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Tema 5 – Mieloma múltiplo (MM) e hipercalcemia Maria Laura Gonçalves Vieira – T XIV Gamopatia monoclonal Discrasias plasmocitárias Krasys: “mistura” ... discrasia sanguínea “sangue com mistura ruim”, isto é, existem elementos sanguíneos malignos em meio aos elementos normais. As discrasias plasmocitárias constituem o grupo das neoplasias derivadas dos plasmócitos (células B com diferenciação terminal). Mieloma múltiplo é um clone plasmocitário que se acumula na medula óssea. Macroglobulinemia de Waldenstrom: clone linfoplasmocitário se acumula no tecido linfoide + medula óssea Plasmócitos São células que se originam na diferenciação dos linfócitos B que chegam até os tecidos conjuntivos através do sangue Função: produzir e secretar os anticorpos que atuam nas respostas imunes do organismo Os anticorpos são proteínas específicas, da classe das imunoglobulinas Estrutura das imunoglobulinas São proteínas compostas por 4 cadeias polipeptídicas – 2 cadeias pesadas e 2 cadeias leves. Imunoglobulinas pesadas: IgA, IgG, IgM, IgD, IgE Imunoglobulinas leves: Kappa / Lambda Nas discrasias plasmocitárias, o componente M pode ser formado pela imunoglobulina completa, ou por apenas uma cadeia pesada ou mesmo uma cadeia leve. Quando um clone plasmocitário se multiplica no organismo, aparece no plasma o seu produto – a imunoglobulina “monoclonal”. Um pico monoclonal, ou seja, formado por uma única imunoglobulina específica, pode então ser detectado na eletroforese das proteínas plasmáticas → chamado de “componente M”. Como identificar o componente M: • Eletroforese de proteínas • Imunofixação sérica • Dosagem de cadeias leves: FLC Mieloma múltiplo Principal representante das neoplasias plasmocitárias. População > 50 anos (idade média 65 anos), rara em < 40 anos Representa cerca de 10% das neoplasias hematológicas, sendo mais comum no sexo masculino e raça negra. Aumento da incidência do mieloma múltiplos nos últimos anos. Tem apresentando maior conhecimento da história natural da doença e sua patogênese, além de melhora dos recursos laboratoriais e aumento da expectativa de vida mundial. Fatores de risco Doenças imunológicas crônicas Exposição a radiação Solventes orgânicos Alguns vírus: HIV e HSV8 Marcos da doença Plasmocitose medular Gamapatia monoclina Lesões de órgão-alvo (anemia, lesões ósseas líticas, hipercalcemia e insuficiência rena) Patogênese O mieloma múltiplo caracteriza-se por expansão clonal plasmocitária na medula óssea e produção de imunoglobulina monoclonal, promovendo progressivamente destruição óssea, falência renal, supressão hematopoiética e infecções. Origem do clone neoplásico do MM parece ser um linfócito B de memória ou plasmablasto. Essas células são formadas no tecido linfoide (baço, linfonodos), a partir de centrócitos (células B presentes nos centros germinativos e que foram selecionadas pela estimulação antigênica). Plasmablasto sai do tecido linfoide e migra para a medula óssea, onde se transforma em plasmócito, célula altamente capaz de produzir anticorpos. No MM o clone plasmático pode surgir inicialmente no tecido linfoide, mas na medula óssea encontra o microambiente para se proliferar. A MO se torna repleta de plasmócitos neoplásicos, “células do mieloma”. Células do mieloma se proliferam na MO, ocupando o espaço das células hematopoiéticas. Nesse processo liberam substâncias que inibem a proliferação dos eritrócitos, justificando a anemia, e ativam os osteoclastos, células que atuam na reabsorção óssea. Mieloma múltiplos – o que preciso saber 1. O termo mieloma múltiploa vem do fato da doença acometer múltiplos focos da medula óssea funcionante (vermelha), presente nas costelas, coluna vertebral, esterno, clavícula, ossos do crânio, pelve, escápulas e extremidades proximais. Esse ossos podem ser fonte de dores contínuas, fraturas patológicas e lesões líticas na radiografia. 