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SEGUNDA UNIDADE 1 – O ISEB E O DESENVOLVIMENTISMO Alzira Alves de Abreu O ISEB foi criado pelo Decreto nº 37.608, de 14 de julho de 1955, como órgão do Ministério da Educação e Cultura. O grupo de intelectuais que o criou tinha como objetivos o estudo, o ensino e a divulgação das ciências sociais, cujos dados e categorias seriam aplicados à análise e à compreensão crítica da realidade brasileira e deveriam permitir o incentivo e a promoção do desenvolvimento nacional. O ISEB foi um dos centros mais importantes de elaboração teórica de um projeto que ficou conhecido como "nacional-desenvolvimentista". Criado ainda no governo Café Filho, o ISEB iniciou suas atividades quando Juscelino Kubitschek assumia a presidência da República e quando o país acelerava a sua industrialização, com a ampliação dos investimentos privados nacionais e estrangeiros, além do investimento estatal. Os intelectuais do ISEB apoiaram a política de desenvolvimento de JK, por considerá-la muito próxima das idéias que vinham formulando. Juscelino Kubitschek, em declarações públicas, prestigiou o ISEB, definindo-o como um centro de cultura, estudos e pesquisa, que se diferenciava dos demais órgãos universitários por estar voltado para o estudo dos problemas brasileiros. Mas JK não foi buscar entre os seus intelectuais os assessores que iriam definir e orientar as metas do desenvolvimento. Criou o Conselho do Desenvolvimento exatamente com essa missão. Dentro do ISEB, os principais formuladores do projeto de desenvolvimento nacional foram Hélio Jaguaribe, Guerreiro Ramos, Cândido Mendes de Almeida, Álvaro Vieira Pinto e Nelson Werneck Sodré. Para esses intelectuais, o Brasil só poderia ultrapassar a sua fase de subdesenvolvimento pela intensificação da industrialização. A política de desenvolvimento deveria ser uma política nacionalista, a única capaz de levar à emancipação e à plena soberania. Sua implementação introduziria mudanças no sistema político, determinando a substituição das antigas elites dirigentes do país. Em um país de economia desenvolvida, a nova liderança política deveria ser representada pela burguesia industrial nacional, que teria o apoio do proletariado, dos grupos técnicos e administrativos e da intelligentzia. Em oposição a esses grupos estavam os interesses ligados à economia de exportação de bens primários. O investimento de capitais e de técnica estrangeiros era considerado obstáculo ao desenvolvimento industrial nacional, já que o capital estrangeiro era visto como interessado não nos setores industriais, e sim nos setores extrativos e de serviços. A partir da identificação de dois grupos defensores de interesses divergentes, o ISEB propunha a formação de uma "frente única" integrada pela burguesia industrial e seus aliados para lutar contra a burguesia latifundiária mercantil e o imperialismo. A luta seria travada, em suma, entre nacionalistas e "entreguistas"- aqueles que tendiam a vincular o desenvolvimento do Brasil à potência hegemônica do capitalismo, os Estados Unidos. O nacionalismo não foi, entretanto, o projeto político que prevaleceu na orientação dada ao desenvolvimento industrial pelo governo JK, já que foi incentivada a política de cooperação internacional. Mas é inegável que o governo deu amplo apoio aos empresários nacionais e facilitou investimentos do capital nacional. Deu ênfase, também, a algumas propostas dos nacionalistas, como a de intervenção do Estado no planejamento do desenvolvimento do Nordeste como meio de atenuar as diferenças regionais, criando a Sudene. Embora não tenha sido dominante na política de JK, o nacionalismo desempenhou, como ideologia, uma função importante nos anos 50 e 60, na medida em que serviu como instrumento de mobilização política. O ISEB não conseguiu sensibilizar os grupos mais representativos das ciências sociais no Brasil. Os cientistas sociais da Universidade de São Paulo e da Universidade do Brasil (atual UFRJ) não atribuíram aos intelectuais do ISEB legitimidade para exercer o papel de analistas e formuladores de soluções para a sociedade, por os considerarem carentes de formação científica em sociologia, ciência política, economia, história e antropologia. Os "isebianos" eram percebidos como intelectuais de formação jurídica, bacharelesca, desprovidos de instrumentos teóricos e metodológicos indispensáveis para o exame científico da sociedade. De fato, a maioria dos integrantes do ISEB era de advogados com interesses intelectuais voltados basicamente para a filosofia. A desconfiança em relação ao ISEB se manifestou também por parte de alguns jornais e associações empresariais, que identificavam os intelectuais do órgão como ligados aos movimentos de esquerda e aos comunistas. Se os intelectuais do ISEB não constituíam desde o início um grupo homogêneo, a partir de 1958 apareceram com maior nitidez as diferenças de orientação política e ideológica entre os seus membros, o que provocou uma cisão no grupo. A luta interna estava ligada a uma tentativa de ajustamento entre a proposta de desenvolvimento do ISEB e a política que estava sendo implementada pelo governo JK. Para alguns, o ISEB deveria aceitar a maior participação do capital estrangeiro no desenvolvimento, tal como estava definida na proposta do governo. Outros, ao contrário, acreditavam que era preciso radicalizar a posição nacionalista. O grupo mais nacionalista conseguiu impor as suas posições. Passada a crise, o ISEB deu uma nova orientação às suas atividades e ampliou seus cursos, até então dirigidos principalmente a alunos indicados por órgãos do serviço público. A idéia, agora, era atingir um público mais amplo, formado por estudantes e membros de sindicatos e de grupos já identificados com a ideologia nacionalista. Nessa fase, o ISEB dedicou-se à mobilização política, aliando-se a outros grupos nacionalistas e assumindo uma posição mais agressiva em defesa do controle dos lucros das empresas estrangeiras, da melhor distribuição de renda, da extensão dos benefícios do desenvolvimento a todas as regiões do país e da transformação da estrutura agrária. Os militares que depuseram o presidente João Goulart em 31 de março de 1964 decretaram a extinção do ISEB pouco depois, em 13 de abril. 2 – O CULTURALISMO BRASILEIRO a) Antecedentes Ao por fim o empirismo mitigado, a escola eclética é vista como primeira corrente filosófica estruturada no Brasil, como uma filosofia oficial de um país independente. Meada por Silvestre Pinheiro Ferreira (1769-1846), sob influência de Victor Cousin (1893-1867), o ecletismo esclarecido pretendia unir a tradição portuguesa à modernidade europeia dentro de um sistema que as compreendessem sem muito aprofundamento. E encontra terreno fértil na elite brasileira pela livre interpretação das ideias filosóficas que chegavam ao Brasil. Ressalta Antônio Paim (2007b, p. 81): O curioso é que o próprio Silvestre Pinheiro […] tornou-se amigo íntimo de Cousin, […] a par disto, a componente política desempenhou papel relevante na adesão à filosofia eclética. […] A nova elite dirigente, a partir da experiência prática elaborou uma verdadeira ideologia de conciliação. […] O empenho conciliador é justamente a tônica de Victor Cousin. […] O elemento catalisador há de ter sido a solução empirista do problema de liberdade, ensejada por Maine de Biran. No período de formação e apogeu do Ecletismo, compreendido aproximadamente entre os anos de 1833 e 1880, destacam-se Salustiano José Pedrosa (fins do séc. XVIII-1858), Monte Alverne (1784-1858), Antônio Pedro de Figueiredo (1814-1859) e Gonçalves de Magalhães (1811-1882). É fundada a Sociedade Positivista (1876), no Rio de Janeiro, enquanto em Recife, Tobias Barreto, Silvio Romero e outros intelectuais tomavam a frente das discussões entre o ecletismo e o positivismo. Neste contexto, de acordo com Antônio Paim ( 2007b, p. 151), “o processo de diferenciação do agressivo espírito crítico, em ascensão a partir da década de 70, conduziu à formação de dois movimentos extremamente complexos: a Escola do Recife e o Positivismo”.A partir de 1880 o ecletismo esclarecido entra em declínio com AUFKLÄRUNG (ILUMINISMO), João Pessoa, v.3, n.1, Jan/Jun, 2016, p.103 a 118 106 David Barroso de Oliveira a nomeação de Silvio Romero26 (1851-1914), dada por concurso, à cadeira de filosofia do Colégio Pedro II. Inobstante, no mesmo ano, Gonçalves Magalhães publica Comentários e Pensamentos de Gonçalves Magalhães. Com o chamado surto de ideias novas, a mocidade acadêmica e intelectuais compõem a Escola de Recife apropriando-se de espírito crítico. Retrata Antônio Paim (1991, p. 71 a 83): Parecia-lhe que, até então, tanto a filosofia espiritualista como as instituições monárquicas, a escravidão, o romantismo, enfim, toda a vida política cultural do país adormecia 'à sombra do manto do príncipe'. Nos anos 70 [1870], revelara-se de pronto a instabilidade de todas as coisas e tudo se põe em discussão. […] Suscitam-se ideias que se tornavam simpáticas sempre que poderiam nutrir o inconformismo, de Comte, Littré, Taine, Renan, Darwin, Antero de Quental. […] De tudo isso resulta um novo alento para a vida intelectual no país. O grande número de agitadores das novas ideias leva ao descrédito a filosofia oficial e lança as bases para a estruturação de novas correntes, nos decênios seguintes, [entretanto] ressente-se de qualquer unidade doutrinária. Havia, talvez, unidade de objectivos: a crítica ao pensamento e às instituições vigentes. […] O campo de seus opositores, em fins do decênio, já englobava a maioria dos espíritos, em particular a nova geração, […] em que todos comungam dos mesmos propósitos naturalistas, até que os positivistas se destacam do todo para constituir organização autônoma. b) A Escola de Recife A Escola de Recife representava um pensamento de quase todas as províncias do Nordeste. Ademais, informa Antônio Paim (1981, p. 20), “acham-se as manifestações assinaladas, no mesmo período, na Bahia e no Ceará”: em Salvador na Faculdade de Medicina da Bahia e em Fortaleza com a Padaria Espiritual. No entanto, relata Antônio Paim (1999, p. 101) que: a Escola de Recife notabilizou-se pela reforma na compreensão do direito, pela obra de muitos dos seus membros na elaboração sistemática da história da cultura brasileira, pela modernização das instituições, como é o caso do Código Civil. Pretendeu muito mais ao empreender incursões em diversos terrenos, desde a poesia à política. […] A filosofia é que constituiu o elemento unificador de ação tão variada e dispersa, precisamente o que faz sobressair a figura de Tobias Barreto. A elaboração teórica que irá impulsionar inicia-se em 1875 quando Silvio Romero proclama a morte da metafísica, num concurso na Faculdade de Direito de Recife. Ao término do decênio de 1870, a Escola de Recife, precisamente Tobias Barreto, capitanear as críticas contra o ecletismo esclarecido e o positivismo, fundamentando-se no criticismo kantiano, depara-se com a questão levantada por Silvio Romero acerca da morte da metafísica. Segundo Antônio Paim (1981, p. 42,43): do estudo da obra de Kant e, em geral, dos autores dessa fase inicial do neokantismo alemão, Tobias Barreto irá sugerir que o verdadeiro objeto da filosofia, que não pode ser arrebatado por nenhuma ciência, é a crítica do conhecimento. […] A partir disto, Tobias Barreto irá apontar a cultura como aquela esfera cujo exame facultaria a definitiva superação do Positivismo, abrindo assim um novo caminho à inquirição metafísica. Segundo Luiz Alberto Cerqueira (2002, p. 105) O cientificismo no Brasil, na medida em que se opôs ao espírito conservador das reformas promovidas por Gonçalves de Magalhães, e procurou desmitificar o sentido da criação promoveu a crise que se tornou possível consolidar a mudança de princípio na cultura brasileira. Essa consolidação envolve crítica do espiritualismo de Gonçalves Magalhães por Tobias Barreto, bem como a análise e discussão das teses deste por Farias Brito, aprofundando-se assim a inserção do pensamento brasileiro nos quadros da filosofia moderna e da filosofia contemporânea. Esta é a eclosão do culturalismo no Brasil29 pela Escola de Recife. Em seguida, Silvio Romero, em suas meditações, realiza o chamado culturalismo sociológico. Conforme Antônio Paim (1981 e 1995, p. 46, 32), “como seu interesse maior não consistia no entendimento da cultura, em sua universalidade, mas em compreender a evolução da cultura brasileira, não revelaria qualquer preocupação em distinguir o plano sociológico do filosófico”. Entretanto “o culturalismo sociológico iria se constituir numa ponte entre o culturalismo de Tobias Barreto e a contemporânea meditação culturalista”. Com a morte de Tobias Barreto, Silvio Romero e mais alguns intelectuais reeditam suas obras com intuito de preservar o pensamento culturalista, sem muito êxito. Sem sucesso também é o embate do culturalismo brasileiro do séc. XIX contra o cientificismo positivista. Assim, chega ao fim o primeiro ramo da Escola de Recife, a qual remanescentes afloravam. De acordo com Antônio Paim (1997a, p. 95), é certo que os seguidores de Tobias Barreto não desenvolveram grandemente esse legado. Ao contrário, ficaram presos ao oitocentismo e, dessa forma, circulando da mesma atmosfera dos partidários de Comte, de que tanto queriam distinguir. O legado de Tobias Barreto foi entretanto preservado e chegou aos nossos dias. Sua meditação veio a ser retomada, desde os anos trinta, por homem do porte de Djacir Menezes e Miguel Reale. C) Djacir Menezes e Miguel Reale É em meio a herança positivista, denominada de oitocentismo, que as remanescentes do culturalismo vigoram. Segundo Antônio Paim (2007a, p. 7), os marcos referenciais são os livros O problema fundamental do conhecimento (1937), de Francisco Pontes de Miranda (18921979); Kant e a ideia do Direito (1932), de Djacir Menezes [19071996]; e Fundamentos do direito (1940), de Miguel Reale. Tais obras coroam as duas linhas principais do embate com os positivistas, a primeira no âmbito da filosofia das ciências e, a segunda, no plano da filosofia do direito. Com isso, os jusfilósofos contemporâneos, Djacir Menezes e Miguel Reale vingam a tradição culturalista, deixada por Tobias Barreto e Silvio Romero, embora respirando ares diferentes. Seus pensamentos nutrem-se com as ideias neokantianas para florescerem no âmbito da filosofia do direito, amadurecendo o culturalismo. Como visamos apenas uma historiografia resumida do culturalismo brasileiro e sua influência na filosofia brasileira, apenas indicaremos a relação dos pensamentos de Djacir Menezes e Miguel Reale com a problemática cultural, mas vale frisar que sentimos a necessidade de estudos detalhados dos meandros filosóficos elaborados por tais. Com sua tese de doutoramento, Kant e a ideia do direito (1932), Djacir Menezes dá início a sua meditação filosófica, divergindo do seu mestre Pontes de Miranda (18 a 79). Discípulo e mestre confabulam duas publicações, O problema da AUFKLÄRUNG, João Pessoa, v.3, n.1, Jan/Jun. 2016, p.10 a118. David Barroso de Oliveira realidade objetiva (1932) e o problema fundamental do conhecimento (1937). Ressalta Antônio Paim (1995, p. 46) que, inobstante, “segundo seu próprio depoimento, é no período 1942 e 1955 que se dependerá das posições neokantianas para desenvolver o que ele próprio, subsequentemente, denominaria de culturalismo dialético”. Em 1955, especificamente, Djacir Menezes percebe as insuficiências contidas nas teses de Pontes de Miranda, devido a sua reflexão sistemática sobre as teses da filosofia de Hegel. Em sua trajetória publica em vários livros. Todavia, segundo Rosa Brito (1997, p. 201), a obra madura de Djacir Menezes foi elaborada nos últimos 30 anos, nos quais se ocupou de solucionar os problemas da filosofia culturalista, [sob influência hegeliana]. […] Marcam essa meditação vários estudos da década de cinquenta, em especial o livro O sentido antropológico da história (1958), os diversos textos dedicados a Hegel, notadamente as sínteses de seu legado, Textos dialéticos de Hegel (1968) e Teses quase hegelianas (1972) e, finalmente,a obra em que sintetiza o próprio pensamento, intitulada Premissas do culturalismo dialético (1979). Djacir Menezes marca uma nova posição na filosofia brasileira, mediante a influência quase hegemônica do criticismo kantiano e neokantismo. Confrontando-se com a problemática