Logo Passei Direto
Buscar
Material
páginas com resultados encontrados.
páginas com resultados encontrados.
left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

Prévia do material em texto

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO - UFRJ 
INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS SOCIAIS - IFCS 
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA E 
ANTROPOLOGIA - PPGSA 
 
 
 
 
 
 
 
 
Marcelo Adriano Martins 
 
 
 
 
 
 
 
DUAS TRAJETÓRIAS, UM MODERNISMO MUSICAL? 
Mário de Andrade e Renato Almeida 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Rio de Janeiro 
 Julho de 2009 
2 
 
DUAS TRAJETÓRIAS, UM MODERNISMO MUSICAL? 
Mário de Andrade e Renato Almeida 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Marcelo Adriano Martins 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Sociologia e Antropologia, do Instituto de 
Filosofia e Ciências Sociais, da Universidade Federal do Rio de 
Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do 
título de Mestre em Sociologia (com concentração em 
Antropologia). 
 
 
 
Orientador: Prof. Dr. André Pereira Botelho 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Rio de Janeiro 
 Julho de 2009 
3 
 
DUAS TRAJETÓRIAS, UM MODERNISMO MUSICAL? 
Mário de Andrade e Renato Almeida 
 
 
 
Marcelo Adriano Martins 
 
Orientador: Prof. Dr. André Pereira Botelho 
 
 
 
Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e 
Antropologia, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, da Universidade Federal do Rio de 
Janeiro - UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em 
Sociologia (com concentração em Antropologia). 
 
 
 
 
 
 
Aprovada por: 
 
 
_______________________________ 
Presidente, Prof. Dr. André Pereira Botelho (PPGSA/IFCS/UFRJ) 
 
 
_______________________________ 
Profª Drª Maria Laura Viveiros de Castro Cavalcanti (PPGSA/IFCS/UFRJ) 
 
 
_______________________________ 
Profª Drª Sabrina Marques Parracho Sant‟Anna (UFRRJ) 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Rio de Janeiro 
Julho de 2009 
4 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Martins, Marcelo Adriano 
 
Duas trajetórias, um modernismo musical? Mário de Andrade e Renato 
Almeida/Marcelo Adriano Martins. – Rio de Janeiro: UFRJ / IFCS / PPGSA, 2009. 
x, 120 f; 29,7 cm 
Orientador: André Pereira Botelho 
Dissertação (mestrado): UFRJ / IFCS / Programa de Pós-Graduação em 
Sociologia e Antropologia, 2009. 
Referências Bibliográficas: f. 125-131. 
1. Modernismo Musical. 2. Música Erudita Brasileira. 3. Nacionalismo 
Estético. 4. Mário de Andrade. 5. Renato Almeida. I. André Pereira Botelho. II. 
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Programa de Pós-Graduação em 
Sociologia e Antropologia. III. Duas Trajetórias, um modernismo musical? Mário 
de Andrade e Renato Almeida. 
 
 
5 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Aos meus pais 
 
6 
 
AGRADECIMENTOS 
 
 
Muitas são as pessoas e instituições que contribuíram para a realização desta pesquisa de 
mestrado. 
Em primeiro lugar, gostaria de agradecer à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal 
de Nível Superior - CAPES pela concessão da bolsa de pesquisa, sem a qual este trabalho não 
teria se realizado da maneira como se realizou. 
Aos professores da Graduação em Ciências Sociais da FCLAr-UNESP, em especial ao 
Profº Milton Lahuerta e suas inesquecíveis aulas sobre “Política e Cultura”, as quais 
despertaram em mim o interesse em estudar Mário de Andrade. 
Ao grande José Adriano Fenerick, pelas valiosas conversas sobre música popular e 
História da música. 
Ao professor José Luis Vieira de Almeida, pela recepção em São Paulo nos momentos em 
que precisei fazer a pesquisa no Instituto de Estudos Brasileiros - IEB-USP. 
Aos professores do Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia do IFCS-
UFRJ, bem como às secretárias do PPGSA, Cláudia e Denise, pela forma atenciosa com que 
sempre atenderam minhas inúmeras solicitações. 
Aos funcionários do IEB-USP, do Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro, da 
Biblioteca Amadeu Amaral, localizada no Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular, no 
Rio de Janeiro, pelos fundamentais serviços prestados. 
Às professoras que compuseram a minha banca examinadora de qualificação e de defesa, 
Elide Rugai Bastos, Maria Laura Cavalcanti e Sabrina Parracho Sant‟Anna, pelas valiosas 
sugestões. 
7 
 
Ao meu orientador, professor André Botelho, pela forma séria e cuidadosa como 
acompanhou o desenvolvimento deste trabalho, contribuindo com idéias, críticas e sugestões, 
durante todas as etapas de minha pesquisa. 
Aos amigos de diversos momentos que, de alguma forma, acompanharam-me nesta 
pesquisa: Ederson Segantini, Edson da Silva, Tony Ortin, Leonardo Borges, Rodrigo Alves de 
Souza, Diego Araoz Alves, Ana Paula Perrota, Tatiana Prado, Fidel Flores, Ismael Pimentel, 
e, em especial, aos amigos de todas as horas, Arnaldo Lanzara e Wendel Cintra, pelas já quase 
uma década de troca de camaradagens e intermináveis conversas que se prolongaram até o 
Rio de Janeiro. 
À Cida, pela generosidade com que sempre me acolheu em Araraquara. 
Aos meus pais, Célio e Lúcia, que sempre apoiaram e acreditaram na concretização deste 
trabalho. Agradeço também aos meus irmãos, Alessandro e Cristiano, por apostarem nas 
minhas escolhas acadêmicas. Não poderia deixar de mencionar, ainda, a alegria que foi, 
durante o curso de mestrado, a chegada ao mundo do meu primeiro sobrinho, Daniel. 
Por fim, à minha namorada Carina, pela cumplicidade e pela forma tão carinhosa de 
sempre me consolar nas minhas preocupações. Só você sabe o quanto eu te devo este trabalho. 
8 
 
RESUMO 
 
 
DUAS TRAJETÓRIAS, UM MODERNISMO MUSICAL? 
Mário de Andrade e Renato Almeida 
 
 
Marcelo Adriano Martins 
 
Orientador: Prof. Dr. André Pereira Botelho 
 
Resumo da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em 
Sociologia e Antropologia, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, da Universidade Federal 
do Rio de Janeiro - UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de 
Mestre em Sociologia (com concentração em Antropologia). 
 
 
A dissertação tem como objetivo reconstituir o debate empreendido entre os modernistas 
Mário de Andrade (1893-1945) e Renato Almeida (1895-1981) sobre a formação da música 
brasileira. Para tanto, analisamos as duas edições de História da música brasileira (1926 e 
1942), de Renato Almeida, o Ensaio sobre a música brasileira (1928) e a Pequena história da 
música (1929), de Mário de Andrade, bem como artigos em periódicos e a vasta 
correspondência trocada entre os autores durante os anos de 1922-1944. Procuramos mostrar 
como, num primeiro momento, durante os anos 1920, Mário de Andrade e Renato Almeida 
formularam propostas não apenas diferentes em termos estéticos e metodológicos, mas 
propriamente concorrentes de nacionalização musical no interior do movimento modernista; 
num segundo momento, que se consolida na década de 1940, essas diferenças tendem a 
diminuir a favor do programa defendido por Mário de Andrade, fundado na pesquisa do 
folclore brasileiro como meio de renovação da música erudita brasileira. Os debates travados 
pelos autores na correspondência e nas revistas, bem como as duas edições da História da 
música brasileira, de Renato Almeida, mostram, assim, a influência crescente de Mário de 
Andrade na definição do sentido de renovação do modernismo musical brasileiro. 
 
Palavras-chave: Modernismo Musical. Música erudita brasileira. Nacionalismo estético. 
Mário de Andrade. Renato Almeida. 
 
 
Rio de Janeiro 
Julho de 2009 
9 
 
ABSTRACT 
 
 
TWO TRAJECTORIES, ONE MUSICAL MODERNISM? 
Mário de Andrade and Renato Almeida 
 
 
Marcelo Adriano Martins 
 
Orientador: Prof. Dr. André Pereira Botelho 
 
Abstract da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em 
Sociologia e Antropologia, Institutode Filosofia e Ciências Sociais, da Universidade Federal 
do Rio de Janeiro - UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de 
Mestre em Sociologia (com concentração em Antropologia). 
 
 
This study has as objective to reconstitute to the debate undertaken between the Mário de 
Andrade (1893-1945) and Renato Almeida (1895-1981) on the formation of Brazilian music. 
For this, we analyze two editions of História da música brasileira (1926 and 1942), of Renato 
Almeida, the Ensaio sobre a música brasileira (1928) and the Pequena história da música 
(1929), of Mário de Andrade, as well as periodic articles in and the vast changed 
correspondence enters the authors during the years of 1922-1944. We show as, at a first 
moment, during years 1920, Mário de Andrade and Renato Almeida they had formulated 
different and competing proposals in terms aesthetic and methodological of musical 
nationalization in the interior of the modernist movement; at as a moment, that if consolidates 
in the decade of 1940, these differences tend to diminish in favor of the program defended for 
Mário de Andrade, established in the research of the Brazilian folklore as half of renewal of 
Brazilian erudite music. The debates stopped for the authors in the correspondence and the 
magazines, as well as two editions of the História da música brasileira, of Renato Almeida, 
show, thus, the increasing influence of Mário de Andrade in the definition of the direction of 
renewal of the Brazilian musical modernism. 
 
