribuição de conteúdo multimídia via internet. NOTA Para que você vislumbre um pouco da diversidade do design, segue aqui uma lista de alguns resultados encontrados em uma breve pesquisa, desenvolvida em um site de busca na internet: • Design digital. • Design de produto. • Design gráfico. • Design de embalagens. • Design de serviços. • Design de interiores. • Design de ambientes. • Design têxtil. • Design social. • Design de softwares. • Ecodesign. • Design automobilístico. • Design da informação. • Design de tipos. • Design de mobiliário. • Design de animação. • Design de joias. • Design de games. 80 • Design de autor. • Design de interface e interação. • Design de moda. • Design editorial. • Design de identidade. • Design de experiência. Assista ao vídeo Qual área de design escolher? Para conhecer um pouco sobre algumas áreas do design, disponível no YouTube, neste link: https://www. youtube.com/watch?v=J9rDtUxIo68. DICAS Não se preocupe, é muito cedo para que você tenha domínio sobre todas as áreas do design, afinal, estamos aqui fazendo uma breve introdução a este contexto. Este volume de atuações gera, em território brasileiro, a problemática do não reconhecimento da profissão do design. Imagino que neste momento você possa estar pensando: “Nossa! Como?”. Mas é isso mesmo, ainda não temos o reconhecimento dessa profissão. Com o que você estudou no Tópico 1, já pode inferir que o design é um dos responsáveis pelo seu bom desempenho na leitura deste texto, independentemente de você estar lendo no computador, smartphone ou impresso. Existe um design por trás disto, e ele foi pensado na efetividade do conteúdo e no seu conforto. No Tópico 2 você viu que a profissão existe em diversos lugares do mundo e, no Tópico 3, que no Brasil, ainda que não sob a nomenclatura do design, a profissão atravessou os séculos e foi se atualizando ao passar do tempo. E para que você não fique desesperançoso, ou que isso lhe faça desistir do curso, sugiro que você faça a leitura do veto despachado pela então presidenta Dilma Rousseff acerca da regulamentação da profissão de designer em 2015. Reflita criticamente sobre o que está posto ali e tente identificar alguns indícios dos motivos para o veto. Que isso sirva de estímulo às suas reflexões sobre design e que você consiga perceber que talvez não esteja tão errado termos a área de “design de sobrancelhas”. Se o design contemporâneo tem alguns elos a serem fechados, talvez esse seja apenas mais um deles. É preciso desvestir o olhar de amarras prioritariamente acadêmicas para transcender aquilo que o próprio design tem buscadoser: um reflexo do seu tempo. 81 Despacho da presidenta Dilma Rousseff no ano de 2015 acerca da regulamentação da profissão de designer MENSAGEM Nº 444, DE 27 DE OUTUBRO DE 2015 Senhor Presidente do Senado Federal, Comunico a Vossa Excelência que, nos termos do § 1º do art. 66 da Constituição, decidi vetar integralmente, por inconstitucionalidade, o Projeto de Lei nº 24, de 2013 (n º 1.391/11 na Câmara dos Deputados) , que “ Dispõe sobre a regulamentação do exercício profissional de Designer e dá outras providências ”. Ouvidos, os Ministérios da Justiça, da Fazenda, do Planejamento, Orçamento e Gestão, do Trabalho e Previdência Social, da Educação e a Advocacia-Geral da União manifestaram-se pelo veto ao projeto pela seguinte razão: “A Constituição, em seu art. 5º, inciso XIII, assegura o livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, cabendo a imposição de restrições apenas quando houver a possibilidade de ocorrer dano à sociedade.” Essa, Senhor Presidente, a razão que me levou a vetar o projeto em causa, a qual ora submeto à elevada apreciação dos Senhores Membros do Congresso Nacional. FONTE: <https://bit.ly/3vUcY8d>. Acesso em: 29 jun. 2020. Atualmente, um novo projeto tramita pela Câmara. Leia, a seguir, parte do projeto de lei nº 6.808, de 2017, proposto pelo Sr. Antonio Carlos Mendes Thame, o qual dispõe sobre a regulamentação do exercício profissional de designer e dá outras providências. Ressaltamos que, aqui, você encontrará parte do documento, sugerimos que busque o documento para leitura na íntegra. Elencamos alguns dos temas discutidos no capítulo e sugerimos que você, acadêmico, reflita sobre a necessidade dessa regulamentação e sobre seus prós e contras. É interessante que você faça a análise do motivo que levou ao veto do projeto e analise, a partir da nova proposta, se ela, de fato, contempla as necessidades dos designers e da população em geral. 82 PROJETO DE LEI Nº 6.808, DE 2017 Antonio Carlos Mendes Thame Dispõe sobre a regulamentação do exercício profissional de Designer e dá outras providências. [...] O CONGRESSO NACIONAL decreta: CAPÍTULO I DA CARACTERIZAÇÃO E ATRIBUIÇÕES PROFISSIONAIS Art. 1º É livre o exercício da profissão de Designer, observadas as disposições desta Lei. Art. 2º Designer é, para os fins desta Lei, todo aquele que desempenha atividade especializada de caráter técnico-científico, criativo e artístico para a elaboração de projetos de design passíveis de seriação ou industrialização que atendam, tanto no aspecto de uso quanto no aspecto de percepção, necessidades materiais e de informação visual. Parágrafo único. Para fins do estabelecido no caput, projetos de design podem ser tanto sistemas quanto produtos ou mensagens visuais em que o profissional equa- ciona dados de natureza ambiental, cultural, econômica, ergonômica, estética, social e tecnológica para responder concreta e racionalmente às necessidades do usuário. Art. 3º É assegurado o exercício da profissão de Designer, observadas as condições de capacidade e exigências estabelecidas neste artigo: I- aos que possuem diploma de graduação plena ou graduação tecnológica, emitidos por cursos de Design ou pelos cursos de Comunicação Visual, Desenho Industrial, Programação Visual, Projeto de Produto, Design Gráfico, Design Industrial, Design de Moda e Design de Produto, devidamente registrados e reconhecidos pelo Ministério da Educação; II- aos que comprovarem o exercício da profissão por período superior a 3 (três) anos até a data da publicação desta Lei; LEITURA COMPLEMENTAR 83 III- aos que possuam devidamente revalidado e registrado no País diploma de instituições estrangeiras de ensino superior de Design ou os que tenham esse exercício amparado por convênios internacionais de intercâmbio. Parágrafo único. Fica estabelecido o registro da profissão, a contar da data de regulamentação desta Lei, para aqueles que atendam às exigências previstas neste artigo. Art. 4º São atribuições do designer: I- planejamento e projeto de sistemas, produtos, ou mensagens visuais ligados aos respectivos processos de produção industrial, objetivando assegurar sua funcionalidade ergonômica, sua correta utilização, sua qualidade técnica, sua estética e sua racionalização estrutural; II- projetos, aperfeiçoamento, formulação, reformulação e elaboração de desenhos industriais ou sistemas visuais sob a forma de desenhos, diagramas, memoriais, maquetes, artes finais digitais, protótipos e outras formas de representação bi e tridimensionais; III- estudos, projetos, análises, avaliações, vistorias, perícias, pareceres e divulgação de caráter técnico-científico ou cultural no âmbito de sua formação profissional; IV- pesquisas e ensaios e experimentações em seu campo de atividade e em campos correlatos, quando atuar em equipes multidisciplinares; V- desempenho de cargos e funções em entidades públicas e privadas cujas atividades envolvam desenvolvimento e/ou gestão na área de design; VI- coordenação, direção, fiscalização, orientação, consultoria, assessoria e execução de serviços ou assuntos de seu campo de atividade; VII- exercício do magistério em disciplinas em que o profissional esteja adequadamente habilitado; VIII- desempenho de cargos, funções e comissões em entidades estatais, paraestatais, autárquicas, de economia mista e de economia privada. IX- Cada uma das atribuições acima enumeradas poderão também ser individualmente exercidas por profissionais com outras formações que desempenhem atividades na área de design. CAPÍTULO II DO USO DO TÍTULO PROFISSIONAL Art. 5º A denominação designer é reservada aos profissionais que atendam às exigências previstas no art. 3º desta Lei. Art. 6º A expressão design só poderá constar da denominação de sociedade não empresária ou simples de prestação de serviços cuja diretoria for composta, em sua maioria, por designers conforme definido nesta Lei. 84 CAPÍTULO III DO EXERCÍCIO ILEGAL DA PROFISSÃO Art. 7° A partir da entrada em vigor desta Lei, a pessoa física ou jurídica que usar a denominação designer ou empresa de design sem cumprir os critérios acima estabelecidos estará sujeita a advertência, após denúncia ao órgão fiscalizador, com um prazo de 180 (cento e oitenta) dias para regularizar sua situação. Esgotado esse prazo, a pessoa ou empresa que permaneça em desacordo com esta Lei estará sujeita às sanções previstas no Decreto-Lei nº 3.688, de 3 de outubro de 1941. Parágrafo único. Não se considera exercício ilegal da profissão a atividade de projeto de design por outra categoria de profissionais, desde que mantenham sua denominação profissional original. CAPÍTULO IV DA RESPONSABILIDADE E AUTORIA Art. 8º Para efeitos legais, os projetos de design serão considerados obras intelectuais nos termos da Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998 – Lei de Direito Autoral, vigente no País. Art. 9º A responsabilidade legal sobre o projeto de design, respeitadas as relações contratuais expressas entre o autor e outros interessados, deve seguir o que estabelece a legislação específica. CAPÍTULO V DA FISCALIZAÇÃO DO EXERCÍCIO DA PROFISSÃO Art. 10. Os profissionais que preenchem os requisitos previstos nesta Lei ficam obrigados ao registro no Ministério do Trabalho e Emprego. Art. 11. A pessoa física e jurídica de que trata esta Lei responde administrativa, civil e penalmente pelos danos causados em decorrência do exercício da atividade profissional. CAPÍTULO VI DO REGISTRO PROFISSIONAL E DA VIGÊNCIA Art. 12. Os profissionais habilitados na forma desta Lei somente poderão exercer a profissão após registro no Ministério do Trabalho e Emprego. Art. 13. Aos profissionais registrados será fornecida carteira profissional, contendo o número de registro, a natureza do título e demais elementos necessários à sua identificação. Art. 14. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação. 85 JUSTIFICATIVA A regulamentação do designer interessa,em primeira instância, ao poder público. É ele que necessita do design como fator de agregação de valor a produtos ou mensa- gens. Sem uma regulamentação, sem um registro profissional, o poder público, seja muni- cipal, estadual ou federal, ou mesmo as empresas paraestatais não pode comprar design por meio de licitação ou concorrência pública, como preconiza a Lei nº 8.666. Se o poder público tiver que fazer uma concorrência ou uma licitação específica que se destine aos designers, ou a empresas de design, não tem como fazer isso já que a Lei das Licitações diz que a única maneira de caracterizar uma profissão é pelo seu registro profissional. Com isso os governos não podem contratar designers por concorrência pública, seja para pro- jetos de identidade visual, sinalização pública de qualquer tipo, para o desenvolvimento de projetos de mobiliário escolar ou hospitalar ou mesmo para projetos de mobiliário urbano ou equipamentos públicos como trens de metrô ou ônibus escolares. Todos esses são projetos de design que tem interesse da sociedade como um todo. Além disso, a produção de bens materiais com design é em última instância um fator estratégico, pois produtos com maior valor agregado significam maior arrecadação e a conquista de mercados externos e de moeda forte com a substituição de exportações de comanditeis. Isso já foi reconhecido por todos os países emergentes que concorrem com o Brasil nos mercados internacionais. A regulamentação interessa ao usuário final, o consumidor do produto, qualquer que seja o projeto bi ou tridimensional. Tudo o que produzimos e que tem contato com o público necessita de um responsável. Por não ser regulamentado o designer não é tecnicamente responsável pelo que produz, seja um site, uma cadeira ou um posto de trabalho que controle uma ponte rolante. A consequência disto é que sem um registro profissional não é possível ao designer emitir uma ART, a Anotação de Responsabilidade Técnica, documento necessário pela nossa legislação para que, por exemplo, determinados produtos sejam aceitos em licitações ou em compras públicas em que haja risco para os seus usuários finais. Perante o Código do Consumidor o designer não pode ser responsabilizado pelo seu projeto, mesmo que este tenha defeitos ou ocasione danos ao seu usuário. A “não regulamentação” dos designers os impede de proporcionar condições de controle ao exercício da profissão, resguardando a saúde e a vida da população como preconiza o Ministério do Trabalho e do Emprego, nas diretrizes que propõe para justificar regulamentações futuras. A regulamentação interessa aos empresários e a classe produtiva, pois o design é uma atividade de alto risco e de importância estratégica. Com algum tipo de fiscalização ele pode se garantir de estar recebendo o melhor de um profissional. Com isso reduz o seu risco ao mínimo necessário, especialmente em termos de investimento, tendo a quem recorrer em caso incompetência e de má conduta profissional. Com a proliferação 86 de cursos no país, mais de 380 faculdades, deve haver obrigatoriamente uma instancia de verificação da competência mínima necessária ao exercício da profissão. Design está entre as áreas que têm especificidades técnicas que precisavam ser avaliadas por especialistas na área, semelhante a carreiras como a dos arquitetos ou dos engenheiros. Portanto o Design não é uma profissão nova. Essa sacrificada profissão continua sem este instrumento fundamental de exercício, legitimação e reconhecimento que é a Regulamentação dos Designers. Sem essa regulamentação, o profissional não pode assinar seus próprios projetos, ser contratado por órgãos públicos e alguns concursos exigem um arquiteto junto para assinar em seu lugar. Também não pode participar de licitações, pregões e tantas outras oportunidades de mercado. Por fim, destaco que a presente proposição foi apresentada anteriormente na Câmara dos Deputados, em 2011, pelo ilustre deputado José Luiz Penna (PV/SP), na forma do Projeto de Lei n.º 1.391, de 2011, em razão das inúmeras dificuldades e problemas enfrentados pelos profissionais que atuam na área de designer em todo o território nacional. À luz de todo o exposto, solicito aos nobres pares o apoio necessário à célere aprovação da presente proposição, lembrando que esta providência, em nível internacional, já foi efetivada na década de 70, tanto pelos Estados Unidos como pela Europa. Sala das Sessões, em 2 de fevereiro de 2017. Deputado Antonio Carlos Mendes Thame PV/SP FONTE: <https://bit.ly/3bGOAAd>. Acesso em: 29 jun. 2020. 87 RESUMO DO TÓPICO 4 Neste tópico, você aprendeu: • O design só se consolidou como campo de saber com a instauração de algumas escolas de design até a concretização do ensino superior em design. • O contexto da pesquisa nas academias no Brasil foi permeado por diversos eventos políticos e conheceu algumas das profissões da área do design. • A implementação de uma graduação em design foi fomentada graças aos interesses políticos da época que assumiram o compromisso com o desenvolvimento, progresso e entendiam que a resposta para isso se encontrava na indústria. • Independente das definições sobre o que é design e apesar de existirem universidades que todos os anos formam designers a profissão ainda não é reconhecida. Se essa discussão por um lado nos amedronta, por outro faz refletir sobre a real necessidade deste reconhecimento. 88 AUTOATIVIDADE 1 Analise a grade curricular de seu curso e identifique as disciplinas que são de seu maior interesse, justifique a sua escolha. Reflita sobre a área do design lhe desperta mais interesse e como essas disciplinas podem colaborar com a sua formação profissional. 2 Considerando que a profissão de designer não é reconhecida em território nacional, realize uma pesquisa sobre como a profissão é estabelecida (ou não) em demais países. Tente traçar um paralelo sobre o que ainda temos que melhorar no campo do design quando observamos a produção em outros lugares. 89 ENTENDENDO O CONTEXTO CONTEMPORÂNEO DO DESIGN UNIDADE 2 — OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM PLANO DE ESTUDOS A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de: • apresentar as transformações que a área do design passa constantemente; • denotar o modo como as áreas do design ampliam o campo de atuação profissional observando o aspecto social e tecnológico; • discutir os fundamentos do design numa perspectiva teórica baseado em diversos pesquisadores da área; • identificar os caminhos que se anunciam no campo do design por meio das tendências que nos guiam para o futuro na profissão. A cada tópico desta unidade você encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado. TÓPICO 1 – AS PERSPECTIVAS DO DESIGN CONTEMPORÂNEO TÓPICO 2 – TEORIAS DO DESIGN TÓPICO 3 – AS TENDÊNCIAS DO DESIGN HOJE Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos em frente! Procure um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá melhor as informações. CHAMADA 90 CONFIRA A TRILHA DA UNIDADE 2! Acesse o QR Code abaixo: 91 TÓPICO 1 — AS PERSPECTIVAS DO DESIGN CONTEMPORÂNEO UNIDADE 2 1 INTRODUÇÃO Falar em design na contemporaneidade pressupõe um olhar atento ao seu desenvolvimento ao longo do tempo, com atenção especial ao contexto artístico que foi construído no período do modernismo. A produção em design bebeu nos conceitos estéticos de diversos movimentos da arte moderna até que ao design fosse possível configurar uma linguagem própria e autônoma. Este será o tema deste tópico. Bons estudos! 2 A HISTÓRIA DO DESIGN CONTEMPORÂNEO O modernismo foi permeado por movimentos estéticos que tinham como norte o desenvolvimento do progresso em diversos setores da atividade humana, foi fomentado pelas descobertas científicas e pelas invenções tecnológicas. Foi um período marcado pela experimentação, inovação e originalidade, e buscava construir um novo futuro baseado norompimento das condições que guiariam a sociedade para o porvir. Os movimentos artísticos buscavam criar influência internacional, como Art Nouveau, Futurismo, Dadaísmo, entre outros. As formas geométricas suprimiram as formas orgânicas de movimentos anteriores ao Cubismo, Suprematismo, Op Art, entre outras. Essa transição foi marcada pela valorização do racional. O modernismo foi um período de negação do passado e das tradições (RAHDE; CAUDURO, 2005). Durante o período da modernidade percebemos que as ideias e as representações visuais, inclusive no campo do design, eram orientadas por manifestos que caracterizavam uma determinada escola. Os códigos visuais dos grandes mestres davam subsídios para a produção, construção e leitura de imagens que contestavam aquelas que apresentavam uma visão divergente ou não canônica (RAHDE; CAUDURO, 2005). 92 Foi preciso o mundo acompanhar a consolidação de duas Guerras Mundiais, morte em massa de pessoas, outras guerras, fome, miséria, violência para que os pressupostos de progresso da modernidade fossem revistos. Nem mesmo as conquistas espaciais e os avanços das ciências foram suficientes para manter o espírito progressista em alta (RAHDE; CAUDURO, 2005). Para falar em design na contemporaneidade é preciso considerar a mudança ocorrida em nível mundial, que inicialmente era orientada pela ideia de produção em massa – tudo igual e em grande quantidade para todos – a qual cedeu espaço para a personalização (CARDOSO, 2013). Essas mudanças trouxeram consigo diversas quebras de paradigmas e, consequentemente, isso impactou o design, iniciando um período conhecido como pós- moderno que convergiu com a era da informação e com o processo de globalização, do qual resulta uma tendência pluralista em que o design abre-se e assimila as mudanças do mundo. Neste mesmo período cresce uma preocupação com a identidade cultural e uma internacionalização dos aspectos estéticos do design (HSUAN-NA, 2017). A indústria contemporânea se mostra cada vez mais flexível, apostando na segmentação e adaptação de produtos, buscando atender as demandas e fomentando a ideia da diferenciação (CARDOSO, 2013). Antes de entrar no mérito da era da informação e da globalização, entenda melhor as características do pós-moderno. O conceito de pós modernidade é complexo, para tanto, tomaremos o conceito apresentado por Anne Cauquelin (2005) este termo indica heterogeneidade e desordem orientada pelo interesse de manter a ligação entre tradição histórica da arte e a experimentação propiciada pelas transmissões via rede, ignorando a necessidade de um conteúdo formal. O termo pós foi inicialmente utilizado por arquitetos que contestavam a arquitetura moderna. O termo pós-moderno refere-se às mudanças ocorridas nas últimas décadas do século XX, além de uma mudança de paradigma, o pós-moderno erigiu seus próprios pressupostos, suas experiências e as suas proposições. Podemos considerá-lo uma condição sociocultural e estética do período pós-industrial. Em suma, o pós-modernismo pode ser entendido como um corte com o modernismo, uma negação (BOMENY, 2012). O pós-moderno pressupõe a mistura de estilos, não é considerado um movimento, pois não foi constituído por um manifesto, teoria ou estilo. No pós-modernismo não faz sentido a existência de cânones, regras ou metanarrativas. A realidade começa a ser vista como uma construção social a partir da mescla entre cultura e arte popular, associada às particularidades de cada sujeito. Mídia e cultura apresentam diversas versões de realidades, permitindo múltiplas interpretações (RAHDE; CAUDURO, 2005). 93 O pós-modernismo foi permeado por uma reação e não simplesmente uma rejeição ao moderno e suas regras, no design percebe-se a não limitação ou diferenciação entre alta e baixa cultura popular, ampliando, assim, as possibilidades e a expressividade da linguagem visual, tornando-se mais íntimo da cultura dominante. Surgem formas híbridas de comunicação e as características expressivas da arte passam a ser exploradas (BOMENY, 2012). Na pós-modernidade as palavras de ordem são pluralidade e tolerância, não existe mais receita para o modo certo de fazer as coisas, passa-se a aceitar a complexidade do mundo sem a pretensão de combatê-lo. Com o desenvolvimento tecnológico, o design inaugura novos problemas, conforme cita Cardoso (2008) como exemplo, a distinção entre design gráfico e design de produto se torna bem mais flexível quando diante da criação de um web site. As possibilidades das mídias digitais transformam, inclusive, o modo como entendemos o processo de fabricação, que antes era dividido em especialidades, considerando, ainda, a produção de um web site, pode ser feita por apenas uma pessoa. Sob as características do ecletismo de estilos e materiais, o design pós-moderno inaugura novas linguagens multifacetadas. O processo se torna mais importante, por este motivo novos métodos projetuais são pensados. Na linguagem gráfica volta-se a valorizar os elementos decorativos, uso descontraído da geometria, clareza e legibilidade não são tão importantes, sobreposição de imagens, texturas e demais elementos gráficos (BOMENY, 2012). A aparência das coisas começa a ser valorizada, assim, design, embalagem, publi- cidade – a imagem de um produto ou serviço – precisa ser interessante. Adquirimos mais que produtos, consumimos signos, objetos de desejo, buscamos diferenciação nos produ- tos, a abundância ao invés da economia de elementos. A publicidade inaugura um apelo emocional ao invés de salientar a performance dos produtos (RAHDE; CAUDURO, 2005). As tecnologias viabilizaram a produção em baixa escala o que resulta em uma maior diversidade de produtos no mercado. O modo como as empresas interagem com seus consumidores começa a ter maior relevância e é por meio da diferenciação de produtos que decorre a necessidade de proporcionar uma experiência de consumo e de apelo emocional. Esses são apenas alguns fatores que o design pós-moderno começa a incorporar no seu modo de produção (CARDOSO, 2008). A produção em série e a linha de montagem foram alteradas face às inovações tecnológicas, por consequência, transformou os modos de consumo. Com a falência do modelo fordista de produção e a instabilidade econômica resultante, abriu-se espaço para o modelo de acumulação flexível no qual a produção em massa deu espaço à produção por escopo. A economia de escopo é orientada pela produção de pequenos lotes e pela subcontratação de mão de obra, assim tornou-se possível atender as demandas do mercado. Decorre disto o aceleramento da inovação de produto junto à exploração de segmentos de mercado (BOMENY, 2012). 94 A mistura de ideias e representações do pós-moderno objetiva incluir sem excluir, passa por uma desconstrução extraindo diferenças e polissemias que se apresentam à percepção explorando novos significados para o imaginário. Os cânones propostos pelas escolas e movimentos são discutidos e colocados à prova, diante da busca por uma liberdade de construir e criar imagens. O pós-moderno leva o design a outras direções, converge conhecimento racional e onírico reinterpretando e transformando conceitos estéticos que resultam em imagens complexas (RAHDE; CAUDURO, 2005). As imagens pós-moderna são ambíguas, polissêmicas, indeterminadas: surge um novo imaginário que é alimentado pela criação coletiva mediado pelas novas tecnologias, valorizando a técnica. Frequentemente são imagens poluídas, construídas por meio de colagens, buscam o ecletismo por meio da combinação de estilos ou diferenças. Surgem imagens com foco no entretenimento, irônicas, híbridas, satíricas, flexíveis, que não objetivam o absoluto ou verdadeiro, mas implica na convergência de múltiplas origens criando umacomplexidade visual apoiada pelas novas tecnologias (RAHDE; CAUDURO, 2005). Ao longo da história do design alguns nomes se destacaram. Para conhecer alguns trabalhos icônicos do design pós-moderno assista ao vídeo que está disponível no YouTube no seguinte link: https://www.youtube.com/watch?v=hYdCPoTJ0Ec. DICAS A flexibilidade do mundo pós-moderno foi impactada pelo uso de novas tecno- logias de produção, surgiram novas formas organizacionais e a redução da vida útil de um produto. A acumulação flexível foi orientada por modismos e pela indução de neces- sidades. Diferenciação, efemeridade, espetacularização, modismo e comercialização de formas culturais são os efeitos da acumulação flexível (BOMENY, 2012). Assim os meios de comunicação moldaram as representações visuais e resulta disto uma nova visualidade múltipla e livre, produzida por novos meios de comunicação e pela tecnologia digital que fomenta uma cultura de simulação e cópia com alcance global (RAHDE; CAUDURO, 2005). A internet também tem sua função questionada no campo do design, pois ao mesmo tempo que cria o contexto para exploração (desafios do hipertexto, da navegação, da interatividade, da convergência de linguagens gráficas como som, imagem e texto) também cria o contexto no qual estratégias repetitivas e previsíveis começam a se 95 consolidar. Cardoso (2008) aponta que o desafio mais expressivo para os designers é a busca por soluções que se consolidem em nível de qualidade e densidade baseados em metodologias projetuais concernentes à própria internet. O pós-modernismo contesta a universalidade e a totalização dos saberes, aban- dona ou põe a prova as narrativas religiosas, as doutrinas políticas, nega o pressuposto do progresso que fora erigido no modernismo, questiona ciências e artes, com maior ênfase aquelas produzidas pelo pensamento racionalista (RAHDE; CAUDURO, 2005). As transformações causadas pelas mudanças conceituais do design começaram a ser sentidas já na década de 1970, quando a funcionalidade deu espaço para o ecletismo e a hibridação por meio da desordem, ruído e a poluição visual. Esse estilo buscou no cenário da música o nome para designar sua forma, seu gênero: Punk, New Wave, Grunge, Techno, entre outros. Dentre os designers de destaque podemos citar Wolfgang Weingart, Willi Kunz e Katherine McCoy (CARDOSO, 2008). FIGURA 1 WOLFGANG WEINGART – PROCESSOS TIPOGRÁFICOS, NR 3. ESTRUTURA DE CALENDÁRIO (1971-1972) FONTE: <http://twixar.me/87Lm>. Acesso em: 29 jun. 2020. FIGURA 2 – WILLI KUNZ – UNIVERSIDADE DE COLUMBIA, FACULDADE DE ARQUITETURA, SÉRIE DE AULAS E PLANEJAMENTO DE PRESERVAÇÃO - 2003 FONTE: <http://twixar.me/Y7Lm>. Acesso em: 29 jun. 2020. 96 FIGURA 3 – KATHERINE MCCOY – POSTER DO CRANBROOK GRADUATE PROGRAM IN DESIGN, 1989 FONTE: <https://cultureofdesign.files.wordpress.com/2014/04/figure-1.jpg?w=356>. Acesso em: 29 jun. 2020. Foi nos anos de 1980 que o design começou a assimilar os processos de globalização iniciados no eixo Ásia-Europa-América. Os asiáticos (Japão e Taiwan) reconheceram o potencial do design como ferramenta para auxiliar a atingir algumas metas. Essas empresas tinham como objetivo sanar as diferenças socioculturais dos seus usuários, para tanto, contava com escritórios na Europa e nos Estados Unidos que garantissem o desenvolvimento de produtos de acordo com o público alvo, isso permitiu que uma mesma empresa atendesse um público diverso (BÜRDEK, 2006). Com foco no cliente, alguns escritórios passaram a constituir sede na Ásia, garantido mais agilidade no contato. A globalização também propiciou o uso de diversas unidades de produção, criando assim, um processo descentralizado (BÜRDEK, 2006). O design foi sentir o impacto do pós-modernismo em meados da década de 1980, ainda assim, havia um número expressivo de estudantes de design que acreditavam na multiplicidade de estilos, negavam a unificação de vocabulário ou sua formalização. Buscava-se explorar a profissão por meio de novos modos de projetar e assim, designers passaram a encabeçar a mediação cultural uma vez que começaram a se preocupar não apenas com a existência de um problema, mas sim focados na sua solução. Neste contexto, o designer faz a mediação da informação, de uma forma mais criativa e individual em relação à cultura visual (BOMENY, 2012). 