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EDUCANDO PARA A PAZ
FORMANDO MULTIPLICADORES DO BEM
LUIS FERNANDO CRESPO
ESTUDO DO SER HUMANO 
CONTEMPORÂNEO
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ESTUDO DO SER HUMANO CONTEMPORÂNEO
2023
Luis Fernando Crespo
PRESIDENTE
Frei Thiago Alexandre Hayakawa, OFM
DIRETOR GERAL
Jorge Apóstolos Siarcos
REITOR
Frei Gilberto Gonçalves Garcia, OFM
VICE-REITOR
Frei Thiago Alexandre Hayakawa, OFM
PRÓ-REITOR DE ADMINISTRAÇÃO E PLANEJAMENTO
Adriel de Moura Cabral
PRÓ-REITOR DE ENSINO, PESQUISA E EXTENSÃO
Dilnei Giseli Lorenzi
COORDENADOR DO NÚCLEO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA - NEAD
Franklin Portela Correia
GESTOR DO CENTRO DE INOVAÇÃO E SOLUÇÕES EDUCACIO-
NAIS - CISE
Franklin Portela Correia
PROJETO GRÁFICO
Centro de Inovação e Soluções Educacionais - CISE
CAPA
Centro de Inovação e Soluções Educacionais - CISE
DIAGRAMADORES
Daniel Landucci
© 2023 Universidade São Francisco
Avenida São Francisco de Assis, 218
CEP 12916-900 – Bragança Paulista/SP
CASA NOSSA SENHORA DA PAZ – AÇÃO SOCIAL FRANCISCANA, PROVÍNCIA 
FRANCISCANA DA IMACULADA CONCEIÇÃO DO BRASIL – 
ORDEM DOS FRADES MENORES
LUIS FERNANDO CRESPO
Doutor em Filosofia pela PUC-SP (2016), possui graduação em Filosofia (bacharelado) 
pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (2001) e mestrado em Filosofia (Éti-
ca) pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (2005), além de especialização 
em EaD pelo Centro Universitário Uniseb Interativo (2012). Tem experiência na área de 
Filosofia, com ênfase em Ética, atuando principalmente nos seguintes temas: lógica, éti-
ca, educação, sociedade e ciência. Além da experiência docente no ensino presencial, 
possui grande experiência como docente e gestor em EaD: trabalhou como docente e 
coordenou o curso de Licenciatura em Filosofia da Faculdade Interativa COC. Atuou 
como professor de Filosofia para o Ensino Fundamental e Ensino Médio; foi professor 
substituto de Filosofia na UNESP-Araraquara. Tem experiência administrativa e docen-
te (professor e conteudista) em diferentes instituições: Kroton Educacional (Anhanguera 
e Unopar), Unicastelo/ Universidade Brasil, UNIBTA, Uniararas, Anhanguera (Sumaré). 
Foi professor substituto no Instituto Federal - IFSP, Campus Boituva. É integrante de 
grupo de estudos: GEPEPS (Grupo de Estudo e Pesquisa em Educação, Política e 
Sociedade), no IFSP-BOITUVA. É curador de textos (livros de humanidades), docente 
e coordenador na Universidade São Francisco (USF).
O AUTOR
SUMÁRIO
UNIDADE 01: SABER, SENTIR E QUERER ..........................................................6
1. Estudo interdisciplinar e o desenvolvimento de competências ...........................7
2. Saber, sentir e querer: o animal racional .............................................................12
3. Saber, sentir e querer: o composto razão-emoção .............................................22
4. Saber, sentir e querer: liberdade e decisão .........................................................32
UNIDADE 02: CRIAR, FALAR E CONVIVER .........................................................44
1. A criação do mundo humano – técnica e trabalho ..............................................44
2. O animal que se comunica ..................................................................................52
3. A organização do mundo humano .......................................................................60
UNIDADE 03: JOGAR, PERCEBER E EXPRESSAR ............................................70
1. Homo ludens: o ser humano que joga e brinca ...................................................70
2. A dimensão cultural do ser humano ....................................................................78
3. Somos seres artísticos! .......................................................................................87
UNIDADE 04: TRANSCENDER, INTEGRAR E DESENVOLVER ........................100
1. O ser humano é um ser religioso ........................................................................100
2. Somos ecológicos ...............................................................................................108
3. Interligados ..........................................................................................................114
4. A redescoberta do humano .................................................................................123
6
Saber, sentir e querer
1
UNIDADE 1
SABER, SENTIR E QUERER
INTRODUÇÃO
Caros estudantes, paz e bem!
Trazemos, de nossa história de estudos, diferentes vivências educacionais; porém, uma 
coisa é certa: quase 100% de nossa experiência vem do ensino presencial. Significa 
que, durante muito tempo, entendemos que a educação apenas era possível dentro do 
modelo que coloca professor e alunos em um mesmo espaço e tempo (sala de aula), 
a partir do que um conteúdo era ensinado. Mas isto não tem nada de novo, já que há 
séculos assim se dá.
A pergunta que fazemos, então, é: se o contexto mudou e diferentes tecnologias foram 
desenvolvidas, por que continuar a realizar a educação do mesmo modo? A Universi-
dade São Francisco – USF entende que, além de importante, a mudança é necessária.
Mas, já que se trata de uma proposta diferenciada, é importante entender de que modo 
é possível alcançar sucesso nos estudos por meio dela.
Estudo do Ser Humano Contemporâneo é um dos componentes que constituem o 
Núcleo de Formação Geral – juntamente com Iniciação à Pesquisa Científica, Ética e 
Cidadania, Direitos Humanos e Empreendedorismo Social –, que são oferecidos inte-
gralmente a distância. Estes componentes serão trabalhados de forma interdisciplinar: 
os conteúdos de cada um servirão para construir um entendimento de mundo e uma 
maneira de problematizar a realidade. Eles, conjuntamente, oferecerão novas chaves 
para que você possa reinterpretar a realidade.
Esta Unidade I tem o objetivo de apresentar alguns elementos importantes para que 
você bem entenda de que modo os componentes curriculares do Núcleo de Forma-
ção Geral estão estruturados a fim de oferecer uma experiência significativa de apren-
dizagem, contribuindo, assim, para sua formação profissional. A unidade prossegue 
discutindo importantes temáticas, tais como a racionalidade e o saber humanos, os 
elementos da razão-emoção e suas interconexões e desdobramentos e, por fim, as 
articulações entre liberdade, poder, ideologia e livre arbítrio.
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Estudo do Ser Humano Contemporâneo
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1. ESTUDO INTERDISCIPLINAR E O DESENVOLVIMENTO DE 
COMPETÊNCIAS
1.1 CONECTAR
Estudo do Ser Humano Contemporâneo e a interdisciplinaridade 
Quando, na estrada, vemos uma placa de trânsito indicando uma curva acentuada à 
direita, por exemplo, sabemos que devemos redobrar a atenção e reduzir a velocidade 
porque, um pouco mais adiante, certamente, haverá uma curva fechada.
A placa é um sinal. Esse sinal é a representação gráfica de uma outra coisa, a curva, 
que pode ser perigosa a depender da velocidade com que entrarmos nela.
O sinal não é a curva, mas nos dá ciência dela. Perguntar sobre o significado dos sinais 
é só uma pequena parte desta discussão. Podemos ir além e perguntarmo-nos sobre o 
sentido, a razão de ser, desse sinal. Por que alguém se daria ao trabalho de conceber 
e fabricar essa placa e fixá-la naquele ponto exato? Que interesses estariam por detrás 
dessa ação? Podemos supor que um propósito seria avisar o viajante de um perigo emi-
nente. Mas, por que avisá-lo? Para tentar evitar que alguém sofra um acidente naquele 
lugar. Por causa de eventuais danos materiais e prejuízos econômicos? Para poupar 
o trabalho de agentes policiais de trânsito, sistemas de resgate, serviços hospitalares, 
prejuízos às agências de seguro...?
Ou estaria essa placa de trânsito indicando, em última instância, um valor maior que 
qualquer outro: a primazia da vida!
A vida é o nosso valor número um, e deve ser preservada sobre todas as coisas, ainda 
queisso exija grandes esforços, onerosos investimentos e o envolvimento de um núme-
ro incontável de profissionais. 
Para que aquela placa de trânsito esteja ali, no local exato, e seja eficiente e eficaz 
para salvar a vida dos viajantes, foram necessárias muitas etapas e a participação 
de muitos profissionais.
Na ponta final, podemos identificar: o designer, o fornecedor de matéria prima, o fabri-
cante, o funcionário que a fixa no local, o operário que realiza sua manutenção...
Mas até chegar nessa ponta final, foi preciso muito mais. Considere que, antes de tudo, 
houve pessoas convictas que se empenharam para convencer outras pessoas da ideia 
de que a vida deve ser cuidada e protegida acima de qualquer outra coisa. Em algum 
momento, foi necessário o engajamento de educadores, de políticos, de agentes legais, 
entre tantos outros, para que projetos-de-lei regulamentadores de tais normas de segu-
rança fossem aprovados e implementados. Não devemos nos esquecer dos responsá-
veis por todo o intrincado processo administrativo e financeiro que garantiram a dotação 
orçamentária dos recursos necessárias para viabilizar a sinalização das estradas. E, 
por fim, mas não menos importante, temos que falar do engajamento do cidadão co-
mum, que é o principal beneficiário da segurança e da integridade física que uma sina-
lização bem-feita pode lhe garantir. Esse cidadão é a grande razão de ser de tudo isso. 
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Saber, sentir e querer
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Quem diria que uma simples placa de trânsito teria como pré-requisito o envolvimento 
de tanta gente. Parece até aquela lista interminável de créditos que a gente vê na tela 
do cinema no final de um filme.
Não nos enganemos. O fim último de todo esse envolvimento profissional não é a placa 
de trânsito. Acima de tudo está a preocupação com o nosso valor número um: a digni-
dade da vida humana, em particular, e a preservação da Vida, em geral. Neste sentido 
é que o componente Estudo do Ser Humano Contemporâneo pode ser entendido como 
aquele cujas temáticas perpassam tudo o que vier a ser problematizado nos demais. Os 
conhecimentos e as práticas relacionados a todo fazer humano depende de um enten-
dimento do que seja a própria essência humana.
Não há uma profissão sequer que goze de plena autonomia em relação às demais. E 
não vale a pena apertarmos um único parafuso que seja, se isso não estiver, em última 
instância, a serviço da vida e da promoção da dignidade humana.
1.2. DESENVOLVER
A USF adota, como diretriz pedagógica, a educação por competências. Mas, você sabe 
o que é a competência, ou quando alguém pode se entender competente?
A competência trata da maneira como lidamos com as situações que nos aparecem na vida 
cotidiana. Neste sentido, é competente aquela pessoa que consegue dar conta das exigên-
cias que as diferentes situações impõem.
Mas, é possível aprender sobre todas as situações que a vida – profissional ou não – vai nos 
apresentar? Claro que não; não há um curso sequer que possa dar conta disso.
Quando se fala em desenvolver competências, mais do que uma prática, o que se objetiva 
é ensinar um modo de compreender as situações. A pergunta que deve ser feita não é “Eu 
aprendi a fazer isso?”, mas sim “Que tipo de raciocínio eu aprendi, a partir deste caso, e que 
vai me possibilitar resolver outros (mesmo que não sejam iguais)?”
SAIBA MAIS
Figura 01. Fig. O desenvolvimento de competências.
Fonte: Elaborado pelo autor / Imagens: Pixabay.com
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Conheça as competências que devem ser desenvolvidas por meio dos estudos que o 
componente Estudo do Ser Humano Contemporâneo incitará:
 ` 01. Compreender a diversidade como valor para a reinvenção social, entendendo a 
multifacetada expressão humana individual e coletiva.
 ` 02. Identificar caminhos de realização humana integral, refletindo sobre a inovação ética 
e sustentável.
 ` 03. Reelaborar as concepções de existência, valorizando uma práxis fundamentada na 
promoção da paz e do bem.
 ` 04. Escolher um caminho de formação que preze por relações fraternas, justas e 
inclusivas, relacionando-as às responsabilidades profissionais.
Releia as competências apresentadas acima. Não se trata de um ideal construído de forma 
aleatória, mas de uma proposta de formação que indica aquilo em que a USF acredita, for-
mando você como profissional. São competências possíveis, mas que apenas podem ser 
desenvolvidas se você se aplicar aos estudos e atividades propostos.
IMPORTANTE
1.3. PRATICAR
DIFERENTES OBJETOS DE APRENDIZAGEM PARA DIFERENTES FORMAS 
DE APRENDER
O desenvolvimento de competências pode se dar de diferentes modos, de acordo com o 
objetivo que se tem. Cada componente curricular, em cada unidade, tem objetivos especí-
ficos pensados a partir das competências estabelecidas para o profissional que está sen-
do formado – você! –, não importando a área de conhecimento. Mas, antes dos objetivos 
de cada componente, temos de pensar as competências necessárias para bem cursar 
um componente oferecido a distância, já que ele é diferente dos tradicionais, presenciais.
E você, sabe como você aprende?
Possivelmente, você já ouviu dizer que uma pessoa aprende mais ouvindo, enquanto outra o 
faz escrevendo, e ainda outra, lendo e anotando.
SAIBA MAIS
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Saber, sentir e querer
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O CONHECIMENTO – TEORIA E PRÁTICA
A competência pode ser entendida como um conjunto de elementos que, no todo, tratam 
de um saber prático; trata-se de três elementos: conhecimento, habilidade e atitude. 
Dificilmente conseguimos dizer que um profissional é competente sem ter estes ele-
mentos como base sólida. A partir deste entendimento é que este componente curricular 
é entendido e proposto com significativa importância para sua formação profissional. A 
USF entende que ser profissional deve ser mais que ser um fazedor técnico.
Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2016/10/10/ciencia/1476119828_530014.html
Leia ao artigo: Os quatro estilos de aprendizagem − ou por que alguns leem os manuais e 
outros não.
Avalie suas competências, verificando:
 ` Conhecimento – você tem os conhecimentos necessários, que possibilitarão uma vivên-
cia profissional humana e responsável consigo, com o outro e com a sociedade?
 ` Habilidade – você sabe se utilizar dos conhecimentos para realizar uma prática que seja 
eficiente, fazendo bem feito aquilo que se espera de um(a) bom(a) profissional?
 ` Atitude – a partir do conteúdo assimilado e da boa prática desenvolvida, você se motiva 
a agir de modo eficaz, buscando a melhor em cada situação?
SAIBA MAIS
Ao longo das unidades, as temáticas apresentadas têm sempre o objetivo de possibili-
tar uma prática profissional, carregada de sentido e que possa responder aos anseios 
da sociedade, sem deixar de lado a realização pessoal. Neste sentido, pense sobre as 
competências deste componente – indicadas acima –, e procure verificar se você já as 
tem desenvolvidas. Inicie o curso deste componente, já tendo em mente suas compe-
tências e entendendo que elas devem ser metas a se alcançar. No final do semestre, 
você terá oportunidade de se avaliar, verificando quanto aprendeu e desenvolveu, e o 
que ainda restará como necessidade.
OBJETIVOS DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL NO BRASIL
No ano de 2015, pensando a necessidade de ações que pudessem melhorar a vida 
no planeta como um todo, líderes mundiais se reuniram na ONU e estabeleceram a 
chamada Agenda 2030 – trata-se de um plano para erradicar a pobreza e promover o 
desenvolvimento da vida humana e do planeta.
https://brasil.elpais.com/brasil/2016/10/10/ciencia/1476119828_530014.html
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Da Agenda 2030, foram pensados os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, a partir 
dos quais são delineadas áreas mais específicas para atuação das nações. São 17 ODS:
Conheça mais sobre a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, pesquisandoem: 
Conheça mais sobre os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável no Brasil.
SAIBA MAIS
SAIBA MAIS
Disponível em: https://www.br.undp.org/content/dam/brazil/docs/agenda2030/undp-br-A-
genda-2030-completo-pt-br-2016.pdf
Disponível em: https://brasil.un.org/pt-br/sdgs
Fonte: https://brasil.un.org/pt-br/sdgs
Veja que os ODS abarcam diferentes áreas e problemas que a humanidade enfrenta 
como um todo. E, considerando-se que a USF objetiva oferecer uma formação integral, 
entendemos a importância de que a formação seja ampla e geral, ligada aos problemas 
e situações diversas que você, como profissional, vai enfrentar. Neste sentido, os ODS 
serão trazidos nas problematizações dos componentes curriculares.
https://www.br.undp.org/content/dam/brazil/docs/agenda2030/undp-br-Agenda-2030-completo-pt-br-2016.pdf
https://www.br.undp.org/content/dam/brazil/docs/agenda2030/undp-br-Agenda-2030-completo-pt-br-2016.pdf
https://brasil.un.org/pt-br/sdgs
https://brasil.un.org/pt-br/sdgs
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Saber, sentir e querer
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Aproveite as oportunidades que forem ofertadas para o desenvolvimento deste compo-
nente: textos, fóruns, vídeos etc. Tudo é desenvolvido para seu melhor aproveitamento 
e sucesso na formação profissional!
2. SABER, SENTIR E QUERER: O ANIMAL RACIONAL
[...] E tem mais, falou o cego, o que para um é preto como carvão, para 
outro é alvo como um jasmim. O que para um é alimento ou metal de valor, 
para outro é veneno ou flandre. O que para um é um grande acontecimento, 
para outro é vergonha a negar. O que para um é importante, para outro não 
existe. Por conseguinte, a maior parte da História se oculta na consciência 
dos homens e por isso a maior parte da História nunca ninguém vai saber, 
isto para não falar em coisas como Alexandria, que matam a memória. (João 
Ubaldo Ribeiro, Viva o povo brasileiro)
O que sabemos sobre nós mesmos e a nossa história? Quase nada. Quem so-
mos nós? Quem sou eu? quem é você? Somos o que gostaríamos de ser? 
Somos o que deveríamos ser?
O presente estudo quer levantar essas e outras questões para que você, que está 
se preparando acadêmica, profissional e existencialmente para “ser alguém na 
vida”, desenvolva sua potencialidade como ser humano pleno e venha a sentir-se 
integralmente realizado.
Só que essa, talvez, não seja uma tarefa tão fácil, pois a maior parte da História da 
humanidade – isto é, quem e o que somos, pensamos ou fizemos – não foi escrita. 
Nossa espécie, o homo sapiens, tem algo em torno de 200 mil anos. A escrita só surgiu 
há cerca de 5 mil anos e é por isso que podemos afirmar que a nossa é uma breve, 
brevíssima História.
Consideremos, ainda, quão restrito é o número daqueles e daquelas que leem os re-
gistros históricos de que dispomos. História escrita não é o mesmo que História lida. Se 
pensarmos no nosso contexto mais próximo, o Brasil, vamos constatar envergonhados 
que, até 60 anos atrás, a grande maioria (cerca de 75%) da população do país era anal-
fabeta. Reduzir nossa história somente ao que ficou registrado, literariamente, é ignorar 
o que anda acontecendo na maior parte do tempo com a maioria das pessoas.
Isso nos faz suspeitar que a maior parte do que fazemos, sentimos e queremos tem ra-
ízes tão profundas que vão muito além do que está dito nos tratados publicados, sejam 
eles das áreas de exatas, biológicas, humanas ou quaisquer outras que delas derivem.
Pense no campo profissional que você abraçou e para o qual você está buscando qua-
lificação: como essa profissão nasceu? A que demandas ela procura responder? Como 
vem sendo aprimorada? De que maneira ela está mudando a vida das pessoas, as re-
lações com o meio ambiente, afetando o próprio clima? Quem é o ser humano que atua 
profissionalmente na sua área? Quem são os outros seres humanos que sua profissão 
atende e com quem você terá que interagir durante toda a sua vida?
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2.1. O ESTRANHO ANIMAL QUE PENSA SOBRE O PENSAMENTO
Dentre as espécies que já pisaram o planeta 
Terra, os humanos estão entre as mais jovens. 
As baratas, por exemplo, vivem aqui há mais 
de 300 milhões de anos, e os tubarões já exis-
tiam há cerca de 200 milhões de anos. Os di-
nossauros, que foram extintos há 65 milhões 
de anos, dominaram as paisagens dos conti-
nentes por longos 167 milhões de anos. Con-
siderando que nós, seres humanos moder-
nos, apelidados de homo sapiens, só estamos 
aqui há pouco mais de 200 mil anos, podemos 
nos considerar praticamente recém-nascidos.
Além do mais, foi somente nos últimos 
70 mil anos que adquirimos o compor-
tamento atual, ou seja, faz pouquíssimo 
tempo que desenvolvemos certas habili-
dades, tais como a linguagem ficcional, a 
música e várias das expressões culturais 
que hoje nos são comuns.
A civilização é ainda mais recente, pois só 
surgiu cerca de 10 mil anos atrás, com a 
chamada revolução agrícola. A produção 
de alimentos em abundância permitiu o 
crescimento da população e o consequen-
te estabelecimento das primeiras aglome-
Cabe aqui acrescentar outra pergunta: quão humanos somos ou havere-
mos de ser como profissionais e quão humanizada é ou haverá de ser a nossa 
atuação profissional?
Um veterinário ou uma veterinária poderia dispensar essa preocupação com a dimensão hu-
mana na sua atuação profissional, uma vez que sua tarefa consiste, basicamente, em cuidar 
de outras espécies que não a humana? E um botânico, cuja atenção principal está voltada 
para o reino vegetal? E, ainda, no caso de um geólogo, que se ocupa, em tese, do reino 
mineral? Há alguma profissão que possa se dar ao luxo de escapar da preocupação com a 
dimensão humana e humanitária?
PARA REFLETIR
Figura 02. Barata
Fonte: 123RF.
Figura 03. Homo Sapiens
Fonte: 123rf
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Saber, sentir e querer
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rações urbanas. Estas, por sua vez, deram ensejo ao desenvolvimento de relações 
sociais cada vez mais complexas.
Você notou que o que estamos fazendo aqui é pensar sobre nós mesmos e nos-
sa condição no mundo? Que outra espécie se aplica, dessa maneira, a pensar 
sobre si mesma como sendo uma terceira pessoa. Não parece que as baratas, 
os tubarões ou os dinossauros tenham alguma vez se preocupado com isso.
Somos, excepcionalmente, curiosos sobre 
todas as coisas: sobre a natureza, sobre o 
universo, sobre nós mesmos. Desde crian-
ças, nosso instinto investigativo e inclinação 
para o conhecimento podem ser notados 
pelas insistentes perguntas que fazemos o 
tempo todo: Por quê? Por quê? Por quê?
Ah, acredite! Os pontos de interrogação são 
muito mais fascinantes do que os de excla-
mação ou os pontos finais.
Fonte: 123RF.
Talvez seja por isso que o nosso ponto de interrogação (?) seja um anzol de ponta cabeça: 
para pescar não as respostas escondidas nas profundezas das certezas, mas para se enros-
car naquelas ideias leves que flutuam no meio das nuvens.
É inclusive um anzol sem fisgas, que é para se enroscar sem se prender.
O ponto de interrogação também se parece com um balão (?) que suspende os nossos pon-
tos finais e nos leva a passear por entre as brumas, como quem diz: boa pergunta, agora 
relaxe aí e curta o passeio.
PARA REFLETIR
2.2. SOMOS TERRA QUE RACIOCINA: HÚMUS, HUMILDES HUMANOS
Dizem que 96% do corpo humano é formado por quatro elementos químicos básicos: 
oxigênio, hidrogênio, carbono e nitrogênio. Ora, estes são os mesmos elementos que 
abundam na natureza e compõem o planeta terra e o próprio universo.
O Oxigênio (O) constitui a molécula da água e também é um dos três elementos quí-
micos que formam os carboidratos, fonte de energia para os seres vivos. O hidrogênio 
(H), por sua vez, é ao mesmo tempo o menor e o mais abundante elemento no universo, 
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cerca de 75%. E ligado ao Hidrogênio, todos os compostos orgânicos, sem exceção, 
apresentam carbono, que é um elemento essencial à vida. E, quanto ao nitrogênio (N), 
sabe-se que é dele que se constitui78% do volume da atmosfera Terrestre.
Em síntese, somos constituídos pelos mesmos elementos químicos disponíveis na na-
tureza. Podemos afirmar, portanto, que nascemos da terra, voltaremos a fazer parte da 
terra, como nos lembra o químico Antoine Laurent de Lavoisier, que viveu na França do 
século XVIII.
Foi assim que ele traduziu a primeira lei da termodinâmica: “Na Natureza nada se cria, 
nada se perde, tudo se transforma”.
Por isso, quando morremos, os elemen-
tos dos quais somos feitos retornam to-
dos para a Terra, e se reintegram na natu-
reza. Os místicos diziam a mesma coisa, 
só que com outras palavras: “Do pó vieste 
e para o pó tornarás”.
Há textos sagrados que juram que os 
seres humanos foram feitos do barro. Ali-
ás, você sabia que é por isso que somos 
chamados de humanos? Porque somos 
feitos de húmus (terra, em grego)? Basi-
camente, somos “cocô de minhoca”.
É por isso também que usamos a palavra 
humilde. Quando alguém nos diz seja hu-
milde, está, polidamente, nos chama a atenção para: “lembre-se de que você não passa 
de húmus, cocô de minhoca”.
Curiosamente, nos textos sagrados também encontramos uma conexão entre as pala-
vras homem, terra e jardim. Lá no livro das origens dos judeus, que foi escrito em he-
braico, está escrito que Deus fez o homem, Adam, do barro, Adamah, e o colocou num 
jardim, Eden. A aliteração dessas palavras encontra eco nas nossas palavras homem, 
húmus e humanidade.
É por esse motivo também que pessoas sensíveis e preocupadas com a condição hu-
mana e sua integração com o planeta têm nos alertado: nós somos de terra; e mais do 
que isso, nós somos a própria Terra. Somos a terra que respira, que pensa, que sente. 
Nós somos os jardineiros, colocados aqui para cuidar desse maravilhoso jardim.
2.3. ENTRE O SABER E O SER
Consta-se que o termo binomial Homo sapiens foi cunhado pelo botânico, zoólogo e 
médico sueco Carl Linnaeus (1707-1778), em seu livro intitulado Systema Naturae, 
escrito no século XVIII. Em seu trabalho, Linnaeus divide o sistema da natureza em 
classes, ordens, gêneros e espécies, com personagens, diferenças, sinônimos e loca-
lizações. Com isso, essa obra o tornou conhecido como o pai da taxonomia moderna.
Figura 04. Conjunto químico e físico de elementos: 
modelo de átomo
Fonte: 123RF.
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Linnaeus empregou o termo Homo para designar o gênero ao qual os humanos perten-
cem. Do latim antigo, a palavra hemō (homem) significa, primariamente, “ser terrestre”. 
Se o termo homo indica o gênero nessa taxonomia, a expressão sapiens (sábio, em 
latim) designa a espécie.
O botânico supracitado entendia que, dentre as características que se destacam no 
homo sapiens, estão: o corpo totalmente ereto; a possibilidade de utilizar mãos para 
o manuseio de objetos; e, principalmente, o cérebro altamente desenvolvido, que lhe 
permite o emprego do raciocínio abstrato, o uso da linguagem simbólica e a resolução 
de problemas avançados.
Por essa razão, o humano é visto, primordialmente, como ser de pensamento, dotado 
de consciência e autoconsciência, capaz de construir conhecimento e, ainda mais, de 
estar em permanente busca de autoconhecimento.
Figura 05. Carl Linnaeus (1707-1778)
Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Carl_von_
Linn%C3%A9.jpg. Acesso em: 5 mai. 2021.
Figura 06. Sistema da natureza em três reinos 
da Natureza 
Fonte: https://upload.wikimedia.org/wikipedia/
commons/5/56/
Taxonomia: disciplina da biologia que define os grupos de organismos biológicos com base 
em características comuns e dá nomes a esses grupos.
GLOSSÁRIO
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coOra, a informação é a unidade básica da construção do conhecimento. O conheci-
mento só é possível por meio da combinação criteriosa dessas unidades chamadas 
dados ou informações.
Uma enciclopédia está recheada de dados. Contudo, ter acesso a esses da-
dos não garante a aquisição do conhecimento. Da mesma forma que a palavra 
“tristeza”, listada num dicionário, não nos deixa automaticamente tristes, a leitu-
ra da palavra “riqueza” nos torna necessariamente ricos. Assim também uma se-
quência de palavras, dispostas em ordem alfabética ou aleatoriamente, não pro-
duz sentido da mesma forma como aconteceria em uma frase ou em um parágrafo. 
O conhecimento é resultado da combinação inteligível dos dados.
Mas, e a sabedoria?
Uma pessoa com profundo conhecimento de determinada matéria será, necessaria-
mente, sábia? Uma pessoa que domine os intrincados mecanismos que lhe permitem a 
manipulação dos átomos a ponto de ser capaz de criar uma bomba atômica, pode ser 
classificada como sendo uma pessoa sábia?
Ter informação e adquirir conhecimento não garante a sabedoria. Isso ocorre porque a 
sabedoria pressupõe algo para além de um cérebro, altamente, desenvolvido. É preciso 
ter um senso de prioridades e valores que permitam ao sábio utilizar as informações e 
o conhecimento de que dispõe para determinados fins e não para outros.
A que fins o sábio destina a sua sabedoria? Ser é muito mais do que saber.
2.4. ULTRAPASSANDO AS FRONTEIRAS DA SAPIÊNCIA
O raciocínio lógico, que encontrou sua mais perfeita expressão no conhecimento cien-
tífico, permitiu a nós, humanos, um desenvolvimento extraordinário. Trata-se do tipo de 
conhecimento mais confiável de que dispomos. A ciência nos ajuda a evitar equívocos 
e a superar muitos preconceitos. Mas temos que admitir que este não é o único tipo de 
conhecimento existente.
Ultimamente, tem-se tratado muito em múltiplas inteligências, tais como: inteli-
gência linguística, lógico-matemática, espacial, corporal-cinestésica, interpessoal, 
intrapessoal, naturalística, musical.
A esta altura da nossa conversa, convém nos perguntarmos se há diferenças signifi-
cativas entre informação, conhecimento e sabedoria.
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Saber, sentir e querer
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A perspectiva das múltiplas inteligências nos ajuda a ampliar nossa percepção do que 
significa “sapiens”. E podemos levar em conta ainda outras formas de conhecimento que 
também têm sua legitimidade, tais como o senso comum, a fé, o conhecimento mitológico 
e até mesmo a própria intuição. Cada um tem seu lugar no nosso cotidiano. O que não 
podemos fazer é confundi-los e respeitar as regras e contextos de um em outro.
Da mesma maneira que não dá certo tentar jogar basquete com as regras do voleibol, 
por mais semelhantes que sejam (ambos são esportes são jogados por dois times, usam 
bola, têm algum tipo de rede, etc.), usar as regras do conhecimento religioso no âmbito 
acadêmico pode trazer complicações desnecessárias. Da mesma forma aconteceria se 
tentássemos jogar o jogo da fé com as regras da ciência.
Há ainda um tipo de inteligência que merece aqui ser destacado: trata-se da inteligência 
do corpo. Nosso corpo “sabe” coisas que a nossa consciência racional não faz a menor 
ideia. Por exemplo, nosso couro sabe fazer crescer cabelo ou crescer as unhas, inde-
pendentemente da nossa vontade consciente. O corpo de uma mãe de primeira viagem 
sabe gerar no seu ventre um ser humano com toda a sua complexidade sem que a mãe 
tenha tido uma única aula de anatomia ou saiba como funcionam os sistemas respirató-
rio, circulatório, nervoso, digestório, etc. A mãe não sabe, mas o corpo dela sabe!
Figura 07. Os 9 tipos de inteligência propostos por Howard Gardner
Fonte: elaborada pelo autor.
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Há ainda outra perspectiva, descortinada muito recentemente, que tem nos deixado 
intrigados e curiosos a respeito do que o futuro nos reserva: estamos nos referindo aqui 
à chamada Inteligência Artificial (IA).
Há quem diga que a profissão de filó-
sofo será uma das mais relevantes nas 
próximas décadas, uma vez que o de-
senvolvimento da inteligência artificial 
toma como modelo a inteligência natural. 
E o filósofo é aquele que pensa sobre 
o pensamento, que estuda o processo 
de construção do conhecimento,e que 
procura estabelecer os princípios que 
definem o raciocínio lógico.
Mas, mais do que isso, as demandas por 
inteligência artificial exigem uma discus-
são profunda sobre valores éticos. Considere o seguinte exemplo:
Figura 08. Inteligência Artificial
Fonte: 123RF.
Um veículo autônomo está levando seus passageiros para algum lugar e, de repente, uma 
criança em busca de sua bola atravessa a frente do veículo. Um condutor humano dificilmen-
te conseguiria reagir, de maneira fria e calculista, para considerar as alternativas e decidir 
imediatamente qual ação a ser tomada. No entanto, uma “máquina” computadorizada conse-
gue discernir questões lógicas em frações de segundos, desde que tenha sido programada 
para isso. Qual seria a decisão certa a tomar? Atropelar a criança? Jogar o carro contra um 
poste e colocar em risco a vida dos passageiros? Desviar para outro local, correndo o risco 
de atropelar outros pedestres? E assim por diante.
EXEMPLO
Figura 09. Desempenho de carros autônomos em 
rotas com obstáculos
Fonte: https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/2/29/
Autonomous-driving-Barcelona.jpg. Acesso em: 28 mai. 2021.
Estamos falando aqui de valores éti-
cos e morais. Entre salvar uma crian-
ça ou um adulto que esteja no veículo, 
qual decisão acarretará menor malefício 
e maior benefício?