Key-words: Musical Modernism. Brazilian Erudite Music. Aesthetic Nationalism. Mário de 
Andrade. Renato Almeida. 
 
Rio de Janeiro 
Julho de 2009 
10 
 
SUMÁRIO 
 
 
 
INTRODUÇÃO......................................................................................................p.11 
 
 
CAPÍTULO 1. ANOS DE APRENDIZADO NO MODERNISMO 
MUSICAL...............................................................................................................p.21 
 
1.1. Renato Almeida e Mário de Andrade................................................p.21 
1.2. A nacionalização da música................................................................p.36 
 
 
CAPÍTULO 2. O DEBATE EPISTOLAR ENTRE MÁRIO DE ANDRADE E 
RENATO ALMEIDA............................................................................................p.50 
 
2.1. O início da trajetória epistolar...........................................................p.50 
2.2. Distanciamentos e reaproximações....................................................p.65 
 
 
CAPÍTULO 3. A FORMALIZAÇÃO DA HISTÓRIA DA MÚSICA 
BRASILEIRA........................................................................................................p.84 
 
3.1. História da música brasileira - 1ª edição............................................p.84 
3.2. Os livros de Mário de Andrade.........................................................p.97 
3.3. História da música brasileira - 2ª edição............................................p.108 
 
 
CONSIDERAÇÕES FINAIS...............................................................................p.116 
 
 
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...............................................................p.125 
11 
 
INTRODUÇÃO 
 
Digamos então que é certo que a inserção múltipla e muito espalhada do intelectual reflete no 
seu plano uma certa superação prática das arenas locais e nacionais. Nem por isso ele passa a 
habitar simplesmente o planeta, ilusão de bolsistas potenciais como nós, ilusão cujo preço 
cultural é a irrelevância. A moda, como vocês sabem, é da aldeia global, por oposição às aldeias 
locais (...) A grande aceitação dessa tese no Brasil talvez não deva apenas ao seu acerto, relativo, 
mas também à decisão medíocre e muito compreensível de não se dar por achado, de não se dar 
por implicado na iniqüidade das relações sociais locais, o que permitiria entrar para o primeiro 
mundo sem mais perda de tempo. 
Roberto Schwarz, Seqüências brasileiras, 1999 
 
 
 
Este trabalho é resultado da nossa pesquisa de mestrado realizada no Programa de Pós-
Graduação em Sociologia e Antropologia do IFCS-UFRJ. O interesse por esta pesquisa surge 
durante a nossa graduação em Ciências Sociais, cursada no período de 2001 a 2005, na 
UNESP-Araraquara. Durante esse período, buscamos realizar um projeto de iniciação 
científica que conciliasse o estudo da chamada música popular brasileira com o campo das 
Ciências Sociais. Inicialmente, fizemos algumas leituras sobre a temática musical, mas sem 
que se chegasse a uma delimitação de um objeto de estudo. A partir da disciplina “Política e 
Cultura”
1
, que cursamos nessa universidade, passamos a vislumbrar a possibilidade de realizar 
uma discussão das concepções de Mário de Andrade (1893-1945) acerca da música brasileira 
a partir de um enfoque sociológico; o que procuramos realizar, ainda que preliminarmente, em 
nossa monografia de conclusão de graduação na referida instituição. 
Para realizar o processo seletivo do curso de mestrado em 2007, apresentamos ao 
PPGSA-UFRJ um plano de estudos que visava desenvolver com mais propriedade as idéias 
contidas na monografia de graduação, ou seja, discutir sistematicamente as proposições sobre 
música de Mário de Andrade, como esse intelectual entendia a música brasileira, qual era o 
projeto presente em sua literatura musicológica etc. Com as leituras realizadas ao longo das 
disciplinas do mestrado e com as reuniões e discussões com o nosso orientador, professor 
 
1
 Disciplina cursada no primeiro semestre de 2004. 
12 
 
André Botelho, passamos gradativamente a rever a idéia inicial para a dissertação de 
mestrado, com o intuito de realizar uma pesquisa que trouxesse, de certa forma, alguma 
contribuição nova, não somente no recorte do objeto, como também na utilização de novos 
materiais ainda não mobilizados em pesquisas anteriores. 
Com isso, realizamos um levantamento bibliográfico no banco de teses da CAPES 
para saber o que já tinha sido escrito sobre música e Mário de Andrade e quais eram os 
enfoques dados nos trabalhos. Pelos resumos encontrados, constatamos que eram poucos os 
trabalhos que buscavam dar uma abordagem sociológica para esta temática do modernismo 
musical. Feito isso, procuramos entrar em contato com os principais livros, teses e 
dissertações que tratam do tema, para que, a partir disso, tendo em vista o que foi produzido, 
pudéssemos realizar uma pesquisa pertinente. 
Decidimos, então, realizar uma pesquisa em perspectiva comparada, uma vez que 
pensávamos, naquela ocasião, que através da comparação entre dois autores teríamos maior 
rigor analítico para construir o objeto de pesquisa. Tendo a perspectiva comparativa em vista, 
procuramos escolher outro intelectual que, assim como Mário de Andrade, também tivesse se 
preocupado com a música brasileira na mesma época, o período do modernismo brasileiro. O 
primeiro nome pensado foi o do compositor Heitor Villa-Lobos. Fomos ao Museu Villa-
Lobos em busca de materiais que tornassem viável a pesquisa; no entanto, constatamos que 
havia pouco material, no Museu, que pudesse subsidiar uma discussão comparativa da 
maneira como estávamos pensando em realizar. 
Ao perceber que seria inviável, naquele momento, realizar uma pesquisa com o 
compositor carioca, devido aos motivos citados anteriormente, pensamos em intelectuais 
brasileiros pouco conhecidos, que de alguma forma estivessem relacionados com a temática 
da música. Foi assim que, buscando na literatura especializada alguns outros nomes, 
chegamos ao modernista Renato Almeida (1895-1981). Nascido em Santo Antônio de Jesus, 
13 
 
no interior do Estado da Bahia, Almeida muda-se para o Rio de Janeiro, em 1907, onde 
adquire a sua formação intelectual. Publicou, em 1926, a História da música brasileira, 
primeira obra que deu voz ao debatemodernista sobre os caminhos da música no Brasil. Por 
esse motivo e também por ser um intelectual pouco lembrado no meio acadêmico 
contemporâneo, consideramos que ele poderia ser o ponto de comparação que estávamos 
buscando. Com a escolha desse outro autor, fomos em busca de materiais sobre a possível 
relação entre ele e Mário de Andrade. 
Durante o período de férias letivas de 2007-2008, estivemos no Instituto de Estudos 
Brasileiros (IEB) da USP, em São Paulo, visando encontrar algum tipo de material que 
apontasse caminhos para a pesquisa, visto que nesse instituto se encontram a biblioteca e todo 
o arquivo de Mário de Andrade, que contém correspondências, recortes de jornais e revistas, 
manuscritos, fotos etc. Lá entramos em contato com muitas fontes primárias que o autor 
paulista tinha sobre Renato Almeida, também encontramos uma dissertação de mestrado em 
Teoria Literária e Literatura Comparada da USP, de 2003, cujo título é “Edição anotada da 
correspondência Mário de Andrade e Renato de Almeida”, na qual constam 188 cartas 
(organizadas cronologicamente pela autora) trocadas entre os dois intelectuais modernistas; 
bem como a revista Ariel – revista de cultura musical, que circulou de 1923 a 1924, na qual 
constam vários artigos de ambos os autores. 
A partir da leitura da correspondência que localizamos no IEB/USP 
2
 e dos artigos em 
revistas e jornais, nosso horizonte de pesquisa se ampliou significativamente, pois entramos 
em contato com, por assim dizer, “os bastidores” da literatura musicológica de Mário de 
Andrade e de Renato Almeida, com os elementos que motivaram esses autores a escreverem 
sobre música naquele contexto, seus projetos, camaradagens e divergências manifestas 
 
2
 Essa correspondência foi organizada por Maria Guadalupe Pessoa Nogueira e está presente em sua dissertação 
de mestrado “Edição anotada da Correspondência Mário de Andrade e Renato de Almeida”, apresentada ao 
Departamento de Teoria Literária e Literatura Comparada da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas 
da Universidade de São Paulo, em 2003. 
14 
 
privadamente na correspondência trocada entre eles. Assim, com um caminho delineado para 
a pesquisa e com a possibilidade de fazer uma análise em perspectiva comparada, decidimos 
estudar a obra historiográfica musical dos dois modernistas. 
Isto posto, nesta dissertação de mestrado, procuramos reconstruir os diálogos e os 
debates intelectuais entre Mário de Andrade e Renato Almeida sobre a formação da música 
brasileira. A leitura e o cotejo da primeira e da segunda edição de História da música 
brasileira, de Renato Almeida, mostraram ter havido alterações substantivas quanto às 
concepções e aos métodos sobre a formação da música no Brasil da primeira edição, de 1926, 
para a segunda, de 1942; mudanças que assinalam, em grande medida, a influência de Mário 
de Andrade sobre o amigo e, assim, em certo sentido, uma relativa diluiç14ão da diversidade 
de projetos presentes originariamente no contexto do modernismo musical dos anos 1920, 
quando ambos os autores iniciam de modo mais sistemático sua intervenção pública, com a 
publicação de artigos e de livros sobe o tema. Entre 1926 e 1942, então, as posições de Renato 
Almeida, antes concorrentes às de Mário de Andrade, vão se tornando convergentes ao do 
modernista paulista, que, como o amigo, também havia formalizado suas idéias sobre música 
originalmente na década de 1920, em livros como o Ensaio sobre a música brasileira, de 
1928, e a Pequena história da música, de 1929, por exemplo. 
Podemos dizer, em suma, para enunciarmos o campo problemático que apresentamos 
nesta dissertação, que nas obras publicadas durante a década de 1920, ou seja, a primeira 
edição de História da música, de Almeida, e as duas obras de Andrade, os autores apresentam 
interpretações divergentes fundamentalmente acerca do modo como se deveria nacionalizar a 
música erudita feita no país, divergências que podem ser tomadas como expressões do caráter 
propriamente concorrente das posições que inicialmente esposavam. Porém, com as 
modificações ocorridas no próprio movimento modernista, bem como no contexto social e 
político em que Almeida e Andrade estavam inseridos, as divergências interpretativas sobre a 
15 
 
