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2013 Ações, Dimensões e AplicAbiliDADe Do instrumentAl técnico-operAtivo Do serviço sociAl Prof.ª Andréia Zanluca Prof.ª Juliana Maria Lazzarini Prof.ª Vera Lúcia Hoffmann Pieritz Copyright © UNIASSELVI 2013 Elaboração: Prof.ª Andréia Zanluca Prof.ª Juliana Maria Lazzarini Prof.ª Vera Lúcia Hoffmann Pieritz Revisão, Diagramação e Produção: Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri UNIASSELVI – Indaial. 361.0023 Z25a Zanluca, Andréia Ações, dimensões e aplicabilidade do instrumental técnico-operativo do serviço social/ Andréia Zanluca, Juliana Maria Lazzarini, Vera Lúcia Hoffman Pieritz. Indaial : Uniasselvi, 2013. 205 p. : il ISBN 978-85-7830-819-3 I Serviço social como profissão. 1.Centro Universitário Leonardo da Vinci. Impresso por: III ApresentAção Caro(a) acadêmico(a)! Iniciamos os estudos de Ações, dimensões e aplicabilidade do instrumental técnico-operativo do Serviço Social. Entraremos no mundo intrínseco da instrumentalidade da atuação profissional do assistente social, no qual estudaremos as dimensões técnico-operativa, teórico-metodológica e ético-política do trabalho do assistente social. Para isso, vamos perpassar por seus aspectos históricos e estudar como se processa a aplicabilidade dos instrumentos e técnicas no exercício profissional do assistente social em seu cotidiano profissional. Veremos também alguns aspectos ideológicos que norteiam a aplicabilidade e o uso dos instrumentos e técnicas profissionais do serviço social e alguns aspectos da natureza, estratégias, particularidades e implicações do trabalho do assistente social nos diversos campos de atuação. Na Unidade 1 você verá questões sobre as dimensões técnico- operativa, teórico-metodológica e ético-política do trabalho do assistente social, no intuito de compreender as diversas dimensões que norteiam a atuação profissional do assistente social e desmistificar as diversas competências dos profissionais do serviço social na atualidade. Verá também concepções da instrumentalidade do serviço social e as diferentes linguagens da instrumentalidade do assistente social. Na segunda unidade você conhecerá a ação profissional e o processo interventivo do assistente social no cotidiano, promovendo a reflexão sobre os diferentes aspectos ideológicos que permeiam a aplicabilidade dos instrumentos, técnicas e ações profissionais do assistente social. Será abordada também a questão da consciência e intencionalidade da ação profissional do assistente social em seu cotidiano, além da competência relacional do assistente social, a racionalidade da práxis profissional no serviço social e alguns impasses com relação à aplicabilidade do seu instrumental técnico- operativo. Por fim, abordaremos o significado da mediação e da ação investigativa no serviço social . Na terceira unidade você compreenderá a aplicabilidade dos instrumentos e técnicas no exercício profissional. Veremos a diferença e importância da teoria versus a prática profissional do assistente social e quais são os métodos e metodologias aplicados na práxis profissional do serviço social . Será abordada também qual a aplicabilidade dos instrumentos e técnicas no exercício profissional do assistente social. IV Você já me conhece das outras disciplinas? Não? É calouro? Enfim, tanto para você que está chegando agora à UNIASSELVI quanto para você que já é veterano, há novidades em nosso material. Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é o material base da disciplina. A partir de 2017, nossos livros estão de visual novo, com um formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura. O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com nova diagramação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página, o que também contribui para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo. Assim, a UNIASSELVI, preocupando-se com o impacto de nossas ações sobre o ambiente, apresenta também este livro no formato digital. Assim, você, acadêmico, tem a possibilidade de estudá-lo com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador. Eu mesmo, UNI, ganhei um novo layout, você me verá frequentemente e surgirei para apresentar dicas de vídeos e outras fontes de conhecimento que complementam o assunto em questão. Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa continuar seus estudos com um material de qualidade. Aproveito o momento para convidá-lo para um bate-papo sobre o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes – ENADE. Bons estudos! NOTA Pronto(a) para começar a compreender o significado da ciência política? Mãos à obra, então. Bons estudos! Prof.ª Andréia Zanluca Prof.ª Juliana Maria Lazzarini Prof.ª Vera Lucia Hoffmann Pieritz V VI VII UNIDADE 1 – AS DIMENSÕES TÉCNICO-OPERATIVA, TEÓRICO-METODOLÓGICA E ÉTICO-POLÍTICA DO TRABALHO DO ASSISTENTE SOCIAL ............... 1 TÓPICO 1 – TRAJETÓRIA DO SERVIÇO SOCIAL NO BRASIL .............................................. 3 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 3 2 CONTEXTO GERAL DA TRAJETÓRIA HISTÓRICA DO SERVIÇO SOCIAL NO BRASIL ........................................................................................................................................ 3 3 A CONSTRUÇÃO DO REFERENCIAL BIBLIOGRÁFICO DO SERVIÇO SOCIAL ......... 8 LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................ 10 RESUMO DO TÓPICO 1..................................................................................................................... 14 AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 15 TÓPICO 2 – A INSTRUMENTALIDADE DO SERVIÇO SOCIAL ........................................... 17 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 17 2 OS CONTEÚDOS DESSA DIMENSÃO NA TRAJETÓRIA DA PROFISSÃO: O COMO FAZER A PROFISSÃO ................................................................................................... 17 3 RAZÃO E MODERNIDADE ........................................................................................................... 19 4 RACIONALIDADE DO CAPITALISMO E SERVIÇO SOCIAL ............................................. 20 LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................ 21 RESUMO DO TÓPICO 2..................................................................................................................... 32 AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 33 TÓPICO 3 – AS COMPETÊNCIAS DO SERVIÇO SOCIAL NA CONTEMPORANEIDADE: POLÍTICA, ÉTICA, INVESTIGAÇÃO E INTERVENÇÃO ............................................................................................................ 35 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 35 2 CONSIDERAÇÕES INICIAIS SOBRE AS COMPETÊNCIAS DO SERVIÇO SOCIAL NA CONTEMPORANEIDADE ..................................................................................... 36 3 COMPETÊNCIA TEÓRICO-METODOLÓGICA ....................................................................... 37 4 COMPETÊNCIA TÉCNICO-OPERATIVA ...................................................................................43 5 COMPETÊNCIA ÉTICO-POLÍTICA ............................................................................................. 50 6 CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE AS TRÊS DIMENSÕES ................................................ 54 LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................ 57 RESUMO DO TÓPICO 3..................................................................................................................... 62 AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 64 UNIDADE 2 – A AÇÃO PROFISSIONAL E O PROCESSO INTERVENTIVO DO ASSISTENTE SOCIAL NO COTIDIANO ........................................................... 65 TÓPICO 1 – ASPECTOS IDEOLÓGICOS NO USO DOS INSTRUMENTOS E TÉCNICAS ..................................................................................................................... 67 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 67 2 INTENCIONALIDADE E CONSCIÊNCIA DA AÇÃO PROFISSIONAL ............................. 67 2.1 A CATEGORIA “CONSCIÊNCIA” ............................................................................................ 67 sumário VIII LEITURA COMPLEMENTAR 1 ........................................................................................................ 74 2.2 A INTENCIONALIDADE ENQUANTO CATEGORIA TEÓRICA ...................................... 76 2.3 A INTENCIONALIDADE NO SERVIÇO SOCIAL ................................................................. 81 LEITURA COMPLEMENTAR 2 ........................................................................................................ 87 RESUMO DO TÓPICO 1..................................................................................................................... 93 AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 94 TÓPICO 2 – NATUREZA, ESTRATÉGIAS, PARTICULARIDADES E IMPLICAÇÕES DO TRABALHO DO ASSISTENTE SOCIAL ........................... 97 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 97 2 A COMPETÊNCIA RELACIONAL DO ASSISTENTE SOCIAL ............................................. 97 3 A RACIONALIZAÇÃO DA PRÁTICA DA ASSISTÊNCIA: ASPECTOS HISTÓRICOS ..................................................................................................................................... 101 4 RACIONALIDADE INSTRUMENTAL E TÉCNICA ................................................................ 104 LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................ 132 RESUMO DO TÓPICO 2..................................................................................................................... 135 AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 136 TÓPICO 3 – IMPASSES DA PROFISSÃO NA APLICABILIDADE DOS INSTRUMENTOS ........................................................................................................ 137 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 137 2 O PROCESSO DE PRODUÇÃO E REPRODUÇÃO SOCIAL .................................................. 137 3 O SERVIÇO SOCIAL NO PROCESSO DE PRODUÇÃO E REPRODUÇÃO SOCIAL ...... 140 LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................ 142 RESUMO DO TÓPICO 3..................................................................................................................... 146 AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 147 UNIDADE 3 – A APLICABILIDADE DOS INSTRUMENTOS E TÉCNICAS NO EXERCÍCIO PROFISSIONAL ................................................................................. 149 TÓPICO 1 – TEORIA E PRÁTICA, MÉTODO E METODOLOGIAS........................................ 151 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 151 2 TEORIA VERSUS PRÁTICA ........................................................................................................... 151 3 MÉTODO E METODOLOGIA ....................................................................................................... 155 LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................ 158 RESUMO DO TÓPICO 1..................................................................................................................... 160 AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 161 TÓPICO 2 – O MANEJO DO INSTRUMENTAL TÉCNICO-OPERATIVO DO ASSISTENTE SOCIAL ......................................................................................... 163 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 163 2 A APLICABILIDADE DOS INSTRUMENTOS E TÉCNICAS NO EXERCÍCIO PROFISSIONAL ................................................................................................................................... 163 2.1 A APLICABILIDADE DOS INSTRUMENTOS DE TRABALHO DIRETOS OU “FACE A FACE” ........................................................................................................................... 164 2.1.1 Observação ............................................................................................................................... 165 2.1.2 Entrevista individual e grupal .............................................................................................. 166 2.1.3 Dinâmica de grupo ................................................................................................................. 168 2.1.4 Reunião ..................................................................................................................................... 168 2.1.5 Visita domiciliar ...................................................................................................................... 169 2.1.6 Visita institucional .................................................................................................................. 170 2.1.7 Técnica de encaminhamento ................................................................................................. 171 2.1.8 Perícia social ............................................................................................................................ 171 IX 2.1.9 Parecer social ............................................................................................................................ 172 2.2 A APLICABILIDADE DOS INSTRUMENTOS DE TRABALHO INDIRETOS OU “POR ESCRITO”........................................................................................................................... 172 2.2.1 Atas de reunião ........................................................................................................................ 173 2.2.2 Diário de campo ...................................................................................................................... 173 2.2.3 Relatório social ......................................................................................................................... 174 LEITURA COMPLEMENTAR ...........................................................................................................176 RESUMO DO TÓPICO 2..................................................................................................................... 177 AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 178 TÓPICO 3 – OUTRAS CARACTERÍSTICAS INSTRUMENTAIS DA AÇÃO PROFISSIONAL DO ASSISTENTE SOCIAL ......................................................... 179 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 179 2 MEDIAÇÃO COMO INSTRUMENTO NA MEDIAÇÃO DE CONFLITOS ....................... 179 LEITURA COMPLEMENTAR 1 ......................................................................................................... 188 LEITURA COMPLEMENTAR 2 ......................................................................................................... 192 RESUMO DO TÓPICO 3..................................................................................................................... 198 AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 199 REFERÊNCIAS ..................................................................................................................................... 201 X 1 UNIDADE 1 AS DIMENSÕES TÉCNICO-OPERATIVA, TEÓRICO-METODOLÓGICA E ÉTICO-POLÍTICA DO TRABALHO DO ASSISTENTE SOCIAL OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM PLANO DE ESTUDOS A partir desta unidade você será capaz de: • compreender as diversas dimensões que norteiam a atuação profissional do assistente social; • desmistificar as diversas competências dos profissionais do serviço social na atualidade; • entender as nuances e concepções da instrumentalidade do serviço social; • perceber as diferentes linguagens da instrumentalidade do assistente so- cial. A Unidade 1 está dividida em três tópicos e, ao final de cada um deles, você terá a oportunidade de fixar seus conhecimentos realizando as atividades propostas. TÓPICO 1 – TRAJETÓRIA DO SERVIÇO SOCIAL NO BRASIL TÓPICO 2 – A INSTRUMENTALIDADE DO SERVIÇO SOCIAL TÓPICO 3 – AS COMPETÊNCIAS DO SERVIÇO SOCIAL NA CONTEMPORANEIDADE: POLÍTICA, ÉTICA, INVESTIGAÇÃO E INTERVENÇÃO 2 3 TÓPICO 1 UNIDADE 1 TRAJETÓRIA DO SERVIÇO SOCIAL NO BRASIL 1 INTRODUÇÃO A construção histórica do serviço social passa pelas mudanças e transformações sociais, às quais os assistentes sociais vêm se adaptando, atualizando-se constantemente. Neste sentido, o projeto ético-político do serviço social está se moldando a estas novas realidades sociais que se apresentam pelos novos tempos. A luta pela garantia de direitos foi construída e reconstruída na práxis deste profissional que, diante das demandas sociais, tem uma postura voltada a possibilitar o acesso aos direitos sociais, na construção da cidadania, parceria da equidade e da liberdade. “Quem sabe o que está buscando e aonde quer chegar, encontra os caminhos certos e o jeito de caminhar”. Thiago de Melo 2 CONTEXTO GERAL DA TRAJETÓRIA HISTÓRICA DO SERVIÇO SOCIAL NO BRASIL A partir do século XVII, Badinter (2001) diz que o Estado, em vários países como Alemanha, Inglaterra, França e Espanha, gradativamente começa a assumir suas responsabilidades, e o bem-estar do povo é considerado necessidade básica para que a cidade tenha desenvolvimento, além de outras questões políticas que necessitam mostrar em números o bem-estar social. Neste contexto o Estado atuava com ações emergenciais, que atendiam a população em situações de necessidades básicas e momentâneas. Por volta de 1870, na Inglaterra e nos Estados Unidos, foram criadas as Sociedades de Organização da Caridade, que coordenavam inúmeras instituições sociais, faziam campanhas de fundos e introduziam o controle de assistência à pobreza. Conforme afirma Martinelli (2009), neste contexto nasce o serviço social como profissão, apresentando uma prática humanizada aliada ao Estado e protegida pela Igreja, com o objetivo de controlar a sociedade. UNIDADE 1 | AS DIMENSÕES T-O, TEÓRICO-METODOLÓGICA E ÉTICO-POLÍTICA DO TRABALHO DO ASSISTENTE SOCIAL 4 Mas, como se DESENVOLVEU o serviço social enquanto PROFISSÃO? Vejamos: para autores como Vieira (1989), o serviço social se desenvolveu conforme a realidade na qual estava inserido, mas sempre com as mesmas características de ajuda ou auxílio àqueles menos favorecidos. Como as condições de trabalho, de habitação, de alimentação etc. sofrem mudanças ao longo dos anos, assim também o profissional deve se transformar; então, ele deixa a caridade e, muito lentamente, parte para a garantia de direitos. A partir do século XX, apareceram instituições internacionais com o objetivo de criar um consenso sobre “a noção de ajuda”, que já era conhecida internacionalmente como serviço social , mas cada país fazia de um jeito, usando o mesmo nome. Assim como a noção de ajuda tinha um sentido diferente, da mesma forma a atuação era bastante diferenciada, segundo Vieira (1989). Na Europa de língua francesa, adotou-se o nome de serviço social , nos países de língua anglo- germânica e nos Estados Unidos, o de Trabalho Social. Vieira (1989) diz que houve uma tomada de consciência quanto ao fato de ajudar. Neste sentido, a palavra serviço, do latim servitium, teria o significado de ser escravo, enquanto a palavra trabalho, da raiz latina trabs, trales, é trave de carga que se coloca ao escravo para obrigá-lo a trabalhar. Nesta linha de raciocínio, o trabalho social deve ser “a atividade realizada em benefício da sociedade”, enquanto serviço social é “um serviço prestado à sociedade”. Diante de tantos significados, teremos que falar da função do assistente social, que é a de “assistir”, pois a tradução do latim para a palavra assistente é “colocar-se à disposição”. ATENCAO Então, será que o profissional formado em serviço social deve SER CARIDOSO? É claro que o fazer do serviço social se ampliou e, em alguns aspectos, modificou-se, através de todas as reflexões que os anos trouxeram, pois saiu da caridade para a garantia de direitos. Deixou de ser um serviço da Igreja para atingir a ação governamental, da atividade desempenhada pelos bons de coração passou para uma atividade profissional. Podemos dizer que, entretanto, à medida que a profissão era inserida num determinado país, ou se avançava nas reflexões onde já existia, sempre surgiam os retrocessos, pois quando se avançava na garantia de direitos dos idosos, por exemplo, havia o retrocesso nas leis da previdência, e assim por diante. Aqui no Brasil não foi diferente. TÓPICO 1 | TRAJETÓRIA DO SERVIÇO SOCIAL NO BRASIL 5 O Brasil foi colonizado por Portugal e, consequentemente, recebeu influências do colonizador: para um lugar ser designado cidade deveria ter uma capela e uma santa casa, segundo Vieira (1989), que funcionava gratuitamente e atendia os doentes. ESTUDOS FU TUROS Você verá mais tarde, na Unidade 2 deste caderno, uma síntese histórica da racionalização da prática da assistência, na qual apresentaremos as diversas concepções históricas da prática da Assistência Social. Então, como SURGIU o serviço social no Brasil? No Brasil, o serviço social surgiu na década de 1930, num momento de grandes transformações na sociedade brasileira, pois deixava de ser um país com economia agroexportadora para se tornar um país em processo de industrialização nacional. Uma das mudanças ocorridas na época, conforme Miguel (1980), foi a transformação do sistema educacional que, impulsionado pela política educacional do Estado Novo, trouxe reflexos para o serviço social , como: a estruturação das primeiras universidades e a criação de escolas técnicas, pois assim se criava a mão de obra especializada e barata em favor da nação, fazendo as assistentes sociais refletirem sobre a forma de inserção no mundo do trabalho. Outra mudança foia promulgação das leis trabalhistas e a criação da Previdência Social, que representou um progresso para a classe trabalhadora do país, porém o “pobre” não escolhia, ele tinha que aceitar a “caridade”, pois na época predominava uma mentalidade curativo-paternalista e nunca preventiva. Prezado(a) acadêmico(a), a mentalidade CURATIVA provém de uma filosofia curativa, que, em passado recente, baseava-se na prática da profissão que tratava apenas as sequelas dos problemas sociais, e nunca as causas dos problemas. ATENCAO UNIDADE 1 | AS DIMENSÕES T-O, TEÓRICO-METODOLÓGICA E ÉTICO-POLÍTICA DO TRABALHO DO ASSISTENTE SOCIAL 6 A mentalidade PATERNALISTA advém do comportamento paternalista, ou seja: o PATERNALISMO, em um sentido amplo, é um sistema de relações sociais e trabalhistas, unidas por um conjunto de valores, doutrinas políticas e normas fundadas na valorização positiva da pessoa do patriarca. Em um sentido mais concreto, o paternalismo é uma modalidade de autoritarismo, na qual uma pessoa exerce o poder sobre outra combinando decisões arbitrárias e inquestionáveis, com elementos sentimentais e concessões graciosas. Para o Direito Constitucional, o Estado paternalista é aquele que limita as liberdades individuais de seus cidadãos com base em valores axiológicos que fundamentam as imposições estatais. Desta maneira, justifica-se a invasão da parcela correspondente à autonomia individual por parte da norma jurídica, baseando-se na incapacidade ou idoneidade dos cidadãos para tomar determinadas decisões que o Estado julga corretas. Ainda mais, o paternalismo é relacionado ocasionalmente com a figura papal da Igreja Católica, a qual se chama Santo Padre, com o fim de acentuar a supremacia, autonomia e soberania desta instituição. Podemos encontrar inclusa uma referência indireta a este termo no âmbito legal, quando lemos no Código Civil espanhol, em seu artigo 1903, a expressão “bom pai de família”, quando se enfatiza a diligência com que observarão aquelas pessoas que respondem pelas atuações de outras (menores ou incapacitados). FONTE: Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Paternalismo>. Acesso em: 11 mar. 2010. ATENCAO Assim, numa mistura de mentalidades colonialistas e escravocratas, nasce o serviço social brasileiro, enraizado nas ideias paternalistas, com a tradição da caridade, misturadas aos novos ideais que estavam surgindo no país. E, quando foi que APARECEU a PRIMEIRA ESCOLA de serviço social no Brasil? O primeiro núcleo de serviço social brasileiro foi fundado em 1932, em São Paulo, relata Lima (1987), local onde se concentrava a maior parte do parque industrial nacional e, logo depois, em 1936, surgiram as primeiras experiências no Rio de Janeiro. Aos primeiros assistentes sociais brasileiros, moças de famílias abastadas, coube a tarefa de batalhar pela criação de instituições sociais, organizar e racionalizar a assistência, construir uma profissão e preparar os novos profissionais, sempre segundo as normas da Igreja. A atuação da Igreja Católica ficou delimitada com a Constituição de 1937, já não sendo o ensino confessional uma obrigação da escola. O serviço social pôde, neste momento, sair da interferência do pensamento católico, embora, TÓPICO 1 | TRAJETÓRIA DO SERVIÇO SOCIAL NO BRASIL 7 conforme Badinter (2001), fosse um processo em construção e muito demorado: no meio do redemoinho tudo está interligado, a Igreja, a Medicina, os colegas de profissão que falam e reproduzem a teoria que está colocada. E quais foram as INFLUÊNCIAS da década de 40 e da RECONCEITUAÇÃO do serviço social brasileiro? A década de 40 veio marcada pelo modelo fordista de produção, que exigia uma nova forma de controle por parte do Estado, pautada no consenso e coesão entre classes, sabendo que o serviço social tinha sua atuação sob influência ideológica do Estado, segundo Lima (1987). Assim surgem o serviço social da Indústria (SESI) e o serviço social do Comércio (SESC). Tudo devia ser iniciado e desenvolvido ao mesmo tempo, seguindo um modelo dos Estados Unidos, até o final da década de 50, afirma Barroco (2001), quando há a incorporação de novas possibilidades teóricas. Os anos 60 vêm marcados pelo movimento de reconceituação do serviço social , momento em que são questionados seus referenciais, com uma necessidade urgente de construir um novo projeto profissional, segundo Yasbek (2008). Neste momento de reconceituação confrontaram-se as três diferentes tendências profissionais, afirma Netto (2001): a vertente modernizadora, a vertente inspirada na fenomenologia e a vertente marxista. Mas a vertente marxista vem fragilizada, pois foi uma teoria traduzida pela metade e, desta forma, configurou a profissão até recentemente. Já APÓS O PERÍODO DA DITADURA MILITAR, o que aconteceu com o serviço social ? Os anos enfrentados pela ditadura mostraram a estreita relação entre a afirmação e a negação da liberdade, uma vez que a realidade brasileira tem suas especificidades, e neste momento aparece a fragilidade da atuação profissional, coloca Lima (1987), em que as divergências se mostram através dos movimentos da assistência/repreensão. Até a década de 70 o profissional de serviço social tinha uma postura bastante assistencialista, ainda centrada no indivíduo, valorizando e exigindo uma postura religiosa, sem nenhuma crítica política e pouca utilização de técnicas científicas. Já a década de 70 nos mostra sua força através dos encontros e seminários, como o Seminário de Araxá-MG, e o de Teresópolis-RJ, que estruturam uma nova articulação com a sociedade, e garantiam um reconhecimento profissional enquanto categoria (LIMA, 1987). UNIDADE 1 | AS DIMENSÕES T-O, TEÓRICO-METODOLÓGICA E ÉTICO-POLÍTICA DO TRABALHO DO ASSISTENTE SOCIAL 8 Para Miguel (1980), todos os documentos resultantes desses encontros são, na verdade, formas de manipulação da classe trabalhadora através de uma ideologia da classe produtora, usando o serviço social para dar cumprimento às finalidades pelas quais foi contratada. Vieira (1989), no entanto, diz ter sido um momento de grande importância para a profissão, pois, a partir dos seminários, os assistentes sociais começaram a ter ideias novas: sair do assistencialismo, avaliar e construir uma ação preventiva, além de o documento de Araxá apresentar um resumo da evolução do serviço social no Brasil, através dos sete encontros regionais feitos para avaliar o documento. O serviço social nasce e cresce dentro de uma ordem do dever agir, entre erros e acertos, e não no dever refletir sobre a realidade econômica, política ou social. Assim, a profissão é marcada pela necessidade de reajustar o indivíduo à realidade posta. (VIEIRA, 1989). Uma profissão, com origens num momento de crescimento do Estado paternalista e atuação centrada em ações imediatas, criou uma imagem de assistente social que cresceu e, através dos encontros, começou a mudar frente a algumas situações. Este não é um processo fácil de fazer e muito menos de aceitação por parte das instituições ligadas ao profissional. Assim, o serviço social , após as décadas de 70 e 80, procurou encontrar e construir teoricamente a profissão, saber qual sua ação, qual a intervenção, qual sua práxis. Procurou a teorização, conforme coloca Yasbek (2008), e assim cria-se, em São Paulo, o primeiro curso de mestrado em serviço social , que possibilitou estudar mais profundamente a profissão. NOTA A práxis se compõe da atividade teórica (produção de conhecimento e finalidades) e da prática (transformação da realidade). (VIEIRA, 1989, p. 170). 3 A CONSTRUÇÃO DO REFERENCIAL BIBLIOGRÁFICO DO SERVIÇO SOCIAL É na década de 80 que a teoria social de Marx passa a fazer parte da referência analítica da profissão, conforme Netto (2001). Essa introdução passa por vários debates e foi a geradora da construção da bibliografia de serviço social . TÓPICO 1 | TRAJETÓRIA DO SERVIÇO SOCIAL NO BRASIL 9 Naquela época, a discussãose centrava nos fundamentos do serviço social , procuravam-se as particularidades da profissão. Hoje, porém, há uma frágil linha entre o processo de trabalho e suas dimensões históricas, metodológicas e éticas. (IAMAMOTO, 2008). Concordando com Iamamoto, Netto (2001) mostra que a década de 80 marca a ruptura do serviço social com o conservadorismo, porém ele não foi superado. Houve pequenas brechas para que os assistentes sociais se posicionassem criticamente, podendo haver uma reflexão sobre as ideologias políticas que movem o país. Algumas centenas de livros e artigos já foram publicados sobre o serviço social : entre eles, Netto (2001), que fala sobre a legitimidade da profissão que hoje perde espaço para outros profissionais que têm práticas muito semelhantes às do assistente social e, por causa disso, tem-se a necessidade de ampliar os campos de intervenção desse profissional. NOTA Práticas que são semelhantes às do assistente social: Psicologia social, Administrador de recursos humanos, Sociologias aplicadas etc. Diante dessa constatação, o autor defende ainda que os profissionais dos anos 90 não estão adequadamente qualificados para o enfrentamento da nova realidade, pois o serviço social está com seus parâmetros teórico-ideológicos ultrapassados. A maioria dos profissionais docentes vive à margem dos anos da ditadura ou na sombra dos anos 80, e o aluno ingresso nas faculdades também possui um novo perfil. NOTA O novo perfil de aluno é de renda baixa/média e baixo nível cultural. O final dos anos 80 e o começo dos 90, entretanto, não foram de todo ruins. Tivemos conquistas como a Constituição Federal de 1988, que garantiu o ECA, Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, a Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS, Lei nº 8.742, de 1993, e o Sistema Único de Saúde. Já Antunes (1997) afirma que os anos 90 trazem uma nova realidade econômica e social ao país, em que o serviço social é obrigado a fazer a leitura UNIDADE 1 | AS DIMENSÕES T-O, TEÓRICO-METODOLÓGICA E ÉTICO-POLÍTICA DO TRABALHO DO ASSISTENTE SOCIAL 10 e intervir nas novas configurações das questões sociais, que trazem temáticas relativas à exclusão por causa da precarização do trabalho. Hoje o assistente social tem deveres com os demandatários principalmente porque, na articulação entre teoria e prática, decifra a realidade e cria alternativas que transcendem o individualismo, como está no Código de Ética de 1993, rompendo com práticas tuteladoras e ampliando os canais de cidadania e participação dos demandatários como sujeitos políticos. A Lei Orgânica da Assistência Social define os objetivos da profissão, colocando no inciso um a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice; além disso, a Assistência Social deverá ser realizada de forma integrada a outras políticas, sempre no enfrentamento da pobreza e luta pela universalização dos direitos sociais. Toda a mudança do mundo do trabalho transformou a classe que vive do trabalho numa grande massa dependente de assistência, pois as questões sociais emergiram de forma rápida, impulsionando os profissionais a atuações urgentes. Diante de todas as mudanças, temos que repensar o profissional que começou sua história no Brasil como um instrumento de repreensão por parte do Estado. Hoje é uma profissão que atua tanto no âmbito público como no privado, tendo os mais variados tipos de intervenção: desenvolveu-se nas pesquisas, avançou no nível acadêmico e na organização social (YASBEK, 2008). RESGATE HISTÓRICO SOBRE O SURGIMENTO DO SERVIÇO SOCIAL NO BRASIL Lívia Carla de Souza Almeida A história do serviço social está ligada aos fatos históricos, segundo Silva (1995), pois, “[...] não deve ser entendida como uma cronologia de fatos, mas na sua ligação com o contexto geral da sociedade [...] isto é, a história dos processos econômicos, das classes e das próprias ciências sociais.” (p. 35). Inicialmente, o serviço social se apresenta envolvido com os interesses da classe dominante, mas, antagonicamente, também está sujeito à classe subalterna, sendo o mediador entre ambas as classes. A contradição é uma característica presente em países industrializados, assim como os altos índices de pauperismo na zona urbana. Por volta da década de 30, começa a haver no Brasil uma urbanização crescente, e as contradições da industrialização fazem surgir as lutas reivindicativas, a classe trabalhadora passa a se organizar, resultando na hostilidade do outro LEITURA COMPLEMENTAR TÓPICO 1 | TRAJETÓRIA DO SERVIÇO SOCIAL NO BRASIL 11 grupo. Nasce, neste momento, através do papel pacificador por parte do Estado, a institucionalização do serviço social que, movido pelas profundas alterações sociais através do processo de transição do modelo agrário-comercial para o modelo industrial, atua frente à “questão social” que é apresentada diante de todos. Segundo Iamamoto (2004, p. 18) “o debate sobre a ‘questão social’ atravessa toda a sociedade e obriga o Estado, as frações dominantes e a Igreja a se posicionarem diante dela”. A Igreja Católica torna-se fundamental na abertura das duas primeiras escolas de serviço social : a Escola de serviço social de São Paulo, em 1936, e a Escola de serviço social do Rio de Janeiro, em 1937, sendo essas duas escolas as pioneiras do serviço social no Brasil. Silva (1995) afirma que, desde o ano da criação das primeiras escolas de serviço social até 1945, são definidos três eixos para a formação profissional do assistente social. São eles: • formação científica, na qual era necessário o conhecimento das disciplinas como Sociologia, Psicologia, Biologia, Filosofia, favorecendo ao educando uma visão holística do homem, ajudando-o a criar o hábito da objetividade; • formação técnica, cujo objetivo era preparar o educando quanto à sua ação no combate aos males sociais; e a • formação moral e doutrinária, fazendo com que os princípios inerentes à profissão sejam absorvidos pelos alunos. A expansão da economia norte-americana na América Latina resultou na adoção do Brasil pelo desenvolvimentismo que monopolizava a economia e a política, havendo influência norte-americana também no serviço social . Foi no âmbito da influência norte-americana que importamos, progressivamente, os métodos de serviço social de Caso, serviço social de Grupo, Organização de Comunidade e, posteriormente, Desenvolvimento de Comunidade. (SILVA, 1995, p. 41). No decorrer das décadas de 50 e 60, o assistente social é preparado como mão de obra capaz de colocar em prática os programas sociais, com grande importância na realização do modelo desenvolvimentista assumido pelo país. Em meados da década de 60, na América Latina nota-se a ineficácia da proposta desenvolvimentista; nasce a proposta de transformação da sociedade, onde são questionados a metodologia, os objetivos e os conteúdos necessários para a formação profissional. Como resultado, houve muitas escolas em crise ideológica. Surge assim o movimento de reconceituação, cujo objetivo da ação profissional do serviço social seriam os problemas estruturais da sociedade, não apenas relacionados aos problemas individuais, grupais e comunitários. UNIDADE 1 | AS DIMENSÕES T-O, TEÓRICO-METODOLÓGICA E ÉTICO-POLÍTICA DO TRABALHO DO ASSISTENTE SOCIAL 12 Diante do clima repressivo e autoritário, fruto das mudanças políticas da década de 60, os assistentes sociais refugiam-se, cada vez mais, em uma discussão dos elementos que supostamente conferem um perfil peculiar à profissão: objeto, objetivos, métodos e procedimentos de intervenção, enfatizando a metodologia profissional. A tecnificação eufemiza o paternalismo autoritário presente na ação profissional e desenvolve métodos de imposição mais sutis que preconizam a ‘participação’ do ‘cliente’ nas decisões que lhe dizem respeito. (IAMAMOTO, 2004, p. 33). Surge com o movimento de reconceituação a construção de uma teoria e de uma prática, compromissocom a realidade latino-americana, ação profissional, posição ideológica engajada na luta com a classe oprimida e explorada. As conquistas do movimento de reconceituação foram a interação profissional continental que respondesse às problemáticas comuns da América Latina sem as tutelas confessionais ou imperialistas, críticas ao modelo tradicional e inauguração do pluralismo profissional. O profissional do serviço social busca, no final da década de 70 e início da década de 80, novas práticas para atender camadas populares. Iniciam- se novas discussões em relação à formação profissional, currículo e à questão metodológica (IAMAMOTO, 2004). Com a Constituição Federal de 1988, inicia-se um novo tempo, em que a sociedade civil avança em busca da legitimação dos seus direitos. O assistente social deixa de ser um agente da caridade e caminha em direção à execução das políticas públicas, atuando no desenvolvimento de práticas auxiliares, como pesquisa, aconselhamentos, esclarecendo aos seus usuários os seus direitos e deveres. FONTE: ALMEIDA, Lívia Carla de Souza. Resgate histórico sobre o surgimento do serviço social no Brasil. Publicado em: 5 out. 2009. Disponível em: <http://www.webartigos.com/ articles/25916/1/RESGATE-HISTORICO-SOBRE-O-SURGIMENTO-DO-SERVICO-SOCIAL- NO-BRASIL/pagina1.html>. Acesso em: 28 fev. 2010. TÓPICO 1 | TRAJETÓRIA DO SERVIÇO SOCIAL NO BRASIL 13 DICAS Para aprofundamento destes temas, sugiro que você leia e assista: Livro: As Primeiras-Damas e a Assistência Social – Relações de Gênero e Poder Autora: Iraildes Caldas Torres. Livro: Serviço Social , Identidade, Alienação Autora: Maria Lúcia Martinelli Filme: O Nome da Rosa Autor: Umberto Eco 14 Neste tópico abordamos o surgimento da profissão do assistente social, no qual foram estudados os seguintes itens: O processo histórico. As interpretações dos profissionais frente à realidade. A relação entre o período da ditadura e a liberdade. A construção bibliográfica do serviço social . RESUMO DO TÓPICO 1 15 1 Descreva com suas palavras como se desenvolveu, historicamente, o serviço social enquanto profissão. 2 Em que década a teoria social de Marx passa a fazer parte da referência analítica da profissão? Assinale a alternativa CORRETA: a) ( ) Década de 40. b) ( ) Década de 60. c) ( ) Década de 80. d) ( ) Década de 90. 3 Quais são os objetivos da profissão de assistente social definidos na Lei Orgânica da Assistência Social? 4 No Brasil o serviço social começou vinculado a uma instituição que lhe deu características até meados de 1940. Qual foi esta instituição? a) ( ) A Igreja. b) ( ) O Estado. c) ( ) A Família Imperial. d) ( ) O Governo Federal. AUTOATIVIDADE 16 17 TÓPICO 2 A INSTRUMENTALIDADE DO SERVIÇO SOCIAL UNIDADE 1 1 INTRODUÇÃO A profissão de assistente social, ao longo dos anos, foi se redefinindo conforme as demandas foram aparecendo e exigindo deste profissional nova postura frente à realidade vivenciada. A década de 60 traz à tona divergências teóricas e metodológicas entre os profissionais, fazendo-os refletir sobre suas teorias. Assim nascem os avanços e retrocessos pelos quais a profissão iria passar, que todos conheceram como “movimento de reconceituação”. (GUERRA, 2009). “Para realizar grandes conquistas, devemos não apenas agir, mas também sonhar; não apenas planejar, mas também acreditar.” (Anatole France) 2 OS CONTEÚDOS DESSA DIMENSÃO NA TRAJETÓRIA DA PROFISSÃO: O COMO FAZER A PROFISSÃO Podemos observar que na década de 70 começam os muitos questionamentos de como fazer a profissão?, pois faltam publicações que abordem a prática profissional com certo rigor, que mostrem com mais clareza a atuação deste profissional. Melhor dizendo, suas técnicas e habilidades. (GUERRA, 2009). Refletir sobre as práticas foi o primeiro caminho trilhado pelo profissional, e, diante das crises governamentais, surgem demandas que necessitam de intervenções imediatas e em longo prazo. (GUERRA, 2009). Entretanto, na década de 80 ainda não estava totalmente clara, para os profissionais de serviço social , toda a particularidade do momento histórico que o Brasil vivenciou na década de 60 e quais os resquícios que a ditadura deixou para trás. Assim, muitos assistentes sociais reproduziam em suas análises “a visão racionalista e tecnicista que o Estado tenta imprimir às questões sociais”. (GUERRA, 2009, p.141). 18 UNIDADE 1 | AS DIMENSÕES T-O, TEÓRICO-METODOLÓGICA E ÉTICO-POLÍTICA DO TRABALHO DO ASSISTENTE SOCIAL Na Constituição de 1988, o serviço social passa a ser instituído como profissão, introduzindo um novo conceito na seguridade social, montando o tripé: saúde, assistência social e previdência. Mas, quais as VERTENTES desta teoria para o serviço social ? A teoria do serviço social segue basicamente três vertentes: a primeira diz respeito aos profissionais que consideram a PRÁTICA como determinante para as ações e, neste sentido, a teoria fica para o segundo plano; a segunda diz respeito aos profissionais que consideram a TEORIA como determinante da prática; este profissional fica sem apoio teórico quando surgem novas demandas; a terceira diz respeito aos profissionais que utilizam a TEORIA para se referirem às práticas, porém também faltam indicativos teórico-práticos que quebrem com a postura conservadora da trajetória da profissão. Assim, as três vertentes discutem sobre as possibilidades e limites das teorias em fornecer suporte às práticas profissionais, permitindo que a teoria construída e reconstruída fique mais próxima da realidade na qual será feita a intervenção. Podemos afirmar que NÃO EXISTE SEPARAÇÃO ENTRE TEORIA E PRÁTICA, devendo uma dar suporte à outra, pois, quando intervimos, temos que conhecer de forma clara a situação. Neste contexto, somente a conheceremos com a leitura atualizada das questões sociais existentes, porém, a partir de uma nova intervenção teremos um novo conhecimento, uma nova história para acrescentar ou contribuir com a teoria. Podemos dizer que, de forma contínua, a teoria e a prática sempre caminharão juntas, num processo contínuo de maturação intelectual e profissional. ATENCAO Mas, a que a INSTRUMENTALIDADE está se referindo? A instrumentalidade refere-se aos instrumentos e técnicas para a ação profissional, que, de acordo com Guerra (2009, p. 30), [...] “refere-se à DIMENSÃO que o componente instrumental ocupa na constituição da profissão”. (grifo nosso). TÓPICO 2 | A INSTRUMENTALIDADE DO SERVIÇO SOCIAL 19 [...] a complexidade e diversidade alcançadas pela intervenção profissional, no sentido de atender às demandas e requisitos originais das classes sociais, colocam-na como dimensão mais desenvolvida da profissão e, portanto, capaz de indicar as condições e possibilidades da mesma. Tais demandas e requisições exigem do profissional a criação e recriação, tanto de categorias intelectuais que possam tornar compreensíveis as problemáticas que lhe são postas, como de novos sistemas de mediação que possibilitem a passagem das teorias às práticas. (GUERRA, 2009, p. 34). Assim, as dificuldades, limitações e constrangimentos são parte das situações que o profissional enfrenta no momento de coletar as informações e chegar próximo da intervenção, como apresenta Guerra. 3 RAZÃO E MODERNIDADE A RAZÃO está constantemente vinculada à discussão da LIBERDADE: Pela via da razão foi possível ao homem libertar-se das concepções religiosas fundamentais na razão divina, encetando uma nova maneira de conceber o mundo. Esta mesma razão indica ao homem seu horizonte e limites e porta a capacidade de explicar os processos que constituem e são constitutivos e constituintes da estrutura social, iluminando suas condições e possibilidades de autonomia. (GUERRA, 2009, p. 41). Assim podemos dizer que a razão foi o grande motivo de levar o homem à sua superação, tirando-o do estágio de ignorância e direcionando-o à racionalidade. Assim nascea era moderna, quando o homem procura conhecer sua própria história e reconstruí-la. Guerra (2009) expõe que a razão não está totalmente vinculada à realidade e, sim, à forma como o sujeito a compreende, como reconhece e estabelece uma relação com o objeto observado. Dentre as discussões envolvendo a razão, tivemos Hegel com a preocupação com a essência, Kant com as contradições entre razão teórica e razão prática. No século XX vieram juntar-se à discussão Max Weber, Comte e Émile Durkheim. ATENCAO Sabemos que cada um dos filósofos ou sociólogos trouxe uma receita de como observar a sociedade, de como intervir diante dos contextos históricos, culturais e políticos da época. 20 UNIDADE 1 | AS DIMENSÕES T-O, TEÓRICO-METODOLÓGICA E ÉTICO-POLÍTICA DO TRABALHO DO ASSISTENTE SOCIAL 4 RACIONALIDADE DO CAPITALISMO E SERVIÇO SOCIAL O trabalho nos estudos de Marx passa a ter um significado muito além daquele pensado até então, pois [...] “o homem transforma a natureza e, ao fazê- lo, transforma a si mesmo e aos outros homens”. (GUERRA, 2009, p. 102). Marx fala dos valores de uso e de troca, e mostra como isso fica definido na sociedade capitalista e de que forma fica o trabalho contido no valor da mercadoria. Assim, o trabalhador alienado e explorado acaba não entendendo todo o processo, além de não visualizar o valor do trabalho contido na mercadoria. Desta forma, as questões sociais estão relacionadas ao processo de trabalho, que contam, ou deviam contar, com a força do Estado para minimizar os estragos feitos pela exploração. Ao tratar de interesse da sociedade, trabalha-se o enfoque coletivo, com a articulação da Rede Social como possibilidade de enfrentamento da violência de forma efetiva, buscando construir espaços públicos de discussão e construção conjunta de encaminhamentos. (HOLANDA, 2010, p. 2). O pensamento neoliberal diz que todos têm igualdade de oportunidades, porém, quando se trabalham as questões sociais, verifica-se que a cidadania é um direito que é composto pela desigualdade econômica. A sociedade moderna, nas suas mais variadas dimensões, é afetada pela desestruturação política, sendo a esfera pública uma das dimensões destacadas como objeto de estudo. Para ela, a história do mundo moderno é a história da dissolução do espaço público, fazendo emergir uma sociedade despolitizada e atomizada pela competição e por uma instrumentalização do mundo. A fundamentação teórica da noção de espaço público, em Arendt, encontra suporte nas tradições grega e romana que puderam ressurgir nas experiências revolucionárias modernas. (ARENDT apud HOLANDA, 2010, p. 2). IMPORTANT E A PRÁXIS é muito além da prática cotidiana, pois “[...] é uma unidade entre pensamento e ação na cotidianidade. (HELLER apud GUERRA, 2009, p. 180). Observe a atuação profissional nas situações imediatas e nos fenômenos emergentes, pois são diferentes, com atuação específica. TÓPICO 2 | A INSTRUMENTALIDADE DO SERVIÇO SOCIAL 21 O profissional de serviço social , integrante de equipe multidisciplinar, deve ter sua atuação efetiva, para ser efetiva, conforme disposto no Código de Ética, de acordo com as exigências que são próprias ao exercício de um serviço público baseado numa concepção de práxis com constantes mediações entre teoria e prática, atentando para a escuta da sociedade, que demanda seus serviços num contexto jurisdicional. [...] As respostas a serem dadas a essas demandas colocam o profissional de serviço social numa perspectiva de responder antes a si mesmo, qual o uso que faz do seu conhecimento profissional e de sua racionalidade como profissional da área de conhecimento humano-social, colocadas nos seguintes termos, segundo Jürgen Habermas: [...] racionalidade tem mais a ver com a forma em que os sujeitos capazes de linguagem e de ação fazem uso do conhecimento do que a ver com o conhecimento ou sua aquisição. No mais, não há duas razões, a instrumental má e a comunicativa boa. O que parece haver, à mesma razão no seio da modernidade, é a possibilidade de um direcionamento para técnica e instrumentalidade de um lado e direcionamento para o diálogo e consenso por outro. (HOLANDA, 2010, p. 8). ESTUDOS FU TUROS Você verá mais tarde, na Unidade 2 deste caderno, uma discussão mais aprofundada com relação à RACIONALIDADE da prática profissional do assistente social. LEITURA COMPLEMENTAR A INSTRUMENTALIDADE NO TRABALHO DO ASSISTENTE SOCIAL Yolanda Guerra INTRODUÇÃO À primeira vista, o tema instrumentalidade no exercício profissional do assistente social parece ser algo referente ao uso daqueles instrumentos necessários ao agir profissional, através dos quais os assistentes sociais podem efetivamente objetivar suas finalidades em resultados profissionais propriamente ditos. Porém, uma reflexão mais apurada sobre o termo instrumentalidade nos faria perceber que o sufixo “idade” tem a ver com a capacidade, qualidade ou propriedade de algo. Com isso podemos afirmar que a instrumentalidade no exercício profissional refere-se, não ao conjunto de instrumentos e técnicas (neste caso, a instrumentação técnica), mas a uma determinada capacidade ou propriedade constitutiva da profissão, construída e reconstruída no processo sócio-histórico. 