do culturalismo por meio da filosofia hegeliana, acrescenta Antônio Paim (2007a, p. 44), “o discurso filosófico não mais se refere às coisas em si mesmas. Ao contrário, busca compreender o processo de objetivação como totalidade, o que corresponde a enorme progresso da consciência filosófica nacional”. Enquanto isso, Miguel Reale finca as raízes no neokantismo alemão para fazer sua meditação filosófica. Privilegia, segundo Antônio Paim (1995, p. 34), “a política, para depois abranger o direito e, sucessivamente, as diversas esferas da criação humana. Paulatinamente explicita o seu propósito maior: compreender o homem em sua integralidade”. Influenciado pela Escola de Baden, no que tange os enlaces do mundo fenomenal com os nexos teleológicos da experiência dos valores, elabora, na filosofia do direito, a teoria tridimensional do direito39 como experiência jurídica na obra Teoria Tridimensional do Direito (1968). Com Experiência e Cultura (1977) que Reale alinha seu culturalismo como ontognoseologia, sob influência da fenomenologia de Husserl. Segundo Antônio Paim (1995, p. 37), “exige exame simultâneo do problema gnoseológico do cogito e do problema ôntico da realidade enquanto objeto do conhecimento. […] Não mais cabe falar-se separadamente de Ontologia e Gnoseologia”. A relação entre os objetos naturais, ideais e os valores compreendem a cultura como objetos que são enquanto devem ser, isto é, numa relação dialética de complementaridade, cada um deles em razão do seu ser próprio e de seu próprio deverser, daí seus pressupostos ontognoseológicos40. Conforme Antônio Paim (1995, p. 46), de suas longas e profunda análises, Reale pode concluir que a pessoa é o homem em sua concreta atualização, quer como valor vital, quer como valor espiritual, ou seja, enquanto o eu toma consciência de si mesmo e dos outros, na sociedade do nós, o que pressupõe uma correlação essencial entre Valor e Liberdade. Entre outras dimensões da Liberdade destaca-se o entendimento com participação efetiva nos benefícios que o patrimônio comum da ciência e da técnica pode proporcionar a todos, na medida das possibilidades reais, tanto do ponto de vista das exigências da vida como do aperfeiçoamento espiritual. Djacir Menezes e Miguel Reale realizaram as mais completas contribuições para a problemática do culturalismo brasileiro. Não só enraizaram suas reflexões culturalistas em uma tradição da Escola de Recife como também discutiram as teses do culturalismo alemão, seja ou dialogando com o neokantismo ou apropriando-se da dialética hegeliana. O culturalismo no Brasil, passando por Tobias Barreto, Silvio Romero, Djacir Menezes e Miguel Reale, faz história na filosofia brasileira. Nessa breve historiografia do culturalismo apresenta-se a filosofia brasileira pelo valor dado por ela à noção de homem e cultura. O culturalismo brasileiro proporcionou os elementos de um pensamento que emerge em um contexto singular sem deixar de articular as noções tidas por interesse universal. Tal é sua importância; o que ainda não é fácil encontrar estudos sobre as filosofias e pensadores brasileiros. De tal modo que também não se pode afirmar que não há uma filosofia brasileira, apenas uma filosofia no Brasil, quando não se encontra as influências pela falta de pesquisas historiográficas – essa é sua relevância. Dialogar com a história para fazer-se histórico é também um a das direções do culturalismo brasileiro. Como peroração, João Maurício de Carvalho (2002. p. 95): para nós, um balanço como esse mostra que o sentido da existência humana se revela tanto nas dificuldades que brotam das tentativas de objetivar o conhecimento do mundo quanto nas obras que lançadas no mundo passam a valer por si só. O homem só realiza sua humanidade nas trocas que faz entre o que recebe e o que põe no mundo. A filosofia culturalista ajuda a clarear esse problema e resguarda a função insubstituível da filosofia de esclarecê-lo. REFERÊNCIAS BARROSO, David. Oswald de Andrade: o homem cordial e a filosofia (brasileira). In: Revista Lampejo. Vol. 1. N. 6. Fortaleza: 2014. BRITO, Rosa Mendonça. O neokantismo no Brasil. Manaus: Ed. Univ. de Manaus, 1997. CARVALHO, João Maurício de. O tema da cultura na filosofia brasileira. In: Utopía y Praxis Latinoamericana. Ano 7. N° 17. Jun. MaracaiboVenezuela: 2002. CERQUEIRA, Luiz Alberto. Filosofia brasileira: ontogênese da consciência de si. Petrópoles, RJ: Vozes, 2002. 3 – AS PRINCIPAIS CORRENTES FILOSÓFICAS E SUAS INFLUÊNCIAS NO SERVIÇO SOCIAL 3.1 - POSITIVISMO Lincoln de Abreu Penna O positivismo é uma das doutrinas filosóficas derivadas do iluminismo. Sua origem mais remota se encontra em Condorcet, filósofo vinculado à Enciclopédia, para quem era possível criar-se uma ciência da sociedade com base na matemática social, de acordo com Michael Löwy. Mas foi com Augusto Comte (1798-1857) que o positivismo se tornou uma escola filosófica. Comte era formado em noções de matemática, frequentou a École Polytechnique de Paris e, logo após a Restauração dos Bourbons, aproximou-se do filósofo Saint Simon, tornando-se seu secretário particular, mas divergindo de suas ideias políticas. Em 1830 surgiu o primeiro volume de seu Cours de philosophie positive. Ao longo de aproximadamente uma década concluiu essa sua obra de referência, cujo último volume foi publicado em 1842. Mas o trabalho conclusivo de Comte foi o Système de politique positive, editado entre 1852 e 1854, em plena maturidade intelectual. O sociólogo e acadêmico Evaristo de Morais Filho lembra a necessidade de se situar as ideias em seus contextos históricos, para que se possa melhor compreendê-las. Nesse sentido, a época do positivismo foi marcada pela profunda transformação material e espiritual trazida pela Revolução Industrial, e pelas intensas e significativas transformações ensaiadas e realizadas, integral ou parcialmente, pela Revolução Francesa. É nesse contexto bafejado pelo ideário difundido pelas ideias francesas a transitar mundo afora que se situa o conjunto de formulações do pensamento de Comte. Os fundamentos do positivismo consistem na busca de uma explicação geral diante de um fenômeno derivado da industrialização: a crescente especialização. Comte procurou fazer de sua filosofia um instrumento para manter plena a perspectiva do geral, da visão macro. Fundou, assim, a física social, nome que ensejou o aparecimento da sociologia. Essa ciência se baseou no modelo de investigação comum às ciências empíricas particulares, com vistas a “descobrir as regras que governam a sucessão e a coexistência dos fenômenos”. A denominação decorreu da importância que a física tinha até então, e a “nova” ciência por ele concebida aplicaria procedimentos metodológicos de observação dos fenômenos históricos e sociais. Foi preciso estar em consonância com o tempo, a exigir precisão e sistematicidade em face dos problemas e desafios colocados pela modernização. A questão do método ganhou dimensão em sua concepção de produção de um saber científico, daí a surgir o princípio da lei. Para Comte, só existiria verdadeiramente ciência no caso de os fenômenos permitirem, a partir da observação das relações e de suas manifestações, antever os desdobramentos futuros. A previsão, portanto, criaria a possibilidade de se perceber com alguma antecedência as etapas da evolução histórica. Assim, no dizer de Patrick Gardiner, “característica própria do quadro de referência positivista nas ciências sociais é a pesquisa, através da observação de dados da experiência, das leis gerais que regem os fenômenos sociais. A constância ou a regularidade dos fenômenos constatados leva a generalizar a partir deles, isto é, a formular leis positivas”. Com essa base teórica e metodológica surgiu a Teoria dos Três Estados. Essateoria se encontrava fundamentada em seu método, que consiste em bases históricas, com um tratamento abstrato a consagrar as grandes linhas evolutivas da humanidade. Em sua concepção prospectiva preconizava que dois elementos se completam para a explicação dos processos: a estática e a dinâmica. A estática representaria a própria estruturada sociedade. Ela se ocuparia das leis da harmonia social, da hierarquia, das classes e dos indivíduos. De certa maneira, a estática sugere a ideia de ordem. Os fatos dentro dessa ordenação são interdependentes, mas solidários. Por sua vez, a dinâmica identificaria a ação humana, e no estágio científico da humanidade a indústria teve lugar privilegiado. Ela se encarregaria de conduzir o progresso aos níveis mais avançados possíveis, sempre em conexão com os interesses dos impulsos do homem. Sua tarefa seria o domínio absoluto da natureza, de modo que todas as ciências pudessem caminhar irmanadas no sentido das conquistas do bem-estar social. Mas para que esse estágio supremo, positivo, da humanidade se concretizasse seria preciso que se completassem os processos pelos quais se conformaria a sociedade científica, já desprovida dos entraves perpetrados pelas forças retrógradas do passado. Nessa Lei dos Três Estados, a humanidade passaria por três estados ou estágios. Segundo Comte, haveria um estágio teológico, um metafísico e um positivo ou científico. Os dois primeiros são partes necessárias de um processo de evolução e, portanto, devem ser removidos pela história, uma vez tendo cumprido seus papéis, cabendo ao último estágio a plenitude da humanidade. Logo, o positivismo é também a consagração da cientificidade, isto é, da era na qual o ser humano dominaria pela ciência todos os fenômenos naturais e sociais. A sociedade industrial baseia-se na crença do conhecimento como condutor da humanidade e, com isso, descarta a coexistência das religiões fundadas em dogmas distantes da ciência e de sua capacidade de elucidar e dar soluções às necessidades da humanidade. Sendo o primeiro estágio cognominado teológico, ele continha elementos fetichistas, que se manifestavam através de formas de crenças politeístas ou monoteístas. E que, em consequência, estavam sujeitos a forças aparentemente impossíveis de previsão e domínio. Sua superação é ao mesmo tempo uma afirmação do indivíduo e das sociedades que se constituíram ao longo do tempo. Essa vinculação do indivíduo à coletividade é concebida por Comte de forma recorrente, porquanto para ele é o caráter coletivo que comanda a ação humana. Não se pode, portanto, explicar a humanidade pelo homem, mas antes o homem pela humanidade. Estava consagrada a premissa de sua concepção científica, aplicada particularmente aos fatos sociais e políticos. Ela consistiria, então, numa regra, segundo a qual se deve poceder do geral para o particular. Talvez aí resida um traço bem expressivo daquele século XIX, o das ciências e do conhecimento: a relevância concedida às coletividades, num instante em que as massas irrompiam na história, através de movimentos sociais que guardavam um caráter ainda inorgânico. Foi assim também com Marx, que privilegiou as classes sociais como atores destacados das transformações históricas, como fora com Michelet a valorizar as multidões, a força das pressões sociais diante da resistência dos poderes retrógrados. Em Comte há registros da condenação da escravidão e do despotismo, muito embora haja os que o identifiquem com a visão de mundo das burguesias em ascensão. Mas, afinal, como diria Marx, a burguesia desempenhou um papel revolucionário quando de seu surgimento como classe social emergente no cenário histórico mundial. A componente política do positivismo, aquela que migrou para outras fronteiras nacionais, como a brasileira, possuía um fundamento autoritário. A sustentação do princípio de uma república unitária, na qual o primeiro dos cidadãos agiria ditatorialmente, no sentido de possuir a faculdade de ditar os anseios do povo, criou interpretações antidemocráticas, sobretudo amparadas em ambientes de forte tradição política mandonista. Dessa maneira, a combinação da leitura positivista na esfera da política com os valores embasados no jacobinismo e nas tradições patrimonialistas produziram uma cultura política que esteve a alimentar uma das vertentes de República nos primórdios do regime republicano brasileiro. Os integrantes do Apostolado Positivista fundado no Brasil, que teve em Raimundo Teixeira Mendes e Miguel Lemos seus principais doutrinadores e em Benjamin Constant Botelho de Magalhães seu líder, inspiraram os dizeres da bandeira brasileira, com o lema Ordem e Progresso e se empenharam em dar suporte à ideia de uma República unitária, capaz de pôr em prática as vontades gerais. Esse projeto não logrou êxito, não pela força dos que o rejeitaram, mas pela incapacidade de seus membros ao não praticar a política como instrumento de persuasão, de convencimento argumentativo. Do positivismo no Brasil ficou apenas a herança doutrinária. Fontes: BRUYNE, P. Dinâmica; GARDINER, P. Teorias; LINS, I. História; LÖWY, M. Ideologias; MENDES, R. Benjamin; MORAES FILHO, E. Comte. 3.1.1 – POSITIVISMO Juliana Bezerra Professora de História O Positivismo é uma corrente filosófica que surgiu na França no início do século XIX. Ela defende a ideia de que o conhecimento científico seria a única forma de conhecimento verdadeiro. A partir desse saber, pode-se explicar coisas práticas como das leis da física, das relações sociais e da ética. É notável, no positivismo, duas orientações: · a orientação científica, que busca efetivar uma divisão das ciências; · a orientação psicológica, uma linha teórica da sociologia, a qual investiga toda a natureza humana verificável. A corrente positivista promove o culto à ciência, o mundo humano e o materialismo em detrimento da metafísica e do mundo espiritual. História do Positivismo O termo positivismo foi utilizado como conceito pela primeira vez para designar o cientificismo enquanto método, pelo filósofo francês, Claude-Henri de Rouvroy, Conde de Saint-Simon (1760-1825). Porém, será Auguste Comte (1798-1857), seu discípulo, quem irá se apropriar do termo para denominar sua corrente filosófica. Sua obra fundamental, o "Curso de Filosofia Positiva", escrito entre 1830 e 1842, é o tratado metodológico positivista. Vale destacar que Comte viveu no contexto do fim do iluminismo e ascensão do cientificismo, no qual existe a crença de que a força do intelecto tudo pode. Contudo, como morreu alguns anos antes de Darwin publicar “A Origem das Espécies” (1859) e Marx escrever “O Capital” (1867-1894), ele não se influenciou pelas ideias desses autores. Características do Positivismo Enquanto doutrina filosófica, sociológica e política, o positivismo tem a Matemática, a Física, a Astronomia, a Química, a Biologia e também a Sociologia como modelos científicos. Isso porque estas se destacam segundo seus valores cumulativos e transculturais. Por outro lado, podemos dizer que o positivismo é a “romantização da ciência”. Ele deposita sua fé na omnipotência da razão, apesar de estabelecer os valores humanos como diametralmente opostos aos da teologia e a metafísica. É também uma classificação totalmente cientificista do conhecimento e da ética humana, onde se desconfia da introspecção como meio de se atingir o conhecimento. Assim, não há objetividade na informação obtida, tal como nos fenômenos não observáveis. Estes seriam inacessíveis à ciência, uma vez que ela somente se fundamenta em teorias comprovadas por métodos científicos válidos. Desse modo, a experiência sensível seria a única a produzir dados concretos (positivos), a partir do mundo físico ou material. A metodologia básica positivista é a observação dos fenômenos. Dela, se privilegia a observação à imaginação dos fatos, desconsiderando completamente todo conhecimento que não possa ser comprovado cientificamente. Por fim, vale dizer que a ideia-chave do Positivismo Comtiano é a "Lei dos Três Estados", a saber: - oTeológico, onde o ser humano busca explicação para a realidade por meio de entidades supranaturais; - o Metafísico, do qual os deuses são substituídos por entidades abstratas, como "o Éter", para explicar a realidade; - o Positivo da humanidade, onde não se explica o "porquê" das coisas, mas sim o "como", a partir do domínio sobre as leis de causa e efeito. O Positivismo enquanto Religião Com a obra “Sistema de Política Positiva” (1851-1854), Auguste Comte criou a Religião da Humanidade, ou a religião positiva. Ela tem a seguintes diretrizes: "O Amor por princípio e a Ordem por base; o Progresso por fim". Para tanto, a unidade espiritual é estabelecida pela ciência, a religião da humanidade, única capaz de regeneração social e moral. Essa religião também possui um "Ser Supremo". Ele seria a "Humanidade Personificada" e sua força emana do conjunto de inteligências convergentes de todas as gerações, passadas, presentes e futuras, as quais irão aperfeiçoar o gênero humano. É curioso notar que a religião positivista também utilizava símbolos, sinais, estandartes, vestes litúrgicas, dias de santos (grandes tipos humanos), sacramentos e comemorações cívicas com um calendário próprio. O calendário positivista é de base lunar e com 13 meses de 28 dias. O Positivismo no Brasil Essa corrente filosófica se espalhou pela Europa durante a segunda metade do século XIX. Já no Brasil, ela chegará apenas no Século XX, quando as ideias de Comte, serão propagadas pelos pensadores: - Miguel Lemos (1854-1917) - Teixeira Mendes (1855-1927) - Benjamin Constant (1836-1891) - Deodoro da Fonseca (1827-1892) - Floriano Peixoto (1839 -1895) - Tobias Barreto (1839-1889) - Sílvio Romero (1859-1914) Curiosidades - Existem correntes de outras disciplinas que se denominam "positivistas" sem ter nenhuma relação com o positivismo de Comte. - O Positivismo é uma reação radical ao Transcendentalismo Idealista alemão e ao Romantismo. - Auguste Comte foi o criador da palavra "altruísmo" para resumir o ideal de sua Nova Religião. - Os termos “Ordem e Progresso” na bandeira do Brasil são de inspiração positivista. - Os precursores do positivismo na França foram Mostesquieu (1689-1755) e Jean-Jacques Rousseau (1712-1778). - As teorias de Comte foram criticadas pela tradição sociológica e filosófica marxista, especialmente pela Escola de Frankfurt. 