formação da música brasileira serão atenuadas, culminando com a publicação da segunda 
edição, em 1942, da História da música brasileira, de Almeida. Embora a leitura das obras 
aponte para essa mudança de posição de Renato Almeida, é por meio da vasta 
correspondência trocada entre os autores durante o período de 1922 a 1944, bem como da 
publicação de artigos em revistas especializadas em temas musicais que poderemos 
acompanhar o caminho como ela se processa. Pretendemos, com isso, contribuir para uma 
nova inteligibilidade sociológica sobre os livros e o debate que eles encerram, evidenciando e 
qualificando os conflitos interpretativos sobre música erudita brasileira no contexto do 
modernismo. 
Existem muitas abordagens do movimento modernista da década de 1920, assim 
como, ainda que em escala bastante reduzida, especificamente do modernismo musical 
brasileiro
3
. A leitura das diferentes interpretações sugere, no entanto, que não é possível 
pensar em uma idéia unívoca de modernismo, em geral ou o musical, sendo necessário 
entendê-los mais como um campo de disputas de significados. Ainda assim, alguns aspectos 
comuns perpassam diferentes vertentes do modernismo brasileiro, inclusive marcando sua 
diferença em relação aos seus congêneres europeus. Entre eles, destacamos dois aspectos 
cruciais. O primeiro deles é a relação da produção modernista com a tradição cultural. Se, no 
caso dos modernismos europeus, a ruptura com o passado parece ter constituído o objetivo 
convergente de diferentes manifestações que em diferentes contextos nacionais, e mesmo com 
sentidos distintos, se reivindicaram como “modernistas” (FABRIS, 1994); no Brasil, 
malgrado as distintas respostas oferecidas, a relação com o passado foi mais complexa, 
quando não ambígua. O que no caso dos modernismos musicais, expressava-se, de um lado, 
na crítica contundente ao gosto consolidado entre as elites e grupos médios que freqüentavam 
concertos ou executavam música em saraus domésticos, principalmente ao romantismo 
 
3
 Para um balanço das abordagens do modernismo de 1920, ver Botelho (2005). Sobre o modernismo musical, 
ver Travassos (2000); Naves (1998); Wisnik (1977) e Contier (1988). 
16 
 
musical (como o parnasianismo fora criticado na poesia); de outro, a busca de elementos que 
permitissem identificar a formação de uma música propriamente brasileira implicava, 
necessariamente, numa visão não inteiramente disjuntiva entre passado e presente ou tradição 
e modernidade. 
Assim, também as formulações de Mário de Andrade e de Renato Almeida no campo 
da música tornam-se emblemáticas do problema modernista da relação entre passado, 
presente e futuro, pois surgem associadas ao projeto de revisão do passado musical e de busca 
em seu acervo de elementos que permitissem a constituição de uma música brasileira, o que 
parece ser contraditório se considerarmos o paradigma europeu de modernismo, voltado em 
geral para o rompimento com a tradição. E na revisão crítica da produção musical do passado 
brasileiro que empreendem cada um ao seu modo, um outro aspecto comum avulta nas 
propostas de Mário de Andrade e de Renato Almeida: o resgate das tradições populares como 
base para a construção de uma cultura musical ao mesmo tempo moderna e brasileira. 
Também essa segunda orientação modernista geral de resgate e utilização de material 
folclórico pelos compositores brasileiros pouco ou nada tinha a ver com as novas tendências 
estéticas contemporâneas surgidas na Europa, como o dodecafonismo, o serialismo e o 
futurismo.Em contraste, por exemplo, com o que Schoenberg realizava com o 
dodecafonismo, propondo a atonalidade que refutava a tonalidade presa à escala harmônica, 
no Brasil, o projeto modernista mantinha a tonalidade clássica e também as estruturas 
melódicas e rítmicas inspiradas em temas folclóricos. 
O modernismo que ocorre no Brasil não promoveu uma ruptura absoluta com a 
concepção de arte culta, como teria ocorrido na Europa, naquele mesmo contexto. 
Especialmente com relação à música, tal ruptura não acontece como nas outras manifestações 
artísticas do período. Nessa direção, Naves (1998) sugere que o modernismo musical 
apresentava um viés construtivo, que propunha uma continuidade com o processo civilizador 
17 
 
que teve início no Brasil, no século XIX. Para a autora, existem dois ideais de modernização, 
os quais se contrastam: o dos ideólogos da modernização via civilização e o dos modernistas 
brasileiros que tinham uma via alternativa ao universalismo. Os primeiros queriam manter o 
ideal da ordem, separando os “elevados” dos “baixos”; os segundos, de outra forma, 
buscavam o embaralhamento do tradicional com elementos “inferiores”, tendo como objetivo 
a formação de uma cultura original Porém, os modernistas brasileiros “rompem com a 
perspectiva excludente do processo civilizador” (NAVES, 1998). 
Integrantes do movimento modernista, Mário de Andrade e Renato Almeida 
compartilham o ideário de renovação cultural nos anos 1920 se apresentando como defensores 
da estética nacional-modernista no campo da música. Além disso, tornam-se artífices de uma, 
por assim dizer, tradição musicológica nacionalista no Brasil que teve desdobramentos 
importantes no desenvolvimento tanto da música erudita quanto da popular no país. Esses 
aspectos têm estimulado freqüentemente as visões segundo as quais Andrade e Almeida 
compartilhariam uma mesma ideologia musical e os mesmos referenciais teórico-
metodológicos como musicólogos ou historiadores da música (PEREIRA, 2007; MARIZ, 
1983; CONTIER, 1988;). Apesar das inegáveis convergências que guardam entre si, as obras 
e as trajetórias de Mário de Andrade e Renato Almeida apresentam também divergências 
fundamentais e muito significativas, no plano cognitivo, especialmente quanto ao método de 
concepção do próprio processo de nacionalização da música erudita feita no país; 
divergências que, apesar de terem sido atenuadas com o tempo, como aparece nas duas 
edições da História da música de Renato Almeida, não podem ser menosprezadas, mas antes 
qualificadas. Esperamos, ademais, que a perspectiva comparativa empregada na pesquisa 
tenha contribuído ainda para identificar e qualificar sob novos ângulos tanto questões pouco 
contempladas quanto outras que praticamente se tornaram lugares-comuns na literatura 
especializada. 
18 
 
Há também diferentes formas de analisar a obra de um ou mais autores. Partindo em 
linhas gerais de uma perspectiva teórico-metodológica da interação entre indivíduo e 
sociedade, na nossa dissertação procuramos apreender, através dos temas, motivos e 
imposturas narrativas de Mário de Andrade e Renato Almeida, suas experiências e suas 
concepções gerais e particulares. Feito isso, retomamos suas reflexões sobre a música 
brasileira num quadro político-cultural mais amplo, característico não apenas do momento 
histórico da sua criação, mas também dos próprios rumos tomados pela produção artística e 
intelectual no Brasil. A dissertação, portanto, procura realizar uma análise sociológica da 
literatura musicológica de Mário de Andrade e Renato Almeida, dos seus artigos em jornais e 
revistas e da vasta correspondência trocada entre os dois autores, bem como da própria 
trajetória dos autores. Assim, embora a ênfase analítica seja dada às obras destacadas, isso não 
significa (1) limitar o corpo dos materiais da pesquisa a elas, incorporando-se também outros 
materiais primários cuja análise permite tanto contingenciar as idéias formalizadas nos livros, 
quanto fazer emergir novas informações e outros temas correlatos fundamentais para a 
construção da sua inteligibilidade; e (2) compartilhar uma visão disjuntiva entre trajetória 
intelectual e obra como se qualquer uma dessas dimensões pudesse ser ignorada ou reduzida 
uma a outra no estudo sociológico da produção cultural. Afinal, se ambas as dimensões, a da 
“trajetória” e a da “obra”, compõem a experiência biográfica pessoal de um autor, elas 
também possuem um fundamento social cuja complexidade ultrapassa a experiência ou 
mesmo o domínio conceitual de “indivíduo” (BOTELHO, 2005). O desafio metodológico que 
se coloca é o de uma compreensão da “obra” dos autores não apenas em termos restritos da 
sua produção escrita, mas também em termos da sua própria atuação cultural. Para se atingir 
esse fim, seguindo a sugestão metodológica de Botelho (2005), pensamos ser analiticamente 
estratégica a categoria de “contexto intelectual” de Quentin Skinner. Skinner entende a análise 
das idéias “não como o estudo de supostos textos canônicos, mas sim como uma investigação 
19 
 
mais abrangente das linguagens [...] em transformação nas quais as sociedades dialogam com 
elas mesmas” (SKINNER, 1999, p. 85-86). Nesse sentido, concentrando-se nas idéias de um 
autor ou mais autores como “matriz mais ampla, social e intelectual” da qual nascem os seus 
textos, prossegue Skinner, 
podemos começar assim a ver não apenas que argumentos eles 
apresentavam, mas também as questões que formulavam e tentavam 
responder, e em que medida aceitavam e endossavam, ou contestavam e 
repeliam, ou às vezes até ignoravam (de forma polêmica), as idéias e 
convenções então predominantes no debate. (SKINNER, 1999, p.13). 
 