22 UNIDADE 1 | AS DIMENSÕES T-O, TEÓRICO-METODOLÓGICA E ÉTICO-POLÍTICA DO TRABALHO DO ASSISTENTE SOCIAL O objetivo do texto é o de refletir sobre a instrumentalidade no exercício profissional do assistente social como uma propriedade ou um determinado modo de ser que a profissão adquire no interior das relações sociais, no confronto entre as condições objetivas e subjetivas do exercício profissional. A instrumentalidade, como uma propriedade sócio-histórica da profissão, por possibilitar o atendimento das demandas e o alcance de objetivos (profissionais e sociais), constitui-se numa condição concreta de reconhecimento social da profissão. 1 A INSTRUMENTALIDADE DO TRABALHO E O SERVIÇO SOCIAL Foi dito que a instrumentalidade é uma propriedade e/ou capacidade que a profissão vai adquirindo na medida em que concretiza objetivos. Ela possibilita que os profissionais objetivem sua intencionalidade em respostas profissionais. É por meio desta capacidade, adquirida no exercício profissional que os assistentes sociais modificam, transformam, alteram as condições objetivas e subjetivas e as relações interpessoais e sociais existentes num determinado nível da realidade social: no nível do cotidiano. Ao alterarem o cotidiano profissional e o cotidiano das classes sociais que demandam a sua intervenção, modificando as condições, os meios e os instrumentos existentes, e os convertendo em condições, meios e instrumentos para o alcance dos objetivos profissionais, os assistentes sociais estão dando instrumentalidade às suas ações. Na medida em que os profissionais utilizam, criam, adéquam às condições existentes, transformando-as em meios/instrumentos para a objetivação das intencionalidades, suas ações são portadoras de instrumentalidade. Deste modo, a instrumentalidade é tanto condição necessária de todo trabalho social quanto categoria constitutiva, um modo de ser, de todo trabalho. Por que dizer que a instrumentalidade é condição de reconhecimento social da profissão? Todo trabalho social (e seus ramos de especialização – por exemplo, o serviço social ) possui instrumentalidade, a qual é construída e reconstruída na trajetória das profissões pelos seus agentes. Esta condição inerente ao trabalho é dada pelos homens no processo de atendimento às necessidades materiais (comer, beber, dormir, procriar) e espirituais (relativas à mente, ao intelecto, ao espírito, à fantasia), suas e de outros homens. Pelo processo de trabalho os homens transformam a realidade, transformam-se a si mesmos e aos outros homens. Assim, os homens reproduzem material e socialmente a própria sociedade. A ação transformadora que é práxis (ver LESSA, 1999 e BARROCO, 1999), cujo modelo privilegiado é o trabalho,tem uma instrumentalidade. Detém a capacidade de manipulação, de conversão dos objetos em instrumentos que atendam às necessidades dos homens e de transformação da natureza em produtos úteis (e em decorrência, a transformação da sociedade). Mas a práxis necessita de muitas outras capacidades/propriedades além da própria instrumentalidade. Neste âmbito, o processo de trabalho é compreendido como um conjunto de atividades prático-reflexivas voltadas para o alcance de finalidades, as quais dependem TÓPICO 2 | A INSTRUMENTALIDADE DO SERVIÇO SOCIAL 23 da existência, da adequação e da criação dos meios e das condições objetivas e subjetivas. Os homens utilizam ou transformam os meios e as condições sob as quais o trabalho se realiza modificando-os, adaptando-os e utilizando-os em seu próprio benefício, para o alcance de suas finalidades. Este processo implica, pois, manipulação, domínio e controle de uma matéria natural que resulte na sua transformação. Este movimento de transformar a natureza é trabalho. Mas ao transformar a natureza, os homens transformam-se a si próprios. Produzem um mundo material e espiritual (a consciência, a linguagem, os hábitos, os costumes, os modos de operar, os valores morais, éticos, civilizatórios) necessário à realização da práxis. Se trabalho é relação homem-natureza, e práxis é o conjunto das formas de objetivação dos homens (incluindo o próprio trabalho), num e noutro os homens realizam a sua teleologia. Toda postura teleológica encerra instrumentalidade, o que possibilita ao homem manipular e modificar as coisas a fim de atribuir- lhes propriedades verdadeiramente humanas, no intuito de converterem-nas em instrumentos/meios para o alcance de suas finalidades. Converter os objetos naturais em coisas úteis, torná-los instrumentos é um processo teleológico, o qual necessita de um conhecimento correto das propriedades dos objetos. Nisso reside o caráter emancipatório do trabalho. Entretanto, tal conhecimento seria insuficiente se a ele não se acrescentasse a operatividade propriamente dita, a capacidade de os homens alterarem o estado atual de tais objetos (GUERRA, 2000). Qual a relação entre postura teleológica e instrumentalidade? No trabalho o homem desenvolve capacidades, que passam a mediar sua relação com outros homens. Desenvolve também mediações, tais como a consciência, a linguagem, o intercâmbio, o conhecimento, mediações estas em nível da reprodução do ser social como ser histórico, e, portanto, postas pela práxis. Isso porque o desenvolvimento do trabalho exige o desenvolvimento das próprias relações sociais, e o processo de reprodução social, como um todo, requer mediações de complexos sociais tais como: a ideologia, a teoria, a filosofia, a política, a arte, o direito, o Estado, a racionalidade, a ciência e a técnica. (LESSA, 1999; GUERRA, 2000). Tais complexos sociais (que Lukács chama de mediações de “segunda ordem”, já que as de primeira ordem referem-se ao trabalho) têm como objetivo proporcionar uma dada organização das relações entre os homens e localiza-se no âmbito da reprodução social. O que ocorre com a instrumentalidade, com a qual os homens controlam a natureza e convertem os objetos naturais em meios para o alcance de suas finalidades, é que ela é transposta para as relações dos homens entre si, interferindo em nível de reprodução social. Mas isso só ocorre em condições sócio-históricas determinadas. Nestas, os homens tornam-se meios/instrumentos de outros homens. O exemplo mais desenvolvido de conversão dos homens em meios, para a realização de fins de outros homens, é o da compra e venda da força de trabalho como mercadoria, de modo que a instrumentalidade, convertida em instrumentalização das pessoas, passa a ser condição de existência e permanência da própria ordem burguesa, via instituições e organizações sociais criadas com 24 UNIDADE 1 | AS DIMENSÕES T-O, TEÓRICO-METODOLÓGICA E ÉTICO-POLÍTICA DO TRABALHO DO ASSISTENTE SOCIAL este objetivo. Pelas suas características, o processo produtivo capitalista detém a propriedade de converter as instituições e práticas sociais em instrumentos/ meios de reprodução do capital. Isso se dá por meio de profundas e substantivas transformações societárias, as quais não poderão ser tratadas neste texto. Cabe- nos apenas sinalizar que num determinado tipo de sociedade, a do capital, “o trabalhador deixa de lado suas necessidades enquanto pessoa humana e se converte em instrumentos para a execução das necessidades de outrem”. (LESSA, 1999). (Sobre a reificação das relações sociais no capitalismo maduro ver NETTO, 1981). Em que condições sócio-históricas a instrumentalidade como condição necessária da relação homem-natureza se converte em instrumentalização das pessoas? SERVIÇO SOCIAL E INSTRUMENTALIDADE Como decorrência das formas lógicas de reprodução da ordem burguesa e como modalidade sócio-histórica de tratamento da chamada questão social, o Estado passa a desenvolver um conjunto de medidas econômicas e sociais, demandando ramos de especialização e instituições que lhe sirvam de instrumento para o alcance dos fins econômicos e políticos que representa, em conjunturas sócio-históricas diversas. A questão social está sendo entendida como “expressão do processo de formação e desenvolvimento da classe operária e do seu ingresso no cenário da sociedade, exigindo seu reconhecimento enquanto classe por parte do empresariado e do Estado”. (IAMAMOTO; CARVALHO, 1982, p. 77; ver também NETTO, 1992 e, especialmente, 2001). É no estágio monopolista do capitalismo, dadas as características que lhe são peculiares, que a questão social vai se tornando objeto de intervenção sistemática e contínua do Estado. Com isso, instaura-se um espaço determinado na divisão social e técnica do trabalho para o serviço social (bem como para outras profissões). A utilidade social de uma profissão advém das necessidades sociais. Numa ordem social constituída de duas classes fundamentais (que se dividem em camadas ou segmentos), tais necessidades, vinculadas ao capital e/ou ao trabalho, são não apenas diferentes, mas antagônicas. A utilidade social da profissão está em responder às necessidades das classes sociais, que se transformam, por meio de muitas mediações, em demandas para a profissão. Estas são respostas qualificadas e institucionalizadas, para o que, além de uma formação social especializada, devem ter seu significado social reconhecido pelas classes sociais fundamentais (capitalistas e trabalhadores). Considerando que o espaço sócio-ocupacional de qualquer profissão, neste caso do serviço social , é criado pela existência de tais necessidades sociais e que, historicamente, a profissão adquire este espaço quando o Estado passa a interferir sistematicamente nas refrações da questão social, institucionalmente transformada em questões sociais (NETTO, 1992), através de uma determinada modalidade histórica de enfrentamento das mesmas: as políticas sociais, pode-se conceber que as políticas e os serviços sociais constituem-se nos espaços sócio-ocupacionais para os assistentes sociais. TÓPICO 2 | A INSTRUMENTALIDADE DO SERVIÇO SOCIAL 25 As políticas sociais, além de sua dimensão econômico-política (como mecanismo de reprodução da força de trabalho e como resultado das lutas de classes), constituem-se também num conjunto de procedimentos técnico- operativos, cuja componente instrumental põe a necessidade de profissionais que atuem em dois campos distintos: o de sua formulação e o de sua implementação. É neste último, no âmbito da sua implementação, que as políticas sociais fundam um mercado de trabalho para os assistentes sociais. Com a complexificação da questão social e seu tratamento por parte do Estado, fragmentando-a e recortando-a em questões sociais a serem atendidas pelas políticas sociais, instituiu-se um espaço na divisão sociotécnica do trabalho para um profissional que atuasse na fase terminal da ação executivadas políticas sociais, instância em que a população vulnerabilizada recebe e requisita direta e imediatamente respostas fragmentadas, através das políticas sociais setoriais. É nesse sentido que as políticas sociais contribuem para a produção e reprodução material e ideológica da força de trabalho (melhor dizendo, da subjetividade do trabalhador como força de trabalho) e para a reprodução ampliada do capital. Como resultado destas determinações no processo de constituição da profissão, a intencionalidade dos assistentes sociais passa a ser mediada pela própria lógica da institucionalização, pela dinâmica da instauração da profissão e pelas estruturas em que a profissão se insere, as quais, em muitos casos, submetem o profissional. Melhor dizendo: os assistentes sociais “passam a desempenhar papéis que lhes são alocados por organismos e instâncias [...]” próprios da ordem burguesa no estágio monopolista (NETTO, 1992, p. 68), os quais são portadores da lógica do mercado. Assim, o assistente social adquire a condição de trabalhador assalariado com todos os condicionamentos que disso decorrem. Por isso é importante, na reflexão do significado sócio-histórico da instrumentalidade como condição de possibilidade do exercício profissional, resgatar a natureza e a configuração das políticas sociais que, como espaços de intervenção profissional, atribuem determinadas formas, conteúdos e dinâmicas ao exercício profissional. A este respeito, considerando a natureza (compensatória e residual) e o modo de se expressar das políticas sociais (como questão de natureza técnica, fragmentada, focalista, abstraída de conteúdos econômico-políticos), estas obedecem e produzem uma dinâmica que se reflete no exercício profissional através de dois movimentos: 1) interditam aos profissionais a concreta apreensão das políticas sociais como totalidade, síntese da articulação de diversas esferas e determinações (econômica, cultural, social, política, psicológica), o que os limita a uma intervenção microscópica, nos fragmentos, nas refrações, nas singularidades; 2) exigem dos profissionais a adoção de procedimentos instrumentais, de manipulação de variáveis, de resolução pontual e imediata. (Ver NETTO, 1992, GUERRA, 1995). Quais os vínculos entre as políticas sociais e o serviço social ? Neste contexto, assim entendida a utilidade social da profissão, vinculada às políticas sociais, a instrumentalidade do serviço social pode ser pensada como uma condição sócio-histórica da profissão em três níveis: 26 UNIDADE 1 | AS DIMENSÕES T-O, TEÓRICO-METODOLÓGICA E ÉTICO-POLÍTICA DO TRABALHO DO ASSISTENTE SOCIAL 1. DA INSTRUMENTALIDADE DO SERVIÇO SOCIAL FACE AO PROJETO BURGUÊS, o que significa a capacidade que a profissão porta (dado o caráter reformista e integrador das políticas sociais) de ser convertida em instrumento, em meio de manutenção da ordem, a serviço do projeto reformista da burguesia. Neste caso, dentro do projeto burguês de reformar conservando, o Estado lança mão de uma estratégia histórica de controle da ordem social, qual seja, as políticas sociais, e requisita um profissional para atuar no âmbito da sua operacionalização: os assistentes sociais. Este aspecto está vinculado a uma das funções que a ordem burguesa atribui à profissão: reproduzir as relações capitalistas de produção. 2. DA INSTRUMENTALIDADE DAS RESPOSTAS PROFISSIONAIS, no que se refere à sua peculiaridade operatória, ao aspecto instrumental-operativo das respostas profissionais frente às demandas das classes, aspecto este que permite o reconhecimento social da profissão, dado que, por meio dele, o serviço social pode responder às necessidades sociais que se traduzem (por meio de muitas mediações) em demandas (antagônicas) advindas do capital e do trabalho. Isto porque as diversas modalidades de intervenção profissional têm um caráter instrumental, dado pelas requisições que tanto as classes hegemônicas quanto as classes populares lhe fazem. Nesta condição, no que se refere às respostas profissionais, a instrumentalidade do exercício profissional expressa-se: 2.1. Nas funções que lhe são requisitadas: executar, operacionalizar, implementar políticas sociais a partir de pactos políticos em torno dos salários e dos empregos (do qual o fordismo é exemplar), melhor dizendo, no âmbito da reprodução da força de trabalho. 2.2. No horizonte do exercício profissional: no cotidiano das classes vulnerabilizadas, em termos de modificar empiricamente as variáveis do contexto social e de intervir nas condições objetivas e subjetivas de vida dos sujeitos (visando à mudança de valores, hábitos, atitudes, comportamento de indivíduos e grupos). É no cotidiano – tanto dos usuários dos serviços quanto dos profissionais – no qual o assistente social exerce sua instrumentalidade, o local em que imperam as demandas imediatas, e consequentemente, as respostas aos aspectos imediatos, que se referem à singularidade do eu, à repetição, à padronização. O cotidiano é o lugar onde a reprodução social se realiza através da reprodução dos indivíduos (NETTO, 1987), por isso um espaço ineliminável e insuprimível. As singularidades, os imediatismos que caracterizam o cotidiano, que implicam a ausência de mediação, só podem ser enfrentados pela apreensão das mediações objetivas e subjetivas (tais como valores éticos, morais e civilizatórios, princípios e referências teóricas, práticas e políticas) que se colocam na realidade da intervenção profissional. 2.3. Nas modalidades de intervenção que lhe são exigidas pelas demandas das classes sociais. Estas intervenções, em geral, são em nível do imediato, de natureza manipulatória, segmentadas e desconectadas das suas determinações estruturais, apreendidas nas suas manifestações emergentes, de caráter microscópico. TÓPICO 2 | A INSTRUMENTALIDADE DO SERVIÇO SOCIAL 27 Nestes três casos (2.1, 2.2, 2.3) são respostas manipulatórias, fragmentadas, imediatistas, isoladas, individuais, tratadas nas suas expressões/aparências (e não nas determinações fundantes), cujo critério é a promoção de uma alteração no contexto empírico, nos processos segmentados e superficiais da realidade social, cujo parâmetro de competência é a eficácia, segundo a racionalidade burguesa. São operações realizadas por ações instrumentais, são respostas operativo- instrumentais, nas quais impera uma relação direta entre pensamento e ação e onde os meios (valores) se subsumem aos fins. Abstraídas de mediações subjetivas e universalizantes (referenciais teóricos, éticos, políticos, socioprofissionais, tais como os valores coletivos), estas respostas tendem a percepcionar as situações sociais como problemáticas individuais (por exemplo: o caso individual, a situação existencial problematizada, as problemáticas de ordem moral e/ou pessoal, as patologias individuais etc.). Quais os níveis em que tem se manifestado a instrumentalidade do serviço social ? Se muitas das requisições da profissão são de ordem instrumental (em nível de responder às demandas – contraditórias – do capital e do trabalho e em nível de operar modificações imediatas no contexto empírico), exigindo respostas instrumentais, o exercício profissional não se restringe a elas. Com isso queremos afirmar que reconhecer e atender às requisições técnico-instrumentais da profissão não significa ser funcional à manutenção da ordem ou ao projeto burguês. Isto pode vir a ocorrer quando se reduz a intervenção profissional à sua dimensão instrumental. Esta é necessária para garantir a eficácia e eficiência operatória da profissão. Porém, reduzir o fazer profissional à sua dimensão técnico-instrumental significa tornar o serviço social meio para o alcance de qualquer finalidade. Significa também limitar as demandas profissionais às exigências do mercado de trabalho. É também equivocado pensar que para realizá- las o profissional possa prescindir de referências teóricas e ético-políticas. Se as demandas com asquais trabalhamos são totalidades saturadas de determinações (econômicas, políticas, culturais, ideológicas), então elas exigem mais do que ações imediatas, instrumentais, manipulatórias. Elas implicam intervenções que emanem de escolhas, que passem pelos condutos da razão crítica e da vontade dos sujeitos, que se inscrevam no campo dos valores universais (éticos, morais e políticos). Mais ainda, ações que estejam conectadas a projetos profissionais aos quais subjazem referenciais teórico-metodológicos e princípios ético-políticos. Assim, na realização das requisições que lhe são postas, a profissão necessita da interlocução com conhecimentos oriundos de disciplinas especializadas. O acervo teórico e metodológico que lhe serve de referencial é extraído das ciências humanas e sociais (conhecimentos extraídos das áreas de: Administração, Ciência Política, Sociologia, Psicologia, Economia etc.). Tais conhecimentos têm sido incorporados pela profissão e particularizados na análise dos seus objetos de intervenção. Mas a profissão também tem produzido, através da pesquisa e da sua intervenção, conhecimentos sobre as dimensões constitutivas da questão social, sobre as estratégias capazes de orientar e instrumentalizar a ação profissional (dentre outros temas) e os tem partilhado com profissionais de diversas áreas. 28 UNIDADE 1 | AS DIMENSÕES T-O, TEÓRICO-METODOLÓGICA E ÉTICO-POLÍTICA DO TRABALHO DO ASSISTENTE SOCIAL Foi dito, linhas atrás, que há dimensões da instrumentalidade do exercício profissional e falamos de duas delas. Mas a terceira condição da instrumentalidade é a de ser uma mediação. Se é verdade que a instrumentalidade se insere no espaço do singular, do cotidiano, do imediato, também o é que ela, ao ser considerada como uma particularidade da profissão, dada por condições objetivas e subjetivas, e como tal sócio-históricas, pode ser concebida como campo de mediação e instância de passagem. Diferente disso, seria tomar a instrumentalidade apenas como singularidade, e como tal, um fim em si mesma, de modo que estaríamos desconhecendo suas possibilidades como particularidade. No cotidiano, como o espaço da instrumentalidade, imperam demandas de natureza instrumental. Nele, a relação meios e fins rompe-se e o que importa é que os indivíduos acionem os elementos necessários para alcançarem seus fins. Mas pelas próprias características do cotidiano, os homens não se perguntam pelos fins: a quem servem? que forças reforça? qual o projeto de sociedade que está na sua base?, tampouco pelos valores que estão implicados nas ações desencadeadas para responder imediata e instrumentalmente ao cotidiano. Por que o cotidiano é o espaço para a realização das ações instrumentais? A instrumentalidade do exercício profissional como mediação Tratar-se-á aqui da instrumentalidade como uma mediação que permite a passagem das ações meramente instrumentais para o exercício profissional crítico e competente. Como mediação, a instrumentalidade permite também o movimento contrário: que as referências teóricas, explicativas da lógica e da dinâmica da sociedade, possam ser remetidas à compreensão das particularidades do exercício profissional e das singularidades do cotidiano. Aqui, a instrumentalidade sendo uma particularidade e como tal, campo de mediação, é o espaço no qual a cultura profissional se movimenta. Da cultura profissional os assistentes sociais recolhem e na instrumentalidade constroem os indicativos teórico-práticos de intervenção imediata, o chamado instrumental-técnico ou as ditas metodologias de ação. Reconhecer a instrumentalidade como mediação significa tomar o serviço social como totalidade constituída de múltiplas dimensões: técnico- instrumental, teórico-intelectual, ético-política e formativa (GUERRA, 1997), e a instrumentalidade como uma particularidade e, como tal, campo de mediações que porta a capacidade tanto de articular estas dimensões quanto de ser o conduto pelo qual as mesmas traduzem-se em respostas profissionais. No primeiro caso a instrumentalidade articula as dimensões da profissão e é a síntese das mesmas. No segundo, ela possibilita a passagem dos referenciais técnicos, teóricos, valorativos e políticos e sua concretização, de modo que estes se traduzam em ações profissionais, em estratégias políticas, em instrumentos técnico-operativos. Em outros termos, ela permite que os sujeitos, face à sua intencionalidade, invistam na criação e articulação dos meios e instrumentos necessários à consecução das suas finalidades profissionais. TÓPICO 2 | A INSTRUMENTALIDADE DO SERVIÇO SOCIAL 29 Afirmamos que, como particularidade, a instrumentalidade é campo de mediação, dentre elas, da cultura profissional. No exercício profissional o assistente social lança mão do acervo ídeo-cultural disponível nas ciências sociais ou na tradição marxista e o adapta aos objetivos profissionais. Constrói um certo modo de fazer que lhe é próprio e pelo qual a profissão torna-se reconhecida socialmente. Produz elementos novos que passam a fazer parte de um acervo cultural (re) construído pelo profissional e que se compõe de objetos, objetivos, princípios, valores, finalidades, orientações políticas, referencial técnico, teórico- metodológico, ídeo-cultural e estratégico, perfis de profissional, modos de operar, tipos de respostas; projetos profissionais e societários, racionalidades que se confrontam e direção social hegemônica etc. Deste modo, a cultura profissional, como construção coletiva e base na qual a categoria se referencia, é também ela uma mediação entre as matrizes clássicas do conhecimento – suas programáticas de intervenção e os projetos societários que os norteiam – e as particularidades que a profissão adquire na divisão social e técnica do trabalho. Ela abarca forças, direções e projetos diferentes e/ou divergentes/antagônicos e condiciona o exercício profissional. Na definição das finalidades e na escolha dos meios e instrumentos mais adequados ao alcance das mesmas, os homens estão exercendo sua liberdade (concebida historicamente como escolha racional por alternativas concretas dentro dos limites possíveis). Tais finalidades (ainda que de caráter individual) estão inscritas num quadro valorativo e somente podem ser pensadas no interior deste quadro, entendido como acervo cultural do qual o profissional dispõe e lhe orienta as escolhas técnicas, teóricas e ético-políticas. Tais escolhas implicam projetar tanto os resultados e meios de realização quanto as consequências. Isso porque, no âmbito profissional, não existem ações pessoais, mas ações públicas e sociais de responsabilidade do indivíduo como profissional e da categoria profissional como um todo. Para tanto, há que se ter conhecimento dos objetos, dos meios/instrumentos e dos resultados possíveis. Com isso pode-se perceber que a cultura profissional incorpora conteúdos teórico-críticos projetivos. Pela mediação da cultura profissional o assistente social pode negar a ação puramente instrumental, imediata, espontânea e reelaborá- la em nível de respostas socioprofissionais. Na elaboração de respostas mais qualificadas, na construção de novas legitimidades, a razão instrumental não dá conta. Há que se investir numa instrumentalidade inspirada pela razão dialética. O que significa reconhecer a instrumentalidade do exercício profissional como mediação? CONCLUSÃO – SERVIÇO SOCIAL E RAZÃO DIALÉTICA Ainda que surgindo no universo das práticas reformistas integradoras que visam controlar e adaptar comportamentos, moldar subjetividades e formas de sociabilidade necessárias à reprodução da ordem burguesa, de um lado, e como decorrência da ampliação das funções democráticas do Estado, fruto das lutas de classes, de outro, o serviço social , entretecido pelos interesses em confronto, vai ampliando as suas funções até colocar-se no âmbito da defesa da universalidade 30 UNIDADE 1 | AS DIMENSÕES T-O, TEÓRICO-METODOLÓGICA E ÉTICO-POLÍTICADO TRABALHO DO ASSISTENTE SOCIAL de acesso a bens e serviços, dos direitos sociais e humanos, das políticas públicas e da democracia. Pela instrumentalidade da profissão, pela condição e capacidade de o serviço social operar transformações, alterações nos objetos e nas condições (meios e instrumentos), visando alcançar seus objetivos, vão passando elementos progressistas, emancipatórios, próprios da razão dialética. Pressionando a profissão, tais forças progressistas (internas e externas) permitem que a profissão reveja seus fundamentos e suas legitimidades, questione sua funcionalidade e instrumentalidade, o que permite uma ampliação das bases sobre as quais sua instrumentalidade se desenvolve. Ao desprender da base histórica pela qual a profissão surge, o serviço social pode qualificar-se para novas competências, buscar novas legitimidades, indo além da mera requisição instrumental-operativa do mercado de trabalho. Este enriquecimento da instrumentalidade do exercício profissional resulta num profissional que, sem prejuízo da sua instrumentalidade, no atendimento das demandas possa antecipá-las, que habilitado no manejo do instrumental técnico saiba colocá-lo no seu devido lugar (qual seja, no interior do projeto profissional) e, ainda, que reconhecendo a dimensão política da profissão, inspirado pela razão dialética, invista na construção de alternativas que sejam instrumentais à superação da ordem social do capital. FONTE: GUERRA, Yolanda. A instrumentalidade no trabalho do assistente social. In: Cadernos do Programa de Capacitação Continuada para Assistentes Sociais. Capacitação em serviço social e Política Social. Módulo 4. Brasília: CFESS/ABEPSS – UNB, 2000. Disponível em: <http://www.danielafonso.com.br/files/Yolanda%20Guerra.pdf>. Acesso em: 10 fev. 2010. TÓPICO 2 | A INSTRUMENTALIDADE DO SERVIÇO SOCIAL 31 DICAS Para aprofundamento destes temas, sugiro que você assista e leia: - Revista Serviço Social e Sociedade n.54. São Paulo: Cortez, 1997, que trata da descentralização, cidadania e participação. - GUERRA, Yolanda. A instrumentalidade do serviço social . São Paulo: Cortez, 2005. - Filme: Central do Brasil, de Walter Salles - Filme: Casa de Areia, 2005, direção: Andrucha Waddington 32 RESUMO DO TÓPICO 2 Neste tópico estudamos acerca do significado da instrumentalidade do serviço social e foram abordados os seguintes itens: • Reflexão sobre o fazer profissional desde a década de 70. • As vertentes da teoria do serviço social . • A importância da Constituição de 1988. • O que é a instrumentalidade. 33 1 Relacione as colunas referentes às vertentes em serviço social . (1) 1ª vertente. (2) 2ª vertente. (3) 3ª vertente. (4) 4ª vertente. ( ) Esta vertente não existe. ( ) Profissionais que utilizam a TEORIA para se referirem às práticas. ( ) Profissionais que consideram a PRÁTICA como determinantes para as ações. ( ) Profissionais que consideram a TEORIA como determinantes da prática. Assinale a alternativa CORRETA: a) ( ) A ordem correta é 1-2-3-4. b) ( ) A ordem correta é 1-4-2-3. c) ( ) A ordem correta é 4-3-1-2. d) ( ) A ordem correta é 4-3-2-1. 2 Na Constituição de 1988, o serviço social passa a ser instituído como profissão e monta o tripé, elevando o serviço à condição de política social. (GUERRA, 2009). Qual é o conjunto que forma o tripé? Assinale a alternativa CORRETA: a) ( ) Saúde – Previdência – Assistência social. b) ( ) Previdência – Assistência – Informática. c) ( ) Comunicação – Previdência – Segurança. d) ( ) Segurança – Assistência – Informática. AUTOATIVIDADE 34 35 TÓPICO 3 AS COMPETÊNCIAS DO SERVIÇO SOCIAL NA CONTEMPORANEIDADE: POLÍTICA, ÉTICA, INVESTIGAÇÃO E INTERVENÇÃO UNIDADE 1 1 INTRODUÇÃO Sabe-se que atualmente existe uma exigência cada vez maior na qualificação e atuação profissional, seja do assistente social ou qualquer outra profissão. E neste sentido trabalharemos neste tópico as diversas dimensões que norteiam a atuação profissional do assistente social e suas competências na atualidade. De acordo com Guerra (1999, p. 77), [...] a nossa profissão, ao longo da sua trajetória, vem se caracterizando pelo não enfrentamento de algumas problemáticas, o que [...] tem produzido, reproduzido e alimentado algumas insuficiências de natureza ÍDEO-TEÓRICAS, POLÍTICAS e PRÁTICO-OPERATIVAS [...] Pretendemos desmistificar estes dilemas conceituais, para assim poder compreender melhor a nossa atuação profissional. Antes de qualquer coisa, devemos relembrar um pouco do Tópico 4, da Unidade 2, do Caderno de Trabalho e Contemporaneidade, que tratou da questão da formação profissional do assistente social na atualidade. O caderno apresentou um quadro analítico referente aos PRESSUPOSTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS DA PRÁTICA PROFISSIONAL DO assistente social, que será apresentado por núcleos separados para, assim, nos aprofundarmos nesta discussão. “Se nós não planejarmos o nosso futuro, outros o farão para nós, por nós ou, pior..., contra nós.” (Eliezer Arantes da Costa) 36 UNIDADE 1 | AS DIMENSÕES T-O, TEÓRICO-METODOLÓGICA E ÉTICO-POLÍTICA DO TRABALHO DO ASSISTENTE SOCIAL 2 CONSIDERAÇÕES INICIAIS SOBRE AS COMPETÊNCIAS DO SERVIÇO SOCIAL NA CONTEMPORANEIDADE Se, no momento da ORIGEM do serviço social , como uma profissão inscrita na divisão do trabalho, era apenas a sua DIMENSÃO TÉCNICA que lhe garantia os estatutos de eficácia e competência profissional (isto é, era a forma e os resultados imediatos de sua ação que lhe garantiam legitimidade e reconhecimento da sociedade), o Movimento de Reconceituação buscou superar essa visão unilateral. No universo das diversas correntes que atuaram nesse movimento, a principal motivação era dar ao serviço social um estatuto científico. E mais propriamente, no âmbito da corrente que Netto (2004) denominou de “INTENÇÃO DE RUPTURA” (que para ele significa o rompimento com as visões conservadoras da profissão), foi levantada a necessidade de que a profissão se debruçasse sobre a produção de um conhecimento crítico da realidade social, para que o próprio serviço social pudesse construir os objetivos e (re)construir objetos de sua intervenção, bem como responder às demandas sociais colocadas pelo mercado de trabalho e pela realidade. Assim, pôde o serviço social aprofundar o diálogo crítico e construtivo com diversos ramos das chamadas Ciências Humanas e Sociais (Economia, Sociologia, Ciência Política, Antropologia, Psicologia). A partir de então, entramos no período em que os autores contemporâneos da profissão chamam de “MATURIDADE ACADÊMICA E PROFISSIONAL DO SERVIÇO SOCIAL ” (NETTO, 1996), que procurou definir novos requisitos para o status de competência profissional. Iamamoto (2004), após realizar uma análise dos desafios colocados ao serviço social nos dias atuais, apontou três dimensões que devem ser do domínio do assistente social: [dimensão TEÓRICO-METODOLÓGICA, dimensão TÉCNICO- OPERATIVA e dimensão ÉTICO-POLÍTICA]. Antes de qualquer coisa, devemos relembrar alguns aspectos históricos para contextualizar a nossa explanação referente às competências profissionais do assistente social. Neste sentido, vejamos o que Souza (2008, p. 121, grifo nosso) tem a nos dizer: Caro(a) acadêmico(a), neste momento estudaremos cada uma delas, para compreender melhor estas competências profissionais do assistente social. TÓPICO 3 | AS COMPETÊNCIAS DO S. S. NA CONTEMPORANEIDADE: POLÍTICA, ÉTICA, INVESTIGAÇÃO E INTERVENÇÃO 37 3 COMPETÊNCIA TEÓRICO-METODOLÓGICA Com relação à COMPETÊNCIA TEÓRICO-METODOLÓGICA do assistente social, devemos primeiramente compreender o que Yolanda Guerra tem estudado e refletido por inúmeros trabalhos, publicações e livros sobre a instrumentalidade do serviço social . Guerra (1999, p. 79) expõe primeiramente que “as formulações teórico- metodológicas de Marx, das quais no serviço social a vertente da intenção de ruptura é herdeira,entende haver uma autoimplicação entre TEORIA SOCIAL e MÉTODO.” Neste sentido, qual seria o PAPEL da TEORIA na construção profissional do assistente social? IMPORTANT E De acordo com Guerra (1999, p. 79), “o papel da teoria é o de ILUMINAR as estruturas e as dinâmicas dos processos sociais, as determinações contraditórias dos fatores e fenômenos, dissolver a positividade dos fatos pela sua negação, mas não oferece, nem se propõe a isso, uma pauta acerca dos instrumentos de intervenção sobre a realidade social.” Mas, onde fica a questão do MÉTODO, na atuação profissional do assistente social? IMPORTANT E De acordo com Guerra (1999, p. 79-80), “a concepção do método, no âmbito do referencial marxiano, [é tida] como o CAMINHO DO PENSAMENTO, a direção analítica, que obedece ao movimento do objeto, afasta-se muito daquela que toma o método como o conjunto de procedimentos e/ou regras do conhecimento ou, ainda, como meio de aplicação deste conhecimento.” Ou seja, o método não é simplesmente a aplicabilidade de um instrumento de ação, mas é “o COMO FAZER” e a “SISTEMATIZAÇÃO DA PRÁTICA”, enquanto caminho analítico, advindo de uma análise teórica da realidade cotidiana e vivencial da questão social a ser trabalhada. 38 UNIDADE 1 | AS DIMENSÕES T-O, TEÓRICO-METODOLÓGICA E ÉTICO-POLÍTICA DO TRABALHO DO ASSISTENTE SOCIAL Mas, quais são as TENDÊNCIAS que permeiam a trajetória histórica da profissão do assistente social com relação às teorias e práticas? Guerra (1999, p. 80) coloca-nos que “existem três tendências que acompanham a trajetória da profissão, as quais se vêm manifestando de maneira híbrida” ao longo da história do serviço social , que são: FONTE: Pieritz (2010) FIGURA 1 – TENDÊNCIAS QUE PERMEIAM A TRAJETÓRIA HISTÓRICA DA PROFISSÃO DO ASSISTENTE SOCIAL PRIMEIRA TENDÊNCIA: A PRÁTICA como base de atuação profissional Para os profissionais do serviço social [...] que têm a PRÁTICA como fundamento de determinação de suas ações, as teorias não passam de construções abstratas, já que se situam secundariamente frente à prática, cabendo a esta, em última instância, fornecer indicativos sobre os instrumentos operativos capazes de possibilitar uma ação efetiva nas situações concretas. (GUERRA, 1999, p. 80). Neste sentido, podemos observar que com a experiência prática do dia a dia, adquirida ao longo da atividade laboral do serviço social , os assistentes sociais desenvolvem procedimentos técnicos de atuação e intervenção. Ou seja, a atuação profissional do assistente social se dá por meio da acumulação empírica de informações obtidas cotidianamente durante as práticas profissionais, e nestas práticas repetitivas constituem suas ações profissionais. SEGUNDA TENDÊNCIA: A CONSTRUÇÃO TEÓRICA como base de atuação profissional TÓPICO 3 | AS COMPETÊNCIAS DO S. S. NA CONTEMPORANEIDADE: POLÍTICA, ÉTICA, INVESTIGAÇÃO E INTERVENÇÃO 39 Para os profissionais do serviço social , de acordo com Guerra (1999, p. 80), que “consideram que as CONSTRUÇÕES TEÓRICAS são determinantes da prática, a opção do profissional por uma teoria passa a se constituir na sua ‘camisa de força’ (ou se limita ao âmbito de mera declaração de princípios), uma vez que esta aparece como a expressão mais formalizada e completa da realidade, dela exigindo respostas e instrumentos capazes de colocar a ‘teoria em ação’. Mas, “o VALOR DA TEORIA, neste caso, consiste em construir um quadro explicativo do objeto que contemple um conjunto de técnicas e instrumentos de valor operacional. Concebidas como paradigmas “de explicação da realidade social.” (GUERRA, 1999, p. 80). Nesta perspectiva, podemos falar que os profissionais que adotam esta tendência procuram constantemente na teoria as explicações da realidade cotidiana, ou seja, que a teoria lhes proporcione os modelos de intervenção, de acordo com cada realidade enfrentada. TERCEIRA TENDÊNCIA: Uma nova CONCEPÇÃO da TEORIA como base de atuação profissional Esta vertente, segundo Guerra (1999, p. 81): [...] reconhece a TEORIA como processos de re-construção, de re- figuração da realidade pelo pensamento, vinculada a determinados projetos de sociedades, à visão de homem e mundo, frente às quais o profissional assume uma posição, e a determinados métodos de conhecimento e interpretação da sociedade. Assim, a atuação profissional do assistente social vem se re-configurando ao longo dos tempos, pois a própria teoria que embasa a sua práxis profissional também vem se adequando às novas realidades cotidianas. Mas, será que é só isto? Será que não há OUTROS ASPECTOS que nos possibilitem compreender melhor estas três TENDÊNCIAS que permeiam a atuação profissional do assistente social? Pois bem, é óbvio que devemos compreender mais alguns aspectos correlacionados com a nossa atuação profissional, pois ela não é tão simples assim. Vejamos: Em primeiro lugar: existe uma [...] REDUÇÃO na forma de CONCEBER AS TEORIAS, limitando suas contribuições ao nível de dar respostas imediatas às situações concretas e, ainda, de fornecer instrumentos para a intervenção. Neste caso, trata-se de ‘teorias de resultados’ e o pressuposto é o de que há uma relação direta e imediata entre teoria e prática. (GUERRA, 1999, p. 81). 40 UNIDADE 1 | AS DIMENSÕES T-O, TEÓRICO-METODOLÓGICA E ÉTICO-POLÍTICA DO TRABALHO DO ASSISTENTE SOCIAL Em segundo lugar: algumas vertentes de assistentes sociais “NÃO CONSIDERAM que teoria e prática, pensamento e ação, idealidade e materialidade, possuem naturezas diversas.” (GUERRA, 1999, p. 81). Em terceiro lugar: outros “NÃO PERMITEM a elucidação dos princípios que subjazem às noções de teoria vigentes na profissão e esta questão remete ao outro polo da relação, qual seja, qual a concepção que se tem do serviço social (arte, ciência, técnica, prática profissional.” (GUERRA, 1999, p. 81). Não é só isto. Há mais. Também existem alguns PROBLEMAS com relação à teoria e prática no serviço social que precisamos compreender. Segundo Guerra (1999, p. 81-82), são eles: 1. No que tange à requisição dos profissionais por teorias que respondam às necessidades de intervenção profissional, temos a considerar que entre teoria e prática não há correspondência direta e imediata. A relação entre elas se processa por MEDIAÇÕES OU SISTEMAS DE MEDIAÇÕES que envolvam experiência, representações, concepções de mundo, projetos de sociedade, relações sociais. 2. Por que não há uma passagem direta da teoria à prática? A problematização desta questão requer uma remissão à premissa (na qual nos apoiamos) de que as teorias sociais são reflexões sistemáticas que tendem a elaborar uma explicação macroscópica sobre a sociedade e, neste sentido, há diferentes teorias e diferentes métodos que se aproximam mais ou menos da realidade social. 3. Se concebermos teoria como a (re)figuração dos fatos, fenômenos e processos, há que se considerar que esta apreensão da realidade pela via do pensamento se encontra repleta de mediações de diferentes naturezas: experiências diversas, visões de homem e mundo, projetos de sociedade, representações, relações sociais. 4. Quanto à natureza destas instâncias. Embora considerando teoria/prática, pensamento/ação, objetividade/subjetividade como DOIS POLOS de um mesmo movimento, não há uma identidade entre elas. Tampouco pode haver preponderância de uma sobre a outra. 5. NÃO se EXTRAI teoria da prática, muito menos é função das teorias sociais oferecer respostas e procedimentos manipulatórios às práticas profissionais localizadas e particulares. TÓPICO 3 | AS COMPETÊNCIAS DO S. S. NA CONTEMPORANEIDADE: POLÍTICA, ÉTICA, INVESTIGAÇÃO E INTERVENÇÃO 41 IMPORTANT E “Para que NASÇA UM CONCEITO, é necessário que as percepções importantes para a vida se tornem autônomas em relação à causa delas.” (LUKÁCS, 1968). Para este autor, o momento da conceituação se desenvolve no curso do processo de socialização dos homens. (GUERRA, 1999, p. 83). Continuando nossa reflexão a respeitode algumas problemáticas na concepção da atuação profissional do assistente social, podemos observar que, de acordo com Guerra (1999, p. 83): [...] a ATIVIDADE PRÁTICA, por sua vez, se constitui numa ação racional de sujeitos reais. Neste sentido, as atividades práticas podem ser sistematizadas pelos sujeitos que as realizam, porém esta sistematização, que é um passo necessário e que antecede as elaborações teóricas propriamente ditas, não se constitui em teoria. Mas, “[...] se, por um lado, PRÁTICAS PROFISSIONAIS NÃO PRODUZEM TEORIA, por outro, PODEM CONTRIBUIR PARA O AVANÇO NO CONHECIMENTO CIENTÍFICO acerca de algumas questões e de determinados objetos de intervenção”. (GUERRA, 1999, p. 83). IMPORTANT E Como podemos notar, “[...] há momentos teóricos e momentos práticos. Não pode haver o primado de um sobre o outro, mas uma hierarquia nas determinações em situações específicas. A unidade teoria/prática é dada pela REALIDADE, que é a base material de ambas”. (GUERRA, 1999, p. 83). Lembre-se, “[...] as teorias que se baseiam em modelos, e até se gabam disto, não dão conta de explicar o movimento, as transformações, as alterações sociais, ou melhor, a realidade, e sequer podem ser pensadas como paradigmas, mas como tipologias, no sentido mais vulgar do termo”. (GUERRA, 1999, p. 83). ATENCAO 42 UNIDADE 1 | AS DIMENSÕES T-O, TEÓRICO-METODOLÓGICA E ÉTICO-POLÍTICA DO TRABALHO DO ASSISTENTE SOCIAL Outro fator importante nesta reflexão, segundo Guerra (1999, p. 84), é que existe uma [...] DIFICULDADE em estabelecer as mediações entre as teorias sociais macroscópicas, as práticas sociais e profissionais e as singularidades da intervenção profissional do assistente social; [isso] nos leva a incorrer em duas concepções ERRÔNEAS de teoria: ou como modelo de intervenção ou como justificação da prática, ambas amparadas na realidade. IMPORTANT E Devemos saber que o serviço social é tido como uma especialização na divisão técnica do trabalho, portanto “[...] o serviço social NÃO TEM TEORIA PRÓPRIA. Baseia-se em concepções extraídas das ciências sociais ou da tradição marxista e um conjunto de procedimentos técnico-instrumentais, muitas vezes recriados pelos profissionais para responder à sua funcionalidade”. (GUERRA, 1999, p. 84). Então, conforme Tavares e Pieritz (2010, p. 106), podemos concluir que: O domínio teórico-metodológico [do assistente social] só se completa e se atualiza ao ser frutificado pela história da realidade cotidiana, pela pesquisa rigorosa das condições e relações sociais particulares em que se vive. Que o pressuposto téorico-metodológico requer o acompanhamento das diversas dinâmicas dos processos sociais, como condição, inclusive, para a apreensão das problemáticas cotidianas que circunscrevem o exercício profissional. O domínio de uma perspectiva teórico-metodológica, desconexa com a realidade, o engajamento político ou uma base técnico-operativa não são suficientes para descobrir e imprimir novos caminhos para o trabalho profissional. TÓPICO 3 | AS COMPETÊNCIAS DO S. S. NA CONTEMPORANEIDADE: POLÍTICA, ÉTICA, INVESTIGAÇÃO E INTERVENÇÃO 43 Então, conforme Tavares e Pieritz (2010, p. 106), podemos concluir que: IMPORTANT E O profissional deve ser QUALIFICADO para conhecer a realidade social, política, econômica e cultural com a qual trabalha. Para isso, faz-se necessário um intenso rigor teórico e metodológico, que lhe permita enxergar a dinâmica da sociedade para além dos fenômenos aparentes, buscando apreender sua essência, seu movimento e as possibilidades de construção de novas possibilidades profissionais. (SOUZA, 2008, p. 122). 4 COMPETÊNCIA TÉCNICO-OPERATIVA No que tange às questões relativas às COMPETÊNCIAS TÉCNICO- OPERATIVAS do serviço social , podemos verificar que na trajetória histórica da práxis profissional do assistente social brasileiro existe uma dimensão bastante expressiva dos campos de atuação profissional, pois, de acordo com o mundo do trabalho e as expressões das questões sociais apresentadas pela sociedade, advindas das relações do trabalho versus capital, o assistente social desenvolverá suas atividades sócio-ocupacionais baseadas em sua dimensão técnico-operativa. Mas, nestas dimensões técnico-operativas existe certa complexidade de interpretação dos instrumentos e técnicas, ou simplesmente a definição das metodologias de ação e intervenção a serem desenvolvidas em cada caso. Como, por exemplo, no desenvolvimento e planejamento de um projeto ou programa social, devem-se buscar instrumentos e técnicas que propiciem resultados para aquela determinada realidade social, que é objeto de intervenção profissional do assistente social. Portanto, deve-se selecionar o instrumental técnico-operativo mais apropriado para aquela demanda social. E estes instrumentos devem ser analisados e adaptados conforme as necessidades e a realidade de intervenção profissional. Mas, o que é realmente esta COMPETÊNCIA TEÓRICO-OPERATIVA do assistente social? Segundo Souza (2008, p. 122, grifo nosso), [...] o profissional deve CONHECER, SE APROPRIAR, e sobretudo, criar um conjunto de HABILIDADES TÉCNICAS que permitam ao mesmo desenvolver as ações profissionais junto à população usuária e às instituições contratantes (Estado, empresas, organizações não-governamentais, fundações, autarquias etc.), garantindo assim uma inserção qualificada no mercado de trabalho, que responda às demandas colocadas tanto pelos empregadores, quanto pelos objetivos estabelecidos pelos profissionais e pela dinâmica da realidade social. 