Há quem diga que não demorará muito 
para que as “máquinas” inteligentes se 
deem conta de que a maior ameaça para 
o planeta é o ser humano. Exemplo disso 
é o fato de que o maior número de aciden-
tes automobilísticos se deve a falha huma-
na. Com os veículos autônomos e autô-
matos, o número de acidentes tende a ser 
reduzido significativamente.
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Saber, sentir e querer
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Será que corremos o risco de virmos a ser anulados pelas máquinas, para que não 
continuemos a cometer erros primários, crimes passionais, a destruir o planeta por pura 
ambição e a cometer outros atos considerados absurdos por afetação ideológica? Ou, 
quem sabe, estejamos tendo a oportunidade de vislumbrar um novo tempo no qual po-
deremos relegar as coisas não essenciais às máquinas, para podermos nos concentrar 
naquilo que é essencial, que nos é próprio. O que de fato nos distingue das máquinas? 
Quais são as coisas essenciais que as máquinas não podem fazer nem podem ser?
Tem-se perguntado se há limites para as máquinas e a inteligência artificial, mas talvez 
devamos começar a nos perguntar se há limites para o que é o ser humano. Temos per-
dido muito tempo fazendo o que outros animais e máquinas podem fazer e, com isso, 
talvez tenhamos deixado de fazer e ser o que realmente somos.
Bem, recentemente, iniciamos nossa jornada em busca de respostas para algumas das 
maiores perguntas de todos os tempos: o que é o humano? Quem sou eu? Eu sou o que 
eu deveria ser? Sou o que eu gostaria de ser?
Demos os primeiros passos na tentativa de conhecer esse fascinante e estranho animal 
que pensa sobre o pensamento. Inquirimos pela nossa constituição primária, os ele-
mentos químicos dos quais somos feitos e nos reconhecemos como terra que raciocina: 
húmus, humildes humanos. Na sequência, transitamos entre o saber e o ser, procuran-
do entender quais as implicações de nos identificarmos como homo sapiens. E esse 
caminho nos leva a vislumbrar um pouco do que o futuro nos reserva e a considerarmos 
alguns desafios éticos e as possibilidades de ultrapassarmos as fronteiras da sapiência.
Reconhecemo-nos como seres de pensamento, dotados de consciência e autoconsciência, 
capazes de construir conhecimento, em permanente busca de autoconhecimento.
Mapa Conceitual
O ser humano e algumas das mais importantes revoluções que ele provocou ao longo 
da sua existência
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Humano 
Moderno
Revolução 
Cognitiva
Revolução 
Agrícola
Revolução 
Científica
Revolução 
Aumentada
Anos 
atrás 200.000 70.000 12.000 500 Hoje
Fonte: elaborada pelo autor.
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HUMAN The movie (Director’s cut version) – Português, 2020. 1 vídeo (3hrs11min 5s). Publi-
cado pelo canal HUMAN o filme. 
I. Sapiens
HARARI, Yuval Noah. Sapiens: uma breve história da humanidade. Tradução de Janaina 
Marcoantonio. 34. ed. Porto Alegre: L&PM, 2018.
Direção: Yann Arthus – Bertrand. França: Bettencourt Schueller Foundation – um projeto da 
Fundação Good Planet, 2015.
Esse impressionante filme documental aborda a variedade de perspectivas dos seres hu-
manos e a complexidade da nossa condição humana por meio de depoimentos impactantes 
das mais diferentes pessoas de diferentes lugares do mundo, condições sociais, etnias e 
cosmovisões. Para tentar entender o que realmente somos, o documentário nos conduz em 
uma intrigante busca por respostas às perguntas cruciais: o que nos torna humanos? Por que 
amamos, por que brigamos? Por que rimos? Choramos? Para onde vamos?
O autor é um dos historiadores em destaque nos últimos anos pela maneira clara e, de certa 
forma, inovadora com a qual tem abordado a história humana. Seus escritos têm ajudado a 
quebrar muitos mitos e visões ingênuas que nós temos sobre nós mesmos. Sua abordagem 
nos ajuda a considerar as contradições da nossa espécie: ao mesmo tempo que somos ca-
pazes de criar as mais belas obras de arte e realizar as mais nobres ações e os mais incríveis 
avanços científicos, também somos os autores das guerras mais cruentas e dos crimes mais 
hediondos. Harari chama atenção para o fato de sermos a única espécie que acredita em 
coisas que não existem na natureza, o que exemplifica com nossa crença em coisas como 
países e nações, dinheiro e códigos legais, e até mesmo nossa crença nos direitos humanos. 
Ainda, menciona as religiões, mas surpreende o leitor ao incluir o capitalismo entre elas. Ou-
tro aspecto surpreendente da sua análise é apontar para o fato de que provavelmente o ser 
humano moderno é mais limitado do que seus ancestrais pré-históricos, que viviam da caça, 
pesca e coleta de frutas e raízes. Naquela ocasião éramos mais hábeis, mais rápidos, mais 
fortes, mais saudáveis e até mesmo mais inteligentes. Aliás, o historiador chega a mencionar 
que o nosso cérebro está diminuindo.
Disponível em: https://www.youtube.com/channel/UC4m-GRD3WLYVVc4JI5LrXxUw.
OBJETO DE APRENDIZADO – FILME HUMAN
TEXTOS COMPLEMENTARES:
https://www.youtube.com/channel/UC4m-GRD3WLYVVc4JI5LrXxUw.
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3. SABER, SENTIR E QUERER: O COMPOSTO RAZÃO-EMOÇÃO
Imagine que você vivesse há 15 mil anos em algum lugar inóspito e selvagem, fre-
quentemente, cercado de hienas famintas e outros animais ferozes. Imagine ainda que, 
para subsistir, você dependesse da coleta de frutos e raízes ou da caça e da pesca. 
Então, um dia, em suas excursões pela redondeza em busca de alimento, você sofre 
uma queda e quebra o fêmur, o maior osso do corpo humano.
Pela experiência vivida no seu curto período de existência, você teria certeza de que 
seu destino estava traçado, que sua sentença de morte estava selada. Isso porque, na 
natureza, é assim que as coisas funcionam. Quando uma zebra ou uma girafa quebram 
a pata, elas são deixadas para trás, à mercê dos predadores.
Mas naquele dia uma coisa inédita estava prestes 
a acontecer: outros do seu bando, que estavam na 
mesma excursão por comida, resolvem voltar para 
resgatar você. Com cuidado, encontram uma ma-
neira de imobilizar a sua perna fraturada e o carre-
gam até um lugar seguro.
Durante os meses seguintes, os integrantes do 
seu grupo se revezam para cuidar do seu bem-
-estar. Fazem sua higiene, afastam os animais 
selvagens e, quando saem para buscar água ou 
comida, trazem uma quantidade a mais, para 
que você tenha o que comer, mesmo sem ter 
saído a campo. Em alguns meses, você está 
perfeitamente recuperado e pronto para vol-
tar à sua rotina, junto com os demais membros 
do seu grupo.
15 mil anos passados, em uma escavação arque-
ológica, seu osso é encontrado e, surpresos, os 
arqueólogos se dão conta de uma descoberta ex-
II. HOMODEUS
HARARI, Yuval Noah. Homo Deus. Tradução de Paulo Geiger. São Paulo: Companhia das 
Letras, 2016.
O mesmo autor que tentara escrever uma história do passado da humanidade no best seller 
Sapiens tenta, agora, escrever uma história do futuro. Mediante uma abordagem interdiscipli-
nar que combina ciência, história e filosofia, Harari tenta descobrir para aonde estamos indo 
e o que haveremos de ser, a partir de onde estamos e do que somos hoje. Qual será nosso 
destino na Terra? Esta é a pergunta chave do livro.
Figura 10. Margaret Mead (1901-1978)
Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/
Ficheiro:Margaret_Mead_(1901-1978).jpg. 
Acesso em: 7 jun. 2021.
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traordinária: um osso do fêmur com sinais de que tinha se quebrado, mas que havia 
sido curado. A análise revela que o dono do osso teria sobrevivido por vários anos 
depois de sofrer o acidente.
Para a antropóloga cultural estadunidense Margaret Mead (1901-1978), esse osso que-
brado e curado se constitui no primeiro sinal de civilização de uma cultura. Isso porque, no 
reino animal, nenhum indivíduo sobrevive com um osso importante como esse quebrado.
“Um fêmur curado é a evidência [de] que alguém foi cuidado”, frase essa que é atribuída 
à antropóloga.
3.1. PARA ALÉM DA INTELIGÊNCIA RACIONAL
Há várias teorias que tentam explicar 
como o homo sapiens não só sobreviveu, 
mas como ainda veio a se tornar o espé-
cime mais proeminente do planeta. Numa 
olhada rápida, não haveria muitas razões 
para isso suceder dessa forma.
A teoria de que o mais forte sobrevive não 
se aplica a nossa espécie. Nascemos 
completamente indefesos, estamos lon-
ge de sermos considerados fisicamente 
fortes, quando comparados a outros ani-
mais, mesmo um chimpanzé é muito mais 
forte do que um humano. A teoria de que 
o nosso cérebro “altamente desenvolvi-
do” nos colocou em vantagem parece ser 
uma boa hipótese, mas nem sempre a in-
teligência é eficiente diante de ameaças 
climáticas e da força bruta.
A teoria da adaptação é a mais eficaz, 
porque, de fato, o ser humano soube 
como nenhuma outra espécie transformar 
o seu entorno para sobreviver. Sem pelos 
no corpo para se proteger do frio, fabricou 
roupas e agasalhos. Sem dentes grandes 
e fortes para rasgar e mastigar sua comida, inventou o fogão, o cozido, a cozinha. Sem 
forças para mover objetos pesados, inventou a alavanca e a roda.
Mas ainda temos uma fragilidade a superar. O ser humano, ao nascer, não sobreviveria 
muito mais que alguns pares de horas sem o cuidado de outro ser humano.
Figura 11. Charles Darwin (1809-1882)
Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Charles_Darwin_
seated_crop.jpg. Acesso em: 7 jun. 2021.
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Nós, seres humanos, sobrevivemos como espécie porque desenvolvemos a extraordi-
nária capacidade de cooperar e de cuidar daqueles que precisam. Naquela micro-his-
tória do fêmur quebrado podemos ver muito da nossa macro-história: a capacidade de 
convivermos, de trabalharmos de maneira coordenada, de planejar e projetar o futuro; a 
valorização da vida e a consciência de que há uma certa dignidade na pessoa humana, 
de que esta merece ser tratada com dignidade e respeito, ainda que ferida ou enferma 
e até mesmo depois de morta. Os primeiros sepultamentos, acompanhados de rituais e 
homenagens, são evidência dessa consciência.
Podemos afirmar, portanto, que não sobrevivemos unicamente por causa da nos-
sa inteligência racional, mas por causa das nossas inteligências múltiplas e, 
particularmente, a afetiva.
3.2. ENTRE O EGOÍSMO E O ALTRUÍSMO, A ENTROPIA E A SINTROPIA
Em 1976, o etólogo e biólogo queniano 
Richard Dawkins (1941-) publicou um li-
vro intitulado O gene egoísta, no qual pro-
curou demonstrar que os organismos são 
máquinas de reprodução a serviço dos ge-
nes. Em sua obra, Dawkins defende que 
o altruísmo, que eventualmente se obser-
va em muitas espécies, corrobora com 
o que ele chama de “egoísmo do gene”, 
pois contribui para a sua sobrevivência. 
Dessa perspectiva, o egoísmo transpare-
ce como característica fundamental dos 
seres vivos, nos quais o altruísmo, quan-
do existe, é apenas uma forma de perpe-
tuar o indivíduo. O gene, portanto, é quem 
comanda a busca por se perpetuar. Para 
Dawkins, os organismos não passam de 
“máquinas de sobrevivência” construídas 
por genes egoístas, num processo com-
petitivo em busca de eficácia.
Por mais paradoxal que seja, o egoísmo 
e o altruísmo são os grandes responsáveis por nossa existência e desenvolvimento. 
Posto de outra forma, o egoísmo e o altruísmo estão um para o outro como a lei da 
entropia está para a sintropia.
E aqui chegamos ao nosso ponto: para além da inteligência racional, nossa sobrevi-
vência depende da inteligência afetiva. Charles Darwin (1809-1882) certa vez decla-
rou que “a simpatia é o nosso instinto mais forte”.
Figura 12. Richard Dawkins (1941-)
Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Richard_ 
Dawkins_Cooper_Union_Shankbone.jpg. Acesso em: 7 jun. 2
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A teoria da entropia aponta que a tendência para tudo que existe no universo é se de-
sorganizar. Imagine um castelo de areia da praia construído por uma criança. Se ela o 
deixar lá, sob o efeito do sol, da chuva e do vento, em pouco tempo, o castelo estará 
irreconhecível. Ninguém imaginaria que a criança, voltando lá muito anos depois, en-
contraria o castelo reformado, ampliado, mais detalhado e elaborado do que quando o 
vira pela última vez.
Essa é a primeira lei da termodinâmica. A energia gasta é sempre maior do que a 
energia produzida no processo natural. É por isso que as tentativas de criação do 
moto-contínuo tendem a fracassar. Não existe um motor que produza mais energia 
do que ele gasta.
DAWKINS, Richard. O Gene Egoísta. Tradução de Rejane Rubino. São Paulo: Companhia 
das Letras, 2007.
Neste livro, o autor, queniano de nascimento, se propõe a explicar como espécies surgem e 
se diversificam e também como, no processo evolutivo, os indivíduos se relacionam e cola-
boram entre si.
SAIBA MAIS
Há, no entanto, algo intrigante nessa história: se tudo tende para a desorganização, 
como explicar o processo de complexificação pelo qual os organismos passaram 
ao longo daseras? Como foi possível que, de uma simplíssima ameba unicelular, 
nós tenhamos evoluído até desenvolvermos estruturas tão complexas como o córtex 
cerebral ou o olho ou todos os sistemas, em particular o sistema nervoso central nos 
nossos corpos?
Não é nosso objetivo resolver esse dilema aqui, mas pensar a esse respeito nos ajuda a 
valorizar certos aspectos da nossa existência que, talvez, passem meio despercebidos 
por muitos de nós.
Nós estamos sempre tentando nos equilibrar entre o cosmos (ordem) e o caos (desor-
dem), entre o altruísmo e o egoísmo, entre a evolução e a extinção, entre a vida e a 
morte. O fato é que, quando o altruísmo prepondera sobre o egoísmo, nós temos mais 
chances de sobreviver, sobretudo os seres humanos.
Que importância tem isso tudo para nós hoje? Acontece que essa compreensão direcio-
na a maneira como edificamos a nossa sociedade. Quando optamos por modelos políti-
co-econômicos calcados no egoísmo, estamos contribuindo para a nossa extinção. Em 
contrapartida, se construímos modelos solidários de sociedade, estamos possibilitando 
o nosso desenvolvimento.
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Saber, sentir e querer
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3.3. ENTRE A RACIONALIDADE E A AFETIVIDADE
Até prova em contrário, nós sobrevivemos muito 
mais por causa da afetividade do que por causa 
da racionalidade.
O filósofo prussiano Immanuel Kant (1724-1804) es-
creveu, em meados do século XVIII, um livro intitu-
lado Crítica da razão pura, em que discute a relação 
indissociável entre o racionalismo e o empirismo. 
A novidade trazida pelo filósofo está na sua pers-
pectiva de que o conhecimento depende de ambos: 
dateoria e da prática.
Mais recentemente, o sociólogo francês Michel 
Maffesoli, em 2001, publicou o livro Elogio Da 
Razão Sensível. Nessa obra, o autor apresen-
ta um método de interpretação do mundo distinto 
daquele do racionalismo iluminista. Nele, o autor 
propõe uma sociologia “da carícia”, que pressu-
põe uma contemplação apaixonada do mundo. 
Trata-se de uma maneira de compreender o mun-
do que se dá muito mais pela sensibilidade do 
que pela racionalidade. Dizendo de outra forma, 
um conhecimento do mundo que se dá pelo afeto, 
pelo emocional, pelo afetual.
Na perspectiva maffesoliana, parafraseando Pas-
cal, a vida tem razões que a razão desconhece, 
pois tais razões se inscrevem no âmbito das emo-
ções, dos sentimentos e das culturas comuns. A 
certa altura, ele distingue indivíduo de pessoa di-
zendo que o indivíduo tem uma função racional, 
enquanto a pessoa desempenha papéis emocio-
nais. E diz ainda que o corpo social, isto é, a so-
ciedade, repousa, antes de mais nada, sobre a co-
locação dos corpos individuais em mútua relação. 
Assim, a verdadeira vida não está no saber, mas 
no conviver, na experiência sensível espontânea.
Outros pensadores têm chamado a atenção para 
a preponderância do aspecto afetivo da condi-
ção humana, especialmente aqueles ligados à 
educação, tais como Lev Vygotsky (1896-1934), 
Henri Paul Hyacinthe Wallon (1879-1962), Jean 
Piaget (1896-1980), Paulo Freire (1921-1997), 
Rubem Alves (1933-2014), Edgar Morin (1921-), 
entre outros.
Figura 13. Immanuel Kant (1724-1804)
Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/
Ficheiro:Kant_foto.jpg. Acesso em: 7 jun. 2021.
Figura 14. Michel Maffesoli (1944-)
Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Michel_
affesoli_in_world_humanities_festival.jpg. Acesso 
em: 7 jun. 2021
https://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Michel_affesoli_in_world_humanities_festival.jpg
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Não somos feitos só de oxigênio, hidrogênio, car-
bono e nitrogênio, afinal. Também somos feitos 
de sentimentos, sensações e emoções.
A animação Divertida Mente (2015) (Figura 06), 
de Pete Docter e Ronnie del Carmen (Disney/Pi-
xar), ganhou o Oscar de melhor animação (2016), 
mas seu mérito vai muito além dos aspectos téc-
nicos. Trata-se de uma criativa e profunda abor-
dagem dos aspectos emocionais no desenvolvi-
mento da pessoa humana.
O roteiro do filme se fundamenta na personifi-
cação das emoções humanas básicas e suas 
interações: medo, tristeza, alegria, nojo e raiva. 
E representa o processo de construção da inteli-
gência afetiva, por meio da formação de vínculos.
A emoção se transforma em afeto. E é essa afeti-
vidade resultante da emoção que perdura. A me-
mória afetiva, marcada pelo amor, amizade, so-
lidariedade, compaixão, é a que permanece por 
mais tempo. Como mencionou o poeta Rubem 
Alves: “o que a memória ama, fica eterno”.
As emoções são tão determinantes que mudam a percepção que temos das coisas ao 
nosso redor: por causa delas, podemos amar um lugar ou odiá-lo, admirar ou desprezar 
pessoas, achar as coisas agradáveis ou desagradáveis. Por essa razão, nossas emo-
ções modelam a maneira como recordamos o passado: se com vergonha ou orgulho, 
se com saudades ou desprezo.
Figura 15. Divertida Mente – 
Inside Out (2015)
Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/
Ficheiro:Inside_Out_(filme).jpg. Acesso 
em: 7 jun. 2021.
Nossas lembranças nunca são uma representação fidedigna dos fatos, mas interpre-
tações afetivas deles.
As emoções não são determinantes apenas na formação das relações interpessoais e 
na criação de vínculos duradouros, mas também nas rupturas de determinados víncu-
los. O ponto alto do filme acontece quando os protagonistas se dão conta de que nem 
sempre a melhor coisa a fazer é suprimir aquelas emoções que consideramos nega-
tivas. Tanto é que papel de heroína da história que, a princípio, é protagonizado pela 
Alegria, passa para a Tristeza. A Tristeza é aquela que, no momento certo, coloca ordem 
no caos. Saber identificar e nomear as emoções é um bom começo para se alcançar o 
equilíbrio e a maturidade emocional.
https://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Inside_Out_(filme).jpg
https://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Inside_Out_(filme).jpg
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Esse é um filme essencial para todo estudante de 
psicologia, mas não só, também o é para todos 
aqueles e aquelas que queiram conhecer melhor a 
alma humana.
Outro autor que ganhou notoriedade no final dos 
anos 1990, foi o psicólogo e jornalista científico es-
tadunidense Daniel Goleman (1946-), ao publicar o 
livro Inteligência emocional. Nessa obra, que se tor-
naria um best-seller, o autor aponta para o que ele 
chama de cinco pilares da inteligência emocional, 
tais como apresentados na figura abaixo:
Figura 16. Daniel Goleman (1946-)
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As habilidades 1, 2 e 3 são consideradas intrapessoais e as duas últimas interpesso-
ais. Todas elas são essenciais para o desenvolvimento humano. Goleman relativizava, 
assim, o famoso Quociente de Inteligência (QI), chamando nossa atenção para consi-
deramos também a importância do Quociente Emocional (QE) como elemento determi-
nante, particularmente, para o sucesso no âmbito profissional.
Figura 17. Pilares da Inteligência Emocional
Fonte: elaborada pelo autor.
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Para o antropólogo, sociólogo e filósofo francês Edgar Morin (1921-), a afetividade é 
uma manifestação da inteligência. O autor propõe uma interação dialógica que permi-
ta o entrelaçamento entre aspectos que estão indevidamente separados, entre eles a 
razão e a emoção, o sensível e o inteligível, o real e o imaginário, a razão e os mitos, 
a ciência e a arte.
GOLEMAN, Daniel. Inteligência emocional: a teoria revolucionária que redefine o que é ser 
inteligente. Tradução de Marcos Santarrita. Rio de Janeiro: Objetiva, 1995.
Livro que destacou a importância de se levar em conta o QE (Quociente Emocional), além do 
convencional QI (Quociente de Inteligência) para se medir a qualidade da inteligência humana.
SAIBA MAIS
Figura 18. Edgar Morin (1921-)
Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Edgar_Morin,_2011_(cropped).jpg. Acesso em: 7 jun. 2021.
MORIN, Edgar. Conhecimento, Ignorância, Mistério. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2020.
Ensaio escrito por um dos mais destacados educadores da atualidade no que trata dos limites 
do conhecimento, do mistério que a humanidade carrega consigo. São palavras do autor: “Vivo 
cada vez mais com a consciência e o sentimento da presença do desconhecido no conhecido, 
do enigma no banal, do mistério em todas as coisas e, em particular, dos avanços do mistério 
em todos os avanços do conhecimento.”
SAIBA MAIS
https://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Edgar_Morin,_2011_(cropped).jpg
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Saber, sentir e querer
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No livro Saberes globais e saberes locais: o olhar transdisciplinar, de 2000, o sociólogo 
afirma que o nosso cotidiano vive sempre em busca de sentido. Esse sentido, porém, 
não provém da exterioridade de nossos seres, antes, emerge da participação, da fra-
ternização, do amor.
Nestas reflexões, procuramos oferecerelementos para uma compreensão mais ampla 
e integradora da nossa condição humana, demonstrando que podemos ir muito além do 
aspecto racional. Mais que seres racionais, também somos seres de afeto, de emoção, 
de sentimentos e de sensibilidades.
Mas isso não é tudo. Há ainda um outro aspecto que é próprio do humano que requer de 
nós a nossa mais interessada atenção: o fato de sermos seres livres, de uma maneira 
que nenhum outro ser vivo é. Disso trataremos na sequência.
Mapa Conceitual
Sugestão/Proposta ao Centro de soluções: Desenhar um infográfico baseado na ilustração 
a seguir: “O humano é ser sensível e sensorial, dotado de inteligência emocional e afeti-
va e motora.” — Ilustração criada com base na teoria desenvolvida por investigadores da 
Universidade de Harvard, sob a liderança do psicólogo Howard Gardner (década de 1980).
Fonte: https://cesvale.edu.br/wp-content/uploads/2017/01/8_Inteligencias.png. Acesso em: 7 jun. 2021.
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Estudo do Ser Humano Contemporâneo
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Para conhecer mais a respeito do tema que tratamos aqui, indicamos para leitura dois artigos:
SAIBA MAIS
Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pi-
d=S0102-37722011000200005&lng=en&nrm=iso. Acesso em: 21 abr. 2021.
Artigo no qual a autora discute as relações entre afetividade e inteligência no desenvolvi-
mento psicológico. A abordagem parte das perspectivas psicogenéticas de quatro teóricos 
modelares: Piaget, Wallon, Vygotsky e Freud.
02. “A ciência não é totalmente científica.”
SOUSA, Jair Moisés de; ALMEIDA, Maria da Conceição Xavier de. A ciência não é totalmente 
científica. Paradigma, vol. 37, n. 2, p. 106-124, dez. 2016.
Disponível em: http://ve.scielo.org/scielo.php?script=sci_arttext&pi-
d=S1011-22512016000200009&lng=es&nrm=iso. Acesso em: 21 abr. 2021.
Ambos, autor e autora, abordam o conhecimento a partir das ciências da complexidade, 
como ato biológico, animal, humano, psíquico e existencial. Destacam ser o pensamento hu-
mano caracterizado pela “existencialidade” resultante de uma constelação de fatores, assu-
mindo que os desejos, os temores, as fantasias, a cultura, as crenças e o tempo histórico se 
infiltram em nossas ideias e contaminam a relação entre sujeito e conhecimento. E, por essa 
razão, não é sustentável a suposição da neutralidade científica. Daí a conclusão: a ciência 
não é totalmente científica.
01. “As relações entre afetividade e inteligência no desenvolvimento psicológico”
SOUZA, Maria Thereza Costa Coelho de. As relações entre afetividade e inteligência no de-
senvolvimento psicológico. Psicologia: Teoria e Pesquisa, vol. 27, n. 2, p. 249- 254, jun. 2011.
01. I Am
I AM: você tem o poder de mudar o mundo. Direção de Tom Shadyac. Elenco: Desmond Tutu, 
Noam Chomsky, Ray Anderson. Estados Unidos: Universal Pictures, 2010. (80 min).
A produção que ficou conhecida como “I AM” procura responder a questões bem básicas, 
levantadas pelo diretor de Hollywood Tom Shadyac: O que está errado no mundo? Que po-
demos fazer sobre isso?
O diretor Tom visita escritores, poetas, professores, líderes religiosos e cientistas — dentre 
eles: Howard Zinn, Lynn McTaggart, Desmond Tutu, Thom Harmann, Coleman Barks —, e 
lhes dirige as mesmas perguntas básicas. Faz isso tentando descobrir o problema fundamen-
TEXTO COMPLEMENTAR (DOCUMENTÁRIO)
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-37722011000200005&lng=en&nrm=iso
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-37722011000200005&lng=en&nrm=iso
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http://ve.scielo.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1011-22512016000200009&lng=es&nrm=iso
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4. SABER, SENTIR E QUERER: LIBERDADE E DECISÃO
Imagine que você é uma formiga operária. Durante milhões de anos, o formigueiro 
funcionou da mesma maneira, com as formigas desempenhando impecavelmente suas 
respectivas funções na colônia: a rainha, enorme, com suas asas imponentes, é res-
ponsável pela postura dos ovos; os machos têm função meramente reprodutiva; mas as 
operárias, fêmeas estéreis, são as que realizam todos os demais trabalhos na colônia, 
principalmente a coleta de alimentos e escavação dos túneis do formigueiro.
Nesses milhões de anos, nunca se ouviu falar em uma rebelião das formigas, exigindo 
mudanças no sistema de castas da colônia ou protestando a respeito das mordomias da 
rainha, nem da ociosidade dos machos, ou exigindo melhoria nas condições de trabalho.
Imagine que, certa manhã, você acorda e, num insight, toma consciência do quanto você, ope-
rária, é desfavorecida nesse sistema de castas. Bem, para não dizer que isso nunca aconteceu, 
sabemos de pelo menos dois casos, ambos nas telas do cinema: Formiguinhaz e Vida de Inseto.
Formiguinhaz (1998) é um longa de animação produzido pela Dreamworks. A personagem 
principal é uma formiga operária chamada Z, frustrada por ter que realizar um trabalho re-
petitivo e monótono que parecia não ter sentido nem trazer qualquer tipo de satisfação ou 
realização pessoal. Além disso, essa formiga operária acaba se apaixonando pela princesa, 
filha da rainha da colônia, sendo essa uma paixão impossível num sistema de castas.
tal que causa todos os outros problemas. Considera as respostas relacionando-as com as 
suas próprias escolhas e opções de vida. O resultado é admirável, pois Tom Shadyac decide 
mudar radicalmente seu estilo de vida, de acordo com o que considera realmente importante. 
Essa produção nos ajuda a também repensarmos as nossas próprias opções e a hierarquizar 
mais consistentemente o nosso dia a dia, além de entender melhor como funciona na nature-
za o dilema que nos coloca entre o egoísmo e o altruísmo.
Figura 19. Formiguinhaz
Fonte: https://pt.wikipedia.org/
wiki/Ficheiro:Antzposter.jpg. 
Acesso em: 7 jun. 2021.
Figura 20. Vida de Inseto
Fonte: https://pt.wikipedia.org/
wiki/Ficheiro:A_Bug%27s_Life.
jpg. Acesso em: 7 jun. 2021.
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Vida de Inseto (1998), produzido pela Disney/Pixar, tem como protagonista uma formiga 
desajustada chamada Flik, que tem estranhas ideias que perturbam a ordem na colônia, 
pois procura modificar o modo como as coisas funcionam no formigueiro e na natureza.
Por que essas histórias de rebeldia nos interessam? Porque nos damos conta de que 
a nossa condição humana só é possível porque somos homo sapiens, isto é, seres de 
razão e consciência; homo affectivus, seres sensíveis, emotivos e amorosos; e, ainda 
homo volens, seres de vontade, dotados de liberdade pela qual, diferente de qualquer 
outra espécie, podemos fazer escolhas éticas.
A BUG’S Life (br. Vida de Inseto). Direção de John Lasseter. Estados Unidos da América: Pixar 
Animation Studios e Walt Disney Pictures. 1998. (95 min.)
ANTZ (br. FormiguinhaZ). Direção de Eric Darnell e Tim Johnson. Estados Unidos da América: 
Estados Unidos da América: Dreamworks Animation. 1998. (83 min.)
SAIBA MAIS
4.1 QUEDA OU LIBERTAÇÃO DO INSTINTO
O ser humano é, essencialmente, um ser rebelde, 
inconformado, que não se sente pronto, está per-
manentemente se reinventando. Não é como as 
borboletas, as tartarugas marinhas ou os patos sel-
vagens, que têm uma programação genética irre-
torquível que determina seu comportamento e dita, 
por exemplo, quando e para onde devem migrar no 
período de acasalamento, ou mesmo, sem precisar 
receber nenhuma instrução de um indivíduo adulto, 
já nascem sabendo o que têm de fazer e para onde 
têm de voar ou nadar.
Não deixa de ser intrigante pensarmos que pro-
vavelmente, por muitas e muitas eras, os nossos 
ancestrais se comportavam como as outras es-
pécies, prisioneiros dos seus instintos. Reprodu-
ziam o script da natureza, isto é, agiam de acor-
do com o que estava prescrito no DNA. Mas em 
algum momento aconteceu uma grande revolução, 
talvez a maior de todas as revoluções do univer-so: um dos nossos tataravôs ou tataravós resol-
veu desobedecer aos instintos e escolheu agir 
de maneira diferente.
Filósofos como Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) defendiam a noção de que houve 
um estágio pré-civilizatório no qual nossos ancestrais ainda eram selvagens. Essa teria 
Figura 21. Jean-Jacques Rousseau 
(1712-1778)
Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/
Ficheiro:Jean-Jacques_Rousseau_(painted_
portrait).jpg. Acesso em: 7 jun. 2021.
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Saber, sentir e querer
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sido uma fase amoral, pois, vivendo em estado de natureza, não haveria consciência do 
bem ou mal. Não havendo sociedade, os seres dispunham de sua vida em conformida-
de com os instintos, cujas limitações únicas eram aquelas impostas pela natureza. Rou-
sseau entendia que nesse tempo éramos livres. Contudo, uma pessoa limitada pelos 
instintos não é, exatamente, livre. A liberdade pressupõe a faculdade de fazer escolhas, 
e aquele indivíduo que vive por instinto está condenado a agir sempre de acordo com o 
que lhe ditam os seus impulsos mais primitivos.
Não é difícil perceber que os instintos presentes em qualquer espécime vivo atuam di-
ferentemente sobre os seres humanos. Mesmos os impulsos mais primitivos, tais como 
os de sobrevivência, conservação, desejo sexual, competição, agressão, nem sempre 
dominam o comportamento humano. Ao contrário, na maior parte do tempo, o ser hu-
mano luta consigo mesmo para controlar seus instintos. E essa é uma das particularida-
des que nos distanciam dos “selvagens”.
Nos livros sagrados das chamadas religiões Abraâmicas 
(judaísmo, cristianismo e islamismo), há uma história 
que narra a transição dos seres humanos de um estado 
de inocência para um estado de culpa, de um tempo de 
perfeita obediência e harmonia com a natureza e o pró-
prio Deus para um estado de desobediência e de ruptu-
ra dessa harmonia. Os primeiros seres humanos, Adão 
e Eva, que viviam com Deus em um jardim paradisíaco, 
se deixam enganar pela serpente e cedem à tentação 
de comer determinado fruto, justo aquele que tinha sido 
terminantemente proibido por Deus. A narrativa diz que 
nesse instante o homem e a mulher tomaram consciên-
cia de que estavam nus e, envergonhados, tentaram se 
esconder. Mas foram encontrados por Deus e acabaram 
sendo expulsos do Paraíso.