E, adverte o autor: “Não podemos esperar atingir esse nível de compreensão estudando 
tão-somente os próprios textos”; mas também que quando “tentamos situar desse modo um 
texto em seu contexto adequado, não nos limitamos a fornecer um „quadro‟ histórico para 
nossa interpretação: ingressamos já no próprio ato de interpretar” (SKINNER, 1999, p.13). 
É nesse sentido que destacamos como objeto de análise as duas edições de História 
da música brasileira, de Renato Almeida, e o Ensaio sobre a música brasileira e a Pequena 
história da música, de Mário de Andrade; mas também, além dessas obras mais 
representativas, alguns dos seus principais artigos publicados em revistas e jornais da época, 
além da vasta correspondência trocada entre eles durante o período de 1922 a 1944, que 
localizamos na biblioteca do IEB-USP
4
. Cabe, por fim, acrescentar uma breve observação 
metodológica sobre o “estatuto” dos materiais de pesquisa da dissertação. De certa forma esta 
dissertação pode ser lida como um esforço de tornar mais contingente a relação de pesquisa 
com os livros de Mário de Andrade e de Renato Almeida, em certo sentido os objetos mais 
“canônicos” da própria área de pesquisa. Isso porque não apenas lidamos com diferentes 
edições da História da música brasileira, de Almeida, mas porque procuramos qualificar o 
debate entre este e Mário de Andrade travado entre as edições de 1926 e de 1942, justamente 
ao recuperamos outros materiais primários, como os artigos de jornais e revistas que nos dão 
 
4
 Ver: Nogueira (2003). 
20 
 
uma visão sobre o debate público e, sobretudo, a vasta correspondência trocada entre eles, que 
nos dá uma visão do debate mais privado que também empreenderam no contexto do 
modernismo musical brasileiro e seus primeiros desdobramentos. O caráter mais “acabado” 
ou “articulado” das formulações corporificadas em seus livros ganha, assim, uma perspectiva, 
uma dimensão de processo, de movimento que procuramos recuperar. Assim, em vez de 
menos “reais” ou “representativos” de uma trajetória intelectual, os materiais menos 
“canônicos” permitem tanto contingenciar as idéias formalizadas nos livros, quanto fazer 
emergirnovas informações para a construção da sua inteligibilidade. 
A dissertação está dividida em três capítulos. No primeiro, tendo em vista os traços 
fundamentais das trajetórias intelectuais de Renato Almeida e Mário de Andrade, após 
apresentarmos os principais temas comuns enfrentados pelos autores no contexto intelectual 
do modernismo musical, circunscrevemos a formação de cada um deles com o objetivo de 
esclarecer suas respectivas visões especialmente sobre o desafio central daquele momento, o 
de nacionalização da música produzida no Brasil. No segundo capítulo, debruçamo-nos sobre 
a correspondência trocada entre os autores durante os anos de 1922 e 1944, com o intuito de 
surpreender o debate travado entre eles. No terceiro capítulo, analisamos como o debate 
interpretativo sobre a formação da música brasileira se refletiu nas obras dos autores; 
inicialmente, na edição de 1926 de História da música brasileira, de Renato Almeida e nas 
duas obras de Mário de Andrade, o Ensaio sobre a música brasileira (1928) e a Pequena 
história da música (1929); e, posteriormente, em 1942, na segunda edição da obra de 
Almeida. Por fim, apresentamos algumas considerações finais. 
 
21 
 
CAPÍTULO 1 
 
ANOS DE APRENDIZADO NO MODERNISMO MUSICAL 
 
Neste capítulo apresentamos, em traços gerais, os modernistas Mário de Andrade e 
Renato Almeida, especialmente alguns elementos decisivos das suas diferentes formações 
intelectuais, as quais se mostram cruciais para a compreensão das diferentes visões que os 
autores possuíam inicialmente sobre estética e história musical. Apresentamos ainda o papel 
intelectual de Ariel: revista de cultura musical naquele contexto, em cujas páginas o diálogo 
público entre Mário de Andrade e Renato Almeida acerca da música brasileira se incrementa. 
Através dessa discussão, e dos materiais primários recolhidos, procuramos situar nossos 
autores no contexto mais geral do modernismo musical brasileiro dos anos 1920 e 
especialmente em relação ao desafio crucial daquele movimento: o de nacionalizar a música 
produzida no Brasil. 
 
1.1. Renato Almeida e Mário de Andrade 
Nascido em 1895, na cidade de Santo Antônio de Jesus, no Estado da Bahia, Renato 
Almeida muda-se para o Rio de Janeiro em 1907, onde, em 1910, inicia o curso de Direito na 
Faculdade Livre de Ciências Jurídicas e Sociais, datando desse período o início da sua 
amizade com Ronald de Carvalho (1893-1935), em que passam a compartilhar interesses 
sobre literatura, filosofia, pensamento e artes. Dessa amizade surge a identificação intelectual, 
sobretudo quando, em 1914, Ronald de Carvalho volta da Europa após o início da Primeira 
Guerra Mundial. Tendo passado uma longa temporada em Lisboa e Paris, Ronald de Carvalho 
entra em contato com as vanguardas artísticas européias, como o movimento modernista 
português, e freqüenta, em Paris, os famosos cursos de Henri Bergson, no Collège de France. 
22 
 
Botelho (2005) mostra que as idéias de Bergson constituem uma das mais notáveis influências 
intelectuais de Ronald de Carvalho, especialmente pela conotação negativa da premissa 
iluminista da história como processo interdependente da razão, e a conseqüente crítica à 
organização democrática e racional da sociedade a ela associada, também presentes em seus 
ensaios (BOTELHO, 2005, p. 87). 
É no contexto do retorno de Ronald de Carvalho da Europa e do início da Primeira 
Guerra Mundial que Renato Almeida afirmará que em “1914, a guerra que nos sacudiu, 
modificou os meus ideais e um mundo novo e diferente surgiu. Com ele cessaria a liberdade, 
pelo menos a liberdade do nosso individualismo, em que cada qual se determinava, vivia a seu 
modo e sempre certo” (ALMEIDA apud MARIZ, 1983, p.94). Outro ponto importante que 
corrobora a ligação intelectual entre Renato Almeida e Ronald de Carvalho é o texto-
conferência do primeiro, publicado em 1915, cujo título é O simbolismo e os simbolistas, no 
qual tece elogios ao movimento simbolista, considerando-o como revolucionário, dentre 
outras coisas, por libertar os versos dos rigores formais e por aproximar a literatura a um 
“sentido espiritualista, manejando instrumentais que buscavam comover, „tocar‟ o público, 
como na música de Debussy, em que „ouvir é sentir‟” (GOMES, 1999, p. 38-39); além de 
relacionar nomes como Cruz e Souza, Mário Pederneiras e Ronald de Carvalho, como 
membros desse movimento
5
. Dessa forma, notamos que Ronald de Carvalho compartilhou as 
suas experiências intelectuais adquiridas na Europa com o amigo Renato Almeida, de tal 
modo que ultrapassou as fronteiras do campo pessoal. Se estivermos corretos em nossa 
interpretação, podemos dizer que o seu primeiro livro, Em Relevo, publicado em 1917 e 
dedicado a Ronald de Carvalho, tenha sido elaborado principalmente sob a influência da 
 
5
 De acordo com Gomes, “(...) o simbolismo teve – entre vias lácteas, mulheres alvas, sedução pela morte, humor 
e sátira política explícita –, como os lírios, uma breve floração. Ele ambientou-se, no dizer de Lúcia Miguel 
Pereira, em um mundo art nouveau de linhas retorcidas de delicadas, onde os objetos eram mais ornatos que 
utilidades. Ele foi boêmio, espiritualista e antiacadêmico, atraindo alguns grandes nomes da literatura carioca de 
então, como Afrânio Peixoto (Rosa Mística), Coelho Neto (Esfinge) e Graça Aranha (Canaã). (GOMES, 1999, 
p.39). 
 
23 
 
filosofia begsoniana, trazida pelo amigo da Europa. Em linhas gerais, nessa obra, Almeida faz 
um estudo crítico literário de autores como Antero de Quental, Eugênio de Castro, Antonio 
Nobre, Ronald de Carvalho, dentre outros, analisando, a partir de um olhar marcadamente 
simbolista, as características de pessimismo, de resignação etc, presentes nas obras desses 
autores (MARIZ, 1983, p.107). 
Nessa direção, é importante destacar que, na década de 1910, o Rio de Janeiro, devido 
à efervescência cultural, torna-se um pólo fundamental que tem no simbolismo uma das 
principais matrizes culturais. Dessa tradição simbolista surgem intelectuais, como Graça 
Aranha, que terão papéis importantes por darem base teórica às distintas correntes que se 
formam em torno do movimento modernista. Nas palavras de Gomes: 
Essa tradição, mística e espiritualista, contudo, não pode ser mecanicamente 
associada ao boom de militância católica que então começa a se 
desenvolver. Entretanto, seria impossível não assinalar a convergência, bem 
como os laços que passam a unir as trajetórias de alguns intelectuais 
simbolistas e de algumas das mais importantes lideranças leigas da 
militância católica de então. São tais conexões que nos permitem transitar 
do simbolismo ao modernismo; dos inícios do século aos anos 20 e 30; e de 
outros estados do Brasil à capital federal. Para a efetivação e inteligibilidade 
desses contatos, existem sempre certos elos fundamentais. Certas figuras 
que funcionam como estímulo e bases de apoio e orientação. (GOMES, 
1999, p.39). 
 