44 UNIDADE 1 | AS DIMENSÕES T-O, TEÓRICO-METODOLÓGICA E ÉTICO-POLÍTICA DO TRABALHO DO ASSISTENTE SOCIAL E estas ações profissionais do assistente social, baseadas em suas habilidades, conhecimentos e competências, propiciarão a este profissional um trabalho qualificado e necessário para a população e instituições, que se utilizam de sua competência técnico-operativa para intervirem na realidade cotidiana de nossa sociedade, no intuito de promoverem o bem social e a democracia. Para Iamamoto e Carvalho (2008, p. 80), [...] a existência de uma relação singular no contato direto com os usuários – “os clientes” – [...] reforça um certo espaço para atuação técnica, abrindo a possibilidade de se reorientar a forma de intervenção, conforme a maneira de se interpretar o papel profissional. A isso acresce outro traço peculiar ao serviço social : a indefinição ou fluidez do “que é” ou “do que faz” o serviço social , abrindo ao assistente social a possibilidade de apresentar propostas de trabalho que ultrapassem meramente a demanda institucional. Tal característica apreendida, às vezes, como estigma profissional, pode ser reorientada no sentido de ampliação de seu campo de autonomia, de acordo com a concepção social do agente sobre a prática. Então, neste sentido precisamos compreender onde é que RESIDE esta complexidade da ação profissional no serviço social . Pois bem, Toso (apud MIOTO e LIMA, 2009, p. 27) expõe que “[...] a complexidade das ações dos assistentes sociais reside em um conjunto de fatores que as tornam altamente variáveis, imprevisíveis e sujeitas a contínuas transformações.” Mas, que FATORES seriam estes? Segundo Toso (apud MIOTO e LIMA, 2009, p. 27, grifo nosso), são: os TIPOS DE DEMANDAS que requerem modalidades operativas flexíveis e personalizadas; a QUANTIDADE e a MULTIDIMENSIONALIDADE dos problemas sociais dos quais sempre emergem novas demandas e necessidades; a multiplicidade de contextos institucionais em interação com os seus constantes conflitos de competências e coordenação; a INCERTEZA em relação aos recursos devido à grande variação da disponibilidade dos recursos públicos; e a COMPLEXIDADE das respostas somada à INCERTEZA sobre seus efeitos, dado o grande número de variáveis intervenientes e da dificuldade em controlá-las. TÓPICO 3 | AS COMPETÊNCIAS DO S. S. NA CONTEMPORANEIDADE: POLÍTICA, ÉTICA, INVESTIGAÇÃOE INTERVENÇÃO 45 IMPORTANT E Prezado(a) acadêmico(a), [...] aliado a esses fatores que estão articulados, pode- se dizer que O PROCESSO INTERVENTIVO NÃO SE CONSTRÓI A PRIORI. Ao contrário, faz-se no seu próprio trajeto, e essa construção não depende só do assistente social, mas também dos outros sujeitos envolvidos, dentre eles, o espaço sócio-ocupacional no qual o profissional está inserido e os destinatários das ações nele desenvolvidas. (MIOTO; LIMA, 2009, p. 27-28, grifo nosso). Ou seja, é no dia a dia profissional que se desenvolve a competência técnico-operativa do assistente social, permeada por toda esta complexidade interventiva do cotidiano profissional do serviço social e suas habilidades de interpretação da realidade social brasileira ou mundial. E nesta complexidade profissional, como fica a questão da QUALIDADE DE INTERVENÇÃO profissional do assistente social? Guerra (1999, p. 85-87) diz que existem duas perspectivas que precisamos compreender com relação à qualidade da atuação profissional do assistente social. São elas: PRIMEIRO: AS CONDIÇÕES OBJETIVAS NAS QUAIS A INTERVENÇÃO PROFISSIONAL SE REALIZA: A operacionalização de qualquer proposta passa pela exigência de condições objetivas, determinadas pelas relações de causalidade entre os processos que, dinâmica e contraditoriamente, movimentam os fenômenos postos na realidade. Não por outras razões, o movimento que dimana da institucionalização da profissão, a forma pela qual sua inserção na divisão social técnica do trabalho se realiza, a fluidez posta nas definições sobre a natureza e atribuições operacionais da intervenção profissional, já se colocariam como problemáticas suficientes para engendrarem constrangimentos à intervenção profissional e, consequentemente, constituírem-se em campo de investigação. Porém, há mais. Sabe-se que as condições nas quais a intervenção profissional se processa são as mais adversas possíveis: pulverização e ausência de recursos de toda ordem para atendimento das demandas; exigência pelo desempenho de funções que muito se afastam do que o assistente social, ou qualquer outro profissional, se propõe realizar; 46 UNIDADE 1 | AS DIMENSÕES T-O, TEÓRICO-METODOLÓGICA E ÉTICO-POLÍTICA DO TRABALHO DO ASSISTENTE SOCIAL baixos salários; alto nível de burocratização das organizações; fluidez e descontinuidade da política econômica; e, ainda, que o tratamento atribuído à questão social, através das políticas sociais estatais e privadas, é fragmentado, casuístico, paliativo. Desse modo, as condições objetivas colocadas à intervenção profissional não dependem, apenas, da postura teológica individual dos seus agentes e de seus instrumentos de intervenção. A própria lógica que move a ordem burguesa, pelas fragmentações e abstrações que produz e a sustentam, constrange qualquer prática que intencione romper com o conservadorismo que nutre esta mesma sociedade. E neste sentido compete-nos atuar em direção do estabelecimento de condições materiais necessárias a uma intervenção profissional que supere a prática burocratizada, imediatista, reformista. Neste âmbito, a necessidade de reconhecer as estratégias e táticas políticas de ação secundariza a preocupação com o instrumental técnico. SEGUNDO: A PROPOSTA TEÓRICO-METODOLÓGICA MARXIANA: Sabemos que Marx se preocupa com a lógica que movimenta um objeto determinado: a ordem burguesa. A teoria marxiana consiste em (re)produzir, ao nível do pensamento, o movimento real do objeto, mas jamais a realidade, uma vez que esta é muito mais rica e plena de determinações (uma totalidade inacabada, um vir a ser) que as possibilidades da razão em apanhá-la. Mas, a razão, já em Hegel, é astuciosa e segue a prática a todo o momento, guia-a, analisa suas transformações, formula conceitos de acordo com elas. O que pressupõe uma imbricação necessária entre teoria, prática e método. A história, entendida como acumulação de forças produtivas, fornece o material para a análise da razão. As categorias extraídas da história são remetidas a ela; a razão se historiciza e a história se racionaliza. Entre o conhecimento e a ação há mediações de diferentes naturezas, que incorporam as determinações objetivas da realidade e subjetivas, TÓPICO 3 | AS COMPETÊNCIAS DO S. S. NA CONTEMPORANEIDADE: POLÍTICA, ÉTICA, INVESTIGAÇÃO E INTERVENÇÃO 47 concorrentes aos sujeitos sociais que, embora desveladas pelo método, não são por eles solucionadas. Exigir das formulações marxianas respostas num nível de intervenção na realidade, referente a um ramo de especialização da divisão social e técnica do trabalho, é transformá-las numa técnica social ou, no limite, enquadrá-las na lógica formal. IMPORTANT E Caro(a) acadêmico(a): o que estamos tentando demonstrar aqui é que grande parte dos PROBLEMAS encontrados pelos assistentes sociais em sua atuação profissional não está correlacionada ao instrumental técnico em si, mas na sua APLICABILIDADE ou na sua SISTEMATIZAÇÃO. Devemos, pois, ir além do simples cabedal de instrumentos técnico- operativos, ou seja, ultrapassar “a dimensão que o componente instrumental ocupa na constituição da profissão.” (GUERRA, 1999, p. 87). Então devemos: FONTE: Adaptado de Guerra (1999, p. 87) FIGURA 2 – NOÇÕES FUNDAMENTAIS SOBRE A COMPREENSÃO DA DIMENSÃO TÉCNICO-OPERATIVA 48 UNIDADE 1 | AS DIMENSÕES T-O, TEÓRICO-METODOLÓGICA E ÉTICO-POLÍTICA DO TRABALHO DO ASSISTENTE SOCIAL Então, sempre deveremos fazer as seguintes reflexões antes de aplicarmos os instrumentais técnico-operativos: PRIMEIRO: PARA QUE e com que propósito será aplicado um determinado instrumento? (objetivo do projeto, programa ou atuação profissional) SEGUNDO: PARA QUEM será aplicado o determinado instrumento? (público-alvo, população usuária, demanda social) TERCEIRO: ONDE será aplicado o determinado instrumento? (fator locacional: uma comunidade? Um município? Um bairro? Uma região específica? etc.) QUARTO: E QUANDO aplicar o determinado instrumento? (fator temporal: data, período, ano) Sempre e constantemente devemos realizar uma ANÁLISE da aplicabilidade do determinado instrumento ou técnica-operativa e se a mesma trará os resultados esperados para a transformação social pretendida. Iamamoto e Simionato (apud MIOTO e LIMA, 2009, p. 28) complementam expondo que “nessa condição é que se busca delinear a questão da dimensão técnico-operativa” do assistente social. Com relação à produção bibliográfica e ao exercício profissional, segundo Mioto e Lima (2009, p. 28-29), devemos observar que existem diferentes realidades, e nestas, diferentes sujeitos e indicadores que geram abordagens e intervenção profissional diferenciadas, que, no decorrer da história e do dia a dia profissional, colaboram para a construção teórico-metodológica, na qual destacamos os seguintes indicadores: (a) os espaços sócio-ocupacionais que se diferenciam desde a natureza desses espaços (públicos ou privados), até as próprias instituições (judiciárias, hospitalares, de creches) (DE MARCO, 2000; ANDRADE, 2000; SOUSA, 2000; CESAR, 1999; PAZ, 1999; COUTO, 1999); (b) as funções tradicionalmente desempenhadas pelos assistentes sociais, tais como, parecer social, plantão social, levantamento socioeconômico (SARMENTO, 2000; SILVA 2000); (c) as classificações a partir da sistematização ou análise das ações que estão sendo realizadas em áreas de inserção do serviço social – exemplo importante disso é a pesquisa de Costa (2000) na área da saúde; (d) as diferentes políticas sociais (saúde, habitação, assistência social) (VASCONCELOS, 2000; BRAVO 1996); TÓPICO 3 | AS COMPETÊNCIAS DO S. S. NA CONTEMPORANEIDADE: POLÍTICA, ÉTICA, INVESTIGAÇÃO E INTERVENÇÃO 49 Ou seja, diante desse cenário, devemos compreender que o assistente social norteia-se pelos seguintes indicadores sociais básicos: (e) a população-alvo da atenção do assistente social, como idosos, mulheres, crianças e adolescentes. Particularmente,no campo do exercício profissional, além dos indicadores destacados, encontramos outro: a definição do exercício a partir dos instrumentos técnico-operativos (entrevistas, relatórios, encaminhamentos, visitas domiciliares etc.). FONTE: Pieritz (2010) Conforme a figura anterior, de acordo com a expressão da questão social de um determinado segmento, seu público-alvo e a realidade cotidiana, o assistente social buscará identificar em seu cabedal técnico-operativo o instrumento ou técnica que possibilitará responder à demanda a ser trabalhada. Veja este ciclo na representação gráfica a seguir: FIGURA 3 – INDICADORES BÁSICOS DA ATUAÇÃO PROFISSIONAL DO ASSISTENTE SOCIAL 50 UNIDADE 1 | AS DIMENSÕES T-O, TEÓRICO-METODOLÓGICA E ÉTICO-POLÍTICA DO TRABALHO DO ASSISTENTE SOCIAL FONTE: Pieritz (2010) FIGURA 4 – CICLO DA ATUAÇÃO PROFISSIONAL DO assistente social IMPORTANT E Não podemos nos esquecer de fazer os questionamentos estudados sobre a aplicabilidade do instrumento (para que, para quem, onde e quando fazer) e analisar a realidade da questão a ser trabalhada. Sobre a competência técnico-operativa da prática profissional do assistente social podemos concluir, então, que, conforme Tavares e Pieritz (2010, p. 106): Só o domínio técnico-operativo, desconexo com a realidade, o engajamento político ou uma base teórico-metodológica não são suficientes para a atuação profissional do assistente social. Ao se descolar dos fundamentos teórico-metodológicos e ético-políticos, a competência técnico-operativa poderá derivar em mero tecnicismo. 5 COMPETÊNCIA ÉTICO-POLÍTICA Na competência ÉTICO-POLÍTICA, de acordo com Souza (2008, p.121-122, grifo nosso): O assistente social não é um profissional “NEUTRO”. Sua prática se realiza no marco das relações de poder e de forças sociais da sociedade capitalista – relações essas que são contraditórias. TÓPICO 3 | AS COMPETÊNCIAS DO S. S. NA CONTEMPORANEIDADE: POLÍTICA, ÉTICA, INVESTIGAÇÃO E INTERVENÇÃO 51 FONTE: Pieritz (2010) FIGURA 4 – CICLO DA ATUAÇÃO PROFISSIONAL DO assistente social Assim, é fundamental que o profissional tenha um posicionamento político frente às questões que aparecem na realidade social, para que possa ter clareza de qual é a direção social da sua prática. Isso implica assumir valores ético-morais que sustentam a sua prática – valores esses que estão expressos no Código de Ética Profissional dos Assistentes Sociais, e que assumem claramente uma postura profissional de articular sua intervenção aos interesses dos setores majoritários da sociedade. Esta premissa ético-política, segundo Santos (2007, p. 75), vem para consolidar “os valores e princípios legitimados no atual Código de Ética e possibilitar apreender a prática profissional em sua dimensão teleológica.” Mas, qual é esta dimensão TELEOLÓGICA? NOTA A teleologia (do grego τέλος, fin, y -logía) é o estudo dos fins últimos da sociedade, humanidade e natureza. Suas origens remontam a Aristóteles, com a sua noção de que as coisas servem a um propósito. FONTE: Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Teleologia>. Acesso em: 1 mar. 2010. Com relação à dimensão TELEOLÓGICA, podemos observar que, segundo Nicolau (2004, p. 85-86): O fazer profissional do assistente social é definido como atividade, ou o próprio trabalho fazendo parte de determinado processo de trabalho historicamente construído e socialmente determinado pelo jogo de forças, que articulam uma dada totalidade social. A inserção dessa atividade em um processo de trabalho é feita segundo sua caracterização como forma particular de serviço que se concretiza em espaços institucionais, visando à reprodução material e espiritual da força de trabalho no processo de reprodução das relações sociais. Assumindo esta particularidade, o trabalho do assistente social incide sobre a consciência dos outros indivíduos sociais e de si próprio, OBJETIVANDO A MUDANÇA DE ATOS E COMPORTAMENTOS. 52 UNIDADE 1 | AS DIMENSÕES T-O, TEÓRICO-METODOLÓGICA E ÉTICO-POLÍTICA DO TRABALHO DO ASSISTENTE SOCIAL Tais características circunscrevem, na práxis social, a posição teleológica deste trabalho profissional: trabalho que, ao ser midiatizado pelos serviços socioassistenciais demandados pelos setores público e privado, em respostas às diferentes expressões da questão social, concretiza-se de forma dominante no nível político-ideológico. NOTA Para Lukács (1981, p. 23), a posição TELEOLÓGICA é um “[...] momento efetivo da realidade material”, por fazer parte e integrar a essência do ser social. Então, Iamamoto complementa esta análise expondo que: A prestação desses serviços, que têm valor de uso e consumo privado pelos seus potenciais usuários, quando viabilizada pelos assistentes sociais – mediante o processo de trabalho do qual participa no âmbito institucional –, teleologicamente incide não só na reprodução material da força de trabalho desses usuários, como também na sua reprodução espiritual, ou seja, nas formas de consciência social em suas dimensões jurídicas, religiosas, artísticas ou filosóficas, por intermédio das quais os usuários dos serviços tomam consciência das mudanças ocorridas nas condições materiais de produção. (apud NICOLAU, 2004, p. 87). Neste sentido podemos compreender que o “FAZER profissional” no dia a dia do assistente social, na complexidade do mundo de trabalho capitalista, não está permeado na transformação da natureza, mas na transformação do HOMEM, enquanto ser social, sujeito de direitos e deveres, ou seja, o fazer profissional do assistente social se processa no âmbito da consciência social do homem que vive em sociedade, e está permeado por princípios e valores ético- morais, que conduzem às diversas formas de pensar, agir e enxergar o mundo. Segundo Nicolau (2004, p. 87): [...] na PRÁXIS SOCIAL, essa posição teleológica, considerada secundária, envolve decisões humanas, as quais são influenciadas por normas, símbolos, hábitos, atitudes e valores culturais que incidem diretamente nos atos e comportamentos dos indivíduos, no seu modo de viver e de trabalhar, socialmente determinado. TÓPICO 3 | AS COMPETÊNCIAS DO S. S. NA CONTEMPORANEIDADE: POLÍTICA, ÉTICA, INVESTIGAÇÃO E INTERVENÇÃO 53 A autora complementa ainda dizendo que “nessa posição teleológica, que interfere no modo de viver e de trabalhar dos indivíduos, [...] os profissionais, com base no conhecimento concreto da realidade vivida por esses indivíduos, propõem intencionalidades e objetivos a seus projetos iniciais”. (2004, p. 88). Mas, como poderemos CONCRETIZAR as intencionalidades do agir profissional do assistente social? Os objetos e intencionalidades poderão ser “concretizados pela MEDIAÇÃO do seu trabalho profissional específico”, pois “nesse processo de objetivação não só novas relações foram construídas, objetivadas, tornadas reais e concretas no modo de viver, de ser e existir dos indivíduos assistidos – mesmo que não correspondam por inteiro ao idealizado –, como também novos conhecimentos, novas formas de ação, novas ideias e propósitos foram construídos e reconstruídos no profissional que realizou tal trabalho”. (NICOLAU, 2004, p. 88). ESTUDOS FU TUROS Você verá mais tarde, na Unidade 3 deste Caderno de Estudos, o que significa a MEDIAÇÃO profissional do assistente social. Mas, como fica o profissional “em si” do serviço social nesta questão da transformação humana pelas suas relações sociais? Na sua INDIVIDUALIDADE, o assistente social, segundo Nicolau (2004, p. 88), “transformou-se, aprendeu, recriou possibilidades de uma ação no coletivo, com maiores condições de sociabilidade no seu interagir com os outros homens e com a natureza, em função do seu desenvolvimento, que é historicamente determinado”. Ou seja, com o seu próprio agir profissional o assistente social vem se transformando ao longo de sua trajetória profissional, e assim readequando constantemente a sua práxis profissional, pois, como sabemos, estamos em constantestransformações. Portanto, após estas reflexões, qual é o CAMPO POLÍTICO- IDEOLÓGICO da prática profissional do assistente social? Podemos dizer que o campo político-ideológico do fazer profissional do assistente social, sob as concepções teleológicas, pode ser considerado, em sua essência, a BASE MATERIAL para a práxis profissional do serviço social . Pois, de acordo com Nicolau (2004, p. 88), é a partir das transformações do homem enquanto ser social “que se definem intencionalidades ou prévias ideações, ou 54 UNIDADE 1 | AS DIMENSÕES T-O, TEÓRICO-METODOLÓGICA E ÉTICO-POLÍTICA DO TRABALHO DO ASSISTENTE SOCIAL seja, a natureza objetiva e subjetiva constituída e representada pela problemática daqueles indivíduos para os quais são dirigidas as ações.” Sob esta base material, no âmbito da consciência social, o assistente social constitui a sua intencionalidade de ação, ou seja, desenvolve sua intervenção junto ao público por intermédio das mais diversas mediações profissionais. E estas mediações devem levar em consideração a realidade social em que o sujeito está inserido, o referencial teórico-metodológico, a dimensão técnico-operativa e a base político-ideológica que norteia o trabalho e a práxis do assistente social. Então, quanto ao pressuposto ético-político da prática profissional do assistente social, podemos concluir que: O serviço social dispõe de um caráter contraditório, que deriva do caráter das relações sociais que presidem a sociedade capitalista. Nesta sociedade, o serviço social inscreve-se no campo minado por interesses sociais antagônicos, isto é, interesses de classes distintas e em luta na sociedade. O mero engajamento político, descolado das bases teórico-metodológicas e do instrumental operativo para a ação profissional, é insuficiente para iluminar novas perspectivas para o serviço social . (TAVARES; PIERITZ, 2010, p. 106). 6 CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE AS TRÊS DIMENSÕES Segundo Souza (2008, p. 122, grifos nossos): Essas três dimensões de competências NUNCA PODEM SER DESENVOLVIDAS SEPARADAMENTE – caso contrário, cairemos nas armadilhas da fragmentação e da despolitização, tão presentes no passado histórico do serviço social (CARVALHO; IAMAMOTO, 2005). Contudo, articular essas três dimensões coloca um desafio fundamental, e que vem sendo um tema de grande debate entre profissionais e estudantes de serviço social : a necessidade da articulação entre TEORIA E PRÁTICA, INVESTIGAÇÃO E INTERVENÇÃO, PESQUISA E AÇÃO, CIÊNCIA E TÉCNICA não deve ser encarada como dimensões separadas – pois isso pode gerar uma inserção desqualificada do assistente social no mercado de trabalho, bem como ferir os princípios éticos fundamentais que norteiam a ação profissional. TÓPICO 3 | AS COMPETÊNCIAS DO S. S. NA CONTEMPORANEIDADE: POLÍTICA, ÉTICA, INVESTIGAÇÃO E INTERVENÇÃO 55 Segundo Souza (2008, p. 122, grifos nossos): O que se reivindica, hoje, é que a pesquisa se afirme como uma dimensão integrante do exercício profissional, visto ser uma condição para se formular respostas capazes de impulsionar a formulação de propostas profissionais que tenham efetividade e permitam atribuir materialidade aos princípios ético-políticos norteadores do projeto profissional. Ora, para isso é necessário um cuidadoso conhecimento das situações ou fenômenos sociais que são objeto de trabalho do assistente social. (IAMAMOTO, 2004, p. 56). Pensar sob esse ponto de vista significa colocar o serviço social em um lugar de destaque, tanto no plano da produção do conhecimento científico (rompendo com o discurso do senso comum) como no âmbito das instituições públicas e privadas que, de algum modo, atuam sobre a “questão social”. O assistente social ocupa um lugar privilegiado no mercado de trabalho: na medida em que ele atua diretamente no cotidiano das classes e grupos sociais menos favorecidos, ele tem a real possibilidade de produzir um conhecimento sobre essa mesma realidade. E esse conhecimento é, sem dúvida, o seu principal instrumento de trabalho, pois lhe permite ter a real dimensão das diversas possibilidades de intervenção profissional. Assim, o processo de qualificação continuada é fundamental para a sobrevivência no mercado de trabalho. Estudar, pesquisar, debater temas, reler livros e textos não podem ser atividades desenvolvidas apenas no período da graduação ou nos “muros” da universidade e suas salas de aula. Se, no cotidiano da prática profissional, o assistente social não se atualiza, não questiona as demandas institucionais, não acompanha o movimento e as mudanças da realidade social, estará certamente fadado ao fracasso e a uma reprodução mecânica de atividades, tornando-se um burocrata, e, sem dúvidas, não promovendo mudanças significativas, seja no cotidiano da população usuária ou na própria inserção do serviço social no mercado de trabalho. Mioto e Lima (2009, p. 38) complementam expondo que: O movimento que se tem em mente consiste na articulação dialética entre as três dimensões referentes ao serviço social : teórica, ética e técnica. São considerados: o conhecimento/investigação da realidade na qual se intervém; o planejamento e a documentação do processo de trabalho; 56 UNIDADE 1 | AS DIMENSÕES T-O, TEÓRICO-METODOLÓGICA E ÉTICO-POLÍTICA DO TRABALHO DO ASSISTENTE SOCIAL O esquema da figura a seguir permite-nos visualizar esse movimento encadeado: os objetivos, as formas de abordagens dos sujeitos a quem se destina a ação; os instrumentos técnico-operativos e outros recursos implicados na ação. FONTE: Mioto; (Lima, 2009) Este movimento encadeado permite avaliação direta: enquanto os objetivos são concretos, reais, de alcance em tempo determinado e estão ligados ao mundo dos bens e serviços, permitindo avaliação direta. FIGURA 5 – AÇÃO PROFISSIONAL EM MOVIMENTO: ARTICULAÇÃO ENTRE AS DIMENSÕES TEÓRICAS, ÉTICAS E TÉCNICAS DO SERVIÇO SOCIAL PARA QUÊ: Marco referencial teórico/ analítico PARA QUEM: Sujeitos em situação ONDE: Natureza do espaço sócio-ocupacional QUE AÇÃO: Definição da ação Objetivos COMO FAZER: Definição do Suporte teórico da ação; escolha da abordagem; escolha dos instrumentos técnico-operativos e demais recursos TÓPICO 3 | AS COMPETÊNCIAS DO S. S. NA CONTEMPORANEIDADE: POLÍTICA, ÉTICA, INVESTIGAÇÃO E INTERVENÇÃO 57 FONTE: Mioto; (Lima, 2009) LEITURA COMPLEMENTAR O PROJETO ÉTICO-POLÍTICO DO SERVIÇO SOCIAL : NOVOS HORIZONTES PARA A ATUAÇÃO PROFISSIONAL DO ASSISTENTE SOCIAL SUGUIHIRO, Vera Lucia Tieko BREVILHERI, Eliane Cristina Lopes TORETTA, Ester Taube GREGÓRIO, Francieli Jaqueline TARDIOTO, Isaura Paris Cabanillas PAIÃO, Ivana Célia Franco CAMPOS, Luana Garcia YWATA, Suzana Yuriko MACHADO, Vanessa Rombola O projeto ético-político profissional do serviço social no Brasil, vinculado a um projeto de transformação de sociedade, reitera a teoria crítica como fundamentação para o agir profissional. Esta teoria vai ao encontro das novas exigências da profissão, na medida em que possibilita novas investigações, não naturaliza o real e tampouco reduzindo-o ao que está posto. O “projeto ético-político pressupõe prática que leve a transitar do reino das necessidades para o da liberdade, pressupõe também a capacidade de o homem criar valores, escolher alternativas e ser reconhecido como cidadão.” (BATTINI, 2008, mimeo.). Diante de todo este movimento, pode-se constatar que o serviço social é uma profissão dinâmica inserida no próprio contexto sócio-histórico. Portanto, cabe ao assistente social modificar a sua forma de atuação profissional, em decorrência da demanda que lhe é colocada e da necessidade de responder às exigências e às contradições da sociedade capitalista. É preciso acompanhar o movimento da sociedade e visualizar os novos espaços como possibilidades de intervenção sobre uma realidade social concreta. Na atualidade, os ajustes impostos às políticas sociais no Estado capitalista, por intermédio da política neoliberal,acirrada no Brasil na década 1990, têm demandado ao assistente social uma visão crítica da realidade. Ou seja, cabe ao profissional ir além das fronteiras do imediatismo, com distanciamento necessário das funções pontuais, repetitivas e burocráticas. Cabe um constante investimento no processo de apreensão da realidade concreta e das mudanças sociais em movimento, para identificar novas possibilidades de intervenção profissional, por meio de qualificação continuada para desenvolvimento de novas competências e habilidades para atender as novas demandas postas à profissão. Isto significa assumir o pressuposto da ação investigativa como novas possibilidades de intervenção, na medida em que desvela o contraditório e produz as condições necessárias para o enfrentamento e superação das questões sociais que se apresentam cotidianamente. 58 UNIDADE 1 | AS DIMENSÕES T-O, TEÓRICO-METODOLÓGICA E ÉTICO-POLÍTICA DO TRABALHO DO ASSISTENTE SOCIAL É a atitude investigativa que permite revelar a essência do problema e pensar o novo, e por isso, teoria e método, mesmo sendo elementos distintos, devem ser coerentes entre si. A teoria fundamenta a prática e encontra-se no nível da abstração, e o método, por sua vez, norteia a prática. Ambos devem ser incorporados no agir profissional. Entre os assistentes sociais é frequente o discurso da dicotomia entre teoria e prática, o que revela resquícios de uma fragilidade de fundamentação teórico- metodológica para uma atuação competente. Os limites se desvelam pela falta de clareza dos fundamentos que orientam a prática profissional, prevalecendo posturas conservadoras, autoritárias, discriminatórias, tecnocratas e clientelistas, enfraquecendo o projeto ético-político cuja defesa de liberdade e da emancipação dos sujeitos sociais se faz presente. Portanto, o assistente social tem formação para trabalhar com os serviços sociais nas mais diversas áreas: órgãos da administração pública e privada, empresas e organizações da sociedade civil, com políticas sociais na área da saúde, habitação, educação, assistência jurídica, entre outras. E a habilidade do profissional vai além de ser somente executivo, inclui a capacidade de propor e implementar políticas sociais, e ainda, avaliar projetos na área social, realizar perícias técnicas, emitir pareceres, exercer funções de direção na administração de serviços sociais. O trabalho destes profissionais deve ser realizado sob a perspectiva da totalidade, não visualizando apenas o indivíduo, mas as relações mais amplas, buscando formas de intervenção para sua transformação, a partir de atendimentos às demandas mais imediatas que se fazem presentes no cotidiano profissional. Para Faleiros (2005), a construção de estratégias de ação envolve a disponibilidade de recursos, o poder, a organização, a informação e a comunicação, para o enfrentamento, pelo sujeito da ação profissional, das questões relacionais. A luta está centrada na capacidade de fortalecer os sujeitos sociais, por meio do fortalecimento da condição de cidadãos, desenvolvimento da sua autoestima, valorização das condições singulares de sobrevivência individual e coletiva, de modo a capacitá-los para a construção e projeção de sua existência social. A disposição de estratégias de ação resultará no método de trabalho empregado pelo assistente social, modificando uma realidade, transformando o sujeito em ator e autor de sua história. Esta prática profissional é a verdadeira legitimação da profissão. Deste modo, compete aos profissionais uma constante e permanente formação técnica capaz de garantir o aprimoramento de competência técnico- operativa e intelectual, consolidando o compromisso político com a classe trabalhadora. (GUERRA, 2005). Magalhães (2003, p. 47) afirma que “não é possível esquecer que o eixo técnico-operativo das profissões deve estar relacionado ao seu norte ético-político, pois mesmo no uso de um instrumento de apoio há uma intencionalidade”. TÓPICO 3 | AS COMPETÊNCIAS DO S. S. NA CONTEMPORANEIDADE: POLÍTICA, ÉTICA, INVESTIGAÇÃO E INTERVENÇÃO 59 Assim, é preciso ir além da compreensão do instrumental como um conjunto articulado de técnicas que permite a operacionalização da ação profissional, o que Guerra (2000) denomina de “instrumentação técnica”, cuja discussão deve ter o sentido da instrumentalidade enquanto propriedade da profissão, com capacidade de construí-la e reconstruí-la no processo sócio-histórico. O cotidiano da intervenção profissional, nos mais diversos campos de atuação, é marcado pelo atendimento às demandas e requisições da classe trabalhadora, que exige respostas diretas, na perspectiva imediata. Estas demandas e requisições dizem respeito ao atendimento às necessidades básicas dos sujeitos, para as quais se faz necessário proporcionar acessos aos direitos reclamáveis. Para Guerra (2000), muitas destas requisições da profissão são em nível de responder às demandas – contraditórias – do capital e do trabalho, colocando a intervenção profissional numa dimensão instrumental, o que significa reduzir a atuação funcional à manutenção da ordem no atendimento do projeto burguês. Por outro lado, muitas vezes o assistente social assume as determinações, objetivos e práticas do setor e/ou da instituição em que atua, como se fossem atribuições profissionais específicas, o que pode limitar as demandas profissionais às exigências do mercado de trabalho. Isso impede a emancipação social e humana, que é a direção proposta pelo projeto ético-político profissional do serviço social . “Neste âmbito, a competência profissional fica restrita ao atendimento das demandas institucionais, e a intervenção profissional se identifica à adoção de procedimentos formais, legais e burocráticos”. (GUERRA, 2000, p. 12). É necessário que, pela via do conhecimento, os assistentes sociais possam desenvolver estratégias capazes de fazer do imediato o seu instrumento de construção do projeto ético-político profissional, comprometido com a transformação da sociedade. Isso se dá através da articulação entre o imediato e o mediato, entre aquilo que representa respostas a uma expressão singular e respostas sociopolíticas que alavancam condições de empoderamento da população na construção de autonomia e protagonismo. Magalhães (2003, p. 69) afirma que o cotidiano do trabalho “deve ser vivenciado de modo pleno, consciente e compromissado (política e eticamente), para que a ação profissional apresente-se como uma possibilidade, não de alienação, mas de construção de valores que deem sentido ético-político à história profissional”. Em qualquer trabalho desenvolvido no universo institucional, é de suma importância uma prática consciente e refletida, que não se deixe levar unicamente pela cotidianidade, que, muitas vezes, configura-se como uma porta aberta para alienação e que só pode ser superada por meio de uma prática compromissada e crítico-reflexiva. Segundo Iamamoto (2005, p. 20), “um dos maiores desafios que o assistente social vive no presente é desenvolver sua capacidade de decifrar a realidade e construir propostas de trabalho criativas e capazes de preservar e efetivar direitos, a partir das demandas emergentes no cotidiano”. 60 UNIDADE 1 | AS DIMENSÕES T-O, TEÓRICO-METODOLÓGICA E ÉTICO-POLÍTICA DO TRABALHO DO ASSISTENTE SOCIAL Nesta perspectiva, o assistente social precisa investir na aplicação de instrumental técnico-operativo, de forma a potencializar as ações nos níveis de assessoria, planejamento, negociação, pesquisa e ação direta, condição estimuladora da participação dos sujeitos sociais nas decisões que lhes dizem respeito, na defesa de seus direitos e no acesso aos meios de exercê-los. (BATTINI, 2008, mimeo.). A instrumentalidade pode ter também a condição de mediação, ao ser considerada como uma particularidade da profissão, dada por condições objetivas e subjetivas, e portanto, sócio-históricas. Reconhecer a instrumentalidade como mediação significa tomaro serviço social como totalidade constituída de múltiplas dimensões: técnico-instrumental, teórico-intelectual, ético-política e formativa e a instrumentalidade como uma particularidade e, como tal, campo de mediações que porta a capacidade tanto de articular estas dimensões quanto de ser o conduto pelo qual as mesmas traduzem-se em respostas profissionais. (GUERRA, 2000, p. 12). Outro ponto a ser ressaltado é a questão da produção de conhecimento que parece estar distante da prática profissional cotidiana, dada a baixa tradição em termos de experiência acumulada em pesquisa entre os assistentes sociais. Isso decorre da escassa presença de investigação no cotidiano da intervenção profissional. Intervir na realidade de forma crítica e criativa, associada à produção de conhecimento, é o que garante ao profissional a capacidade da unidade entre pensamento e ação. Portanto, é preciso que os assistentes sociais estejam permanentemente imprimindo, na ação e no conhecimento da realidade, uma atitude investigativa para garantir maior rigor e consistência teórico-metodológica no cotidiano da intervenção. Ressaltamos que a atividade teórica, em essência, se distingue da prática, mas “proporciona um conhecimento indispensável para a transformação da realidade, ou traça finalidades que antecipam idealmente sua transformação” (VASQUEZ, 1977, p. 203), constituindo assim, transformações ideais, que, unidas à prática, geram um novo conhecimento. Por isso, pode-se afirmar que: “Toda práxis é atividade, mas nem toda atividade é práxis”. (VASQUEZ, 1977, p. 185). Neste processo, atua-se sobre o objeto e se obtém resultados que refletem sobre o próprio agente; ou seja, imbrica-se num processo que se inicia a partir da apreensão dos fatos, analisados idealmente e, assim, é possível projetar uma resposta futura – um resultado qualitativo –, atingindo uma maior dimensão para aquilo que se buscava responder. Trata-se de um caminho consciente empregado pelo ser humano, portanto, vinculado a uma finalidade. Ao percorrer este caminho é possível superar a aparência e alcançar a essência dos fatos; partir do singular (concreto aparente), mediado pelo concreto pensado (particular) para concretização do universal. Para Lukács (1978, p. 103), tomando por base Marx: TÓPICO 3 | AS COMPETÊNCIAS DO S. S. NA CONTEMPORANEIDADE: POLÍTICA, ÉTICA, INVESTIGAÇÃO E INTERVENÇÃO 61 [...] isto é, da realidade concreta dos fenômenos singulares às mais altas abstrações, e destas, novamente à realidade concreta, a qual – com a ajuda das abstrações – pode agora ser compreendida de um modo cada vez mais aproximativamente exato [...] O processo de tal aproximação é essencialmente ligado à dialética de particular e universal: o processo do conhecimento transforma ininterruptamente leis que até aquele momento valiam como as mais altas universalidades em particulares modos de apresentação de uma universalidade superior, cuja concretização conduz muito frequentemente, ao mesmo tempo, à descoberta de novas formas da particularidade como a mais próximas determinações, limitações e especificações de nova universalidade tornada mais concreta. Esta última, portanto, no materialismo dialético, não pode jamais se fixar como sendo o coroamento definitivo do conhecimento, como ocorreu mesmo em dialéticos tais como Aristóteles e Hegel, mas exprime sempre uma aproximação, o mais alto grau de generalização obtido em cada etapa da evolução. Portanto, à medida que a profissão se reconhece na divisão sociotécnica do trabalho, enquanto profissional com capacidade de apreender o movimento do singular e do universal, mediado pela particularidade do real presente na questão social, ampliam-se significativamente as possibilidades de uma atuação transformadora. Segundo Guerra (2005, p. 15): Ao clarificar seus objetivos sociais, realizar escolhas moralmente motivadas, compreender o significado da profissão no contexto da sociedade, escolher crítica e adequadamente os meios éticos para o alcance de fins éticos, orientados por um projeto profissional crítico, os assistentes sociais estão aptos, em termos de possibilidade, a realizar uma intervenção profissional de qualidade, competência e compromisso indiscutíveis. FONTE: SUGUIHIRO, Vera Lucia Tieko et al. O serviço social em debate: fundamentos teoricometodológicos na contemporaneidade. Saber Acadêmico, Presidente Prudente, n. 7, jun. 2009. Disponível em: <http://www.uniesp.edu.br/revista/revista7/pdf/2_ servico_em_debate.pdf>. Acesso em: 2 fev. 2010. DICAS Para aprofundamento destes temas, sugiro que você leia o seguinte livro: ABREU, Marina Maciel. Serviço Social e a organização da cultura: perfis pedagógicos da prática profissional. São Paulo: Cortez, 2002. 62 RESUMO DO TÓPICO 3 Neste tópico estudamos sobre o significado das competências do serviço social na contemporaneidade: política, ética, investigação e intervenção, e foram abordados os seguintes itens: O serviço social era tido inicialmente como uma profissão inscrita na divisão técnica do trabalho e, após o Movimento de Reconceituação, ganhou cunho científico. Estudamos as dimensões teórico-metodológica, técnico-operativa e ético- política da atuação profissional do assistente social. Com relação à COMPETÊNCIA TEÓRICO-METODOLÓGICA do assistente social, estudamos que: ᵒ o papel da teoria na construção profissional do assistente social é o de iluminar as estruturas e as dinâmicas dos processos sociais, as determinações contraditórias dos fatores e fenômenos, dissolver a positividade dos fatos pela sua negação; ᵒ a concepção do método, no âmbito do referencial marxiano, é tida como o caminho do pensamento, a direção analítica, que obedece ao movimento do objeto; ᵒ existem três tendências e alguns problemas que permeiam a trajetória histórica da profissão do assistente social. No que tange às questões relativas às COMPETÊNCIAS TÉCNICO- OPERATIVAS do serviço social , podemos verificar que: ᵒ o assistente social desenvolverá suas atividades sócio-ocupacionais baseadas em sua dimensão técnico-operativa; ᵒ nas dimensões técnico-operativas existe certa complexidade de interpretação dos instrumentos e técnicas ou simplesmente a definição das metodologias de ação e intervenção a serem desenvolvidas em cada caso; ᵒ os instrumentos devem ser analisados e adaptados conforme as necessidades e a realidade de intervenção profissional; ᵒ é no dia a dia profissional que se desenvolve a competência técnico-operativa do assistente social, permeada por toda esta complexidade interventiva do cotidiano profissional do serviço social e suas habilidades de interpretação cotidiana da realidade social brasileira ou mundial; 63 ᵒ de acordo com a expressão da questão social de um determinado segmento, seu público-alvo e a realidade cotidiana, o assistente social buscará identificar em seu cabedal técnico-operativo o instrumento ou técnica que possibilitará responder à demanda a ser trabalhada. Na COMPETÊNCIA ÉTICO-POLÍTICA, de acordo com Souza (2008, p.121-122, grifo nosso): ᵒ o assistente social não é um profissional “NEUTRO”; ᵒ sua prática se realiza no marco das relações de poder e de forças sociais da sociedade capitalista – relações essas que são contraditórias; ᵒ assim, é fundamental que o profissional tenha um posicionamento político frente às questões que aparecem na realidade social, para que possa ter clareza de qual é a direção social da sua prática; ᵒ isso implica assumir valores ético-morais que sustentam a sua prática – valores esses que estão expressos no Código de Ética Profissional dos Assistentes Sociais. Essas três dimensões de competências NUNCA PODEM SER DESENVOLVIDAS SEPARADAMENTE – caso contrário, cairemos nas armadilhas da fragmentação e da despolitização, tão presentes no passado histórico do serviço social (IAMAMOTO; CARVALHO, 2008). 64 AUTOATIVIDADE 1 Caro(a) acadêmico(a), após a leitura e o estudo deste tópico,escreva no quadro a seguir as principais características de cada COMPETÊNCIA da atuação profissional do assistente social, seus pontos positivos e negativos. COMPETÊNCIA CARACTERÍSTICAS PONTOS POSITIVOS PONTOS NEGATIVOS TEÓRICO- METODOLÓGICA TÉCNICO- OPERATIVA ÉTICO-POLÍTICA 65 UNIDADE 2 A AÇÃO PROFISSIONAL E O PROCESSO INTERVENTIVO DO ASSISTENTE SOCIAL NO COTIDIANO OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM PLANO DE ESTUDOS A partir desta unidade você será capaz de: • reconhecer os diferentes aspectos ideológicos que permeiam a aplicabili- dade dos instrumentos, técnicas e ações profissionais do assistente social; • identificar a intencionalidade da ação profissional do assistente social em seu cotidiano; • compreender a competência relacional do assistente social; • compreender a racionalidade da práxis profissional no serviço social; • conhecer alguns impasses do serviço social com relação à aplicabilidade do seu instrumental técnico-operativo; • visualizar como se deu historicamente o processo de produção e reprodu- ção social; • compreender alguns aspectos da natureza, estratégia, particularidades e implicações do trabalho do assistente social, tais como o significado da mediação e da ação investigativa no serviço social . A Unidade 2 está dividida em três tópicos e, ao final de cada um deles, você vai realizar as atividades propostas para fixar os conhecimentos. TÓPICO 1 – ASPECTOS IDEOLÓGICOS NO USO DOS INSTRUMENTOS E TÉCNICAS TÓPICO 2 – NATUREZA, ESTRATÉGIAS, PARTICULARIDADES E IMPLI- CAÇÕES DO TRABALHO DO ASSISTENTE SOCIAL TÓPICO 3 – IMPASSES DA PROFISSÃO NA APLICABILIDADE DOS INS- TRUMENTOS 66 67 TÓPICO 1 ASPECTOS IDEOLÓGICOS NO USO DOS INSTRUMENTOS E TÉCNICAS UNIDADE 2 1 INTRODUÇÃO “O pensamento é apenas um aspecto parcial de uma realidade menos abstrata: o homem inteiro.” Lucien Goldmann Neste tópico entraremos numa discussão mais ideológica da atuação profissional do assistente social, trabalhando e desmistificando a questão da intencionalidade e a consciência que permeia o processo de trabalho do serviço social . 2 INTENCIONALIDADE E CONSCIÊNCIA DA AÇÃO PROFISSIONAL Mas, antes de explanarmos o significado da intencionalidade da prática profissional do assistente social, devemos compreender o que significa a CONSCIÊNCIA enquanto categoria teórica. E posteriormente trabalharemos as questões relativas à intencionalidade das ações profissionais do assistente social. 2.1 A CATEGORIA “CONSCIÊNCIA” Primeiramente devemos compreender o que é a CONSCIÊNCIA. FONTE: Disponível em: <www.brasilcultura.com.br>. Acesso em: 24 fev. 2010. Segundo Fontes (2010, p. 1, grifo nosso), a consciência diz respeito “[...] à PERCEPÇÃO IMEDIATA pelo sujeito daquilo que se passa nele mesmo ou fora dele.” FONTE: Disponível em: <www.lindarebecca. blogspot.com>. Acesso em: 24 fev. 2010. UNIDADE 2 | A AÇÃO PROFISSIONAL E O PROCESSO INTERVENTIVO DO ASSISTENTE SOCIAL NO COTIDIANO 68 Ou seja, segundo a Enciclopédia Wikipédia (2010, p. 1, grifo nosso), a consciência é: [...] uma QUALIDADE DA MENTE, considerando abranger qualificações tais como subjetividade, autoconsciência, sentiência, sapiência, e a capacidade de perceber a relação entre si e um ambiente. É um assunto muito pesquisado na filosofia da mente, na psicologia, neurologia, e ciência cognitiva. Alguns filósofos dividem consciência em consciência fenomenal, que é a experiência propriamente dita, e consciência de acesso, que é o processamento das coisas que vivenciamos durante a experiência. (BLOCK, 2004). Consciência fenomenal é o estado de estar ciente, tal como quando dizemos “estou ciente”, e consciência de acesso se refere a estar ciente de algo, tal como quando dizemos “estou ciente destas palavras”. Consciência é uma qualidade psíquica, isto é, que pertence à esfera da psique humana, por isso diz-se também que ela é um atributo do espírito, da mente, ou do pensamento humano. Ser consciente não é exatamente a mesma coisa que perceber-se no mundo, mas ser no mundo e do mundo; para isso, a intuição, a dedução e a indução tomam parte. NOTA O termo sentiência foi manifestado pelo filósofo basco José Francisco Xavier Zubiri Apalategui (1898 a 1983), através da publicação da Inteligencia Sentiente, que foi seu principal trabalho sistemático e em três volumes: Inteligencia y realidad, Inteligencia y logos e Inteligencia y razón, no qual traduz o que pensa sobre o inteligir, conhecer e saber. FONTE: Disponível em: <www.sentiencia.com.br/page2.aspx>. Acesso em: 24 mar. 2010. Mas, como NASCE a consciência? De acordo com Sandoval (2009, p. 7, grifo nosso), “os animais tidos como irracionais não possuem a consciência do mundo, pois reagem segundo os motivos específicos que fazem com que seus instintos se mobilizem. Portanto, a consciência é pertinente ao homem e serve a suas necessidades.” Ainda segundo Sandoval (2009, p. 7), “nos primeiros Homo sapiens a consciência era rudimentar e servia a percepções e necessidades elementares, sofisticando-se a partir da evolução.” Neste sentido, “isto significa que as causas TÓPICO 1 | ASPECTOS IDEOLÓGICOS NO USO DOS INSTRUMENTOS E TÉCNICAS 69 que levam à mobilização se sofisticaram de uma forma que estes motivos passam, então, a agir por meio da inteligência, na medida em que também se sofisticam as necessidades a fim de mobilização.” (SANDOVAL, 2009, p. 7). Schopenhauer (1982, p. 195-196) complementa expondo que: A terceira fórmula da causalidade motora é peculiar ao reino animal, constituindo a sua característica: trata-se da motivação, isto é, a causalidade agindo por meio da inteligência. Intervém ela na escala natural dos seres, no ponto em que a criatura, tendo necessidades mais complicadas, e consequentemente muito variáveis, não consegue mais satisfazê-las unicamente sob o impulso dos excitantes que ela deveria sempre esperar de fora; é preciso, então, que esteja apta para escolher, colher e também pesquisar os meios para satisfazer essas necessidades surgidas. Entretanto, a consciência SE FORMA POR INTERMÉDIO da vivência humana em sociedade e suas necessidades subjetivas, na sua relação com os demais integrantes desta mesma sociedade e na satisfação direta e indireta de seus desejos e anseios. Então, o que é a CONSCIÊNCIA MORAL? FONTE: Disponível em: <www.jornallivre.com.br>. Acesso em: 24 fev. 2010. Segundo Fontes (2010, p. 1, grifo nosso), a CONSCIÊNCIA MORAL “[...] é uma espécie de "JUIZ INTERIOR" que nos ordena o que deve ser feito, desempenhando um papel crítico no agir.” FONTE: Disponível em: <www.semsofia.blogspot. com>. Acesso em: 24 fev. 2010. Mas, segundo Oliveira (2009, p. 1, grifos nossos): UNIDADE 2 | A AÇÃO PROFISSIONAL E O PROCESSO INTERVENTIVO DO ASSISTENTE SOCIAL NO COTIDIANO 70 Em âmbito geral, CONSCIÊNCIA significa o pensar com, compreender com. Dentro da teoria moral, consciência é uma função que permite ao ser humano distinguir entre o que é BOM e o que é MAU. Nesse sentido, a consciência é, a todo momento, provocada por interações maiores que ela. A partir das ciências naturais, da neurociência, entre outras, fala-se de uma consciência a nível cerebral. Desse modo, as patologias cerebrais influenciam nas interações que a consciência realiza: seja consigo mesmo, com a sociedade, com a igreja etc. Para os neurocientistas, a consciência depende, então, do estado do cérebro, o que nos leva a questionar o que é a consciência de Deus, de pecado, de transcendência etc. IMPORTANT E A COMPREENSÃO DAS COISAS e dos FATOS depende do cérebro de cada um, ou seja, da visão de mundo e da subjetividade de cada ser humano sobre a Terra, mas sempre baseado nas concepções éticas e morais constituídas pela sociedade em que vive. Neste sentido, como podemos CONTROLAR a consciência humana? FONTE: Disponível em: <www.marcelocoelho.folha. blog.uol.com.br>. Acesso em: 24 fev. 2010. Ou seja, como podemos falar de uma CONSCIÊNCIA MORALCRÍTICA? FONTE: Disponível em: <www.storita. blogspot.com>. Acesso em: 24 fev. 2010. TÓPICO 1 | ASPECTOS IDEOLÓGICOS NO USO DOS INSTRUMENTOS E TÉCNICAS 71 Neste sentido, como podemos CONTROLAR a consciência humana? Vejamos: Ao tratar da questão da consciência crítica de cada ser humano, devemos considerar primeiramente a visão de mundo que temos, ou seja, relativizar nosso conhecimento e percepção sobre as coisas que acontecem no dia a dia, em nossa sociedade e no mundo, para assim poder realizar uma análise crítica dos fatos, sob a luz da consciência moral e ética daquela região ou sociedade. IMPORTANT E Lembra-se do Caderno de Estudos de “ÉTICA PROFISSIONAL DO assistente social”, da prof.