CURIOSIDADE
Figura 22. A tenção de Adão e Eva 
no Paraíso, de Jan Brueghel I (1590)
Fonte: https://picryl.com/media/jan-bruegheli-
the-temptation-of-adam-in-paradise-abc1db. 
Acesso em: 20 abr. 2021.
Teriam os mitos da Queda, presentes em tantas culturas, uma outra razão de ser que 
não a de apontar nossa separação do ser divino? Seriam eles uma tentativa de explicar 
a nossa passagem da condição de selvagens para a condição de humanos?
Ao que parece, somos rebeldes, porque nos recusamos a seguir o script dos instintos, 
do DNA, da natureza e, quem sabe, aqueles ditados pelos deuses. Por essa razão não 
deve nos surpreender que os seres humanos também questionem certas regras sociais 
e rompam com costumes e tradições. Tudo porque, quanto mais livres dos instintos nós 
formos, mais livres nós somos para escolher o que queremos ser. É preciso ser livre 
“de”, para se ser livre “para”.
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4.2 QUERER, PODER E DEVER
O filósofo brasileiro Mario Sergio Cortella (1954-), em 
suas palestras sobre Ética, costuma falar sobre o dile-
ma que vivemos cotidianamente, como seres huma-
nos, todas as vezes que temos que tomar decisões, 
pois nos deparamos com três perguntas fundamen-
tais: Quero? Posso? Devo? Isso porque, explica ele, 
há coisas que queremos, mas não podemos.
Com isso, temos diante de nós um horizonte que, 
mais uma vez, nos distingue significativamente dos 
demais seres vivos. E isso traz sérias implicações: 
se o dilema entre querer, poder e dever se tornar 
insolúvel, em determinadas situações, o resultado 
pode ser muito frustrante e corremos o risco de 
experimentarmos momentos de tristeza, depressão e infelicidade. Por outro lado, naque-
les momentos em que há a convergência entre querer, poder e dever, então vivenciamos 
aqueles momentos sublimes de plena satisfação, alegria e felicidade. E esses momentos, 
mesmo sendo raros (ou, talvez, justamente por serem raros) fazem tudo valer a pena.
Figura 23. Mario Sergio Cortella (1954-)
Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Mario_
Sergio_Cortella#/media/Ficheiro:Mario_Sergio_
Cortella_2012.jpg
Quero fazer uma turnê pela Europa, mas não posso porque não tenho recursos financeiros suficien-
tes para isso. Há, também, coisas que queremos e podemos, mas não devemos. Pense em alguém 
que deseje se drogar. Essa pessoa quer e, se tiver recursos, pode, mas talvez não deva, por vários 
motivos: ou porque é proibido por lei ou porque essa atitude poderá prejudicá-lo de várias maneiras 
na sua saúde física, emocional, relacional, profissional... E há, ainda, aquelas coisas que podemos 
e devemos, mas não queremos. Pense nas obrigações que temos de pagar contas ou impostos. 
Fazemos isso porque devemos e podemos, mas nem sempre porque queremos.
EXEMPLO
É verdade que um animal que viva subordinado aos seus instintos não experimente o mes-
mo tipo de frustração, tristeza, depressão ou infelicidade, como os humanos. Mas também 
é verdade que nunca experimentará a plena satisfação, alegria e felicidade dos humanos.
01. Assista à entrevista concedida por Mario Sergio Cortella ao Jô Soares, na qual ele fala de ética e 
das três perguntas fundamentais: Quero? Posso? Devo? (Ver especialmente a partir do minuto 12:30):
PROGRAMA do Jô. Professor Mario Sergio Cortella lança livro, 2021. 1 vídeo (21 min 47s). 
Publicado por Globoplay. 
SAIBA MAIS
Disponível em: https://globoplay.globo.com/v/844221/. Acesso em: 20 abr. 21.
https://globoplay.globo.com/v/844221/
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02. No vídeo a seguir, o filósofo polonês Zygmunt Bauman (1925-2017), em entrevista exclu-
siva concedida ao Núcleo de Pesquisa em Estudos Culturais, comenta a respeito da dicoto-
mia entre a liberdade e a segurança, dizendo (a partir do minuto 21:50):
Há dois valores essenciais que são absolutamente indispensáveis para uma 
vida satisfatória, recompensadora e relativamente feliz: Um é segurança e 
o outro é liberdade. [...] Segurança sem liberdade é escravidão, e liberdade 
sem segurança é um completo caos. (BAUMAN, 2011, [n. p.])
ENTREVISTA exclusiva Zygmunt Bauman, 2011. 1 vídeo (29 min 41s). Publicado pelo canal 
Núcleo de Pesquisa em Estudos Culturais.
Disponível em: https://youtu.be/1miAVUQhdwM. Acesso em: 20 abr. 21.
4.3 CICLO E DESEJO MIMÉTICO
O brilhante René Girard (1923-2015), filósofo, antropólogo, historiador, sociólogo, entre 
tantas outas coisas, ficou muito conhecido por uma teoria que ele chamou de Desejo 
Mimético, ou Teoria do Bode Expiatório.
“Vastas camadas sociais se encontram às voltas com flagelos tão terríveis como a peste ou por vezes 
com dificuldades menos visíveis. Graças ao mecanismo persecutório, a angústia e as frustrações cole-
tivas encontram uma satisfação vicária sobre vítimas que facilmente provocam a união contra elas, em 
virtude de sua pertença a minorias mal integradas etc. [...]
Nossa compreensão disto resulta da descoberta dos estereótipos da perseguição em um texto. Uma 
vez adquirida, gritamos quase sempre: a vítima
é um bode expiatório. Todo o mundo entende perfeitamente esta expressão; ninguém hesita sobre o 
sentido que é preciso lhe dar. Bode expiatório designa simultaneamente a inocência das vítimas, a pola-
rização coletiva que se efetua contra elas e a finalidade coletiva dessa polarização. Os perseguidores se 
fecham na “lógica” da representação persecutória e não podem mais dela sair. [...]
Os bodes expiatórios não curam, sem dúvida, nem as verdadeiras epidemias, nem as secas, nem as 
inundações. [...]
Em contrapartida, quando estas causas deixam de atuar, o primeiro bode expiatório que vier porá 
fim à crise, liquidando suas sequelas interpessoais pela projeçãode todo malefício sobre a vítima. O 
bode expiatório age apenas sobre as relações humanas perturbadas pela crise, mas dará a impressão 
de agir igualmente sobre as causas exteriores, as pestes, as secas e outras calamidades objetivas” 
(GIRARD, 2004, p. 37-41).
Bode expiatório, segundo René Girard
https://youtu.be/1miAVUQhdwM
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Tentando explicar o que ele pensava em pouquíssimas palavras, podemos dizer que 
suas observações sobre o comportamento do ser humano em sociedade o levaram a 
concluir que todo conflito é o resultado do desejo e todo desejo é a imitação do desejo 
de outra pessoa. Posto de outra forma, a tendência do ser humano é reproduzir o com-
portamento de outra pessoa. Mimetismo é imitação.
No caso da violência, constata-se um processo mimético, isto é, um ciclo vicioso de 
repetição: a violência gera uma reação violenta que, por sua vez, torna a estimular 
mais violência.
Em um de seus livros, Girard exemplifica o processo do ciclo mimético analisando os 
relatos da crucificação de Jesus Cristo. Ali se pode verificar concretamente uma verda-
deira sequência mimética. Num contexto de extrema pressão e repressão social, Jesus é 
escolhido como “bode expiatório”. O ódio dos que exigem a condenação de Jesus, 
mesmo sem apresentarem provas contra ele, vai se replicando em várias instâncias: o 
Rei Herodes, mesmo sem convicção, cede à vontade dos líderes do Sinédrio e encami-
nha o réu para Pilatos. Este, mesmo sem um motivo efetivo, recua diante dos gritos de 
“Crucifica-o! Crucifica-o!”, e acaba por decretar a pena máxima para um inofensivo arte-
são galileu. Os soldados, sem maiores razões, reproduzem os ânimos exaltados dos que 
vociferavam contra Jesus e passam a esbofeteá-lo, a espancá-lo, e cravam-lhe uma co-
roa de espinhos na cabeça. Já pregado na cruz, além das dores físicas, Jesus é subme-
tido às torturas psicológicas da multidão, dos próprios guardas que continuam a insultá-lo 
e até de um dos ladrões que também estava crucificado, ao seu lado.
É precisamente nesse instante que o ciclo sofre uma interrupção. O ladrão que estava 
do outro lado interrompe o ciclo mimético. Ele não reproduz o padrão que todos estão 
seguindo. Ao contrário, ele repreende o parceiro da outra cruz dizendo que aquilo não 
estava certo, que ofender alguém que não tinha culpa nenhuma estava errado.
O autor supracitado chama a atenção, ao final, para a reação do próprio Cristo. Era 
de se esperar que os condenados, no momento do suplício, também reproduzissem 
o comportamento violento. Muitos, do alto da cruz, vociferavam, cuspiam e amaldi-
çoavam seus algozes. Mas também Jesus quebra o ciclo mimético e, em lugar de 
ofender, suplica ao seu Deus que perdoe aquela gente, porque aquelas pessoas, 
no fundo, não sabem o que fazem.
A conclusão a que chegamos, a partir dessa análise, é que a tendência é reproduzirmos 
o comportamento dos nossos antepassados e os nossos vizinhos ad infinitum, a menos 
que alguém, deliberadamente, decida dizer: Basta!
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Saber, sentir e querer
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4.4 IDEOLOGIAS E O LIVRE ARBÍTRIO
Há diversos debates a respeito do questionamento se nós, seres humanos, gozamos de 
livre arbítrio, isto é, se temos mesmo liberdade para fazer escolhas na vida. Há quem 
diga que nosso destino já está traçado. Os religiosos acreditam que alguma divindade 
toda-poderosa predestinou cada detalhe da nossa existência. Alguns cientistas têm opi-
nião semelhante, só que, em lugar da divindade, creem que quem dita essas regras é 
uma molécula, chamada DNA, que todos os seres vivos carregam no núcleo de cada 
célula e que contém toda a informação genética necessária para determinar todas as 
características de um organismo.
Os que mudam o mundo, portanto, são os que arriscam romper com o ciclo mimé-
tico no qual, como sociedade, estamos presos. Enquanto continuarmos a revidar a 
violência com violência, só poderemos colher mais violência. A única chance que 
temos de colher paz é se ousarmos quebrar o ciclo e revidarmos a violência com 
uma atitude pacificadora.
Estamos diante de um dilema. Se um dia fomos presos pelos instintos e tentamos 
nos libertar dele teria sido para nos darmos conta de que caímos prisioneiros dos 
deuses ou do DNA? E o que dizer das ideologias, que são correntes que nos pren-
dem sutilmente a padrões sociais baseados em interpretações e explicações distor-
cidas do real?
As ideologias mais bem sucedidas são aquelas 
que não são percebidas como tais. São aquelas 
mundividências que nos fazem crer que são a 
expressão mesma da verdade. Contudo, as ide-
ologias estão sempre a serviço de interesses que 
não querem que as pessoas vejam a realidade 
tal como ela é. Muitos recursos, esforços e téc-
nicas bem criativas são empregadas na formula-
ção e propagação de ideologias. E os meios de 
comunicação de massa são ferramentas eficien-
tes que se prestam muito a propagá-las.
A ideologia é uma ameaça terrível, porque ela é 
a opressão introjetada. É o processo pelo qual 
o oprimido passa a desejar a opressão e, até 
mesmo,a defender e admirar o opressor.
Figura 24. Nelson Rolihlahla Mandela 
(1918-2013)
Fonte: https://simple.wikipedia.org/wiki/File:Nelson_
Mandela-2008_cropped.jpg. Acesso em: 7 jun. 2021.
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As ideologias nos cercam de todos os lados: na falácia da supremacia da mercadoria 
sobre as pessoas; nas justificativas forjadas para os conflitos civis e as guerras mun-
diais; no mascaramento das violações dos direitos fundamentais e dos princípios bási-
cos da dignidade humana; nas falsas justificativas para a devastação da natureza; nas 
atitudes negacionistas diante das epidemias e pandemias.
Por essa razão, da mesma forma que precisamos romper com ciclos miméticos, precisa-
mos encontrar meios de reconhecer uma ideologia e contorná-la, principalmente aquela 
a serviço da exploração do povo e que se presta à degradação da dignidade humana.
Não temos certeza absoluta de se estamos mesmo à mercê dos deuses ou do DNA, 
mas é inegável que, aqui e acolá, surgem pessoas como aquele ladrão da cruz, dispos-
to a interromper processos milenares de violência. 
Para não ficarmos restritos a exemplos de um passado tão remoto, podemos invo-
car aqui a lembrança de Nelson Mandela (1918-2013), líder da África negra, vencedor 
do Prêmio Nobel da Paz (1993). Mandela foi perseguido por sua atuação contrária 
ao sistema segregacionista, pelo qual a maior parte da população africana era tra-
tada como gente de segunda classe. Condenado por suas ideias, palavras e ações, 
Mandela passaria 27 anos preso, a maior parte do tempo confinado na ilha-prisão de 
Robben, localizada a 11 km da Cidade do Cabo.
O Apartheid foi uma das ideologias mais perversas que brutalizou a África do Sul de 1948 
a 1994. Uma ideologia abençoada por religiosos e efetivada por políticos tão estreitamente 
aliados que seu implementador foi um pastor protestante que se fizera primeiro-ministro.
IMPORTANTE
Quase três décadas de tentativa de domesticação, na prisão, não foram suficientes 
para determinar o comportamento de Mandela. Ele nunca se rendeu ao ciclo mimético 
do ódio. Ele tinha consciência de que a prisão não tenta roubar apenas a liberdade do 
indivíduo. Mais que isso, ela tenta privá-lo de sua identidade. Mas ele fez a escolha 
difícil: não entregou sua identidade ao destino. Depois de muita mobilização nacional e 
internacional, foi liberto, finalmente.
Suas palavras a respeito são de uma força admirável: “Quando eu saí em direção ao 
portão que me levaria à liberdade, eu sabia que, se eu não deixasse minha amargura 
e meu ódio para trás, eu ainda estaria na prisão”. Mais uma vez, ele teve a ousadia e a 
coragem de romper com o ciclo mimético.
A liberdade que ele conquistou foi muito mais do que a das cadeias que o detinham. 
Suas palavras foram: “Conforme nos libertamos do nosso medo, nossa presença, au-
tomaticamente,liberta os outros”. Ele se libertou do medo e contagiou outros com o 
mesmo sentimento/desejo de liberdade.
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Saber, sentir e querer
1
Ele sabia que a ideologia é algo que nos ensinam e que também pode ser desensinada: 
“Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele, por sua origem ou ainda 
por sua religião. Para odiar, as pessoas precisam aprender, e se podem aprender a 
odiar, podem ser ensinadas a amar”.
Em síntese, ideologia se aprende e se desaprende!
IMPORTANTE
CONCLUSÃO
Ainda não somos humanos, estamos nos tornando. Ser livres é um passo gigantesco nessa 
direção. Mas não basta que alguém seja livre sozinho. O mundo precisa de muito mais.
Podemos fechar estas páginas com a popular frase do Tata Mandiba, o pai Mandela, como 
era carinhosamente chamado pelo seu povo: “Ser livre não é apenas quebrar as próprias 
correntes, mas viver de uma maneira que respeite e aumente a liberdade dos outros”.
MAPA CONCEITUAL
Figura 25. Mapa conceitual
O humano como ser de vontade, dotado de liberdade pela qual pode 
fazer escolhas éticas.
Fonte: elaborada pelo autor.
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GIRARD, René. Eu vi satanás cair do céu como um raio. Lisboa: Instituto Piaget, 2002.
GIRARD, René. O bode expiatório. São Paulo: Paulus, 2004.
TEXTO COMPLEMENTAR
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Saber, sentir e querer
1
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.
CASTELLS, Manuel. Redes de indignação e esperança: Movimentos sociais na era da internet. 
Rio de Janeiro: Zahar, 2013.
COSTA, Cristina. Sociologia: introdução à ciência da sociedade. São Paulo: Moderna, 2005. 
GIDDENS, Anthony. Sociologia. Porto Alegre: Penso, 2012.
______. As consequências da modernidade. São Paulo: Unesp, 1991.
HARVEY, David. Condição pós-moderna. São Paulo: Loyola, 2007.
SILVA, Afrânio et al. Sociologia em movimento. São Paulo: Moderna, 2013.
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Criar, falar e conviver
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UNIDADE 2
CRIAR, FALAR E CONVIVER
INTRODUÇÃO
Nesta unidade II, daremos continuidade aos nossos estudos sobre o ser humano con-
temporâneo e suas interações entre indivíduos e com o mundo. Trataremos de impor-
tantes temas que nortearão as discussões e problematizações relacionadas à forma 
como homens e mulheres têm se organizado e convivido em sociedade, em suas rela-
ções privadas e públicas. 
Partindo da concepção de Homo faber, iremos, inicialmente, explorar os aspectos rela-
cionados ao desenvolvimento do mundo do trabalho, a complexidade das técnicas e as 
relações com o mundo tecnológico contemporâneo. Na sequência, ao abordar o Homo 
loquens, discutiremos a importância da língua, da linguagem e da comunicação nas 
interações entre os indivíduos e os ambientes que os cercam e, dessa forma, nas dife-
rentes concepções de se articular o pensamento, as interpretações e construções que 
fazemos de nós, individualmente e coletivamente, mas, também, em relação ao mundo.
Por fim, iremos tratar do Homo socialis, ou seja, dos aspectos interativos entre os in-
divíduos, suas formas de sociabilidade, de cooperação. Para avançarmos no tema, 
importantes elementos serão trazidos para a discussão, tais como as relações entre 
política e ideologia, mas também as concepções de governo e poder. Todas essas di-
mensões sociais dos indivíduos são extremamente importantes para se compreender 
os problemas da atualidade e, também, para que possamos, conjuntamente, encontrar 
caminhos mais cooperativos, empáticos e que apresentem possibilidades de constru-
ções coletivas de mundos possíveis que sejam mais justos e igualitários para todos. 
Boas discussões e bons estudos!
1. A CRIAÇÃO DO MUNDO HUMANO – TÉCNICA E TRABALHO
1.1. DO NATURAL PARA O HUMANO
Dentro de uma cozinha, em um grande restaurante, a chef coordena os trabalhos: são 
diferentes pessoas que cuidam de diversos processos – iniciais ou para finalização dos 
pratos. À mesa dos clientes, os pratos chegam com alimentos transformados que pouco 
se parecem com o que pode ser encontrado in natura.
O responsável por atender às mesas começa a servir um grupo de advogados que se 
reunia para celebrar a finalização e o sucesso em um processo. Eles riam e falavam 
sobre as construções de argumentos embasados na legislação e sobre como faltou 
técnica aos adversários. Acima de tudo, diziam que a lei não pode estar acima da vida. 
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Tratava-se de um processo movido por um grupo de médicos que, dentro de uma situ-
ação extrema, passaram por cima de um determinado protocolo médico – ação sem a 
qual não seria possível salvar a vida de dois pacientes que estavam em estado grave, 
esperando por um procedimento de alto risco.
O que, exatamente, essa cena tem a ver com os estudos desta unidade? Vamos pen-
sar! Comece refletindo sobre as ideias apresentadas no mapa a seguir:
Figura 01. Mapa Mental – Homo faber
Fonte: elaborada pelo autor.
1.2 - A MÃO E A TRANSFORMAÇÃO DO MUNDO
A imagem que, possivelmente, melhor simboliza a transformação do mundo é a imagem 
da mão. Por meio de ações, majoritariamente manuais, o ser humano foi transformando 
o mundo – foi construindo o seu próprio mundo. De início, a necessidade é o que levou 
os grupos humanos a transformarem o lugar onde habitavam, para tirar mais proveito 
do que a natureza oferecia e para moldar o que era oferecido, de modo a adequá-lo a 
seu modo de vida. Não mudou apenas a ordem visível ou as macroestruturas de orga-
nização do planeta: ele interveio, de modo significativo, no interior daquilo que se pode 
chamar vida. Ao ser humano, enquanto animal que produz e constrói um mundo, dá-se 
o nome de homo faber, podemos entender que essa é uma de suas dimensões.
O que é a vida? Todo o conhecimento humano se desenvolve por meio de conceitos 
criados a partir da experiência que ele tem junto ao mundo. Nesse sentido, depois de 
elaborado um determinado conceito, as novas experiências passam a ser catalogadas 
de acordo com ele – até o momento que ele se mostre insuficiente em suas definições. 
Com a vida acontece o mesmo: dizer o que é a vida ou onde ela está depende de uma 
conceituação assumida previamente. Mas o próprio conceito de vida pode passar por 
revisão. Você já ouviu falar em vyda?
Homo faber
conceitos
desejo 
humano
técnicainstrumento
aprimoramento
vencer a 
natureza
tecnologiaaplicação de técnicas
na atualidade
tecnologias 
digitais
modificação 
da vida
exploração qual o limite?
novo 
trabalho
novas 
necessidades
muda a 
essência
em todos 
os âmbitos
velocidade
vigilância
prolonga a 
vida
o que é?dimensão humana
o animal 
que faz
transforma 
o mundo
cria 
técnica
realiza 
trabalho
consequências
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Criar, falar e conviver
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O Homo sapiens reescreveu as regras do jogo. Essa espécie singular de 
macacos conseguiu mudar em 70 mil anos o ecossistema global de modo 
radical e sem precedente. O impacto que causamos já é comparável com 
o da idade do gelo e dos movimentos tectônicos. Em um século ele pode 
superar o do asteroide que exterminou os dinossauros 65 milhões de anos 
atrás. (HARARI, 2016, p. 81)
O impacto do agir humano sobre o planeta é algo a ser considerado como base para 
o entendimento da vida contemporânea – principalmente, porque nascemos em um 
contexto que é consequência histórica, da qual nem sempre temos clara essa ideia. As 
coisas estão do modo como estão, mas não, necessariamente, são como estão – ou, 
pelo menos, não foram sempre.
Entenda a ideia de vyda, disponível no link a seguir:
Disponível em: https://bbc.in/3FqNjsV
SAIBA MAIS
Acesso em: 19 abr. 2021.
SAIBA MAIS
O professor Yuval Harari é autor de livros importantes para o entendimento do modo como o 
ser humano transformou o mundo; o conhecimento de sua obra é basilar para a compreen-
são do que é o ser humano contemporâneo.
Tendo isso em mente,sugerimos que assista à entrevista dada por Harari, em 11 de novem-
bro de2019, ao programa Roda Vida, da TV Cultura:
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=pBQM085IxOM&t=647s
Clique aqui e acesse o
VÍDEO
Acesso em: 19 abr. 2021.
https://bbc.in/3FqNjsV
https://www.youtube.com/watch?v=pBQM085IxOM&t=647s
https://www.youtube.com/watch?v=pBQM085IxOM&t=647s
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Com sua mão, não apenas foi possível ao ser humano alcançar e tocar, mas desenvol-
ver um novo modo de fazer a natureza aparecer. E o processo se dá de maneira con-
tínua: algo natural é transformado, dando origem a outro elemento, que, por sua vez, 
levará a novas transformações.
É simples pensar, por exemplo, que, um dia, o Homo sapiens encontrou e conseguiu 
dominar o fogo e conseguiu perceber que era possível cozinhar batatas; mas as batatas 
servidas no restaurante da cena apresentada, possivelmente, não são iguais àquelas 
de milhares de anos. Faz-se as batatas aparecerem de outro modo, segundo o desejo 
humano. Para isso, há técnicas que são observadas pela chef.
SAIBA MAIS
Assista ao programa Biotecnologia na produção de alimentos | Ciência é Tudo, da TVBRA-
SIL. Será possível perceber de que modo a produção de alimentos deixou de ser o que era 
há séculos ou milênios – não se trata mais de, simplesmente, plantar e cozinhar batatas:
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=2YV-dT52LQg
Clique aqui e acesse o
VÍDEO
Acesso em: 19 abr. 2021.
1.3 A TÉCNICA
Todas as áreas profissionais desenvolvem técnicas. Seja o profissional da gastronomia, 
desenvolvendo novas maneiras de extrair corantes naturais; seja o da farmácia, bus-
cando diferentes maneiras de isolar o princípio ativo de um medicamento encontrado 
em uma planta; seja o da engenharia e da medicina, desenvolvendo dispositivos que 
possibilitam cirurgias em minúsculas estruturas corporais. Enfim, em qualquer área na 
qual se pretenda atuar, há desenvolvimento constante de técnicas e tecnologias que 
permitem ao ser humano intervir no mundo de maneira sempre mais eficaz. A cada mo-
mento, tais intervenções conseguem tocar a realidade em seu detalhe. Posto nas pala-
vras de Battista Mondin (1997, p. 197), o “ [...] progresso técnico do homem é efetuado 
pela criação de instrumentos sempre mais perfeitos, que colocam a mão em condições 
de fazer compreender as suas múltiplas capacidades de domínio sobre a matéria”.
https://www.youtube.com/watch?v=2YV-dT52LQg
https://www.youtube.com/watch?v=2YV-dT52LQg
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Criar, falar e conviver
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O entendimento sobre o modo como a 
técnica é desenvolvida e passa a tomar 
parte no fazer humano é fundamental, 
pois acaba alterando a própria relação do 
ser humano com o mundo. Por exemplo, 
na cena apresentada no início desta uni-
dade, é possível perceber que, por meio 
da técnica, o mundo não mais se apre-
senta de modo natural, seja no preparo 
dos alimentos pela gastronomia, no modo 
como a linguagem e a argumentação se apresentam pelo direito ou, ainda, pela ma-
neira como é possível agir sobre o corpo humano por meio das técnicas da medicina.
A técnica faz aparecer o mundo para o ser humano. Nesse sentido, o aparecer do 
mundo passa a ser dirigido pelo animal racional. Ou seja: tudo que existe – animado ou 
inanimado –, tem sua existência afetada pelo desejo humano. Isso é um perigo quando 
o ser humano, em seu poder fazer, passa a se entender como senhor de tudo o que 
existe, como se tudo fosse feito para ele.
Há um pensador contemporâneo que muito se dedicou a esta temática: Martin Heideg-
ger (1889-1976). Em sua obra A questão da técnica, Heidegger (2001, p. 17) afirma que
[a] técnica não é, portanto, um simples meio. A técnica é uma forma de de-
sencobrimento. Levando isso em conta, abre-se diante de nós todo um outro 
âmbito para a essência da técnica. Trata-se do âmbito do desencobrimento, 
isto é, da verdade.
Há, assim, outros conceitos a partir dos quais pode ser pensada a técnica, tal qual 
desencobrimento e verdade. A técnica é uma maneira de fazer o mundo aparecer, mos-
trando a verdade de suas possibilidades em tudo aquilo que é desencoberto, ou seja, 
que aparece à luz da verdade.
Figura 02. Mão robô
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Saiba mais sobre esta reflexão dentro da filosofia heideggeriana lendo o artigo: Martin Heide-
gger e a técnica, disponível em:
https://www.scielo.br/pdf/ss/v5n3/a04v5n3.pdf
SAIBA MAIS
Acesso em: 19 abr. 2021.
A TECNOLOGIA
Tecnológico é tudo aquilo que pode ser utilizado como meio de aplicação de inúmeras 
técnicas sobre o mundo. Dessa forma, enquanto a técnica é um meio de fazer aparecer 
o mundo, a tecnologia pode ser associada ao modo como enxergamos a totalidade do 
mundo em seu aparecer e como o ser humano pode nele intervir.
https://www.scielo.br/pdf/ss/v5n3/a04v5n3.pdf
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O desenvolvimento das tecnologias é, assim, algo verdadeiramente significativo. Mas 
não é possível, simplesmente, aceitar tudo o que aparece a cada dia – é necessário 
questionar para onde caminha a humanidade neste âmbito.
SAIBA MAIS
Consideremos a medicina, como exemplo. Assim, sugerimos que assista ao vídeo 3 Ino-
vações Que Estão Mudando a Medicina, apresentado pelo médico Carlos Eurico em seu 
canal no Youtube:
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=f6opnMOxGJQ
Clique aqui e acesse o
VÍDEO
Acesso em: 19 abr. 2021.
Toda intervenção é necessária? De que modo ela afeta o mundo?
A tecnologia está totalmente ligada ao existir humano, e as “[...] mudanças tecnológicas 
que se operam no mundo, articulando-o na transformação ininterrupta, conduzem o 
homem a um destino, e é este que devemos procurar inquirir do futuro, qual poderá ser” 
(SCANTIMBURGO, 2000, p. 42).
Pensar o futuro humano passa a ser, de certa forma, pensar o futuro do mundo como 
um todo, que se dá por meio da tecnologia. Busque rememorar diferentes filmes que 
trazem a temática do desenvolvimento tecnológico como centro e identifique quais ele-
mentos são comuns a eles. Tais elementos já podem ser enxergados em sua vida coti-
diana, ainda que de modo incipiente?
https://www.youtube.com/watch?v=f6opnMOxGJQ
https://www.youtube.com/watch?v=f6opnMOxGJQ
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Envolvendo diferentes temas e problemas, embora sempre tendo como pano de fundo 
o mundo tecnológico, a série Black Mirror (Netflix, 2011) apresenta interessantes ideias 
sobre possibilidades futuras. Trata-se de uma distopia, mas cujos elementos podem ser 
observados em certo número na contemporaneidade. As distopias podem ser fantasias, 
mas tomam base no que já existe. Não deixe de assistir, ao menos, alguns episódios!
BLACK MIRROR (Netflix, 2011) – veja a sinopse de todos os episódios da série no link a seguir:
http://glo.bo/3F3hVPT
SAIBA MAIS
Acesso em: 19 abr. 2021.
1.4. O TRABALHO NA SOCIEDADE TECNOLÓGICA
O trabalho humano pode ser entendido como o uso de energias físicas e mentais com 
a finalidade de produzir aquilo que o ser humano entende como necessidade – no prin-
cípio, a necessidade era apenas a sobrevivência. Por meio do trabalho, um mundo foi 
moldado, e aquilo o que foi descoberto e desenvolvido (técnica e tecnologia) passou a 
dirigir as ações humanas; as próprias necessidades passaram a ser outras, depois que 
as primeiras foram sanadas.
Em uma concepção pura de trabalho como “uso da força para um fim”, é possível en-
tender que o trabalho veio antes da técnica – pois o ser humano, primeiro, gastou suas 
energias de modo aleatório, com a finalidade de alcançar algum bem; só depois é que 
ele percebeu que havia maneiras diversas de se alcançar os mesmos objetivos (mais 
rápidas e efetivas). Assim, o trabalho levou à técnica para, depois, ser redesenhado por 
ela, por meio das diferentes tecnologias existentes.
Na sociedade contemporânea – e desde muito tempo – o trabalho não é simplesmente 
um fazer com uma finalidade, pelo contrário, elefoi assumido como um dos pilares do 
viver em sociedade.
http://glo.bo/3F3hVPT
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Podemos entender, de maneira muito evi-
dente, que, se vivemos em uma sociedade 
que é tecnológica, todos os modos segun-
do os quais atuamos no mundo serão mar-
cados pela tecnologia. A vida profissional 
também é marcada pela influência tecno-
lógica, não importando o ramo seguido – 
desde as relações de trabalho até a produ-
ção e oferta de produtos e serviços. Você 
já pensou sobre como sua pretendida pro-
fissão conduz a tecnologia (ou é conduzi-
da por ela) envolvida em seu fazer?
Como exemplo, retome os envolvidos na cena do início deste conteúdo temático – fa-
lamos do profissional da gastronomia e do profissional da medicina; agora, podemos 
pensar o profissional do direito. Seriam os advogados afetados pela tecnologia?
E esses advogados não precisam ser necessariamente humanos. Filmes e séries de 
televisão dão a impressão de que os advogados passam seus dias no tribunal gritando 
“Objeção” e fazendo discursos apaixonados. Mas em geral, o que eles fazem é con-
sultar arquivos intermináveis, à procura de precedentes, brechas e minúsculas peças 
de evidências potencialmente relevantes. Alguns se ocupam em tentar imaginar o que 
aconteceu na noite em que João Ninguém foi morto, ou na elaboração de um gigan-
tesco contrato de negócios que protegerá seu cliente em qualquer eventualidade con-
cebível. Qual será o destino de todos esses advogados quando algoritmos sofisticados 
SAIBA MAIS
Para entender mais sobre o trabalho e como ele influenciou a produção social e cultural, 
assista ao vídeo História do emprego e relações de trabalho no mundo:
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=f6opnMOxGJQ
Clique aqui e acesse o
VÍDEO
Acesso em: 19 abr. 2021.
Figura 03. Cotidiano tecnologico
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 https://www.youtube.com/watch?v=f6opnMOxGJQ
https://www.youtube.com/watch?v=hfcp6qSjqxg
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de busca forem capazes de localizar mais precedentes em um dia do que o faria um 
humano em toda a sua vida, e quando scanners de cérebro forem capazes de revelar 
mentiras e enganações só com o apertar de um botão? [...] O que isso fará com milhões 
de advogados, juízes, policiais e detetives? Pode ser que tenham de voltar para a esco-
la e aprender uma nova profissão. (HARARI, 2016, p. 316)
Existe técnica para bem argumentar? Claro. A técnica de argumentação – 
que é algo de singular importância para o direito – pode, ainda, depender do 
tempo na prática profissional. Mas a agilidade no levantamento de elemen-
tos importantes para o conteúdo da argumentação será (ou já é) alterada 
pela tecnologia de dados.