97 Diversas frentes se transformaram com o passar do tempo: o crescimento do liberalismo econômico de um mundo globalizado, o surgimento de computadores superpotentes, com capacidade de criar imagens totalmente sintéticas, e o desenvolvimento da internet que vem criando uma nova cultura: a digital. O crescimento de uma mentalidade de responsabilidade ambiental também marca a contemporaneidade (CARDOSO, 2013). O uso de novas tecnologias no design contou com reações favoráveis e desfavoráveis, porém não se pode negar que o processo de assimilação das mesmas foi rápido e unanime, hoje podemos vislumbrar com maior clareza que a revolução tecnológica transformou o contexto do design tão profundamente assemelhando-se ao marco da invenção da prensa. A linguagem digital propiciou a consolidação de uma linguagem visual digital, tornando os processos projetuais mais fáceis e com maior qualidade técnica (BOMENY, 2012). Acessibilidade, sustentabilidade, uso de tecnologias e busca pela inovação são temáticas que começam a ser discutidas no design desenvolvido ao redor do mundo. O comércio internacional ganha mais expressividade, ciência e tecnologia avançam rapidamente, o surgimento de uma nova ordem econômica e geopolítica, a internet, entre outros fatores geram novas formas de pensar, de ensinar, de exercer a função de designer e de produzir seus produtos (HSUAN-NA, 2017). Diante do contexto contemporâneo, de internet ao alcance da mão, de minicomputadores disfarçados de aparelhos celulares, de encurtamento das distâncias, desdobra-se um mundo conectado que nos lança na “era da informação”. Essas transformações impactam frontalmente as atividades dos designers, criando campos novos de atuação, explorando cada vez mais as especificidades da comunicação mediada pelo design (CARDOSO, 2013). A era da informação é marcada por visões fragmentadas que só podem ser for- madas pelo indivíduo. Trata-se do uso de meios eletrônicos para a comunicação, para forjar a imagem, para criar ambientes realísticos e totalmente virtuais (MACHADO, 2001, CAMPOS; SILVA, 2008). Atrelada à sua consolidação, mudanças essenciais são perce- bidas em diversos setores: na fabricação, na distribuição, nas finanças. A imaterialidade virou palavra de ordem e passou a influenciar diversos setores (CARDOSO, 2013). Para Bonsiepe (2012) a tecnologia foi associada ao design com o objetivo de abranger o maior número de insumos e de processos que viabilizem a produção de produtos que compõe o cotidiano. Quando falamos em tecnologia para o design é muito fácil pensarmos nos softwares que auxiliam o desenvolvimento de produtos, porém, diversos hardwares foram projetados para serem aplicados junto ao design. 98 Cardoso (2008) defende que a miniaturização de componentes eletrônicos nos últimos anos são um marco na história da tecnologia, para ele, esse processo modificou a relação entre forma e função, técnica e materiais tornando-as mais casual do que causal. Surgem os conceitos de interatividade e de interação por meio de interfaces gráficas dotadas dos mais diversos objetivos. Abre-se mais uma porta para designers: a experiência no meio digital precisa ser projetada. A era da informação é marcada pela fragmentação da mensagem que é recomposta na cabeça de cada indivíduo, esse é o poder que o controle remoto atribui às mãos daqueles que assistem televisão. Com o tempo, a internet se tornou o maior canal de comunicação e informação, a superabundância de conteúdo traz uma nova obsolescênciaque não é programada, mas sim soterrada pelo volume de informações e monitorar virou quase palavra de ordem para aqueles imersos nas redes infinitas da internet (CARDOSO, 2008). As tecnologias estão presentes no fomento aos processos industriais, tem como objetivo incrementar importações e gerar economia explorando a comercialização de produtos e não apenas de Commodities. Na década de 1960 o Brasil era um país agrícola e ainda não tinha nenhum artefato industrial dentre os 10 primeiros produtos de exportação, pelo contrário, seus bens eram produtos agrícolas e Commodities que figuram baixo valor na economia do mercado mundial. Foi só na década seguinte, que bens industriais começaram a ser exportados, dentre estes podemos citar: sapatos, motores e rádios para automóveis. Esse período corresponde à época de industrialização forçada e corresponde ao período em que o país era comandado por militares e as empresas multinacionais começavam a se instaurar aqui (MORAES, 2006). Commodities é uma expressão do inglês que compõe o vocabulário econômico e refere-se a um determinado bem ou produto de origem primária que é comercializado em bolsas de mercadorias e valores no mundo todo. Possui um grande valor comercial e estratégico e engloba recursos como minerais, vegetais ou agrícolas. NOTA A partir de 1976, o Brasil começa a perceber os resultados do processo de industrialização, período em que a superação dos bens agrícolas e Commodities por produtos industrializados são evidenciados. Figuram a lista dos onze primeiros produtos de exportação do país: aço, papel celulose, produtos químicos, manufatura em madeira, matérias plásticas e automóveis em geral (MORAES, 2006). 99 O papel do design após a transição da era industrial para a era da informação e da criatividade busca dar conta das relações entre melhorias no bem-estar social e no desenvolvimento urbano. Baseado numa abordagem com objetivo de promover a qualidade de vida e facilitar a interação no campo econômico, tecnológico, social, ambiental da sociedade contemporânea. Com o compromisso de criar um design inovador foram desenvolvidas estratégias que sejam adaptáveis à realidade do século XXI buscando atender às necessidades identificadas (SANTOS-DUISENBERG, 2015). A industrialização mudou o modelo comportamental da população local, o pro- cesso de urbanização neste período denota as consequências da globalização sentidas em diversos aspectos do território, como o crescimento da violência e do caos urbano causado pelo êxodo do homem do campo para as cidades. O resultado disto pode ser observado hoje nas periferias e o aumento do número de favelas (MORAES, 2006). O período que segue a 1980 foi permeado por incertezas, no campo do design o rompimento dos paradigmas modernistas faz com que a área seja imersa em um período mais esperançoso e de rápido desenvolvimento. Foi com a contribuição de designers como Philippe Starck e do grupo italiano de Menphis e do desenvolvimento do computador que as normas rígidas que até então vigoravam deram espaço à experimentação. Na era digital, os conceitos antes consolidados já não se aplicam mais, os recursos informáticos tornam os processos de produção mais fluídos (CARDOSO, 2008). Nas décadas de 1980 e 1990 nomes como Neville Brody, April Greiman e David Carson começam a redefinir um novo estilo no design fundamentado na evolução das tecnologias digitais que viabilizaram exceder os limites da tradição tipográfica e de diagramação. FIGURA 4 – NEVILLE BRODY – CAPA DA REVISTA INGLESA ARENA FONTE: <http://www.tipografos.net/design/arena1.jpg>. Acesso em: 29 jun. 2020. 100 Ao longo dos anos 1990 o bom gosto no design passou a ser deixado de lado: surge a estética do feio, do vulgar, do cotidiano e do feito à mão. Tipografias manuais começam a ser produzidas e neste ramo se destaca o grupo House Industries, que contam com desenhos de Barry Deck e Scott Makela. As tecnologias digitais propiciaram uma grande produção de tipos que culminou com o questionamento acerca das classificações tipográficas, já que alguns designers consideravam que as regras anteriores caíram em obsolescência (BOMENY, 2012). A estética do feio, ao mesmo tempo que livrava designers de algumas amarras, colocava em risco o próprio processo do design, pois elas podem ser entendidas como moda ou estilo sem expressiva inteligência ou sentido (BOMENY, 2012). Os sistemas operacionais Windows e Macintosh baratearam e viabilizaram a manipulação tipográfica, variações de espacejamento, entrelinhamento, entre outros aspectos que até então era de domínio do tipógrafo: decorre da disseminação das tecnologias a democratização do design no que diz respeito às questões instrumentais (CARDOSO, 2008). Nos anos de 1980, designers buscavam soluções diferenciadas, exploravam a identidade local e individual, negação ao padrão internacional. No Brasil, elementos visuais regionalistas e antigos possibilitou a renovação das estruturas semânticas. A tecnologia digital trouxe maior liberdade criativa e o estimulo necessário para explorar novos exercícios de design decorrente disto questionou-se se a própria ferramenta não poderia apresentar- se como uma limitação para a mente criativa do designer (CARDOSO, 2008). FIGURA 5 – APRIL GREIMAN, BRANCA DE NEVE + OS SETE PIXELS, UMA NOITE COM APRIL GREIMAN 1986 FONTE: <https://www.moma.org/collection/ works/7177>. Acesso em: 29 jun. 2020. FIGURA 6 – DAVID CARSON - EMIGRE INC., RUDY VANDERLANS, ZUZANA LICKO FONTE: <https://www.moma.org/collection/ works/112325>. Acesso em: 29 jun. 2020. 101 O mercado globalizado, no qual os mesmos produtos são comercializados em lugares distintos, propiciou o desenvolvimento de uma comunidade multinacional. Esse processo é sentido no design a partir do abandono de referências regionais ou no uso comedido delas de forma que não comprometa nem o produto nem a competição internacional. Pensar no desenvolvimento de projetos na contemporaneidade implica em pensar que ele será utilizado por consumidores de diversas localidades do mundo e esse processo faz com que as empresas estejam em constante briga por uma fatia do mercado (MORAES, 1997). Isso não quer dizer que produtos que tragam a marca da regionalização proeminente fracassará, pelo contrário, continuarão existindo, porém sem expressividade no mercado global (MORAES, 1997). Diversos países ao redor do mundo exploram ferramentas do design com in- tenção de estimular as transformações estruturais revendo modelos de crescimento econômico, tornando-os mais inclusivos e sustentáveis a longo prazo (SANTOS-DUI- SENBERG, 2015). Por outro lado, Bonsiepe (2012) relata que há alguns anos participou de alguns programas de desenvolvimento de políticas de industrialização na América Latina e que elas não apresentaram propostas para o setor de informação e de comu- nicação. Isso denota que esse processo não se dá de forma uniforme ao redor do mun- do, e países emergentes ou subdesenvolvidos ainda são vistos como fonte de matéria prima e mão de obra barata caracterizando assim, um dos problemas da globalização. Foi durante a década de 1990 que o pós-modernismo passou a ser confrontado com um novo estilo internacional, orientado pela globalização, portanto universal. Enquanto o pós-moderno focava em referenciais contextuais, o supermoderno (termo aplicado por Hans Ibelings na arquitetura) atua em escala global. Esse contexto globalizado é fomentado pelos novos modos de comunicação propiciado pelas tecnologias, pela padronização protocolos de comportamentos que são reproduzíveis em qualquer lugar do mundo (BOMENY, 2012). Moraes (2006) afirma que as origens da globalização são debatidas por diversos autores que defendem diferentes perspectivas. Para uns, o desenvolvimento da globalizaçãoiniciou-se na antiguidade, entre estes, alguns consideram as Cruzadas como um exemplo de expansão e colonialismo ou até mesmo o período das grandes navegações. De outro lado, o autor anteriormente citado, defende que pode ser prematura essa avaliação, uma vez que as características de uma globalização em nível mundial possuem outras particularidades, no entanto, não podemos negar que a expansão de territórios unificou grupos isolados e de identidades sociais distintas. Outros estudiosos, como Gilpin, por exemplo, defende que o início da globalização converge com o período em que a Inglaterra se torna uma potência hegemônica devido ao seu desenvolvimento industrial, seu império colonial e sua superioridade naval. Para alguns teóricos o processo de evolução do capitalismo ocidental também contribuiu para o modelo de globalização que temos atualmente (MORAES, 2006). 102 É no século XX que os Estados Unidos surgem como centro de desenvolvi- mento tecnológico, assumindo a supremacia da produção em larga escala industrial, consolidação de empresas multinacionais e vasto potencial militar, que garantiu sua soberania ao longo do século XX. A classe capitalista teve seu poder ampliado pelo alar- gamento do mercado consumidor resultando em maior lucratividade (MORAES, 2006). O conceito de globalização começou a ser desenvolvido a partir da década de 1980, entre os pesquisadores desse tema podemos citar o sociólogo Roland Robertson, que propõe uma análise do percurso evolutivo da globalização dividido em cinco fases (MORAES, 2006): 1) Fase embrionária (Europa, 1400-1750) – corresponde ao colonialismo, cartografia; expansão da Igreja católica. 2) Fase incipiente (Europa, 1750-1875) – corresponde ao período da exposição mundial; acordos sobre comunicação. 3) Fase da decolagem (1875-1925) – Primeira Guerra Mundial que corresponde aos processos migratórios internacionais em grande quantidade. 4) Fase do desafio pela hegemonia (1925-1965) – Segunda Guerra Mundial corresponde ao período da Bomba atômica; ONU; Guerra fria; Emergência do Terceiro Mundo. 5) Fase da incerteza (1965-1990) – Meios de comunicações globais via satélite que concerne às armas nucleares e aos problemas ambientais globais. O conceito de globalização tal qual conhecemos hoje foi consolidado nos anos de 1990 e devido a sua complexidade Robertson a definiu como Fase da Incerteza, considerando as transformações aceleradas, radicais, controversas e independentes que aconteceram neste período. Giddens, em oposição à Robertson, defende que a origem da globalização decorre do processo de modernização ocidental. Considerando essas duas acepções, pode-se dizer que a globalização se refere a uma rápida intensificação das relações sociais em escala planetária, nas quais localidades completamente diferentes conseguem criar relações com as demais (MORAES, 2006). A sociedade civil tornou-se mais participativa com a globalização, com as possibilidades de conectividade e com a democratização ao acesso às informações. Em consequência, tornaram-se mais críticas, apresentando propostas de melhorias para problemas cotidianos. Neste contexto, o design impacta a configuração dos espaços urbanos, a dinâmica das economias locais, a vida das comunidades, melhora os negócios e gera emprego, inclusão e inovação (SANTOS-DUISENBERG, 2015). O design começa a envolver-se não apenas com a aparência dos produtos, mas também com o desenvolvimento de criações funcionais e estéticas que podem ser expres- sas por meio de bens ou serviços. Devido à dimensão do seu escopo, o setor do design pode ser considerado complexo, associado a isto temos também a subjetividade envolvida na sua definição e suas características particulares (SANTOS-DUISENBERG, 2015). 103 A eficiência dos meios de comunicação e transporte contemporâneo reduzem as distâncias e viabilizam que industrias possam se estabelecer em certas regiões e países, nestes casos, questões estratégicas são avaliadas com maior ênfase, como por exemplo, mão-de-obra barata, acesso à matéria prima, interesses econômicos e políticos, entre outros. A diferenciação no mercado destes produtos se dá por meio da qualidade e do seu design, ou seja, da criatividade empregada na solução de um problema (MORAES, 1997). Com a globalização o conceito de espaço-tempo foi atualizado: a produção industrial que, na modernidade era vinculada ao território – ou seja, considerava o fornecimento de matéria-prima, de logística de distribuição ao mercado e consumidor – fomentou, na pós-modernidade, o ritmo de produção industrial, das transações comerciais e das informações trocadas entre sujeitos (MORAES, 2006). A dissolução entre espaço-tempo impacta nos modos de produzir, trocar, vender, comunicar e informar. A superação do espaço-tempo nos garante enviar uma mensagem intercontinental a custos ínfimos, independente para onde se destine. Há que se considerar, neste contexto, que essas transformações não impactam tanto os países mais pobres uma vez que os meios de informação são controlados por países poderosos. Estes, por sua vez, exercem controle nos mecanismos de informação e fomentam a difusão de suas culturas a nível planetário. A internet e seus correlatos compõe, assim, um veículo inquestionável de entrega de novos modelos de comportamento que alimenta o comércio em um mercado globalizado (MORAES, 2006). O deslocamento da produção industrial do Norte para o Sul marca a mudança neste cenário: países ricos buscam mão de obra barata, abundância de matéria prima e fomentaram a migração para países em desenvolvimento. Em suma, em um mundo globalizado, de um lado prevalece um sistema de produção e de serviços que é prioritariamente dirigido por países que possuem o poder tecnológico e de informação e de outros países que não possuem equivalência, sendo considerados como fornecedores de mão de obra barata e de recursos naturais e matérias primas de baixo valor agregado (MORAES, 2006). O processo de transposição da produção industrial para as periferias do mundo e os riscos em relação ao meio ambiente foram consideravelmente maiores devido à crescente circulação de produtos, fazendo com que temas como a poluição ambiental fosse bem mais abrangente (MORAES, 2006). De acordo com a classificação apresentada por Robertson, a quinta etapa da globalização era permeada por desordem e incerteza fomentada pela transformação cultural, disciplinar e profissional e é nesta perspectiva que abordaremos a atividade do design. No contexto da globalização, a renovação no campo do design não ocorre de forma localizada, na verdade elas transformam estruturas de praticamente todas as atividades humanas. Assim, o design que se constitui neste período apresenta novas oportunidades, gera novos questionamentos (MORAES, 2006). 104 A década de 1990 foi marcada por franca expansão e desenvolvimento da globalização, neste período o Brasil foi reconhecido como um país recentemente industrializado apresentando grande potencial de crescimento e consumo interno. Por este motivo, o país começa a ser visto com bons olhos por investidores mundiais e empresas transnacionais, pelos mercados de maior relevância no mundo e por países como China e Coréia do Sul (MORAES, 2006). As transformações ocorridas no país neste período, o volume considerável de acordos comerciais em curto espaço de tempo são os primeiros sintomas que o Brasil começa a sentir da globalização. A entrada de diversos países no Brasil se deu em função dos programas de privatização de empresas públicas, das novas multinacionais que aqui abriram sedes, dos empreendimentos em conjunto oriundos de diversos países, da fusão ou aquisição de empresas. A política neoliberal cai nas graças do governo brasileiro que, por sua vez,promove ações que favoreciam as empresas globais que aqui se estabelecessem (MORAES, 2006). Em um curto período de tempo, muito dinheiro é incorporado pela economia do país o que implicou na remodelação de empresas locais que deveriam atender à nova realidade da produção mundial e do modelo financeiro global. Isso incentivou que empresários locais vendessem suas empresas ou se ligassem a empresas globais que teve como consequência a instabilidade e as incertezas de um mercado interno aberto ao capital de produção global (MORAES, 2006). A partir da década de 1990, no Brasil, houve uma diversificação muito grande de atividades em que designers podem atuar, o design que antes era centrado em poucos profissionais bem-sucedidos, hoje atinge níveis de produção grandioso e as frentes de trabalho se ampliam na mesma proporção. Por este motivo é complexo citar nome de profissionais relevantes neste período, ficando muito mais interessante uma abordagem por projetos de sucesso. O designer passou a atuar desde o desenvolvimento de produtos para cama, mesa e banho, como afirma Cardoso (2008) até o desenvolvimento de tipografias digitais. Obviamente, toda esta efervescência da década de 1990 não resultou naquilo que se esperava passado dez anos. Ainda assim, em 1998, aumenta o número de produtos na lista dos onze primeiros produtos de exportação, são eles: automóveis (tratores e similares), reatores nucleares, ferramentas mecânicas, alimentos industrializados, sapatos, materiais eletroeletrônicos (rádio, vídeo e televisão), aparelhos eletrônicos domésticos e aeronaves. Neste mesmo ano o Brasil aparece no oitavo lugar entre os dez maiores PIBs (Produto Interno Bruto), superando Canadá e Espanha (MORAES, 2006). Os anos de 1990 e 2000 foram permeados por uma onda crescente do desenvolvimento industrial, período conhecido pelo processo de globalização real em função das evidentes transformações e dos resultados econômicos apresentados pelo país e da produção industrial. Neste período, o Brasil conta com uma frota de automóveis 105 que lhe garantiu o oitavo lugar entre os países com maior quantidade de automóveis, associado ao fato de ser o maior produtor mundial de veículos, assumindo o décimo segundo lugar em exportação mundial dos mesmos (MORAES, 2006). Os países cuja industrialização encontra-se em processo de desenvolvimento não se preocupam tanto em inserir designers dentro do contexto de produção. Isso decorre do fato de que a maioria destas empresas ainda não atingiu um status de competição a nível global, portanto, o mercado regional ainda é pouco competitivo, logo o nível de exigências do consumidor não é tão apurado (MORAES, 1997). Além disto, muitos empresários locais não conseguem perceber que o design pode atuar como elemento diferenciador e que pode ser empregado numa perspectiva estratégica. Outro fator que corrobora para que o design seja negado no mercado local decorre da falsa ideia de que a criação de novos produtos implica em alto investimento sem perceber o potencial do design na construção de uma identidade e como fator de credibilidade (MORAES, 1997). Algumas empresas investem valores elevados na publicidade e na promoção de produtos e desconsideram investimentos no design. A publicidade tem caráter efêmero e precisa ser atualizada já o investimento em design é feito uma única vez e pode resultar em projetos premiados ou viabilizar a criação de um clássico, com isso a publicidade torna-se inerente ao produto (MORAES, 1997). Baseado nisto, podemos afirmar que em pleno anos 2000, a globalização não se mostrou como uma cura para os problemas do país, tendo resultado, na verdade, em uma realidade mais complexa que a realidade local. O processo de industrialização no Brasil se deu a partir da transformação de um país agrícola num país exportador de bens industriais em escala mundial (MORAES, 2006). Para que você consiga entender melhor o conceito de globalização assista ao vídeo no YouTube, disponível neste link: https://www.youtube.com/ watch?v=h5WjNMGztvE. ATENÇÃO Um dos problemas da globalização é que ela não traz benefícios igualitários, uma vez que as transnacionais exploram a mão de obra local, geram renda e levam os lucros para o país de origem. O processo de privatização das empresas estatais mostra que na maioria dos casos, os postos de trabalho eram redimensionados, mecanizados e exploravam prioritariamente a mão de obra especializada local (MORAES, 2006). 106 Do modelo de consumo americano aplicado em praticamente todos os continentes decorre a produção constante da indústria, consequentemente, a oferta e a demanda crescem na mesma medida. O desenvolvimento do consumo é a garantia de que a economia se mantém em desenvolvimento, em contrapartida as crises locais são sempre sentidas em nível global. Os problemas ambientais tornam-se mais evidentes e tem no processo de industrialização e consumo seu maior problema. Pesar questões ambientais com as do mercado é uma tarefa que o designer contemporâneo tem que considerar e repensar novas formas de consumo talvez seja uma das possíveis saídas (CARDOSO, 2008). O final do século XX tem como destaque a profusão e saturação de imagens, pelo ruído e poluição visual, pela publicidade estampada em nossa face que explora o olhar como ferramenta de consumo. Os processos de abstração e construção inerentes ao design fazem com que os conceitos de representação, reprodução e reapropriação comecem a galgar seu espaço como consequência disto, o eixo conceitual ganha autonomia e passa a ser entendido de forma mais fluida como processo e interação (CARDOSO, 2008). Ainda que esta ideia de fragmentação e sobreposição de imagens seja abordada com maior ênfase na era da informação, não podemos desconsiderar que o design sempre se propiciou disto, desde os tempos da modernidade, quando litografia, rotogravura, fotolito e offset já se constituíam do meio para fragmentação, uma vez que diversos fragmentos de informação ali se sobrepunham com o objetivo de comunicar algo. ATENÇÃO Obviamente, a produção de veículos é tema de destaque no processo de industrialização do Brasil, no entanto, outros dados corroboram para fomentar esse processo. Em um relatório produzido pelo Council on Forein Relations of New York, com o objetivo de informar a George Bush sobre a realidade brasileira e sua posição de líder no continente sul-americano, trazia as seguintes informações: o Brasil era o segundo maior mercado para jets e helicópteros privados, para telefones celulares, o quarto maior mercado frigorífico e o terceiro para refrigerantes. Era o primeiro exportador mundial de suco de laranja, segundo produtor mundial de soja e o segundo país que recebe mais investimentos estrangeiros depois da China. Configurava o terceiro posto para consumo de motocicletas, quarto na fabricação de aeronaves de autonomia de voo regional e quinto mercado que consome CD musical, o sétimo exportador de calçados e o oitavo em usuários de cartões de crédito (MORAES, 2006). 107 Outro dado importante diz respeito ao nível de capacitação de um país, que envolve questões além do seu potencial de produção. No que tange à informação e comunicação considera-se quantos sujeitos possuem bens materiais informáticos e de comunicação, por exemplo. O volume de materiais publicados – revistas, periódicos, jornais - compõe o índice de comunicação de um país. A quantidade de computadores pessoais e de acesso à internet aponta o nível de desenvolvimento, informação e cultura de cada país e esse é um dos fatores que faz com que este período que estamos vivendo seja conhecida como era da informação (MORAES, 2006). Neste contexto da era da informação, são considerados também o crescimento dos campos de estudo no Brasil. No campo do Design, o Brasil conta com diversos cursos de nível superior e pós-graduações.Anualmente, centenas de profissionais de design são lançados ao mercado de trabalho, destes, nem todos são absorvidos, o que nos leva a entender que apesar do volume de profissionais ser considerável o mercado e a profissão ainda não atingiram maturidade (MORAES, 2006). Para consultar o status do ensino em design no Brasil, você pode acessar a página do e-MEC e verificar informações sobre os cursos na área ativos e inativos. Acesse o link: http://emc.mec.gov.br. DICAS Moraes (2006) aponta que o design brasileiro apresenta resultados proeminen- tes na fase de graduação do profissional, em que este tem maior liberdade por meio da experimentação, porém, ao desempenhar suas funções na indústria, esse potencial ainda não aparece. O volume de profissionais doutorados no exterior também é con- sideravelmente maior em países recentemente industrializados, a maioria devido aos incentivos financeiros de agências governamentais locais. A maioria destes profissionais retornam ao país como pesquisadores e acabam sendo absorvidos pelas instituições de ensino superior o que implica em construção de novos saberes, novas problematiza- ções na área, fomento à pesquisa e ensino em design. Ao final do século XX o movimento ambientalista se tornou proeminente, a frase “pense em escala global, aja em escala local” marcou este período. No século XXI, diante de um contexto econômico neoliberal é difícil pensar em um designer que ingresse no mercado de trabalho de forma estável considerando que esta é uma profissão muito nova e cercada por incertezas (CARDOSO, 2008). 