ª Vera Lúcia Hoffmann Pieritz, que na Unidade 1 (páginas 3 a 39) trabalhou a questão da ética e seus fundamentos, apresentando o significado da ética e seus princípios norteadores e os valores morais de nossa sociedade? REVEJA ESTE MATERIAL, para assim compreender melhor a questão da consciência moral crítica. Neste sentido, ao falarmos da consciência moral dos seres humanos, como um todo, falamos de como estes homens, mulheres, crianças, adolescentes, idosos, entre outros, AGEM em seu convívio em sociedade. Portanto, segundo Oliveira (2009, p. 1, grifos nossos): Uma consciência crítica DESALIENADA constrói, analisa, critica a realidade. Através da análise, ela CRITICA e DENUNCIA, construindo uma nova realidade. A modernidade se identifica com o surgimento da consciência, haja vista o tempo do Iluminismo, do Renascimento, e suas críticas da realidade. A consciência nasce num mundo de criatividade, saindo do repetitivo, dos modismos, do corriqueiro. Ao cair nos modismos, não se notam parâmetros de limites. Tudo se transforma com rapidez e velocidade assustadoras. A consciência moral não aceita o legalismo, segundo os valores de hoje. A consciência tem OUTROS VALORES para bem, justiça, verdade, responsabilidade etc. UNIDADE 2 | A AÇÃO PROFISSIONAL E O PROCESSO INTERVENTIVO DO ASSISTENTE SOCIAL NO COTIDIANO 72 A CONSCIÊNCIA CRÍTICA é a capacidade de apreciar as atitudes não só do outro, mas as próprias. (OLIVEIRA, 2009, p. 1). ATENCAO Oliveira (2009, p. 2, grifos nossos) complementa expondo que a consciência moral crítica [...] é a capacidade de JULGAR as decisões tomadas, de ter a CONSCIÊNCIA DE SI mesmo, de seus projetos e sonhos, pensados com responsabilidade. CONSCIÊNCIA é tudo que existe no contexto de cada sujeito, que nos leva a vivenciar o amor, a liberdade, pois não deve aprisionar. Assim, a consciência moral TEM QUE SE OPOR à alienação, à ingenuidade, ao aprisionamento dos que têm poderes. A consciência funciona a partir do enfoque mental. Tem dificuldades em entender e compreender o que está do lado de fora da objetividade. O objetivo assume a condição da coisa em si. Na objetividade as coisas existem independentemente de nós mesmos. O momento do objeto é fixista, trabalha as relações consigo mesmo, com o outro, com a natureza, com a sociedade. O sujeito se compreende como distante do objeto, devendo conformar-se com a realidade. A imoralidade nasce com a conformidade da realidade, com a norma, a regra. O ser humano, inserido em uma família, em uma comunidade, sociedade, em um contexto, desenvolve uma consciência que se desdobra num círculo de ideias, que tem teorias e práticas. Para alguns, fica-se mais nas teorias, para outros, mais nas práticas. Assim, a CONSCIÊNCIA É INTERPRETAÇÃO, é solução (ou ajuda a encontrá-la), é compreensão do que acontece no mundo. A nova realidade deve apontar a consciência a uma nova vida. Repetir respostas de perguntas antigas para perguntas novas já não mais é correspondido. Por isso, para se pensar novas respostas, é importante levantar suspeitas. E o papel de um filósofo, de um moralista, não no sentido pejorativo da palavra, mas daquele que estuda a moralidade, é inquietar, é levantar dúvidas, levantar suspeitas para gerar novos pensamentos. Para tanto, TÓPICO 1 | ASPECTOS IDEOLÓGICOS NO USO DOS INSTRUMENTOS E TÉCNICAS 73 precisa-se ter um grau de criticidade muito grande e ser consciente de que o SABER não é algo pronto, de que NÃO SE TEM UM CONHECIMENTO ACABADO. Ele está sempre em construção. A própria capacidade pessoal de cada um, nossas praticidades para as coisas (para o fazer, o agir, o pensar) também têm que ser colocadas em suspenso. Assim, a consciência pode sair de seu lugar confortável para adquirir novos horizontes, novos limites, mais amplitude. Viver sempre com o mesmo nos acomoda, nos aquieta, nos conforta. Isso nos impede a buscar ou mesmo a ter medo do que é novo. A MUDANÇA, para muitos, torna-se algo doloroso. Há que se confrontar as opiniões, colocar a consciência em debate com outras consciências, para que se possam rever as posturas e chegar a uma conclusão nova ou pelo menos mais clara ou mais racional que a que se tinha. Por isso, abrir-se para os questionamentos ajuda a entender e interpretar a realidade em que estamos. NÃO SE PODE deixar que a consciência se acomode, principalmente, no poder. Temos uma grande tendência, quando no poder, de evitar as interpelações, os atritos e os conflitos para não se perder o status quo. O efeito que se gera de tais posturas é o que chamamos de autoritarismo e intolerância ao outro, impedindo que este questione, proponha, ajude a inovar. Quem NÃO ABRE SUA CONSCIÊNCIA, fecha-se ainda mais em seu autoritarismo. Não se criam os diálogos, a intransigência é dominante e a consciência não encontra espaços para crescer sabiamente. (OLIVEIRA, 2009, p. 2, grifos nossos). ATENCAO Para finalizar esta discussão, devemos observar o que Oliveira (2009, p. 2, grifos nossos) tem ainda para nos expor. Ou seja, São as MUDANÇAS que promovem diálogos, enriquecimento da sabedoria. Dessa forma, uma consciência fechada transmite conforto, tranquilidade, acomodação, mas também despreza e desvaloriza a validade e a autenticidade do outro. Aqui se abrem grandes sentimentos para RACISMOS, PRECONCEITOS, XENOFOBIAS, entre outros. UNIDADE 2 | A AÇÃO PROFISSIONAL E O PROCESSO INTERVENTIVO DO ASSISTENTE SOCIAL NO COTIDIANO 74 Entretanto, nem toda divergência permite uma mudança. A busca de um meio-termo é importante nesses casos, pois o laxismo (deixar-se fazer do modo que mais convier, sem se preocupar tanto com a ordem e o dever, mas fazer como se quer, quando se quer e para quem se quer) também acarreta em comodismo. Nesse sentido, tem-se uma falsa sensação de liberdade de escolha. Portanto, a consciência não se forma fora da divergência. LEITURA COMPLEMENTAR 1 A CONSCIÊNCIA E SUA INTENCIONALIDADE Rafael Sandoval Segundo vários filósofos da mente e psicólogos empiristas, a palavra consciência pode ser usada de várias formas. “Por vezes é utilizada para discriminar estímulos ou para relatar informações, ou para acompanhar estados internos, ou mesmo para controle do comportamento”. (CHALMERS, 2003). A consciência possui um caráter de intencionalidade, assim a consciência, tendo em vista os dados da realidade que se apresentam, e também por seu suposto papel, dá sentido às coisas e produz representações, todavia, é problemático confundir intencionalidade com intenção, pois intenção é uma forma de intencionalidade, mas não a intencionalidade propriamente dita, como bem acentuou John Searle. Intencionalidade significa que a “consciência está por outra, quando é acerca de outra coisa, por conseguinte, crenças e desejos são estados intencionais”. (ABATH 2000, apud DENNET, 1987). Desse modo, a consciência possui um papel, por assim dizer, ativo. A consciência opera segundo “conceitos absorvidos”, ou a partir de experiências subjetivas conscientes – “qualias” –, criando, desse modo, novas representações. Há um caráter propriamente ativo da consciência, estando para outras, ou, outras coisas acerca do mundo, assim, significa que o ato de desejar significa desejar algo, imaginar significa imaginar algo.Tendo em vista que a consciência possui operações tanto de “recepção ativa” e, isso, significa ter consciência de algo, ou seja, daquilo que atravessa nossos sentidos criando representações e, também, criar novas representações sem um ente correspondente no mundo real; porém, é possível afirmar que não se trata da consciência propriamente dita a criar novas representações, mas faculdades inerentes ao sistema cognoscitivo, a consciência então ficando somente como mera superfície ativa de contato com os dados da realidade. As faculdades cognoscitivas e a consciência possuem características que proporcionam certa reciprocidade. Com efeito, para que haja representações, é necessária certa quantidade de abstrações de dados da realidade. Assim é pouco provável os jovens, somente por mera intuição, sem nenhum contato visual e real com o objeto equivalente, ou mesmo conhecimento prévio, idearem a cor do macacão de Charlie Chaplin no filme Tempos Modernos. É, porém, possível, TÓPICO 1 | ASPECTOS IDEOLÓGICOS NO USO DOS INSTRUMENTOS E TÉCNICAS 75 tendo como exemplo um macacão do mesmo modelo; assim, retira-se do macacão o predicado “cor”, seja ele vermelho ou de qualquer cor que seja. Vejamos como modelo um macacão de cor azul que, supostamente, seria do mesmo modelo e cor utilizados no filme de Chaplin. Tendo em vista o conhecimento de que o macacão de Chaplin é azul, imagina-se (representa-se) doravante, ao assistir ao filme, que o macacão de Chaplin é azul, coisa que outrora não era possível. Diante disso, para que sejam geradas novas representações, há de haver, no sistema cognitivo, um número considerado de informações. Destarte, não é possível idear um caminhão sem ter a ideia do que é um carro, pois o caminhão igualmente está na classe dos veículos, pois o aparelho cognitivo ajusta-o à categoria de veículos, de que o carro e o caminhão fazem parte e, que, porém, até então só havia nessa categoria o conceito “carro”; doravante há mais um veículo, ou seja, o caminhão. Assim, quando o indivíduo pensa doravante em veículos, poderão sobrevir à mente, agora, também caminhões. Portanto, conceito e representação são distintos; há, no entanto, uma adequação do conceito ao fenômeno assim que se apreendem mais informações da realidade externa. Há uma hierarquização das funções cognoscitivas para que seja gerada uma representação nova. Dessa forma, a consciência possui intencionalidade, estando, então, como última instância ou palco na criação de representações. Ainda há possibilidade de hierarquizar, por assim dizer, de maneira um pouco rudimentar, as funções cognoscitivas geradoras de representações: é imediatamente necessário que a memória possua certa quantidade de conhecimentos e crenças, mesmo como meros conceitos, para que sejam criadas novas representações e estas se apresentarem na consciência. É também necessária a imaginação para que se consiga criá-las. Diante do exposto, é possível afirmar que o sistema cognitivo possui crenças que são geradas pelo grupo social. Não obstante, mesmo o conhecimento a priori deriva-se de uma abstração, de um predicado dado como primário, urgente, caracterizador, contido no sujeito, criando, assim, uma necessidade. Das premissas: “Todos os homens são mortais, Sócrates é um homem, portanto, Sócrates é mortal”, é possível analisar (introspectivamente, mesmo sendo problemática e discutível essa maneira, porquanto o sujeito usa de inferências, mesmo através da introspecção) que o intelecto abstrai mortal, e o projeta em Sócrates, pois “Sócrates” “existe” na classe de homens e não se dissocia deste, constituindo, assim, uma crença e, também, a partir da crença preexistente de que “Todos os homens são mortais” (premissa maior), criar novas crenças e todo um sistema de crenças. Da mesma forma, sendo possível saber qual a “classe de macacões de Chaplin”, é possível deduzir ou mesmo imaginar a cor e, também, cores de outros macacões da mesma classe. Parece, portanto, que as faculdades cognoscitivas tendem a armazenar informações, classificando-as automaticamente (aspecto que veremos mais à frente nesse artigo). Destarte, é facilmente constatável tal função de armazenamento na imaginação de um suposto futuro se baseando em acontecimentos passados. Há entre as correntes de pensamento dos filósofos da mente, que o sistema cognitivo tende a responder de maneira sui generis dado o aspecto da realidade que se apresenta: UNIDADE 2 | A AÇÃO PROFISSIONAL E O PROCESSO INTERVENTIVO DO ASSISTENTE SOCIAL NO COTIDIANO 76 [...] “se um determinado padrão simbólico S se forma no interior do aparelho representacional de um sistema cognitivo K na sequência de este ter sido causalmente impressionado por um dado aspecto da realidade R, então esse padrão simbólico S será acerca desse aspecto da realidade R. Evidentemente, é preciso ter algum cuidado na formulação deste ponto de vista. Nomeadamente, para determinar que uma dada conexão impacto causal/conteúdo representacional obtém, é necessário que duas outras condições suplementares se encontrem reunidas. A primeira é a de que apenas o aspecto da realidade R cause a emergência do padrão S em K. A segunda é a de que todas as instâncias de R têm que dar origem à constituição do padrão S sempre que exerçam um impacto causal sobre K”. (ZILHÃO, Antônio, 2007). Há também a corrente teleossemântica que procura resolver o problema do comportamento do sistema cognitivo frente ao dado da realidade, com uma anterioridade de determinado padrão desenvolvido pelo sistema para covariar a determinado aspecto da realidade e não com outro. Destarte, parece haver, a segunda corrente, uma maior compatibilidade com a conjectura descrita no parágrafo acima com a do “macacão de Chaplin”. FONTE: SANDOVAL, Rafael. Investigação sobre a consciência. Instituição: Universidade Católica de Brasília. Data de Publicação: 19 jul. 2009. Disponível em: <http://www.notapositiva. com/br/trbestsup/filosofia/filosmente/investigacao_sobre_consciencia.htm#vermais>. Acesso em: 4 mar. 2010. Depois de compreendermos os sentidos da consciência, devemos agora compreender o significado da INTENCIONALIDADE enquanto categoria teórica, para depois entender finalmente a questão da intencionalidade da ação profissional do assistente social. 2.2 A INTENCIONALIDADE ENQUANTO CATEGORIA TEÓRICA Pois bem, neste item proporcionaremos uma discussão acerca da conceituação básica e do significado da categoria “INTENCIONALIDADE”. FONTE: Disponível em: <www.acafic.com.br>. Acesso em: 24 fev. 2010. A INTENCIONALIDADE, segundo Fontes (2010, p. 1, grifo nosso), diz respeito à “CARACTERÍSTICA DEFINIDORA DA CONSCIÊNCIA, enquanto necessariamente voltada para um objeto”. FONTE: Disponível em: <www.ludicoemsala. pbworks.com>. Acesso em: 24 fev. 2010. TÓPICO 1 | ASPECTOS IDEOLÓGICOS NO USO DOS INSTRUMENTOS E TÉCNICAS 77 O termo “intencional” está diretamente conectado na CAUSA real do fato ou do objeto, na sua intenção sobre o fato ou realidade, ou seja, no seu propósito de ação sobre o objeto. De acordo com Siewert (2006, p. 6), a INTENCIONALIDADE no sentido filosófico “é o aspecto de estados mentais ou de eventos que consiste no seu ser de ou sobre as coisas (como se refere às questões: ‘Quais são as coisas que você está pensando?’ e ‘O que você está pensando?’).” Intencionalidade é a SOBRIEDADE ou DIRECIONAMENTO DA MENTE (ou estados de espírito) para coisas, objetos, estados de coisas, acontecimentos. (SIEWERT, 2006, p. 6, grifo nosso). ATENCAO Esta concepção de “DIRECIONAMENTO” da intencionalidade se refere diretamente ao estado de espírito e visão que temos de uma determinada situação social, ou seja, é como vemos aquela realidade sobre a coisa ou objeto, os seus acontecimentos. Mas que tipo de “DADE” ou “DE-DADE” ou “DIRECIONAMENTO” é este? Siewert (2006, p. 6, grifos nossos) expõe que “tem sido dito que a peculiaridade desse tipo de direcionamento sobre ‘DADE’ reside na suacapacidade de relacionar o pensamento ou experiência de objetos que não existem.” Por exemplo, “pode-se pensar em uma reunião que não tem, ou nunca ocorrerá; um pode pensar de Shangri La, ou El Dorado, a Nova Jerusalém; um pode pensar de suas ruas brilhantes, à sua total falta de pobreza, ou de seus cidadãos ‘roupagem peculiar’. Pensamentos, ao contrário das estradas, podem levar a uma cidade que não está lá.” (SIEWERT, 2006, p. 7). Mas, que PERCEPÇÃO da realidade é esta? No caso da percepção, segundo Siewert (2006, p. 7, grifo nosso), “o que torna possível a impressão de ver ou ouvir o que não está lá é uma EXPERIÊNCIA que pode ser de várias formas imprecisas, não verídica, sujeita à ilusão ou alucinação.” Ou seja, é a vivência cotidiana e a experiência empírica de vida que faz com que o ser humano perceba o objeto, a coisa ou o acontecimento que aparentemente não exista naquele momento. UNIDADE 2 | A AÇÃO PROFISSIONAL E O PROCESSO INTERVENTIVO DO ASSISTENTE SOCIAL NO COTIDIANO 78 Segundo Husserl (apud PAIXÃO, 2010, p. 1), [...] “a ‘intencionalidade’ diz respeito à direitura da consciência em relação aos seus objetos, à forma como o conhecimento é posicionado, perspectivado e ativo, constituindo os seus objetos.” A teoria da “intencionalidade”, segundo Paixão (2010, p. 1, grifo nosso), [...] defende que a ‘PERCEPÇÃO procede por aspectos’, sendo esta sempre inerentemente incompleta, porque qualquer OBJETO é sempre apreendido a partir de um ponto de vista determinado e bem definido. Assim, aquilo que é observado revela-se através do ato de percepção por meio dos aspectos dependentes da atitude e da determinação do ponto de vista do observador. Há uma correlação entre esses aspectos observados e o ponto de vista do observador. IMPORTANT E Na concepção de John Searle (apud SIEWERT, 2006, p. 7, grifo nosso), os ESTADOS INTENCIONAIS são aqueles com condições de SATISFAÇÃO. SATISFAÇÃO? Mas, quais são as condições de satisfação? Vejamos. Segundo Siewert (2006), a satisfação é tida diferentemente conforme a percepção do objeto, ou seja: • no caso da CRENÇA sob um determinado fato, a condição para a sua percepção de satisfação se processa quando a crença é verdadeira; • no caso da PERCEPÇÃO do objeto, a condição para a sua percepção de satisfação se processa na experiência sensorial quando é verídica; • no CASO DE INTENÇÃO do ato ou da ação, a condição para a sua percepção de satisfação se processa quando a intenção é cumprida ou efetuada. Viviani (2010, p. 2) afirma que “Husserl identifica dois momentos da intencionalidade.” TÓPICO 1 | ASPECTOS IDEOLÓGICOS NO USO DOS INSTRUMENTOS E TÉCNICAS 79 IMPORTANT E Edmund Husserl (1859-1938), filósofo alemão fundador da Fenomenologia, um método para a descrição e análise da consciência através do qual a filosofia tenta alcançar uma condição estritamente científica. Nasceu a 8 de abril de 1859, em Prossnitz, Moravia, no então Império Austríaco, hoje Prostejov, na República Checa, e faleceu em 27 de abril de 1938, em Freiburg im Breisgau, na Alemanha. (COBRA, 2010). Mas, que MOMENTOS da intencionalidade são estes? PRIMEIRO MOMENTO: no ato NOÉTICO, em que, segundo Viviani (2010, p. 2), “percepcionamos o fenômeno, dotando-lhe de sentido”. SEGUNDO MOMENTO: o fenômeno NOEMA, em que, segundo Viviani (2010, p. 2), “depois do ato noético, o preenchemos de significação, tornando-se o fenômeno noema”. Com isso, segundo Viviani (2010, p. 2), “ele afasta-se do psicologismo, que não diferencia esses dois momentos da atividade intencional. Em termos empíricos, a noese é o ato individual com o fim de conhecer determinada coisa; em termos transcendentais, a noese é o ato que possibilita a apreensão das significações pelo sujeito constituinte.” No exemplo husserliano da MACIEIRA EM FLOR, minha percepção dela é o correlato da minha vivência no mundo, “é o noema, resultando da noese, do ato de consciência, pelo qual se reduz à unidade de sentido a multiplicidade de dados da sensação (hylé). Enquanto a noese e a hylé são elementos da própria vivência, o noema é seu correlato intencional ou componente intencional.” (VIVIANI, 2010, p. 3). No entanto, Siewert (2006, p. 8, grifo nosso) complementa expondo que: Uma terceira maneira de conceber a IMPORTÂNCIA da intencionalidade, uma particularmente central para a tradição analítica derivada do estudo de Frege e Russell, pede-nos a centrar-se na noção de mental (ou intencional) de conteúdo. Muitas vezes, considera-se: PARA TER INTENCIONALIDADE É PRECISO TER CONTEÚDO. E conteúdo mental é frequentemente descrito como outra forma de representação ou conteúdo informacional – e ‘intencionalidade’ (pelo menos, como isso se aplica à mente) é vista como apenas uma outra palavra para o que é chamado de ‘representação mental’, ou uma certa maneira de rolamento ou carregando informações. UNIDADE 2 | A AÇÃO PROFISSIONAL E O PROCESSO INTERVENTIVO DO ASSISTENTE SOCIAL NO COTIDIANO 80 Mas o que se entende por “CONTEÚDO” nesta discussão referente à intencionalidade? Segundo Siewert (2006, p. 8, grifo nosso), [...] o conteúdo do pensamento, nesse sentido, é o que é relatado ao responder à pergunta “O que ela pensa?” por algo do formulário, “Ela pensa que p”. E o conteúdo do pensamento é o que duas pessoas são ditas partes, quando eu disse que estão a pensar o mesmo pensamento. (Do mesmo modo, o conteúdo da crença é que duas pessoas compartilham quando têm a mesma crença.) O conteúdo é também o que pode ser compartilhado desta forma, mesmo enquanto “modos psicológicos” de estados de espírito podem ser diferentes. Viviani (2010, p. 3) expõe ainda que “Husserl fala também de intencionalidade latente ou operante, que é pré-reflexiva, anterior à temática, sendo esta consciência da consciência de algo.” A ideia da INTENCIONALIDADE LATENTE, segundo Viviani (2010), é tida como aquela que se perpetua no tempo, animando e revelando os significados dos atos ético-morais do homem no mundo. Para finalizar a questão da concepção teórica da intencionalidade, de acordo com Schaefer (2010, p. 2-3, grifo nosso), devemos observar que: A CONSCIÊNCIA É INTENCIONAL. Sempre temos consciência de alguma coisa. Husserl disse: “TODA CONSCIÊNCIA É CONSCIÊNCIA DE ALGUMA COISA”. A consciência é consciência de visar àquilo que não é. A CONSCIÊNCIA É INTENCIONALIDADE, isto é, ela existe sobre o modo de não ser. Ao ver ou perceber a mesa, eu não sou a mesa. A consciência sempre se constitui por meio desta negativa essencial, uma vez que ela presentifica um objeto ausente. A consciência NÃO TEM CONTEÚDOS. Dela não se pode simplesmente dizer que é. Ela não é um objeto nem uma coisa. A consciência tem uma dimensão de IRREALIDADE e, pois, de LIBERDADE. Ela não está presa às coisas. Ela se destaca das coisas, delas se evade. Está subtraída dos determinismos espaço-temporais. O não real, o irreal, é, para ela, um possível. Ela é livre. A descrição da consciência, pode-se dizer, é uma descrição – e descoberta – da liberdade. TÓPICO 1 | ASPECTOS IDEOLÓGICOS NO USO DOS INSTRUMENTOS E TÉCNICAS 81 Não podemos DISSOLVER as coisas na consciência. A consciência não é uma coisa. Ela não é as coisas das quais tem consciência. Se vejo uma árvore, a árvore é exterior. Ela não é eu. A consciência não é uma substância. É, antes de tudo, um processo. O fato de a consciência ter a necessidade de existir como consciência de outra coisa que não ela mesma é chamado, por Husserl, de INTENCIONALIDADE. 2.3 A INTENCIONALIDADE NO SERVIÇO SOCIAL Após estas breves considerações sobre o significado da categoria “intencionalidade”, precisamos compreender como se processa a intencionalidade da prática profissional do assistente social, ou seja, a consciência profissional no processo de trabalho do serviço social . FONTE: Disponível em: <www.gdprette.blogspot. com>. Acesso em: 24 fev. 2010. Primeiramente, devemos indagar: O QUE PERMEIA A ATUAÇÃO PROFISSIONALDO ASSISTENTE SOCIAL?, ou seja, qual é a real intenção da ação profissional?. FONTE: Disponível em: <www. resistenciademocraticabr. blogspot.com>. Acesso em: 24 fev. 2010. Sabemos que, de acordo com Lopes (2007, p. 1, grifo nosso), o serviço social IDENTIFICA-SE “como a profissão cujos profissionais COMBATEM, por ofício e por decisão ético-política, todas as formas de violação de direitos, discriminação e subalternidade.” UNIDADE 2 | A AÇÃO PROFISSIONAL E O PROCESSO INTERVENTIVO DO ASSISTENTE SOCIAL NO COTIDIANO 82 “Os assistentes sociais executam suas atribuições com um ensejo claro: uma sociedade justa, formada por homens e mulheres completos, construída como manifestação não só de resistência às formas de violência, de ataque à dignidade humana, mas de consolidação de direitos sociais”. (LOPES, 2007, p. 1). ATENCAO Baptista (2009, p. 1, grifo nosso) complementa expondo que “na ESTRUTURA do serviço social brasileiro, como profissão, sempre esteve presente o DESAFIO DO ENFRENTAMENTO das expressões da questão social gestadas pelo capitalismo, o que fez com que seus profissionais parametrassem suas intervenções na relação capital-trabalho.” O primeiro número da revista Serviço Social , editado em 1993, de acordo com Baptista (2009, p. 3), dizia em sua apresentação: O serviço social tem por finalidade primária orientar as obras sociais e desnudar à sociedade os seus problemas, interessando-a neles, a fim de que, com maiores recursos, possamos enfrentá-los. Visa também despertar a consciência de classe dos trabalhadores, a consciência de classe dos trabalhadores sociais, estabelecer contato entre eles, a fim de formar e criar um bloco cuja ação se caracterize pela unidade, pela visão... Na atuação profissional do assistente social eu posso distinguir, mas jamais separar, a intencionalidade do resultado. (CORTEZ apud BAPTISTA, 2009, p. 3). ATENCAO Então, o que tem por trás da prática profissional, como tal? E qual a CONSCIÊNCIA ÉTICO-MORAL que norteia o projeto ético-político da ação profissional no serviço social ? Vejamos. Segundo Netto (2001, p. 116), “no plano da INTENCIONALIDADE do serviço social , o seu projeto de intervenção, que é medularmente reformista, mostra-se abertamente condicionado pela perspectiva em que se põe o desenvolvimento capitalista.” TÓPICO 1 | ASPECTOS IDEOLÓGICOS NO USO DOS INSTRUMENTOS E TÉCNICAS 83 Neste sentido, Uma das questões fulcrais nas práticas do serviço social é a intencionalidade do ato. Isto é a consciência refletida da nossa ação que deve antecipar sempre, em reflexão, ainda mais quando implica a aplicação, sem mediação, de técnicas ou perspectivas teórico- empíricas, cujo modelo ou modelos estão desenhados apenas “no papel”, ou na ilusória perspectiva salvífica que sempre podem encerrar. (SILVA, 2008, p. 1, grifo nosso). Podemos expor, assim, que a intencionalidade do agir profissional do assistente social se processa no ATO, NA AÇÃO INTERVENTIVA da prática profissional. Netto (2001, p. 116, grifo nosso) complementa afirmando que “a moldura da intervenção é, basicamente, ético-moral, em duas direções: na do ATOR da intervenção (que deve restaurar a ordem perdida) e na do PROCESSO sobre que age (que deve ser recolocado numa ordem melhor)”, norteado sempre pela sua instrumentalidade teórico-metodológica, técnico-operativa e ético-política. Segundo Guerra (2000, p. 2), “a instrumentalidade é uma propriedade e/ou capacidade que a profissão vai adquirindo na medida em que concretiza objetivos.” Nesta perspectiva, “a intervenção tem por objetivo um padrão de integração que joga com a efetiva dinâmica vigente e se propõe explorar as alternativas nelas contidas – a ordem capitalista é tomada como invulnerável, sem o apelo a parâmetros pretéritos”. (NETTO, 2001, p. 116). Por outras palavras, de acordo com Guerra (2000, p. 53), é possível dizer que a instrumentalidade do serviço social [...] possibilita que os profissionais objetivem sua intencionalidade em respostas profissionais, uma vez que é por meio da instrumentalidade que os assistentes sociais modificam, transformam aquelas condições objetivas e subjetivas e as relações interpessoais e sociais existentes no nível do cotidiano. Assim, Netto (2001, p. 116) expõe que: [...] a moldura da intervenção se desloca visivelmente: o ator profissional é um prestador de serviços, que reclama uma remuneração, e se apresenta como portador de uma qualificação técnica – sua intervenção é exigida pela natureza mesma pela ordem vigente, cuja estrutura profunda é invulnerável e, deste ponto de vista, só deve ser objeto de juízos de fato. Conforme Santos (2010, p. 2): UNIDADE 2 | A AÇÃO PROFISSIONAL E O PROCESSO INTERVENTIVO DO ASSISTENTE SOCIAL NO COTIDIANO 84 [...] ao alterarem o cotidiano profissional e o cotidiano das classes sociais que demandam a sua intervenção, modificando as condições, os meios e os instrumentos existentes, e os convertendo em condições, meios e instrumentos para o alcance de objetivos profissionais, os assistentes sociais estão dando instrumentalidade às suas ações.” Netto (2001, p. 117) complementa ainda que: [...] a intervenção pelo anticapitalismo romântico, inerente à apologia indireta, defronta-se muito problematicamente com os referenciais científicos produzidos pelas ciências sociais. De uma parte o positivismo que as enforma e atravessa parece-lhe repugnante; de outra, é compelida a reconhecer nelas um mínimo valor cognitivo – daí a sua relação ambígua com o seu sistema de saber: necessário, mas insuficiente. O recurso ao sistema de saber é um tributo que se paga à ordem capitalista, com o seu mecanicismo e o seu materialismo; para as realidades essenciais da pessoa humana, a via de acesso é outra: a solidariedade, a comunicação individualizada – enfim, a frieza técnica deve ser subsidiária do animus pessoal. [...] na intervenção permeada pelo caldo de cultura anticapitalista romântico, restaurador, o desprezo pela racionalidade teórica é comandado não por características que acompanham a intervenção (assistematicidade, empirismo etc.), mas por um visceral irracionalismo. Na medida em que os profissionais do serviço social , de acordo com Santos (2010, p. 2-3), [...] utilizam, criam e adéquam as condições existentes, transformando- as em meios/instrumentos para a objetivação das intencionalidades, suas ações passam a ser portadoras de instrumentalidade. Deste modo, a instrumentalidade é tanto condição necessária de todo o trabalho social quanto categoria constitutiva – um modo de ser –, de todo trabalho. Neste sentido, segundo Guerra (2000, p. 6-7, grifo nosso), A UTILIDADE SOCIAL de uma profissão advém das necessidades sociais. Numa ordem social constituída de duas classes fundamentais (que se dividem em camadas ou segmentos), tais necessidades, vinculadas ao capital e/ou ao trabalho, são não apenas diferentes, mas antagônicas. TÓPICO 1 | ASPECTOS IDEOLÓGICOS NO USO DOS INSTRUMENTOS E TÉCNICAS 85 Netto (2001, p. 117) complementa ainda que: A utilidade social da profissão está em RESPONDER ÀS NECESSIDADES das classes sociais, que se transformam, por meio de muitas mediações, em demandas para a profissão. Estas são respostas qualificadas e institucionalizadas, para o que, além de uma formação social especializada, devem ter seu significado social reconhecido pelas classes sociais fundamentais (capitalistas e trabalhadores). Considerando que o espaço sócio-ocupacional de qualquer profissão, neste caso do serviço social , é criado pela existência de tais necessidades sociais e que historicamente a profissão adquire este espaço quando o Estado passa a interferir sistematicamente nas refrações da questão social, institucionalmente transformada em questões sociais (NETTO, 1992), através de uma determinada modalidade histórica de enfrentamento das mesmas: as políticas sociais, pode- se conceber que as políticas e os serviços sociais constituem-senos espaços sócio-ocupacionais para os assistentes sociais. As políticas sociais, além de sua dimensão econômico-política (como mecanismo de reprodução da força de trabalho e como resultado das lutas de classes) constituem-se também num conjunto de procedimentos técnico- operativos, cuja componente instrumental põe a necessidade de profissionais que atuem em dois campos distintos: o de sua formulação e o de sua implementação. É neste último, no âmbito da sua implementação, que as políticas sociais fundam um mercado de trabalho para os assistentes sociais. Com a complexificação da questão social e seu tratamento por parte do Estado, fragmentando-a e recortando-a em questões sociais a serem atendidas pelas políticas sociais, instituiu-se um espaço na divisão sociotécnica do trabalho para um profissional que atuasse na fase terminal da ação executiva das políticas sociais, instância em que a população vulnerabilizada recebe e requisita direta e imediatamente respostas fragmentadas através das políticas sociais setoriais. É nesse sentido que as políticas sociais contribuem para a produção e reprodução material e ideológica da força de trabalho (melhor dizendo, da subjetividade do trabalhador como força de trabalho) e para a reprodução ampliada do capital. Como resultado destas determinações no processo de constituição da profissão, a INTENCIONALIDADE dos assistentes sociais passa a ser MEDIADA pela própria lógica da institucionalização, pela dinâmica da instauração da profissão e pelas estruturas em que a profissão se insere, as quais, em muitos casos, submetem o profissional. Melhor dizendo, os assistentes sociais “passam a desempenhar papéis que lhes são alocados por organismos e instâncias [...]” próprios da ordem burguesa no estágio monopolista (NETTO, 1992, p. 68), os quais são portadores da lógica do mercado. Assim, o assistente social adquire a condição de trabalhador assalariado, com todos os condicionamentos que disso decorre. UNIDADE 2 | A AÇÃO PROFISSIONAL E O PROCESSO INTERVENTIVO DO ASSISTENTE SOCIAL NO COTIDIANO 86 Finalizando, podemos dizer que “IGUALDADE, TRABALHO E EMPENHO contra todas as formas de violência e exclusão são disposições que atestam a importância desse profissional na reivindicação e na defesa pública das políticas sociais, como resultado de seu pacto com os sujeitos protagonistas”. (LOPES, 2007, p. 1, grifo nosso). Portanto, o serviço social é “concebido e edificado historicamente, no palco de contradições sociais; o serviço social hoje é demarcado por essa INTENCIONALIDADE PROFISSIONAL clara, amadurecida pelas lutas e conquistas no campo dos direitos, tantas vezes reconhecidos, mas nem sempre constituídos”. (LOPES, 2007, p. 1, grifo nosso). No entanto, segundo Lopes (2007, p. 1-2, grifo nosso): Há um contexto também tríplice de DESAFIOS para a profissão: 1 FORTALECIMENTO de nossas entidades organizativas. 2 INCREMENTO NA QUALIDADE da formação profissional. 3 EMPENHO PELA CONQUISTA DE RESPEITO profissional e adequadas condições de trabalho. De saída, é preciso confirmar que a sociabilidade que defendemos exige uma INTERVENÇÃO QUALIFICADA, desprovida de preconceitos, municiada com saberes específicos, baseada na inteligência contida nos princípios éticos fundamentais, a favor da equidade e da justiça social, da universalidade de acesso aos bens e serviços. O compromisso do assistente social com os interesses da população usuária NÃO SE REALIZA sem competência técnica, ética e política. (LOPES, 2007). ATENCAO Lopes (2007, p. 1-2, grifo nosso) complementa: Esse compromisso deve sempre se converter em uma INTERVENÇÃO direcionada na DEFESA DOS DIREITOS SOCIAIS em uma conjuntura que, nos dias atuais, merece destaque pela transformação em curso, capitaneada por um projeto de Estado que tem referência máxima na cidadania e por um projeto de governo que tem compromisso político-programático, fomentar a consolidação dos direitos sociais. TÓPICO 1 | ASPECTOS IDEOLÓGICOS NO USO DOS INSTRUMENTOS E TÉCNICAS 87 Lopes (2007, p. 1-2, grifo nosso) complementa: Para além do discurso, [...] devemos conviver com o processo contemporâneo de reorganização, racionalização e ampliação de políticas sociais públicas que conformam hoje uma rede de proteção social no país nunca antes consolidada. O TRAÇO FUNDAMENTAL dessa história, escrita dia após dia no presente, é a mescla dos valores da ÉTICA, da DEMOCRACIA, da JUSTIÇA SOCIAL e da SOLIDARIEDADE HUMANA, com uma ação política republicana nascida de um pacto federativo comprometido com a universalização da cobertura de proteção social à população usuária de direitos. Nesse sentido, SER assistente social é rebelar-se contra a história de predomínio da indiferença e, ao olhar para o passado, construir no presente, em uma trajetória de responsabilidade civilizatória, o futuro que todos ambicionamos. LEITURA COMPLEMENTAR 2 A INTENCIONALIDADE DA CONSCIÊNCIA NO PROCESSO EDUCATIVO SEGUNDO PAULO FREIRE Paulo César de Oliveira Patricia de Carvalho A intencionalidade da consciência: o homem como corpo consciente Paulo Freire constata que, na relação homem/mundo, ocorre uma simultaneidade entre a consciência e o mundo: a consciência não precede o mundo e o mundo não precede a consciência. O mundo é exterior à consciência, mas, por essência, é relativo a ela. A consciência do mundo implica o mundo da consciência: Na verdade, não há eu que se constitua sem um não eu. Por sua vez, o não eu constituinte do eu se constitui na constituição do eu constituído. Desta forma, o mundo constituinte da consciência se torna um mundo da consciência, um percebido objetivo seu, ao qual se intenciona. (FREIRE, 1970, p. 71). Afirmando que “o homem é um corpo consciente” (FREIRE, 1970, p. 74), Paulo Freire coloca a chave para reflexão sobre a intencionalidade da consciência e a ação conscientizadora. Ao expor o seu pensamento sobre a intencionalidade da consciência, mostra conhecer a história do problema (FREIRE, 1969). Não se pode conceber a consciência espacialmente, como um receptáculo vazio, presente no homem que deve ser preenchido. A consciência intencional provoca uma aproximação reflexiva à realidade. Não é a realidade que entra na consciência, mas UNIDADE 2 | A AÇÃO PROFISSIONAL E O PROCESSO INTERVENTIVO DO ASSISTENTE SOCIAL NO COTIDIANO 88 a consciência reflexiva que tende à realidade, criando a possibilidade da práxis com a ação e a reflexão. É sempre uma consciência historicamente condicionada, sem ser uma mera reprodução da realidade. A consciência humana se define pela sua intencionalidade; é sempre consciência de alguma coisa. É sempre ativa, tem sempre um objeto diante de si, funda o ato do conhecimento, que não deve reduzir-se a uma doxa da realidade, mas deve aprofundar-se para chegar ao logos, à razão do objeto a ser conhecido, o que só é possível quando os homens se unem para responder aos desafios que o mundo lhes propõe. A consciência não é somente intencionada em direção ao mundo. Ela possui a propriedade de voltar-se sobre si mesma e ser consciente de sua consciência. A sua ação ultrapassa o nível do simples reflexo da realidade, da resposta a estímulos externos, para ser reflexiva, alargando-se na reflexão crítica sobre os seus próprios atos e na capacidade de superação de suas contradições. O homem tem a propriedade de transcender a sua atividade: dá sentido ao mundo, elabora objetivos, propõe finalidades. A consciência permite ao homem não só separar-se do mundo, objetivá-lo, mas também separar-se de sua própria atividade, de ultrapassar as situações-limite. O homem condicionado pela realidade O homem é um ser em situação. Pensar a sua situacionalidade é fundamental para a sua compreensão como um ser de práxis. Em relação ao mundo, o homem pode encontrar-se em três estágios diversos: imersão, emersão e inserção. O primeiro momento é caracterizado pelo fato de que o homem encontra-se totalmente envolvido pelarealidade; não consegue pensá- la. O momento de emersão assinala a capacidade humana de distanciar-se da realidade, de admirá-la objetivando-a. A inserção implica o retorno do homem à realidade para transformá-la através de sua práxis. O pensar a situacionalidade do homem permite a Paulo Freire falar de diversos níveis de consciência. Não é uma discussão teórica ou psicológica, mas histórica, pois visa colher o homem tal como se apresenta em um momento específico da sua história. (FREIRE, 1967). O espaço geográfico de seus estudos é o Brasil que viveu, nas décadas de 50, 60 e 70 do século XX, um especial período de transição. Tal situação encontrava as suas raízes no passado da história brasileira, mas que no momento apresentava promissoras perspectivas de mudança, com possibilidades reais de contribuição para autonomia e libertação do homem e da nação. Simultaneamente, havia o risco de agravamento da situação de dependência colonial, que reduzia o homem brasileiro a objeto a ser desfrutado por uma pequena elite, que se sentia a única responsável pela construção da história e pronúncia do mundo. TÓPICO 1 | ASPECTOS IDEOLÓGICOS NO USO DOS INSTRUMENTOS E TÉCNICAS 89 Para o Brasil, estas três décadas constituem, historicamente, um período marcado por um espírito nacional desenvolvimentista, que desejava implantar no país as estruturas industriais modernas existentes no “primeiro mundo”, sobretudo Estados Unidos da América e Europa. Da parte do Brasil, era uma resposta às novas exigências do mercado internacional, que constituía uma nova modalidade de operar a colonização. Internamente, o fenômeno provoca instabilidade econômica, social e política. A industrialização agravava o problema das migrações internas, que trazia consigo um processo de descaracterização do homem brasileiro que, ao vir para as cidades, perdia as suas raízes culturais e não encontrava uma infraestrutura adequada que propiciasse a sua integração no novo mundo urbano. É este específico momento de trânsito da sociedade brasileira, com suas possibilidades, que permite a Paulo Freire falar de diversos níveis de consciência. Estes níveis podem ser percebidos quando o homem passa do estado de imersão para um novo estado de emersão, isto é, a passagem de uma intransitividade da consciência para uma transitividade ingênua (PAIVA, 1980). Consciência intransitiva A consciência intransitiva se caracteriza fundamentalmente pelo fato de que o homem tem o seu interesse voltado para as formas vegetativas de vida; a sua esfera de apreensão da realidade é limitada à dimensão biológica. Nesta fase, o homem não age em nível histórico, não se compromete existencialmente através da decisão, é impermeável aos compromissos que ultrapassam a esfera de vida vegetativa. O homem assume uma postura mágica diante do mundo e dos fatos; não consegue discernir a verdadeira causalidade dos eventos. É importante sublinhar que a situação de intransitividade não destrói no homem a sua abertura fundamental a ser mais; isto possibilita a passagem para o estado de transitividade. Esta constatação justificará todo o investimento do processo educativo – conscientizador que se fundamenta na capacidade estrutural do homem de educar-se, capacidade que não foi destruída, mas apenas obscurecida. Nesta perspectiva, afirma Paulo Freire que: [...] o conceito de ‘intransitividade’ não corresponde a um fechamento do homem dentro dele mesmo, esmagado, se assim o fosse, por um tempo e um espaço todo-poderosos. O homem, qualquer que seja o seu estado, é um ser aberto. O que pretendemos significar com a consciência ‘intransitiva’ é a limitação de sua esfera de apreensão. É a sua impermeabilidade a desafios situados fora da órbita vegetativa. Neste sentido, e só neste sentido, é que a intransitividade representa um quase descompromisso do homem com a existência. (FREIRE, 1970, p. 60). Consciência transitiva O homem, provocado a responder às questões que lhe são propostas, se impermeabiliza, instaura e aprofunda o processo de diálogo com o seu mundo e com os homens. As suas preocupações não são restritas à esfera vital, mas é capaz de comprometer-se. Esta fase se concretiza em momentos distintos: a consciência UNIDADE 2 | A AÇÃO PROFISSIONAL E O PROCESSO INTERVENTIVO DO ASSISTENTE SOCIAL NO COTIDIANO 90 transitiva ingênua e a consciência transitiva fanática. A consciência transitiva ingênua é aquela que amplia o poder de captação e de resposta às sugestões que partem do seu contexto. Seus interesses e preocupações se alongam a esferas bem mais amplas que à simples esfera vital. É a consciência típica do homem massa que não consegue estabelecer uma progressão intensiva no diálogo com o mundo e com os homens. A expressão “homem massa” quer significar a condição do homem que tem o seu agir determinado por forças sociais. Neste estado, o homem não consegue agir conscientemente, não intervém substancialmente na vida social, pois não estabelece uma ação reflexiva e crítica com o mundo e com os outros. É o homem que não cria a sua identidade, mas vive a que é atribuída pelas forças determinantes da sociedade. A sua relação dialogal é caracterizada pela sua “incapacidade” de interpretar exaustivamente os problemas, de conhecer a causalidade dos fatos, de avançar a sua investigação, acomodando-se às “explicações fabulosas” da realidade e é caracterizada pela fragilidade da argumentação. A sua ação é preponderantemente emocional, não estabelece o diálogo, mas a polêmica, permanecendo marcada pela nota mágica, própria da intransitividade. Tende a voltar nostalgicamente ao passado, como se aquele tempo fosse o melhor. Despreza o homem simples e possui forte tendência gregária. Não é uma consciência investigadora, mas é uma consciência que se contenta com as experiências vividas; parte do princípio de que a realidade é estática. (FREIRE, 1981). A massificação é sempre uma possibilidade para a consciência que, “transitivando-se”, não consegue a promoção da ingenuidade à criticidade. Ela se caracteriza por um descompromisso com a existência num nível mais profundo que o da intransitividade. O homem age à base da emocionalidade, se acomoda à estrutura existente, é incapaz de realizar opções. Esta situação pode ser denominada de transitividade fanática, que se caracteriza por seu aspecto místico, preponderantemente irracional. A possibilidade de diálogo é praticamente suprimida. O homem se crê livre, mas é conduzido; na verdade, torna-se um objeto e o seu poder criador é afetado. Ocorre constatar que o estado do homem massificado é mais grave e profundo que o estado do homem de consciência intransitiva. A massificação, isto é, a consciência fanática, é uma distorção da consciência transitiva que deveria evoluir para ser transitiva crítica. Esta constatação dos diversos níveis de consciência mostra que eles não são produto de um autodesenvolvimento da racionalidade humana, com momentos de uma sucessão natural, que acontece independentemente de um fator externo, mas são resultantes de uma confluência de fatores históricos. Isto leva a perguntar sobre a relação existente entre a consciência e a estrutura social. Revela que, se os níveis de consciência são historicamente formados, podem ser historicamente alterados. É neste processo de amadurecimento da TÓPICO 1 | ASPECTOS IDEOLÓGICOS NO USO DOS INSTRUMENTOS E TÉCNICAS 91 consciência que a educação exerce um papel decisivo: deve estar conjugada com o processo de mudança social. (FREIRE, 1981). A transitividade crítica se faz conhecida pela sua capacidade de perceber a causalidade dos fatos. Às vezes é chamada simplesmente de consciência crítica e se caracteriza pela profundidade na interpretação dos problemas. A consciência crítica é o conhecimento ou a percepção que consegue revelar algumas razões que explicam a maneira como os homens estão sendo no mundo; ela conduz o homem à sua vocação ontológica e histórica de humanizar-se; fundamenta-se na criatividade e estimula tanto a reflexão quanto a ação do homem sobre a realidade, promovendo a transformação criadora. A consciência transitiva crítica é fruto de uma educação dialogal e ativa que ofereça ao homem a possibilidade de tornar-se responsável no seu agir pessoal, social e político. A criticidade para nós implica a apropriação crescente de sua posição no contexto. Implica a sua inserção, a sua integração, a representação objetiva da realidade. Daí a conscientização ser o desenvolvimento da tomada de consciência. Não será, por isso mesmo, algo apenas resultante das modificações econômicas, por grandes e importantes que sejam. A criticidade, como entendemos, há de resultar de um trabalho pedagógico crítico, apoiado em condições históricas propícias. (FREIRE, 1981, p. 61). É interessante perceber dois elementos nestas palavras de Paulo Freire: primeiro, a ligação de dependência que estabelece entre conscientização, criticidade e educação; e segundo, a afirmação de que a conscientização é o desenvolvimento da tomada de consciência. Esta posição será reestruturada nas suas obras posteriores, reconhecendo que não existe conscientização sem práxis transformadora da realidade. Esta fase se caracteriza pelo estabelecimento maduro do diálogo, pela abertura ao novo, construído sobre o que é válido do velho. Ela existe nos regimes democráticos que possuem formas de vida interrogadoras e dialogais. Ressalto o fato de que, para Paulo Freire, a passagem da consciência transitiva ingênua para a consciência transitiva crítica ocorre através de um trabalho educativo crítico. Nesta perspectiva, ele afirma: [...] o que nos parecia importante afirmar é que o outro passo, o decisivo, da consciência dominantemente transitivo-ingênua para a dominantemente transitivo-crítica, não se daria automaticamente, mas somente por efeito de um trabalho educativo crítico com esta destinação. Trabalho educativo advertido do perigo da massificação, em íntima relação com a industrialização, que nos era e é um imperativo existencial. (FREIRE, 1967, p. 62). FONTE: OLIVEIRA, Paulo César de Oliveira; CARVALHO, Patricia de. A intencionalidade da consciência no processo educativo segundo Paulo Freire. Paideia, Ribeirão Preto, v. 17, n. 37, maio/ago. 2007. Disponível em: <www.scielo.br/paideia>. Acesso em: 5 mar. 2010. UNIDADE 2 | A AÇÃO PROFISSIONAL E O PROCESSO INTERVENTIVO DO ASSISTENTE SOCIAL NO COTIDIANO 92 DICAS Para aprofundamento destes temas, sugiro que você leia e assista: LIVROS: HUSSERL – por Jean-Michel Salankis Coleção Figuras do Saber Tradução de Carlos Alberto Ribeiro de Moura 128 p. | 14 x 21 cm ISBN-10: 85-7448-114-9 ISBN-13: 978-85-7448-114-2 Introdução à fenomenologia Autor(es): Angela Ales Bello Editora: EDUSC Área(s): Ciências Sociais/Política, Filosofia ISBN: 8574603295 108 p. A Ideia de Fenomenologia – por Edmund Husserl Editora: Edições 70 Coleção: Textos Filosóficos Tema: Filosofia Ano: 2008 Tipo de capa: brochura ISBN 9789724413778 | 136 p. Intencionalidade de John R. Searle Edição/reimpressão: 2002 Páginas: 408 Editor: Martins Fontes ISBN: 9788533617230 Colecção: Tópicos Idioma: Português do Brasil FILME: BRILHO ETERNO DE UMA MENTE SEM LEMBRANÇAS Título Original: Eternal Sunshine of the Spotless Mind Tempo de Duração: 108 minutos Ano de Lançamento (EUA): 2004 Site Oficial: http://www.eternalsunshine.com/ Direção: Michel Gondry Roteiro: Charlie Kaufman, baseado em estória de Charlie Kaufman, Michel Gondry e Pierre Bismuth Produção: Anthony Bregman e Steve Golin Música: Jon Brion Fotografia: Ellen Kuras Elenco: Jim Carrey, Kate Winslet, Kirsten Dunst, Mark Ruffalo, Tom Wilkinson, Elijah Wood. 93 RESUMO DO TÓPICO 1 Neste tópico estudamos acerca do significado dos aspectos ideológicos no uso dos instrumentos e técnicas, como a consciência e a intencionalidade da ação profissional do assistente social, e foram abordados os seguintes itens: • Estudamos a categoria “consciência”, que permeia a atuação profissional do assistente social. • A consciência diz respeito à percepção imediata pelo sujeito daquilo que se passa nele mesmo ou fora dele. • A compreensão das coisas e dos fatos depende da visão de mundo e da subjetividade de cada ser humano sobre a Terra, mas sempre baseada nas concepções éticas e morais constituídas pela sociedade em que vive. • A consciência crítica é a capacidade de apreciar as atitudes não só do outro, mas as próprias. • Realizamos uma discussão acerca da conceituação básica e do significado da categoria “intencionalidade”. • A intencionalidade diz respeito à característica definidora da consciência, enquanto necessariamente voltada para um objeto. • A intencionalidade é a sobriedade ou direcionamento da mente (ou estados de espírito) para coisas, objetos, estados de coisas, acontecimentos. • Os estados intencionais são aqueles com condições de satisfação. • A consciência é intencional, ou seja, sempre temos consciência de alguma coisa. • Como se processa a intencionalidade da prática profissional do assistente social, ou seja, a consciência profissional no processo de trabalho do serviço social . • A intencionalidade do agir profissional do assistente social se processa no ato, na ação interventiva da prática profissional. • É possível dizer que a instrumentalidade do serviço social “possibilita que os profissionais objetivem sua intencionalidade em respostas profissionais, uma vez que é por meio da instrumentalidade que os assistentes sociais modificam, transformam aquelas condições objetivas e subjetivas e as relações interpessoais e sociais existentes no nível do cotidiano.” • O serviço social hoje é demarcado por essa intencionalidade profissional clara, amadurecida pelas lutas e conquistas no campo dos direitos. 