3.2 – NEOTOMISMO NILZA CACILIATI Não podemos afirmar que existe uma filosofia do Serviço Social, porém esta profissão foi fortemente influenciada por algumas correntes filosóficas que embasaram e embasam sua teoria e sua prática nos diferentes momentos históricos. Neste texto, vamos falar de algumas dessas correntes: o Neotomismo, o positivismo, a fenomenologia e o materialismo histórico dialético, que estão presentes nos diferentes momentos da história do Serviço Social e suas influências na formação e na prática dos Assistentes Sociais. O positivismo, a fenomenologia e o marxismo são as principais correntes teóricas do pensamento contemporâneo, que, juntamente ao Neotomismo, servem como nosso guia, pois nos baseamos nos conceitos das mesmas em nossas intervenções e em nossas pesquisas. O QUE É O TOMISMO? Se o Neotomismo, que é a corrente que influencia o Serviço Social, é uma retomada do tomismo, então é preciso entender o que é o tomismo. O Tomismo é a doutrina filosófica cristã elaborada pelo dominicano Tomás de Aquino, estudioso do filósofo grego Aristóteles. Tomás de Aquino dedicou-se ao esclarecimento das relações entre a verdade revelada e a filosofia, isto é, entre a fé e a razão. Segundo sua interpretação, tais conceitos não se chocam nem se confundem, mas são distintos e harmônicos. Segundo Aguiar (1982), Santo Tomás parte da reflexão feita por Aristóteles e a reinterpreta à Tomás de Aquino dedicou-se ao esclarecimento das relações entre a verdade revelada e a filosofia, isto é, entre a fé e a razão, luz do cenário filosófico de sua época, marcado por questões como: as relações entre Deus e o mundo, fé e ciência, teologia e filosofia, conhecimento e realidade. Para Santo Tomás, a primeira realidade a ser explicada deve ser Deus, que é a fonte de todos os seres. Após analisar a existência de Deus, analisa o homem, a pessoa humana, entendendo que a pessoa humana é composta de duas substâncias incompletas: alma e corpo. É da transformação destas duas substâncias em uma substância única que resulta o ser humano, distinto de qualquer outro ser. Este ser dotado de razão é capaz de escolha, de saber, de vontade. Por ser inteligente, afirma Santo Tomás, a pessoa significa o que há de mais perfeito em todo o universo. (AGUIAR, 1982, p. 42). Esta perfeição se apresenta no aspecto físico e espiritual. Para Santo Tomás, o corpo humano é o mais perfeito, o mais funcional e o mais complexo e a pessoa humana tem também uma perfeição espiritual que se manifesta através da racionalidade. Esta racionalidade produz o princípio da consciência em si e da liberdade, que o distingue dos outros seres. Portanto, a liberdade e a capacidade de escolha é também manifestação da inteligência do homem. Mas o homem é também dotado de vontade, o que lhe permite a escolha dos caminhos a percorrer na busca da virtude, do bem e no alcance do fim último, que é Deus. O homem é, também, um ser social em decorrência da própria natureza humana. Como Aristóteles, Santo Tomás afirma que o homem é naturalmente um animal social e para desenvolver-se necessita viver em sociedade. Para Santo Tomás a sociedade é a união dos homens com o propósito de efetuar algo comum (COOK apud AGUIAR, 1982, p. 43). toda forma de governo, desde que garanta os direitos da pessoa e o bem-estar da comunidade é boa e o Estado deve respeitar a Igreja, assim não existe conflito entre fé e razão. Toda forma de autoridade deriva de Deus, respeitá-la é respeitar a Deus. (SCIACCA apud AGUIAR, 1982, p. 43). Esta visão com relação à autoridade e ao Estado, reafirmada posteriormente no Neotomismo, explica a posição inicial do Serviço Social brasileiro de não questionamento da ordem vigente, buscando sempre reformar a sociedade. Quem foi Tomás de Aquino Tomás de Aquino viveu de 1225 a 1274 e teve uma vida dedicada aos estudos, inicialmente sob a orientação de monges beneditinos e, posteriormente, em Paris sob a orientação de Alberto Magno. Era um estudioso metódico, que se empenhou em ordenar o saber teológico e moral acumulado na Idade Média, produzindo uma extensa obra com mais de sessenta títulos. Nasceu em 1225, no castelo de Roccasecca, na Campânia, da família feudal dos condes de Aquino. Era unido pelos laços de sangue à família imperial e às famílias reais da França, da Sicília e de Aragão. Recebeu a primeira educação no grande mosteiro de Montecassino, passando a mocidade em Nápoles. Depois de ter estudado artes liberais, entrou na ordem dominicana, renunciando a tudo, menos à ciência. Dedicou-se ao estudo da teologia, tendo como mestre Alberto Magno, primeiro na universidade de Paris (1245-1248) e depois em Colônia. Em 1252, voltou à Universidade de Paris, onde ensinou até 1269. Em 1272, voltou a Nápoles, onde lecionou teologia. Dois anos depois, em 1274, viajando para tomar parte no Concílio de Lião 2, por ordem de Gregório X, faleceu no mosteiro de Fossanova, entre Nápoles e Roma, com apenas 49 anos de idade. 3.2.1 - O QUE É O NEOTOMISMO? O Neotomismo é uma corrente filosófica surgida no século XIX com o objetivo de reviver a filosofia de Santo Tomás de Aquino, do século XIII, o tomismo, a fim de atender aos problemas contemporâneos. A condição de exploração e miséria em que vivem os operários na Europa do final do século XIX, decorrentes da industrialização e do desenvolvimento do capitalismo, leva a Igreja a se posicionar, pois este momento era visto por esta como de crise e decadência da moral e dos costumes cristãos. A Igreja vê, então, no ressurgimento das ideias de Tomás de Aquino o caminho para o enfrentamento desta realidade. Neotomismo é a tentativa de fazer renascer o tomismo, o sistema filosófico de São Tomás de Aquino,no seio da modernidade. O Neotomismo pretende manter, no fundamental, todas as características atribuídas à filosofia tomista, que considera representar o ponto mais elevado da escolástica medieval. Das teses tomistas destaca-se a tese mediadora da acesa problemática que ocupou a filosofia medieval, na tentativa de definir uma posição quanto ao problema do realismo e do nominalismo. A tese tomista inspirou-se em Aristóteles para defender que o género é real (realismo), mas que a substância primeira é o indivíduo (nominalismo), como individuação do género. Os neotomistas pretendem que o pensamento de São Tomás foi o ponto culminante do saber filosófico e daí o apelo para a necessidade de a ele retornar. O tomismo, após o seu período de ampla divulgação, na Idade Média, acabou por ir ficando no esquecimento durante a modernidade, até que o Papa Leão XIII faz uma exortação, na encíclica Aeterni Patris, em 4 de agosto de 1879, em favor do regresso ao tomismo por parte dos católicos, dando assim o impulso necessário para que o movimento neotomista já iniciado em Itália se pudesse desenvolver. Há a destacar, como personagens fundamentais neste renascimento, ainda na primeira metade do século XIX, Buzzetti, depois Serafim e Domingos Sordi, Luís Taparelli d'Azeglio e Mateus Liberattore. Na Alemanha foi precursor do neotomismo o jesuíta G. Kleugten. Na Universidade Católica de Lovaina, em 1889, constituiu-se o Instituto Superior de Filosofia, de inspiração tomista. Em Portugal, logo em 1879, após a encíclica de Leão XIII, teve início no Seminário de Coimbra uma cadeira de filosofia tomista. Depois, em 1880, fundou-se a Academia Conimbricense de Santo Tomás d'Aquino. Em 1896 deu-se início a outra cadeira de filosofia tomista. O movimento neotomista caracteriza-se, em geral, pelo seu esforço de atualização constante e abertura aos novos problemas e novas interrogações vindas de todos os lados da filosofia 3.2.2 – A INFLUÊNCIA DO NEOTOMISMO NO SERVIÇO SOCIAL A presença do Neotomismo no Serviço Social marca profundamente a profissão desde a fundação da primeira escola de Serviço Social no Brasil. O Serviço Social, ao surgir atrelado ao projeto da reforma social da Igreja, a serviço de sua ideologia, carrega, além de sua prática, o seu ponto de vista teórico. Toda a visão de homem e de sociedade adotada na profissão se dará a partir da visão católica, tendo como sustentação filosófica o Neotomismo. Toda a visão de homem e de sociedade adotada na profissão se dará a partir da visão católica, tendo como sustentação filosófica o Neotomismo. A formação cristã do profissional em Serviço Social foi objeto de estudo de alguns encontros de Assistentes Sociais. Segundo Aguiar (1982), até 1967, quando é realizado o Seminário de Araxá, houve 14 convenções da Associação Brasileira de Ensino de Serviço Social (ABESS), atual Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social (ABEPSS), onde o pano de fundo era a doutrina católica. Os encontros da ABESS comumente iniciavam-se com a celebração de uma missa e, por vezes, eram precedidos de um dia de recolhimento, aos moldes dos retiros espirituais promovidos pela Igreja a seus fiéis, tal era estreita a relação da profissão com a prática cristã católica. Na IV Convenção da ABESS, que ocorreu em São Paulo em 1954, o tema foi A formação cristã para o Serviço Social e a Metodologia de Ensino de Serviço Social de Grupo e Organização de Comunidade. Em 1959, em convenção realizada em Porto Alegre para discussão do currículo dos cursos de Serviço Social, foram reafirmadas como importantes para a formação integral do Assistente Social as disciplinas de Religião e Doutrina Social da Igreja. No discurso de encerramento deste evento foi salientada a missão dos Assistentes Sociais do seguinte modo: o cristianismo humanizante para a conquista da paz. E a exemplo de Maria, os assistentes sociais têm a tarefa de Anunciar a Redenção. (AGUIAR, 1982, p. 38). Em 1960, um novo encontro realizado em Fortaleza teve como tema Formação da Personalidade do Assistente Social em todos os Aspectos e os aspectos analisados foram: a formação psicológica, moral e espiritual. No que se refere ao aspecto espiritual, enfatizou-se que o Assistente Social deve buscar a perfeição e que esta busca da perfeição seja iluminada pelo espírito comunitário e pela doutrina do Corpo Místico de Cristo. Fica evidente, portanto, a importância dos ideais cristãos na formação dos primeiros Assistentes Sociais e a forte presença da postura humanista com base na doutrina social da Igreja e no Neotomismo. Os princípios de dignidade da pessoa humana, do bem comum, explicitados por Santo Tomás de Aquino, predominaram no Serviço Social brasileiro até a década de 1960, e podemos afirmar que ela continua presente ainda hoje, através da ação de vários profissionais. O Neotomismo e o Serviço Social A repercussão do Neotomismo na teoria e na prática profissional dos Assistentes Sociais pode ser percebida até hoje. A idealização de um projeto societário que contemple as duas dimensões do homem: o corpo e a alma, e a visão da sociedade como a instância na qual o homem pode completar-se e realizar-se como pessoa humana leva os Assistentes Socais a recusa, como sugeria a Igreja Católica, do comunismo e do liberalismo. O comunismo é interpretado, pelos primeiros Assistentes Sociais como uma teoria social refutável porque postula um projeto societário erigido por uma compreensão materialista do homem e era tido como uma doutrina totalitária com princípios dissonantes com o conceito de pessoa humana. O liberalismo, por sua vez, também era incompatibilidade com a natureza humana, pois era tido como uma doutrina individualista. Nesse contexto, o trabalho dos primeiros assistentes sociais dirigia-se, sobretudo, à classe trabalhadora, porém na perspectiva da conciliação das classes sociais. A visão de homem do Serviço Social era a pessoa humana, portadora de valor soberano, criado por Deus, único ser no universo capaz de se aproximar da perfeição. O objetivo do Serviço Social era moldar este homem, integrá-lo à sociedade, aos valores, a moral e aos costumes de uma sociedade cristã, a fim de que ele alcançasse a perfectibilidade. Somente na década de 1960 estas ideias vêm a ser questionadas, porém ainda hoje pode ser observada a presença de princípios cristãos no discurso de profissionais e discentes de Serviço Social. 3.3 - FENOMENOLOGIA DE EDMUND HUSSERL Pedro Menezes Professor de Filosofia A fenomenologia é um estudo que fundamenta o conhecimento nos fenômenos da consciência. Nessa perspectiva, todo conhecimento se dá a partir de como a consciência interpreta os fenômenos. Esse método foi desenvolvido inicialmente por Edmund Husserl (1859-1938) e, desde então, tem muitos adeptos na Filosofia e em diversas áreas do conhecimento. Para ele, o mundo só pode ser compreendido a partir da forma como se manifesta, ou seja, como aparece para a consciência humana. Não há um mundo em si e nem uma consciência em si. A consciência é responsável por dar sentido às coisas. Na filosofia, um fenômeno designa, simplesmente, a forma como uma coisa aparece, ou manifesta-se, para o sujeito. Ou seja, trata-se da aparência das coisas. Sendo assim, todo o conhecimento que tenha como ponto de partida os fenômenos das coisas podem ser compreendidos como fenomenológicos. Com isso, Husserl afirma o protagonismo do sujeito perante o objeto, já que cabe à consciência atribuir sentido ao objeto. Uma importante contribuição do autor é a ideia de que a consciência é sempre intencional, é sempre consciência de algo. Esse pensamento contraria a tradição, que entendia a consciência como possuidora de uma existência independente. Na fenomenologia de Husserl, os fenômenos são a manifestação da própria consciência, por isso todo o conhecimento é também conhecimento de si. Sujeito e objeto acabam por se tornar uma e a mesma coisa. O que é um Fenômeno? O senso comum compreende um fenômeno como algo extraordinário ou fora do habitual. Já, a concepção dotermo no vocabulário da filosofia representa, pura e simplesmente, como uma coisa aparece ou se manifesta. Fenômeno tem origem na palavra grega phainomenon, que significa "aquilo que aparece", "observável". Portanto, fenômeno é tudo aquilo que possui uma aparição, que pode ser observável de algum modo. Tradicionalmente, aparência é entendida como a forma como nossos sentidos apreendem um objeto, opondo-se à essência, que representa como as coisas realmente seriam. Em outras palavras, como as coisas seriam para elas mesmas, a "coisa-em-si". Essa relação entre parecer e ser é crucial para a compreensão dos fenômenos e da fenomenologia. Husserl buscou alcançar as essências a partir da intuição gerada pelos fenômenos. A Teoria Fenomenológica de Husserl O grande objetivo de Husserl com sua Fenomenologia era a reformulação da filosofia. Para ele, era preciso refundar a filosofia e estabelecer a fenomenologia como método, sem que isso constituísse a ciência proposta pelo positivismo. A