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1 PRÁTICA PEDAGÓGICA INTERDISCIPLINAR: SOCIOLOGIA BRASILEIRA E MOVIMENTOS SOCIAIS Profª. DraAdriana F. S. de Oliveira Profª. Dra. Luciane Rocha F. Pielke 2 PRÁTICA PEGAGÓGICA INTERDISCIPLINAS: SOCIOLOGIA BRASILEIRA E MOVIMENTOS SOCIAIS PROF. DRA. LUCIANA ROCHA FERREIRA PIELKE 3 Diretor Geral: Prof. Esp. Valdir Henrique Valério Diretor Executivo: Prof. Dr. William José Ferreira Ger. do Núcleo de Educação a Distância: Profa Esp. Cristiane Lelis dos Santos Coord. Pedag. da Equipe Multidisciplinar: Profa. Esp. Gilvânia Barcelos Dias Teixeira Revisão Gramatical e Ortográfica: Profa. Esp. Izabel Cristina da Costa Profa. Esp. Imperatriz Matos Revisão técnica: Profa. Ph.D Fabiana Grecco Revisão/Diagramação/Estruturação: Bruna Luíza mendes Leite Maria Eliza P. Campos Prof. Esp. Guilherme Prado Design: Aline De Paiva Alves Bárbara Carla Amorim O. Silva Élen Cristina Teixeira Oliveira Taisser Gustavo Soares Duarte © 2021, Faculdade Única. Este livro ou parte dele não podem ser reproduzidos por qualquer meio sem Autoriza- ção escrita do Editor. Ficha catalográfica elaborada pela bibliotecária Melina Lacerda Vaz CRB – 6/2920. 4 PRÁTICA PEGAGÓGICA INTERDISCIPLINAS: SOCIOLOGIA BRASILEIRA E MOVIMENTOS SOCIAIS 1° edição Ipatinga, MG Faculdade Única 2021 5 ADRIANA F. S. DE OLIVEIRA Para saber mais sobre a autora desta obra e suas quali- ficações, acesse seu Curriculo Lattes pelo link : http://lattes.cnpq.br/7382280591808838 Ou aponte uma câmera para o QRCODE ao lado. Doutora em Educação pela UNESP - Rio Claro, com foco em inclusão social, tratados internacionais, políticas públicas e violência contra a mulher. Estágio doutoral em Psicolo- gia Social com bolsa PSDE - CAPES na "Uni- versidad Complutense de Madrid - Facultad de Ciencias Políticas y Sociología" com pes- quisas desenvolvidas em Madrid, Salamanca e cercanias quanto aos serviços públicos de atendimento à mulher vítima de violência de gênero com apoio da "Facultad de Derecho de la Universidad Complutense de Madrid". Tem experiência em trabalhar com a metodologia qualitativa. Mestra em Direitos Fundamentais Difusos e Coletivos pela UNIMEP de Piracica- ba, com foco em Direitos Humanos e Direito Internacional, com bolsa do programa PRO- SUP-CAPES 6 Graduada em Pedagogia pela Universi- dade Federal do Mato Grosso (PIBIC/CNPQ), Mestrado em Educação pela mesma Universi- dade (Bolsista CNPQ) e Doutorado em Educa- ção pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Bolsista CAPES-Taxas). Atuou como docente na Universidade do Estado do Mato Grosso (UNEMAT), Campus Sinop (2011-2012), nos Cur- sos de Pedagogia, Letras, Matemática e Ciên- cias Contábeis, nas áreas de Didática, Estágio Supervisionado na Educação Infantil e em Es- paços não-escolares, Filosofia da Educação, Estrutura e Funcionamento do Ensino (EFE) e Ética. LUCIANE ROCHA F. PIELKE Para saber mais sobre a autora desta obra e suas quali- ficações, acesse seu Curriculo Lattes pelo link : http://lattes.cnpq.br/7366615754915313 Ou aponte uma câmera para o QRCODE ao lado. 7 LEGENDA DE Ícones Trata-se dos conceitos, definições e informações importantes nas quais você precisa ficar atento. Com o intuito de facilitar o seu estudo e uma melhor compreensão do conteúdo aplicado ao longo do livro didático, você irá encontrar ícones ao lado dos textos. Eles são para chamar a sua atenção para determinado trecho do conteúdo, cada um com uma função específica, mostradas a seguir: São opções de links de vídeos, artigos, sites ou livros da biblioteca virtual, relacionados ao conteúdo apresentado no livro. Espaço para reflexão sobre questões citadas em cada unidade, associando-os a suas ações. Atividades de multipla escolha para ajudar na fixação dos conteúdos abordados no livro. Apresentação dos significados de um determinado termo ou palavras mostradas no decorrer do livro. FIQUE ATENTO BUSQUE POR MAIS VAMOS PENSAR? FIXANDO O CONTEÚDO GLOSSÁRIO 8 UNIDADE 1 UNIDADE 2 UNIDADE 3 UNIDADE 4 SUMÁRIO 1.1 Ciências: Ciências sociais e ciências humanas ..........................................................................................................................................................................................................13 1.2 Considerações no contexto mundial ...............................................................................................................................................................................................................................14 1.3 Considerações no contexto nacional ...............................................................................................................................................................................................................................16 FIXANDO O CONTEÚDO .................................................................................................................................................................................................................................................................17 2.1 Diferença entre as ciências sociais e a sociologia ..................................................................................................................................................................................................21 2.2 Surgimento da sociologia no mundo ...........................................................................................................................................................................................................................24 2.3 Os sociólogos no mundo .......................................................................................................................................................................................................................................................24 2.4 O surgimento da sociologia no Brasil ...........................................................................................................................................................................................................................25 FIXANDO O CONTEÚDO ................................................................................................................................................................................................................................................................26 3.1 Introdução .........................................................................................................................................................................................................................................................................................31 3.2 Período pré-sociológico: Antes de 1930. ......................................................................................................................................................................................................................32 3.3 A sociedade depois da década de 1930 .......................................................................................................................................................................................................................33 3.4 Escola Paulista de sociologia ............................................................................................................................................................................................................................................35 FIXANDO O CONTEÚDO ................................................................................................................................................................................................................................................................37CONSIDERAÇÕES SOBRE CIÊNCIAS SOCIAIS SOCIOLOGIA NO BRASIL SOCIOLOGIA BRASILEIRA: DÉCADA DE 1930 E ESCOLA PAULISTA DE SOCIOLOGIA 4.1 A teoria social clássica ..............................................................................................................................................................................................................................................................43 4.2 Émile Durkheim ..........................................................................................................................................................................................................................................................................43 4.3 Max Weber ......................................................................................................................................................................................................................................................................................45 4.4 Karl Marx ...........................................................................................................................................................................................................................................................................................47 FIXANDO O CONTEÚDO ................................................................................................................................................................................................................................................................50 A SOCIOLOGIA CLÁSSICA 5.1 Matriz Europeia ............................................................................................................................................................................................................................................................................53 5.1.1 Émile Durkheim e a matriz da diferenciação social .................................................................................................................................................................................53 5.1.2 Max Weber e a matriz da racionalidade ............................................................................................................................................................................................................55 5.1.3 Karl Max e a matriz da estrutura social ...............................................................................................................................................................................................................57 5.2 Matriz Americana ........................................................................................................................................................................................................................................................................58 FIXANDO O CONTEÚDO .................................................................................................................................................................................................................................................................61 SOCIOLOGIA DE MATRIZ EUROPEIA E DE MATRIZ AMERICANA 6.1 A globalização .................................................................................................................................................................................................................................................................................111 6.2 A sociologia e a violência no Brasil .................................................................................................................................................................................................................................116 6.3 A desigualdade social .............................................................................................................................................................................................................................................................121 6.4 O preconceito ...............................................................................................................................................................................................................................................................................121 FIXANDO O CONTEÚDO ..............................................................................................................................................................................................................................................................126 RESPOSTAS DO FIXANDO O CONTEÚDO .....................................................................................................................................................................................................................130 REFERÊNCIAS ......................................................................................................................................................................................................................................................................................131 REFLEXÕES SOBRE A SOCIOLOGIA BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA UNIDADE 5 UNIDADE 6 9 UNIDADE 7 UNIDADE 8 UNIDADE 9 UNIDADE 10 7.1 A Escola de Chicago e os interacionistas .....................................................................................................................................................................................................................77 7.2 Sociedade de massas ...............................................................................................................................................................................................................................................................80 7.3 Abordagem sociopolítica .......................................................................................................................................................................................................................................................82 FIXANDO O CONTEÚDO ................................................................................................................................................................................................................................................................85 8.1 O comportamento coletivo a partir do funcionalismo ......................................................................................................................................................................................89 8.1.1 A influência de Parsons ...................................................................................................................................................................................................................................................89 8.1.1 A influência de Turner e Killan ....................................................................................................................................................................................................................................91 8.1.3 A influência de Smelse ....................................................................................................................................................................................................................................................93 8.2 Abordagem organizacional: comportamentalista ..............................................................................................................................................................................................95 FIXANDO O CONTEÚDO ................................................................................................................................................................................................................................................................999.1 Abordagem Marxista ...............................................................................................................................................................................................................................................................104 9.2 Leitura historiográfica .............................................................................................................................................................................................................................................................112 9.3 Movimento social como categoria analítica ............................................................................................................................................................................................................117 FIXANDO O CONTEÚDO ...............................................................................................................................................................................................................................................................123 MOVIENTOS SOCIAIS: AS TE0RIAS CLÁSSICAS PARTE 1 MOVIMENTOS SOCIAIS: AS TEORIAS CLÁSSICAS PARTE 2 CONCEITOS E PERSPECTIVAS NAS CIÊNCIAS SOCIAIS 10.1 Os novos movimentos sociais ..........................................................................................................................................................................................................................................129 10.2 Relação dos movimentos sociais e a educação ..................................................................................................................................................................................................133 10.3 Movimentos sociais conectados ..................................................................................................................................................................................................................................140 FIXANDO O CONTEÚDO ..............................................................................................................................................................................................................................................................149 MOVIMENTOS SOCIAIS EM INTERFACE COM OUTROS MOVIMENTOS 11.1 Aproximações ontológicas e epstomológicas .....................................................................................................................................................................................................154 11.2 Crises e rupturas: avanços e retrocessos ..................................................................................................................................................................................................................158 11.3 A relação com a política pública ..................................................................................... ..............................................................................................................................................163 FIXANDO O CONTEÚDO ..............................................................................................................................................................................................................................................................171 MOVIMENTOS SOCIAIS E MOVIMENTOS POPULARES 12.1 Abordagem (des)colonial ....................................................................................................................................................................................................................................................178 12.2 Abordagem do Bien Vivir....................................................................................................................................................................................................................................................183 12.3 Abordagemm da educação popular .........................................................................................................................................................................................................................188 FIXANDO O CONTEÚDO .............................................................................................................................................................................................................................................................193 RESPOSTAS DO FIXANDO O CONTEÚDO .....................................................................................................................................................................................................................197 REFERÊNCIAS .....................................................................................................................................................................................................................................................................................199 MOVIMENTOS SOCIAIS NA AMÉRICA LATINA UNIDADE 11 UNIDADE 12 10 O N FI R A N O L I C V R O UNIDADE 1 Na primeira unidade iremos entender quais são os principais aspectos e contribuições fornecidas pelas Ciências Sociais, destacando ainda a relevância desse campo, enfatizando a sua presença tanto no contexto mundial, como no nacional. UNIDADE 2 Durante essa unidade poderemos aprender como a sociologia se relaciona com as ciências sociais, bem como distinguir esses dois campos. Além disso, passaremos a adentrar nos aspectos mais específicos da sociologia, levando em consideração os elementos responsáveis pelo seu surgimento mundial e como isso trouxe reflexos para o contexto nacional, também estudaremos os pontos de vistas de grandes sociólogos mundiais. UNIDADE 3 O nosso foco durante essa unidade será mais direcionado para as implicações que a sociologia trouxe para a realidade brasileira, por isso iremos estudar os momentos anteriores e posteriores a década de 1930, considerando a importância e as modificações trazidas pelos momentos relativos a esse período histórico. Além disso, também iremos compreender melhor as afirmações dos principais sociólogos nacionais e o surgimento da Escola Paulista de Sociologia. UNIDADE 4 Na quarta unidade, será feita uma análise dos principais pontos de estudos dos sociólogos classicistas, sendo eles Émile Durkheim, Max Weber e Karl Marx. Analisando os seus pensamentos e as suas contribuições. UNIDADE 5 Na quinta unidade, “Matriz europeia e americana”, será abordado as principais considerações que servem como embasamento para o estudo da Sociologia até os dias de hoje, conceitos importantes que são tidos como referência. A exemplo da racionalização de Weber, da matriz da diferenciação social de Durkheim e a estrutura social de Marx. Sendo também analisado a importância dos estudos da Escola de Chicago. UNIDADE 6 Na sexta unidade, após realizarmos os estudos sobre a sociologia e como ela se desenvolveu no Brasil, analisando inclusive as contribuições dos sociólogos clássicos. Será retratada as reflexões sobre a sociologia contemporânea no Brasil, estudando sobre a globalização, a violência e a discriminação. 11 O N FI R A N O L I C V R O UNIDADE 7 A unidade I apresenta algumas características fundantes sobre o conceito de Movimentos Sociais a partir de da abordagem clássica. Esse estudo acontece em dois momentos. Aqui aprendemos sobre os interacionistas da Escola de Chicago e sobre as abordagens da Sociedade de massa e a Sociopolítica. UNIDADE 8 A Unidade II dará continuidade a secção anterior, nesse momento apresentamos elementos teóricos em torno das abordagens clássicas do funcionalismoe a organizacional-comportamentalista. Essas correntes de pensamento sobre os Movimentos Sociais são chaves para compreender sentidos e significados atribuídos historicamente ao fenômeno em estudo. UNIDADE 9 A Unidade III articula perspectivas distintas sobre o estudo dos conceitos e práticas dos Movimentos Sociais a partir das principais contribuições de paradigmas críticos conhecidos como revolucionários da temática – Marxismo, Historiografia – Olhares plurais que alargam as possibilidades analíticas do tema. UNIDADE 10 A unidade IV apresenta as articulações políticas produzidas ao longo da história dos Movimentos Sociais, estabelecida entre si, com grupos diversos e a sociedade. Movimento que os desafiaram a se transformar de modo a ampliar suas bases de atuação diante das demandas sociais cada vez mais complexas e emergentes. UNIDADE 11 A unidade V traz uma análise da interface entre dois Movimentos – social e popular – que embora possuam convergências teórico-metodológicas suas bases ontológicas e de projeto social são distintas. A relação com a política pública entre ambos públicos é outro aspecto fundamental trabalhado nessa unidade. UNIDADE 12 A unidade VI nessa unidade compartilhamos algumas abordagens epistemológicas que foram coproduzidas com base nas experiências de alguns movimentos sociais. Uma leitura desde a América Latina que fornece uma chave teórica com raízes nas lutas de grupos engajados com a transformação social. 12 CONSIDERAÇÕES SOBRE CIÊNCIAS SOCIAIS 13 1.1 CIÊNCIAS: CIÊNCIAS SOCIAIS E CIÊNCIAS HUMANAS Inúmeras discussões são vistas na atualidade acerca do papel do homem na sociedade e os impactos que as ações dos mesmos apresentam para as relações sociais, além disso a própria sociedade e as relações relativas a mesma são fontes de estudo, sendo que os resultados dessas pesquisas servem para resolver não os questionamentos a nível teórico, mas também os problemas práticos que surgem cotidianamente no meio social. Assim, da necessidade em estudar e conhecer os temas de maneira mais aprofundada, por meio da efetuação de observações, identificações, pesquisas e explicações de fenômenos e fatos nasce a ciência, responsável por formular explicações metódicos e racionais acerca do seu objeto de estudo que pode ser o mais variado possível. Figura 1: Tipos de Ciência Fonte: MT de fato (2019) A ciência é dividida em áreas em razão da quantidade de assuntos que são de interesse humano e que necessitam de compreensão, dessa forma a divisão das áreas de atuação da ciência é efetuada em acordo com a natureza do conhecimento que ser irá estudar, dessa forma se divide em: 1) ciências biológicas; 2) ciências contábeis; 3) ciências exatas; 4) ciências da natureza; 5) ciências sociais aplicadas; 6) ciências humanas e 7) linguística, letras e artes. Dessa forma, os contextos científicos em suas respectivas áreas dão enfoque mais aos seus interesses e aos seus campos de atuação, porém muitas vezes uma acaba criticando a outra, pois todas possuem suas falhas e limitações, por isso a interdisciplinaridade é uma prática que merece ser enfatizada e estimulada, sendo a atuação em conjunto das ciências enaltecida. Mesmo que alguns desses campos científicos aparentem e tenham de fato pontos de convergência não podem ser confundidos, pois possuem suas próprias áreas de interesse e atuação. É muito comum a utilização e o relacionamento entre as áreas das ciências humanas e das ciências naturais, apesar disso ambas não podem ser entendidas como sinônimos. Mesmo que a ciências humanas e sociais aplicadas não possam ser enquadra- das como sinônimos, as duas possuem relação com os seres humanos e rela- ções por ela estabelecidas, sendo muitas vezes estudas em conjunto, desta feita recomenda-se a leitura do material denominado como “Humanidades, Ciências Sociais e Cidadania” que foi organizado por Márcia de Lima Elias Terra, sendo esse responsável por analisar e discutir acerca dos mecanismos de organização social, levando em conta as suas consequências e transformações decorrentes do processo produtivo moderno e das conexões culturais por esses firmadas. LINK: https://bit.ly/3sdxgX0 BUSQUE POR MAIS 14 As ciências humanas direcionam o seu foco para o ser humano, dando ênfase as ligações estabelecidas entre esses seres, bem como a trajetória história, religiosa e cultural relativas aos mesmos, por isso a arqueologia, as ciências políticas, a psicologia, a geografia, a história e a teologia, por exemplo, são consideradas como pertencentes a essa área. Na medida em que as ciências sociais aplicadas possuem como objeto de estudo os interesses e as necessidades dos seres humanos, sendo que esses serão enxergados como parte de um todo, ou seja, como integrantes da sociedade, por isso são levados em consideração tanto os impactos que tais seres podem promover ao meio social, como o efeito que a sociedade e as suas decorrências podem resultar na vida privada e individual das pessoas que a integram, dessa forma algumas das áreas relativas as ciências sociais são direito, administração, economia, arquitetura e urbanismo, serviço social, comunicação, gastronomia, entre outras. 1.2 CONSIDERAÇÕES NO CONTEXTO MUNDIAL Muitas diferenças podem ser apontadas entre as ciências da natureza e as ciências sociais, sendo que essas se distinguem não apenas pelos objetos de interesse diferentes que ambas possuem, tendo em vista que as ciências naturais se relacionam a assuntos mais concretos e objetivos, ligados ao raciocínio lógico, enquanto que as ciências sociais, por se relacionarem aos seres humanos e a vida em sociedade, são dotados de uma maior grau de abstração e subjetividade. As próprias características e peculiaridades das ciências sociais foram criticadas inúmeras vezes ao longo da história, tendo existido, inclusive, um momento em que o objeto de estudo dessa área não pode ser considerado como digno de conhecimento cientifico, pois muitos estudiosos pertencentes as ciências da natureza, campo que já estava consolidado, quando as ciências sociais surgiram, estabeleceram crítica quanto a pobreza teórica, a ausência de rigor analítico, a preocupação com questões imediatistas e problemas relacionados a falta de impessoalidade nas pesquisas dessa área, segundo Schwartzman (1990). Grandes nomes do saber foram responsáveis por acrescentar importantes contribuições ao campo das ciências sociais, dentre esses Emile Durkheim, que em sua obra, “as regras do método sociológico”, conceituou os fatos sociais como aqueles que são externos aos in- divíduos e dotados de poder imperativo e coercitivo, sendo esses impostos as pessoas, in- dependentemente, da vontade das mesmas. Todavia, as mudanças e as evoluções socias modificaram um pouco a visão dos fatos sociais, que segundo o ponto de vista de Chomsky e Morin passaram a ser comercializados, assim os fatos sociais muitas vezes são alheios a realidade e precisam ser observados com mais atenção, levando em consideração os as- pectos decorrentes do atual contexto social e cultural. FIQUE ATENTO Apesar disso, as ciências sociais enfrentaram vários obstáculos, críticas e preconceitos, sendo dotadas do título de ciência, não podendo esse fato ser diferente, pois mesmo que os temas abordados pelas ciências sociais sejam complexos, difíceis e muitas vezes imprecisos, entende-se que esses são aspectos naturais e até esperados desse campo científico, já que são aspectos que se ligam diretamente a natureza humana e ao que se espera do funcionamento da sociedade, ambiente que está em constante transformação e evolução, por isso as ciências sociais precisam ser moldáveis e flexíveis a essa realidade, porém tais fatores não retiram a 15 das ciências sociais. Nesse sentido, os métodos aplicados ao campo das ciências naturais e das ciências humanas possui suas particularidades, pois cada um precisa se adaptar aos seus próprios objetivos e interesses, isso não quer dizer que o métodoquanti é exclusivo as pesquisas da ciência da natureza ou que o método qualitativo é adequado apenas as ciências sociais, mas sim que ambos poderão ser adotados pelos diversos campos das ciências, desde que as devidas observações sejam feitas quanto a sua aplicação e finalidade. Levando em consideração as especificações e as particularidades que devem ser observadas ao se realizar uma pesquisa no campo das ciências sociais, re- comenda-se a leitura do livro denominado como “Métodos Estatísticos para as Ciências Sociais” escrito por Alan Agresti e Barbara Finlay. LINK: https://bit.ly/3hOOSDM BUSQUE POR MAIS Ainda assim, as ciências sociais ainda são alvo de muitas críticas e insatisfações: É provável que a insatisfação seja maior hoje do que em outros tempos, e mais intensa no Brasil do que na Europa ou nos Estados Unidos. Mas é óbvio que não se trata de um fenômeno novo, nem exclusivamente nacional. A ciências sociais sempre viveram em um estado mais ou menos permanente de “crise”, e discussões intermináveis sobre métodos, abordagens e discursos, combi- nadas com exegeses igualmente intermináveis sobre fundadores, costumam ser tomadas como indicadores do pouco amadurecimento e consolidação do campo (SCHWARTZMAN, 1990, p. 01). Mesmo no período em que as observações sobre os homens e as suas relações sociais não consideradas como um saber científico, já eram realizados discussões e comentários sobre a presença e a relevância dessa inserção no meio social. Assim, o surgimento das ciências sociais foi a formalização daquilo que já existia, bem como momento responsável por propor o seu aperfeiçoamento e ampliação. O tempo e a intensificação das relações sociais, assim como os impactos gerados pela revolução industrial, as duas grandes guerras, a guerra fria, a globalização, os avanços tecnológicos e outros momentos históricos relevantes, afetaram a sociedade. Fi g u ra 2 : I n te n si fi ca çã o e m od er n iz aç ão d as re la çõ es s oc ia is Fo n te : M T d e fa to (2 0 19 ) 16 Desta feita, desde o século XX, verifica-se que as necessidades resultantes de um mundo capitalista indicaram a necessidade de reforma e redefinição das áreas do conhecimento, assim o campo das humanidades e das ciências sociais passaram a ter um maior destaque, em contrapartida, também houve o desenvolvimento das ciências exatas e das subáreas pertencentes a esse campo do saber. Assim, Reyes (2019) afirma que: O objetivo das ciências humanas não é orientado na busca de leis universais, como é o caso da ciência natural, o que não a impede de poder interagir e estabelecer relações como essa, enquanto se move muito estreitamente com as ciências Sociais na reflexão do sujeito, sociedade, espaço e tempo em que a ação social ocorre. Por isso, no mundo todo as ciências sociais demonstram uma preocupação com a promoção e a transmissão da inteligência humana, pois os estudos presentes nesse campo fazem menção aos homens, as suas capacidades e suas ações, sejam essas resultantes de positividades e negatividades, sendo criticadas ou elogiadas. Assim, as ciências sociais e as humanidades representam o significado da vida, em conformidade com Reyes (2019). 1.3 CONSIDERAÇÕES NO CONTEXTO NACIONAL Definir o percurso histórico traçado pelas ciências sociais no Brasil não é uma tarefa fácil, porém esse é um assunto que já vem sendo discutido a algum tempo, por isso estudiosos como Almir Andrade, tentam sistematizar a sociologia brasileira, porém mesmo que avanços já tenham sido dados no caminho dessa descoberta, ainda não se chegou a uma conclusão concreta sobre o caso, porém estima-se que as ciências sociais estão presentes no Brasil desde o início, ou seja, desde que o país ainda era colônia de Portugal. As ciências sociais são de suma importância, pois é a partir dos estudos realizados nesse campo que podemos compreender as consequências das ações humanas para a socie- dade e os impactos que as relações sociais podem exercer para os indivíduos. O Governo Bolsonaro, por meio de suas atitudes, demonstra que não acredita na imprescindibilidade das ciências sociais para a educação, por isso entre uma das suas intenções encontra-se o planejamento de diminuir os investimentos relativos aos cursos de filosofia e sociologia, por não serem “tão rentáveis” como os pertencentes ao campo das ciências biológicas. Diante disso, e sob um ponto de vista crítico, reflita acerca de sua opinião sobre a medida do gover- no, bem como nas consequências que poderiam decorrer a educação em um país em que as ciências sociais não são valorizadas e entendidas como fundamentais. VAMOS PENSAR? Segundo Segatto e Bariani (2010) alguns dos principais estudiosos pertencentes ao campo das ciências sociais no Brasil são Florestan Fernandes, Oracy Nogueira, Guerreiro Ramos, sendo esses apenas alguns dos representantes, tendo em vista que o campo das ciências sociais no território brasileiro é vasto. As ciências sociais são dotadas de várias subáreas, contudo durante o desenvolvimento do presente livro didático e no andamento das próximas unidades as discussões serão voltadas de forma mais específica para o campo da sociologia, tendo em vista que esse é o assunto a ser abordado com mais profundidade por esse material didático. 17 1. (NUCEPE - 2015) A obra que estabelece a base para a sociologia como ciência, escrita por Émile Durkheim, fundador da escola francesa e um dos pais da Sociologia, é intitulada de: a) O capital (1867). b) Economia e Sociedade (1922). c) As regras do método sociológico (1895). d) Formas elementares da vida religiosa (1912). e) A ética protestante e o espírito do capitalismo (1920). 2. (NUCEPE - 2015) A respeito da metodologia utilizada nas Ciências Sociais, a proposta de Durkheim para o estudo dos fenômenos sociais é que, para analisá-los, é preciso tratá-los como se fossem a) ideias. b) coisas. c) pensamentos. d) sentimentos. e) conflitos sociais. 3. (NUCEPE - 2015) De acordo com Émile Durkheim (1987), em sua obra intitulada As regras do método sociológico, os fatos sociais consistem em formas de agir, pensar e sentir exteriores ao indivíduo, que têm poder de coerção que lhes impõe. Tais fatos não podem se confundir com fenômenos orgânicos e nem com fenômenos psíquicos, devem ser qualificados de sociais. Na definição de Durkheim para fatos sociais, o autor busca a) definir o status da sociologia através de similaridades com a psicologia. b) alternativas para a natureza coercitiva dos fatos sociais. c) definir o status da psicologia através de similaridades com a sociologia. d) definir, estabelecer, singularizar o objeto da sociologia. e) defender a visão integral do homem como ser bio-psico-social e fundar a ciência em base interdisciplinar. 4. (NUCEPE - 2015) Uma forma de organização da sociedade, estrutura social unificada e relativamente permanente, que estabelece padrões de comportamentos através de normas e valores específicos, com finalidades próprias, é chamada de a) mudança social. b) ação afirmativa. c) ação social. d) instituição social. e) cultura de massa. FIXANDO O CONTEÚDO 18 5. (IF-PA - 2015) Em “O que faz do brasil, Brasil?”, o antropólogo Roberto Damatta estabelece uma distinção radical entre um “brasil” - com b minúsculo - que sob influência dos teóricos do século XIX era visto como um conjunto doentio e condenado de raças que, misturando-se ao sabor de uma natureza exuberante e de um clima tropical, estariam fadadas à degeneração e à morte biológica, psicológica e social, e um Brasil - com b maiúsculo - que designa um povo, uma nação, um conjunto de valores, escolhas e ideais de vida. A partir dessa interpretação podemos afirmar que: a) o que torna o Brasil compreensível é uma lógica comum que perpassa a sociedade, a lógica relacional, que se manifesta como negociação e subordinação às normas legais. b) a especificidade da cultura brasileira não está na separação entre as diversas esperas davida, mas sim em sua subordinação à ideologia individualista. c) o brasileiro desenvolve um tipo de preconceito muito mais contextualizado e sofisticado que o norte-americano, pois enquanto lá o mesmo se manifesta de forma velada e indireta com base na origem, aqui ele se caracteriza por tratar a cor como expediente para a discriminação. d) o brasileiro exige, a um só tempo, que se lhe dispense o tratamento de indivíduo e o de pessoa. O de indivíduo, dentro da melhor tradição democrática, que confere a todos os homens direitos que são fundamentais, e o de pessoa, na melhor tradição aristocrática, que confere aos homens direitos desiguais conforme seu nascimento ou relações sociais. e) a sociedade brasileira se pensa pelas noções de divisão e conflito. Assim, para compreender a cultura de nossa sociedade, é preciso compreender que a estrutura competitiva entre as classes é indispensável em sua organização. 6. (UFV - 2017) Leia a afirmativa a seguir: Os conceitos das ciências sociais são conceitos abstratos, pouco precisos e difíceis de serem manipulados. Além disso, não têm a tradição e não possuem o grau de precisão já alcançado pelas ciências naturais. Noções como as de nação, sindicato, classe social, partidos políticos, democracia são de difícil compreensão por sua complexidade. Já os conceitos de ciências da natureza, geralmente, são claros, precisos e, em muitos casos, simples. Essa afirmativa é: a) Verdadeira, pois o grau de complexidade das ciências sociais é o mesmo que das ciências naturais. b) Verdadeira, pois há uma grande diferença no grau de complexidade e no nível de dificuldade entre as ciências sociais e as ciências naturais. c) Falsa, pois o grau de complexidade das ciências naturais é mais elevado que o das ciências sociais. d) Falsa, pois as ciências sociais têm tanta tradição e precisão quanto as ciências naturais. e) Neutra, pois as ciências sociais e as ciências da natureza possuem objetos de estudo semelhantes. 7. (FGV - 2016). “O trabalho e a produção, a organização e o convívio sociais, a construção do “eu” e do “outro” são temas clássicos e permanentes das Ciências Humanas e da Filosofia. Constituem objetos de conhecimentos de caráter histórico, geográfico, econômico, político, jurídico, sociológico, antropológico, psicológico e, sobretudo, filosófico. Já 19 apontam, por sua própria natureza, uma organização interdisciplinar. Agrupados e reagrupados, a critério da escola, em disciplinas específicas ou em projetos, programas e atividades que superem a fragmentação disciplinar, tais temas e objetos, ao invés de uma lista infindável de conteúdo a serem transmitidos e memorizados, constituem a razão de ser do estudo das Ciências Humanas no Ensino Médio.” (MINISTÉRIO DA EDUCAÇAO. PCNEM. Brasília: Semted MEC, 1999, p. 9). Os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (PCNEM) introduziram o ensino da Sociologia na área de Ciências Humanas e suas Tecnologias e propuseram a organização de seus conteúdos e práticas pedagógicas a partir de competências e habilidades. Com relação aos PCNEM, assinale V para a afirmativa verdadeira e F para a falsa. ( ) A interdisciplinaridade ocupa uma função inovadora e de destaque, pois é o meio indicado para promover o diálogo entre as disciplinas listadas na área de Ciências Humanas e suas Tecnologias. ( ) A opção pelo princípio das “competências e habilidades” indica o objetivo de superar um modelo de ensino conteudístico, a favor de um modelo de ensino orientado para o “aprender a fazer e a conhecer”. ( ) Os temas clássicos indicados permitem introduzir os alunos nas principais questões e abordagens enfocadas pela História, pela Sociologia e pela Antropologia, entre outras disciplinas. As afirmativas são, respectivamente: a) F, V e F. b) F, V e V. c) V, F e F. d) V, F e V. e) V, V e V. 8. (FCC - 2018) Durkheim disse que : “[...] primeira regra e a mais fundamental é considerar os fatos sociais como coisas.” Esse procedimento primordial do método sociológico desenvolvido por Émile Durkheim consiste em: a) identificar os fatos sociais mais volúveis e que variam conforme os anseios individuais para, assim, definir sua explicação objetiva. b) apreender os acontecimentos da sociedade a partir da consciência individual do pesquisador. c) afastar a sociologia do padrão científico encontrado nas ciências naturais. d) estudar os fenômenos sociais como algo exterior aos indivíduos conscientes que os concebem, por meio de observações e experimentações. e) analisar cientificamente a sociedade a partir das representações do senso comum. 20 SOCIOLOGIA NO BRASIL 21 2.1 DIFERENÇA ENTRE AS CIÊNCIAS SOCIAIS E A SOCIOLOGIA Na unidade anterior foram ensinados os preceitos básicos relativos as ciências sociais, tendo sido estabelecida uma relação entre esse campo do saber e a sociologia, contudo a presença dessa relação não implica dizer que essas duas áreas são iguais ou que podem ser entendidas como sinônimos, pelo contrário, a ciência social é um campo mais amplo e que diante disso engloba vários subcampos, entre esses a sociologia. Nesse sentido, tanto a ciência social, quanto a sociologia se referem e se dedicam ao estudo dos seres humanos, tendo em vista a posição e a função que exercem perante a sociedade, assim, a sociologia sendo um subcampo das ciências sociais tem como intuito entender e destinar a sua atenção para o comportamento humanos e para as suas características estruturais sociais. A sociologia, por sua vez, se preocupa em estudar os comportamentos humanos e a sua estruturação social nos vários ciclos e setores que os seres humanos e as relações por esses firmadas podem ser estabelecidas, dessa forma essa área das ciências sociais irão compreender aspectos como família, gênero, classe social, organizações sociais e mudanças sociais, dentre outras. Segundo Gidens (2012, p. 19): A sociologia é o estudo cientifico da vida humana, de grupos sociais, de so- ciedades inteiras e do mundo humano. É uma atividade fascinante e ins- tigante, pois seu tema de estudo é o nosso próprio comportamento como seres sociais. O âmbito da sociologia é extremamente amplo, variando da análise de encontros passageiros entre indivíduos nas ruas à investigação de relações internacionais e formas globais de território. A sociologia é um campo autônomo, mas isso não quer dizer que recomenda- se que os estudos relativos a essa área do saber sejam empregados de forma isolada, sendo essa, justamente, a noção oposto do que se deseja, pois a sociologia como uma área destinada a compreensão dos comportamentos humanos para que atinja as suas finalidades deve considerar também os pontos de vistas, os estudos, as pesquisas e os resultados obtidos por outras áreas do saber, principalmente, aquelas que também demonstram preocupação e interesse sobre o homem e as suas relações, por isso as teorias sociológicas podem ser aplicadas a política, a história, a antropologia, ao direito, a psicologia, a medicina e assim por diante. 2.2 SURGIMENTO DA SOCIOLOGIA NO MUNDO Grande parte das contribuições presentes na atualidade acerca do comportamento humano foram descobertas a partir dos estudiosos e dos grandes nomes da sociologia, assim até mesmo as pessoas que não fazem parte dessa área ou que não possuem tanto interesse ao âmbito da sociologia conhecem os seus nomes e até mesmo os principais ensinamentos descobertos e compartilhados por esses estudiosos, dentre esses podemos citar, por exemplo: Auguste Comte, Herbert Spencer, Karl Marx e Emile Durkheim, sendo esses os mais famosos e os pioneiros da sociologia. 