94 AUTOATIVIDADE Prezado(a) acadêmico(a), após a discussão relativa à consciência e intencionalidade da ação profissional do assistente social, solucione as seguintes PALAVRAS CRUZADAS: QUESTÕES HORIZONTAIS: 1) A consciência diz respeito a quê? 2) A intencionalidade diz respeito à característica definidora do quê? 3) A intencionalidade é a sobriedade ou direcionamento da mente (ou estados de espírito) para o quê? 4) A consciência é ______________, ou seja, sempre temos consciência de alguma coisa. 5) A intencionalidade do agir profissional do assistente social se processa no _______ e _______ interventiva da prática profissional. 6) É por meio da instrumentalidade que os assistentes sociais modificam, transformam aquelas condições _______________ e _________________ e as relações interpessoais e sociais existentes no nível do cotidiano. 95 7) Qual profissão é hoje demarcada por uma intencionalidade profissional clara, amadurecida pelas lutas e conquistas no campo dos direitos? 8) A consciência moral diz-se de uma espécie de __________________ que nos ordena o que deve ser feito, desempenhando um papel crítico no agir. QUESTÕES VERTICAIS: 1) Sabe-se que a compreensão das coisas e dos fatos depende da visão de mundo e da subjetividade de cada ser humano sobre a Terra. Mas, elas são baseadas em que concepção? 2) A consciência crítica é a capacidade de apreciar as atitudes do outro, mas não só dele, de quem também? 3) Os estados intencionais são aqueles com condições do quê? 4) É possível dizer que a ___________________ do serviço social possibilita que os profissionais objetivem sua intencionalidade em respostas profissionais no seu cotidiano profissional. 5) A consciência é uma qualidade do quê? 6) A consciência se forma por intermédio da ______________ humana em sociedade e suas necessidades subjetivas. 7) A consciência é uma função que permite ao ser humano distinguir entre o quê? 8) O que nasce com a conformidade da realidade, com a norma, a regra? 96 97 TÓPICO 2 NATUREZA, ESTRATÉGIAS, PARTICULARIDADES E IMPLICAÇÕES DO TRABALHO DO ASSISTENTE SOCIAL UNIDADE 2 1 INTRODUÇÃO “Chega muitoperto da excelência quem aprende a ver nas pessoas suas verdadeiras dimensões. Quem consegue amar as pessoas, tanto pela sua riqueza como por suas promessas intrínsecas. Quem aprende a ver e ouvir as pessoas, a respeitar, a irmanar-se e a fazer parceria com elas.” Flávio Toledo Neste tópico discutiremos como se processa a competência relacional do assistente social no seu cotidiano profissional, além de apresentarmos a racionalidade que permeia a aplicabilidade do instrumental técnico-operativo do serviço social . 2 A COMPETÊNCIA RELACIONAL DO ASSISTENTE SOCIAL Partindo da perspectiva de que o assistente social deve ter uma gama de habilidades e competências profissionais, para assim desenvolver sua prática profissional com objetividade, eficácia e eficiência, devemos, então, compreender a dinâmica de sua competência relacional no dia a dia de seu processo de trabalho. Para tanto, segundo Türck (2010, p. 1, grifo nosso), esta competência relacional é “o EIXO GERADOR de todo o processo de trabalho do assistente social. Portanto, falar sobre competência relacional é remetê-la para o espaço de formação, não só como um processo teórico para ser aprendido, mas também para ser vivido”. FONTE: Disponível em: <www. supervisaoclinicanaenfermagem.wikidot.com>. Acesso em: 24 fev. 2010. UNIDADE 2 | A AÇÃO PROFISSIONAL E O PROCESSO INTERVENTIVO DO ASSISTENTE SOCIAL NO COTIDIANO 98 Ou seja, a competência relacional é compreendida como uma habilidade profissional que é adquirida ao longo da história profissional do assistente social por meio da vivência cotidiana de sua prática profissional. Mas o que é esta tal COMPETÊNCIA RELACIONAL? Vejamos: Para Türck (2010, p. 1, grifo nosso), “no desempenho QUALITATIVO de qualquer profissão e, mais especificamente para o serviço social , as COMPETÊNCIAS são fundamentais para a garantia da qualificação profissional”, ou seja, “dentre tantas, a competência relacional é uma das mais importantes, porque é ela que vai direcionar, em qualquer espaço, institucional ou não, o eixo norteador de todo o processo de trabalho do assistente social”. (TÜRCK, 2010, p. 1). O serviço social como uma profissão, segundo Türck (2010, p. 1), que “enfrenta os desafios cotidianos, em que as expressões da Questão Social se contextualizam na vida dos sujeitos, a partir do sofrimento, causados pela exclusão e pela negação de direitos, necessita com certeza exercitar a competência relacional.” E sob esta perspectiva devemos compreender que a atuação profissional do assistente social, sob todos os aspectos, “implica troca, respeito, compartilhamento, flexibilidade e confiabilidade.” (TÜRCK, 2010, p.1). Só assim o profissional do serviço social , na relação cotidiana com as demandas sociais e seu arcabouço teórico-metodológico, técnico-operativo e ético-político, vem constituindo sua competência relacional junto aos demandatários das questões sociais e suas expressões no decorrer de sua história profissional. Lembre-se: a “competência relacional não é exercitar a pieguice, mas APROFUNDAR O CONHECIMENTO para utilizá-lo com competência técnico-operativa na garantia de direitos. Não é utilizá-lo como um discurso vazio, fácil, mas utilizá-lo na GARANTIA DA INTERLOCUÇÃO E DO PROTAGONISMO DOS SUJEITOS do processo de trabalho do assistente social”. (TÜRCK, 2010, p. 1, grifo nosso). ATENCAO TÓPICO 2 | NATUREZA, ESTRATÉGIAS, PARTICULARIDADES E IMPLICAÇÕES DO TRABALHO DO ASSISTENTE SOCIAL 99 E este conhecimento, junto com a habilidade e atitude do profissional do serviço social , determina a sua COMPETÊNCIA de ação. Mas, de acordo com Silva (2007), para atingir esta competência, o profissional deve levar em consideração três aspectos fundamentais, que são: • o conhecimento sobre alguma coisa ou algum fato (compreensão de conceitos, tecnologia, padrões e técnicas de trabalho, metodologias e instrumentos técnico- operativos, entre outros, tendo a informação do fato, para assim saber o que e por que fazer); • a habilidade para a realização de uma determinada tarefa ou ação (a técnica alinhada ao saber fazer); • a atitude do assistente social que realiza a ação (o seu interesse em querer fazer aquela determinada ação). E este tripé da competência profissional está representado pela figura a seguir: FONTE: Silva (2007) FIGURA 6 – COMPETÊNCIA COM A INTEGRAÇÃO DE HABILIDADES, ATITUDES E CONHECIMENTO UNIDADE 2 | A AÇÃO PROFISSIONAL E O PROCESSO INTERVENTIVO DO ASSISTENTE SOCIAL NO COTIDIANO 100 IMPORTANT E Prezado(a acadêmico(a), lembre-se de que, para APRENDER E COMPREENDER a competência relacional do assistente social, é necessário primeiramente vivê-la antes de qualquer coisa, ou seja, vivenciar no dia a dia as relações subjetivas do sujeito e suas problemáticas sociais, nas mais diferenciadas expressões. Mas, será que é fácil DESENVOLVER esta competência relacional? De acordo com Türck (2010, p. 2), das competências do assistente social, [...] essa é a mais difícil, porque é necessário construir com os diferentes, construir com os opositores, aprender com os inimigos. É necessário controlar sentimentos negativos que tornam os sujeitos reféns de atitudes mesquinhas, em que o outro é visto como possibilidade de uso. E, principalmente, aprender que a humanidade de cada sujeito é frágil e que está sempre sendo testada pela ambição de ser mais. NOTA Ser assistente social, segundo Türck (2010, p. 2), “não é só se apropriar de habilidades técnicas desprovidas do sentido humano. Por isso a competência relacional adquire extrema importância para o assistente social.” ABDICAR desta competência, segundo Roca (2001, p.15), significa: Deixar para trás o compromisso com o novo, com a criatividade e com a práxis. É apropriar-se de planos, equipamentos e guias de recursos, enfraquecendo o “sentir com as entranhas”, permitindo que a ditadura dos protocolos possibilite confundir o serviço social com a gestão de um departamento administrativo. Assumir somente habilidades técnicas, sem o sentido do relacional, é transformar-se em um executor de tarefas, cujo processo discursivo nunca chegará à ação. Este é o desafio com que os profissionais assistentes sociais se deparam e que enfrentam nos espaços institucionais. É a dicotomia entre a teoria e a prática que não encontra um ponto de conexão, porque também se distancia da competência relacional que flexibiliza o olhar, que cria estratégias, que permite ousadias, que desconhece o medo. TÓPICO 2 | NATUREZA, ESTRATÉGIAS, PARTICULARIDADES E IMPLICAÇÕES DO TRABALHO DO ASSISTENTE SOCIAL 101 EXECUTOR DE TAREFAS! Será que é isto que os assistentes sociais devem ser? É óbvio que não, os profissionais do serviço social são muito mais do que executores de tarefas burocráticas. Estes profissionais, em seu dia a dia do processo de trabalho, lidam constantemente “com a humanidade das pessoas” (TÜRCK, 2010, p. 2), ou seja, com as diversas subjetividades e humanidades, e isto não pode ser realizado roboticamente e insensivelmente, pois todas as pessoas possuem sentimentos, necessidades e sonhos que desejam realizar em suas vidas. E isto não pode ser deixado de lado quando o assistente social desenvolver seu trabalho junto a estas pessoas, pois, caso contrário, não estaria realizando um diagnóstico coerente e realista da realidade da população usuária dos programas e projetos sociais. IMPORTANT E Lembre-se de que é na vida cotidiana e no contexto social que a práxis profissional do assistente social deve ser pautada e praticada. Segundo Roca (2001, p.15), “uma profissão, como conjunto de saberes socialmente instituídos, não substitui nunca os profissionais de carne e osso: por trás deles existe sempre uma personalidade autônoma, capacidades e aptidões que modulam uma determinada competência técnica.” Ainda de acordo com Roca (apud TÜRCK, 2010, p. 2), nasce, sim, “a convicção de que é necessário liberar o potencial de conhecimento e criatividade dos homense mulheres que escolhem as profissões sociais”, pois “a excelência não recai tanto sobre a profissão em si mesma, quanto nos profissionais, nas suas motivações e na sua identificação com seu processo de trabalho, sobre seu talento cooperativo e sua confiança, sobre o apoio mútuo e a capacidade de tomar decisões conjuntas.” (TÜRCK, 2010, p. 2). Portanto, para Türck (2010, p. 2), “aliar a competência relacional com o conhecimento é construir caminhos profissionais qualificados. Porque olhar para si é, antes de tudo, qualificar o olhar para o outro e possibilitar a qualidade de vida e a garantia de direitos”. 3 A RACIONALIZAÇÃO DA PRÁTICA DA ASSISTÊNCIA: ASPECTOS HISTÓRICOS Neste tópico apresentaremos, no quadro a seguir, uma breve concepção histórica da racionalização da prática da assistência social, ou seja, as diversas concepções referentes à prática profissional do assistente social. UNIDADE 2 | A AÇÃO PROFISSIONAL E O PROCESSO INTERVENTIVO DO ASSISTENTE SOCIAL NO COTIDIANO 102 QUADRO 1 – ASPECTOS HISTÓRICOS DA PRÁTICA DA ASSISTÊNCIA Período histórico Concepções da assistência Dados históricos da racionalização da prática da assistência Em torno de 3000 a.C. Ajuda A assistência social era praticada no mundo antigo pelas confrarias, em especial, pelas “CONFRARIAS DO DESERTO”, que já faziam a assistência junto às caravanas. Época pré- cristã Ajuda como: - Esmolas esporádicas e eventuais - Visita domiciliar - Concessão de gêneros alimentícios, roupas, calçados As confrarias se estenderam para as cidades, buscando ajudar a caminhada daqueles que sofriam, seja por privações, pela dor, por doenças, perdas ou rupturas. No sentido de diminuir o sofrimento das pessoas necessitadas. Com o advento do Cristianismo Justiça social A assistência ampliou sua base, fundamentando-se não só na caridade, mas especialmente na JUSTIÇA SOCIAL. Enfatizava-se também a dimensão espiritual da assistência. Ao lado da AJUDA MATERIAL, colocava-se a preocupação com as questões da vida espiritual, especialmente aos mais humildes. Com a organização da Igreja Católica Caridade cristã Essa tarefa foi delegada aos Diáconos – membros leigos da Igreja – e logo estendida às confrarias. Suas ações se ampliaram, passando a envolver a realização de INQUÉRITOS SOCIAIS, além das visitas domiciliares para constatação das necessidades dos solicitantes de ajuda. A caridade para com os pobres A organização da prática da assistência era tida como expressão da caridade cristã. O grande organizador da doutrina cristã foi Santo Tomás de Aquino (1224-1274), que tinha a CARIDADE como um dos pilares da fé, imperativo de justiça social aos mais humildes. Desde a era medieval até o século XIX Controle de pobreza A assistência era encarada como forma de controlar a pobreza e de ratificar a sujeição daqueles que não detinham posses ou bens materiais. Então: - seja na assistência prestada pela burguesia - seja naquela realizada pelas instituições religiosas O que se buscava era PERPETUAR A SERVIDÃO, ratificar a submissão. Reforma religiosa Século XVI Na qual a Igreja saiu dividida em dois campos: o catolicismo o protestantismo, que tem em Martim Lutero o seu criador. O PROTESTANTISMO proclamava a supremacia da fé em relação à caridade, da religiosidade interna em vez das manifestações externas. O cumprimento dos princípios da fé era responsabilidade de cada pessoa e a organização da prática da assistência, RESPONSABILIDADE DO ESTADO e não da Igreja. Havia sempre outras intenções além da caridade. } TÓPICO 2 | NATUREZA, ESTRATÉGIAS, PARTICULARIDADES E IMPLICAÇÕES DO TRABALHO DO ASSISTENTE SOCIAL 103 QUADRO 1 – ASPECTOS HISTÓRICOS DA PRÁTICA DA ASSISTÊNCIA Reforma Luterana Século XVI Bases laicas Neste período de constantes lutas religiosas, a PRÁTICA da assistência passou por várias alterações, das quais a mais significativa foi a sua organização em BASES LAICAS e não mais religiosas. Após a reforma Século XVII Confrarias e leigos Na França, São Vicente de Paulo tentou restabelecer as bases cristãs da assistência, recuperando o esquema das confrarias e envolvendo os leigos em sua prática. Revolução Francesa Século XVIII Direitos dos cidadãos A organização societária e a ordem jurídica que decorrem da Revolução Francesa, de natureza meramente política, deslocaram de novo a base da assistência, posicionando-a como UM DIREITO DO CIDADÃO e atribuindo a todos o dever de prestá-la. A assistência foi deixada pelo ESTADO na mão de todos, ou seja, a assistência NÃO FICOU NA MÃO DE NINGUÉM. Século XIX Na tarefa de racionalizar a assistência, criou-se uma aliança entre a alta burguesia inglesa com a Igreja e com o Estado, onde nasceu, sob a iniciativa da primeira, a SOCIEDADE DE ORGANIZAÇÃO DE CARIDADE. Aí se criou a primeira proposta de prática para o serviço social . Entendia-se que só COIBINDO as práticas de classes dos trabalhadores, impedir-se-iam as manifestações coletivas e se manteria o controle sobre a “questão social”, pois só assim é que se poderia assegurar o funcionamento social adequado (FUNÇÃO ECONÔMICA da assistência). A FUNÇÃO IDEOLÓGICA da assistência, que aderiu fortemente à prática social, que se expressava por intermédio da tácita ou explícita repressão sobre a organização da classe trabalhadora e sobre sua expressão política – na tentativa de coibir as ameaças do movimento operário. A FUNÇÃO DE CONTROLE da assistência – no sentido de exercer um controle rigoroso sobre o processo social e das condições de vida da massa pauperizada, AJUSTANDO-AS aos padrões estabelecidos pela sociedade burguesa, ora constituída. Início do século XX A SOCIEDADE DE ORGANIZAÇÃO DE CARIDADE era considerada a instituição de maior porte no âmbito da assistência social. Sua principal bandeira de luta era a ORGANIZAÇÃO CIENTÍFICA DA ASSISTÊNCIA, o que levava a uma posição bastante alienada do agravamento da questão social propriamente dita. A atividade assistencial desta época: - a visita domiciliar: que era a prática mais usual, situando-se como um instrumento que permitia atingir um duplo objetivo: conhecer in loco as condições de moradia e da saúde da classe trabalhadora e de socializar o ‘modo capitalista de pensar’. FONTE: Adaptado de Martinelli (2009, p. 96-106) UNIDADE 2 | A AÇÃO PROFISSIONAL E O PROCESSO INTERVENTIVO DO ASSISTENTE SOCIAL NO COTIDIANO 104 UNI Olhe, caro(a) acadêmico(a), “em nome da verdade histórica, é indispensável que se revele que muitas práticas de exploração, de repressão e dominação política e ideológica foram realizadas sob a denominação de CARIDADE. (MARTINELLI, 2009, p. 97, grifos nossos). 4 RACIONALIDADE INSTRUMENTAL E TÉCNICA Nesta discussão pertinente à racionalidade, partiremos do seu conceito que é apresentado pelo Dicionário Informal (2007, grifo nosso), que expõe que a RACIONALIDADE “significa tornar reflexivo, empregar o raciocínio para resolver problemas. Trata-se de uma operação mental complexa que consiste em estabelecer relações entre elementos e dados”. Tradicionalmente, de acordo com Regner (2010, p. 1, grifo nosso), “o significado de ‘racionalidade’ é associado à nossa capacidade de discernir propriedades, estabelecer relações e construir argumentos para apresentar e defender nossas crenças, exibindo uma dupla e mutuamente relacionada dimensão. De um lado, é o exercício de uma faculdade cognitiva – chamemo-la ‘razão’. De outro, é o resultado da ação da ‘razão’ e torna-se a propriedade que perpassa os produtos dessa ‘faculdade’.” FONTE: Disponível em: <www.baterdocoracao. blogspot.com>. Acesso em: 24 fev. 2010. Mas, o que é a racionalidade instrumental? De acordo com Souza (2010, p. 1, grifo nosso), a RACIONALIDADE INSTRUMENTAL é “a faculdade subjetiva do pensar que é a RAZÃO, ou seja, é a faculdade que julga, discerne, compara, relaciona, calcula, ordena e coordena os meios com os fins. Esta faculdade tornou-se, em sua evolução,um instrumento formal”. FONTE: Disponível em: <www.filosofonet. wordpress.com>. Acesso em: 24 fev. 2010. TÓPICO 2 | NATUREZA, ESTRATÉGIAS, PARTICULARIDADES E IMPLICAÇÕES DO TRABALHO DO ASSISTENTE SOCIAL 105 Mas, o que é a racionalidade instrumental? Então, o que é a RAZÃO? Segundo Souza (2010, p. 1), a RAZÃO “não é apenas a faculdade interior do homem, mas ela se personificou nos próprios objetos deste mundo”. A RAZÃO tornou-se RACIONALIDADE. (SOUZA, 2010, p. 1). ATENCAO Ou seja, a RAZÃO “está presente no aparelho produtivo, no aparelho tecnológico e científico, nas instituições políticas, no hospital, na escola, no trânsito e na mídia. Em todos os empreendimentos humanos há a relação calculada entre meios e fins. A operação, a coordenação, a ordem, o sistema, o cálculo, a busca da unidade definem a racionalidade em sua eficácia”. (SOUZA, 2010, p. 1). E, quem foi que FALOU PELA PRIMEIRA vez sobre a RACIONALIDADE? Pois bem, de acordo com Souza (2010, p. 1): FONTE: Disponível em: <http://images. google.com.br/images?hl=pt-BR&q=max%20 weber%20imagem&lr=lang_pt&um=1&ie=UTF- 8&sa=N&tab=wi>. Acesso em: 24 fev. 2010. O primeiro pensador que desvelou o fenômeno da racionalidade no mundo ocidental foi MAX WEBER. Weber, em seu livro “A ética protestante e o espírito do capitalismo”, publicado em 1905, diagnosticou que a característica fundamental específica da sociedade ocidental é a racionalização. MAX WEBER entende a racionalização como uma “REGULARIZAÇÃO DA AÇÃO HUMANA” na busca de certos fins específicos. (SOUZA, 2010, p. 1). ATENCAO UNIDADE 2 | A AÇÃO PROFISSIONAL E O PROCESSO INTERVENTIVO DO ASSISTENTE SOCIAL NO COTIDIANO 106 Em outros termos, Max Weber observou enfaticamente, em seus estudos, que estavam acontecendo no Ocidente alguns fenômenos culturais diferenciados do Oriente, e, de acordo com ele, estes fenômenos culturais estavam repletos de: [...] DESENVOLVIMENTO UNIVERSAL em seu valor e significado. Por exemplo, a ideia de um Estado racionalmente organizado como uma entidade política, com uma Constituição racionalmente redigida, um direito racionalmente ordenado, uma administração orientada por regras racionais e com funcionários especializados somente existiu no Ocidente. Da mesma forma, a apropriação capitalista racionalmente efetuada e calculada em termos de capital. Tudo sendo feito em termos de balanço, onde a ação individual das partes, baseada no cálculo, só existiu no Ocidente. (SOUZA, 2010, p. 1, grifo nosso). O que Max Weber faz, então? Segundo Freitag (1994, p. 90, grifo nosso), Weber postula “como racional toda a ação que se baseia no CÁLCULO, na ADEQUAÇÃO DE MEIOS E FINS, procurando obter com um mínimo de dispêndios um máximo de efeitos desejados, evitando-se ou minimizando-se todos os efeitos colaterais indesejados”. Mas, de onde teria NASCIDO esta racionalidade que hoje fundamenta toda a vida em sociedade? De acordo com Weber (1993), o conceito de RACIONALIZAÇÃO advém das concepções científicas ocidentais referentes a uma racionalização técnico- científica dos fatos. Então, segundo Souza (2010, p. 1-2, grifo nosso), O desenvolvimento de uma ciência racional fundamentada em princípios racionais e no método científico é um produto do Ocidente. A ASTRONOMIA fundamentada matematicamente; a GEOMETRIA demonstrada através da prova racional; as CIÊNCIAS NATURAIS fundamentadas na observação e no método experimental; a MEDICINA desenvolvida empiricamente com fundamentos biológicos e bioquímicos Esse processo de racionalização das ciências atingiu todas as esferas da vida social e tornou o “mundo desencantado”. Tudo o que existe poderia ser explicado pelo conhecimento racional. O MUNDO DEIXOU DE SER MISTERIOSO. são descobertas da cultura ocidental.} TÓPICO 2 | NATUREZA, ESTRATÉGIAS, PARTICULARIDADES E IMPLICAÇÕES DO TRABALHO DO ASSISTENTE SOCIAL 107 CIÊNCIA RACIONAL!!! Mas, o que é CIÊNCIA ou CONHECIMENTO CIENTÍFICO? E o que NÃO é ciência/científico? Pois bem, agora delinearemos algumas considerações a respeito da revisão teórica sobre a problemática do CONHECIMENTO CIENTÍFICO E NÃO CIENTÍFICO. UNI Para situar-nos em relação a esta questão, primeiramente traçaremos considerações a respeito das visões e divisões do problema do conhecimento, perpassando por algumas abordagens tradicionais do conhecimento, tais como o POSITIVISMO LÓGICO e o PRINCÍPIO DA VERIFICAÇÃO. Na sequência serão abordadas questões do RACIOCÍNIO CRÍTICO E O PRINCÍPIO DE REFUTAÇÃO, além de expor considerações referentes a outras abordagens alternativas do conhecimento, como as REVOLUÇÕES CIENTÍFICAS, de Thomas Kuhm, e a ANT e controvérsias científicas de Bruno Latour. Temos como propósito aplicar este conhecimento na constituição da racionalidade instrumental no serviço social . Então, qual o PROBLEMA DO CONHECIMENTO, suas VISÕES E DIVISÕES? Como nos mostra Mattedi (2006), o conhecimento científico ou a ciência diferencia-se de outros por ser sustentado numa LÓGICA RACIONAL que permite a verificação dos fatos e dos fenômenos da realidade de forma sistemática e generalizada. Portanto, o que diferencia o conhecimento científico do não científico é o MÉTODO. Além disso, a ciência não produz verdade porque ela está em constante transformação, e a pesquisa, por causa disso, é dinâmica. E toda atividade científica é uma atividade social. Sobre isto vale lembrar que a ciência constitui uma forma específica de produção do conhecimento, que opera através da aplicação do método científico. Como se pode visualizar na Figura 7, o conhecimento é dividido em científico e não científico, e no conhecimento científico temos duas correntes científicas, a ciência aplicada e a ciência básica; a ciência se diferencia em função de sua finalidade. UNIDADE 2 | A AÇÃO PROFISSIONAL E O PROCESSO INTERVENTIVO DO ASSISTENTE SOCIAL NO COTIDIANO 108 FONTE: Adaptado de Mattedi (2006) De acordo com Mattedi (2006), o espaço acadêmico é formado através da universidade tradicional e da universidade moderna, como se pode observar na Figura 8. Na universidade tradicional não havia pesquisa científica, a ciência estava fora da universidade. Já na universidade moderna é implantada a pesquisa científica por Alexander von Humboldt. FIGURA 7 – CONHECIMENTO CIENTÍFICO E NÃO CIENTÍFICO TÓPICO 2 | NATUREZA, ESTRATÉGIAS, PARTICULARIDADES E IMPLICAÇÕES DO TRABALHO DO ASSISTENTE SOCIAL 109 FONTE: Adaptado de Mattedi (2006) FIGURA 7 – CONHECIMENTO CIENTÍFICO E NÃO CIENTÍFICO UNI ALEXANDER VON HUMBOLDT (Berlim, 1769 - idem, 1859) Naturalista e geógrafo alemão. Estuda nas melhores universidades alemãs e prepara conscienciosamente a sua expedição científica à América. A viagem, que dura cinco anos, origina numerosas observações científicas. No regresso, instala-se em Paris até 1827 e, posteriormente, em Berlim. Em 1829 inicia outra expedição à Ásia. Estas expedições, de grande rigor científico, dão-lhe fama universal. Influenciado pelos grupos liberais alemães, inclina-se pela ajuda aos oprimidos. Como cientista investiga a conexão profunda de todos os fenômenos da natureza. Dentre as suas muitas obras destacam-se: Do Orenoco ao Amazonas, Ensaio Político sobre o Reino da Nova Espanha e Viagem às Regiões Equinociais do Novo Continente, realizada de 1799 a 1804, escrita em colaboração com o botânico Aimé Bonpland, em trinta volumes, onde expõe os resultados das suas investigações americanas. FONTE: Disponível em: <www. http://www.vidaslusofonas.pt/von_ humboldt.htm>. Acesso em: 10 mar. 2010. FONTE: Disponível em: <www.library2. binghamton.edu>. Acesso em: 10 mar. 2010. FONTE: Adaptado de Mattedi (2006) FIGURA 8 – ESPAÇO ACADÊMICO UNIDADE 2 | A AÇÃO PROFISSIONAL E O PROCESSO INTERVENTIVO DO ASSISTENTE SOCIAL NO COTIDIANO 110 Como diz Mattedi (2006), as CIÊNCIAS SOCIAIS nasceram depois das ciências naturais e humanas, portanto as ciências sociais sofrem influência destas duas áreasdo conhecimento científico, de acordo com os modelos diferentes de compreensão e explicação de cada área. Mas qual a DIFERENÇA entre uma ciência básica e uma aplicada? A CIÊNCIA BÁSICA: procura conhecer; podemos caracterizá-la como a parte da pesquisa científica que se propõe enriquecer o conhecimento humano sobre o assunto em questão. Ela não tem por objetivo modificar a sociedade. A CIÊNCIA APLICADA: procura ajudar o homem a agir bem, objetiva a aplicação da pesquisa científica visando resolver um problema de utilidade prática do homem. E qual é a ABORDAGEM TRADICIONAL DO CONHECIMENTO? E como estabelecer uma demarcação entre conhecimento científico e não científico? Mattedi (2006) expõe que existem algumas tradições que tratam da questão do conhecimento científico e não científico. Vejamos: Primeira tradição: O POSITIVISMO, que teve quatro fases: 1ª Fase: o proto-positivismo, em que a origem do conhecimento é o intelecto e não a experiência; 2ª Fase: o positivismo clássico foi um período em que as ideias foram agrupadas e condensadas na obra de Auguste Comte, que foi o fundador do Positivismo e da Sociologia; 3ª Fase: o positivismo crítico foi um período de revisão e radicalização; 4ª Fase: o positivismo lógico e o verificacionismo, em que o fundamental é a noção de verificação, ou seja, realizar um teste metodológico. Os juízos de valores e estéticos são excluídos da ciência positivista, e a ciência só se preocupa com os fatos. (MATTEDI, 2006). ATENCAO TÓPICO 2 | NATUREZA, ESTRATÉGIAS, PARTICULARIDADES E IMPLICAÇÕES DO TRABALHO DO ASSISTENTE SOCIAL 111 A CIÊNCIA É DIFERENTE DA NÃO CIÊNCIA porque foram constituídas sobre lógicas diferentes. E a cientificidade (o conhecimento científico), segundo os positivistas, é única e verdadeira, porque: • possui objetividade; • é metódica, porque todo experimento pode ser replicado, controlado e reproduzido; • é vista como conhecimento preciso, porque quanto mais clara e metódica, facilitará a crítica do conhecimento; • é vista como conhecimento mais perfeito, porque é a melhor invenção do homem; • é um conhecimento progressivo e cumulativo, porque sempre vamos aumentando o conhecimento; • é um conhecimento imparcial e desinteressado, porque os cientistas são desinteressados e imparciais, pois almejam o incremento contínuo do conhecimento humano. (MATTEDI, 2006). Segunda tradição: o RACIONALISMO CRÍTICO e a FALSIFICAÇÃO: de acordo com Mattedi (2006), a base desta concepção advém de KARL POPPER, que, primeiramente, critica o método indutivo, que parte de um fato ou ideias específicas para o geral. O SENSO COMUM da sociedade civil é indutivo, portanto a maioria da ciência que é produzida advém do método indutivo. Mas Popper (2003) sugere que a ciência deve se fundamentar no MÉTODO DEDUTIVO, ou seja, devemos partir dos aspectos gerais para chegarmos aos específicos. UNIDADE 2 | A AÇÃO PROFISSIONAL E O PROCESSO INTERVENTIVO DO ASSISTENTE SOCIAL NO COTIDIANO 112 UNI KARL POPPER (Viena, 28 de julho de 1902 – Londres, 17 de setembro de 1994) foi um filósofo da ciência, austríaco naturalizado britânico. É considerado por muitos como o filósofo mais influente do século XX a tematizar a ciência. Foi também um filósofo social e político de estatura considerável, um grande defensor da democracia liberal e um oponente implacável do totalitarismo. Ele é talvez mais bem conhecido pela sua defesa do falsificacionismo como um critério da demarcação entre a ciência e a não ciência, e pela sua defesa da sociedade aberta. FONTE: Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Karl_Popper>. Acesso em: 10 mar. 2010. Karl Popper (1902- 1994) definiu os limites da atividade científica FONTE: Disponível em: <http:// educacao.uol.com. br>. Acesso em: 10 mar. 2010. De acordo com Mattedi (2006), existem algumas ETAPAS DO MODELO HIPOTÉTICO-DEDUTIVO. Para Popper (2003), o método científico parte de um problema (P1), ao qual se oferece uma hipótese (H) explicativa, que é testada (T), originando o surgimento de um novo problema (P2), como se pode visualizar na Figura 9. FONTE: Mattedi (2006) FIGURA 9 – MODELO POPPERIANO Sobre isto vale lembrar que, para Popper (2003), é através da FALSIFICAÇÃO (que deve haver comparação, ensaio e erro) que a ciência se diferencia da não ciência, ou seja, uma teoria só pode ser científica se for constatada com os fatos. Vejamos agora o que Hahn, Neurath e Carnap (1986) falam sobre o positivismo lógico e o princípio da verificação e o que Popper (2003) expõe sobre o racionalismo crítico e o princípio da refutação. TÓPICO 2 | NATUREZA, ESTRATÉGIAS, PARTICULARIDADES E IMPLICAÇÕES DO TRABALHO DO ASSISTENTE SOCIAL 113 FONTE: Mattedi (2006) Pois bem, com relação ao POSITIVISMO LÓGICO E O PRINCÍPIO DE VERIFICAÇÃO, podemos expor que, através do pensamento de Hahn, Neurath e Carnap (1986) referente à concepção de mundo, na qual abordam a questão da concepção científica de mundo sob a ótica/visão adotada pelos frequentadores do Círculo de Viena. Estes autores tiveram como propósito buscar uma explicação referente à concepção científica do mundo e convencer o leitor de que esta é a forma correta de ver o mundo, numa perspectiva empirista, lógica e verificável. Hahn, Neurath e Carnap determinam que a MODERNA CONCEPÇÃO CIENTÍFICA do mundo deva ser desenvolvida através do desenvolvimento do método da construção de hipóteses e, posteriormente, o desenvolvimento do método axiomático e da análise lógica, o que permitiu dar à construção dos conceitos, clareza e rigor sempre maiores. Desta forma, estes autores (1986, p. 18) expõem que “a análise lógica e epistemológica não quer impor limitações à pesquisa científica; pelo contrário, põe-lhe à disposição um domínio, o mais completo possível, de possibilidades formais, das quais deve escolher a adequada e respectiva experiência”. Estas concepções mostram que esta forma de conceber o mundo está em sintonia com a realidade, quando Hahn, Neurath e Carnap afirmam que “este desenvolvimento se associa ao do moderno processo de produção, que se configura de um modo cada vez mais mecanizado e técnico, deixando sempre menos espaço a representações metafísicas”. (1986, p. 18). Hahn, Neurath e Carnap (1986) desenvolvem sua explicação desta problemática, como um manifesto à sociedade, onde os seguidores da concepção científica do mundo procuram mostrar que é com esta forma de ver o mundo que o conhecimento se processa, dando origem a um movimento conhecido como Empirismo Lógico ou Neopositivismo. Os autores nos mostram que “para isso empreendeu um ataque aos fundamentos metafísicos do discurso filosófico, que eram descritos como sem sentido: não diziam nada de falso ou verdadeiro acerca do mundo e, portanto, em nada contribuíam para o aumento do conhecimento”. Desta forma, “os representantes da concepção científica do mundo [...] lançam-se confiantemente ao trabalho de remover do caminho o entulho metafísico e teológico dos séculos”. (1986, p. 18, grifo nosso). Como método científico baseado no empirismo lógico, afirmam que, para que uma afirmação tenha validade científica, ela deve ser passível de verificação. Ou seja, a demarcação entre o pensamento sem sentido (metafísica) e com sentido (ciência) era estabelecida pelo princípio da verificação. Conforme Hahn, Neurath e Carnap (1986, p. 19), UNIDADE 2 | A AÇÃO PROFISSIONAL E O PROCESSO INTERVENTIVO DO ASSISTENTE SOCIAL NO COTIDIANO 114 [...] presenciamos a penetração, em crescente medida, do espírito da concepção científica do mundo nas formas de vida privada e pública, do ensino, da educação, da arquitetura, e a sua contribuição na configuração da vida econômica e social, segundo princípios racionais. A concepção científica do mundo serve à vida, e a vida a acolhe. Finalmente, buscamos a aceitação da sua teoria pela sociedade quando afirmamos que a concepção científica do mundo está próxima à vida contemporânea. E, do que se tratao RACIONALISMO CRÍTICO E O PRINCÍPIO DA REFUTAÇÃO? No que tange ao racionalismo crítico e ao princípio da refutação, Popper (2003), em sua obra denominada “Conjecturas e refutações”, aborda o critério de demarcação científica, que é igual à cientificidade, para assim propor um critério de demarcação. E para isto ele afirma que o seu critério da constatação é o critério da falsificação. Popper (2003) explica seu raciocínio através de dez operações. São elas: Primeira operação: Formulação do problema Na introdução, ele formula o problema, contrastando a psicanálise com a psicologia, e o marxismo com a relatividade geral. Mas como separar estas teorias? Popper (2003, p. 63) faz o seguinte questionamento: “quando pode uma teoria ser classificada como científica?”, ou “existe um critério para classificar uma teoria como científica?” Ele “desejava traçar uma distinção entre a ciência e a pseudociência, pois sabia muito bem que a Ciência frequentemente comete erros, ao passo que a pseudociência pode encontrar acidentalmente a verdade”. Mas Popper (2003, p. 63) “conhecia, evidentemente, a resposta mais comum dada ao problema: a CIÊNCIA se distingue da PSEUDOCIÊNCIA – OU “METAFÍSICA” – pelo uso do método empírico, essencialmente indutivo, que decorre da observação ou da experimentação”. Através deste raciocínio, Popper (2003, p. 63) diz que “o método que, embora se utilize da observação e da experimentação, não atinge o padrão científico. Um exemplo deste método seria a astrologia, que tem um grande acervo de evidência empírica baseada na observação: horóscopos e biografias”. Mas Popper (2003, p. 64) questiona: “o que estará errado com o marxismo, a psicanálise e a psicologia individual? Por que serão tão diferentes da teoria de Newton e especialmente da teoria da relatividade?”. Sob estas indagações, Popper (2003, p. 64) citava que o que o TÓPICO 2 | NATUREZA, ESTRATÉGIAS, PARTICULARIDADES E IMPLICAÇÕES DO TRABALHO DO ASSISTENTE SOCIAL 115 [...] preocupava, portanto, não era, pelo menos naquele estágio, o problema da veracidade, da exatidão ou da mensurabilidade. Sentia que as três teorias, embora se apresentassem como ramos da ciência, tinham de fato mais em comum com os mitos primitivos do que com a própria ciência, que se aproximava mais da astrologia do que da astronomia. Popper (2003, p. 66) chega a algumas conclusões, como: (1) É fácil obter confirmações ou verificações para quase toda teoria; (2) as confirmações só devem ser consideradas se resultarem de predições arriscadas; (3) toda teoria científica “boa” é uma proibição; (4) a teoria que não for refutada por qualquer acontecimento concebível não é científica; (5) todo teste genuíno de uma teoria é uma tentativa de refutá-la; (6) a evidência confirmadora não deve ser considerada se não resultar de um teste genuíno da teoria; (7) algumas teorias genuinamente “testáveis”, quando se revelam falsas, continuam a ser sustentadas por admiradores, que introduzem, por exemplo, alguma suposição auxiliar ad hoc, ou reinterpretam a teoria ad hoc de tal maneira que ela escapa à refutação. Popper conclui dizendo “que o critério que define o status científico de uma teoria é sua capacidade de ser refutada ou testada”. (2003, p. 66, grifo nosso). Segunda operação: exemplos do critério da falsificação Popper (2003, p. 67) exemplifica o critério da falsificação com a comparação da teoria de Einstein e Marx. Diz que “Einstein satisfazia nitidamente o critério da refutabilidade” e que “a astrologia não passou no teste, os astrólogos estavam muito impressionados e iludidos com aquilo que acreditavam ser evidência confirmadora – tanto assim que pouco se preocupavam com qualquer evidência desfavorável”. Nas palavras de Popper (2003, p. 67): [...] em algumas de suas formulações anteriores [...] as predições eram “testáveis” e foram refutadas. Mas em vez de aceitar as refutações, os seguidores de Marx reinterpretaram a teoria e a evidência para fazê- las concordar entre si. Salvaram assim a teoria da refutação. E que as duas teorias psicanalíticas pertencem a outra categoria, por serem simplesmente não intestáveis e irrefutáveis. Não se podia conceber um tipo de comportamento humano capaz de contradizê-las. Popper (2003, p. 68) expõe que, deste modo, [...] o problema que eu procurava resolver propondo um critério de refutabilidade não se relacionava com o sentido ou significado, a veracidade ou a aceitabilidade. O critério da “refutabilidade” é a solução para o problema da demarcação, pois, para serem classificadas como científicas, as assertivas ou sistemas de assertivas devem ser capazes de entrar em conflito com observações possíveis ou concebíveis. UNIDADE 2 | A AÇÃO PROFISSIONAL E O PROCESSO INTERVENTIVO DO ASSISTENTE SOCIAL NO COTIDIANO 116 Terceira operação: Critérios de falsificação Popper vai estabelecer os critérios de falsificação e cita que “é claro que esse critério de demarcação – o critério de ‘testabilidade ou refutabilidade’ – está longe de ser óbvio; ainda hoje seu significado é raramente compreendido”. (2003, p. 69). Toda proposição genuína (ou significativa) deve ser função da verdade de proposição elementar ou atomística, que descreva fatos atômicos, isto é, fatos que em princípio podem ser verificados pela observação. As proposições significativas são totalmente redutíveis a proposições elementares ou atomísticas, afirmações simples descrevendo em possível estado de coisas que podem, em princípio, ser estabelecidas ou rejeitadas pela observação. Há uma coincidência da verificabilidade, do significado e do caráter científico. O critério de demarcação de Wittgenstein [...] é o da verificabilidade, da capacidade de deduzir a teoria de afirmações derivadas da observação. Os membros do Círculo, no entanto, classificaram minha contribuição como uma proposta para substituir o critério de significado para verificação por um critério de significado para determinar a refutabilidade. (POPPER, 2003, p. 69- 70). Quarta operação: Crítica ao princípio de verificação positivista Popper (2003) trata da questão da indução em David Hume, para criticar o princípio de verificação positivista. Conjecturas X Refutação Ensaio X Erro Hipótese X Teste TÓPICO 2 | NATUREZA, ESTRATÉGIAS, PARTICULARIDADES E IMPLICAÇÕES DO TRABALHO DO ASSISTENTE SOCIAL 117 UNI DAVID HUME David Hume nasceu em Edimburgo, em 1711. Foi um filósofo e historiador escocês. Após frequentar estudos literários ainda na adolescência, foi para a França, onde escreveu o seu livro Investigação sobre a Natureza Humana. Pouco depois escreve os Essays, Moral and Political. Quando nomeado bibliotecário do colégio de advogados de Edimburgo, escreve uma História de Inglaterra que vai publicando pouco a pouco, o que lhe proporciona alguma fortuna e fama. Viaja para França como secretário do embaixador inglês e, antes de se retirar para Edimburgo, é subsecretário de Estado. Devido à sua reputação, exerce grande influência sobre os estudiosos e pensadores de França e Inglaterra. A filosofia de Hume tem origem tanto no empirismo de Locke como no idealismo de Berkeley. Tenta reduzir os princípios racionais, a associações de ideias que o hábito e a repetição vão fortalecendo. Tal é, por exemplo, o caso do princípio de causalidade. Fazem dele uma lei sobre as coisas, quando na realidade não expressa mais que uma coisa que nós esperamos, uma necessidade completamente subjetiva desenvolvida pelo hábito. As leis científicas resumem a experiência passada, mas não comportam certeza alguma no que ao porvir se refere. A substância, seja material ou espiritual, não existe. Os corpos não são mais que grupos de sensações ligadas entre si pela associação de ideias. Também o eu é somente uma coleção de estados de consciência. Por esta via, Hume chega ao cepticismo e ao fenomenismo absoluto. FONTE: Disponível em: <http://www.pensador.info/autor/David_Hume/biografia/>. Acesso em: 10 mar.2010. A teoria se sustenta até que se prove o contrário. Popper (2003, p. 71) discutiu “o problema da demarcação detalhadamente porque acredita que sua solução dá uma chave para a maioria dos problemas fundamentais da filosofia da ciência”. Hume sustenta que não pode haver argumentos lógicos válidos que nos permitam afirmar que aqueles casos dos quais não tivemos experiência alguma assemelham-se àqueles que já experimentamos anteriormente”. A tentativa de justificar a prática da indução apelando para a experiência deve levar a um regresso infinito. Como resultado, podemos dizer que as teorias nunca podem ser inferidas de afirmações derivadas da observação, ou racionalmente justificadas por elas. (POPPER, 2003, p. 72). UNIDADE 2 | A AÇÃO PROFISSIONAL E O PROCESSO INTERVENTIVO DO ASSISTENTE SOCIAL NO COTIDIANO 118 A psicologia de Hume – que é a psicologia popular – estava errada em pelo menos três pontos: (a) o resultado típico da repetição; (b) a gênese dos hábitos; e especialmente (c) o caráter daquelas experiências e tipos de comportamento que podem ser descritos como “acreditar numa lei”, ou “esperar uma sucessão ordenada de eventos”. Popper cita ainda que a “ideia central da teoria de Hume é a da REPETIÇÃO BASEADA NA SIMILARIDADE (ou ‘semelhança’)”. Continuando, diz que “o tipo de repetição imaginado por Hume jamais pode ser perfeito; os casos que ele expõe não são casos de similaridade perfeita; são apenas casos de semelhança. Logo, são repetições”. (2003, p. 74, grifo nosso). Popper afirma: “[...] o que demonstra que a teoria psicológica de Hume nos leva a uma situação de regresso infinito”. (2003, p. 75). Quinta operação: Objeções à teoria de Popper Popper (2003) descreve eventuais objeções à sua teoria e faz uma crítica do empirismo com base na teoria kantiana, para sustentar o modelo de ensaio e erro. UNI IMMANUEL KANT ou EMANUEL KANT (Königsberg, 22 de abril de 1724 – Königsberg, 12 de fevereiro de 1804) Kant foi um filósofo alemão, geralmente considerado como o último grande filósofo dos princípios da era moderna, indiscutivelmente um dos seus pensadores mais influentes. Depois de um longo período como professor secundário de Geografia, começou, em 1755, a carreira universitária ensinando Ciências Naturais. Em 1770 foi nomeado professor catedrático da Universidade de Königsberg, cidade da qual nunca saiu, levando uma vida monotonamente pontual e só dedicada aos estudos filosóficos. Realizou numerosos trabalhos sobre ciência, física, matemática etc. Kant operou, na epistemologia, uma síntese entre o Racionalismo continental (de René Descartes e Gottfried Leibniz, onde impera a forma de raciocínio dedutivo), e a tradição empírica inglesa (de David Hume, John Locke, ou George Berkeley, que valoriza a indução). Kant é famoso sobretudo pela elaboração do denominado idealismo transcendental: todos nós trazemos formas e conceitos a priori (aqueles que não vêm da experiência) para a experiência concreta do mundo, os quais seriam de outra forma impossíveis de determinar. A filosofia da natureza e da natureza humana de Kant é, historicamente, uma das mais determinantes fontes do relativismo conceptual que dominou a vida intelectual do século XX. No entanto, é muito provável que Kant rejeitasse o relativismo nas formas contemporâneas, como, por exemplo, o Pós- modernismo. Kant é também conhecido pela filosofia moral e pela proposta, a primeira moderna, de uma teoria da formação do sistema solar, conhecida como a hipótese Kant-Laplace. FONTE: Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Immanuel_Kant>. Acesso em: 10 mar. 2010. Kant: filósofo que lançou as bases da ética moderna TÓPICO 2 | NATUREZA, ESTRATÉGIAS, PARTICULARIDADES E IMPLICAÇÕES DO TRABALHO DO ASSISTENTE SOCIAL 119 Popper (2003, p. 76) cita que: A crença de que a ciência avança da observação para a teoria provoca muitas vezes reação de incredulidade. E que a observação é sempre seletiva: exige um objeto, uma tarefa definida, um ponto de vista, um interesse especial, um problema. Para descrevê-la, é preciso empregar uma linguagem apropriada, implicando similaridade e classificação – que, por sua vez, implicam interesses, pontos de vista e problemas. Além de que, de modo geral, os objetos mudam... de acordo com as necessidades do animal. De acordo com as necessidades e interesses os objetos podem ser classificados, assemelhados ou diferenciados. A resposta de Kant a Hume estava quase certa: a distinção entre uma expectativa válida a priori e uma outra, genética e logicamente anterior à observação, sem ser contudo válida a priori, é de fato bastante sutil. Kant tinha razão ao dizer que nosso intelecto não deriva suas leis da natureza, mas impõe suas leis à natureza. Muitas vezes a natureza resiste com êxito, forçando-nos a rejeitar nossas leis – o que não nos impede de tentar outras vezes. (POPPER, 2003, p. 78). Sexta operação: Comportamento dogmático Popper (2003) procura criticar o fenômeno psicológico do pensamento- dogmático, ou seja, o comportamento dogmático. Diz que “nossa inclinação para procurar regularidades e para impor leis à natureza leva ao fenômeno psicológico do pensamento-dogmático ou, de modo geral, do comportamento dogmático. Esse dogmatismo é, em certa medida, necessário [...], mas a atitude dogmática que nos leva a guardar fidelidade às primeiras impressões indica uma crença vigorosa; por outro lado, uma atitude crítica, com a disponibilidade para alterar padrões, admitindo dúvidas e exigindo testes, indica uma crença mais fraca. (POPPER, 2003, p. 79). Sétima operação: Distinção entre o pensamento crítico e dogmático Popper procura distinguir o pensamento crítico do pensamento dogmático. Ele afirma que: A distinção entre o pensamento crítico e o dogmático está relacionada diretamente com a tendência da verificação de nossas leis e esquemas, buscando aplicá-los e confirmá-los sempre, a ponto de afastar as refutações, enquanto a atitude crítica é feita de disposição para modificá-los – a inclinação no sentido de testá-los, refutando-os, se isso for possível. O que sugere a identificação da atitude crítica com a atitude científica e a atitude dogmática com a que descrevi, qualificando-a de pseudocientífica. Acha também que geneticamente a atitude pseudocientífica é mais primitiva do que a científica, e anterior a ela: é uma atitude pré-científica. [...]