108 As possibilidades que vem se apresentando no campo do design denota a pluralidade da área e o seu crescimento é inevitável na medida que novos modos de se comunicar estão se consolidando. Para aqueles que ingressam no mercado de trabalho, a fragmentação e a flexibilidade pode inibir, pois as garantias de sucesso são praticamente inexistentes. O design também ampliou seu mercado, além de atender empresas estatais ou multinacionais, pequenos empresários, associações, entidades governamentais, entre outros, passaram a reconhecer a necessidade de contar com os serviços de um designer (CARDOSO, 2008). No cenário múltiplo da contemporaneidade, a receita para ter sucesso na área não pode ser definida com tanta certeza, cada designer cria sua própria trajetória e desenvolvem sua identidade profissional. Os talentosos designers são apresentados por revistas, catálogos, premiações, livros, entre outros. Na contemporaneidade há espaço para todos, visto que as áreas de atuação se diversificam e se especializam (CARDOSO, 2008). Quando fala-se que designers podem transformar o mundo, ainda que essa ideia soe um pouco apocalíptica, essa afirmação deve ser encarada considerando o contexto em que estamos inseridos, principalmente quando falamos de forma local: no Brasil, somos carentes em sistemas de organização coletiva, precisamos ter maior assertividade na distribuição de informações, necessitamos de planejamento estratégico nas mais diversas instâncias e necessitamos urgentemente de soluções criativas para problemas que parecem insolúveis (CARDOSO, 2008). Segundo Cardoso (2008) a atividade do designer tem a capacidade de equacionar questões que geralmente apresentam-se em oposição: ideia e objeto geral e específico, intuição e razão, arte e ciência, cultura e tecnologia, ambiente e usuário. Concatenar as questões que envolvem esses temas propicia ao design o cenário ideal para proposição de ideias que podem transformar nosso modo de interagir com a vida e com o mundo. 109 RESUMO DO TÓPICO 1 Neste tópico, você aprendeu: • O design é um processo diretamente influenciado pelos muitos eventos históricos, os quais transformaram o cenário sociopolítico, econômico e cultural (em um âmbito global). Além disto, estudou sobre a transição do pensamento moderno para o pós- moderno, assim como ficou a par sobre os elementos que vieram a influenciar a prática do design, em decorrência as transformações ocorridas. • Foi em decorrência da falência do ideal de progresso (ascendente), proposto pelo movimento modernista, que a pós-modernidade, em meio aos muitos eventos que afligiram a segunda metade do século XX, trouxe elementos inovadores aos diversos processos de produção vigentes. • Esses elementos inovadores trouxeram o hibridismo e romperam com categorias elitistas, os quais buscavam segregar, em categorias distintas, a alta da baixa cultura. A produção pós-moderna trouxe consigo a exploração da inovação e a promoção de um espaço fértil de rompimento com as ideias paradigmáticas, características do período moderno. • O desenvolvimento das tecnologias digitais, as transformações dos processos de consumo e produção, e a consolidação da política de globalização foram elementos de grande influência nos processos de desenvolvimento do design, nas suas muitas áreas de atuação. O período foi marcado pelas transformações do fazer design e os desafios enfrentados pela área na contemporaneidade, o que implica questões de adequação a dinâmicas de mercado distintos, assim como o desafio de se manter afinado com o desenvolvimento tecnológico global. 110 AUTOATIVIDADE 1 Baseado no que você leu sobre o estilo pós moderno organize uma prancha com imagens que façam referência a projetos de designers pós modernos. 2 Escolha três designers pós-modernos (1 brasileiro e 2 estrangeiros) e comente sobre 2 projetos de cada um deles, justificando o motivo pelo qual você os selecionou. 111 TEORIAS DO DESIGN 1 INTRODUÇÃO O desenvolvimento das teorias do design deriva do desenvolvimento de metodologias em design, ou seja, enquanto o método apresentava metas claras e o compromisso em tornar transparente o processo em consonância com as ferramentas necessárias para a produção, as concepções teóricas do design eram bastante difusas. Bürdeck (2006) defende a necessidade de se fornecer saberes necessários para estruturar a disciplina. Na medida em que o design deslocou o foco do seu produto para uma teoria estética acabou esvaziando, de certa forma, seu próprio conteúdo. É por compreender que as teorias do design são fundamentais para o entendimento da área que este tema é abordado a seguir. Bons estudos! UNIDADE 2 TÓPICO 2 - 2 BASES TEÓRICAS DO DESIGN No livro Design: do material ao digital, Gui Bonsiepe (1997) inicia seu capítulo com uma dura crítica ao valor que se atribui à teoria: devido a produção a custo zero e a pouca importância que as coisas não pagas recebem, a teoria frequentemente é negligenciada ainda que ela possa estar alinhada à prática profissional. Para ele, apesar da teoria ter um caráter fortemente acadêmico, isso não significa que não possa se aproximar da prática. Schneider, Sperber e Bertuol (2010) defendem a ideia de que a teoria resulta da reflexão sobre a prática do designer. Ainda que de forma incipiente, algumas instituições de ensino estão se esforçando para criar um discurso do design trazendo a teoria para as principais disciplinas da área. Podemos mencionar os esforços de instituições superiores alemãs como Offenbach, Weimar, Colônia, Essen, Bremen e Schwäbisch Gmünd. É importante termos em mente que assumir um discurso teórico é, também, assumir um discurso concreto. O discurso teórico demanda poder a quem o detém, é caracterizado por um discurso de apropriação e por este motivo a teoria precisa sempre 112 ser legitimada. Sua construção se dá por meio da observação e da atuação, e pressupõe que exista um objeto de estudo e reflexão. Ao confrontar teoria e prática, esta última leva vantagem, no entanto, devemos estar atentos ao fato de que toda prática está impregnada de teoria, na mesma medida em que boas ideias perdem o valor, caso não sejam aplicadas (BONSIEPE, 1997). Para Bonsiepe (2012) o discurso atual do design, que deveria abordar questões projetuais, está cedendo espaço para outrasproblemáticas: branding, design de experiência, design estratégico, design emocional, entre tantos outros que se tornaram centro das discussões na área. A concepção de design hoje está mais voltada para o produto ou para o resultado final do que para seus processos. Não por acaso que o termo design passou a ser entendido, no contexto popular, como uma ‘gourmetização’ de produtos: seja na aparência de uma geladeira ou na aparência das interfaces diversas que utilizamos diariamente. Esse afastamento que o design está tendo da sua raiz projetual, da capacidade de criar soluções inteligentes para problemas, associou o Design a valores efêmeros e de rápida obsolescência. Projetou-se objetos de glamour cujo apelo estético formal é o que o coloca em evidência. Outros valores associados ao Design contemporâneo dizem respeito aos objetos caros, com praticidade questionável, formas extravagantes e cores impressionantes. Assim, o design assumiu uma aura midiática, num espetáculo em que mesmo publicações respeitadas da área caem aos encantos do design bonito cujos objetivos são atingir melhores índices comerciais e de marketing (BONSIEPE, 2012). Nessa perspectiva, com sua eficiência discutível, podemos citar o espremedor de frutas Juicy Salif do designer francês Phillippe Starck, cujos projetos são marcados pela reconstrução de objetos do cotidiano. Apesar de sua aparência belíssima, o objeto é difícil de usar, porém seu apelo estético lhe garantiu o posto de objeto de decoração, tornando-se um objeto de desejo. FIGURA 7– JUICY SALIF (PHILLIPPE STARCK – 1990) FONTE: <http://twixar.me/dsLm>. Acesso em: 3 jul. 2020. 113 Ao falar da importância da teoria, Bonsiepe (1997) alerta para o fato de que toda prática profissional está inserida no contexto de um discurso, cujos domínios discursivos variam em grau de diferenciação e rigor. No campo do design, o discurso ainda não consegue atender estes dois fatores: diferenciação e rigor. Assim, a teoria auxilia no desenvolvimento de uma autorreflexão voltada ou orientada pela atividade projetual. A teoria tem como objetivo tornar visível o que já está posto enquanto prática. Ao mesmo tempo ela coloca em discussão aquilo que, em tese já estaria consolidado. Em outras palavras, a teoria permite que se coloque em dúvida as opiniões existentes sobre determinado tema. Os conceitos que permeiam a área do design dizem respeito à abertura e à indeterminação conceitual, segundo Bonsiepe (1997), isso implica em uma situação ambígua que, dependendo da perspectiva, pode ser positiva ou negativa. Para ele, possuir enfoques não ortodoxos pode ser positivo, em contrapartida, pode-se perder facilmente o foco daquilo que se tem de concreto de um projeto. Schneider, Sperber e Bertuol (2010), baseado em Bonsiepe (1997), afirmam que outro motivo para relegar a construção de uma teoria é embasado na generalidade de que “tudo é design”. Além destes pontos, é possível perceber que devido a sua proximidade com a arte, a teoria do design não tenha conseguido se instaurar desde seu início. Entendido por muito tempo como uma subcategoria da arte, cuja teoria e registro histórico ficava a cargo da história da arte, o design não galgou seu espaço enquanto teoria autônoma (SCHNEIDER; SPERBER; BERTUOL, 2010). Ao design, coube a preocupação excessiva com uma motivação artística inspirado pela própria arte na busca de um design expressivo. Não podemos deixar de enfatizar a perspectiva da arte cujo discurso pode se dar aquém da argumentação racional, nessa perspectiva, designers voltaram-se para os aspectos da criatividade, da irracionalidade e do fomento à um design de autor. Foi na Bauhaus que o conflito entre arte e design foi de certa forma resolvido, foi com a criação das figuras de aprendiz, oficial e mestre que as funções começaram a ficar melhor delineadas (SCHNEIDER; SPERBER; BERTUOL, 2010). Para conhecer um pouco mais sobre a teoria desenvolvida na Bahaus, assista ao vídeo O ABC da Bahaus – A teoria do design, disponível no YouTube através do endereço a seguir: https://www.youtube.com/watch?v=FyAFOt_372I. DICAS 114 Considerando que o design é uma área que se expressa prioritariamente pelo visual, não é de se estranhar que as teorias que ele erigiu tenha um certo distanciamento das questões projetuais, já que a discursividade e a visualidade possuem códigos comunicativos distintos entre si. A construção de uma teoria do design precisa equacionar esses dois códigos e usá-los de forma a transformar a área e o campo de ensino do design. Falar em design na contemporaneidade é ir além da identificação de habilidades, é falar das questões que são inerentes ao projeto, é construir um discurso que se retroalimente da prática (BONSIEPE, 1997). As discussões iniciadas entre 1850 e 1930 sobre design demandaram esforços a fim de conformar estrutura e aparência de artefatos com vistas a torná-los mais atraentes e eficientes. Associado a este pensamento estava o desejo de reconfigurar o mundo tornando-o mais confortável e prazeroso para todos. Ao final da década de 1930, surge a primeira grande teoria do design: “a forma segue a função”, a célebre frase do arquiteto americano Louis Sullivan. Na sua perspectiva, forma e função seriam as principais preocupações de um designer (CARDOSO, 2013). Gottfried Semper iniciou um debate sem precedentes na área do design na primeira metade do século XIX. Em seguida, William Morris – fundador do movimento Arts and Crafts – associou-se a John Ruskin e desenvolveram a primeira teoria social do design. Foi em decorrência do Jugenstill que Henry van der Velde passou a teorizar sobre as relações entre design e indústria. O Círculo de Viena e a Associação Ernst Mach baseava sua prática em uma teoria sólida. Hermann Muthesius e Henry van der Velde contavam com teóricos que fundamentaram o funcionalismo com profundidade (SCHNEIDER; SPERBER; BERTUOL, 2010). Para conhecer um pouco mais sobre a teoria do funcionalismo, assista ao vídeo Design Funcionalista, disponível no YouTube, no link: https://www.youtube.com/ watch?v=jS2TPIKyX6g. DICAS Essa teoria só passou a ser questionada em meados da década de 1960, período de desenvolvimento da contracultura ao redor do mundo. No Brasil, os reflexos destas discussões só foram sentidos em meados da década de 1980 (CARDOSO, 2013). 115 Bürdek (2006) defende que o conceito de Sullivan surgiu de um mal-entendido, na sua tese pode-se encontrar a explicação sobre função a qual está relacionada com a dimensão semiótica dos objetos. No entanto, não podemos descartar as ideias de Sullivan, que foram tão importantes e que, até hoje, se discute a funcionalidade no design (CARDOSO, 2013). O modernismo iniciou e foi insuflado pelos movimentos de reforma do século XIX, cujas teorias ainda eram calcadas na tradição do Iluminismo, focadas em ideias sócio reformistas e com aspirações morais que objetivavam o bom design e que buscava tornar o mundo um lugar melhor. Ainda que a prática do designer estivesse voltada para estas questões, o que acontecia no mundo a nível social e econômico fez com que essa perspectiva sucumbisse diante do processo de industrialização (SCHNEIDER; SPERBER; BERTUOL, 2010). A fundamentação sócio-política do design teve suas primeiras discussões no construtivismo. Já o funcionalismo passou a ser revisitado e aprofundado na Bauhaus com vistas à uma concepção racional-analítica que fora ampliada como teoria social na era Meyer. Entre o período de 1950 e 1960, a Escola Superior de Design de Ulm foi decisiva na criação da primeira metodologia científica influenciando profundamente o design alemão e internacional entre os anos de 1960 e 1980. Suíça, Inglaterra, Holanda e Estados Unidos refletiram sobre o design aproximando-o de disciplinas científicas próximas (SCHNEIDER; SPERBER;BERTUOL, 2010). Se nos debruçarmos ao longo da história do design perceberemos que essa problemática da teoria nem sempre esteve presente e elas eram expressas por meio de manifestos ou de tentativas de teorização (SCHNEIDER; SPERBER; BERTUOL, 2010). Dentre estes manifestos podemos citar o First Things First publicado em 1964 por Ken Garland e apoiado por mais de 400 designers e artistas, entre eles, Tony Benn que na época publicou o manifesto na íntegra no jornal The Guardian. O objetivo deste manifesto era se opor a Grã-Bretanha rica dos anos 1960 na busca por uma radicalização no campo do design, pois consideravam que os produtos produzidos eram despidos de crítica. Influenciados pelas ideias da Escola de Frankfurt e pela contracultura defendiam que o design não era um processo neutro e sem valor. Aliando-se à economia, trouxe a superfície uma perspectiva humanista na teoria do design. Este manifesto foi atualizado e relançado com título de First Things First 2000. 116 FIGURA 8 – MANIFESTO FIRST THINGS FIRST - 1964 FONTE: <http://opendesignnow.org/wp-content/uploads/2011/05/first-things-first-copy.jpg>. Acesso em: 3 jun. 2020. Para ler o manifesto First things First (1964) na íntegra, acesse o endereço: http:// www.revistacliche.com.br/2015/02/clichecast44-first-things-first/. DICAS Foi na década de 1960 que os princípios da estética da informação começaram a ser debatidos e incorporados nas práticas de projetos. Neste período destacaram- se os trabalhos de Max Bense e Abraham Moles. No campo da arquitetura a teoria da informação também teve reflexos e podem ser identificados no projeto de Siegfried Maser e sua “Estética numérica” de 1970. A velocidade de produção a um custo cada vez menor foi sendo progressivamente consolidada no design entre os séculos XIX e XX. Ainda que alguns países, como a Alemanha, por exemplo, tenham resistido ao estilo americano, ao final da década de 1980 o design estava completamente entregue à máxima a forma segue a função (SCHNEIDER; SPERBER; BERTUOL, 2010). Um grave problema do design foi desconsiderar questões de mercado e da realidade econômica e do marketing expressos pelo design de produto, cuja produção em massa e da padronização de produtos era fomentada pela ideia de lançar algo novo. Rapidamente, percebeu-se que o projeto de um mundo melhor caia por terra e podendo ser considerado uma utopia (SCHNEIDER; SPERBER; BERTUOL, 2010). 117 Quando o design começou a perceber que não era ele quem imprimia influência na sociedade e sim a economia, as técnicas, questões sociais e culturais que influenciam o design e a estética dos projetos, uma nova maneira de pensar o projetual ganha espaço para se construir (SCHNEIDER; SPERBER; BERTUOL, 2010). A industrialização potencializou o desenvolvimento das ciências, fazendo com que designers se debruçassem sobre questões de tecnologia e de artefatos técnicos cada vez mais presentes no cotidiano das pessoas e ainda assim, estudos sobre projetos ficaram sempre aquém dos resultados obtidos por meio da ciência. O próprio ensino projetual nas instituições de ensino ainda se dá de forma holística ao invés de desenvolvimento no conhecimento de alguns procedimentos (BONSIEPE, 2012). A industrialização é o meio propício para democratização do consumo fazendo com que um número maior de pessoas consiga consumir um determinado produto. Eles podem ser produzidos para facilitar tarefas domésticas, saúde, educação, lazer, esportes, transportes, para mencionar apenas alguns (BONSIEPE, 2012). Foi no Fórum do Congresso do IDZ de Berlim (Alemanha) em 1977 que buscou- se delinear pela primeira vez os limites da teoria do design. Foi Gerda Müller Krauspe que descreveu as quatro linhas teóricas vigentes da época (BÜRDEK, 2006): 1) desenvolvimento de metodologias de design de forma que o processo se tornasse transparente culminando nos métodos de projeto operacional; 2) controlar os aspectos da estética da informação de forma que consiga se quantificar os fenômenos visuais; 3) construir uma teoria crítica do design; 4) ampliação das discussões sobre o funcionalismo. Com a consolidação de uma ideia de design, a partir da década de 1980, a área começou a figurar entre as questões debatidas na filosofia assumindo um caráter científico. Neste período, discussões sobre as etapas projetuais ganharam espaço (BONSIEPE, 1997). A teoria do design desligou-se do funcionalismo e fez com que o debate se tornasse mais ameno. No período entre 1980 e 1990 a teoria afastou-se da prática do design, porém deflagrou um recomeço (SCHNEIDER; SPERBER; BERTUOL, 2010). Os movimentos estudantis e a contribuição da crítica social, fomentada pelas ideias frankfurtianas, levou o design a um período de duras críticas. Theodor Adorno, Max Horkheimer e Herbert Marcuse também influenciaram as críticas acerca da função social da profissão de designers. O documento intitulado Design? O meio ambiente colocado em questão contava com a contribuição de mais de 40 autores, entre eles Haug, que, em seu texto, comparava o design com a Cruz Vermelha na guerra, a qual 118 cuida das cicatrizes, tentando torná-las mais “bonitas” e, portanto, curá-las. Com isso, o design fica com o papel de tornar o capitalismo mais aprazível, a ponto de ser confundido com uma necessidade. Seguem publicações com este apelo, implicando em uma estagnação ao design, que refletiu no ensino e que está contida, ainda, na separação entre teoria e prática do design (BÜRDEK, 2006). Segundo Bürdek (2006) o forte apelo às teorias sociais permaneceu e com o passar do tempo foi requerendo novas contribuições, assim, Jochen Gros (1971) publica a tese Dialética da Configuração marcando as pesquisas iniciadas pela Instituto de Planejamento Ambiental. A tese tinha como objetivo reorientar os princípios do funcionalismo projetual a uma perspectiva nova de funcionalismo expandido. A tese apresenta que aspectos psicológicos começaram a ser incluídos nos conceitos de design ampliando mais a percepção da área. Lentamente, a ideia de que a teoria do design deveria estar debruçada sobre questões inerentes à área foi sendo construída, passando-se a reconhecer que alguns temas deveriam ser estudados de forma interdisciplinar, sendo a contribuição do design um aspecto específico (BÜRDEK, 2006). Foi com o livro Design para o mundo real, do designer americano Victor Papanek, que uma mudança de paradigma estava sendo alicerçada, pois, já no início do livro, ele problematiza a teoria da função segue a forma. O objetivo de convocar designers a refletirem sobre soluções que fossem aplicadas ao mundo real mostra que, até então, vigorava a ideia de um design que não considerava o contexto no qual estava inserido: fome, miséria, conflitos raciais e políticos, guerras civis, por independência, o desenvolvimento da indústria armamentista nuclear sinalizava uma crise ambiental que fora anunciada pela Organização das Nações Unidas (ONU) (CARDOSO, 2013). Para conhecer um pouco mais sobre o pensamento de Victor Papanek, assista ao vídeo Filosofia del Diseño, disponível no YouTube no endereço: https://www. youtube.com/watch?v=4Y_Af94yZVs. Fique atento, pois você pode acionar a legenda para acompanhar a tradução. DICAS Siegfried Maser contribuiu com a área a partir da construção de dois conceitos: o de conhecedor e o de expert. O primeiro tem aptidão para conhecer tudo o que for necessário para resolver um problema concreto e domina diversos campos. O expert conhece plenamente a disciplina e atua ao longo do processo de solução de problemas. Essa conceituação foi ampliada na década de 1980 por Fischer/Mikosch (1984) e Gross (1983 – 1987) (BÜRDEK, 2006). 119 Foi na década de 1990 que a Schwäbisch Gmünd propôs uma ênfase na formação teórica. Além das unidades acadêmicas, outras instituiçõespassaram a dar atenção à teoria do design, entre elas podemos citar: Sociedade Alemã de Teoria e Pesquisa Em Design (2002) e a Rede Suíça de Design (2004), esta última fora reconhecida por atuar como uma rede nacional que fomentou a pesquisa em design junto às escolas superiores de design (SCHNEIDER; SPERBER; BERTUOL, 2010). Nos anos de 1990, estabeleceu-se a teoria da competência central nos cursos de administração, impactando novamente a teoria do design. Termos como design interdisciplinar, transdisciplinar e multidisciplinar ganhando notoriedade e a consolidarem-se, qualificando os projetos. A partir de 1995 o debate sobre design já havia conferindo-lhe caráter de disciplina autônoma, o que ampliou o volume de produções acadêmicas na área e a pós-graduação na área passou a ser debatida (BÜRDEK, 2006). Elaborada por C. K. Prahalad e Gary Hamel, a Teoria da competência central (Core competences) permitiu definir as principais forças ou vantagens competitivas que uma empresa possui. Ela comporta uma combinação de recursos que permitem um negócio ser competitivo em um mercado. No design, implicou reflexões sobre como a comunicação de um produto pode potencializar o consumo. NOTA Pensando sobre o caráter multi e interdisciplinar do design, Lutz Gobel sugeriu, em 1992, que as empresas não precisavam de especialistas com vasto conhecimento em algo muito específico, tão pouco de generalistas – aqueles que entendem de tudo – mas sim de profissionais com perfil integralista que tenha um bom conhecimento em diversas disciplinas e seja especializado em pelo menos um setor. Isso potencializa a qualificação profissional e propicia negociações assertivas em um mercado global, surge assim os estudos sobre gestão do design (BÜRDEK, 2006). De acordo com Best (2012) a gestão diz respeito às pessoas e aos processos utilizados no processo de gerenciamento. Agrega também procedimentos para organização, controle e administração de uma empresa. Baseado nisto, entende-se por gestão do design métodos de gerenciamento de pessoas, processos, projetos e procedimentos empregados na criação de produtos, serviços, ambientes e experiências que compõe o nosso cotidiano. 120 Um marco foi o resumo apresentado pelo inglês Nigel Cross em Seul que apresentava os ciclos do design (que duravam cerca de 40 anos) e se configuravam pontos chave das mudanças de paradigmas no design (BÜRDEK, 2006): • Na década de 1920 o reconhecimento científico passou a ser integrado na formação em design sob influência da Bauhaus. • Na década de 1960 a metodologia em design começa a surgir, assim o cientificismo começa a marcar território no design. • Na virada dos anos 2000 os esforços se concentram em consolidar o design como disciplina autônoma. A partir daqui o debate internacional sobre a consolidação de uma disciplina de design ganhou força, o design passa a ser reconhecido pela comunidade cientifica, erigindo-se enquanto disciplina com autonomia para desenvolver seus próprios saberes, ainda que incipiente o conhecimento em design começa a se estruturar (BÜRDEK, 2006). Já no ano de 2004, o segundo congresso promovido pela Sociedade Alemã de Teoria e Pesquisa Em Design trouxe o tema Quanta teoria comporta a profissão? Nessa ocasião pôde-se perceber que muitos designers se mostravam inseguros diante da teoria, o que gerava um clima de tensão entre práxis e epistemologia do design. Essa situação denota uma dificuldade de encarar-se a crítica ou mesmo de realizá- la, uma vez que a formação dos designers possui uma perspectiva fundamentalmente visual ficando esquecida ou pouco explorada a capacidade do designer de expressar-se verbalmente. Percebe-se, portanto, uma inclinação do designer para a retórica, ou seja, ele foca no modo de projetar algo e não motivo para o qual projeta-se algo (SCHNEIDER; SPERBER; BERTUOL, 2010). Recentemente, o design foi incorporado pela indústria criativa, classificação atribuída pela ONU em seus relatórios de economia criativa de 2008 e 2010. Assim, a comunidade internacional – políticos e acadêmicos – passou a considerar a multi- disciplinariedade a fim de revitalizar o desenvolvimento e promover a sustentabilidade (SANTOS-DUISENBERG, 2015). A teoria do design foi foco de atenção dos anglo-americanos Morris Asinow, Christopher Alexander e Bruce Archer, contou também com a contribuição do franco- canadense Alain Findeli. No começo do século XXI, na Europa, o “processo Bolonha” a implementação e a condução da teoria foram de certa forma imposta, fazendo com que diferentes níveis curriculares de escolas superiores incluíssem uma formação teórica. Os esforços pela consolidação de uma teoria do design não foram realizados em conjunto embora tal tarefa seja de extrema importância para o design (SCHNEIDER; SPERBER; BERTUOL, 2010). 121 Da Declaração de Bolonha deriva o Processo de Bolonha (1999), um acordo assinado por ministros da Educação de diversos países europeus. Processo figura uma declaração conjunta que deu início a um processo que objetiva facilitar o intercâmbio de estudantes de graduação além da adaptação de conteúdos de acordo com as demandas sociais. Esse processo viabilizou a criação do Espaço Europeu de Educação Superior. IMPORTANTE Foi em meados dos anos 2000 que Dieter Rams – diretor chefe da empresa Braun e representante das ideias da boa forma – percebeu que o design funcional havia passado por uma transformação. Para ele, o designer passou a ter uma nova responsabilidade social uma vez que o designer contemporâneo deve estar atento à redução de custos operacionais e de produção. Também deve estar alinhado com o desenvolvimento de formas de utilização mais seguras e eficientes, com vistas a promover a sustentabilidade ambiental incentivando atitudes positivas (SCHNEIDER; SPERBER; BERTUOL, 2010). Um dos nomes expressivos da boa forma é Deter Rams. Ele organizou dez princípios para avaliar um bom design. Acompanhe o vídeo O seu Design é um bom Design? 10 princípios de Dieter Rams para o bom design, disponível no YouTube no seguinte endereço: https://www.youtube.com/ watch?v=E95pnSEVdkY. DICAS Pensar nos motivos pelos quais uma teoria do design é necessária nos aponta para dois caminhos, segundo Schneider, Sperber e Bertuol (2010) o primeiro aponta para o enfraquecimento da área e o segundo para a complexidade do design, o qual abordaremos a seguir. O primeiro ponto implica em um enfraquecimento do design devido à falta de fundamentação teórica. Este autor parte do pressuposto de que uma disciplina, para ser levada a sério, pressupõe uma combinação entre teoria e prática que no design podemos conjugar em habilidades artística e manual associada à inteligência projetiva que está associada ao discurso. Refletir sobre um problema faz parte de um processo criativo, o design precisa concatenar sua práxis com questões sociais e técnicas que denotam o caráter complexo do design. 122 Para refletir sobre a função social do design, Norberto Chaves (2020) aponta dois pontos que merecem atenção antes de iniciar tal discussão: a primeira perspectiva para a abordagem do design social está relacionada com a proposição de normatizações para o design, no sentido de se estabelecer regras que indicam caminhos para o estreitamento destas funções sociais. O segundo ponto versa a partir de uma perspectiva humanitária ou solidária. Combinando essas duas perspectivas, Chaves (2020) defende as seguintes acepções: uma delas diz respeito ao fato de o design ter somente função social, considerando um sentido amplo ao design na realidade atual, a prática e consequentemente todos os seus produtos tem uma função social, pois são dirigidos à sociedade, influenciando-a independente do juízo que façamos. Paradoxalmente, Chaves (2020)afirma que o design tem uma escassa função social quando observado da perspectiva humanista. Para ele, o design só conseguirá assumir um compromisso humanista quando se comprometer frontalmente com as necessidades reais dos usuários, sem focar em questões de mercado, uma vez que o neoliberalismo coloca o design numa posição antissocial, tornando o aspecto humanitário praticamente nulo quando observado na totalidade. Porém, não se pode negar a existência de casos isolados. Por fim, o autor supracitado afirma que o design poderia ter uma função social, desde que contrapondo a acepção humanista com vistas a sanar os problemas da realidade. Porém, ele defende que esta modalidade de design pode acontecer apenas de forma marginal. Em defesa da área, Chaves (2020) propõe que, assumindo uma posição intelectual e ética, possamos refletir sobre essa marginalidade identificando as questões necessárias para que esse compromisso com o social se dê de forma coerente. O autor a cima citado ainda defende que os designers só conseguiriam atender as causas sociais na medida em que estas forem prioridade ante o mercado. Para tanto, é necessário discutir e propor projetos políticos e economicamente transformadores sem esperar que o sistema vigente proponha essa necessidade. A fim de ilustrar o que Chaves (2020) defende como uma prática social do design veja alguns projetos: O Eliodomestico, desenvolvido pelo italiano Gabrielle Diamanti transforma água do mar em água potável além de funcionar como um forno solar. O aparelho foi criado a partir das reflexões de Diamanti a respeito da crise mundial de água. A tecnologia empregada é simples: o aparelho funciona semelhante a um coador de cabeça para baixo que pode dessalinizar a água salgada. É dividido em três partes principais: o recipiente preto armazena a água salgada, assim, com o calor do sol a água se transforma em vapor que, por pressão, é enviado por um tubo. O ciclo finaliza quando o vapor condensa contra a tampa do forno na parte inferior e escorre para a bacia de coleta. 