22 Levando em consideração a amplitude de sociólogos que apresentam os seus pontos de vista acerca da sociedade e do comportamento dos seres humanos perante a vida social e entendendo a importância da diversidade desses sabe- res, com o intuito de ampliar os seus conhecimentos sobre o tema faça a leitura do livro Textos Básicos da Sociologia: de Karl Marx a ZygmuntBauman escrito por Castro (2014). LINK: https://bit.ly/2H8evBD BUSQUE POR MAIS Segundo Porfírio (2020), a sociologia surgiu por volta do século XIX, sendo Auguste Comte o seu precursor, assim dentre as observações feitas pelo estudioso, chegou-se à conclusão de que a sociedade presente na Europa havia sido modificada e transformada a partir dos eventos promovidos pelo renascimento e pela Revolução Industrial. Dessa forma, a sociologia só surgiu, ou foi descoberta, apenas por meio dos acontecimentos que proporcionaram uma desestabilização social e uma alteração impactante no modo através do qual a sociedade funcionava, ou seja, aquilo que até então era considerado normal e corriqueiro foi alterado dando início a uma “nova normalidade”, tendo como exemplo a nova configuração urbana e política presente no âmbito da sociedade em pauta, tornando a sua realidade ainda mais complexa, sendo, por isso, necessária fontes de explicações teóricas e rigorosas. Além disso, a Revolução Francesa também foi responsável por promover impactos a maneira com que a sociedade funcionava até o presente momento, causando ainda mais instabilidade e um cenário cada vez mais caótico ao âmbito social, tendo em vista os impactos gerados aos setores econômicos, moral, científico e político em todo o mundo. Desta feita, Comte foi o estudioso responsável por dar o ponta pé inicial a sociologia, mas não foi a partir dos ensinamentos que essa área passou a ter um caráter científico, sendo essa conquista adquirida por meio das intervenções e investigações realizadas por Émile Durkheim, que passou a ser considerado o primeiro sociólogo a nível mundial, na medida em que Comte é tido como o “pai” da sociologia (PORFÍRIO, 2020). O renascimento é o momento histórico em que os preceitos presentes na Idade Média passam a ser substituídos pela realidade presente na Idade Moderna, sendo assim a ciência e as artes passam a ter um valor mais elevado, o teocentrismo é deixado de lado, os conhecimentos e as habilidades dos homens passam a ser mais valorizadas, tanto no campo das ciências, como naquele destinado as artes, por isso o homem passa a ocupar um espaço diferente e a exerce um papel que extrapola o campo da adoração religiosa, assim o antropocentrismo ganha força e o conhecimento humano se torna cada vez mais motivo para exaltação e enaltecimento, realidade que até o momento anterior era considerada como errada e até mesmo entendida como pecado, que devia ser punido com punições físicas e nos casos mais extremos com a morte. Contudo, os avanços e as mudanças não pararam por aí, pelo contrário, esse era apenas o início dos aspectos que teriam como resultado um novo funcionamento da sociedade. O capitalismo surgiu por meio do mercantilismo, entendido como a sua primeira fase, responsável pela expansão marítima e comercial, capaz de proporcionar o desenvolvimento econômico e a exploração de novas terras, que teve como resultado a colonização das Américas, África, Índia e de algumas regiões presentes no Ocidente 23 Asiático. O iluminismo também não ficou para traz nos impactos e modificações que tiveram como resultado o surgimento da Sociologia, pois a partir desse momento históricos verificou-se a presença de uma nova concepção intelectual e política, por meio da qual a igualdade e a disseminação do conhecimento intelectual passaram a ser mais valorizadas e propagadas como prioridade para o crescimento da humanidade, por isso se relaciona com a evolução moral, social e intelectual. Por sua vez, as grandes revoluções recebem esse nome por inúmeros motivos, sendo os mais óbvios a quantidade de modificações e impactos que os mesmo foram capazes de proporcionar nos mais diversos setores e áreas capazes de promover reflexos para a vida cotidiana, já que através da sua existência novas formas de pensar e de visualizar o Estado e o governo foram concebidas, principalmente, no que se refere a Revolução Americana e a Revolução Francesa. A Revolução Industrial foi tão grande e importante que até a atualidade os efeitos resultan- tes da mesma podem ser vistas em todo o mundo e na vida pessoal e privada dos indivídu- os, pois foi a partir do seu surgimento que uma enorme alteração na configuração popula- cional foi ocasionada, em razão da urbanização e do crescimento demográfico decorrente da abertura das indústrias no meio urbano. FIQUE ATENTO A expansão que ocorreu de forma rápida e sem um planejamento adequado, apesar dos seus efeitos positivos, também gerou o surgimento de problemas estruturais urbanos e com a grande onda de pessoas nos centros urbanos, o número de empregos não foi o suficiente para englobar todo mundo, tendo como resultado o aumento nas taxas de desigualdade social, na criminalidade, na pobreza e problemas sanitários. Porém, também foi a partir da Revolução Industrial que o crescimento tecnológico teve início, assim houve um aumento e uma melhoria do conhecimento especializado e da capacidade de produção em larga escala. A própria concepção de vida social alterou-se bruscamente. Não se tratava mais de seguir a tradição, a estática de uma posição estabelecida pelo nasci- mento, mas de situar-se em uma dinâmica social em constante transforma- ção e movimento. O ritmo da modificação econômica fortaleceu a convicção iluminista de que a racionalidade, o conhecimento, a riqueza, a tecnologia, o controle sobre a natureza, em suma, a sociedade estaria sujeita a um pro- gresso ilimitado (MUSSE, 2012, online). Diante desse contexto, a sociologia surge como a ciência responsável por tentar explicar a vida complexa dos seres humanos e as relações sociais firmadas entre esses, tendo em vista os seus comportamentos perante a sociedade, dessa forma era necessário que uma nova ciência fosse criada para que os novos problemas e a nova vida social pudesse ser entendida, criticada e analisada, sendo esse papel exercido pela presente 24 2.3 OS SOCIÓLOGOS NO MUNDO Vários são os pensadores importantes para a sociologia, mas levando em consideração o momento de surgimento dessa ciência é importante destacar o posicionamento de alguns desses sociólogos, tendo em vista os conhecimentos compartilhados por Moutinho (2019). Saint-Simon foi o responsável por afirmar que o pensamento racional deveria ser utilizado como forma de compreensão do funcionamento dos mecanismos que regiam a natureza, podendo ser empregado na ampliação e na criação de novas técnicas acerca do aproveitamento dos recursos naturais em beneficio para a sociedade, dessa forma uma das suas principais defesas tinha como base o convívio harmonioso e pacífico das sociedades, tendo em vista a elevação da capacidade produtiva para o sustento comunitário. Já Augusto Comte criou a Lei dos Três Estados, por meio da qual, as sociedades evoluem do estado teológico para o metafísico até atingir o cientifico, assim fazia uso das leis sociais, como se essas fossem leis presentes nas ciências exatas e biológicas, Figura 3: Sociólogos de destaque Fonte: Pavão (2013, online) por isso acreditava que as ciências sociais e as naturais eram dotadas da mesma eficácia. Émile Durkheim, por sua vez, se baseia os preceitos ensinados por Comte, contudo possui como foco maior os fatos sociais, a partir disso estabelece a concepção de que a sociologia deve ser entendida como uma ciência autônoma e independente, pois possui um campo de investigação própria e fenômenos específicos ao seu funcionamento e aplicação, o que a torna diferente das outras áreas, por demonstrar uma preocupação com os fatos sociais relativos as coerções e as relações sociais, exteriores aos indivíduos. Marx e Engels destinam as suas investigações aos fatores que entendem como determinantes a sociedade, levando em conta o contexto sócio-histórico das rela-ções sociais de produção, segregando as classes em dominantes e dominados, sen-do os primeiros ocupados pela elite, que exploram os dominados. Por fim, Max Weber entendia quea sociedade não era formada por um corpo coletivo consciente incumbido por delimitar os passos dos indivíduos, dessa forma, para esse sociólogo as perspectivas individuais precisariam ser destinadas as percepções sobre a sociedade, considerando os valores e comportamentos internos a essas. Nesse sentido, foi estabelecido o conceito de ação social como “o ato de um indivíduo dirigir-se 25 2.4 O SURGIMENTO DA SOCIOLOGIA NO BRASIL A sociologia tem como foco as sociedades e os comportamentos humanos que se desenvolvem nesses meios, por isso está presente em todos os lugares do mundo, mesmo que tenha surgido de forma inicial na Europa. A sociologia no Brasil surgiu entre 1920 e 1930, sendo responsável por buscar compreender o funcionamento da sociedade brasileira, assim para ampliar os seus conhecimentos sobre o tema recomenda-se a leitura do livro “Sociologia Brasileira” escrito por André Pinhel e Brenno Alves, que explora a história e os fundamentos da sociologia brasileira de forma cronológica e interdisciplinar. LINK: https://bit.ly/39f73yF BUSQUE POR MAIS A sociologia demorou um pouco mais a ser estabelecida e exercida no território nacional, mas desde a sua chegada tem implementado descobertas e reflexões fundamentais a organização social. A sociologia no Brasil nasce com a herança da cultura europeia. Suas carac- terísticas aparecem desde a transferência do centro da vida econômica social e política dos feudos para a cidade. A Europa passou por um intenso desen- volvimento urbano e comercial e, consequentemente, as relações de produ- ção capitalistas se multiplicaram, minando as bases do feudalismo (LOBATO; OLIVEIRA, 2018, p. 02). A sociologia no Brasil surgiu por volta dos anos de 1920 e 1930, tendo sido nessa época que surgiu o interesse e a curiosidade dos estudiosos acerca da compreensão do sistema de sociedade brasileira, assim os assuntos mais discutidos e estudados durante essa época tinham como foco o processo de colonização, o surgimento, os impactos e a abolição da escravatura, os papeis exercidos por índios e negros, os impactos sofridos pelos êxodos e as suas consequências para o funcionamento do território nacional. Essas eram temáticas consideradas como imprescindíveis ao entendimento da formação da sociedade brasileira, bem como para a compreensão acerca dos problemas e das dificuldades relativas as mesmas, pois eram capazes de promover impactos e consequências para as relações de trabalho e para a consciência cidadã da população. Os problemas presentes no território nacional não diminuíram ao longo do tempo, contudo não são mais os mesmos, diante disso o foco e os objetivos desempenhados pela sociologia também foram modificados, assim reflita um pouco sobre as questões atuais relativas a sociedade brasileira e pense qual a é a importância exercida pela sociologia e pelos soció- logos diante desse cenário. VAMOS PENSAR? Assim, os principais sociólogos presentes no Brasil durante esse período eram Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda e Caio Prado Junior. Além desses, os avanços da sociologia brasileira tiveram como motivo os importantes sociólogos e as investigações realizadas por esses, assim nomes como Florestan Fernandes e Darcy Ribeiro, também são dignos de destaque. 26 1. (NUCEPE - 2015 - SEDUC-PI - Professor – Sociologia) É CORRETO afirmar que a Sociologia a) admite explicações científicas e de senso comum em suas formulações teórico- metodológicas. b) é a ciência que estuda o comportamento humano por meio de processos e estruturas que vinculam os indivíduos em grupos, comunidades e associações. c) é a ciência que estuda os fenômenos da natureza. d) consolida-se como ciência à medida que rejeita um processo de “desnaturalização” das explicações rotineiras sobre a realidade social, por tratar de fenômenos naturais. e) se propõe a compreender processos mentais e orgânicos do ser humano e as suas interações com o ambiente físico e social. 2. (FGV - 2016 - Prefeitura de São Paulo - SP - Professor – Sociologia) A Sociologia é um corpo organizado de conceitos e metodologias científicas que se ocupa de a) descrever a realidade dos sistemas social, político e econômico que se sucederam historicamente. b) estudar os fenômenos sociais e identificar regularidades e normas nas formas de comportamento. c) compreender a interdependência dos seres vivos e definir suas formas de interação social. d) estabelecer os fatos sociais com base nos sistemas culturais e simbólicos. e) analisar os tipos sociais e classificá-los em função das estruturas que os definem. 3. (FCC - 2016 - SEDU-ES - Professor – Sociologia) O surgimento e a consolidação da sociologia no Brasil estiveram associados às transformações econômicas e sociais mais amplas por que passou o país nas primeiras décadas do século XX. Sobre o momento de institucionalização da sociologia no Brasil é correto afirmar que: a) A criação da Escola Livre de Sociologia e Política, em 1933, e a fundação da Universidade de São Paulo, em 1934, relacionaram-se, respectivamente, aos modelos de pesquisa e produção acadêmica francês e norte-americano. b) Os estudos sociológicos estavam concentrados nas pesquisas sobre as relações internacionais, a questão ambiental e os modernos meios de comunicação social. c) A sociologia produzida no Brasil não se restringiu aos grandes centros urbanos, observando-se produções relevantes em todos os rincões do país. d) Uma das dificuldades de institucionalização da disciplina era o descompromisso dos sociólogos com uma concepção positiva de ciência, com métodos de pesquisa bem definidos e uma linguagem própria. e) A modernização experimentada a partir de 1930 impulsionou a criação da disciplina, cuja questão fundamental era a possibilidade de formação da sociedade moderna no país, os impasses, limites e dilemas da transformação social. FIXANDO O CONTEÚDO 27 4. (FCC - 2016 - SEDU-ES - Professor – Sociologia) A sociologia não se afirma primeiro como explicação científica e, somente depois, como forma cultural de concepção do mundo. Foi o inverso o que se deu na realidade. Ela nasce e se desenvolve como um dos florescimentos intelectuais mais complicados das situações de existência nas modernas sociedades industriais e de classe. E seu progresso, lento mas contínuo, no sentido do saber científico-positivo, também se faz sob a pressão das exigências dessas situações de existência, que impuseram tanto ao pensamento prático, quanto ao pensamento teórico, tarefas demasiado complexas para as formas pré-científicas de conhecimento. O excerto acima sintetiza o vasto programa envolvido no processo de constituição da sociologia como a “ciência da sociedade”. Sobre esse processo é correto afirmar que: a) A perspectiva sociológica, ou seja, a ideia de que a vida em sociedade está subordinada a uma determinada ordem cuja explicação de pedente de uma abordagem sistemática, resultou da conjunção entre os efeitos das crises sociais e os complexos processos de secularização da cultura decorrentes da modernização ocidental. b) O fortalecimento da sociologia como uma disciplina específica do conhecimento científico deveu-se à estreita separação entre pensamento e ação, de modo a não contaminar as pesquisas com interesses políticos particularistas. c) Ainda que o Iluminismo tenha alterado as formas medievais de pensamento remanescentes, o conhecimento sociológico desenvolvido posteriormente foi caudatário da tradição cristã, fundamentalmente devotada à intervenção nos problemas sociais. d) A diferenciação social advinda com a industrialização e urbanização do Ocidente proporcionou novos elementos de prova às explicações pré-científicas, o que restringiu a sociologia ao ensaísmo e às análises filosóficas. e) A necessidade de uma fundamentação científica induziu os primeiros sociólogos a se afastarem dos modelos explicativos das ciências naturais, o que lhes permitiu a aplicação de métodos e técnicas específicos para as investigaçõessociológicas empíricas. 5. (IBFC - 2017 - SEDUC-MT - Professor de Educação Básica – Sociologia) “Sabe-se que no Brasil as condições propícias ao desenvolvimento das ciências sociais verificam-se com a desagregação do regime escravocrata e senhorial e a transição para um regime de classes [...]”. (JINKINGS, 2007, p.5). Com base em tal afirmação assinale a alternativa correta: a) A estrutura social pouco influenciou na produção do saber social b) Com o fim da escravatura ideais intervencionistas ocupam os debates das ciências sociais c) Os intelectuais e a disseminação do conhecimento no período colonial se detinham na esfera particular dos senhores de escravos d) O desenvolvimento da Sociologia enquanto disciplina no Brasil se relaciona com a intensificação da divisão do trabalho e) Exemplo de autores deste momento histórico e produção do conhecimento sociológico brasileiro com elevado rigor epistemológico são Euclides da Cunha e Sílvio Romero. 28 6. (IBFC - 2019 - Prefeitura de Cabo de Santo Agostinho - PE - Gestor Social – Adaptada) A sociologia é uma forma de conhecimento originada no século XIX. Como toda forma de conhecimento, ela reflete as preocupações e as necessidades dos homens de seu tempo. “O saber sociológico” nasce ligado a fatores históricos e sociais. O surgimento da sociologia está ligado a um duplo processo que envolve fatores históricos e epistemológicos (SELL, 2014). A respeito da definição do surgimento da sociologia, assinale a alternativa correta. a) A sociologia é uma forma de abordar a filosofia voltada para estudos racionais e entendimento da estrutura de uma sociedade de forma apenas política b) É uma ciência que busca entender o comportamento de uma determinada sociedade e tem seu aparecimento com Aristóteles c) A sociologia está ligada ao mundo grego e surge a partir das teorias políticas de Platão d) Na visão dos fundadores da sociologia, os fenômenos que caracterizam a modernidade, seja no aspecto econômico, político ou cultural, não podiam mais ser explicados a partir de uma visão filosófica do mundo. Sustentavam, portanto, que era preciso buscar explicações a partir do método experimental e da observação da realidade empírica e) A sociologia surgiu primeiramente na Ásia. 7. (FCC - 2018 - SEC-BA - Professor Padrão P – Sociologia) Sociologia e sociedade industrial mantêm relações sumamente estranhas. Por um lado, a Sociologia nasceu na sociedade industrial; apareceu e adquiriu importância como consequência da industrialização. Mas, por outro lado, a ‘sociedade industrial’ é a filha mimada da Sociologia, seu próprio conceito pode ser considerado um produto da moderna ciência social. A mútua paternidade é causa de uma relação de parentesco paradoxal e desconhecida inclusive entre os antropólogos. Precisamente por isso parece aconselhável analisar mais detidamente as relações da Sociologia com a sociedade industrial, mitos muito pouco discutidos. A respeito da Sociologia como disciplina científica, a que faz referência o trecho acima, é correto afirmar: a) Trata-se de momento especial na evolução do pensamento humano, no qual se buscava exprimir em ideias e conceitos o mundo ultraterreno no qual se acreditava. b) O surgimento da moderna noção de igualdade dos cidadãos perante o Estado e a formação das classes sociais segundo a posição econômica de seus membros são temas e conceitos relacionados à Sociologia como disciplina científica. c) A Sociologia foi o resultado de uma reação à tentativa de desnaturalizar os fatos da vida social de modo a conservar os valores predominantes na sociedade europeia da época. d) Formou-se um campo de reflexão sistemática, independente dos envolvimentos práticos na vida política e alheio às estruturas econômicas circundantes, postura que originou instituições imparciais, comprometidas apenas com a verdade científica. e) O conceito “sociedade industrial” diz respeito à neutralidade da forma científica forjada pela Sociologia para demarcar as novidades que emergiam no momento de seu próprio surgimento. 29 8. (CEPS-UFPA - 2018 - UNIFESSPA – Sociólogo). Assinale a alternativa que expressa a concepção da sociologia no século XIX em relação às ciências naturais. a) A sociedade não pode ser estudada por métodos objetivos de observação, experimentação e comparação porque possui leis diferentes das que existem no restante da natureza. b) Quando do surgimento da sociologia no século XIX, competem entre si dois paradigmas: o da certeza e o da incerteza. A sociologia desde o início inclinou-se para o da incerteza. c) O progresso é inevitável, embora seja gradual, lento e pode ter sua velocidade alterada por reformas de longo alcance. d) O processo evolutivo não é o mesmo em todas as dimensões da existência, uma vez que o mundo social e o mundo material são realidades opostas. e) A evolução faz com que haja uma tendência ao desequilíbrio contínuo que gera as transformações na relação entre o indivíduo e a sociedade. 30 SOCIOLOGIA BRASILEIRA: DÉCADA DE 1930 E ESCOLA PAULISTA DE SOCIOLOGIA 31 3.1 INTRODUÇÃO A sociologia nasce no Brasil por volta de 1920 e 1930, sendo um grande reflexo das heranças e das análises presentes na cultura europeia, contudo a realidade da Europa e aquela vivencia no Sul do Continente Americano desde o princípio são distintos, por isso o funcionamento da sociedade e das relações firmadas nesses dois espaços geográficos não são as mesmas, ou seja, cada localidade enfrenta os seus dilemas e pressões sociais diferentes e adequados as suas próprias necessidades, diante disso mesmo que a sociologia brasileira possua como inspiração os pressupostos da sociologia europeia, levando em consideração os grandes estudiosos dessa área, não são todos os aspectos vivenciados e demonstrados por meio dessas pesquisas que são dotados de aplicabilidade no território nacional, sendo esse um cenário vivenciado tanto no momento da criação da sociologia, quanto na atualidade. A sociologia no Brasil surgiu entre 1920 e 1930, sendo responsável por buscar compreender o funcionamento da sociedade brasileira, contudo para que pos- samos compreender a sociologia tanto em um contexto mundial, quanto na- cional é importante que saibamos as funcionalidades dessa disciplina, dessa forma recomenda-se a leitura do livro “Para que serve a sociologia?”, escrito por Zygmunt Bauman. LINK: https://bit.ly/39f73yF BUSQUE POR MAIS Diante desse contexto, a sociologia brasileira mesmo que inspirada em uma sociologia do exterior, também passou a fazer análise dos problemas relativos à sociedade brasileira, tendo em vista os problemas relativos a colonização exploratória praticada por Portugal, o processo de escravidão, destinado, inicialmente, aos índios e em momento posterior, aos negros trazidos da África e os contextos trabalhistas nacionais, que desde sempre foram marcados por grandes desigualdades sociais, estando essa presente em vários dos setores que regem e orientam o funcionamento e as relações sociais humanas. A sociologia brasileira foi criada em um momento que o capitalismo estava em expansão, dessa forma, assim como no cenário europeu, a sociedade brasileira passou por diversas e profundas modificações causadas pela industrialização, pelo êxodo rural- urbano e penas novas relações de produção e operacionalização que ganhavam força na mencionada época. A sociologia presente no Brasil possui dois elementos importantes na sua historia e composição, sendo o primeiro marcado por uma formação e um desenvolvimento tardio da sociologia nacional, enfatizando o período que antecedeu a década de 1930, que ficou conhecido como período pré-sociológico, época em que a importação cultural decorria de outras culturas, sistemas e instituições. 32 Figura 4: Período Pré-Sociológico e Sociologia Brasileira Fonte: Elaborado pela autora (2020). Nesse sentido, a história da sociologia presente no território nacional pode ser dividida em dois grandes períodos, um sendo o pré-científicoe o outro aquele em que a sociologia já estava consolidada como ciência no Brasil, por isso a década de 1930 é tão importante, pois é considerada como um divisor de águas na sociologia nacional. 3.2 PERÍODO PRÉ-SOCIOLÓGICO: ANTES DE 1930 O período inicial relativo a formação da sociologia no território brasileiro deve levar em consideração aspectos como o direito e o evolucionismo, já que o surgimento das primeiras leis serviram na intervenção e na promoção de impactos das condutas administrativas, devendo ainda ser destacados os efeitos proporcionados pela vida econômica e pela estruturação política presente no território brasileiro. Assim, até o mencionado momento, por volta dos anos 1800, os cientistas tidos como mais importantes eram aqueles vinculados a área jurídica, já que eram os responsáveis por realizar as interpretações consideradas como relevantes e importantes para a vida em sociedade. A sociologia surge apoiada no evolucionismo, por isso herda como preocupações as orientações fundamentais relativas aos fatores naturais, preocupação com etapas históricas, estudo complexos e sínteses explicativas. Em 1881, Silvio Romero publicou obra denominado como “Introdução à história da literatura brasileira”, que mesmo de maneira superficial já fazia referência e menção a sociologia que futuramente seria apresentada e discutida nas terras brasileiras, tendo sido por meio dessa obra que as primeiras diretrizes orientadoras dos estudos sociais no Brasil buscavam inspiração. Levando em consideração o contexto relativo à sociologia é importante que a “Introdução à Sociologia” seja compreendida, por isso recomenda-se a leitura da obra escrita por Reinaldo Dias. LINK: https://bit.ly/35jGBCS BUSQUE POR MAIS Os reflexos de um capitalismo e de uma industrialização tardia proporcionaram impactos no funcionamento social e tiveram determinação importante na formação dos aspectos sociológicos brasileiros, principalmente, num cenário comparativo mundial, pois o argumento de que a sociologia brasileira é tardia por ter se desenvolvido posteriormente a presente na Europa não é totalmente válida, já que o mesmo aconteceu na realidade dos Estados Unidos da América, contudo a sociologia presente nesse país teve um avanço 33 mais rápido e concreto, tendo sido reflexo de uma expansão e consolidação do capitalismo e da industrialização que ocorreu de forma mais rápida. Nesse sentido, Cardoso de Mello afirma que a industrialização brasileira se acelera a partir da crise de 1929, o que significa o aceleramento de um processo já em andamento. O início da industrialização no Brasil ocorre no final do século XIX mas seu processo de expansão data do início do século XX (MELLO, 1991, p. 54). Apesar das singelas demonstrações da presença da sociologia e da sua formação no período anterior a década de 1930, sendo que as principais contribuições atribuídas a esse período foram dadas após a geração de 1930. 3.3 A SOCIOLOGIA DEPOIS DA DÉCADA DE 1930 A partir de 1930 uma nova era é iniciada perante a sociologia brasileira, que diferentemente da Europa, não iria passar pela sistematização, mas sim pela etapa responsável por sua organização, tendo em vista as mudanças sociais decorrentes da industrialização brasileira, que em sua maioria teve São Paulo como palco principal, levando em consideração a Revolução de 1930 e os impactos decorrentes dela, como a derrubada das oligarquias e a formação de um novo Estado Nacional, que gerou um número ainda mais crescente de modificações. Outro evento importante que tornou possível o impulsionamento dos avanços relativos à sociologia foi referente ao aumento do interesse no desenvolvimento do ensino superior, pois o Brasil passou a ter um caráter científico mais bem definido, a partir da criação da Universidade de São Paulo, que tornou possível o intercâmbio internacional de pesquisas e a absorção das influências da produção científica da Europa. Durante esse período em estudo, o crescimento da sociologia resultou na criação da Escola Livre de Sociologia e Política, que configurou o primeiro passo no caminho de sua institucionalização, como destacado por Peixoto e Viana (2011), que segundo Florestan Fernandes foi um passo imprescindível para a organização das novas bases da produção sociológica, o surgimento de um mercado consumidor orgânico e regulamentação da relação entre a pesquisa, o ensino universitário e a carreira no âmbito da sociologia, aspectos que tornaram possível a ampliação e o avanço das conquistas e dos estudiosos pertencentes a esse campo do saber. A partir de 1945, a sociologia presente no Brasil se torna cada vez mais consolidada, sendo prova disso a produção de obras e o surgimento de autores considerados importantes para essa etapa até a atualidade como, por exemplo, Florestan Fernandes, Luiz Aguiar Costa Pinto, Leôncio Martins Rodrigues, Juarez Brandão Lopes, Octávio Guilherme Velho, Caio Prado Júnior, Gilberto Velho, entre tantos outros. Por volta de 1980, a sociologia voltou a ser inserida no ensino médio brasileiro como uma disciplina facultativa, sendo nesse mesmo período que a profissão de sociólogo foi reconhecida no Brasil, tendo ocorrido também a ampliação dos interesses e do campo de estudo desses cientistas, que passaram a abranger pesquisas e discussões voltadas para os interessas da mulheres, dos trabalhadores rurais e outros assuntos de relevância social adequados a cada época. A sociologia é uma ciência que se adapta as mudanças e aos interesses sociais, já que faz suas análises e estudos com base nesses e nos comportamentos humanos, assim, além das temáticas já destacada, o atual contexto faz com que os sociólogos passem a abordar temas como a homofobia, o relacionamento 34 entre casais homoafetivos, os mais diversos tipos de preconceitos, os reflexos da mídia na sociedade, entre tantos outros assuntos. Ao mesmo tempo em que todas essas modificações eram vivenciadas pela sociologia brasileira, outras áreas do saber também sofriam com as mencionadas modificações e passavam por alterações que reflitam na produção de suas obras, que muitas vezes se relacionavam com os textos sociais ou reflitam a realidade apresentada pelos mesmos, dessa forma as características da segunda fase do modernismo ocorreram por volta de 1930 a 1945, quando o foco era destinado ao mundo contemporâneo, apresentando textos direcionados para o contexto sociopolítico, nos quais a liberdade eram vista tanto no uso da linguagem, quanto direcionados a liberdade formal e a perspectiva realista, conforme afirmado por Souza (2020). Diante de todas as conquistas e avanços obtidos pela sociologia brasileira por volta da década de 1930, segundo Ferreira e Lima (2011) apenas em 2009, a sociologia se tornou uma disciplina obrigatória na grade curricular dos alunos do ensino médio no Brasil, aspecto que tornou possível a aproximação e a compreensão dos motivos que tornam essa disciplina tão importante para o entendimento da sociedade e da sua relação com os mais variados campos do saber, já que possui como objetivo fornecer explicação para a desnaturalização das concepções que giram em torno dos fenômenos sociais, assim além de abordar os aspectos históricos na disciplina correspondente a esses temas, a sociologia visa abordar como essas mudanças impactaram e ainda impactam a vida social na qual as gerações passadas e presentes estão inseridas, bem como analisar o que as ações presentes na atualidade podem acarretar para as gerações que ainda virão. 3.4 SOCIÓLOGOS BRASILEIROS Vários são os nomes que desempenham importância e papel fundamental para o desenvolvimento e a compreensão da sociologia presente no território nacional, dessa forma aqui serão destacados apenas aqueles entendidos como os principais ou os de maior importância para a época em pauta, contudo, em razão do grande número de sociólogos, aqueles não abordados aqui também são dignos de atenção e dotados de uma credibilidadede destaque. Florestan Fernandes foi um dos sociólogos de maior importância para a formação e para o desenvolvimento da sociologia brasileira, sendo que os seus estudos eram voltados para as perspectiva teórico-metodológicas na busca da fundamentação da sociologia como ciência, assim as suas principais pesquisas foram voltadas para o processo de industrialização brasileira e a sua relação com as mudanças sociais vistas a partir de então. Já Darcy Ribeiro, ganhou destaque a partir da produção da obra denominada como “o povo brasileiro”, que tinha como objetivo efetuar uma análise acerca da formação da sociedade brasileira, levando em conta a maneira com que se dá a sua organização e as contribuições dos povos indígenas. 35 Levando em consideração que Darcy Ribeiro possuía como objetivo entender os aspectos de maior relevância para a formação da sociedade brasileira, entre as suas afirmações o mencionado estudioso chegou a conclusão de que “a estratificação social separa e opõe, assim, os brasileiros ricos e remediados dos pobres, e todos eles dos miseráveis, mais do que corresponde habitualmente a esses antagonismos. Nesse plano, as relações de classes chegam a ser tão infranqueáveis que obliteram toda comunicação propriamente humana entre a massa do povo e a minoria privilegiada, que a vê e a ignora, a trata e a maltrata, a explora e a deplora, como se esta fosse uma conduta natural.” (RIBEIRO, 1995) FIQUE ATENTO Por sua vez, Gilberto Freyre foi um sociólogo de renome tanto para a sociologia brasileira, como para aquela estabelecida em Portugal, sendo que o maior foco dos seus estudos consistia na busca pelo entendimento acerca da formação das civilizações, tendo como ponto de partidas as civilizações modernas e os impactos que a colonização foi capaz de gerar a essas. Sérgio Buarque de Holanda, mesmo sendo historiador, também trouxe contribuições relevantes para o âmbito da sociologia, principalmente, no que se refere ao desenvolvimento de sua obra denominada como “raízes do Brasil”, responsável por abordar a formação da cultura brasileira e o processo de formação da sociedade presente nesse país. Por fim, destaca-se ainda as importantes contribuições fornecidas por Caio Prado Junior, entre essas a obra denominado “formação do Brasil contemporâneo”, que teve como objetivo principal discutir a formação da sociedade brasileira, analisando essa desde a chegada dos colonizadores a essa terra, já que o autor acreditava que a colonização teve relação direta na formação e no funcionamento da sociedade brasileira, já que foi um processo traumático do qual várias consequências posteriores foram derivadas. 3.5 ESCOLA PAULISTA DE SOCIOLOGIA A Escola Livre de Sociologia e Política de São Paulo foi criada em 1933, época em que a sociologia brasileira estava vivendo a sua ampliação e expansão de forma mais acelerada, na qual grandes nomes relacionados a sociologia ganhavam cada vez mais espaço. O Brasil, principalmente, São Paulo, vivenciava um momento em que a política e a cultura enfrentavam grande agitação, em razão das revoluções vivenciadas em 1930 e 1932, dessa fora a estruturação dessa escola buscava não só entender os comportamentos da nova sociedade, mas também melhorar os padrões relativos à administração pública presente no Brasil com a intenção de diminuir as revoltas e ao mesmo tempo atender as necessidades da elite e os interesses das demais classes. A Escola Paulista de Sociologia ganha destaque, pois diante das várias conquistas e atri- buições relacionadas a essa, a escola em questão foi a pioneira em seu campo de atuação, contudo isso não implica dizer que é a única, diante disso, pare e reflita um pouco acerca das demais escolas sociológicas presentes no Brasil e pesquisa sobre a importância e o pa- pel desempenhado pelas mesmas nos avanços da disciplina em estudo. VAMOS PENSAR? 36 Assim, essa escola recebe uma grande atenção, tendo em vista que foi a primeira instituição latino-americana destinada ao ensino e à pesquisa do campo das ciências sociais, e que continuam a ter esse foco até a atualidade, tendo passado por modernizações, manutenções e aperfeiçoamentos com o intuito de atingir a sua finalidade de propagar os assuntos relativos a sociologia e a política a biblioteconomia, a ciência da informação e a administração. Atualmente, a mencionada escola paulista é denominada como Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP), sendo uma instituição de ensino e pesquisa sem fins lucrativos que possui cursos de graduação, pós-graduação e extensão destinados as áreas das ciências sociais. 37 1. Apesar de existirem estudos sociológicos no Brasil, antes de 1930, pode-se afirmar que a Sociologia brasileira se desenvolveu com a fundação da Escola Livre de Sociologia e Política, em 1933, da Universidade de São Paulo, em 1934, e a do Rio de Janeiro, em 1935. Sobre a consolidação da Sociologia brasileira como ciência acadêmica, pode afirmar que: a) O objetivo da Sociologia brasileira, nesse contexto, era formar técnicos e especialistas para compreender os problemas sociais e produzir “soluções irracionais” para questões internacionais. b) A Sociologia no Brasil passou a ser reconhecida com base em estudos sobre relações raciais, mobilidade social de grupos étnicos e das relações sociais existentes no meio rural brasileiro. c) Os estudos das teorias pelos intelectuais brasileiros em pesquisas sobre os problemas nacionais foi o caminho encontrado pelos primeiros sociólogos para suprir a ausência de uma “escola sociológica no Brasil” e para consolidar a Sociologia brasileira como disciplina. d) A Sociologia se tornou uma “tradição” teórica importante usada apenas no Ensino Regular com os estudos de Florestan Fernandes. e) A ordem social brasileira nesse período era compreendida pela Sociologia, em consolidação no Brasil, como uma prática intelectual e política, impedindo transformação da sociedade, com o objetivo de romper ou manter a ordem capitalista vigente. 2. “A falta de coesão em nossa vida social não representa, assim, um fenômeno moderno. E é por isso que erram profundamente aqueles que imaginam na volta à tradição, na certa tradição, a única defesa possível contra nossa desordem. Os mandamentos e as ordenações que elaboraram esses eruditos são, em verdade, criações engenhosas de espírito, destacadas do mundo e contrárias a ele. Nossa anarquia, nossa incapacidade de organização sólida não representam, a seu ver, mais do que uma ausência da única ordem que lhes parece necessária e eficaz. Se a considerarmos bem, a hierarquia que exaltam é que precisa de tal anarquia para se justificar e ganhar prestígio”. Caio Prado Junior, Gilberto Freyre e Sérgio Buarque de Holanda são intelectuais da chamada “Geração de 30”, primeiro momento da sociologia no Brasil como atividade autônoma, voltada para o conhecimento sistemático e metódico da sociedade. Sobre as preocupações características dessa geração, considere as afirmativas a seguir. I. Critica o processo de modernização e defende a preservação das raízes rurais como o caminho mais desejável para a ordem e o progresso da sociedade brasileira. II. Promove a desmistificação da retórica liberal vigente e a denúncia da visão hierárquica e autoritária das elites brasileiras. III. Exalta a produção intelectual erudita e escolástica dos bacharéis como instrumento de transformação social. IV. Faz a defesa do cientificismo como instrumento de compreensão e explicação da FIXANDO O CONTEÚDO 38 sociedade brasileira. Estão corretas apenas as afirmativas: a) I e III. b) I e IV. c) II e IV. d) I, II e III. e) II, III e IV. 3. Diversos estudos sociológicos buscam analisar a formação da cultura brasileira e da identidade nacional. Com base nesse tema, assinale a alternativa correta. a) Florestan Fernandes é responsável por desconstruir a visão de um convívio harmonioso entre as raças no Brasil. Para o autor, em A integração do negro nasociedade de classes, a democracia racial seria um mito, uma imagem idealizada que serve para a perpetuação das desvantagens sociais dos negros na sociedade brasileira. b) Nina Rodrigues e Euclides da Cunha são autores que valorizavam a mestiçagem brasileira. Eles defendem a ideia de que a mistura das matrizes indígena, branca e negra seria fundamental para a construção de um povo tolerante e avesso ao preconceito e à discriminação. c) Segundo Gilberto Freyre, a mistura racial no Brasil favorecia a ruína da nação. De acordo com esse autor, seria necessário que o Estado adotasse políticas de branqueamento racial. d) A Constituição brasileira de 1988 assegura os direitos sociais e individuais sem preconceito e discriminação. Sendo assim, casos como os salários mais baixos para as mulheres, mesmo ocupando a mesma atividade que os homens, não fazem parte do cenário social brasileiro atual. e) As teorias raciais e eugênicas não tiveram sucesso no Brasil do século XIX. A ideia da superioridade dos brancos europeus foi totalmente repudiada pelos intelectuais brasileiros da época que buscavam valorizar as práticas culturais advindas da mestiçagem. 4. Oficialmente extinta do currículo do Ensino Médio nos anos 1940, a Sociologia voltou a marcar presença em um outro estado, de modo intermitente, na década de 1980. Na década seguinte, várias organizações e universidades começaram a desenvolver um movimento em defesa da obrigatoriedade do ensino da Sociologia no nível médio que culminou com a aprovação da Lei 11.684, de 2 de junho de 2008, alterando a Lei de Diretrizes e Bases (LDB) e colocando a Sociologia, novamente, como obrigatória no currículo do Ensino Médio brasileiro. Sobre a Sociologia no Ensino Médio, podemos afirmar que a) a primeira tentativa de inclusão da disciplina ocorreu logo após a Proclamação da República, por meio da Reforma Educacional de 1901, tendo sido eliminada em 1911 por Epitácio Pessoa. b) em 1932, ocorreu a Reforma Capanema que retirou a obrigatoriedade da Sociologia nos cursos secundários. A disciplina foi mantida somente no Curso Normal como Sociologia Geral e Sociologia da Educação. 39 c) em 1928, com a Reforma Benjamin Constant, o Colégio Pedro II implantou a Sociologia regularmente no seu currículo. Três anos depois, a disciplina foi introduzida nos Estados de São Paulo, Pernambuco e Rio Grande do Sul. d) a Lei nº 5692/71 deslocou as disciplinas relacionadas às ciências humanas (Sociologia, Filosofia e Psicologia), introduzindo, no lugar delas, as disciplinas de Educação Moral e Cívica e Organização Social e Política do Brasil (OSPB). e) em 1961, a Reforma Francisco Campos introduziu a Sociologia nos cursos preparatórios e nos cursos superiores nas Faculdades de Direito, Engenharia e Arquitetura e Ciências Médicas, além de mantê-la nos cursos normais de formação de professores. 5 . Alguns autores consagrados procuram explicar a realidade brasileira pela denominada Sociologia da herança patriarcal-patrimonial. Assinale a afirmativa acerca dessa linha de pesquisa e perspectiva teórica. a) Freyre, Holanda, Faoro e Matta têm em comum o fato de atribuírem aos efeitos da herança patrimonial-patriarcal sobre o Brasil contemporâneo a razão das distorções de nossa sociabilidade moderna. Freyre (1990, 1996, 2000) e Holanda (1994) claramente convergem em direção à ideia de que certos códigos de sociabilidade típicos da família patriarcal e do pater familias teriam permanecido ativos na dinâmica social do Brasil contemporâneo para além do período colonial. b) Para Freud, a extensão e a profundidade da disseminação do tipo patriarcal de sociabilidade seriam uma consequência do fato de que o latifúndio patriarcal, baseado no trabalho escravo e orientado à produção e à exportação de matérias-primas, veio a se tornar algo mais que uma simples unidade econômica: consolidou-se por muito tempo como locus político-administrativo, militar e jurídico, além de centro organizador da vida sexual, cultural e até mesmo religiosa. Naquelas circunstâncias, diferenciação social e impessoalidade teriam encontrado tremenda dificuldade para florescer. c) Jean Jacques Rosseau atribui à nossa herança lusitana, marcada por aversão congênita a qualquer ordenação impessoal da existência, a importância remanescente do patriarcalismo no tecido social do Brasil contemporâneo. O perfil da empresa colonizadora de portugueses, ancorada na ética da aventura em detrimento da ética do trabalho, revelaria a incompatibilidade de nosso passado ibérico com a racionalização característica de terras protestantes. Com isso, estabilidade e segurança – atributos de uma ordem racionalizada – teriam sido postos em segundo plano em favor do desejo pela recompensa imediata. d) Immanuel Kant defende a existência de um sistema dual pretensamente estruturando e orientando o Brasil contemporâneo: um código pessoal em coexistência com um sistema legal individualizante enraizado na ideologia burguesa liberal. Tal sistema dual expressar-se-ia na posição que “casa” e “rua” ocupariam na gramática social brasileira: a “casa”, domínio privado por excelência, seria o território da intimidade, do familiar, das relações pessoais, do parentesco, da afeição e do descanso; a “rua” (mercado, Estado, tráfego, entre outros), domínio público por excelência, seria um ambiente vivido e percebido como “a dura realidade”, esfera do trabalho, da luta, da disputa pela sobrevivência e, com bastante frequência, da punição. e) Faoro (2001) toma caminho particular no interior dessa perspectiva interpretativa: em vez do “patriarcalismo”, nossa peculiaridade moderna teria suas raízes no Estado patrimonial que se constituiu em Portugal desde os idos de sua formação. Durante 40 séculos, o Estado patrimonial português e sua burocracia estamental mantiveram o controle supremo de toda a dinâmica colonial, não só do ponto de vista político- administrativo e militar, mas também do ponto de vista cultural, econômico e até mesmo religioso. Mesmo o controle das oligarquias estaduais no período de 1889 a 1930 não teria representado mudanças tão substanciais, já que, com a queda da monarquia, teria prevalecido um tipo de relação autoritária entre as elites políticas (estaduais e locais) e suas bases, marcado por obediência pessoal e por extrema porosidade entre os domínios públicos e os âmbitos privados dos líderes mais proeminentes. A Revolução de 1930 representaria o fim do Estado de tipo patrimonial e a implementação do modelo burocrático de estilo weberiano em todo o serviço público brasileiro. 6. Analise os fragmentos a seguir. “Amigos, aí é que está: - o sujeito que quiser conhecer o Brasil terá que olhar o escrete. Não há nada mais Brasil do que Pelé. E repito: - todo o Brasil estava no goal que Pelé marcou, de cacetada, contra o País de Gales. Também a desgraça venta no futebol. Pior do que Canudos foi a vergonha épica de 50. No Maracanã inaugurado, o uruguaio Obdulio Varela venceu, no palavrão, o escrete e toda a nação.” (Nelson Rodrigues. O Brasil em campo. Rio de janeiro: Nova Fronteira, 2012, p. 14.) “Evidentemente, existe “verdade” na literatura, mas é a verdade da literatura – da mesma forma que existe uma verdade da ciência, embora ela só possa ser a verdade da ciência. Em ambos os casos, as verdades de que estamos falando afirmam seu valor de verdade porque seguiram fielmente o código de procedimento prescrito. Não é uma questão de marcar pontos na mesma liga dos que se dedicam à busca da verdade, mas de competir em diferentes ligas para ganhar diferentes troféus. Em última instância, é a compreensão que cada um tem da vocação sociológica que determina sua escolha, e não a superioridade intrínseca de rivais e competidores na mesma corrida e na mesma pista.” (Zygmunt Bauman. Para que serve a sociologia? Rio de Janeiro: Zahar, 2015, p. 30-31) Com base nos trechos citados, sobre o uso sociológico da metáfora literária do Brasil como país do futebol, analise as afirmativasa seguir. I. Tanto a sociologia quanto a literatura interpretam o futebol como fenômeno social, capaz de gerar identidade e mobilizar sentimentos e ações coletivas. II. Para a literatura e a sociologia, na sociedade brasileira o futebol extrapola a dimensão esportiva e está associado ao imaginário coletivo. III. Literatura e sociologia se aproximam na tentativa de explicar a realidade social captando aspectos materiais e simbólicos do cotidiano. Está correto o que se afirma em: a) I, apenas. b) II, apenas. c) III, apenas. d) I e II, apenas. e) I, II e III. 7. Porque o sociólogo, numa sociedade como a nossa, volta-se com tanta insistência para 41 os problemas de mudança? Quais são as características da mudança numa sociedade como a brasileira? Por que o controle da mudança é tão importante para o poder político das classes sociais dominantes? (Florestan Fernandes, 1979). Em seu livro, “Mudanças sociais no Brasil”, o autor analisa o motivo para estudar as mudanças. Sendo assim, analise as afirmativas abaixo e dê valores Verdadeiro (V) ou Falso (F). ( ) As sociedades humanas sempre se encontram em permanente transformação, por mais “estáveis” ou “estáticas” que elas pareçam ser. ( ) Mesmo uma sociedade tida como “estagnada” só pode sobreviver absorvendo pressões do ambiente físico ou de sua composição interna, as quais redundam e requerem adaptações sócio dinâmicas. ( ) As sociedades não sofrem mudanças com os acontecimentos históricos, sendo possível viver sem verificar mudanças em uma determinada sociedade se a mesma se constitui isolada. Assinale a alternativa que apresenta a sequência correta de cima para baixo a) F, F, V b) V, F, F c) V, V, V d) V, V, F e) F, F, F 8. (INSTITUTO AOCP - 2020 - Prefeitura de Betim - MG – Sociólogo) A sociedade brasileira é formada pelo encontro de diferentes culturas. A partir das discussões sobre a formação da cultura e identidade nacional, assinale a alternativa correta. a) A sociologia defende a ideia de que a discriminação é natural na sociedade, pois cada um dos indivíduos tem o direito de gostar ou não de outra pessoa. b) O relativismo cultural é uma postura analítica que considera os mitos e as narrativas folclóricas como elementos culturais subdesenvolvidos e primitivos. c) A sociologia afirma que os “índios de verdade” não utilizam roupas, nem tecnologias ocidentais. Nessa perspectiva, ao adotar os padrões civilizados de comportamentos, eles perdem sua condição de indígena e direito às terras florestais. d) No Brasil, o encontro entre as religiosidades dos povos africanos, indígenas e brancos europeus não alterou as características nativas desses povos. Por isso, não é possível afirmar a existência de um sincretismo religioso. e) Mesmo condenado pela legislação em vigor, o preconceito racial ainda é perpetuado na sociedade brasileira devido a mecanismos sociais/simbólicos que produzem e reproduzem as desigualdades de dentro da sociedade. 42 A SOCIOLOGIA CLÁSSICA 43 4.1 A TEORIA SOCIAL CLÁSSICA Os autores que foram considerados os clássicos da sociologia foram Durkheim, Weber e Marx, eles foram considerados importantes para sociologia devido a três pontos: 1. Desenvolveram uma teoria sociológica; 2. Desenvolveram uma teoria da modernidade; 3. Desenvolveram um projeto político. Cada um desses sociólogos ofereceu respostas para esses três pontos citados. 