. Com efeito, a atitude crítica não se opõe propriamente à atitude dogmática; sobrepõe-se a ela: a crítica UNIDADE 2 | A AÇÃO PROFISSIONAL E O PROCESSO INTERVENTIVO DO ASSISTENTE SOCIAL NO COTIDIANO 120 deve dirigir-se contra as crenças prevalecentes, que exercem grande influência e que necessitam uma revisão crítica. [...] A atitude crítica requer – como ‘matéria-prima’, as teorias ou crenças aceitas mais ou menos dogmaticamente. E que a ciência começa, portanto, com os mitos e a crítica dos mitos; não se origina numa coleção de observações ou na invenção de experimentos, mas, sim, na discussão crítica dos mitos, das técnicas e práticas mágicas. (2003, p. 80). No entanto, de acordo com Popper (2003, p. 80-81): [...] o argumento lógico, o raciocínio lógico dedutivo, continua a .exercer uma função de grande importância na abordagem crítica; não porque nos permite provar nossas teorias ou inferi-Ias de afirmativas derivadas da observação, mas porque é impossível descobrir as implicações dessas teorias (para poder criticá-las efetivamente) empregando exclusivamente o raciocínio dedutivo. Segundo Popper (2003, p. 81), “a crítica é uma tentativa de identificar os pontos fracos das teorias – pontos que, de modo geral, só vamos encontrar nas suas consequências lógicas mais remotas. É aí que o raciocínio puramente lógico desempenha um papel importante”. E que “não há nada de irracional na aceitação de uma teoria, como nada há de irracional na admissão de teorias bem testadas, para fins práticos – nenhum outro tipo de comportamento é mais racional”.Complementa citando que, “se essa é nossa tarefa, o procedimento mais racional é o método das tentativas – da conjectura e da refutação”. Deste ponto de vista, afirma que: Todas as leis e teorias são essencialmente tentativas conjecturais, hipotéticas – mesmo quando não é mais possível duvidar delas. O método das tentativas não se identifica simplesmente com o método crítico ou científico – o processo de conjecturas e refutações. O primeiro é empregado não só por Einstein, mas – de forma mais dogmática – pela ameba; a diferença reside não tanto nas tentativas, mas na atitude crítica e construtiva assumida com relação aos erros. (POPPER, 2003, p. 81). Popper finaliza expondo que “a atitude crítica pode ser descrita como uma tentativa consciente de submeter nossas teorias e conjecturas, em nosso lugar, à ‘luta pela sobrevivência’, em que os mais aptos triunfam”. (2003, p. 81). Oitava operação: Questão da lógica da ciência Popper (2003) volta a discutir o problema da lógica da ciência e critica [...] a lógica da psicologia da experiência para nosso problema real: o problema da lógica da ciência. Embora algumas das coisas que comentei aqui possam ajudar-nos, na medida em que eliminaram certos preconceitos em favor da indução, o tratamento a que me proponho do problema lógico da indução TÓPICO 2 | NATUREZA, ESTRATÉGIAS, PARTICULARIDADES E IMPLICAÇÕES DO TRABALHO DO ASSISTENTE SOCIAL 121 independe totalmente da crítica que fizemos e de todas as considerações psicológicas expostas. Era fácil entender que o método da ciência é a crítica, isto é, as tentativas de refutação. (2003, p. 82). Popper aponta algumas conclusões: (1) A indução – isto é, a inferência baseada em grande número de observações – é um mito: não é um fato psicológico, um fato da vida corrente ou um procedimento científico. (2) O método real da ciência emprega conjecturas e salta para conclusões genéricas, às vezes depois de uma única observação (conforme o demonstram David Hume e Max Born). (2) A observação e a experimentação repetidas funcionam na ciência como testes de nossas conjecturas ou hipóteses – isto é, como tentativas de refutação. (3) A crença errônea na indução é fortalecida pela necessidade de termos um critério de demarcação que – conforme aceito tradicionalmente, e equivocadamente – só o método indutivo poderia fornecer. (5) A concepção de tal método indutivo, como critério de verificabilidade, implica uma demarcação defeituosa. (6) Se afirmarmos que a indução nos leva a teorias prováveis (e não certas) nada do que precede se altera fundamentalmente. (2003, p. 83). UNIDADE 2 | A AÇÃO PROFISSIONAL E O PROCESSO INTERVENTIVO DO ASSISTENTE SOCIAL NO COTIDIANO 122 UNI MAX BORN nasceu na Alemanha a 11 de dezembro de 1882. Foi um físico alemão naturalizado britânico. Ganhou o Prêmio Nobel da Física, em 1954, devido ao seu trabalho sobre a Teoria Quântica (conjuntamente com Walter Bothe). Inicialmente educado no König-Wilhelm-Gymnasium, Born prosseguiu os seus estudos superiores na Universidade de Breslau e depois nas Universidades de Heidelberg e Zurique. Durante este período ele conheceu cientistas e matemáticos proeminentes, como Klein, Hilbert, Minkowski, Runge, Schwarzschild e Voigt. Em 1909 foi nomeado professor na Universidade de Göttingen, onde trabalhou até 1912, altura em que foi para a Universidade de Chicago. Em 1919, após um período no exército alemão, tornou-se professor na Universidade de Frankfurt am Main e, em 1921, foi novamente professor em Göttingen. Durante este período, formulou a, hoje aceite, interpretação da densidade da probabilidade para ψ*ψ na equação de Schrödinger da mecânica quântica, pela qual recebeu o Prêmio Nobel de Física, de 1954, três décadas mais tarde. Em 1933 (ano em que Hitler assumiu o poder), deixou a Alemanha para escapar ao antissemitismo. Foi então ensinar na Universidade de Cambridge até 1936, e posteriormente, na Universidade de Edimburgo. Em 1954 regressou à Alemanha. Albert Einstein era um amigo de Born e foi numa carta escrita a Born, em 1926, que Einstein formulou, referindo-se à mecânica quântica, a famosa frase: “Deus não joga dados com o universo”. FONTE: Disponível em: <http://www.explicatorium.com/Max-Born.php>. Acesso em: 9 mar. 2010. Prêmio Nobel da Física em 1954 Nona operação: Origem do problema lógico da indução Popper expõe o problema lógico da indução e diz que [...] o problema lógico da indução se origina: (a) na descoberta de Hume de que é impossível justificar uma lei pela observação ou por meio de experiências, uma vez que ela transcende sempre a experiência; (b) no fato de que a ciência enuncia e usa leis todo o tempo. Acrescentaríamos também o princípio do empirismo, (c) o fato de que na ciência só a observação e a experiência podem decidir a respeito da aceitação ou rejeição das afirmativas, inclusive das leis e teorias. Hume demonstrou que não é possível inferir uma teoria de afirmativas derivadas da observação; mas isso não afeta a possibilidade de refutar uma teoria por meio de afirmativas desse tipo. (2003, p. 84). TÓPICO 2 | NATUREZA, ESTRATÉGIAS, PARTICULARIDADES E IMPLICAÇÕES DO TRABALHO DO ASSISTENTE SOCIAL 123 Décima operação: Como saltamos de uma afirmativa derivada da observação para uma teoria? Popper (2003) busca responder como “SALTAMOS” de uma afirmativa derivada da observação para uma teoria?”. Ele diz (2003, p. 85, grifo nosso) que “Wittgenstein e seus discípulos sustentavam que não existem problemas filosóficos genuínos; de onde se conclui que eles não podem ser solucionados”. E que “Uma indagação que se pode fazer é a seguinte: como “saltamos” de uma afirmativa derivada da observação para uma teoria?”. UNI LUDWIG JOSEPH JOHANN WITTGENSTEIN (26 de abril de 1889 – 29 de abril de 1951) Foi um filósofo austríaco que contribuiu com numerosas colocações inovadoras na filosofia moderna, mais especificamente nos campos da lógica, filosofia da linguagem e filosofia da mente. Ele é largamente considerado um dos mais influentes filósofos do século XX. FONTE: Disponível em: <www.olharvirtual.ufrj.br/2006/index.php?id_ edicao...>. Acesso em: 24 fev. 2010. Ludwig Wittgenstein dedicou-se à alta filosofia e ao trabalho humilde. Segundo Popper: Há outras perguntas que são também propostas. Já se disse que o problema original da indução é o da sua justificação – como justificar a evidência indutiva. Se respondermos alegando que a chamada “inferência indutiva” é sempre inválida – que, portanto, não pode ser justificada – surge imediatamente um novo problema: como justificar o método das tentativas. A resposta será: esse método elimina as teorias falsas por meio de afirmativas derivadas da observação; sua justificação é a relação puramente lógica da dedutibilidade que nos permite afirmar a falsidade de assertivas universais se aceitamos a verdade de afirmativas singulares. Outra pergunta que também se ouve é a seguinte: por que razão é razoável preferir afirmativas que não foram refutadas a outras que puderam ser refutadas? Tem havido respostas bastante peculiares a essa pergunta – por exemplo, respostas pragmáticas. Do ponto de vista pragmático, porém, o problema não existe, já que as teorias falsas muitas vezes são eficazes; assim, por exemplo, muitas das fórmulas usadas em engenharia e em navegação UNIDADE 2 | A AÇÃO PROFISSIONAL E O PROCESSO INTERVENTIVO DO ASSISTENTE SOCIAL NO COTIDIANO 124 são reconhecidamente falsas, mas, como oferecem excelentes aproximações e são fáceis de usar, são empregadas com toda confiança por pessoas que não ignoram sua falsidade. (POPPER, 2003, p. 86). Popper (2003, p. 86) cita que “a única resposta correta, portanto, é a mais direta: porque estamos sempre buscando a verdade (embora nunca possamos ter a certeza de havê-la encontrado) e porque a falsidade das teorias refutadas é conhecida ou aceita, enquanto as teorias ainda não refutadas podem ser verdadeiras”.Popper (2003, p. 87) finaliza dizendo que Na verdade, deveríamos dividir o problema em três partes – o conhecido problema da demarcação (como distinguir a ciência da mágica primitiva); o problema da racionalidade do procedimento crítico ou científico (e o papel exercido pela observação); finalmente, o problema da racionalidade da nossa aceitação das teorias, para fins práticos e científicos. Tivemos a ocasião de propor soluções aqui para esses três problemas. E qual a ABORDAGEM ALTERNATIVA DO CONHECIMENTO? Agora ressaltaremos uma visão abrangente referente a outras formas alternativas de conceber a cientificidade do trabalho acadêmico. Para isto subdividiremos a tarefa em duas etapas: primeiramente abordaremos as revoluções científicas, de Thomas Kuhn, na sequência mostraremos o que são a ANT (Actor Network Theory: o ator-rede) e as controvérsias científicas sob o enfoque de Bruno Latour. Portanto, o quem tem THOMAS KUHN para nos dizer com relação às REVOLUÇÕES CIENTÍFICAS? Thomas Kuhn (2003), em sua obra “As estruturas das revoluções científicas”, aborda as dificuldades que geram o conceito de PARADIGMA, a aplicação do conceito de paradigma (denota a questão da cientificidade) e pretende dar respostas às principais objeções levantadas pelo conceito de paradigma. Para isto traz como problemática “as críticas ao livro”, no qual as estruturas das revoluções científicas se devem a dificuldades de interpretação do próprio conceito de paradigma. TÓPICO 2 | NATUREZA, ESTRATÉGIAS, PARTICULARIDADES E IMPLICAÇÕES DO TRABALHO DO ASSISTENTE SOCIAL 125 UNI THOMAS SAMUEL KUHN (Cincinnati, 18 de julho 1922 - Cambridge, 17 de junho 1996) Foi um físico dos Estados Unidos da América cujo trabalho incidiu sobre história e filosofia da ciência, tornando-se um marco importante no estudo do processo que leva ao desenvolvimento científico. Kuhn nasceu a 18 de Julho de 1922, em Cincinnati, em Ohio, EUA. Formou-se em Física (summa cum laude) em 1943, pela Universidade de Harvard. Recebeu desta mesma instituição o grau de Mestre em 1946 e o grau de Doutor em 1949, ambos na área de Física. Após ter concluído o Doutoramento, Kuhn tornou-se professor em Harvard. Leccionou uma disciplina de Ciências para alunos de Ciências Humanas. A estrutura desta disciplina baseava-se nos casos mais famosos da História da Ciência, pelo que Kuhn foi obrigado a familiarizar-se com este tema. Este fato foi determinante para o desenvolvimento da sua obra. Em 1956 Kuhn foi lecionar História da Ciência na Universidade da Califórnia, em Berkeley. Tornou-se professor efetivo desta instituição em 1961. Em 1964 tomou a posição do Professor M. Taylor Pyne, de Filosofia e História das Ciências, na Universidade de Princeton. Em 1971 Kuhn foi leccionar para o MIT, onde permaneceu até terminar a sua carreira acadêmica. Kuhn morreu a 17 de junho de 1996, vítima de cancro. FONTE: Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Thomas_Kuhn>. Acesso em: 9 mar. 2010. Kuhn (2003) demonstra seus argumentos através dos seguintes capítulos: No prefácio de seu livro, Kuhn (2003) nos apresenta sua problemática e o sentido do uso do termo paradigma, que são vários: (1º sentido) – crenças, valores e técnicas; (2º sentido) – as soluções concretas dos problemas. No capítulo dos paradigmas e a estrutura da comunidade, Kuhn nos traz a definição de PARADIGMA: “um paradigma é aquilo que os membros de uma comunidade partilham e, inversamente, uma comunidade científica consiste em homens que partilham um paradigma”. (KUHN, 2003, p. 219). Além de abordar dois temas da estrutura comunitária, que são: (1) “a transição do período pré-paradigmático para o pós-paradigmático durante o desenvolvimento de um campo científico; (2) a identificação biunívoca entre as comunidades científicas e os objetos de estudo científicos”. (KUHN, 2003, p. 222- 223). No capítulo dos paradigmas com a constelação dos compromissos de grupo, Kuhn nos apresenta os dois usos do termo paradigma: (1) “o emprego mais global; (2) e os problemas dos exemplos compartilhados” (KUHN, 2003, UNIDADE 2 | A AÇÃO PROFISSIONAL E O PROCESSO INTERVENTIVO DO ASSISTENTE SOCIAL NO COTIDIANO 126 p. 226), além de apresentar os componentes da matriz disciplinar, que são: (1) generalizações simbólicas; (2) paradigmas metafísicos; (3) valores compartilhados; e (4) as predições (antecipar o que vai acontecer). No capítulo dos paradigmas como exemplos compartilhados, Kuhn (2003) nos mostra como resolver os problemas, em que os paradigmas são algo compartilhado pelos membros de comunidades. Afirma Kuhn (2003) que o paradigma, enquanto exemplo compartilhado, é um elemento central daquilo que atualmente parece ser o aspecto mais novo e menos compreendido. Fazendo é que compartilhamos situações, informações ou educações semelhantes, as quais levariam a uma certa uniformidade de sensações apreendidas em determinado grupo ou comunidade. No capítulo do conhecimento tácito e intuição Thomas Kuhn (2003) nos mostra dois pontos essenciais a compreender: (1) as instituições não são individuais e, sim, compartilhadas; (2) e são passíveis de análise. No capítulo referente aos exemplares, incomensurabilidade e revoluções ele nos mostra que a incomensurabilidade das teorias é justamente os saltos ou rupturas que ocorrem na ciência (aquilo que não podemos medir). No capítulo referente às revoluções e relativismo, ele coloca-nos que o reconhecimento dos paradigmas de outras comunidades, ou seja, “reconhecer estes paradigmas paralelos, sugere, em certo sentido, que ambos os grupos podem estar certos. Esta posição é relativista, quando aplicada à cultura e seu desenvolvimento”. (KUHN, 2003, p. 251). E, por fim, no capítulo referente à natureza da Ciência, Kuhn retrata a ciência normal como uma atividade de resolução de problemas, governada pelas regras de um paradigma. A ciência normal implica tentativas detalhadas de articular um paradigma com o objetivo de melhorar a correspondência entre ele e a natureza. NOTA Caro(a) acadêmico(a), para aprofundar os seus conteúdos sobre as REVOLUÇÕES CIENTÍFICAS de Thomas Kuhn, sugerimos a leitura das páginas 217 a 257 do livro “As estruturas das revoluções científicas”. Referência: KUHN, Thomas. As estruturas das revoluções científicas. 7. ed. São Paulo: Perspectiva, 2003, p. 217-257. TÓPICO 2 | NATUREZA, ESTRATÉGIAS, PARTICULARIDADES E IMPLICAÇÕES DO TRABALHO DO ASSISTENTE SOCIAL 127 E, o que BRUNO LATOUR tem a nos dizer sobre a ANT (Actor Network Theory: o ator-rede) E AS CONTROVÉRSIAS CIENTÍFICAS? Latour (2001) trata do tema “A CIÊNCIA EM CONSTRUÇÃO”, que pode ser definida como pesquisa científica, pretendendo realizar uma crítica da visão tradicional das operações de descrição da ciência (o caso da epistemologia). UNI BRUNO LATOUR (Beaune, 22 de junho de 1947) é um filósofo francês. A sua principal contribuição teórica é – ao lado de outros autores como Michel Callon – o desenvolvimento da ANT – Actor Network Theory (Teoria ator-rede) que, ao analisar a atividade científica, considera, enquanto variáveis, tanto os atores humanos como os não humanos, estes últimos devido à sua vinculação ao princípio de simetria generalizada. Conhecido pelos seus livros que descrevem o processo de pesquisa científica, dentro da perspectiva construtivista, que privilegia a interação entre o discurso científico e a sociedade, os de maior destaque são: Jamais Fomos Modernos e Ciência em Ação. FONTE: Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Bruno_Latour>. Acesso em: 10 mar. 2010. Latour (2001), ao determinar a problemática, afirma que a construção da ciência se processa tanto ao estudar os fatos científicos em construção (ou as controvérsias), como o destino das máquinas é fato científico, que está nas mãos de seus usuários. Para Latour existe um esquema de análise da ciência, o qual divide em seis etapas: Primeira etapa: A MICROANÁLISE DA CIÊNCIA: Ressalta que a microanálise da ciência deve descrevera ciência como ela acontece na realidade, além de estudar a ciência atual. A microanálise da ciência utiliza-se do MÉTODO ETNOGRÁFICO, que realiza a descrição das práticas científicas de forma independente do que os cientistas pensam da ciência, ou seja, como de fato ela é na realidade. Segunda etapa: A ANÁLISE SISTÊMICA: Para Latour devemos analisar sistematicamente o que se faz para que algumas teorias sejam aceitas e outras rejeitadas. Por que um cientista acerta e UNIDADE 2 | A AÇÃO PROFISSIONAL E O PROCESSO INTERVENTIVO DO ASSISTENTE SOCIAL NO COTIDIANO 128 outros se enganam? Através do pensamento de Bruno Latour, podemos dizer que devemos tratar da mesma forma os termos “acerto e erro”, “verdadeiro e falso”, pois eles possuem o mesmo valor. Terceira etapa: IMPLICAÇÕES: Segundo Bruno Latour, existem algumas implicações na construção da ciência, ou seja, há a quebra do privilégio epistemológico da ciência; existe um rompimento com o universo místico que norteia a ciência; e, para finalizar, devemos entender como a ordem científica é estabelecida a partir do caos da realidade. Quarta etapa: ANT – ACTOR NETWORK THEORY: Latour descreve a teoria ator-rede (ANT) em quatro momentos: a) a problematização, na qual a ciência procura definir o objeto; b) o interessamento, em que a criação de um sistema de alianças em formato de estruturas específicas que interrompam estratégias concorrentes; c) o envolvimento, no qual existe um mecanismo por meio do qual um papel é definido e atribuído a um ator que o aceite; d) a mobilização, na qual os atores são associados uns aos outros por meio de seus porta-vozes. Quinta etapa: COMO LATOUR PENSA A CIÊNCIA: Latour descreve os cientistas como estrategistas, negociadores, calculadores, mobilizadores de recursos em permanente competição. Os cientistas observam apenas a tradição disciplinar em que estão inseridos e os recursos utilizados devem ser reconhecidos por todos. A formação do conhecimento se dá através de dados reais e concretos, sem esquecer que a ciência também é política. Sexta etapa: PROGRESSO DA CIÊNCIA: A disputa entre ciência, laboratório e instituições se dá na fronteira do conhecimento, que é muito semelhante à esfera política e ao mercado. Quanto melhor o estrategista e o cientista, melhor será a sua ciência. TÓPICO 2 | NATUREZA, ESTRATÉGIAS, PARTICULARIDADES E IMPLICAÇÕES DO TRABALHO DO ASSISTENTE SOCIAL 129 NOTA Caro(a) acadêmico(a), para aprofundar os seus conteúdos sobre a A CIÊNCIA EM AÇÃO, de Bruno Latour, sugerimos a leitura das páginas 39 a 104 do seguinte livro: Referência: LATOUR, Bruno. Literatura. In: LATOUR, Bruno. A ciência em ação. São Paulo: Editora UNESP, 2001, p. 39-104. E, para FINALIZAR esta discussão referente à problemática do CONHECIMENTO CIENTÍFICO E NÃO CIENTÍFICO, podemos concluir que: Com relação à ABORDAGEM TRADICIONAL DO CONHECIMENTO, através do positivismo lógico (e o princípio da verificação) e o racionalismo crítico (e o princípio de refutação), podemos dizer que ambas as abordagens do conhecimento têm em comum em que o desempate de um argumento só se dá através da realidade dos fatos. E que a realidade é independente das concepções do analista, do pesquisador, pois a realidade é neutra, independentemente do que achamos dela. A solução encontrada pelo positivismo lógico foi introduzir o princípio da verificação, pois o científico pode ser verificado, e no racionalismo crítico este princípio foi substituído pelo princípio da falsificação, no qual o fato científico pode ser refutado. Quanto a outras formas alternativas de conceber a cientificidade do trabalho acadêmico, temos as revoluções científicas de Thomas Kuhn. Para Kuhn, o que determina a realidade é o mapa mental que temos (nossos paradigmas), ou seja, a ciência é a possibilidade de formular questões e dar respostas a elas, além de este desenvolvimento ser uma questão histórica e social. Acerca das considerações sobre as controvérsias científicas, Bruno Latour se baseia em três princípios para a construção da ciência, ou seja, o primeiro se refere ao agnosticismo em relação às ciências sociais, não só da natureza como também da sociedade. Outro princípio trata da simetria generalizada, que afirma que não devemos partir de qualquer noção do que é natureza e o social. Devemos, sim, partir da elaboração. Para finalizar, Latour cita que o terceiro princípio para a construção da ciência é a livre associação. UNIDADE 2 | A AÇÃO PROFISSIONAL E O PROCESSO INTERVENTIVO DO ASSISTENTE SOCIAL NO COTIDIANO 130 Portanto, pode-se dizer que um conhecimento é científico, ou não, através do modelo de interpretação que empregarmos. Com relação à RACIONALIDADE INSTRUMENTAL, vemos que “apesar de a racionalização ter começado com as ciências, foi somente com os protestantes que ela adquiriu valor e significado. Foi graças à ÉTICA PROTESTANTE que a racionalidade tornou-se universal, impulsionando o capitalismo. Com os protestantes o capitalismo ganhou consistência, assumiu formas e direções. Foi com o protestantismo que surgiu a organização capitalista assentada no trabalho livre. (SOUZA, 2009, p. 2, grifo nosso). Souza (2009, p. 2) diz que Horkheimer define mais amplamente o conceito racionalidade instrumental, em seu livro “Eclipse da Razão”, publicado em 1955. Ele distingue duas formas de razão: a razão subjetiva (interior) e razão objetiva (exterior). Mas, o que é a RAZÃO SUBJETIVA? De acordo com Horkheimer (apud SOUZA, 2009, p. 2), “a razão subjetiva (instrumental) é a faculdade que torna possíveis as nossas ações. É a faculdade de classificação, inferência e dedução, ou seja, é a faculdade que possibilita o “funcionamento abstrato do mecanismo de pensamento”. Essa razão se relaciona com os meios e fins. Ela é neutra, formal, abstrata e lógico-matemática. E a RAZÃO OBJETIVA, o que significa? “A razão objetiva se revela como a capacidade de calcular probabilidades e desse modo coordenar os meios corretos com um fim determinado”. (HORKHEIMER apud SOUZA, 2009, p. 2). Por sua vez, a RAZÃO OBJETIVA (logos) é [...] conhecida desde a época clássica da história da Grécia, era considerada o principal conceito da filosofia. A razão não é somente uma faculdade mental, mas é também do mundo objetivo. Existe uma ordem, uma harmonia por trás do mundo, uma racionalidade objetiva. A razão se manifesta nas relações entre os seres humanos, na organização da sociedade, em suas instituições, na natureza e no cosmo. As teorias de Platão, Aristóteles, o escolasticismo e o idealismo alemão se fundamentam sobre uma teoria objetiva da razão. (SOUZA, 2009, p. 2). Durante a evolução do conhecimento, segundo Souza (2009, p. 3), “a faculdade subjetiva do pensar foi tomando o lugar da razão objetiva.” ATENCAO TÓPICO 2 | NATUREZA, ESTRATÉGIAS, PARTICULARIDADES E IMPLICAÇÕES DO TRABALHO DO ASSISTENTE SOCIAL 131 A FACULDADE SUBJETIVA de pensar, segundo Souza (2009, p. 3), “foi o instrumento crítico que dissolveu os conceitos da mitologia e da filosofia (razão objetiva) como mera superstição”, pois “a luta da razão subjetiva contra a mitologia e a filosofia, ao denunciá-las como falsa objetividade, teve que usar conceitos que reconheceu como válidos, como a lógica formal e a matemática”. (SOUZA, 2009, p. 3). Ou seja, “o resultado disso foi que nenhuma realidade particular pode ser vista como racional. A razão na busca de uma objetividade cada vez maior se formalizou. Em sua formalização a razão foi transformando o pensamento em um simples instrumento.” (SOUZA, 2009, p. 3). Souza complementa expondo que: O livro “Dialética do Esclarecimento”, publicado em 1947, escrito a quatro mãos por Adorno e Horkheimer, também nos mostra como a razão emancipatória objetiva se converteu em razão instrumental subjetiva. O objetivo deste livro foi o de investigar a autodestruição da razão. Por que a humanidade através do progresso técnico e científiconão alcançou sua maioridade e, sim, sucumbiu a um estado de barbárie? Sua tese principal nos revela o lado oculto do esclarecimento, sua história subterrânea. Para Adorno e Horkheimer a razão não atingiu seu fim, pois a razão é, em sua própria essência, um mito: “O mito é esclarecimento, e o esclarecimento acaba por converter-se em mito”. Esses pensadores analisaram o conceito de razão em seu desdobramento dialético, que em sua evolução buscava se emancipar da mitologia e da metafísica, conduzindo à sua autonomia e à sua autodeterminação. Contudo, essa razão onipotente, dominadora da natureza, emancipatória, que buscava submeter a natureza e a sociedade à objetividade da razão não atingiu seu fim. A razão se transformou em mera abstração, mero instrumento formal. Razão significa triunfo da máquina, do trabalho, da natureza útil e grátis, razão mistificada que se realiza como razão instrumental, pela qual a natureza, o útil-grátis, é espoliada pela máquina e pelo trabalho. Mistificada porque é o lado abstrato da regularidade, da disciplina do trabalho legitimador dessa prática de pilhagem – prática do trabalho para o capital, da exploração dos homens para o capital. (MATOS apud SOUZA, 2009, p. 3). A grande CONSEQUÊNCIA da racionalidade instrumental foi a perda da autonomia do indivíduo. (SOUZA, 2009, p. 3, grifo nosso). ATENCAO UNIDADE 2 | A AÇÃO PROFISSIONAL E O PROCESSO INTERVENTIVO DO ASSISTENTE SOCIAL NO COTIDIANO 132 LEITURA COMPLEMENTAR DETERMINAÇÕES LÓGICAS E ONTOLÓGICAS DA CATEGORIA “RACIONALIDADE” Yolanda Guerra Como uma das categorias intelectivas priorizadas neste estudo, temos a RACIONALIDADE – do latim rationalitatis – significando a qualidade do que é racional. No sentido filosófico RACIONAL é “aquilo que pertence à razão ou é derivado dela”. (JAPIASSU; MARCONDES, 1991, p. 208). De outra parte, pode ser designado como “aquilo que está de acordo com a razão” (idem, ibidem), e aqui a referência à realidade torna-se secundária. RACIONALIDADE é, ainda, a “característica daquilo que é racional”, e considerando que racional é “o que se deduz da razão”, encontramo-nos diante de uma tautologia. Deste modo, entendemos que a busca pela significação da palavra “RACIONALIDADE” acaba por limitá-la à sua definição lógico-formal e consensual, não nos permitindo saltar das abstrações mais simples e gerais que, de outro modo, a apreensão das suas determinações ontológicas nos possibilita. Captar as determinações lógicas e ontológicas da categoria “RACIONALIDADE” implica não apenas estabelecer o confronto entre os conteúdos e significados que adquire na história, como sua vinculação ideológica, FONTE: Disponível em: <www.dreamsinmoon. blogspot.com>. Acesso em: 24 mar. 2010. Nós vivemos na eterna CONTRADIÇÃO entre PRODUTIVIDADE E DESTRUIÇÃO, DOMINAÇÃO E PROGRESSO, PRAZER E INFELICIDADE. Não houve a síntese libertadora de uma sociedade livre e feliz. (SOUZA, 2009, p. 3). FONTE: Disponível em: <WWW.meme.yahoo. com>. Acesso em: 24 mar. 2010. TÓPICO 2 | NATUREZA, ESTRATÉGIAS, PARTICULARIDADES E IMPLICAÇÕES DO TRABALHO DO ASSISTENTE SOCIAL 133 uma vez que não há palavras vazias de conteúdo, tampouco isentas de um significado ideológico e, sobretudo, Não há ideologia inocente [...] porque a razão mesma não é nem pode ser algo que brota acima do desenvolvimento social, algo neutro ou imparcial, senão que reflete sempre o caráter racional (ou irracional) concreto de uma situação social, de uma tendência do desenvolvimento, dando-lhe claridade conceitual e, portanto, impulsionando-a e entorpecendo-a. (LUKÁCS, 1968b, p. 5). Adotando uma determinada maneira de conhecer a razão, vemos que ela é por si só determinante, não da realidade, mas de uma forma de apreensão e compreensão do real. É a via que (re)estabelece a unidade entre o sujeito que conhece e o objeto a ser conhecido. Esta concepção supõe uma unidade entre sujeito/objeto, que não se confunde com identidade, uma vez que a realidade é sempre mais rica de determinações que a capacidade do sujeito de apanhá-las. Mas este, dadas as possibilidades da razão, é capaz de (re)figurar, pela via do pensamento, a processualidade da realidade. A RAZÃO é o que dá inteligibilidade aos fatos e estes constituem- se nos seus fundamentos, ao mesmo tempo em que os fatos são constituídos, constitutivos e constituintes de relações racionais que obedecem aos princípios de causalidade e contradição. O procedimento da razão é o “vir a ser”. Ela é uma condição ou momento do pensamento que busca apreender a realidade como movimento e por isso tem que caminhar de abstrações mais simples, dadas pelo intelecto, no sentido de determiná-las por meio das mediações que vinculam os fatos a determinados processos, saturados de determinações. Atinge seu ápice ao encontrar o substrato material, que é a realidade. O conhecimento pela via da razão opõe-se ao conhecimento imediato; pressupõe a síntese de elementos contraditórios, numa relação de continuidade e rupturas, mas que mantém um núcleo imanente, sua essência ou substância. A razão porta em seu interior não apenas as possibilidades de apreender as condições objetivamente dadas, como de estabelecer relações, (re)conhecer, (re)construir. A razão, entendida de forma “INCLUSIVA”, incorpora tanto os elementos do senso comum, necessários às ações cotidianas, como aqueles fornecidos pelos procedimentos que o intelecto realiza, superando-o. Ela apanha as conexões causais da realidade na própria PRÁXIS que, ao engendrar novas conexões na realidade, permite a (re)figuração da realidade pelo pensamento. É na ação que a razão encontra sua orientação e o seu caminho. (cf. LUKÁCS, 1989, p. 35). UNIDADE 2 | A AÇÃO PROFISSIONAL E O PROCESSO INTERVENTIVO DO ASSISTENTE SOCIAL NO COTIDIANO 134 A “racionalidade”, ENQUANTO UMA PROPRIEDADE DA RAZÃO, vincula-se às formas de concebê-la; por isso, tem na razão o seu fundamento de determinação, que é expressão da própria realidade. A racionalidade dada pela razão dialética é síntese de procedimentos ativos e intelectivos e torna-se um adjetivo da razão que desaliena, desmistifica, nega o dado na sua aparência e é capaz de engendrar ações que ultrapassem a dimensão manipulatória e instrumental. Enquanto CATEGORIA INTELECTIVA, a “racionalidade” contempla um nível de generalidade tal que nos possibilita captar a UNIDADE OBJETIVA dos processos sociais, remetê-los aos marcos do sistema capitalista, apanhar tanto as determinações que se matem quanto aquelas que se transformam, as conversões, condições e possibilidades contidas nos processos sociais. Mais ainda, por ser uma categoria ontológica, a racionalidade incorpora o nosso objeto de estudo – a instrumentalidade da intervenção profissional do assistente social –, é construída no seu movimento, medeia-o, articula-se a ele, expressa sua lógica de constituição. As concepções referentes à razão, e com ela seus atributos, vêm recebendo distintivos tratamentos no decorrer da trajetória histórica da humanidade, pelas diferentes correntes do pensamento filosófico. A essas concepções vinculam- se diferentes modos de inteligir a relação sujeito/objeto no processo do conhecimento, bem como diversas formas de conceber história e liberdade. Assim, vemos que a filosofia não se aliena dos problemas concernentes ao progresso, ao desenvolvimento das forças produtivas, ao desenvolvimento social e à luta de classes. (cf. LUKÁCS, 1968, p. 3). Urge, pois, situar no contexto sociopolítico e cultural, em que surgem as duas pilastras que sustentam o pensamento filosófico da modernidade: o sistema ético- filosófico kantiano e a filosofia especulativa de Hegel. Nossa escolha se fundamenta em duas ordens de razões. A primeira, para torná-las como representativas das polêmicas sobre as condições de possibilidades da razão antropocêntrica que se estabelece entre racionalistas e empiristas e dos esforços epistemológicos e ontológicos atribuídosà temática. A segunda, por representarem a oposição mais significativa no combate ao pensamento formalizador das vertentes positivistas. FONTE: Guerra, 2009, p. 42-45 DICAS Para aprofundamento destes temas, sugiro que você leia o Tópico 2 “Matrizes fundantes das concepções da razão moderna – continuidades e rupturas” (p. 45- 54) e o tópico “O racionalismo no século XX” (p. 54-100), além de toda a Unidade II – “Racionalidade do Capitalismo e Serviço Social ” (p. 101 a 184), do livro: GUERRA, Yolanda. A instrumentalidade do Serviço Social . 7. ed. São Paulo: Cortez, 2009. 135 RESUMO DO TÓPICO 2 Neste tópico estudamos a competência relacional e a racionalidade enquanto razão dialética na aplicabilidade do instrumental técnico-operativo do serviço social , no qual foram abordados os seguintes itens: • Como se processa a competência relacional do assistente social no seu cotidiano profissional. • O assistente social deve ter uma gama de habilidades e competências profissionais, para assim desenvolver sua prática profissional com objetividade, eficácia e eficiência. • A competência relacional é o eixo gerador de todo o processo de trabalho do assistente social. • As diversas concepções históricas da racionalização da prática da assistência social, ou seja, as diversas concepções referentes à prática profissional do assistente social. • Como se processa a racionalidade instrumental. • A priori, a racionalidade significa tornar reflexivo, empregar o raciocínio para resolver problemas. • Estudamos que a racionalidade é uma operação mental complexa que consiste em estabelecer relações entre elementos e dados. • O significado de “racionalidade” é associado à nossa capacidade de discernir propriedades, estabelecer relações e construir argumentos para apresentar e defender nossas crenças. • A racionalidade instrumental é a faculdade subjetiva do pensar, que é a razão, ou seja, é a faculdade que julga, discerne, compara, relaciona, calcula, ordena e coordena os meios com os fins. Esta faculdade tornou-se, em sua evolução, um instrumento formal. • Max Weber entende a racionalização como uma “regularização da ação humana” na busca de certos fins específicos. • Fizemos uma revisão teórica sobre a problemática do conhecimento científico e não científico. • A racionalidade instrumental só ganhou valor e significação com os protestantes. • Foi graças à ética protestante que a racionalidade tornou-se universal, impulsionando o capitalismo. • A razão pode ser subjetiva (interior) ou objetiva (exterior). • A grande consequência da racionalidade instrumental foi a perda da autonomia do indivíduo. 136 AUTOATIVIDADE 1 Pesquise a diferença entre racionalidade e razão. 2 Como você correlaciona a competência relacional do assistente social em sua prática profissional? 3 Quais as diferenças entre o conhecimento científico e o não científico? 4 Como você vê a racionalidade instrumental em sua profissão? 137 TÓPICO 3 IMPASSES DA PROFISSÃO NA APLICABILIDADE DOS INSTRUMENTOS UNIDADE 2 1 INTRODUÇÃO A trajetória do serviço social no Brasil já é um fator conhecido por nós, pois, como vimos anteriormente, a profissão nasce dentro das normas da Igreja Católica, cresce subordinada às obrigações do Estado. A partir das décadas de 70 e 80 começa a refletir sobre as suas práticas, procurando bibliografias para embasar sua intervenção. A primeira reflexão necessária para o profissional eram as questões que envolvem o trabalho, não só como forma de sustento da família, mas também como a alienação do trabalhador diante do valor de seu trabalho e o valor da mercadoria. Muitos trabalhadores pensam que esta alienação não existe, porém, quando passamos a refletir sobre estas questões, vimos que esta é uma etapa para a reprodução do capital, pois quanto menos o trabalhador pensa ou sabe, menos o trabalhador exige. Neste contexto passamos de forma breve sobre alguns pontos necessários para começar o processo de reflexão, pois repensar o capital, o trabalho, a mercadoria, a alienação do trabalhador não é uma tarefa fácil. “Do rio que tudo arrasta, diz-se que é violento. Mas ninguém chama de violentas as margens que o comprimem.” Bertolt Brecht 2 O PROCESSO DE PRODUÇÃO E REPRODUÇÃO SOCIAL Você sabe o que é o capital? É a relação social determinante que dá a dinâmica e a inteligibilidade de todo o processo da vida social. (IAMAMOTO; CARVALHO, 2009, p. 30). http://www.pensador.info/frase/NDI2MQ/ 138 UNIDADE 2 | A AÇÃO PROFISSIONAL E O PROCESSO INTERVENTIVO DO ASSISTENTE SOCIAL NO COTIDIANO Capital é um fator de produção que representa o poder ou a capacidade de ser transformado ou transformar algo de maneira produtiva. Não representa um produto ou serviço no presente, mas a capacidade de produzi-lo ao longo do tempo. Seu conceito está ligado com o de investimento, por existir um custo de oportunidade de seu uso ou não uso no tempo. O capital é um estoque que pode ser convertido em fluxo de riquezas. (WIKIPEDIA, 2010, p. 1). O que faz o capital para a sociedade capitalista? Na sociedade capitalista é o CAPITAL que determina a relação social de produção, nos mostram Iamamoto e Carvalho (2009), pois corresponde a todo processo histórico de um determinado lugar. Os meios de produção são construídos e produzidos através do capital, que é identificado pela forma material, assim os meios de produção e de vida, expressos no dinheiro, mostram e mascaram as divergências entre as classes sociais diferentes. [...] após sua transformação nos fatores do processo de trabalho – em meios de produção, capital constante – e em capacidade de trabalho – em que se converteu o capital variável –, a soma de dinheiro ou de valor adiantado somente em si, só potencialmente é capital; e o é somente antes de sua transformação nos fatores do processo real da produção. Tão somente, dentro do mesmo, graças à incorporação real do trabalho vivo nas formas objetivas de existência do capital; tão somente, por força da absorção real do trabalho adicional é que, não só esse trabalho se transforma em capital, mas a soma de valor adiantado se transforma de capital possível, segundo sua determinação, em capital real e atuante. Neste processo total o operário vendeu a disponibilidade sobre a sua força de trabalho, para conseguir os meios necessários de subsistência, por um valor dado, determinado pelo valor de sua força de trabalho. (MARX, 2010, p. 1). As mercadorias têm incutidos os valores da quantidade de tempo humano que levou para serem construídas. Assim, toda mercadoria tem seu valor atribuído a um valor de uso, um valor de troca e um valor social, porém esta relação social está mascarada atrás dos outros dois valores. NOTA Podemos então falar da mais-valia, que é o valor excedente que a mercadoria recebe ao final da produção, isto é, o valor a mais que é agregado ao produto, assim o valor de troca tem um valor muito maior que o de uso, ou, na sua grande maioria, o valor de uso nem existe. (IAMAMOTO; CARVALHO, 2009). TÓPICO 3 | IMPASSES DA PROFISSÃO NA APLICABILIDADE DOS INSTRUMENTOS 139 Quem vende a força de trabalho? Assim, para a pessoa sobreviver, é obrigada a vender sua força de trabalho, pois “o capital supõe o trabalho assalariado e este, o capital”, colocam Iamamoto e Carvalho (2009, p. 36), e desta forma produz e reproduz o capital: [...] ao trabalhador, como propriedade alheia monopolizada por uma parte da sociedade – a classe capitalista – não lhe resta outra alternativa, senão vender parte de si mesmo em troca equivalente aos meios necessários para sua subsistência e de sua família, expressos através da forma do salário. A condição histórica para o surgimento do capital e o pressuposto essencial para a transformação do dinheiro em capital é a existência no mercado da força de trabalho como mercadoria. (IAMAMOTO; CARVALHO, 2009, p. 39). Muito bem colocado por Iamamoto e Carvalho(2010) em seu resumo sobreRelações Sociais e serviço social no Brasil: Esboço de uma interpretação histórico-metodológica. Tendo o trabalho como potência que só se exterioriza em contato com os meios de produção, só sendo consumido, ele cria valor. O consumo dessa força de trabalho pertence ao capitalista, do mesmo modo que lhe pertencem os meios de produção. Onde o trabalhador sai do processo de produção da mesma maneira como entrou, como mera força de trabalho, como fonte pessoal de riqueza para outros e assim se verifica que até os seus meios de vida estão monopolizados também pela classe capitalista, onde os trabalhadores entregam diariamente o valor de uso de sua força de trabalho, gerando na classe trabalhadora uma antítese consigo mesma, os próprios meios de sua dominação, é a sua condição de sobrevivência. Assim o trabalhador sai da atividade produtiva com o desgaste de sua força de trabalho, o valor de uso de sua força de trabalho. O contrário acontece com o capital que, ao sair do processo produtivo, se transformou em capital real, tem um valor que se valoriza a si mesmo. Neste contexto, o trabalho vivo somente tem um valor mediante sua necessidade de absorção nos meios de produção, pois é o trabalho vivo que mantém e aumenta o valor de troca do trabalho acumulado, pontuam Iamamoto e Carvalho (2009). NOTA Trabalho vivo é o trabalho executado pelo trabalhador, assim como o trabalho morto é executado pelas máquinas, e o trabalho acumulado é a mais-valia. 140 UNIDADE 2 | A AÇÃO PROFISSIONAL E O PROCESSO INTERVENTIVO DO ASSISTENTE SOCIAL NO COTIDIANO O trabalhador produz riqueza? Podemos dizer então que é o trabalhador que produz a riqueza, pois o resultado de sua jornada de trabalho são as mercadorias, que não revertem em riqueza para o trabalhador e, sim, vendidas no mercado, deixam ricos os proprietários. O trabalhador no final de sua jornada recebe o salário, que nada mais é do que o preço da força de trabalho, jamais podendo ser considerado que o salário é o preço do trabalho, pois este não é uma mercadoria. O salário é o preço da força de trabalho, em que se traduz o capital variável do capitalismo. Mas o valor da força do trabalho é diferente do seu rendimento, quando colocada em ação, torna-se uma magnitude variável, a força de trabalho em realização é um mesmo processo de valorização que não só transfere o valor dos meios e produção ao produto, mas repõe o valor do capital variável e cria novo valor. (IAMAMOTO; CARVALHO, 2009, p. 48). Os autores colocam que o salário esconde as desigualdades existentes entre o tempo usado para executar um serviço e o tempo pago pelo serviço executado, mostrando que o lucro está em o trabalhador fazer a maior quantidade de serviço pelo menor preço, ou melhor, no menor tempo, pois é neste momento que aparece o lucro do proprietário, que fica camuflado nestas relações de tempo e preço. NOTA O trabalho não tem um preço, pois não é uma mercadoria, que, de acordo com Iamamoto e Carvalho (2009), para o trabalho ser uma mercadoria, o trabalhador deveria mostrá-lo antes de vendê-lo, o que é impossível, pois, assim que se coloca o trabalho em ação, ele deixa de pertencer ao trabalhador e passa a ser do proprietário. 