filosofia deveria voltar-se para a investigação sobre as possibilidades e limites do conhecimento científico, afastando-se das ciências, sobretudo, da psicologia, que analisa os fatos observáveis, mas não estuda as condições que levam a essa observação. O estudo dos fundamentos das ciências caberia à filosofia. Os fenômenos são entendidos pela representação que a consciência faz do mundo. O entendimento deve ser entendido sempre como "consciência de algo". Com isso, o autor nega a ideia tradicional da consciência como uma qualidade humana, vazia, que pode ser preenchida com algo. Toda a consciência é consciência de algo. Essa sutil, mas relevante diferença, traz consigo um novo modo de concepção do conhecimento e de representação do mundo. As coisas do mundo não existem por si, da mesma forma que a consciência não possui uma independência dos fenômenos. Há uma forte crítica à separação entre sujeito e objeto, tradicional das ciências. Para Husserl, o conhecimento é construído a partir de inúmeras e pequenas perspectivas da consciência, que quando organizadas e retiradas as suas particularidades, produzem a intuição sobre a essência de um fato, ideia ou pessoa. São os chamados fenômenos da consciência. Para a fenomenologia de Husserl, sujeito e objeto possuem uma existência compartilhada. Husserl compreende que essa reformulação poderia fazer com que a filosofia superasse sua crise e fosse entendida, definitivamente, como uma concepção metódica do mundo. Ele afirma a existência de "elementos transcendentais do conhecimento", os quais são acúmulos que vão condicionar a experiência dos indivíduos no mundo. Para ele, a experiência, pura e simplesmente, não se configura em ciência, e que o conhecimento possui uma intencionalidade. Não se produz conhecimento, senão por uma necessidade e um ato intencional da consciência. O que Husserl queria dizer é que os fenômenos são manifestações que só possuem sentido quando interpretados pela consciência. Sendo assim, a consciência de algo varia de acordo com o contexto no qual ela está inserida. Cabe ao filósofo interpretar os fenômenos, única e exclusivamente, tal qual eles aparecem. Aparência e Essência nos Fenômenos Platão (427-348), em sua "teoria das ideias", afirmava que a aparência das coisas é falsa e o verdadeiro conhecimento devia ser buscado pelo uso exclusivo da razão. Para ele, os fenômenos são falhos, pois nossos sentidos são fontes de enganos. Esse pensamento influenciou todo o pensamento ocidental e sua separação e hierarquização entre a alma (razão) e o corpo (sentidos). Aristóteles (384-322), discípulo crítico de Platão, manteve esse pensamento de superioridade entre a razão e os sentidos, mas deu uma abertura para a relevância dos sentidos na construção do conhecimento. Para ele, ainda que os sentidos sejam falhos, são o primeiro contato dos indivíduos com o mundo e isso não deve ser desprezado. Na filosofia moderna, as questões relacionadas à aquisição do conhecimento, de maneira simplificada, eram disputadas entre o racionalismo e seu oposto, o empirismo. Descartes (1596-1650), como representante do racionalismo, afirmou que somente a razão pode dar fundamentos válidos para o conhecimento. E, o empirismo radical, proposto por Hume (1711-1776), atesta que em meio a total incerteza, deve-se basear o conhecimento na experiência gerada pelos sentidos. Kant (1724-1804) buscou unir essas duas doutrinas, ao reforçar a importância do entendimento, levando em conta os limites da razão. Para ele, jamais pode-se compreender a "coisa-em-si", a compreensão dos fenômenos se dá a partir do entendimento e os esquemas mentais interpretam as coisas no mundo. Hegel e a Fenomenologia do Espírito A Fenomenologia do Espírito de Hegel (1770-1831) propõe que a manifestação do espírito humano é a história. Esta compreensão eleva a fenomenologia a um método das ciências. Para ele, a história se desenvolve de maneira a evidenciar o espírito humano. Há uma identificação entre o ser e o pensar. Essa relação é o fundamento de uma compreensão do espírito humano como construído social e historicamente. Como ser e pensar é uma e a mesma coisa, o estudo das manifestações dos seres é também o estudo sobre a própria essência do espírito humano. 3.3.1 – FENOMENOLOGIA O que é A fenomenologia surge na filosofia como ciência sobre a experiência que a consciência tem do mundo, a relação entre a consciência do saber humano e o mundo exterior a ela. Portanto, seu principal objetivo é investigar e descrever os fenômenos enquanto experiência consciente. Isso deve se dar de forma desvinculada de teorias sobre as explicações causais e o mais distante possível de preconceitos e pressuposições. Seu intuito é desnudar “o mistério do mundo e o mistério da razão”, como afirmou Merleau-Ponty, no prefácio da Fenomenologia da Percepção. A tradição fenomenológica busca estudar as estruturas da consciência do ponto de vista da primeira pessoa. Ela tenta, portanto, desvendar quais são os limites do conhecimento sobre o fenômeno. É um estudo sistemático das figuras fenomenais, daquilo que pode ser percebido. É um tipo de análise que pretende compreender melhor as estruturas centrais da experiência e da intencionalidade humana, explicando como a mente direciona o pensamento a determinados objetos ou à realidade. Como ciência dos fenômenos puros, cabe à fenomenologia o mundo que é percebido pela experiência imediata. Isso quer dizer que a consciência não é passiva. Ela não compreende a existência das coisas como algo pronto e acabado, mas participando da existência desses objetos. Para os fenomenólogos, só existe objeto se existe também um sujeito para percebê-lo. Por exemplo, se uma árvore cai em um bosque e não há testemunhas desse fato, então é como se ela nunca tivesse existido. A fenomenologia é uma filosofia que nasceu na Alemanha, ganhou ecos na França e posteriormente se espalhou. Para a fenomenologia, a redução eidética é um método no qual o filósofo é capaz de ir da consciência individual e concreta das coisas para o âmbito das essências, onde é possível atingir a intuição do “eidos”, termo grego que significa “forma”. Portanto, essa técnica permite acessar as estrutura mais fundamental e invariável das coisas, ao livrar-se de tudo aquilo que é contingencial e acidental. Para a fenomenologia, a redução eidética é um método no qual o filósofo é capaz de ir da consciência individual e concreta das coisas para o âmbito das essências, onde é possível atingir a intuição do “eidos”, termo grego que significa “forma”. Portanto, essa técnica permite acessar a estrutura mais fundamental e invariável das coisas, ao livrar-se de tudo aquilo que é contingencial e acidental. Seu alcance abrange uma investigação das estruturas e de vários tipos de experiência: a percepção, o pensamento, a imaginação, a memória, as emoções e a atividade da linguagem. Origem do nome Neologismo tardio, de origem filosófica – Phänomenologie [fenomenologia], e empregado primeiro por Lambert, em 1764. A palavra pode ser desmembrada em duas partes:Fenômeno, isto é, aquilo que aparece para a consciência. O sufixo -logia, que caracteriza uma ciência ou uma investigação. Nesse caso, trata-se do estudo e da compreensão dos fenômenos. Criação A fenomenologia se formou a partir de um novo olhar sobre os fenômenos, os quais não passaram a não ser mais vistos como meros entes materiais. Nela, eles se apresentam divididos entre aparência e existência. A fenomenologia busca o retorno à coisa mesma, porque a existência de algo não está separada da forma da sua percepção. A dialética entre sujeito e objeto é fundamental para se compreender a união entre o lado objetivo e o lado subjetivo das coisas. A consciência interfere e modifica o que intui e percebe, enquanto aquilo que é percebido atua e influencia o trabalho da consciência. Sujeito e objeto operam juntos, como uma oposição que gera uma síntese. Essa constatação posteriormente acabou permitindo o surgimento da fenomenologia. A ideia de movimento traz uma nova luz sobre a ideia de fenômeno. Ela permite uma indagação profunda sobre a experiência e a existência das coisas. A fenomenologia é capaz de trazer fortes indagações sobre a visão natural do mundo, o senso comum, a proposição científica baseada apenas em seu método e até mesmo contestar a experiência psicológica que trata a consciência como um objeto estático. O dinamismo da análise fenomenológica é um caminho aberto ao exercício da liberdade. A consciência humana, ao lidar com uma nova forma de compreender a sua percepção do mundo, cria novas formas de organização social e reinventa a experiência política. A construção de novos valores modifica a realidade, como um espelho da interioridade. Histórico Pré-história: A fenomenologia se tornou conhecida no mundo ocidental com os trabalhos de Edmund Husserl, no entanto, quando pensadores hindus ou budistas escreveram ou falaram sobre diferentes estados de consciência, isso também pode ser visto como uma prática fenomenológica. Da mesma forma, quando Descartes, Hume ou Kant tentaram identificar os estados de percepção, ou nossa capacidade de pensar ou de imaginar, eles também estavam praticando fenomenologia. Portanto, podemos afirmar que a fenomenologia surgiu como escola com Husserl, mas também que ela já existia como prática há muito tempo. Primórdios: É possível encontrar ideias que acabariam se tornando parte da fenomenologia em pensadores que, de certa forma, precederam seu surgimento. Há, portanto, noções fenomenológicas nos trabalhos de Henri Bergson (1859-1941), Franz Brentano (1838-1917), Wilhelm Dilthey (1833-1911) e William James (1842-1910). Porém, o primeiro filósofo a tratar do assunto sob esse título foi Edmund Husserl (1859-1938), durante a década de 1890, na Alemanha. Virada do século 19 para o século 20: A fenomenologia surgiu no contexto de revoluções sociais e de crise ideológica. O mundo começava a se tornar globalizado e competitivo, fruto das revoluções industriais. Há um posicionamento político na Europa: correntes socialistas atacavam o capitalismo, enquanto a visão liberal procurava afirmar que a sociedade devia ser construída pela racionalidade econômica e científica. De seu surgimento na Alemanha, a fenomenologia se espalhou, em um primeiro momento, por Japão, Rússia e Espanha e também pelas áreas de psicologia e psiquiatria. Corrida imperialista e Primeira Guerra Mundial: Esse período é marcado pela disputa de territórios entre as potências europeias. Houve uma política de expansão e de domínio territorial e econômico de uma nação sobre outras. A exigência de industrialização, a busca por matérias-primas, a corrida armamentista e o aumento na velocidade dos transportes levaram a uma atividade de pesquisa intensa. Os países europeus, com os territórios recém-definidos, buscavam o crescimento de suas economias. É nesse contexto que aparece o movimento fenomenológico, um resultado direto de uma tradição filosófica iniciada nas primeiras décadas do século 20 por intelectuais como Edmund Husserl, Martin Heidegger e Maurice Merleau-Ponty, entre outros. Esses pensadores tinham em comum a noção de que a fenomenologia poderia ser considerada e utilizada como fundação de toda filosofia. Nesse momento, a escola já estava presente em áreas como educação, música, religião, arquitetura, teatro e literatura. Momento de afirmação das ciências e da psicologia: O cientificismo ganhou destaque, tornando-se o braço direito do modelo liberal do início do século 20. A visão de que a ciência seria a chave do progresso social casava diretamente com os interesses de produção industrial. As sociedades ocidentais, agora industrializadas e massificadas, também se voltaram para as pesquisas na área de psicologia. As crises sociais e econômicas refletiam-se no indivíduo, que passou a demandar novos tratamentos psiquiátricos. Ao mesmo tempo, no entanto, a fenomenologia ganhava espaço até mesmo em áreas como estudos étnicos, feminismo, cinema e teoria política. Depois da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), sua ampliação se deu em outros campos do conhecimento, como: dança, geografia e direito. De certa forma, enquanto a sociedade industrial ganhava força, a fenomenologia busca uma volta aos fenômenos, ou seja, pretendia fazer uma descrição cada vez mais minuciosa das estruturas gerais da percepção, sem enquadrar essa mesma descrição em modelos teóricos já existentes. Enquanto a ciência mais positivista buscava desvendar e controlar a experiência humana, a fenomenologia pretendia alcançar uma descrição isenta dessa mesma experiência. A compreensão da natureza: O cenário de incertezas não foi apenas econômico, político e social. Também havia um espaço em disputa no domínio teórico: estava em voga o discurso objetivo das ciências e o discurso das ciências subjetivas. Assim como a psicologia experimental, surgiu também a fenomenologia, com outra leitura sobre o mundo empírico. Nas décadas de 1960 e 1970, a ecologia sofre enorme influência do pensamento fenomenológico. Atualidade Atualmente, podemos afirmar que não há apenas uma fenomenologia, mas várias. Muita vez, é difícil encontrar um denominador comum entre elas. A fenomenologia estuda a estrutura de vários tipos de experiência. Entre elas estão a percepção, o pensamento, a memória, a imaginação, os desejos, as atividades sociais etc. A fenomenologia está presente hoje em alguns ramos do conhecimento e práticas clínicas: na filosofia, em estudos sobre epistemologia e política, como forma de investigação dos fenômenos; também nas diversas áreas da psicopatologia; na gestalt-teoria; e nas ciências humanas, como nova forma de abordagem dos fenômenos sociais. Algumas correntes da prática clínica buscam na fenomenologia uma nova compreensão do meio ambiente e da ecologia. É uma simbiose que procura unir epistemologia filosófica e metodologia das ciências biológicas. Novas formas de educação e organização social: embora minoritária, há setores teóricos que procuram estabelecer uma crítica à metodologia da educação produtivista. Procura pensar uma nova relação entre o conhecimento e o meio social, como alternativa ao modelo institucional massificado e estatístico. Fundamentos Fenômeno Na filosofia, o fenômeno é qualquer objeto, fato ou acontecimento observado ou percebido. De maneira geral, os fenômenos são objetos dos sentidos. Para os filósofos modernos, o termo “fenômeno” significa, muita vez, aquilo que é imediatamente apreendido pelos sentidos, antes que qualquer julgamento possa ser feito. Em sua obra Investigações Lógicas, Husserl afirma que o fenômeno é o “o objeto intuído (aparente), como o que nos aparece aqui e agora”. No entanto, a palavra “fenômeno” nunca foi utilizada como um termo técnico pelos filósofos contemporâneos. Em português, os tradutores de Immanuel Kant, por exemplo, usaram a palavra “fenômeno” para se referir a “Erscheinung”, que também pode significar “aparência”. Para Kant, fenômeno se opõe a númeno, o qual significa “a coisa em si”, isto é, a realidade tal como ela existe em si mesma, independente da perspectiva necessariamentesubjetiva e parcial que atravessa todo conhecimento humano. Redução eidética Segundo Husserl, a redução eidética busca produzir um conjunto de conhecimentos filosóficos relativos à forma ou à essência dos objetos. Portanto, ela não se confunde com a dimensão estritamente empírica ou factual das coisas, a qual é estudada pelas ciências em geral. Para a fenomenologia, a redução eidética é um método no qual o filósofo é capaz de ir da consciência individual e concreta das coisas para o âmbito das essências, onde é possível atingir a intuição do “eidos”, termo grego que significa “forma”. Portanto, essa técnica permite acessar as estruturas mais fundamentais e invariáveis das coisas, ou seja, sua essência. Ao mesmo tempo, ela ajuda o filósofo a livrar-se de tudo aquilo que é contingencial e acidental. O “eidos”, nesse sentido, pode ser considerado a estrutura ou o princípio necessário das coisas. Ele estaria separado de tudo que é contingente e acidental. A redução eidética, portanto, é uma redução à essência das coisas. Para Husserl, todos os fatos que formam a realidade possuem estruturas eidéticas essenciais. Transcendente Tanto para a fenomenologia quanto para o existencialismo, o transcendente significa a percepção mediatizada dos objetos e da realidade. Ele existe em oposição