Com o desenrolar da Primeira Guerra Mundial e o fortalecimento do “espírito 
nacionalista” entre os países, inclusive o Brasil, surge uma forte militância nacionalista que 
aponta novos rumos à intelectualidade brasileira, especialmente depois de 1920. No entanto, a 
produção literária de Renato Almeida seguia aquela orientação simbolista, como ele mesmo 
afirma: 
Eu comecei a minha vida com grandes preocupações literárias dentro do 
movimento simbolista, naquele grupo da “Fon-Fon”, com Ronald de 
Carvalho, Álvaro Moreyra, Felipe de Oliveira, essa gente toda. Esse era no 
momento o meu grande interesse, o interesse pelos estudos filosóficos, daí 
eu ter escrito o Fausto. (ALMEIDA apud MARIZ, 1983, p.96). 
 
24 
 
Publicado em 1922, Fausto: ensaio sobre o problema do ser, obra de cunho filosófico 
na qual o autor busca fazer uma interpretação da personagem de Goethe, aponta que a 
remissão do homem deve vir pelafé. Ronald de Carvalho, no prefácio do livro, afirma que 
Almeida soube fazer uma leitura original do clássico de Goethe ao dar maior importância à 
questão do amor. Para Carvalho, 
A solução que o Sr. Renato Almeida propõe para o problema do ser, 
redimindo Fausto pelo amor, além de consoladora, parece-me a mais 
verdadeira, a mais acorde com o pensamento de Goethe e com as 
irremediáveis contingências do mundo. A razão não é uma luz seca, disse 
Bacon, é mister que a lágrima das coisas a fecunde para que o demônio 
da dúvida não nos tente com a suas promessas (CARVALHO apud 
MARIZ, 1983, p.107-108, grifos nossos). 
 
É a partir dessa obra que nasce o diálogo epistolar entre Mário de Andrade e Renato 
Almeida (que acompanharemos no próximo capítulo), quando, em resposta à carta enviada 
pelo intelectual paulista, Renato Almeida agradece os elogios e as sugestões dadas por Mário 
de Andrade em relação à referida obra, considerando-o como “a um irmão, irmão da mesma 
fé, nas mesmas tendências do pensamento, na mesma finalidade da inteligência” (ALMEIDA 
apud NOGUEIRA, 2003, p.2). Contudo, antes da publicação de Fausto, em 1922, e do início 
da troca de correspondência com Mário de Andrade, vale ressaltar dois fatos que são de suma 
importância para se compreender a formação intelectual de Renato Almeida: a chegada de 
Graça Aranha da Europa, em 1921, e o acontecimento da Semana de Arte Moderna de 1922, 
em São Paulo. 
Principal referência intelectual de Renato Almeida, Graça Aranha (1868-1931) já era 
um escritor de grande destaque antes de participar do movimento modernista, com 
publicações como Canaã, de 1902. Retorna da Europa em 1921 e publica o livro A estética da 
vida, que influenciará fortemente os escritos de Almeida, a partir de então. De modo geral, 
esta obra busca fazer uma releitura esteticista da filosofia monista. Considerado como o 
último discípulo da chamada Escola do Recife, e seguidor de Tobias Barreto, Graça Aranha 
25 
 
questiona os limites da ciência e do pensamento analítico e defende “uma visão sintética do 
universo” (MORAES, 1978, p.22). Em outras palavras, em A estética da vida, Graça Aranha 
afirma que a ciência não nos possibilita a apreensão do universo, do todo infinito, mas, ao 
contrário, ela somente apresenta um universo fragmentado em partes. Nessa direção, para o 
autor, por meio da ciência só podemos conhecer os fenômenos, as partes da realidade, nunca a 
totalidade do real. Segundo Moraes (1978), 
É a esta realidade essencial, situada além dos limites da apreensão da 
ciência, que a estética proposta por Graça Aranha nos deve conduzir. Trata-
se, portanto, de ir além dos limites impostos ao discurso científico, na busca 
de uma visão sintética do mundo, pela qual este seja apreendido em sua 
realidade essencial. (MORAES, 1978, p.23). 
 
Para Graça Aranha, a “realidade essencial” somente poderia ser apreendida através do 
“sentimento da Unidade infinita do Universo”, sentimento esse que não está na realidade 
objetiva, mas que reside na consciência. Nesses termos, o autor entende que o “Todo infinito” 
só pode ser compreendido pela sua realidade subjetiva, realidade esta que se adquire pela 
intuição (ARANHA, 1921, p.4). 
A publicação de A estética da vida, em 1921, explicita a diretriz que Graça Aranha 
considera essencial para se pensar a cultura brasileira, qual seja, que o conhecimento 
científico é dualista por ser fragmentário e separar o sujeito do objeto. O autor entende que 
essa fragmentação, própria da ciência, mantém, em um outro nível, a separação entre 
“indivíduo” e “cosmos”, o que torna a vida humana “dolorosa, infatigável e múltipla 
expressão desse sentimento: a não conformidade com o cosmos” (ARANHA, 1921, p.11). 
Dessa inadequação entre “individuo” e “cosmos” resultaria o dualismo, ou seja, a divisão da 
realidade e da condição humana em dois princípios antagônicos. A partir desse entendimento, 
o autor propõe: “A esta triste filosofia dualista opomos a radiante filosofia monista, que só ela 
pode suscitar a verdadeira estética da vida” (ARANHA, 1921, p.20-21). Com isso, essa 
separação somente poderia ser superada com “uma estética da vida”, que integre o “eu” com o 
26 
 
“cosmos”, o que, segundo a sua interpretação, seria possível apenas por meio “de vias 
emocionais como a religião, a filosofia, a arte e o amor” (MORAES, 1978, p23-24). Nesse 
sentido, para Graça Aranha, 
A concepção estética do Universo, dando ao homem a luminosa 
compreensão da sua unidade com o Todo infinito, eliminaria o Terror da 
vida humana, basearia a sociabilidade na Alegria, que, segundo percebeu 
Spinoza, é o bem supremo. E a alegria, (que) é a perfeição do espírito 
humano (...) (ARANHA, 1921, p.34). 
 
Com relação a essa concepção estética, Moraes esclarece que: 
Tudo deve tender, portanto, a uma volta à situação de que saímos: situação de 
inconsciência e integração no todo que abandonamos no momento em que, 
movido pelo terror inicial, fizemo-nos consciência, diferente e distanciada do 
todo, tentando interpretar a realidade. A consciência, cujo surgimento, „magno 
problema da filosofia‟ se deve ao terror, mantém o espírito humano em uma 
situação de dualidade face ao mundo. É ela que está na origem de toda a vida 
reflexa, ciclo doloroso que devemos fechar através do regresso à unidade, da 
fusão no todo, apontada em A estética da vida. (MORAES, 1978, p.24). 
 
A arte, sendo um dos elementos responsáveis pela aproximação do indivíduo com o 
“Todo infinito”, recebe um tratamento especial por parte de Graça Aranha. Para ele, a arte, 
por ser uma exteriorização do espírito humano, tem como objetivo integrar, pelo sentimento 
estético que desperta, o indivíduo ao universo. Nessa interpretação, Aranha está negando a 
idéia de que tal integração – indivíduo-natureza – se dê por uma capacidade analítica da arte 
ou por uma utilidade prática da mesma. 
Sendo uma função inseparável e primordial do espírito humano, o 
sentimento estético, como o religioso, não está subordinado a uma razão de 
utilidade social. (...) A arte é indiferente à utilidade. A emoção originada da 
forma ou do som, a que nos vem da pintura, da escultura ou da música, é 
inteiramente extranha ao útil.(...) A idéia de utilidade não está na origem 
nem no fim do sentimento da arte. Se alguma coisa de útil pode resultar 
da sensação do Universo, é o conhecimento das suas partes, que a 
ciência nos comunica pela análise. A ciência decompõe o Universo, 
discrimina-o, estuda-o nas suas manifestações parciais. Só há ciência do que 
se pode fragmentar. (ARANHA, 1921, p.38, grifos nossos). 
 
Nesse sentido, Graça Aranha considera que a música é a arte que melhor consegue 
exprimir “os sentimentos vagos determinados pela intuição da unidade do Todo Infinito” 
27 
 
(ARANHA, 1921, p.46-47). Para o autor, a música, por ser a menos “intelectualizada” das 
artes, ganha uma relevância maior porque teria maior capacidade, e mais rapidamente, de 
despertar a intuição emotiva, sentimental, que pudesse superar o distanciamento do “eu” com 
o “cosmos”, acabando, com isso, com a dualidade existente. Ao considerar a música como a 
arte que tem as condições ideais de proporcionar a integração do indivíduo com o universo, 
Aranha deposita grande importância nessa manifestação artística: 
A música é a arte que realisa melhor e mais rapidamente a fusão do 
nosso espírito com o Todo. Parece que por ela os seres se unem, que o 
espaço, tudo o que separa, desaparece, o Universo se restringe e faz um só 
corpo com tudo o que existe. (ARANHA, 1921, p.46-47, grifos nossos). 
 