123 FIGURA 9 – ELIODOMESTICO DE GABRIELLE DIAMANTI FONTE: <https://exame.com/wp-content/uploads/2016/09/size_960_16_9_eliodomestico.jpg?quali- ty=70&strip=info&resize=680,453>. Acesso em: 3 jul. 2020. O Eliodomestico tem capacidade de produzir até 5 litros de água potável por dia e a estrutura do forno foi projetada para ser levado sobre a cabeça, considerando o método usado na África subsaariana. O custo de produção gira em torno de 50 dólares o projeto é aberto para que novas funções sejam adicionadas ao aparelho. Outro exemplo é o projeto do designer Paul Ekins, o qual desenvolveu um abrigo móvel para mendigos e desabrigados. O projeto foi desenvolvido por meio de um concurso, no qual foi possível propor soluções inteligentes para problemas diversos da população. O Homeless Shelter é simples, basicamente é uma caixa sobre rodas e chega a pesar 102k, pode armazenar água da chuva que é tratada de forma a ser aproveitada. FIGURA 10 – HOMELESS SHELTER – PAUL EKINS FONTE: <http://twixar.me/RsLm>. Acesso em: 3 jul. 2020. FIGURA 11 – VISTA ESQUEMÁTICA DA CASA MÓVEL FONTE: <http://twixar.me/YsLm>. Acesso em: 3 jul. 2020. 124 FIGURA 12 – CASA MÓVEL FECHADA FONTE: <http://twixar.me/RsLm>. Acesso em: 3 jul. 2020. FIGURA 13 – VISTA DA COZINHA DA CASA MÓVEL FONTE: <http://twixar.me/YsLm>. Acesso em: 3 jul. 2020. A complexidade no design é evidenciada pela sua interdisciplinaridade e transdisciplinaridade: por convergir disciplinas cientificas de áreas humanas, sociais, de engenharia, da indústria, do comércio, da administração e cultura, associada à extensa possibilidade de tipos de usuários (SCHNEIDER; SPERBER; BERTUOL, 2010). Neste contexto, negar uma teoria do design significa mantê-lo afastado da realidade, é negar sua capacidade de construção de um metadiscurso que seja capaz de organizar e construir suas próprias justificativas (SCHNEIDER; SPERBER; BERTUOL, 2010). A teoria empírica deve ser naturalizada na área do design e, para tanto, precisa organizar-se de forma racional, de forma genérica e ordenada, considerando a realidade objetiva do design. É preciso explorar o conhecimento implícito e o conhecimento tácito. É necessário também construir o conhecimento sobre a retórica visual e pensar em métodos que não sejam restritivos, mas que sejam capazes de dar conta da pluralidade de temas do design. Alinhar esses saberes com a prática social é de suma importância, pois é do social que decorre a implementação propriamente dita do design, é entre os sujeitos que se dá a comunicação que ele media (SCHNEIDER; SPERBER; BERTUOL, 2010). O discurso teórico do design se manteve ao longo da história com alguns pontos em aberto, conforme comenta Schneider, Sperber e Bertuol (2010), para ele esse discurso deve explorar os saberes construídos ao longo do tempo. Ele defende a ideia de que alguns mitos sobre o design precisam ser abandonados, como por exemplo, de que o design exerce poder sobre processos de produção ou que o bom design pode transformar o gosto das pessoas, ou até mesmo que o design pode sanar problemas de ordem de sustentabilidade ecológica. A teoria do design também deve estar orientada a contextualização e ao pensamento sistêmico, ou seja, o sistema macro compreende aos contextos econômico, social e político. Nessa perspectiva, o design atua como um subsistema que precisa 125 produzir reflexões de acordo com o sistema, resultando numa habilidade em identificar os interesses comuns e individuais (SCHNEIDER; SPERBER; BERTUOL, 2010). A teoria do design tem um caráter normativo, uma vez que toda teoria está imersa em um contexto normativo e de valor. Basicamente, o design deve ir além dos aspectos econômicos envolvidos na produção de bens. Esse processo de teorização da área precisa contemplar para além deste aspecto, deve olhar para a criatividade de forma a inserir no mercado um produto legítimo e responsável (SCHNEIDER; SPERBER; BERTUOL, 2010). Considerando que o design objetiva simplificar e compreender informações complexas, transformando-as, gestando-as de forma a se tornarem mais acessíveis a todos sujeitos. Desse processo comunicativo resulta uma ação. Schneider, Sperber e Bertuol (2010) defendem a existência de alguns pontos para iniciar um processo de construção de uma teoria do design, são elas: • a comunicação púbico-social que diz respeito às discussões sobre espaços públicos, espaço privado, da interação entre as pessoas e dos aspectos multiculturais; • a comunicação científico-tecnológica que aborda questões referentes à configuração da informação, e a comunicação entre pessoas com saberes necessários à área; • a comunicação didático-pedagógica com objetivo de democratizar os saberes; • a comunicação cultural orientando a própria construção cultural, mediando culturas; • a comunicação econômica que diz respeito à comunicação entre sujeitos com poder econômico e da produção da identidade corporativa dos mesmos; • a comunicação política que visa organizar e orientar a atuação de instituições estatais e dos representantes da vontade política. Por sua característica de ser uma disciplina orientadora, o design é baseado em métodos racionais que são potencializados pela capacidade argumentativa. Fato é que ainda hoje o design é um tema pouco aprofundado. Na medida em que o design passou a ser entendido como um adereço, ou melhor, um embelezador de produtos, houve um afastamento de sua competência projetual, desta forma o conceito de design sobrepôs-se ao projeto. Atualmente o design está construindo novos cânones, novos valores e novas tendências viabilizando a construção de um processo de afirmação enquanto política do design e enquanto discurso de projeto. É importante que, neste momento, você consiga vislumbraros caminhos que a profissão e o ensino em design já percorreram, entendendo que cada nova teoria que surgia, tinha um objetivo basal que era dar corpo à disciplina do design. No tópico a seguir, você conhecerá um pouco sobre as tendências do design contemporâneo. 126 RESUMO DO TÓPICO 2 Neste tópico, você aprendeu: • Algumas principais teorias influenciaram o desenvolvimento do design até a contemporaneidade. Para tanto, é buscado, em um primeiro momento, abordar a problemática relação existente, há anos, entre os campos da teoria e da prática. • Pelo fato dos métodos de produção terem um caráter objetivo, isto é, serem diretamente dependentes das questões mercadológicas e afinarem sua produção com a concretude, a teoria acabou por ser entendida como algo distanciado do fazer design, visto que, por sua vez, esta não manifestaria uma (necessária) aproximação com o mercado, no desenvolvimento de suas conceituações, desse modo, estando delegado, por muitos, a um campo puramente especulativo ou não concreto. • A consequência de um pensamento segregacionista (entre teoria e prática) que desencadeou inúmeras gafes referentes ao fazer design, que vão do simples entendimento de que o design consiste no embelezamento de um produto, sendo concebido como um adorno para a ‘gourmetização’ das coisas. • A teoria, de fato, consiste em um processo (necessário) de reflexão sobre a prática, o tópico visa enaltecer o elo entre ambos, a fim de alertar que a prática sem teoria se torna carente e a teoria sem a prática se torna estéril. • No caminho historicista, em que o tópico procurou explicitar os caminhos pelo qual o design percorreu, a fim de consolidar (algumas) definições e suas consequências para o design contemporâneo. 127 AUTOATIVIDADE 1 Faça uma análise dos trabalhos de conclusão que já foram defendidos no seu curso. Escolha pelo menos 2 que lhe tenha despertado o interesse e justifique. 2 Pesquise programas de pós-graduação em design em nível de mestrado ou doutorado, identifique as linhas de pesquisa que mais lhe despertam interesse. A partir daí pesquise sobre as dissertações defendidas nesta linha no programa e comente uma pesquisa que lhe desperta interesse. 128 129 TÓPICO 3 - AS TENDÊNCIAS DO DESIGN HOJE 1 INTRODUÇÃO Ao longo deste tópico apresentaremos informações que visam dar conta do contexto contemporâneo do design, buscando entender os processos pelos quais a área se constitui enquanto disciplina, observando como o arcabouço teórico se construiu com o passar do tempo. Com a finalidade de propor a reflexão acerca do design do amanhã, este tópico busca delinear algumas tendências que marcam o design na atualidade. Bons estudos! UNIDADE 2 2 DESIGN HOJE Obviamente, tendemos a pensar que as mudanças de mundo ocorridas desde o início do século XIX e a rápida assimilação de todas elas ao longo do século XX, deixam para o século XXI um gostinho de que estamos vivendo um período de plena maturidade do design. Infelizmente, nesta perspectiva, não lhe trago boas novas: sim, o design conseguiu atingir um nível de reconhecimento enquanto área e enquanto disciplina, mas a efervescência de ideias continua grande e com fundamentação ainda em construção. Surgem novas subáreas com grande frequência, fraciona-se outras até então consolidadas, adequa-se rapidamente às possibilidades arrasadoras das tecnologias, num cenário de vida em que o aquecimento global é uma realidade, ainda que muitos não concordem, a ciência vem apresentando dados diariamente, a crescente segregação social que permite que o acesso a determinados bens e serviços fiquem ao livre acesso de poucos. Como um vislumbre do que poderia ser este novo milênio, o escritor italiano, Ítalo Calvino, apresentou diversas comunicações na Universidade de Harvard, onde ele apresentava propostas para o século XXI. Obviamente, estas propostas estavam relacionadas à literatura, porém se nos cabe neste momento uma licença poética sobre o design do século XXI, Calvino pode nos guiar por este caminho. Para tanto, nos cabe neste momento, pensar o design como um ato comunicativo, assim como um texto. 130 Para Calvino, leveza, rapidez, exatidão, visibilidade, multiplicidade e consistência são valores que podem nortear nossa discussão. Esses conceitos são debatidos no livro denominado Seis propostas para o próximo milênio, lançado no Brasil pela Editora Companhia das Letras, com tradução de Ivo Barroso, em 1990. Sobre a leveza, Calvino (1990) diz que ela é criada no processo de escrever numa linguagem que é particular ao poeta. Se transpormos esse conceito para o design podemos buscar um design que reflita sobre a maneira pela qual se comunica com seu público, observando quais valores de fato se está passando com determinada configuração. O projeto Canuanã é uma escola rural em regime de internato que é mantida pela Fundação Bradesco e acolhe crianças e jovens entre 7 e 18 anos, sendo símbolo de casa, família, abrigo, laboratório e sala de aula. O projeto contou com o trabalho da equipe de arquitetura de Rosembaum e Aleph Zero, com os alunos da instituição e com o corpo pedagógico Bradesco. O objetivo do projeto era desenvolver um módulo habitacional para 6 crianças sob um grande telhado, organizado em duas vilas, uma feminina e outra masculina. O diferencial do projeto foi a mudança no conceito de alojamento para morada, contando com a tecnologia social do Instituto A Gente Transforma e com o conhecimento do Design Essencial sobre arquitetura como meio de transformação social, conectando as crianças e adolescentes com os saberes de seus antepassados. O resultado do projeto você confere nas imagens a seguir: FIGURA 14 – FACHADA CANUANÃ FONTE: <http://twixar.me/ssLm>. Acesso em: 3 jul. 2020. FIGURA 15 – DORMITÓRIOS CANUANÃ FONTE: <http://twixar.me/xsLm>. Acesso em: 3 jul. 2020. 131 FIGURA 16 – ÁREA EXTERNA CANUANÃ FONTE: <http://twixar.me/qsLm>. Acesso em: 3 jul. 2020. FIGURA 17 – ÁREA INTERNA CANUANÃ FONTE: <http://twixar.me/fMLm>. Acesso em: 15 jul. 2020. Ao abordar a rapidez, Calvino (1990) defende um estilo e um pensar que seja ágil, que tenha mobilidade, que seja desenvolto, em que divagar permite apresentar diversas narrativas, sem perder o foco no discurso. Ao design, podemos transpor essa ideia para a capacidade a qual os designers precisam desenvolver para criar metanarrativas de seus produtos. Uma vez que o mundo se constitui cada vez mais em um mix da trama digital e gráfica, a construção de discursos sólidos, num mundo que se move cada vez mais rápido e percorre longas distâncias em curtos espaços de tempo, ainda que fragmentados são os desafios na linguagem gráfica. Você se sentiria seguro entregando seu dinheiro para um banco que não possui um ponto de contato físico? Com a necessidade de serviços ágeis e desburocratizados para um público que aposta cada vez mais na velocidade e eficiência surge o Nubank, cuja ideia foi desenvolvida por uma empresa startup brasileira e foi a pioneira no segmento de serviços financeiros. Atua como operadora de cartão de crédito e fintech, opera em território nacional. Com a promessa de acabar com as idas às agências bancárias e reduzindo consideravelmente o volume de papelada, aposta num público que possui habilidade com as tecnologias, gerando confiança por meio de sua linguagem gráfica e do design do seu serviço. FIGURA 18 – CARTÃO E APLICATIVO NUBANK FONTE: <https://nubank.com.br/>. Acesso em: 3 jul. 2020. 132 Na concepção de Calvino (1990), a exatidão guarda relação com três acepções: (1) o projeto de uma obra precisa ser bem definido e assertivamente projetado, ao (2) evocar a linguagem gráfica, mesmo que por meio do despertar da memória, elas precisam ser nítidas, incisivas e memoráveis. Quanto à linguagem, ela deveser a mais precisa possível e o vocabulário utilizado deve ser (3) capaz de traduzir o pensamento e a imaginação. A exatidão aplicada ao design guarda relação com a determinação assertiva de um projeto, com escopo bem delineado e objetivos claramente estabelecidos. A linguagem empregada deve ser plausível de sentido para o público alvo e, considerando os aspectos da globalização, todo sujeito é um cliente em potencial. A linguagem deve transpor as barreiras culturais, criando uma linguagem e configuração que seja acessível a maioria das pessoas. Na contemporaneidade, a tecnologia é um suporte que tem viabilizado a inclusão de pessoas com diversos tipos de deficiência, entre elas a visual. Pensando neste público um ponto que ainda gerava impasse na simulação diz respeito ao universo das cores. Foi com base nesta problemática que a designer portuguesa Filipa Nogueira Pires projetou um código que representasse as cores para pessoas com deficiência visual. O projeto denominado Feelipa Color Code tem como objetivo promover qualidade de vida para seu público alvo. A simplicidade e a eficiência são os fatores proeminentes neste projeto. Por meio de formas básicas, a designer definiu uma paleta de cores: um triângulo representa o amarelo, um círculo o azul e a cor vermelha é representada por um quadrado. É possível fazer a mistura entre as cores a partir das misturas entre as formas, e as não cores, preto e branco são representadas por linhas horizontais que determinam a intensidade do tom. Veja na figura a seguir a aplicação do projeto: FIGURA 19 – CORES PRIMÁRIAS DE FEELIPA COLOR CODE FONTE: <https://www.hypeness.com.br/2015/07/designer-portuguesa-cria-codigo-que-permite-que-defi- cientes-visuais-distingam-as-cores/>. Acesso em: 3 jul. 2020. 133 FIGURA 20 – CORES SECUNDÁRIAS DE FEELIPA COLOR CODE FONTE: <https://www.hypeness.com.br/2015/07/designer-portuguesa-cria-codigo-que-permite-que-defi- cientes-visuais-distingam-as-cores/>. Acesso em: 3 jul. 2020. FIGURA 21 – PRETO, CINZA E BRANCO DE FEELIPA COLOR CODE FONTE: <https://www.hypeness.com.br/2015/07/designer-portuguesa-cria-codigo-que-permite-que-defi- cientes-visuais-distingam-as-cores/>. Acesso em: 3 jul. 2020. A visibilidade guarda relação com a sinergia existente entre imagem e palavra, de forma que texto consiga traduzir visualmente aquilo que não está proposto como imagem e esta, por sua vez, consiga traduzir com exatidão aquilo que um texto diria. Se nos cabe resumir este aspecto no campo do design, cremos que a máxima uma imagem vale mais que mil palavras, comtempla a justificativa para tal. Uma campanha que reflete esse princípio é o Cartaz HIV Positivo realizada pelo Grupo Nacional da Vida, em 2015. Com a finalidade de discutir os estigmas e a discriminação sobre as pessoas portadoras de HIV. Os cartazes veiculam uma gota de sangue com HIV+ acompanhado por um texto. A simplicidade da linguagem empregada é confrontada com a reação do público. Veja a seguir a imagem deste cartaz. 134 FIGURA 22 – EU SOU UM CARTAZ HIV POSITIVO FONTE: <https://ig-wp-colunistas.s3.amazonaws.com/cip/wp-content/uploads/2015/04/30162542/car- taz.jpg>. Acesso em: 3 jun. 2020. Para ver a reação do público diante da campanha Eu sou um cartaz HIV positivo, acesse o vídeo disponível no YouTube no endereço a seguir: https:// www.youtube .com/watch?v=ndmtycASX50. DICAS No que diz respeito à multiplicidade, Calvino (1990) defende a ideia de que o autor (designer) tem o compromisso de se preocupar com a capacidade do público em traduzir os dados apresentados. Um produto, um projeto, um serviço deve ser entendido como uma história que está sendo contada e como toda história, existe inúmeras maneiras de se contar. Cabe ao designer usar o código adequado para chegar ao seu público alvo. Vencedora do prêmio Marketing – Estratégia de Comunicação, no ano de 2019, da ABRE, a Skol Pride Pack, lançada em 6 de dezembro de 2019, destaca-se na categoria de bebidas alcoólicas. Essa edição especial da Skol objetiva comemorar o mês do orgulho LGBT+, para tanto, realizou uma parceria com a Pantone e usou as cores símbolo do movimento (arco íris) para celebrar todas as formas de amar. Este projeto marca o apoio à inclusão e à diversidade nas iniciativas da Skol, sendo responsável por inaugurar esse discurso no mercado cervejeiro. A Heineken embarcou na mesma onda e lançou uma propaganda que desmistifica a ideia de que mulheres não bebem cerveja e homens não bebem drinks. 135 FIGURA 23 – SKOL PRIDE PACK (2019) FONTE: <http://www.abre.org.br/galeria_inovacao/embalagem_premio.php?galeria_id=69&seletor_ge- ral=&seletor_cat=&seletor_pais=&seletor_ano=&seletor_tag=&seletor_ordem=Ordem%20rand%C3%B- 4mica&seletor_ordem_contador=&pagina=index>. Acesso em: 3 jul. 2020. Para conferir a propaganda da Heineken, acesse o vídeo disponível no YouTube, disponível no link: https://www.youtube.com/watch?v=_Ar_uC-rAUU. DICAS Infelizmente, Calvino faleceu antes de apresentar suas ideias sobre a consistência. Portanto, para esta última característica vamos lhe impelir a congregar todas as ideias do escritor e deixar uma provocação para você, futuro designer, sobre como a consistência pode afetar o design considerando que esta área é responsável por habitar suportes diversos? Enfim, se há uma coisa que o século XXI nos deixa de certeza é que os desafios que aqui se apresentam são complexos, múltiplos e estão impregnados de um mundo que se pretende globalizado, um mundo que defende que o acesso às redes é universal ainda que a prática divirja um pouco da ideia. Por outro lado, precisamos nos animar, pois, se existe um momento em que o design precisa mostrar seu potencial de transformar o mundo, o momento é este, portanto, nada mais propício do que começar com as ideias de um designer que defende a revolução do design. Brincando com a canção dos Beatles, Revolution, Megido (2016) pode parecer entusiasmado demais com a perspectiva contemporânea do design, porém ele defende a ideia de uma revolução no design que eleve a curiosidade, que fomente a liberdade de pensar e criar explorando uma visão que se afaste da perspectiva utilitarista da vida. Para tanto é preciso pensar num futuro pertencente ao homem, à natureza e à todos os seres vivos do planeta. 136 De fato, há várias perspectivas para se pensar os dias atuais, para uns chegamos a um período de tensões extremas, para outros, os dias de hoje representam as mudanças lentas, porém profundas que as sociedades passaram ao longo destes anos. Referencial teórico para defender as duas perspectivas não falta, mas há que se reconhecer que a contemporaneidade é formada por oportunidades diversas e distintas de toda e qualquer já existente (MEGIDO, 2016). Uns defendem um declínio do mundo baseado na crise que permeia as ideologias políticas, o marketing, que por fim, resultam no capitalismo. Vivemos um período de crise de identidade, uma crise entre razão e emoção, porém, o ponto em comum é que todos ansiamos por uma transformação, quer ela se dê em forma de revolução quer seja branda como a garoa (MEGIDO, 2016). Megido (2016) propõe a reflexão sobre a viabilidade de uma revolução que quebre muralhas, que proponha novos modelos com força inventiva e criativa, com empatia e bom humor e acima de tudo, com respeito às diversidades culturais e os valores humanos. Só no Brasil, nos últimos 20 anos podemos citar transformações que mudaram diversos paradigmas, no âmbito econômico, podemos citar o plano Real, por exemplo. Fato é que muitos fatores econômicos se transformaram e viabilizaram o desenvolvimento de novos modelos de negócios, que em tese deu maior acesso a bens e serviços, por outro lado, criou novos sistemas de exclusividades (MEGIDO, 2016). Na contemporaneidade a busca pela felicidade é explorada por grandes marcas que se vendem comoo meio para atingi-la. A base da sociedade anseia por estética e experiência a baixo custo, em posição diametralmente oposta, pessoas com maior poder aquisitivo buscam exclusividade, o luxo, seja ele o de baixo ou alto custo, continua fazendo a economia girar. A questão que surge dessa condição diz respeito a viabilidade de manter-se esse sistema operante, o consumismo toma conta de tudo o que encontra (MEGIDO, 2016). Na contramão do consumo frenético surgem questões sobre sustentabilidade, ética na profissão, respeito às pessoas. Apesar de parecer tema da moda, sustentabilidade é um compromisso de todos, mas precisamos antes de consumi-la, criar uma consciência coletiva para isso (MEGIDO, 2016). Nesse contexto de mundo globalizado no qual estamos inseridos faz-se necessário pensar sobre como a sociedade do futuro precisa se (re)organizar e se (re) educar. Surge aqui uma tendência de mercado: o design das pessoas para pessoas. Parece contraditório falar isso, pois pressupomos que um projeto de design é desenhado para as pessoas, porém, não podemos atribuir uma aura santa, pois por mais que pessoas sejam o foco do processo, a lucratividade acompanha as tomadas de decisões. Cabe ao design, nesta perspectiva apontar caminhos que possam ser trilhados (MEGIDO, 2016). 137 O século XXI nos lança na era das inteligências criativas, por este motivo investimentos que priorizam a educação profissionalizante tendem a fazer com que a dimensão universal da educação seja renegada, de fato, à prática pouco sobra se não houverem as teorias para discutir problemas inerentes à profissão. Competência sem formação cultural esvazia-se, portanto, se a educação do século XXI tem um compromisso, certamente um deles diz respeito ao incentivo à criatividade e ao livre pensar, com vistas a trazer à tona todo o potencial que a profissão de designer ainda tem para trazer à superfície (MEGIDO, 2016). O design precisa estabelecer diálogo entre mundos distintos, sendo capaz de ligar engenharia, economia, arquitetura, marketing e outras tantas áreas. Desta forma, o design pode atuar como um revigorador de diversas áreas, estabelecendo novas metas, novas conquistas, novas práticas e novas teorias. Além das perspectivas exatas e cartesianas, o design agrega uma perspectiva antropológica que nos permite conectar pessoas (MEGIDO, 2016). Megido (2016) propõe que o design do futuro se preocupe para além de lançar novidades no mercado, mas sim em pensar quem vai usar, onde usar, qual o material causa menor impacto no meio ambiente, em termos de logística, fins etc. Estimular a compra implica em uma série de compromissos, descarte, reuso, reciclagem etc. O ensino de design deve propiciar a vivência da autoria e da cocriação, incentivando a singularidade e a diversidade. Portanto, o ensino precisa ser transformador e servir de base para toda a vida profissional após a conclusão de uma graduação. Obviamente, o aperfeiçoamento é consequência, mas as bases devem ser sólidas. Além disto, preparar os estudantes para um mercado global é um compromisso reconhecendo que uma visão redutora de design não contempla a diversidade que a área engendra (MEGIDO, 2016). Silveira (2016) convida-nos a uma reflexão muito interessante sobre a educação e seus processos. Ele propõe que considerássemos um profissional qualquer do século XIX e hoje o colocássemos num ambiente contemporâneo da mesma função. Segundo ele, é muito provável que a pessoa sequer conseguisse realizar sua tarefa, pois as tecnologias, as ferramentas, os equipamentos mudaram, a ponto de possivelmente não conseguir operar suas atividades. Pense agora no mesmo processo com um professor. A configuração de uma sala de aula continua a mesma: alunos sentados em filas, um atrás do outro, quadro, giz, caneta etc., na melhor das hipóteses, considerando instituições com maior força econômica podemos encontrar um projetor e um computador. Agora aprofunde um pouco mais, pense sobre o sistema de ensino: conteúdo – atividade – avaliação, grade escolar. Acho que isso já é suficiente para embasar nossa crítica a respeito do sistema de ensino que pouco mudou com o passar do tempo. Nesse sentido entende-se a desmotivação de alguns estudantes, além da questão cultural a nível de Brasil que naturalizou a ideia de que a escola é chata (por consequência a universidade também). 138 Esses são alguns aspectos que vem fortalecendo pensamentos intolerantes pela simples incapacidade de compreender diferentes contextos. Isso é fortalecido pela constatação de realidades em que o acesso às tecnologias é bem restrito, inclusive o acesso à internet limitado. Precisamos um olhar para a educação de forma a compreender a sua capacidade de transformar realidades promovendo o desenvolvimento social. A educação propicia descobrir-se e entender as relações com o outro, possibilita o desenvolvimento intelectual de uma nação e a valorização das qualidades particulares de cada indivíduo, promovendo a criatividade e o crescimento social (SILVEIRA, 2016). Uma revolução no campo da educação não deve ter um olhar binário de bom ou ruim, mas sim de determinar um foco de pensamento, em assumir novas diretrizes. É pensar sobre matrizes curriculares que sejam capazes de acompanhar o pensamento da sociedade contemporânea (SILVEIRA, 2016). Assumindo a liberdade poética mais uma vez, usaremos a voz de Edgar Morin para falar de uma educação para o século XXI e tentaremos unir as propostas deste pensador. Intitulado Os sete saberes necessários à educação do futuro publicado em 2000, busca delinear problemas centrais e imprescindíveis que possam ter sido esquecidos com o passar dos anos. Os sete saberes propostos por Morin deve contemplar valores, modelos e regras característicos de cada cultura. Vamos analisar cada um deles e ilustrar cada um destes conceitos a luz do design que é produzido nas academias. O primeiro saber está relacionado com as cegueiras do conhecimento que resultam em erro e ilusão. Para Morin (2000), a própria educação tem dificuldades em reconhecer aquilo que de fato possa caracterizar o conhecimento humano, seus dispositivos, enfermidades e dificuldades. Na mesma medida temos dificuldade para compreender o que significa conhecer algo. Conhecimento precisa ser construído, não é algo que vem pronto e embalado pronto para o uso. Nossa prática educativa não desenvolve habilidades que nos permitam identificar os conhecimentos necessários para desempenhar uma tarefa, uma função. Nessa perspectiva o conhecimento nos libertaria das amarras que nos impedem de avançar. Um conhecimento que fundamente a profissão do designer o conduz a conhecer diversos aspectos da humanidade, desde a perspectiva psicológica até às culturais. A nossa cegueira para o conhecimento pode estar presente na nossa incapacidade de reconhecer os limites do outro. Pensando nisso, o projeto The Dislexperience é um livro que busca despertar a empatia refletindo sobre a nossa capacidade de compreender como essa doença pode afetar nossa capacidade de compreensão de mundo. Dois estudantes, Zi-Fong Yong e Ai-Ling Ng, da Universidade Nacional de Singapura, sob a orientação de Yuta Nakayama, desenvolveram um livro que replica a experiência sensorial vivenciada por disléxicos todos os dias. O projeto foi premiado no Taiwan International Student Design Competition. 