àquilo que a consciência é capaz de perceber imediatamente em si mesma. Outro olhar sobre a realidade A fenomenologia inverte a relação tradicional: não há uma estrutura de categorias que trata do fenômeno. Trata-se do contrário: é o fenômeno que modifica o caráter dessa estrutura de percepção da consciência humana. O sujeito e o fenômeno Aqui há uma relação de mão dupla: o objetivo e o subjetivo atuam em conjunto. O sujeito atua no modo como ele apreende o fenômeno, enquanto este também tem uma função ativa no modo como o indivíduo pode compreendê-lo. O fenômeno e o problema do ser A fenomenologia interroga a própria definição do “ser”, que não é meramente o sujeito ou o objeto. O “ser”, aquilo que “é”, tem de ser buscado nessa relação entre sujeito e objeto. O problema da linguagem Na relação entre sujeito e objeto, a linguagem procura lidar com o problema da intenção. Nas variadas visões sobre o objeto — que são as variações eidéticas —, a linguagem é a doadora de sentido e de significação. É na linguagem que se revela como o objeto excede a tentativa de sua apreensão total pela consciência. Ao mesmo tempo, é também a linguagem que expressa como o objeto é resultado da atividade do sujeito em relação ao objeto. Hermenêutica: estudo dos processos de interpretação de expressões linguísticas e não linguísticas. Refere-se também à arte da análise de algo dentro de um determinado contexto, ou seja, promove leituras histórico-críticas, existenciais e estruturais dos objetos de estudo. Atualmente, a hermenêutica não se reduz apenas à comunicação simbólica. Além disso, busca interpretar a vida e a existência em si. É, dessa forma, uma maneira de interrogar as interações humanas em suas instâncias mais profundas. Na prática Encontramos diferentes modos de aplicações práticas da filosofia fenomenológica, sobretudo na psicologia. A mais importante delas é a prática clínica. Muitas correntes da psicologia atuam por um tratamento pela via fenomenológica. A ideia principal é lidar com os problemas e as angústias do paciente através de uma reconstrução fenomenológica. A experiência interna da doença é o fator que tornaria possível experimentar a cura. Também chamada de gestalt-terapia, isto é, não é a do terapeuta que procura o outro, mas a de quem deixa que o outro apareça. Alguns nomes que atuam nessa linha são: Ludwig Biswanger (1881-1996), o primeiro psicólogo a adotar esse tipo de prática. No âmbito do estudo das psicopatologias clínicas como alívio das dores da existência figura o nome de Henri Maldiney (nascido em 1912). E nas práticas da redução fenomenológica podemos citar Alfonso Caycedo (nascido em 1932), o qual desenvolveu uma série de estudos sobre hipnose e a experiência do corpo. Essas linhas de atuação estão presentes até hoje, muita vez mescladas em outras influências. Principais nomes Edmund Husserl (1859-1938) É o grande expoente e fundador da fenomenologia. Suas principais obras foram Investigações lógicas(1900-1901), Ideia para uma fenomenologia pura (1913) e Lógica formal e transcendental (1929). As investigações de Husserl procuram recuperar um sentido original daquilo que os gregos nomearam como fenômeno [phainomenon], ou seja, como aquilo que se mostra. Nessa busca por um sentido original do fenômeno, ele foi levado a retirar a ambiguidade que esse conceito comporta, como se não houvesse nele uma “aparência” e um “atrás”. Para Husserl, o fenômeno é o ser verdadeiro. Portanto, segundo ele, há uma só verdade e ela é fenomenal. A essência das coisas aparecem à consciência a partir de uma intuição, porque a intenção da consciência humana é a mesma da percepção do objeto. Ele acredita que a fenomenologia seria a autêntica filosofia. Capaz de tornar clara as essências e os domínios da experiência. Portanto, para Husserl, a fenomenologia é o estudo da estrutura daquilo que experienciamos a partir de nossas percepções. Husserl compreende a fenomenologia como algo original, como “o retorno às coisas mesmas”. Para tanto, procura se afastar do sentido tradicional e metafísico da ideia de fenomenologia. Ao se distanciar da compreensão de fenômeno hegeliana, Husserl pretende retirar o conteúdo teológico e racional da Fenomenologia do espírito (1807). Num primeiro momento de sua filosofia, sobretudo nas Investigações lógicas, a distinção entre noese (o visado) e noema (o modo de aparição) é a chave através da qual ele visita a filosofia antiga e ao mesmo tempo pode explicar as estruturas essenciais, comuns aos dados empíricos e apreendidas a priori. No domínio lógico, essas estruturas formariam uma gramática pura, como uma ontologia sobre as diferentes formas dos fenômenos no mundo objetivo. Numa fase posterior, Husserl se volta para o problema da consciência transcendental, isto é, sobre como a visão do objeto comporta uma intenção inata. É nesse momento que ele pode pensar um sentido constitutivo da consciência e o modo como ela também constitui o campo dos fenômenos. Maurice Merleau-Ponty (1908-1961) Filósofo francês que recebeu influência direta de Husserl. Na sua principal obra, a Fenomenologia da percepção (1945), encontramos uma investigação da relação entre a subjetividade e o corpo. A auto percepção da consciência é o momento em que a existência aparece encarnada, no corpo, como um conjunto de significações vazias, e não como uma realidade material determinada. O corpo é o terreno comum da física e da psique. Ele exprime uma maneira própria de se projetar no mundo. Merleau-Ponty, ao unir o problema da gênese da psicologia à estrutura do comportamento humano, passa a falar na experiência do “corpo próprio”, e não mais em um “corpo material”. Para ele, a experiência afetiva dos homens no mundo representa um conhecimento tão verdadeiro quanto o científico. Teoria da percepção de Marleau-Ponty é um esforço para tornar mais objetivo esse campo da filosofia. Para o francês, a percepção de si, que depende da percepção de outro exterior, contém o traço do pensamento dialético que Merleau-Ponty adota e leva a novas consequências. A fenomenologia e a percepção operam também por esta reunificação dos opostos, como movimento dialético dos contrários. E nesse sentido, assim como em Hegel e Marx, encontramos em seu pensamento uma reflexão sobre a história e a política. São nelas que encontramos as chaves para os problemas do sentido e da significação dos fenômenos sociais nos quais o homem vive. Jan Patočka (1907-1977) Filósofo tcheco, Patočka foi um dos principais intelectuais da Europa Oriental. É considerado um dos mais importantes representantes da fenomenologia. Foi aluno de Husserl e Heidegger, na Universidade de Friburgo, na Suíça. Sua filosofia é dissidente da de seus professores. O método clássico da análise intencionalhusserliana é deixado de lado, como algo subjetivista, quando Patočka passa a desenvolver o que nomeia como “fenomenologia asubjetiva”. É nela que o autor se volta para o mundo diretamente experimentado pela subjetividade da vida diária. Nessa fenomenologia, a dialética do homem é tida no movimento do exterior ao interior: o homem, em seu ambiente, interage com o seu meio, objetivando a suas atividades no mundo exterior. Nesse processo, há por fim uma retomada, em que a realidade, pela linguagem, é interiorizada no homem, que toma consciência de si e do mundo. Para Patočka, o sujeito é um resultado de uma união inescapável dele com o mundo. Segundo ele, a realidade e o eu são uma coisa só, uma unidade. O filósofo tcheco dizia que o “mundo é essencialmente um reflexo” do eu. O pensamento de Patočka também é marcado pelo engajamento político, na procura pelo sentido da história na existência humana comum. A liberdade é o conceito principal, em que a transcendência da compreensão do homem está em ultrapassar a ideia das regras sociais como naturalização ideológica. A interação política entre os seres humanos é tida em três formas diferentes: a aceitação, que seria os meios de inserção do homem no mundo; a defesa, na sua luta cotidiana pela permanência no mundo; e a transcendência, quando o homem passa a um estágio avançado de compreensão da matéria e de si mesmo. Uma de suas obras principais é Platão e Europa (1973). Martin Heidegger (1889-1976) O problema da fenomenologia está presente na obra de Heidegger na questão do ser e do fenômeno. A crítica à fenomenologia de Edmund Husserl diz respeito sobretudo ao modo como este compreende a ideia de “presença”. Ser e tempo (1927) trabalha com o problema do fenômeno na relação entre o ente, existente no tempo e no espaço, e o problema fundamental do ser. A fenomenologia é o retorno à ontologia, em que o homem, como o ser existente, o “ser-aí”, o Dasein, é a presença no mundo capaz de questionar o ser e a sua compreensão sobre ele. A fenomenologia é uma a hermenêutica, pois atua como tentativa de determinar o sentido do ente em geral. Também é analítica existencial, em razão de buscar demonstrar a estrutura fundamental do Dasein como ser-no-mundo e projeção da liberdade do homem. A fenomenologia hermenêutica lida com o espaço da finitude, que seria um espaço vazio, e por isso capaz de conter e de buscar qualquer projeção dessa liberdade. Esse polêmico filósofo alemão ficou conhecido por seu importantíssimo trabalho na área de ontologia e por sua ligação com o nazismo. No campo da ontologia, ele foi capaz de aprofundar as questões e os estudos relacionados à existência e ao ser (Dasein). Ele mesmo se autodenominava “o filósofo do ser” e dizia que seu livro mais famoso Ser e Tempo buscava criar bases para a geração de uma nova ontologia. Já na política, Heidegger foi muito controverso, principalmente depois de ter aderido oficialmente ao nazismo, liderado por Hitler. O filósofo foi um fervoroso defensor do nacional-socialismo hitlerista. Paradoxalmente, Heidegger manteve um relacionamento com a filósofa judia Hannah Arendt (1906-1975), a qual se tornou mundialmente conhecida por seus trabalhos e críticas aos regimes totalitários. Outras visões Oposição ao Positivismo: A fenomenologia é uma oposição direta ao pensamento anglo-saxão da virada do século 19 para o século 20. O foco é o positivismo científico, com o seu ideal da ciência e da experiência como conhecimento lógico e de que os objetos existem de forma independente e naturalizada pela percepção do sujeito. Crítica ao Naturalismo: esse produto do positivismo, em sua concepção sobre o espírito e sua produção das coisas (a cultura, os valores e a ciência), é alvo da fenomenologia, a qual ataca diretamente a ideia da identificação do que é “natural” como algo estático e cristalizado. A ciência e sua visão naturalista do mundo objetivo seria ideológica e não permitiria uma emancipação do indivíduo como sujeito ativo. O estatuto das ciências: a fenomenologia contrapõe o seu método crítico e dialético ao discurso da certeza intuitiva e discursiva das ciências empíricas. Enquanto as ciências procuram se afirmar cada vez mais pelos seus próprios métodos de comprovação da verdade, o fenomenólogo exerce a dúvida, pois apoia-se nas verdades da consciência como apenas um momento da investigação do espírito e da natureza. A fenomenologia põe em questão o próprio fazer científico. Ramificações A fenomenologia tende a se especificar em linhas de pesquisa, em geral encabeçadas por um grande autor. Entre elas, destacam-se: Fenomenologia transcendental: estuda como os objetos são constituídos na nossa consciência, colocando de lado toda e qualquer questão ligada ao mundo natural ao nosso redor. Ela pode ser considerada a ciência da essência do conhecimento. É uma gnosiologia, ou seja, é uma teoria geral do conhecimento humano, totalmente voltada para uma reflexão em torno da origem, da natureza e dos limites dos atos cognitivos. Seu objetivo é apontar todas as subjetividades e distorções. Fenomenologia naturalizada: estuda como a consciência constitui ou retira as coisas da realidade. Ao mesmo tempo, essa escola entende que a consciência é parte da natureza. O método fenomenológico criado por Husserl pretendia fundamentalmente compreender a relação entre o sujeito e o mundo, portanto, buscava esclarecer como a essência dos fenômenos surge na consciência. Para Husserl, tais fenômenos poder ser produtos com origem na nossa imaginação ou no mundo natural. Essa escola é uma espécie de resposta à leitura e ao estudo objetivista da realidade, da consciência e da natureza. Fenomenologia existencial: escola que procura combinar o método fenomenológico e o sujeito dentro de sua realidade existencial. Assim, o existencialismo é a base onde a prática fenomenológica se dá. Portanto, os seres humanos, nesse caso, são a fundação das relações da consciência com a realidade empírica. A fenomenologia existencial é uma resposta tanto ao idealismo quanto ao positivismo. Sua área de estudo é experiência humana de livre escolha ou ação em situações concretas. Fenomenologia generativa: estuda como os significados são resultados de processos históricos e podem ser encontrados em nossa experiência. Fenomenologia genética: essa área postula a questão da origem do juízo predicativo dentro de um contexto maior. Ela estuda a gênese dos significados das coisas no âmbito da experiência individual. Fenomenologia dinâmica, ou fenomenologia do mundo natural – Jan Patočka: Voltada para o estudo da Europa, a tradição grega platônica e o movimento existencial da “subjetividade”. Fenomenologia do Diálogo – Hans-Georg Gadamer: uma problematização da comunicação da modernidade, com remissão aos diálogos platônicos. Gadamer é uma figura muito importante no desenvolvimento da hermenêutica no século 20. Ele foi capaz de fazer uma abordagem baseada em textos platônicos, aristotélicos e heideggerianos das questões filosóficas contemporâneas. Seu pensamento rejeita o relativismo e o subjetivismo. Esse filósofo alemão ajudou ainda a desenvolver e ampliar uma espécie de revisão da história da filosofia em si. Seus textos tem profunda relação com a literatura, a poesia e as artes. Além disso, Gadamer produziu trabalhos voltados para uma filosofia prática, que discute questões políticas e éticas atuais. Fenomenologia da Vontade – Paul Ricoeur: Investigação fenomenológica no domínio das ações, isto é, como a vontade se projeta na sensibilidade e na produção do conhecimento humano. Ecofenomenologia – Erazim Kohák: Resultado do trabalho pioneiro, entrelaçando os campos do pensamento ambiental e da fenomenologia da natureza, pretendendo uma nova moral. A ecofenomenologia busca uma relação melhor e mais completa entre indivíduo e o mundo ao seu redor. Baseia-se em uma visão diferente daquela que, muita vez, coloca o ser humano como algo descolado e até mesmo oposto à natureza. Ela busca relações de maior profundidade entre seres humanos e os ecossistemas. Fenomenologia hermenêutica:tem como objeto de estudo as estruturas interpretativas da experiência. Procura mostrar como nós somos capazes de entender a realidade ao nosso redor. Essa área da fenomenologia é baseada em método de pesquisa feito a partir de pesquisas quantitativas. Fenomenologia realista: estuda a estrutura da consciência e da intencionalidade, além de enfatizar a pesquisa por essências universais das mais variadas coisas, inclusive das ações humanas. Para essa área da fenomenologia, tudo o que ocorre no mundo real é majoritariamente externo à consciência. Tais fenômenos não são tornados “reais” pela consciência. Foi com essa área que o pensador Adolf Reinach levou a fenomenologia para universo da filosofia do direito. Principais obras Novo Organon (1764) – Johann Lambert É uma obra destinada ao debate entre racionalismo e empirismo no século xv111. Aborda o problema da aparência crítica em geral, detendo-se não apenas nos critérios de aparência sensível, mas também nos critérios da aparência intelectual e moral, com especial atenção para o campo de probabilidade. A verdade aparente é o cerne da fenomenologia, também definido como uma perspectiva ótica ou transcendente. A questão central consiste na passagem da aparência ilusória, ocultando o ser real. Fenomenologia do Espírito (1807) – Georg Wilhelm Hegel O pensamento de Hegel procura articular uma concepção de razão que oponha ao dualismo entre pensamento e realidade. E na Fenomenologia do Espírito é uma “ciência da experiência consciente” que procura na racionalidade a enunciação de suas condições de possibilidade, e a própria condição subjetiva