Para Graça Aranha, o estilo artístico que traduzirá melhor a sua época é o musical. 
Devido a isso caberia aos intelectuais e artistas ligados à música fazer a transposição de 
“todos os valores da natureza e da vida” para as composições, pois a “música é o ritmo do 
mundo de que só o homem moderno possui todo o segredo” (ARANHA,1921, p.197). Nesse 
sentido, o autor maranhense está chamando a atenção para a necessidade do estudo da música, 
naquele contexto dos anos 1920, pois ela traduziria o “ritmo do mundo”, ou seja, as 
modificações proporcionadas pelo mundo moderno, que são fundamentais para a integração 
do indivíduo ao “todo infinito”. 
A sucinta exposição feita sobre a obra de Graça Aranha se faz necessária em virtude 
da influência que ela exerce no pensamento estético e musical de Renato Almeida. Na 
primeira edição de História da música brasileira, de 1926, notamos uma forte influência da 
filosofia monista, de Graça Aranha, o que definirá o modo como Renato Almeida conceberá a 
formação da história da música brasileira. Para Almeida, havia um dualismo na arte, de um 
modo geral, e mais especificamente na música feitas no Brasil; dualismo este que 
impossibilitava a integração da arte com a realidade brasileira. Essa idéia, de que a “música” 
estava separada da sua “natureza”, confirma, para Renato Almeida, a inexistência de uma 
música autenticamente brasileira até os anos 1920. Nessa dimensão, seria preciso unir a 
28 
 
“música” com a “alegria própria da terra”, por meio de um projeto cultural. Percebemos, 
assim, que para Almeida, como propõe Graça Aranha, é somente por meio daquilo que este 
chama de “consciência subjetiva”, adquirida pela arte, filosofia, religião e amor, que se pode 
entender o “universal”. Fora dessa consciência, o “universal” não se realiza. Assim, para o 
Renato Almeida da primeira edição, de 1926, não seria pelos meios científicos que se 
explicaria a existência de uma música nacional, mas, sim, pela consciência artística. 
Voltaremos a essa questão no terceiro capítulo. 
Se o ano de 1921 foi considerado decisivo, pelo próprio Renato Almeida, para a 
transformação das artes brasileiras, devido à chegada de Graça Aranha da Europa e ao 
encontro dos modernistas de São Paulo e Rio de Janeiro em casa de Ronald de Carvalho, 
podemos dizer que o ano de 1922, com o acontecimento da Semana de Arte Moderna de São 
Paulo, a publicação de Paulicéia Desvairada, de Mário de Andrade, e Fausto: ensaio sobre o 
problema do ser, de Renato Almeida, torna-se o momento chave da aproximação entre 
Andrade e Almeida. No artigo, “Ronald de Carvalho e o Modernismo”, Renato Almeida 
recorda que a Semana de Arte Moderna aconteceu por causa de um convite de Di Cavalcanti a 
Graça Aranha para realizar “uma grande festa de arte, com elementos modernos, em que se 
fizessem conferências, recitassem versos, tocassem músicas e expusessem coisas modernas” 
(ALMEIDA apud MARTINS, 1965 p.65). Graça Aranha teria preferido, segundo Almeida, a 
cidade de São Paulo para o acontecimento da Semana, pois alegava que, nessa cidade, havia 
um grupo maior de modernistas, poetas, pintores e escultores (NAPOLI, 1970; MARTINS, 
1965). Com esse acontecimento artístico ocorre uma aproximação nas relações entre os 
modernistas de São Paulo e do Rio de Janeiro. 
29 
 
Em depoimento gravado no Museu da Imagem e do Som
6
, do Rio de Janeiro, Renato 
Almeida relembra a importância da Semana de Arte Moderna para a sua trajetória artística e 
para a sua escolha em estudar a música brasileira: 
Mas, quando houve a Semana de Arte Moderna, quando o Modernismo foi 
uma afirmação do Brasil, eu me convenci que não havia lugar absolutamente 
no Brasil para o escritor desinteressado. Nós tínhamos que olhar era o Brasil, 
nós tínhamos que ver a terra. Cada um de nós, note bem, todos os do grupo 
se dedicaram a uma atividade que tivesse uma relação íntima com o país. 
Essa atividade para mim foi a Música. Eu comecei a estudar a música 
brasileira
7
. (ALMEIDA apud MARIZ, 1983, p.96). 
 
Esta citação ilustra bem como a Semana de 1922 vem aflorar em Renato Almeida algo 
que já estava posto nos estudos estético de Graça Aranha, a saber, a necessária compreensão 
da formação da música brasileira para que o próprio país pudesse, posteriormente, se integrar 
ao chamado “concerto das nações”. Passemos agora a Mário de Andrade. 
Mário de Andrade nasceu em São Paulo, no dia 9 de outubro de 1893. De 1905 a 1909 
estudou no colégio dos irmãos Maristas “Nossa Senhora do Carmo”, onde se formou em 
Ciências e Letras. Em 1911, inicia o curso de música no Conservatório Dramático e Musical 
de São Paulo, onde, em 1913, passa a atuar como professor substituto, ministrando aulas de 
História da música; sendo que, em 1920, é contratado definitivamente para lecionar esta 
disciplina e a de Piano (MARIZ, 1983). Seguindo a sugestão de Gilda de Mello e Souza 
(2005), entendemos que é na formação em música que se encontra a chave para entender os 
motivos que levam Mário de Andrade a extrapolar seu interesse inicial no Conservatório – 
que era o de se tornar pianista profissional –, tornando-se um dos principais nomes do 
movimento de renovação cultural da década de 1920. Foi como professor de música que 
Mário de Andrade produziu toda a sua vasta obra como artista e crítico cultural, exercendo o 
papel de principal orientador de artistas brasileiros até o ano de sua morte, em 1945. 
 
6
 O depoimento em questão é citado por Mariz (1983), mas sem referência à data em que ele foi gravado a partir 
da entrevista concedida por Almeida. 
7
 Mariz (1983), em uma breve biografia que faz de Renato Almeida, acredita que o interesse desse musicólogo 
pela música vem dos conhecimentos que recebeu de sua mãe, que era pianista. 
30 
 
É a partir desta formação musical que Mário de Andrade passa a estudar e a refletir 
não somente sobre questões ligadas à música, como também sobre um número variado de 
manifestações artísticas produzidas no Brasil, o que aparece espalhado em suas obras de 
poesia, romance, critica de arte etc. Embora tenha atuado em diversas frentes no campo 
cultural, é, justamente, por meio da música que, para nós, deve-se refletir a visão ideológica 
do autor de Ensaio sobre a música brasileira
8
. Afinal, “por deformação de ofício”, como 
sugere Gilda Mello e Souza, Andrade “habituou-se a pensar as várias manifestações artísticas 
de acordo com a ordenada sistematização musical” (MELLO E SOUZA, 2005, p. 21). O que 
está presente em seus textos mais programáticos sobre poesia e literatura, como no “Prefácio 
interessantíssimo” e em A escrava que não é Isaura, nos quais a estética musical é tomada 
como perspectiva para discutir a renovação poética. Isso para não falar de Macunaíma, talvez 
sua obra mais emblemática, em cuja elaboração, como demonstrou mais uma vez Gilda de 
Mello e Souza, Mário de Andrade utilizou dois processos musicais: a suíte e a variação. 
(MELLO E SOUZA, 2003, p.13). Mais importante ainda, em Macunaíma, como no conjunto 
da obra de Mário de Andrade, encontram-se os dois pontos de referências centrais da sua 
meditação estética sobre a música: o fenômeno musical e a criatividade do populário. Para 
Gilda de Mello e Souza: 
É da confluência dessas duas obsessões fundamentais que deriva a maioria 
dos seus conceitos básicos, seja sobre a arte em geral, seja sobre arte 
brasileira em particular; conceitos que uma vez forjados ressurgem sempre 
na extensa e variada produção ensaística. (MELLO E SOUZA, 2003, p.11). 
 
Nesse sentido, consideramos, na esteira de Mello e Souza (2003), que para 
compreender a visão ideológica de Mário de Andrade precisamos, antes de tudo, entender que 
 