Não é possível entender o ser humano contemporâneo sem problematizar a construção 
de seu mundo – esta que se deu e ainda se dá. É por meio do trabalho que o ser hu-
mano aperfeiçoou técnicas e desenvolveu tecnologias – tudo com o objetivo central de 
fazer do mundo um lugar habitável.
Conforme o homem afirma a sua autonomia, o trabalho assume um signi-
ficado sutilmente antropológico: serve para formar e aperfeiçoar o homem. 
Voltaire recomendava a todos que desenvolvessem algum trabalho, com a 
finalidade de contribuir com o próprio sustento e para o bem-estar da huma-
nidade. O trabalho, de fato, elimina três grandes males: o aborrecimento, o 
vício e a necessidade. (MONDIN, 1997, p. 194)
Podemos entender, então, que o processo de humanização foi acompanhado pelo de-
senvolvimento do trabalho e, a partir de determinado momento na história, pelo desen-
volvimento da técnica – os três em relação de reciprocidade. O trabalho e a técnica são 
constituintes da dimensão Homo faber do ser humano.
2. O ANIMAL QUE SE COMUNICA
2.1 LÍNGUA, LINGUAGEM E COMUNICAÇÃO COMO PROBLEMA
Em uma reunião de emergência, deu-se uma discussão na empresa. Ocorreu que, no 
fim do prazo, percebeu-se que o programa desenvolvido deveria gerar determinados 
resultados, mas isso não estava acontecendo. O setor financeiro foi quem solicitou o 
desenvolvimento de um recurso para facilitar a lida com fluxos de caixa, já que a empre-
sa crescera e o setor passara a trabalhar com números vultuosos.
O gerente financeiro questionou seu assistente, querendo saber se era possí-
vel certificar-se de que os responsáveis no setor de TI haviam entendido as ne-
cessidades. Em uma análise geral, o gerente percebeu que seu assistente não 
usava corretamente os termos para os objetos e ações da área financeira. Ao mes-
mo tempo, constatou-se que a definição de funcionalidade (setor de TI) fora fei-
ta por quem não estava mais na organização; além disso, o que chegara ao pro-
gramador veio com vários problemas na linguagem de programação utilizada. 
Ou seja, o setor financeiro estava mesmo com problemas.
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A partir da situação apresentada, é possível pensar problemas relacionados ao tema 
proposto para esta unidade: a comunicação. Falar uma língua – ainda que seja nativa 
– parece algo simples e puramente objetivo, mas muitos problemas surgem por conta 
do uso e da interpretação.
Ademais, além da linguagem natural (falada pelas pessoas), a situação apresenta o uso de 
uma linguagem artificial, que é a linguagem de programação. No conjunto, ainda aparece 
problema no conhecimento de termos e na própria comunicação entre os personagens.
O ser humano fala e desenvolve a linguagem – esta dimensão de seu existir é cha-
mada Homo loquens –, que será tratada a partir de agora. Comece refletindo a partir 
do mapa a seguir:
Figura 04. Mapa Mental – Homo loquens
Fonte: elaborada pelo autor.
A TRADUÇÃO DO MUNDO EM PALAVRA
O ser humano é um animal e todo animal é um organismo vivo. Por meio de complexos 
processos, os organismos vivos se reproduzem e transmitem a vida. Quando o conjunto 
de células se torna vida, o organismo sofre influência de tudo o que o mundo oferece. 
Assim, de acordo com os estímulos do mundo, os seres vivos em geral dão uma respos-
ta direta e automática (como ação-reação). Ocorre que uma espécie animal se desen-
volveu e chegou à racionalidade; com isso, o animal humano não apenas vive, mas tem 
consciência de que vive e de que existe um mundo. O ser humano está no mundo – é 
um mundo que ele não construiu nem escolheu; ele, simplesmente, está.
Em virtude dos estímulos que recebe e de sua complexa capacidade de pensamento, 
o ser humano não apenas responde ao mundo, mas traduz o mundo todo por meio de 
representações. O primeiro ato de representar é o nomear – o ser humano dá nome 
às coisas e ações; ou seja, ele traduz a experiência de mundo em uma linguagem que 
permite partilhar a experiência em um mesmo mundo.
Homo Ioquens
conceitos
nomear reconhecer coisas
linguagem
natural
artificial
línguasímbolos e regras
o que é?
dimensão 
humana
“falar” e 
interagir
partilhar a 
realidade
comunicação
exteriorizar-se
transmitir
importância
relação 
social
identidadeassumir uma fala
contato com o 
diferente
níveis de 
linguagem
atualidades
redes sociais
necessidades profissionais
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Criar, falar e conviver
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O ATO DE NOMEAR
Em primeiro lugar, é importante enxergar que a pessoa, mesmo antes de dar nome ao 
mundo – ou aprendê-lo –, já tem seu próprio nome. Uma das primeiras experiências de 
reconhecimento de si dá-se por meio do próprio nome: “eu sei quem sou e percebo que 
existo, pois tenho nome” – claro que isso não é consciente, pois falamos de crianças 
desde os primeiros dias de vida –; aos poucos, a criança vai se acostumando com o 
nome que tem. A coisa que tem nome é uma substância e o nome é um substantivo.
No YouTube, assista ao filme O enigma de Kaspar Hauser (1974, Werner Herzog). Perceba 
de que modo a linguagem se apresenta como problema e solução na história.
SAIBA MAIS
SAIBA MAIS
Você já percebeu que aparece como preocupação para uma mãe a escolha do nome de seu 
filho oufilha? Tem de significar algo? É moderno ou antigo? Pode ser motivo de chacota? 
Perceba que o nome vai trazer uma identidade à pessoa. Os nomes têm sentido?
Veja que curiosa é a formação dos nomes dos animais em alemão no link a seguir:
https://www.youtube.com/watch?v=VQ-Nb6Y4gn0
Clique aqui e acesse o
VÍDEO
Acesso em: 14 abr. 2021.
Aos poucos, a criança vai dando nome às coisas, antes mesmo de aprender que ela já 
tem um nome. É o nome que permite ao ser humano ter uma experiência com o mun-
do – significa entender que sem nome as coisas não podem ser consideradas. Nesse 
sentido, é significativo o poema A palavra, de Stefan George, do qual apresentamos os 
dois últimos versos
https://www.youtube.com/watch?v=VQ-Nb6Y4gn0
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Estudo do Ser Humano Contemporâneo
A ideia do poeta supracitado é a de que sem nome as coisas não aparecem na existên-
cia; sem nomear, o ser humano não consegue experienciar o mundo. Nomear é um ato 
racional em que o ser humano atribui uma palavra a cada coisa; o nome tem que ser 
único, pois, sem isso, há confusão quando se quer falar do mundo.
Triste assim eu aprendi a renunciar:
Nenhuma coisa que seja onde a palavra faltar.
(GEORGE, 1919 apud HEIDEGGER, 2012, p. 174)
SAIBA MAIS
Assista na íntegra ao programa Café Filosófico, promovido pela CPFL Cultural, no qual a 
filósofa e psicanalista Viviane Mosé fala do poder da palavra no ato de nomear o mundo, 
disponível no link a seguir:
https://www.youtube.com/watch?v=VQ-Nb6Y4gn0
Clique aqui e acesse o
VÍDEO
Acesso em: 14. abr. 2021.
2.2 O MUNDO INDIVIDUAL E O MUNDO COLETIVO
O mundo passou a ser, então, nomeado; mas uma criança vai crescendo e perce-
bendo que já existem nomes definidos para as coisas. Disso, podemos entender que 
a língua é algo imposto, como algo que deve ser seguido de determinado modo. A 
situação apresentada no início desta unidade mostrou que, quando não se chega a 
um ponto comum dos nomes das coisas, não se consegue atingir objetivos propostos. 
Afinal, a língua é um fato social.
https://www.youtube.com/watch?v=VQ-Nb6Y4gn0
https://www.youtube.com/watch?v=VQ-Nb6Y4gn0
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Criar, falar e conviver
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Aprendemos a viver e a conviver sempre a partir de uma língua, ou seja, por meio de 
um conjunto de nomes para coisas e ações que funcionam de um modo determinado. 
Não significa que a língua seja algo totalmente fixo e rígido, mas existe uma estrutura 
que muda muito lentamente. Assim, dentro de um contexto, de uma língua, há um nome 
certo para cada coisa.
Retome a situação apresentada no início desta unidade: o assistente não usava cor-
retamente os nomes para as ações e objetos do âmbito financeiro, impossibilitando de 
estarem os envolvidos em uma mesma situação; é como se cada um estabelecesse 
um mundo para si. A vida coletiva é a atuação conjunta de diferentes indivíduos, tendo 
alguns objetivos comuns – sendo o maior deles a possibilidade da própria vida; nessa 
atuação, dão-se inúmeros jogos de linguagem.
Émile Durkheim (1858-1917) entende que o objeto de estudos da sociologia é o fato social, 
pois “[...] toda a maneira de fazer, fixada ou não, suscetível de exercer sobre o indivíduo 
uma coerção exterior: ou então, que é geral no âmbito de uma sociedade tendo, ao mes-
mo tempo, uma existência própria, independentemente das suas manifestações individuais”. 
(DURKHEIM, 2001, p. 40).
– Pesquise mais sobre o fato social e procure entender onde mais ele pode ser verificado na 
vida social!
PARA REFLETIR
Leia o artigo “Nomear é trazer à existência: a onomástica (de crianças e de bichos) e os ape-
lidos na produção da pessoa Capuxu”, de autoria de Emilene Leite de Sousa. Nele, a autora 
pondera que:
“No sertão é comum atribuir-se nome aos bichos, não havendo inominados. Não apenas os 
animais domésticos, como gatos, cachorros, mas todas as espécies animais que habitam 
com o povo o mesmo espaço são nomeadas, como vacas e bois, jumentos e até cabras. Esta 
é a regra no sertão, onde o que não tem nome não existe!” (SOUSA, 2004, p. 87)
Para conferir o artigo na íntegra, visite: 
https://revistas.ufpr.br/campos/article/view/40373
SAIBA MAIS
Acesso em: 14 abr. 2021.
https://revistas.ufpr.br/campos/article/view/40373
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A COMUNICAÇÃO E A LINGUAGEM COMO JOGO
Imagine a seguinte situação: duas pessoas 
jogando xadrez e uma terceira pessoa, que 
não sabe jogar, assistindo à partida. Esta úl-
tima enxerga as jogadoras movendo peças 
de um lado para outro no tabuleiro, às ve-
zes retirando uma peça, às vezes mais ou 
menos preocupada com a peça que foi reti-
rada, e outras ações; ela enxerga e conse-
gue descrever tudo que vê, mas ela saberia 
jogar? Não. Pois ela não sabe as regras do 
jogo, ou seja, o funcionamento.
Na linguagem acontece o mesmo. Se você não faz parte daquele âmbito ou grupo que 
partilha aquela língua (ou linguagem profissional), não é simples tomar parte no jogo. 
Pense nas frases abaixo (você as entende?):
Figura 05. Xadrez
Fo
nt
e:
 1
23
R
F.
 ` “Temos de cuidar do mise en place”.
 ` “Só existem ‘10’ tipos de pessoas: as que entendem números binários e as que 
não entendem números binários”.
A primeira frase é facilmente entendida na Gastronomia, enquanto a segunda, na Com-
putação – se você não pertence a nenhuma destas áreas, faça uma busca para en-
tender as duas frases. Cada frase é elemento de um jogo, e se você não conhece as 
regras, os nomes e os objetos aos quais eles se referem – e se não praticar – você não 
consegue participar. O autor que tratou desse jogo foi Ludwig Wittgenstein (1889-1951) 
a apresentou que
[a] expressão jogo de linguagem deve aqui realçar o fato de que falar uma 
língua é uma parte de uma atividade ou de forma de vida. Imagina a multi-
plicidade dos jogos de linguagem nestes exemplos e em outros: dar ordens 
e agir de acordo com elas; descrever um objeto a partir do seu aspecto ou 
das suas medidas; construir um objeto a partir de uma descrição (desenho); 
relatar um acontecimento; fazer conjecturas sobre o acontecimento; formar 
e examinar uma hipótese; representação dos dados de uma experiência 
através de tabelas e diagramas; inventar uma história, lê-la; representação 
teatral; cantar numa roda; resolver advinhas; fazer uma piada, contá-la [...]. 
(WITTGENSTEIN, 1995, p.189)
Afinal, os modos como lidamos com a realidade e seus diversos objetos se mos-
tram como jogos de linguagem; por meio de tais jogos, faz-se a comunicação hu-
mana. Imagine uma conversa sua dentro de sua casa, com seus familiares: as pa-
lavras, os objetos e os modos de falar são específicos daquele pequeno círculo de 
pessoas que se relacionam. Possivelmente, se você for comparar com uma amiga, o 
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Criar, falar e conviver
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que ocorre na casa dela é diverso, pois o jogo é outro. Tomando a situação no início 
da unidade, é possível entender que no âmbito financeiro há um jogo de linguagem, 
enquanto no da TI há outro.
Perceba quantos problemas podem surgir em uma grande empresa, na qual diferentes seto-
res se relacionam para oferecer um serviço. A preocupação com a comunicação – para me-
lhorá-la – nem sempre está presente na formação profissional, mas é de suma importância 
que se entenda esta ideia de jogo.
LIBRAS é língua ou linguagem?
Essa é uma pergunta muito comum – e muito fácil de responder: vem de uma comunidade, 
de um contexto? Há nomes determinados para objetos? Há regras fixas de funcionamento?
Então, LIBRAS é língua! Por sinal, na atualidade, é possível perceber que as políticas de 
inclusão têm feito de LIBRAS uma necessidade, especialmente para algumas áreas, como a 
educação. Você já sabe LIBRAS?
PARA REFLETIR
SAIBA MAIS
2.3 LÍNGUAS, LINGUAGENS E A FALA HUMANA
De algum modo, o ser humano sempre fala. Falar não significa emitir sons, mas assumir 
um modo de estar no mundo e expressar o entendimento que se tem de tal mundo.
O homem fala. Falamos quando acordados e em sonho.Falamos continua-
mente. Falamos mesmo quando não deixamos soar nenhuma palavra. Fa-
lamos mesmo quando ouvimos e lemos. Falamos igualmente quando não 
ouvimos e não lemos e, ao invés, realizamos um trabalho ou ficamos à toa. 
Falamos sempre de um jeito ou de outro. Falamos porque falar nos é natural. 
Falar não provém de uma vontade especial. Costuma-se dizer que por natu-
reza o homem possui linguagem. [...] [A] linguagem é o que faculta o homem 
a ser o ser vivo que ele é enquanto homem. Enquanto aquele que fala, o 
homem é: homem. (HEIDEGGER, 2012, p. 7)
Posto de outro modo, diferente de outros animais, o ser humano caracteriza-se como 
aquele que fala. Perceba que Heidegger alarga o entendimento comum de ‘fala’; para 
este autor, não se fala apenas ao serem emitidos sons. A linguagem permite a fala huma-
na, permite a comunicação entre os próprios indivíduos e entre eles e o mundo. Por estar 
no âmbito da linguagem (do mesmo modo como o peixe está na água) e falar, o ser hu-
mano organiza sua fala em uma língua. Língua é o conjunto de nomes dados a objetos e a 
ações, organizado a partir de determinadas regras e produto de uma comunidade social.
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LÍNGUA NATURAL E LINGUAGEM ARTIFICIAL
Por que houve problema no desenvolvimento do recurso pedido pelo setor financeiro? 
Será que não falavam a mesma língua? Entre outras coisas, algo importante para se 
conhecer é a diferença entre a língua natural – aprendida e falada ‘naturalmente’ dentro 
de uma comunidade – e a linguagem artificial – que é uma criação humana para deter-
minadas finalidades, por exemplo, no âmbito da programação de computadores.
O mundo contemporâneo é marcado pelas tecnologias digitais, e o computador não 
é apenas uma ferramenta para trabalho, mas para muito do que se faz na vida diária. 
Todas as ações que um computador realiza são determinadas por comandos feitos em 
uma linguagem específica (há diversas linguagens), que pode ser ‘compreendida’ por 
qualquer computador do mundo.
A cunho de exemplo: se você quiser fazer uma conversão de temperatura, de graus Cel-
sius para graus Fahrenheit, você poderia fazer uma conta ou, simplesmente, olhar para 
um termômetro. Agora, veja como deveriam ser os comandos (na linguagem PYTHON) 
para que um computador o fizesse:
Figura 06. Exemplo de programação em python
Fonte: elaborada pelo autor.
Parece estranho? Para quem conhece o jogo, não é. Para quem vai para a área de 
computação, é o mais comum com o que se pretende atuar profissionalmente. Mas 
lembremos: a linguagem artificial é uma criação para que a máquina responda àquilo 
que o pensamento humano determina. Logo, significa que toda linguagem parte de uma 
base que é a linguagem natural para, depois, chegar a ser uma linguagem diferente, 
com estrutura diversa.
O ser humano se encontra no âmbito da linguagem – é por meio dela que ele pode sair 
de si e ter contato com o mundo. “A linguagem permite-lhe trocar com os outros as suas 
ideias próprias, os próprios sentidos, os próprios projetos” (MONDIN, 1997, p. 165). Ao 
longo do tempo, o modo de lidar com a linguagem foi se diversificando, de acordo com 
as necessidades individuais, culturais e mesmo profissionais.
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Possivelmente, você se utiliza de diferentes linguagens em seu cotidiano – pense na 
linguagem de WhatsApp, com palavras abreviadas (vc, qd, qm...) ou com os emojis:
Figura 07. Emojis
Fonte: 123RF.
Isso indica que, de todo modo, o ser humano vai buscar um caminho de saída de si, 
por meio da linguagem. Entender o ser humano contemporâneo é, também, perceber 
como a linguagem se torna problema e merece atenção. Homo loquens é a dimensão 
humana do ser que fala.
3. A ORGANIZAÇÃO DO MUNDO HUMANO
3.1. QUANDO O PRINCIPAL É A COOPERAÇÃO
No início do ano letivo, na sala dos professores, a diretora apresenta um projeto aos 
docentes. Trata-se de uma proposta de cunho social, elaborada por uma Organização 
Não Governamental (ONG), cujo objetivo principal é trazer a comunidade para a escola 
e oferecer um curso de letramento digital. A escola deve trabalhar a conscientização 
da comunidade por meio dos alunos – o que deve ser feito nas aulas. A ONG já havia 
conseguido patrocinadores para a manutenção dos equipamentos e contratação de 
professores e técnicos em informática que deveriam conduzir todo o processo.
De início, a comunidade não participou efetivamente, estando restrita apenas aos ado-
lescentes que já eram alunos. Porém, depois de alguns meses, alguns familiares pas-
saram a frequentar o curso. Chegando ao final do ano, muitas pessoas da comunidade 
não apenas aproveitavam o que era oferecido no curso, mas também passavam a ofe-
recer seu tempo para o trabalho na escola, de forma voluntária, percebendo diversas 
necessidades da comunidade.
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Veja que o sucesso do trabalho se deu por conta de ações em conjunto – o trabalho 
organizado com uma finalidade única, coletiva. Na verdade, o sucesso excedeu aquilo 
que era o projeto inicial. Ações como a descrita apenas têm êxito por conta de uma 
dimensão humana que é a sociabilidade – tema principal a ser tratado nesta unidade: o 
homo socialis. Comece vendo o mapa abaixo – que ideias ele já desperta?
Figura 08. Mapa Mental – Homo socialis
Homo socialis
o que é?
dimensão convivência
cooperação
propriedadeprivilégio
conflitos
desigualdade
objetivos 
comuns
conceitos
sociabilidade
bem comumparticipação
socialização
ideologia
política
organização
poder
governo
contrato 
social
dificuldades
Fonte: elaborada pelo autor.
A VIDA COLETIVA – A SOCIEDADE
O ser humano convive com outros da mesma espécie em diferentes âmbitos. É possí-
vel entender que viver coletivamente, em um determinado espaço, seja fruto de uma 
opção humana. Entretanto, aquilo que permite este viver é uma dimensão natural. O 
ser humano vive coletivamente e, do modo como a vida foi organizada, com o passar 
do tempo, não há a opção de viver só, isoladamente. “A dimensão privada praticamente 
desapareceu. [...]. O isolacionismo, hoje, não é possível”. (MONDIN, 1997, p. 156)
Mas, desde quando o ser humano vive de modo coletivo? Hobbes, Locke e Rousseau foram 
pensadores que se debruçaram sobre o que teria levado os seres humanos à vida coletiva. 
Não é possível determinar o momento exato no tempo, mas é importante entender quais 
mudanças se deram neste processo.
Leia na íntegra o texto de Josuel S. P. Ribeiro, intitulado Os contratualistas em questão. Em 
cada seção, o autor busca entender os conceitos principais de cada pensador, permitindo 
refletir melhor sobre as possíveis diferenças entre a sociedade e um estágio anterior, quando 
não se vivia coletivamente (estado de natureza).
RIBEIRO, Josuel Stenio da Paixão. Os Contratualistas em questão: Hobbes, Locke e 
Rousseau. Prisma Jurídico, v. 16, n. 1, p. 2-21, 2017.
SAIBA MAIS
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Como deve se dar a cooperação na sociedade? Cada grupo social vai desenvolvendo 
maneiras de se viver, a partir das quais são transmitidos valores e regras. E todas as 
pessoas vão aprendendo como se fosse algo natural aquele conjunto de regras – ima-
gine uma criança aprendendo que deve ser uma boa criança (e o que significa isso), 
a partir do que a família a ensina. Por meio dos chamados processos de socialização 
primários e secundários a pessoa vai aprendendo o que é a vida em sociedade e de que 
modo ela deve ser para bem participar.
Disponível em: https://periodicos.uninove.br/prisma/article/download/6863/3600
Acesso em: 14 abr. 2021.
De qualquer modo, a vida coletiva apenas é possível pela capacidade e pelo desejo de 
se construir um espaço comum de convivência – não o desejo de um, mas de todos. 
Isso significa que a cooperação é algo que está na base da vida social.
Mamíferos sociais como elefantes e chimpanzés cooperam de maneira mui-to mais flexível do que abelhas, porém só o fazem com um número pequeno 
de amigos e membros da família. Sua cooperação se baseia em conheci-
mento pessoal. Se eu sou um chimpanzé e você um chimpanzé e eu quero 
cooperar com você, preciso conhecê-lo pessoalmente: que tipo de chimpan-
zé você é? Você é um chimpanzé legal? É um chimpanzé malvado? Como 
posso cooperar com você se não o conheço? Por tudo o que sabemos, so-
mente os Sapiens são capazes de cooperar de modos muito flexíveis com 
um grande número de estranhos. Essa capacidade concreta – e não uma 
alma eterna ou algum tipo único de consciência – explica nosso domínio 
sobre o planeta Terra. (HARARI, 2016, p. 139)
Podemos entender, então, que o ser humano apenas conseguiu chegar ao lugar de 
poder na Terra por conta de todas as ações serem realizadas de modo cooperativo.
Como exemplo, pense sobre a situação apresentada no início da unidade. De quantas ações 
coletivas você já participou ativamente? Você entende que um caminho profissional é, justa-
mente, colaborar com os outros indivíduos em busca de uma sociedade melhor?
PARA REFLETIR
Você entende, então, que aquilo que você é, enquanto indivíduo em uma sociedade, é uma 
construção? Seus gostos, modos de vestir e de ser, tudo é aprendido dentro de um contexto 
social e cultural.
SAIBA MAIS
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A aprendizagem sobre os valores e comportamentos de um grupo social pode se dar de 
diferentes maneiras para diferentes culturas. Mesmo dentro de um mesmo país, é impor-
tante entender que a aprendizagem se dá pelo contexto da comunidade na qual a pessoa 
vive. Como exemplo, pode ser pensada a instrução de uma criança que vive em uma 
cidade da região Sul do Brasil, outra criança que vive em uma comunidade quilombola 
no Sudeste, ou outra criança que vive em uma comunidade indígena do Norte do país.
Para entender melhor como se dão os processos de socialização, leia na íntegra o artigo A 
particularidade do processo de socialização contemporâneo. Nele, Maria da Graça J. Setton 
busca entender o conceito, mas pensá-lo na contemporaneidade.
SETTON, Maria da Graça Jacintho. A particularidade do processo de socialização contempo-
râneo. Tempo soc. São Paulo, v. 17, n. 2, p. 335-350, nov. 2005. 
Acesso em: 14 abr. 2021.
Disponível em: https://bit.ly/3BcOb1M
Leia sobre o processo de socialização de uma criança indígena ao acessar o link a seguir:
SAIBA MAIS
https://bit.ly/3XSGqIl
Acesso em: 14 abr. 2021.
3.2 POLÍTICA E IDEOLOGIA
Para que servem a política e, consequentemente, o governo? A partir das ideias ante-
riores, a primeira constatação a ser feita é a de que não é possível pensar, hoje, uma 
vivência humana fora do meio social, pois, ainda que se busque viver longe da sociedade, 
dificilmente um indivíduo seria independente de tudo o que fora construído socialmente. 
Assim, o ser humano vive coletivamente. Contudo, se cada um pudesse fazer tudo para 
satisfazer suas necessidades e seus desejos, a vida seria impossível, já que isso levaria à 
invasão do espaço individual. Então, é preciso organizar a comunidade humana – política 
é o nome dado ao modo de organizar a vida coletiva. A política cuida do âmbito público.
https://bit.ly/3BcOb1M
https://bit.ly/3XSGqIl
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Como não é possível ao ser humano dizer que tenha encontrado o caminho da ver-
dade, as pessoas defendem posturas que acreditam serem as melhores para aquele 
âmbito. Por exemplo, na política: as diferentes concepções aparecem na formação dos 
diferentes partidos. Os chamados partidos de esquerda, de centro ou de direita diferem 
nas concepções sobre a melhor forma de organizar a vida em sua esfera pública – 
cada um tem sua ideologia.
Você sabe o que é ideologia? Trata-se de um termo desgastado por conta de um uso 
sem rigor. Ou seja, tendo sido tomado em diferentes acepções (muitas vezes com sen-
tido pejorativo), o termo acabou perdendo seu sentido mais próprio. De maneira geral, 
o termo ‘ideologia’ pode ser entendido como o estudo das ideias – de um conjunto de 
ideias que se formam a partir de um contexto, da relação de sujeitos com o mundo que 
vivenciam. “Ideologia”, então, não tem um sentido negativo? Não.
PARA REFLETIR
“Política é coisa de ladrão... ladrão que está no poder”. Possivelmente, você já deve ter 
ouvida esta frase ou outra com o mesmo sentido; mas é um pensamento muito raso – 
principalmente para quem está no Ensino Superior. Um primeiro passo para desenvolver 
melhores ideias é entender o que é a política em essência. Para isso, comece assistindo ao 
vídeo produzido pela Escola Virtual de Cidadania, da Câmara dos Deputados.
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=lcdqEIPalbM
Clique aqui e acesse o
VÍDEO
Acesso em: 14 abr. 2021.
– Você consegue perceber de que modo a situação do início da unidade é plenamente polí-
tica? Pense nisso...
https://www.youtube.com/watch?v=lcdqEIPalbM
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GOVERNO E PODER
Ao considerarmos a necessidade de que a vida seja organizada, precisamos entender 
que são os próprios indivíduos que a devem organizar. Nesse sentido, um governo 
deve ser formado para garantir que a organização social seja preservada. Aqueles que 
tomam parte no governo – no caso brasileiro, por eleição direta – detêm um poder, a 
eles transferido pelos indivíduos da comunidade.
Leia o artigo Ideologia: uma breve história do conceito, de Marcus V. Mazzari:
Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/ea/v26n75/25.pdf
SAIBA MAIS
Acesso em: 14 abr. 2021.
Você percebe que estamos falando do poder público, mas este entendimento pode ser apli-
cado a diferentes círculos de vivência coletiva? Isso acontece, porque o ser humano é um 
animal político (zóon politikon, segundo Aristóteles). Assim, se você pensar a organização 
dentro de uma família, dentro de uma religião, dentro de uma escola, sempre vai encon-
trar relações políticas – não significa que a política do governo esteja dentro da religião 
ou da família, mas que a própria religião se dá como uma relação política, que a própria 
família se dá como uma relação política etc., pois toda vivência humana se dá dentro da 
dimensão do homo socialis.
PARA REFLETIR
Mas quem está no governo e, consequentemente, detém poder, corre o risco de não 
condizer com aquilo que é o esperado e acabar buscando interesses diversos, que não 
sejam os interesses públicos, coletivos. Como o poder está em suas mãos, o perigo de 
abuso é constante e é necessário que a comunidade social esteja atenta. Qual é, então, 
o ideal de um bom governante?
Platão (2014, p. 63) entende que “[...] a maior punição no caso de alguém que não 
deseja governar é ser governado por alguém pior do que ele próprio”. Por esse motivo, 
o bom cidadão que escolhe governar apenas o faz por necessidade social – e Platão 
entende que a pessoa com mais condições de fazê-lo seja aquela que se dedica ao 
filosofar, pois isso evitaria perder-se pelo fascínio do poder.
Manter uma cidade em ordem, de modo que cada um exerça sua função de 
forma adequada, é necessário para que ela seja educada. E, para essa fun-
ção, aparece o governante. A ele caberá o papel de legislador e educador de 
todos. Logo, a ele será dado o poder de determinar a função de cada um, de 
acordo com a potência que cada um demonstrar em seu percurso educativo. 
(LEITE, 2015, p. 60)
https://www.scielo.br/pdf/ea/v26n75/25.pdf
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O poder de um governante vai até o limite do que significa atuar para o bem comum. 
Trata-se de fazer a gestão das ações que, no todo, permitem melhores condições de 
vida coletiva. O governante propõe a organização, mas quem deve realizá-la é a comu-
nidade toda. O envolvimento da comunidade pode ser percebido na situação apresen-
tada no início destaunidade.
Figura 09. Comunidade e governo
Fonte: 123RF.
3.3 O HOMO SOCIALIS, AS RELAÇÕES CONFLITUOSAS E A 
PROPRIEDADE PRIVADA
Na vida cotidiana, muitos conflitos surgem exatamente por conta das diferentes possibi-
lidades que os indivíduos têm de sustentar suas vidas. Conflitos não devem ser apaga-
dos – eles devem aparecer e mostrar a força que têm para levar a uma revisão do modo 
de vida coletiva. Um conflito indica que algo pode não estar bom para todas as pessoas.
Pense em um ambiente de trabalho: quando tudo está sempre bom, pode ser que o 
conflito esteja sendo evitado.
Os conflitos sempre aparecem quando são tomados interesses diversos, advindos de 
diferentes pessoas. Ao se considerar uma sociedade como a reunião de diversas pes-
soas, então, o conflito aparecerá necessariamente – não existe vivência social sem 
conflito. A função de um governo é garantir que, mesmo com conflitos, a vida coletiva 
seja possível; dizendo de outro modo, é fazer com que os conflitos não sejam motivo de 
falta de condições de vida. E as condições de vida (possibilidade de sustentar a vida) 
dentro de uma comunidade deveriam ser as mesmas para todos os indivíduos.
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Segundo Rousseau (1983), a maior fonte de conflitos é a propriedade privada
[...] que, tendo cercado um terreno, se lembrou de dizer: Isto é meu, e encon-
trou pessoas bastante simples para o acreditar, foi o verdadeiro fundador da 
sociedade civil. Quantos crimes, guerras, assassínios, misérias e horrores 
não teria poupado ao gênero humano aquele que, arrancando as estacas ou 
tampando os buracos, tivesse gritado aos seus semelhantes. “Livrai-vos de 
escutar esse impostor; estareis perdidos se esquecerdes que os frutos são 
para todos, e a terra de ninguém!”. Parece, porém, que as coisas já tinham 
chegado ao ponto de não mais poder ficar como estavam: porque essa ideia 
de propriedade, dependendo muito de ideias anteriores que só puderam 
nascer sucessivamente, não se formou de repente no espírito humano [...]. 
(ROUSSEAU, 1983, p. 91)
O pensador entende que, depois das diferenças físicas – que são naturais –, a grande 
diferenciação se dá pela posse. Assim, a propriedade privada leva às desigualdades so-
ciais. Não se consegue reconhecer um indivíduo sem entender sua origem social; ou seja, 
suas possibilidades de vida são determinadas por sua origem, que é determinada pela 
posse material. As condições de vida são fruto de uma condição socialmente construída.
PARA REFLETIR
Assista na íntegra ao documentário Brasil – país dos privilégios, da série Desigualdade 
Global, no canal Folha de São Paulo, disponível em:
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=PGgVZAZJKwY
Clique aqui e acesse o
VÍDEO
Acesso em: 14 abr. 2021.
CONCLUSÃO
O ser humano contemporâneo, na vivência de sua dimensão social, enfrenta inú-
meros problemas. Em tese, viver em sociedade deveria ser a possibilidade de uma 
vida com menos dificuldades, principalmente para sanar as necessidades mais bási-
cas de abrigo e alimentação. Mas, na organização da vida coletiva, as desigualdades 
surgem e são perpetuadas.
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https://www.youtube.com/watch?v=PGgVZAZJKwY
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Dizer que o ser humano é Homo socialis não significa apenas que ele tem a capacidade 
de conviver, mas que ele tem condições de fazer acontecer uma vida melhor 
coletivamente. Ações como a da ONG que buscava oferecer letramento digital para a 
comunidade são um tipo mais próprio de ação do ser social.
Mesmo quando se escolhe um caminho profissional, trata-se de uma escolha que res-
ponde a certos anseios da comunidade. Um profissional é aquele que põe à disposição 
seu trabalho para um bem que está acima de uma realização unicamente individual.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARANHA, Maria Lúcia Arruda; MARTINS, Maria Helena Pires. Filosofando: introdução à filosofia. 2. ed. São 
Paulo: Moderna, 1993.