4.2 ÉMILE DURKHEIM Émile Durkheim, sociólogo francês, traz como principal objetivo a pretensão de conceder à sociologia uma reputação científica, assim, ele consegue colocar a sociologia dentro do mundo acadêmico e firma-la de forma definitiva como ciência. Suas principais obras foram da divisão do trabalho social, A regras do método sociológico, O suicídio, Formas elementares da vida religiosa, entre outros. Com relação aos três pontos abordados de contribuição dos sociólogos, pode-se elencar como contribuição de Durkheim a teoria sociológica da sociologia funcionalista; a teoria da modernidade da divisão social do trabalho; e o projeto político do conservador. Entre esses pontos o mais trabalhado até os tempos atuais é a teoria sociológica do funcionalismo. A teoria sociológica do funcionalismo é desenvolvida por Durkheim após ele observar que os sociólogos pouco tinham se preocupado com a questão do método na sociologia, assim, ele afirmava que era necessário ser elaborado “um método mais definido e mais adaptado à natureza particular dos fenômenos sociais” (DURKHEIM, 1974, p. 84) Para que esse método fosse criado e, deste modo, ele desenvolvesse a teoria funcionalista, Durkheim viu a necessidade de responder duas perguntas consideradas chaves da epistemologia sociológica: 1. Como era concebida a relação entre o indivíduo e a sociedade? O sociólogo considerou a sociedade como superior ao indivíduo, isto porque, de acordo com Sell (2001) Durkheim garantia que a explicação da vida social é fundamentada na sociedade e não no indivíduo. Isso não quer dizer que a sociedade exista sem os indivíduos, mas sim que as estruturas sociais após serem criadas pelos indivíduos passam a vigorar de forma independente, condicionando suas ações. É defendido por Durkheim que a sociedade é sui generis, em que a sociedade permanece enquanto os indivíduos passam. Nessa linha de raciocínio, deve-se então a sociologia explicar como o todo (que corresponde a sociedade) condiciona as partes que o compõem (que corresponde aos indivíduos). 2. Como era entendido o papel do método científico na elucidação dos fenômenos sociais? Durkheim aponta que para que uma ciência possa atingir a sua maturidade ela depende do método, assim, para que a sociologia possa ser considerada como uma ciência madura o foco deveria ser em seu método. O sociólogo afirma que “a primeira 44 regra da sociologia e a mais fundamental é a de considerar os fatos sociais como coisas” (DURKHEIM, 1974, p. 94). Ao equiparar os fenômenos sociais a “coisas”, Durkheim partia do princípio de que a realidade social é idêntica a realidade da natureza e que, portanto, equipara-se também aos fenômenos por ela estudados. Assim, tal como as “coisas” da natureza funcionam de uma forma independente da ação huma- na, cabendo aos cientistas penas mostrar suas regularidades; as “coisas” da sociedade também são uma realidade distinta da ação humana. Por isso, ao tratar os fatos sociais como coisas, Durkheim recomendava que os sociólo- gos evitassem as prenoções que já tinham sobre estas questões e que obser- vassem os fenômenos sempre de acordo com suas características exteriores, da forma mais objetiva e imparcial possível. A semelhança entre seus objetos de estudo (ambos considerados como “coisas”) permitiu a este autor postu- lar que, afinal, seus métodos de estudo também deveriam ser semelhantes (SELL, 2001, p. 30) Quando se diz que os fatos sociais devem ser tratados como coisas, isso quer dizer que é função do sociólogo elaborar a pesquisa assim como os demais cientistas, como o biólogo, o físico, entre outros. O sociólogo deve registrar na sociologia a pesquisa de forma mais imparcial possível. Deste modo, após responder essas duas questões, Durkheim começou a elaborar um método adequado para se entender os fenômenos sociais, se orientando pelo método biológico como orientador para a sociologia. Por meio de suas pesquisas, Durkheim retrata a sociologia como sendo um fato social, sendo definido como “toda a maneira de agir, fixa ou não, capaz de exercer sobre o indivíduo uma coerção exterior, ou ainda; que é geral no conjunto de uma dada sociedade tendo, ao mesmo tempo, uma existência própria, independente das suas manifestações individuais” (DURKHEIM, 1974, p. 93) A partir dessa definição é possível constatar que para Durkheim, nem todo fato que ocorre na sociedade pode ser considerado social, podendo destacar que o fato social se refere a formas de agir, pensar e sentir que existem fora da consciência individual. É estabelecido que para que um fatoseja social, eles devem ser: exteriores, coercitivos e objetivos, pois a maneira de agir do ser humano é de acordo com a sociedade, possuindo uma existência de forma independente do indivíduo. Com relação a coercitividade ela se manifesta em dois âmbitos, sendo eles o do direito e o dos costumes, assim, não obedecemos apenas às regras instituídas pelos códigos do direi- to, mas também inconscientemente obedecemos aos costumes e às tradições ensinadas pelos antepassados. FIQUE ATENTO Ao explicar a função social, Durkheim demonstra qual a função exercida por eles, desenvolvendo então a teoria funcionalista, que traz a comparação da sociedade com o corpo vivo, retratando que cada órgão possui uma função e, assim, analogicamente a sociedade possui várias partes, em que cada parte desempenha uma função em relação ao todo. 45 4.3 MAX WEBER Max Weber é considerado um importante sociólogo alemão que teve como influência a filosofia clássica, os filósofos neo-kantianos e o pensamento social alemão. Com relação aos três pontos abordados de contribuição dos sociólogos, pode-se elencar como contribuição de Weber a teoria sociológica da sociologia compreensiva; a teoria da modernidade da racionalização da cultura e da sociedade; o projeto político da neutralidade absoluta. Desses três pontos, um dos considerados mais importantes, sendo utilizado até os dias atuais é a teoria sociológica compreensiva, em que Weber tem como orientação sociológica o sujeito, trazendo um método em que o indivíduo é considerado um elemento fundamental na explicação da realidade social. As polêmicas teóricas de Weber estiveram em grande parte ocupada pelas discussões que existiam sobre os fundamentos epistemológicos, pois Weber se ocupou criticar os pressupostos epistemológicos do positivismo, se encarregando de proporcionar novos embasamentos teóricos para as ciências sociais. Émile Durkheim era um positivista, sendo um dos sociólogos em que Weber contrariava em seus estudos. FIQUE ATENTO Weber seguia a mesma linha de pensamento dos filósofos neo-kantianos combatendo o pressuposto dos positivistas que estabeleciam que as ciências sociais e as da natureza deveriam adotar o mesmo método. Assim, o sociólogo afirmava que “de tudo o que até aqui se disse resulta que carece de razão de ser um estudo “objetivo” dos acontecimentos culturais, no sentido em que o fim ideal do trabalho científico deveria consistir numa redução da realidade empírica a certas leis” (WEBER, 2003, p. 96). Com essa afirmação de Weber pode-se notar que ele crítica uma das premissas que justificava a identidade entre as ciências sociais e as ciências naturais que era promovida pelo positivismo, pressuposto esse que determinava que toda a realidade social pode ter como explicação o descobrimento de um sistema de “leis” próprios ao funcionamento da sociedade. Para compreender o embate entre as ciências sociais e as ciências naturais, Weber considera que uma ciência não se circunscreve a nenhum tipo de método exclusivista, antes optando por um método ou outro em função das circunstâncias e das exigências atuais. Os métodos generalizante e individu- alizante são tipos úteis para permitir uma melhor compreensão da forma de abordagem que escolhermos, mas em caso algum devem ser vistos como categorias rígidas de análise que espartilham e limitam uma ciência parti- cular e lhe tolhem as possibilidades de explicar uma determinada gama de fenômenos por recurso ora a um método ora a outro (FERREIRA, 1995, p. 95). 46 Assim, Weber considera como instrumento útil para as ciências sociais para interpretação da realidade o uso de leis científicas, para que elas não se tornem subjetivas, no entanto essas leis não devem ser a finalidade das ciências sociais. Além de uma concepção diferente dos positivistas sobre a relação das ciências sociais e naturais, Weber também discorda no que diz respeito a relação entre indivíduo e sociedade. Ele retrata então que: A sociologia interpretativa considera o indivíduo e seu ato como a unidade básica, como seu “átomo” – se nos permitirem pelo menos uma vez a com- paração discutível. Nessa abordagem, o indivíduo é também o limite superior e o único portador de conduta significativa (...). Em geral, para a sociologia, conceitos como “Estado”, “associação”, “feudalismo” e outros semelhantes de- signam certas categorias de interação humana. Daí ser tarefa da sociologia reduzir esses conceitos à ação compreensível, isto é, sem ex-ceção, aos atos dos indivíduos participantes” (WEBER, 1982, p. 74). Fazendo uma relação do pensamento de Weber com o pensamento estabelecido a respeito do indivíduo por Durkheim, é possível trazer que, o primeiro dispõe que o indivíduo é fundamental para sociedade, enquanto para o segundo a sociedade é superior ao indivíduo. A partir desse fato, Sell (2001) aponta que de acordo com Weber a existência da sociedade somente se realiza pela ação e interação recíproca entre as pessoas, sendo por ele sustado que o ponto de partida da análise sociológica só é possível ser dado pela ação dos indivíduos e que ela é individualista quanto ao método. A sociedade é composta por indivíduos, onde um único indivíduo não forma uma socieda- de, necessitando desta forma de mais de uma pessoa. Assim, com base no que já foi estu- dado é o indivíduo que é importante para a sociedade como dispõe Weber ou a sociedade é superior ao indivíduo como diz Durkheim? VAMOS PENSAR? Weber então define a sociologia como uma ciência que possui a pretensão de compreender de forma interpretativa a ação social e é encarregada de explicar essa ação em seus cursos e seus efeitos. Sendo a ação social o principal objetivo de estudo da sociologia, de acordo com Weber, Sell (2001)define ação social como uma ação que, quanto a seu sentido visado pelo agente ou pelos agentes, se refere ao comportamento de outros, orienta-se por este em seu curso. Entretanto, as ações sociais são infinitas não sendo a sociologia capaz de fazer um acompanhamento de todos os tipos de comportamento social. Foi devido a essa dificuldade, foi construído por Weber a teoria dos tipos de ação, em que ele aponta quais são os sentidos básicos da ação social, sendo apontado por Sell (2001)que são: 1. Ação social referente a fins: a ação é determinada por expectativas quanto ao comportamento de objetos do mundo exterior e de outras pessoas. As expectativas funcionam como condições ou meios que servem para alcançar fins próprios, ponderados e perseguidos racionalmente. Assim, nesse tipo de ação, o homem coloca determinados objetivos e busca os meios mais adequados para persegui-los. O motivo principal dessa ação é de alcançar sempre um resultado eficiente; 2. Ação social referente a valores: a ação é determinada pela crença consciente no valor (ético, estético, religioso, entre outros) absoluto e inerente a determinado 47 comportamento como tal, independente do resultado. Deste modo, o motivo da ação não corresponde a um resultado, mas sim a um valor, independentemente dos resultados positivos ou negativos que ela possa ter; 3. Ação social afetiva: a ação é determinada de modo afetivo, de forma especial, emocional, por afetos ou estados emocionais atuais; 4. Ação social tradicional: a ação é determinada pelo costume enraizado. Quando vários agentes partilham da ação social, é formada a relação social. Nas palavras de Weber essas quatro formas de ação são definidas da seguinte forma: Primeira: pode ser classificada racional em relação aos fins. Nesse caso a clas- sificação se baseia na expectativa de que objetos em condição exterior ou outros indivíduos humanos comportar-se-ão de uma dada maneira e pelo uso de tais expectativas como “condições” ou “meios” para tingir com suces- so os fins racionalmente escolhidos pelo indivíduo, em tal caso, será denomi- nada ação em relação a fins. Segunda: a ação social pode ser determinada pela crença consciente no valor absoluto da ação como tal, independentede quaisquer motivos posteriores e medida por algum padrão tal como ética, estética ou religião. Em tal caso de orientação racional para um valor absoluto será denominada ação em relação a valores. Terceira: a ação social pode ser determinada pela afetividade, especial de modo emocional, como resultado de uma configuração especial de sentimentos e emoções por parte do indiví- duo. Quarta: a ação social pode ser determina tradicionalmente, tornando-se costume devido a uma longa prática (WEBER, 2002, p. 41). Deste modo, atacando o positivismo, Weber contrapõe a teoria levantada de que a realidade social pode ser explicada através de um sistema de leis próprias que dê conta do funcionamento da sociedade. Weber então retrata a sociologia como a ciência que pretende entender e interpretar a ação social, para que, desta forma, possa explicá-la de forma casual em seu desenvolvimento e efeitos. 4.4 KARL MARX Karl Marx não foi um sociólogo de profissão, tendo elaborado suas obras para oferecer um entendimento aos operários a respeito do sistema capitalista, explicando sobre as leis de funcionamento desse sistema. Por meio dessa explicação Marx pretende construir um novo tipo de sociedade, sendo denominada de sociedade socialista ou comunista. Com relação aos três pontos abordados de contribuição dos sociólogos, pode-se elencar como contribuição de Marx a teoria sociológica da sociologia histórico-crítica; a teoria da modernidade do modo de produção capitalista; o projeto político revolucionário. O ponto importante dos estudos de Marx foi o materialismo histórico-dialético, tendo como ponto de partida o idealismo dialético de Hegel. FIQUE ATENTO Hegel ao perceber que o método que predominava na filosofia era o metafísico, decidiu apresentar o seu método dialético, em que tinha a intenção de entender a história como movimento. Fazendo uma distinção desses dois métodos, Sell (2001)aponta: 48 • Método metafísico: retrata que a essência das coisas não se modifica; • Método dialético: retrata que a realidade corresponde à um movimento constante. Nesses termos, Hegel fundamenta sobre a dialética ao explicar qual a razão ou a causa responsável por gerar o movimento constante. É apontado por Sell (2001) que segundo esse filósofo, todas as coisas estão em constante transformação, isto porque, todo ser é intrinsecamente contraditório, isto é, sua existência já contém em si sua própria negação. Essa ideia é chamada de princípio da contradição. Devido ao fato da palavra dialética estar próxima da palavra diálogo, esta última é utilizada para explicar a ideia de movimento, desta forma, no diálogo os pensamentos são formados devido a troca de palavras, ou seja, pela através da ação mútua de uma ideia com a outra, gerando movimento (SELL, 2001). Nessa linha de raciocínio, Hegel estabelece que todos os indivíduos passam por três momentos fundamentais: momento da afirmação, que corresponde a ideia em si e que retrata que a realidade é pensamento, sendo chamado de tese; momento da negação, trata da ideia fora de si e retrata que a realidade se torna matéria, chamado de antítese; e, momento da negação da negação, correspondente a ideia em si e para si, tratando a realidade como pensamento e matéria, conhecido como síntese. É a partir desses momentos que é possível observar a lei do movimento e da contradição. Sendo retratada a concepção de Hegel, pode-se retratar em que consiste o materialismo dialético de Marx, superando o idealismo de Hegel. Marx aponta que os pressupostos de seus pensamentos consistem em “pressupostos reais de que não se pode fazer abstração a não ser na imaginação. São indivíduos reais, sua ação e suas condições materiais de vida, tanto aquelas já encontradas, como as produzidas por sua própria ação” (MARX, 1993, p. 26) Os pressupostos estabelecidos por Marx são (MARX, 1993) 1. Os homens devem estar em condições de viver para fazer história. A primeira realidade histórica corresponde a produção da vida material; 2. Após a primeira necessidade ter sido satisfeita, a ação de satisfazê-la e o instrumento já adquirido para essa satisfação criam novas necessidades, onde elas constituem no primeiro ato histórico; 3. Os homens, que renovam diariamente sua própria vida, se colocam a criar outros, a se reproduzirem, constituindo assim a família; 4. Um modo de produção um estágio industrial possui sempre uma ligação com um modo de cooperação. A massa das forças produtivas determina o estado social; 5. Onde se observa que o homem tem consciência, em que ela nasce da necessidade, da existência de intercâmbio com outros homens. A consciência corresponde, desde o seu início a um produto social. É a partir desses pressupostos que Marx inverte a concepção de Hegel fundando o materialismo dialético, estabelecendo que o ponto de partido do real não corresponde mais ao pensamento, mas sim a vida material. Para ser realizada a análise social no materialismo histórico-dialético, o ponto de partida corresponde aos indivíduos reais e as suas condições materiais de existência. Essas condições determinando que as relações estabelecidas entre os homens estão condicionadas à forma como eles produzem seus meios de vida, assim como os vínculos materiais que estabelecem. A dialética marxista então se acentua na premissa de que “as formas econômicas sob as quais os homens produzem, consomem e trocam são transitórias e históricas” (MARX, 1993, p. 279) assim, Marx defendia que o capitalismo seria 49 superado dando lugar para o socialismo. O livro de Cleverson Lucas dos Santos, denominado “Introdução ao pensamen- to social clássico”, retrata as bases da sociologia clássica. Nele é retratado des- de a origem da sociologia até os pensamentos de forma mais aprofundada de Durkheim, Weber e Marx. LINK: https://bit.ly/3pWd89K BUSQUE POR MAIS Assista ao vídeo “O tripé da Sociologia: Durkheim, Weber e Marx”, onde é eluci- dada a importância que Émile Durkheim, Max Weber e Karl Marx tem para a sociologia, explicando porque eles são considerados o tripé da sociologia. LINK: https://bit.ly/38lyibt RELAÇÃO SOCIAL: Para a Sociologia a relação social corresponde ao relacionamento que existe entre duas ou mais pessoas em um determinado grupo social. as relações sociais correspondem a formação da base da estrutura social, sendo considerada o objeto básico da análise das ciências sociais. SUI GENERIS: Corresponde uma expressão latina que em sua literalidade significa “de seu próprio gênero”. Retrata assim uma ideia de raridade. Quando Durkheim diz que o fato so- cial é algo sui generis, ele quer dizer que ela possui suas próprias características. NEO-KANTEANOS: Se refere as pessoas que aderiram ao movimento do neokantismo, sen- do este, um movimento filosófico que são influenciadas pela filosofia crítica de Kant, in- cluindo várias tendências, direções, escolas e orientações. GLOSSÁRIO 50 1. (CESP-UFPA-2018) Em relação à sociologia durkheimiana, está correto atribuir-lhe a seguinte noção: a) A sociedade é para seus membros o que um Deus é para os seus fiéis, pois Ele nada mais é do que a divinização do social. b) As classificações sociais e mentais não são unificáveis porque constituem realidades de naturezas diferentes. c) Os elementos do pensamento lógico são os precursores das práticas e da experiência social. d) Religião e Ciência são formas de interpretar o mundo que tiveram origens diferentes, daí por que se utilizam de pressupostos distintos. e) Categorias como tempo, espaço, quantidade e qualidade são construídas individualmente e só em estágios posteriores são assumidas pela coletividade. 2. (NUCEPE – 2015) A respeito da metodologia utilizada nas Ciências Sociais, a proposta de Durkheim para o estudo dos fenômenos sociais é que, para analisá-los, é preciso tratá-los como se fossem a) ideias. b) coisas. c) pensamentos. d) sentimentos. e) conflitos sociais. 3. (NUCEPE-2015) De acordo com Émile Durkheim (1987), em sua obra intituladaAs regras do método sociológico, os fatos sociais consistem em formas de agir, pensar e sentir exteriores ao indivíduo, que têm poder de coerção que lhes impõe. Tais fatos não podem se confundir com fenômenos orgânicos e nem com fenômenos psíquicos, devem ser qualificados de sociais. Na definição de Durkheim para fatos sociais, o autor busca a) definir o status da sociologia através de similaridades com a psicologia. b) alternativas para a natureza coercitiva dos fatos sociais. c) definir o status da psicologia através de similaridades com a sociologia. d) definir, estabelecer, singularizar o objeto da sociologia. e) defender a visão integral do homem como ser bio-psico-social e fundar a ciência em base interdisciplinar. 4. (IF-RS-2015) Segundo Durkheim, a principal preocupação intelectual da sociologia é o estudo: a) Dos condicionantes sociais e políticos. b) Dos fatos sociais. c) Das mudanças que ocorrem na sociedade a partir da metade do século XVIII. FIXANDO O CONTEÚDO 51 d) Dos diferentes modos de a sociedade se organizar. e) Dos condicionantes culturais, sociais e econômicos. 5. (NUCEPE-2015) Os conceitos básicos da sociologia de Max Weber são a) mais-valia, materialismo e dialética. b) ação social, função social e fato patológico. c) tipo ideal, ação social e relação social. d) compreensão, ação social e materialismo. e) mais-valia, tipo ideal e dialética. 6. (NUCEPE-2015) Em Weber, a Sociologia é considerada como ciência compreensiva da ação social, que pode ser dividida em quatro tipos fundamentais: a) Racional com relação a fins, racional com relação a valores, afetiva e tradicional. b) Racional com relação à tradição, racional com relação a valores, afetiva e tradicional. c) Racional com relação a fins, racional com relação à tradição, afetiva e tradicional. d) Irracional com relação a fins, irracional com relação à tradição, afetiva e tradicional. e) Racional com relação a fins, irracional com relação à tradição, irracional afetiva e irracional tradicional. 7. (IF-RS-2015) Leia a seguinte frase e assinale o seu autor: “... a peculiaridade desta filosofia da avareza parece ser o ideal de um homem honesto, de crédito reconhecido, e, acima de tudo, a ideia do dever de um indivíduo com relação ao aumento de seu capital, que é tomado como um fim em si mesmo. Na verdade, o que é aqui pregado não é uma simples técnica de vida, mas sim uma ética peculiar, cuja infração não é tratada como uma tolice, mas como um esquecimento do dever. Esta é a essência do problema. O que é aqui preconizado não é um mero bom senso comercial – o que não seria nada original – mas sim um ethos. Esta é a qualidade que nos interessa”. a) Émile Durkheim. b) Karl Marx. c) Norbert Elias. d) Georg Simmel. e) Max Weber. 8. (SEDUC-2016) O materialismo histórico dialético, proposto por Karl Marx e Engels, denuncia a exploração do proletariado pelos donos dos meios de produção, utilizando os conceitos de mais-valia absoluta e mais-valia relativa. Constitui uma das variáveis utilizadas para diferenciar esses dois conceitos: a) a comercialização. b) a qualificação. c) o conhecimento. d) o governo. e) o tempo. 52 SOCIOLOGIA DE MATRIZ EUROPEIA E DE MATRIZ AMERICANA 53 5.1 MATRIZ EUROPEIA Os nomes da sociologia clássica desenvolveram matrizes que são consideradas até os dias atuais. Desta forma, cabe estudar em que consiste cada uma das matrizes de Durkheim, Weber e Marx. É dado o nome de matriz, pois representa uma forma de compreensão da contínua reflexão sociológica com relação a modernidade. 5.1.1 Émile Durkheim e a matriz da diferenciação social Os estudos sociológicos dispõem da sociedade a partir de dentro, onde cada um dos sociólogos retratam um diagnóstico diferenciado a respeito do social associado à modernidade. É apontado por Martucceli (1999) que a matriz da diferenciação social, favorece o processo de diferenciação da sociedade como forma de descrição da modernidade, sendo ela estruturada a partir dos pensamentos de Durkheim, trazendo também pensamentos de sociólogos como Talcott Parsons, Niklas Luhmann e Pierre Bourdieu. Durkheim retrata que existem dois tipos de solidariedade, a mecânica e a orgânica, sendo elas as formas de articulação do vínculo social, servindo como mecanismos de solução para se compreender como acontece as relações entre o indivíduo e a sociedade. Em sua obra De la division du travail social (Da divisão do trabalho social), Durkheim explica como o indivíduo, mesmo sendo autônomo, depende da sociedade. É possível apontar que em sua obra, o autor, traz a sociedade mecânica como uma sociedade segmentária, em que o indivíduo possui semelhança no que diz respeito aos elementos constitutivos partilhados da consciência comum. Nesse tipo de sociedade, os indivíduos não possuíam especialização de funções, estando todos agrupados. No que se refere a solidariedade orgânica, ela tem como característica primordial a diferenciação funcional, onde existe uma divisão de funções e os indivíduos são divididos. O que reforça a individualização dessa solidariedade é a formação de subgrupos especializados, que torno o indivíduo uma fonte independente de pensamento e ação. A solidariedade mecânica e a orgânica tratam-se de dois sistemas diferentes de relações sociais, em que a primeira corresponde a um só grupo de indivíduos que partilham de uma consciência em comum, não havendo individualização. Já no que diz respeito a solidarie- dade orgânica, ela divide os indivíduos em subgrupos especializados, o que retrata a indi- vidualização. FIQUE ATENTO Filho (2017) aponta que Durkheim com essas duas formas de solidariedade, enfatiza os seguintes aspectos: a) Ao passo que na solidariedade mecânica a relação entre o indivíduo e a sociedade ocorre sem que haja qualquer intermediação, na solidariedade orgânica essa relação é intermediada, pertencendo a grupos especializados; 54 b) Ao passo que na solidariedade mecânica a sociedade é entendida como um conjunto mais ou menos organizado de crenças e sentimentos comuns a todos os membros do grupo, nas sociedades em que atuam a solidariedade orgânica é verificada a presença de um sistema de funções diferentes e especializadas, unidas por relações definidas; c) A intensidade da solidariedade mecânica é considerada inversamente proporcional à da personalidade individual, isto é, atinge seu ápice no momento em que a consciência coletiva recobre a consciência de forma total e coincide em todos os pontos com ela. De forma contraria, a solidariedade orgânica, que é produzida pela divisão do trabalho social, pressupõe a personalidade e a esfera de ação própria dos indivíduos. Deste modo, é necessário que a consciência individual não fique de forma integral recoberta pela consciência coletiva. No entanto, Durkheim aponta que esses tipos de solidariedade não são possíveis de serem identificadas por meio de uma observação direta. Para fazer essa observação, o sociólogo utiliza um indicador direito, pois ele é responsável por codificar as regras indispensáveis para a vida social. O uso do direito como indicador decorre do fato dele variar de acordo com a sociedade que ele regra, assim, ele é focado como uma forma exterior que simboliza os tipos de solidariedade existentes na vida social. Nesses termos, é distinguido por Durkheim dois tipos de direito, sendo eles: 1. Direito repressivo: que possui como característica uma sociedade que seguem crenças e práticas comuns, servindo elas como consciência coletiva. A sanção para quem descumpre as regras desse direito consiste de forma essencial em uma dor ou em uma diminuição do agente, sendo considerada assim, uma sanção repressiva. 2. Direito restitutivo: que possui como característica uma sociedade diferente, que não possui crenças e práticas comuns. A sanção para que descumpri as regras desse direito consiste em uma reparação das coisas. Ao estudar sobre o direito repressivo e restitutivo, pode-se fazer uma analogia. Se você pra-tica um crime de assassinato, que tipo de direito você está infligindo? Caso você não pague uma dívida, você está infligindo o mesmo direito de quando você praticou um crime de assassinato? VAMOS PENSAR? Durkheim concebe o direito como personificação da solidariedade de uma dada sociedade, enquanto regramento moral. Desta forma, o direito seria determinado pela forma de diferenciação social e se alteraria de acordo com o desenvolvimento da sociedade, que, para o sociólogo consiste em uma reorganização da sociedade, sendo marcada pela divisão do trabalho social (VILLAS BÔAS FILHO, 2017). Assim, o centro da discussão de Durkheim é a complexidade estruturalmente permissível, isto é, o importante para o sociólogo é o tipo de diferenciação sistêmica e de forma secundaria a forma do direito, mesmo o concebendo como vinculado de forma estreita à forma de diferenciação. O sociólogo responsável por abranger esse estudo de Durkheim com relação a diferenciação funcional é Niklas Luhmann. Esse sociólogo retrata que na modernidade a diferenciação funcional não corresponde mais a divisão social do trabalho, ela 55 corresponde diretriz de um tipo de sociedade que possui como característica o encerramento operacional de diversos sistemas que, mesmo difundindo suas estruturas por toda a sociedade, se identifica pela individualidade dos problemas a que respondem em relação ao sistema social mais abrangente. O livro a sociologia de Durkheim de Philippe Steiner, traz as contribuições de Durkheim para a sociedade, tratando também do processo de socialização. LINK: https://bit.ly/3oqNp9d BUSQUE POR MAIS [A razão]... desempenha o papel do instrumento de adaptação e não do tran- quilizante, como poderia dar a entender o uso que o indivíduo às vezes faz dela. Sua astúcia consiste em fazer dos homens feras dotadas de um poder cada vez mais extenso, e não em estabelecer a identidade do sujeito e do ob- jeto (ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p. 208). A razão transita pelo pensamento do sociólogo Max Weber, em que, no seu processo de racionalização possui ligação com as mudanças estruturais, sociais e culturais que as sociedades passam com o decorrer do tempo. Ao se procurar o que vem a ser racionalidade na teoria weberiana, existem outras expressões a ela relacionada, como “racionalismo” e “racionalização”, onde o seu conceito varia de acordo com a ocasião em que é empregada. No entanto, a racionalidade foi conceituada de forma majoritária, como sendo um desenvolvimento teórico, criação de uma imagem do mundo cada vez mais precisa ou ainda, como utilidade prática para a resolução de problemas objetivos, em uma busca por otimizar o cálculo de meios, de forma que este seja feito sempre de uma forma eficaz (WEBER, 1982). Em seu livro Economia e Sociedade, Weber trata da racionalidade, fazendo a distinção entre a racionalidade formal e a substantiva e a racionalidade meio finalística e a racionalidade quanto aos valores. No que diz respeito a essa diferenciação, Thiry- Cherques (2009) traz as definições do que vem a ser cada um desses tipos de racionalidade, sendo assim: • Racionalidade formal: formada pela calculabilidade e predicabilidade dos sistemas jurídico e econômico das sociedades modernas, acarreta regras fixas, especialização, hierarquias, treinamento. Quando referida nas organizações, a racionalidade formal encontra-se presente nos materiais como o burocrático e o contábil. • Racionalidade substantiva: corresponde ao que contém nos fins operacionais dos sistemas legal, econômico e administrativo, levando em consideração o contexto social que encontra-se inserida. Difere da racionalidade formal devido a sua lógica que é definida em decorrência dos objetivos e não dos processos. No que diz respeito a distinção entre a racionalidade meio finalística e a racionalidade quanto aos valores, possui ligação com a definição de ação social 5.1.2 Max Weber e a matriz da racionalidade 56 [...] deriva do fato de existirem vários tipos de ações e cada tipo corresponde a um grau de maior ou menor racionalidade. A ação que é racional quanto aos fins que se propõe a alcançar, a ação que é racional quanto aos meios empre- gados, a ação “afetiva”, que é racional quanto aos sentimentos, a ação tradicio- nal que está próxima da irracionalidade, já que fundada unicamente no hábi- to. De modo que um comportamento racional não precisa, necessariamente, obedecer a uma lógica finalística. Pode ser “valor-racional”, sempre que seus fins ou seus meios sejam religiosos, morais ou éticos e não diretamente liga- dos à lógica formal, à ciência ou à eficiência econômica (THIRY-CHERQUES, 2009, p. 899). Por meio desse apontamento de Thiry-Cherques (2009), é possível dispor que a ação social racional com relação a fins corresponde a ação que é considerada de forma estrita racional, onde é tomado um fim e este é então buscado racionalmente havendo a escolha dos melhores meios para que ele se realize. No que diz respeito a ação social racional com relação a valores, o que orienta não é o fim, mas o valor, seja ele religioso, político, ético, entre outros. Através do conceito de racionalidade, Weber ainda aponta que o indivíduo atravessa pelo irracionalismo do mundo, devendo saber lidar com a irracionalidade. O sociólogo aponta como um dos aspectos irracionais chamado de politeísmo de valores, que advém das escolhas dos valores que o indivíduo pretende adotar e os ideais que ele deseja lutar. Na concepção de Weber, a partir da racionalidade o indivíduo começava a substituir os seus hábitos tracionais de conhecer o mundo, de organizar a sociedade e de elaborar ação política, isso não significa que o indivíduo passa a negar as suas tradições, mas sim, que as tradições perdem a sua importância nos campos da ação racional que a sociedade começava a entender. Isso foi conhecido como o desencantamento do mundo, onde a humanidade partiu de um universo em que predominava o sagrado, o mágico, chegando ao mundo racionalizado, material, manipulado pela técnica e pela ciência. Um dos meios através do qual essa tendência à racionalização se atualiza nas sociedades ocidentais é a organização burocrática. Da administração pública à gestão dos negócios privados, da máfia à polícia, dos cuidados com a saúde às práticas de lazer, escolas, clubes, partidos políticos, igrejas, todas as institui- ções, te-nham elas fins ideais ou materiais, estruturam-se e atuam através do instrumento cada vez mais universal e eficaz de se exercer a dominação que é a burocracia (QUINTANEIRA, 2002, p. 131). A organização burocrática pode tanto intensificar o centralismo que decorre da racionalização, superando com isso os valores democráticos, como também pode representar um elemento de democratização, tendo em vista que, diante da norma burocrática, todos são em princípio rigorosamente iguais. Assim, Weber acreditava que a racionalização se fixava de forma maior nas sociedades em que a propriedade dos meios de produção fosse coletivizada. Foi a burocratiza e o capitalismo os marcos da racionalização. Em suma, a matriz da racionalidade de Max Weber traz que todo indivíduo por serem seres de cultura, que possuem capacidade e vontade, pode assumir a posição em face do mundo de forma consciente e a ela lhe dá um sentido. Se desvinculando das crenças religiosas e da “magia”, as pessoas começam a agir de acordo com o seu consciente, buscando aquilo que lhe é melhor. 57 O livro Sociologia de Max Weber de Catherine Colliot-Thélène, além de tratar da formação e da carreira de Weber, ele traz a questão da racionalidade para We- ber, como também as condutas de vida e as potências sociais. LINK: https://bit.ly/3pRzglI BUSQUE POR MAIS A produção é considerada a atividade vital do trabalhador, sendo através dela que o homem se humaniza. Por meio da produção, o indivíduo estabelece relações sociais e extraem da natureza o que necessitam. Foi a partir desse ponto de produção que Marx reflete sobrea apropriação pelos não-produtores de uma parte do que é produzido pelo trabalhador, desenvolvendo a partir disso a sua concepção sobre classe, exploração, opressão e alienação. Marx analisou a organização social dispondo que ela era baseada em dois grupos, um que trabalhava e outro que vivia do trabalho dos outros, sendo trabalhado escravo ou qualquer outro meio de exploração. A partir dessas analises ele trouxe a ideia de classe, em que os indivíduos de forma isolado só formam uma classe quando travam uma luta comum contra outra classe, deste modo, em seu livro O Capital, em que Marx retrata a Teoria das Classes Sociais, ele retrata que existem três classes sociais: os operários assalariados, os capitalistas e os proprietários fundiários; eles são classificados a partir do seu rendimento. Os indivíduos que constituem a classe dominante possuem, entre outras coi- sas, uma consciência, e é em consequência disso que pensam; na medida em que dominam enquanto classe e determinam uma época histórica em toda sua extensão, é lógico que esses indivíduos dominem em todos os sentidos, que tenham, entre outras, uma posição dominante como seres pensantes, como produtores de ideias, que regulamentem a produção e a distribuição dos pensamentos de sua época; as suas ideias são, portanto, as ideias domi- nantes de sua época (MARX, 1993, p. 56). Deste modo, é apontado por Marx que primeiramente as classes sociais se definem em uma relação de classes, isto é, cada classe se define em contradição com outra classe na partilha do excedente econômico. A partir dessa contradição é formada uma comunhão e depois uma consciência de classe, que ocasionam a organização de uma classe em partido político diverso das outras classes. Os aspectos da teoria marxiana sobre as classes e a relação conflituosa entre elas é disposta por Marx da seguinte forma Pelo que me diz respeito, não me cabe o mérito de ter descoberto a existência das classes na sociedade moderna, nem a luta entre elas. Muito antes de mim, alguns historiadores burgueses tinham exposto o desenvolvimento histórico desta luta de classes, e alguns economistas burgueses, a sua anatomia. O que acrescentei de novo foi demonstrar: 1) que a existência das classes está unida apenas a determinadas fases históricas do desenvolvimento da produção; 2) que a luta de classes conduz, necessariamente, à ditadura do proletariado; 3) que esta mesma ditadura não é mais que a transição para a abolição de todas as classes e para uma sociedade sem classes (MARX, 1975, p. 481). 5.1.3 Karl Marx e a matriz da estrutura social 58 Quintaneiro (2002) aponta que nesses termos, o Manifesto comunista se inicia com a afirmativa de que as classes sociais sempre se enfrentaram e mantiveram uma luta constante, onde seu resultado foi a transformação revolucionária de toda a sociedade ou pelo colapso das classes em luta. Deste modo, pode-se dizer que a história da luta de classes corresponde a história das sociedades em que a estrutura produtiva se baseava na apropriação privada dos meios de produção. Antes mesmo de representar um confronto, a luta de classes representa a existência de contradições em uma estrutura classista, tendo em vista que as classes dominantes se sustentavam na exploração dos trabalhos dos que não são proprietários nem possuidores dos meios de produção, assim, a relação entre essas classes não pode ser outra senão a de conflito. A luta de classes é considerada como o motor da história, pois é por meio dela que as prin- cipais transformações estruturais são impulsionadas. A classe que é explorada corresponde ao mais potente agente da mudança. FIQUE ATENTO Para fins analíticos, Marx distingue conceitualmente as classes em si, conjun- to dos membros de uma sociedade que são identificados por compartilhar determinadas condições objetivas, ou a mesma situação no que se refere à propriedade dos meios de produção, das classes para si, classes que se orga- nizam politicamente para a defesa consciente de seus interesses, cuja identi- dade é construída também do ponto de vista subjetivo (QUINTANEIRA, 2002, p. 41). O livro a sociologia de Marx de Jean-Pierre Durand, retrata os elementos que fundamentaram os sociólogos marxistas. Trata do pensamento de Marx e de toda a sociologia do trabalho. LINK: https://bit.ly/3nkJn0N BUSQUE POR MAIS 5.2 MATRIZ AMERICANA A Sociologia se desenvolveu nos Estados Unidos no fim do século XIX, seu marco histórico foi a fundação da Escola de Chicago em 1892. O estudo de grande contribuição que desempenhou uma profunda influência na sociologia de Chicago foi o interacionalismo simbólico. Pode-se elencar como fundadores do interacionismo os pesquisadores George Herbert Mead, John Dewel, Charles Horton Cooley e William I. Thomas. De acordo com Mendonça (2002) o mais influente dos pesquisadores foi George Mead, que possuía uma abordagem denominada de início por “behaviorismo social”, em que foi entendido a descrição do comportamento do nível humano em que o dado principal é o ato social concebido tanto como um comportamento observável, externo, quanto com uma atividade encoberta, não observável. Rose (1962) sintetiza que as principais proposições do behaviorismo social de Mead 59 em cinco pontos, sendo eles: 1. Vivemos em um ambiente ao mesmo tempo simbólico e físico, e somos nós que construímos as significações do mundo e de nossas ações nele com a ajuda de símbolos. 2. Graças a esses símbolos “significantes”, que Mead distinguia dos “signos naturais”, temos a capacidade de “tomar o lugar do outro”, porque temos em comum com os outros os mesmos símbolos. 3. Temos em comum uma cultura, um conjunto elaborado de significações e valores, que guia a maior parte de nossas ações e nos permite prever, em grande medida, o comportamento dos outros indivíduos. 4. Os símbolos, e, portanto, também o sentido e o valor a eles ligados, não são isolados, mas fazem parte de conjuntos complexos, diante dos quais o indivíduo define o seu “papel”, definição esta que Mead chama de “mim”, que varia segundo os grupos sociais com que está lidando, ao passo que o seu “eu” é a percepção que tem de si mesmo como um todo. 5. O pensamento é o processo pelo qual soluções potenciais são, antes de mais nada, examinadas sob o ponto de vista das vantagens e desvantagens que o indivíduo teria com elas em relação a seus valores e depois, finalmente, são escolhidas; é uma espécie de substituição do comportamento de “tentativa e erro”. Um “ato”, portanto, é uma interação contínua entre o “eu” e o “mim”, é uma sucessão de fases que acabam cristalizando-se em um comportamento único. No entanto, a teoria do interacionismo ficou melhor conhecida através dos estudos de Herbert Blumer, sendo defendido que, no interacionismo, a vida social é vista como um processo de desdobramento que consiste no fato da pessoa interpretar seu ambiente e atuar com base nessa interpretação. Outra importante teoria desenvolvida na Escola de Chicago foi a de Talcott Parsons, que tratou do funcionalismo estrutural. Em seus estudos, Parsons retratou que o funcionalismo deve observar a estrutura social, procurando entender a sociedade como um sistema que procura o equilíbrio. Deste modo, o primeiro passo para concepção dessa teoria era o reconhecimento do funcionalismo e, o segundo passo, corresponde ao entendimento das ações sociais e da coesão social. Parsons dispõe que o sistema social é considerado uma totalidade integrada que se sobrepõe as pessoas e aos grupos na conjunção das sociedades, onde determina suas ações e os seus repertórios de ações individuais e coletivas. Deste modo, deve ser Leia o artigo “Chicago” no Brasil: a importância da redescoberta da cidade e da “raça”, escrito por Frank Eckardt. Em que é tratado o legado da Escola de Chica- go para o Brasil, cujo que, os estudos dessa Escola podem ajudar na compreen- são da sociologia urbana. LINK: https://bit.ly/3q2OFPY BUSQUE POR MAIS 60 CALCULABILIDADE:Retrata ao que pode ser calculado. Quando se retrata que a raciona- lidade formal tem como característica a calculabilidade, quer dizer que ela está presente nos aparelhos contábeis. Calcula os meios para alcançar os fins. PREDICABILIDADE: Retrata algo que é predicável, aquilo que pode ser pregado ou acon- selhável. GLOSSÁRIO 61 1. (IF – RR – 2015) Considerando as discussões de Emile Durkheim, presentes no livro “Da Divisão do Trabalho Social”, pode-se considerar que: a) a justiça em sociedades arcaicas não representa os sentimentos coletivos. b) o conceito de divisão do trabalho aproxima-se dos economistas (liberais e socialistas) de sua época. c) nas sociedades em que predomina a solidariedade mecânica, a consciência coletiva atinge a maior parte das consciências individuais. d) o direito repreensivo e restitutivo seriam conceitos semelhantes e revelam a consciência coletiva particular de sociedades arcaicas e) nas sociedades de solidariedade mecânica, a menor parte da consciência organiza-se mediante os imperativos e proibições sociais. 2. (FCC – 2016) Considere o trecho abaixo: “[...] o capítulo o “Iluminismo como mistificação das massas” abre com uma refutação de suas teses sociológicas. Com efeito, ...... pensava que o crescimento da divisão do trabalho levaria a um processo de diferenciação social que só poderia ser integrado ao todo social no seio de um novo tipo de solidariedade, a solidariedade.” Preencha, correta e respectivamente, as lacunas da frase acima: a) Weber − solidariedade orgânica. b) Durkheim − solidariedade mecânica. c) Marx − solidariedade mecânica. d) Durkheim − solidariedade orgânica. e) Weber − solidariedade mecânica. 3. (INSTITUTO AOCP – 2020) A produção teórica de Max Weber abrange diferentes áreas do conhecimento social. Assinale a alternativa correta sobre as obras weberianas. a) A ideia de que a sociedade define os indivíduos é premissa para a produção metodológica e epistemológica da teoria de Weber. b) A teoria dos “tipos ideais” é uma construção de conceitos que parte da síntese do método individualizante (compreensivo) e do próprio objeto de estudo. c) Os “tipos ideais” são uma normatização e tradução objetiva da realidade com o intuito, segundo Weber, de formar um quadro homogêneo do pensamento sociológico. d) O conceito de racionalização representa o essencial para a compreensão da teoria de Weber sobre a modernidade. e) Os tipos puros de ação social não se enquadram na metodologia dos tipos ideais de Max Weber. FIXANDO O CONTEÚDO 62 4. (CONSULPLAN – 2019) (F on te : Q U IN O . To d a M af al d a. S ão P au lo : M ar ti n s Fo n te s, 2 0 10 .) O quadrinho expõe uma situação em que a pobreza é vista como uma escolha individual. Dentre os autores das ciências sociais, qual pensador expõe que as ações dos indivíduos são passíveis de uma compreensão social? a) Karl Marx. b) Habermas. c) Max Weber. d) Pierre Bourdieu. e) Émile Durkheim. 5. (CEPS – UFPA – 2018) Sobre as noções ligadas ao conceito de racionalização em Max Weber, é correto afirmar que: a) a dominação racional-burocrática envolve um processo de neutralização do avanço da secularização nas instituições sociais. b) Weber via a desumanização prosperar num mundo em que a liberdade está em risco diante da excessiva burocratização. c) a racionalidade de uma organização é medida pelo grau com que possibilita e assegura a ação racional com respeito a valores de seus membros. d) o invólucro racional-burocrático da sociedade moderna tende a conduzir o processo social rumo a uma situação de anomia. e) na sociedade moderna a legalidade formal perde cada vez mais a sua condição de fundamento da legitimidade do Estado. 6. (IF – RR – 2015) A ciência para Weber seria também um aspecto do processo de racionalização das sociedades modernas. Nesse contexto é possível deduzir que: a) a ciência seria um processo definitivo mediado pelo juízo de valor do conhecimento do cientista. b) a ciência como parte do processo histórico de racionalização implica o não acabamento essencial e a objetividade. c) a conduta humana, central na reflexão weberiana, não possuiria intelegibidade intrínseca e possuiria um sentido neutro. d) o projeto iluminista orquestrado por Weber pretendia aproximar o compreensivismodo materialismo histórico-dialético. e) a objetividade do conhecimento nas ciências sociais na perspectiva positivista se relaciona com o problema do julgamento de valor e da relação do valor com o conjunto 63 sociedade. 7. (FCC – 2018) Sobre a centralidade da classe trabalhadora no modo de produção capitalista, segundo Karl Marx, é correto afirmar que: a) a classe trabalhadora é decisiva pelo papel fundamental que exerce no processo de criação de valores. b) a importância dos trabalhadores diminui na mesma proporção em que são cada vez mais intensivamente explorados. c) a nova divisão sexual do trabalho impôs uma diminuição do número total de trabalhadores. d) o uso de máquinas informatizadas substitui a força de trabalho dos operários, o que resulta em seu descarte na esfera produtiva. e) a substituição do trabalho vivo pelo trabalho morto mantém inalteradas as relações entre trabalho e capital. 8. (CEPS – UFPA – 2018) Sobre a dinâmica das mudanças sociais, está de acordo com o pensamento de Karl Marx afirmar que: a) a sociedade é formada por forças antitéticas que geram mudança social através das suas tensões e lutas. b) as transformações que ocorrem na base econômica da sociedade só afetam de modo residual e restrito o funcionamento das instituições sociais. c) a organização das atividades econômicas, leva à divisão do trabalho, que fortalece a consciência coletiva. d) as classes antagônicas, por não conseguirem construir consensos, perdem a condição de atores principais da história. e) devido à dominância intelectual da elite, as classes oprimidas não podem criar ideologias contrárias para combater as classes dominantes. 