8
 Jorge Coli (1990) esclarece que qualquer trabalho que pretenda estudar as preocupações de Mário de Andrade 
sobre a música encontrará diversos problemas, pois muitos dos escritos do autor referentes à música encontram-
se espalhados em revistas e jornais que ainda precisam ser organizados analiticamente, assim como a sua vasta 
marginalia musical, para que, feito isso, se possa fazer pesquisas com a maior quantidade de informações 
possíveis do pensamento musical do autor(COLI, 1990, p.41-42). Essa colocação de Coli no artigo Mário de 
Andrade e a Música, que foi publicado pela primeira vez em 1972 e reeditado nos Cadernos Ensaio 4 - Mário de 
Andrade-Hoje, em 1990, ainda nos parece bem atual, embora a quantidade de pesquisas acadêmicas sobre os 
escritos de Mário de Andrade acerca da música tenha crescido nos últimos anos. 
31 
 
a sua formação múltipla, variada, permeava a sua própria idéia de renovação da arte. Para 
Mário de Andrade, a obra nacional deveria partir das “normas de compor do populário” 
presentes na formação híbrida da música popular, como, por exemplo, “no canto, na melodia, 
nos corais, na música instrumental, nas danças”, e que, no entanto, são também, normas 
universais de escrever composição erudita (MELLO E SOUZA, 2003, p.13). 
Para Jorge Coli (1990), Mário de Andrade nunca “se pretendeu filósofo ou criador de 
teoria da arte que envolvesse largo e sistemático arcabouço” (COLI, 1990, p.42). Os seus 
escritos sobre música foram surgindo de seus interesses no tempo, de uma reflexão do 
momento imediato. Entretanto, em alguns ensaios publicados, sobretudo de 1928 a 1945, 
Mário de Andrade buscou investigar na música 
(...) os seus fundamentos, discutindo a sua função social, buscando 
determinar a sua natureza. E não apenas como especulação teórica: mais do 
que em qualquer outra arte Mário prescreveu aqui, explicitamente, direções 
a serem seguidas por criadores e intérpretes, fazendo estética normativa. 
Jamais se abandonou em teorizações que não fossem necessárias, e tais 
escritos teóricos estão entre a chusma de trabalhos imediatos de crítica, de 
denúncia, de orientação mais particular; mas muito mais que em outros 
campos, esses trabalhos existem, e mantidas as ligações entre eles, mostrar-
se-ão consistentes quanto à coerência teórica (...) A sua leitura, assiste-se a 
uma evolução no tempo, cada descoberta encadeando-se em outra, cada 
resposta fazendo surgir vários outros problemas. Noções eram formuladas, 
exigiam outras que se acrescentavam, ou por vezes retificavam as 
anteriores; o todo, com o passar do tempo, irá se revelando mais rico, mais 
complexo. E é claro, não aparece livre da visão de mundo de Mário. Ao 
contrário, essa visão interferirá grandemente sobre o papel que ele atribuirá 
à música (...) (COLI, 1990, p.42-43). 
 
Para qualificar essa “visão de mundo” de Mário de Andrade, mencionada por Coli 
(1990), utilizaremos como referência principal a obra Mário de Andrade: Ramais e Caminho 
(1972), de Telê Ancona Lopez, na qual são apresentadas as bases da formação intelectual do 
referido escritor modernista. Segundo a interpretação da autora, é importante considerar dois 
pontos fundamentais na trajetória literária-intelectual de Mário de Andrade, que são “o 
sentido de compromisso” do autor, e a sua “ligação com a produção popular” (ANCONA 
LOPEZ, 1972, p.11). O primeiro ponto viria do seu dever de militância intelectual e de seu 
32 
 
desejo de convivência humana com base em sua formação cristã. O segundo ponto remete à 
idéia de que, para Andrade, somente pela produção popular seria possível se conhecer o povo 
brasileiro. 
Mário de Andrade tem uma formação intelectual e política típica da sociedade paulista 
do fim do século XIX e início do XX, marcada pelo conservadorismo ético, de origem 
católica, e pelo liberalismo político. Seu primeiro livro Há uma gota de sangue em cada 
poema, de 1917, reflete esse momento em que o poeta é crítico da Primeira Guerra Mundial e 
se coloca como pacifista, buscando entender o mundo e a humanidade pela fé cristã e pela 
influência de autores unanimistas franceses
9
. Os trabalhos de 1918, como “A divina 
preguiça”, apresentam certo “determinismo”, quando Andrade acredita na “marcha 
obrigatória da humanidade para o progresso”, o que o leva a ver a Primeira Guerra Mundial 
como um mal necessário, mostrando que os sacrifícios da Guerra representariam outros 
benefícios (ANCONA LOPEZ, 1972, p.31). No artigo “O Brasil e a Guerra”, de 1918, 
Andrade reflete sobre “a educação política brasileira e a idealização da História em prol de 
valores como bravura, honestidade e, acima de tudo, honra” (ANCONA LOPEZ, 1972, p.33). 
Nesse artigo, Mário de Andrade faz uma análise da situação brasileira, porém, encontra-se 
“impregnado de idealização liberal, busca[ndo] um ângulo de análise científica que não chega 
a atingir (...)” (ANCONA LOPEZ, 1972, p.36). Nas palavras de Ancona Lopez (1972), com o 
artigo “O Brasil e a Guerra”, Mário de Andrade deixa “patente a inadequação da utopia 
[Revolução] à realidade daquele momento, que pode ser analisada nos jornais de então, 
através da apresentação que fazem de um povo absolutamente apático e de uma política 
provinciana” (p.36-37). 
Com a campanha modernista, Andrade passa a assumir uma postura crítica em relação 
ao nacionalismo e ao povo, segundo Ancona Lopes. O autor apresenta, a partir desse 
 
9
 Unanimismo, grosso modo, era um movimento que pretendia associar a crença em uma fraternidade universal à 
questão da consciência de grupo. Tal movimento tem no escritor francês Jules Romains (1885-1946) e no poeta 
Georges Chennevière seus principais representantes. 
33 
 
momento, uma maior preocupação com a criação artística e entra em contato com a teoria 
marxista que começa a ser discutida nos meios intelectuais após a Revolução Russa (1917). 
No artigo “Curemos Pery”, de 1921, Mário de Andrade expressa essa preocupação com a 
criação artística, propondo a superação do parnasianismo. Faz também “apenas uma 
apresentação superficial do povo brasileiro, não um balanço sociológico. Apresenta sua 
fórmula nacionalista: atingir o povo brasileiro através de sua própria produção artística, 
levada para as esferas cultas” (ANCONA LOPEZ, 1972, p.37). Ancona Lopez interpreta que, 
Rastreando suas leituras filosóficas e políticas quanto à cronologia 
encontra-se a edição daquele mesmo ano de La révolution sociale de 
Kautsky. A data da edição não pode valer como afirmação de que o tenha 
lido exatamente nesse ano, nem que ele tenha sido seu primeiro contato com 
o Marxismo. É apenas uma hipótese, mas a verdade é que em 1921, quando 
escreve “Ode ao Burguês”, já tem alguma noção do que seja Socialismo e 
talvez Marxismo (...) (ANCONA LOPEZ, 1972, p.37). 
 
O livro Paulicéia Desvairada, de 1922, em especial o poema “Ode ao Burguês”, é 
paradigmático desse momento da trajetória do intelectual paulista. Tal obra “expressa 
compromisso com o povo, visto como parcela dinâmica em constante aspiração a melhorias, 
mas não ainda como classe consciente de suas contradições” (ANCONA LOPEZ, 1972, p.39). 
É nesse contexto que Mário de Andrade propõe a atualização estética e de renovação da 
literatura brasileira, por meio da incorporação da fonte popular, porém, nesse momento, não 
desenvolvendo maiores estudos sobre ela, o que será feito posteriormente. Nas palavras de 
Ancona Lopez, 
Em 1922 já havia um clima de aceitação e valorização da música e da 
poesia popular, mas em Mário e nos modernistas de São Paulo o interesse 
pelo Folclore apenas se esboçava (...). O autor ainda não dispõe de meios 
para passar da simples incorporação à assimilação orgânica ou a um 
programa de pesquisa cuidadosamente planejado. (ANCONA LOPEZ, 
1972, p.77). 
 
Para a referida autora, Mário de Andrade, devido à sua formação no Conservatório 
Dramático e Musical, “se sente capaz de domar a composição popular, fazê-la sua, atualizá-la 
34 
 
de acordo com a sua sensibilidade” (ANCONA LOPES, 1972, p.77). De 1924 a 1926, usa a 
criação popular como fonte para a sua criação erudita, tentando afirmar o nacionalismo 
estético e social. Na maioria dos poemas de Clã do Jaboti, o autor já coloca um número 
expressivo de informações sobre as tradições populares brasileiras, demonstrando que já 
realizou pesquisas etnográficas e folclóricas.Porém, nesse momento, Mário de Andrade não 
vê o folclore enquanto ciência ou disciplina, mas, sim, como acessório de seus estudos de 
música ou literatura. Segundo Ancona Lopez, data desse período a leitura de autores que dão 
base aos seus estudos sobre o folclore, como Sílvio Romero, Pereira da Costa, Mello Moraes 
e Couto de Magalhães. É a partir da leitura, em 1926, de Vom Roraima zum Orinoco, de 
Theodor Koch Grunberg, que Andrade entrará em contato com um conjunto de lendas 
folclóricas brasileiras que o permitirão pensar na formação do povo brasileiro. Tal obra ainda 
o apresentará ao personagem Macunaíma, “deus e herói civilizador, contraditório, irreverente, 
preguiçoso e sensual” (ANCONA LOPEZ, 1972, p.79). 
Com as viagens para as regiões Norte e Nordeste, em 1927 e 1928, Mário de Andrade 
começa a estudar sistematicamente o folclore e passa a reunir bastante documentação, como 
canções populares recolhidas diretamente dos cantadores. Porém, quando escreve seus artigos 
sobre folclore
10
, falta-lhe uma base antropológica que dê fundamentação ao estudo da 
temática em questão. Segundo Ancona Lopez (1972), é com autores como Tylor, Frazer, 
Lévy-Bruhl, Euclides da Cunha e Gilberto Freyre, que Mário de Andrade busca dar base 
antropológica e sociológica às suas obras, a partir de 1929. É com a leitura das obras desses 
autores que Andrade forma o seu conhecimento sobre folclore e sobre o povo brasileiro. 
Ainda nos termos de Ancona Lopez, Levy-Bruhl, por exemplo, entende que 
os fenômenos do comportamento do primitivo, os mitos e os rituais mágico-
religiosos, as representações coletivas, em suma não nascem da necessidade 
de uma explicação racional. Surgem de uma problemática de fé, oriunda por 
 
10
 Sobre o lugar estratégico que o folclore assumiu na proposta cultural de Mário de Andrade, ver: Cavalcanti 
(2004). 
 
35 
 
sua vez de imperativos e sentimentos coletivos, tidos como viscerais numa 
sociedade inferior. Lá, as representações coletivas se impõem ao indivíduo, 
o dominam e envolvem, sem que ele precise de razões ou de interrogações 
de „como‟ e „por que‟. Participa do mundo, não o sistematiza. (ANCONA 
LOPEZ, 1972, p.94). 
 