139 FIGURA 24 – THE DISLEXPERIENCE FONTE: <https://tisdc.blob.core.windows.net/works/awards/main/512cdbc9-2fc6-4198-bb9b-1295a- 2aef900.jpg>. Acesso em: 3 jul. 2020. O segundo saber diz respeito aos princípios do conhecimento pertinente, que delibera sobre a necessidade de conhecermos problemas globais e fundamentais que nos permitam identificar neles problemaslocais. Fragmentar os saberes sem foco na integralidade dos mesmos implica numa visão segmentada e de pouco entendimento. É preciso desenvolver um conhecimento que apreenda os objetos nos seus contextos, considerando a complexidade dos mesmos e seu entorno. Portanto, este saber está relacionado com o desenvolvimento da capacidade de entender as informações contextualmente e em conjunto. É preciso ser detentor dos métodos que criam relações mútuas considerando a interação mutua que gera uma reciprocidade. O projeto Razor foi premiado pelo If Student Design Award, uma das maiores e mais renomadas competições internacionais para jovens designers. Foi desenvolvido pelos alunos Carlos Alberto de Melo Júnior e Ana Carolina Lino Buissa, do 4º ano de Design de Produto, orientados pelo professor Ken Fonseca, como parte da disciplina Projeto de Produto da Universidade Federal do Paraná. Razor é um suporte para bicicletas que pode ser desmontando e transportado para diversos eventos. 140 Focados no tema da mobilidade sustentável, os estudantes contaram com as informações da Ciclovia, um projeto de extensão da universidade. O produto tem o objetivo de ser usado em grandes cidades, onde o emprego de bicicletas tem se tornado crescente. FIGURA 25 – PROJETO RAZOR FONTE: <https://www.ufpr.br/portalufpr/wp-content/uploads/2015/03/Razor-4-k4XF-U- 10747138004oRG-1024x576@GP-Web.jpg>. Acesso em: 3 jul. 2020. FIGURA 26 – PROJETO RAZOR (MÓDULO) FONTE: <https://www.ufpr.br/portalufpr/wp-content/uploads/2015/03/Razor-5-150x150.jpg>. Acesso em: 3 jul. 2020. FIGURA 27 – PROJETO RAZOR (COMPOSIÇÃO) FONTE: <https://www.ufpr.br/portalufpr/noticias/estudantes-da-ufpr-recebem-um-dos-principais-premios- -do-design-mundial/>. Acesso em: 3 jul. 2020. 141 FIGURA 28 – PROJETO RAZOR (EMPILHAMENTO) FONTE: <https://www.ufpr.br/portalufpr/noticias/estudantes-da-ufpr-recebem-um-dos-principais-premios- -do-design-mundial/>. Acesso em: 3 jul. 2020. O If Student Design Award seleciona anualmente os cem conceitos mais inteligentes e inovadores do design. Podem se inscrever estudantes e formandos há menos de dois anos e o prêmio é concedido pelo If International Forum Design, com sede em Hannover, Alemanha. ATENÇÃO O terceiro saber proposto por Morin (2000), diz respeito sobre ensinar a condição humana, refletir sobre tudo aquilo que nos coloca nessa dimensão humana: físico, biológico, psíquico, cultural, social, histórico. Decorre disto toda a nossa complexidade a qual desintegra-se por meio de disciplinas isoladas. Desenvolver a consciência e a identidade individual e em grupo cria um sentimento de pertencimento, de compromisso consigo e com outros indivíduos. Portanto, conhecer a condição humana é essencial na construção de qualquer saber. Pensando sobre a condição humana a estudante Rafaella de Bona desenvolveu um absorvente sustentável de baixo custo, produzido com fibra de banana que tem como objetivo atender às necessidades básicas de mulheres em situação de rua e foi inspirada no filme documental da Netflix Absorvendo o Tabu. De acordo com a designer, o tamanho do absorvente é definido pela mulher de acordo com seu fluxo menstrual. Além do filme, Rafaella se inspirou em um vídeo no qual uma moradora de rua ensina como ela faz para usar absorvente, ao rasgar um absorvente externo, a moradora de rua enrolou o algodão e usou como absorvente interno. Segundo Rafaella, um absorvente externo é pouco funcional, pois a maioria destas mulheres não tem roupas íntimas. 142 FIGURA 29 – PROJETO MARIA 1 FONTE: <https://razoesparaacreditar.com/wp-content/uploads/2019/10/4-1-545x260.jpg>. Acesso em: 3 jul. 2020. FIGURA 30 – PROJETO MARIA 2 FONTE: <https://razoesparaacreditar.com/wp-content/uploads/2019/10/2-1-545x419.jpg>. Acesso em: 3 jul. 2020. FIGURA 31 – PROJETO MARIA 3 FONTE: <https://razoesparaacreditar.com/wp-content/uploads/2019/10/6-545x261.jpg>. Acesso em: 3 jun. 2020. 143 FIGURA 32 – PROJETO MARIA 4 FONTE: <https://razoesparaacreditar.com/wp-content/uploads/2019/10/5-545x262.jpg>. Acesso em: 3 jul. 2020. O quarto saber discorre sobre a necessidade de ensinar a identidade terrena, que basicamente diz respeito a compreender a realidade na qual estamos inseridos em nível local e global. É preciso estar ciente das crises que estamos vivenciando e compreender que elas nos assolam seja em escala individual, seja em escala global (MORIN, 2000). O projeto Flutua foi desenvolvido por Rayssa Carvalho e Luiza Davil, estudantes do nono ano do curso de Arquitetura da Universidade Federal de Uberlândia. Com foco na sustentabilidade, as estudantes soldaram sacolas plásticas com ferro de passar roupa e montaram estruturas infláveis. O projeto foi um dos selecionados pelo Instituto Tomie Ohtake, em 2018. FIGURA 33 – PROJETO FLUTUA FONTE: <https://diariodeuberlandia.com.br/images/noticias/19351/11012019073842_flutua_(1).jpg>. Acesso em: 3 jul. 2020. 144 O quinto saber discute a necessidade de enfrentar as incertezas. Por meio da ciência construímos um mundo de certezas que com o passar do tempo começaram a se mostrar um pouco incertas. Nessa perspectiva, Morin (2000) defende que o ensino deve atender esses saberes considerando suas fragilidades conceituais. Com isso, pode-se desenvolver um senso de avaliar estrategicamente, a capacidade de lidar com imprevistos, com a incerteza, propor novos modos de fazer. É partir do concreto identificando suas brechas e inconsistências. É preciso olhar para o futuro sem a ansiedade dos determinismos, neste ponto, entregar-se ao incerto pode nos lançar a novas descobertas. E por tratar de incertezas, nada mais justo neste momento que destacar um projeto que não teve origem entre as paredes das universidades brasileiras, mas que apresenta potencial suficiente para aprofundar as ideias de Sayuri Magnabosco que, aos 15 anos, desenvolveu uma embalagem biodegradável. A ideia surgiu ao ver a mãe guardar as compras de supermercado e descartar uma enorme pilha de bandejas de isopor. Descontente com a situação, Sayuri estudou e criou uma embalagem biodegradável com função antimicrobiana à base de bagaço de cana- de-açúcar. Sayuri pesquisou por aproximadamente um ano, testando fórmulas para seu biopolímero. Em 2014, profissionais e alunos da Faculdade de Zootecnia e Engenharia de alimentos da Universidade de São Paulo tiveram uma iniciativa semelhante. Devido ao projeto, Sayuri foi convidada para as Feiras de Ciências Nacionais em Londres, Portugal e na Tunísia. Além disto, recebeu medalhas da Feira Brasileira de Ciências e Engenharia (Febrace), da Feira de Inovação das Ciências e Engenharias (FIciencias) e da Genius Olympiad, de Nova York. Ela ganhou ainda o Village to Raise a Child, um concurso de empreendedorismo social da Universidade Harvard. FIGURA 34 – EMBALAGENS DE BIOPOLÍMERO DE SAYURI FONTE: <https://www.freetheessence.com.br/lib/uploads/2017/11/Sayuri-FTE-950x500.jpeg>. Acesso em: 3 jul. 2020. 145 No sexto saber, Morin (2000) defende a necessidade de ensinar a compreensão, fator imprescindível para a comunicação humana. Para compreender algo é necessário ativar todos os sentidos e buscar que a compreensão se dê mutuamente. Nesta perspectiva, devemos ensinar para compreender questões como racismo, da xenofobia, do desprezo. Com isso, constituiríamos uma sociedade preparada para a paz. O 1º Prêmio de Design Instituto Tomie Ohtake Leroy Merlin contou com o tema Compartilhar, e teve entre os premiados Breno da Costa Loeser, com o projeto do livro O Sergipe Encantado, ele é aluno da Universidade Federal de Sergipe. O projeto iniciou como um trabalho de conclusão de curso sob a orientação da Prof.ª Dra. Germana Araújo. Breno Loeser trabalhou com o tema da diversidade religiosa em Sergipe para conceber o livro que traz depoimentos de pessoas sobre as suas experiências religiosas esuas vivências espirituais. O projeto funciona como uma ferramenta contra a intolerância. FIGURA 35 – EXPOSIÇÃO DO PROJETO NO INSTITUTO TOMIE OHTAKE FONTE: <https://encrypted-tbn0.gstatic.com/images?q=tbn:ANd9GcRweRHQxmuM7w7M9aM6skLshrx- PWuVoyaTFxh8_zLbU_nc_jQjz&s>. Acesso em: 3 jul. 2020. Por fim, no sétimo saber, Morin (2000) defende a ética do gênero humano, isso resulta em nos conhecermos no que diz respeito a nossa condição humana (indivíduo – sociedade – espécie). Nessa perspectiva a ética seria estudada a partir da conscientização sobre o que é ser humano, seja como indivíduo, seja como sociedade, seja como espécie. Deve-se fomentar autonomias individuais, a participação comunitária, a consciência de pertencimento. Nessa perspectiva, podemos citar o projeto de Chrisley Santos, que trabalhou desenvolvendo um site para compartilhar histórias de pessoas LGBT. Com o objetivo de ser uma plataforma que motive, inspire outras pessoas a acreditar que elas vão se libertar de situações que elas vivem na vida em decorrência de sua sexualidade ou identidade de gênero. 146 FIGURA 36 – EXPOSIÇÃO DO PROJETO CONTE NO INSTITUTO TOMIE OHTAKE FONTE: <https://cinform.com.br/wp-content/uploads/2019/02/SC_CULTURA_DESIGNERS-SERGIPANOS_ CAPA_CHRISLEY-SANTOS.jpg>. Acesso em: 3 jul. 2020. Diante de tudo exposto, fato é que não existem garantias acerca do futuro do design. Sabe-se, portanto que ele deverá se voltar cada vez mais para pessoas, para relações entre membros de uma sociedade marcada pelo estigma da globalização. Se há um paradoxo para a contemporaneidade é o fato de sermos locais e globais, o que faz com que todo ato, por mais banal que seja, quando pensado num todo pode transformar assim como o bater das asas da borboleta. O período pós-moderno foi marcado pela mistura de referenciais diversos. Maria Beatriz Furtado Rahde e Flávio Vinicius Cauduro publicaram um artigo intitulado Algumas características das imagens contemporâneas na revista Fronteiras – estudos midiáticos, no ano de 2005, em que apresentam algumas características das imagens pós-modernas. Para fazer a leitura na íntegra do texto acesse: http://revistas.unisinos. br/index.php/fronteiras/article/view/6392. A seguir, selecionamos uma parte do texto para que você compreenda como se deu a fragmentação imagética deste período. Boa leitura! O projeto de Chrisley foi premiado no 1º Prêmio de Design Instituto Tomie Ohtake Leroy Merlin, e também teve como tema Compartilhar. Chrisley é aluno da Universidade Federal de Sergipe e o projeto contou com a orientação da Profª Drª Germana Araújo. 147 ALGUMAS CARACTERÍSTICAS DAS IMAGENS CONTEMPORÂNEAS Maria Beatriz Furtado Rahde Flávio Vinicius Cauduro Imagens da contemporaneidade Para entender a nova visualidade do contemporâneo, podemos tentar identificar as características das representações visuais que foram adotadas pelas mídias dos centros culturais mundiais mais inovadores e que parecem ser típicas e sintomáticas dessa condição pós-moderna. Analisando as imagens que essas mídias propagam regularmente, podemos observar certas diferenças importantes entre a imagística modernista, que ainda é a preponderante, e a pós-modernista, menos frequente, mas em ascensão constante. Fazendo uma análise cuidadosa das diferenças mais recorrentes entre as filosofias modernistas e pós-modernistas de representação visual, torna-se possível propor uma série de indícios para a tipificação das imagens que o imaginário do final do século XX e início desse século XXI inspira. Hibridação e heterogeneidade Assim, pela nossa perspectiva, a visualidade característica da pós-modernidade apresenta-se através de representações híbridas e também heterogêneas, por serem frutos do inclusivismo e da valoração da diferença. Essas imagens são naturalmente propensas à mistura e à combinação das mais desencontradas possibilidades expressivas visuais numa única representação (Ex.: mixagem de fotos, com desenhos, com impressos, com gravuras, com tipografia, com escrita manual, com pintura, com filmes, com videogravações, com esculturas, com objetos tridimensionais, e assim por diante). Elas também costumam hibridar ou combinar simultaneamente estímulos sensoriais distintos dos visuais (sonoros, tácteis, olfativos, gustativos, cinestésicos). Ao mesmo tempo, mistura ou hibridação de gêneros podem ser encontradas nessas imagens (desenho animado intercalado ou fundido com filmagem normal, jornal com vídeo, pintura com fotografia, tipografia com desenho etc.) ou de processos antagônicos de produção (analógico & digital, por exemplo, como nos trabalhos de Chuck Close, ou configurações tipográficas na forma de rostos, como na campanha da UNISINOS em 2004 – vide Fig. 1 e Fig. 2). Como se percebe de imediato, essas hibridações e heterogeneidades são típicas de sites inovadores na Web, o que nos permite conceber a tela dos computadores como o suporte, por excelência, de representações pós- modernistas, pois o computador gráfico é híbrido (multimídia) por construção. É possível, LEITURA COMPLEMENTAR 148 ao mesmo tempo, encontrarmos muitas representações que misturam ou hibridizam diferentes estilos históricos, diferentes narrativas e diferentes fantasias, como nos parques temáticos de Disney e nos cassinos de Las Vegas. São imagens também referidas como ecléticas. Participação e interatividade Ao mesmo tempo constatamos a participação e a interatividade na representação visual po-mo, por não privilegiarem nenhum significado em particular, pois atualmente a significação é considerada sempre em aberto e conotativa. Ainda como consequência de sua natureza inclusivista, muitas imagens do contemporâneo procuram a participação ativa de seus espectadores na produção de seus possíveis sentidos (caso das participações interpretativas), permitindo-lhes, em certos casos, atuar como coautores das representações, pela introdução de mudanças provisórias em sua sintaxe (caso das interações transformativas). Podemos citar, por exemplo, as representações participativas dos Testartes (1974-1976, Fig. 3) de Vera Chaves Barcellos (RAHDE; CAUDURO, 2003) e as interfaces icônico-verbais interativas dos atuais PCs e seus softwares. Figura 1 Chuck Close. Self-portrait. 2000. 120 Color Screeprint 65 x 54½ inches. Edition/80. Figura 2 Campanha para Vestibular 2004/2 da Unisinos/RS Figura 3 da série Testartes. Proposições fotográficas em aberto. Vera Chaves Barcellos. 1974 -1976. 149 Excesso e indefinição O excesso e a indefinição, por outro ângulo, também agem como contraponto às imagens modernistas, que costumam seguir o lema minimalista do less is more. Atual- mente é possível observar que certas representações visuais estão favorecendo a abun- dância de elementos constitutivos, muitos deles com propósito decorativo ou cumulativo apenas, propondo uma retórica neobarroca do more is more, less is a bore. Por isso, mui- tas dessas imagens produzem facilmente significados ambíguos, contraditórios, efême- ros e de sentido geral indefinido, o que faz com que os espectadores sejam induzidos a participar de um jogo hermenêutico, visando a obter uma significação razoavelmente estável para essas representações. Esse jogo de caça ao sentido, nos casos mais simples, é obtido por uma montagem ou colagem de imagens por simples proximidade, sem uma conexão lógica entre si, ou visando a explorar incongruências factuais (ironizando a “ob- jetividade” e o “realismo” da representação fotográfica ou explorando o duplo sentido ver- bal ou visual, articulando uma espécie de neosurrealismo). É o que se pode observar em muitos anúncios enigmáticos dos anos 1980 e 1990 (campanhas dos cigarros Benson & Hedge (Fig. 4), Silk Cut e Carlton, por exemplo). Noutros casos, esse mesmo efeito é obtido devido a um número excessivode significantes visuais e outros no espaço e/ou no tempo, que resultam em representações visuais, verbais e mistas sobrepostas, surgindo uma es- tética chamada de palimpséstica (CAUDURO, 2000). Rauschenberg, Wolfgang Weingart, artistas da publicidade e certos designers de vinhetas de TV e cinema, por exemplo, são produtores típicos dessa modalidade visual po-mo. Figura 4 Anúncio dos cigarros Benson & Hedges. 1989. Poluição e imperfeição Mais ainda, a natureza inclusivista das imagens pós-modernas não discrimina a presença de significantes casuais e acidentais produzidos pelo acaso ou como byproducts do processo de formação e/ou de pós-produção da representação. Essas interferências e ruídos, geralmente considerados poluição e/ou imperfeição, são geralmente bem-vindos, pois são imprevisíveis, expandem as possibilidades de significação e produzem conotações contraditórias que desconcertam os leitores. Mas, ao mesmo tempo, os “ruídos”, os “resíduos”, as “falhas” e as “decomposições” intencionais 150 permitem ao designer ou ao artista da representação expressar a fragilidade da vida e das criações humanas pela interferência de agentes temporais. Através desses traços de falibilidade e imperfeição, normalmente reprimidos pelos modernistas racionalistas, a imagem pós-moderna chama nossa atenção para a duração efêmera das suas representações (e quanto mais efêmeras mais cuidadosamente devemos preservá-las) e para a relatividade e provisoriedade de nossas significações, como que enfatizando a necessidade de sermos tolerantes com as diferenças (“defeitos”) dos outros e de nós mesmos. No entanto, chama a nossa atenção o valor estético dessas interferências do tempo e do acaso. Essas imagens resultam muitas vezes da manifestação do efêmero, do transitório, do descartável, quando transformadas aleatoriamente pela ação de agentes da natureza (descoloração pela luz solar, oxidação por ar úmido, decomposição pelo calor etc.) ou pela interferência humana casual (rasgos, pichações, superposições, fragmentações, demolições – Fig. 5). Passamos, assim, da modernidade monótona à pós-modernidade entrópica, que geralmente costuma produzir resultados muito mais interessantes, pela imprevisibilidade e descontrole de sua atuação (CAUDURO, 2003). Cambiamentos e metamorfoses Por reconhecer a provisionalidade das representações e das suas significações, que incluem a própria identidade do sujeito, as imagens pós-modernas são meios para cambiamentos e metamorfoses das aparências, e não instrumentos de fixação de características de individuação. Essas características de mutabilidade podem ser observadas com clareza no programa de identidade corporativa da MTV, que desde o seu início, ao redor dos anos 1980, cultivou o processo de construção/desconstrução permanente de sua logomarca, pela mutação camaleônica de seus atributos visuais (forma, cor, textura etc. – Fig. 6). Esse processo de constante mudança também Figura 5 Estate. Robert Rauschenberg. 1963. 151 encontramos nas imagens fotográficas de Cindy Sherman, em que ela se representa segundo vários estereótipos femininos, sem que sua “verdadeira” personalidade jamais apareça. Em ambos os casos, observamos que os representados estabelecem um entretenimento nas suas próprias representações, como que enfatizando a teatralidade e o artificialismo de suas personas sociais e o jogo incessante de mudança das aparências. Essa atitude irônica em relação às representações (tudo se resume a um jogo camaleônico entre pseudoverdades) é um aliado importante das minorias e dos marginais sociais, pois permite desafiar a “veracidade” dos estereótipos e preconceitos culturais, pela construção e comunicação de representações divergentes ou contraditórias. Como exemplo, recolhemos uma observação de Gerbase (2003) sobre o filme Os Idiotas (1998) de Lars Von Trier, no qual um bando de loucos é filmado nas ruas de uma cidade da Dinamarca, numa narrativa tão louca quanto os seus personagens, e esta “minoria social” tem a oportunidade de apresentar sua visão do mundo e, mais importante ainda, sua interação com esse mundo, que reage de forma convencional e mostra também sua “idiotia” (p. 92). Figura 6 MTV. Logo mutante, três exemplos. Circa 2000. Vernaculares e vulgares Muitas das imagens pós-modernas resgatam formas e processos populares (nativos, vernaculares) de representação que são de conhecimento geral, mas considerados de baixo valor estético. Essas formas populares – algumas consideradas de mau gosto, como as consideradas vulgares ou então kitsch (pela ótica dos modernistas) – podemos encontrar, por exemplo, em fontes tipográficas “criadas” por designers amadores e disponibilizadas gratuitamente em sites da Web, pois são fontes que se inspiram em elementos gráficos anedóticos da literatura e da arte popular, do folclore, assim como em métodos populares de escrita e em impressos de dispositivos gráficos de baixa qualidade tipográfica (rotuladores, xeroxes, faxes, carimbos, tipos xilogravados, tipos de antigas máquinas de datilografia, tipos pintados, escritos a giz, caligrafados etc.) (CAUDURO, 2003). 152 Essa valorização das representações cotidianas derivadas de baixas tecnologias também conduz à valorização das representações idiossincráticas de sujeitos comuns específicos: o que elas se propõem é enfatizar a espontaneidade e a singularidade das formas utilizadas na comunicação visual, como que afirmando a possibilidade de qualquer um poder ser um designer, por exemplo, um criador de fontes que simulam a escrita manual bonita, regular ou feia de alguém que pode ser um designer ou outra pessoa qualquer. São fontes informais, espontâneas, baseadas na escrita à mão livre, expressando um gosto ou estilo muito específico, pouco ortodoxo ou canônico (CAUDURO, 2002). São criações que os modernistas consideram vulgares e sem valor estético algum (Fig. 7). Nostálgicas e retrô Finalmente essas representações não se preocupam com a sua “impureza estilística” ou com o fato de não serem inéditas e originais, pois no contemporâneo considera- se que essas representações nostálgicas ou retrô incorporam características ou detalhes que são intertextualizações, citações, emulações de signos de outras épocas e lugares (Fig. 8). No design tipográfico, encontramos, por exemplo, fontes inspiradas em releituras de fontes que já foram populares em outras épocas, mas são difíceis de encontrar na contemporaneidade. São geralmente pastiches de baixa qualidade, que não se preocupam muito com a exatidão da citação, pois o design é “aproximadamente o mesmo” da fonte original, numa exploração da nostalgia e do saudosismo dos leitores mais velhos (Cauduro, 2002). FONTE: <http://revistas.unisinos.br/index.php/fronteiras/article/view/6392>. Acesso em: 6 ago. 2020. Figura 7 Los Angeles meets Tokyo. Design vernacular. Montagem de fotos de Mike e Joachim (Typebox. com). 2002. 153 RESUMO DO TÓPICO 3 Neste tópico, você aprendeu: • Apesar de múltiplo e promissor o cenário do design do século XXI é permeado por incerteza. Portanto, fizemos uma abordagem poética para demonstrar que todo futuro, por mais incerto que pareça nos aponta indícios dos caminhos pelos quais irá seguir. • Começamos o design com Calvino e suas seis propostas para o próximo milênio. Partimos do princípio comunicativo do design para nos apropriar de uma teoria voltada para a literatura e ilustramos cada conceito com projetos na área. • Assim como Megido, defendemos a necessidade de uma revolução no design com vistas a construir uma sociedade mais igualitária, com menos ímpeto consumista e se ainda assim esse ímpeto persistir, que o design tenha poder para produzir produtos conscientes e comprometidos com a vida. • Para finalizar as perspectivassobre o design do século XXI, recorremos aos sete saberes necessários para o século XXI proposto por Edgar Morin (2000). Assim como fizemos com Calvino, ilustramos esses saberes com projetos de design que vem sendo desenvolvidos por estudantes no Brasil e no exterior, os quais tem sido premiado pelo poder de inovação e pela qualidade do design. 154 AUTOATIVIDADE 1 Baseado neste tópico, faça uma reflexão em formato de texto de até uma página sobre como você percebe que se dará o design do século XXI. Reflita sobre quais são as preocupações que você considera que devem permear os projetos na área. Reflita sobre sua cidade, sobre seu bairro e sobre sua comunidade e conte um pouco sobre como você vê que o design pode contribuir com melhorias. 2 Reflita sobre as possibilidades que o design pode encontrar diante dos problemas em escala global e organize suas ideias em um texto de até uma página. Pesquise dados para amparar seu discurso. Apresente projetos em design que ajudem a construir seu discurso. 155 OS ASPECTOS FORMAIS, SENSÍVEIS E SOCIAIS DO DESIGN UNIDADE 3 — OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM PLANO DE ESTUDOS A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de: • apresentar concepções estéticas orientadas para o desenvolvimento do design; • compreender teorias como, por exemplo, elementos constitutivos da linguagem do design; • questionar acerca das relações entre design e meio ambiente, levando os estudantes a reflexões sobre a profissão do designer e seu comprometimento e impacto social; • explorar as dimensões sensíveis e sociais do design, discutindo as aproximações e particularidades de cada uma delas. A cada tópico desta unidade você encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado. TÓPICO 1 – ESTÉTICA: PERCEPÇÃO, FORMA E FUNÇÃO NO DESIGN TÓPICO 2 – DESIGN E O MEIO AMBIENTE TÓPICO 3 – O ELO ENTRE DESIGN E AS DIMENSÕES EMOCIONAL E SOCIAL Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos em frente! Procure um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá melhor as informações. CHAMADA 156 CONFIRA A TRILHA DA UNIDADE 3! Acesse o QR Code abaixo: 157 TÓPICO 1 — ESTÉTICA: PERCEPÇÃO, FORMA E FUNÇÃO NO DESIGN UNIDADE 3 1 INTRODUÇÃO O contexto histórico de explosão do design tem sua origem justificada pela necessidade de organização do mundo recentemente industrializado (séculos XVIII e XIX). O surgimento de fábricas e seus sistemas na Europa e nos Estados Unidos propiciaram o aumento na oferta de bens de consumo, consequentemente os custos reduziram, as tecnologias, a produção, os sistemas de transporte foram transformados (CARDOSO, 2013). Com isso, as pessoas passaram a comprar mais e devido ao volume da produção, alguns teóricos defendem que as qualidades visuais dos produtos entraram em declínio. Surge assim o design, cuja função inicial era melhorar o “gosto” da população propondo novas configurações das mercadorias ofertadas (CARDOSO, 2013). Por meio desse processo, a estética do design passa a construir-se apoiada nos estudos sobre percepção das formas. Este é o tema abordado a seguir. Bons estudos! 2 A CONSTRUÇÃO ESTÉTICA DO DESIGN No período entre 1850 e 1930, profissionais já conhecidos sob a denominação designers demandaram suas energias para pensar num design em que a estrutura e a aparência dos objetos estivessem em conformidade, tornando-os mais atraentes e mais eficientes, agregando conforto e bem-estar a todos. Surge ao final dos anos 1930 o conceito de a forma segue a função, célebre frase de Louis Sullivan e este foi o foco dos designers por muito tempo e questionada internacionalmente a partir dos anos de 1960 pelos movimentos de contracultura (CARDOSO, 2013). Passados os anos, outros pressupostos começaram a ser questionados, o mundo cuja produção industrial era focada na produção de centenas e milhares massificados a todos, deu espaço à ideia de personalização. Passamos a segmentar mais o mercado, tornamos produtos adaptáveis de acordo com as necessidades dos usuários e focamos na diferenciação. Devido a um mundo globalizado, nossas preocupações passaram a 158 rondar o quintal dos vizinhos, nossa preocupação social e ambiental cresceu, tornando- nos questionavelmente mais responsáveis. Papanek, em 1970, convoca designers a refletirem e produzirem para um mundo real, chamava a atenção para um design que deveria ir além das paredes de escritórios (CARDOSO, 2013). Com a chegada da era da informação diversos sistemas foram transformados, o mundo virtual propicia, ao mesmo tempo, uma aproximação e um afastamento, o imate- rial passou a sobrepor-se ao material. Problemas que antes só eram plausíveis em filmes de ficção, hoje são tão reais e tão próximos que às vezes fica difícil de acreditar no impacto das transformações. Cardoso (2013) fala da complexidade do mundo contemporâneo e das suas produções e produtos, cujos artefatos são compostos a partir de diferentes ele- mentos, múltiplas camadas e estruturas, inter-relacionados de forma imbricada. Olhando para nossa realidade, não é difícil perceber que somos rodeados por produtos de design e com o passar dos anos e o aumento da produção industrial passamos a ter uma preocupação crescente com tudo aquilo que produzimos, acumulamos, descartamos. Para Sudjic (2010), os objetos nos permitem medir a passagem das nossas vidas, eles nos definem. O design explora a criação de artefatos produzidos em massa, os designers são pessoas que viabilizam a produção destes objetos que além de atraentes, devem ser bons ao toque e fácil de usar, por exemplo. Para Frascara (2000), os aspectos estéticos representam um dos fatores a serem considerados pelo design, deve-se primar pela excelência considerando os objetivos do produto. É devido ao peso da estética que o design muitas vezes é confundido com produtos belos, “diferentões” e com forte apelo visual. Neste ponto, tanto as concepções de estética quanto de design estão equivocadas, pois nenhum dos dois tem o objetivo de ser belo. Por depender de valores sensíveis, estética e design são permeados pela percepção dos usuários para além da aparência dos produtos. Consumidores conseguem avaliar se um produto atende aos objetivos operacionais aos quais foram projetados e isso também influência em sua percepção. Com a intenção de indicar um norte no design, a relação entre forma e função por algum tempo ditaram os estilos daquilo que era produzido enquanto produtos. Diante do exposto, neste tópico abordaremos as relações entre estética e percepção, debatendo a proposição de que a forma deve seguir uma função ampliando essa discussão para o contexto e as teorias contemporâneas. Vamos começar por uma distinção interessante que Cardoso (2013) apresenta sobre artefato e objeto. Segundo ele, artefato diz respeito a tudo aquilo que fora manipulado pelo homem até ter a sua aparência final, ou seja, pressupõe e intervenção humana sobre alguma matéria prima, portanto, guarda relação com tudo aquilo que não é natural. Nessa perspectiva, ele afirma que podemos entender por objeto tudo aquilo que é natural, pedras, montanhas etc. Para ele, por hábito, dividimos os artefatos em duas categorias: móveis e imóveis – deixaremos essa discussão para outro momento. Vamos começar refletindo sobre o que entendemos por estética considerando alguns artefatos: 159 Um dos ícones do design italiano, a Olivetti Valentine desenhada por Ettore Sottsass e Pery King marca a transição da máquina de escrever de escritórios para uma máquina portátil e leve que, segundo um de seus projetistas – Sottsass – foi criada pensando nos poetas solitários e seus finais de semana em casas de campo (SUDJIC, 2010). FIGURA 1 - OLIVETTI VALENTINE – ETTORE SOTTSASS E PERY KING (1969) FONTE: <https://i.pinimg.com/236x/46/3c/81/463c811fc9e22e1ea959b280c8bf599c--portable- -typewriter-apple-mac.jpg>. Acesso em: 3 jun. 2020. A genialidade dos designers é evidenciadapela sua capacidade de perceber a possibilidade de domesticar objetos prioritariamente com funcionalidade técnica. Ao adicionar a possibilidade de uma máquina de escrever se tornar um objeto com personalidade Sottsass e King propiciaram um novo salto para o design (SUDJIC, 2010). Outra marca conhecida pela proposta de tornar o design acessível a todos, a Melissa, vem apostando em parcerias e collabs com personalidades da moda e do design. Com seus sapatos e acessórios produzidos em 100% de plástico a marca é conhecida principalmente pelo cheiro dos seus produtos. FIGURA 2 – PERFUME MELISSA FONTE: <https://dfe2l8v0tjuwy.cloudfront.net/heritage/phpANFHGw-heritage-14.jpg>. Acesso em: 3 jul. 2020. 