64 REFLEXÕES SOBRE A SOCIOLOGIA BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA 65 6.1 A GLOBALIZAÇÃO A globalização é um fato social que atinge todo o mundo, pois ela consiste em um processo de aprofundamento da integração política, econômica, cultural e social, tendo sido impulsionada pelo baixo custo dos transportes e da comunicação mundial no fim do século XX para o início do século XXI. Inicialmente ao se falar em globalização a maioria das pessoas assimilam de imediato a questão econômica, por ser esse um dos pontos mais importantes desse processo. A questão econômica da globalização abarca diferentes áreas como a financeira, a comercial e a industrial. • Globalização econômica financeira: como consequência da globalização financeira, as moedas de vários países podem ser adquiridas com facilidade em grande parte das nações, além disso, ao viajar, pode-se utilizar o cartão de crédito para realizar saques em agências de outros países. Os mercados financeiros mundiais estão entrelaçados, onde os indivíduos podem realizar transações bancárias via internet. Deste modo, as pessoas podem investir não só no seu país de origem, como também em outros países, a exemplo de compra de ações da Bolsa de Valores. • Globalização econômica comercial: foi a partir do ano de 1970 que os países começaram a reduzir as barreiras comerciais, mas ainda não é permitido o livre comércio entre os países devido a proteção dos setores menos competitivos da economia. No entanto, não houve apenas a globalização econômica. A globalização política se difundiu, transportando ao mundo ideias e valores morais e sociais democráticos, como exemplo, pode-se citar os direitos humanos que buscam uma consciência mundial. Devido a globalização, foi expandido e espalhado pelo mundo duas importantes ideias. A primeira diz respeito ao campo da política, constando os valores democráticos, possibilitando aos indivíduos o direito de escolher de forma livre os seus representantes e ao seu direito da livre manifestação nas ruas. A segundapossui relação com a economia, trazendo o neoliberalismo, possibilitando o livre mercado e o Estado mínimo. A livre manifestação corresponde a liberdade de expressão e de informação, onde foi possibilitado ao indivíduo o direito de expressar as suas ideias, mesmo sendo elas contrárias às dominantes. Entretanto, é possível elencar as consequências que a globalização ocasionou, mesmo tendo sido ela um processo de grandes conquistas para os indivíduos. Entre as consequências sociais, Marcon (2014) cita: • Aumento das desigualdades sociais: ampliação do distanciamento existente entre o rico e o pobre que vem ocasionando o aumento do desemprego e, como consequência, há o aumento no número de pessoas excluídas dos serviços sociais; • Maior eficiência do crime organizado: devido ao aumento da tecnologia e seu desenvolvimento, foi proporcionado a gangues e máfias se organizarem em rede. As máfias e cartéis de drogas estão trabalhando de forma conectada, havendo uma facilidade e uma maior eficiência do seu trabalho. O crime organizado global realiza diferentes atividades, como tráfico de drogas e de armas, lavagem de dinheiro, contrabando de imigrantes ilegais, tráfico de mulheres, entre outros. • Ressurgimento do trabalho escravo: houve o ressurgimento do trabalho escravo em diversos países, a exemplo da índia, Paquistão, Nepal, África e Brasil. • Crescimento do trabalho infantil: vem sendo cada vez mais encontradas crianças 66 trabalhando em diversos setores da economia. Além de consequências sociais, a globalização tem causado grande prejuízo ao meio ambiente, sendo ela considerada uma ameaça. A globalização sem controle coloca em risco o próprio meio ambiente. Sur- gem novas epidemias. Os riscos de aquecimento global mostram-se cada vez maiores, enquanto as fontes de energia não renovável se esgotam, as flores- tas são consumidas e a água disponível se extingue. Caso as metas do milê- nio relacionadas à redução da pobreza não sejam cumpridas e os padrões de consumo dos países ricos não sejam alterados, a saúde ambiental entrará em colapso (SILVA, 2010, p. 132). Os reflexos da globalização são mundiais, mas acarretam grandes prejuízos no Brasil, por ser um país diversificado e grande, onde a população vem cada dia mais aumentando. A sociedade brasileira pode ser estudada a partir das pesquisas do interacionismo simbólico da matriz americana, em que as pessoas estão interpretando o ambiente em que vivem e vivendo de acordo com esse ambiente. 6.2 A SOCIOLOGIA E A VIOLÊNCIA NO BRASIL Como responsável pelos fatos sociais e o comportamento da sociedade referente as relações entre os indivíduos, a sociologia se preocupa com o estudo da violência. Assim, quando na sociedade existem relações tensas que remetem a agressão com a finalidade de atingir a dignidade dos indivíduos, a sociologia começa a se preocupar com os fatos sociais que ali estão emergindo. A Sociologia parte da seguinte premissa reflexiva: no tempo atual vive-se no desespero de entender o homem e, a partir disso, tentar criar formas de con- vivência razoáveis, dignas e potencializadoras das lógicas solidárias existentes em cada indivíduo. É esta lógica de ser sapiens a única capaz de controlar o demens, que é concorrencial, destruidor e ilógico. Pressupostos que levam a acreditar que é possível criar estruturas objetivas que protegem as dimensões pacíficas e racionais da vida ou, ao menos, de forma mais ampla, se acredita poderem equilibrar homo sapiens e homo demens pelo fortalecimento da cultura humana (SILVA, 2010, p. 14). No entanto, mesmo com esse posicionamento de Silva, ainda é complicado entender as relações sociais atuais, isto porque, os seus humanos ainda são considerados seres desconhecidos, isto é, não se tem um entendimento único sobre o homem. Vive-se em uma cultura da violência, onde depois da globalização além do setor financeiro, a desigualdade social vem ocasionando grande violência do meio populacional. Com relação a violência social, Gullo (1998)dispõe que ela corresponde a uma resposta para o sistema que se associa à forma de poder vigente onde a oposição entre dominante e dominado se reproduz de acordo com o contexto das relações sociais que o grupo desenvolve e, em consequência, termina em medidas legais e jurídicas do próprio sistema. Trazendo essa definição, o autor em questão retrata que a violência social possui três pontos principais, sendo eles: 1. A violência corresponde a um fenômeno social característico de qualquer tipo de sociedade; 2. A forma sob a qual se manifesta reflete o tipo de sociedade e mostra o seu significado nessa sociedade; 67 3. A violência depende de estímulos que provém da própria sociedade. Assim, deve-se pensar a violência social como um fenômeno interno a sociedade que a acompanha desde os tempos remotos, se manifestando a cada tempo forma e circunstância diferentes. Com o crescimento social e as crises financeiras que o país vem enfrentando, o quanto as notícias de crimes aumentaram? Entre conceder trabalho a pessoa em uma posição social melhor e uma pessoa pobre, quem é preferível para o empresário? As oportunidades para as pessoas pobres são as mesmas das pessoas de classe média e alta? VAMOS PENSAR? Nesse contexto, desde a década de 1970 que no Brasil vem crescendo o sentimento de medo e de insegurança. Esse sentimento cresce e as estatísticas oficiais de criminalidade também apresentam números maiores. Deste modo, as ciências sociais se ocuparam em pesquisar os movimentos desse elevado número na criminalidade, Adorno (2002)traz três pontos elencados pelos pesquisadores: 1. Mudanças na sociedade e nos padrões convencionais de delinquência e violência. Pode-se observar que nos últimos 50 anos o país vem passando por aceleradas mudanças que jamais tinham sido experimentadas, podendo citar como exemplo as mudanças nos processos de produção, nos processos de trabalho, na forma de recrutamento, distribuição, destinação e utilização da força de trabalho; novas formas de acumular o capital e de aglomeração industrial e tecnológica; entre outros. As mudanças aceleradas ocorridas no Brasil repercutem no mundo da violência, do crime e dos direitos humanos, ocasionando em sua grande maioria em crimes contra o patrimônio, através do uso de armas de fogo. Além disso, esse cenário se torna propicio para a corrupção. 2. Violência e desigualdade social: apesar dos estudos recentes estarem contestando a relação da pobreza com a delinquência e violência, é inevitável reconhecer que na sociedade brasileira, nos bairros periféricos, que é onde residem as pessoas mais pobres, a violência é maior, havendo conflitos sociais, interpessoais e intersubjetivos. Deste modo, a desigualdade social é um dos maiores fatos que geram a violência. São inúmeras pessoas que vivem em extrema pobreza, sem oportunidade de emprego, que recorrem diversas vezes ao mundo do crime para conseguir se alimentar. Adorno (2002) ainda retrata que a crise econômica é responsável por afetar da população, sobretudo para as pessoas de baixa renda, assim, se as pessoas de baixa renda já possuem poucas oportunidades, em meio à crise eles são afetados e nessa linha, a violência cresce ainda mais. • Crise no sistema de justiça criminal: o sistema de justiça criminal composto pelos agentes policiais, ministério público, tribunais de justiça e sistema penitenciário, é considerado incapaz de conter o crime a violência no Brasil. Isso se dá pelo fato do sistema não inovar e vim operando da mesma forma de 50 anos atrás, mesmo percebendo a evolução do crime, em outras palavras, houve o aumento na criminalidade e na forma como os crimes são feitos e os meios para contê-los continuam os mesmos. A maior consequência existente dessa crise constitui na descrença das pessoas no sistema para controlar a criminalidade, desencadeando em pessoas que ou contratam 68 segurança privada, ou pagam aos traficantes pela sua segurança ou até mesmocompram armamento para se defender por conta própria, o que ocasiona um aumento na violência. Deste modo, a violência forma uma sociedade controlada pelo medo e pela desconfiança, formando uma sociedade presa em suas próprias casas, devido ao medo, conforme aponta Santos (2009, p. 244-245). [...] em cidades grandes, médias, ou, até mesmo, de pequeno porte, não é pre- ciso ir muito longe para observarmos o grande número de casas com cercas elétricas, portas e janelas com grades de proteção ou até mesmo com placas que identificam empresas de segurança privada que monitoram algumas re- sidências vinte e quatro horas por dia, evitando que estas casas sejam invadi- das por pessoas que escolheram a vida do crime como forma de sobrevivência na dinâmica social. É de responsabilidade do Estado controlar a violência e garantir uma maior segurança aos indivíduos, para que possam viver bem em sociedade e passem a confiar novamente nas pessoas. 6.3 A DESIGUALDADE SOCIAL A desigualdade social é elencada como um componente estrutural da sociedade, correspondendo a um elemento que nunca desaparece da vida dos indivíduos. No ponto da desigualdade social podemos trazer as ideias de Karl Marx sobre a luta de classes, a classe média/baixa trabalha para que os ricos fiquem ainda mais ricos, recebendo por vezes salários mínimos com relação aos ganhos dos proprietários. Já no contexto do sociólogo Durkheim a desigualdade social resultada da estratificação social ocorrida em decorrência do capitalismo. E, para Weber, a desigualdade social resulta daquilo que você tem, assim, aquilo que você compra determina a qual classe você pertence. Marcon (2014) retrata que a sociedade pode ser estruturada através de três elementos: 1. Classes sociais: conceito estabelecido por Karl Marx, em que dispõe que a desigualdade se estabelece nas relações de produção. As classes constituem um sistema de relações, podendo citar como exemplo o capitalismo que existe a burguesia e o proletariado. 2. Estamente: conceito elaborado por Max Weber, que estabelece que o estamento se baseia no modo de vida, no modo formal de educação e no prestígio obtido hereditariamente ou profissionalmente. Um indivíduo não pode sair de seu estamento, pois este é regido por normas que definem a posição, os privilégios e as obrigações dele dentro da sociedade. As regras mantêm uma hierarquia de ocupações sancionada por Deus, cada pessoa tem de executar as tarefas próprias de sua ocupação. O estamento existia durante séculos, podendo citar como exemplo a França do século XVIII que possuía a nobreza e o clero. 3. Castas sociais: constitui em um rígido sistema de estratificação social, em que as pessoas não podem passar livremente de um nível para o outro. Uma pessoa que nasce em uma determinada casta deve permanece nela pelo resto da vida. Esse sistema era comum nas sociedades antigas. O Brasil vive na estrutura de divisão de classes sociais. Pode-se dizer que no Brasil 69 a desigualdade social possui raízes históricas, podendo citar entre elas, de acordo com Marcon (2014): • A forma como se deu a colonização no país, fundada na exploração de matérias primas e de mão de obra; Dependência externa do país, principal no que se refere a tecnologia; • A alta concentração e acumulação de riqueza pelas camadas mais altas da população; • A marginalização histórica de parcelas significativas da população, que não foram reconhecidas nas políticas ou foram silenciadas no processo de construção da cidadania. O Brasil está entre os dez países com maior desigualdade social no mundo, de acordo com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. FIQUE ATENTO Assim, a desigualdade social constitui então em um problema estrutural da sociedade que no Brasil vem tentando ser combatida através de políticas sociais, onde a diferenciação de classe é devido ao capitalismo. Essa desigualdade significa que existem grupos de pessoas na sociedade que possuem um maior peso político, condições econômicas e oportunidades que outras, ou seja, esse fenômeno denuncia a existência da pobreza. Desta forma, pode-se dizer que ela corresponde a uma condição na qual os membros de uma sociedade possuem quantias diferentes de riqueza, prestígio ou poder. Como forma de enfrentar esse problema, as políticas públicas visam a redistribuição de renda e poder; a igualdade do acesso às oportunidades; a emancipação econômica e política do cidadão. O livro “Sociologia Contemporânea de Kenya Marcon retrata sobre as políticas públicas e sociais no Brasil contemporâneo, trazendo a importância dessas po- líticas para diminuir a desigualdade existente no país. LINK: https://bit.ly/2XhNQXs BUSQUE POR MAIS O livro “Danos colaterais: Desigualdades sociais numa era global” de Zygmunt Bauman, traz uma abordagem sociológica do destino da desigualdade social em tempos líquidomodernos trazendo o contexto da desigualdade. LINK: https://bit.ly/2XngNkB Outro fator que demonstra a desigualdade existente no Brasil se refere a urbanização. Os melhores locais e melhores serviços estão situados nos lugares em que o valor da moradia é extremamente alto, sendo inacessível para as pessoas de classe popular. Essas pessoas então, são praticamente expulsas para região periférica, bairros mais longe do centro comercial ou até mesmo para outros municípios entorno das 70 grandes metrópoles. Ficando sujeitas a moradias precárias e até mesmo a locais que não possuem acesso a serviços públicos. 6.4 O PRECONCEITO O preconceito encontra-se enraizado na sociedade, grupos tentam combatê-lo, mas até hoje, ela está presente na sociedade. Marcon (2014) aponta que o preconceito consiste em uma atitude, ideia, pensamento ou opinião desfavorável que um indivíduo ou grupo demonstra em relação a outros indivíduos ou grupos. O preconceito está baseado em um prejulgamento emotivo e sem fundamentação, assim, pode-se dizer que ele corresponde a uma atitude negativa em relação a uma categoria de pessoa que, em sua maioria, pertence a determina minoria étnica ou racial. As pessoas são julgadas pelas outras devido ao seu estereótipo preconcebido ou de uma generalização. No ano de 1942, Oracy Nogueira publicou um artigo intitulado de “Atitude desfavorável de alguns anunciantes de São Paulo em relação aos empregados de cor”. Ao realizar as pesquisas desse artigo, Nogueira se viu intrigado ao perceber um preconceito que atingia não só as classes inferiores, ele atingia também os ricos. Era o chamado preconceito racial, em que quanto mais escora era a pessoa, mais ela sofria preconceito, assim Nogueira aprofundou as suas pesquisas com relação a esse assunto e concluiu com um artigo intitulado de “Preconceito racial de marca e preconceito racial de origem”, datado de 1954. Em seu artigo, Nogueira faz uma comparação do preconceito racial existente no Brasil e o dos Estados Unidos. Ele denomina que no Brasil existe o preconceito de marca, onde o preconceito vem da aparência racial, não se delimitando somente a cor, o preconceito de marca abarca os traços fisionômicos como o tipo do cabelo, a cor dos olhos, o formato do nariz. Nos Estados Unidos o preconceito é de origem, em que o critério de discriminação advém da ascendência, deste modo, basta a suposição de que a pessoa descende de algum grupo étnico para sofrer preconceito. Seguindo os estudos sobre o racismo no Brasil, a UNESCO, financiou em 1950 um grupo de professores da Universidade de São Paulo com a intenção de documentar, compreender e disseminar o segredo da harmonia social, entre esses professores um de grande destaque foi Florestan Fernandes. Desde o início (e ainda hoje) o trabalhador negro precisa de compreensão ati- lada e de amparo constante, seja para encetar uma carreira, seja para persistir nela, seja para tirar o máximo proveito de sua capacidade de trabalho, para si, para os patrões e para a coletividade. A estereotipação negativa não só impe- diu que o “branco” descobrisseesse aspecto da realidade, mas produziu algo pior: suscitou uma barreira invisível universal, que tolhia qualquer redefinição rápida da imagem do “negro”, que facilitasse a transição do trabalho escravo para o trabalho livre e acelerasse pelo menos a proletarização do “homem de Como conclusão da pesquisa realizada, foi possível constar que desde a escravidão os negros são tratados no país como inferiores. 71 O artigo “Uma cartografia de “A integração do negro na sociedade de classes”, de Florestan Fernandes”, escrito por Wallace dos Santos, John Rudega e Renan Barbosa, traz o drama social do negro no processo de formação da sociedade de classes no Brasil, ou seja, trata do processo de formação da sociedade desde a sociedade rustica até a ordem urbana e competitiva. LINK: : https://bit.ly/3seBc9Y BUSQUE POR MAIS Apesar das inúmeras políticas desenvolvidas no país, e da Constituição Federal de 1988 ter reconhecido que o racismo e o preconceito racial devem ser combatidos, o Brasil ainda encontra-se presente o racismo, a discriminação e além disso outras formas de preconceito estão se desenvolvendo cada vez mais, como a homofobia, a xenofobia, intolerância religiosa, entre outros. A sociedade encontra-se em constante evolução e mutação, ideais vêm sendo mudadas, mas as políticas públicas devem assegurar a igualdade dos cidadãos e o respeito, para que possamos viver em uma sociedade justa e de direito. NEOLIBERALISMO: Constitui em uma doutrina socioeconômica que trazem de volta o libe- ralismo clássico, em que preconiza a mínima intervenção do Estado na economia. Desta forma, em uma globalização neoliberal é livre o comércio. CONFLITOS INTERSUBJETIVOS: Conflitos existentes entre dois ou mais sujeitos. GLOSSÁRIO 72 1. (IF – RS – 2015) Acerca da relação entre Trabalho e tecnologia nas sociedades contemporâneas, afirma-se que: a) Na medida em que as informações e as formas de conhecimento é que passam a sustentar a inovação e o crescimento econômico, havendo uma crescente valorização da criatividade dos trabalhadores, o nível de instrução dos profissionais tem cada vez menos relação com o valor de seus salários. b) A flexibilidade e a inovação são maximizadas, e as organizações visam satisfazer demandas de mercado cada vez mais específicas por produtos diversos em menor escala, em um processo de enfraquecimento das grandes corporações, que perdem cada vez mais espaço para pequenas organizações flexíveis. c) Teorias sociológicas recentes vêm afirmando que, apesar das profundas transformações atuais, o industrialismo continua sendo a base fundamental de nossa sociedade. d) A descentralização do trabalho, a composição de equipes por demandas específicas e a crescente atuação em projetos a curto-prazo parecem cada vez mais caracterizar um processo de precarização do trabalho. e) Verifica-se uma tendência à crescente especialização dos trabalhadores, que vem suplantando a predominância anterior do treinamento para habilidades gerais e a capacidade de atuação em diferentes esferas de uma mesma organização. 2. (FGV – 2016) O processo de globalização, em curso desde o final da década de 1980, incluiu a difusão dos fluxos econômicos em escala planetária, em decorrência da mundialização do capitalismo. a) nesse sentido, a economia globalizada contribuiu para amenizar os choques culturais, diminuindo as distorções socioeconômicas entre as regiões. b) acirrou os conflitos religiosos, intensificando a associação entre interesses geopolíticos e sistemas de crença. c) propiciou parcerias entre agentes econômicos diversificados, dando mais transparência aos negócios internacionais. d) diminuiu a massificação cultural, dando visibilidade aos movimentos de resistência à rede mundial de computadores. e) reequilibrou os processos econômicos, integrando de modo equânime os diferentes blocos comerciais. 3. (IF – TO – 2016) No cotidiano das relações sociais, é possível observar a construção de imagens negativas sobre determinados grupos e/ou indivíduos em relação aos outros. Em geral, tais imagens estão associadas ao desconhecimento. O conceito que melhor define essa situação é: a) Estereótipo b) Racismo c) Xenofobia FIXANDO O CONTEÚDO 73 d) Preconceito e) Etnocentrismo 4. (UERR – 2018) A formação de um mercado global, a chamada globalização, destaca-se pelas interações entre diversos países nas áreas econômicas, sociais, culturais e política. Entre seus impactos negativos, destacam-se: a) aumento do fluxo turístico, propensão de guerra entre países, desastres ambientais, imigração, mobilidade das pessoas entre países por motivos de trabalho. b) aumento do comércio mundial, barateamento de mão-de-obra, formação de blocos econômicos, aumento da xenofobia, drásticos impactos ambientais, distorções cambiais. c) barateamento de produtos industrializados, diluição das fronteiras, dificuldade de acesso à informação, universalização do conhecimento, aumento do contrabando e tráfico de drogas. d) forte contaminação de vários países em caso de crise econômica, facilidade de especulações financeiras, perda da soberania de muitos países por conta do estabelecimento de moeda única, desemprego estrutural. e) maior fluxo de informações, limitação do acesso aos meios de comunicação, envolvimento da Organização Mundial de Comércio (OMC) no mercado internacional, guerras comerciais, aumento do arsenal nuclear. 5. (IBFC – 2019) Em lugar das sociedades nacionais, a sociedade global. Em lugar do mundo dividido em capitalismo e socialismo, um mundo capitalista, multipolarizado, impregnado de experimentos socialistas [...] A partir da segunda guerra mundial, desenvolveu-se um amplo processo de mundialização de relações, processos e estruturas de dominação e apropriação, antagonismo e integração. Aos poucos, todas as esferas da vida social, coletiva e individual, são alcançadas pelos problemas e dilemas (IANNI, 1996). O trecho anterior foi retirado do livro “A Sociedade Global”, escrito por Octavio Ianni. Neste trecho o autor faz referência a um movimento que ocorreu, princi-palmente no século XX. Assinale a alternativa que corresponda corretamente ao movimento citado pelo autor. a) Multiculturalismo b) Globalização c) Capitalismo moderno d) Conflitos de classe e) Luta de Classe 6. (FCC – 2018) Sobre as causas da violência, é correto afirmar, segundo o consenso dos estudiosos, que a) as pessoas agem de forma violenta porque tem índole má, a qual pode ser revertida se elas forem condenadas a longas penas de prisão. b) a principal causa da violência é a pobreza, o que se comprova pelo fato de que a maioria das pessoas que estão presas por crime violento são pobres. c) não existe uma única causa para a violência e a punição de quem age com violência 74 não é suficiente para resolver o problema. d) a violência é causada pela pouca firmeza na educação dos filhos, provocada especialmente pela proibição do uso, pelos pais, de castigos físicos e surras para corrigi- los. e) a tolerância com as diferenças entre as pessoas e com os diferentes modos de pensar e agir causa a violência porque faz desaparecer da sociedade a noção do que é certo ou errado. 7. (FAU – 2019) O sociólogo contemporâneo alemão Wilhelm Heitmeyer, estuda com profundidade sociológica comportamentos de preconceito e discriminação na contemporaneidade e visualiza a problemática com uma síndrome. Isso significa que as discriminações podem variar de acordo com a época e os agentes de mobilização que, numa sociedade, estão dispostos a se voltar contra determinados grupos podendo ser sutil ou abertamente brutal. Sobre estes comportamentos avalie as assertivas e marque a alternativa CORRETA: I - O preconceito enraíza-se mais facilmente naqueles que já estão favoravelmente predispostos a aceitá-lo. II - A força do preconceito depende geralmente do fato de que a crença na veracidade de uma opinião falsa corresponde aos meus desejos, mobiliza minhas paixões, serve aos meus interesses.III - Preconceitos individuais tem maior periculosidade que preconceitos coletivos, uma vez que a natureza humana é maléfica em sua essência. IV - O nacionalismo não traz nenhuma periculosidade para a humanidade devendo ser estimulado em todas as suas instâncias em corporativismo, chauvinismo e bairrismo saudável. Estão corretas: a) Apenas a afirmativa II. b) Apenas as afirmativas I e II. c) Apenas a afirmativa I. d) Apenas as afirmativas I, II e III. e) I, II, III e IV. 8. (CPCON – 2017) Relações étnico-raciais: O papel da UNESCO para a superação da discriminação racial no Brasil. A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) é uma entidade que procura destacar a contribuição dos diversos povos no mundo para a construção da civilização. O desafio, no entanto, é tentar trazer à luz “a compreensão sobre a origem dos conflitos, do preconceito, da discriminação e da segregação racial que assolam o mundo”. A UNESCO, entre outros fatores, assegura que a diversidade étnico-racial e cultural de um povo constitui a principal riqueza da sociedade que a compõe, especialmente quando promove a igualdade de direitos. Nessa perspectiva, ela afirma que a sociedade brasileira é constituída por diferentes grupos étnico-raciais que a caracterizam, em termos culturais, como uma das mais ricas do mundo. No entanto, sua história é marcada por desigualdades e discriminações, especificamente contra negros e indígenas, impedindo, desta forma, 75 seu pleno desenvolvimento econômico, político e social. Em relação à superação dos conflitos étnico-raciais no Brasil, podemos afirmar que: a) é preciso fortalecer políticas sociais voltadas para eliminar as desigualdades históricas, que estratificaram a sociedade brasileira com base na exclusão étnico-racial. b) é fundamental que o Estado assuma posição neutra para que o livre mercado possa absorver as competências com base no mérito e esforço individual de cada brasileiro. c) é importante que haja mais condescendência nas relações étnico-raciais, com o firme propósito de ajudar os menos favorecidos a se manterem abastecidos em suas necessidades. d) é necessário desmistificar a ideologia de conflito étnico-racial, pois o Brasil, quando comparado a outros países, é o maior exemplo de miscigenação e democracia racial. e) é impossível superar o conflito étnico-racial brasileiro, porque ele é constituinte do processo civilizatório que naturalizou a discriminação e o racismo como características intrínsecas a nossa cultura. 76 MOVIMENTOS SOCIAIS: TEORIAS CLÁSSICAS PARTE 1 77 7.1 A ESCOLA DE CHICAGO E OS INTERACIONISTAS Apresentar uma abordagem de compreensão sobre determinado conceito, dimensão ou categoria de análise, é fundamental situar epistemologicamente como um ponto de partida, não como verdade absoluta, mas como um olhar situado historicamente sobre o fenômeno em estudo. Isso nos permite transcender, ampliar sentidos e significados a partir do contexto e das experiências que compartilhamos. Para começar a pensar os Movimentos Sociais enquanto categoria analítica nas Ciências Sociais, nos dois primeiros capítulos que tratam das Teorias Clássicas, estabeleço um diálogo amplo com Gohn (1997), sobre a “Teoria dos Movimentos Sociais: Paradigmas Clássicos e Contemporâneos”. A autora, socióloga Brasileira, é referência nacional e internacional nos estudos sobre os Movimentos Sociais (MS) e as Ações Coletivas (AC) em interface com as Ciências Sociais e Humanas, de modo especial com a Educação. Existem muitas leituras em torno desse processo de construção. Entendo que a releitura operada por Gohn (1997) nos contempla de modo satisfatório uma vez que Os estudos sobre os Movimentos Sociais nas Ciências Sociais e Humanas é conteúdo obrigatório por se tratar de um fenômeno histórico-social de base para compreensão das sociedades em permanente trânsito que vivemos. Com ele aprendemos muito sobre as relações estabelecidas e determinado contexto histórico – social, político, cultural e econômico. A construção do conceito acompanha o próprio movimento de reinvenção social por ser um subproduto humano que acolhe dilemas, necessidades, desejos, limites e possibilidades de uma determinada época. Os estudos e pesquisas que desenvolvo, tanto na academia quanto na militância, é produzido a partir do amplo diálogo com os Movimentos Sociais tendo por base os processos educativos promovidos por eles. Movimento pedagógico produzido em diálogo/parceria com as Instituições de ensino, com as Universidades e escolas. Nessa trajetória de estudos e pesquisas, fica evidente que tratar de um tema ao mesmo tempo amplo, diverso e plural, exige toda uma articulação entre perspectivas e horizontes ontológicos e epistemológicos para que possamos compreender as facetas e interfaces semânticas atribuídas ao fenômeno. Diante dessa realidade, nossa incursão teórico-analítica em torno da produção historiográfica sobre Movimentos Sociais no Brasil será coproduzida através da abordagem das principais tendências de interpretação sobre o assunto. Nesse processo de imersão/emersão teórica, a reflexão crítica nos ensina que a tessitura da humanidade e do conhecimento produzido por ela, em diferentes contextos e momentos históricos, estão atravessadas por relações de poder econômico, político e cultural. Ao longo desse processo compreenderemos que a construção teórico-metodológica dos conceitos e práticas dialoga diretamente com seu contexto histórico-social, cultural, político e econômico. É importante entender que, na construção teórica acadêmica, é preciso desenvolver algumas competências em torno da produção intelectual. A leitura e a escrita assumem uma dimensão extraordinária – essencial e insubstituível! Com esse convite e, ao mesmo tempo, desafio, mergulharemos nas raízes conceituais, ontológicas e epistemológicas, do tema. Sejam todos bem-vindos! APRESENTAÇÃO 78 nos traz dimensões ontológicas fundamentais para compreender a leitura clássica da temática em estudo. Ao sistematizar as principais teorias e paradigmas correspondentes em torno do tema, apresenta de modo didático detalhes históricos e características fundamentais que ajudam a entender seu processo de construção. Vale ressaltar que o estudo dos MS é um campo fértil de pesquisa, pois muitas questões ainda permanecem em aberto sobre sua constituição, há lacunas e perguntas não respondidas onde a necessidade de aprofundamento e interfaces com outros saberes é fundamental. O fenômeno ganha contornos cada vez mais complexos e contraditórios. A abordagem clássica ainda está presente em algumas compreensões e práticas de elites intelectuais articulados em prol da manutenção. A Escola de Chicago, conforme Gohn (1997, p. 26), “durante quarenta anos (1910 - 1950) teve grande importância na consolidação da sociologia como campo autônomo de investigação”. Sob este ponto de vista, as teorias Clássicas tiveram predominância até a década de 1960. Esse viés científico influenciou uma construção teórica que transcendeu sua época, pois muitos estudiosos ainda a referenciam, evidenciando que fragmentos dessa corrente teórica ainda correm nas veias histórico-epistemológicas e no imaginário das pessoas sobre o fenômeno. A abordagem epistemológica interacionista da Escola de Chicago arquitetou uma visão particular do tecido social, como uma construção natural, voluntarista, que necessitava ser reformada para assumir sua verdadeira face: hegemonicamente harmônica. Categorias como “desenvolvimento de comunidade”; “indivíduo-sociedade” e “educação para o povo”, foram concebidas para dar conta do projeto de sociedade em que: “A escola tinha uma orientação reformista: promover a reforma social de uma sociedade convulsionada em direção ao que se entendia como seu verdadeiro caminho, harmonioso e estável” (GONH, 1997, p. 27). A teoria interacionista possui várias abordagens – interacionismo simbólico, interacio- nismo cultural, interacionismohistórico, interacionismo sócio-histórico e/ou sociocultu- ral – Os teóricos de referência são Jean Piagett (1886-1980) e Lev Seminovitch Vygotsky (1896–1934). FIQUE ATENTO A Sociologia nesse processo foi legitimada como a Ciência chave para a consolidação do campo de conhecimento. Naquele momento histórico ela foi acionada a partir de uma visão individualista do ser social que, em última instância, era o único responsável pelos seus atos. A coletividade passava necessariamente pelo interesse individual em detrimento do coletivo. Essa lógica naturalista-individualista implica aceitar que o ser social, voluntaria e naturalmente, se engaja em algum grupo em prol de suas necessidades imediatas, não necessariamente se ocupa com o bem comum e com transformação social. Neste sentido o próprio conceito de ação coletiva assume contornos distintos. A construção individualista, dimensão em destaque nessa perspectiva, o coletivo é uma dimensão dispensável, ignorada, sem efeito ou com pouca relevância. Esse modo de pensar os Movimentos Sociais (MS), legitimado pela corrente filosófica reformista, pode ser percebida nas concepções presentes no pensamento 79 empírico das pessoas: “o ser humano é o único responsável pelas suas escolhas, seu sucesso ou seu fracasso”. Outra percepção que ganhou força é que “os MS são grupos arruaceiros”. Falas que criminalizam Movimentos que lutam para minimizar sequelas históricas de opressão e exclusão. Esse modo de pensar – natural-individualista – está na base do competitivismo que enfraquece a cultura solidária da coletividade. Para essa corrente de pensamento, as pessoas descontentes com a situação vivida se mobilizavam de modo espontâneo, se agrupando em torno do “aqui e agora” emergente, articulados por uma pessoa (o líder). Como o horizonte da abordagem clássica interacionista estava baseada no ideal reformista, isso empresta aos líderes uma função didática: ser exemplo integracionista: “Suas tarefas seriam desmobilizar o conflito, dissolver o movimento. Como? Transformando-os em instituições sociais por meio do equacionamento das demandas em questão” (GOHN, 1997, p. 29). Para a mediação dos conflitos, que eram vistos como algo culturalmente natural, a educação e a institucionalização eram as estratégias políticas para dissolução do que eles denominaram por Movimentos Sociais. Um fenômeno voluntarista, localizado e espontaneísta que carecia ser desarmado através da educação. A educação era instrumento para legitimar a manutenção do status quo. A abordagem feita pela Escola de Chicago empresta ao processo social uma visão simplista, fragmentada, hierarquizada (indivíduo-sociedade ou sociedade-comunidade) e localizada. As posturas hierarquizadas, unilaterais e antidialógicas são heranças culturais presentes em posicionamentos enraizados em visões de mundo que possuem por base essa forma de conceber as relações sociais. Pensar dessa forma reformista, naturalista e voluntarista, anula/nega/impede o potencial transformador que hoje diferentes MS buscam garantir, entre avanços e retrocessos. Para compreender mais profundamente as consequências desse paradigma fragmentado, simplista e hierarquizado de organizar o pensamento e, con- sequentemente, o tecido social, ver: QUIJANO, Aníbal. Colonialidad del poder y clasificación social. Contextualizaciones Latinoamericanas [En línea], Año nº. 5, jul-dic. 2011. Disponível em: http://contexlatin.cucsh.udg.mx/index.php/CL/ issue/view/291 BUSQUE POR MAIS Essa visão, contudo, não é hegemônica na corrente Clássica. A abordagem interacionista simbólica do estadunidense Herbert Blumer, segundo Gohn (1997, p. 30), representa uma leitura mais ampla. O estudo do comportamento coletivo proposto pelo autor o fez definir “os movimentos sociais como empreendimentos coletivos para estabelecer uma nova ordem de vida. Eles surgem de uma situação de inquietação social [...]”. Assim, o indivíduo estaria no centro da ação movido por impulsos psicológicos. Sentidos e significados têm visibilidade e força em Blumer. Avança na perspectiva dos fins, interesses e das motivações, além disso foge da visão espontânea e naturalista. Essa visão clássica nos fornece pistas do quão complexo é o fenômeno das relações coletivas, das identidades coletivas, das manifestações grupais, do intercâmbio entre visões de realidade e da correlação de forças na arena social. Sua contribuição foi muito importante especialmente pela categorização dos MS realizada: 80 genéricos, específicos e expressivos. Essa classificação abriu um leque de possibilidades ao reconhecimento dos diferentes sujeitos, lutas e estratégias heterogêneas. Em síntese, os genéricos compreendiam os grupos de mulheres, de jovens, operário – lutas amplas, pouco organizadas e com objetivos dispersos; os específicos envolviam determinada organização com objetivos delineados, nascem no avançar das mobilizações promovidas enquanto genéricos. São classificados em reformistas e revolucionários. Nesse caso, os Movimentos Sociais específicos emergem das camadas mobilizadas de modo disperso e difuso, por exemplo, pelos direitos das mulheres. Desse engajamento inicial, o coletivo se articula e avança fortalecendo, então, inaugurando o reconhecimento de uma identidade coletiva, com bandeiras comuns que refletem de fato as necessidades do coletivo com o ideal de mudança social. É aqui nesse momento que se reconhece o sentimento de pertença e de solidariedade mútua. Esse processo de reconhecimento legitima toda uma construção simbólica que na contemporaneidade é fundamental aos MS: a afetividade presente nos processos sociais empresta ao grupo uma conexão efetivamente orgânica com a coletividade. Os sentidos e os significados atribuídos à luta possuem o caráter identitário que futuramente será fundamental para ressignificar as relações tecidas. Essa releitura de Blumer está molhada pelo contexto político do século XIX, onde os ideais iluministas do modernismo estão em alta nas expectativas dos sujeitos da época. Apesar de dar mais um passo para o reconhecimento da ação coletiva enquanto uma força revolucionária, que emana dos sentidos e significados atribuídos pelos diferentes sujeitos sociais, o ideário reformista permanece. Ou seja, Blumer abre uma fenda de possibilidades epistemológicas para se avançar na compreensão dos sujeitos sociais, dos sujeitos coletivos, dos grupos sociais. No entanto, entende que a resolução das questões sociais passa pela reforma da sociedade que temos, não através de uma transformação social, mais como uma adaptação multiculturalista – uma mudança institucional, sem revolução. “Os movimentos específicos: reformistas e revolucionários” é uma classificação importan- te para repensar os MS na contemporaneidade. A abordagem reformista deseja uma harmonização social a partir da reestruturação das instituições visando manutenção do status quo. Aqui os MS possuem a função de moderadores. A revolucionária deseja trans- formações radicais na macro e microestrutura social, sendo a luta de classes uma cha- ve-teórica importante. Essas categorias analíticas enquadram os diferentes MS que (re) existem hoje? VAMOS PENSAR? 7.2 SOCIEDADES DE MASSAS A Abordagem da Sociedade de Massas, conforme Gohn (1997) possui três principais representantes: Eric Fromm (1941), Hoffer (1951) e Kornhauser (1959). Trata-se de uma corrente preocupada com o comportamento coletivo das massas que emergiam de uma realidade doente e excludente. Esse contexto era conteúdo empírico para compreensão da formação dos grupos coletivos, pois a necessidade mobilizava as pessoas em torno de 81 objetivos comuns. Nesse sentido, “Os movimentos (nos tempos modernos) eram desenhados pelo desejo de pessoas marginalizadas de escapar para a liberdade, dentro de novas identidades e utopias” (GOHN, 1997, p. 36). As más condições de vida era o motor social de motivação para as pessoas humildes se indignarem e irem a busca de umasolução coletiva. Do contexto político emergia as condições materiais, sociais e históricas, necessárias às manifestações totalitaristas. Essas práticas antidemocráticas foi tema de estudo dessa corrente que se dedicou a pensar o fenômeno em suas interfaces culturais. No processo de compreensão dos mecanismos estabelecidos entre os atores sociais evidenciou-se a realidade de manipulação e alienação popular que estava tomando corpo. Essa estratégia política ainda hoje é categoria analítica de grande importância, pois ao longo da história foi assumindo contornos distintos, mas determinantes para o estudo dos MS. A manipulação das massas é um fenômeno recorrente ainda hoje. A Sociedade de Massas abre uma discussão que nunca se fechará, pois, sua dinamicidade interpretativa é ampla – acompanha o movimento histórico das sociedades em trânsito. A capilaridade semântica que essa corrente deixa de herança, apesar de não formular uma teoria específica dos MS, é base para ampliarmos os sentidos do conceito. A leitura operada se preocupava com as elites culturais da época que, diante da organização social em massa, mesmo fragilizada e pontual, desestruturava as relações de poder na esfera pública da sociedade. Sociedades em trânsito - Seguindo as linhas de uma sociologia da compreensão, Paulo Freire vê nestas últimas décadas da história brasileira um período de trânsito, isto é, de crise de valores e tema tradicionais e de constituição de novas orientações [...] O trânsito é o tempo de crise desta sociedade “fechada”, um tempo de opções e de luta entre os velhos e os novos temas históricos, onde se anunciam tendências à democratização [...] a democracia, como a liberdade é um dos temas históricos em debate e sua efetivação vai depender das opções concretas que os homens realizem. (FREIRE, 1996a, p. 24). GLOSSÁRIO É importante salientar que as leituras epistemológicas possuem um direcionamento ideológico, a corrente clássica possuía uma relação política com o poder estabelecido. Assim como na perspectiva reformista, essa também servia a elite econômica. A legitimação teórica caminhava em consonância com a política. A mobilização social das massas girava em torno da necessidade de produzir elementos teóricos capazes de qualificar sua luta política. O horizonte da libertação da opressão estava associado a essa força/poder-saber que não possuíam. Neste sentido, para a teoria da Sociedade de Massas, os Movimentos Sociais emergem da necessidade de pessoas que não aceitam sua condição social e econômica limitada diante de uma sociedade legitimada sob a égide de uma racionalidade científica e tecnológica crítica. O totalitarismo com base na violência, segundo seus expoentes, eram as táticas comuns das ações antidemocráticas das massas. Assim sendo, precisavam ser controladas para garantir a harmonia social. Os MS, nessa perspectiva permanecem no âmbito da deformação social, das manifestações grupais que, apesar de serem legitimas pela representação das 82 necessidades de um grupo social marginalizado, são consideradas sintomas de uma sociedade que precisa ser reformada. Não na perspectiva da transformação social, com equidade de acesso aos bens culturais, intelectuais, artísticos, políticos e econômicos. Mas uma mudança nos mecanismos internos de absorção de algumas demandas e arrefecimento dos Movimentos por uma transformação radical. 7.3 ABORDAGEM SOCIOPOLÍTICA O estudo dos Movimentos Sociais a partir dessa abordagem nos remete aos estudos dos precursores, S. Lipset e R. Heberle, que, conforme Gohn (1997), articularam a problemática das classes sociais e das relações sociais de produção. Categorias chaves para compreender o paradigma das lutas sociais de base marxista. Uma leitura sobre os comportamentos coletivos do tipo político-partidário. Essa perspectiva revela o quanto o contexto político ativa demandas existenciais por uma revolução para transformação social. A grande contribuição desta corrente teórica para compreensão da construção histórica do conceito complexo e contraditório dos Movimentos Sociais na contemporaneidade se encontra no reconhecimento do viés político nas organizações sociais. Essa postura científica rejeita qualquer possibilidade espontaneísta e valoriza a participação como componente político ideológico. Ou seja, reconhece a intencionalidade da ação social com objetivos delineados, metas, planejamento e organização. Com esses autores clássicos vemos inaugurar a possibilidade de valorização da ação social engajada com um potencial libertador em torno das relações produtivas alienantes produzidas pelo capitalismo, onde “Os movimentos seriam sintomas de descontentamento dos indivíduos com a ordem social vigente e seus objetivos principais seria a mudança dessa ordem”. (GOHN, 1997, p. 38). Nesse momento, as relações industriais fabris eram um dos cenários emergentes para a discussão do conflito entre classes. Contudo, a leitura proposta pelos autores avançava em relação às áreas de atuação dos Movimentos que possuem, por sua vez, identidades coletivas plurais. O estudo avança na perspectiva da classificação, tipificação, definição e possíveis ramificações. O conceito é ampliado conforme complexidade da intencionalidade política: lutas dos camponeses, dos negros, das mulheres, dos jovens, dos indígenas, dos socialistas e nazifascistas. Figura 1: Diversidade de identidades e demandas coletivas dos Movimentos Sociais Fonte: http://professorcorreia.com.br/educacao/teoria-dos-movimentos-sociais/ Data de acesso: 10.03.2012 A valorização da intencionalidade política e das identidades coletivas plurais se fortalecem com o reconhecimento de outra característica atribuída aos Movimentos Sociais nesse período, por essa vertente: a Internacionalização dos Movimentos. Com 83 Colonialidade: Processo histórico de colonização/dominação/exploração, onde “Em pri- meiro lugar, expropriaram as populações colonizadas entre seus descobrimentos cultu- rais. Aqueles que resultavam mais aptos para o desenvolvimento do capitalismo e em benefício do centro europeu. Em segundo lugar, reprimiram tanto como puderam, ou seja, em variáveis medidas de acordo com os casos, as formas de produção de conheci- mento dos colonizados, seus padrões de produção de sentidos, seu universo simbólico, seus padrões de expressão e de objetivação da subjetividade [...] Em terceiro lugar, força- ram .também em medidas variáveis em cada caso - os colonizados a aprender parcial- mente a cultura dos dominadores em tudo que fosse útil para a reprodução da domina- ção, seja no campo da atividade material, tecnológica, como da subjetiva, especialmente FIQUE ATENTO essa possibilidade a ação política rompe com os muros institucionais nacionais. As lutas se intensificam ao se somar os interesses e necessidades de sociedades distintas. Hoje é comum a articulação entre Movimentos internacionais como a Marcha Mundial das Mulheres, o Fórum Social Mundial, da Consciência Negra, do Movimento LGBTI+, entre outros. Com esse reconhecimento se amplia as possibilidades de fortalecimento teórico e político do termo e, consequentemente, da prática. Entretanto, os autores mantêm determinada reserva em relação as manifestações totalitaristas, quando “relaciona movimento social a regimes políticos autoritários e totalitários, que destruíram o senso comunitário existente por meio de exigência baseadas no fanatismo de grupos entusiastas, gerando desintegrações social”. (GOHN, 1997, p. 39). Ambas as correntes, a abordagem de massas e a abordagem sociopolítica, chamam a atenção para o perigo do totalitarismo, inerente ao fenômeno, devido a alienação social e o potencial descontrole da ordem vigente. Essa última questão, que retrata uma espécie de desajuste social, é uma categoria importante para a vertente clássica em todas as abordagens aqui estudadas. Veja que os MS sempre possuem uma tendência natural à desestruturação, desintegração e violação da ordemsocial vigente. Portanto, é um ponto de tensão que precisa ser controlado, minimizado pela elite cultural, intelectual, econômica e política de cada época. Os Movimentos Sociais nascem de um lugar comum: a vida imersa em todo tipo de ausências: de alimento, de abrigo, de saúde, de educação, de trabalho, de segurança, de respeito, de oportunidade, de participar da vida comunitária, de ser quem gostaria de ser. Inclusive de fazer parte da construção autônoma de sua própria realidade. Dentro do grande campo teórico epistemológico apresentado até o momento, podemos dizer que os MS enquanto um fenômeno social e político nasce de um não- lugar social que anseia por liberdade, equidade, participação, autonomia, conhecimento, valorização e reconhecimento de seus saberes. Luta pelo direito de viver com dignidade. Os estudiosos reconhecem essa intencionalidade e necessidade, no entanto, buscam na perspectiva do reformismo estatal, da institucionalização parcial das demandas dos MS a dissolução dos grupos sem, contudo, resolver o cerne da questão: a exclusão, a Colonialidade, a marginalização e a pobreza. É fundamental compreender o contexto em que as ideias são gestadas, pois a lógica de mundo estabelecida os leva a atribuir aos fenômenos existenciais sentidos controversos de perigo à ordem estabelecida. 