de sua constituição. Trata-se de uma dialética moderna, capaz de tratar dos temas da história e da experiência da consciência como sistema filosófica, o chamado “Espírito Absoluto”, ou o caminho do conceito. Investigações Lógicas (1900-1901) – Edmund Husserl O esforço central desta obra de difícil leitura é obter uma explicação filosófica da matemática pura. Trata-se de um conjunto de ensaios que constituem uma nova fundamentação da lógica pura e do conhecimento teórico. Formada de Prolegômenos e duas primeiras investigações sobre o problema da significação e o problema do conhecimento abstrato na metafísica ocidental. No segundo volume há outras quatro investigações. A saber: sobre a teoria dos opostos, a questão da gramática pura, o problema da intencionalidade, e, por fim, o problema geral do conhecimento. Ser e Tempo (1927) – Martin Heidegger O problema do sentido da “pre-sença” ontológica abriu o problema da questão do ser e do ente para pensar o homem como o ser existente, o “ser-aí”, o Dasein, diferente das outras coisas do mundo. Nesse processo, Heidegger passa por uma dissolução do sentido de sujeito e objeto, aproximando-se da perspectiva fenomenológica. Ela seria um caminho para retorno à ontologia e a investigação do problema do esquecimento do ser. Fenomenologia da Percepção (1945) – Maurice Merleau-Ponty É o trabalho fundamental na trajetória intelectual de Merleau-Ponty, em que propõe uma “reforma do entendimento”. Esclarece também o itinerário de Merleau-Ponty no futuro, tanto na perspectiva da reflexão política, como na perspectiva da sua reflexão filosófica desde o final dos anos cinquenta. Nesse projeto há uma preparação de uma ontologia, a qual ficou inacabada em função de sua morte precoce. A obra é dividida em 15 seções, com destaque para a problematização da questão do corpo como fenômeno. Platão e Europa (1973) – Jan Patočka A descoberta fundamental de Patočka é a sua teoria da subjetividade como condição de aparição do ser percebido. Nessa obra o problema está centrado na alma, como pré-metafísica da Europa. Através dela, chega-se a uma “pneumatofenomenologia”. O platonismo é o canal para pensar o problema da substancialização, e através dele revisitar as teorias de Husserl, na busca por uma nova compreensão do “ego” como movimento da alma e da história. Quem influenciou Filosofia: Max Scheler (1874-1928): Filósofo alemão, influenciado pela fenomenologia na sua teoria do ser-valor que precede a percepção. Sua obra mais famosa é O formalismo na ética e a ética material dos valores (1913-1916). Hannah Arendt (1906-1975): Filósofa norte-americana, de origem judaica. Autora de livros consagrados em política, também foi leitora atenta dos fenomenólogos. Uma contribuição notável para o pensamento liberal é a sua obra Sobre a revolução (1963). Gaston Bachelard (1884-1962): Filósofo e poeta francês, dedicado ao problema do saber e do objeto científicos. Autor de A Formação do espírito científico (1938). Dietrich von Hildebrand (1889-1977): Teólogo italiano, estudioso da fenomenologia, articulando-a à religião. Suas duas obras mais destacadas são Metafísica da comunidade (1930) e Atitudes éticas fundamentais (1933). Emmanuel Levinas (1906-1995): Nasceu na Lituânia e é um dos grandes debatedores com a fenomenologia. Sua filosofia prima pelo problema na ética. Algumas de suas obras principais são: O tempo e o outro (1947), e Totalidade e infinito: ensaio sobre a exterioridade (1961). Edith Stein (1891-1942): Filósofa alemã, judia, e que se converteu ao catolicismo. Notável estudiosa, trabalhou com Martin Heidegger em Friburgo. Entre as suas obras mais importantes está: Ser finito e ser eterno (1921), uma espécie de nova ontologia, síntese de filosofia e mística. Paul Ricoeur (1913-2005): Filósofo francês, Ricouer foi um dos principais contrbuintes para o problema da hermenêutica na filosofia. Sua obra célebre é: O conflito das interpretações: ensaios de hermenêutica (1969). Outras áreas do conhecimento: Alfred Schültz (1899-1959): sociólogo e filófoso responsável pelo desenvolvimento de uma ciência social baseada na fenomenologia. Seu trabalho apontou os pressupostos sociais subjacentes à vida cotidiana, os quais influenciam imensamente a criação da realidade social através de símbolos e ações humanas. Seus livros e pesquisasa formam a base da etnometodologia, a qual estuda o senso comum e as estruturas das interações sociais. Karl Jaspers (1883-1969): em 1909, Jaspers passou a trabalhar na clínica psiquiátrica da Universidade de Heidelberg. Ficou lá por seis anos. O filósofo alemão foi um dos primeiros a incorporar os métodos fenomenológicos à psiquiatria. Em seus trabalhos, ele passou a investigar e descrever os fenômenos como uma experiência consciente e desvinculada das teorias baseadas em explicações causais. Após essa pesquisa, Jaspers se tornou uma figura renomada no desenvolvimento de novas técnicas psiquiátricas. Gestalt: para essa prática, os fenômenos psicológicos são configurações, isto é, totalidades organizadas, indivisíveis e articuladas. Nesse método de viés humanístico, a experiência humana é vista de forma holística, ou seja, o processo de significação das coisas ocorre por meio de associação. Literatura e outras artes: Roman Ingarden (1893-1970): Filósofo e teórico literário polonês, considerado o pai da “estética de recepção”. Duas obras se destacam: A obra de arte literária (1931) e A comprehensión da obra de arte literária (1968). Miguel de Unamuno (1864-1936): Filósofo, escritor e poeta espanhol. Pertence à “Geração de 98” da literatura espanhola. Obras: Paz na guerra (1897), Rosário de sonetos líricos (1911), Do sentimento trágico da vida (1913) e A agonia do cristianismo (1925). Marcel Proust (1871-1922): Escritor francês. A sua obra principal: Em busca do tempo perdido, foi publicada entre 1913 e 1927, é uma reflexão minuciosa sobre a experiência do tempo, influenciada não só por Henri-Louis Bergson (1859-1941), mas também pela fenomenologia. Fernando Pessoa (1888-1935): Grande expoente da literatura de língua portuguesa. Em um de seus pseudônimos, Alberto Caeiro, a influência da fenomenologia é citada. Carlos Drummond de Andrade (1902-1987): Um dos maiores escritores brasileiros, seus poema são marcados por uma descoberta do mundo que lembra muito a perspectiva fenomenológica, como em A paixão medida (1980). João Cabral de Melo Neto (1920-1999): Um dos grandes nomes da poesiabrasileira, suas poesias são marcadas por uma paisagem com base fenomenológica-existencialista, como ocorre em O cão sem plumas (1950). Antonin Artaud (1896-1946): Famoso escritor de peças de teatro, e tido como influenciado pela fenomenologia na metonímia do corpo das personagens em suas peças. Obra importante: O teatro e seu duplo (1938). David Lynch (nascido em 1946): Reconhecido diretor norte-americano, que em seus últimos trabalhos apresenta um experimento com a meditação transcendental. Um filme desta fase é Império dos sonhos (2006). Naomi Kawase (nascida em 1969): Cineasta japonesa e notadamente conhecida por fazer seus documentários fenomenológicos sobre as personagens. Filme: A floresta dos lamentos (2007). Fontes e inspirações A fenomenologia encontrou suas fontes de inspiração nas filosofias do século XVIII e, sobretudo, do XIX. Entre os personagens mais importantes para esse surgimento estão: Johann Lambert (1728-1777): Filósofo suíço e alemão, mas de origem francesa. Também foi matemático, astrônomo e físico. A sua principal obra é Novo Organon (1764), ao tentar estabelecer um cálculo de probabilidades na relação entre a precisão do pensamento e dos conhecimentos matemáticos. No entanto, foi na parte mais original de sua obra, intitulada Fenomenologia, que Lambert discutiu o problema das aparências ilusórias, ou subjetivas, atribuindo regras para distingui-las das aparências verdadeiras (objetivas). Em 1771, Lambert publicaria ainda uma segunda obra filosófica, Construção da Arquitetônica. Esse livro é voltado para a lógica, articulando metafísica e ciência pela construção matemática dos conceitos. Immanuel Kant (1724-1824): Encontramos na obra do filósofo alemão uma transformação radical de como lidar com os fenômenos. Kant considera em sua filosofia que o fenômeno é aquilo que aparece no tempo e no espaço. O fenômeno é um objeto da experiência, tem uma realidade objetiva, mas não é uma coisa em si mesma. É apenas o modo como a realidade do mundo é expressa na representação dos indivíduos. Por isso, Kant diz que a natureza é um conjunto de fenômenos, todos eles regidos por leis. Sua filosofia é, em grande medida, voltada para compreender como a razão se relaciona com a modalidade desses objetos da natureza. Nas suas três famosas críticas — Crítica da razão pura (1781), Crítica da razão prática (1788) e Crítica do juízo (1790) —, Kant procura investigar como os fenômenos são possíveis, reais e necessários. Georg Wilhelm Hegel (1743-1819): A filosofia hegeliana se apresenta como ciência e como história. A Fenomenologia do espírito (1807) é sua obra mais importante, e nela Hegel procura fazer uma “experiência da consciência” no mundo. A Hegel interessa compreender as mudanças envolvidas na relação entre sujeito e objeto. Essa transformação no tempo tem uma relação com a lógica. Em razão disso, ele acreditava que a fenomenologia poderia ser encarada como uma ciência. As passagens pelas figuras do pensamento — consciência, consciência de si, razão, espírito e religião — são as etapas principais de uma progressão dialética que Hegel chama de “saber absoluto”. Esse movimento dialético também tem uma relação histórica na formação do espírito, que é o verdadeiro sujeito desse processo. As etapas históricas e os saberes parciais são os fenômenos desse espírito absoluto, que tem por fim, nesse percurso, conhecer a si mesmo. Fontes de pesquisa http://pt.scribd.com/doc/7177836/Husserl-El-Articulo-Fenomenologia-de-La-Enciclopedia-Britanica. 3.4 - DIALÉTICA: A ARTE DO DIÁLOGO E DA COMPLEXIDADE Pedro Menezes Professor de Filosofia A dialética tem sua origem na Grécia antiga e significa o "caminho entre as ideias". Consiste em um método de busca pelo conhecimento baseado na arte do diálogo. É desenvolvida a partir de ideias e conceitos distintos e que tendem a convergir para um conhecimento seguro. A partir do diálogo, distintos modos de pensamento são evocados e surgem as contradições. A dialética eleva o espírito crítico e autocrítico, compreendido como o cerne da atitude filosófica, o questionamento. Origens da Dialética A origem da dialética é uma questão em disputa entre dois filósofos gregos. Por um lado, Zenão de Eleia (c. 490-430 a.C.) e, de outro, Sócrates (469-399 a.C.) tem atribuídos a si, a fundação do método dialético. Mas, sem dúvida, foi Sócrates quem tornou célebre o método desenvolvido na filosofia antiga, que influenciou todo o desenvolvimento do pensamento ocidental. Para ele, o método do diálogo era a forma pela qual a filosofia se desenvolvia, construía conceitos e definia a essência das coisas. Hoje em dia, o conceito de dialética tornou-se a capacidade de se perceber a complexidade e, mais que isso, as contradições que constituem todos os processos. A Dialética ao Longo da História Desde a importância dada ao diálogo proposta no método socrático, a dialética, ao longo do tempo, perdeu força. Muitas vezes, configurou-se como secundária ou como um método acessório ao método científico. Principalmente, durante a Idade Média, o conhecimento estava assentado junto uma divisão social estratificada. O diálogo e o embate de ideias era algo a ser reprimido, e não estimulado. O diálogo não era entendido como um método válido para a aquisição do conhecimento. Com o Renascimento, uma nova leitura do mundo que negava modelo anterior fez com que a dialética voltasse a ser um método respeitável para o conhecimento. O ser humano passou a ser compreendido como um ser histórico, dotado de complexidade e passível de transformação. Essa concepção se opõe ao modelo medieval que compreendia o homem como uma criatura perfeita à imagem e semelhança de Deus e, poi isso, imutável. Essa complexificação traz consigo a necessidade de recorrer a um método que desse conta do movimento no qual os seres humanos encontravam-se inseridos. A partir do Iluminismo, o apogeu da razão, fez com que a dialética fosse um método capaz de dar conta das relações humanas e sociais em constante transformação. Foi o filósofo iluminista Denis Diderot (1713-1784) que percebeu o caráter dialético das relações sociais. Em um de seus ensaios escreveu: Sou como sou porque foi preciso que eu me tornasse assim. Se mudarem o todo, necessariamente eu também serei modificado." Outro filósofo responsável pelo fortalecimento da dialética foi Jean-Jacques Rousseau (1712-1778). Ele percebeu que a sociedade era desigual, muitas vezes injusta e composta de contradições. A partir desse pensamento, Rousseau passa a propor uma mudança da estrutura social que pudesse ser a favor da maioria, e não zelar pelos interesses de uma minoria. Sendo assim, a "vontade geral" pregada por Rousseau vai além e prega a convergência das ideias para alcançar o bem comum. Essas ideias ecoaram pela Europa e encontraram sua materialização na Revolução Francesa. A política e o diálogo serviram de princípios para o estabelecimento do novo modo de governo. Com Immanuel Kant (1724-1804), a percepção das contrariedades está relacionada à proposta de estabelecimento de limites para o conhecimento humano e a razão. Com isso, Kant acreditou ter encontrado a solução para o problema entre racionalistas e empiristas, a concepção do ser humano como sujeito de conhecimento, ativo na compreensão e na transformação do mundo. Pensamentos sem conteúdos são vazios; intuições sem conceitos são cegas. A partir do pensamento kantiano, o filósofo alemão Hegel (1770-1831) afirmou que a contradição (a dialética) não se encontra apenas no ser do conhecimento, mas constitui a própria realidade objetiva. Hegel e a Dialética Hegel percebe que a realidade restringe as possibilidades dos seres humanos, que se realizam como uma força da natureza capaz de transformá-la a partir do trabalho do espírito. A dialética hegeliana é composta de três elementos: 1. Tese A tese é a afirmação inicial, a proposição que se apresenta. 2. Antítese A antítese é a refutação ou negação da tese. Demonstra a contraditoriedade daquilo que foi negado, sendo a base da dialética. 3. Síntese A síntese é compostaa partir da convergência lógica (lógica dialética) entre a tese e sua antítese. Essa síntese, entretanto, não assume um papel de conclusão, mas sim como uma nova tese capaz de ser refutada dando continuidade ao processo dialético. Hegel mostra que o trabalho é o que separa os seres humanos da natureza. O espírito humano, a partir das ideias, é capaz de dominar a natureza pelo trabalho. Vejamos o exemplo do pão: a natureza oferece a matéria-prima, o trigo, o ser humano a nega, transforma o trigo em massa. Essa massa após assada transforma-se em pão. O trigo, assim como a tese, permanece presente, mas assume outra forma. Hegel, como idealista, compreende que o mesmo acontece com as ideias humanas, avançam de forma dialética. O verdadeiro é o todo. O filósofo alemão Karl Marx (1818-1883), estudioso e crítico de Hegel, afirmou que falta no pensamento hegeliano uma visão totalizante que dê conta de outras contradições. Marx concorda com Hegel no aspecto do trabalho como força humanizadora. Entretanto, para ele o trabalho dentro da perspectiva capitalista, pós-revolução industrial assume um caráter alienante. Marx constrói um pensamento materialista em que a dialética se dá a partir da luta de classes em seu contexto histórico. Para o filósofo, a dialética precisa estar relacionada ao todo (a realidade) que é a história da humanidade e da luta de classes, bem como à produção de ferramentas para a transformação desta realidade. Os filósofos têm se limitado a interpretar o mundo; o importante, no entanto, é transformá-lo. Essa totalidade mais ampla não está completamente definida e acabada, pois é limitada ao conhecimento humano. Todas as atividades humanas possuem esses elementos dialéticos, o que se altera é a abrangência da leitura dessas contradições. A atividade humana é composta de diversas totalidades de abrangências distintas, sendo a história da humanidade o nível mais amplo da totalização dialética. A consciência dialética é o que permite a transformação do todo a partir das partes. A educação parte do princípio de que a leitura da realidade é composta de, pelo menos, dois conceitos contraditórios (dialéticos). Engels e as Três Leis da Dialética Friedrich Engels Após a morte de Marx, seu amigo e parceiro de investigação Friedrich Engels (1820-1895), a partir das ideias presentes em O Capital (primeiro livro, 1867), buscou estruturar a dialética. Para isso, desenvolveu suas três leis fundamentais: 1. Lei da passagem da quantidade à qualidade (e vice-versa). As mudanças possuem ritmos distintos, podendo alterar-se em sua quantidade e/ou em sua qualidade. 