ÁVILA, Fernando Bastos de. Pequena enciclopédia de moral e civismo. 3. ed. Rio de Janeiro: FENAME, 1982.
BÍBLIA. Português. A Bíblia de Jerusalém. São Paulo: Paulinas, 1981.
BOFF, Leonardo. Ecoespiritualidade: que significa ser e sentir-se terra? Disponível em: <http://www.
leonardoboff.com/site/vista/outros/eco-espiritualidade.htm>. Acesso em: 29 jun. 2013.
CHAUÍ, Marilena. O que é ideologia. 2. ed. São Paulo: Brasiliense, 2008. p. 113.
SAVIANI, Dermeval. Educação: do senso comum à consciência filosófica. São Paulo: Cortez, 1983.
SCHAFF, Adam. A definição funcional de ideologia e o problema do “fim do século da ideologia”.
L’Homme et la societé: Revista Internacional de Pesquisas e Sínteses Sociológicas, Série Documentos, São 
Paulo, n. 2, Ed. Documentos, 1968.
WITTGENSTEIN, Ludwig. Tratado logico-filosófico: Investigações filosóficas. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1987
70
Jogar, perceber e expressar
3
UNIDADE 3
JOGAR, PERCEBER E EXPRESSAR
INTRODUÇÃO
Chegamos à unidade III de nosso curso. Nos próximos capítulos iremos abordar distin-
tos aspectos da vivência social dos indivíduos, suas formas de interação e de expres-
são. O capítulo I será dedicado à esfera do Homo ludens, ou seja, do ser humano que 
joga e brinca e que, partindo dessas experiências lúdicas é capaz de produzir cultura, 
seja na forma de jogo, brincadeira ou competição. Neste sentido, o objetivo é estabele-
cer uma importante leitura sobre a nossa relação lúdica com o mundo, com as pessoas, 
mas, também, consigo mesmo.
Na sequência, a unidade avança para o Homo culturalis e a forma com a cultura é 
uma dimensão fundante para as relações humanas. Pensar e refletir sobre a maneira 
como enxergamos o mundo e vivenciamos nossas redes de sociabilidade é um dos 
pontos centrais. Por fim, o capítulo se dedica a explorar a complexidades da rela-
ção entre nós e os outros, ou seja, a forma como as diferenças, dentre elas as cultu-
rais, podem produzir relações conflituosas, mas, também, construções mais plurais e 
diversas, com o reconhecimento das múltiplas identidades e das diferenças existentes 
em todas as sociedades e grupos.
O último capítulo da unidade tem como objetivo explorar o Homo artisticus. Partindo 
da relação entre a humanidade e a arte, a proposta é percorrer algumas das questões 
que norteiam a nossa relação com as múltiplas experiências artísticas e como elas 
contribuem para expressarmos leituras de mundo, sentimentos, conhecimento, mas, 
também, para nos questionarmos e questionarmos a sociedade e suas regras, constru-
ções e proposições de verdade. 
1. HOMO LUDENS: O SER HUMANO QUE JOGA E BRINCA
Imagine as seguintes situações: em um tribunal, acusação e defesa se preparam para 
diante de um juiz convencer a todos que o réu ali presente é inocente ou culpado de 
um determinado crime. Cada um dos advogados que representa um dos lados terá um 
tempo para isso e usará não só provas, mas também argumentos para defender seu 
ponto de vista e sair vencedor do julgamento ali proposto. Enquanto isso, em outro 
lugar, um grupo de amigos conversa animadamente sobre as expectativas acerca do 
jogo de futebol que ocorrerá mais à noite. É final de campeonato e seus times, adver-
sários, estarão na disputa pelo grande título. Já em outro cenário, no interior do Brasil, 
a tribo indígena Krahô se prepara para a sua tradicional Festa da Batata, que celebra 
a fertilidade da comunidade. Ali, uma figura chama a atenção: o Hotchuá, um palha-
ço indígena formado desde a infância para esta função, cuja missão é fundamental 
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no cotidiano da tribo: promover o riso, desestabilizar momentaneamente a rigidez do 
cotidiano e garantir a harmonia social.
O que há em comum entre as situações aqui expostas? Esses cenários que, à primeira 
vista, são tão distintos entre si – a seriedade e a competiçãodo tribunal de justiça; a 
expectativa e excitação pelo jogo de futebol; a contravenção autorizada e o riso promo-
vidos pelo palhaço – possuem algo que os aproxima?
Claro, podemos dizer que todos eles são parte da cultura humana. Mas, para além 
disso, é possível identificarmos nos fenômenos acima citados um mesmo elemento ori-
ginário: o jogo. É dessa percepção que nasce a concepção do ser humano como homo 
ludens, ser que joga e que brinca, tema de estudo neste capítulo.
1.1. A DIMENSÃO LÚDICA DA VIDA
Partimos, então, de uma ideia central: é sob a forma de jogo que nasce a cultura e a civiliza-
ção humana. A percepção de que o jogo e o lúdico são elementos formadores das socieda-
des e sociabilidades humanas possui um fundamento antropológico. Nessa perspectiva, 
o jogo é parte integrante da vida social, algo primário e essencial ao desenvolvimento da 
civilização humana tanto quanto foram a razão (homo sapiens) e as técnicas e fabricação 
de ferramentas (homo faber). Ao lado dessas, a dimensão lúdica da vida, que é represen-
tada pelo jogo, natural do indivíduo e anterior a ele, está na base da formação da civilização. 
Por isso, é importante considerar o ser humano também como o homo ludens.
O termo lúdico carrega um conteúdo semântico interessante para os assuntos estudados 
neste capítulo, especialmente porque na língua portuguesa jogar e brincar são termos dis-
tintos, diferentes do termo play das línguas inglesa e alemã, por exemplo, que congregam 
essas e outras acepções como tocar um instrumento. O lúdico acaba incorporando essas 
duas dimensões em nossa língua: jogo e brincadeira. Segundo o dicionário Michaelis ([s. d.], 
[n. p.]), o termo lúdico é relativo a:
Disponível em: https://bit.ly/3h4Xnys
GLOSSÁRIO
01. Jogos, brinquedos ou divertimento;
02. Qualquer atividade que distrai ou diverte;
03. Relativo a brincadeiras e divertimentos, como instrumento educativo.
LÚDICO. Michaelis. Dicionário da Língua Portuguesa. São Paulo: Editora Melhoramentos LTDA.
Acesso em: 05 Maio 2021. 
https://bit.ly/3h4Xnys
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Jogar, perceber e expressar
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Na análise de Huizinga (2000, p. 5) – principal teórico do homo ludens –, jogar é um ato 
central na formação humana, anterior à própria existência do homem, pois já existia antes 
e independente dele, como pode ser observado entre um grupo de filhotes de cachorros, 
por exemplo. Entre eles, uma certa dinâmica de jogo se estabelece, sem a necessidade 
da intervenção humana. Convidam uns aos outros para brincar seguindo determinados 
gestos e sons; fingem estar zangados na luta, respeitam regras como não morder forte 
demais ou, então, parar a brincadeira diante do choro de um dos filhotes que se machuca. 
Sobretudo, experimentam nessa brincadeira prazer e diversão (HUIZINGA, 2000, p. 5).
Esse ritual que se realiza mesmo nos níveis mais simples de jogo entre os animais, mas 
também entre os humanos, não corresponde às necessidades fisiológicas e/ou psicoló-
gicas do ser, mas, ao contrário, ultrapassa essas dimensões.
Defendemos, assim, que há uma função 
significante no jogo: “[n]o jogo, existe algu-
ma coisa ‘em jogo’ que transcende as ne-
cessidades imediatas da vida e confere um 
sentido à ação. Todo jogo significa alguma 
coisa” (HUIZINGA, 2000, p. 7). No ato de 
jogar, um misto de sensações e sentimen-
tos podem ser observados nos rostos e 
gestos daqueles que jogam e mesmo dos 
que acompanham, uma vez que o ato de 
“assistir” também é parte do jogo: tensão, 
euforia, alegria, dor, prazer, medo.
1.2. DO JOGO PARA A CULTURA: A OCULTAÇÃO DO LÚDICO
Esse caráter significante do jogo foi absorvido nas ações e relações humanas e trans-
formado em jogos culturais, funcionando como uma brecha na rigidez do cotidiano. As-
sim, no jogo, nos diferentes atos e rituais de jogar é que se formou a cultura. Este é um 
ponto fundamental: a cultura nasce sob a forma de jogo; em sua origem, ela é jogada. 
Mesmo as situações que num primeiro momento buscam responder às necessidades 
fisiológicas, como a caça ou a luta pela sobrevivência, possuem, nas sociedades primi-
tivas, um caráter lúdico (HUIZINGA, 2000, p. 4-7; CALLOIS, 2001, p. 9-11).
O caráter lúdico, como essencial e parte da natureza do homem, aos poucos foi absor-
vido por outras esferas da vida social, sendo incorporado às esferas do sagrado e do 
saber, ficando o jogo e o elemento lúdico ocultos atrás dos fenômenos culturais. Do jogo 
e da ludicidade, nascem os primeiros elementos da cultura, tais como:
[r]egra geral, o elemento lúdico vai gradualmente passando para o se-
gundo plano, sendo sua maior parte absorvida pela esfera do sagrado. 
O restante cristaliza-se sob a forma de saber: folclore, poesia, filosofia, e 
as diversas formas de vida jurídica e política. Fica assim completamen-
te oculto por detrás dos fenômenos culturais o elemento lúdico original. 
(HUIZINGA, 2000, p. 54)
Figura 01. Futebol
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Desse modo, se há uma essência lúdica no ser humano, à medida em que a sociedade e 
as relações se tornam mais complexas, especialmente a partir do século XIX, o elemento 
lúdico fica cada vez mais oculto, embora não desapareça. Em outras palavras, nessa nova 
configuração social, mais racionalizada e menos imaginativa, o homo ludens é ocultado.
O século XIX marca um período de profundas transformações na história da humanidade com im-
pacto em diferentes esferas da vida social. A racionalidade econômica não fica mais restrita apenas 
ao seu campo, mas invade outras dimensões e áreas como, por exemplo, a do lazer, do ócio, da 
diversão, espaços por excelência do lúdico. O que ocorre, então, quando o campo do lúdico é atra-
vessado pelo espírito do negócio? Quando o negócio passa a ser o fim e não mais o jogo em si?
Podemos transpor essas inquietações para o campo do trabalho, tão essencial na vida hu-
mana. De que modo a noção de jogo é incorporada ao trabalho? A reportagem abaixo nos 
auxilia com novas inquietações.
BARROS, Carlos Juliano. Gamificação: como o trabalho vira uma jornada viciante e até pe-
rigosa. Economia UOL, 2021. 
Disponível em: https://bit.ly/3Bh16zV
PARA REFLETIR
Acesso em: 09 mar. 2021.
Ainda assim, os arquétipos humanos e tudo o que os homens fazem são marcados pelo 
jogo, pelos elementos e rituais que formam o ato de jogar, mesmo que não enxergue-
mos tais situações como jogo.
Desse modo, dos embates argumentativos e do jogo com as palavras nasce a Filoso-
fia; da nobreza do jogo e da luta entre reis e do caráter obrigatório das regras do jogo, 
configura-se a Guerra; dos jogos de dança e outros de caráter lúdico, nasce o Folclore; 
dos jogos de competições entre descobertas e formas de conhecer, surge a Ciência; 
das competições de força, destreza, velocidade, nascem os grandes eventos esporti-
vos; das tensões, dos embates, do confronto entre argumentos e fatos nos julgamentos 
primitivos, nasce o Direito, e assim por diante pelas mais diferentes áreas da atividade 
humana, na sua grande parte, todas nascem do jogo, do ato de jogar.
A linguagem é outra dimensão, tão essencial na vida humana, que também nasce do jogo. 
Saiba mais lendo o artigo das pesquisadoras Karen M. França e Glória M. F. Ribeiro, Jogo e 
Linguagem, disponível no link a seguir:
Disponível em: https://bit.ly/3UJWcSJ
SAIBA MAIS
Acesso em: 27 fev. 2021.
https://bit.ly/3Bh16zV
https://bit.ly/3UJWcSJ
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Jogar, perceber e expressar
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A dimensão primariamente lúdica foi subs-
tituída, ao longo da história, pelos rituais, 
pelo sagrado e pela cultura. Mas onde há 
competição, há jogo. É assim que pode-
mos situar um dos exemplos citados logo 
no início deste capítulo: quando dois ou 
mais advogados estão em lados opostos 
em um tribunal, eles estão competindo, 
há interesses conflitantes entre os dois 
lados. Há, portanto, um jogo. Os elemen-
tos do lúdico e da competição perma-
necem na base do Direito e do campo 
jurídico enquanto, no tribunal, joga-se 
“[...] umjogo de caráter quase sagrado” 
(ALBORNOZ, 2009, p. 84).
Figura 02. Tribunal de justiça
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EXEMPLO
Um bom exemplo para compreendermos esse caminho entre o jogo, o sagrado e a cultura 
é a capoeira. Assista ao vídeo Capoeira: dança ou luta?, produzido pelo Instituto Federal de 
Porto Velho-RO, e perceba as inter-relações entre jogo/luta, sagrado e cultura. Disponível 
no link a seguir:
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=BXb-QP6XuvM
Clique aqui e acesse o
VÍDEO
Acesso em: 9 mar. 2021.
https://www.youtube.com/watch?v=BXb-QP6XuvM
https://www.youtube.com/watch?v=BXb-QP6XuvM
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Se as atividades humanas nascem assim do jogo, dessa disposição do ser humano em 
jogar, é importante nesse momento caracterizarmos o que é o jogo, quais elementos 
o constituem. Não temos a pretensão, aqui, de esgotar esse tema e, por isso, selecio-
namos dois elementos intrínsecos ao jogo e pelos quais transitam outras dimensões: o 
lúdico e a competição. Ao conhecer tais características, você será capaz de identificar 
em quais situações do cotidiano o jogo e seus princípios estão presentes.
Ouça o podcast sobre a indústria do game na sociedade atual.
PODCAST
1.3 OS ELEMENTOS DO LÚDICO E DA COMPETIÇÃO DO JOGO
Ao pensarmos no homo ludens, partimos do pressuposto de que o jogo é parte da so-
ciedade, está na base de diversas atividades humanas e, mesmo nos dias atuais, com 
as transformações pelas quais a sociedade passou, conserva as caraterísticas do lúdi-
co, da “brincadeira séria”, da competição e da interação quando jogamos com o outro.
Em uma das passagens de sua obra, após analisar uma gama de significados e senti-
dos que a palavra jogo possui em várias línguas ao longo da história, Huizinga (2000) 
chega à definição de jogo como 
[a]tividade ou ocupação voluntária, exercida num certo nível de tempo e es-
paço, segundo regras livremente consentidas e absolutamente obrigatórias, 
dotada de um fim em si mesmo, atividade acompanhada de um sentimento 
de tensão e alegria, e de uma consciência de ser que é diferente daquela da 
vida cotidiana. (HUIZINGA, 2000, p. 33)
O jogo representa, portanto, um espaço particular da ação humana, com finalidade que 
se encerra em si mesmo; é um campo de ação próprio e que, ao mesmo tempo, exige 
a participação voluntária do indivíduo. Por isso, ele é mais facilmente identificável nos 
momentos de ócio, que, aliás, nas sociedades industriais e capitalistas são cada vez 
menores – e, aqui, novamente, vemos a ocultação do homo ludens. Quando há ordem, 
obrigação ou dever para que o ser participe do jogo, o jogo perde parte da sua essência 
ou, então, se converte em uma função cultural reconhecida como os cultos e rituais.
Do elemento lúdico, temos tratado ao longo deste capítulo, podemos encontrá-
-lo, por exemplo, na passagem: “no jogo, há sempre algo em jogo”. Ele diz respei-
to à necessidade humana da brincadeira, um desejo interno em continuar brincando. 
E quando pensamos em brincadeira e diversão, quase instantaneamente pensamos, 
também, no riso. Rir está incluído no lúdico, mas não se confunde inteiramente com 
ele, pois o lúdico carrega consigo também a dimensão da seriedade. Por sua vez, 
a seriedade também não se confunde inteiramente com o lúdico. Por isso, a noção 
de uma “brincadeira séria”, que incorpora as duas dimensões – riso e seriedade –, 
mas que não se restringe a elas.
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Jogar, perceber e expressar
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Essa sensação da “brincadeira séria” 
permeia o universo infantil, mas a en-
contramos, também, no adulto que dis-
puta um jogo com um grupo de amigos 
nos intervalos do seu trabalho e das suas 
obrigações; ou em um surfista que brinca 
com as ondas. E, talvez, possamos reco-
nhecer o lúdico mais facilmente quando 
pensamos na figura do palhaço, tal qual 
o exemplo citado logo no início deste ca-
pítulo. Uma das funções sociais do pa-
lhaço, sabemos, é fazer rir. Mas, ele res-
ponde, ainda, por outras funções sociais 
como aquelas que desestabilizam, mesmo que momentaneamente, a dureza e rigidez 
do cotidiano. A dimensão lúdica do jogo responde, assim, pelos momentos de pausa e/
ou subversão da realidade.
Outro elemento do jogo e do homo ludens diz respeito diretamente à ideia de compe-
tição, uma vez que toda competição seria, em si mesma, um jogo! A origem histórica 
e semântica do jogo de competição está no termo grego agón, que significa disputa, 
conflito, combate ou luta. O espírito agonístico foi um dos traços mais fortes da cultura 
grega, mas permanece, ainda, nas sociedades contemporâneas.
Se o jogo é algo que o ser humano compartilha com os animais, rir, por sua vez, é uma capa-
cidade exclusivamente humana! O ser humano não é apenas o único ser que ri, mas o único 
que é capaz de fazer o outro rir, como afirma o filósofo Henri Bergson.
BERGSON, Henri. O riso. Ensaio sobre o significado do cômico. São Paulo: Edipro, 2018.
CURIOSIDADE
Figura 03. Grupo de amigos jogando
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Animação sobre o espírito agonístico.
VÍDEO
Do espírito agonístico do jogo, outras características apontam, como o regramento, a 
tensão e a imprevisibilidade. A ideia do regramento pode ser mais facilmente identifica-
da nas práticas esportivas, embora esteja presente também em outras formas de jogo. 
Numa competição esportiva ou em uma literária, quem participa o faz concordando com 
as “regras do jogo”.
Outras esferas da vida contemporânea são permeadas por essa noção: no mundo glo-
balizado, as convenções internacionais buscam definir quais são as regras do jogo co-
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muns a todos os países. Mesmo a Guerra – fenômeno que nasce do jogo – possui um 
conjunto de regras ou limites que não podem ser transpostos sob pena de ser julgada: 
emboscadas, ataques a civis, genocídios não são jogo, mas “jogo sujo”, pois desrespei-
tam as regras socialmente convencionadas entre os países. Podemos fazer o mesmo 
exercício com o campo político: quando interesses econômicos, políticos e de poder 
não são claros aos competidores, há um falso jogo.
O filme Regras do Jogo, de William Friedkin, pode ser assistido sob esta perspectiva: quando 
um jogo deixa de ser jogo? No filme, são retratadas algumas consequências da quebra de re-
gras quando, em uma missão de soldados americanos para resgatar o embaixador dos EUA, 
80 civis desarmados são mortos. O desrespeito às regras militares e de combate provoca 
uma grave crise diplomática entre os americanos e países do Oriente Médio.
Mas, talvez, seja interessante também compreender a essência lúdica do ser humano como 
um espaço revolucionário. Vejamos: a sociedade moderna e contemporânea, marcada pela 
seriedade dos negócios, pela centralidade da racionalidade, trouxe inúmeros avanços à ci-
vilização humana, mas também ocultou o espaço do lúdico, do imaginativo, relegando a um 
segundo plano as possibilidades do homo ludens. O crescente desenvolvimento das tecno-
logias e da inteligência artificial irá promover, num curto espaço de tempo, transformações 
profundas na esfera do trabalho, das quais uma das possibilidades que se avistam para o 
futuro é a do tempo livre. Tal possibilidade pode trazer novos significados e espaços para as 
dimensões lúdicas e criativas do ser.
SAIBA MAIS
ATUALIDADE DO TEMA
Por fim, a tensão e a imprevisibilidade que todo jogo carrega são alguns dos elementos 
que provocam o fascínio e a excitação em quem participa, mas, também, em quem 
assiste ao jogo e à sua representação. Mesmo com todas as regras claras e conven-
cionais, o jogo sempre carrega alguma incerteza. Quem irá ganhar? Será que minha 
estratégia está correta? Será que terei sorte? Que jogada meu adversário irá fazer?
Mas será que esses elementos – a brincadeira, a tensão, a imprevisibilidade, a incerte-
za – que fundamentam o jogo não são eles próprios alguns dos fundamentos da vida? 
Se o homo ludens permaneceoculto nas sociedades contemporâneas diante da imensa 
racionalidade e perda dos espaços imaginativos, por quais escapes o lúdico, que está na 
essência do ser humano, se revela no cotidiano? Essa é uma questão para pensarmos!
Neste capítulo, buscamos compreender o ser humano como o ser que brinca e que joga 
e o lugar que o jogo ocupou na formação da cultura e da civilização humana, marcando 
as grandes atividades do ser. Salientamos que não se deve tomar essas dimensões 
como únicas ou superiores às demais; elas se complementam com as dimensões do 
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Jogar, perceber e expressar
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fazer, do pensar, do sentir, do produzir e tantas outras que revelam a complexidade e 
especificidade da vida humana no mundo. 
O homo ludens é, assim, uma das várias faces possíveis para compreendermos como 
chegamos até aqui. Mas, o lúdico é também essência. O espaço da brincadeira, do riso, 
do imprevisto, da competição – alguns dos elementos do jogo e que são partes do ser – 
permitiu ao homem lidar com sentimentos, sensações, medos, desafios e com a noção 
de incompletude e imperfeição que caracterizam a vida humana. Sob a forma do jogo, 
nasce a cultura humana.
Figura 04. Mapa Mental Homo Ludens
Homo 
Ludens
Jogo na vida 
coletiva
Dimensão 
lúdica da vida
Jogar e as 
atividades 
humanas
Na atualidade
O jogo: 
características
Jogar e Brincar
 ` Regras
 ` Tensão / excitação
 ` Fantasia
 ` Competição
 ` Imprevisibilidade
 ` Civilização humana
 ` Cultura humana
 ` Perda da dimensão lúdica
 ` Espírito agonístico
 ` Trabalho como competição
 ` Direito
 ` Filosofia
 ` Ritos e rituais
 ` Cultura
 ` Artes
 ` Linguagem
 ` Etc.
 ` Essência humana
 ` Centralidade
 ` Formas de sociabilidade
 ` Subjetivo / objetivo
 ` Racional / irracional
 ` Biológico / cultural
 ` Infantil / sério
 ` Paidiá/ Ágon
Fonte: elaborado pela autora.
2. A DIMENSÃO CULTURAL DO SER HUMANO
A necessidade da alimentação é algo comum entre todos os animais e todas as espé-
cies. Para sobrevivermos, precisamos nos alimentar. Mas se a necessidade de comer é 
algo compartilhado entre os homens e os animais, o ato de comer, por sua vez, possui 
outras dimensões entre os seres humanos – e apenas entre eles – que carregam con-
sigo a diversidade de sentidos e significados.
Vejamos: precisamos comer para nos mantermos vivos, certo? Mas, há várias formas 
e modos de fazermos isso, como podemos comer comidas cruas, cozidas, assadas; 
comemos com as mãos, com talheres ou hashi; sentamo-nos à mesa nas principais 
refeições enquanto outros povos comem em círculos, sentados no chão e compartilhan-
do o mesmo prato. Se para brasileiros, de modo geral, o churrasco é um momento de 
descontração e encontro, entre os indianos é um ato de sacrilégio, uma vez que a vaca 
é um animal sagrado; há povos que prezam mais a arte de cozinhar do que outros, etc. 
E, assim, poderíamos prosseguir passando por outros diferentes aspectos dos hábitos 
e práticas alimentares, apenas para ficarmos nessa dimensão da vida humana.
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Mas, como esse exemplo bastante trivial 
se relaciona com esta unidade de estu-
do? Bem, todas essas formas são cons-
truções humanas que, embora satisfaçam 
a necessidade básica da sobrevivência, 
já não mais estão restritas apenas a esta 
função. Ao contrário, possuem sentido e 
significado que correspondem às práticas 
e modos de vida de grupos específicos 
e que os diferenciam dos outros. A isso 
damos o nome de cultura. Como bem ob-
serva o escritor estadunidense T.S. Eliot 
(1988, p. 40): “[s]e levarmos a sério a cultura, vemos que uma pessoa não precisa sim-
plesmente de comer o suficiente [...], mas de uma cozinha adequada e particular [...]”.
2.1 A DIMENSÃO CULTURAL DO HOMEM
A cultura é bastante antiga entre o homo sapiens. O historiador Yuval Harari (2015, p. 44) 
afirma que há 70 mil anos os sapiens já possuíam estruturas culturais, dado fundamental 
que permitiu o compartilhamento de conhecimento e a interdependência entre os inte-
grantes do grupo. A especificidade da cultura humana, ainda segundo o autor, está no 
fato de que as capacidades de linguagem, produção simbólica e de sentido que o ser hu-
mano possui (todas essas pertencentes ao campo da cultura), não ficaram restritas a um 
espaço específico da vida. Ao contrário, integraram todos os aspectos da vida coletiva, 
dos mais simples aos mais essenciais e produziram no homem e na humanidade o com-
portamento cultural (HARARI, 2015, p. 41-45). Assim, todos os aspectos da vida social e 
coletiva estão integrados pela sua dimensão simbólica, isso é, pela cultura.
Figura 05. Comida de rua na Malásia
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Conferir o vídeo sobre a cultura como ordem simbólica.
VÍDEO
A cultura pode ser, assim, compreendida como uma forma total de vida que inclui re-
des e teias de significados que moldam as formas pelas quais um determinado grupo 
vivencia e compreende o mundo. Quanto mais complexa a ordem social, mais diversos 
são os sistemas culturais que coexistem. Por isso, em nossa realidade, identificamos 
diferentes sistemas: cultura brasileira, cultura ocidental, cultura afro-brasileira, cultura 
popular, cultura de massa, cultura erudita, cultura marginal etc.
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Jogar, perceber e expressar
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Essa capacidade humana (ou seria necessidade?) de criar e recriar o mundo, de trans-
formar a natureza atribuindo novas funções e sentidos, de estabelecer novas relações 
sociais a partir da dimensão simbólica, faz da cultura um traço tipicamente humano. Tais 
capacidades e habilidades são próprias do sapiens, que, ao longo da sua existência, 
transformou constantemente seus modos de vida e sua relação com o mundo. A cons-
ciência dessa capacidade criadora, produtiva e significativa é que dá ao ser a dimensão 
de homo culturalis (MONDIN, 1982, p. 68-69).
A CULTURA: LENTE PELA QUAL ENXERGAMOS O MUNDO
Não há vida social ou coletiva que não contemple um sistema cultural. Toda e qualquer 
organização coletiva – das menores às mais complexas – necessita de princípios re-
guladores da vida em comum: a família, o grupo de amigos, as instituições de ensino, 
o ambiente de trabalho etc. A cultura funciona como mediação simbólica da relação do 
ser com a realidade e com seu meio.
A antropóloga norte-americana Ruth Benedict (2006, p. 23 ) afirma que a cultura é uma 
lente por meio da qual o ser humano vê o mundo. Ou seja, compreendemos não apenas 
a nossa realidade, mas também a do outro a partir da nossa lente, da cultura da qual 
fazemos parte. Um dos pioneiros dos estudos antropológicos sobre a cultura, Edward 
Taylor (1971, p. 27), que a define como “[...] todo complexo que inclui conhecimentos, 
crenças, arte, moral, leis, costumes ou qualquer outra capacidade ou hábito adquirido 
pelo homem como membro de uma sociedade”.
Dessas duas perspectivas, notamos que a cultura é algo que nos adapta a nossa reali-
dade social, mas, sobretudo, é uma dimensão que apreendemos, ou seja, não é inata. 
A cultura se faz nas dimensões material 
e imaterial da vida humana. A dimensão 
material corresponde às criações huma-
nas que buscam facilitar o melhor viver: 
roupas, acessórios, equipamentos, mo-
radia etc. Já a dimensão imaterial corres-
ponde aos elementos intangíveis como: 
regras, valores morais e éticos, arte, sím-
bolos, tradições, religião e crenças etc.
O tangível e o intangível se inter-relacio-
nam. Pense, por exemplo, no casamento. 
Ele possui um aspecto material: o vestido, 
as flores, as roupas adequadas ao even-
to, a igreja etc. Mas, também possui aspectos intangíveis: o ritual, as regras de etiqueta, as 
expectativas sociais em torno dele e outros.
O fundamental aqui é que as duas dimensões da cultura – material e imaterial – são produções 
humanas e não dados da natureza. São, portanto, criações históricas, sociais e coletivas.
EXEMPLO
Figura 06. O casamento como prática cultural
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Todos os elementos culturais apenas se configuram em um grupo como tais se forem 
compartilhados e incorporados num processo contínuo de transmissão. 
Um indivíduo ao nascer será, necessariamente, educado para viver num determinado 
grupo, em que irá aprender e incorporar o conjunto de regras, crenças e costumes 
do seu meio a tal ponto que irá naturalizá-los. Acordamos todos os dias, escovamos 
os dentes, tomamos o café da manhã e, durante grande parte do dia, nos dedicamos 
ao estudo e/ou ao trabalho não porque são parte da nossa natureza, mas sim porque 
aprendemos que são as regras e costumes do nosso meio.
A transmissão da cultura se dá por meio de 
um processo chamado socialização. Todo 
ser humano, ao nascer e durante toda a sua 
vida, passa por um processo de socialização 
para incorporar a cultura do seu meio. Um dos 
estudiosos desse tema é o sociólogo Émile 
Durkheim, que identifica a socialização em 
dois estágios: primária (a cultura que incorpo-
ramos a partir da nossa família) e secundá-
ria (elementos culturais que compartilhamos 
partir da nossa relação com outros grupos da 
sociedade: escola, trabalho, grupo de amigos, 
religião etc.). O processo de aprendizagem de 
um sistema
cultural é contínuo ao longo da vida. Quando entramos em um novo trabalho, por exemplo, 
precisamos apreender a cultura da empresa.
GLOSSÁRIO
Figura 07. Socialização
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Todos nós somos moldados pela cultura da qual fazemos parte. O quanto você resulta 
do seu meio? O quanto há de individual e único nas decisões e escolhas que fazemos ao 
longo da vida?
PARA REFLETIR
A CULTURA E A SOCIABILIDADE HUMANA
Entre nós, a cultura é tão fundamental porque o ser humano é essencialmente um ser 
social, ou seja, não vive sozinho. Para sobreviver, crescer, educar-se e se formar, aten-
der às suas necessidades mais básicas e às mais elevadas, o homem precisa do grupo. 
Esse é um dado da sociabilidade humana, isto é, a interdependência entre as pessoas, 
a tendência e necessidade em viver coletivamente. Desde as origens, o ser humano 
vive em grupo: primeiro em estruturas menores (família, clã e tribo) e, posteriormente, 
em estruturas cada vez maiores (cidade, estado, nação).
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Na atualidade, esse pertencimento ao grupo já não mais se restringe às fronteiras físi-
cas e aos limites espaciais. O desenvolvimento dos meios de comunicação, a formação 
das sociedades ligadas em rede graças à internet e aos meios digitais inter-relacionam 
os indivíduos num nível internacional, planetário, tornando esta uma das características 
da cultura do nosso tempo (MONDIN, 1982, p. 160-161). Assim, cada um de nós pode 
ser afetado por acontecimentos que não necessariamente se realizam ao nosso redor. 
Uma crise no petróleo, por exemplo, afeta os negócios, a economia e o consumo de 
pessoas, grupos e países espalhados por diferentes locais do mundo.
A sociabilidade durante o nosso século assumiu tais proporções que pode vir a ser, 
legitimamente, considerada fenômeno típico do nosso tempo. A dimensão privada prati-
camente desapareceu. Com dificuldade podemos ocultar os nossos pensamentos; mas 
logo que ele se transformarem em ação, tornam-se propriedade dos outros e graças 
à televisão, o rádio e a imprensa, apenas em um piscar de olhos são divulgados aos 
quatro cantos da terra. (MONDIN, 1982, p 161)
A cultura na era da indústria cultural.
PODCAST
2.2 O EU VERSUS O OUTRO
Ao mesmo tempo, as trocas culturais implicam na nossa relação com o outro. Todo 
sistema cultural é um sistema particular de signos, sentidos e significados. Aprendemos 
a enxergar e lidar com o mundo a partir das nossas referências culturais, que acabam 
por balizar e mediar, não apenas nossa relação com o meio do qual fazemos parte, mas 
também nossa relação com o outro, com o diferente.
Nas sociedades contemporâneas, as re-
lações das pessoas com sistemas cultu-
rais distintos dos seus são cada vez mais 
comum. O mundo globalizado rompeu 
fronteiras físicas e espaciais, aproximou 
física e virtualmente povos e culturas di-
ferentes. O encontro entre culturas diver-
sas não é uma novidade da nossa época, 
acontece desde que a humanidade se di-
ferenciou, criou sistemas culturais distin-
tos. A diferença, na era contemporânea, 
está na intensidade e frequência com que 
esses encontros ocorrem. Cada um de 
nós, possivelmente, tem mais contatos com culturas distintas das nossas do que tive-
ram nossos avós, por exemplo. 