84 religiosa”. (QUIJANO, 2005, p. 110). Ao longo da obra retomaremos esse conceito/dimensão, no entanto, será somente no capítulo sexto que a abordaremos em profundidade. Sua Razão Científica está embasada em uma epistemologia eurocêntrica que, por ser hegemônica e unilateral, não dialoga com outras formas de pensar o mundo. Deste modo, reafirmam toda uma linha de raciocínio que exige a permanência e a manutenção da ordem social, política e econômica. Essas relações de poder-saber intrínsecas ao processo do conhecimento científico eurocêntrico são a base das interpretações Clássicas. É fundamental conhecê-las, sobretudo, para tecer as condições materiais e imateriais necessárias para desenhar e propor outras formas de conhecer e entender o mundo. A Ciência se (re)faz ao longo da história, os fenômenos humanos carecem que ela seja atualizada de modo a contemplar as reais necessidades ao longo do tempo. Diante desse fato crucial, é nosso compromisso ético participar desse processo de reelaboração teórica de modo a respeitar a pluralidade e a complexidade das inter-relações humanas. Para complementar a compreensão da importância dos Movimentos Sociais enquanto organização de direitos elementares a vida social acesse: AFFONSO, Ligia Maria Fonseca. O que são movimentos sociais? Principais teorias sobre movimentos sociais In: SANTOS, Ana Paula Fliegner dos (Org). Movimentos Sociais e Mobilização Social. Porto Alegre/RS: SAGAH. 2018. ISBN 978-85-9502- BUSQUE POR MAIS 554-7. Disponível na plataforma digital da Biblioteca Única: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788595025547/cfi/1!/4/4@0.00:59.1 85 FIXANDO O CONTEÚDO 1. Como a Escola de Chicago entende os Movimentos Sociais? a) Como a mobilização de pessoas que, voluntaria e naturalmente, se engajam em algum grupo em prol de suas necessidades imediatas, mas não necessariamente se ocupa com transformação social. b) Como uma construção coletiva intencionalmente organizada para fins comuns, com objetivos e metas delineadas. c) São organizações grupais que emergem das necessidades coletivas, mas que privilegiam o indivíduo particularmente. d) Grupos de pessoas marginalizadas organizadas para tomar o poder estatal. e) Como uma construção social natural, voluntarista, que carecia ser reformada para assumir sua verdadeira face: hegemonicamente harmônica. 2. Qual a função da escola nesse processo? a) Uma escola aberta à parceria com os MS para desenvolver aulas mais significativas – fortalecendo os laços entre escola-comunidade. b) R. Sua função era organizar a prática pedagógica de acordo com a orientação reformista, auxiliando na formação de pessoas capazes de construir uma sociedade harmoniosa e estável. c) Estabelecer metas, objetivos, critérios, metodologias e conteúdo que colaborassem com a formação de cidadãos críticos e criativos. d) Instrumento de inclusão social e emancipação humana. e) Sua função era atuar em parceria com o Estado para garantir a educação de todos. 3. Como a abordagem reformista pensa resolver o problema dos MS? a) Sugere estabelecer um canal de comunicação entre os diferentes grupos para resolver os problemas de cada grupo. b) Como a abordagem entende a formação natural e individualista dos MS, ela acredita que possa ser resolvida as distintas demandas de modo espontâneo. c) Para arrefecer e neutralizar a ação potencialmente revolucionária dos MS o Estado era orientado à integralizar, institucionalizar parte de suas demandas. d) O conflito era considerado natural e inevitável, devido ao choque entre as culturas e as diferentes realidades. Para resolver os problemas decorrentes dos MS sugere-se equacionar os conflitos de modo a assegurar manutenção do status quo. 4. O que são MS para o estudioso Herbert Blumer? a) São empreendimentos coletivos que se reúnem com a intencionalidade de estabelecer uma nova ordem de vida. Surgem de uma situação de inquietação social. b) São grupos de pessoas que se reúnem com a intenção de participar da vida comunitária 86 a partir da organização de partidos políticos. c) São pessoas com algum tipo de necessidade existencial que se reúne sem muita estrutura para reivindicar seus direitos civis. d) São instituições não-governamentais que lutam pelos interesses coletivos. e) São grupos nacionais e internacionais mobilizados pela transformação social. 5. Qual era a principal preocupação dos estudiosos da Abordagem de Massa? a) Que as pessoas organizadas pudessem abalar a estrutura social já organizada. b) Colaborar para que Estado e Sociedade civil conseguissem juntos minimizar a alienação das pessoas envolvidas nos MS e assim garantissem a harmonia social. c) Que os resultados negativos da atuação dos grupos manipulados pudessem romper com a parceria entre sociedade e Estado. d) Que as elites culturais e econômicas se tornassem aliadas das grandes massas. e) O totalitarismo com base na violência. Pois eram as táticas comuns das ações antidemocráticas das massas. Esse era o perigo que precisava ser controlado, para que as elites culturais não perdessem o poder e, assim, garantir a harmonia social. 6. Qual a principal contribuição da Abordagem sócio-política para o estudo e compreensão dos MS na contemporaneidade? a) Foi diferenciar os tipos de MS que existem. b) Se concentra na classificação entre Movimentos Específicos e Genéricos. c) O reconhecimento da dimensão mística nos MS que é a chave por manter o grupo mobilizado e harmônico. d) A grande contribuição desta corrente teórica se encontra no reconhecimento do viés político das organizações, do seu potencial transformador, da intencionalidade política e da utopia da transformação social. e) A possibilidade de não estar associado ao paradigma reformista, de propor como estratégia de neutralizar os MS através da cooptação de suas demandas. 7. Quais relações estavam estabelecidas entre as teorias clássicas sobre Movimentos Sociais e a sociedade política da época? a) Não havia relação direta entre as ideias e teorias com a organização social e política. Apenas uma correlação indireta onde os especialistas buscavam inspiração na vida social para produção acadêmica. b) As relações com a ciência, a literatura e as artes em geral estavam sempre sobre o controle direto do poder político da época visando garantir a manutenção do status quo. c) Os estudos científicos buscavam resolução para os dilemas e interesses da sociedade Moderna, nesse sentido a relação com a sociedade política era ideológica visando identificar pontos delicados para solucioná-los e garantir a harmonização social. d) As teorias clássicas forneciam elementos teóricos que a sociedade políticautilizava para elaborar políticas que pudessem melhorar a qualidade de vida da sociedade em geral. e) Entre Ciência e Estado há uma relação de parceria, no entanto, em se tratando de MS, os estudos pouco se projetavam para dentro da organização política da sociedade. 87 8. Quais os desdobramentos dessas abordagens para a compreensão sobre os Movimentos Sociais e as Ações Coletivas na atualidade? a) A leitura localizada, fragmentada e dicotomizada sobre um fenômeno sociocultural plural, dinâmico e aberto que descaracterizou e desabilitou muitas potencialidades de articulação, mobilização e atuação. Isso os lançou à margem da sociedade com um papel marginalizado. b) Abertura epistemológica entre MS, Estado e Sociedade civil com vistas a atuação conjunta para resolução dos dilemas e necessidades da população mais vulnerável. c) As ações políticas e as pesquisas científicas não dialogavam de modo a caracterizar relações de reciprocidade ou de aplicabilidade nos micro espaços sociais. d) A formação crítica em torno desse fenômeno social que colaborou com o modo como a sociedade como um todo os percebe. Possibilitou, assim, as condições necessárias para o trabalho articulado entre sociedade, MS e Estado. e) Uma visão plural sobre o conceito e a prática de MS e AC que fortalece os grupos e suas lutas coletivas. 88 MOVIMENTOS SOCIAIS: TEORIAS CLÁSSICAS PARTE 2 89 8.1 COMPORTAMETO COLETIVO A PARTIR DO FUNCIONALISMO Para compreender as contribuições da Corrente Clássica na formação e compreensão do conceito de Movimentos Sociais (MS) estamos percorrendo de modo didático as ideias das principais abordagens. No primeiro momento (Capítulo I), estudamos sobre as três perspectivas que apresentam as características da formação dos MS – Aqui entendidas como teorias sobre os MS. Abordagens reformistas que defendem a tese da harmonia social. Nesse segundo momento o mesmo fenômeno é entendido como Ações Coletivas, de acordo com leituras de Gohn (1997). Vale ressaltar que ambas as abordagens Clássicas são marcos teóricos para o estudo dos MS e que há dimensões semânticas significativas que as distingue e são essas particularidades epistemológicas que precisamos conhecer. Essa é nossa tarefa e desafio nesse momento. A seguir trabalharemos com três perspectivas teóricas em torno das Ações Coletivas que, de várias formas, influenciaram a formação do conceito sociológico do fenômeno em estudo. Nessa segunda abordagem o sentido atribuído aos MS é de uma funcionalidade social e política de intencionalidade certeira, articulada pelo binômio descrédito/negação. A seguir trataremos da visão de Parsons, Turner & Killian e Smelse; em um segundo momento da Abordagem organizacional-comportamentalista. Bom estudo! 8.1.1 A INFLUÊNCIA DE PARSONS Segundo Gohn (1997, p. 40), “a aplicação da teoria parsoniana aos movimentos sociais deu origem à abordagem funcionalista, em que são vistos como comportamentos coletivos originados em períodos de inquietação social, de incerteza, de impulsos reprimidos, de ações frustradas, de mal-estar”. Nessa perspectiva, a sociedade carecia de estabilidade, permanência e o controle sobre a vida social era a estratégia básica para a manutenção. O sociólogo norte-americano Talcott Parsons buscou em seu legado tratar dos fenômenos sociais de modo a garantir o equilíbrio necessário à vida em uma sociedade organizada de acordo com uma determinada visão. O contexto vivido pelos autores e a concepção de sociedade, de humanidade, de mundo – homem, mulher, infância, juventude – eram concebidos em torno de critérios definidos sob uma abordagem hegemônica unilateral. A abordagem reformista, outro prisma da corrente clássica, se difere da funcionalista no tocante a possibilidade de reconhecimento dos MS a partir das demandas que davam vida aos grupos sociais. Esse reconhecimento identitário é um componente importante, mesmo que o horizonte de ambas fosse comum: mitigar/neutralizar as aspirações revolucionárias que poderiam representar riscos à ordem estabelecida. Parsons constrói sua percepção na releitura das obras de Durkheim e Weber que não dialogavam com as ideias da sociologia marxista. Nesse sentido, o conteúdo sociológico tratava as relações sociais com base em critérios limitados aos fenômenos locais, pessoais (psicológicas), as necessidades, as regras de convivência, conteúdos localizados no âmbito do social sem considerar nenhuma dimensão sociopolítica. A base de análise era o indivíduo e sua incapacidade de se enquadrar na ordem social 90 estabelecida. Para essa abordagem, a Ação Coletiva era um fenômeno subversivo, sem qualquer identidade política racional, que emerge de situações que negam a ordem vigente de modo criminoso, “Os movimentos operariam num cenário de irracionalidade, ou não- racionalidade, em oposição à ordem racional vigente” (GOHN, 1997, p. 41). Diante dessa realidade, era crucial serem silenciados. Essa perspectiva ainda hoje transita fortemente no imaginário do senso comum, mas não só. Alguns analistas políticos e intelectuais (neo) liberais abordam a temática apoiados nessa visão, visando fundamentar a criminalização dos MS hoje. Na base de constituição da abordagem Funcionalista, as ideias propostas para minar esses grupos operariam de modo satisfatório no sistema social de modo que a possibilidade de organização de grupos dessa natureza sequer seria viável, pois não haveria espaço para emergir essas estruturas consideradas anomalias sociais. O sistema social em constante transformação devido processo de exploração das forças produtivas fomentou condições desiguais nas relações socioeconômicas e culturais. As necessidades das pessoas marginalizadas se multiplicaram, dando vida a Ação Coletiva (AC) que foram consideradas uma doença social, uma fraqueza que deveria ser neutralizada, exterminada de modo frontal. Sem diálogo e sem o reconhecimento de organicidade, de intencionalidade política, de legitimidade, as Ações Coletivas só ganhavam determinado corpo diante de algumas condições materiais: bloqueio estrutural; contato; eficácia; e ideologia. Para Parson, “[...] os movimentos sociais são vistos como mecanismos desintegradores da sociedade, ações externas à sua dinâmica, controláveis desde que enfrentem suas causas. A lógica que permeia a abordagem é de causa-efeito, feita de forma linear.” (Gohn, 1997, p. 42). Esse modo unilateral de abordar um fenômeno social denso, complexo e de sentidos plurais deixou sequelas interpretativas difíceis de serem rompidas. Apesar de não representarem consenso, coexistiram ao longo da história influenciando a percepção em torno dos sentidos e significados do conceito. As leituras localizadas/limitadas serviram de base para toda uma construção social que alicerçou no imaginário das pessoas que a Ação Coletiva reivindicatória dos grupos era uma forma descoordenada, ilegal e de interesses duvidosos. A abordagem compreende que as ações coletivas possuem um ciclo de evolução que, acompanhadas e controladas, se dissipam sem provocar desdobramentos estruturais a estratificação social estabelecida. Esse ciclo possui os estágios de inquietação, excitação, formalização e institucionalização. Cada estágio precisava ser estrategicamente controlado, já que as condições pré-existentes conseguiram transcender o movimento inicial de sabotagem pelo aparato estatal que visava enfraquecer e inviabilizar o MS. O controle dos MS se daria através de mecanismos institucionais de monitoramento para o acompanhamento sistemático desse embrião de Movimento até que se diluísse parte das demandas reivindicatórias pelo aparato estatal sem, contudo, resolver a questão social. Questão essa que têm sua origem na ausência de políticas estruturantes que garantam acesso a direitos humanos, sociais, políticos e civis de base para a sobrevivência. O Funcionalismo de Parsons evidencia que muitas dimensões teóricas reduziram a compreensão sobre MS devido a leitura unilateralque tratou dimensões políticas e culturais complexas de modo fragmentado no momento que desconsideram a legitimidade da ação social. Essa postura epistemológica funcional – diretiva, 91 antidialógica, linear – oferece uma leitura importante sobre as condições contextuais que considero ser de base estrutural para a flagrante fragilidade conceitual em torno das Ações Coletivas e dos MS propriamente dito. As lacunas e imprecisões conceituais que alimentam a confusão e contradição na compreensão desses fenômenos, de suas características, suas interfaces, suas ramificações, se encontram nas entrelinhas dessa construção. O fator político, base da organização dos MS foi abortado, retirado de cena, esvaziando a base fundamental para compreensão dos MS. O não reconhecimento do componente político da organicidade dos diferentes grupos não é uma visão hegemônica, contudo, o modo sistemático de descentralizar, desqualificar, desvalorizar, silenciar, sabotar e desacreditar as AC antes mesmo de criarem corpo enquanto MS é uma herança epistemológica que ainda hoje possui força. Visão que carece ser atualizada, revista e reelaborada, pois não deixa espaço para pluralidade e nem o diálogo. Parson delineou as pré-condições estruturais para a consolidação de uma Ação Social em: Movimento Social: “bloqueio estrutural; contato; eficácia; e ideologia”. Bloqueio estrutural: realidade objetiva de necessidade social, cultural e econômica. Contato: rede de relações sociais ampla e consolidada. Eficácia: intercomunicação e empatia coletiva. Ideologia: conjunto de elementos éticos e morais que unem o coletivo. Com essas dimensões sabotadas o MS estaria sob controle. GLOSSÁRIO 8.1.2 A INFLUÊNCIA DE TURNER E KILLIAN A partir do lugar epistemológico da psicologia social, os autores “definem um movimento como a ação de uma coletividade com alguma continuidade para promover a mudança ou resistir a ela na sociedade ou no grupo no qual faz parte. A questão da continuidade é um elemento-chave para distingui-lo de outros tipos de ação coletiva”. (GOHN, 1997, p. 43). A base de compreensão dos MS permanece em torno da Ação Coletiva, uma ação social coordenada para um fim que não dialoga necessariamente com a ordem vigente. Essa abordagem interacionista entende que as organizações sociais se articulam em torno de necessidades imediatas, sentimentos e demandas sociais, culturais, econômicas e políticas comuns. O aqui e agora são determinantes. O estudo dessa vertente abre um leque de possibilidades para a valorização da Ação Coletiva mobilizada ao longo de determinado período. Os autores não se preocuparam com essa capacidade de continuidade pelas possibilidades intrínsecas ao processo, mas pelo entendimento de que sendo os MS dinâmicos em essência sua expansividade os descaracterizava enquanto Movimento. Uma das dimensões importantes tratadas pelos autores são as motivações individuais e coletivas que tecem a sinergia necessária para a permanência e a união do grupo. Nesse sentido, dialoga com a Abordagem de Blumer em relação a construção 92 de uma identidade coletiva através do “sentimento de pertença, de identificação com o outro e consigo próprio, criando uma ideia do coletivo. O resultado deste processo gera fidelidade e solidariedade ao grupo e vigor e entusiasmo para com o movimento [...]”. (GOHN, 1997, p. 33). A continuidade para essa abordagem funcionalista é chave para institucionalização dos MS, pois “A institucionalização impõe estabilidade adicional ao movimento e um de seus aspectos-chave é determinar procedimentos de conduta para o grupo. Os autores concluem que todos os movimentos podem vir a ter um caráter institucionalizado” (GOHN, 1997, p. 44). A institucionalidade dos MS é uma dimensão defendida pelos autores, no entanto a possibilidade de releitura e compreensão sobre essa categoria e sua continuidade, que envolve as dinâmicas de permanência, rotatividade e instabilidade de um MS é o mais importante, pois abre fendas epistemológicas. Por meio das fendas epistemológicas é possível valorizar dentro desse fluxo a solidariedade como elemento integrador que une as pessoas, o sentimento de pertença e a confiança mútua, elementos importantes que emergem dessa capacidade interna de união. Nessa perspectiva, a colaboração de Turner e Killian pode ser potencializada com outras leituras de modo a ampliar as possibilidades semânticas, polissêmicas e políticas presentes na força-poder da continuidade dos MS. Não como estratégia de o fechar institucionalmente, mas de o abrir para outras interconexões possíveis, a outras formas de legitimação. A lente psicológica empregada para a compreensão do fenômeno social permite tecer sentidos e significados plurais ao conceito de Ações Coletivas. Essa característica é um aspecto importante para recriação e compreensão mais ampla em torno das categorias em estudo – sociedade, MS, Ação Coletiva, ideologia, transformação social. Apesar de reconhecerem sua complexidade e amplitude não advogam pela capacidade de transformação social. Sua leitura assume a defesa da integração social, controle social e com a institucionalização dos MS. A sua abordagem possui raízes na base epistemológica Funcionalista, nesse sentido, seus estudos se concentraram nas ações-reações da sociedade impactada pelas questões materiais de vida. Os interessava saber como essas situações estruturantes e estruturais agiam sobre os grupos sociais, como se operava a mobilização e articulação da Ação Coletiva. Quais as estratégias, sentimentos, crenças, demandas, sentidos os aproximavam. As categorias indivíduo-sociedade e indivíduo-comunidade eram base para seus estudos. As arenas políticas e econômicas eram os universos de embate social. Lugares de poder onde as relações humanas e sociais se (des)encontravam. A cada nova crise muitas novas necessidades emergiam – as estruturas sociais se abalavam. As relações de poder se acirravam e a manutenção da realidade social precisava ser garantida. Esses estudos buscavam tratar os desdobramentos das Ações Coletivas de modo que reconhecessem critérios-chaves de seu surgimento e desenvolvimento visando sua alienação. O cerne da investigação sobre Ações Coletivas se encontrava nas entrelinhas da mobilização coletiva. A perspectiva conservadora funcionalista possui uma carga ideológica alinhada com o contexto político hegemônico. A intencionalidade das ideias e percepções estavam molhadas por essa vocação político-ideológica-institucional. As releituras e compreensões amplas em torno da constituição dos MS a partir da mobilização das Ações Coletivas abriram fendas teóricas fecundas para avançar nos estudos sobre o fenômeno. 93 O caráter institucionalizado defendido pelos autores seria uma possibilidade de autono- mia política e intelectual do grupo? Se sim, essa formalização daria um status de legiti- midade ao MS e transformaria a essência reivindicatória dos grupos organizados coleti- vamente em uma instituição moderadora. Assumindo esse papel social as manifestações não seriam mais viáveis, pois agora fazem parte do todo institucional. Certo? Nesse con- texto, qual seria a função política de um MS que se nega a ser institucionalizado? Pense nisso, a quem interessa um MS controlado por protocolos institucionais rígidos, com re- gras limitantes, com mobilidade reduzida e com orçamento vinculado a uma pasta sem capacidade operacional? VAMOS PENSAR? Inclusive a partir da ressignificação de ideias-chaves significativas para compreensão dos MS contemporâneos. Sua capacidade de reconhecer, por exemplo, o sentimento de pertença que mobiliza pessoas e contextos diferentes em prol de uma necessidade em comum é uma dimensão imperdível. A capacidade de transformação social não é um conteúdo discutido como possibilidade, mas há o reconhecimento da luta por esse horizonte abraçado pela Ação Coletiva. Seus esforços se alinhavam a manutenção do status quo, conhecer como as condições sociaisagiam sobre o indivíduo e o coletivo fazia parte da necessidade de garantir sua realidade. 8.1.3 A INFLUÊNCIA DE SMELSER Sob a ótica da psicologia social, as leituras de base comportamentalista do sociólogo americano Neil Joseph Smelser, as categorias “explosões coletivas” e “movimentos coletivos” possuem centralidade no estudo sobre os MS. Smelser as consideravam um conjunto de “comportamentos coletivos”. Esse conjunto inclui um generoso leque de manifestações de base civil, social, religiosa, profissional, econômica, política, estética, esportiva,... Ou seja, todo tipo de comportamento não-institucionalizado, ilegal e até irracional. O estudo de Smelser tinha como “[...] preocupação fundamental diagnosticar como se institucionalizam as ações sociais não-estruturadas que se encontram sob tensões. Ou seja, a busca da integração social, do controle social, é uma meta desta corrente (GOHN, 1997, p. 46). Com o horizonte da harmonização social, a organização social deveria se dá de acordo com a ideologia vigente. Nesse contexto, o estudo dos MS se resume ao controle societal. IDEOLOGIA: O conceito é dinâmico, mas possui dimensões basais reconhecidas por edu- cadoras/es e cientistas de diversas áreas do conhecimento. Com base em Gramsci (1982) e Freire (1996b), entendo que o termo seja tecido em interface com vários elementos on- tológicos e categorias epistemológicas. As dimensões praxiológicas e históricas também são variáveis determinantes. A base de toda ideologia se intercomunica com critérios assimétricos de raça, gênero, classe, ecologia, religião e geração. Essas categorias pos- suem um leque de relações de poder que lutam pela equidade, mas sobrevivem a uma hegemonia verticalizada, unilateral, colonialista e eurocêntrica. Toda ideologia totalitá- GLOSSÁRIO 94 ria extermina outras formas de existir. Para pensar ideologicamente os MS é necessário romper com a lógica estabelecida e dialogar com diferentes perspectivas. Desse modo, a possibilidade de compreender a complexidade do contexto e do fenômeno em estudo é potencializada. Dialogando com os estudos de Turner e Killian, a mobilização de esforços para neutralizar, diluir, descredibilizar, desestabilizar e alienar as Ações Coletivas intencionalmente organizadas em Movimentos Sociais foi significativa. Quando os autores levantaram a questão da continuidade dos MS, da descaracterização de sua dinamicidade devido a longa permanência em ação, podemos perceber a intencionalidade de tratar da identidade coletiva como um ente dependente do aparato institucional. Uma ação social carente de legitimidade. Essa condição tutelada e assistencialista precisa ser rompida. A leitura operada por Smelser reforça esse olhar, pois vai na mesma direção, da institucionalização. Além disso, entende estar no “funcionamento do sistema social a resposta para o surgimento de novas crenças e indaga como elas interferem nos comportamentos coletivos”. (GOHN, 1997, p. 47). O sistema social é o epicentro desse processo de emersão/imersão dos Movimentos e Explosões Coletivas. Os comportamentos coletivos estão intimamente relacionados as condições sociais, essa percepção pode ser problematizada no estudo dos MS, sobretudo, no tocante a realidade objetiva de exclusão, alienação e opressão. Quando Smeler faz essa constatação, colabora com a construção de uma base teórica importante para o estudo da formação e legitimação dos MS. Apesar de ele não ter se ocupado com esse processo de modo articulado - formação e legitimação – o fato de: • reconhecer a capacidade de união entre as pessoas; • destacar o aspecto da continuidade - aqui delineada como uma dimensão antagônica, pois a estabilidade não dialoga com a dinamicidade, o que descaracterizaria o MS; • estabelecer a relação política entre contexto social e necessidades comuns compartilhadas. Essas dimensões trazem uma infinidade de ramificações analíticas e interpretativas capazes de ampliar tanto o conceito quanto os fins, os tipos, as metodologias, as interfaces, a intencionalidade e a organicidade dos MS. O fato dos comportamentos coletivos serem definidos como comportamentos não-institucionalizados não diminui o potencial emancipador que alguns MS incorporaram ao longo da história. Essa leitura nos diz muito sobre a constituição histórica dos MS, sobretudo, por evidenciar uma trajetória ontológica, epistemológica e praxiológica de base popular que o setor social e político estabelecido demorou a reconhecer. Esse movimento de reconhecimento necessita ser assumido também pela sociologia, sobretudo, em torno das lacunas e imprecisões teóricas que carecem ser retomadas. Nesse processo, tanto o campo de conhecimento quanto o fenômeno social em estudo crescem, se fortalecem e se atualizam juntos. Esse é o desafio de toda Ciência na contemporaneidade, se reinventar com base nas demandas sociais emergentes, quando os conceitos clássicos são revisitados e ressignificados de acordo com o movimento complexo e contraditório da sociedade em trânsito. 95 8.2 ABORDAGEM ORGANIZACIONAL: COMPORTAMENTALISTA Para compreender um pouco mais sobre as Ações Coletivas e Movimentos So- ciais acesse a plataforma digital da Biblioteca Integrada e veja: LOPES, Daia- ne Duarte. Ações Coletivas e movimentos sociais In: SANTOS, Ana Paula Flieg- ner dos et al (Org). Movimentos Sociais e Mobilização Social. Porto Alegre/ RS: SAGAH. 2018. p. 75-79. ISBN 978-85-9502-554-7. Disponível na plataforma BUSQUE POR MAIS online da Biblioteca Única: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788595025547/cfi/10!/4/4@0.00:30.1 Sobre a Abordagem Funcionalista para construção do conceito de MS e de Ação Social visitem a página da Revista Movimentos Sociais e Dinâmicas Es- paciais e busquem o texto de PONTES, Beatriz Maria Soares. OS SUPORTES EPISTEMOLÓGICOS DOS MOVIMENTOS SOCIAIS In: Revista Movimentos So- ciais e Dinâmicas Espaciais, Recife, V. 04, N. 01, 2015. p. 46-85. Disponível em: BUSQUE POR MAIS https://periodicos.ufpe.br/revistas/revistamseu/issue/view/v.%204%2C%20n.%201%20 %282015%29 A última abordagem clássica de nosso roteiro de estudo sobre a trajetória histórica da construção da categoria analítica dos MS, e das AC, pela Sociologia em diálogo com outras Ciências, é também considerada uma porta epistemológica importante pelas teias interpretativas que deixa em aberto. Essa é a grande oportunidade que temos enquanto produtores de história, de conhecimento e de avançar sobre questões sociais emergentes, pois “Assim como os movimentos, que se apresentam em ciclos e apresentam ênfases particulares a cada momento histórico, as categorias criadas para a sua análise e os conceitos produzidos também são datados historicamente.” (GHON, 1997, p. 19). Ou seja, não se configuram enquanto verdades absolutas, mas fendas que precisam ser redesenhadas. Essa temática, da abordagem comportamentalista, como também a funcio- nal, pode ser ampliada com a leitura de GOHN, Maria da Glória. O Paradig- ma Norte-Americano – Capítulo I: As teorias clássicas sobre ações coletivas In: Teoria dos Movimentos Sociais Paradigmas Clássicos e Contemporâ- neos. São Paulo: Edições Loyola. 1997. Disponível em: http://flacso.org.br/fi- BUSQUE POR MAIS les/2016/10/120184012-Maria-da-Gloria-Gohn-TEORIA-DOS-MOVIMENTOS-SOCIAIS-PARA- DIGMAS-CLASSICOS-E-CONTEMPORANEOS-1.pdf 96 Quando Selzinick (1952), Gusfield (1955) e Messinger (1955), os principais pesquisadores desta corrente teórica, se dedicaram aos seus estudos no século XX, talvez já soubessem das releituras teóricas que as categorias propostas sugeriam (GOHN, 1997). Essa perspectiva foi base para retomadas e ampliação semântica e interpretativa, devido sua significativa capilaridade teórica. As interconexões estabelecidas entre o ontem e o hoje tecem o agora. A classificação desenhada por um dos seus expoentes, Gusfield, por exemplo, que dividiu os Movimentos em três categorias: de classe, de status e expressivos, são elementosque carecem ser ressignificados. Essas categorias não são necessariamente definições estabelecidas como uma teoria dos MS, mas uma denominação que traz mais elementos em torno da organização social e coletiva dos grupos. As categorias elencadas por Gusfield – de classe, de status e expressivas – tratam as ações coletivas de modo fragmentado, ainda assim são capazes de ajudar a visualizar em alguns grupos as características desenhadas em cada uma dessas categorias. A de classe não dialoga com o recorte de classe social, mas de categoria fabril, por exemplo. A de status se associa aos Movimentos elitistas, são aqueles voltados para si próprios, para alcançar ou manter o prestígio do grupo. A expressiva se aproxima das leituras de Blumer, quando se articula com demandas comuns, mas de modo esparso, sem organicidade política para a transformação social. Ainda hoje algumas AC possuem elementos empíricos que dialo- gam com esse olhar Funcional, contudo, não são necessariamente características de MS como compreendemos. Isso evidencia que as teorias clássicas se tornaram raquíticas pe- los limites impostos pelo contexto de sua produção e a exigência de interfaces epistemoló- gicas no cenário atual, mas não significa que elas estão superadas. Vivem nas entrelinhas de percepções antidialógicas e meramente instrumentalistas. Neste cenário, qual a tarefa epistemológica da Sociologia na contemporaneidade? E a sua tarefa? Pense nisso! VAMOS PENSAR? As ações coletivas vistas pelo prisma da abordagem comportamental- organizacional rompem com a visão localizada apenas no sujeito e suas necessidades pessoais, avançando para aspirações mais complexas. A centralidade epistemológica da psicologia social que percebe nas ações individuais e suas aspirações voluntaristas neutralizam o potencial político-organizativo dos MS. As fendas epistemológicas deixadas em aberto por essa abordagem clássica permitiram que os Movimentos fossem vistos de outras formas, com finalidades por vezes divergentes, outras convergentes. Não mais percebidos de forma distinta dos partidos, lobbies e grupos de interesses. A pluralidade é amplamente acolhida. Uma corrente importante que nasce desse movimento reflexivo deixado entreaberto é a teoria da Mobilização de Recursos que começa a ocupar as discussões acadêmicas e científicas norte-americanas ainda no século XX. É importante salientar que todas essas abordagens coexistiram em determinado período histórico e fizeram do fenômeno em estudo um conceito por vezes fragmentado demais para ser compreendido em seu todo. Esse caráter multifacetado, dinâmico e contraditório acompanha sua própria constituição. Mas não o fecha em um único conceito. Sua ação contraditória e dinâmica impede definições determinísticas. 97 Gohn (p. 73, 1997) explica que “após décadas do apogeu da Escola de Chicago, um de seus pressupostos básicos, o interacionismo, ressurgiu com bastante vigor, sob a forma de interacionismo simbólico, por meio da recuperação dos trabalhos de Irving Goffman. Utilizando-se de um de seus argumentos - as condições estruturais são necessárias, mas não suficientes para explicar a ação humana -, a categoria da Mobilização Política - vol- tou-se para os estudos psicossociais enfatizando as regras de interação”. O interacio- nismo é uma corrente epistemológica de base da abordagem clássica que ainda hoje ajuda a compreender a formação dos Movimentos a partir das relações estabelecidas, contudo, sem determinismo. FIQUE ATENTO Os MS são uma organização social e coletiva complexa, tecida ao longo da história de uma humanidade que enfrentou e continua enfrentando vários dilemas, crises que são fruto de imensas lacunas, sabotagens e memórias doloridas encarnadas na constituição social e cultural - heranças coloniais e escravistas – difíceis de serem superadas. Os MS, nesse contexto histórico, atravessa o tempo assumindo contornos cada vez mais complexos e contraditórios reivindicando direitos inalienáveis que até hoje não estão consolidados. O conceito de AC assim como de Ação Social vem sendo ressignificado ao longo da história a partir de demandas complexas que foram emergindo na sociedade capitalista. Neste sentido, as Ações Coletivas são muito mais que um amontoado de pessoas atordoadas, desequilibradas, sem critérios ou carregadas pelo espontaneísmo e irresponsabilidade gritando nas ruas aleatoriamente por necessidades básicas comuns. A luta dos grupos sociais mobilizados pelas AC foram se ampliando de modo que sua estrutura organizacional extrapola em muitos aspectos as leituras clássicas psicológicas-interacionistas ou comportamentalistas, reformistas e funcionalistas que estudamos neste segundo capítulo. A organização social com base na Ação Coletiva incorpora sentidos e significados polissêmicos que estão sendo pautados, disputados e reconfigurados ao longo da história. Os tratar de modo fragmentado e com leituras unilaterais desintegra toda sua potencialidade, pois nesse movimento hegemônico se dilui diferentes lutas, estratégias, relações e organizações em uma única perspectiva homogeneizadora. Neste cenário, é urgente que novas categorias surjam o tempo todo, assim como novas perspectivas são sempre demandadas, pois os MS: São objetos de estudo permanente. Enquanto a hu- manidade não resolver seus problemas básicos de de- sigualdades sociais, opressão e exclusão, haverá lutas, haverá movimentos. E deverá haver teorias para expli- cá-los: esta é a nossa principal tarefa e responsabilida- de, como intelectuais e cidadãos engajados na luta e por transformações sociais em direção a uma socieda- de mais justa e livre. (GOHN, 1997, p. 20). No fluxo quase doentio e vicioso de autopreservação do status quo das sociedades Modernas, a presença dos MS é um sinal de que as relações estabelecidas tomaram por critério dimensões seletivas difíceis de serem alcançadas, portanto, excludentes. 98 A construção de uma sociedade mais justa e livre, como preconizada pela autora, permanece em um horizonte distante, porém, possível e mais que necessário. O estudo sistemático desse fenômeno social com vistas ao desvelamento das relações truncadas, invisibilizadas, sabotadas e negadas de várias formas representa, sobretudo, a capacidade humana de se reinventar sobre critérios mais humanizantes, mais solidários e inclusivos. Essa é a tarefa sociológica mais elementar: colaborar com a construção de uma realidade menos excludente e mais acolhedora para as próximas gerações. 99 FIXANDO O CONTEÚDO 1. Quais as principais características da visão de Parsons para o estudo das Ações Coletivas e dos MS a partir do paradigma funcionalista? a) Julgava os MS como uma Ação Coletiva desorganizada; a Ação Coletiva era a união de pessoas com objetivos comuns; a manutenção da estrutura social era o foco de seus estudos. b) Compreende os MS como uma ação coletiva organizada; classificou dos MS em: classe, status e expressivos; não acredita no potencial revolucionário dos MS. c) O bem-estar social era seu foco; a Ação Coletiva como manifestação espontânea das pessoas com alguma necessidade; os MS são grupos não-institucionalizados; Acredita no potencial político dos MS. d) O estudo da Ação Coletiva oferece elementos para controlar os MS; Os MS são grupos não-institucionalizados, porém, são politizados; os MS são expressões das más condições estruturais. e) Visava o equilíbrio social; Ação Coletiva era compreendida como fenômeno subversivo; MS concebido como anomalia social com ciclo de evolução controlável; MS sem potencial organizativo e/ou político. 2. Quais eram os estágios cíclicos de constituição de um MS segundo Parsons? a) Inquietação, excitação, formalização e institucionalização. b) Sensibilização, articulação, mobilização e cooperação. c) Inquietação, articulação, intercomunicação e institucionalização. d) Articulação, mobilização, formalização e institucionalização. e) Inquietação, excitação, formalização e organização.3. Quais as principais características da visão de Turner e Killian para o estudo das AC e dos MS a partir do paradigma funcionalista? a) Os MS são grupos organizados com objetivos delineados; o critério de continuidade é a chave para sua organização política; a união das pessoas dispensa institucionalização dos MS; as necessidades provocadas pela desigualdade oriunda da estrutura social é o cerne da questão de onde emerge os MS. b) As más condições materiais da vida fazem surgir os MS; A continuidade dos MS o desorganiza; a institucionalização dos MS permite condições melhores de vida a população; a estrutura social é a base para o equilíbrio de forças. c) O critério da continuidade descaracteriza o MS; a sinergia que mantém o grupo unido e forte são as motivações individuais e coletivas; defende a integração social, o controle social e a institucionalização dos MS; as categorias indivíduo-sociedade e indivíduo- comunidade eram base para seus estudos da mobilização coletiva/ação coletiva; a estrutura social é chave no estudo das AC. d) A institucionalização, a continuidade e a estrutura social em constante desequilíbrio são elementos-chaves para o fortalecimento dos MS; o controle social é um mecanismo 100 seguro para a organização dos MS. e) A estrutura social com suas desigualdades possui relação com a formação das Ações Coletivas que dão vida aos MS; a continuidade é a chave-força dos MS; as motivações individuais e coletivas são contraditórias e impedem a continuidade do MS. 4. Quais possibilidades epistemológicas os estudos funcionalistas de Turner e Killian abrem para o estudo dos MS e das AC hoje? a) O controle social e a institucionalização são instrumentos políticos ideológicos que servem a transformação social; as leituras epistemológicas não possuem relação com o contexto político; a leitura interacionista social sobre as AC e os MS acolhe os distintos condicionantes históricos, sociais, culturais, políticos e econômicos. b) A institucionalização como ferramenta de organização; a continuidade como meio de ampliar as articulações do MS; as AC são resultado das políticas promovidas pela estrutura social; a transformação social é um horizonte possível desde que a AC evolua para MS. c) A AC é a força motriz para consolidação do MS; as necessidades compartilhadas pelos grupos organizados são fruto da desorganização social em permanente condição de crise; o estudo das categorias indivíduo-sociedade e indivíduo-comunidade são a chave para fortalecer os MS. d) A institucionalidade dos MS fortalece as AC; a estrutura social não condiciona a produção de novas necessidades; as relações sociais não são condicionadas pela estrutura social; a solidariedade é a sinergia que une as pessoas em torno de objetivos comuns. e) A ressignificação de ideias-chaves significativas para compreensão dos MS contemporâneos; o reconhecimento do sentimento de pertença que mobiliza pessoas e contextos diferentes; o reconhecimento da luta pelo horizonte da transformação social através da AC; a capacidade de continuidade como força transformadora e não como barreira que descaracteriza os MS. 5. Como as categorias da AC e MS são delineadas pela corrente Clássica Funcionalista? a) A existência de um movimento social é uma situação estranha, pois em uma sociedade organizada e harmônica não existe essa possibilidade. A AC leva a formação de MS. O Sistema social interfere e influência na formação dos MS. A AC é motivada por valores e crenças que os levam a comportamentos irracionais que precisam ser controlados. Uma sociedade que possui muitos MS é considerada desorganizada e doente, por isso necessita ser reformada. b) Os Movimentos Sociais existem porque há indivíduos desajustadas na ordem social vigente. A Ação Social motiva a formação de AC. Os comportamentos coletivos são responsáveis pela organização dos MS. A institucionalização dos MS fortalece os grupos envolvidos. c) Há uma estreita relação entre movimento social e marginalidade. A Institucionalização retira o MS da condição de marginalidade. A AC é formada por indivíduos organizados d) Os movimentos sociais são uma das formas de expressão das AC. Toda AC pode se transformar em um MS. A ação sócio-política do MS dialoga com a necessidade de sua institucionalização. Os MS são legítimos representantes da população empobrecida. 101 e) O movimento social é por definição, dinâmico, se permanecer por muito tempo já descaracteriza e não se configura mais como um MS. Toda AC é uma Ação Social coordenada para um fim comum. O sistema social é responsável pela formação das AC que por sua vez são responsáveis pela criação dos MS. 6. Como as AC e os MS são compreendidos a partir da ótica organizacional- comportamentalista? a) A releitura estabeleceu relação estreita entre aspectos do interacionismo simbólico com a abordagem reformista. Os MS e as AC são entendidos como um conjunto de movimentos coletivos que não possuem a organicidade necessária para atingir suas metas. b) A leitura interacionista em diálogo com a comportamentalista ampliou o conceito de MS que é entendido como um conjunto de grupos heterogêneos, com distintos interesses, mas com horizonte comum de transformação social. As AC são a base desse processo a partir da interface com grupos sociais marginalizados que desejam mudar as regras sociais. c) Os MS se tornam entidades não-estatais autônomas e autogeridas. As AC se organizam a partir das Ações Sociais que, em seguida, se tornam grupos organizados. As normas e regras sociais tradicionais hegemônicas são a base de estudo da abordagem organizacional-comportamentalista para compreender os MS. d) Os MS são entendidos como organizações coletivas e até burocráticas. A AC não é mais percebida como desorientada e informal. Afasta-se das leituras centradas nos aspectos psicológicos que privilegiam a dimensão pessoal, sem objetivos definidos, centrados nas motivações cotidianas do “aqui e agora”. e) A abordagem psicológica permanece auxiliando a compreensão dos fenômenos, contudo a ênfase está não mais nos aspectos pessoais, sentimentos e necessidades imediatas. A AC e os MS assumem contornos complexos, no entanto os interesses comuns de melhoria da vida permanecem sendo o objetivo maior das organizações. 7. Quais percepções - características sociológicas - essas abordagens funcionais- comportamentalistas deixaram de herança no imaginário coletivo que influenciam na compreensão empírica e até acadêmica sobre os MS na atualidade? a) Uma visão ampla da articulação e mobilização como base política de uma relação solidária entre MS e Sociedade civil. Além disso, uma capacidade ampla de diálogo com o Estado para construção conjunta de políticas de bem-estar social. b) A percepção generalizada de que os MS são grupos com motivações pontuais de natureza pessoal. Comumente contra o poder estabelecido e por isso questionáveis precisando ser neutralizadas pelo Estado. São grupos marginalizados e criminalizados, tendo descrédito as demandas coletivas que os une em prol da autodeclarada transformação social. c) A compreensão de que os MS e as AC possuem uma funcionalidade política fundamental para a auto-organização da sociedade. Assim, os MS são concebidos enquanto grupos com papel social crucial para a harmonização social. d) A ideia de que os MS são grupos heterogêneos que lutam por diferentes direitos humanos, civis, culturais e políticos de modo organizado e em sintonia com o poder 102 estatal estabelecido. e) O entendimento popular de que as bandeiras e as temáticas defendidas pelos MS são de intencionalidade legítima uma vez que reflete as necessidades mais elementares da maioria esmagadora da população. 8. Como a Sociologia Contemporânea pode colaborar para com a ressignificação da herança epistemológica estudada nesse capítulo? a) As Correntes Clássicas Funcionalista e Organizacional-Comportamentalista são bases teóricas que sustentam conceitos tradicionais difíceis de seremsuperados. Nesse sentido, é improvável que suas ideias sejam corrompidas com vistas a transformação para que dialoguem com fenômenos micro situados. b) O conhecimento científico não é estático, é dinâmico e de tempos em tempos necessita ser retomado e ressignificado. Esse movimento não desabilita o conhecimento original, mas o qualifica, o amplia sem, no entanto, alterar sua essência epistemológica. c) Ao longo do seu processo de instituição a Sociologia retoma aspectos fundamentais de sua gênese buscando reconhecer fragilidades e imprecisões. Essa é a grande possibilidade de enfrentar conceitos cristalizados sem, contudo, questionar dimensões elementares que fizeram da Sociologia o status de Ciência. d)À Sociologia são lançados desafios que perpassam suas competências e responsabilidade. Ressignificar conceitos delineados pela Corrente Clássica é uma dimensão não-operante devido sua ramificação e completa introjeção na relação e compreensão de mundo. e) A Sociologia deve ser revisitada assim como todo conhecimento, práticas, visões, percepções e experiências humanas em seus prismas culturais, sociais e políticos na sua relação com o meio ambiente e nos diferentes contextos históricos. Essa é uma das tarefas epistemológicas mais delicadas e importantes de serem operadas: rever dilemas, vícios, lacunas, equívocos e imprecisões visando superar dicotomias, fragilidades e definições limitadas. 