2. Lei da interpretação dos contrários. Os aspectos da vida possuem sempre dois lados contraditórios que podem, e devem, ser lidos em sua complexidade. 3. Lei da negação da negação. Tudo pode, e deve, ser negado. Entretanto, a negação não se mantém como uma certeza, também deve ser negada. Para Engels, esse é o espírito da síntese. Segundo a concepção materialista da história, o fator determinante na história é, em última instância, a produção e a reprodução da vida real. Leandro Konder e a Semente de Dragões Para o filósofo brasileiro Leandro Konder (1936-2014), a dialética é pleno exercício do espírito crítico e o método de questionamento capaz de desmontar preconceitos e desestabilizar o pensamento vigente. O filósofo recorre ao pensamento do escritor argentino Carlos Astrada (1894-1970) e afirma que a dialética é como "semente de dragões", sempre contestadora, capaz de intranquilizar todas as mais estruturadas teorias. E os dragões nascidos dessa constante contestação hão de transformar o mundo. Os dragões semeados pela dialética vão assustar muita gente pelo mundo afora, talvez causem tumulto, mas não são baderneiros inconsequentes; a presença deles na consciência das pessoas é necessária para que não seja esquecida a essência do pensamento dialético. 3.4.1 – MATERIALISMO DIALÉTICO Juliana Bezerra Professora de História O materialismo dialético é uma corrente filosófica que utiliza o conceito de dialética para entender os processos sociais ao longo da história. Essa teoria faz parte do marxismo socialista, criada por Karl Marx (1818-1883) e Friedrich Engels (1820-1895). Além do materialismo, Marx e seu companheiro Engels (1820-1895) desenvolveram diversas teorias juntos com o intuito de compreender as relações sociais. Lembre-se que o marxismo é o nome dado as ideias desenvolvidas pelo filósofo Marx, considerado um dos mais influentes pensadores da modernidade. Características do materialismo dialético Na concepção marxista, a dialética é uma ferramenta utilizada para compreender a história. A dialética marxista considera o movimento natural da história e não admite sua maneira estática e definitiva. Segundo Engels: “O movimento é o modo de existência da matéria”. Sendo assim, a história quando é analisada como algo em movimento torna-se transitória, que por sua vez, pode ser transformada pelas ações humanas. Nesse caso, a matéria possui uma relação dialética com os âmbitos psicológico e social. E assim, os fenômenos sociais são interpretados através da dialética. Por meio dessa relação dialética entre o ambiente, o organismo e os fenômenos físicos, os seres humanos, a cultura e a sociedade criam o mundo, ao mesmo tempo que são modelados por ele. Vale notar que o materialismo dialético é oposto ao idealismo filosófico que acredita que o mundo material é um reflexo do mundo das ideias. Por outro lado, para o materialismo dialético, o corpo e a mente são indissociáveis e os seres humanos podem modificar o mundo real, e não somente observá-lo. Você Sabia? A termo “dialética” vem do grego “dialegos” e significa “movimento de ideias”. Dessa forma, a dialética é a arte do diálogo em forma de debate. Esse conceito já era utilizado pelos gregos na antiguidade. Segundo Platão, a dialética é um instrumento essencial para alcançar a verdade. Materialismo Histórico O materialismo histórico, diferente do dialético, estuda as formas de produção da vida material das sociedades. Essa vertente marxista afirma que as relações sociais são fruto do trabalho dos seres humanos, bem como do que produzem para suprir suas necessidades materiais. Materialismo Mecanicista O materialismo mecanicista é um tipo de materialismo que vigorou a partir do século XVIII. Essa vertente está intimamente relacionada com o avanço dos processos tecnológicos da Revolução Industrial. De acordo com essa teoria filosófica, os fenômenos sociais são comparados a uma grande engrenagem mecânica. 3.4.2 – MARXISMO Francisco Porfírio A palavra marxismo designa dubiamente a doutrina política elaborada por Karl Marx e Friedrich Engels e o método de análise socioeconômica baseada no que Marx chamou de materialismo histórico dialético, que apresenta como elemento de definição e análise da sociedade a sua produção material. Quando nos referimos ao marxismo ou aos marxistas, estamos tratando especificamente desses elementos. Para referirmo-nos aos livros de Marx ou à sua obra, sem a especificação da doutrina ou do método de análise social, devemos utilizar o adjetivo “marxiano”, como a “obra marxiana” ou a “teoria marxiana”. O marxismo ainda é amplamente estudado nos âmbitos da sociologia, da filosofia e da economia. Atualmente, pelo fato de o marxismo estar alinhado a um pensamento de esquerda, setores da direita, sobretudo da direita conservadora, acusam os movimentos de esquerda de infiltrarem os ideais marxistas nas instituições de educação, na mídia e na cultura em geral, formando o que eles chamaram de “marxismo cultural”. Características do marxismo O pensamento marxista está fundamentado no reconhecimento de um sistema de exploração da classe operária pela burguesia. Fundado por Karl Marx e Friedrich Engels, o marxismo fundou-se com base em um pensamento socialista já existente na Europa industrial, a fim de criar uma doutrina amparada pela socialização dos meios de produção (indústrias) e pela tomada de poder da classe operária, tendo em vista sua libertação do sistema explorador.O marxismo começou a ser difundido por meio das obras de Marx e Engels, lembrando que não foram os autores que criaram o termo “marxismo”, e ganhou força no fim do século XIX a partir da formação de grandes sindicatos de operários. A expressão maior do marxismo deu-se com a Revolução Russa e a ascensão de Vladimir Lenin ao poder na nascente União Soviética. Outros governos que se autointitularam socialistas marxistas foram o da China, a partir da revolução de Mao Tsé-Tung, e o de Cuba, a partir da Revolução Cubana liderada por Fidel Castro, Raul Castro, Ernesto “Che” Guevara e Camilo Cienfuegos. O marxismo, na sua forma pura, defende que deve haver uma revolução pela qual a classe operária toma para si os meios de produção e o governo, suprimindo a burguesia e os seus meios de hegemonia e manutenção do poder, que constituem os conjuntos chamados infraestrutura e superestrutura. Com base nisso, deveria ser criado um Estado forte, com um governo chamado de socialista, que acabaria com a propriedade privada e controlaria toda a propriedade em nome da população, formando uma ditadura do proletariado. A tendência, defende o sistema marxista, é que aos poucos a diferença de classes sociais deixaria de acontecer, pois as classes seriam suprimidas, formando uma população economicamente homogênea por meio da igualdade social. O fim desse processo, de igualdade plena, seria o chamado comunismo, que pode ser considerado uma utopia, pelo fato de que, até hoje, não foi concretizado. O socialismo existente antes da teoria marxista é chamado de socialismo utópico. O socialismo marxista pode ser chamado de socialismo científico, pois ele cria uma metodologia sociológica de análise social e traz para a teoria socialista elementos das ciências econômicas. Já o socialismo que entrou em prática nos governos soviéticos (após o afastamento de Lenin e Trotsky e a tomada tirânica de Stalin), chinês (de Mao Tsé-Tung), cubano, vietnamita, entre outros países que passaram por regimes socialistas, pode ser chamado de socialismo real, pois todas essas nações ditas socialistas afastaram-se muito da teoria marxista. Foram muitos os detratores do marxismo ao longo da história. No século XX, a Alemanha nazista de Hitler efetuou uma caça ao comunismo, que se resumia, para o governo totalitário, a qualquer pensador de esquerda ou que discordasse do governo vigente. Aqui no Brasil, na mesma época, Getúlio Vargas perseguiu e prendeu comunistas que se apresentavam como uma ameaça ao governo desde 1930, destacando nomes como Carlos Marighella, Luís Carlos Prestes e Olga Benário, ativistas marxistas que lutavam na guerrilha armada comunista. Durante a Guerra Fria, onde se formaram dois blocos econômicos centrais, o socialista e o capitalista, houve uma intensa campanha ideológica dos Estados Unidos para suprimir o que eles chamavam de ameaça comunista, que envolvia governos marxistas, governos de esquerda em geral e pensadores e ideólogos marxistas. As ditaduras na América Latina, que aconteceram a partir da década de 1960, foram organizadas e financiadas pelo governo estadunidense, pois este justificava haver uma crescente comunista nos países do sul. Aqui no Brasil, porém, a luta armada comunista de cunho marxista já havia acabado desde os anos de 1950, e os guerrilheiros marxistas voltam à cena após a deflagração do golpe civil militar de 1964. No campo econômico, podemos destacar nomes das escolas Austríaca e de Chicago, de orientação neoliberal, como opositores do marxismo nas práticas econômicas e políticas. Filosofia A principal contribuição da teoria marxista para a filosofia reside no conceito de materialismo histórico dialético. Essa concepção filosófica opera uma reviravolta no que se entendia por dialética até então, de Platão a Hegel. O conceito de dialética ganha um escopo estritamente prático e material, dispensando o idealismo alemão em alta no cenário intelectual filosófico do século XIX. Muitos intelectuais contemporâneos filiaram-se ao pensamento marxista, contribuindo para sua disseminação. Alguns mais revolucionários, como o filósofo italiano Antonio Gramsci, partiram para a defesa direta de uma revolução. Já os teóricos da Escola de Frankfurt fizeram uma releitura do marxismo para uma aplicação que se encaixasse melhor no panorama econômico e político do século XX. Artistas como Frida Kahlo e o dramaturgo Bertold Brecht inspiraram-se na teoria marxista na composição de suas obras e defenderam abertamente o marxismo como solução para as mazelas sociais. Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir fundaram uma nova perspectiva existencialista que angariou elementos do marxismo, da obra nietzschiana e do conceito de angústia, proveniente da obra do filósofo dinamarquês Søren Kierkegaard. Michel Foucault também remodelou os conceitos marxistas e readaptou-os à sua análise social baseada no conceito de poder. Nos dias atuais, um filósofo marxista que atualiza as análises sociais provenientes do pensamento de Marx para o século XXI é o esloveno Slavoj Zizek. Sociologia No campo da sociologia, as contribuições de Marx destacam-se, principalmente, por seu método de análise social. É importante salientar que essa área do conhecimento ainda não havia sido consolidada como uma ciência rigorosa quando Marx está entre o período intermediário e final de seus escritos. Essa consolidação somente se dá, de fato, com o francês Émile Durkheim. No entanto, o reconhecimento da produção material da humanidade como fator fundante das sociedades humanas e o reconhecimento da história humana como fruto da luta de classes, ou, em outros termos, o reconhecimento das diferenças sociais e a fundação do materialismo histórico dialético permitem uma nova balizagem para os estudos sociológicos. A qual é influente nos trabalhos de pesquisadores da sociologia ainda nos dias atuais. O que é marxismo cultural? O termo marxismo cultural deriva de uma teoria equivocada difundida por setores conservadores para atacar os seus adversários políticos com base na argumentação falaciosa classificada, na filosofia, como falácia do falso espantalho. O marxismo cultural não existe e nunca existiu, havendo inclusive defesas de pensadores influentes da direita liberal que desconsideram por completo a existência de qualquer coisa do gênero. Os que afirmam a existência do marxismo cultural não o atribuem a Marx, mas sim a Gramsci e aos frankfurtianos. Dizem que há uma conspiração que visa acabar com as bases ocidentais e instalar o socialismo por meio da dissolução do capitalismo. Acontece que, na visão dos que defendem a existência do marxismo cultural, não era suficiente fazer uma revolução, se a cultura continuasse a mesma. Então, os conservadores que criaram essa teoria pegaram elementos dos escritos de pensadores da Escola de Frankfurt para acusá-los de incitar uma revolução cultural através da penetração em instituições de ensino. Também pegaram os escritos de Gramsci em que ele defende a aniquilação do cristianismo como meio de abalar a cultura ocidental. O texto de Gary North, pesquisador liberal filiado ao Instituto Mises, grande defensor da direita e do capitalismo liberal voraz, argumenta, comentando a suposta existência do marxismo cultural “É por isso que sempre me espanto quando vejo analistas conservadores aceitando a ideia de marxismo cultural. Eles recorrem aos escritos da Escola de Frankfurt para pegar notas de rodapé que dêem sustento a essa ideia. Os analistas mais sagazes recorrem aos escritos de Antonio Gramsci feitos dentro de uma prisão na década de 1930. Gramsci oficialmente era um comunista. Ele era italiano. Ele passou uma temporada na União Soviética durante a década de 1920 e voltou de lá acreditando que a tradição leninista estava incorreta. O Ocidente havia demonstrado não ser um terreno fértil para o comunismo precisamente porque o Ocidente era cristão. Gramsci entendeu claramente que, enquanto o cristianismo não fosse destruído e permanecesse uma tradição precípua no Ocidente, não haveria nenhuma revolução proletária aqui. A históriacertamente comprovou-o correto. A revolução proletária jamais veio. Gramsci argumentou, e a Escola de Frankfurt seguiu seu caminho, que a maneira de os marxistas transformarem o Ocidente era por meio da revolução cultural: daí surgiu a ideia do relativismo cultural. Esse argumento está correto, mas o argumento não era e nem nunca foi marxista. O argumento era hegeliano. Tal argumento virava o marxismo do avesso, assim como Marx havia virado do avesso as ideias de Hegel. Em seus primórdios, toda a ideia do marxismo era baseada na rejeição do lado espiritual do hegelianismo. O marxismo original estabelecia que o modo de produção deveria ser o núcleo da análise da cultura capitalista.” |1| Ou seja, a acusação da existência de um marxismo cultural é, no mínimo, antimarxista, visto que o marxismo estabelece claramente que a revolução somente acontece pela mudança nas estruturas práticas e políticas da sociedade, pela reestruturação social, e não pela mudança ideal. Para Marx, a mudança só vem pela luta, o que o afasta de Hegel, para quem a mudança viria com novos ideais. O que chamam de marxismo cultural é, então, um paradoxo ou algo que não é marxista. Marxismo e cristianismo Marx considerava a religião, sobretudo a religião cristã, um elemento que mantinha a hegemonia burguesa, por, sobretudo, fazer o trabalhador aceitar a sua exploração. Segundo Marx, “a religião é o suspiro da criatura oprimida, o ânimo de um mundo sem coração, assim como o espírito de estados de coisas embrutecidos. Ela é o ópio do povo”|2|. A religião, como uma droga, acalma o povo e mantém-no manso. Em contrapartida, assim como o ópio, ela causa, após o efeito de torpor, efeitos colaterais graves. O cristianismo, na ótica marxista, teria essa função enfraquecedora da humanidade, que só conseguiria libertar-se do domínio burguês com o abandono das amarras cristãs. Marxismo nas escolas O debate sobre a presença ou não do marxismo nas escolas remonta à difusão de conspiração do marxismo cultural. Dizem haver uma intensa defesa dos ideais marxistas dentro das escolas, o que seria responsável por uma suposta doutrinação ideológica dos estudantes. Os conservadores mais radicais alegam que os professores e professoras estão formando exércitos comunistas para operar uma revolução, e isso, segundo os acusadores, é apoiado pelo Ministério da Educação, que elabora currículos cheios de assuntos marxistas. Acontece que, na ótica de muitas pessoas que tecem essa acusação, qualquer elemento do currículo pode ser chamado de marxismo, inclusive coisas que nada têm a ver com marxismo, como feminismo e teorias de gênero, e assuntos que até se relacionam com o marxismo, mas não são exclusivos dele, como a redução das desigualdades sociais. Assim como o marxismo cultural, a acusação de uma doutrinação ideológica marxista nas escolas é infundada e rasa, não representando a realidade das escolas, sobretudo as escolas públicas brasileiras, que têm problemas muito maiores para enfrentar, como a superlotação das salas, a falta de investimento e os desvios de verba, que impedem a chegada do dinheiro nas instituições, a baixa remuneração dos professores, os problemas sociais que refletem na sala de aula etc. Marxismo e feminismo Não é possível estabelecer um nexo direto entre a teoria marxista e o feminismo, pois Marx nada falou sobre a questão específica da igualdade de gênero em suas obras que expõem a estrutura marxista. Não obstante, Marx e Engels defendiam ideias de emancipação das mulheres e de igualdade de gênero, dizendo que parte da estrutura de dominação burguesa era permitida pelo sistema familiar tradicional. Existe um ramo contemporâneo de estudos feministas chamado de “feminismo marxista”, que analisa a questão da desigualdade de gênero e da opressão contra as mulheres por meio da ótica marxista. Essa teoria enxerga o patriarcado como mais uma forma de atuação do capitalismo, que subjuga as mulheres, assim como as classes operárias, para mantê-las sob seu domínio. Fora o feminismo marxista, podemos destacar na história ocidental nomes de mulheres marxistas que contrariaram os estereótipos de gênero e lutaram pela igualdade de direitos, como Rosa Luxemburgo e Simone de Beauvoir. Notas |1| NORTH, G. Marxismo cultural é um paradoxo. Disponível em: https://www.mises.org.br/Article.aspx?id=1896. Acesso em: 20 de abril de 2019. |2| MARX, K. p. 145. 