3 O SERVIÇO SOCIAL NO PROCESSO DE PRODUÇÃO E REPRODUÇÃO SOCIAL O que faz o serviço social na reprodução das relações sociais? Assim, na reprodução das relações sociais está a reprodução da totalidade do processo social, momento em que o profissional de serviço social configura seu tipo de especialização, sua prática no conhecimento do trabalho coletivo no contexto da divisão social do trabalho. TÓPICO 3 | IMPASSES DA PROFISSÃO NA APLICABILIDADE DOS INSTRUMENTOS 141 NOTA Para entendermos a reprodução das relações sociais comentada por Iamamoto e Carvalho (2009), temos que ter claro que a reprodução é mais que a questão econômica: é toda uma reprodução cultural, política, religiosa, educacional. Podemos dizer, então, que o trabalhador saudável e forte cria e recria a riqueza através do seu trabalho, porém, quando já não produz o excedente, devem ser verificadas as condições mínimas para este trabalhador retornar à produção anterior. O serviço social nasce e cresce dentro de uma trajetória histórica para atender as demandas do capital ou do trabalho, nos mostram Iamamoto e Carvalho (2009); para tanto este profissional tem uma atuação mediadora e interventiva. Com o desenvolvimento industrial o serviço social cada vez mais se desenvolvia enquanto profissão, por causa das “novas classes sociais emergentes”, assim as questões sociais se tornam a justificativa de trabalho para o profissional de serviço social , pontuam Iamamoto e Carvalho (2009, p. 77). A questão social é a expressão do processo de formação e desenvolvimento da classe operária e de seu ingresso no cenário político da sociedade, exigindo seu reconhecimento como classe por parte da empresa e do Estado. (IAMAMOTO; CARVALHO, 2009, p. 77). Aqui cabe relembrar que as questões sociais aparecem no momento em que o trabalho escravo sai e começa o trabalho denominado livre, assim foram aparecendo demandas que até então eram inexistentes. A relação trabalho x capital ficava cada vez mais longe da compreensão, assim aparecem os movimentos que procuram refletir sobre toda a complexidade das questões que estavam por detrás da aparência. Aqueles movimentos refletem e são elementos dinâmicos das profundas transformações que alteram o perfil da sociedade a partir da progressiva consolidação de um polo industrial, englobando-se no conjunto de problemas que se colocam para a sociedade naquela altura, exigindo profundas modificações na composição de forças dentro do Estado e no relacionamento deste com as classes sociais. (IAMAMOTO; CARVALHO, 2009, p. 126). Diante da complexidade das reflexões e a falta de bibliografias que dessem suporte à prática, os profissionais de serviço social se dividiram em dois grupos distintos: os conservadores e os progressistas, conforme Silva (2008). 142 UNIDADE 2 | A AÇÃO PROFISSIONAL E O PROCESSO INTERVENTIVO DO ASSISTENTE SOCIAL NO COTIDIANO O resultado desta divisão foi vários enfrentamentos de profissionais que defendiam um lado ou outro, sem conseguir mediar os próprios conflitos, porém, destes enfrentamentos surgiram outras reflexões que lançaram um novo olhar sobre a sociedade e seus conflitos. Somente a partir da década de 30, depois da Guerra, que o Estado incorporou muito timidamente sua responsabilidade diante das questões sociais, na tentativa de garantir um mínimo à sociedade, assim como a Igreja, a partir de então, passa somente a cuidar dos males da alma. Esse direito deverá independentemente da ação do Estado, integrar os indivíduos dentro de uma ordem comunitária em que capital e trabalho, consumidor e fornecedor, terão sua apetitividade pautada através do lucro e salário justos, a fim de atender as necessidades materiais e espirituais da sociedade. A economia, o livre jogo do mercado, deve se submeter ao direito para a preservação do bem comum. (IAMAMOTO; CARVALHO, 2009, p. 272). O direito do trabalhador foi, na época, o mínimo a ser garantido para continuar a ter a mão de obra numa reprodução de capital, assim o Estado intervém contra a escravidão, ou melhor, a forma escrava com que alguns trabalhadores são tratados, para o mercado continuar no seu processo de lucros. LEITURA COMPLEMENTAR TRABALHO E RIQUEZA Armando Medeiros Dizia Marx que o trabalho é o pai e a natureza é a mãe de toda a riqueza. Mas nas sociedades divididas em classes, o trabalho empobrece e brutaliza o trabalhador e enobrece aquele que menos trabalha ou que não trabalha de forma nenhuma. Suponhamos dois senhores de escravos que possuam a mesma quantidade de escravos, os quais têm jornadas e produtividades de trabalho iguais; os dois senhores de escravos têm a mesma quantidade de terras e a mesma área cultivada. A terra de um deles é mais fértil do que a terra do outro.Nestas condições, ao final de um ano, qual dos senhores terá maior produção? O senhor que tem o solo mais fértil. Antes que a sociedade se dividisse em classes, ‘tudo’ era de todos e ninguém era de ninguém. Com a introdução da agricultura, a produtividade do trabalho aumentou, havendo a produção de excedente, o que permitiu a divisão do trabalho e, posteriormente, a troca. Surgiu a família e a propriedade privada. Já nessa fase, alguns homens passaram a ser propriedade de outros e nem tudo era de todos. Os TÓPICO 3 | IMPASSES DA PROFISSÃO NA APLICABILIDADE DOS INSTRUMENTOS 143 trabalhadores, os instrumentos de produção e os produtos do trabalho pertenciam aos senhores de escravos. Devido à baixa produtividade do trabalho, quanto mais escravos tivesse um senhor, mais rico ele seria, tanto porque sua produção seria maior quanto pelo fato de o escravo ser um bem. No Feudalismo, o senhor feudal tinha sua propriedade fundiária e a propriedade comunal. Em troca de segurança, o servo trabalhava para o senhor feudal. Era a corveia. No capitalismo, o burguês é dono dos meios de produção, de parte do tempo de trabalho dos trabalhadores e dos produtos do trabalho. Devido à alta produtividade do trabalho, em razão da quantidade de trabalho morto acumulado, isto é, em razão do capital, quanto menos trabalhador um burguês tiver, melhor para ele e pior para o sistema capitalista como um todo, pois quanto menor o número de trabalho vivo, menor a taxa de lucro, mas, em compensação, quanto maior a quantidade de trabalho morto, isto é, quanto maior a composição técnica do capital, maior a massa de lucro. Assim, os capitalistas preferem investir mais em capital constante e dispensar trabalhadores, aumentando a produtividade do trabalho, o que lhes permite fabricar uma mercadoria em menos tempo do que seus concorrentes e permitindo-lhe vender mais barato do que eles. As relações burguesas de produção ocultam a exploração do trabalhador, pelo fato de, na produção burguesa, a divisão do trabalho ser atômica, não molecular, como nos demais modos de produção pré-capitalistas, onde cada trabalhador produzia, por exemplo, um par de sapatos completo, do qual era expropriado. No capitalismo a expropriação do trabalhador não é tão visível, visto que ele não produz uma mercadoria completa, mas apenas um elemento da mercadoria. A divisão atômica do trabalho fez aumentar enormemente a produtividade do trabalho e a produção. Inicialmente a burguesia tentou justificar sua riqueza afirmando que ela era produto do seu trabalho. Adam Smith refutou essa ideia: O lucro ou ganho do capital é absolutamente diverso do salário do trabalho. A diferença revela-se de duas formas: primeiramente, os lucros do capital são inteiramente regulados pelo valor dos recursos empregados, embora o trabalho de vistoria e de direção possa ser idêntico para diferentes quantias de capital. Ademais, nas grandes fábricas, todo o trabalho é creditado a algum empregado principal, cuja remuneração não está relacionada ao capital cuja gestão gerencia. Apesar de o trabalho do proprietário ficar nesse caso diminuído a quase nada, ele ainda exige lucros proporcionais ao seu capital. Por que o capitalista determina essa proporção entre o lucro e o capital? Ele não teria empenho em dar emprego aos trabalhadores, a não ser que esperasse da venda de seu trabalho algo mais do que o que é necessário para reembolsar os recursos por ele antecipados como salários, e não teria interesse em empregar uma grande soma, de preferência uma pequena soma, de recursos se o seu lucro não estivesse proporcional ao volume dos recursos aplicados. Assim, primeiramente, o capitalista alcança um lucro sobre os salários e, em seguida, sobre as matérias-primas que ele adianta. 144 UNIDADE 2 | A AÇÃO PROFISSIONAL E O PROCESSO INTERVENTIVO DO ASSISTENTE SOCIAL NO COTIDIANO Se o trabalho próprio fosse a fonte da riqueza do capitalista, o trabalhador também seria rico, pois trabalha tanto quanto ou até mais do que o capitalista, isto quando o capitalista trabalha. Superada essa discussão, o capitalista tentou justificar sua riqueza afirmando que ela era fruto do seu sacrifício. Coube a Marx demonstrar que a burguesia estava agindo como um cão que persegue o próprio rabo. De acordo com Karl Marx: [...] a acumulação do capital pressupõe a mais-valia, a mais-valia a produção capitalista, e esta a existência de grandes quantidades de capital e de força de trabalho nas mãos dos produtores de mercadorias. Todo esse movimento tem assim a aparência de um círculo vicioso do qual só poderemos escapar admitindo uma acumulação primitiva, anterior à acumulação capitalista (‘previous accumulation’, segundo Adam Smith), uma acumulação que não decorre do modo capitalista de produção, mas é o seu ponto de partida. Essa acumulação primitiva desempenha na economia política um papel análogo ao do pecado original na teologia. Adão mordeu a maçã e, por isso, o pecado contaminou a humanidade inteira. ... A lenda teológica nos conta que o homem foi condenado a comer o pão com o suor de seu rosto. Mas a lenda econômica nos explica o motivo por que existem pessoas que escapam a esse mandamento divino. Aconteceu que uma elite foi acumulando riquezas, e a população vadia ficou finalmente sem ter outra coisa para vender além da própria pele. Temos aí o pecado original da economia. A essa visão idílica, Marx contrapõe “o grande papel desempenhado na verdadeira história pela conquista, pela escravização, pela rapina e pelo assassinato, em suma, pela violência”. Diz que “a expropriação do produtor rural, do camponês, que fica assim privado de suas terras, constitui a base de todo o processo” na Europa Ocidental. Mas a “marcha lenta do período infantil do capitalismo não se coadunava com as necessidades do novo mercado mundial criado pelas grandes descobertas dos fins do século XV”. Portanto, não foi o suor do rosto da burguesia, mas o suor do rosto alheio a fonte de sua riqueza primitiva. Superada essa nova discussão, a burguesia tentou demonstrar que sua riqueza era oriunda não dos trabalhadores, mas dos consumidores, que a sua riqueza era originada do comércio, não da produção. Marx puxou-lhes o tapete alegando e provando que o lucro é extraído na produção e apenas realizado na circulação de mercadoria. FONTE: MEDEIROS, Armando. Disponível em: <www.midiaindependente.org/pt/.../445611. shtml>. Acesso em: 27 mar. 2010. TÓPICO 3 | IMPASSES DA PROFISSÃO NA APLICABILIDADE DOS INSTRUMENTOS 145 DICAS Para aprofundamento destes temas, sugiro que você leia e assista: Filme: As irmãs de Magdalene, de Peter Mullian Conta a história, a partir do relato de quatro mulheres, da brutalidade praticada em conventos irlandeses por uma ordem religiosa. Artigo: Notas de reconstrução da história do serviço social na Região Sul I, na Revista serviço social & Sociedade, n. 95, 2008. Artigo: serviço social e estratégias, saúde da família: contribuição ao debate, na Revista serviço social & Sociedade, n. 98, 2009. 146 RESUMO DO TÓPICO 3 Neste tópico estudamos a relação trabalho e sociedade, e foram abordados os seguintes itens: • O capital como determinante da relação social de produção. • As mercadorias têm incutidos os valores da quantidade de tempo humano que levou para serem construídas. • A emersão do serviço social por causa das novas demandas. 147 1 Diante do que vimos neste tópico, de que forma você descreve o trabalho? 2 Qual era a intenção dos movimentos sociais na época de seu aparecimento? Existe alguma diferença com os dias atuais? 3 Complete as lacunas da sentença a seguir: As __________ sociais aparecem no momento em que o trabalho __________ sai e começa o trabalho denominado __________, assim foram aparecendo __________ que até então eram __________. I – questões – escravo – livre – demandas – inexistentes. II – relações – digno – registrado – oportunidades – aparentes. III – práticas – animal– humano – doenças – mínimas. a) ( ) A opção correta é a III. b) ( ) A opção correta é a II. c) ( ) A opção correta é a I. AUTOATIVIDADE 148 149 UNIDADE 3 A APLICABILIDADE DOS INSTRUMENTOS E TÉCNICAS NO EXERCÍCIO PROFISSIONAL OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM PLANO DE ESTUDOS A partir desta unidade você será capaz de: • compreender a diferença e importância da teoria versus a prática profis- sional do assistente social; • entender quais são os métodos e metodologias aplicados na práxis profis- sional do serviço social; • identificar a aplicabilidade dos instrumentos e técnicas no exercício profis- sional do assistente social. A Unidade 3 está dividida em três tópicos e, ao final de cada um deles, você terá a oportunidade de fixar seus conhecimentos realizando as atividades propostas. TÓPICO 1 – TEORIA E PRÁTICA, MÉTODO E METODOLOGIAS TÓPICO 2 – O MANEJO DO INSTRUMENTAL TÉCNICO-OPERATIVO DO ASSISTENTE SOCIAL TÓPICO 3 – OUTRAS CARACTERÍSTICAS INSTRUMENTAIS DA AÇÃO PROFISSIONAL DO ASSISTENTE SOCIAL 150 151 TÓPICO 1 TEORIA E PRÁTICA, MÉTODO E METODOLOGIAS UNIDADE 3 1 INTRODUÇÃO Neste tópico discutiremos a polêmica discussão relativa à teoria versus a prática profissional, além de abordarmos a questão do método e das metodologias empregadas pelos assistentes sociais no seu dia a dia da práxis profissional. “A vida consiste de três fases: vinte anos para aprender, vinte anos para lutar e vinte anos para atingir a sabedoria”. (Provérbio chinês) 2 TEORIA VERSUS PRÁTICA Iniciaremos esta discussão referente à teoria versus a prática fazendo uma reflexão sobre a seguinte história: Certo dia, um discípulo perguntou ao mestre: “Quanto tempo vou levar para me tornar um sábio?” O mestre respondeu: “Cerca de dez anos”. Inconformado, o discípulo insistiu: “Mas eu vou estudar todos os dias e gastar cada minuto de meu tempo lendo e pesquisando pergaminhos e escrituras”. O mestre disse: “Bem, nesse caso você vai levar uns vinte anos”. (BARROS, 2010). Esta história, segundo Barros (2010), nos chama a atenção para a importância de colocarmos os conhecimentos em prática. Para o discípulo, tudo era uma questão de se aprofundar na teoria, de acumular informações, de mergulhar nos livros e nos estudos. Nem uma única vez ele mencionou a prática, o desejo de colocar em ação tudo o que se dispunha a aprender. UNIDADE 3 | A APLICABILIDADE DOS INSTRUMENTOS E TÉCNICAS NO EXERCÍCIO PROFISSIONAL 152 De nada adianta transformar-se em uma enciclopédia ambulante e não ser capaz de concretizar uma única ideia, de usar seu conhecimento para modificar, para melhorar a realidade à sua volta. (BARROS, 2010). ATENCAO Lembre-se: “não existe empreendedor teórico. QUEM SABE, FAZ. E quem não sabe, aprende fazendo.” (BARROS, 2010, grifo nosso). Ou seja, não existe assistente social, psicólogo, pedagogo, engenheiro, administrador só com as bases teóricas, pois é no seu dia a dia que se constitui como tal, é no fazer profissional técnico-operativo e ético-político, conjuntamente com seu cabedal teórico-metodológico, que o profissional se especializa e se torna profissional. Segundo Lima (2010, grifo nosso): A tradição acadêmica é sustentada por um rígido conjunto de valores teóricos predefinidos. Esses valores não são explicitamente divulgados aos recém-chegados, mas são apreendidos através da sua experiência ao longo dos anos, de tal modo que é vulgar dizer “a práxis não se explica, vive-se”. Mas será que essa TEORIA se torna uma PRÁTICA? A sociedade atual vive uma grave crise de valores... Por um lado, NÃO EXISTEM atualmente CRITÉRIOS SEGUROS para distinguir o justo do injusto, o bem do mal, o belo do feio. Por outro lado, também não existem valores fortes, tudo depende das circunstâncias e dos interesses em jogo. Enfim, é tudo relativo, todos os meios justificam os fins. A práxis não fica imune a esta crise de valores, uma vez que, como alguns a consideram, é um “reflexo da sociedade”... A práxis perpetua VALORES tais como a solidariedade, amizade, união, respeito pela hierarquia e pela tradição, mas, acima de tudo, amor pela “capa e batina”... valores que são fruto da vivência do dia a dia. Contudo, nestes últimos anos, estes valores sofreram um profundo e acentuado desgaste, fruto do individualismo excessivo e egoísta de certos praxistas, mas também da sua desmedida sede de poder e de protagonismo. Não vou aqui generalizar, e tomar o todo pelas partes, não me parece sensato ou mesmo correto, embora seja fácil fazê-lo, porque a “parte” não é assim tão pequena e porque o todo também não é assim tão grande. A realidade é que muitos são os acadêmicos que utilizam a práxis apenas como veículo de afirmação social. TÓPICO 1 | TEORIA E PRÁTICA, MÉTODO E METODOLOGIAS 153 A solidariedade é cada vez mais apenas uma utopia em práxis, embora muitos o tentem negar. Cada vez mais acadêmicos optam por uma posição egoísta em práxis, em que o “eu” predomina sobre o “nós”, e este último somente é usado segundo os interesses que se colocam por cima da mesa (ou até mesmo por baixo). Assim como também não podemos dizer que exista união, se o “nós” é negligenciado, deixa pura e simplesmente de existir como tal, uma vez que ninguém se preocupa com ele. Também não podemos falar em respeito no sentido amplo da palavra, uma vez que muitos acadêmicos apenas se lembram de o pedir e esquecem-se de o dar. Não existe verdadeira amizade, mas apenas uma amizade aparente, que se edifica para reforçar ligações de poder e de força... Nada é espontâneo ou verdadeiramente sentido, tudo é cuidadosamente planeado para que o “eu” e a vontade do “eu” não seja contrariada... A finalidade de um gesto sobrepõe-se ao puro e simples ato de agir. A práxis, contrariamente àquilo que alguns afirmam, não é feita apenas pela elite dos mais fortes, mas também pela elite dos mais falsos, dos mais prepotentes, dos mais egoístas, dos mais arrogantes. A práxis, e engana-se quem pensa o contrário, VIVE DA SUA TEORIA, mas ensina a sua prática, que em nada reflete os valores inerentes às tradições acadêmicas. Teoria e prática são dois conceitos que deviam ser dependentes um do outro, mas que, com o passar do tempo, infelizmente, cada vez mais se afastam. Muitos preferem responsabilizar a sociedade e a crise de valores em que ela está mergulhada, mas a verdadeira culpa é das pessoas que a fazem e que, inertes, preferem seguir a maré de cabeça baixa, porque não têm força suficiente de lutar contra ela de cabeça levantada, ou porque, talvez, como própria experiência, são imediatamente esmagados. O que podemos entender como TEORIA? Segundo Ferreira (2008, p. 771), entende-se por teoria: 1) Conhecimento especulativo, meramente racional. 2) Conjunto de princípios fundamentais duma arte ou duma ciência. 3) Doutrina ou sistema fundado nesses princípios. 4) Hipótese, suposição. Ou seja, aqui podemos compreender a teoria como sendo um CONJUNTO DE PRINCÍPIOS QUE FUNDAMENTAM O AGIR PROFISSIONAL DO assistente social. UNIDADE 3 | A APLICABILIDADE DOS INSTRUMENTOS E TÉCNICAS NO EXERCÍCIO PROFISSIONAL 154 Neste sentido, Kant (2008) diz que se chama TEORIA um conjunto de regras práticas que são pensadas como princípios numa certa universalidade, e aí se abstraem de um grande número de condições as quais, no entanto, têm necessariamente influência sobre a sua aplicação. Assim, vejamos o que Pereira (2010, grifo nosso) tem a nos dizer referente à questão da teoria: De uma forma geral e abrangente, a teoria pode ser compreendida sob a perspectiva da ETIMOLOGIA DA PALAVRA nos dicionários. Para o pensamento clássico, teorizar significa quase que somente abstrair, e, para compreender teoria, é preciso considerar a lógica e a metafísica. A Ciência Moderna (e seu método) pode ser compreendida em quatro etapas (observação, hipótese, experimentação e lei); faz, também, uma distinção entre indução (visão do particular para o geral) e dedução (do geral para o particular),análise (decomposição de um todo em suas partes) e síntese (reconstituição do todo decomposto). Na essência, segundo Pereira (2010), para entender o que é teoria em um plano mais amplo, é preciso compreender várias questões afins (experiência, natureza, objeto, visão total da realidade, presença do homem...) que nem a Ciência Clássica e nem a Ciência Moderna são totalmente capazes de abordar. A primeira exagerou o lado da teoria da realidade como abstração, esquecendo a síntese (que liga pensamento e realidade), e a segunda se prendeu demais à experimentação do objeto concreto. A autora discorre, ainda, sobre a teoria nas ciências empírico- formais (física, química, biologia), ciências formais (matemática) e ciências humanas e enfatiza que, para falar em teoria, é necessário focalizar aquele significado cultural básico da ação. Esta relação implica dependência da teoria com referência à prática, dependência de fundamentação. Destarte, prática e teoria não podem ser separadas, pois se incorreria no vício idealista (priorizando a teoria e dissociando-a da prática) ou no do praticismo (acentuando ou separando a prática em detrimento da teoria), o que levaria a um vício ainda maior: o do senso comum, que tende a menosprezar a teoria e a simplificar a realidade, ou seja, ele, assim como os aspectos ideológicos, interfere no ato teórico. Então o que é realmente a PRÁTICA? Segundo Ferreira (2008, p. 647), entende-se por prática: TÓPICO 1 | TEORIA E PRÁTICA, MÉTODO E METODOLOGIAS 155 1) Ato ou efeito de praticar. 2) Uso, exercício. 3) Rotina, hábito. 4) Saber provindo da experiência. 5) Aplicação da teoria. 6) Discurso rápido; conferência. [...] De acordo com Kant (2008), denomina-se PRÁTICA não toda a operação, mas apenas a efetuação de um fim conseguida como adesão a certos princípios de conduta representados na sua generalidade. Neste sentido, podemos dizer que a PRÁTICA PROFISSIONAL do assistente social se processa no decorrer do seu exercício profissional, ou seja, na aplicação direta do seu instrumental teórico-metodológico, ético-político e técnico-operativo. Então, para finalizar, podemos dizer que a TEORIA versus PRÁTICA nada mais é do que a construção de estratégias técnico-operativas para o exercício da profissão, ou seja, preencher o campo das mediações entre a base teórica já acumulada e a operatividade do trabalho profissional do assistente social. (IAMAMOTO, 2008). 3 MÉTODO E METODOLOGIA Segundo o Dicionário da Língua Portuguesa Aurélio (2008, p. 552), método e metodologia podem ser assim definidos: MÉTODO Procedimento organizado que conduz a um certo resultado. Processo ou técnica de ensino. Modo de agir, de proceder. Regularidade e coerência na ação. Tratado elementar. METODOLOGIA Conjunto de métodos, regras e postulados utilizados em determinada disciplina, e sua aplicação. Então, podemos dizer que a metodologia pode ser entendida como o estudo do método a ser aplicado em uma determinada realidade social, ou seja, a metodologia nada mais é do que as etapas e procedimentos para a realização de um procedimento, seja ele acadêmico ou profissional. Mas, qual a importância da metodologia? De acordo com Becker, Kestring e Silva (apud AMARAL, 2010, grifo nosso): UNIDADE 3 | A APLICABILIDADE DOS INSTRUMENTOS E TÉCNICAS NO EXERCÍCIO PROFISSIONAL 156 A metodologia é o estudo de métodos de como fazer e relatar os feitos em ciência. A explicação de sua importância já vem embutida na explicação do que ele é. No caso da METODOLOGIA DO TRABALHO CIENTÍFICO, quando se faz um trabalho, seja um artigo para um jornal, um paper, uma monografia para um curso, uma dissertação de mestrado, e se pretenda fazer um trabalho de comunicação científica, ou no caso da METODOLOGIA DE INTERVENÇÃO PROFISSIONAL, o que menos se espera é que tenha vindo de uma inspiração poética. Muito menos de digressões e opiniões sobre o que foi pesquisado ou experimentado. O QUE SE ESPERA numa metodologia, seja ela de trabalho científico ou de intervenção profissional, é: - que tenha um planejamento anterior; - que tenha um começo; - que tenha um meio; - que tenha um fim. Ou seja, tenha métodos de construção e que estes métodos sejam coerentes, conhecidos e explicitados. Vejamos o que significa cada um deles: 1) PLANEJAMENTO ANTERIOR – espera-se deste tipo de trabalho que, antes de ele ser escrito, ou colocado em prática, ele tenha sido planejado, tanto o modo como ele vai ser escrito, quanto o que ele vai dizer, ou seja, tanto sua forma quanto seu conteúdo. Pode ser que tanto um quanto outro mudem ao longo do caminho, mas supõe-se que ninguém parta do zero num caso deste. Pressupõe-se que: a) um assunto ou um problema social tenha sido escolhido, assim como seu enfoque e a profundidade com que vai ser abordado; b) que pesquisas sobre a realidade social ou para um levantamento bibliográfico tenham sido feitas. 2) COMEÇO – espera-se que, de posse do material pesquisado, uma introdução possa ser escrita, com suas subpartes: a) Apresentação do tema e justificação de sua escolha. Aqui o tema ou a realidade social é apresentada, de maneira clara, através de sua história, mas uma história que contemple o recorte dado ao tema pelo autor. TÓPICO 1 | TEORIA E PRÁTICA, MÉTODO E METODOLOGIAS 157 b) Questões específicas. Aqui você deve perguntar o que sua pesquisa deverá responder. São questões que deverão cercar sua principal questão, que é o item abaixo. Poderiam ser: - qual era a situação daquela determinada família? - qual era a visão dos vizinhos daquela família, com relação ao seu comportamento social? - qual a implicação social destas visões? c) Abordagem geral do problema. As questões específicas nos levam a pensar num panorama geral da realidade social do trabalho científico. Na realidade, embora nunca devamos perder a abordagem geral de vista, o trabalho se desenvolve através do estudo e análise das questões específicas. d) Hipóteses ou pressupostos. - A espinha dorsal de seu trabalho, o que seu trabalho quer aclarar ou até que ponto você poderá mediar a transformação daquela determinada realidade social. e) Variáveis e/ou fatores qualitativos de análise (trabalho experimental). f) Objetivos da pesquisa. g) Definição de termos. h) Metodologia da pesquisa ou do estudo. - tipo de pesquisa; - área de abrangência; - população e amostra; - passos da pesquisa; - instrumentos da coleta de dados; - tratamento de dados (trabalho experimental); - pesquisa teórica. 3) MEIO i) Desenvolvimento. - revisão de literatura ou plano teórico; - apresentação e análise de dados. 4) FIM j) Conclusões e sugestões. UNIDADE 3 | A APLICABILIDADE DOS INSTRUMENTOS E TÉCNICAS NO EXERCÍCIO PROFISSIONAL 158 Então, podemos compreender que a metodologia, com seus métodos de intervenção e atuação profissional, possibilitará ao assistente social um norte profissional para sua atuação junto à população usuária das políticas públicas e sociais. Além disso, cada metodologia deve levar em consideração a questão social a ser trabalhada e sua realidade cotidiana. E que cada instituição, seja pública ou privada, desenvolve metodologias específicas conforme sua cultura organizacional. LEITURA COMPLEMENTAR TEORIA E PRÁTICA, MÉTODO E METODOLOGIAS Charles Toniolo de Sousa Estudar a realidade social nunca foi tarefa fácil. Desde a Antiguidade, filósofos, cientistas e pensadores, de um modo geral, se debruçam sobre as diferentes formas de organização social, de modo a conhecê-las. Mas, além disso, o conhecimento é uma poderosa arma para qualquer proposta de mudança ou transformação dessa mesma realidade. Se atuar no e sobre o cotidiano das populações menos favorecidas é um componente fundamental do serviço social , é com vistas a transformações nesse cotidiano que a prática profissional deve se dirigir. Contudo, o cotidiano cria armadilhas às quais o assistente social deve estar atento. O profissional trabalha com situaçõessingulares, isto é, situações que, a princípio, podem parecer exclusivas daquele(s) sujeito(s) que está(ão) sendo o alvo da intervenção do assistente social. E nesse sentido, ele (o assistente social) até pode produzir um conhecimento prático dessa situação imediata que aparece no dia a dia do seu trabalho. Mas nem tudo que aparece é o que realmente é. Os seres humanos são seres essencialmente sociais, ou seja, vivem em uma determinada sociedade. E essa sociedade é uma totalidade. Nenhuma situação pode ser considerada apenas em sua singularidade, pois senão se corre o sério risco de se perder de vista a dimensão social da vida humana. Portanto, qualquer situação que chega ao serviço social deve ser analisada a partir de duas dimensões: a da singularidade e a da universalidade. Para tal, é necessário que o assistente social tenha um conhecimento teórico profundo sobre as relações sociais fundamentais de uma determinada sociedade (universalidade), e como elas se organizam naquele determinado momento histórico, para que possa superar essas “armadilhas” que o senso comum do cotidiano prega – e que muitas vezes mascaram as reais causas e determinações dos fenômenos sociais. É na relação entre a universalidade e a singularidade que se torna possível apreender as particularidades de uma determinada situação. TÓPICO 1 | TEORIA E PRÁTICA, MÉTODO E METODOLOGIAS 159 O que acabamos de afirmar nada mais é do que chamamos de método de investigação – e mais especificamente, de método dialético. Existem várias formas de se pesquisar a realidade. Se acreditarmos que os fenômenos sociais são fragmentados e ocorrem sem nenhuma relação com a totalidade social (isto é, ele se explica em si mesmo), estaremos adotando uma determinada postura política e teórica, e utilizando uma determinada forma de conhecer a realidade. Porém, essa forma tende a empobrecer esse conhecimento, pois considera os indivíduos como seres atomizados, e não como seres sociais. Todavia, o que se propõe hoje no âmbito do serviço social é justamente a produção de um conhecimento que rompa com a mera aparência e busque apreender o que está “por trás” dela, sua essência. Para isso, é fundamental que o profissional sempre mantenha uma postura crítica, questionadora, não se contentando com o que aparece a ele imediatamente. De posse desse conhecimento, o profissional pode planejar a sua ação com muito mais propriedade, visando à mudança dessa mesma realidade. Assim, no momento da execução da ação profissional, o assistente social constrói suas metodologias de ação, utilizando-se de instrumentos e técnicas de intervenção social. A diferença entre método de investigação e metodologias de ação põe uma reflexão fundamental para quem se propõe a construir uma prática profissional competente e qualificada: são os objetivos profissionais que definem que instrumentos e técnicas serão utilizados – e não o contrário. E esses objetivos, planejados e construídos no plano político e intelectual, só podem ser expressos se o assistente social conhece a realidade social sobre a qual sua ação vai se desenvolver. Ou, como diz Guerra (2002): Se é correto que o valor do trabalho do assistente social reside na sua utilidade social, que é medida em termos de respostas concretas que venham produzir uma alteração imediata na realidade empírica [...], o seu resultado final, o produto do seu trabalho passa a ser o fator determinante da forma de realizá-lo. (GUERRA, 2002, p. 157). É apenas a partir dessa reflexão que se faz possível discutir a instrumentalidade do serviço social . FONTE: SOUZA, Charles Toniolo de. A prática do assistente social: conhecimento, instrumentalidade e intervenção profissional. Emancipação, Ponta Grossa, p. 122-124, 2008. Disponível em: <http://www.uepg.br/emancipacao>. Acesso em: 15 fev. 2010. 160 Neste tópico estudamos sobre teoria e prática, método e metodologias, e foram abordados os seguintes itens: • A polêmica discussão relativa à concepção de teoria versus a prática. • As diferenças entre método e metodologia. • É importante colocarmos os conhecimentos em prática. • Quem sabe, faz. E quem não sabe, aprende fazendo à luz da teoria pertinente a cada profissão. • Não existe qualquer profissional só com bases teóricas, pois é no seu dia a dia que se constitui como tal. • A práxis profissional não se explica, vive-se-a no seu cotidiano profissional. • Compreendemos a teoria como sendo um conjunto de princípios que fundamentam o agir profissional do assistente social. • A prática profissional do assistente social se processa no decorrer do seu exercício profissional, ou seja, na aplicação direta do seu instrumental teórico- metodológico, ético-político e técnico-operativo. • A teoria e a prática nada mais são do que a construção de estratégias técnico- operativas para o exercício da profissão, com a base teórica já acumulada pelo trabalho profissional do assistente social. • A metodologia pode ser entendida como o estudo do método a ser aplicado em uma determinada realidade social. RESUMO DO TÓPICO 1 161 Prezado(a) acadêmico(a), após esta discussão relativa à teoria e prática, método e metodologias, IDENTIFIQUE no quadro a seguir uma frase completa (com pontuação) correlacionada com o assunto estudado. AUTOATIVIDADE 162 163 TÓPICO 2 O MANEJO DO INSTRUMENTAL TÉCNICO-OPERATIVO DO ASSISTENTE SOCIAL UNIDADE 3 1 INTRODUÇÃO Até o século XX, o serviço social trazia um discurso muito ligado a práticas caritativas e de ajuda mútua, conforme já estudamos anteriormente. Porém, no período contemporâneo, o serviço social passa a discutir acerca da profissão e seu processo de trabalho, levando em consideração o conceito baseado no pressuposto marxista. Conforme Guerra (2000), no processo de trabalho do assistente social há a passagem do momento de pré-ideação – projeto – para a chamada ação propriamente dita que requer a instrumentalidade. Historicamente o profissional de serviço social passou por divisões e diferenças entre o saber e o fazer profissional, fazendo com que os assistentes sociais tivessem práticas distintas. Contudo, na formação profissional existem várias formas de conhecimento e, com o acúmulo e experiências adquiridas ao longo da atuação, a prática profissional vai se aperfeiçoando e ampliando os olhares das diferentes formas de atuação, conforme veremos a seguir. “Acima de tudo procurem sentir no mais profundo de vocês qualquer injustiça cometida contra qualquer pessoa em qualquer parte do mundo. É a mais bela qualidade de um revolucionário.” Che Guevara 2 A APLICABILIDADE DOS INSTRUMENTOS E TÉCNICAS NO EXERCÍCIO PROFISSIONAL A aplicabilidade dos instrumentos e técnicas da ação profissional na prática cotidiana do assistente social responde às necessidades deste profissional levando em consideração os diferentes contextos e realidades sociais. Segundo Sousa (2008, p. 131), “o instrumental é o resultado da capacidade criativa e da compreensão da realidade social, para que alguma intervenção possa ser realizada com o mínimo de eficácia, responsabilidade e competência profissional”. Porém, o profissional, durante sua atuação e na aplicabilidade dos 164 UNIDADE 3 | A APLICABILIDADE DOS INSTRUMENTOS E TÉCNICAS NO EXERCÍCIO PROFISSIONAL instrumentos, independentemente de quais sejam, deve repensar sua prática, aperfeiçoá-la e refletir constantemente. O principal objetivo deste tópico é apresentar de forma sucinta as técnicas e os principais instrumentos da ação profissional utilizados pelo assistente social no cotidiano de sua prática. 2.1 A APLICABILIDADE DOS INSTRUMENTOS DE TRABALHO DIRETOS OU “FACE A FACE” Neste item apresentaremos, em forma esquemática, como o assistente social aplica no seu dia a dia profissional o instrumental técnico-operativo. Ou seja, como são desenvolvidos e aplicados os instrumentos diretamente com a população usuária das políticas públicas e sociais, além dosplanos, programas e projetos sociais. Segundo Sousa (2008, p. 124, grifos nossos), a INSTRUMENTALIDADE DO serviço social deve seguir algumas orientações: Expressar os objetivos que se quer alcançar não significa que eles necessariamente serão alcançados. Nunca podemos PERDER DE VISTA que qualquer ação humana está condicionada ao momento histórico em que ela é desenvolvida. A realidade social é complexa, heterogênea e os impactos de qualquer intervenção dependem de fatores que são externos a quem quer que seja – inclusive ao serviço social . Como analisa Iamamoto (1995), reconhecer as possibilidades e limitações históricas, dadas pela própria realidade social, é fundamental para que o serviço social não adote, por um lado, uma postura fatalista (ou seja, acreditar que a realidade já está dada e não pode ser mudada), ou, por outro lado, uma postura messiânica (achar que o serviço social é o “Messias”, que é a profissão que vai transformar todas as relações sociais). É importante ter essa compreensão para localizarmos o lugar ocupado pelos instrumentos de trabalho utilizados pelo assistente social em sua prática. Se são os objetivos profissionais (construídos a partir de uma reflexão teórica, ética e política e um método de investigação) que definem os instrumentos e técnicas de intervenção (as metodologias de ação), conclui-se que essas metodologias não estão prontas e acabadas. Elas são necessárias em qualquer processo racional de intervenção, mas elas são construídas a partir das finalidades estabelecidas no planejamento da ação realizado pelo assistente social. Primeiro, ele define “para que fazer”, para depois se definir “como fazer”. Mais uma vez, podemos aqui identificar a estreita relação entre as TÓPICO 2 | O MANEJO DO INSTRUMENTAL TÉCNICO-OPERATIVO DO ASSISTENTE SOCIAL 165 competências teórico-metodológica, ético-política e técnico-operativa. Em outras palavras, os instrumentos e técnicas de intervenção não podem ser mais importantes que os objetivos da ação profissional. Se partirmos do pressuposto de que cabe ao profissional apenas ter habilidade técnica de manusear um instrumento de trabalho, o assistente social perderá a dimensão do porquê ele está utilizando determinado instrumento. Sua prática se torna mecânica, repetitiva, burocrática. Mais do que meramente aplicar técnicas “prontas” – como se fossem “receitas de bolo” –, o diferencial de um profissional é saber adaptar um determinado instrumento às necessidades que precisa responder no seu cotidiano. E como a realidade é dinâmica, faz-se necessário compreender quais mudanças são essas para que o instrumental utilizado seja o mais eficaz possível, e, de fato, possa produzir as mudanças desejadas pelo assistente social – ou chegar o mais próximo possível. Ora, isso pressupõe que, mais do que copiar e seguir manuais de instruções, o que se coloca para o assistente social hoje é sua capacidade criativa, o que inclui o potencial de utilizar instrumentos consagrados da profissão, mas também de criar outros tantos que possam produzir mudanças na realidade social, tanto em curto quanto em médio e longo prazos. Isso é primordial para que possamos desempenhar com competência as atribuições que foram definidas para o assistente social na Lei de Regulamentação Profissional. Vejamos: se o serviço social , em sua trajetória histórica, não tivesse criado novos instrumentos e novas técnicas de intervenção, teria conseguido sair da condição de mero executor das políticas sociais e hoje desempenhar funções de elaboração, planejamento e gerência das mesmas? Certamente não. Assim, pensar a instrumentalidade do serviço social é pensar para além da “especificidade” da profissão: é pensar que são infinitas as possibilidades de intervenção profissional, e que isso requer, nas palavras de Iamamoto (2004), “tomar um banho de realidade”. Sobre a interação face a face, podemos expor que este instrumento [...] permite que a enunciação de um discurso se expresse não só pela palavra, mas também pelo olhar, pela linguagem gestual, pela entonação, que vão contextualizar e, possivelmente, identificar subjetividades de uma forma mais evidenciada. Sob esse enfoque, pode-se dizer que o discurso direto expressa uma interação dinâmica. (MAGALHÃES, 2003, p. 29). 2.1.1 Observação A técnica de observação faz com que o profissional observe o comportamento e os posicionamentos apresentados pelo usuário. A observação participante coloca o investigador – profissional – pertencente ao grupo, 166 UNIDADE 3 | A APLICABILIDADE DOS INSTRUMENTOS E TÉCNICAS NO EXERCÍCIO PROFISSIONAL organização ou comunidade, para que registre comportamentos, interações e acontecimentos. Nesta forma de observação, o investigador passa despercebido. Nesta direção, segundo Sousa (2008, p. 126), [...] na medida em que o assistente social realiza intervenções, ele participa diretamente do processo de conhecimento acerca da realidade que está sendo investigada. Por isso, não se trata de uma observação fria, ou como querem alguns, “neutra”, em que o profissional pensa estar em uma posição de não envolvimento com a situação. Por isso, trata-se de uma observação participante – o profissional, além de observar, interage com o outro, e participa ativamente do processo de observação. (SOUSA, 2008, p. 126). No quadro a seguir podemos compreender melhor esta técnica de bastante importância na atuação prática do profissional de serviço social . O QUÊ? Aplicar o instrumento de OBSERVAÇÃO. Ter clareza dos objetivos do que vamos observar. Além disso, saber que observar é muito mais que somente olhar. QUEM? O profissional assistente social. ONDE? O instrumento pode ser aplicado individualmente, em grupo, organização e comunidade. QUANDO? Pode ser utilizada em conjunto com outras técnicas de aplicabilidade do serviço social . POR QUÊ? Conhecimento aprofundado das relações e comportamentos dos usuários observados. COMO? Estabelecendo uma relação social com o usuário que possui expectativa e necessidades quanto às intervenções. Então o profissional é observador e, ao mesmo tempo, observado. FONTE: As autoras QUADRO 2 – APLICABILIDADE DA OBSERVAÇÃO PARTICIPANTE 2.1.2 Entrevista individual e grupal A entrevista é uma forma de relação entre o assistente social e o usuário, ou seja, é o momento que o profissional tem para estabelecer confiança com o usuário, para que este consiga realizar relatos e repassar informações importantes para o profissional que está no papel de entrevistador. TÓPICO 2 | O MANEJO DO INSTRUMENTAL TÉCNICO-OPERATIVO DO ASSISTENTE SOCIAL 167 FONTE: As autoras QUADRO 2 – APLICABILIDADE DA OBSERVAÇÃO PARTICIPANTE Para Sousa (2008, p. 126): A entrevista nada mais é do que um diálogo, um processo de comunicação direta entre o assistente social e um usuário (entrevista individual), ou mais de um (entrevista grupal). Contudo, o que diferencia a entrevista de um diálogo comum é o fato de existir um entrevistador e um entrevistado, isto é, o assistente social ocupa um papel diferente – e, sob determinado ponto de vista, desigual – do papel do usuário. (SOUSA, 2008, p. 126). NOTA Acadêmico(a), para que você possa relembrar esta técnica muito utilizada pelos assistentes sociais em diversas áreas de atuação, retome o Caderno de Estudos: Estratégias, Técnicas e Instrumentos da Ação Profissional I. Este instrumento busca compreender, identificar ou constatar uma determinada situação, em que o assistente social emite sua opinião profissional e seu parecer. Assim, este instrumento não é uma conversa e, sim, uma ação teórico-metodológica que exige do profissional muito conhecimento. O QUÊ? Aplicar o instrumento de ENTREVISTA. QUEM? O profissional assistente social. ONDE? O instrumento pode ser aplicado individualmente, em grupo, organização e comunidade. QUANDO? Pode ser utilizada em conjunto com outras técnicas de aplicabilidade do serviço social . POR QUÊ? Podeser estabelecida uma relação de confiança e com confidências entre o profissional e o entrevistado. COMO? Procura compreender, identificar ou constatar uma determinada situação. FONTE: As autoras QUADRO 3 – APLICABILIDADE DA ENTREVISTA INDIVIDUAL NOTA Acadêmico(a), para aprofundar esta discussão você pode realizar a leitura do artigo “A entrevista nos processos de trabalho do assistente social”, disponível em: <http:// revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/fass/article/viewFile/2315/3245>. Acesso em: 24 fev. 2010. 168 UNIDADE 3 | A APLICABILIDADE DOS INSTRUMENTOS E TÉCNICAS NO EXERCÍCIO PROFISSIONAL 2.1.3 Dinâmica de grupo A dinâmica de grupo é uma técnica que pode ser aplicada de diversas formas, como atividade lúdica, por exemplo, através de jogos ou simulação de alguma vivência apresentada pelo grupo. O profissional de serviço social , nesta técnica, tem a responsabilidade de mediar e controlar o processo, além de provocar reflexões do grupo acerca de uma determinada temática e ter clareza dos objetivos da utilização desta técnica. Para Sousa (2008), a dinâmica de grupo pode ser utilizada pelo assistente social em diferentes momentos. Para levantar um debate sobre determinado tema com um número maior de usuários, bem como atender um número de pessoas que estejam vivenciando situações parecidas. (SOUSA, 2008, p. 126). O QUÊ? Aplicar o instrumento de DINÂMICA DE GRUPO. QUEM? O profissional assistente social. ONDE? Este é aplicado em grupos que apresentam vivências iguais, utilizando de espaços de descontração, porém com objetivo. QUANDO? Existir um grupo com situações e vivências que podem ser trabalhadas no coletivo. POR QUÊ? Controle coletivo e provocar a reflexão do grupo. COMO? Um facilitador que provoca situações que levam à reflexão do grupo. FONTE: As autoras QUADRO 4 – APLICABILIDADE DA DINÂMICA DE GRUPO 2.1.4 Reunião A reunião é um instrumento coletivo, apresentando uma característica diferenciada da dinâmica de grupo, e tem como objetivo principal a tomada de decisão sobre determinado assunto ou temática que envolva todos os participantes. O espaço de tomada de decisões é um espaço essencialmente político, pois diferentes interesses estão em confronto. (SOUSA, 2008, p. 127). É importante que no instrumento reunião seja apontado um líder ou coordenador, com o intuito de atingir o objetivo proposto. Este coordenador, porém, tem que ter uma posição democrática, em que todos os presentes tenham um posicionamento. TÓPICO 2 | O MANEJO DO INSTRUMENTAL TÉCNICO-OPERATIVO DO ASSISTENTE SOCIAL 169 FONTE: As autoras QUADRO 4 – APLICABILIDADE DA DINÂMICA DE GRUPO O QUÊ? Aplicar o instrumento de REUNIÃO. QUEM? O profissional assistente social. ONDE? Em espaços de discussão coletiva. QUANDO? Uma decisão deve ser tomada coletivamente. POR QUÊ? Para tomar uma decisão democrática e coletiva. COMO? As reuniões podem ser realizadas por um grupo de usuários, comunidade ou profissional que tem a necessidade de estabelecer alguma decisão. FONTE: As autoras QUADRO 5 – APLICABILIDADE DA REUNIÃO 2.1.5 Visita domiciliar A visita domiciliar é um instrumento muito utilizado pelo profissional de serviço social , por compreender que este retrata a realidade vivenciada pelo usuário, e o profissional realiza o atendimento residencial. Com a aplicação deste instrumento é possível o profissional compreender situações que dificilmente identificaria com atendimento institucional, possibilitando assim realizar encaminhamentos para sanar a dificuldade observada. Podemos citar como exemplo as condições de saneamento básico, habitacionais, higiene e cuidados pessoais. O profissional fica capacitado para realizar um estudo social da família, especificando situações verificadas no momento da visita técnica. Nesta direção, Sousa (2008) aponta que “é de suma importância que o profissional que realiza a visita tenha competência teórica para saber identificar que as condições de moradia não estão descoladas das condições de vida de uma comunidade onde a casa se localiza, e que, por sua vez, não estão separadas do contexto social e histórico”. (SOUSA, 2008, p. 128). Este instrumento pode ser realizado em conjunto com outras categorias profissionais, como psicólogos, pedagogos ou enfermeiros. IMPORTANT E Acadêmico(a)! Não se esqueça de rever a discussão realizada no Caderno de Estudos Estratégias, Técnicas e Instrumentos da Ação Profissional I. Bom estudo! 