103 CONCEITOS E PERSPECTIVAS NAS CIÊNCIAS SOCIAS 104 9.1 ABORDAGEM MARXISTA A releitura aqui proposta dá um salto sócio-histórico em relação as leituras anteriores que tiveram como base a Corrente Clássica Norte-americana a partir da experiência da Escola de Chicago. Um marco teórico para a construção tanto do campo do conhecimento da Sociologia quanto para o estudo dos Movimentos Sociais. O movimento de retomadas e ressignificação operado tece uma trajetória interpretativa interessante por valorizar os (des)caminhos que o fenômeno em estudo percorreu ao longo de sua constituição. Nosso diálogo neste momento é estabelecido com o sociólogo professor Picolotto (2007), sobre as abordagens clássicas e contemporâneas no estudo dos Movimentos Sociais. Neste artigo em especial o autor percorre as principais ideias de três pesquisadores referências no estudo dos MS, são eles Alain Touraine, Manuel Castells e Alberto Melucci. O trabalho interpretativo realizado nos contempla pela articulação temática que estabelece. Com base nos olhares epistemológicos aqui referenciados, e em suas respectivas interconexões, faremos nosso caminho interpretativo de reelaboração teórica. Para compreender as teias complexas da categoria sócio-histórica, sociopolítica, político- econômica e cultural dos Movimentos Sociais atualmente é necessário tecer uma coprodução de sentidos/significados de modo amplo e articulado. A categoria sociológica da Ação Coletiva nesta interface evidencia uma co-construção teórico-prática e histórica estabelecida nas teias complexas do conjunto de ações sociais também relevantes. Esse movimento de imersão e emersão sobre a construção teórico-metodológica de distintas visões, revisões e perspectivas, nos permite perceber a polissemia do fenômeno. Sendo os Movimentos Sociais um conceito plural, sem definição estática, com perspectivas abertas e em constante transformação, revisão, ressignificação e atualização, a leitura proposta valoriza o movimento de imersão/emersão teórico com objetivo de avançar. Nesse processo, o contexto em que o fenômeno está inserido é conteúdo privilegiado. Essa tessitura interpretativa sobre a arqueologia genealógica produzida pelos interlocutores desta construção acadêmica nos oportuniza rever nossa própria visão de mundo. Refletir sobre a ação social, ação coletiva, estruturas de poder, relações humanas e a reprodução ampliada da vida exige rever o lugar da ação individual e coletiva. Somos parte de uma totalidade fissurada que carece ser revisitada e reelaborada constantemente devido campo minado que se tornou a estrutura sócio-política em contexto de golpes diários. Reprodução ampliada da vida – “Um processo em que novas relações entre seres huma- nos e natureza e entre os próprios seres humanos se ampliam em todas as esferas da vida biológica e social. Suas bases materiais e simbólicas estão fundadas no respeito à natureza externa e ao ser humano, na produção associada e na autogestão do trabalho e da vida social que permita a homens e mulheres a produção de sociabilidades fraternas e solidárias [...] apesar de não existir uma definição, há princípios ético-políticos que a anunciam”. (TIRI- BA, 2018, p. 85). É precisamente essa postura epistemológica que nos torna seres históricos capazes de transcender conceitos ultrapassados e tendenciosos que limitam o ser, o existir e o transformar. FIQUE ATENTO 105 Nesta perspectiva, o estudo realizado por Picolotto (2007, p. 157) nos ajuda a compreender qual a contribuição da abordagem sociológica marxista para o estudo dos MS que, segundo ele, “foi estabelecer a relação entre a teorização e ação política dos movimentos sociais através do conceito de práxis social. Esta foi entendida como a transformação do social”. Um projeto complexo e contraditório onde a ação social e política devem acontecer através da consciência crítica sobre os modos da reprodução da realidade vivida. Essa práxis promove o sentimento de engajamento, base ontológica necessária à co-construção da consciência de classe. Os MS têm na categoria classe social a partir de Marx uma forte inspiração-relação, tanto teórica quanto prática. Práxis: pode ser compreendida como a estreita relação que se estabelece entre um modo de interpretar a realidade e a vida e a consequente prática que decorre desta compreen- são levando a uma ação transformadora. Opõe-se às ideias de alienação e domesticação, gerando um processo de atuação consciente [...] É uma síntese entre teoria-palavra a ação (ROSSATO, 2010, p. 325). FIQUE ATENTO É importante salientar que a construção social do conceito-categoria MS nasce em berço tradicionalista, uma herança clássica que rotula/reduz/nega/criminaliza o potencial organizativo, político, reivindicatório e emancipatório das organizações coletivas. Essa construção epistêmica deixou marcas coloniais nas veias de um processo social que resistiu e vem ao longo do tempo se reinventando, desconstruindo todo um sistema de crenças, valores, conceitos, definições e lugar social marginalizado que lhe fora imposto. É inegável a contribuição dos estudos de Marx para compreensão do mundo do trabalho e, dentro desse grande universo semântico, das relações sociais, das relações de poder, das condições materiais da vida e sua relação umbilical com os MS. Expressão legitima arquitetada de modo intencional a partir de uma realidade social marcada por exclusão, alienação, exploração, dominação e reprodução da pobreza. Picolotto (2007, p. 158) afirma que: [...] o estudo dos movimentos sociais sob a abordagem marxista centra-se na análise dos processos históricos globais, nas contradições materiais existentes e nas lu- tas entre as principais classes sociais presentes no pro- cesso de produção [...] Esta luta é concebida como o “motor da história”, cujo resultado ancora-se na suposi- ção de que as contradições geradas por ela colaboram para a organização política do proletariado, permitindo criar as condições necessárias para a superação da or- dem capitalista. É importante entender que a luta de classes é uma categoria teórica de cunho histórico e sociológico de base econômica e social, que foi o tema de estudo e da própria vida de Marx e de Engels. Marx dedicou sua vida para estudar esse fenômeno, como também os mecanismos do capital e da macroestrutura social, no século XIX, tendo por base a realidade fabril da Europa. Um contexto histórico muito particular, sem possibilidade de simples transposição teórica. 106 Essa dimensão teórica teve e tem por arenasocial, política, histórica e econômica a sociedade que naquele contexto estava organizada socialmente basicamente em torno das configurações da burguesia e do proletariado – e, veja, esse último não é qualquer tipo de trabalhador. Esse critério é importante, pois a leitura de classe está amalgamada em um perfil de trabalhador superado nos dias de hoje. O mundo do trabalho possui outros contornos. Há que considerar, também, as fases pelas quais o autor viveu que influenciou suas ideias e convicções epistemológicas, Gohn (2000) em seus estudos identificou duas grandes correntes de pensamento que nele se inspiraram: Marx maduro - Os pressupostos gerais da corrente ortodoxa baseavam-se principalmente nas determinações econômicas e macroestruturais – fechando em si interpretações limitadas sobre a realidade; já a fase do Marx jovem: seus estudos sobre a consciência, a alienação, a ideologia, etc., originou- se uma tradição histórica-humanista também conhecida por heterodoxa. Ao estabelecer a luta de classes como o “motor da história”, o autor incorpora na definição o contexto sociopolítico que enfrentam. Hoje sua releitura agrega muitos outros sentidos contextuais, existenciais, ambientais e afetivos. O educador Paulo Freire, por exemplo, em releitura de Marx entende que “a luta de classes não é o motor da história, mas certamente é um deles, uma vez que o sonho pode ser, também, um motor da história” (RIBEIRO, 2010, p. 250). Esse olhar está molhado pelo contexto brasileiro e latino-americano da luta pela transformação social, diferente da realidade espaço- tempo-contextual de Marx. Portanto, dialogar com os pressupostos marxistas hoje exige toda uma releitura histórica e contextual. É necessário datar nossas reflexões, pois os fenômenos sociais estão inseridos em uma realidade de conflitos e contradições determinadas que forjam relações de poder também determinadas. Em cada época essas relações possuem contornos assimétricos distintos, baseados, entretanto, na junção/coalizão de binômios e trinômios ontológicos e epistemológicos. Uma constante correlação de forças que enfraquece a todos. Entre essas categorias podemos elencar exploração-dominação (QUIJANO, 2005; 2011), modernidad/colonialidad (MIGNOLO, 2010); patriarcado-racismo-capitalismo (SAFFIOTI, 1987). Estudar a partir de releituras interpretativas de diferentes prismas, considerando-se interseccionalidades e coalizões, pode ampliar as possibilidades de compreender como as forças políticas e ideológicas são fruto de uma herança colonial. Dimensões indivisíveis como razão/sujeito, corpo/natureza humana, razão-emoção, sujeito-objeto, foram cindidas. Leituras polarizadas que ganharam força com a cisão do mundo operada pela lógica eurocêntrica. As contribuições de Marx para o estudo dos MS a partir da categoria luta de classes, bem como as categorias analíticas (totalidade, contradição, dialética) ainda são fundamentais para compreensão da realidade hoje e sempre serão referências. As teorias construídas ao longo da história são a base de todo um estudo em profundidade que nos possibilita avançar, reelaborar, reescrever em diálogo com nosso tempo, nossas demandas históricas, nossos conflitos humanitários, ambientais e civilizatórios, nossas memórias e experiências. Nessa perspectiva, a construção de um “novo mundo”, de “novos conceitos”, outras categorias endógenas, com engajamento popular, seja através dos MS seja através da participação em conselhos e fóruns (que foram esvaziados na atual gestão federal (2019- 2022)) exige-se, também, a construção de uma nova mulher, um novo homem, uma 107 nova noção de humanidade, de justiça social e inaugurar relações de reciprocidade e equidade que até hoje buscamos tecer com muito pouco sucesso. Para essa tarefa histórica Marx ajuda, sobretudo, ao nos provocar a avançar, a atualizar, a transcender suas reflexões de acordo com a nova ordem social, com os novos- velhos dilemas da sociedade capitalista. Nesta direção, estudos das Ciências Sociais e Humanas se mobilizaram para colaborar com a construção de uma epistemologia que valorize os sentidos plurais emersos das lutas coletivas dos MS pela reinvenção do tecido social. No cenário de reinvenção, de descobertas e da busca pela reprodução ampliada da vida, os Novos Movimentos Sociais (NMS) emergem como estratégia política de enfrentamento a lutas históricas que ainda carecem de reafirmação e outras novas realidades marginalizadas. A partir de Gohn (2000), Picolotto (2007) descreve algumas ideias ortodoxas de Marx superadas pelos NMS. Entre elas a principal é o alargamento do poder de ação política do sujeito social e da compreensão desse sujeito como um ser plural, de possibilidades, analisados pela capacidade de ações e identidades coletivas e não mais determinados pela macroestrutura; a descentralização da luta de classe como categoria central nas análises, acolhendo outros critérios epistemológicos e ontológicos para essa releitura – reelaborando conceitos ali cristalizados como ideologia; a dimensão política rompe com as barreiras do público e adentra as ações micro situadas, no cotidiano das pessoas. Esse redimensionamento teórico e alargamento conceitual recupera o potencial sabotado ao longo do processo de constituição histórica do fenômeno. A dimensão política do indivíduo ganha centralidade a partir do momento que se desloca das determinações macroestruturais um poder que não lhes pertencia. A ação coletiva assume contornos ainda não experimentados no campo da política que fora engendrada/alienada pela esfera institucional. Esse olhar ressignificado ganha força no paradigma dos Novos Movimentos Sociais que Picolotto (2007) se dedica a estudar. O autor apresenta um olhar significativo sobre a concepção de três estudiosos, como mencionado no início dessa discussão. Abre sua reflexão com a releitura de Alain Touraine e sua contribuição para o estudo dos Movimentos Sociais e das Ações Coletivas. Utilizando-se do próprio Touraine (2003, p. 113) apud Picolotto (2007, p.163), o autor nos apresenta uma definição interessante de Movimento Social: A definição de movimento social só é útil se permite pôr em evidência a existência dum tipo muito particu- lar de ação coletiva, aquele tipo pelo qual uma catego- ria social, sempre particular, questiona uma forma de dominação social, simultaneamente particular e geral, invocando contra ela valores e orientações gerais da so- ciedade, que ela partilha com seu adversário, para pri- var este de legitimidade. Picolotto (2007) valoriza o alerta feito por Touraine (2003) sobre a função sociopolítica do conceito de MS que, segundo ele, carece estar em interconexão radical com as demandas contextuais pela transformação social. É importante entender que essa leitura dialoga com aspectos macrosocietal, ou seja, parte do geral para o local. Sua leitura assume tanto a Ação Coletiva quanto os MS como agentes de desenvolvimento social. Uma responsabilidade política e ideológica na medida em que há uma intencionalidade 108 “De forma geral, quando se fala em movimentos sociais a partir dos anos 70, a teoria que vem à mente é a dos Novos Movimentos Sociais, porque foi construída a partir da crítica à abordagem clássica marxista e graças a ela desenvolveu-se um intenso debate com o paradigma culturalista-acionalista norte-americano”. (GOHN, 1997, p. 119). A teoria cultura- lista-acionalista enfatiza a cultura, a identidade e a solidariedade entre as pessoas de de- terminado movimento social. Segundo esta perspectiva, os movimentos contemporâneos apresentam interesses difusos e não classistas. A leitura de classe não é a única categoria de estudo, existem outras ramificações tão importantes quanto. FIQUE ATENTO explicita sobre qual a finalidade concreta da existência do MS. Essa abordagem de diálogo neomarxista valoriza a ação coletiva como uma categoria social que possui objetivos e metas definidas em interface com as necessidadeslocais e gerais da sociedade. Esse movimento geral-local é um modo de compreender os fenômenos, mas não é a única. Incorpora os estudos epistemológicos sobre os NMS e buscam reescrever toda uma história epistemológica de base eurocêntrica. Abordagens que bebem de conceitos lavrados em raízes extremamente limitadas, como as estudadas anteriormente. O segundo autor em dialogo é Manuel Castells que é grande referência na América Latina pela colaboração ativa nas releituras contemporâneas sobre as influências das técnicas e tecnologias no mundo hoje. Sua aproximação com os MS se dá justamente pelo fato de que muitas AC se articulam através das redes virtuais que são fenômenos oriundos do alargamento tecnológico que vivemos. Para o autor, os MS: [...] “são ações coletivas com um determinado propósito cujo resultado, tanto em caso de sucesso como de fra- casso, transforma os valores e instituições da socieda- de” (2002:20). E acrescenta que, do ponto de vista analí- tico, não existem movimentos sociais “bons” ou “maus”, progressistas ou retrógrados, eles são “reflexos do que somos, caminhos da transformação, uma vez que a transformação pode levar a uma gama variada de para- ísos, infernos ou de infernos paradisíacos. ” (CASTELLS, 2002, p. 20 Apud PICOLOTTO, 2007, p. 167). Nessa perspectiva, o movimento operado pelas AC é determinante no sentido de romper com a lógica instituída. Esse processo se desdobra de modo complexo pelas teias de intercomunicação entre militantes e não-militantes uma vez que o fluxo de interação das informações e conhecimento navega sem distinção de classe, raça, gênero e geração. Entendo que o conjunto de relações sociais envolvidas nessa trajetória virtual de ressignificação de ideias, conceitos e de dimensões ético-políticas fundamentais ganhe força de tal forma que a transformação social requerida de fato aconteça. 109 Sobre a relação da sociedade com a realidade virtual e seus desdobramentos sócio-políticos e econômicos veja: SOCIEDADE EM REDE - CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede In: CASTELLS, M. Sociedade em rede. Volume I. 8ª ed. Paz e Terra. Sem ano. p. 565-573. Disponível em: https://perguntasaopo.files.wor- dpress.com/2011/02/castells_1999_parte1_cap1.pdf BUSQUE POR MAIS A questão levantada pelo autor, em relação tanto a intencionalidade sociopolítica quanto ao horizonte utópico a ser conquistado diariamente, é que os MS animados pelas AC organizadas são o espelho da sociedade em que vivemos. No atual contexto político, vemos explodir um universo de AC banhadas em elementos questionáveis: a enamoração com regimes ditatoriais com exaltação à ditadores, a invocação de medidas restritivas de extrema violência como o AI-5, manifestações arbitrárias contra os três poderes, repúdio à educação, à ciência e à própria Constituição Federal quando tais manifestações nela são repudiadas. Quando Castells afirma que, do ponto de vista analítico, não há MS bons ou maus ele nos desafia a repensar a humanidade que construímos ao longo da história. As AC e os MS são expressões legítimas dos anseios e necessidades de um povo. Quando a necessidade maior não é o alimento, a moradia, a saúde, a educação, o trabalho, o direito de participar da vida da cidade, das decisões políticas, mas é a autoridade do fascismo, a força da coerção e o silêncio alienador das massas é porque os valores que ali imperam possui uma ideologia que vai na contramão do que as aspirações democráticas defendem. Nesse contexto, as leituras neomarxistas ajudam a repensar os MS dentro de uma ampla e complexa teia de significações que dialogam diretamente com a força ideológica que impera em determinado contexto. A interface cultural valorizada ao lado da dimensão social, ambiental e a ético-política qualificam o sentido histórico do que vem sendo os MS, com a preocupação ontológica do “lugar de fala”. Isso dialoga com a construção da identidade coletiva que Castells classifica em três modalidades: identidade legitimadora, identidade de resistência, identidade de projeto. LUGAR DE FALA: Assumo esse termo valorizando o viés antropológico, sociológico, polí- tico, filosófico, ético-estético em sua intersecção onto-epistemológica. Entendo que essa dimensão sócio-política se coproduza de modo dinâmico e contraditório na esfera indi- vidual-coletiva. Essa (re)leitura tem como base epistemológica a obra de Frantz Fanon, entre outros diálogos. Em Os condenados da Terra (1968, p. 11), sua reflexão em torno da realidade colonial alerta que os colonizadores “Negligenciaram a memória humana, as recordações indeléveis; e depois, sobretudo, há isto que talvez eles jamais tenham sabido: nós não nos tornamos o que somos senão pela negação íntima e radical do que fizeram de nós”. Esse “não-lugar” sócio-histórico destinado aos povos colonizados, explorados, escravi- zados, alienados pela lógica moderno-capitalista que redefine os papéis sociais de acordo com interesses econômicos internacionais, é uma das bases ancestrais que povoam nos- sa memória pedagógica de luta. Essa dimensão está sendo muito pautada nos discur- VAMOS PENSAR? 110 sos ativistas/militantes para designar o lugar ontológico da identidade sociocultural. Um processo de autorreconhecimento e autorreferencialidade que não é dado, é processo, é luta! Os MS Feministas e os de recorte racial valorizam o “lugar” como forma de resgatar todo um saber ancestral, histórico-cultural e histórico-político relegado a um não-lugar epistemológico. Quando uma pessoa, ou grupo, aciona esse dispositivo que já é conside- rado uma categoria analítica nas Ciências Sociais e Humanas, ela pretende valorizar um conjunto de memórias e experiências que fazem parte da sua história enquanto elemen- to de constituição humana e de humanização. Não se resume apenas ao lugar regio- nalmente situado, mas ao lugar historicamente negligenciado, sabotado, colonizado. O lugar individual, inédito por ser marcado por uma corporeidade singular produzida pelas experiências vividas, em interface com sua autorreferencialidade ancestral, ontológica, assume contornos ontológicos e epistemológicos legítimos que representam toda uma cultura. Essa é a visibilidade e valorização sociocultural que muitos MS pautam quando se referem ao lugar de fala. Entender as distintas identidades coletivas que os MS vêm construindo de modo dinâmico a partir dessa leitura abre um leque de possibilidades para compreender a complexa relação estabelecida entre as pessoas em si, suas realidades, experiências, intencionalidades, potencialidades, limitações, frustações e suas bandeiras de luta. O Estado dentro dessa gigantesca construção por identidade, autonomia e participação se torna um expectador mal resolvido, pois sua flagrante incapacidade de dialogar associada a busca interminável por poder e controle não oferece nada de novo e, além disso, sabota conquistas históricas. Diante dessa realidade, Picolotto (2007, p. 170 apud CASTELLS, 2002) entende que: Observando-se a perda da capacidade de ação criado- ra do Estado, deve-se chamar atenção para a centrali- dade dos movimentos sociais no questionamento da nova ordem global (globalização) e, visto dessa forma, a grande aposta que Castells faz está no surgimento de movimentos fortes o suficiente para preservar as iden- tidades específicas e os sujeitos diante do potencial en- volvente e destruidor/recriador da sociedade em rede. Essa é uma leitura interessante de se ocupar em destrinchar, se aprofundar e com lupa entender as entrelinhas dessas relações ético-políticas e político-ideológicas, mesmo porque as relações assimétricas e hierarquizadas de hoje foram alicerçadas pelos paradigmas utilitaristas, reformadores e negacionistas de um passado não tão distante. Essa herança epistemológica histórica nos aliena hoje de várias formas, uma delas é a insistente coalizão de poderes institucionais repressores que defendem um discurso regulador que geralmente está associado a violência e a sabotagempara controlar e manter o status quo. Seguindo a discussão agora com Alberto Melucci e sua leitura baseada tanto nas Ciências Sociais quanto na psicologia clínica, fazemos um link com Castells quanto a finalidade do MS, reconhecendo que na “atualidade os movimentos sociais são agentes centrais da renovação social, sua ação contribui na reflexão sobre a realidade concreta seja por apontarem problemas vivenciados seja por produzirem novas agendas tanto ao Estado, quanto a sociedade civil”. (PICOLOTTO, 2007, p. 173). A contribuição que os neomarxistas aqui estudados traz sobre os NMS se concentra 111 na possibilidade de engajamento social na construção coletiva de pautas que possuam um lugar de fala. O deslocamento da centralidade analítica das relações macro para as microestruturas na formação e a arquitetura organizacional de cada MS remete a considerar uma pluralidade de configurações, organicidades e intencionalidade. Essas são distintas da legitimada pelas instituições estatais, mas com grande capacidade de formalidade e racionalidade diferenciada. Uma racionalidade que tem como premissa a reinvenção e a recriação como essência ontológica de todo o processo endógeno legítimo porque emerge de um processo de conscientização da gentidade imanente em nossa humanidade perdida. GENTIDADE: Uma dimensão antropológica, sociológica e filosófica cunhada pelo edu- cador brasileiro Paulo Freire que produz um “sentido caloroso de humanidade, nucleado como ser humano, e que está ameaçado na sua condição de ser gente [...] A gentidade, ou gentificação, em Freire pode configurar-se como um processo de humanização per- manente”. (FERNANDES, 2010, p. 201-202). GLOSSÁRIO A intencionalidade compartilhada, ou seja, o projeto comum é o horizonte utópico que mantém o grupo solidário e unido. Essa é uma premissa que os três autores em diálogo defendem: “para a constituição de um movimento devem se estabelecer relações fortes entre os atores. Os autores remetem à noção de formação de identidade coletiva, porém com sentidos diferenciados” (PICOLOTTO, 2007, p. 175). A categoria da identidade coletiva, assim como o lugar de fala, se configura as categorias-chave para o estudo dos NMS hoje. O horizonte de todo MS no Brasil e na América Latina é o da transformação social. São demandas semelhantes, porém distintas, de países colonizados em todos os sentidos. A visão dos autores é distinta sobre essa questão. Picolotto (2007) registra que para Melucci (1989), por exemplo, a própria existência de MS constituídos já altera as bases estruturais/estruturantes do sistema social; para Castells essa transformação necessariamente exige dois movimentos: não utilizar os mecanismos/instrumentos (redes) legitimados coproduzindo, paralelamente, suas próprias redes alternativas com base nas identidades coletivas de resistência. Um segundo movimento é que estas redes alternativas possam vivenciar todo um processo de educação/formação a partir do cotidiano da práxis que oportunize as condições (i)materiais necessárias para a construção de um projeto societal endógeno, que coloque os sujeitos sociais na condição de agentes dessa transformação. Nesse processo poderá reescrever sua própria história e, dentro desse fluxo, redesenhar seu “eu” social. A transformação da estrutura social seria uma consequência. Touraine diz que os MS são os agentes desejáveis para essa transformação, ocorre que a fragilidade política ainda os deixam sem as condições ontológicas e epistemológicas necessárias para esse fim. De toda maneira, os estudos Neomarxistas aqui apresentados nos ajudam, sobretudo, a reconhecer a significativa contribuição da lente histórico-crítica imanente na abordagem da leitura de classes deixada como legado de Marx para a humanidade. Outra aprendizagem que fica de todos esses olhares e percepções é que o fenômeno 112 em estudo não é dinâmico apenas em suas etapas de constituição e desenvolvimento ao longo da história social. Eles ensinam e qualificam toda uma área do conhecimento que sofre em seu DNA de uma herança epistemológica ideologicamente fraturada. Penso que muito ainda precisamos avançar para superar todo o processo de negação do potencial social emancipador dos sujeitos sociais e, consequentemente, das AC e dos MS. Condição histórica que limitou por muito tempo uma construção de base social (e popular) que ainda hoje se movimenta no enfrentamento para não ser apropriado pelo sistema institucional de base hegemônica. Outra contribuição da abordagem Neomarxista que é contínua se trata do alerta para os vários tipos de AC que, trazendo para nossa realidade atual, estão se movimentando com bandeiras inconstitucionais. Não se configuram enquanto MS, mas representam anseios e interesses de uma parcela significativa da sociedade que denuncia um conjunto de visões de mundo que não dialogam com as premissas do bem comum, da liberdade, da participação, de democracia. Esses conceitos inclusive estão em constante disputa, e a depender do “lugar de fala” as compreensões são alienadas. Esse é o cenário contraditório da reconstrução da realidade e de todos os conceitos/ dimensões já tecidos. Nada está dado, tudo em fazimento. Para compreender de modo mais amplo a contribuição do Marxismo para compreensão e conformação do conceito e prática dos MS veja: PICOLOTTO, Everton Lazzaretti. Movimentos Sociais: Abordagens Clássicas e Contemporâ- neas In: CSOnline – Revista Eletrônica de Ciências Sociais, Ano 1, Edição 2, no- vembro de 2007. p. 156-177. Disponível em: https://periodicos.ufjf.br/index.php/csonline/article/view/17048 BUSQUE POR MAIS 9.2 LEITURA HISTORIOGRÁFICA No processo de construção da compreensão epistemológica da produção sócio- histórica, histórico-política e sócio-política do conceito dinâmico de MS percorreremos agora o olhar da História empreendido pelos pesquisadores Duarte e Meksenas (2008) a partir do artigo História e Movimentos Sociais: Possibilidades e Impasses na Constituição do Campo do Conhecimento (2007). A intencionalidade maior dos autores foi apresentar as possibilidades interpretativas e analíticas do fenômeno pelo prisma da interface interdisciplinar operada entre Ciências Sociais e História sem, contudo, a pretensão de apresentar uma definição historiográfica do conceito. Duarte e Meksenas (2007, p. 121) entendem que o “Ponto de partida é o reconhecimento de que o tema dos movimentos sociais está inextricavelmente ligado ao trinômio: modernidade, modernismo, modernização, porque ele se configura como um problema no contexto da industrialização, da consolidação do capitalismo e da configuração da sociedade liberal”. Além deste componente ontológico, a leitura proposta faz uma interface significativa entre os MS e a dimensão política local-geral. Essa coalizão pressupõem uma leitura ético-política e econômica transversal das relações de poder que a leitura de classe operada de modo amplo anteriormente pelos 113 Neomarxistas já preconizava. As categorias analíticas da modernidade, modernismo e modernização formam um conjunto complexo de determinantes históricos que foram base para a consolidação da sociedade capitalista. As políticas liberais forjadas nesse processo possuem uma visão de mundo, de homem e de realidade alienados em uma epistême hegemônica que não permite o diálogo com outras perspectivas. Entender os MS nesse contexto epistemológico exige reconhecer que o campo político-ideológico interfere radicalmente nos sentidos e significados atribuídos socialmente. Compreender esse contexto faz parte da tarefa de compreender a pluralidade conceitual de MS e das AC nesta interface, pois é nesse fermento tempo- espacial que emergem as relações de poder. Foi no âmbito da modernidade que muitas necessidades foram criadas/germinadas/produzidas. Dentro desse movimento emerge a ideia de contingência, conceito importante para os autores por se tratar de um subproduto da modernidade. A partir das diversas contingênciasque os MS surgiram como instrumento legítimo do povo afetado pelas exclusões e explorações. O contexto da modernidade foi uma das relações sócio-política e econômica produzido ao longo da história da humanidade que geraram as condições (i) matérias necessárias para a reprodução das desigualdades socioeconômicas, sócio-políticas e socioculturais que ainda hoje interferem na sociedade. Uma produção de base intelectual e cultural que sistematicamente fomentou conflitos e contradições difíceis de serem superadas. Dentro desse fluxo de maximização das necessidades e ausências de direitos os MS foram a resposta possível para o enfrentamento. O Contingente é o instável e o provisório; aquilo que é e pode não ser; o acaso; o vir-a-ser. Por isso essa noção comporta pelo menos duas implicações importantes. Antes de tudo, contingência é uma situação na qual o sujeito da ação no mundo se vê perdido [...] Por outro lado, contingência é o reino das possibilidades, em que tudo pode ser realizado, tudo pode ser tentado, tudo pode ser experimentado. (DUARTE; MEKSENAS, 2007, p. 121- 122). GLOSSÁRIO As chaves teóricas produzidas no contexto da Modernidade, Modernismo e Modernização são o epicentro de epistemologias baseadas na colonização, exploração e subalternização de muitas culturas relegadas a uma situação de invisíveis, de incapazes, incompetentes e até não-humanos. A abordagem histórica operada revela uma realidade histórico-contextual fundamental para compreensão da complexa produção de sentidos e significados que determinaram as relações sociais mais elementares de nossa sociedade. Mecanismos de controle institucional, jurídicos, políticos, pedagógicos e ideológicos que influenciaram todo um conjunto de percepções simbólicas, afetivas, ético-estéticas mobilizados para um objetivo: a manutenção do status quo. Essa compreensão considera a contribuição dos estudos marxistas, sobretudo, porque “as ações emancipatórias e de caráter político nunca foram desconsideradas em favor da análise das estruturas econômicas. Para Marx, o político e o econômico formam uma unidade contraditória” (DUARTE; MEKSENAS, 2007, p. 123). É uma (re)leitura coproduzida a partir de várias retomadas onto-epistemológicas. 114 Os autores entendem que esse contexto foi legitimado pelas teorias Clássicas onde a Sociologia funcionalista e outras abordagens psicológicas foram determinantes para a conformação do tecido social. Abordagens produzidas a partir da Escola de Chicago, com o protagonismo de autores como o funcionalista Parson “que considerava os movimentos sociais como um problema de sociedades anêmicas ou disfuncionais, sendo, portanto, carregadas de potencial desagregador, o que impediria a consolidação da vida democrática e institucional regular” (DUARTE; MEKSENAS, 2007, p. 127). Leitura onto-epistemológica: Refere-se a sentidos e significados atribuídos considerando-se tanto as dimensões ontológicas quanto epistemológicas de determinado fenômeno. Onto- lógico: dimensões que remetem a construções ancestrais de base existenciais, por exemplo, o homem é um ser ontológico; as emoções; a percepção; a dimensão afetiva. Epistemológi- co: trata-se de conceitos, práticas e métodos-metodologias produzidas ao longo da história da humanidade. GLOSSÁRIO Como já problematizado, é fato que conceitos e conhecimentos cientificamente produzidos dialogam de modo visceral com a ideologia dominante. Naquele momento histórico, as abordagens funcionalistas e reformistas tinham um terreno fértil para essa reprodução conceitual devido o diálogo com interesses político-ideológicos que alienavam as relações sociais. É importante compreender que na centralidade dessas compreensões – funcionalista, reformista, neomarxista – as categorias defendidas - institucionalização dos MS; MS e AC como anomalias sociais; centralidade da luta de classes; foco na relação com o mundo do trabalho fabril ou do reconhecimento onto-epistemológico dos MS como um fenômeno dinâmico, de possibilidades - não conseguem o definir. Não é uma questão simples de eliminação dos contrários. Também não se trata de uma campanha de supervalorização do poder sócio-político dos MS., Entretanto, é necessário compreender que a construção sócio-histórica do MS envolve inclusive as dinâmicas institucionais e epistemológicas que o negaram desde sua essência. A voz silenciada, a necessidade negligenciada, a pobreza produzida a partir dos mecanismos de exclusão/dominação, de contingências e a insistente tentativa de torná-lo qualquer outra coisa menos o que eles mesmos se autorreferenciam, se autorreconhecem. Quando os autores elencam as categorias onto-epistemológicas da Modernidade, Modernismo e Modernização como epicentro da reprodução das pobrezas humanas, eles estão valorizando toda uma leitura histórica que perpassa as categorias e rompe com toda uma lógica construída. Duarte e Meksenas (2007, p. 129) entenderam que: [...] a modernização fez com que a objetividade, expres- sada no saber científico, limitasse os nexos entre conhe- cimento e ética, pois, à medida que as relações sociais de produção capitalistas buscaram reduzir a ciência a atividade quase exclusiva da reorganização/reorienta- ção das forças produtivas, nos propósitos da acumula- ção do capital, não haveria como pensar nos propósitos do conhecimento. 115 Esse modo de organizar o tecido socioprodutivo, técnico-tecnológico e sociocultural, o conhecimento, as regras e normas para manter o controle e a manutenção da realidade, chancelou/alienou o status das coisas de modo decisivo: o racional-irracional, o verdadeiro-falso, o certo-errado, o legal-ilegal, o formal-informal tinham endereço, cor, raça, idade, sexo e religião. O universo simbólico instituído e legitimado na Modernidade assumiu contornos eurocêntricos. Neste cenário difuso e contraditório, as aspirações tecidas ao longo do século XX – o horizonte utópico da emancipação humana - se tornam projetos longínquos, pois “a modernidade, enquanto uma emancipação da modernidade de classe, seria uma quimera e, nesse contexto, os movimentos sociais, como movimentos de classe, também seriam ilusões”. (DUARTE; MEKSENAS, 2007, p. 130). A construção de uma sociedade que valorizasse as pessoas, independente da classe social e que rompesse com a lógica estabelecida no “ventre” clássico, retórico e abstrato, foi abortado por uma Modernidade ainda mais cruel e desagregadora do que o contexto político vivido no século XIX. A abordagem historiográfica busca compreender esse processo em interface com o entendimento do que é um MS. Esse movimento reflexivo os remete a inter- relação com a própria constituição do campo da História Social, pois essa Ciência se (re) faz através dos seus questionamentos, dos fenômenos que ela toma por estudo, das abordagens que produz, das dúvidas e incertezas que a mobilizam. Essa característica dinâmica e inacabada, conforme os autores, se aproxima da própria definição de MS. Essa postura investigativa da História enquanto um campo do conhecimento valoriza o potencial semântico e interpretativo que envolve o fenômeno em estudo, pois, de toda forma, “Independentemente de cada caminho particular, o que fica evidente é que o tema dos movimentos sociais tem se expandido continuamente, abarcando as novas temáticas e as novas indagações que o presente tem dirigido ao passado” (DUARTE; MEKSENAS, 2007, p. 136). Os historiadores e cientistas sociais buscam através de uma leitura interdisciplinar compreender o processo de construção do conceito e da categoria analítica de MS, nessa trajetória percebem que a chave-teórica da Modernidade foi determinante para sua delineação. Penso que essa concepção vai mais longe, ganha contornos ainda mais expressivos quando estabelecemos diálogo com o Aníbal Quijano, sociólogo peruano, que cunhou a categoria “descolonialidade do poder”. Quijano (2005), mobilizado juntamente com outras/os estudiosas/os latino-americanos, se debruçaramem torno da categoria Modernidade. Esse é um link interessante de se estabelecer para compreender um pouco mais sobre esse contexto sócio-político sem, contudo, detalhá-lo, pois esse viés será retomado nos capítulos seguintes do livro. Aníbal Quijano opera toda uma articulação teórica onto- epistemológica para delinear aspectos importantes desse processo de construção de contingências elencado pelos autores aqui em diálogo. Sobre o processo de construção dessa nova ordem denominada Modernismo ele diz que: O fato de que os europeus ocidentais imaginaram ser a culminação de uma trajetória civilizatória desde um es- tado de natureza, levou-os também a pensar-se como os modernos da humanidade e de sua história, isto é, como o novo e ao mesmo tempo o mais avançado da espécie. Mas já que ao mesmo tempo atribuíam ao res- 116 tante da espécie o pertencimento a uma categoria, por natureza, inferior e por isso anterior, isto é, o passado no processo da espécie, os europeus imaginaram também serem não apenas os portadores exclusivos de tal mo- dernidade, mas igualmente seus exclusivos criadores e protagonistas. O notável disso não é que os europeus se imaginaram e pensaram a si mesmos e ao restante da espécie desse modo - isso não é um privilégio dos euro- peus - mas o fato de que foram capazes de difundir e de estabelecer essa perspectiva histórica como hegemô- nica dentro do novo universo intersubjetivo do padrão mundial do poder. (QUIJANO, 2011, p. 111-112). O universo de contingências produzido pela Modernidade representa toda uma estratégia racional de negação do outro sociocultural. O modus operandi que essa nova ordem social foi se legitimando em cada contexto assumiu configurações distintas – escravidão, colonialismo, patriarcado. O fato do conceito de MS ter como base as leituras eurocêntricas, com toda sua força ideológica, com o poder do saber que eles detêm, influenciou e continua influenciando, pois está marcado em seu DNA teórico. BAUER, Caroline Silveira; PINNOW, Rodrigo Vieira. Debates historiográficos so- bre a transição da Idade Média para a Idade Moderna In: BAUER, C. S.; PIN- NOW, R. V. História Moderna. Porto Alegre: SAGAH, 2019. Disponível na Biblio- teca Virtual Unica: https: // integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786581492762/ cfi/2!/4/4@0.00:41.2 BUSQUE POR MAIS As abordagens que viemos estudando neste terceiro capítulo, tratam-se de releituras contextuais - filosóficas, sociológicas, psicológicas, antropológicas, pedagógicas – pautadas em outras estéticas onto-epistemológica. Essa estratégia de resistência e reinvenção teóricas é uma das tarefas epistemológicas de todo profissional comprometido com a atualização de sua área de conhecimento e com sua realidade. Os autores deixam em evidência que tanto o campo da História Social quanto o estudo sobre os MS precisam retomar leituras filosóficas de base humanística para reconfigurar campos e conceitos. É certo que a historiografia não é um campo que tenha se ocupado em delinear um conceito de MS, mas se preocupa com as relações estabelecidas no campo da política. Esses estudos buscam compreender os meandros dos mecanismos, das finalidades e intencionalidades, dos ciclos, suas influências e interferências, os intercâmbios - de um ponto de vista mais geral e teórico e de um ponto de vista mais concreto e imediato. Esse movimento dinâmico é estratégico para compreender o campo minado onde as relações sociais se (des)encontram. O campo político é atravessado por relações assimétricas de poder, estas, por sua vez, reproduzem um campo minado de conflitos que se desdobram infinitamente nas teias de (re)produção da vida social, econômica, cultural e política das pessoas 117 comuns. Dentro desse movimento complexo e contraditório as mazelas se reproduzem assustadoramente e o distanciamento entre o real e o ideal dentro dos parâmetros democráticos que buscamos, e com os quais temos uma relação efêmera devido curto tempo de vivência, já não é superado facilmente. É precisamente neste vácuo teórico-prático e epistemológico em torno da dimensão constitutiva da política e seus desdobramentos existenciais que os historiadores buscam se aproximar, compreender, reelaborar e ampliar as possibilidades semânticas e interpretativas do conceito de MS. O campo político é a arena de embate entre Estado e sociedade civil. Neste processo (anti)dialógico que as AC emergem com força suficiente para criar um MS que faça o enfrentamento coletivo necessário contra uma ordem social desumana que forja continuadamente contingências e desigualdades. Diante dessa realidade, os autores finalizam sua reflexão, e eu junto com eles, compartilhando uma percepção inspiradora sobre o fenômeno em estudo, deixando-o aberto às possibilidades: E o que são afinal os movimentos sociais, partindo-se de uma história social, de uma história preocupada com os de baixo, senão o exercício contínuo – pela ação e pela palavra – da construção de contra-ritos e contra-teatros, contestando, questionando e indagando o poder em tempos de modernidade? (DUARTE; MEKSENAS, 2007, p. 139). A capacidade de mobilização de contramarchas à realidade de exclusão produzida pelas assimetrias histórico-político-econômicas e socioculturais é uma força motriz basal às Ações Coletivas organizadas em Movimentos Sociais. A reinvenção da realidade perpassa por essas (des)construções e (re)construções visando rever as relações já estabelecidas. Nesse fluxo temporal há possibilidades de coproduzir novos critérios, novas rotinas e novas possibilidades de fortalecer os laços de empatia e cooperação entre as pessoas de diferentes culturas e lugares sociais. Esse é um desafio que nos acompanha. 9.3 MOVIMENTO SOCIAL COMO CATEGORIA ANALÍTICA O estudo sobre os MS e as AC neste terceiro momento do capitulo deseja trazer olhares críticos em torno da construção de um conceito que não se fecha em si mesmo. Sua dinamicidade conceitual complexifica a cada releitura, a cada abordagem, a cada interface, a cada categoria e/ou dimensão social, cultural, política e econômica que se valorize. Nenhuma percepção está livre das contradições que isso pode representar. É dentro dessa teia de (des)construção e (re)construção que vamos produzindo a realidade. Neste momento, com GOSS e PRUDENCIO (2004), mergulhamos no conceito de movimentos sociais revisitado a partir da abordagem da Sociologia Política. As autoras abrem sua reflexão chamando a atenção para uma dimensão intelectual-orgânica inegável e importante que precisa ser reconhecida e considerada nas (re)leituras das obras que acolhemos, incluindo a que nós mesmos coproduzimos. Muitas releituras sobre conceitos, dimensões e práticas dos MS foram/são tecidas de modo orgânico por pesquisadoras/es-militantes. O conteúdo semântico endógeno de base ontológica se torna parte importante das análises, por isso há que se atentar 118 para: Um frequente engajamento político dos pesquisadores da área também ajuda a tornar a utilização do conceito bastante propositiva, ou seja, há muitas expectativas por parte de pesquisadores-militantes em relação ao poder de transformação dos movimentos, perdendo-se muitas vezes de vista a capacidade de avaliar a dimensão real de suas potencialidades. (GOSS; PRUDENCIO, 2004, p. 76). A presença cada vez mais significativa de pesquisadores-militantes evidencia não somente o engajamento de pesquisadoras/es no campo disputado das Ciências Sociais e Humanas, mas, sobretudo, a ocupação popular da universidade e grupos de pesquisas por pessoas que fazem parte de um gueto de pessoas que foram mantidos fora deste universo de poder-saber. Pessoas que militam em Movimentos e que trazem para a academia, para as Ciências, o conteúdo vivo experienciado fora dos muros institucionais da Universidade: Existe uma densa e intensa rede de comunicações in- tramembros, militantes com militantes. São produzidos textos, boletins, artigos etc. No Brasil, umasignificativa parte desses militantes – denominados ativistas – tem chegado aos cursos de pós-graduação e, mais recente- mente, ocupam posições como professores e pesquisa- dores nas universidades, especialmente as novas, cria- das nessa década na área de ciências humanas. Teses e dissertações vêm sendo produzidas por esses militan- tes/ativistas/ pesquisadores. Muitas delas são parte das histórias que eles próprios vivenciaram. (GOHN, 2011, p. 338). Nas últimas duas décadas as políticas públicas de educação, em todos os níveis, foram fundamentais para aproximação da universidade à comunidade, à periferia. Essas lentes marcadas por memórias afetivas de saberes ancestrais, de saberes da experiência realmente transformam conceitos, estruturas, metodologias e (re)criam abordagens sob outras perspectivas. A dinamicidade/complexidade da construção de conhecimentos exige reconhecer esta realidade assombrosa onde a negociação entre saberes distintos é basal. Penso que a fragilidade dos conceitos e dimensões historicamente tecidos se estabeleceu, sobretudo, no processo de constituição limitado a uma só perspectiva que se autodeclarou universal. Há que se preocupar com alguns discursos generalizantes que buscam desintegrar dimensões indissociáveis em busca de sintetizar relações, sentidos e significados mais amplos. A observação feita pelas autoras chama a atenção para o conteúdo orgânico da experiência militante das/os pesquisadoras/es. Isso é importante por revelar que o conhecimento é contextual, localizado em um determinado tempo-espaço, e também reconhece que há o lugar de fala do/a pesquisador/a que é único, singular-plural. 119 Pesquisador/a-militante: Esse ator social que começou a ocupar o cenário acadêmico de modo significativo possui relação intrínseca com o conceito/compreensão de intelectual- -orgânico em Gramsci, mas nos contempla mais sua releitura pelo educador-pesquisador brasileiro Paulo Freire que reflete “sobre a responsabilidade sócio-política das/os pesqui- sadoras/es, professoras/es, educadoras/es e intelectuais em geral. É precisamente sobre o papel que ela ou ele realiza tanto em apoiar/cimentar os arranjos hegemônicos existentes ou em desafiá-los [...] A transformação que Freire advoga está predicada na justiça so- cial. Nesse sentido, o intelectual é mais propriamente um intelectual transformador [...]”