Figura 08. Festa típica chinesa
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Mas, quais seriam as consequências desses encontros? Se a cultura é um grande mapa 
de sentidos e significados que molda a forma como olhamos e interpretamos o mundo, 
o que ocorre quando visões de mundo distintas, ou seja, culturas distintas, entram em 
contato? Desse encontro, vários sentimentos e reações podem surgir: estranhamento, 
indiferença, encantamento, assimilação, medo, ódio etc. São atitudes e sentimentos 
que se revelam nas relações e trocas culturais.
Há conceitos fundamentais para entendermos as consequências das relações culturais 
entre o eu e o outro, entre a cultura da qual faço parte e a cultura distinta da minha. Aqui, 
destacamos quatro deles.
 ` Etnocentrismo: o comportamento etnocêntrico é a tendência universal de todas 
as culturas em interpretar o outro a partir do próprio universo de valores, crenças 
e costumes. A referência está no próprio sistema cultural, tido como correto, e 
que gera pré-julgamentos das culturas distintas a partir das noções como nojo, 
engraçado, estranho, inaceitável, ridículo, esquisito.
 ` Xenofobia: manifesta-se como o ódio e a aversão ao que é diferente da própria 
cultura. O comportamento xenófobo leva à discriminação e ao preconceito, utili-
zando-se da violência verbal ou física. Mais do que o reconhecimento da diferen-
ça, a xenofobia prega a exclusão ou o extermínio de culturas distintas.
 ` Relativismo cultural: é a tendência em reconhecer que um sistema cultural 
apenas faz sentido quando compreendido a partir dele próprio. É a concepção 
que considera a diversidade das organizações humanas e define que os valores 
e riquezas de uma cultura apenas podem ser compreendidos dentro do próprio 
sistema cultural, pois é em seu interior que eles possuem e criam sentidos.
 ` Universalismo: surge como crítica ao relativismo cultural. Essa perspectiva par-
te do princípio de que há direitos que são invioláveis, universais e que não podem 
ser corrompidos pelas práticas culturais particulares. A Declaração Universal dos 
Direitos Humanos corresponde a essa percepção ao traçar uma série de prin-
cípios que dizem respeito a uma noção de dignidade humana e que devem ser 
comuns a todas as culturas.
O filme Avatar, de James Cameron, lançado em 2009, é uma alegoria interessante para com-
preendermos as noções de etnocentrismo, xenofobia e relativismo cultural. Na história, assisti-
mos ao encontro de duas culturas distintas: a dos terráqueos e a de um povo nativo chamado 
Na’Vi. Entre eles, um outro personagem é inserido para intermediar a relação entre as duas 
culturas. O confronto entre valores e ideias, a intepretação do outro a partir de si, a necessidade 
de reconhecermos a lógica de um grupo olhando a partir da sua cultura são alguns dos temas 
relacionados ao universo cultural que encontramos no filme.
SAIBA MAIS
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TROCAS CULTURAIS: O MUNDIAL E O LOCAL
As culturas são, portanto, múltiplas e diversas e, ao longo da história da humanidade, 
o ser humano produziu em grupo uma infinidade de sentidos e significados para a exis-
tência humana. Talvez possamos assumir que o único elemento comum entre todos 
os sistemas culturais é que eles revelam a capacidade humana em criar e recriar, em 
significar e ressignificar permanentemente a própria vida.
E esse é um dado importante: as culturas estão em constante movimento econtato e 
se transformam ou se conservam à medida em que as trocas culturais impõem novos 
olhares sobre si e sobre o outro. Mesmo culturas extremamente fechadas em si viven-
ciaram, em algum momento, relações e trocas culturais com sistemas distintos do seu.
As trocas culturais na atualidade, mais intensas, colocam em debate algumas questões. 
De um lado, a intensificação das relações entre culturas distintas, muitas vezes longínquas, 
implica em novos olhares para o próprio modo de vida. Dessa relação há a assimilação de 
valores culturais que não são os nossos impactando na transformação da linguagem, dos 
hábitos alimentares, dos modos de se vestir, das regras e costumes, do direito etc.
Uma dessas consequências é a formação de uma cultura mundializada, comum, padro-
nizada: um refrigerante como a Coca-cola é consumido nos Estados Unidos, mas tam-
bém na China; o hashi, utensilio típico de algumas culturas orientais, pode ser facilmente 
encontrado em restaurantes brasileiros; o jeans é usado em diferentes partes do mundo; 
umfilme como Vingadores faz grandes bilheterias nos países mais diversos, etc.
As relações e as trocas culturais, por outro lado, não se dão de forma idêntica, mas sim 
permeadas por relações de poder. Nesse sentido, sistemas mais fortes e globais ten-
As intensas migrações, que têm ocorrido na atualidade, têm colocado em choque culturas 
distintas, assim como levado à perda e/ou deslocamento de identidade de povos inteiros que 
se veem obrigados a deixarem seus lugares fugindo de guerras e da fome, mas, também, 
de grupos de indivíduos que, voluntariamente, deixam seus países em busca de melhores 
condições de vida.
Os deslocamentos humanos têm provocado debates sobre os sentimentos de identidade e 
pertencimento, os efeitos sobre as culturas locais, a radicalização do sentimento de naciona-
lismo e o crescimento da xenofobia. Estimativa da Organização das Nações Unidas afirma 
que 3,5% da população mundial é migrante, em média, 272 milhões de pessoas.
Confira alguns dados das migrações no portal OIM Brasil – Organização Internacional para 
as Migrações.
Disponível em: https://bit.ly/3iEDpLn
ATUALIDADE DO TEMA
Acesso em: 30 mar. 2021.
https://bit.ly/3iEDpLn
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dem a se impor sobre culturas mais locais e regionalizadas. Desse modo, se de um lado 
a intensificação entre as relações culturais pode promover uma maior integração entre 
os seres, os grupos e povos distintos, gerando maior diversidade, de outro, coloca em 
risco visões de mundo e modos de viver que não correspondem às culturas dominantes. 
Neste último caso, vivenciamos o perigo da história única.
Assista ao TED de Chimamanda Ngozi Adichie, autora nigeriana que tem debatido, nos últi-
mos anos, a noção da história única e dos riscos que ela traz à diversidade de pensamento 
e interpretação. No vídeo de 2009, Adichie reflete sobre a formação da sua própria cultura, 
permeada por referências externas à sua história e das relações de estranhamento cultural 
pelas quais ela passou ao se mudar da Nigéria para os Estados Unidos.
Confira na íntegra Chimamanda Adichie: o perigo de uma única história. TEDGlobal, 2009.
Disponível em: https://bit.ly/3iEDpLn
SAIBA MAIS
Acesso em: 15 abr. 2021
2.3 IDENTIDADE E DIFERENÇA
Temos, portanto, que é na relação com o seu meio social, nos processos de socialização 
e transmissão cultural que o ser humano se constrói e se realiza, que incorpora visões 
de mundo e formas de agir do seu contexto. Na relação com o seu meio e com outros 
sistemas culturais, o ser constrói a sua identidade, a forma como ele enxerga a si mesmo. 
Esse é um processo dialético, que se realiza ao longo da vida e que implica na complexa 
relação entre as escolhas individuais e as imposições do meio social. Por isso, cada iden-
tidade é única, mas, ao mesmo tempo, compartilha um modo de vida comum.
O sociólogo jamaicano-inglês Stuart Hall (1932-2014) afirma que a identidade cultural “[...] 
corresponde aos aspectos de nossas identidades que surgem do nosso pertencimento a cul-
turas étnicas, raciais, linguísticas, religiosas e, acima de tudo, nacionais” (HALL, 2005, p. 80.)
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2005.
SAIBA MAIS
Assim como o caráter cultural do homem, toda identidade é, também, um sistema de 
distinção que funciona para delimitar quem sou e quem é o outro. É uma forma de per-
tencimento/inclusão e, ao mesmo tempo, de diferença/exclusão. Em outras palavras, 
quando nos identificamos estabelecemos a diferença entre “ser algo” e “não ser algo”, 
“ser isto” e “não ser isto”; “ser aquilo” e “não ser aquilo”, e assim por diante.
https://bit.ly/3iEDpLn
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É, assim, um processo de afirmação e de negação, construído pela produção linguística 
(isso é, construído pela linguagem, pelo discurso) e simbólica. Assim, quando alguém 
diz, por exemplo, “sou brasileiro”, está ao mesmo tempo afirmando sua ideia de perten-
cimento (se identifica na e com a cultura brasileira) e de diferença: “não sou argentino” 
ou “não sou italiano”, etc. A identidade e a diferença são, assim, termos inseparáveis 
que reforçam o modo como cada pessoa enxerga e compreende a si mesma, mas tam-
bém o modo como enxerga e compreende o outro (SILVA, 2014, p. 74-75).
São construções, entretanto, que não correspondem aos elementos naturais da vida 
humana, mas, ao contrário, a identidade e a diferença são criações sociais e históricas. 
No conjunto da vida social, são importantes fontes de vínculo e interdependência do ser 
com o seu meio social. Mas, ao mesmo tempo, funcionam como sistemas classificató-
rios permeados por relações de poder e, nesse contexto, a diferença se consolida em 
desigualdade. Onde impera um tipo de identidade tido como “normal” (por exemplo, so-
ciedades marcadas pela supremacia branca), as que não se enquadram em tal configu-
ração tornam-se invisíveis e/ou discriminadas (identidades étnico-raciais, por exemplo).
Leia o artigo A diferença como possibilidade de identidade cultural na pós-modernidade, de 
Cristiane Pereira F. de Carvalho. Nele, a autora contextualiza a formação da identidade nas 
sociedades contemporâneas e debate sobre as formas de preconceito e discriminação a 
partir da diferença.
Disponível em: https://bit.ly/3Hiuz05
SAIBA MAIS
Acesso em 29 mar. 2021.
A cultura é um dos traços mais significativos do ser humano. A habilidade e capacidade 
para criar e recriar e a inquietação do ser em transformar a natureza e em ressignificar a 
própria vida é um dos elementos que nos conecta às nossas origens. Desde as primei-
ras formações e agrupamentos, o ser humano transformou a matéria em outros objetos, 
criou sentidos e histórias que buscavam significar o cotidiano e dar sentido à própria 
existência. A capacidade de criação associada ao seu compartilhamento com os outros 
fez da cultura um traço típico do humano. 
Tudo o que existe hoje resulta da cultura que, desde os tempos mais primitivos, a humani-
dade vem construindo, acumulando e transmitindo às gerações que se sucedem. Tal ca-
pacidade é reveladora, ainda, da diversidade e pluralidade que constituem os seres e suas 
relações e que organizaram a existência humana nos mais diversos sistemas culturais.
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3. SOMOS SERES ARTÍSTICOS!
Num certo dia, enquanto retornava para casa após mais um dia de aulas, Fred se surpre-
ende com a longa fila que se forma na frente de um museu. Ali, uma exposição sobre as 
obras de Pablo Picasso, pintor espanhol e um dos principais artistas do século XX, seria 
aberta ao público. Enquanto caminha, passando pelas diferentes fachadas e arquiteturas 
urbanas, pelos grafites nos muros, pelas estátuas e monumentos nas praças públicas, 
Fred não está preocupado com a exposição no museu. Ele, aliás, se considera bastante 
alheioàs artes visuais e eruditas, de modo geral. Mas, está empolgado em chegar logo 
em casa e continuar suas leituras das HQs da Marvel, que recentemente comprou e que 
retratam a última saga dos Vingadores, um dos filmes preferidos de Fred.
Já em casa, uma de suas irmãs acompanha os ritmos da música que ouve com os fones 
de ouvido, enquanto a caçula, ainda criança, testa diferentes formas – e usos – possí-
veis para a massa de modelar. Os pais de Fred estão felizes: enfim colocaram na pa-
rede branca da sala um quadro com vaso de flores comprado há algum tempo: “agora, 
sim, há vida nessa parede; antes, ela estava sem graça”, comenta a mãe.
A cena descrita acima, embora fictícia, certamente dialoga com algo do cotidiano de 
cada um de nós. Nossa relação com a arte e com suas diferentes manifestações está 
no dia a dia, nos objetos que nos circundam, na arquitetura e na sua relação com a es-
tética, nas artes visuais em museus ou em outros espaços, e nas mais diferentes lingua-
gens e manifestações artísticas (como a pintura, música, filmes, teatro, literatura etc.).
Figura 09. Mapa Mental – Homo Culturalis
Homo 
Culturalis
Identidade Transmissão Cultural
Dimensão 
simbólica
Cultura
Atualidade
Relações 
Culturais
 ` Diversidade
 ` Diferença
 ` Pertencimento
 ` Socialização Primária
 ` Socialização Secundária
 ` Construção Humana
 ` Material / Imaterial
 ` Tangível / Intangível
 ` Coletiva
 ` Compartilhada
 ` Sentido
 ` Significado
 ` Criação / Recriação
 ` Alteridade
 ` Etnocentrismo
 ` Xenofobia
 ` Relativismo Cultural
 ` Universalismo
 ` Assimilação
 ` Local / Global
 ` Mundializada
 ` Padronização 
e Diferenciação
 ` Indústria Cultural
Fonte: elaborado pela autora.
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Poderíamos tratar da relação do homem com a arte de diversas maneiras, e mesmo 
por meio da história da arte e do desenvolvimento artístico poderíamos compreender o 
próprio desenvolvimento do homem e do seu meio. São muitas as possibilidades para 
pensarmos sobre a arte e nossa humanidade. 
Aqui neste capítulo, entretanto, vamos focalizar em alguns objetivos mais específicos, em 
especial, a reflexão sobre a arte como algo intrínseco ao ser humano, como parte do fazer 
humano e exclusivamente humano. Somos seres artísticos! Seres capazes de significar e 
ressignificar, atribuir sentidos, interpretar e reinterpretar o real por meio da criação artísti-
ca. Assim, mais do que buscarmos pelas definições do que é arte, propomo-nos a pensar 
por que a arte é tão essencial ao ser humano. Em outras palavras, vamos refletir sobre 
alguns dos porquês pelos quais podemos nos considerar homo artisticus.
Vamos ver mais de perto algumas dessas ideias.
Há muitas definições sobre o que é a arte; este é um campo de amplo debate na história do 
conhecimento humano. Mas, de modo geral, há uma concordância entre os filósofos sobre 
a definição da arte como “tudo o que é belo: a arte tem como objeto o belo, assim como a 
ciência tem por objeto o verdadeiro, a moral, o bem, a técnica, o útil”. (MONDIN, 2008, p. 71).
A arte não se confunde com a cultura, mas é parte dela, é um produto cultural de caráter 
emocional, sensorial e estético, resultado do processo criativo e imaginativo do ser humano.
IMPORTANTE
Figura 10. Reprodução de Guernica, Pablo Picasso
Fonte: 123rf.
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A arte é o campo no qual o homem significa e ressignifica a realidade. Na imagem aci-
ma, uma das mais importantes obras de Picasso, Guernica, produzida em 1937 e que 
retrata o bombardeio à cidade Guernica, localizada ao norte da Espanha, feito por um 
ataque aéreo comandado pela Alemanha nazista.
3.1 A ARTE: TÃO ANTIGA QUANTO A HUMANIDADE
Nas duas últimas décadas, pelo menos duas grandes descobertas feitas por pes-
quisadores acrescentaram novos olhares sobre as formas como viveram nossos 
antepassados. A primeira delas foi na década de 1990, numa escavação em uma 
caverna na Eslovênia. Ali, os pesquisadores encontraram uma das mais antigas 
e surpreendentes criações humanas: um instrumento musical, similar a uma flau-
ta, feita a partir de ossos de um animal, possivelmente um urso. A estimativa é que 
o instrumento tenha entre 43 mil e 45 mil anos e tenha pertencido aos neandertais, 
uma variação extinta da espécie humana.
Uma curiosidade sobre esse instrumento musical: músicos contemporâneos analisaram os 
espaçamentos entre os orifícios e notaram que eles foram configurados com base na escala 
de sete notas musicais, estrutura de toda música ocidental que foi criada nas eras seguintes 
e que, ainda hoje, ouvimos nos mais variados serviços, plataformas e aparelhos musicais.
CURIOSIDADE
Num artigo no jornal Folha de São Paulo, o físico e escritor Marcelo Gleiser registrou essa 
descoberta dos pesquisadores a partir de uma perspectiva da mimetização ou imitação que 
os homens faziam da natureza: “se a natureza cantava, os homens queriam cantar também”. 
Leia o artigo completo no link a seguir: 
Disponível em: https://bit.ly/3iIe2Za
SAIBA MAIS
Acesso em: 25 fev. 2021.
A segunda descoberta, também em uma caverna, mas dessa vez na Indonésia, en-
controu a mais antiga narrativa feita pelo homo sapiens, com aproximadamente 44 mil 
anos: uma cena na qual é travada uma luta entre dois javalis e quatro búfalos, rodeados 
por oito figuras que parecem ser humanas. Alguns desses homens seguram lanças e 
cordas. A novidade aqui não está na data da pintura em si; há outras, inclusive, mais an-
tigas do que essa. Mas nessa, pela primeira vez, identificamos uma narração humana.
https://bit.ly/3iIe2Za
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Descobertas como as pinturas rupestres e 
mesmo outros objetos ornamentais – há, por 
exemplo, conchas marinhas pintadas com 
mais de 115 mil anos – foram feitas em di-
ferentes partes do mundo, indicando que a 
espécie humana, ao deixar a África e se des-
locar pelos diferentes continentes, produziu 
expressões, ideias e emoções registradas 
pela produção artística por onde passava; 
criou símbolos e imagens significativas regis-
tradas em locais significativos; concebeu es-
teticamente a própria realidade e a existência.
Desse modo, tão antiga quanto a humanidade é a produção da arte. Claro, não pode-
mos saber com exatidão o que tais manifestações significavam, ou seja, qual a intenção 
dos artistas que as produziram. Mas, podemos interpretá-las, tentar conhecer os seus 
significados e sentidos, identificar as técnicas e habilidades envolvidas, os materiais 
disponíveis e, assim, conseguimos compreender – ou imaginar – como viviam os ho-
mens em épocas tão remotas. E, das épocas pré-históricas, a arte foi, praticamente, 
tudo o que sobrou e o que nos ajuda a compreender como se organizavam os homens 
primitivos (DUARTE JUNIOR, 1994, p. 136).
Salão dos Touros é uma das duas mil pinturas encontradas no interior das cavernas 
Lascaux e que dão a dimensão da vida selvagem pré-histórica.
Figura 11. Pintura rupestre – Lascaux
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Acesse o site e faça um passeio virtual pelo complexo de cavernas Lascaux, situado ao su-
doeste da França, conhecido pelas pinturas rupestres em seu interior.
Disponível em: https://archeologie.culture.fr/lascaux/fr?lng=en
DICA
Acesso em: 16 abr. 2021.
3.2 A ARTE: MANIFESTAÇÃO ESSENCIALMENTE HUMANA
Temos, portanto, que antes mesmo dos saberes filosóficos, os homens já produziam 
arte; antes do desenvolvimento da linguagem, os homens já expressavam ideias, cria-
vam e imaginavam realidades por meio da arte; antes dos grandes sistemas religiosos, 
a arte já servia à realização dos ritos e outras manifestações místicas. Mais atualmente, 
pesquisadores do desenvolvimento infantil defendem que, antes de falar, um bebê já 
canta. A arte é, assim, uma aptidão espontânea e inata do ser.
Mas por que produzimos arte? Por que povos primitivos, lutando pela sobrevivência em 
um ambiente profundamente hostil, ainda assim, produziam arte? Por que mesmo nos dias 
https://archeologie.culture.fr/lascaux/fr?lng=en91
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atuais, em sociedades permeadas por problemas políticos, sociais, econômicos etc., ainda 
assim, os homens produzem e se relacionam com objetos e manifestações artísticas?
Este é um debate amplo nos campos do saber, com diferentes perspectivas filosóficas, 
antropológicas, psicológicas e outras. Não vamos nos aprofundar especificamente em 
cada uma delas, mas apenas apontar algumas linhas gerais que nos auxiliam no enten-
dimento das questões propostas.
A ARTE COMO FORMA DE CONHECIMENTO
Sabemos que o ser humano é a única espécie dotada da capacidade de conhecimento. 
O conhecimento pode ser resumido como aquilo que nos permite ter consciência de 
algo. Sabemos, por exemplo, o que é uma cadeira porque temos consciência sobre 
ela: formatos, funções, materiais, cores, estilos. Mas, também, porque conseguimos 
imaginar o que é uma cadeira e o que não é; conseguimos imaginar um tipo específico 
de cadeira diferente de outras; e podemos, ainda, imaginar cadeiras que nem existem! 
Essa possibilidade de imaginação se relaciona diretamente à arte e é uma das proprie-
dades da vida humana.
A arte é, assim, uma forma de conhecer. Mas é uma forma particular, específica, oposta 
ao conhecimento lógico, mas ligada ao conhecimento emocional e criativo. Pertence, 
assim, aos modos de conhecer do campo sensitivo, que se obtém por meio dos sen-
tidos externos (visão, audição, tato, olfato) e internos (imaginação, fantasia). Nesse 
campo, “as atividades da fantasia são invenções, criações, sínteses que, elaboradas a 
partir do estado de espírito do artista, encontram ressonância ou suscitam sentimentos 
parecidos em outras pessoas” (MONDIN, 2008, p. 69).
Manifestações artísticas se realizam quando estabelecem uma relação entre o artista e um 
público. Se olharmos para nossas experiências, todos nós já nos emocionamos, rimos, fica-
mos angustiados ou tristes, impressionados ou assustados com emoções e situações que 
não eram, necessariamente, as nossas, mas, sim, as do protagonista. Essa relação é, tam-
bém, uma forma de conhecer, uma vez que ao vivenciarmos sentimentos que não são os 
nossos, aprendemos sobre as configurações dos sentimentos humanos, do nosso meio e da 
nossa cultura. Por isso, a arte nunca é individual, mas sim uma construção coletiva.
IMPORTANTE
A ARTE COMO POTÊNCIA CRIATIVA DO SER HUMANO
Algumas perspectivas consideram que a aptidão para a arte é uma dimensão cultural do 
ser, mas também biológica e fisiológica e, por isso, apenas o ser humano produz arte. 
Assim, os fenômenos artísticos existem porque possuímos habilidades e capacidades 
específicas para isso: criatividade e imaginação para dar novas formas e sentidos às 
coisas; habilidade manual que nos permite construir o que imaginamos; temos, ainda, 
a dimensão simbólica que procura dar um sentido ou sentidos diferentes à realidade 
(CAICEDO, 2008).
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Esta última, em particular, é uma das características essenciais da vida humana: o 
homem possui a necessidade de significar e dar sentido à sua vida e ao seu meio. A 
arte é um desses caminhos. Por meio dela, o ser que produz, sente ou desfruta dos 
fenômenos artísticos entra em contato com emoções estéticas, isto é, aquelas que vi-
venciamos por meio da atividade artística, e discorre sobre outras emoções e sobre a 
própria realidade.
O filósofo alemão Nietzsche diz que o ser tem necessidade da arte, de vivenciar a vida 
por meio da arte. Isso ocorre porque o intelecto e a racionalidade não são suficientes 
para conhecermos o real. Sobretudo, não são suficientes para dar sentido à vida.
Vivemos, seguramente, graças ao carácter superficial do nosso intelecto, 
numa ilusão perpétua: temos então, para viver, necessidade da arte a cada 
instante. A nossa visão prende-nos às formas. Mas se somos nós próprios 
quem, gradualmente, educa esta visão, vemos também reinar em nós uma 
força de artista. Mesmo na natureza se encontram mecanismos contrários 
ao saber absoluto: o filósofo reconhece a linguagem da natureza e diz: 
“Temos necessidade da arte” e “só precisamos de uma parte do saber”. 
(NIETZSCHE, 2007, p. 58)
Sob esta perspectiva, a arte aparece como uma forma de conhecimento superior ao 
intelecto. A vida mediada pela arte e pelo impulso artístico produz culturas fortes, se-
gundo Nietzsche, pois, apenas pela arte, seria possível contemplarmos a imprecisão 
e indeterminação da vida humana, aspectos que o conhecimento racional, científico e 
lógico não seriam capazes de apreender.
A aptidão para a arte e o processo 
criativo são inatos ao ser humano. O 
que muda é a coragem e disponibi-
lidade para nos entregarmos a isso. 
Esse é um dos argumentos que a 
filósofa e psicanalista Viviane Mosé 
debate com o ator e diretor Enrique 
Diaz e com o artista plástico Marcos 
Chaves no programa Café Filosófico. 
Assista ao vídeo na íntegra: 
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=atqFRr6n_LI
SAIBA MAIS
Acesso em: 16 abr. 2021.
Clique aqui e acesse o
VÍDEO
https://www.youtube.com/watch?v=atqFRr6n_LI
https://www.youtube.com/watch?v=atqFRr6n_LI
https://www.youtube.com/watch?v=atqFRr6n_LI
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3.3. A FUNÇÃO SOCIAL DA ARTE
Temos, assim, que a arte é este campo particular da expressão e compreensão humana 
e que acompanha o desenvolvimento e a história das sociedades desde suas origens. 
Todas as sociedades produzem arte e, portanto, os fenômenos artísticos tornam-se 
reflexos dessas sociedades. O mesmo se dá quando pensamos sobre a função social 
da arte. Esta também se transforma conforme o contexto: os meios técnicos e mate-
riais disponíveis, as formas e modos de representação e as questões sociais, políticas, 
econômicas colocadas em cada época.
Figura 12. Davi, escultura de Michelângelo
A filósofa Viviane Mosé diz que “viver é um gesto artístico”.
Nas sociedades contemporâneas, tão permeadas pela racionalidade técnica e econômica e 
pela busca por resultados, para que serve a arte? Olhe ao seu redor e para sua formação: 
como a arte está inserida em seu cotidiano?
REFLITA
Figura 13. Cartaz do filme Tempos 
Modernos, de Charles Chaplin
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A produção e os espaços de fruição e contemplação artística mudam conforme 
os contextos sociais.
A produção e os espaços de fruição e contemplação artística mudam conforme os 
contextos sociais.
A manifestação pela arte é uma das formas de que o ser humano dispõe para com-
preender sua relação com o mundo. Por isso, ela nunca é individual, mas sim dialoga 
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com o coletivo, com as necessidades e anseios de cada meio social. A arte é tão mais 
fundamental quanto mais corresponde a uma representação social.
Ao longo da história, essas representações mudam, pois as sociedades e suas de-
mandas mudam também: nas sociedades pré-históricas, a arte está profundamente 
relacionada à sobrevivência e aos rituais e não à contemplação; na Idade Média, seu 
sentido contemplativo e estético ganham novas dimensões a partir da relação da arte 
com a religião; na era mais contemporânea, o fazer artístico está muito ligado à ideia 
de liberdade e transformação social ao mesmo tempo em que a produção artística é, 
também, parte essencial do mercado de consumo e massificado; e assim ocorre pelas 
diferentes épocas históricas e pelas diferentes sociedades.
Leia o artigo Ensaio sobre o ‘gosto’ em Theodor Adorno e Pierre Bourdieu, escrito por Tássio 
R. P. de Farias e Jean H. Costa. No texto, os autores apontam a construção social do “gosto”, 
o porquê de gostarmos de determinados produtos culturais e artísticos e não de outros. Não 
deixe de ler:
Disponível em: https://www.redalyc.org/articulo.oa?id=307341015010
SAIBA MAIS
Acesso em: 22 mar. 2021.
Espetáculo de fogos de artifício pode ser considerado arte? Parao artista chinês Cai Guo-
-Qiang, sim. Seu trabalho consiste em criar diferentes espetáculos com fogos de artifício. 
Confira o trabalho do artista, suas tentativas e erros até que a obra fique pronta e os desafios 
em produzir artisticamente sob o governo repressivo do sistema político chinês no documen-
tário Escada para o Céu, disponível na Netflix.
DICA
Desse modo, a função social da arte e do fazer artístico possuem diferentes finalidades: 
moral e ética, política, religiosa, econômica, social, estética. Mas, apesar das inter-rela-
ções que a arte possui com todos esses campos, ela possui uma finalidade intrínseca, 
a saber, um espaço particular, original e único pelo qual o ser enxerga e interpreta o 
mundo se adaptando a ele, mas também o transformando. O artista e a arte são, assim, 
intérpretes do momento histórico em que vivem. Nas palavras de Fischer (1987, p. 51): 
“o artista continua sendo o porta-voz da sociedade”.
https://www.redalyc.org/articulo.oa?id=307341015010
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Por ser esse o espaço específico e original da relação do ser com o seu meio social, 
com o seu tempo, como lugar da expressão humana, o elemento essencial do fazer 
artístico é a liberdade. Por isso, a arte não tem, por princípio, limites. Antes de tudo, a 
arte é o espaço da experimentação, do olhar original sobre as vivências humanas. O 
artista ocupa, assim, um lugar específico no conjunto das relações sociais, uma vez 
que o fazer artístico não está submetido aos limites morais, políticos e/ou econômicos.
Num momento de tamanhas incertezas e dor, como o causado pela pandemia da Covid-19, a 
arte se reorganiza nos cotidianos. A área artística, do fazer e do consumo da arte, assim como 
tantas outras, foi profundamente afetada pela necessidade do isolamento social: teatros, cine-
mas, museus, casas de espetáculo foram fechados e, assim, tanto artistas quanto público se 
viram privados desses espaços. Mas o fenômeno artístico é essencial à vida humana e a arte 
encontra suas brechas em novos rearranjos sociais: é muito provável que você tenha assistido 
ou participado de alguma live ou que tenha procurado refúgio na literatura, por exemplo.
E quem não se lembra das cenas de pessoas cantando nas varandas de suas casas em dife-
rentes cidades italianas como uma forma de lidar com a solidão durante o isolamento social?
A produção do artista, por sua vez, responde a esse momento. Deixamos como sugestão o 
documento Artes visuais em tempos de pandemia, produzido pelo professor Wilson Cardoso 
Junior, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, que traz um compilado das artes visuais 
produzidas nesse tempo pandêmico. Essas, possivelmente, serão algumas das nossas “pin-
turas rupestres”, pelas quais sociedades futuras tentarão entender nosso tempo.
Disponível em: https://bit.ly/3FBIddE
ATUALIDADE DO TEMA
Acesso em: 16 abr. 2021.
 A arte a moralidade
Produzir um podcast debatendo sobre o campo específico do fazer artístico fundamentado na 
liberdade. Usar como referência o prefácio da obra O retrato de Dorian Gray, de Oscar Wilde.
PRODUÇÃO DE PODCAST
https://bit.ly/3FBIddE
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CONCLUSÃO
No livro O que é arte?, Jorge Coli (1995, p. 87) menciona em uma passagem uma fala 
creditada a Mário de Andrade, a saber, a de que “a arte não é um elemento vital, mas 
um elemento da vida”. Podemos passar pela vida sem nenhum contato com o mundo 
artístico; certamente, comida e proteção da integridade física são mais essenciais à 
sobrevida humana. Mas, admitindo essas circunstâncias, sem a arte o homem contem-
plaria toda a complexidade da vida humana?
O fazer artístico é esse campo que à primeira vista parece supérfluo ou inútil, mas que 
representa um espaço único, privilegiado e original da experiência humana, do desen-
volvimento das emoções e da imaginação, do conhecimento sensitivo do mundo e da 
vida, da possibilidade de enxergarmos nosso cotidiano a partir de outros olhares. Por 
isso, entendemos quase instintivamente a fala da mãe de Fred, do início deste capítulo, 
ao perceber que o quadro pendurado deu mais vida à parede branca.
DICA
Veja no vídeo a seguir um curto depoimento do escrito Mario Vargas Llosa sobre a neces-
sidade da arte. Atente-se à relação entre arte e liberdade pensada pelo escritor e seus 
impactos no meio social. Ative a legenda do seu vídeo no link a seguir:
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=tUagLka4YYU
Clique aqui e acesse o
VÍDEO
Acesso em 16 abr. 2021.
https://www.youtube.com/watch?v=tUagLka4YYU
https://www.youtube.com/watch?v=tUagLka4YYU
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Ao mesmo tempo, apesar de sua condição de aptidão inata ao ser humano, no mundo 
contemporâneo, nem todos possuem acesso ao desenvolvimento do fazer artístico ou 
mesmo à contemplação e fruição da arte. Durante séculos, a arte foi confinada e enten-
dida como um espaço do privilégio, fechado nos museus ou nos grandes teatros. Mas 
o que buscamos demonstrar neste capítulo é que a arte é parte da vida, do cotidiano, é 
própria da nossa humanidade. Ao voltarmos nossos sentidos e educarmos nosso olhar 
para a arte, podemos recuperar esse espaço do conhecimento do mundo por meio do 
gesto artístico, tão próprio de todos nós.
Figura 14. Mapa Mental – Homo artisticus
Homo 
Artisticus
Criação 
Artística
Arte
Arte e 
Tecnologia
Manifestação 
Artística
Função 
Estética
Fazer Artístico
 ` Significar / Ressignificar
 ` Atribuição de Sentidos
 ` Interpretar / Reinterpretar
 ` Cultura
 ` Emocional / Sensorial•
 ` Estética
 ` Potência Humana
 ` Música
 ` Pintura
 ` Teatro
 ` Filme
 ` Literatura
 ` Indústria Cultural
 ` Imaginativo
 ` Processo Criativo
 ` Espaço da Liberdade
 ` Belo
 ` Cinema
 ` Culinária
 ` Etc.