170 UNIDADE 3 | A APLICABILIDADE DOS INSTRUMENTOS E TÉCNICAS NO EXERCÍCIO PROFISSIONAL O QUÊ? Aplicar o instrumento de VISITA DOMICILIAR. QUEM? O profissional assistente social. ONDE? Este instrumento deve ser aplicado na residência do usuário. QUANDO? Tem por objetivo conhecer a realidade vivenciada pelo usuário. POR QUÊ? Para poderem ser observados fatos e situações impossíveis de identificar em atendimento em outros espaços. COMO? O profissional se desloca até a residência do usuário, posteriormente realiza relatório de visita técnica. FONTE: As autoras QUADRO 6 – APLICABILIDADE DA VISITA DOMICILIAR 2.1.6 Visita institucional A visita institucional é muito parecida com a domiciliar. A diferença é que este instrumento é aplicado em organizações, entidades, fundações e empresas privadas e públicas. Segundo Sousa (2008), são três as motivações que levam o assistente social a utilizar este instrumento como atuação prática: 1. quando o assistente social está trabalhando em uma determinada situação singular, e resolve visitar uma instituição com a qual o usuário mantém alguma espécie de vínculo; 2. quando o assistente social quer conhecer um determinado trabalho desenvolvido por uma instituição; 3. quando o assistente social precisa realizar uma avaliação da cobertura e da qualidade dos serviços prestados por uma instituição. (SOUSA, 2008, p. 129). O profissional, quando realiza esta técnica, tem como objetivo principal conhecer e avaliar a qualidade e existência de políticas sociais, públicas ou privadas. Este instrumento pode ser aplicado em conjunto com outros, como, por exemplo: reuniões, entrevistas e observações. O QUÊ? Aplicar o instrumento de VISITA INSTITUCIONAL. QUEM? O profissional assistente social. ONDE? Em espaços públicos ou privados (ONGs, empresas, órgãos municipais). QUANDO? O usuário utiliza algum espaço, ou para avaliação e conhecimento de políticas sociais. POR QUÊ? Pode existir a necessidade de aprofundar conhecimentos em relação à política social pública e privada. COMO? Através de visita in loco, realizando relatório técnico com objetivo bem definido. FONTE: As autoras QUADRO 7 – APLICABILIDADE DA VISITA INSTITUCIONAL TÓPICO 2 | O MANEJO DO INSTRUMENTAL TÉCNICO-OPERATIVO DO ASSISTENTE SOCIAL 171 FONTE: As autoras QUADRO 6 – APLICABILIDADE DA VISITA DOMICILIAR FONTE: As autoras QUADRO 7 – APLICABILIDADE DA VISITA INSTITUCIONAL 2.1.7 Técnica de encaminhamento Este instrumental exige que o profissional de serviço social tenha conhecimento das políticas públicas existentes no município de atuação, bem como a rede de serviços disponíveis para poder realizar esta ação. A técnica de encaminhamento é considerada uma ponte de ligação de todas as ações realizadas pelo profissional. Esta não se caracteriza como uma ação principal, é sempre realizada em conjunto com outros instrumentos de competência do assistente social. O QUÊ? Aplicar o instrumento ENCAMINHAMENTO. QUEM? O profissional assistente social. ONDE? Em todos os campos de atuação profissional. QUANDO? O profissional verificar a necessidade de acesso a políticas sociais POR QUÊ? Para garantir acesso a bens e serviços da rede pública. COMO? Através de orientação e encaminhamento para as políticas públicas como forma de complemento de outras ações do problema identificado. FONTE: As autoras QUADRO 8 – APLICABILIDADE DO ENCAMINHAMENTO 2.1.8 Perícia social A perícia é um instrumento utilizado por outros profissionais, como o contador, por exemplo, que realizaa perícia contábil. Já a perícia social é uma análise completa e detalhada de determinada intervenção realizada pelo profissional de serviço social , que tem o intuito de realizar um parecer da problemática que está acompanhando. A perícia social tem como principal finalidade propor soluções das intervenções e situações apresentadas ao profissional. Este instrumento é muito utilizado no setor judiciário, em que a Justiça fará a intervenção em caso de violação de direitos, identificada pelo assistente social. O QUÊ? Aplicar o instrumento de PERÍCIA SOCIAL. QUEM? O profissional assistente social. ONDE? Em espaços de atuação, principalmente a área jurídica. QUANDO? Quando existir a necessidade de uma análise detalhada da problemática. POR QUÊ? Quando houver a necessidade de esclarecer uma situação social. COMO? Através de estudos da situação social. FONTE: As autoras QUADRO 9 – APLICABILIDADE DA PERÍCIA SOCIAL 172 UNIDADE 3 | A APLICABILIDADE DOS INSTRUMENTOS E TÉCNICAS NO EXERCÍCIO PROFISSIONAL 2.1.9 Parecer social O parecer social retrata não somente a descrição, como é o caso dos relatórios, mas, sim, uma profunda análise da situação apresentada para o profissional. Neste instrumento deve constar a opinião técnica ou diagnóstico do assistente social, considerando a avaliação de outros instrumentos já aplicados, como observação, visita domiciliar e/ou atendimentos sociais realizados para conhecer a situação apresentada pelo usuário. Segundo Sousa (2008, p. 131), A emissão de um parecer social pressupõe a existência de um relatório social (interno ou externo). Por razões óbvias: um profissional só pode emitir uma opinião sobre um fato que foi dito, no caso, escrito. Assim, o parecer é a conclusão de determinado trabalho – seja de um atendimento individual, seja de um conjunto de instrumentos utilizados durante determinado processo de intervenção. Sendo assim, este instrumento é a conclusão de um trabalho realizado pelo assistente social, em que este pode fazer parte de um conjunto com outros instrumentos utilizados durante o processo de intervenção de determinada situação. O QUÊ? Aplicar o instrumento de PARECER SOCIAL. QUEM? O profissional assistente social. ONDE? Pode complementar outros instrumentos, podendo ser utilizado em todos os campos de atuação. QUANDO? O profissional necessita dar sua opinião, com análise teórica. POR QUÊ? Existe a necessidade de opinião técnica do profissional. COMO? Em conjunto com outros instrumentos é a conclusão da realização da intervenção. FONTE: As autoras QUADRO 10 – APLICABILIDADE DO PARECER SOCIAL 2.2 A APLICABILIDADE DOS INSTRUMENTOS DE TRABALHO INDIRETOS OU “POR ESCRITO” Os instrumentos serão descritos a seguir; estes instrumentos têm uma definição de comunicação ativa, ou seja, podemos considerá-los como formas de registro ou documentários por escrito do trabalho realizado pelo assistente social. Estas técnicas aplicadas pelo profissional permitem que outros profissionais ou agentes tenham acesso à intervenção realizada pelo assistente social. TÓPICO 2 | O MANEJO DO INSTRUMENTAL TÉCNICO-OPERATIVO DO ASSISTENTE SOCIAL 173 FONTE: As autoras QUADRO 10 – APLICABILIDADE DO PARECER SOCIAL Para Sousa (2008): [...] a utilização dos instrumentos de trabalho por escrito também possui uma fundamental importância: é aqui que se torna possível ao assistente social sistematizar a prática. Todo o processo de registro e avaliação de qualquer ação é um conhecimento prático que se produz, e que não se perde, garantindo visibilidade e importância à atividade desenvolvida. Neste item abordaremos em forma esquemática como o assistente social aplica no seu dia a dia profissional o instrumental técnico-operativo. Ou seja, como são desenvolvidos e aplicados os instrumentos INDIRETOS do seu agir profissional. 2.2.1 Atas de reunião Atas nada mais são do que registros de tudo o que foi deliberado, comentado ou apresentado em uma reunião. Estes registros por escrito são de extrema importância para deixar arquivo às tomadas de decisões e até mesmo como arquivos ou comprovação de que a reunião ocorreu. O profissional de serviço social deve utilizar este instrumento, pois dará subsídios para discussões ou definições para aplicabilidade de intervenções identificadas e relatadas nas reuniões. O assistente social deve ter como prática o registro ou atas dos atendimentos realizados, sejam eles individuais ou coletivos. O QUÊ? Aplicar o instrumento de ATA DE REUNIÃO. QUEM? O profissional assistente social. ONDE? Pode ser aplicado em conjunto com outros instrumentos. QUANDO? Sempre que forem realizadas reuniões ou atendimentos. POR QUÊ? Para que sejam registradas decisões e encaminhamentos deliberados na reunião. COMO? Através de documentos por escrito, e, no final da reunião, devem ser lidos e assinados por todos os participantes. FONTE: As autoras 2.2.2 Diário de campo QUADRO 11 – APLICABILIDADE DA ATA DE REUNIÃO Este instrumental é conhecido como uma ação pedagógica, em que é possível fazer uma avaliação do(a) acadêmico(a), onde pode ser verificada a forma de descrever, relatar, refletir, sugerir e fundamentar as ações descritas, além de poder relacionar a teoria com a prática. Este instrumental é considerado fonte de informação e registro, que pode contribuir para a construção de projetos de pesquisas, artigos, relatórios e até mesmo do Trabalho de Graduação (TG), apresentado no término do curso. 174 UNIDADE 3 | A APLICABILIDADE DOS INSTRUMENTOS E TÉCNICAS NO EXERCÍCIO PROFISSIONAL De acordo com Lewgoy e Arruda (apud LIMA, 2007, p. 95), [...] o diário consiste em um instrumento capaz de possibilitar “o exercício acadêmico na busca da identidade profissional” à medida que, através de aproximações sucessivas e críticas, pode-se realizar uma “reflexão da ação profissional cotidiana, revendo seus limites e desafios”. É um documento que apresenta tanto um “caráter descritivo-analítico”, como também um caráter “investigativo e de sínteses cada vez mais provisórias e reflexivas”, ou seja, consiste em “uma fonte inesgotável de construção, desconstrução e reconstrução do conhecimento profissional e do agir através de registros quantitativos e qualitativos”. O diário de campo são anotações realizadas pelo profissional de acordo com ações realizadas na sua atuação prática; nada mais é do que um relato das atividades que o profissional ou acadêmico desenvolveu, porém este relato tem fundamentação teórica e análise crítica. O QUÊ? Aplicar o instrumento de DIÁRIO DE CAMPO. QUEM? O profissional assistente social. ONDE? Pode ser utilizado e aplicado em todos os campos de atuação, pode ser aplicado por profissionais e acadêmicos. QUANDO? Em todas as atividades e ações desenvolvidas pelo profissional. POR QUÊ? Como forma de registro e análise da atuação prática. COMO? Através de registros e fundamentação teórica, relacionando teoria e prática. FONTE: As autoras QUADRO 12 – APLICABILIDADE DO DIÁRIO DE CAMPO DICAS Acadêmico(a)! Para melhor compreensão deste instrumento, que será aplicado durante o curso no período de estágio, vocês podem se aprofundar lendo o artigo “A documentação no cotidiano da intervenção dos assistentes sociais: algumas considerações acerca do diário de campo”. Disponível em: <http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/fass/article/ viewFile/1048/3234>. Acesso em: 24 fev. 2010. 2.2.3 Relatório social Este instrumental é utilizado pelo profissional para registrar informações, sejam elas para o próprio assistente social, ou para outros profissionais, como é o caso de instituições que desenvolvem trabalho com equipes multiprofissionais, onde todos terão acesso às informações ou histórico da intervenção realizada com determinada família ou usuário. TÓPICO 2 | O MANEJO DO INSTRUMENTAL TÉCNICO-OPERATIVO DO ASSISTENTE SOCIAL 175 FONTE: As autoras QUADRO 12 – APLICABILIDADE DO DIÁRIO DE CAMPO De acordo com Sousa (2008, p. 130),o relatório social pode descrever todas as atividades desenvolvidas pelo profissional (relatório de atividades). Os diferentes relatórios sociais são os instrumentos privilegiados para sistematização da prática do assistente social. Sendo assim, o relatório social não é um relatório comum. Segundo Souza, “repõe o debate sobre a inserção do serviço social na divisão do trabalho”, na qual um “profissional trabalha com as diferentes manifestações, na vida social, da questão social”. Ou seja, “os dados relatados são de natureza social, isto é, as informações que dizem respeito a essas características”. (SOUSA, 2008, p. 130). O QUÊ? Aplicar o instrumento de RELATÓRIO SOCIAL. QUEM? O profissional assistente social. ONDE? Em todos os espaços de atuação profissional. QUANDO? Sempre que tiver a aplicabilidade de instrumentos de natureza social. POR QUÊ? Registro de informações sociais que subsidiam a compreensão profissional. COMO? Através de documento escrito, registrando intervenções de origem social. FONTE: As autoras QUADRO 13 – APLICABILIDADE DO RELATÓRIO SOCIAL 176 UNIDADE 3 | A APLICABILIDADE DOS INSTRUMENTOS E TÉCNICAS NO EXERCÍCIO PROFISSIONAL DICAS Para aprofundamento dos temas abordados, sugiro que você leia os seguintes livros: LEITURA COMPLEMENTAR O ASSISTENTE SOCIAL O profissional de serviço social realiza um trabalho essencialmente socioeducativo e está qualificado para atuar nas diversas áreas ligadas à condução das políticas sociais públicas e privadas, tais como planejamento, organização, execução, avaliação, gestão, pesquisa e assessoria. O seu trabalho tem como principal objetivo responder às demandas dos usuários dos serviços prestados, garantindo o acesso aos direitos assegurados na Constituição Federal de 1988 e na legislação complementar. Para isso, o assistente social utiliza vários instrumentos de trabalho, como entrevistas, análises sociais, relatórios, levantamento de recursos, encaminhamentos, visitas domiciliares, dinâmicas de grupo, pareceres sociais, contatos institucionais, entre outros. O assistente social é responsável por fazer uma análise da realidade social e institucional, e intervir para melhorar as condições de vida do usuário. A adequada utilização desses instrumentos requer uma contínua capacitação profissional que busque aprimorar seus conhecimentos e habilidades nas suas diversas áreas de atuação. FONTE: Disponível em: <http://www.cressrj.org.br/>. Acesso em: 24 mar. 2010. 177 Neste tópico estudamos os instrumentos de trabalho utilizados pelo profissional de serviço social na sua prática cotidiana, e foram abordados os seguintes itens: • Observação: faz com que o profissional observe o comportamento e os posicionamentos dos usuários. • Entrevista individual e grupal: é uma relação estabelecida entre profissional e usuário, busca compreender, identificar ou constatar uma situação, o profissional emite sua opinião. • Dinâmica de grupo: o profissional realiza a mediação e controla o processo, além de provocar reflexão e análise entre os participantes. • Reunião: consiste em tomada de decisão coletiva. • Visita domiciliar: o profissional procura compreender situações que dificilmente identificaria com atendimento institucional, ficando possível a realização de um estudo social da família. • Visita institucional: o profissional tem como objetivo conhecer e avaliar a qualidade e a existência de políticas sociais em espaços institucionais. • Técnica de encaminhamento: é uma ponte de ligação de todas as ações realizadas pelo profissional, não é uma ação principal. • Perícia social: tem como finalidade propor soluções para as problemáticas apresentadas pelo usuário. É muito utilizada no setor judiciário. • Parecer social: considera-se a conclusão de um trabalho realizado, faz parte de um conjunto de instrumentos utilizados durante a intervenção. • Atas de reunião: dão subsídios para a discussão ou definições para intervenção que foram identificadas durante a reunião. • Diário de campo: anotações da prática profissional, contendo fundamentação teórica e análise crítica. • Relatório social: registro de informações e das atividades realizadas pelo profissional, pode ser considerada a sistematização da prática do assistente social. RESUMO DO TÓPICO 2 178 AUTOATIVIDADE 1 Leia a questão proposta e responda ao que se pede. Sou um assistente social que atua em uma comunidade de expressivas questões de vulnerabilidade social e econômica. Num determinado dia chega, para atendimento, uma mulher de aproximadamente 40 anos, mãe de 4 filhos, todos com menos de 14 anos e se encontram fora da escola, vítima de violência doméstica causada pelo marido, que a abandonou quando descobriu que sua mulher havia se inserido no mercado de trabalho. A usuária apresenta problema grave de saúde que necessita de medicação controlada e contínua, além de cirurgia, porém não está conseguindo realizar através do Sistema Único de Saúde. Enquanto acadêmico(a) do curso de serviço social , descreva quais são os instrumentos que o profissional deve aplicar e quais encaminhamentos devem ser realizados para garantir o direito desta usuária e o de seus filhos. 179 TÓPICO 3 OUTRAS CARACTERÍSTICAS INSTRUMENTAIS DA AÇÃO PROFISSIONAL DO ASSISTENTE SOCIAL UNIDADE 3 1 INTRODUÇÃO “A vida é a arte das escolhas, dos sonhos, dos desafios e da ação”. J. A. Wanderley Agora trabalharemos outros aspectos correlacionados aos instrumentos da ação profissional do assistente social, como a questão da mediação. A discussão da categoria mediação é, de acordo com Stanck (2003, p. 25), “[...] sem dúvida, uma das discussões mais complexas já trazidas para o interior do serviço social e tem merecido constantes reflexões entre os principais teóricos da área, relacionada à tradição marxista e lukacsiana.” A categoria mediação é idealizada “como categoria metodológica que, ao mesmo tempo em que possibilita a apreensão do movimento da realidade concreta, possibilita transformá-la, evidenciando os processos internos, ou seja, as relações existentes na dinâmica da história, marcada pelo contraditório.” 2 MEDIAÇÃO COMO INSTRUMENTO NA MEDIAÇÃO DE CONFLITOS Segundo Battaglia (2001, p. 1), “a mediação é uma metodologia de resolução de conflitos aplicável aos mais diferentes campos de atuação.” E, portanto, os profissionais do serviço social também o utilizam como estratégias de enfrentamento de conflitos sociais. Mas, primeiramente precisamos compreender, segundo Stanck (2003, p. 25), que a mediação “passa a ter um sentido historicamente concreto a partir das concepções trazidas por Marx na teoria social. Nesta teoria marxista a mediação é entendida como uma categoria ontológica e reflexiva”. De acordo com Pontes, (2000, p. 41), a mediação “é ontológica porque está presente em qualquer realidade independente do sujeito; é reflexiva porque a razão, para ultrapassar o plano da imediaticidade (aparência) em busca da essência, necessita construir intelectualmente mediações para reconstruir o próprio movimento do objeto”. UNIDADE 3 | A APLICABILIDADE DOS INSTRUMENTOS E TÉCNICAS NO EXERCÍCIO PROFISSIONAL 180 A mediação só existe dentro dos complexos contraditórios da totalidade. (STANCK, 2003, p. 26). ATENCAO Mas, o que é MEDIAÇÃO? De acordo com Michelon (2001, p. 4, grifo nosso): A MEDIAÇÃO nada mais é do que uma negociação assistida, diz a Dra. Zulema Wilde, juíza da Corte de Apelação Cível da Argentina e mediadora. Mas essa assistência: - tem de seguir UM PROCEDIMENTO; - tem de utilizar técnicas de resolução de conflitos que procurem alcançar um acordo embasado nos interesses reais dos indivíduos envolvidos, uma vez que eles mantêm seu poder de decisão, porque são eles – e não o mediador – que devem chegar à solução do problema. NEGOCIAÇÃO ASSISTIDA? Do que se trata esta negociação? FONTE: Disponível em: <www.facadiferente.sebrae.com.br/..>. Acesso em: 24 mar. 2010. FIGURA 10 – NEGOCIAÇÃOTÓPICO 3 | OUTRAS CARACTERÍSTICAS INSTRUMENTAIS DA AÇÃO PROFISSIONAL DO ASSISTENTE SOCIAL 181 FONTE: Disponível em: <www.facadiferente.sebrae.com.br/..>. Acesso em: 24 mar. 2010. FIGURA 10 – NEGOCIAÇÃO Será que os assistentes sociais estão realmente preparados para realizar uma boa negociação? Ou uma boa mediação? Neste sentido, o processo de negociação se encontra presente em praticamente todas as relações entre pessoas e entidades ou entre pessoas e pessoas, abrangendo as mais diversas situações da vida e do cotidiano social e organizacional, principalmente na mediação de conflitos, tais como citamos a seguir: • entre pais e filhos; • entre esposa e marido; • entre irmãos; • entre famílias ou grupos familiares; • entre colegas, pares, amigos, companheiros; • entre patrões e empregados; • entre setores de uma sociedade; • entre quem produz e quem consome; • entre quem tem e quem não tem; • etc. Como o nosso foco são as mediações de conflitos, principalmente as sociais, salientamos que o sucesso de qualquer profissional, seja assistente social ou não, está totalmente dependente da sua habilidade em negociar, principalmente de negociar bem para o alcance dos resultados esperados. O ambiente dos conflitos sociais é uma grande mesa de negociação e relacionamento, na qual os profissionais do serviço social estão em constante negociação. Eles negociam com os usuários de uma determinada política pública ou social, seus superiores institucionais e colegas de trabalho. “A negociação é uma ciência na qual cada lado tenta maximizar o resultado para si e deixar o outro lado com a sensação de ter feito um bom negócio.” (Marcio Miranda) ATENCAO Precisamos estar cientes de que o êxito do assistente social em negociar está intimamente ligado aos resultados de sua vida profissional e pessoal, determinando se ele prosperará ou se terá frustrações em seu convívio profissional ou pessoal. Agora, para compreendermos melhor este processo de negociação assistida em uma mediação de um determinado conflito social, vejamos a seguinte história apresentada no livro: Os Sete Hábitos das Pessoas Altamente Eficazes, de Stephen Covey (2005). UNIDADE 3 | A APLICABILIDADE DOS INSTRUMENTOS E TÉCNICAS NO EXERCÍCIO PROFISSIONAL 182 O LENHADOR Nas montanhas do Canadá, havia um mestre lenhador. Certo dia, ele foi procurado por um rapaz de preparo físico notável, que lhe disse: “Quero aprender a cortar árvores, quero me tornar lenhador como o senhor”. O mestre aceitou, de pronto: “Volte amanhã e vou lhe ensinar meu ofício”. Lá pelo terceiro mês de aprendizado, para o espanto do mestre lenhador, o jovem lhe disse: “Aprendi o que tinha de aprender. Já sou um lenhador, um bom lenhador. Na verdade, acho que sou o melhor lenhador do Canadá”. Diante do olhar incrédulo do mestre, foi mais longe, lançando-lhe um desafio. “Vamos delimitar duas glebas de terra, com a mesma quantidade de árvores cada, e cortar. Quem primeiro derrubar a última árvore é o mais rápido e, portanto, o melhor”, propôs. E assim aconteceu. No início, o jovem, com mais disposição e uma velocidade incrível, abriu vantagem sobre o mestre. De vez em quando, lançava um olhar para a gleba vizinha e observava intrigado que este fazia pequenas paradas para descansar. “Moleza. Vai ser fácil”, pensava consigo. No entanto, o sol nem havia se posto por completo no horizonte e o mestre derrubava sua última árvore, enquanto o rapaz ainda tinha algumas pela frente. Surpreso, ele correu até o mestre: “Como o senhor cortou mais rápido do que eu!?! É impossível, não consigo entender. Não parei um só minuto e vi que o mestre parava toda hora para descansar!!!”. Então, o lenhador mais velho olhou nos olhos do jovem e lhe transmitiu sua derradeira, e talvez mais importante, lição: “Cada vez que eu parava para descansar, aproveitava para afiar os machados”. Esta história mostra que nós precisamos nos preparar para negociar de forma profissional: desde as negociações mais simples até as mais complexas e vultosas, e assim contribuir para o processo de mediação dos conflitos sociais. Outra coisa fundamental para o assistente social é o constante aperfeiçoamento, para ser um profissional cada vez mais qualificado em sua práxis profissional. Os assistentes sociais também devem realizar aperfeiçoamento constante em negociação e mediação, mesmo para profissionais com larga TÓPICO 3 | OUTRAS CARACTERÍSTICAS INSTRUMENTAIS DA AÇÃO PROFISSIONAL DO ASSISTENTE SOCIAL 183 experiência na práxis profissional, pois as realidades sociais e seus conflitos estão em constantes transformações. Nas pequenas ou grandes negociações, o que faz a diferença é a atitude. Você pode agir cegamente, ou se preparar, negociando de maneira metódica e planejada, sempre objetivando os melhores resultados para a mediação em que está trabalhando. A questão que se coloca é como podemos negociar com a máxima efetividade, de modo a trazer resultados positivos para os conflitos sociais. “A negociação é um processo social utilizado para resolver conflitos em situações em que não existem regras, tradições, fórmulas, ‘métodos racionais’ ou o poder de uma autoridade.” (Marcio Miranda) ATENCAO As negociações acontecem no momento em que as partes envolvidas estejam dispostas a realizar uma troca; ela acontece o tempo todo em torno deste princípio, de acordo com a regra de que é preciso dar antes de receber. IMPORTANT E O PONTO-CHAVE ESTÁ NAS CONCESSÕES e na premissa de que ambas as partes devem obter vantagens para se ter uma boa negociação. Mas o PONTO DE CONEXÃO na mediação, segundo Battaglia (2001, p. 1), “ocorre na maneira de considerar as ideias das partes envolvidas. Na verdade, as soluções são criadas e encontradas pelas partes e não pelo mediador. O mediador tem somente o papel de facilitador das relações e da profusão de ideias criativas e exequíveis”. Então, podemos dizer, segundo Michelon (2001, p. 5, grifo nosso), que a mediação É um processo extrajudicial de resolução de conflitos, no qual um terceiro, imparcial, dá assistência às pessoas em conflito, com a finalidade de que possam manter uma comunicação produtiva à procura de um acordo possível para elas. UNIDADE 3 | A APLICABILIDADE DOS INSTRUMENTOS E TÉCNICAS NO EXERCÍCIO PROFISSIONAL 184 É UM PROCESSO – porque tem um desenvolvimento lógico e organizado; É EXTRAJUDICIAL – porque está fora do Judiciário, isto é, as partes é que escolhem o mediador. Mas, frise-se, não colide, nem compete com o processo judicial. É mais um meio de resolução de conflitos; TERCEIRO IMPARCIAL – é aquela pessoa ou aquelas pessoas que, de maneira neutra, auxiliam as partes em conflito a buscar uma solução que seja do interesse de ambas; COMUNICAÇÃO PRODUTIVA – o mediador deve levar as partes a se expressarem de forma clara. A explicitarem o conflito. O mediador abre o canal de comunicação entre as pessoas envolvidas. Em muitos casos, tem-se observado que aquilo que ocasionou o conflito é a impossibilidade de conversar ou a errônea interpretação do que foi dito, por isso, a tarefa primeira do mediador é fazer com que as partes restabeleçam a comunicação. Que apareça o real interesse das partes. É necessário, outrossim, que o mediador faça com que as partes entendam que uma deve ESCUTAR a outra. ACORDO POSSÍVEL – O objetivo da mediação é que as partes cheguem a um acordo. Que esse acordo seja produtivo para as partes, isto é, que suas NECESSIDADES e INTERESSES fiquem satisfeitos. Essas considerações devem ser levadas à mesa de negociação na primeira reunião, quando será dito, inclusive, que o ACORDO dependerá essencialmente das partes, uma vez que o mediador que ali se encontra é um mero FACILITADOR do processo, que o mediador não está ali para dar soluções prontas, está ali para auxiliá-las na busca do resultado mais produtivo para ambas. A mediação, segundo Battaglia (2001, p. 1), “é um instrumento de resolução de conflitos bastante utilizado em diversos países,como Estados Unidos, Canadá, China, França, Inglaterra, Noruega, Espanha, Argentina, Brasil e México. Em alguns deles, por mais de 30 anos”. Mas quando o serviço social utiliza pela primeira vez a categoria mediação? Segundo Stanck (2003, p. 26, grifo nosso), “o serviço social passa a utilizar- se da categoria mediação a partir do movimento de RECONCEITUAÇÃO, mais especificamente a partir da década de 80, momento em que houve um aprofundamento teórico-metodológico da profissão, com base no método dialético marxista”. TÓPICO 3 | OUTRAS CARACTERÍSTICAS INSTRUMENTAIS DA AÇÃO PROFISSIONAL DO ASSISTENTE SOCIAL 185 A mediação, segundo Pontes (2008, p. 95), “é introduzida inicialmente no discurso dos assistentes sociais pela via da análise política, da sua articulação no bojo das políticas sociais e de sua inserção socioprofissional. [...] enquanto categoria teórica”. Pontes (2008, p. 97) ressalta que a “categoria de mediação constitui-se num divisor de águas, no plano metodológico, [...] na concepção dialética é a existência da categoria de mediação em face da totalidade concreta que permite apreender o envolver dos fenômenos do real o que no quadro categorial das outras formulações é uma grande limitação.” Mas, quais as CARACTERÍSTICAS da mediação? Stanck (2003, p. 26, grifo nosso) expõe que a mediação é um “COMPONENTE ESTRUTURAL DO SER SOCIAL”, intrínseca nos complexos contraditórios, o profissional de serviço social passou a utilizá-la para explicar, entender e intervir em uma determinada realidade, a fim de transformá-la. A mediação, como TÉCNICA, segundo Battaglia (2001, p. 1): [...] vem suprir um espaço anteriormente ocupado pelas pessoas mais velhas da comunidade ou da família. Com as transformações na modernidade das organizações sociais, este espaço se tornou vazio. Além desse fato, algumas transformações também ocorreram tanto em relação à causa dos conflitos, como em relação às habilidades necessárias para solucioná-lo. Martinelli (1993, p. 136) expõe que: [...] as mediações são categorias instrumentais pelas quais se processa a operacionalização da ação profissional. Expressam-se pelo conjunto de instrumentos, recursos, técnicas e estratégias e pelas quais a ação profissional ganha operacionalidade e concretude. São instâncias de passagem da teoria para a prática, são vias de penetração nas tramas constitutivas do real. Neste sentido, a própria prática do profissional é uma mediação, pois coloca em movimento toda uma cadeia de vínculos na relação totalidade/particularidade, tendo em vista a superação da realidade social concreta. A mediação é VOLUNTÁRIA, segundo Michelon (2001, p. 5), Os litigantes não são obrigados a negociar, a mediar ou a fazer acordo, influenciados por alguma parte interna ou externa. As partes aderem livremente ao processo e dele podem, também, livremente sair. Não há nenhuma norma legal que obrigue qualquer das partes a aderir a um processo de mediação. Nem o mediador tem autoridade para impor uma solução às partes. Em relação à CAUSA DOS CONFLITOS, segundo Battaglia (2001, p. 1), pode-se “constatar que inicialmente eles se davam pela impossibilidade UNIDADE 3 | A APLICABILIDADE DOS INSTRUMENTOS E TÉCNICAS NO EXERCÍCIO PROFISSIONAL 186 de consenso, enquanto atualmente ocorrem pela dificuldade de se lidar com a diferença”. Quanto às HABILIDADES DO MEDIADOR, elas “[...] se deslocam do antigo lugar de terceiro de bom senso que aconselha as partes ou valida uma ou outra, para a de facilitador que cria condições para o diálogo sempre que as partes envolvidas não consigam concretizá-lo sozinhas”. (BATTAGLIA, 2001, p. 1). A mediação então [...] torna-se um recurso confidencial, importante para a resolução de conflitos nas situações que envolvam diferentes interesses, assim como a necessidade de negociá-los. Embora, em alguns países, ocorra uma intimação judicial às partes para que recorram à mediação, utilizo-a em minha prática como um processo necessariamente voluntário, no qual a responsabilidade pela construção das decisões cabe às partes envolvidas. É exatamente neste ponto que a mediação se diferencia da resolução judicial, onde a decisão é transferida a um terceiro, o juiz. (BATTAGLIA, 2001, p. 1). Alguns dos GRANDES BENEFÍCIOS deste recurso, segundo Battaglia (2001, p. 1-2), são: - rapidez e efetividade de resultados; - redução de desgaste emocional e de custo financeiro; - garantia de privacidade e sigilo; - alternativa à arbitragem e processo judicial; - redução de duração e reincidência dos litígios; - facilitação da comunicação e promoção de ambientes cooperativos; - transformação e melhoria das relações. Outro aspecto extremamente IMPORTANTE na mediação, segundo Battaglia (2001, p. 2), “é o fato de que suas estratégias objetivam, além da resolução de conflito propriamente dito, a prevenção e a aprendizagem de novas maneiras de resolução de conflitos, promovendo um ambiente propício à colaboração, possibilitando que relações continuadas perdurem de forma positiva.” Estas HABILIDADES, segundo Battaglia (2001, p. 2): [...] podem ser treinadas e utilizadas por qualquer pessoa que participe de contexto de conflito. Contudo, como Terapeutas da Abordagem Centrada na Pessoa e Facilitadores de Grupos, encontramos certamente uma maior facilidade na maneira de manejar o processo de mediação transformativa, quer seja nos âmbitos sociais, políticos, transculturais, educacionais, empresariais ou jurídicos.” TÓPICO 3 | OUTRAS CARACTERÍSTICAS INSTRUMENTAIS DA AÇÃO PROFISSIONAL DO ASSISTENTE SOCIAL 187 A APLICABILIDADE da mediação, segundo Battaglia (2001, p. 2): [...] abrange todo e qualquer contexto de convivência capaz de produzir conflitos. Podem se beneficiar deste recurso impasses políticos e étnicos (nacionais e internacionais), questões trabalhistas e comerciais (locais ou de mercados comuns), empresas, escolas, famílias, comunidades e instituições. Os BENEFÍCIOS possíveis para os participantes de uma mediação “[...] serão a incorporação de novas maneiras de resolução de conflitos, onde ambos constroem suas próprias soluções e passam a funcionar com mais esta alternativa em suas vidas próprias, através de uma meta-aprendizagem”. (BATTAGLIA, 2001, p. 2). O MEDIADOR TEM O PROPÓSITO, segundo Michelon (2001, p. 5): [...] de auxiliar na resolução do problema que trazem, mas são as partes que devem encontrar a solução ou as soluções desse problema. Quando chegarem a um acordo que seja possível, será lavrado um TERMO DE ACORDO. Se não chegarem a um acordo, estão livres para procurar outros meios de resolução de disputa que considerem apropriados. Para o mediador, o PRINCIPAL BENEFÍCIO “[...] é promover a reflexão e a reformulação de sua maneira de atuar nas resoluções de conflito. Tornam-se mais claramente delimitados os limites e as possibilidades na relação entre mediador e mediado. Possibilitar maior autonomia, expressão pessoal e corresponsabilidade das partes na construção de suas alternativas e decisões passa a ser, cada vez mais, seu foco de ação”. (BATTAGLIA, 2001, p. 2). Pontes (2008, p. 177) expõe que: O profissional de serviço social atua com e nas mediações. [...] o assistente social não é uma das mediações ou um mediador no fazer do serviço social , como querem alguns autores, mas sim é um articulador e potencializador de mediações. Numa palavra, ele atua nos sistemas de mediações que infibram as refrações da ‘questão social’ constitutivas de demandas sociais à profissão. O mesmo autor complementa expondo que: O trabalho, com as mediações e nas mediações, conduz à compreensão de que este movimento de dessingularização, universalizador, deve caminhar no sentido da particularização daquelas situações problemáticas. Esta particularização garante a dimensão insuprimível da singularidade e a necessária visão de totalidade social (universalidade), possibilitando ao agente garantir, em tese, tantoas UNIDADE 3 | A APLICABILIDADE DOS INSTRUMENTOS E TÉCNICAS NO EXERCÍCIO PROFISSIONAL 188 respostas tecnicamente necessárias no plano do imediato (garantindo acesso aos serviços sociais) quanto desdobramentos mais mediatos no plano da conscientização mútua (profissional e usuário-cidadão) e da organização dos segmentos excluídos. (PONTES, 2008, p. 184-185). Portanto, segundo Stanck (2003, p. 28): A compreensão da categoria mediação é imprescindível para a intervenção do profissional de serviço social e é a partir dela que o assistente social deve efetivar sua prática. Porém, o direcionamento das ações de cada profissional dependerá da sua leitura da realidade e do seu projeto ético-político e das correlações de força socioinstitucionais. Sendo assim, sua intervenção poderá se dar no sentido da preservação do sistema vigente, que é excludente, injusto, desigual, ou na busca de alternativas para a criação de uma rede de inclusão social, onde efetivamente possa haver justiça social. LEITURA COMPLEMENTAR 1 MEDIAÇÕES... PARA QUÊ? Vanessa Vasconcelos Pereira Para o serviço social se tornam expressivas referências às mudanças no mundo do trabalho, ao papel do Estado e à composição e dinâmica das classes sociais enquanto categorias explicativas dos processos macrossociais que afetam e/ou determinam mudanças na experiência profissional do assistente social. Especificamente, esses impactos ocorrem em dois planos: um, mais visível e imediato, relaciona-se com questões que recaem diretamente sobre o exercício profissional; o outro, mais amplo e complexo, refere-se tanto ao surgimento de novas problemáticas que podem ser mobilizadoras de competências profissionais estratégicas, como a elaboração de proposições teóricas, políticas, éticas e técnicas que possam se apresentar como respostas qualificadas ao enfrentamento das questões que lhe são postas. Cabe, ao serviço social , refazer teórica e metodologicamente o caminho entre a demanda e as suas necessidades fundantes, situando-as na sociedade capitalista contemporânea, com toda sua complexidade. “A profissão de serviço social , como tantas outras, é determinada socialmente a partir da relação entre divisão social do trabalho e atendimento de necessidades sociais” (MOTTA, 1987, p. 27). Assim, as profissões se criam a partir de necessidades sociais e se desenvolvem na medida da sua utilidade social, vindo a institucionalizar práticas profissionais reconhecidas socialmente. Devem ser capazes de PROBLEMATIZAR as demandas para apreender o conjunto de mediações que TÓPICO 3 | OUTRAS CARACTERÍSTICAS INSTRUMENTAIS DA AÇÃO PROFISSIONAL DO ASSISTENTE SOCIAL 189 expressam a vinculação entre as “reais necessidades” e as exigências do mercado de trabalho profissional, é o passo inicial para a construção dos objetos e objetivos estratégicos da ação profissional. Uma vez que se ater às demandas do mercado de trabalho profissional postas pela reestruturação produtiva é esquecer que: “as necessidades sociais referidas às demandas são mera aparência que não expressam as necessidades sociais reais da classe trabalhadora, e inclusive as transfigura em seu conteúdo.”(MOTTA, 1999, p. 35 apud HELLER, 1987, p. 82). Para a apreensão das reais necessidades, se faz necessário que haja uma relação entre teoria e prática. Teoria e prática constituem aspectos inseparáveis do processo de conhecimento e devem ser consideradas na sua unidade, levando em conta que a teoria não só se nutre na prática profissional e histórica, como também representa uma força transformadora que indica à prática os caminhos da transformação. São indissociáveis, uma vez que a prática é o fundamento da teoria, ou seja, o ponto de partida e a base principal e substancial do conhecimento. O próprio conhecimento se desenvolve com base na prática, pois o conhecimento e as ciências surgem e se desenvolvem devido às necessidades da prática, às necessidades da vida. Na prática colocam-se à prova os conceitos e as teorias, estabelecem-se a sua veracidade ou falsidade, precisam-se e sistematizam-se os conhecimentos. Não se pode ter uma prática profissional fundamentada só na prática, uma vez que: As ideias necessárias à cotidianidade jamais se elevam ao plano da teoria, do mesmo modo como a atividade cotidiana não é práxis [...] na cotidianidade a atividade individual não é mais do que uma parte da práxis, da ação total da humanidade que, construindo a partir de um dado, produz algo novo, sem, com isso, transformar em novo o já dado. (HELLER, 1985, p. 32). A vida cotidiana se desenvolve em meio a muitas e variadas atividades econômicas, políticas, sociais e culturais; são essas atividades que preenchem grande parte dos seus interesses e preocupações. Essa é a nossa realidade imediata, nela os trabalhadores vivem situações-problema e necessidades, sempre situadas em um contexto econômico, político, ideológico e histórico mais amplo. Estas necessidades, situações e tarefas que surgem da realidade imediata e da realidade nacional não estão separadas entre si. O trabalho, a vida cotidiana, a conjuntura nacional, a situação estrutural de nossa sociedade, formam um todo articulado. Longe da tradição positivista, uma ação profissional reconstrói metodologicamente o caminho entre a demanda objetivada e as relações que a determinam. É este movimento que garante, na particularidade de cada ação profissional, a reconstrução dos seus objetos de intervenção e das suas estratégias de ação... até chegar ao ponto de partida, mas desta vez não como uma representação caótica do todo, porém com uma rica totalidade de determinações e relações diversas. (MOTA, 1999, p. 48). UNIDADE 3 | A APLICABILIDADE DOS INSTRUMENTOS E TÉCNICAS NO EXERCÍCIO PROFISSIONAL 190 O assistente social, ao aperceber-se da existência desses vínculos, de suas relações e contradições, enfim, desses imbricamentos, pode desenvolver a sua ação profissional de modo mais crítico, na medida em que supera a leitura do aparente imediato e dá conta da totalidade: [...] essencialmente processual, dinâmica, cujos complexos, em interação mútua, possuem um imanente movimento. No limite, esse movimento produz uma dada legalidade social, historicamente determinada e determinante. Atua na particularização das relações entre os vários complexos do ser social. (PONTES, 2007, p. 81). Para se conhecer essa totalidade se faz necessário partir da prática, teorizar sobre ela e voltar à prática para transformá-la, ou seja, partir do concreto, realizar um processo de abstração, entendida como “a capacidade que a razão humana tem de ultrapassar a imediaticidade, captando as conexões submersas na imediaticidade do real” (PONTES, 2007, p.69) e regressar ao concreto para transformá-lo, esse é o processo dialético do conhecimento. Este processo que vai da prática à teoria é, certamente, muito mais complexo que “fazer uma reflexão sobre uma ação ou situação”. Implica exercitar e desenvolver distintas capacidades intelectuais. A compreensão teórica deve se verificar novamente na prática para confirmar sua validade e sua verdade. O conhecimento não retorna, entretanto, à sua antiga forma de percepção de situações isoladas, mas enriquecido com uma capacidade de interpretação mais rica e valiosa destes mesmos. Compreender as contradições nos permitirá regressar à nossa realidade imediata com elementos de orientação sobre o que fazer para resolvê-las. Estes elementos nos permitirão definir uma prática transformadora. O agente social, ao entranhar-se com suas ações sociais no cerne das relações, dá-lhes uma direção de forma crítica e alienada. Ao imprimir uma direção alienante, tende a mistificá-las e homogeneizá-las, caracterizando-as de forma fetichizada e aparente, que em síntese, é também uma forma de desapropriação do real crítico. (OLIVEIRA, 1988, p. 82). O desvelamento do significado real dos serviços prestados e não significados, fetichizados pelos interesses docapital, apresenta-se como importante campo de luta para os trabalhadores em geral e para os assistentes sociais em particular, dada a sua inserção neste terreno. É necessário “desvelar e decifrar o movimento histórico-social contemporâneo da ordem burguesa; sua estrutura, sua dinâmica, suas tendências; o que importa é empenhar a razão teórica como iluminadora dos processos constituintes desta socialidade determinada”. (NETTO, 2001, p. 33). A compreensão dos processos e complexos inerentes a essa ordem pressupõe a penetração em categorias sociais cada vez mais complexas. Aqui se localiza o DESAFIO CENTRAL PARA O assistente social, que é o de fazer a crítica dos fundamentos da cotidianidade tanto daquela em que ele se encontra inserido quanto a do cotidiano dos sujeitos sociais a quem presta TÓPICO 3 | OUTRAS CARACTERÍSTICAS INSTRUMENTAIS DA AÇÃO PROFISSIONAL DO ASSISTENTE SOCIAL 191 serviços, o que significa examinar os fundamentos, analisá-los, reconhecê-los, para transcendê-los. O profissional consegue transcender quando se apodera da categoria mediação, que “dá a visibilidade panorâmica do sentido da palavra dialética, porque deixa transparentes as articulações categoriais do ‘núcleo’: a totalidade, a negatividade e a mediação se imbricam num todo complexo, lógico e coerente”. (PONTES, 2007, p. 56). Cabe ressaltar que o assistente social NÃO É UM “MEDIADOR”, não realiza mediações, uma vez que “a categoria de mediação não é uma estrutura nascida nas ‘maquinagens do intelecto’, mas, de fato, [...] ela é componente estrutural do ser social”. (PONTES, 2007, p. 77). Não cabe ao assistente social “criar” mediações, uma vez que elas são expressões históricas das relações que o homem edificou com a natureza e, consequentemente, das relações sociais daí decorrentes, nas várias formações sócio-humanas que a história registrou. “Não pode existir nem na natureza, nem na sociedade, nenhum objeto que neste sentido [...] não seja mediato, não seja resultado de mediações. Deste ponto de vista a mediação é uma CATEGORIA OBJETIVA, ONTOLÓGICA, que tem que estar presente em qualquer realidade, independente do sujeito.” (PONTES, 2007, p. 79 apud LUKÁCS, 1979). O recurso à categoria de mediações foi presidido pela pressão das demandas postas pela realidade à profissão, que forçaram a necessidade de um amadurecimento teórico para levar a cabo a tarefa de avanço profissional, provocada pelos impulsos da própria realidade. A mediação permite à razão construir categorias para auxiliar a compreensão e ações profissionais e supera a dicotomia entre teoria e prática, uma vez que se processam mediações entre teoria e prática e vice-versa. MEDIAÇÃO é o que diferencia um exercício profissional crítico das práticas assistenciais, voluntaristas, desenvolvidas por leigos e por ações voluntárias. Para a superação da confusão acerca da imagem social com a ação prestada por leigos de “boa vontade”, deve-se fazer a crítica ontológica do cotidiano, de modo que possamos tornar nossa prática profissional consciente. Ao clarificar seus objetivos sociais, [...] compreender o significado real da profissão no contexto da sociedade capitalista, escolher crítica e adequadamente os meios éticos para o alcance de fins éticos, orientados por um projeto profissional crítico, os assistentes sociais estão aptos, em termos de responsabilidade, a realizar uma intervenção profissional de qualidade, competência e compromisso indiscutíveis. (GUERRA, 2007, p. 15). O assistente social deve perceber a realidade como totalidade, de modo a perseguir suas mediações, apanhar as contradições do real não como vício do pensamento, mas como possibilidades inerentes à própria realidade pelas quais o profissional poderá fazer a leitura da realidade e em tais contradições captar as possibilidades de intervenção e as perspectivas de seu enfrentamento. Assim, UNIDADE 3 | A APLICABILIDADE DOS INSTRUMENTOS E TÉCNICAS NO EXERCÍCIO PROFISSIONAL 192 LEITURA COMPLEMENTAR 2 A AÇÃO INVESTIGATIVA NA PRÁTICA COTIDIANA DO ASSISTENTE SOCIAL Vera Lucia Tieko Suguihiro Está sempre nos debates dos profissionais de serviço social a questão da busca de um projeto de intervenção que dê um novo significado à profissão, de modo a responder, de forma não apenas coerente teoricamente, mas também com eficiência, às demandas socioprofissionais que lhes são colocadas. Essa busca de novos caminhos apoia-se na verificação de que, via de regra, o assistente social esgota o seu trabalho profissional na operacionalização dos serviços à população, sem ir além da prática instituída. Nesse caso, o profissional perde a oportunidade de compreender os nexos da sua intervenção, bem como de evidenciar os limites e as possibilidades embutidas na sua ação cotidiana, passíveis de dar novos contornos à sua ação profissional. Ao longo do desenvolvimento da sua ação, os assistentes sociais têm enfrentado diferentes dilemas na profissão. Alguns, aos quais se pode chamar de “falsos dilemas”, estão atrelados às características próprias da profissão e decorrem de sua situação na divisão sociotécnica do trabalho na sociedade contemporânea. São essas atividades, as de caráter burocrático, assistencial, pragmático, que conformam a profissão como uma prática eminentemente interventiva. A ênfase nessas atividades tem se traduzido em respostas profissionais fragmentadas, trabalhadas nos limites instituídos socialmente. Nessa perspectiva, o assistente social dificilmente tem uma visão totalizadora da problemática que enfrenta, não acionando, portanto, o seu potencial para modificar o seu modo de intervir. sua prática profissional passa a se diferenciar da prática de leigos, posto que não se reduz a atividades burocrático-administrativas, já que o projeto lhe permite ter clareza da sua intencionalidade, decifrando o significado das demandas, captando a necessidade que subjaz a elas. A competência ultrapassa saberes e conhecimentos, mas não se constitui sem eles. É necessário que haja uma intervenção reflexiva e eficaz, no sentido de articular dinâmicas de conhecimentos, saberes, habilidades, valores e posturas. Mas ela é uma concepção fundamentalmente inclusiva, relacional e determinada social e historicamente. (GUERRA, 2007, p. 28). FONTE: PEREIRA, Vanessa Vasconcelos. Mediações... para quê? Disponível em: <http:// repensandooservicosocial.blogspot.com/>. Acesso em: 3 mar. 2010. TÓPICO 3 | OUTRAS CARACTERÍSTICAS INSTRUMENTAIS DA AÇÃO PROFISSIONAL DO ASSISTENTE SOCIAL 193 Outros dilemas têm por base a perspectiva de que a teoria dá conta de explicar a realidade, mas não instrumentaliza a prática cotidiana do assistente social. Nessa ótica, é facilmente embutida a contradição de um discurso crítico e uma prática baseada no senso comum e, ainda, a efetivação da relação dicotômica entre profissionais que “pensam” e profissionais que “fazem”. A superação desta tensão vai demandar dos assistentes sociais uma disponibilidade a não mais pensarem na prática profissional em si, independentemente de seus fundamentos e de suas determinações, assimilando, ao nível da racionalidade, a necessária unidade entre a teoria e a prática, como determinantes complementares que incidem na ação particular dos profissionais, o que lhes vai possibilitar a garantia do movimento dialético pensamento/ação. Assim, entendemos que a vida de todos os dias, se iluminada por uma teoria sólida, é uma fonte permanente de conhecimento capaz de gestar práticas sociais inovadoras. A partir dessa convicção, acreditamos que, no estudo reiterado e crítico das práticas cotidianas dos assistentes sociais, encontraremos um fio condutor para, além de conhecer e analisar as formas de pensar e agir, construir, com bases na teoria, as possibilidades de novas práticas. Este processo de construção do saber profissional, a partir de uma dinâmica deliberada de investigação e discussões, fundamenta-se no suposto de que um conhecimento sistematizado