160 Em comemoração aos 30 anos da empresa, a Melissa lança seu perfume de mesmo nome por meio de uma parceria com a Maison Givaudan, nome de destaque no ramo de perfumaria no mundo. Com uma edição limitada, a fragrância lembra o cheiro do plástico dos produtos com notas frutadas e doces. Lançado em 1999, o iBook da Apple marca a fatia do mercado de pessoas que passam a se interessar por design em produtos já consolidados no mercado. A sedução dos produtos da linha faz com que os consumidores os olhem como objetos de desejo, sob a falsa ideia de que ele seria o único e que duraria uma vida inteira (SUDJIC, 2010). FIGURA 3 – IBOOK DA APPLE – 1999 FIGURA 4 – IBOOK DA APPLE – 1999 FONTE: <http://twixar.me/gkLm>. Acesso em: 3 jul. 2020. FONTE: <http://twixar.me/wkLm>. Acesso em: 3 jul. 2020. Esse objeto consagrou o designer Jonathan Ive. A partir disso, podemos pensar em todo o furor que o lançamento de um iPhone gera em diversos lugares do mundo (SUDJIC, 2010). Quando você olha para a embalagem a seguir, chega a salivar e sentir o gostinho das frutas ali apresentadas? Pois bem, esse é um dos poderes das imagens em embalagens de comestíveis, por exemplo, despertar seu desejo e a vontade de consumir o produto. FIGURA 5 – EMBALAGEM PREDILECTA PARA GELEIAS DE GUALAPACK FONTE: <http://www.abre.org.br/galeria_inovacao/fotos/132_foto_01.jpg>. Acesso em: 3 jul. 2020. 161 O design da embalagem para geleias da Predilecta, lançado em 2019, garante maior versatilidade e praticidade no consumo e o bico dosador evita o desperdício e facilita o armazenamento. A embalagem compõe a galeria de Inovação da ABRE (Associação Brasileira de Embalagens). Vamos exercitar um pouco a sua criatividade: pense no seu filme favorito. Tente imaginar como ele seria sem aquela trilha sonora que faz a emoção transbordar. Esse é um dos efeitos do sound design, uma boa trilha sonora pode garantir o sucesso de uma cena ou de um filme inteiro. Algumas se tornam tão icônicas que não conseguimos pensar no filme sem pensar na trilha, por exemplo, a respiração icônica do Darth Vader, a música que reforça a sensação de aventura em Indiana Jones, os passos de Gene Kelly em Singing in the Rain. Poderíamos agregar a esta lista uma infinidade de outros produtos, mas por hora eles servem para a reflexão que pretendemos fazer. Para que você, acadêmico, compreenda a relação entre design e estética, assista ao vídeo da palestra A importância da estética no design inclusivo apresentado por Catarina Ravara no TEDxAveiro. O vídeo está disponível no YouTube no link: https://www.youtube.com/watch?v=m6qMu3uDYws. DICAS O design vem apresentando produtos com apelo estético, o qual se dá por meio dos nossos sentidos: pelo tato, no caso da Olivetti Valentine, em que podemos perceber a leveza do material; o olfato, no caso do perfume e produtos da Melissa, nos quais podemos sentir aquele cheirinho da infância ou mesmo das experiências de entrar em uma de suas lojas e sentir o odor característico. A visão no caso da aparência do iBook, cuja particularidade das formas do objeto nos faz pensar nas suas qualidades a longo prazo. É por meio da visão que o sabor das geleias Predilecta entram pelos nossos sentidos ativando o paladar – aqui precisamos atentar para o fato de que nossos sentidos podem nos enganar, a sensação de sabor é acionada por outro sensor que não o paladar, mas retomaremos esse ponto em um momento mais oportuno. E o som consegue criar uma ambiência que nos imprime sensações diversas. É por meio da união dos sentidos que conseguimos compreender o mundo que nos envolve. Você deve ter percebido que os produtos que consumimos diariamente transitam entre os materiais e imateriais. A imaterialidade se tornou um dos elementos mais marcantes no design contemporâneo se pensarmos na quantidade de interfaces digitais que lidamos cotidianamente e essas interfaces digitais reforçam as relações entre forma e informação. Diante do cenário múltiplo do design precisamos compreender 162 que processos estanques não dão conta da complexidade da sua linguagem, e que a premissa de que a forma segue a função não resolverá os problemas existentes na contemporaneidade. Dentre os problemas mais atuais está a preocupação com o impacto social e ambiental, os quais devem ser considerados mais do que um diferencial, deve sim ser um compromisso com o mundo o qual estamos construindo (CARDOSO, 2013). Cardoso (2013) discute o uso do termo função em design. Para ele, quando dizemos que um design é funcional caímos em um campo impreciso, afinal de contas estamos nos referindo ao funcionamento ou aos modos de operar algo? O termo funcional associado à aparência de um objeto, pouco fala deste. Empregado de forma equivocada, na maioria das vezes, designers ou arquitetos usam o termo para se referir a estilos ou preceitos originados no modernismo internacional, de estrutura despojada, obedecendo a geometria euclidiana, com restrita paleta de cores, na maioria das vezes sólidas e primárias. Portanto, um objeto pode parecer funcional sem ter funcionamento ou operacionalidade. Para os funcionalistas (1920-1950) os artefatos evoluiriam de forma a assumir uma forma ideal. No entanto, quando olhamos para o design contemporâneo a maior certeza que temos é a diversidade na forma dos produtos. Com o desenvolvimento das tecnologias de produção, o que mais encontramos é possibilidades diversas e a aparência dos artefatos de design mudam a velocidade dos desejos dos seus consumidores (CARDOSO, 2013). A estética do design contemporâneo deve estar ciente de que os problemas que enfrentamos não são simples, portanto, respostas simplistas tendem a não serem suficientes, os métodos para atingir-se resultados estão ao alcance de todos, saber avalia-los e utiliza-los pode determinar o êxito ou não de um projeto. Todo problema possui uma solução, é preciso uma perspectiva multidisciplinar para chegar a soluções assertivas, portanto, entender a complexidade de um sistema viabiliza atingir-se um objetivo (CARDOSO, 2013). Considerando que os produtos de design são desenvolvidos para indivíduos, precisamos ter em mente que este é composto por desejos, sentimentos, necessidades físicas e psíquicas as quais servem como norte para a construção de uma ideia a respeito de algo. Nesta perspectiva, podemos afirmar que design busca atender objetivos estéticos e simbólicos com vistas a saciar às necessidades dos usuários. Assim, a relação entre designer-produto-usuário se dá de forma dinâmica e sofrem constantemente com as alterações dos conceitos, normas e estímulos subjetivos, aqui começa a manifestação estética do design (LÖBACH, 2001). Nosso objetivo não é fazer um apanhado histórico sobre o que é estética, mas sim refletir sobre como podemos explorar e construir conceitos em design nesta perspectiva. A aplicação do termo estética tem fins múltiplos, podemos falar sobre estética remetendo aos adjetivos ou à qualidade inerente a algo, também podemos usá- la como substantivo, ou seja, conjunto de características formais definidos no contexto 163 da arte de determinado período que também pode ser denominado de estilo. No sentido filosófico, a estética remete ao estudo do belo e ao sentimento que algo suscitano indivíduo. Originada da palavra grega aesthesis é um termo proposto por Baumgarten em 1750, a estética diz respeito à percepção sensorial, ou seja, ela explora nossa capacidade de sentir, de compreender o mundo por meio dos sentidos (LÖBACH, 2001). Está relacionada com o conhecimento sensível (percepção) e o aspecto sensível da nossa afetividade. A estética estuda o racional do Belo (não só), reflete sobre a possibilidade de sua conceituação, observando a diversidade de emoções e de sentimentos despertados no homem. É algo que pertence à cultura, e seu caráter eminentemente histórico sendo colocada numa transformação incessante (SUASSUNA, 2011). Falar sobre o estudo do belo nos leva a refletir sobre os filósofos que se debruçaram sobre este tema. Dentre eles, Platão, quem defendia que o belo estava diretamente ligado com o bem e com a verdade e a perfeição. Para Aristóteles, podemos dizer que existia uma razão matemática para o belo, ou seja, a beleza poderia ser encontrada na proporção das partes sendo relativa ao homem, portanto, não pode ser desligada de nós. Para ele, proporção, simetria, ordem e harmonia garantiam a justa medida da beleza. Para Kant a beleza é relativa a um juízo de gosto, portanto, o belo não é objetivo. Logo, ele não está no objeto, mas sim na qualidade que atribuímos ao objeto e isso é mediado pela nossa subjetividade. Em outra perspectiva, Hegel acredita que a beleza é uma manifestação sensível da ideia (SUASSUNA, 2011). A estética contemporânea pode ser dividida em três enfoques: o saber (enquanto disciplina estética); a experiência (experiência estética, que no design pode relacionar também com a experiência do usuário) e o fenômeno (relativo ao fenômeno estético propriamente dito). O fenômeno estético é tudo aquilo que se apresenta aos sentidos, é perceptível e provoca reações no sujeito. Por exemplo, a sensação que temos quando ouvimos uma música, vemos uma obra de arte etc. O fenômeno estético desperta sentimentos e desejos, acorda a memória, provoca a imaginação e pode ser apreendido pela percepção. Ele não existe em si, mas a partir da relação provocadora com um sujeito e decorre dessa relação (sujeito-objeto) (SUASSUNA, 2011). O fenômeno estético existe em decorrência da sensibilidade e da necessidade de compreendermos o fenômeno. Para interpretá-lo precisamos recriá-lo, desta forma constitui-se a experiência estética. Essa, por sua vez, pressupõe uma inter-relação íntima entre sujeito e artefato, portanto, a experiência precisa ser sentida, compreendida e recriada na mente e é traduzida por meio de significações. É um processo que pode ser norteado por abstrações cujo resultado pode ser o simples sentir, como, por exemplo, um sentimento, o amor (SUASSUNA, 2011). 164 Para ampliar seu conhecimento sobre experiência estética assista ao vídeo Experiência estética. Fique atento que, apesar do vídeo estar em espanhol, você pode ativar a legenda em português. O vídeo está disponível no Youtube no endereço: https://www.youtube.com/watch?v=9p_C-0vjxik&t+119s. DICAS Neste momento, você, acadêmico, deve estar se perguntando como esse fenômeno estético e a experiência estética se apresentam no design. Vamos a alguns exemplos: FIGURA 6 – STOP THE VIOLENCE FIGURA 7 – CAMPANHA TRÂNSITO CRAMER-KASSELT FONTE: <https://ciclovivo.com.br/inovacao/negocios/20-anuncios-impactantes-com-forte-apelo-social/>. Acesso em: 3 jul. 2020. FONTE: <http://cdn.ciclovivo.com.br/wp-content/uploads/img/noticias/images/anuncio5.jpg>. Acesso em: 3 jul. 2020. 165 O anúncio Stop the violence: don’t drink and drive (Pare a violência: não beba e dirija) foi desenvolvido pela Terremoto Propaganda e tem como objetivo mostrar como a bebida pode influenciar um comportamento violento no trânsito. A disposição dos elementos gráficos consegue fazer com que você sinta a sensação do impacto? No mínimo esse anúncio nos coloca a pensar sobre nossa postura no trânsito. Outro exemplo de campanha de impacto no trânsito desenvolvido pela Cramer- Krasselt dos EUA. O artefato simula uma lombada eletrônica que mostra a velocidade do veículo em movimento acompanhada pela frase days in hospital bed (dias na cama de um hospital). Observe que, mesmo que ambas as propagandas versem sobre um mesmo tema apresentam uma abordagem completamente diferente despertando sensações ora semelhante, ora diversa. As imagens a seguir apresentam também o mesmo tema, mas observe a abordagem e as sensações que ambas despertam. O anúncio da Euro RSCG, da Austrália, mostra uma pessoa com aparência envelhecida comemorando o aniversário de 42 anos, a frase na parte inferior do cartaz diz: smoking causes premature ageing (fumar causa envelhecimento precoce). Já o anúncio da JWT dos EUA quer fazer com que as pessoas que fumam consigam perceber como os não fumantes os veem. Esses são alguns exemplos sobre o impacto visual e suas respectivas sensações. FIGURA 8 – ANÚNCIO EURO RSCG DA AUSTRÁLIA FONTE: <http://twixar.me/tkLm>. Acesso em: 3 jun. 2020. FIGURA 9 – ANÚNCIO JWT DOS EUA FONTE: <http://twixar.me/tkLm>. Acesso em: 3 jun. 2020. 166 Retomando as abordagens para estética, vejamos as proposições de Löbach (2001) sobre o tema: • Quando falamos em estética do objeto, estamos nos referindo à ciência das apa- rências perceptíveis pelos sentidos. Importa, portanto, descrever as particularida- des visuais e as qualidades de determinado objeto e pode partir de diferentes mé- todos, sendo possível, inclusive, uma descrição numérica ou uma descrição verbal. • Quando falamos em percepção estética, estamos nos referindo ao modo como os indivíduos percebem algo, e a análise gira em torno das reflexões feitas sobre o consumo visual de objetos estéticos, através dos quais a percepção e seu comportamento subjetivo são observados. • Quando falamos em estética de valor, estamos nos referindo sobre a relevância da estética enquanto componente de um sistema sociocultural e reflete sobre a importância de objetos estéticos para os usuários e a valorização de conceitos subjetivos. • Quando falamos em estética aplicada, estamos nos referindo à teoria da produção estética do homem, ou seja, às ideias de valores estéticos em grupos de pessoas aplicando-os no design. A estética associada ao fazer do designer pode ser entendida como uma comunicação estética, na perspectiva de Löbach (2001), isso se justifica pelo fato deste profissional ser o emissor de uma mensagem cuja representação se dá por meio de um produto. A mensagem estética é recebida pelo usuário (quem recebe a mensagem, quem a consome). Para realizar seus projetos designers se utilizam de investigações as quais podem determinar o sucesso ou não de um projeto. Em linhas gerais, o processo estético depende de um comunicador (designer), de um meio (produto) e de um receptor (usuário). Observe o trabalho de Katerina Kamprani, The Uncomfortable (o desconfortável). FIGURA 10 – KATERINA KAMPRANI, THE UNCOMFORTABLE FONTE: <https://cdn-0.hypescience.com/wp-content/ uploads/2014/08/objetos-inuteis-1.jpg>. Acesso em: 3 jul. 2020. FIGURA 11 – KATERINA KAMPRANI, THE UNCOMFORTABLE FONTE: <https://cdn-0.hypescience.com/wp-content/ uploads/2014/08/objetos-inuteis-6.jpg>. Acesso em: 3 jul. 2020. 167 Observe que apesar de se tratarem de objetos inúteis, eles possuem um apelo visual que nos fazem pensar: e por que não? Olhando esses objetos tenha em mente que toda peça de comunicação visual tem como objetivo transmitir uma mensagem específica, quer comunicar algo. Nessa mesma direção, Frascara (2000) afirma que avaliar um artefato de design estritamente numa perspectiva estética é inviável. Ele nos faz um alerta acerca dos artefatos veiculados em revistas de design: devemos estar atentos aos artefatos que são veiculados em revistas de design com foco exclusivo no seu apelo estético, pois isso pode gerar uma distração a respeito daquilo que é de fato fundamental em um projeto. Pensar o design ésinônimo de projetar um evento, um ato, propiciando a interação entre usuário e artefato, é essa interação que propicia a comunicação, esta, por sua vez, é orientada pela percepção e cognição. Estudos realizados à época da Bauhaus e sobre a psicologia da Gestalt são fundamentais para que possamos compreender como esse ato comunicativo acontece. Foi por volta dos anos de 1920 que o design constituiu seus elementos comunicativos básicos, e sua configuração adquiriu maturidade por volta dos anos de 1950, por meio de estudos de psicologia sociologia, linguística e comercialização. O pensamento e o objetivo no design tomam outras direções: abandona-se o foco na criação de uma obra artística e passa-se a refletir sobre a construção de uma comunicação que aconteça de forma mais eficiente, marcando a transição da preocupação puramente estética para o foco comunicacional (FRASCARA, 2000). Assim, peças gráficas que se encontram inseridas no contexto e no cotidiano dos usuários precisam ser autônomas no seu processo de comunicação. Como reter a atenção dos pedestres que transitam rapidamente para tomar o metrô pela manhã? Como fazer um outdoor chamar a atenção dos motoristas que transitam pelas vias? Questionamentos semelhantes a estes nos levam a tentar compreender o que desperta a atenção dos indivíduos (FRASCARA, 2000). Para despertar a atenção dos usuários é necessário constituir um estimulo visual que seja forte o suficiente para tirar o indivíduo do foco ao qual ele está retido. O uso de contraste, de conteúdo, de tema, o significado da imagem, tudo isso deve guardar relação com o interesse dos indivíduos. Reter a atenção e fazer com que as pessoas se sintam atraídas por um artefato de design é tarefa fundamental para que o design tenha êxito, estudos sobre a percepção ajudam aos designers a tomarem decisões mais assertivas em seus projetos (FRASCARA, 2000). Frascara (2000) nos demonstra a importância de estudos acerca da forma, uma vez que este é o código de comunicação dos designers, porém, reforça que forma e estética devem ser orientadas por um ato de comunicação, com vistas a despertar o interesse dos indivíduos e transmitir uma informação. É preciso ter o foco para construir ordem nas sequências de informações apresentadas nos artefatos de design, é preciso fazer com que a leitura dos mesmos se dê de forma suave. Além disso, deve- 168 se estar atento à complexidade da informação e identificar os elementos que auxiliam o entendimento de conteúdos complexos, portanto a hierarquização das informações é muito importante. Os sistemas de orientação devem guiar os indivíduos de forma autônoma sem gerar dúvidas, e não menos importante, refletir sobre os aspectos humanos, econômicos, sociais, tecnológicos, estéticos, ergonômicos e cognitivos, Estes fatores devem compor o arcabouço das preocupações dos designers. O designer se expressa por meio de forma, cores e texturas e reflete sobre a função e o simbolismo que os produtos devem carregar. Ele ajuda a definir o valor dos objetos a partir da sua composição e de seus materiais e determina como tais objetos serão construídos. Sudjic (2010) questiona se as propriedades intrínsecas aos objetos e seus significados são oriundos de uma repetição constante, se nos familiarizamos com eles ou se simplesmente nos acostumarmos com as convenções. Em outras palavras, em que medida nosso gosto é construído pelas experiências e referências que temos e em que medida ele é visceral e intuitivo? A questão é complexa mas vale a pena tirar uns minutinhos para pensar sobre. Para ilustrar o papel da memória e da percepção no design, Cardoso (2013) questiona algumas experiências de seus leitores: quantos deles já teriam caminhado sobre a Muralha da China, quantos deles já haviam observados leões selvagens na natureza. Segundo ele, provavelmente poucos, porém, ele ressalta que mesmo não tendo vivido essa experiência somos capazes de atribuir valores a elas a partir das imagens mentais que fontes como cinema, páginas web, livros e televisão nos forneceram. Nesses casos, não quer dizer que não tenhamos experiência com a coisa, mas o tipo de experiência que é diferente. Outro exemplo, crescemos vendo o quadro, A Monalisa, de Leonardo da Vinci, e a importância da obra nos faz criar uma ideia de grandiosidade da mesma, porém, ao observá-la em seu ambiente de exposição percebemos que ela não é muito maior que uma folha de papel formato A1. A construção dessas experiências só é possível a partir da nossa percepção. É por meio da percepção que buscamos os significados, é por meio dela que compreendemos o mundo. A percepção de modo geral e a percepção visual servem para garantir nossa compreensão de mundo, interpretando dados e construindo contextos significativos, podemos dizer, portanto, que a percepção está ligada aos nossos instintos de sobrevivência. Considerando que o ser humano é um ser visual, ou seja, que dentre todos os seus sentidos o que mais se sobressai é a visão, podemos entender que uma mensagem visual bem construída tem força devido ao canal que ela explora para ser compreendida (FRASCARA, 2000). Cardoso (2013) complementa que, para que possamos entender um artefato, precisamos refletir sobre sua materialidade (uso, entorno e duração) e à percepção (ponto de vista, discurso, experiência). Apesar da separação proposta por Cardoso (2013), devemos estar atentos que essas categorias não são estanques em si, elas entrelaçam- se de forma a permitir a compreensão de algo, porém sua segregação nos ajuda a ter 169 uma visão mais ampla do processo. O uso está relacionado com a operacionalidade, funcionamento e aproveitamento de um artefato, sendo necessário refletir esse uso possui um único fim. O entorno pode afetar a percepção que temos de algo, por exemplo, a configuração de um produto x pode ser percebido de diferentes modos em culturas orientais e ocidentais. A duração guarda relação com as transformações temporais que um artefato pode sofrer, seu ciclo de vida, resistência. No que diz respeito à percepção, podemos afirmar que ela se relaciona com os juízos que os usuários fazem dos artefatos, logo o ponto de vista diz respeito ao modo como o usuário se posiciona em relação ao objeto, considera-se aqui que a perspectiva viabiliza diferentes experiências. Por discurso, podemos entender a tradução verbal ou visual do ponto de vista, são as representações que ajudam a entender o objeto. A experiência trata da relação mais íntima do usuário com o artefato, envolve, portanto, processos perceptivos e cognitivos que são mediados pelos sentidos e pelas experiências de mundo dos indivíduos (CARDOSO, 2013). A teoria da Gestalt, desenvolvida por psicólogos significou um grande avanço na medida em que se passou a compreender a percepção como um fenômeno estrutural e não um fenômeno adicional. Voltada inicialmente para questões formais, a Gestalt passou a erigir o conhecimento sobre o processo perceptivo e sua relação com a busca por significados (FRASCARA, 2000). Percebemos o mundo a partir do estímulo dos nossos órgãos sensoriais. De acordo com Gomes Filho (2008) 75% da percepção humana é baseada na visão, 20% na audição e os 5% restante é dividido entre tato, paladar e olfato. A percepção compõe o processo cognitivo que é responsável por operações de reconhecimento, identificação, memória, previsibilidade as quais permitem interpretar o mundo tornando-o mais compreensível. Percepção e cognição são processos inseparáveis e propiciam a comunicação, o pensamento e a ação do homem, assim, a percepção é o elo que liga mundo e linguagem, cérebro e mundo externo. Quando exposta ao mundo, a percepção recebe e interpreta mensagens visuais e dependem diretamente do modo pelo qual os sentidos recebem e absorvem a informação. Além disto, depende diretamente do modo pelo qual a mente consegue interpretar tal informação (GOMES FILHO, 2008). Lembre-se do exemplo que apresentado no início dotópico, das embalagens de geleia Predilecta, momento em que mencionamos que nossos sentidos podem falsear sensações. Os gestaltistas acreditavam que o processo que ocorre no cérebro não é o mesmo que acontece na retina. A percepção se constrói a partir de uma excitação cerebral que não se dá em pontos isolados, mas por extensão, logo, nesta perspectiva, a primeira sensação já é de forma. Outro ponto importante é que sempre vemos as coisas a partir de um conjunto de relações (GOMES FILHO, 2008). Em outras palavras, a sensação do sabor que seu olho capturou a partir da visão teve impacto no paladar falseando a sensação do gosto. Observe a imagem a seguir: 170 FIGURA 12 – LINHAS FONTE: Gomes Filho (2008, p. 19) Se lhe perguntasse sobre o tamanho das linhas horizontais, provavelmente você diria que a de cima é maior do que a de baixo, porém com um olhar mais atento você pode perceber que essa sensação decorre do posicionamento das setas nas extremidades pois a dimensão da linha é exatamente a mesma em ambas. Observe a próxima: FIGURA 13 – RETAS PARALELAS Fonte: Gomes Filho (2008, p. 19) Se lhe questionasse acerca da paralelidade das retas na diagonal, provavelmente você diria que elas não são paralelas entre si, porém, se você olhar mais atentamente perceberá que a sensação de irregularidade se dá pelo reforço visual que temos dos pequenos traços na horizontal e na vertical. Portanto, quando a Gestalt afirma que o estímulo captado pela nossa retina, não necessariamente encontrará a mesma resposta no cérebro, a esse efeito chamamos de ilusão de óptica (GOMES FILHO, 2008). Quando pensamos nos artefatos de design precisamos ter em mente que a tarefa do designer é desenvolver objetos que atendam às necessidades de uma estrutura formal, observando padrões culturais, estilos formais que se relacionam e são inerentes aos diversos objetos já criados pelo homem. Para isso, podemos recorrer à Gestalt, cujo estudo teve início na Escola de Psicologia Experimental com o filósofo austríaco Christian von Ehrenfels ao final do século XX. Quase em concomitância, estudos realizados na Universidade de Frankfurt aprofundaram as ideias de Ehrenfels. Os estudos foram conduzidos por Max Wertheimer (1880 - 1943), Wolfgang Kohler (1887 - 1967), Kurt Koffka (1886 - 1941) (GOMES FILHO, 2008). 