3.5 - A RELAÇÃO FILOSOFIA E O SERVIÇO SOCIAL BEZERRA, Andréia A.; COSTA, Ana P.; OLIVEIRA, Ana M.; EDUARDO, Jailma G.; SILVA, Maria J. Martins, (Acadêmicas da Universidade Anhanguera). Resumo. O presente artigo discute importantes questões que precisam ser repensadas em relação a filosofia como parceira do serviço social. Tais questões giram em torno da qualificação do profissional de serviço social como também ressalta algumas questões que precisamos trazer para nosso meio enquanto universidade. Palavras-chave: Relação- filosofia- serviço social. O serviço social está diretamente ligado a filosofia, pois é preciso servir com sabedoria, e essa só é adquirida através da filosofia, é necessária uma visão adiante para que possamos realmente ter a capacidade de voltar a realidade depois de encontrarmos o conhecimento, assim podendo repassá-los adiante. É necessária a reflexão dos indivíduos, permitindo-os a reconstruir as próprias idéias. A palavra filosofia vem do grego e significa amor a sabedoria. Pitágoras fundador da escola pictórica é o filosofo a quem foi atribuído o uso dessa palavra. No principio, a filosofia se confunde com a ciência, pois, ambas procuraram a verdade das coisas. Mas conforme as investigações são ordenadas de modo sistemático, surgem as ciências particulares e a filosofia se especifica em uma ciência que trata de penetrar nos princípios e as causas. Ela pressupõe um estado de espírito: o da pessoa que quer o conhecimento, a busca e o respeito a esse conhecimento. Podemos a partir do conceito da palavra filosofia destacar sua grande importância para se decifrar a sociedade e o mundo em que se vive, pois é através da sabedoria e da filantropia que o homem poderá sensibilizar a sociedade e contribuir para sua formação correta. A filosofia passou e vem passando por diversas transformações, procurando melhorar a cada dia, para assim contribuir com a sociedade contemporânea, cada geração é composta por filósofos que tentam estudar e decifrar as mazelas existentes e assim contribui para amenizar a exclusão existente socialmente. Segundo o historiador Jean-Pierre Vernant, o nascimento da filosofia, relaciona-se de maneira direta com o universo espiritual que nos apareceu define a ordem da cidade e se caracterizar precisamente por uma racionalização da vida social. A filosofia tem grandes características às quais vêm sofrendo transformações singulares. A filosofia está diretamente relacionada com a sociedade e suas transformações, tentando assim justificar e transformar as situações existentes. Tentando da sua contribuição na elaboração de políticas publicas. O assistente social necessita de constante transformação, a cada dia precisa se atualizar para resolver os problemas relativos a sua profissão, a inovação é indispensável para o exercício da profissão, pois, o assistencialismo está em constante transformação a sociedade é uma inovação a cada instante e só a partir das praticas filosóficas podemos realmente atingir o objetivo e suprir as necessidades sociais. O grande Heráclito já dizia: Não podemos entrar duas vezes no mesmo rio, pois suas águas se renovam a cada instante. Não tocamos duas vezes o mesmo ser, pois esse modifica continuamente sua condição. Assim é a filosofia, a sociedade, o ser humano, a natureza está em constante transformação o hoje nunca mais voltara e assim sucessivamente. O assistente social precisa da filosofia em todos os âmbitos, pois só a traves da mesma podemos crescer intelectualmente, em conceitos e ações. A filosofia permite interiorização, o raciocino profundas a concentração e a postura exata na vida profissional. Postura é indispensável em umacarreira profissional, assim como a ética e a moral as três serão sempre inseparáveis. Somos formadores de opiniões, e qual seria a postura de um formador de opinião? È preciso uma reflexão e uma ação imediata quanto ao questionamento anterior. Em seu artigo: A ação investigativa na pratica cotidiana do assistente social, a professora Vera Lucia Tieko destaca as perspectivas, a ação investigativa: Nesta perspectiva, a ação investigativa permite aos assistentes sociais em suas práticas cotidianas: a) desdobrar as múltiplas determinações que constituem o cotidiano da prática profissional, num esforço de apreendê-lo de forma diferente daquela percebida no momento da sua singularidade e na sua imediaticidade; b) Avançar no desenvolvimento de estratégias pedagógicas capazes de mediar a dimensão do senso comum com a produção de conhecimento; c) Colocar os profissionais em permanente diálogo com o pensamento crítico contemporâneo; d) Subsidiar os profissionais na emissão de respostas qualificados as demandas e necessidades da prática; e) Apreender e traduzir, no concreto real, o conhecimento acumulado ao nível da teoria social e das teorias mediadoras; f) Construir um conhecimento novo, crítico e criativo capaz de iluminar e subsidiar a prática cotidiana, possibilitando ao profissional apropriar-se de um saber para a construção de um fazer competente. Assim, da interlocução entre as ações investigativas e as diferentes formas de pensamento e de ação acerca da situação concreta vivida no cotidiano dos profissionais, é que está a possibilidade de emergir um novo significado de prática. Assim como a postura investigativa a postura filosófica está diretamente ligada, ambas estão destinadas ao conhecimento, ao saber e ao comportamento dos indivíduos e profissionais. A postura é essencial para um ser humano, a mesma permite a ação concreta de um profissional. È indispensável à postura na vida em sociedade. Em seu artigo: A questão social a autora Ednéia Machado ressalta: O objeto do Serviço Social, no Brasil, tem, historicamente, sido delimitado em virtude das conjunturas políticas e sócio-econômicas do país, sempre tendo-se em vista as perspectivas teóricas e ideológicas orientadoras da intervenção profissional. Assim, é que, no início do Serviço Social no Brasil, 1937, o objeto definido era o homem, mas um homem específico: o homem morador de favelas, pobre, analfabeto, desempregado, etc. Enfim, entendia-se que esse homem era incapaz, por sua própria natureza, de “ascender” socialmente. Daí que o objeto do Serviço Social era este homem, tendo por objetivo moldá-lo, integrá-lo, aos valores, moral e costumes defendidos pela filosofia neotomista. Posteriormente, o Serviço Social ultrapassa a idéia do homem como objeto profissional. Passa-se à compreensão de que a situação deste homem – analfabeto, pobre, desempregado, etc. – é fruto, não só de uma incapacidade individual mas, também, de um conjunto de situações que merecem a intervenção profissional. O objeto do Serviço Social se coloca, então, como a situação social problema: “... o Serviço Social atua na base das inter-relações do binômio indivíduo-sociedade. [...] Como prática institucionalizada, o Serviço Social se caracteriza pela atuação junto a indivíduos com desajustamentos familiares e sociais. Tais desajustamentos muitas vezes decorrem de estruturas sociais inadequadas” (Documento de Araxá, 1965, p.11). Na década de 70, com a mobilização popular contra a ditadura militar, o Serviço Social revê seu objeto, e o define como a transformação social. Apesar do objeto equivocado, afinal a transformação social não se constitui em tarefa de nenhum profissional – é uma função de partidos políticos; o que este objeto, efetivamente, representou foi a busca, pelas assistentes sociais, de um vínculo orgânico com as classes subalternizadas e exploradas pelo capital. E é esta postura política que tem marcado os debates do Serviço Social até os dias atuais. Teoricamente, o Serviço Social passa a orientar-se pela análise marxiana da sociedade burguesa, mas abandonou a transformação social como objeto profissional e, no âmbito da ABESS/CEDEPSS **, o objeto passou a ser definido como a questão social, ou as expressões da questão social: “O assistente social convive cotidianamente com as mais amplas expressões da questão social, matéria prima de seu trabalho. Confronta-se com as manifestações mais dramáticas dos processos da questão social no nível dos indivíduos sociais, seja em sua vida individual ou coletiva” (ABESS/CEDEPSS, 1996, p. 154-5. O serviço social avança a cada dia que passa as transformações existentes, são de responsabilidade do homem. Podendo assim analisar historicamente o serviço social desde de sua criação, vale ressaltar que o avanço do mesmo se deu através da sabedoria, a qual é adquirida através do conhecimento filosófico. O homem é um ser em constante transformação tanto na racionalidade quanto na sociedade. É importante um estudo aprofundado a respeito da questão social a mesma tem sido colocada na nova proposta de reformulação curricular, como objeto do serviço social. Assim a Autora Ednéia Machado nos mostra o seguinte: IAMAMOTO, (1997, p. 14), define o objeto do Serviço Social nos seguintes termos: “Os assistentes sociais trabalham com a questão social nas suas mais variadas expressões quotidianas, tais como os indivíduos as experimentam no trabalho, na família, na área habitacional, na saúde, na assistência social pública, etc. Questão social que sendo desigualdade é também rebeldia, por envolver sujeitos que vivenciam as desigualdades e a ela resistem, se opõem. É nesta tensão entre produção da desigualdade e produção da rebeldia e da resistência, que trabalham os assistentes sociais, situados nesse terreno movido por interesses sociais distintos, aos quais não é possível abstrair ou deles fugir porque tecem a vida em sociedade. [...] ... a questão social, cujas múltiplas expressões são o objeto do trabalho cotidiano do assistente social”. É indiscutível a inserção da intervenção do Serviço Social no âmbito das desigualdades sociais, ou, mais amplamente, da questão social. Entretanto, considerando a concepção de questão social, é de se perguntar se a mesma, ou suas expressões, podem se constituir em objeto de uma única profissão. Estamos partindo da concepção de que o objeto é o que demonstra, coloca, a especificidade profissional. Ora, entender a questão social como objeto específico do Serviço Social, das duas uma: ou se destitui a questão social de toda a abrangência conceitual, ou se retoma a uma visão do Serviço Social como o único capaz de atuar nas mudanças/transformações da sociedade. Se pensarmos na abrangência da concepção de questão social, concluiremos que as mais diversas profissões têm suas atuações determinadas por ela: o médico que atende problemas de saúde causados por fome, insegurança, acidentes de trabalho, etc.; o engenheiro que projeta habitações a baixo custo; o advogado que atende as pessoas sem recursos para defender seus direitos; enfim, os mais diferentes profissionais que, também, atuam nas nas expressões da questão social. Há, ainda, uma outra reflexão possível: em sendo a questão social uma categoria que explicita, expressa, as desigualdades geradas pelo modo de produção capitalista, ela se colocaria, também, como objeto de todos aqueles que apostam no capitalismo como a forma perfeita de produção da vida social. Assim, ela, também, se expressaria nas políticas econômicas, sociais, culturais, traçadas em âmbito governamental, para manter as classes que vivem do trabalho subordinadas e dominadas. Ou seja, se a manifestação da desigualdade, a luta pelos direitos sociais e de cidadania, são uma expressão da questão social, não interessa as classes detentoras dos poderes políticos e econômicos que haja um acirramento da contradição, viabilizando, desta forma, espaços de organização da população. Neste sentido, a contradição capital – trabalho também é um objeto dos que buscam, na manutenção do capitalismo, a garantiade privilégios econômicos e políticos. Segundo FALEIROS, (1997, P. 37): “... a expressão questão social é tomada de forma muito genérica, embora seja usada para definir uma particularidade profissional. Se for entendida como sendo as contradições do processo de acumulação capitalista, seria r sua vez, contraditório colocá-la como objeto particular de uma profissão determinada, já que se refere a relações impossíveis de serem tratadas profissionalmente, através de estratégias as próprias do próprio desenvolvimento das práticas do Serviço Social. Se forem as manifestações dessas contradições o objeto profissional, é preciso também qualificá-las para não colocar em pauta toda a heterogeneidade de situações que, segundo NETTO, caracteriza, justamente, o Serviço Social”. Portanto, definir como objeto profissional a questão social, não estabelece a especificidade profissional. Podemos entender na sugestão de FALEIROS, que qualificar a questão social significa apreender o que compete ao Serviço Social no âmbito da questão social. Se falarmos, por exemplo, nas expressões sociais da questão social, estaremos, minimamente, definindo um espaço de atuação profissional. A questão social é muito clara, quanto a exploração da autora e seus contribuintes citados anteriormente (IAMAMOTO e FALEIROS), assim podendo possibilitar a ligação existente entre a filosofia e o serviço social, quanto a contribuição que ambos deram a sociedade em si. A luta por igualdade social é de todos mas é preciso conhecer para exercer mesma. Vale ressaltar ainda que é preciso uma ampliação quanto a questão do objeto social, a qual se Dara através de estudos específicos. Assim podemos analisar e constatar que o serviço social e a filosofia precisão de uma indispensável parceria, pois ambos necessitam de estudos e aperfeiçoamentos concretos. Referências http://portal.filosofia.pro.br/o-que--filosofia-short.html, acessado em 20/05/10. http://www.rbep.inep.gov.br/index.php/emaberto/article/viewFile/719/642, acessado em 20/05/10. http://www.rbep.inep.gov.br/index.php/emaberto/article/viewFile/719/642. ABESS/CEDEPSS. Proposta básica para o projeto de formação profissional. Serviço Social & Sociedade, XVII (50): 143-71. São Paulo, Cortez, abr. 1996. AGUIAR, Antonio Geraldo de. Serviço Social e Filosofia : das origens a Araxá. São Paulo, Cortez, 1984. FALEIROS, Vicente de Paula. Estratégias em Serviço Social. São Paulo, Cortez, 1997 IAMAMOTO, Marilda Vilela. O Serviço Social na contemporaneidade: dimensões históricas, teóricas e ético-políticas. Fortaleza, CRESS –CE, Debate n. 6, 1997.