Fonte: elaborado pela autora.
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Jogar, perceber e expressar
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
COLI, Jorge. O que é Arte? 15. ed. São Paulo: Editora Brasiliense, 1995.
DUARTE JUNIOR, João Francisco. Por que arte-educação? 7. ed. Campinas: Papirus, 1994.
FISCHER, Ernest. A necessidade da arte. 9. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1987.
GLEISER, Marcelo. Homo artisticus. Folha de S. Paulo, ago. 2009. Disponível em: https://www1.folha.uol.
com.br/fsp/ciencia/fe2308200904.htm. Acesso em: 25 fev. 2021.
MARIO Vargas Llosa – É necessário que a arte exista, 2013. 1 vídeo (1 min. 37s.). Publicado no canal Fron-
teiras do Pensamento. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=tUagLka4YYU&t=20s. Acesso em: 
21 mar. 2021.
MONDIN, Battista. O homem, quem é ele? Elementos de antropologia filosófica. São Paulo: Paulus, 2017.
NIETZSCHE, Friedrich. Sobre verdade e mentira. São Paulo: Hedra, 2007.
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UNIDADE 4
TRANSCENDER, INTEGRAR E 
DESENVOLVER
INTRODUÇÃO
Chegamos, enfim, à unidade IV, a último de nosso curso. Nesta unidade nos dedicare-
mos a analisar questões relativas às experiências da humanidade em relação espiritual, 
ecológica e de fundação e conexão com o mundo. Para tanto, os capítulos apresentam 
importantes leituras sobre a forma como experienciamos estes distintos aspectos, aten-
tando para as múltiplas formas de se conectar com a transcendência, o mundo e as 
pessoas. Os aspectos da religiosidade humana são explorados no primeiro capítulo, 
bem como à busca por experiências e vivências transcendentais. Para além destes 
elementos, outros pontos são levantados como, por exemplo, a violência com motiva-
ção religiosa e (in)compreensão de valores absolutos.
O segundo capítulo analisa as relações da humanidade com natureza. Trata-se de um 
tema extremamente importante e debatido na atualidade e, portanto, fundamental para 
que possamos compreender as formas como temos lidado com nossas conexões e tro-
cas com o meio ambiente. O terceiro capítulo visa conectar as discussõesanteriores e, 
neste sentido, estabelecer uma leitura sobre a unidade do ser, a relação entre a ciência 
e os mitos, as interrelações entre os indivíduos, a natureza e as múltiplas sociedades 
em um mundo cada vez mais conectado e globalizado.
Por fim, o quarto capítulo visa estabelecer uma reflexão, um balanço sobre os temas estudados 
ao longo de nosso curso e, dessa forma, projetar uma compreensão geral sobre quem somos 
nos no universo, destacando que tal reflexão segue em contínuo, sempre em aberto, atenta às 
mudanças do mundo, mas, também, as nossas próprias mudanças e transformações. 
1. O SER HUMANO É UM SER RELIGIOSO
Uma jovem aluna do Ensino Médio vai à aula usando um Hijab, véu que as mulheres 
muçulmanas usam sobre a cabeça. Ela não pode ser cumprimentada pelo toque dos 
meninos, não deve receber aperto de mão nem beijo no rosto, e o fato de não poder ter 
contato físico faz com que ela enfrente problemas nas aulas de educação física, sobre-
tudo, quando há jogos coletivos.
Em um restaurante, o chef de cozinha prepara um suculento carré de porco e se sente 
ofendido quando o prato é oferecido a um ilustre cliente sem saber que se trata de um 
judeu. Muitas religiões adotam restrições alimentares. Além dos judeus, os islâmicos 
não comem carne suína. Hindus de algumas castas não comem carne de vaca, alimen-
to que também não é consumido às sextas-feiras por membros de parte dos terreiros 
de candomblé e pelos católicos na Quarta-Feira de Cinzas e na Sexta-Feira Santa. 
Também há religiões que não permitem consumo de bebidas alcoólicas.
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Uma funcionária chega à empresa 
onde trabalha com a cabeça raspada, 
pois passou pelo processo de inicia-
ção do candomblé, e logo é chamada 
por todos de macumbeira. Enquanto 
isso, cristãos católicos utilizam um cru-
cifixo no pescoço e cristãos, de ma-
neira geral, vestem camisetas com es-
tampas próprias de suas igrejas sem 
maiores problemas, mas estampas 
com motivos religiosos afro-brasileiros 
ainda geram preconceito.
O que esses exemplos têm em comum? Eles trazem consigo duas informações im-
portantes. A primeira diz respeito às características religiosas do ser humano. Somos 
religiosos e nossas crenças influenciam diretamente nosso cotidiano, nossos hábitos e 
costumes. Em geral, o ser humano não deixa de acreditar em seus princípios religiosos 
quando sai do templo ou vive seu cotidiano, ou seja, ele não deixa de ser religioso quan-
do vai à escola, ao trabalho ou mesmo quando frequenta um restaurante.
E a segunda informação é que a ignorân-
cia motiva a maioria dos preconceitos em 
relação à religião. Quando ignoramos – 
aqui no sentido de desconhecimento – as 
práticas e doutrinas religiosas, corremos 
o risco de julgá-las como uma supersti-
ção, banalidade ou, ainda – o que é mais 
grave –, corremos o risco de distorcê-las, 
atribuindo a elas um significado maléfico, 
passando, por exemplo, a identificar todo 
religioso de matriz africana como um ma-
cumbeiro ou um islâmico como terrorista.
O objetivo deste capítulo é entender o ser 
humano como um ser religioso. Não temos 
a pretensão de abarcar todas as religiões 
nem toda a história das religiões. Isso seria 
impossível. Mas podemos entender qual a 
função da religião na vida humana e como o desconhecimento pode levar a atitudes vio-
lentas em relação ao outro, seja porque quem segue uma religião pode sofrer agressão 
física, seja porque impedem o fiel de viver livremente seus costumes e crenças.
Figura 01. Estudante islâmica com seu Hijab
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Figura 02. Diversidade de religiões
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1.1. O SER HUMANO É UM SER RELIGIOSO
A história das religiões é tão antiga quanto a história da sociedade, tornando-se difícil pen-
sar no ser humano excluindo suas características, comportamentos e costumes religio-
sos. Além de ser um fenômeno tipicamente humano, visto que não encontramos religião 
nas outras espécies da natureza, as atividades religiosas não se limitam a um território, a 
um grupo específico ou mesmo a um momento histórico (MONDIN, 2017, p. 224).
A tradição religiosa brasileira é, fortemente, marcada por um reconhecimento do cris-
tianismo como religião oficial. É comum que as pessoas sejam batizadas ou se casem 
em celebrações realizadas em igrejas cristãs, motivadas por uma herança cultural e 
não simplesmente pela pertença religiosa. Aos poucos, outras tradições religiosas – que 
sempre fizeram parte da sociedade, mas que eram ocultadas ou encobertas – come-
çam a ganhar legitimamente o reconhecimento e o status de prática religiosa.
Exemplo disso é o das religiões afro-brasileiras, como o candomblé e a umbanda. Era 
comum, há algumas décadas ou anos, que suas práticas religiosas fossem escondidas 
por receio de represália ou preconceito social. Hoje, o islamismo é a religião que mais 
cresce no mundo e no Brasil (BERKENBROCK, 2019, p. 24-25), no entanto, também é 
comum que se olhe para um islâmico com olhar preconceituoso, identificando-o como 
terrorista, devido à visão parcial e estereotipada que temos.
É difícil encontrarmos uma religião que pregue deliberadamente a violência. Os livros sagrados 
até podem ter passagens e instrução de cunho violento, próprios do período em que foram es-
critos, e, por isso, a leitura desses textos deve ser acompanhada de uma crítica literária. Mas, 
geralmente, o conjunto de instruções e doutrinas de uma religião não aponta para esse cami-
nho e o preconceito e as práticas agressivas vêm de grupos e de pessoas que fazem leituras 
da tradição religiosa e de seus textos sagrados a partir de interesses específicos. 
Sendo assim, é possível colocarmos uma questão: minha crença religiosa (seja ela qual for) 
me dá o direito de oprimir quem não crê?
PARA REFLETIR
As religiões têm sua visão de mundo e sua visão sobre o ser humano. O artigo escrito pelo 
cientista da religião Volney Berkenbrock aponta características da ética iorubá, grupo étnico 
que oferece elementos para as religiões afro-brasileiras.
Leia o texto na íntegra.
Disponível em: https://bit.ly/3FAB8Kd
SAIBA MAIS
Acesso em: 21 abr. 2021.
https://bit.ly/3FAB8Kd
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1.2. A RELIGIÃO COMO HORIZONTE
É comum a relação entre a religião e o transcendente, entendido como a divindade cul-
tuada. O transcendente se opõe ao imanente, com este fazendo referência ao imediato 
e físico, e aquele às realidades celestes ou que estão para além do plano físico. Con-
tudo, há religiões que não trazem divindades em sua doutrina, como o clássico caso do 
budismo, entendido como uma religião imanente.
Quando utilizamos a palavra religião, remetemo-nos a um sistema de crenças e costumes 
que pode, por vezes, ser grande – como é o caso do cristianismo –, mas também pode 
ser menor – como é o caso dos sistemas formados por grupos pequenos. O ser humano é 
religioso e por isso recorre à vivência religiosa, esteja ele fora ou dentro da religião ou, em 
termos mais técnicos, seja ele heterodoxo ou ortodoxo, oficial ou popular. Assim, os cristãos, 
por exemplo, podem fazer peregrinações, prática esta que nasceu da religiosidade popular e 
que foi assimilada pela religião.
Embora não sejam termos opostos, o ser religioso e a religião são distintos. Criar um critério 
único que sirva para classificar ou não uma manifestação cultural como religião seria um 
equívoco. Talvez sirva a máxima dos antropólogos de entender que é religião aquilo que as 
pessoas que praticam e consideram religião (BERKENBROCK, 2019, p. 40).
IMPORTANTE
SAIBA MAIS
Mas, e os ateus?
Ao tratarmos da religião como 
uma característica cultural 
humana, faz-se necessária 
também a abordagem do ate-
ísmo. O historiador brasileiro 
Leandro Karnal traz uma in-
teressante reflexão sobre o 
seu próprio ateísmo.
Confira ao vídeo, disponível no 
link a seguir:
Disponívelem: https://www.youtube.com/watch?v=LJN3yMMh6Hs
Clique aqui e acesse o
VÍDEO
Acesso em: 16 abr. 2021
https://www.youtube.com/watch?v=LJN3yMMh6Hs
https://www.youtube.com/watch?v=LJN3yMMh6Hs
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Transcender, integrar e desenvolver
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Mais que um transcendente, podemos entender que a religião traz consigo a capacida-
de de transcendência. E é possível entender a transcendência não como um substan-
tivo ou um objeto alcançado pelo fiel ao acreditar. Se assim o fizermos, toda religião se 
resumirá a um conjunto de doutrina ou conhecimentos acessíveis aos iniciados. Mais 
que isso, a transcendência é uma atitude e a religião tem o poder de levar seus fiéis 
a transcenderem as questões mais imanentes, e não porque elas sejam nocivas, mas 
porque o ser humano não se limita apenas à própria sobrevivência. O ser humano quer 
dar sentido, construir significados e olhar horizonte e perspectivas. A arte, o conheci-
mento e a religião têm a capacidade de se tornarem instrumentos de transcendência.
ÁGUIA E A GALINHA, UMA HISTÓRIA DE TRANSCENDÊNCIA
Na década de 1970, o autor brasileiro Leonardo Boff (2017) escreveu uma obra inspi-
rada em um conto africano segundo o qual um camponês havia encontrado uma águia, 
ainda filhote, e a teria criado junto às galinhas, no galinheiro. A águia acreditava ser 
uma galinha: ciscava, comia e se comportava como uma galinha. Depois de um tempo, 
o agricultor recebeu em sua casa a visita de um naturalista que, reconhecendo que 
aquele animal era uma águia, iniciou um processo para que ela ganhasse os céus, tor-
nando-se a águia que sempre foi (BOFF, 2017, p. 29-32).
O conto não tem o objetivo de entender a galinha como um animal menor ou inferior, mas 
entende que não podemos – assim como a águia -- nos sujeitar a ser aquilo que não 
somos. Podemos entender, então, que a galinha é o arquétipo daquele que se sujeita 
às questões imanentes, à sobrevivência, ao cotidiano. E não há erro algum em buscar a 
sobrevivência, isso é nobre! Mas o ser humano é um ser que não apenas sobrevive. Ele 
vive! A águia busca horizontes, transcendendo as questões mais imediatas ou imanentes.
As aventuras de Pi. Direção de Ang Lee. EUA: Fox, 2012. (2h 05min.)
A família de Pi decide se mudar para o Canadá após o zoológico que administram na Índia 
ser fechado por problemas financeiros. Com isso, os animais do zoológico e a família de Pi 
embarcam no navio que naufraga após grande tempestade. O jovem Pi passa então a convi-
ver com um grande tigre em busca da sobrevivência em alto mar. Além de trazer elementos 
religiosos próprios do cristianismo, islamismo e hinduísmo, o filme retrata a lógica do discurso 
religioso à medida que o jovem Pi descreve os acontecimentos mais motivado pelo sentido 
que eles exercem sobre a sua vida.
SUGESTÃO
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A TRANSCENDÊNCIA COMO CÓDIGO DE CONDUTA
O ser humano que adere a uma religião, assu-
me também um código de conduta, isso ocorre 
porque a religião tem como uma de suas carac-
terísticas a classificação da realidade a partir 
daquilo que é sagrado (MONDIN, 2017, p. 248). 
Ao entender um território, um objeto, um texto 
ou mesmo um comportamento como sagrado, o 
indivíduo organiza sua vida buscando, cada vez 
mais, configurar-se a esses princípios.
Aos olhos daqueles que não vivem a religião, 
um determinado comportamento pode ser vis-
to como alienação. Mas, na perspectiva do fiel, 
o comportamento o aproxima da divindade e o 
leva a transcender as realidades mais imanen-
tes. Assim, o pão deixa de ser um simples ali-
mento e se torna Eucaristia. O mesmo ocorre 
quando um islâmico se priva de um determinado 
alimento por causa do Ramadã – mês de jejum muçulmano –; quando os católicos 
deixam de comer carne vermelha por causa da Sexta-feira Santa; ou quando um hindu 
deixa de comer carne de vaca, pois entende que o animal é um presente da deusa La-
xmi, personificação da prosperidade, para nutrir seus filhos com o leite.
1.3 A VIOLÊNCIA COM MOTIVAÇÃO RELIGIOSA
A violência com motivação religiosa tem aumentado, ao ponto que vemos fiéis e seus 
respectivos espaços e templos religiosos serem apedrejados e destruídos, e as repor-
tagens sobre o assunto são cada vez mais comuns.
Figura 03. Deusa indiana Maa Laxmi
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Como apresenta a reportagem, as religiões de afro-brasileiras são as maiores vítimas de 
agressões, provavelmente porque são associadas a práticas demoníacas. Leia o texto 
na íntegra:
Disponível em: https://bit.ly/3Pl3wTY
EXEMPLO
Acesso em: 16 abr. 2021.
https://bit.ly/3Pl3wTY
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Mas há também aquela violência que pode acontecer de forma velada, simbólica – ou 
mesmo explícita – de quem exclui o outro que traz consigo algum vestuário ou adesão 
religiosa. Muitas vezes pode não ser permitido ao fiel o uso de elementos religiosos, 
vestuários, evoluindo para a proibição de práticas culturais, seus princípios morais e a 
realização de seus ritos.
Muitas práticas de violência são justificadas por interpretações religiosas distorcidas, 
parciais ou equivocadas, como as ideias já mencionadas, ou que práticas religiosas são 
comportamentos assumidos por pessoas de intelecto menos evoluído.
1.4 VALORES ABSOLUTOS?
Existe uma fala interessante, normalmente atribuída ao Dalai Lama, que, em uma conversa, 
foi questionado sobre qual seria a melhor religião. Todos esperavam que ele respondesse 
que o budismo era a melhor, mas ele nos surpreende e diz que a melhor religião é aquela que 
faz de cada um uma pessoa melhor.
CURIOSIDADE
Quando uma religião pode ser vista como nociva à sociedade? Ainda carregamos as 
heranças da colonização europeia que separam o mundo entre civilizados e bárbaros, 
como se o processo de colonização tivesse ensinado os diferentes povos a agirem e se 
organizarem de forma civilizada. No entanto, esse processo também carregou consigo 
práticas de violência com motivação religiosa. Afinal, os “civilizados” são capazes de 
agir com violência.
Em função disso, quando terminou a Primeira Guerra Mundial, em novembro de 1918, 
44 países assinaram um tratado internacional que deu origem à Liga das Nações. No 
entanto, o objetivo de paz foi frustrado com a expansão do nazismo e a eclosão da 
Segunda Guerra Mundial, em 1939. É possível somar às arbitrariedades da guerra as 
posturas totalitárias no nazismo alemão, no fascismo italiano e no stalinismo soviético.
Em 1945, foi criada a Organização das Nações Unidas (ONU), com o intuito de ser um 
organismo capaz de assegurar critérios internacionais para a manutenção da paz. Em 
1948, a Assembleia Geral da ONU aprovou a Declaração Universal dos Direitos Huma-
nos, que, apesar de ser muito contestada, representa um consenso internacional em 
torno dos valores e direitos básicos que devem ser assegurados a todo ser humano.
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A religião faz parte da vida humana. Algumas concepções e comportamentos religiosos 
no nosso cotidiano e na nossa vida profissional podem suscitar contrariedades em nós 
mesmos ou nas pessoas à nossa volta. Sendo assim, é sempre possível que encontre-
mos situações em que entender as motivações religiosas será importante. Seja na área 
da saúde, da alimentação ou da educação, ou ainda em várias outras áreas, vamos nos 
encontrar diante de situações em que nem sempre a nossa vontade ou convicção pre-
valecerá. Qual é o limite que separa a aceitação da nossa intervenção? Cada profissão 
tem sua ética, mas é importante que o critério não fira a dignidade humana.
Conheça a Declaração Universal dos Direitos Humanos, disponível no site da Unicef no link 
a seguir:
Infelizmente, vemos muitos exemplos de intolerância religiosa. Muitos deles se concretizam 
como agressão física. Aqui, trazemos duas reportagens, uma delas da violência sofrida por 
uma menina de 11 anos, que foi agredida ao voltar do terreiro de candomblépara sua casa. 
O caso aconteceu na cidade do Rio de Janeiro.
O segundo caso trata de um judeu de 57 anos, de Jaguariúna, interior do estado de São 
Paulo. Leia a reportagem, disponível no link a seguir:
Ambos os casos aconteceram claramente instigados por intolerância religiosa, nome comu-
mente utilizado para falar da violência com motivação religiosa. É comum que símbolos re-
ligiosos sejam desrespeitados e as pessoas agredidas gratuitamente, apenas por professa-
rem determinada fé.
https://www.unicef.org/brazil/declaracao-universal-dos-direitos-humanos
Disponível em: http://glo.bo/3Yir9R2
https://bit.ly/3BnmvaL
SAIBA MAIS
ATUALIDADE DO TEMA
Acesso em: 16 abr. 2021.
Acesso em: 16 abr. 2021.
Acesso em: 16 abr. 2021.
https://www.unicef.org/brazil/declaracao-universal-dos-direitos-humanos
http://glo.bo/3Yir9R2
https://bit.ly/3BnmvaL
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2. SOMOS ECOLÓGICOS
Crianças em idade escolar provavelmen-
te já plantaram feijão no algodão. Porém, 
dificilmente o feijão plantado no algodão 
tem uma vida longa, assim como dificil-
mente alguém colherá dele outros grãos 
de feijão que sejam suficientes para a ali-
mentação de uma pessoa. Então, por que 
plantamos feijões com as crianças?
Muitas podem ser as motivações pedagó-
gicas, mas é possível entender que plan-
tar feijão é para muitos estudantes a pri-
meira experiência de cuidado ecológico, 
pois é preciso regá-lo com certa frequência para que ele brote e cresça.
O relato do feijão sintetiza o objetivo deste capítulo. Poderíamos tratar da relação do 
ser humano com a natureza de várias maneiras e todas elas teriam a potencialidade de 
provocar nossa consciência. Aqui, decidimos falar do cuidado. O ser humano aprende a 
cuidar do mesmo modo que aprende que a relação com a natureza é condição para a ma-
nutenção da vida humana no planeta e para uma relação sustentável com o ecossistema.
2.1 IDENTIFICAR-SE COMO NATUREZA
A geração pós-industrialização foi seduzida pela possibilidade de consumir novos pro-
dutos que facilitariam a vida. Os descartáveis passaram a fazer parte da vida cotidiana 
e se tornava mais fácil utilizar copos descartáveis que lavar os copos reutilizáveis. E 
por mais que esses copos sejam recicláveis, nem sempre isso acontece. Seja porque 
a coleta seletiva ainda é precária em muitas cidades brasileiras ou porque a população 
ainda não tem o hábito de separar materiais recicláveis.
Figura 04. Feijão
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Figura 05. Descartáveis
Fonte: 123RF.
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2.2. CUIDADO COMO PARADIGMA
Não chegaremos ao fim do mundo. Mesmo que o ser humano não se livre de práticas 
nocivas como a poluição e o desmatamento, mesmo que novas pandemias aconteçam 
e vitimem grande parte da população, provavelmente, o mundo não acabará. O ecossis-
tema sempre se adapta e espécies deixam de existir, muitas vezes, por consequência 
de hábitos humanos e outras espécies surgem, mas pode ser que o ser humano deixe 
de existir. Os tempos atuais mostram que o modelo civilizacional baseado no consumo 
é insustentável (BOFF, 2011, p. 17).
Assim, vivemos um novo paradigma. Trata-se da consciência do cuidado e da inter-re-
lação do ser humano com o ecossistema.
Nesse sentido, não se trata de pensar e falar sobre o cuidado como objeto 
independente de nós. Mas de pensar e falar a partir do cuidado como é vivi-
do e se estrutura em nós mesmos. Não temos cuidado. Somos cuidado. Isto 
significa que o cuidado possui uma dimensão ontológica que entra na cons-
tituição do ser humano. É um modo-de-ser singular do homem e da mulher. 
Sem cuidado deixamos de ser humanos. (BOFF, 2011, p. 89)
O ser humano se descobriu parte do ecossistema e não cabe mais continuar sendo o pre-
dador que acreditava ter nascido para ser. A Terra não foi feita como quintal para nossa 
depredação. A atitude humana deve ser de responsabilidade e de harmonia. Tudo o que ele 
faz à Terra, faz a si, pois não é possível dissociar a vida humana do ecossistema.
2.3 CUIDADO COMO SUSTENTABILIDADE
A produção de bens de consumo manufaturados há muito tempo faz parte da socieda-
de, mas foi com a Revolução Industrial e com a produção do excedente que o mundo 
se viu imerso na lógica comercial e em suas consequências, como o impacto ambiental.
Entre os anos 1880 e o término da Segunda Guerra Mundial, em 1945, a sociedade 
estadunidense e da Europa deixaram de consumir a produção dos pequenos merca-
dos locais para consumir os produtos produzidos pelos grandes mercados nacionais 
(LIPOVETSKY, 2007, p. 26). No Brasil, isso demorou um pouco mais para acontecer 
(MARCHINI; BRITO, 2016, p. 69-70), mas a indústria nacional começou a se organizar 
a partir dos anos 1950, consolidando-se nas décadas seguintes. O ser humano pós-
-industrial deixou de consumir pela necessidade e passou a consumir motivado pelo 
desejo (LIPOVETSKY, 2007, p. 32).
No século XXI, a sociedade viu a necessidade de pensar uma relação responsá-
vel com os bens de consumo e com o ecossistema, consolidando-se as discussões 
sobre a sustentabilidade.
A geração da passagem do século XX para o XXI viveu a abundância da produção industrial. 
Seria ela a geração da falta de cuidado?
PARA REFLETIR
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A noção de sustentabilidade é difusa e fluida. Ela se encontra em processo 
de construção e legitimação técnica, em sua identificação e contextualiza-
ção aos processos socioeconômicos das regiões e dos países. Combater a 
miséria humana e a depreciação exacerbada da natureza constituem seus 
principais pressupostos, que têm como base material as estruturas e os pro-
gramas sustentáveis que gerem inclusão social, emprego e renda, e melho-
ria de qualidade de vida às pessoas, com preservação ambiental. (FREITAS; 
FREITAS, 2016, p. 16)
As discussões sobre o desenvolvimento sustentável foram se afirmando na segunda metade 
do século XX, envolvendo instituições internacionais como a ONU e a UNESCO. A Assem-
bleia Geral das Nações Unidas, de 1959, instituiu a Primeira Década de Desenvolvimento 
das Nações Unidas para o período 1960 a 1970, visando, sobretudo, à redução da pobreza 
nos países subdesenvolvidos. Em 1965, criam o Programa das Nações Unidas para o De-
senvolvimento (PNUD). À medida que as questões ambientais ganham relevância social, 
também o tema do desenvolvimento assume características interdisciplinares e inclui temas 
e abordagens de outras áreas, como sociologia, ciência política, biologia, ciências da terra, 
educação, gestão pública e empresarial (BARBIERI, 2020, p. 17-19).
Já a expressão desenvolvimento sustentável surgiu em 1980, no documento denominado 
Estratégia de Conservação Mundial (World Conservation Strategy), produzido pela União 
Internacional para a Conservação da Natureza (IUNC) e World Wildlife Fund (WWF) – em 
português, Fundo Mundial para a Natureza –, afirmando que o desenvolvimento sustentável 
e a conservação da natureza são dependentes (BARBIERI, 2020, p. 33).
Em 2000, o então presidente da ONU, Kofi Annan, criou o Pacto Global, na tentativa de 
que as empresas pudessem alinhar suas estratégias à perspectiva da sustentabilidade 
nas várias áreas.
O Pacto tem por base a adesão das organizações aos seguintes 10 princípios que devem 
ser adotados pelas empresas que aderem ao Pacto Global. Eles são derivados da Declara-
ção Universal dos Direitos Humanos da Declaração da Organização Internacional do Traba-
lho sobre Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho, da Declaração do Rio sobre Meio 
Ambiente e Desenvolvimento e da Convenção das Nações Unidas Contra a Corrupção:
DIREITOS HUMANOS
I. As empresas devem apoiar e respeitar a proteção de direitos huma-
nos reconhecidos internacionalmente;
II. Assegurar-se de sua não participação em violações destes direitos.
TRABALHO
III. As empresas devem apoiar a liberdade de associação e o reconhe-
cimento efetivo do direito à negociação coletiva.
IV. A eliminação de todasas formas de trabalho forçado ou compulsório;
V. A abolição efetiva do trabalho infantil;
VI. Eliminar a discriminação no emprego.
Tabela 01. Princípios do Pacto Global
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2.4 INICIATIVAS LOCAIS
A consciência do indivíduo de sua relação com o ecossistema e a perspectiva da sus-
tentabilidade fez emergir um novo sujeito. Por mais que as estruturas sejam predomi-
nantes, o ser humano traz consigo o poder de perceber-se como parte do ecossistema 
e romper o paradigma antropocêntrico, segundo o qual o ser humano se sente o centro 
do universo e assume a postura predatória.
A crise do modelo civilizatório baseado em práticas predatórias aponta para a necessi-
dade de práticas locais de integração do indivíduo e das sociedades com a natureza. 
O incentivo da agricultura familiar e a separação de recicláveis podem ser exemplos de 
iniciativas e práticas locais que criam consciência sustentável.
MEIO AMBIENTE
VII. As empresas devem apoiar uma abordagem preventiva aos desa-
fios ambientais.
VIII. Desenvolver iniciativas para promover maior responsabilidade ambiental.
IX. Incentivar o desenvolvimento e difusão de tecnologias ambiental-
mente amigáveis.
ANTICORRUPÇÃO X. As empresas devem combater a corrupção em todas as suas for-mas, inclusive extorsão e propina.
Fonte: Pacto Global ([s. d.], [n. p.]).
As ideias e estratégias do Pacto Global podem ser acessadas no site a seguir: 
https://www.pactoglobal.org.br/ 
SAIBA MAIS
Acesso em: 19 abr. 2021.
Não há como “jogar um lixo fora”. O lixão (aterro sanitário) é parte do ecossistema e traz 
impactos ambientais.
PARA REFLETIR
2.5 TUDO ESTÁ INTERLIGADO
Em 2015, o Papa Francisco escreveu a encíclica Laudato Si’ que trata do cuidado com 
a Casa Comum. Nesta encíclica, que é uma espécie de instrução que o papa escreve 
aos cristãos católicos, Francisco trata da inter-relação que há entre os seres vivos que 
habitam a Terra.
https://www.pactoglobal.org.br/ 
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Nessa perspectiva, aquilo que acontece do outro lado do planeta pode estar conecta-
do com a vida de quem vive aqui no Brasil. Tal interconexão fica ainda mais evidente 
quando vamos delimitando o horizonte cultural e geográfico. Aquilo que acontece em 
outra região do país pode afetar nossa vida. Os acontecimentos da periferia da cida-
de onde moramos não afetam apenas a vida daqueles que enfrentam problemas de 
habitação, saneamento básico ou transporte público, mas afetam toda a sociedade, 
gerando impactos concretos.
Três termos (ou conceitos) são relevantes para o entendimento da Laudato Si’ são: 
Casa Comum, a ideia de que os seres estão interligados e a ecologia integral. A Casa 
Comum diz respeito ao espaço onde vivemos, diz respeito ao Planeta Terra, mas vai 
além, trata-se da casa onde vive a família humana (LS 13). Por viver na mesma Casa, 
a família humana está interligada e a pobreza de um é a pobreza do planeta. Econo-
mia, tecnóloga, poluição, tudo nos conecta, nos inter-relaciona (LS 16). Ao enxergar-
mos o ser humano na Casa Comum, na relação com o ecossistema, nos tornamos 
capazes de construir uma ecologia integral, que visa a harmonia dos seres vivos na 
sua inter-relação (LS 10-11).
A princípio, o leitor do texto escrito pelo Papa pode entender que está diante de um 
texto que se limita a tratar das questões ecológicas e ambientais, mas isso é um enga-
no. Papa Francisco, uma das principais lideranças globais da atualidade, traz um novo 
horizonte. Tratar da Casa Comum é tratar daquilo que nos une, inclusive da ecologia e 
das questões ambientais.
Apesar de ser uma reflexão proposta pelo Papa, pensar a relação com a Casa Comum não 
é um exercício que se reduz ao catolicismo. O artigo de Elias Wolff e Suzana Terezinha Ma-
tiello, Espiritualidade ecológica para a humanização da “casa comum – Aproximações a patir 
do cap. VI da Laudato Si”, trata da dimensão ecumênica do cuidado com a Casa Comum.
Leia o texto na íntegra, disponível no link a seguir:
https://revistas.pucsp.br/index.php/culturateo/article/view/49902
http://www.vatican.va/content/francesco/pt/encyclicals/documents/papa-frances-
co_20150524_enciclica-laudato-si.html
SAIBA MAIS
Acesso em: 20 abr. 2021.
O texto completo da Laudato Si’, com tradução para a língua portuguesa, está disponível no 
site do Vaticano no link a seguir: 
Acesso em: 19 abr. 2021.
https://revistas.pucsp.br/index.php/culturateo/article/view/49902
http://www.vatican.va/content/francesco/pt/encyclicals/documents/papa-francesco_20150524_enciclica-l
http://www.vatican.va/content/francesco/pt/encyclicals/documents/papa-francesco_20150524_enciclica-l
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A encíclica Laudato Si’ traz a ideia de que as realidades presentes na Casa Comum estão 
interligadas, ou seja, há uma inter-relação entre os seres vivos que habitam o ecossistema.
Como a vida também é feita de arte, indicamos um belo vídeo produzido pelo Sefras (Serviço 
Franciscano de Solidariedade) na ocasião da semana Laudato Si’, em 2020, para comemorar 
os cinco anos da publicação da encíclica. Assista ao vídeo com a canção composta (letra e 
música) por Cirineu Khun, inspirada na Laudato Si, disponível no link a seguir:
Tudo está interligado
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=Gp2HLTGXQ8g
Clique aqui e acesse o
VÍDEO
Acesso em: 19 abr. 2021.
A sustentabilidade pode ser mais que uma teoria, transformando-se em práticas empresariais 
ou comunitárias que exercem impactos na vida dos indivíduos e na relação com o seu ecos-
sistema, leia no link a seguir:
Atualidade do tema
https://bit.ly/3VVbi9x
Acesso em: 19 abr. 2021.
https://www.youtube.com/watch?v=Gp2HLTGXQ8g
https://www.youtube.com/watch?v=Gp2HLTGXQ8g
https://bit.ly/3VVbi9x
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O ser humano cuida daquilo que lhe é caro, importante e valioso. Todas as pesquisas 
sobre sustentabilidade, os números sobre desmatamento e as interpretações sobre o 
aquecimento global são necessárias e devem embasar o conhecimento e as políticas 
públicas. Mas o ser humano se convence da importância de um comportamento susten-
tável à medida que se sente envolvido ou se sente como parte desse ecossistema. O ser 
humano se sente interligado à medida que se reconhece como morador da Casa Comum.