. (MAYO, 2010, p. 227). Nesse sentido, qual a função social de nossos estudos, pesquisas e construção de conhecimento? Amalgamar a cultura hegemônica que rotula, segrega, aliena e impede a vida em abundância à todas, ou desconstruir essa cultura e tecer rela- ções de reciprocidade, de solidariedade e justiça social? Qual é o seu papel nesse proces- so socióloga/o, professor/a, pesquisador/a, cidadã/cidadão do mundo? VAMOS PENSAR? Abrir a discussão em torno da construção/compreensão do conceito dinâmico, plural e aberto a possibilidades dos MS e das AC com esse destaque nos contempla na medida em que traz mais elementos a valorizar na complexa coprodução intelectual engajada. As autoras revisitam o conceito de MS em diálogo com Touraine (2003); Melucci (1999) e Gohn (1997). Na releitura destas obras operada pelas autoras fica a compreensão de que: “O sujeito, ou a construção do indivíduo como ator, só existe como movimento social, com contestação da lógica da ordem”. (GOSS; PRUDENCIO, 2004, p. 80). A dimensão política do ser social, nesta perspectiva, é emanada da atuação ativa mediada por algo maior que si mesmo. Esse ingrediente transformador/contestador está no epicentro de constituição de todo MS que tenha em sua gênese o interesse coletivo como base. A interface operada pelo conteúdo da produção acadêmica militante nesse processo pode qualificar o conceito analítico uma vez que as realidades de luta em estudo intercomunicam-se através do horizonte comum: transformação social. Dentro do movimento dinâmico de intercomunicação entre lutas, pautas e contestação da ordem vigente, as autoras elegem as redes de movimentos sociais como um conjunto de AC reorganizadas de modo contínuo, uma vez que: O padrão organizacional da ação coletiva contemporâ- nea é a rede de movimentos, uma rede de grupos com- partilhando uma cultura de movimento e uma identida- de coletiva. Como os atores coletivos são “temporários”, essas redes fazem e desfazem seus nós, tornando pro- blemática a definição de movimentos sociais como sis- temas fechados. Em outros termos, o campo de ação permanece, mas não seus atores. (GOSS; PRUDENCIO, 2004, p. 81). Dentro do fluxo de realimentação, fortalecimento e ampliação das AC organizadas através das redes dois componentes são vitais: a latência e a visibilidade. Neste processo, os atores sociais “temporários” circulam devido uma série de situações-limites dando espaço para uma rotatividade comum aos MS. Realidade que lideranças e participantes convivem e administram de modo a garantir que a força política não desestabilize, não 120 se perca. O horizonte reivindicador permanece ativo, ainda que as pessoas se afastem. Situações-limites: São constituídas por contradições que envolvem os indivíduos, produzin- do-lhes uma aderência aos fatos e, ao mesmo tempo, levando-os a perceberem como fa- talismo aquilo que lhes está acontecendo. Como não conseguem afastar-se disso, nem se percebem com algum empowerment, aceitam o que lhes é imposto, submetendo-se aos acontecimentos. Eles não têm consciência de sua submissão porque as próprias situações-li- mites fazem com que cada um sinta-se impotente diante do que lhe aconteceu. (OSOWSKI, 2010, p. 375). FIQUE ATENTO Nesta configuração, tanto os MS quanto as AC assumem contornos maximizados pela possibilidade de continuidade do horizonte utópico transcender a presença física dos participantes que o gestaram. Esse universo de relações complexas onde as aproximações entre diferentes modos de pensar o mundo se tocam, se interpenetram e se reinventam nas trilhas da rede que amplia a voz coletiva. Aqui a identidade coletiva também se ressignifica assumindo funções de intercâmbios, trocas e resistência a lógica capitalista. As AC nesse espaço virtual das redes são responsáveis por retroalimentar e ampliar a intercomunicação entre as diferentes redes de MS. Não há mais a ideia de um projeto, mas projetos, não há uma identidade coletiva, mas identidades coletivas, o objetivo central dos MS em rede é a luta contra a ordem vigente. Isso significa incorporar um significativo conjunto de bandeiras, discursos e reflexões, conceitos, metas, mediações, abordagens. Nesta perspectiva, dialogando com Picolotto (2007) e Castells (2002), “Os sujeitos potenciais da Era da Informação passam a ser os movimentos sociais. Mas, no entanto, só o serão na prática se conseguirem ser produtores e distribuidores de códigos culturais alternativos às redes de organização social já existentes”. (PICOLOTTO, 2007, p. 168). A arena social agora é a Sociedade da Informação, das tecnologias, dos espaços híbridos e multimodais. Se atualizar nesse contexto se torna mais um desafio aos MS e as AC. Espaços híbridos e multimodais HÍBRIDO: “[...] a partir de uma "sociologia aberta" nas palavras de Busino (2003), conec- tando, e não separando, os domínios teóricos a fim de apresentar uma visão ampla pressupondo uma interrelação de várias formas sociais e de pensamentos. O híbrido também pode ser pensado como uma metáfora tanto da realidade quanto da própria ciência. Destacamos que o termo híbrido potencializa os paradoxos ou as interrogações, sendo essas interrogações que nos permitem pensar de forma híbrida como meio de conhecimento e como resultado da realidade social no sentido proposto por Descola (2014), tendo como base a compreensão de "hibridização do mundo". Ou seja, as sobre- posições do mundo dos indivíduos. A partir dessa dimensão contemporânea, presencia- mos uma hibridização que está cada vez mais presente nos diversos setores de nossa sociedade, graças também aos efeitosdas tecnologias que possibilitam uma outra con- figuração de espaço e tempo e modos de estar juntos”. (BACKES; LA ROCCA; CARNEIRO, GLOSSÁRIO 121 2019, p. 641-642). MULTIMODAL: “Para Schlemmer, Backes e La Rocca (2016) consiste em um contexto que integra diferentes modalidades em caráter de continuidade e prolongamento da inte- ração, para o desenvolvimento dos processos de ensino e aprendizagem. Assim, para os autores, os processos são desenvolvidos por meio de livros, aplicações, jogos, dispositivos móveis tanto em sala de aula quanto nos diferentes espaços da cidade”. (BACKES; LA ROCCA; CARNEIRO, 2019, p. 642). BACKES; LA ROCCA; CARNEIRO. Configuração do espaço híbrido e multimodal: Literatu- ralização das Ciências na Educação Superior In: Revista Educação Unisinos – v. 23, n. 4, outubro-dezembro 2019. Esse fenômeno midiático/tecnológico onde as redes operam é uma realidade que a sociedade como um todo ainda não assimilou. Todos estão aprendendo ao mesmo tempo, mas não com a mesma rapidez, qualidade, acesso e conhecimento. É tudo muito rápido por um lado e, ao mesmo tempo, debilitado e descoordenado por outro. Acesso a internet de qualidade, a dispositivos digitais em bom estado e conhecimento básico de utilização dos programas computacionais é um luxo para poucos ainda. Em tempos de pandemia o gerenciamento das redes de MS estão disputando o sinal frágil de internet com as escolas, as Instituições governamentais, com os coletivos de diversas frentes: lazer, entretenimento, esporte, culinária, dança, etc. Pensar esse contexto socio-tecnológico e a sociedade como um todo remete também olhar para a função social dos MS e a operacionalização das AC em rede. Apesar de não ser o foco nesse momento, é oportuno abrir essa janela epistemológica como um conteúdo vivo que exige atenção. As autoras com certeza não lançaram esse olhar, contudo esse é o nosso contexto, de epidemia do Covid-19. Essa discussão abre um leque de possibilidades para o estudo dos MS enquanto categoria analítica - repensar hoje a realidade dos MS organizados em redes que tem nas AC um poderoso “meio de comunicação” (GOSS; PRUDENCIO, 2004). Em nossa realidade, isso envolve considerar as instituições públicas sucateadas como, por exemplo, as escolas que assumiram a tarefa de administrar redes interativas para atender alunos com pouco ou nenhum acesso ou experiência com o universo online. Um espaço de uso (des)controlado que (re)produz (não)verdades ideológicas quase diariamente confundindo, manipulando e polarizando radicalmente a população. O conceito de comunicação precisa ser redefinido de acordo com o movimento que as novas configurações tecnológicas emergem/ampliam. De acordo com a nova ordem que se configura. Picolotto (2007), dialogando com Castells (2002), problematiza também essa realidade das redes. Nesse processo, entende que “as redes fazem mais do que organizar atividades e compartilhar informações, elas representam os verdadeiros produtores e distribuidores de códigos culturais. Esta produção de novos códigos culturais, seria o contraponto atual à rede de dominação global”. (PICOLOTTO, 2007, p. 170). Dentro desse contexto de interrelações socioculturais complexas, baseadas em relações assimétricas, verticalizadas, polarizadas, onde a democracia ainda é um conceito, não uma prática, mas que está em constante transformação, os MS buscam se articular em redes de colaboração que nem sempre fluem. As redes locais parecem ser ainda mais fragilizadas que as nacionais e internacionais, devido limitado acesso aos artefatos digitais, a uma rede de internet acessível e o contexto de seus participantes também 122 imersos em situações-limites que dificultam a permanência, a manutenção e o foco dos grupos. As autoras fecham sua reflexão reconhecendo que “[...] (Seria necessário) realizar uma genealogia do termo movimentos sociais na sociologia, procurando verificar as diferenças na maneira de nomeá-lo e observar os variados contextos em que foi produzido por diferentes pesquisadores” (GOSS; PRUDENCIO, 2004, p. 89). Uma tarefa epistemológica de fôlego que fica como convite e desafio para futuros estudos/pesquisas. 123 FIXANDO O CONTEÚDO 1. “Considera-se que o estudo dos movimentos sociais sob a abordagem marxista centra- se na análise dos processos históricos globais, nas contradições materiais existentes e nas lutas entre as principais classes sociais presentes no processo de produção [...] Esta luta é concebida como o “motor da história”, cujo resultado ancora-se na suposição de que as contradições geradas por ela colaboram para a organização política do proletariado, permitindo criar as condições necessárias para a superação da ordem capitalista” (PICOLOTTO, 2007, p. 158). Com base nessa afirmação sobre a abordagem marxista marque (V) para as sentenças corretas e (F) para as incorretas de acordo com a problematização feita ao longo do tópico 3.1: ( ) As análises tecidas pela sociologia na contemporaneidade têm no estudo das macroestruturas a chave teórica para a abordagem interpretativa da luta de classe. ( ) A luta de classes é uma das chaves teóricas que os NMS utilizam em interface com outras categorias como gênero e raça. ( ) As AC são organizações tão importantes quanto os MS para a mobilização necessária às reivindicações sociais. ( ) O “motor da história” não se resume a uma categoria, mas um conjunto de elementos onto-epistemológicos que inspiram e projetam a humanidade. ( ) A ordem capitalista se ajusta as necessidades das diferentes classes sociais sempre que os MS se mobilizam por direitos inalienáveis. a) V – V – F – F – V. b) F – F – V – V – F. c) F – V – V – V – F. d) V – V – V -V – F. e) F – V – V – F – F. 2. Conforme Picolotto (2007) qual foi a maior contribuição da abordagem marxista ao estudo sociológico dos MS? a) Foi estabelecer a relação entre a teorização e ação política dos movimentos sociais através do conceito de práxis social. Esta foi entendida como a transformação do social. b) Evidenciar que a luta de classe é o motor da história. c) A organização dos trabalhadores contra o Estado. d) Estabelecer critérios para organização dos MS. e) Foi atribuir as AC uma função primordial na articulação entre as necessidades da sociedade e a formação de políticas para o povo. 3. De modo geral, o que são os NMS? a) São grupos originados por novas AC que defendem bandeiras de luta que foram 124 enfraquecendo ao longo da história. b) São coletivos organizados em uma nova configuração política, de intencionalidades distintas, que se mobilizam de modo articulado em prol do fortalecimento de demandas sociais, culturais e históricas não superadas que impedem a melhoria da qualidade de vida social. c) São grupos organizados em prol dos direitos coletivos dos afro descendentes. d) É um conjunto de AC organizadas para o embate político de ação reivindicatória das classes subalternas. e) São coletivos de MS ressignificados que incorporaram outras demandas culturais de modo a contemplar a sociedade como um todo. 4. A releitura marxista feita por Picolotto (2007) traz ampliações epistemológicas em relação a teoria ortodoxa elaborada por Marx e Engels. Quais são elas? a) A práxis se torna a categoria analítica de base para o estudo dos MS e das AC; a dimensão macro e microestrutura assumem contornos convergentes ajudando a superar a leitura mono-ateral da luta de classes. b) A categoria analítica da luta de classe é superada, pois não ajuda mais compreender a complexidade da realidade atual; as AC são dimensões importantes, mas não mais centrais para a compreensão dos NMS. c) A ampliação do poder de ação política do sujeito social e da compreensão desse sujeito como um ser plural, de possibilidades, analisados pela capacidade de ações e identidades coletivas e não mais determinados pela macroestrutura; a dimensão política rompe com as barreiras do público e adentra as ações microsituadas, no cotidianodas pessoas. d) O conceito de ideologia é ampliado, contudo as relações macro estruturantes permanecem agindo sobre o universo das microestruturas. Nesse contexto as redes interativas alargam o poder político emanado dos MS fortalecendo o sujeito coletivo. e) A ação política do sujeito social é valorizado a partir da coletividade que ele representa, estabelecendo a interface entre as classes sociais e a ordem estabelecida. 5. As possibilidades de reinvenção e fortalecimento dos MS a partir do intercâmbio promovido pelas redes tecnológicas são inegáveis. Com essa retomada epistemológica os sentidos/significados da categoria analítica e interpretativa dos NMS também foi atualizada pela interface cultural valorizada ao lado da dimensão social, ambiental e a ético-política. Dimensões que qualificam o sentido histórico do que vem sendo os MS, com a preocupação ontológica do “lugar de fala”. De acordo com essa realidade, podemos afirmar que os neomarxistas compreendem os MS como: a) Grupos organizados com base em pressupostos teórico-práticos que superam a dicotomia entre classes sociais e lugar de fala. Nesse sentido, os MS se tornam coletivos que acolhem várias demandas sociais, culturais e econômicas colocando-as em diálogo com as políticas institucionais visando a transformação social. b) Grupos que se articulam em torno da nova configuração mundial buscando parcerias, intercâmbios e incentivos para mobilização de recursos necessários a articulação política dos coletivos. 125 c) São forças coletivas que acolhem distintas demandas de âmbito cultural, social, econômico e ambiental com vistas ao enfrentamento da luta de classes estabelecida em nossa sociedade. d) Grupos heterogêneos que se articulam em torno de dimensões essenciais ao existir com o ponto de partida alicerçado nas relações ontológicas referenciadas pelo lugar de fala de cada coletivo buscando acolher e representar a diversidade e as diferenças em prol de um projeto social coletivo endógeno para a transformação social. e) São redes de coletivos reorganizados a partir dos aparatos tecnológicos que ampliam suas forças políticas na busca da transformação do tecido social. 6. A abordagem historiográfica feita por Duarte e Meksenas (2007) no estudo dos MS foi realizada a partir da interface epistemológica da Modernidade, Modernismo e Modernização. Quais os desdobramentos dessa relação para o universo de criação e compreensão dos MS hoje? a)O campo político-ideológico interfere radicalmente nos sentidos e significados atribuídos socialmente; Produção sistemática de contingências - epicentro da reprodução das pobrezas humanas. Razão sem ética - alienação à produção capitalista da Modernização. A emancipação humana é um projeto ignorado. MS percebido como espaços de resistência contra-hegemônica. Carência de revisões e ressignificações conceituais filosóficas críticas para romper essa lógica. b) Organização dos MS em sintonia com a dinâmica de reestruturação social promovida pela Modernidade. Relação endógena entre produção capitalista e construção do conhecimento racional. Construção social de uma abordagem ética para a relação produção-sociedade. MS percebido como agente de desenvolvimento da comunidade. c) A sociedade é organizada de acordo com os ditames modernos da produção capitalista. A ciência nesse processo legitima a alienação do conhecimento em prol das necessidades da sociedade. As relações político-ideológicas não interferem nas relações socioculturais. Há espaço para o protagonismo social que dispensa a presença dos MS. O contexto de modernização amplia as possibilidades de melhoria da qualidade de vida da população em geral. d) A ordem social estabelecida promove relações horizontais entre capital e os sujeitos sociais. A sociedade capitalista favorece a produção de trabalho e igualdade social. A abordagem científica legítima a produção de conhecimento em interface com dimensões éticas que tenham como horizonte a emancipação humana. e) A historiografia não conseguiu trazer/elencar dimensões/evidências sociais, históricas, culturais e políticas capazes de apresentar com convicção uma visão coerente sobre os desdobramentos da Modernidade, Modernismo, Modernização nem para a sociedade como um todo, nem para a construção de uma compreensão de MS. 7. As autoras Goss e Prudencio (2004) trouxeram algumas dimensões revisitadas em torno da construção da categoria analítica dos MS. A abordagem da sociologia política tecida por elas evidenciou alguns desafios para a construção/compreensão do conceito bem como das possibilidades dos MS na sociedade. Quais são eles? a) A sociologia política dialoga com a construção militante de conceitos, sentidos e significados, isso dificulta a análise crítica dos fenômenos sociais. A leitura polissêmica 126 operada não valoriza os distintos olhares sobre o fenômeno. O projeto da transformação social está condicionado ao poder das AC, não do MS. b) A abordagem sociológica sobre os MS carece de aprofundamento em bases epistemológicas tradicionais – é preciso retornar aos clássicos. A relação pesquisador- objeto é estabelecida de acordo com protocolos empíricos pouco ortodoxos. O conceito de MS limita-se a sua função utópica. A AC é o gérmen de toda confusão conceitual em torno dos MS. c) A construção do conceito perde em dinamicidade devido a falta de experiência/ relação das/os pesquisadoras/es com a temática. A falta de objetividade está localizada na ausência de inter-relações epistemológicas. O potencial revolucionário dos MS é ignorado nas pesquisas sociológicas. d) Os aspectos político-ideológicos interferem na construção conceitual do fenômeno empírico. A confusão teórico-empírica se encontra na releitura deslocada dos clássicos. O pesquisador/militante é fundamental para revisitação do conceito e práticas dos MS. As redes de comunicação dos MS não têm relação com as AC. e) Releituras de pesquisadoras/es-militantes romantizam a (re)formulação conceitual do fenômeno. Produção de uma narrativa conceitual tendenciosa que promove uma supervalorização do potencial transformador/revolucionário dos MS. Leitura científica situada na relação endógena do pesquisador com o campo empírico – relação pesquisador-objeto precisa ser revisto/reavaliado. 8. Com base nas leituras propostas nesse capítulo, podemos afirmar que a Pesquisa Sociológica possui muitas possibilidades analítico-interpretativas. Os fenômenos humano, social, cultural, político, ético, estético e histórico que perpassam tais leituras estão molhados pela singularidade/particularidade inerente as experiências individuais e coletivas produzidas pela/o pesquisadora/pesquisador. Diante dessa premissa, como lidar com a relação complexa entre Pesquisador x Objeto cindida pela lógica da razão eurocêntrica? a) A objetividade é uma particularidade imperativa da pesquisa científica em qualquer área, seja das Ciências Humanas e Sociais ou das Exatas. Nesse sentido nossa postura sempre carece estar alinhada com um distanciamento físico, emocional e psicológico. Enfrentar essa lógica representa a quebra de um princípio básico para validação/ aceitação da pesquisa que estamos realizando. Diante dessa realidade é necessário manter toda neutralidade possível diante da produção do conhecimento. b) O conhecimento científico carece estar em constante revisão, retomadas e ressignificações visando atender a dinamicidade histórico-social vivida pela sociedade contemporânea. As relações que envolvem toda essa dinâmica está sendo um campo de disputa em que poderes universalizantes estão sendo questionados. Dentro dessa dinâmica a relação pesquisador x objeto e objetividade são temas em (des)construção e (re)construção. Outros prismas estão ensinando que é possível ser objetivo sem a perder a empatia, a solidariedade e o comprometimento com a realidade em estudo. c) As Ciências Sociais, Políticas e Humanas assumem uma postura diferenciada das Ciências Exatas diante da produçãodo conhecimento pela condição/relação social, cultural e humana mobilizada para compreensão dos fenômenos estudados. Esse processo muitas vezes é denunciado como questionável pela aproximação do pesquisador com a realidade estudada. Essa é uma questão ainda mal resolvida que 127 carece ser enfrentada caso contrário a Sociologia pode perder o status de Ciência. d) Não existe relação mal resolvida na Sociologia no que tange os critérios básicos delineados para validação de uma pesquisa científica séria. A objetividade e a relação pesquisador x objeto são inalienáveis, insuperáveis e inquestionáveis. As abordagens que defendem o contrário são expressões fragmentadas sem fundamentação teórica de base universalizante que possam trazer evidências da necessidade de mudança das bases teóricas estabelecidas. e) Diante dessa realidade cabe a Sociologia se apoiar nas demais Ciências para buscar solucionar a questão a ser reelaborada de modo integrado. Enquanto profissionais buscar rever nossas verdades, conceitos estabelecidos em diálogo com diferentes olhares. 128 MOVIMENTOS SOCIAIS NA INTERFACE COM OS MOVIMENTOS 129 10.1 OS NOVOS MOVIMENTOS SOCIAIS (NMS) Ao longo da história da sociedade, as Ciências Sociais e Humanas ao se dedicarem sistematicamente em estudos e pesquisas sobre os distintos fenômenos socioculturais e sócio-políticos foram sendo revisitadas, um movimento que as reconfigurou e ressignificou enquanto área de conhecimento. Um conhecimento que não se autodefine enquanto uma verdade estática sobre a realidade, mas como percepções multifacetas da realidade e dos fenômenos humanos coletivamente produzidos. A partir deste reconhecimento estamos lançando um olhar plural e aberto sobre as dimensões constitutivas dos MS e das AC. Estudar sobre os MS na interface com os Movimentos evidencia um processo de intercâmbios entre lugares e tempos de aprender e ensinar que acolhem abordagens e perspectivas epistemológicas distintas. Um movimento dinâmico que nos coloca na posição de coparticipantes na produção dos sentidos e significados socialmente construídos. Enquanto pesquisadoras/es e estudantes, estamos aprendendo e ensinando que as Ciências Sociais e Humanas são projetos que carecem constantemente ser revisitados-revistos. Desse modo, além dos conteúdos, visões de mundo são reelaboradas. Até o momento vimos as diferentes abordagens teórico-epistemológicas que fizeram dos MS uma categoria analítica dinâmica que acolhe muitos sentidos/ significados. A partir dessa compreensão elaborada avançamos para nos aproximar e compreender algumas interfaces e configurações estabelecidas por diferentes MS. Neste quarto capítulo faremos um mergulho epistemológico de fôlego nas seguintes dimensões: os Novos Movimentos Sociais (NMS); a Relação Movimentos Sociais e Educação e os Movimentos Sociais Conectados (MSC). Essas temáticas estabelecem interfaces com dimensões já pontuadas nos capítulos anteriores, contudo, a intencionalidade é problematizá-las de modo a ampliar os conhecimentos em torno de categorias essenciais no estudo dos MS e das AC. Esse é o nosso desafio, retomar dimensões importantes sem, no entanto, esgotá-las. Estudar fenômenos sociais e políticos exige essas releituras e reelaborações contínuas. A Sociologia se fortalece nesse processo complexo. APRESENTAÇÃO No tópico 3.1 do capítulo anterior estudamos sobre a Abordagem Marxista onde vimos falar sobre os Novos Movimentos Sociais (NMS), dialogando com Gohn (1997) e Picolotto (2007). Neste momento retomaremos esses diálogos em interface com outros que possam colaborar com o desafio de ampliar nossa compreensão sobre as relações, as características, as dimensões, os desafios, limites e possibilidades das metamorfoses vividas pelas AC e MS ao longo de seu processo de (des)construção, (re)construção, (re) afirmação e (re)significação. Até o momento nossos estudos buscaram compreender o próprio conceito de MS, repensando, afinal, o que são esses Movimentos? Que tipo de AC promove a formação de um MS? Quais determinantes sócio-históricos e sócio-políticos os atravessam? Quais as principais abordagens epistemológicas se dedicaram ao seu desvelamento; o que fizeram do conceito de MS? E, mais importante, o que seus achados (e perdidos, lacunas, hiatos, ideologias) emprestaram à reformulação do conceito em suas possibilidades semânticas para que eles se apropriassem de si? 130 As releituras operadas sobre a coprodução científico-acadêmica nos permitem avançar agora e olhar para o “novo” universo teórico-prático dos MS, as “novas” abordagens que delineiam “novas” configurações, limites, desafios e possibilidades dos MS hoje, levando-se em consideração que: “O paradigma dos Novos Movimentos Sociais parte das explicações mais conjunturais, localizadas em âmbito político ou dos microprocessos da vida cotidiana, fazendo recortes na realidade para observar a política dos novos atores sociais”. (GOHN, 1997, p. 15). O Novo: Esse adjetivo valorizado como dimensão social relevante nas relações ético-políti- cas é, neste contexto, assumido também como possibilidade histórica que, conforme Freire (1996b, p. 28), “Ao ser produzido, o conhecimento novo supera outro que antes foi novo e se fez velho e se “dispõe” a ser ultrapassado por outro amanhã. Daí que seja tão fundamental conhecer o conhecimento existente quanto saber que estamos abertos e aptos à produção do conhecimento ainda não existente”. Entretanto, é primordial manter-se numa postura crítica diante do novo – saber/conhecimento/paradigma -, pois esse conteúdo vivo corres- ponde a uma determinada ideologia. O novo pode não representar algo bom para todas/ os, uma vez que o conteúdo dialoga diretamente com um ponto de partida (realidade) distinto que nem sempre estabelece interconexões democráticas. FIQUE ATENTO Conforme Gohn (1997), na década de 80 foi quando os estudos sobre os NMS alavancaram de fato, um movimento iniciado por estudiosos da Europa e da américa do norte que vinham formulando uma teoria que escapasse das leituras psicologizadas e extremamente instrumentais dos MS desde a década de 60 e 70, em diálogo com diferentes correntes. Esse giro epistemológico emerge da necessidade de ressignificar a leitura operada sobre os MS de modo a compreender as implicações e a nova configuração daquela fase contextual. Esse movimento dinâmico da História mobiliza mulheres e homens a elaborar perguntas e respostas para melhorar as relações sociais. O movimento pelo “novo” paradigma foi liderado por teóricos americanos e europeus que buscavam a tecitura de uma corrente teórica com ênfase no processo político das mobilizações, e, sobretudo, nas bases culturais que garantiam sua efetividade. As AC eram fundamentais para compreender o movimento complexo das relações políticas em reconfiguração, onde se operava o deslocamento da centralidade dos aspectos econômicos para o político. Dentro desse campo de ressignificação teórica, estudos que operaram com o paradigma dos Novos Movimentos Sociais para compreensão das categorias sócio- políticas da autonomia e da identidade alcançaram mais êxito, pois conseguiram ampliar as possibilidades semânticas que envolvem essas categorias. É importante lembrar que o conceito de identidade coletiva (que se relaciona com lugar de fala) e autonomia são dimensões ontológicas de base para compreender o horizonte da transformação social. Esse processo, contudo, percorreu um caminho sinuoso entre diferentes compreensões/definições que considero ser pertinente destacar. A teoria dos NMS emerge de (re)formulações cunhadas em resposta a dois momentos históricos não- simultâneos, mas contemporâneos. Um deles se trata da abordagem teórica norte- americana denominada Mobilização de Recursos (MR), a outra é a Mobilização Política (MP), releitura operada no diálogo entre europeus e norte-americanos. 131 A primeira perspectiva é produzida devido demandas socioeconômicas não contempladaspelos MS até o momento legitimados. Esses grupos se organizavam em torno de categorias baseadas no sujeito social (caráter individualista) não na organização social que é base para as leituras de classe, “os pioneiros da MR concebiam os movimentos sociais em termos de um setor de mercado, livre, em competição com outros grupos, num mercado aberto de grupos e idéias”. (GOHN, 1997, p. 52). Dentro dessa perspectiva a dimensão/leitura da categoria ideologia também não teve espaço, pelo fato de que o recorte de classe social não era uma base político- epistemológica considerada para delinear a razão de ser dos MS que, naquele momento histórico – Século XX – mantinham a centralidade em duas perspectivas, de construir estratégias ou identidades. Nos anos 90 isso é revisto. Revisão que dá espaço para a configuração dos NMS. Os objetivos e significados construídos para/pelos MS ao longo da história assumiram vários contornos, para os pioneiros da MR a concepção de MS se resumia a grupos de interesses com o objetivo de se mobilizar em torno de captação de recursos. Não é difícil compreender a fragilidade semântica e interpretativa que se desdobra das categorias utilitária-individualistas forjadas por essa abordagem. Diante dessa realidade, Gohn (1997) explica que na década de 90 alguns estudiosos retomaram tais reflexões – Touraine, Melucci e Offe - as estendendo num movimento teórico significativo, reconhecendo que tais percepções não atendiam as emergentes necessidades analítico-interpretativas sobre os MS. Outra perspectiva paradigmática então começa a ser desenhada a partir das oportunidades políticas responsáveis pelo surgimento dos vários ciclos de MS, em diferentes contextos e lugares históricos. Os NMS emergem desse movimento reflexivo, disputado e complexo, entre avanços e retrocessos. Esse é o segundo movimento paradigmático denominado Mobilização Política (MP) – uma releitura entre abordagens europeias e norte-americanas. Nessa nova configuração, o desafio foi superar a leitura limitada operada pela MR valorizando o universo polissêmico da cultura e da política a partir da psicologia social. Ela nega o olhar neoutilitarista pela valorização do teor político inerente ao campo das oportunidades políticas no contexto das condições estruturais. Realidades sociais microsituadas, um espaço-tempo localizado nas esferas particulares do viver comumente desconsiderado nas teorias macroestruturais ganha espaço nos NMS uma vez que “[...] a linguagem, as ideias, os símbolos, as ideologias, as práticas de existência cultural, tudo passou a ser visto como componente dos conflitos expressos nos discursos”. (GOHN, 1997, p. 70). Desse modo, as AC representam um conjunto de significações sociais libertas do cativeiro historicamente negado a partir da valorização da diversidade político-cultural. Liberdade: termo assumido enquanto categoria histórica, onto-epistemológica de cará- ter sociológico, antropológico, filosófico, psicológico, holístico por excelência, pois atra- vessado por uma ética-estética diferenciada. Uma tal liberdade coproduzida na/pela autorreflexão “[...] sobre sua própria limitação (a partir de onde) são capazes de liber- tar-se desde, porém, que sua reflexão não se perca numa vaguidade descomprometida, VAMOS PENSAR? 132 mas se dê no exercício da ação transformadora da realidade condicionante” (FREIRE, 2010, p. 78). Somos condicionados por uma realidade que nos cerca de limitações e de- safios diários – situações-limites. A ideia de liberdade/libertação nestes contextos não se resumem a um conceito abstrato, místico e esvaziado, muito pelo contrário. O sen- tido holístico aqui acionado ao termo liberdade mobiliza um conjunto de dimensões existenciais ontológicas que permitem a reconfiguração da liberdade como dimensão sociopolítica de base para a transformação social que é o horizonte de todo MS com- prometido com o povo inviabilizado através da história. O conteúdo político-ideológico de dimensões ontológicas como liberdade carecem ser retomadas e valorizadas de modo a reforçar a emergência do enfrentamento às lógicas de mundo utilitaristas e instrumentalistas que excluem e marginalizam. É importante frisar o aspecto dinâmico da construção do conhecimento e da própria Ciência como processo humano de reconstrução que ultrapassa barreiras do “aqui e agora”. Essas abordagens – MR e MP – são perspectivas epistemológicas que foram sendo revistas e reelaboradas e isso é importante para qualificar processos, a humanidade e os modos como percebemos o mundo. Gohn (1997, p. 71) destaca que: As abordagens dos autores não são uniformes, há ên- fases que remetem à criação de novos conceitos [...]. Em síntese, os protestos, descontentamentos, ressen- timentos e outras formas de carência existentes na co- munidade - tão caras aos teóricos clássicos das teorias da ação social e desenhadas inicialmente pela MR -- fo- ram também reconhecidos como fontes de recurso. Ou seja: houve uma recuperação dos clássicos para explicar omissões que a MR não tratara. A ênfase na mobiliza- ção de recursos, como grande eixo articulador da teoria, continuou, mas a nova etapa não considera apenas os recursos econômicos, e a lógica instrumental-racionalis- ta deixou de ser o eixo central condutor das análises. Essa reconfiguração do eixo teórico-analítico das referidas perspectivas foi operada com a releitura de clássicos que em determinada medida ajudam a retomar aspectos socio-organizativos fundamentais para a compreensão dos fenômenos sociais. Toda teoria possui um viés ideológico, responde a determinantes político-sociais que carecem ser problematizados. Isso é um fato que precisa ser considerado na reprodução dos conhecimentos, sentidos/significados. Por isso o diálogo é necessário. O conceito de NMS é ambíguo, diverso e até controverso, assim como de MS, não há consensos. Vimos sobre o dissenso histórico em torno da construção social e política dos conceitos – o que temos são formas de abordar. Gohn (1997), na articulação epistemológica – com Melucci que se distancia do marxismo; com Touraine que permanece apenas com a leitura da macroestrutura social; e Offe que aponta a necessidade de atualização das categorias marxistas – nos apresenta algumas compreensões em torno do processo histórico-social. Essa articulação teórica nos ensina que a (re)construção da realidade, de nossas visões de mundo, da nossa capacidade de enxergar para além dos muros ideológicos erguidos, exige esses intercâmbios teóricos e empíricos visando uma possibilidade de transcender lógicas epistemológicas hegemônicas. Dentro desse exercício de (re) 133 Para entender um pouco mais sobre os Novos Movimentos Sociais na configu- ração contemporânea dos MS vale a leitura cuidadosa de SANTOS, Ana Paula Fliegner dos. Os Movimentos Sociais In: SANTOS, Ana Paula Fliegner dos et al (Org). Movimentos Sociais e Mobilização Social. Porto Alegre/RS: SAGAH. 2018. p. 31-41. ISBN 978-85-9502-554-7. BUSQUE POR MAIS Disponível na plataforma online da Biblioteca Única – link de acesso: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788595025547/cfi/10!/4/4@0.00:30.1 formulações, nos associamos a Gohn por ela concordar com: Foweraker (1995) quando ele afirma que o paradigma dos Novos Movimentos Sociais se define a partir da identidade coletiva. Só que esta centralidade deixa de lado a categoria do "novo" que nomeia o paradigma. O próprio Melucci afirma que "o 'novo' nos Novos Movi- mentos Sociais é ainda uma questão aberta" [...] sendo "uma das contribuições da abordagem contemporânea dos Novos Movimentos Sociais foi ter chamado a aten- ção para o significado das mudanças morfológicas na estrutura e na ação dos movimentos, relacionando-as com transformações estruturais na sociedade como um todo. As mudanças são portanto fontes dos movimen- tos. (GOHN, 1997, p. 124-125). A condição histórica intrínseca a “abertura” é uma possibilidade para que “novas”, outras releiturassobre esse processo morfológico de reconstrução valorize uma realidade que se encontra em um constante des-fazer e re-fazer-se. Isso coloca a participação, a descentralização, a cooperação e solidariedade como dimensões fundamentais aos NMS. Essa abordagem não é uma definição, mas representa um longo processo de reelaboração sobre os prismas da MR e MP. Um percurso científico que com todos seus limites contextuais e ditames ideológicos abriram fendas histórico-científicas importantes para a reconstrução da realidade e seus fenômenos. Muitas dessas leituras consideradas insuficientes para compreensão do todo possuem em si elementos fundamentais que, redesenhados conforme contextos e realidades, podem colaborar com avanços socioculturais e políticos determinantes à melhoria da qualidade de vida. 10.2 A RELAÇÃO DOS MOVIMENTOS SOCIAIS E A EDUCAÇÃO Entre as interfaces epistemológicas estabelecidas ao longo da constituição histórica dos MS e das sociedades contemporâneas, a Educação é um eixo articulador imprescindível. Muitas teorias Clássicas já defendiam a importância da educação, contudo, como instrumento ideológico de controle social e manutenção do status quo. Como instrumento ideológico que deveria ajudar a eliminar as diferenças, os contrários. Sua importância em cada contexto sócio-político se interrelaciona com a ordem vigente, 134 sendo a escola o locus que se operacionaliza a meta institucional. Entretanto, a Educação ultrapassa os limites-alvo da escola, a intencionalidade estatal legitimada e os interesses do Mercado Capitalista. A interconexão entre MS e a educação valoriza o conteúdo ontológico dessas dimensões que perpassa muros institucionais e epistemológicos que tendenciosamente buscam controlá-los. A dinâmica reflexiva que proponho para esta problematização convida Gohn (2011), Freire (1983; 1996; 2001; 2010) e Ferreira (2018) – este se trata de reflexões tecidas durante pesquisas do Doutorado em Educação na Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS/RS). O intenso processo de ressignificação teórico-prático, ético-político e político- pedagógico dos MS não foi, não é e nunca será um fenômeno operado de modo unilateral por um gueto de intelectuais iluminados, pois é, sobretudo, o resultado de muitas autorreflexões, aproximações e distanciamentos, coproduzidas pelos próprios coletivos de MS. Especialmente na experiência Latina, África e Caribe. Esse conjunto de movimentos dinâmicos se (re)faz numa relação endógena fundamentada na intencionalidade raiz que ambos nutrem, “Uma das premissas básicas a respeito dos movimentos sociais é: são fontes de inovação e matrizes geradoras de saberes. Entretanto, não se trata de um processo isolado, mas de caráter político-social”. (GOHN, 2011, p. 333). A relação endógena entre educação e MS está alicerçada em uma compreensão de educação que nem sempre está alinhada ao serviço oferecido pela escola. A função social da escola se limita ao institucional em favor do capitalismo. A intencionalidade da ideologia estabelecida pelo poder político hegemônico rotula e classifica. A educação mobilizada pelos MS emerge da vida, da existencialidade, dos saberes baseados na autodefesa contra a fome e o medo. Compreendendo que educar é curar, nos sentidos do cuidado com o ser que nasce para viver e crescer, o chamado ontológico a ser mais, no caso das pessoas: a ser Mais Gente, que articulamos o sentido transformador da educação. Um processo organizado pedagogicamente na auto-organização dos MS, suleados por bases filosóficas de uma educação que cuida, que promove, que acolhe as diferenças (FREIRE, 2001). SER MAIS: “[...] a tomada de consciência dos nossos condicionamentos, situações limites que nos oprimem com os seres humanos, deve proporcionar um novo impulso essencial- mente vital à existência humana, a saber, o sonho e a esperança [...] motores da história, são os que nos movem na direção de uma intervenção transformadora do mundo con- creto visando a superação de todas as situações limites que nos oprimem enquanto seres em busca do próprio “ser mais””. (ZITKOSKI, 2010, p. 370). Qual é a função social e política da educação? E a função social política do MS? Ha relação entre esses temas? Ha relação entre esses universos simbólicos e a atuação da/o socióloga/o? Quais são? Como você se percebe nesse contexto de inter-relações teórico-práticas? VAMOS PENSAR? Com base nessa razão/relação existencial, social e filosófica que os MS se constituíram ao longo da história como coprodutores de saberes. Saberes esses originados dos processos de auto-organização dos diferentes coletivos, da valorização do cotidiano do mundo do trabalho – que é muito mais amplo que o mercado de trabalho -, envolve o 135 trabalho das mulheres e dos saberes de um cotidiano que nem sempre foi reconhecido, mas é onde a solidariedade se torna conteúdo privilegiado de uma educação para humanização das relações sociais. SULEAR: “O termo “sulear” tem sido utilizado, de modo explícito, por Freire no livro Pe- dagogia da esperança (1994, p. 219-219), lembrando que a palavra não consta dos dicio- nários da língua portuguesa. Chama a atenção dos(as) leitores(as) para a conotação ideológica do termo “nortear” [...] (herança de nosso processo de colonização) – A ótica do Sul, “entendida como metáfora do sofrimento humano causado pela Modernidade capitalista”, é apontada por Boaventura Santos (2006, p. 32) para caracterizar uma pers- pectiva epistemológica e política. Walter Mignolo (2004) enfatiza que de uma coloniza- ção geográfica passou-se a uma dominação do poder e do saber [...] Sulear significa, portanto, construir paradigmas endógenos, alternativos, abertos enraizados nas nossas próprias circunstâncias que reflitam a complexa realidade que temos e vivemos; reco- nhecer o alicerce epistêmico totalitário da modernidade como discurso regional da his- tória regional do pensamento europeu [...]” (ADAMS, 2010, p. 385-386). Os conteúdos da vida, assim como os da literatura em geral e das ciências são/estão imersos nesta con- tradição histórica que nos exige reiteradamente reconhecer e acolher as percepções que se diferem de toda uma herança epistemológica euroconstruída. Entendendo que as interrelações dessas dimensões – nortear e sulear- coexistem aqui e lá, numa correlação de forças ainda desiguais, mas em constante movimento de enfrentamentos/superação. FIQUE ATENTO As retomadas teórico-práticas que promoveram a emersão dos NMS são processos pedagógicos que perpassam os próprios MS, sobretudo, quando deles surgem mais elementos empíricos que colocam as Ciências Sociais e Humanas em constante transformação. Os MS são percebidos enquanto fenômeno de estudo, conteúdo vivo que desafia toda uma cultura letrada. Os saberes que ali circulam acolhe a dinamicidade sociocultural de toda uma sociedade: A junção dos dois termos tem se constituído em “novi- dade” em algumas áreas, como na própria Educação [...] No exterior, a articulação dos movimentos com a educa- ção é antiga e constitutiva de alguns grupos de pesqui- sa, como na International Sociological Association (ISA), Latin American Studies Association (LASA), Associación Latinoamericana de Sociologia (ALAS) etc. (GOHN, 2011, p. 334). Essa articulação passou por um longo processo de reconhecimento no campo científico dado a herança individualista e fragmentada sobre os MS e as AC conforme já estudado. Na base dos MS a resistência em busca de forças políticas e pedagógicas para superação diante das diferentes formas de alienação que as forças ideológicas operaram para os silenciarem, os sabotarem, os diminuir e os desagregar, promoveu toda uma articulação de aprendizagem com a própria situação de embate. A condição de negação, de não-lugar, os exigiu rever objetivos, e revendo critérios, metas e tarefas eles foram se reinventando. Na luta diária por direitos básicos à existência e ao direito de participarem das 136 decisões sobre a vidasocial, e sua própria vida, a inspiração em experiências pontuais, mas que tinham força pelo horizonte utópico da transformação, forjou uma memória pedagógica ontológica. Uma luta que emerge da periferia de um mundo globalizado, lançado a uma ordem econômica que colonizou pessoas e culturas de várias maneiras. Desse não-lugar social o inédito-viável revolucionário estava acontecendo. A dimensão ontológica está nesse enfrentamento à lógica. UTOPIA – “Através dos séculos, o conceito de utopia alargou seu sentido, especialmente no século XX. Um dos responsáveis pela redefinição do conceito de utopia é o filósofo alemão Ernest Bloch. Em obra datada de 1950 – O princípio da esperança (Contraponto, 2005) – Er- nest Bloch relaciona o conceito de utopia com a noção de esperança crítica, apresentando o conceito de utopia concreta em oposição ao conceito de utopia abstrata. Dá destaque ao caráter positivo da força criadora dos produtos da imaginação social subversiva, ao con- siderar que a utopia não constitui um topos idealizado ou projetado, mas é, em primeiro lugar, um topos da atividade humana orientada para um futuro; um topos da consciência antecipadora e a força ativa dos sonhos diurnos [...] Na obra Conscientização: teoria e práti- ca da libertação – uma introdução ao pensamento de Paulo Freire, é explícita sua compre- ensão de que “o utópico não é o irrealizável; a utopia não é o idealismo, é a dialetização dos atos de denunciar e anunciar, o ato de denunciar a estrutura desumanizante e de anunciar a estrutura humanizante” (1979, p. 27)”. (FREITAS, 2010, p. 412-413). FIQUE ATENTO Enquanto uma corrente de pensamento cimentava toda uma racionalidade hegemonicamente orientada para fragmentar o tecido social, que reservou às AC e aos MS um conceito marginal, perigoso/criminoso e doente/patológico que precisava ser eliminado para que a sociedade alcançasse a harmonia social, ainda no século XVIII, emergia uma visão utópica de luta pelas pessoas mantidas a margem da sociedade moderna eurocêntrica. Um inédito-viável estava emergindo da militância intelectual. INÉDITO-VIÁVEL: “Não é, pois, uma simples junção de letras ou uma expressão idiomáti- ca sem sentido. É uma palavra na acepção freiriana mais rigorosa [...] Uma palavra epis- temologicamente empregada por Freire para expressar, com enorme carga afetiva, cog- nitiva, política, epistemológica, ética e ontológica os projetos e os atos das possibilidades humanas”. (FREIRE, 2010, p. 224.) MILITÂNCIA: Em Educação como prática da liberdade (1996), há uma preocupação em distinguir radicalidade de ativismo. Para ele, a primeira condição do educador e da edu- cadora é a tomada de posição amorosa, enquanto o sectarismo é uma matriz preponde- rantemente emocional e acrítica. O ativismo estaria inclinado à arrogância, a uma pos- tura antidialógica e, por isso, anticomunicativa. Para Paulo Freire, “a reflexão crítica sobre a prática se torna uma exigência da relação teoria/prática sem a qual a teoria pode ir virando blábláblá e a prática, ativismo”. (FREIRE, 1996, p. 24). A militância freiriana é um movimento radical uma vez que a radicalidade do educador e da educadora “não nega o direito do outro de optar. Não pretende impor sua opção. Dialoga sobre ela [...] Tenta con- vencer e converter, não esmagar”. (FREIRE, 1996, p. 58 Apud MORETTI, 2010, p. 266). GLOSSÁRIO 137 Um projeto político-pedagógico que precisava ser assumido pelas pessoas que sofrem a exclusão e a opressão das diferentes formas de colonização. Uma abordagem racional diferenciada da lógica hegemônica que delineia dimensões interconectadas, um conjunto político-pedagógico que de uma forma ou de outra foi assumido por diferentes MS. Essa tese foi defendida pelo filósofo e educador venezuelano Símon Rodríguez: São cinco as condições indispensáveis para a emergên- cia de um projeto viável de transformação radical da so- ciedade, de uma utopia possível. São eles: (1) Insatisfação com a sociedade injusta em que vivemos. (2) A doutrina política alternativa contra aqueles que apoiam a ordem estabelecida. (3) O prenúncio de um novo modelo de sociedade. (4) Os meios (materiais e humanos) que tor- narão essa transformação possível. (5) O plano de ação para promover o projeto. (LINARES, 2015, p. 10). Esse filósofo foi um dos precursores da Epistemologia Popular, ou seja, da construção de uma racionalidade que valorizava os saberes e as práticas de pessoas que foram desconsideradas pelo projeto hegemônico da Modernização. Movimento esse estudado no capítulo anterior com Duarte e Meksenas (2008) que destacaram a função histórica determinante dos processos da Modernidade, Modernismo e Modernização na produção de contingências e seus desdobramentos na vida da população empobrecida. Processo que operou muitos processos de apropriação, escravidão, colonização. A educação, o conhecimento e a ciência foram dimensões assombrosamente cooptadas para controle social. Destacamos esse momento histórico porque é considerado um marco referencial para os Movimentos Sociais, como para os Movimentos Populares que será retomado no capítulo quarto do livro. Rodrígues deixou um legado que fora assumido por um de seus “alunos”, Símon Bolívar. A partir das teses delineadas para uma transformação social radical, Rodríguez e Bolívar abrem portas epistemológicas fundamentais para reelaborações e ressignificações de toda uma herança teórica racional assentada em uma visão moderna e unilateral de mundo. Sua contribuição emerge em prol de demandas ainda não acolhidas pelos MS até aquele momento. Sua luta, sua militância, sua produção-militante trazia para o centro dos debates teórico-práticos a vida da/o camponês/a, do indígena, do escravizado, da mulher e do homem empobrecido. Esse movimento em sua época foi revolucionário! Sua estratégia foi a educação, uma educação que contemplasse a vida e os saberes do povo, uma Educação Popular. Esse movimento foi acolhido por muitos estudiosos e MS que viam nas entrelinhas das ideias revolucionárias daquele educador uma porta aberta. Educação e MS, nesta perspectiva, são o fermento popular e social de uma nova sociedade por serem formados em sua gênese ontológica por (não)lugares, pessoas, grupos, processos, dimensões, saberes e conhecimentos relegados a um não-lugar social. Esse componente pedagógico que nasce junto a utopia por um mundo melhor os colocou o desafio de colaborar com a auto-organização do povo, junto com o povo - a partir dos esfarrapados da terra (FRANTZ, 1968), dos oprimidos (FREIRE, 2010). A educação se torna mais que uma mediação para qualificar a luta dos MS, se torna uma bandeira por sua qualidade, sua função questionadora e libertadora. Uma política para o povo que 138 deseja a vida melhor. Para conhecer um pouco mais sobre a vida e obra do precursor dos pres- supostos teóricos por uma Educação Popular e pela transformação social – Símon Rodríguez - visitem a página do Instituto de Estudos Latino-Ame- ricanos (IELA) da UFSC. Link: BUSQUE POR MAIS https://iela.ufsc.br/noticia/simon--rodriguez-plantador-de-uma-nova-america#:::text- Sim%C3%B3n%20Rodr%C3%ADguez%20nasce%20em%20Caracas,do%20tio%2C%20 que%20era%20sacerdote. É desse lugar de fala que os MS e a educação se (des)encontram e se reconhecem como instrumentos de poder para a transformação social. Nesse momento surge um elemento novo ao universo dos MS: O popular. A relação entre MS e MP ganha espaço nesse processo histórico que carece ser visto de modo amplo. Faremos essa retomada no próximo capítulo quando revisitaremos esse processo em um mergulho onto- epistemológico de fôlego. Os MS possuem uma experiência que “não advém de forças congeladas do passado – embora este tenha importância crucial ao criar uma memória que, quando resgatada, dá sentido às lutas do presente. A experiência recria-se cotidianamente, na adversidade das situações que enfrentam”. (GOHN, 2011, p. 336). Uma memória pedagógica que precisa ser revisitadapara reconstruirmos bases epistemológicas capazes de alcançar a demanda interpretativa das AC, sociais e populares hoje. Esse movimento de revisões epistemológicas exige retornar aos clássicos para qualificar e atualizar nossa percepção em torno dos atuais dilemas civilizatórios, pois é nessa herança colonial que está guardada as amarras político-ideológicas de toda uma estrutura racional colonizadora. Os saberes populares, por exemplo, é uma categoria valorizada apenas a partir do século XX, mas que possui raízes nas lutas pela libertação dos escravizados na África, no Brasil, as guerras civis na América Latina desde o século XVIII. No entanto, somente ganhou contornos analíticos em estudos recentes: Em síntese, apesar do denso quadro de mobilizações e movimentos sociais no país, a partir do fim dos anos 1970, o debate e a produção teórica caminhou lenta- mente até os primeiros anos deste novo século, embo- ra conte com um grande número de publicações que são registros descritivos, importantes como memórias. No campo da educação, a defasagem é ainda maior. (GOHN, 2011, p. 335). Escrever sobre MS e Educação envolve acolher as lacunas e imprecisões histórico- pedagógicas, contudo, é nas entrelinhas dos hiatos da civilização moderna que as pessoas invisibilizadas avançam, se reinventam e enfrentam os muros institucionais erguidos por uma elite que desconhece o conceito de fome. Uma escritora brasileira, negra e pobre, 139 de uma escrita antropológica incrível, Carolina Maria de Jesus, em seu livro Quarto de despejo já dizia: “A fome também é professora. Quem passa fome aprende a pensar no próximo, e nas crianças”. (JESUS, 1960, p. 24). A educação nascida desses lugares-tempos diferenciados ganha corpo a partir dos estudos de brasileiros como Paulo Freire que defende uma Educação Popular que está sendo revisitada ao longo do século XX e XXI com o propósito de se aproximar das diferentes mediações pedagógicas e educativas emanadas do povo organizado. Nos estudos/pesquisas realizadas durante o Doutorado em Educação, foi possível acompanhar de modo colaborativo duas experiências de educação/formação do Movimento Social da Economia Solidária. No processo de emergir/imergir nos movimentos individuais- coletivos dinâmicos, infinitamente ricos no aspecto político-pedagógicos, aprendi muito! A Educação Popular, epistemologia produzida nesse contexto histórico de lutas populares e sociais, é a abordagem que mais inspira os MS em seus processos educativos. Há outras abordagens descoloniais que, como inéditos-viáveis, são ampliadas no diálogo com a Educação Popular a qual entendo como: [...] uma expressividade latina que luta para qualificar processos e pessoas desde os saberes cotidianos; da ex- periência singular e coletiva do enfrentamento ao de- semprego, da mercantilização das pobrezas, da fome, da vida e da morte. Do modo como a percebemos, é um projeto paradigmático que visa transcender estruturas culturais definidas por lógicas e sistemas desumanos. (FERREIRA, 2018, p. 112-113). O próprio movimento de Educação Popular é compreendido por muitos militantes e intelectuais da área como um MSP, ou seja, a denominação Movimento Social ganha a identidade de popular para autoafirmar o lugar de fala da representatividade ontológica que emana de povos que muitas vezes não se encaixam nos critérios de muitos MS. São culturas consideradas subalternas, formada em sua maioria por pessoas empobrecidas, quilombolas, LGBTI+, indígenas, ribeirinhos, pessoas relegadas à margem do mercado capitalista que sobrevivem muito tempo desempregadas ou de subempregos, sem oportunidades nem condições (i)materiais de ser mais. A Educação como a concebemos aqui, de modo amplo, carece ser livre da tutela tendenciosa do institucionalizado, do batismo do formalismo raquítico de intencionalidade limitada, ou ainda da cooptação cultural, pois esses processos a reduz aos caprichos do Mercado Capitalista. A Educação que carece invadir as escolas e espaços não-escolares, vem ao longo desse processo histórico de lutas (des)construindo e (re) construindo outras racionalidades. A academia, e sua liturgia letrada hegemonicamente construída por um gueto de iluminados em contato com a Educação libertadora vem sendo ressignificada. MS e universidade estão se reinventando a partir de seus (des) encontros, por dentro. Do mesmo modo, conceitos cristalizados estão sendo rompidos e redefinidos; metodologias e práticas didáticas estão assumindo contornos que rompem com a estética estéril da produção de conhecimento baseada nas abstrações livrescas; a relação entre professores e alunos está sendo reapropriada. A vida ganha espaço entre os conteúdos estudados e a experiência pedagógica se liberta da mera codificação e decodificação. As forma de ensinar-aprender e aprender-ensinar estão se libertando do 140 dogma científico que prima pela transmissão acrítica, o decorar, por aplainar, excluir, classificar e o alienar. Para conhecer exemplos de uma pesquisa participativa que estabelece e problematiza a relação pedagógica promovida a partir dos MS acessar o texto de FERREIRA, Luciane Rocha et al. Educação Popular e Sistematiza- ção de Experiências: Universidade e os Movimentos Sociais em Diálogo In: Revista Trama Interdisciplinar v. 7, n. 3 - Dossiê Pedagogia social. 