171 A teoria da Gestalt – também conhecida como teoria da estrutura, da forma ou ainda da boa forma – defende a integração de partes em oposição à soma do todo. Seus estudos foram baseados na percepção, na linguagem, na inteligência, na aprendizagem, na memória, na motivação, em modos de conduta exploratória e na dinâmica dos grupos sociais. Para os gestaltistas, a percepção tem origem na organização mental que é permeada pelo processo de inferência determinista, ou seja, a teoria foca em princípios ou leis que permitem entender como funciona a organização perceptiva (GOMES FILHO, 2008). Basicamente, gestaltistas acreditam que os perceptos são átomos de sensações, os quais permitem que se decomponha em partes, por este motivo, acreditam que o todo é diferente da soma das partes – princípio universal da teoria da Gestalt (GOMES FILHO, 2008). A imagem a seguir ilustra claramente o pensamento dos gestaltistas: FIGURA 14 – PEÇAS DE CARRO DESMONTADO FONTE: <https://i.pinimg.com/236x/66/0a/26/660a269c9e4d8de9a6afa819a1d49c93--auto-spares-b- mw-cars.jpg>. Acesso em: 3 jul. 2020. Considerando como referência a imagem apresentada, este conceito de que o todo é maior do que a soma das partes nos remete que a ideia de que a nossa concepção sobre o que é um carro é mais completa do que a nossa ideia a respeito de cada uma das peças que compõe o carro. Com a teoria da Gestalt, acredita-se que a forma não é percebida em partes isoladas e sim em relações, ou seja, uma parte depende da outra parte. Para a nossa percepção, a forma resulta de uma sensação global, cujas partes são inseparáveis do todo e são outra coisa que não elas mesmas fora deste todo, outro ponto de discussão na teoria da Gestalt diz respeito aos motivos pelos quais algumas formas agradam mais que outras (GOMES FILHO, 2008). O que faz a Gestalt ser tão importante para designers é o fato dela auxiliar no desenvolvimento de artefatos considerando a complexidade do todo e a relação entre as partes que os compõe, criando assim os processos de significação. Portanto, se a comunicação em design tem como foco despertar sensações nos indivíduos, é preciso 172 entender como uma imagem pode passar uma sensação, como uma música desperta sentimentos, como um cheiro pode despertar a vontade de comer – por exemplo – e assim por diante (GOMES FILHO, 2008). O design explora o universo das formas para se comunicar. Podemos atribuir diversos conceitos para forma. Segundo Gomes Filho (2008) a forma num sentido filosófico diz respeito ao que determina materialmente aquilo que a forma é pela sua materialidade. Num sentido lógico, a forma diz respeito a sua materialidade e não na sua formatividade, ou seja, podemos mudar nossa compreensão a respeito de um objeto considerando seus materiais, porém a forma, propriamente dita, não altera sua conceituação. Num sentido epistemológico, a forma pode assumir relação tanto com tempo, quanto com espaço. Já num sentido estético, a forma relaciona-se com o estilo de algo (GOMES FILHO, 2008). A forma, num sentido estético, pode ser definida como a figura ou a imagem visível do conteúdo. De um modo mais prático, ela nos informa sobre a natureza da aparência externa de alguma coisa, pois tudo que se vê possui forma. A forma é composta por ponto, linha, plano e volume, esses elementos são organizados numa configuração real (fotografia, por exemplo) ou numa configuração esquemática (um ícone, por exemplo) (GOMES FILHO, 2008). Agora, para que uma forma exista, precisamos identificar dois conceitos importantes: figura e fundo. Esses conceitos são bem simples e estão relacionados ao modo de organização perceptual: em qualquer campo diferenciado, uma das partes se destaca, se sobressai em relação às outras. A ela damos o nome de figura, sendo o fundo todo o resto (GOMES FILHO, 2008). É importante estar ciente que até mesmo na identificação da figura e do fundo nossa percepção pode nos pregar peças. Observe as imagens a seguir: FIGURA 16 – PITTSBURGH ZOO & PPG AQUARIUM FONTE: <http://twixar.me/TqLm>. Acesso em: 6 jul. 2020. FIGURA 15 – FIGURA E FUNDO FONTE: <http://twixar.me/KqLm>. Acesso em: 6 jul. 2020. 173 Você consegue afirmar com exatidão o que é figura e o que é fundo nas Figuras 15 e 16? Na Figura 15 tendemos a dizer que a taça é a figura pois ela está em negativo, porém não podemos afirmar isso com total certeza. O mesmo acontece na Figura 16, o fundo será a árvore ou as faces dos animais? Portanto, a relação entre figura e fundo é complexa e ela pode se dar de forma mais objetiva ou por meio de incertezas, independente disto, sempre teremos a forma como elemento de comunicação. As pesquisas realizadas pelos gestaltistas sobre o fenômeno da percepção exploraram um grande número de experimentos, eles buscaram identificar certas constantes considerando as forças internas de uma composição tendo em vista o modo como os elementos se ordenam ou se estruturam e como as formas são psicologicamente percebidas. Essas constantes das forças de organização são o que os gestaltistas chamam de padrões, fatores, princípios básicos ou leis de organização da forma perceptual, elas explicam por que vemos as coisas de um jeito e não de outro (GOMES FILHO, 2008). Neste momento não vamos nos aprofundar nos conceitos das leis da Gestalt, mas para que você possa conhecê-las veja a seguir: • Unidade: são os elementos que configuram a forma. • Segregação: é o ato de separar, perceber ou identificar as unidades. • Unificação: é a coesão visual da forma em função do maior equilíbrio e harmonia da configuração formal do objeto. • Fechamento: apresenta características espaciais quedão a sensação de fechamento visual dos elementos da forma. • Continuidade: padrão visual originado por configurações que apresentam sequência ou fluidez na forma. • Semelhança: padrões de unidades que colaboram para o agrupamento da forma. • Proximidade: elementos próximos tendem a se agruparem e serem percebidos como um todo. • Pregnância da forma: relativa à percepção visual, indica a facilidade ou não de compreender uma forma. Para entender melhor as categorias da Gestalt, assista ao vídeo Gestalt – O que é Gestalt? Como funcionam as leis de Gestalt no design? O vídeo está disponível no endereço a seguir: https://www.youtube.com/watch?v=yMwXvCFGCgM. DICAS 174 Além das leis da Gestalt existem as categoriais conceituais que se referem aos conceitos que nos ajudam a compreender a organização das imagens. Esse é outro tema que requer aprofundamento de estudos, assim como as leis da Gestalt, porém, ele não será abordado aqui pois resultaria em um capítulo à parte. Por hora, é importante que você tenha entendido que limitar a forma de um artefato de design, a sua função é mensurar, por baixo, as possibilidades estéticas que um bom projeto pode criar. Fora isso, compreender que a nossa compreensão estética se dá por meio de nossos processos perceptivos é importante para que você consiga aprender a identificar elementos de impacto para as suas peças gráficas ou produtos. No próximo tópico conheça um pouco sobre as relações entre design e meio ambiente. 175 ADEQUAÇÃO E FORMA Rafael Cardoso Conforme se disse, o pensamento sobre design que surgiu da primeira fase da industrialização tinha a “adequação ao propósito” como regra norteadora para a configuração dos objetos. É um belo ideal, pelo menos tão antigo quanto o dito de Sócrates, citado em epígrafe a esta introdução. A pergunta do grande filósofo é mais manhosa do que pode parecer à primeira vista. Lendo-a com cuidado, começamos a dimensionar a profundidade do problema. Sócrates não diz que alguma coisa é bela porque é adequada ao seu propósito, o que equivaleria a dizer que a boa forma é aquela sugerida pela função do objeto. (Essa ideia guiou o chamado pensamento funcionalista, por muitas décadas). Antes ele diz que nada pode ser belo a não ser para o propósito para o qual é belo que seja usado – ou seja, aquele propósito para o qual é bem adaptado. Caso seja aplicada a outro propósito que não o seu, a coisa deixa de ser bela. Portanto, a ênfase da frase recai sobre o uso, e não sobre a forma. Isso é muito significativo, pois desloca a discussão dos objetos para as pessoas. Aliás, a pergunta socrática nem versa necessariamente sobre artefatos materiais. Bastante ambíguo, o “algo” da frase pode muito bem se referir a uma fala, a um costume, a um comportamento ou, até mesmo, a uma condição. Como o autor do presente livro não possui conhecimento suficiente de filosofia, e muito menos de grego antigo, para aprofundar a leitura de Sócrates, vamos partir para a evolução mais recente da ideia de adequação ao propósito. Em alemão de hoje, Zweckmässigkeit quer dizer “adequação”, “conveniência”, “funcionalidade”. O termo tem sua origem no livro Crítica da faculdade do juízo (1790), do filósofo Immanuel Kant. Zweck, em alemão, significa “propósito”, “fim”, “finalidade”; e o adjetivo mässig, “moderado”, “módico”, “na medida”. Literalmente, portanto, Zweckmässigkeit quer dizer “a condição de estar na medida do propósito”. Tirando proveito da incrível capacidade da língua alemã de criar novos sentidos a partir da junção de palavras, Kant introduziu como parte de sua discussão do conceito da beleza a ideia de “conformidade a fins” – ou, traduzido de modo mais preciso, “adequação ao propósito”. O termo foi retomado por outros autores contemporâneos que discutiam estética, como Friedrich Wilhelm Schelling e August Schlegel; e sua aplicação mais específica à arquitetura foi desenvolvida por Karl Friedrich Schinkel, um dos maiores arquitetos europeus do início do século XIX. Para Schinkel, adequação ao propósito era o princípio básico de toda construção e o grau de sua expressão material definia o valor artístico de um edifício. LEITURA COMPLEMENTAR 176 Vamos pensar melhor sobre essa última ideia. Como assim, “grau de expressão material”? “Adequação ao propósito” é um conceito abstrato, algo compreendido pela mente. É possível que os conceitos encontrem expressão material: ou seja, que possam ser percebidos pelos sentidos físicos, como visão, audição, tato? Examinemos alguns exemplos. Temos o costume de dizer que uma roupa é elegante, que um carro é luxuoso, que um prédio é imponente. Nesses exemplos, estamos claramente atribuindo valores conceituais ao objeto a partir da associação com seus usos e usuários ou a partir da comparação com outros artefatos da mesma categoria. Atribuímos uma qualidade ao objeto que, no fundo, não deriva dele, mas de nosso repertório cultural e pressupostos. A prova dos nove está no fato de que, com a passagem do tempo, a mesma roupa elegante pode passar a ser percebida como cafona; o carro luxuoso, como pobre; o prédio imponente, como decadente. De modo bastante diverso, podemos dizer que o cabo de um martelo encaixa bem na mão, que um ambiente é aconchegante, que a mancha de texto de uma página é agradável à vista. Tais atribuições de valor remetem a experiências corporais e tendem, por conseguinte, a permanecer estáveis no tempo. Elas derivam não de processos de associação e comparação, mas da sensação física de conforto e bem-estar, que advém do uso e não passa necessariamente por qualquer tipo de reflexão. Valores desse tipo podem ser medidos e avaliados, de modo mais ou menos acertado, num laboratório de ergonomia. Os conceitos são passíveis de expressão material, mas em graus variáveis. Quanto mais simples e direto o conceito – ou seja, quanto mais enraizado estiver numa experiência emocional clara – maior será a facilidade de compreendê-lo. Diferentemente de “bom”, “gostoso” ou “aconchegante”, todavia, “adequação ao propósito” é um conceito bem complexo. De que maneira é possível olhar para um artefato e afirmar que ele é adequado ao propósito? Isso não seria um juízo que depende, necessariamente, de usar o objeto, de testá-lo em diversas situações ao longo do tempo? No entanto, quase toda a discussão sobre a funcionalidade no século XX partiu da premissa oculta de que se pode julgar a adequação do objeto apenas ao examiná-lo com o olhar. Para os designers ligados ao movimento funcionalista, bastava um rápido olhar (muito rápido mesmo, no caso dos seguidores da teoria da Gestalt) para determinar se um objeto era ou não funcional. Tal qual a mulher de Júlio César na célebre máxima, ao objeto funcionalista não bastava ser funcional, devia parecer funcional. Muitos artefatos do século XIX que funcionavam bem eram rejeitados pelos funcionalistas por serem ornamentados. Ao longo do período modernista, prevaleceu a ideia, inteiramente desprovida de fundamento, de que ornamento se contrapõe a funcionalidade. A ideia de que a aparência, ou a configuração visual, de um artefato seja capaz de expressar conceitos complexos como, por exemplo, sua adequação a um determinado propósito é uma das grandes questões permanentes do design, da arquitetura e da arte. Olhamos para uma mesa e asseveramos que ela é sólida ou, com intenção quase idêntica, que ela tem solidez. Que ela é sólida, e não líquida ou gasosa, é evidente. Não é disso que estamos falando. Em um nível, trata-se de uma suposição de que ela seja bem construída: sólida, no sentido de não ser frágil. Em outro nível, contudo, quando nos referimos à solidez da mesa, expomos também um juízo de valor. É também a uma 177 solidez moral que fazemos referência, do mesmo modo metafórico que falamos da solidez de uma empresa ou do caráter de uma pessoa. A pergunta é: como se opera esse processo de transpor qualidades perceptíveis visualmente para juízos conceituais de valor? Formuladade maneira mais simples, porém mais passível de gerar interpretações confusas: de que modo as formas expressam significados? Não é por ser questão de difícil resposta que devemos descartá-la, pois seu dimensionamento é muito importante para compreendermos o papel do design no mundo. Insistamos, mesmo que a resposta seja parcial, mesmo que não exista resposta, mesmo que seja apenas para formularmos melhor as perguntas. A não ser que se tenha uma definição muito precisa daquilo que se entende por forma, um enunciado como “a forma segue a função” não quer dizer nada. Nas discussões desse tema em Língua Portuguesa, é grande o perigo de tropeçar na multiplicidade de significados contidos na palavra “forma”. É um termo escorregadio em muitos idiomas, e com boa razão; porém, nas línguas latinas, ele possui uma falta de especificidade especialmente problemática. Entre nós, não há o costume de distinguir o aspecto da “forma” – referente à aparência e à superfície – daquele que se refere à volumetria e ao contorno (o qual, em inglês, corresponderia à palavra shape). Os equivalentes mais próximos em português seriam “configuração”, palavra também ambígua, e “vulto”, raramente empregada com esse sentido. Para avançar na discussão da forma, é preciso desmembrar o termo e considerar seus significados um a um. Claramente, “forma” abrange pelo menos três aspectos interligados, que possuem diferenças importantes entre si: 1) aparência: o aspecto perceptível por uma visada ou olhar; 2) configuração: no sentido composicional, de arranjo das partes; 3) estrutura: referente à dimensão construtiva ou constitutiva. Os três aspectos se entrelaçam e formam um conjunto inseparável, mas que não pode ser apreciado plenamente de um único ponto de vista. Para compreender a forma, precisamos dar algumas voltas. Façamos o exercício de imaginar um artefato qualquer. Agora, como se faz para transmitir a compreensão perfeita de sua forma apenas pela visão? Em se tratando de um objeto com o qual o espectador já tenha familiaridade – digamos, por exemplo, uma caneca – basta uma fotografia. O resto, ele completa a partir da experiência prévia com outros objetos da mesma categoria. Mas, e se o objeto é desconhecido e peculiar? E se, para aumentar o desafio, é um objeto grande ou complexo demais para caber numa única fotografia? Digamos, por exemplo, que um arquiteto esteja diante do Taj Mahal, na Índia, e queira explicar a forma do edifício para seu sócio no Brasil. Pelo sistema mais consagrado de representação técnica pelo desenho – a projeção ortográfica – serão necessárias pelo menos três imagens para traduzir plenamente aquilo que resumimos na palavra “forma”. A elevação (vista de frente) é suficiente para dar ao observador uma ideia da aparência do objeto em questão. Com o acréscimo da planta (vista de cima), ele passa a dimensionar o arranjo interno do objeto arquitetônico. Juntando a essas duas 178 o corte (vista lateral), o observador terá uma noção total do objeto. Na verdade, mais ou menos completa, porque existem ainda outros aspectos da forma, tais quais cor e textura, escala e tamanho, posição e contexto, sentido espacial e de movimento, que só podem ser compreendidos por experiência direta, ou então pelo adendo de outros meios de representação. Essa compreensão complexa de “forma”, como algo de dimensões múltiplas e interdependentes, torna possível uma discussão mais precisa de como uma forma poderia traduzir o conceito de “adequação ao propósito”. Voltemos ao arquiteto Schinkel, e seu entendimento de Zweckmässigkeit. Para alguém interessado em investigar os princípios da arquitetura grega antiga, como ele, fazia total sentido pensar na expressão material da adequação ao propósito. A geração de arquitetos de que ele fez parte, os chamados neoclássicos, buscava inspiração na Antiguidade greco-romana e enxergava nas formas de suas construções qualidades de força, harmonia e beleza. Atribuíam essas qualidades aos princípios construtivos que podiam ser depreendidos da aparência e da estrutura dos edifícios, tais quais: proporções regulares, repetição de volumes geométricos, simetria, subordinação do detalhe ao todo, e assim por diante. Para eles, era evidente que a questão girava em torno da relação da aparência externa com a estrutura interna. “Forma” seria o resultado de uma tensão entre interno e externo, construção e expressão. A boa forma seria aquela que conseguisse externar, de modo feliz e harmônico, o significado interior, o qual derivava de premissas que podiam ser concebidas, mas não vistas. Schinkel caracterizou como “tectônica” a dinâmica dessa inter-relação. O termo “tectônica” foi mais elaborado, em seguida, por Karl Bötticher, um discípulo de Schinkel, que desenvolveu o conceito como teoria. Segundo sua concepção, expressa inicialmente em 1844, a noção de tectônica seria útil para explicar a relação entre a forma essencial do edifício (Kernform, ou literalmente, “forma-grão”) e sua forma artística (Kunstform). O primeiro termo, “Kernform”, referia-se a algo invisível, à forma interior e oculta do objeto. O segundo termo, “Kunstform”, remetia a sua aparência externa. A palavra “tectônica” exprimiria a tensão dialética entre esses dois aspectos da forma, referindo-se ao modo como a aparência traduz a essência. Para Bötticher, as formas deviam obedecer ao material e à estrutura e, ao mesmo tempo, demonstrar seu sistema e sua operação. Poucos anos depois, outro arquiteto alemão, Gottfried Semper, refinou ainda mais a noção de tectônica, empurrando-a para o centro dos debates sobre arquitetura em seu livro Der Stil in den technischen und tektonischen Kunsten (O estilo nas artes técnicas e tectônicas), de 1860. Para Semper, cada tipo de material demandava técnicas específicas (por exemplo, modelagem para a cerâmica, carpintaria para a madeira, tecelagem para as fibras); e as formas finais seriam a expressão de como a técnica incide sobre o material. Embora Semper tenha partido de termos ligeiramente diferentes dos de Bötticher – Werkform (forma operacional) e Kunstform (forma artística) –, a palavra “tectônica” continuava a ser empregada para explicar a dinâmica dialética do processo de significação formal. 179 A importância do conceito de tectônica reside exatamente naquilo em que ele desloca a discussão da forma em si, estática, para sua capacidade de expressar qualidades dinâmicas, enraizadas em processos. Forma não é um quantum estável, eterno e inalterável desde sempre, mas o fruto de uma transformação. Quando se compreende a lógica segundo a qual as formas são constituídas, compreende-se também que elas são passíveis de mudança e de adquirirem novos significados. No caso dos edifícios, por exemplo, a tensão entre estrutura e aparência é constante. Quando se preserva a fachada de um prédio antigo, mas altera-se completamente sua planta e sua disposição interior, a forma continua a mesma? Por meio do uso e do envelhecimento, os objetos arquitetônicos sofrem frequentemente transformações importantes. O que ontem era banco, hoje virou centro cultural; o cinema vira igreja, e assim por diante. É claro que a mudança de uso não altera a forma, forçosamente. Mas, será que a forma do edifício continua a expressar os mesmos significados, independentemente de seu uso? Em alguns casos, o edifício que simbolizava modernidade, meio século atrás, hoje é uma velharia em ruínas; enquanto uma modesta casa de família de cem anos atrás hoje é valorizada como patrimônio histórico. Deixemos para aprofundar essa questão mais adiante, no primeiro capítulo. As formas dos artefatos não possuem um significado fixo, mas antes são expressivas de um processo de significação – ou seja, a troca entre aquilo que está embutido em sua materialidade e aquilo que pode ser depreendido delas por nossa experiência. Por um lado, as formas concretizam os conceitos por trás de sua criação. Para empregar um termo corrente hoje, os artefatos obedecema uma “lógica construtiva”, a qual é a soma das ideias contidas em seu projeto com seus materiais e condições de fabricação. Por outro lado, formas e artefatos, são passíveis de adaptação pelo uso e sujeitos a mudanças de percepção pelo juízo. Quando um garfo antigo de prata é entortado e soldado nas pontas para fazer uma pulseira, algo importante ocorre em termos de significação. Embora ele não deixe de ser reconhecível como garfo, ele já não serve para seu uso original e nunca mais será visto como apenas um talher. Se o processo envolve alguma distorção maior de sua configuração (por exemplo, alisamento da superfície), e não apenas de sua estrutura (a ação de entortá-lo, no caso), a descaracterização formal poderá ser ainda mais drástica. Tais transformações e usos híbridos sã extremamente reveladores da natureza profunda da relação entre forma e significado. Consideraremos isso mais detidamente no segundo capítulo. O que muitas vezes nos escapa, por conta da relativa brevidade de nossa existência humana, é o quanto os artefatos se transformam no tempo e, o que é ainda mais difícil de dimensionar, o quanto os tempos mudam. Quando a pintura mural da Santa Ceia, de Leonardo da Vinci, terminou de ser restaurada em 1999, após 21 anos de trabalho, surgiu uma controvérsia internacional com relação à intervenção realizada. Segundo alguns especialistas, as cores e as formas teriam sido gravemente alteradas pelos restauradores, prejudicando a apreensão correta da obra. Os restauradores, por sua vez, contestaram isso, alegando terem devolvido a pintura a algo próximo ao seu estado original. Considerando que o artista concluiu o trabalho em 1498 e que, nos quinhentos 180 e poucos anos desde então, o local sofreu infiltrações, invasões e até bombardeio, e que a pintura fora sujeitada a pelo menos três restaurações anteriores, fica muito difícil determinar qual teria sido sua aparência primitiva. Mesmo que a conhecêssemos, por meio de algum registro paralelo (no caso, existem cópias contemporâneas), será que teríamos a capacidade de compreender exatamente o que o artista quis dizer quando a pintou? Será que teríamos olhos para ver o que os espectadores viram à época? A melhor resposta que temos, em termos históricos, é não. O olhar é também sujeito a transformações no tempo, e aquilo que depreendemos do objeto visto é necessariamente condicionado pelas premissas de quem enxerga e de como se dá a situação do ato de ver, ou seja, o olhar é uma construção social e cultural, circunscrito pela especificidade histórica do seu contexto. Por tudo que se pode observar e deduzir sobre a história do olhar, recuperar o modo de ver de outra época é tarefa das mais difíceis. Os tempos mudam, e muda com eles o significado das coisas que parecem fixas. No mundo de hoje, em que o tempo parece andar cada vez mais depressa, os significados ficam ainda menos estáveis. Determinar o significado de um artefato atualmente é tarefa tão escorregadia quanto atirar numa lebre correndo em ziguezague a partir de um carro desgovernado que transita por uma ponte móvel. O tiro certeiro depende do cálculo preciso e instantâneo de todas as forças, velocidades e movimentos. Se essa comparação parece remeter ao mundo dos desenhos animados e dos videogames, não é à toa. A abrangência crescente do mundo virtual e seu impacto sobre a visualidade – por meio de processos de manipulação, simulação e emulação – tende a redefinir todos os parâmetros para a discussão da forma. É sobre este admirável mundo novo, e ainda relativamente desconhecido, que irá versar o terceiro capítulo deste livro. FONTE: CARDOSO R. Design para um mundo complexo. São Paulo: Cosac Naify, 2013. 181 RESUMO DO TÓPICO 1 Neste tópico, você aprendeu: • Na máxima de Sullivan, que data da década de 1960, a forma segue a função, apesar de ter colaborado com o desenvolvimento do design ainda precisa ser repensada de forma a dar autonomia ao processo criativo do design. • A estética não objetiva a beleza, seu intuito principal é entender o que faz com que atribuamos beleza a alguns objetos e a outros não. • Na perspectiva de alguns filósofos pode perceber que alguns defendem que a beleza é inerente ao objeto, e outros, aquele que vivencia o ato estético. Por meio da estética vivenciamos experiências que nos permitem sentir, experimentar as sensações proporcionadas pelos artefatos. • A racionalização da experiência estética é dada por meio da percepção, quando nossos sentidos são conectados ao nosso cérebro e este, por sua vez, devolve os inputs que ele recebeu em forma de sensações. Nossa percepção opera por leis ainda não totalmente claras, pois um mesmo artefato pode despertar reações diversas em diferentes pessoas. • Quando falamos em percepção visual, podemos contar com os estudos feitos pelos psicólogos da teoria da Gestalt, na qual estabeleceram meios para identificar padrões na percepção e em consequência disto, conseguiram definir leis que orientam o processo perceptivo. 182 AUTOATIVIDADE 1 Escolha três peças de design (um produto, uma interface digital e uma peça gráfica) e comente sobre o que você pensa a respeito da mesma. Foque em questões formais dizendo qual sensação elas despertam em você, descreva o uso do produto e reflita se a configuração dele viabiliza ou não o sucesso no desenvolvimento das tarefas às quais foram projetadas. 2 Apresente os produtos que você selecionou na Atividade 1 para pelo menos cinco pessoas e verifique se as mesmas apresentam as mesmas percepções que você a respeito dos objetos. Peça que elas justifiquem suas respostas. 183 DESIGN E MEIO AMBIENTE 1 INTRODUÇÃO Tema cada vez mais frequente nos debates do design, o meio ambiente tem figurado, também, entre as preocupações do designer. Todo produto lançado no mercado, em algum momento, será descartado, portanto, pensar o ciclo de vida dos produtos é extremamente importante. Além do destino final do produto, o próprio processo de produção degrada o ambiente, cabendo também ao designer pensar modos para minimizar o impacto deste processo. Neste tópico, será abordada a temática do meio ambiente apresentando alguns projetos de design que tem essa temática como norte. Bons estudos! UNIDADE 3 TÓPICO 2 - 2 O MEIO AMBIENTE SOB A AÇÃO DO DESIGNER Talvez você não seja da geração que assistiu a novela Passione, produzida pela Rede Globo no ano de 2010, neste momento você pode estar se perguntando qual a relação entre este conteúdo e a citada novela, explicamos: interessa-nos, neste momento, a abertura da mesma, que fora produzida pela Ciranda Filmes e contava com obras do artista plástico Vik Muniz. O plot da novela versava por diversos temas, entre eles a reciclagem de lixo, justificando-se, portanto, as obras do artista. Para a vinheta de abertura foi utilizado aproximadamente quatro toneladas de material reciclado e o processo levou mais de dois meses. Veja uma imagem do trabalho que Vik Muniz realiza utilizando lixo: 184 FIGURA 17 – EM “MARAT (SEBASTIÃO)”, VIK MUNIZ RECRIA, COM LIXO, “A MORTE DE MARAT”, DE DAVID FONTE: <https://zh.rbsdirect.com.br/imagesrc/23354576.jpg?w=700>. Acesso em: 6 jul. 2020. Assista ao documentário Lixo Extraordinário de Vik Muniz para conhecer um pouco sobre o trabalho do artista. O vídeo está disponível no YouTube no seguinte endereço: https://www.youtube.com/watch?v=JLTY7t8c_x0. DICAS O Instituto Terra foi fundado em 1998, é uma organização civil sem fins lucrativos presente na região do Vale do Rio Doce – entre os estados de Minas Gerais e Espírito Santo – uma região marcada pelo desmatamento, mau uso de recursos naturais, erosão do solo, entre outros. Esse instituto foi idealizado pelo fotógrafo Sebastião Salgado e sua esposa Lélia Deluiz Wanick, e visam resgatar a natureza degradada da região. Em uma década de trabalho é possível perceber os resultados das ações do instituto. A floresta recuperada abriga uma grande diversidade de espécies da florada Mata Atlântica, com isso, recuperou-se também as nascentes e espécies da fauna brasileira que antes estavam sob risco de extinção. 185 FIGURA 18 – PRIMEIRO PLANTIO – 1999 FONTE: <http://www.institutoterra.org/pt_br/csw/_lib/file/doc/arqslinks/20130423130648_RPPN_Fazen- da_Bulcao_1999__mobilizacao_para_primeiro_plantio.jpg>. Acesso em: 6 jul. 2020. FIGURA 19 – FAZENDA BULCÃO – 2012 FONTE: <http://www.institutoterra.org/pt_br/csw/_lib/file/doc/arqslinks/20130227095614_inst_ter- ra_0826_pan_reduzida.jpg>. Acesso em: 6 jul. 2020. Para conhecer mais sobre o trabalho do Instituto Terra assista à entrevista de Sebastião Salgado e Lélia Wanick. O vídeo está disponível no YouTube, acessando o seguinte endereço: https://www.youtube.com/watch?v=8C5q26lSOsU. DICAS 186 A OPTree compõe o case da empresa Sunew no campo de mobiliário urbano, desenvolvida em 2015. Elas surgiram para humanizar a ideia de energia solar e explora o uso de fontes de energia limpa para espaços urbano e próximo às pessoas. O formato da OPTree lembra uma palmeira, cada folha é composta por células fotovoltaicas que captam a luz convertendo-a em energia. O objetivo do artefato é revolucionar a indústria solar no Brasil e no mundo, usando tecnologia verde na geração de energia solar. Outra vantagem é a possibilidade de absorver os raios UVA e UVB, portanto a sombra gerada viabiliza melhor conforto térmico. FIGURA 20 – OPTREE EM AMBIENTE URBANO FIGURA 21 – OPTREE FONTE: <https://sunew.com.br/box/uploads/2018/01/Aba-Cases-Singleposts-OPTREE- -1-1-e1522251101315.jpg>. Acesso em: 5 jul. 2020. FONTE: <https://abrilcasa.files.wordpress.com/2019/05/aba-cases-singleposts-optree-5-1024x575. jpg?quality=95&strip=info&w=768&h=431>. Acesso em: 6 jul. 2020 O que podemos observar nos três cases apresentados? O trabalho de Vik Muniz cria imagens cujo apelo estético está no lixo, o que nos faz refletir nas possíveis transformações que podemos realizar considerando os objetos que descartamos diariamente. Já o trabalho do Instituto Terra mostra a capacidade que temos de transformar ambientes em que estamos inseridos e o terceiro nos denota nossa capacidade de criar produtos de forma consciente, com apelo estético e que pode transformar o entorno. 