3. INTERLIGADOS
Dona Joana, mulher idosa que nunca foi à escola, é sábia. Conhece as plantas medicinais e 
sabe quando é a época de plantar cada semente, sabe quando vai chover ou não pela po-
sição das nuvens. Ela sabe também que o ser humano e a natureza formam uma unidade, 
e é comum dizer que “tudo o que vai, volta” e “quem pratica o mal, recebe o mal”. Com sua 
sabedoria popular e vivencial, dona Joana sabe que somos um só com o cosmos.
Com outras palavras, Joana tem a mesma leitura de mundo que embasa a ideia de mul-
tiverso das Histórias em Quadrinhos (HQs) da Marvel e da DC Comics. Basicamente, o 
multiverso é uma realidade formada por universos distintos, mas que estão conectados. 
Quem está acostumado com os filmes talvez não tenha clareza do que é o multiverso, mas 
nas HQs existem vários mundos que podem ser acessados através de poderes e portais.
Práticas locais, por si só, não se mostram capazes de construir um desenvolvimento susten-
tável, pois são necessárias estruturas, práticas e deliberações de governos e instituições. 
Mas as práticas locais, além de possibilitarem mudanças concretas na vida das pessoas e 
nas relações comunitárias, geram consciência por suscitarem o debate sobre determinado 
assunto ou comportamento. Assim, uma pessoa pode ter consciência da escassez de água 
assistindo ao telejornal ou acompanhando o aplicativo de notícias, mas é quando falta água 
em sua casa que ela percebe a relevância do assunto.
Figura 06. HQs da Marvel
Fonte: 123RF.
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Paraquem acompanha os filmes do Universo Cinematográfico Marvel (UCM), fica fácil 
entender como um filme está conectado a outro, como uma informação presente no 
filme Homem-Formiga, por exemplo, torna-se crucial para entender aquilo que acontece 
em Vingadores Ultimato. Podemos ver outro exemplo de universo compartilhado na sé-
rie Dark, exibida pela Netflix. Esta série mostra a sobreposição de diferentes realidades, 
as quais seus personagens adentram, transformando-as.
A produção de HQs e de filmes de heróis movimenta sites e perfis que se ocupam em explicar 
e comentar cada publicação ou filme. Para entender mais sobre o multiverso nas HQs e nos 
filmes, acesse o site a seguir:
https://www.legiaodosherois.com.br/2020/multiverso-marvel.html
SAIBA MAIS
Acesso em: 20 abr. 2021.
Dica de filme
Homem-Aranha no aranhaverso. Direção de Bob Persichetti, Peter Ramsey e Rod-
ney Rothman. EUA: Sony Pictures, 2018 (117min.)
Miles Morales é um adolescente como vários outros, que gosta de música, grafita 
muros e enfrenta questões próprias de sua idade, como a escola, os amigos e a 
relação com os pais. Ao ser picado por uma aranha, recebe os poderes do Homem-
-Aranha, herói que já existia em seu mundo. Miles percebe, então, que um portal 
foi aberto e existem várias versões de heróis aranhas que estão presente em seu 
universo. O aranhaverso segue a mesma lógica do universo compartilhado e ajuda a 
entender o quanto a realidade apresenta uma unidade.
A vida real não é um conjunto de filmes nem conta com superpoderes como nas HQs, 
mas de certa forma as realidades estão conectadas, seja por seu aspecto cultural, eco-
nômico ou ambiental. Se tomamos o ser humano, podemos entendê-lo como um ser 
complexo, portador de várias capacidades, habilidades e características. Somos racio-
nais, mas não somente. Somos seres de técnica, lúdicos, religiosos, emotivos... e tais 
características nos constituem como um ser histórico e concreto.
https://www.legiaodosherois.com.br/2020/multiverso-marvel.html
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3.1 A UNIDADE DO SER
O ser humano é uma unidade, mas, além disso, ele busca visualizar essa unidade em 
tudo aquilo que cerca sua vida, inclusive no universo, atribuindo sentido à sua existência. 
Independentemente de a unidade do ser com o universo ser natural ou construída, ela 
não perde sua importância, pois revela a capacidade do ser humano de se colocar em 
relação com as circunstâncias que vive, buscando produzir sentido para a sua existência.
As crianças têm um costume de buscar identificar imagens nas nuvens e aquele aglo-
merado de ar e água se transforma, na cabeça de quem o vê, em um grande bicho de 
pelúcia, um sorvete ou um brinquedo. E se a nossa vida, a realidade que nos cerca ou 
mesmo o universo tem sentido ou não, isso pouco importa. O que mais importa é que 
o ser humano é capaz de produzir sentido e isso o coloca em relação com o universo.
João da Cruz (2020, p. 982), um reconhecido místico medieval, tem uma célebre fra-
se em que afirma que “[...] onde não há amor, ponha amor e colherá amor”. O au-
tor se baseia na capacidade humana de construir sua própria existência. Quando se 
percebe como parte do universo, o ser humano insere-se na narrativa que dá sentido 
e unidade ao que existe.
OS MITOS E O SENTIDO DA VIDA
As culturas antigas tinham uma maneira peculiar de buscar entender a realidade que as 
cercavam. É comum escutar que o mito é um instrumento de culturas atrasadas, pouco 
evoluídas, que inventavam histórias para explicar questões que o conhecimento deles 
não conseguia alcançar. Também é comum a ideia do mito como mentira. Mas tais in-
terpretações são equivocadas, pois não entendem a construção mítica no contexto em 
que ela acontece, mas em relação ao conhecimento científico e cultural posterior.
Figura 07. Eco e Narciso, John William Waterhouse (1903)
Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Eco_e_Narciso#/media/Ficheiro:John_William_Waterhouse_-_Echo_and_Narcissus_-_
Google_Art_Project.jpg. Acesso em: 7 mai. 2021.
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Uma das narrativas míticas mais conhecidas e, provavelmente, mais significativas é a que 
envolve o belo Narciso, condenado a não se apaixonar, e Eco, uma ninfa condenada a repetir 
apenas as palavras que os outros disserem a ela. O mito de Narciso e Eco é repleto de refle-
xões sobre a existência humana e seus dilemas e sofrimentos.
Para conhecê-lo, acesse o link a seguir:
A narrativa de Narciso e Eco nos leva a pensar várias questões relativas não somente à nos-
sa existência, mas também à nossa sociedade e história mais recente. O vídeo sobre Narciso 
e Eco publicado, no canal Tempero Drag, traz essas reflexões para a atualidade, dialogando 
com o pensamento decolonial. Para quem não conhece, o canal é importante uma fonte de 
informação: as falas de Rita são repletas de ironia, mas trazem um raciocínio muito bem arti-
culado com os conhecimentos acadêmicos.
Para assistir ao vídeo, acesse o link a seguir:
https://www.mitografias.com.br/2016/03/eco-e-narciso/
SAIBA MAIS
Acesso em: 20 abr. 2021
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=kz6HPpM4RyY
Clique aqui e acesse o
VÍDEO
Acesso em: 20 abr. 2021.
https://www.mitografias.com.br/2016/03/eco-e-narciso/
https://www.youtube.com/watch?v=kz6HPpM4RyY
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As populações construíam narrativas com personagens e contextos que elaboravam 
uma compreensão da realidade. Porém, diante do mito, a pergunta a se fazer não é 
“o que aconteceu?”, mas “por que aconteceu?”, buscando compreender o mundo e a 
existência humana de maneira argumentativa. Assim, o mito trata de questões funda-
mentais da existência humana, mas não como a alegoria ou a metáfora, que trazem in-
terpretações mais estritas e direcionadas, e sim como narrativa que articula elementos 
religiosos com a interpretação da realidade.
Os mitos gregos são os mais conhecidos. As narrativas de Narciso, Pandora, Sísifo e 
Prometeu são, relativamente, conhecidas e tratam de questões centrais da existência 
humana, como a esperança, o sofrimento e a punição dos deuses. Mas há também a 
mitologia nórdica, a africana e a mitologia indígena.
Também Leandro Karnal faz uma pertinente reflexão sobre a vaidade tendo como base o mito 
de Narciso, estabelecendo a atitude humana nas redes sociais como seu ponto de partida. O 
vídeo possibilita uma fácil identificação de quem tem perfil em redes sociais e busca a melhor 
fotografia para postar em seu perfil. Para assisti-lo, acesse o link a seguir:
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=wOteOsC56Mc
Clique aqui e acesse o
VÍDEO
Acesso em: 20 abr. 2021.
https://www.youtube.com/watch?v=wOteOsC56Mc
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A CIÊNCIA E SEUS MITOS
Assim como os mitos, também a ciência se ocupa das causas primeiras. A diferença é 
que, sobretudo a física, busca entender a origem do universo e sua lógica formulando 
suas teorias de acordo com os princípios e as leis da física, em que “[...] a energia deve 
ser conservada” (GLEISER, 2010, p. 23). Como explicar, então, a criação de matéria 
vinda do nada?
A ciência é uma construção humana, uma narrativa que criamos para expli-
car o mundo a nossa volta. As “verdades” que obtemos, como a lei da gravi-
tação universal, de Newton, ou a teoria da relatividade espacial, de Einstein, 
apesar de brilhantes, funcionam apenas dentro de certos limites.
Sempre existirão fenômenos que não poderão ser explicados por nossas 
teorias. Novas revoluções científicas irão acontecer. Visões de mundo irão 
se transformar. (GLEISER, 2010, p. 25)
As religiões criam seus mitos – aqui no sentido de tentativa de explicar a realidade 
e a existência humana. Já a ciência cria suas teorias. A diferença entre elas está na 
linguagem. Enquanto a religião assumeuma linguagem religiosa e narrativa, a ciência 
assume uma linguagem técnica e a coerência com suas leis e princípios.
Ambas são úteis e relevantes na empreitada que o ser humano assume de decifrar 
sua existência.
Se entendemos a mitologia como um conjunto de histórias fictícias que perderam a impor-
tância à medida que ocorria o avanço das sociedades, então teremos muita dificuldade de 
entendermos que o cristianismo tem seus mitos. Pois, assim, estaríamos afirmando que as 
histórias bíblicas são mentirosas ou ultrapassadas.
Mas os mitos são mais que isso: são relatos que buscam decifrar o sentido da vida humana, 
da existência e da criação e que constroem narrativas estabelecendo um diálogo entre tais 
questões e os elementos religiosos da cultura onde vivem. Assim, os relatos presentes, prin-
cipalmente, no Antigo Testamento da Bíblia cristã, que retratam os elementos da criação e os 
primeiros personagens bíblicos, como Abraão, Isaac e Jacó, ou a narrativa do dilúvio, estru-
turam a mitologia cristã, pois são narrativas que se ocupam de temas centrais à existência 
daquele povo e daquela sociedade (RIBEIRO, 2018, p. 117-118).
IMPORTANTE
O cristianismo tem sua mitologia?
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3.2 INTER-RELAÇÃO E A FRATERNIDADE UNIVERSAL
O entendimento holístico do ser humano 
e da realidade que o cerca também está 
presente na religião e pode ser encon-
trado em discursos do Papa Francisco, 
como vimos no capítulo anterior, sobre 
ecologia. Todos vivemos em uma Casa 
Comum e, por isso, há a necessidade de 
que o ser humano não se sinta no único 
direito de desfrutar os benefícios de vi-
ver nesta Casa, mas contribua para sua 
construção ou mesmo para a sua manu-
tenção (LS 13, 117).
SAIBA MAIS
Em 1997, Marcelo Gleiser participou do programa Roda Viva, da TV cultura. Gleiser, físico 
brasileiro, ficou conhecido pela relação que faz entre religião e ciência, não contrapondo as 
duas realidades.
Para assistir à entrevista, visite:
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=qn7lAOK80Co
Clique aqui e acesse o
VÍDEO
Acesso em: 20 abr. 2021.
Figura 08. Natureza
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Como moradores da Casa Comum, os seres humanos, a fauna, a flora e tudo aquilo 
que existe está interligado. Há uma interdependência na relação dos seres humanos 
com o restante do planeta. A inter-relação entre ser humano e ecossistema possibilita 
um entendimento mais harmônico, apontando para a correção de um equívoco herme-
nêutico que legitimou a concepção do ser humano como um predador. Essa inter-rela-
ção implica uma postura ética.
O conhecimento das consequências de nossos comportamentos e das estruturas que regem 
a Casa Comum nos leva a pensar possibilidades mais sustentáveis (LS 91, 240). A consciên-
cia de si e do mundo que o cerca, e da pertença à Casa Comum, leva o ser humano a enten-
der seu papel. E se tudo está interligado – e está – é difícil sentir-se alheio (FT, 34).
Ocupando-se da responsabilidade fraterna, Francisco publicou, em 2020, a encíclica 
Fratelli Tutti, que continua a reflexão sobre a Casa Comum, apontando a importância 
das instituições e líderes políticos, do poder econômico, mas também da participação 
dos indivíduos, que constroem laços e iniciativas locais. Fratelli Tutti aponta para a 
superação da postura egoísta que se desenvolve na prática predatória em relação à 
natureza, à sociedade e aos próprios seres humanos (FT, 17).
O texto completo da Fratelli Tutti está disponível no site do Vaticano, com tradução para a 
língua portuguesa. Para conhecê-lo, acesse o link a seguir:
Entender a realidade em sua unidade de modo algum pode ser confundido com a ideia de 
uma realidade uniforme. As diferentes perspectivas culturais geram tensões e conflitos, além 
da necessidade de uma educação para a interculturalidade. O artigo escrito por Vera Candau 
trata da relação entre educação e interculturalidade. Disponível no link a seguir:
https://bit.ly/3VRT7S2
https://www.scielo.br/pdf/es/v33n118/v33n118a15.pdf
SAIBA MAIS
SAIBA MAIS
Acesso em: 20 abr. 2021.
Acesso em: 20 abr. 2021.
https://bit.ly/3VRT7S2
https://www.scielo.br/pdf/es/v33n118/v33n118a15.pdf
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O mundo globalizado é um exemplo claro de como os vários rincões do mundo estão in-
terligados, embora nem sempre seja possível identificar as implicações globais de um 
determinado acontecimento. No entanto, há duas situações recentes que mostram bem 
quando o mundo está interligado e como aquilo que acontece em determinado lugar no 
mundo pode afetar a todos, seja o habitante de uma grande cidade, como Nova Iorque, 
ou um pequeno vilarejo da Mongólia.
O primeiro exemplo é o aquecimento global. A temperatura média do planeta está aumen-
tando e isso pode acontecer por causas naturais ou por consequência da emissão de gases, 
mas é certo que acontece e gera impacto em todo o planeta. Você pode ter mais informações 
a respeito em reportagem do WWF Brasil, disponível no link a seguir:
O segundo exemplo é ainda mais impactante. O Coronavírus (ou o Covid-19), um vírus de 
origem chinesa, espalhou-se por todo o mundo e gerou a maior pandemia da história da 
humanidade. Em Pandemias – o que é e como a globalização potencializa o problema, pu-
blicado no portal UOL, Ronaldo Decicino mostra como os processos globais impactaram na 
proliferação desse vírus. Para conhecer o texto, acesse o link a seguir:
Atualidade do tema
https://www.wwf.org.br/natureza_brasileira/reducao_de_impactos2/clima/mudancas_cli-
maticas2/
Acesso em: 20 abr. 2021.
https://educacao.uol.com.br/disciplinas/geografia/pandemias-o-que-e-e-como-a-globali-
zacao-potencializa-o-problema.htm
Acesso em: 20 abr. 2021.
Babel. Direção de Alejandro González Iñárritu. EUA; França; México: Paramount, 2006 (2h 23min.)
Um acidente envolvendo um casal estadunidense dentro de um ônibus no Marrocos desen-
cadeia sucessivos acontecimentos que transcendem a geografia do local, chegando ao Ja-
pão, ao México e mesmo aos EUA. O filme possibilita uma reflexão sobre como determinados 
acontecimentos e características sociais influenciam outros grupos ou classes. É possível 
olhar para o filme para além das narrativas dos personagens, como se eles representassem 
não apenas pessoas, e sim a sociedade na qual estão inseridos.
SUGESTÃO
https://www.wwf.org.br/natureza_brasileira/reducao_de_impactos2/clima/mudancas_climaticas2/
https://www.wwf.org.br/natureza_brasileira/reducao_de_impactos2/clima/mudancas_climaticas2/
https://educacao.uol.com.br/disciplinas/geografia/pandemias-o-que-e-e-como-a-globalizacao-potenciali
https://educacao.uol.com.br/disciplinas/geografia/pandemias-o-que-e-e-como-a-globalizacao-potenciali
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Chegamos ao final de mais um componente curricular. Durante nossas aulas, pudemos 
ver várias características do ser humano contemporâneo. Tais características não são 
como um catálogo no qual podemos escolher quais mais nos apetecem ou quais que-
remos vivenciar. Todas elas, de alguma maneira, permeiam nossa existência ou no mí-
nimo a sociedade em que vivemos e, por consequência, nossa vida. Perceber o quanto 
somos interligados aos outros nos leva a uma atitude de empatia.
4. A REDESCOBERTA DO HUMANO
Neste capítulo final, depois de percorrido longo caminho temático sobre o ser humano 
– para ele poder ser pensado na contemporaneidade –, serão apresentados alguns 
conceitos que marcam a vida em seu fazer cotidiano, deixando mais próximas ou mais 
distantes as diferentes dimensões humanas. De maneira especial, tais conceitos são o 
de ambivalência, o de cuidado, e o de temporalidade.
Cada um dos conceitos toca o modo como as relações são constituídas – entre os 
próprios seres humanos, com o mundo e consigo. Eleslevam à reflexão sobre a com-
plexidade da existência humana, que não pode ser entendida de modo unívoco. Cada 
pessoa é um mundo em si que, na relação com outros, vai se mostrando de modos 
diversos; há uma novidade que sempre aparece e precisa ser compreendida.
4.1 A AMBIVALÊNCIA HUMANA
A vivência humana, mais que complicada, é complexa. Significa que, a cada situa-
ção, é necessário que o ser humano avalie as condições para poder agir –ainda 
que os contextos sejam semelhantes, podem não dar origem ao mesmo resulta-
do. E cada contexto não é fechado em si mesmo, como um todo sólido; ele não é 
pronto, mas se dá de acordo com o conjunto de outros elementos e situações. Nes-
te sentido, e em decorrência disso, o ser humano é único e totalmente novo em 
casa caso (considerando-se, principalmente, que cada um vai se moldando e sendo 
moldado pela realidade na qual vive).
Cada pessoa, ao longo de sua história, vai se constituindo e se assumindo em uma 
individualidade, marcada por modos de perceber o mundo, gostos, valores e posturas 
que valerão para si; as áreas do conhecimento que, de maneira singular, tratam desta 
constituição, são as humanidades de maneira geral (filosofia, sociologia, história) e as 
ciências do psiquismo (psicologia, psicanálise).
O ser humano constitui-se, assim, no movimento da realidade – por tal movimento ele é 
afetado e responde, de diferentes maneiras, aos estímulos que seu mundo circundante 
traz. Retomando uma ideia de Sartre, é possível entender que cada pessoa vai se cons-
truindo a partir das escolhas que faz:
... o homem existe primeiro, se encontra, surge no mundo, e se define em 
seguida. [...] Ele apenas será alguma coisa posteriormente, e será aquilo 
que ele se tornar. [...] O homem é, não apenas como é concebido, mas 
como ele se quer, e como se concebe a partir da existência, como se 
quer a partir desse elã de existir, o homem nada é além do que ele se faz. 
(SARTRE, 2010, p. 19)
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Aquilo que o ser humano faz de si é fruto de um todo contextual, conforme indicado 
acima. Daí, classificar o ser humano como totalmente bom ou mau acaba sendo super-
ficial, não abarcando a complexidade citada. No fundo, falamos de um ser ambivalente 
em si mesmo (anjo e demônio), mas que pouco sabe lidar com a ambivalência que o 
constitui. Ele é livre para ser e decidir.
Todas as dimensões que, ao longo deste livro, foram apresentadas marcam a realida-
de humana: na vivência de cada uma delas vai se construindo um mundo – o mundo 
humano. Talvez, a principal característica humana seja a racionalidade, que permite 
a reflexão diante da realidade; por meio dela, cada pessoa constrói conceitos sobre o 
próprio existir. Ela permite o entendimento e a classificação de algo como sendo bom 
ou mal, e dá parâmetros a partir dos quais o mundo pode ser avaliado.
Receber
Interpretar
Avatar
AgirSer afetado
Receber o mundo, ser afetado por ele, interpretá-lo, avaliar e se motivar a agir é um 
processo que deveria ocorrer de modo refletido em todas as situações – mas não acon-
tece. Resgata-se, então, a humanidade das pessoas quando elas param e refletem 
sobre o que fazem; mas uma reflexão detida, que não segue o ritmo frenético que a vida 
contemporânea imprime no cotidiano.
Ao ser pensada a formação profissional, pensar este processo que leva ao agir é bas-
tante significativo. Toda ação é uma resposta (não direta) aos estímulos do mundo; 
por exemplo, a primeira ação de escolher uma profissão é resposta à percepção de 
necessidades e possibilidades de ser no âmbito coletivo. Mas, até que ponto cada pes-
soa pensa profundamente antes de escolher? M. Heidegger, filósofo contemporâneo 
afirma que “já desde séculos, o homem vem agindo demais e pensando de menos” 
(HEIDEGGER, 2001, p. 112).
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4.2 O CUIDADO DE SI
Sendo ambivalente e pensando breve e superficialmente (por conta do ritmo da vida 
contemporânea), pouco espaço sobra para a importante vivência do cuidado. Pensar o 
ser humano contemporâneo é refletir sobre esta vivência. O cuidado do mundo e o cui-
dado do outro são transpassados por uma noção bem íntima que se relaciona ao cuida-
do de si. Este “si mesmo” foi pensado de diferentes modos, ao longo da história: alma, 
essência, identidade etc.; todos tratam de um voltar-se para si a partir de um olhar que 
busca entendimento. Às vezes, tal entendimento leva à ação; às vezes, o entendimento 
é a própria ação. Sócrates, trazido por Platão, alerta para uma necessidade:
Em verdade, com este meu caminhar não faço outra coisa a não ser conven-
cer-vos, jovens e velhos, de que não deveis vos preocupar nem com o corpo, 
nem com as riquezas, nem com qualquer outra coisa antes e mais que com 
a alma, a fim de que ela se torne excelente e muito virtuosa, e de que das 
riquezas não se origina a virtude, mas da virtude se originam as riquezas e 
todas as outras coisas que são venturas para os homens, tanto para os cida-
dãos individualmente como para o Estado. (PLATÃO, 1999, p. 82)
Toda noção de cuidado vem de uma experiência do indivíduo nos ambientes nos quais, 
desde sempre, ele foi aprendendo a se relacionar com o mundo. A realidade objetiva 
pode ser uma só, mas existem tantos mundos quantos forem os seres humanos; daí, 
as diferentes experiências de cuidado. Neste livro, a noção de cuidar apareceu inúme-
ras vezes – algumas, implicitamente. O cuidado de si é pensado, em Sócrates, como 
cuidado da alma.
Neste ponto, também a vida profissional deve ser pensada como cuidado: toda vivência 
profissional é o cuidado com algo que toca a vida de outras muitas pessoas; mesmo 
indiretamente, ser profissional é cuidar da humanidade como um todo. Este cuidado 
vem do cuidado consigo. Platão traz esta noção socrática nos diálogos Alcibíades I e 
II. Alcibíades quer governar a cidade e Sócrates indica que, antes, ele deve aprender o 
cuidado de si. Refletindo sobre tais temas, Foucault indica:
Não se pode governar os outros, não se pode bem governar os outros, não 
se pode transformar os próprios privilégios em ação política sobre os outros, 
em ação racional, se não se está ocupado consigo mesmo. (...) [O] cuidado 
de si é antes uma atividade (...). (FOUCAULT, 2010, pp. 35-36)
Considerando-se a realidade grega antiga, a política era a destinação do cidadão, ca-
minho de realização e sua contribuição para a vida social; enquanto ocupações outras 
Lance um olhar sobre as unidades deste livro, que apresentou uma reflexão sobre diversos 
âmbitos da vivência humana, e busque responder:
O âmbito mais significativo para mim é _________________________.
O âmbito no qual preciso mais dedicação e aperfeiçoamento é _________________.
PARA REFLETIR
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ficavam para os não-cidadãos. Mas, ao se pensar a sociedade – já desde muito tempo 
–, as ocupações são as diversas profissões que estão à disposição das pessoas, como 
necessidades sociais que podem ser assumidas pelas ações e trabalho individuais. Em 
suma, o entendimento é o de que não se consegue bem atuar socialmente, cuidando 
daquilo que excede ao que é de si próprio, quando não há um cuidado de si. Trata-se 
de um outro elemento de resgate da dimensão humana.
O cuidado de si é uma atividade, algo a que se deve dedicar; significa que depende de 
uma decisão racional que apenas é possível quando já passou a fase de formação bási-
ca. Durante a formação profissional é que cada pessoa vai desenvolvendo o cuidado de 
si como um modo de estar no mundo e com ele se relacionar. Estruturas, livros e mestres 
são auxílio; mas é a pessoa em formação que molda o (a) profissional que deseja ser.
Qual atenção você dá para o cuidado de si e de que modo o faz?
Pensando-se a constituição de seu ser profissional, tente nomear quais ações você vai toman-
do para projetar e realizar o(a) profissional que você deseja ser? Como você vai construindo 
competências específicasentre aquilo que você é e o que pretende ser como profissional?
PARA REFLETIR
4.3 UMA EXISTÊNCIA TEMPORAL
O tempo é um dos grandes temas da filosofia; é um dos mais profundos problemas 
filosóficos, já que nada na existência pode ser pensado fora da noção de tempo. Na 
verdade, o tempo sempre delimita o existir, podendo ser pensado o início e o fim de 
algo. É no horizonte do tempo que o ser humano projeta sua vida.
Na contemporaneidade, a ideia de ‘fim’ é sempre postergada por meio de diferentes 
dispositivos; é algo como “poderei fazer no futuro”, sem trazer a clara consciência do 
fim, com a morte. Mas o tempo vai passando e, conforme passa, estranhamente rouba 
nosso próprio tempo. Viver a temporalidade é, de certo modo, fazer as pazes com o 
tempo, considerando nossa única possibilidade de existir.
A poetisa Viviane Mosé trata da temática do tempo como uma relação com o próprio Eros. 
É um paradoxo entendermos que, quanto mais tempo já temos, menos tempo temos.
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TEMPO
quem tem olhos pra ver o tempo soprando sulcos na pele
soprando sulcos na pele soprando sulcos?
o tempo andou riscando meu rosto
com uma navalha fina
sem raiva nem rancor
o tempo riscou meu rosto
com calma
(eu parei de lutar contra o tempo
ando exercendo instantes
acho que ganhei presença)
acho que a vida anda passando a mão em mim.
a vida anda passando a mão em mim.
acho que a vida anda passando.
a vida anda passando.
acho que a vida anda.
a vida anda em mim.
acho que há vida em mim.
a vida em mim anda passando.
acho que a vida anda passando a mão em mim
e por falar em sexo quem anda me comendo
é o tempo
na verdade faz tempo mas eu escondia
porque ele me pegava à força e por trás
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um dia resolvi encará-lo de frente e disse: tempo
se você tem que me comer
que seja com o meu consentimento
e me olhando nos olhos…
acho que ganhei o tempo
de lá pra cá ele tem sido bom comigo
dizem que ando até remoçando
(Disponível em: https://tempofestival.com.br/instantaneo/viviane-mose-e-os-desafios-do-tempo/, Acesso em: 04 jul. 2022.)
PARA OUVIR...
Ouça o que Viviane Mosé diz sobre o envelhecer, em seu canal do Youtube.
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=MyLII1HEjzM
Clique aqui e acesse o
VÍDEO
https://www.youtube.com/watch?v=MyLII1HEjzM
https://www.youtube.com/watch?v=MyLII1HEjzM
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O mundo profissional deve ser pensado a partir do que significa ser bom (boa) profis-
sional. Mas, como o tempo passa, tal pensamento deve ser preocupação desde o início 
da formação: a qualidade profissional não vem como em um passe de mágica, quando 
finda o período de formação universitária. Refletir cotidianamente leva a construir – tam-
bém cotidianamente – uma identidade profissional, não apenas enquanto fazer técnico, 
mas enquanto postura de quem assume um lugar social segundo a profissão escolhida.
O tempo acaba, e é necessário ser bom (boa) desde agora!
4.4 O SER PENSANTE E O UNIVERSO
Quem é o ser humano no Universo? Fora qualquer pretensão humana na construção 
do valor de si próprio, ao longo das temáticas tratadas neste livro, há um sentido que 
subjaz: entender que não há uma existência humana isolada de qualquer outro ser. Sig-
nifica entender que a existência do indivíduo se dá em milhares de inter-relações, que 
constituem a complexidade indicada desde o início deste capítulo.
Existimos, mas poderíamos não existir... Mas, por que é assim? Somos contingentes, 
e ter consciência deste fato dá condições de se repensar os caminhos de vida. A con-
tingência mostra que cada pessoa pode ser transformada a cada instante, já que ela 
nunca estará pronta, em um estágio final.
... a existência contingente significa uma existência desprovida de certe-
za – e uma certeza que está faltando neste desolado sítio nosso ou difícil 
de desencavar por baixo do entulho das verdades modernas é a certeza 
da solidariedade. O caminho que leva da tolerância à solidariedade, como 
qualquer outro, é um caminho indeterminado; é ele mesmo contingente. E 
assim também o outro caminho, que leva da tolerância à indiferença e isola-
mento; é igualmente contingente e, portanto, igualmente plausível. O esta-
do de tolerância é intrínseca e inevitavelmente ambivalente. Presta-se com 
igual facilidade – ou dificuldade – ao louvor comemorativo e à condenação 
zombeteira; pode tanto dar lugar à alegria quanto ao desespero. Viver em 
contingência significa viver sem uma garantia, apenas com uma certeza pro-
visória, pragmática [...], e isso inclui o efeito emancipatório da solidariedade. 
(BAUMAN, 1999, p. 250)
É interessante como o autor liga a ideia de contingência ao conceito de solidariedade. 
Ser solidário é diferente de ser tolerante. A certeza provisória é a única possível: existi-
mos a partir do que não temos certeza – surgimos; somos, mas nunca plenos e sempre 
a nos fazer; seremos em um futuro sem qualquer certeza – mas nos projetamos para 
algo. Resgatar a humanidade é resgatar a solidariedade, sem qualquer sentido fanta-
sioso ou romântico: trata-se de construir e realizar uma solidariedade real. É fazer a 
solidariedade ser presente – no presente, já que o futuro é apenas projeto. Somos seres 
capazes de tudo o que foi apresentado ao longo de todas as unidades deste livro. Por 
fim, somos capazes da solidariedade em uma redescoberta de nós mesmos, no que é 
singular em nosso existir.
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CONCLUSÃO
Este capítulo, que finaliza o livro de Estudo do Ser Humano Contemporâneo, percorreu 
um caminho de pensamento que objetivou identificar alguns elementos que marcam o 
ser humano e sua vida na contemporaneidade. Reconhecer as dimensões da ambiva-
lência, do cuidado e da temporalidade (que é a finitude) permitem o reconhecimento da 
singularidade da experiência humana. Resgatar a humanidade em você, profissional 
em formação, é fazer entender que cada pessoa tem um projeto de realização; cada 
uma partilha de uma mesma existência, que é finita e requer cuidado para ser bem vivi-
da. A ambivalência humana relativiza toda pretensão de estabelecimento de uma verda-
de única que deva ser seguida. Cada pessoa é um projeto em si mesma. E, por fim, todo 
projeto profissional que não desemboca em solidariedade não contribui socialmente.
Chegamos ao final que, por sua vez, deve abrir para um novo começo, a saber, 
um novo olhar sobre si que motiva a uma ação mais efetiva e que contribua com 
o mundo contemporâneo.
Retome as unidades deste livro e, a partir das problematizações feitas neste capítulo 14, 
complete o quadro abaixo, que deve servir para que você verifique 5 dimensões humanas 
que devem ser mais bem vivenciadas por você, pensando-se seu projeto profissional.
PONDO NO PAPEL
DIMENSÃO VIVÊNCIA
Ex.: COMUNICAÇÃO (Cap. 6)
Desenvolver diferentes habilidades de comunica-
ção; conhecer novas linguagens; buscar compreen-
der a fala do meu interlocutor.
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Estudo do Ser Humano Contemporâneo
	Saber, sentir e querer
	1. ESTUDO INTERDISCIPLINAR E O DESENVOLVIMENTO DE COMPETÊNCIAS
	2. SABER, SENTIR E QUERER: O ANIMAL RACIONAL
	3. SABER, SENTIR E QUERER: O COMPOSTO RAZÃO-EMOÇÃO
	4. SABER, SENTIR E QUERER: LIBERDADE E DECISÃO
	Criar, falar e conviver
	1. A CRIAÇÃO DO MUNDO HUMANO – TÉCNICA E TRABALHO
	2. O ANIMAL QUE SE COMUNICA
	3. A ORGANIZAÇÃO DO MUNDO HUMANO
	Jogar, perceber e expressar
	1. HOMO LUDENS: O SER HUMANO QUE JOGA E BRINCA
	2. A DIMENSÃO CULTURAL DO SER HUMANO
	3. SOMOS SERES ARTÍSTICOS!
	Transcender, integrar e desenvolver
	1. O SER HUMANO É UM SER RELIGIOSO
	2. SOMOS ECOLÓGICOS
	3. INTERLIGADOS
	4. A REDESCOBERTA DO HUMANO

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