2016. BUSQUE POR MAIS Disponível em: http://editorarevistas.mackenzie.br/index.php/tint/issue/view/537/showToc A interface estabelecida entre os MS e outros Movimentos – contracultural, Educação Popular, MSP, NMS, Feminismo, (Des)Colonialidade, Sororidad, Interculturalidade crítica, - ao longo da história de sua constituição revela, sobretudo, avanços humanizantes. Reflexões revisitadas de abordagens clássicas, as marxistas revistas pelos (neo)marxistas, as fenomenológicas, sociológicas, interacionistas de base político-pedagógicas que promovem/valorizam uma ética-estética que acolhe pessoas, experiências, conceitos e dimensões inéditas até então é o movimento paradigmático mais revolucionário que está acontecendo. Entendo que essa práxis só pode ser efetivamente operada quando as condições (i) materiais e históricas estiverem alinhadas a um processo de reconfiguração do mundo, movimento que permanece no horizonte da utopia que une muitos MS. Realidade onde conflitos e contradições coexistem numa dinâmica que carece ser assumida no contexto das ressignificações e reconceitualização. 10.3 MOVIMENTOS SOCIAIS CONECTADOS (MSC) Nessa etapa estamos apresentando e problematizando aspectos relevantes sobre os MS na interface com outros Movimentos. Valorizamos a interface com a experiência do Movimento da Educação Popular, agora o Movimento em interface é o universo virtual, onde os MS se (des)encontram interconectados. A apresentação panorâmica sobre as redes no terceiro capítulo foi realizada através da releitura de Goss e Prudencio (2006) que valorizaram a contribuição teórica de Castells a partir do clássico A sociedade em rede (2008). Para ampliar essa discussão/reflexão retomamos com Manuell Castells (1999) – alargando a compreensão em torno do debate da sociedade em rede em um diálogo interessante com Renato Dagnino (2008) que investiga as relações entre a Ciência, Tecnologia e Sociedade, universo onde desenvolvimento e humanidade são categorias em crise a partir do Debate sobre a Tecnociência e Freitas (2006) através da releitura de Álvaro Vieira Pinto a partir da conexão entre Economia, trabalho e educação para o estudo histórico da tecnologia. Além desses aportes, valorizamos um conjunto de leituras coproduzidas ao longo do Doutorado em Educação. Entre essas, Vieira Pinto (2005) é imperdível para reelaboração interpretativa de base humanística. Por isso, para além do olhar de Freitas (2006) sobre o estudo contextual de técnica-tecnologia vista por muitos teóricos como a 141 “Era da tecnologia”, dialogaremos como o autor diretamente. Técnica: ““memória social do fazer novo” um processofilológico capaz de orientar seus lei- tores sobre a importância de um “projeto nacional” capaz de direcionar as políticas de educação popular para “longe dos problemas meramente pedagógicos” e para dentro das demandas de cada fase, antecipando, como consciência social, o convívio com as altera- ções materiais responsáveis pelo trânsito de uma fase à outra” (FREITAS, 2006, p. 89). Tecnologia: Leitura histórica para pensar socialmente a tecnologia: “as estupendas cria- ções cibernéticas com que hoje nos maravilhamos resultam apenas do aproveitamento da acumulação social do conhecimento, que permitiu fossem concebidas e realizadas. Não derivam das máquinas anteriores enquanto tais, mas do emprego que o homem fez delas”. (Idem, p. 93). FIQUE ATENTO O estudo sobre os MSC aqui proposto não conseguirá abraçar a complexidade do fenômeno diante do desafio que se configura as relações estabelecidas entre os MS, os Movimentos Populares (MP) e a realidade social e virtual em recente processo de aprendizagem. A relação entre MS e MP será retomada em profundidade no capítulo das aproximações onto-epistemológicas. Os teóricos em diálogo são referências no estudo sobre as tecnologias e as relações sócio-políticas, sendo o MS um dos campos empíricos privilegiados nas suas reflexões. Essa interface teórica nos contempla em muitas direções devido caráter multifacetado que interconecta desenvolvimento, as técnicas-tecnologias, a educação, trabalho e os MS. Para início de conversa é importante entender qual é o conceito de redes que assumimos nesse momento. Nossa compreensão tece algumas interconexões, entre elas com a abordagem de Castells (1999, p. 498), que entende as redes como: [...] instrumentos apropriados para a economia capita- lista baseada na inovação, globalização e concentração descentralizada; para o trabalho, trabalhadores e em- presas voltadas para a flexibilidade e adaptabilidade; para uma cultura de desconstrução e reconstrução con- tínuas; para uma política destinada ao processamento instantâneo de novos valores e humores públicos; e para uma organização social que vise a suplantação do es- paço e invalidação do tempo. Mas a morfologia da rede também é uma fonte de drástica reorganização das re- lações de poder. O autor trabalha com a realidade da globalização, fenômeno que emerge no contexto da Modernidade, advento de um processo de Modernização social que, como já vimos, amplia a complexidade das relações e condições humanas. Sua dinâmica de expropriação maximiza conflitos, necessidades e cria demandas consumistas contraditórias. A importância de refletir sobre as categorias da técnica-tecnologia, educação, MS e a crise estabelecida no processo de desenvolvimento social se encontra, sobretudo, no desvelamento contextual de uma globalização mal resolvida que assegurou 142 o avanço da pobreza não apenas no Brasil, como também nos países da América Latina como um todo, África e Caribe. GLOBALIZAÇÃO: “[...] muito mais uma elaboração ideológica justificadora das ideias, concepções, projeções e aspirações, enfim, como componente importante da Weltans- chauung burguesa, do que como fenômeno histórico generalizado contemporâneo [...] O discurso da globalização que fala da ética esconde, porém, que a sua é a ética do mercado e não a ética universal do ser humano, pela qual devemos lutar bravamente se optamos, na verdade, por um mundo de gente [...] O discurso ideológico da globalização procura disfarçar que ela vem robustecendo a riqueza de uns poucos e verticalizando a pobre- za e a miséria de milhões. O sistema capitalista alcança no neoliberalismo globalizante o máximo de eficácia de sua malvadez intrínseca” (ROMÃO, 2010, p. 196-197). Esse processo/ fenômeno histórico-social, tal como é compreendido através da perspectiva freiriana, uma filosofia comprometida com as vidas das pessoas empobrecidas, sem voz nem vez, encor- pa um capitalismo autoritário-controlador que desconhece e/ou desqualifica culturas e cosmovisões distintas que, em nome de sua reinvenção materializada em cada indivíduo consumista, se tornam invisibilizadas, marginalizadas e até criminalizadas. A quem serve esse processo? Qual nosso compromisso social, cidadão e humano diante dessa realidade enquanto professoras/es, trabalhadoras/es, sociológicas/os, mães e pais de uma geração globalizada em princípios aéticos desumanizantes? Será possível a construção de uma lógica diferente, que acolha as diferenças e a diversidade sem exclusão, dominação, explo- ração e alienação? VAMOS PENSAR? Os MSC representam o esforço de alguns grupos locais, regionais, nacionais e internacionais ao enfrentamento dessa reconfiguração mundial que nada tem a ver com a melhoria da qualidade de vida das pessoas mais simples. Esse foi mais um projeto eurocêntrico que teve por objetivo a reconfiguração do sistema capitalista. Ou seja, atualizar e ampliar mecanismos de controle, manutenção e maximização da exploração dos “recursos” humanos e naturais. Esse movimento global que é orquestrado a partir do universo virtual não é um fenômeno isolado, ele integra uma construção sociocultural, sociopolítica e jurídico- política que foi se (re)desenhando ao longo do tempo. Castells (1999) desdobra esses mecanismos na obra sociedade em rede evidenciando a assimétrica relação de poder que parte da exploração do trabalho, maximização da produtividade e da fragmentação das relações: [...] capital e trabalho tendem cada vez mais a existir em diferentes espaços e tempos: o espaço dos fluxos e o es- paço dos lugares, tempo instantâneo de redes compu- tadorizadas versus tempo cronológico da vida cotidiana. Então, eles vivem lado a lado sem se relacionarem, à medida que a existência do capital global depende cada vez menos do trabalho específico e cada vez mais do trabalho genérico acumulado, operado por um peque- no grupo de cérebros que habita palácios virtuais das redes globais. (CASTELLS, 1999, p. 503). 143 O contexto em que as técnicas-tecnologias são tecidas e apropriadas para consolidação da nova organização mundial exige dos MS toda uma reconfiguração dos conceitos/dimensões ontológicos baseados na exploração, dominação, segregação e alienação. Para entender o desafio desses coletivos, é preciso entender o processo de reinvenção das AC, da (auto)reorganização individual-coletiva e das bandeiras de lutas- reinvindicações. As lutas estão multifacetadas. Projeto Eurocêntrico: Para pensar sobre os MS e as AC provocamos reflexões que denun- ciam uma forma de razão/racionalidade hegemônica totalizadora, centralizadora e do- minadora: o Eurocentrismo. Conforme Quijano (2005, p. 115), “é uma perspectiva de conhe- cimento cuja elaboração sistemática começou na Europa Ocidental antes de meados do século XVII, ainda que algumas de suas raízes são sem dúvida mais velhas, ou mesmo antigas, e que nos séculos seguintes se tornou mundialmente hegemônica percorrendo o mesmo fluxo do domínio da Europa burguesa. Sua constituição ocorreu associada à espe- cífica secularização burguesa do pensamento europeu e à experiência e às necessidades do padrão mundial de poder capitalista, colonial/moderno, eurocentrado, estabelecido a partir da América [...] não se refere a todos os modos de conhecer de todos os europeus e em todas as épocas, mas a uma específica racionalidade ou perspectiva de conhecimento que se torna mundialmente hegemônica colonizando e sobrepondo-se a todas as demais, prévias ou diferentes, e a seus respectivos saberes concretos, tanto na Europa como no res- to do mundo”. Essa lógica foi a base de organização do projeto de colonização da América Latina, África e Caribe. Não se trata de algo abstrato, mas de uma forma de conceber o mundo em suas infinitas correlações limitadas à um universo extremamente reduzido. Nós coexistimos nessa relação histórico-patrimonial-intelectual tutelar enquanto (não)seres, inferiores, naturalmente de menor qualidade. Nossa forma de entender a realidade estábaseada nos critérios eurocêntricamente arquitetados. Como podemos atuar de modo a contribuir com a desmistificação desse saber que se impôs absoluto? VAMOS PENSAR? Os MSC não são necessariamente Movimentos forjados para esse contexto, mas nesse contexto. Os MS ousaram mais uma vez ocupar um espaço que não foi desenhado por eles, para eles ou junto com eles. Um universo desconhecido que ainda hoje há pouco ou nenhum uso/acesso de qualidade aos artefatos digitais, as redes e/ou parceiros que possuam esses conhecimentos. A hegemonia digital opera ostensivamente numa relação assimétrica e verticalizada de poder. Relações sociais capitalistas onde poucos têm muito e muitos nada têm. Os MS que se reinventaram entre idas e vindas, tropeços, erros e acertos, avanços e retrocessos, acolhem o desafio de representar muitas articulações locais pouco sintonizadas no universo das redes. O desafio dos MSC acompanha a própria natureza de sua constituição enquanto uma organização social e política em constante devir. Ou seja, em constante reinvenção e transformação. Em um texto escrito durante meu doutorado, em 2015, intitulado Uma conversa sobre Técnica, Tecnologia e Educação Popular na Economia Popular Solidária (EPS), problematizo essa construção em diálogo com a realidade do MSP da EPS. Um processo de autorreconhecimento das potencialidades individuais e coletivas latentes nas entrelinhas das ausências, dificuldades e descrédito; mas também da autoafirmação de uma utopia por ser mais, afinal: 144 Quando trazemos a questão de repensar a técnica e a tecnologia em meio aos processos pedagógicos que tem por base a Educação Popular, é importante des- tacar que o desafio lançado se inscreve neste contexto político no qual desenvolvimento, qualidade de vida e direitos humanos são resumidos àquilo que a pessoa é capaz de consumir. Consumo que se tornou um estilo de vida. Afinal, a tecnologia neste cenário está a serviço de quem? Contra quem? A favor de quem? Como e por quê? (FERREIRA, 2015, p. 5244). A sociedade em rede, assim como os MSC, no contexto de reinvenção social em tempos de globalização, de ressignificação de uma realidade que vem assumindo configurações híbridas e multimodais complexas, carece de novos arranjos político- pedagógicos para ajudar pessoas e grupos a entenderem a importância de reconhecer suas potencialidades em meio ao reino de domínio tecnocrata. As linguagens, metodologias, processos, artefatos, competências e habilidades necessárias a esse contexto em trânsito não são códigos e nem rituais simples de serem apropriados. Representam um poder-saber de poucos. Essa apropriação em muitos contextos é dificultada, impedida ou inviável de muitas formas. Suas legendas e linguagens estão sendo lentamente traduzidas para que os grupos sociais as margens da rede sejam contemplados minimamente. Esse universo virtual não é um lugar de fácil uso/acesso, e esse já é alvo de problematização. Nesse contexto dimensões básicas da vida democrática vão se esvaziando, se tornando algo abstrato, distante, uma ilusão. A ilusão de ser um cidadão com direitos garantidos pela Constituição (1988), onde a participação, a autonomia com protagonismo social já se tornaram palavras soltas. Para imergir no universo do fortalecimento e reinvenção dos MS na pers- pectiva do desafio da inclusão digital buscar por FERREIRA, L. R.; ADAMS, T.Uma conversa sobre Técnica, Tecnologia e Educação Popular na Econo- mia Popular Solidária In: Anais SEMIEDU 2015: Educação e seus sentidos no mundo digital. Cuiabá/MT: UFMT. 2015. p. 5241-5255. Disponível em: http:// sistemas.ufmt.br/semiedu2015/webapp/OptionUser.aspx?eventoUID-114 BUSQUE POR MAIS No entanto, diante desse cenário de globalização da pobreza com o esgotamento das dimensões ontológicas, ao longo do século XX e início desse século XXI, coletivos de MS vêm se mobilizando em torno de redes alternativas, pois “não se restringem à luta de um sujeito privilegiado, mas passam a existir como atores que, naquele determinado contexto de interesses e oportunidades, estão conectados. A ideia de redes permite extrapolar a exigência de delimitação do raio de ação dos atores sociais”. (GOSS; PRUDENCIO, 2004, p. 82). Configuração que se torna uma aprendizagem cotidiana dos MSC, e principalmente dos que ainda estão operando offline. A centralidade no processo de aprendizagem nesse contexto se justifica pelas condições históricas, sócio-políticas e culturais da relação 145 tênue, convergentemente cruel, entre sobrevivência e desenvolvimento. Trabalho, educação e desenvolvimento são temas em choque. Nas sociedades Modernas, desenvolvimento, inovação tecnológica e produtividade sempre estiveram relacionados com aumento da pobreza e da exclusão. Essa percepção dialoga com a percepção de Álvaro Vieira Pinto, aqui revisitado através do olhar de Marcos Cezar de Freitas, em torno do “lugar de cada qual”. Um “lugar” que vimos ao longo da nossa discussão sobre MS e AC problematizando. Na releitura, Freitas (2006, p. 85) constata que: Se a letra e a gramática são também bens tecnológi- cos, o manuseio dessa “tecnologia” conduz a um lugar na gradação do alfabetismo. Como em tudo na vida, o não-manuseio ou o manuseio de ferramentas precá- rias tem como contrapartida um subdesenvolvimento intelectual responsável pelo “lugar de cada qual” numa escala em que coexistem graus diferentes de avanço e apropriação tecnológica. Dentro do necessário movimento de autorreconhecimento e autovalorização de saberes, práticas, limites e possibilidades, os MS, bem como as pessoas que são a razão de ser dos mesmos, se encontram em situação de desvantagem histórica. Desenvolvimento, tecnologia, trabalho e educação são dimensões alinhadas a uma ideologia que pré- determina critérios inalcançáveis para a maioria da população empobrecida. Analisar a construção sociopolítica dos MSC exige delinear a experiência coletiva a partir do contexto desfavorável ao processo de apropriação de um conhecimento técnico-tecnológico e cultural que permanece fora do alcance de muitos grupos sociais. O contexto de pandemia está colocando essa realidade em evidência. A educação, como vimos na relação com a Educação Popular no tópico anterior, é uma mediação indispensável para o novo desafio. Os enfrentamentos continuam, as bandeiras de luta se ampliaram assim como as mediações pedagógicas precisaram ser redesenhadas, na presunção de assumir os contornos necessários ao processo de ensino-hibrido ainda mais complexo. No horizonte permanece a utopia de uma educação libertadora que, em suas intensas interconexões, possa colaborar com [...] “a verdadeira finalidade da produção humana (que) consiste na produção das relações sociais, a construção das formas de convivência”. (FREITAS, 2006, p. 93). Essa práxis humanizante inerente a construção coletiva das formas de convivência mobiliza dimensões essenciais da solidariedade humana, vocação ontológica, que é a aprendizagem mais radical que as redes de MS estão aprendendo e ensinando ao longo de seu processo de constituição. Esse movimento dialógico nos remete a outra dimensão delineada por Dagnino (2006), quando discute/reflete sobre Um Debate sobre a Tecnociência: neutralidade da ciência e determinismo tecnológico. Trata-se da importância da apropriação, não só do uso/acesso dos artefatos do universo em rede, ou de seus códigos, linguagens, inteligências, mediações. Trata-se de resgatar uma dimensão ética da Ciência na reconfiguração com a interface tecnológica de mundo e dos meios de sua produção, organização, avaliação e monitoramento. Um universo onde a inovação tecnológica foi patenteada pela lógica capitalista, entretanto, somos desafiados a estar pautando esse subproduto humano, socialmente construído, 146 compreendendo que: A ciência não consistiria em pura teoria, nem a tecno- logia em pura aplicação, senão que ambas seriam in- tegrantes de redes de cujos nós também fazem partetodo tipo de instrumentos, seres e objetos relevantes à atividade que se desenvolve no seu entorno. Os produ- tos da atividade científica - as teorias -, não poderiam então continuar sendo separadas dos instrumentos – as tecnologias, inclusive - que participam da sua elabora- ção. (DAGNINO, 2008, p. 12). A construção entre diferentes dimensões – científicas e técnicas/tecnológicas – formam a base das complexas interrelações tecidas em torno da apropriação, criação e organização de toda uma cultura virtual que possui em suas referências epistemológicas uma orientação política ideológica centralizadora. Essa dimensão que Álvaro Vieira Pinto (2005) denunciava quando problematizou a questão da elaboração das técnicas- tecnologias em sua relação com o (sub)desenvolvimento. Questionou acesso, qualidade, melhoria na vida das pessoas. Reflexão que exige leitura histórico-política da modernização tecnológica. Nas trilhas desse processo o desdobramento político ideológico da pretensa neutralidade e do afã determinista, os MSC se viram mais uma vez na condição de expectadores de um universo controlado por grandes grupos econômicos. O enfrentamento foi a auto-organização a partir da construção de redes alternativas, Tecnologias Sociais e na estratégia de comunicação virtual pautadas em software livre. Um programa que pode ser trabalhado de modo “livre” pelo usuário, sem manipulação/ controle comuns aos programas que possuem um “proprietário”. Tecnologia Social: Dimensão forjada a partir da negação da tecnologia convencional que está ideologicamente associada ao fortalecimento do sistema capitalista, promovendo a globalização das pobrezas. As premissas da Tecnologia Social estão enraizadas na pers- pectiva do desenvolvimento local, da valorização dos saberes e técnicas comunitárias, dos MS, das mulheres, das comunidades indígenas e quilombolas, do trabalho associado e so- lidário. A intencionalidade da finalidade da tecnologia é a diferença central entre as duas perspectivas. Acredito que “Elas abrem caminho para tornar a resolução dos problemas, vinculados à pobreza e à exclusão, um desafio técnico-científico, valorizando a utilidade social dos conhecimentos científicos e tecnológicos localmente produzidos e não valori- zados pela tecnologia convencional. Mas podem, inclusive, dar uma nova direção a certas TCs, dando-lhes finalidade social”. (LOPES et al, 2014, p. 45). FIQUE ATENTO Não nos interessa entrar na mecânica do universo virtual, esse não é nosso propósito, o importante é salientar que ciência junto com a tecnologia se tornaram produtos indispensáveis ao processo de modernização e a radicalização da globalização para manutenção social. A visão determinista e a neutralidade avançam sobre a realidade cultural de modo decisivo buscando desestabilizar ainda mais as relações de poder estabelecidas, pois “Se a tecnologia é neutra, os imensos e frequentes distúrbios sociais 147 que causa e os impactos ambientais negativos que ocasiona são efeitos acidentais de progresso e não haveria muito que fazer”. (DAGNINO, 2006, p. 05). Se constituir MSC nesse movimento abstrato de apropriação de uma cultura digital, onde uma hegemonia digital se estabelece soberana, ainda imersos nos labirintos abstratos da cultura letrada e acadêmica, mobilizou-os a acionar muitas dimensões existenciais para denunciar as estruturas políticas que inviabilizavam o uso/acesso a esse nicho. É importante lembrar que a luta dos MSC não se limita aos usos/acessos que chamam de inclusão digital, mas se assemelha mais a uma ação fragmentada e empobrecida oferecida pelo sistema. Sua luta inclui o direito de participar dos espaços sociopolíticos e econômicos que alienam essa produção humana, lembrando que: [...] o que caracteriza a atual revolução tecnológica não é a centralidade de conhecimentos e informação, mas sim a aplicação destes na geração de novos conheci- mentos e de dispositivos de processamento/comunica- ção da informação, criandose um ciclo de realimentação cumulativo entre a inovação e seu uso. De acordo com Castells (1999), as elites aprendem fazendo, e desta for- ma modificam as aplicações da tecnologia, enquanto a maior parte das pessoas aprende usando, limitando-se à tecnologia, tornando-se tecnologicamente dependente. (LOPES; SCHLEMMER; ADAMS, 2014, p. 20). As reflexões de Dagnino e Freitas, em diálogo com essa constatação de Lopes; Schlemmer e Adams (2014), nos apresenta um retrato da distância socioeconômica entre os grupos sociais que interfere radicalmente no alargamento das desigualdades. Nesse contexto, a tecnologia não é neutra, nem determinante. O poder que a tecnologia exerce no contexto do desenvolvimento se configura, sobretudo, como um instrumento ideológico que serve a um dono, a um poder patronal hegemônico, assim como a escola e o ensino que ela oferece. Esse poder-saber retrata o interesse da ação política que está condicionada a ordem social, contudo é passível de transformação. A experiência da reinvenção se opera diante da realidade humana de transformações, isso porque “O homem, dentre todos os seres vivos, é o único a produzir sua existência. Fazendo-o livremente, graças à escolha consciente dos meios a empregar, dos caminhos a seguir, está obrigado a inventar.” (PINTO, 2005, p. 149). No entanto, o modo de reprodução capitalista, associado ao modo de desenvolvimento tecnocrata, não permite espaço para uma reinvenção sem privação. Caso tenha interesse no tema da Tecnologia Social na sua relação coms os MS veja DAGNINO, Renato. Tecnologia social: contribuições conceituais e metodológicas. Campina Grande: EDUEPB, 2014. ISBN 978-85-7879-327-2. Available from SciELO Books Disponível em: http://books.scielo.org/id/7hbdt BUSQUE POR MAIS 148 Os MS em interface com outros Movimentos, nesse contexto, dialoga com um processo de reinvenção que redimensionou toda a produção humana. Há uma dimensão utópica latente nesse universo virtual. A experiência que cada grupo social possui com as tecnologias, em especial a Social, com as redes virtuais, seus subprodutos e desdobramentos sociais, educativos, políticos, culturais, econômicos e ético-estético é uma quimera a ser desvelada. Não há dúvidas. O processo pedagógico de enfrentamento das realidades manipuladas/ maquiadas se configura em uma contingência histórica que se revela nas entrelinhas das possibilidades como uma estratégia de humanização das pessoas, da coprodução humana, de seus processos e projetos. A educação é uma invenção humana que, como problematizado, pode ajudar na tarefa ontológica de superação das desigualdades socialmente estabelecidas. Contudo, permanece como um instrumento ideológico que ainda hoje é alienada para manutenção do status quo. O advento da tecnologia e da sociedade em rede trouxe muitas promessas ideológicas, uma delas foi a superação da fome, das desigualdades e da pobreza. O que vimos foi o alargamento descontrolado desse fosso sociohistórico. Situação que manipula a realidade, se apropria de dimensões vitais à sociedade como família, trabalho e religião, retirando do campo de visão da maioria das pessoas as reais intencionalidades que se articulam para manutenção da ordem vigente. O século XXI e os MSC: contexto de pandemia, redes para além de convívio social, trabalho, educação, mas, sobretudo, uma arena privilegiada de intercâmbios, construção/ negociação coletiva de políticas públicas, articulação/mobilização. Reprodução de sentidos/significados tensa e intensa, a existência humana sendo reconfigurada, mas a população empobrecida continua sendo mantida a sua margem e sendo considerada pelo Estado “mínimo” custos onerosos para os cofres públicos. A sociedade em rede se consolida um espaço de guetos privilegiados. Essa é a armadilha mais bem elaborada do capitalismo: sua reinvenção à cima de tudo e sobre todas/os. 149 FIXANDO O CONTEÚDO 1. O que são os Novos Movimentos Sociais? a) São MS com novas demandas, com centralidadena luta de classes e na transformação da macroestrutura social a partir do enfrentamento as questões estruturantes como a política e a economia. b) São grupos que se articulam em torno de demandas locais, sem conotação ideológica de classe ou de qualquer outra ordem. c) Os NMS são expressividade de necessidades culturais ignoradas pelo recorte de classe social que a abordagem marxista operou unilateralmente. Essas lutas se reorganizam em torno de abordagens clássicas do interacionismo simbólico que a MR defendia. d) É uma forma alternativa de compreender os MS na atualidade, sendo a perspectiva cultural uma chave analítica mais importante que a luta de classes. Nessa configuração o horizonte utópico é a organização institucional dos NMS. e) Os NMS nascem da negação ao modelo tradicional de MS que vê na luta de classes seu único eixo analítico. A identidade coletiva é uma das chaves importantes para sua compreensão, mas não só. A abertura de sua intencionalidade acolhe uma multiplicidade de lutas e dimensões vividas na esfera local, microsituadas. 2. Qual a diferença epistemológica entre os MS e os NMS? a) Os MS se diferem dos NMS pela ação político-estratégica das AC. No primeiro ela é a base das mobilizações, no outro ela se torna um instrumento de comunicação virtual entre os grupos. b) Os MS ampliam seu leque de bandeiras e lutas, reforçando a dimensão político- ideológica. Os NMS partem dessa realidade e avançam para ocupar a dimensão econômica até então minimizada. c) R. Os MS são organizações coletivas com ênfase analítica nas estruturas macrossociais como a economia e a política – foco global. Os NMS possuem centralidade nos aspectos microssociais: as identidades culturais e coletivas, as linguagens e ideologias – foco local. d) As definições de MS dialogam com pressupostos clássicos e as dos NMS com pressupostos marxistas. e) Os MS têm como princípio organizar a sociedade para atender a necessidades comuns, sem interesse em mudanças sociais radicais; já os NMS o objetivo é a transformação social. 3. Qual a contribuição teórica da abordagem da Mobilização de Recursos para o estudo dos MS e das AC? a) Leitura mais ampla do sujeito social que assume papel ativo, MS organizado com metas; as AC se libertam das tendências centradas nos aspectos meramente psicológicos, assumem sua potência para articulação social dos MS. Abre as portas para (re)elaboração de um conceito mais aberto, apesar de entender os MS como um grupo de interesse, valorizando aspectos econômicos em detrimento do político, tecem as possibilidade 150 para imersão dos NMS. b) Foco no âmbito da mobilização de recursos, dimensão necessária a autonomia econômica dos MS. As AC assumem a função de manter o intercâmbio entre os diferentes grupos de interesse. c) A abordagem não deixou nenhuma contribuição significativa, sendo conhecida muito mais pelos equívocos e omissões teórico-práticas e analíticas. d) O foco dado a dimensão econômica liberta os MS da visão minimalista que a eterna divisão de classe operava. Nesta direção, as AC ganham novas funções com a articulação de projetos e parcerias entre os diferentes grupos de interesse. e) Os MS ganham status de organização institucionalizada, com contornos burocráticos o que é bem positivo diante da nova realidade mundial. Nessa configuração as AC permanecem como ponto de conexão entre as necessidades do povo organizado e os MS. 4. Qual a contribuição sócio-política da abordagem da Mobilização Política para os MS e as AC? a) O reconhecimento das diversas culturas, questão de gênero, raça e religião no campo de atuação das oportunidades políticas para transformação social. b) A centralidade do campo de oportunidades políticas associado a compreensão de que há outras forças ideológicas determinantes que provocam a ordem social estabelecida. c) A partir da MP muitas dimensões não contempladas pela MR foram acolhidas. Dentre elas a noção de sujeito político, uma dimensão fundamental para organização dos NMS. d) R. Valorização da ação social organizada como ação política. Esse olhar desabilita a soberania da abordagem utilitarista da MR, avançando para o campo das oportunidades políticas. Esse olhar abre janelas epistemológicas de co-criação e (re)elaboração. e) A abordagem da MP não trouxe nenhuma colaboração haja vista sua incoerente leitura política que assume somente a condição estrutural para compreender a organização dos MS, sem dar pistas para a construção da abordagem dos NMS. 5. Ao refletir sobre a relação MS e Educação apresentaram-se algumas dimensões ontológicas onde esses dois fenômenos operariam uma significativa interface. Quais são estas dimensões? a) A relação endógena entre essas duas dimensões está na necessidade de melhorar as condições de vida da população com a inclusão no mercado de trabalho. Uma educação que gere emprego e retire as pessoas do desemprego e do trabalho informal. b) Concepção de educação ultrapassa o sentido/significado da lógica capitalista; educação para libertação da situação de opressão; como cuidado consigo e com o outro; educação para humanização e que rompe com a lógica moderna de educar para o mercado de trabalho. O enfrentamento da lógica universal que controla o ensinar/aprender. c) Concepção de educação para a vida, o trabalho e o bem estar social. Uma relação pedagógica com o objetivo de inserir as pessoas no mundo do trabalho para diminuir a situação de pobreza generalizada. d) A interface entre educação e MS se encontra nos objetivos comuns que é a superação da pobreza. A educação trabalha crianças e jovens para ascensão social e os MS ajudam 151 as famílias que têm dificuldade em encontrar um trabalho. A relação é essa, de parceria. e) A educação não pode ter uma relação ontológica com os MS pelo fato de ela ser uma política educacional apartidária de interesse público e os MS, por sua vez, são organizações sociais que não tem função educacional formalizada. Essa afirmação não procede. 6. Como os processos históricos da Modernidade, Modernismo e Modernização atuaram sobre a construção social do papel/função política da educação que ainda hoje vivenciamos? a) Cooptar a educação, o conhecimento e a razão científica foi o empreendimento mais eficaz para esse processo de colonização. A educação assume o papel ideológico de ampliar e fortalecer o poder em consolidação, o capitalismo. As condições (i)materiais para esse controle estariam favoráveis se as pessoas estivessem preparadas para atuar na mão de obra. Não precisava aprender a pensar, a reflexão sobre a realidade poderia atrapalhar o poder estabelecido. b) Com a reprodução de contingências as pessoas empobrecidas saiam do controle e isso precisava ser resolvido. A educação foi acionada de modo a contemplar essas necessidades que o processo de modernização estava suscitando. Sua função/papel político era oferecer uma educação de qualidade para que todos tivessem acesso a um lugar no mercado de trabalho e superasse a pobreza. c) Em um contexto de atraso social, político, econômico e tecnológico, esses processos foram fundamentais para elevação da qualidade de vida, mas para tanto a educação tinha uma função primordial: formação de profissionais habilitados para as necessidades operacionais do mercado. Com foco no desenvolvimento a educação tinha esse papel político importante, só que ainda é um desafio. d) O processo utilizou-se de toda cultura letrada, saberes e conhecimentos científicos produzidos para avançar e construir uma sociedade melhor. Nesse processo de transformação a crise é uma situação comum às sociedades em trânsito, mas com a ajuda da educação o desenvolvimento acontece e tudo se resolve. e) Esses processos históricos não interferiram no conceito de educação. Sua instituição se deu de modo a conceber a educação assim como ela foi estruturada socialmente, pois utilizá-la politicamente era uma ação ideológica antiética. Essa organização mundial não se relaciona com pressupostosde colonização de culturas e saberes. 7. Quais limites e possibilidades da interface operada entre os MS e a educação? a) Nas sociedades capitalistas a educação é a alma da organização produtiva, pois é ela quem prepara trabalhadoras/es para qualificar os serviços e produtos oferecidos aos consumidores. Articular a educação com os MS vai de encontro a lógica estabelecida. b) A possibilidade de emancipar as pessoas da pobreza extrema, de ampliar o acesso as escolas e a educação que contemple uma formação crítica e criativa. Uma formação baseada na qualificação profissional que dê as condições necessárias para a superação das desigualdades sociais estabelecidas. Os limites estão no desafio da urgente superação da leitura de classe marxista que é base de luta dos MS, isso impele ataques a sociedade em plena modernização. c) A possibilidade de tecer uma educação reflexiva, dialógica, questionadora da ordem social, política e econômica estabelecida; humanizadora ao mesmo tempo que qualifica 152 uma profissionalidade engajada a um projeto coletivo de transformação social; que acolha as diferenças e a diversidade cultural para promoção social. Os limites estão na base da sociedade de classes – competitivista, individualista que desumaniza, polariza e capitaliza tudo/todos. d) As possibilidades e os limites caminham juntos nessa coprodução. A educação ampla desejada ainda não acontece, o cenário de interface entre os saberes produzidos pela escola e pelos MS é uma ação revolucionária inviável. Sendo os limites superiores às possibilidades não convém mobilizar esforços político-pedagógicos nessa atuação. e) Essa interface habilita os dois movimentos – a educação e os MS – a atuarem na transformação da sociedade capitalista. A educação vivenciada nos MS dialoga com pressupostos utópicos, esse é o maior desafio desse empreendimento. A sociedade capitalista carece de uma educação que humanize as relações nela estabelecidas. Essa é a possibilidade dessa interface: humanização do capitalismo. 8. A interface dos MS com outros Movimentos altera sua constituição política e organizacional. Quais são os desdobramentos dessas transformações morfológicas? a) As interfaces estabelecidas alteram todos os agentes em diálogo – MS, educação, MSC, NMS, MP – acolhendo uma multiplicidade de projetos que nem sempre são convergentes. Essa relação enfraquece os MS em sua constituição no que tange seu motivo de ser, de existir, pois suas metas se perdem no caráter multifacetado assumido. Essa realidade altera radicalmente o que entendemos por MS, se tornando outra coisa. b) Alterou muito uma vez que a constituição de um MS está centrada na organização sistemática de pessoas comuns que se mobilizam por demandas sociais, políticas, culturais e econômicas distintas, mas que se inter-relacionam. Essas interfaces transformam a estrutura básica de modo que se desconfigura como MS, uma vez que suas articulações ultrapassam as fronteiras políticas pré-concebidas. c) A organização política dos MS não se altera com os intercâmbios estabelecidos com outros movimentos. Isso porque o caráter político reivindicatório que deu origem ao MS é fortemente defendido pelos atores sociais sem a possibilidade de romper com as metas definidas. d) Não existe um conceito fechado do que são os MS. Mais importantes são as inter- relações, abordagens e intencionalidades que são dinâmicas por isso em constantes reconfigurações ao longo da história. Sua constituição - metas, bandeiras, articulações, parcerias, conhecimentos e metodologias - se refazem em dialogo com a existência. Isso porque ele é um fenômeno humano que não tem vida própria para além das pessoas que o tecem, e essas estão em movimento - no enfrentamento às mazelas e luta por um mundo melhor. A intersecção das lutas fortalecem a multiplicidade de lutas e projetos. e) Não existe um conceito fechado sobre o que vem a ser um MS, ou NMS, há abordagens e premissas convergentes, mas também antagônicas. As interfaces que esses grupos estabeleceram ao longo da história revelaram um universo analítico contraditório onde os consensos são raros. Essa realidade multifacetada amplia os desafios da transformação social, pois são muitos grupos e as reivindicações se fragilizam ao invés de se fortalecerem mutuamente. 153 MOVIMENTOS SOCIAIS E MOVIMENTOS POPULARES 154 11.1 APROXIMAÇÕES ONTO-EPISTEMOLÓGICA Neste momento faremos o exercício de ampliar algumas aproximações Onto- Epistemológicas entre esses dois Movimentos: Social e Popular. Viemos ao longo do capítulo anterior mergulhando nas interfaces tecidas pelos MS ao longo do seu processo de constituição com outros Movimentos. Estudamos um conjunto de dimensões ontológicas e epistemológicas de base onde se evidencia o universo de sentidos/ significados convergentes entre os fenômenos em estudo. A relação endógena da experiência dos MS latinos com a educação libertadora e a aproximação ainda frágil com a realidade conectada em rede formam uma aliança poderosa para o projeto da transformação social defendida pelos MS. A problematização tecida valorizou dimensões ontológicas existenciais que emergem do contexto da colonização de dimensões essenciais à vida. Nesse processo histórico-social se estabelece uma correlação desigual e desumana de poder político, cultural e econômico. Realidade contraditória que oferece as condições materias necessárias para reificação de uma cultura hegemônica cindida. Nesse movimento, os MS e MP se (des)encontram. Dessa realidade cindida em suas interrelações emerge evidências das interfaces Onto-Epistemológicas entre esses Movimentos. Para tanto, é necessário um retorno breve aos processos ocorridos ainda ao final do século XVIII que fora fermentado no século XIX e desdobrados no século XX, exigindo retomadas e revisões no século XXI. A implementação da nova ordem mundial, a Modernidade, ecoa em um processo tenso de permanência das estratégias coloniais de subalternização e segregação cultural que se perpetuam através da colonialidade – de gênero, raça, religião, classe, geração. Nesse contexto histórico contraditório – Modernidade/Colonialidade – as dimensões Onto-Epistemológicas entre MS e MP se encontram imersas/emersas. Modernidade/Colonialidade: Dessa perspectiva eurocêntrica, certas raças são condenadas como “inferiores” por não serem sujeitos “racionais”. São objetos de estudo, “corpo” em con- sequência, mais próximos da “natureza”. Em certo sentido, isto os converte em domináveis e exploráveis. De acordo com o mito do estado de natureza e da cadeia do processo civili- zatório que culmina na civilização europeia, algumas raças - negros (ou africanos), índios, oliváceos, amarelos (ou asiáticos) e nessa sequência, estão mais próximas da “natureza” que os brancos. Somente desta perspectiva peculiar foi possível que os povos não-europeus fos- sem considerados, virtualmente até a Segunda Guerra Mundial, antes de tudo como objeto de conhecimento e de dominação/exploração pelos europeus” (QUIJANO, 2005, p. 118). Neste processo colonial “[...] quando os ibéricos conquistaram, nomearam e colonizaram a Améri- ca, encontraram um grande número de diferentes povos, cada um com sua própria história, linguagem, descobrimentos e produtos culturais, memória e identidade. São conhecidos os nomes dos mais desenvolvidos e sofisticados deles: astecas, maias, chimus, aimarás, incas, chibchas, etc. Trezentos anos mais tarde todos eles reduziam-se a uma única identidade: índios. Esta nova identidade era racial, colonial e negativa. Assim também sucedeu com os povos trazidos forçadamente da futura África como escravos: achantes, iorubás, zulus, congos, bacongos etc. No lapso de trezentos anos, todos eles não eram outra coisa além de negros... o padrão de poder baseado na colonialidade implicava também um padrão cogni- tivo, uma nova perspectiva de conhecimento dentro da qual o não-europeu era o passado e desse modo inferior, sempre primitivo”. (QUIJANO,