2. A anemia é decorrente não só da ocupação medular, mas principalmente dos fatores inibitórios da eritropoiese secretados pelas “células do mieloma”. Está quase sempre presente no momento do diagnóstico 3. Aproximada 80% dos casos de MM aparecem cadeis leves na urina, proteínas de Bence Jones. As cadeias leves são sintetizadas numa proproção maior que as cadeias pesadas, ou seja, tem uma “sobra” de cadeia leve que circulam de forma livre no plasma e são rapidamente filtradas nos glomérulos. No MM com a síntese exagerada de imunoglobulina, produção igualmente exagerada de cadeias leve determinando proteinúria significativa. Por serem tóxicas aos túbulos renais, as cadeias leves acabam causando uma nefropatia crônica – famoso “rim do mieloma”. 4. A destruição óssea contínua promove a liberação de cálcio. A hipercalcemia e hipercalciúria resultantes podem contribuir para a insuficiência renal ou mesmo causá-la. 5. Apesar do total de imunoglobulinas estar bastante elevado, devido ao componente M, o nível das imunoglobulinas normais encontra-se baixo (hipogamaglobulinemia funcional) sendo o principal mecanismo da susceptibilidade as infecções dos pacientes com MM) Plasmócito são reconhecidos por serem células de núcleo excêntrico e citoplasma basofílico. Células de Mott são plasmócitos binucleados com grandes vacúolos citoplasmáticos, contendo imunoglobulina monoclonal. Lesões esqueléticas Em sítios que possuem medula óssea funcionante, como as coisas as costelas, corpos vertebrais, calota craniana, esterno, porções proximais das cinturas pélvica e escapular. Dor óssea é o principal sintoma – relacionado a destruição óssea, multiplicação das células do mieloma na medula óssea → indica atividade plena da neoplasia Inicalmente dor intermitente, localizada em coluna lombar, dor movimento-dependente. Dor pode irradiar para os membros inferiores, radiculopatia associada Fraturas patológicas são frequente, geralmente na coluna torácica → dor intensa e refratária a AINEs Dor tipicamente intermitente associada ao movimento, mas quando se torna contínua devemos suspeitar de fratura patológica Exames de imagem Alterações radiológicas: • Lesões líticas, arredondadas, do tipo “insuflantes”, saca-bocado • Nas costelas: aspecto pontilhado • Principal diagnóstico diferencial: CA de mama, CA de pulmão Cintilografia óssea não detecta as lesões Exames: radiografia, TC, RNM, Pet-Scan FA: normal (devido inibição osteoblástica) Susceptibilidade a infecção Infecção bacteriana é a principal causa de morte nos pacientes com MM. Fatores responsáveis por essa susceptibilidade: • Queda na produção e um aumento na degradação periferica das imunoglobulinas normais → hipogamaglobulinemia funcional • Diminuição dos T CD4+ • Opsonização defeituosa • Função granulocítica defeituosa Paciente com MM possui problema tanto na imunidade humoral, quanto celular, e também da imunidade inata. Agentes mais comuns: • Fases precoces da doença: bactérias encapsuladas – Streptococcus pneumoiae, Haemophilus influenza • Fases tardias: Staphylococcus aureus, Gram-negativos entéricos Antibioticoprofilaxia com sulfataxazol-trimetropim Envolvimento renal No diagnóstico da doença 50% dos pacientes já tem redução da TFG e 25% dos pacientes já tem azotemia (alteração bioquímica caracterizada pela presença de altas concentrações de produtos nitrogenados) Disfunção por diversos fatores: • “rim do mieloma” • Hipercalcemia • Lesão glomerular por amiloidose AL • Hiperuricemia (alto turnover celular) “Rim do mieloma” As cadeias leve da imunoglobulina são filtradas pelo glomerulo e aparecem na urina → proteínas de Bence-Jones Podem causar lesões irreversíveis nas células tubulares O excesso de BJ provoca insuficiência renal crônica As células tubulares proximais lesadas não conseguem reabsorver a BJ → alcança a alça