187 Neste tópico vamos abordar a relação entre design e sustentabilidade, refletindo sobre a importância crescente do desenvolvimento de uma consciência ambiental e como ela pode impactar nas formas pelas quais consumimos e desenvolvemos produtos. Foi na década de 1920 que o presidente da General Motors, Alfred Sloan, passou a desenvolver, fabricar distribuir e vender produtos que tinham por objetivo tornar-se obsoletos ou perderem sua funcionalidade, surge assim os produtos com a obsolescência programada. Com isso ele fez com que os consumidores gerassem um processo de substituição constante, como por exemplo, a mudança de acessórios dos veículos anualmente (REDIG, 2011). Tomás Maldonado é um dos nomes que discutiu esse processo, criticando a indústria por fazer com que os consumidores trocassem seus produtos por questões de modismos, por exemplo. Isso gera um impacto ambiental, pois disso resulta a troca de produtos aumentando exponencialmente o volume de lixo descartado, gerando um problema social e ambiental de alta gravidade. Nesse processo consumidor fica a serviço das necessidades do produtor, que ao produzir, precisa criar um apelo para o consumo, esse processo resulta em ações que prejudicam a sociedade num todo (REDIG, 2011). Assista ao vídeo Consumismo – obsolescência programada para entender melhor o conceito de obsolescência programada e como ela se relaciona com o consumismo. O vídeo está disponível no link a seguir: https://www.youtube. com/watch?v=TffNfxoTJC4. DICAS Com a intenção de mensurar o impacto da obsolescência programada e do consumismo de uma forma geral pesquisadores desenvolveram uma ferramenta que permite medir como afetamos o meio ambiente. Talvez você já tenha ouvido o termo pegada ecológica, basicamente ela é uma ferramenta usada para medir a interferência do homem sobre a natureza, com ela podemos avaliar quanto uma população requer de uma superfície produtiva para atender às necessidades de consumo e de absorção de resíduos. Ela foi desenvolvida em 1994, pelos pesquisadores norte-americanos Willian Rees e Mathis Wackernagel, e é amplamente discutida pelo WWF em suas publicações (THOUVENOT, 2009). 188 O World Wide Fund for Nature (WWF) é uma organização não governamental internacional que atua nas áreas da conservação, investigação e recuperação ambiental. Inicialmente foi chamada de World Wildlife Fund, nome oficial ainda usado em países como Estados Unidos e Canadá. Para conhecer mais sobre a presença da organização no Brasil, acesse: https:// www.wwf.org.br/. NOTA A pegada ecológica da humanidade é considerada numa perspectiva planetária e leva em consideração a superfície terrestre ou marinha biologicamente produtiva e essencial para atender o conjunto das nossas necessidades (THOUVENOT, 2009). A cada dois anos a Rede WWF produz o Relatório Planeta Vivo que apresenta o cenário detalhado e atualizado da situação do meio ambiente do nosso planeta reunindo dados de todos os continentes e países, fazendo um balanço sobre a população de espécies e da biodiversidade global. Para saber mais acesse o endereço a seguir: https://d3nehc6yl9qzo4.cloudfront. net/downloads/lpr_2018_summary_portugues_digital.pdf. DICAS A cada ano que passa sobrecarregamos os recursos do planeta comprometendo as gerações futuras. Estamos explorando o meio ambiente sem considerar a capacidade de regeneração da natureza (THOUVENOT, 2009). Quer calcular a sua pegada ecológica? Acesse o link: https://promo.wwf.org.br/ pegada-ecologica-calculadora?_ga=2.201838930.251047360.1585441825- 846629556.1585441825. INTERESSANTE 189 Muitos teóricos de diversas áreas vêm discutindo modos de minimizar os impactos da geração de resíduos ao redor do mundo, no que diz respeito a nossa área cabe discutir o modo através do qual designers podem colaborar no desenvolvimento de produtos que tenham menor impacto ambiental (CARDOSO, 2013). Thouvenot (2009) defende que o conceito que gira em torno do termo sustentabilidade infelizmente não impele as pessoas a mudarem, deve-se, portanto, descobrir o que as pessoas desejam, para ele, o desejo é aquilo que motiva as pessoas a mudarem seus comportamentos. Para ele, o crescimento econômico nos moldes como conhecemos hoje está com os dias contados e a consciência de que os recursos são finitos fomentam essa transformação. Pensar um design sustentável requer criatividade para pensar um produto ou serviço que ofereça mais do que satisfação aos seus usuários e que utilize a menor quantidade de recursos e mão de obra. A reflexão em torno do tema de sustentabilidade é baseada em um tripé: econômico, social e ambiental. FIGURA 22 – TRIPÉ DA SUSTENTABILIDADE FONTE: <http://redefelicidade.com.br.s3.amazonaws.com/wp-content/uploads/2018/11/22112652/ Ale%CC%81m-da-sustentabilidade-G.jpg>. Acesso em: 6 jul. 2020. O design com foco nos aspectos econômicos tem relação direta com o lucro, o design com foco no social prima pelas pessoas enquanto o design com foco no ambiental prioriza a natureza. A sustentabilidade busca o equilíbrio destes três sistemas. Da intersecção entre o fator econômico e o ambiental temos o ecodesign, e da intersecção entre economia e social temos o design social. Com criatividade é possível que designers encontrem soluções interessantes para problemas que se apresentam cada vez mais complexos, só assim será possível impactar consumidores de forma que eles escolham produtos que estejam relacionados a um sentido maior que o do consumo (THOUVENOT, 2009). 190 Para Manzini (2002) começamos a refletir acerca dos problemas ambientais na medida em que nos conscientizamos dos problemas causados pela poluição, sobre o modo como os processos produtivos geram lixo eo desenvolvimento de processos de produção de produtos limpos, ou seja, que causam menos impacto na natureza. Disso resultou uma espécie de conscientização que implicou numa discussão e um redirecionamento dos comportamentos sociais. Lembre-se que a explosão propiciada pela Revolução Industrial nos impeliu a ampliar a produção de resíduos das mais diversas ordens. Segundo Manzini (2002) quando pensamos na atividade de projetar associado às questões de meio ambiente estamos orientando o projeto na perspectiva do ecodesign, embora existam outras definições que melhor definem essa relação, vamos compreender melhor o que ele contempla. O ecodesign pode ser entendido como um conjunto de atividades projetuais que permitem que designers considerem os aspectos ambientais na concepção de seus produtos. Assista ao vídeo Conversas de Valor “Ecodesign e sustentabilidade” do professor Christian Ullmann para entender melhor o conceito de ecodesign. O vídeo está disponível no YouTube no seguinte endereço: https://www. youtube.com/watch?v=R16nIERPjpk. DICAS Para Kazazian (2009), o ecodesign está intimamente ligado à possibilidade de mudar o modo através do qual as pessoas consomem. Isso implica também em rever a produção de bens e serviços. Além disso, defende que a sociedade deve mudar seu regime de consumo para o de uso, ou seja, é necessária uma revisão dos nossos processos de produção. Aos designers caberá pensar os produtos de forma diferente da qual estão habituados atualmente. Cardoso (2013) nos propõe uma reflexão a respeito da nossa relação com as coisas que consumimos e lembra de um ponto muito importante sobre os artefatos: eles não morrem, quando perdem as suas funções, no mínimo, viram lixo ou resíduos. Nesta perspectiva, podemos entender como lixo a matéria desprovida de sentido. Ainda que eles possam ser destruídos, o volume de resíduos que geram é significativo. Produz-se cada vez mais, a ponto de superarmos a produção de toda nossa história pregressa, decorre daí o aumento do volume de coisas descartadas. Observe nas proximidades da sua casa a quantidade de brechós, sebos, mercado de pulgas que existem? Esses lugares mostram uma parcela do volume de coisas que descartamos e que ainda apresentam utilidade para alguém, cabe, neste momento, nos 191 questionarmos o motivo pelo qual descartamos algo. Muitas vezes somos motivados pelo modelo novo, pela nova coleção, pelo ímpeto do prazer do consumo, logo, podemos considerar que a nossa ideia sobre o que é lixo está relacionada ao sentido que atribuímos a algo e ela é permeada pelo aspecto psicológico. É preciso, portanto, refletir sobre essa postura para que possamos propor ideias no campo do design, além disto, é importante que repensemos nosso entendimento acerca do lixo (CARDOSO, 2013). Projetar um design voltado para a sustentabilidade implica em fazer com que o sistema de produção esteja em consonância com as necessidades sociais e ambientais, que o gerenciamento de recursos seja feito de forma eficaz e comprometida. Isso faz com que o design crie uma forte relação com o design estratégico, ou seja, que crie estratégias que possam ser de fato aplicadas pelas empresas. Deve atuar numa perspectiva técnica, econômica e social considerando o ciclo de vida dos produtos (MANZINI, 2002). Pensar o ciclo de vida dos produtos denota a diversidade das abordagens de acordo com a área que o idealizou. O ciclo de vida numa perspectiva do marketing mostra que os produtos são introduzidos no mercado e passam por uma fase de introdução, seguida pelo seu crescimento, sua maturidade e termina em seu declínio (CARDOSO, 2013). GRÁFICO 1 – CICLO DE VIDA DOS PRODUTOS NA PERSPECTIVA DO MARKETING FONTE: <https://lirp-cdn.multiscreensite.com/87c8e234/dms3rep/multi/opt/ciclo-de-vida-do-produto- -1080x494-960w.png>. Acesso em: 5 jul. 2020. Já uma abordagem realizada por engenheiros ambientais considera que o ciclo de vida de um produto perpassa desde a necessidade até o descarte: materiais, tecnologias, projeto, fabricação, comércio, uso e propõe processos de reciclagem ou recuperação dos insumos (CARDOSO, 2013). 192 FIGURA 23 – CICLO DE VIDA DOS PRODUTOS NA PERSPECTIVA DA ENGENHARIA AMBIENTAL FONTE: <https://meioambiente.culturamix.com/blog/wp-content/uploads/2013/04/Objetivos-Ciclo-De-Vi- da-Dos-Produtos.png>. Acesso em: 6 jul. 2020. Matéria bruta Manufatura e Embalagem Transporte Distribuição Uso e Operação Disposição e Reciclagem Observando os dois ciclos é possível perceber claramente os objetivos de ambos: o primeiro, orientado pelo marketing, leva-nos a pensar na situação de consumo constante. Quando pensado na perspectiva da engenharia ambiental ciclos de reciclagem passa a ser considerado. Quando pensamos na perspectiva do design, é preciso considerar uma equalização de ambos os ciclos, pois além de objetivar a venda de um produto é preciso considerar seu descarte (CARDOSO, 2013). Cardoso (2013) ressalta a dificuldade que os designers têm em projetar situações de pós-uso, pois nossa formação e nossa indústria é voltada para a produção do novo, utilizando matérias primas virgens para manufaturas, porém, já existem casos em que alguns produtos são produzidos por meio de material reciclado. O ciclo de vida dos produtos deve considerar todas suas fases de produção (pré-produção, produção, distribuição, uso e descarte) de forma a minimizar os impactos negativos ao longo do processo de produção. O design para sustentabilidade complementa o ciclo de vida do produto: o primeiro visa atuar de forma estratégica, enquanto o segundo fornece subsídios necessários para sustentar o primeiro (MANZINI, 2002). Kazazian (2009) nos lembra que grande parte dos nossos bens atuais são orientados por antigas tecnologias, como o motor a explosão, a eletricidade, as primeiras telecomunicações, entre outras. A própria internet, cuja popularização se deu na década de 1990, já existia desde a década de 1960 e decorre do aperfeiçoamento de outra tecnologia já existente. Sua popularização decorre do desejo do mercado em facilitar o acesso das massas a novos meios de comunicação. 193 Precisamos ter em mente que por menor que sejam as tecnologias com as quais interagimos na contemporaneidade, o volume de insumos necessários para a sua produção ainda é elevado. O marketing tem colaborado cada vez mais com a ideia de inovação tecnológica, em muito, com a função de disfarçar a saturação cada vez mais evidente. Aos designers fica o compromisso de produzir uma interface entre indivíduos e artefatos simples e eficiente, considerando as integrações possíveis com o meio ambiente. Logo, na medida em que o designer obtém resultados melhores utilizando o mínimo possível gera-se um bom resultado num sistema econômico (KAZAZIAN, 2009). Kazazian (2009) apresenta alguns serviços problematizando seus aspectos sustentáveis, são eles: água, alimentação, energia, habitação, mobilidade, esporte e multimídia. Para cada um deles ele apresenta o respectivo problema. Sabemos que a água é fonte de vida e indispensável para vegetais, animais, homens e suas respectivas atividades. Porém com o crescimento demográfico urbano e industrial das últimas décadas o consumo de água foi multiplicado em, pelo menos, sete vezes. Ainda que seja uma fonte renovável dentro de um ciclo natural não significa que seja inesgotável. O consumo de água por indivíduo pode variar de um lugar do mundo para outro, o que nos denota que o uso desse bem é algo que varia também de acordo com a cultura (KAZAZIAN, 2009). Além dos aspectos de consumo, a água ainda é afetada por questões de qualidade e poluição. Afetadas pela falta de saneamento ou por contato com adubos, pesticidas ou metais pesados, mais da metade dos maiores rios do mundo são poluídos. Doenças como malária, diarreia, vermes intestinais, entre outras, acometem a população em diversas partes do mundo (KAZAZIAN, 2009). O centro Sebrae de sustentabilidade construiu um infográficocom dez dicas para que as empresas consigam usar o recurso da água com maior eficiência. Basta uma volta nos supermercados para vermos a diversidade de produtos de origens diversas. A alimentação exótica dos países orientais pode ser facilmente adquirida a custos proporcionais ao dispêndio de energia de seu transporte, temos acesso a produtos que outrora eram consumidos apenas em períodos bem estabelecidos graças às transformações genéticas realizadas em laboratórios. Além disso, o uso de pesticidas e adubos químicos vem contribuindo para a degradação dos solos, chegando aos lençóis freáticos por infiltração (KAZAZIAN, 2009). Uma olhada rápida em nossa casa nos permite perceber que consumimos mais energia: é um carregador para o smartphone, outro para o notebook, a televisão smart, a cafeteira, o fogão com acendimento automático, a geladeira, o micro-ondas, o forno elétrico... ufa, ainda há uma lista imensa que não foi mencionada aqui. Além do consumo doméstico, precisamos considerar o consumo industrial. Países em desenvolvimento tendem a consumir mais energia (KAZAZIAN, 2009). 194 Ainda consumimos um alto volume de energias fósseis, sendo que 90% do consumo energético mundial é baseado em petróleo, gás e carvão. Alguns defendem a energia nuclear como mais limpa, porém isso não significa que os impactos sobre o meio ambiente inexistam. A energia renovável ainda se encontra em expansão, porém, algumas limitações já foram identificadas (KAZAZIAN, 2009). Nossa relação com o mobiliário das nossas casas foi transformada, o que antigamente era dominado pelo cenário do modulado hoje dá espaço aos planejados ou a troca sistemática dos móveis. O uso de madeira passou a ser valor simbólico enquanto derivados de madeira ampliaram o acesso e o consumo. O uso de madeira além de causar o desflorestamento, requer inúmeros beneficiamentos até chegar na cadeia de consumo (KAZAZIAN, 2009). O crescimento demográfico, a concentração de população em cidades cada vez maiores, aumento da renda média viabilizam o aumento da mobilidade de pessoas e mercadorias. O transporte, que era prioritariamente terrestre, ganha novas formas. Avoluma-se o número de veículos automotores particulares, que crescem na medida em que os sistemas de transporte público não conseguem entregar serviços de qualidade a custos equivalentes (KAZAZIAN, 2009). Nesta perspectiva, cresce a poluição atmosférica, multiplicam-se os congestionamentos em grandes cidades, a poluição sonora começa a afetar a rotina das pessoas. Construir o ciclo de vida de um automotor ainda não foi suficiente para minimizar os impactos gerados. A transformação se dá por meio da mudança de hábitos dos transeuntes e algumas soluções começam a ser delineadas. Em algumas cidades cresce o número de pessoas que se deslocam por meio de bicicleta, porém, ainda é incipiente o preparo das cidades para atender a esta demanda. A área de ciclo faixas ainda não é suficiente para fomentar essa mudança de comportamento (KAZAZIAN, 2009). De forma geral quando falamos em esporte consideramos os benefícios que ele agrega à saúde das pessoas, porém, quando refletimos sobre o impacto da indústria voltada para essa atividade podemos perceber mais claramente a dimensão do impacto ambiental que ela proporciona. A prática de esportes requer a construção de infraestruturas que ocupam espaço, demandam recursos, geram poluição (KAZAZIAN, 2009). Equipamentos esportivos demandam recursos, beneficiamentos, transporte. A cada cinco pares de calçados vendidos, pelo menos três são voltados para o desenvolvimento de atividades físicas. Eventos esportivos como Copa do Mundo e Olimpíadas apresentam forte impacto ambiental visto a necessidade mínima de uma estrutura para atender seja a atletas seja aos espectadores (KAZAZIAN, 2009). 195 A eletrônica, a informática e as novas tecnologias da informação representam grande parte da ameaça ecológica existente no século XXI. Além de consumir insumos, o uso de energia seja para produção quanto para uso impacta a sociedade contemporânea. O resíduo eletrônico muitas vezes é descartado de forma equivocada no ambiente, porém, crescem as ações de reciclagem (KAZAZIAN, 2009). Obviamente, os pontos nevrálgicos apresentados por Kazazian (2009) não são estanques em si, e seus impactos são orientados por uma interdependência dos processos de industrialização e consumo. A questão, a qual pretendemos nos debruçar neste texto, relaciona-se com o compromisso que nós, designers, podemos assumir na transformação dessa realidade. Pensando sobre a produção de design contemporâneo pode-se afirmar que o design pode atuar em pelo menos quatro frentes: 1) o redesign ambiental do existente; 2) o projeto de novos produtos que possam substituir os atuais; 3) o projeto de produtos e serviços sustentáveis; e 4) a proposta de novos cenários que sejam orientados por um estilo de vida sustentável (MANZINI, 2002). Vejamos cada um deles com mais detalhes. O redesign ambiental do existente viabiliza implementar melhorias na eficiência global de um produto, considera, portanto, consumo de matéria e energia, facilita a reciclagem dos materiais e a reutilização de componentes. É focado nas transformações em nível técnico sem impactar os estilos de vida e de consumo. Objetiva sensibilizar o usuário no momento em que este escolhe um produto entre similares, destacando seu caráter ecológico (MANZINI, 2002). Nada mais característico no universo do design do que cadeiras, portanto justo começar por elas. Produzida com compensado de bétula certificada pelo FSC (Conselho de Manejo Florestal) a cadeira 2Pac foi desenvolvida por designers do Rawstudio no Reino Unido. Sua montagem é feita por meio de encaixes focando no uso de materiais sustentáveis, com recursos mínimos e fácil de montar e desmontar. 196 FIGURA 24 – CADEIRA 2PAC FONTE: <https://i.pinimg.com/474x/02/a6/ab/02a6ab0ebfea6baf2623f0430bbcc147.jpg>. Acesso em: 6 jul. 2020. O projeto de novos produtos ou serviços foca na individualização daqueles que oferecem serviços mais favoráveis do ponto de vista ecológico do que os demais, estes precisam ser socialmente aceitos para que consigam ingressar no mercado. Ou seja, são produtos que precisam ser ecologicamente aceitos no âmbito cultural e comportamental, o que pode ser um problema, considerando que o mercado ainda é dominado por expectativas e valores distintos. Seu foco é propor inovação técnico- produtiva (MANZINI, 2002). O ciclo de menstruação de uma mulher dura em média dos 12 aos 50 anos, estima-se que cada mulher utiliza, pelo menos, 10 mil absorventes durante a vida. Absorventes externos podem levar até 100 anos para se degradarem enquanto o interno leva em média um ano. 197 FIGURA 25 – INFOGRÁFICO SOBRE O CONSUMO DE ABSORVENTES FEMININOS FONTE: <http://portaldonic.com.br/jornalismo/wp-content/uploads/2019/10/coletor-ok-3-768x768.jpg>. Acesso em: 6 jul. 2020. As soluções para minimizar o impacto dos absorventes convencionais são diversas, vão desde absorventes de pano, coletores menstruais, calcinhas absorvente reutilizável. O impacto, aqui, se dá no comportamento das consumidoras. O projeto de novos produtos e serviços inatamente sustentáveis precisa considerar sua demanda e a viabilidade. Seus resultados são orientados pelo que é socialmente apreciado e favorável ao meio ambiente de forma que implique numa reação cultural e social dos consumidores. Normalmente, o mercado para esse tipo de projeto ainda está em construção, portanto, é preciso estar ciente de que instabilidade de mercado é um fator presente. De outro lado, é preciso considerar que um novo mercado pode ser criado por meio deste produto. Para Manzini (2002) este é o único modo de se produzir um design realmente sustentável. 198 FIGURA 26 – BOLHA DE ÁGUA COMESTÍVEL FONTE: <https://catracalivre.com.br/wp-content/thumbnails/g0T_OYG55UOS6-K3-TPXFgQeZHI=/wp-con- tent/uploads/2018/09/agua-comestivel-2-910x600.jpg>.Acesso em: 6 jul. 2020. A startup londrina, Skipping Rocks Lab, desenvolveu uma bolha biodegradável composta por uma membrana fina e flexível que pode ser comida. Quando descartada no ambiente, leva entre quatro e seis semanas para se degradar. O produto tem sido testado em corridas de meia-maratona em Londres e tem como objetivo diminuir o volume de plástico gerado por garrafas ou copos plásticos. Propor novos cenários de estilos de vida sustentáveis implica na criação de novos critérios de qualidade, nos quais a modificação comportamental resulta em ideias socialmente produtivas. É baseada em novas possibilidades tecnológicas ou produtivas específicas e devem ser culturalmente atraentes. Seu papel é eminentemente cultural. O design associado à sustentabilidade deve focar não somente em redesenhar produtos já existentes, mas sim, buscar a proposição de produtos e serviços que causem impacto social de forma a transformar comportamentos (MANZINI, 2002). Os Jardins de Cingapura são exemplo em projeto de energia renovável. Os arquitetos britânicos da WilkinsonEyre e os arquitetos paisagistas da Grant Associates foram os responsáveis por projetar um enorme jardim tropical em Cingapura, o Gardens by the Bay (Jardins na Baía) um complexo de jardins com uma área de 101 hectares. Marcou o início da transformação “Uma cidade para um jardim”, planejada para elevar o perfil paisagístico da cidade, enquanto exibe o melhor da horticultura e da arte do jardim. Inaugurado em 28 de junho de 2012, o Gardens by the Bay venceu 16 prêmios. O complexo é composto por Supertrees (captam água da chuva, possuem placas solares fotovoltaicas). Flower Dome e Cloud Forest (reproduz sistemas ambientais com a uso da energia gerada pelo próprio sistema, chega a atingir até 30% do consumo total de energia). Gardens Lake (funciona como sistema de filtragem natural e é uma extensão do reservatório da marina, o escoamento da água é feito por meio de plantas aquáticas e serve para irrigação dos jardins). 199 FIGURA 27 – JARDINS DE CINGAPURA FONTE: <https://www.guiadecingapura.com/gardens-by-the-bay/>. Acesso em: 6 jul. 2020. Existe inúmeras ações que podem ser consideradas por designers na construção de um mundo mais sustentável. Os desafios são diversos, as dificuldades podem ser enormes, mas ao final de contas o que marcará um design relevante na contemporaneidade tem foco não somente nos aspectos estéticos e comunicativos dos projetos, mas também no impacto social que eles imprimem na sociedade e no meio ambiente. Sejam bem-vindos a uma era em que inovar vai além do uso de elementos tecnológicos. 200 RESUMO DO TÓPICO 2 Neste tópico, você aprendeu: • O conceito de sustentabilidade é composto pelo tripé econômico, social e ambiental. • Os artefatos que lançamos no mercado são compostos por um ciclo de vida que, dependendo da área, pode ter uma abordagem distinta. No que diz respeito ao design é mais interessante a proposta pela engenharia ambiental que prevê ciclos de descarte. • Na perspectiva de Kazazian (2009), existem alguns pontos nevrálgicos no que diz respeito às questões em torno da água, energia, esporte, alimentação, habitação, mobilidade e multimídia, e que buscar soluções para eles é propiciar o desenvolvimento de um mundo mais sustentável. • Cada indivíduo é responsável pela sua própria pegada impressa no planeta. • O designer pode atuar em quatro frentes para contribuir com um mundo mais sustentável. São elas: 1) o redesign ambiental do existente; 2) o projeto de novos produtos que possam substituir os atuais; 3) o projeto de produtos e serviços sustentáveis; e 4) a proposta de novos cenários que orientem um estilo de vida sustentável. • Alguns projetos versam com a criação de um design com maior responsabilidade ambiental. 201 AUTOATIVIDADE 1 Considerando os campos de atuação do design com foco no provimento de sustentabilidade, pesquise projetos de design que atendam cada uma delas. a) ( ) o redesign ambiental do existente; b) ( ) projeto de novos produtos que possam substituir os atuais; c) ( ) projeto de produtos e serviços sustentáveis; e d) ( ) proposta de novos cenários que orientem um estilo de vida sustentável. 2 Considerando os pontos problemáticos em torno das questões de sustentabilidade de Kazazian (2009) – água, energia, esporte, alimentação, habitação, mobilidade e multimídia –, pesquise projetos de design que se apresentem como soluções sustentáveis nessas áreas. Descreva o projeto e relate o impacto que ele gera. 202 203 TÓPICO 3 - O ELO ENTRE DESIGN E AS DIMENSÕES SOCIAL E EMOCIONAL 1 INTRODUÇÃO No Tópico 1 desta unidade, abordamos o tema da estética e da percepção, no qual você estudou que a compreensão que temos acerca de um artefato perpassa pelos nossos sentidos, os inputs sensoriais são traduzidos pelo nosso cérebro e transformados em um dado. A estética nos permite avaliar as qualidades sensoriais dos artefatos, julgando- os belos ou não, usáveis ou não, entre outros. No Tópico 2 discutimos as relações e os compromissos do design com o meio ambiente. Considerando a convergência entre estes dois temas, se faz necessário compreender de que forma se relacionam as dimensões social e emocional do design. UNIDADE 3 2 PESSOAS E EMOÇÕES: O DESIGN COMO MEDIADOR Ao longo deste livro você estudou que o design se desenvolveu a fim de fomentar a comercialização de produtos industrializados, congregando arte e técnica e constituindo assim a sua linguagem. Além disso, você pôde ver que o design sempre esteve ligado a mudanças ocorridas na sociedade, o que torna praticamente impossível falar sobre neutralidade do design, mas, e se o design é pensado em nível comercial? Por qual motivo falamos tanto em responsabilidade social no design atualmente? Vamos começar pensando sobre o Capítulo II do código de ética editado pela ADG – Associação dos Designers Gráficos – o qual diz, em relação ao setor público, o designer deve interessar-se pelo bem público, primar pela justiça social, propor melhores condições sociais e ambientais. 204 Assista ao vídeo Código de Ética Profissional do Designer Gráfico (ADG) para obter mais informações sobre a conduta de profissionais de design. O vídeo está disponível no seguinte endereço: https://www.youtube.com/ watch?v=WzZYmnzn24s. DICAS A ocupação profissional tem origem na divisão de trabalho, cujo papel social é definido pelo conhecimento e competências específicas. Assim, profissionais podem contribuir com o desenvolvimento da sociedade de forma ética e eficaz, para tanto, é necessário um reconhecimento de classe, é preciso se sentir fazendo parte da comunidade (BRAGA, 2011). De acordo com Redig (2011), o senso comum que impera sobre a área do design cria a ideia de que design é uma profissão orientada pela futilidade, cabendo ao designer a tarefa de embelezar produtos e torná-los financeiramente menos acessível na medida em que usam materiais e formas de modo requintado. Muitas vezes, associado aos juízos de valor, o design é visto como componente de artigos de luxo e, em consequência disto, de custo alto, indisponível para a maioria das pessoas. É preciso reverter essa percepção sobre a área, reconhecer a necessidade de designers aptos a mediar as relações entre pessoas e artefatos. Precisamos partir da seguinte premissa: o custo de um produto decorre da soma de custos que dizem respeito à concepção, produção, distribuição, comunicação e manutenção; estes são os processos necessários para colocar produtos à disposição dos consumidores. O custo de um projeto de design corresponde a uma pequena parcela do valor total do empreendimento quando comparado à fase de produção ou distribuição. Quando diluído ao longo do processo, o custo do design tende a tornar-se insignificante diante do preço de venda de um produto (REDIG, 2011). Para Redig (2011), design diz respeito à industrialização, mas também à cidadania. Para entender melhor o desenvolvimento