de Henle e o néfron distal e se ligam a proteína de Tamm-Horsefall, formando os cilindrosde cadeia leve. Esse cilindros se acumulam obstruindo de forma generalizada o lúmen tubular e lesando outros segmentos tubulares e intersticial. Hipercalcemia Maior reabsorção óssea + imobilidade = deposição de cálcio no parênquima renal → insuficiência renal crônica (nefrocalcitose) Cálcio em excesso catalisa a formação dos cilindros de cadeia leve obstruindo o túbulo e causando IRA Hipercalcemia é a principal causa de insuficiência renal aguda (IRA) no MM Envolvimento neurológico Compressão medular: células do mieloma invadem o canal espinhal e causam compressão extradural da medula espinhal ou de suas raízes nervosas; Dor radicular agravada pela tosse ou espirros; Achados tardios: perda da função esfincteriana e paraplegia (mielopatia) Crise hipercalcêmica: principal mecanismo de alteração do estado mental no paciente com MM; Cefaleia, náusea, vômito, constipação intestinal, convulsões, torpor e coma. Síndrome de hiperviscosidade: As imunoglobulinas aumentam a viscosidade sérica → cefaleia, fadiga, distúrbios visuais, papiledema, epistaxe, hemorragias retinianas, zumbido e ataxia. Diagnóstico Baseia-se em exames laboratoriais, radiológicos e biópsia da medula óssea (mielograma) para identificação dos plasmócitos atípicos Exames laboratoriais: hemograma, ureia, creatinina, sódio, potássio, cálcio, ácido úrico, LDH, FA, beta-2- microglobulina, dosagem de imunoglobulinas séricas, eletroforese de proteínas séricas com imunofixação, proteinúria de 24 horas, com imunoeletroforese e imunofixação, aspirado e biópsia de MO (incluindo avaliação citogenética), inventário radiológico do esqueleto (coluna, pelve, crânio, úmero, fêmur) Componente M Eletroforese de proteínas – quantificação: Componente M aparece como um pico alto e base estreita na faixa gama, menos comum na faixa beta e raramente na faixa alfa-2; Níveis >3g/dl são altamente sugestivos de MM; Níveis inferiores são encontrados na gamopatia monoclonal de significado indeterminado; Quanto maior a dosagem do componente M pior o prognóstico com MM (maior carga tumoral). Pico monoclonal: • 65,9% pico monoclonal na região de gamaglobulinas; • 14,1% em betaglobulinas; • 1,2% apresentou pico biclonal; • 18,8% não apresentaram pico monoclonal; • MM tipo IgG é o mais frequente Tipo de mieloma múltiplo segundo o componente M: • IgG (mais comum): 52%; • IgA: 21%; • Cadeia leve isolada: 16%; • IgD (mais grave): 2% Imunofixação ou eletroforese: fundamental para tipar o componente M (IgG, IgA, cadeia leve Kappa ou lambda); Componente M urinário (proteína de Bence Jones) não costuma ser detectado na eletroforese urinária, mas aparece na eletroforese. Eletroforese de proteínas no soro detecta o componente M em cerca de 80% dos pacientes; Imunoeletroforese urinária detecta componente M em 75% dos pacientes; A realização dos 2 exames em conjunto é capaz de encontrar o componente M em 99% dos casos Critérios diagnósticos Critério obrigatório: plasmocitose medular ≥ 10% e/ou presença de plasmocitoma (confirmando por biópsia) Mais um ou mais dos critérios: • Presença de alguma lesão de órgão-alvo. As lesões de órgão alvo do MM são lembradas através do mnemônico “CARO” (Cálcio (hipercalcemia); Anemia; Rim (insuficiência renal); Osso (lesões ósseas líticas)) • Presença de algum “biomarcador”. Os biomarcadores são dados que apontam para um comportamento biológico mais agressivo da doença, indicando maior risco de evolução desfavorável em curto prazo, mesmo que ainda não tenham surgido lesões de órgão-alvo. o Plasmocitose medular ≥ 60% o Dosagem cadeias “envolvidas” / cadeias “não envolvidas” ≥ 100 o Presença de > 1 lesão focal vista por RNM Diagnóstico diferencial Gamopatia monoclonal de significado indeterminado Critérios: • Pico monoclonal em eletroforese de proteína (<3g/dl) • Plasmocitose medular < 10% • Ausência de evidências de outra doença linfoproliferativa de células B • Ausência de lesão em órgão-alvo ou amiloidose AL; Patologia plasmocitária mais comum. Presente em aproximadamente 3% da população acima de 50 anos. Risco de evolução para mieloma de 1% ao ano até os 60 anos e cerca de 5% após os 70 anos. Mieloma múltiplo assintomático (Smoldering Myeloma) • Proteína M sérica > ou = 3g/dl ou proteína M urinária > ou = 500mg/24 horas; • Plasmocitose medular clonal entre 10-60%; • Ausência de lesão de órgão-alvo ou amiloidose Plasmocitoma solitário • Tumor ósseo constituído de plasmócitos neoplásicos monoclonais; • Ausência de proteína M sérica ou urinária; • Lesão única, cística; • Não há acometimento de outras áreas do esqueleto e nem componente M; • Mieloma localizado; • Tem que investigar MM; • Grande parte desses pacientes evoluem para MM Mieloma múltiplo não secretor • Ausência de proteína M sérica ou urinária com imunofixação; • Plasmocitose medular ≥ 10% ou plasmocitoma; • Lesão de órgão-alvo. Fatores prognósticos • Magnitude do componente M • Grau de anemia • Número de lesões ósseas • Níveis de cálcio sérico • Escórias nitrogenadas • Albumina (mais importante) • Beta-2- microglobulina (mais importante) Estadiamento Sistema Dure & Salmon amplamente utilizado, baseia-se na combinação de fatores: • Hemoglobina • Cálcio sérico • Componente monoclonal • Acometimento ósseo • Creatinina sérica Esse sistema não é capaz de relacionar adequadamente a sobrevida global ao tempo livre de doença Atenção: A elaboração de projetos de educação continuada para os profissionais de saúde sobre as manifestações clínicas e laboratoriais do MM = diagnóstico precoce → menos complicações → mais qualidade de vida Evolução Tratamento (incurável) Quimioterapia e/ou transplante autólogo de medula óssea Todo paciente com idade inferior a 70 anos deve ser encaminhado para o tratamento autólogo de células hematopoiéticas após um tratamento inicial bem sucedido. Hipercalcemia Crise hipercalcêmica: • Cálcio > 12mg/dl (de 8,8 até 10,4 mg/dl) • Provoca poliúria, vômitos, desidratação IRA e encefalopatia • Potencialmente fatal Etiologia Hiperparatioreoidismo primário + neoplasias malignas são 90% dos casos; Geralmente por aumento do cálcio ionizado. 40% do cálcio no soro está ligado a proteínas (albumina). Se aumento de proteínas (ex: MM), pode aumentar o cálcio total e o ionizado está normal; Hipoalbuminemia (desnutrição, doença renal) o cálcio total pode ser normal e cálcio ionizado aumentado; Manifestações clínicas Neuropsiquiátricas: confusão mental, rebaixamento do nível de consciência, depressão e ansiedade, estupor e coma Cardiovasculares: desidratação, encurtamento do intervalo QT, bradicardias, hipertensão Gastrintestinais: náuseas, vômitos e anorexia, constipação intestinal e distensão gasosa, pancreatite aguda, doença ulcerosa péptica Renais: poliúria, litíase renal e nefrocalcinose, lesão renal aguda, acidose tubular renal tipo I Diagnóstico Tratamento Classificação: • Leve: <12mg/dl, assintomático ou levemente sintomático → não necessita de tratamento • Moderada: entre 12 e 14 mg/dl • Grave: >14mg/dl → tratar • Se crônico pode não necessitar tratamento Fluidoterapia: solução salina isotônica, manter diurese entre 100 e 150ml/hora; Antirreabsortivos: bifosfonados – análogos de pirofosfato que inibem reabsorção óssea mediada pelos osteoclastos, assim inibindo liberação de cálcio. Escolha: ácido zoledrônico. Calcitonina: diminuem reabsorção óssea e aumenta a excreção renal. Efeito dura apenas 48h / taquifilaxia. (pouco usada) Corticoides: usar em pacientes com doença granulomatosa e linfomas (aumento de absorção de vitamina D). • Diminuem a produção de calcitriol por inibir a enzima 1-alfa-hidroxilase; Furosemida: efeito calciúrico, após hidratação; • Contraindicado: diurético tiazídico.