Com base em leituras como a citada anteriormente, Mário de Andrade conceberá o 
povo brasileiro como primitivo, sem preocupações intelectuais, para suas práticas folclóricas. 
Assim, ao tentar entender e conceituar o povo, coloca-o entre o primitivo e o civilizado, 
“razão pela qual apresenta(m) imensa dificuldade crítica” (p.94). Dessa forma, “o contato com 
a civilização tira ao primitivo o fundamento, o móvel de sua ação. O sentido primeiro dos 
ritos se perde no tempo e o povo os repete maquinalmente” (ANCONA LOPEZ, 1972, p.94-
95). 
Para melhor compreender a história do povo brasileiro, Mário de Andrade busca em O 
Brasil na América, de Manuel Bonfim, valores éticos e sociais do índio e do português 
próprios ao período da colonização; ainda que considere esses valores como idealistas, 
incorpora-os aos seus estudos. O autor estuda o passado do Brasil tendo por referência 
também as obras de Euclides da Cunha, Oliveira Viana e Gilberto Freyre. Ao realizar a leitura 
de Populações meridionais do Brasil, de 1920, de Oliveira Viana, Mário de Andrade se 
apropria da contribuição sociológica da obra. Segundo Ancona Lopez, Andrade compreende a 
obra de Viana como tendo caráter revolucionário, haja vista que ela aponta, já em seu 
Prefácio, o “perigo do ufanismo otimista” (ANCONA LOPEZ, 1972, p.96). A autora nos 
auxilia na compreensão de que, 
Apesar das contradições de seu pensamento [de Mário de Andrade], é a 
busca de um caminho político que motiva o seu estudo do homem brasileiro 
nas manifestações folclóricas, pesquisadas como forma de conhecimento. 
Sabendo qual a tônica do pensamento popular brasileiro, poderia melhor, 
através da divulgação de elementos folclóricos, levar o Brasil a seu 
autoconhecimento, para fazê-lo chegar ao nacionalismo e mais tarde ao 
universalismo, nas artes cultas. (ANCONA LOPEZ, 1972, p.102). 
 
36 
 
Nesse período em que se dedica às pesquisas acerca do folclore brasileiro, Mário de 
Andrade acredita ser importante conhecer o Brasil, recolher os dados populares “antes que a 
tradição se esgotasse com a invasão do progresso” (ANCONA LOPEZ, 1972, p.102). Assim, 
o intelectual reafirma que é preciso tornar os trabalhos sobre o folclore uma prática científica, 
idéia essa que ganhará mais força nos seus trabalhos sobre música. 
Percebemos, com isso, que a formação intelectual de Mário de Andrade, e o seu 
conhecimento sobre o povo brasileiro, devem-se muito ao seu autodidatismo e à diversidade 
de leituras, assim como à relação que estabelece com seus estudos sobre estética musical em 
virtude da sua formação e atuação profissional em Conservatório. Dessa forma, a 
compreensão de que o povo brasileiro ainda se encontrava em processo de formação levava o 
autor a entender que a música produzida por esta mesma sociedade também estava em 
processo de constituição. 
A nossa falta de cultura nacional nos restringe ao simples regionalismo, 
fazendo com que imitemos a cultura internacional (...) será difícil ou pelo 
menos bem lerda a formação da escola musical brasileira. O lema do 
modernismo no Brasil foi nada de escola! (...) Coisa idiota. Como se o mal 
estivesse nas escolas e não nos discípulos. (ANDRADE, 1962, p.71). 
 
 A música não era nacional, mas regional, porque a própria sociedade, que a produzia, 
ainda não era nacionalizada. É com esse diagnóstico que faz da situação do povo brasileiro e 
da música por ele produzida que Mário de Andrade busca fundamentar seu programa 
normativo para a música brasileira, com o objetivo de formar a um só tempo uma “música 
brasileira” e uma “cultura nacional”. 
 
1. 2. A nacionalização da música 
Durante a década de 1920, além de escreverem livros importantes sobre a música 
brasileira, Mário de Andrade e Renato Almeida também tiveram uma atuação relevante nas 
revistas e periódicos com a publicação constante de artigos que tratavam da temática musical. 
Revistas como Klaxon, Ariel, Estética, Revista do Brasil, Terra do Sol, América Brasileira 
são exemplos de publicações em que ambos escreviam com certa freqüência sobre diversos 
37 
 
temas. Podemos dizer que foi nesses periódicos que os autores iniciaram um debate sobre a 
nacionalização das artes, tema que se tornou iminente com os acontecimentos da Semana de 
Arte Moderna de 1922, em São Paulo, mas que só ganhou teorização, principalmente, com o 
lançamento das revistas Klaxon (1922-1923) e Ariel (1923-1924). 
Já no primeiro número de Klaxon
11
, em maio de 1922, aparece na seção “Crônicas” o 
artigo de Mário de Andrade “Pianolatria”, no qual discute os problemas da educação musical 
em São Paulo. Na sua ótica, somente havia interesse em se estudar o piano na cidade, sendo 
que os outros instrumentos musicais eram deixados de lado. Outro dado apresentado era que, 
ao contrário do Rio de Janeiro, que contava com apresentações sinfônicas, de música de 
câmara etc., na capital paulista havia apenas concertos de pianos. Ainda neste artigo, Mário de 
Andrade faz referência a Carlos Gomes, afirmando que tal compositor estava ultrapassado 
esteticamente; reconhece, entretanto, que o músico teve uma importância histórica, porém que 
não refletia mais a realidade do momento. Mário de Andrade diz que 
O Brasil ainda não produziu músico mais inspirado nem mais importante que 
o campineiro. Mas a época de Carlos Gomes passou. Hoje sua música pouco 
interessa e não corresponde as exigências musicaes do dia nem á 
sensibilidade moderna. Representá-lo ainda seria proclamar o bocejo uma 
sensação estética. (ANDRADE, Klaxon, nº 1, 1976, p.8). 
 
Nos números seguintes de Klaxon, na mesma seção “Crônicas”, Mário de Andrade 
realiza um balanço crítico dos novos músicos, compositoresbrasileiros dos anos 1920, 
chegando ao seguinte diagnóstico: que, até então, o que ainda predominava no país era o 
romantismo musical e não uma música moderna. Devido a esse fato, Andrade dirige a sua 
crítica a Guiomar Novaes, Antonieta Rudge, Souza Lima, Magda Tagliaferro, Lúcia Branco, 
no sentido de “observar quais, entre estes, representam um „benefício eficaz‟ para a cultura 
 
11
 Klaxon: Mensário de Arte Moderna foi editada de maio de 1922 a janeiro de 1923, em São Paulo e teve 9 
números. O objetivo da revista era difundir idéias modernas e novas propostas estéticas. Mário de Andrade era 
um dos seus principais redatores, escrevendo artigos, poemas e resenhas para a revista. Renato Almeida 
participou apenas do número duplo 8-9, em homenagem a Graça Aranha, que também marcou o fim da revista. 
 
38 
 
musical, sendo capazes de impor mesmo Debussy e Ravel”, considerados já como “passado” 
na Europa, mas que ainda eram desconhecidos dos músicos e do público brasileiro (WISNIK, 
1983, p.103). Percebemos, com isso, que já no início dos anos 1920 Mário de Andrade 
assumia a responsabilidade de apontar, por meio desses artigos em Klaxon, como ele entendia 
a música do “passado” e como deveria ser a música moderna. 
A interlocução pública entre Mário de Andrade e Renato Almeida é confirmada, 
também, pelo artigo do segundo “A Reação Moderna – a propósito de Mário de Andrade” 
12
 
publicado no jornal O Paiz, em 19 de março de 1923, em virtude do lançamento de Paulicéia 
Desvairada do primeiro. Neste artigo, Almeida considera que Mário de Andrade soube, com 
esta obra, “despertar essa ancia por uma expressão nova e pessoal”, fazendo uma poesia 
moderna, abolindo os versos metrificados e, assim, reagindo contra a estética romântica. Para 
Almeida, 
Sua poesia [de Mário de Andrade] é uma esthetica differente, que foi buscar 
e encontrou. Portanto, o Sr. Mário de Andrade representa entre nós, a 
tortura de um homem que se recusou sentar em um banquete onde muitos já 
tinham comido, e foi tirar de uma arvore estranha um fruto novo, de sabor 
acre e differente (...) 
Na sua intelligencia, o aspecto critico é talvez o mais impressionante. 
Paulicéa Desvairada é uma sátyra violenta e audaciosa contra o 
convencionalismo infecundo e prosaico, as affetações e os preciosismos, 
que atropelam as letras e os costumes. (ALMEIDA, 1923, O Paiz, s/p). 
 
Pela análise que fizemos dos artigos em jornais e periódicos de Mário de Andrade e 
Renato Almeida, no entanto, verificamos que foi em Ariel: revista de cultura musical que os 
intelectuais modernistas discutiram mais direta e enfaticamente a história e um projeto para a 
música brasileira. Criada em São Paulo em outubro de 1923 e com circulação, principalmente, 
em São Paulo e Rio de Janeiro, a revista Ariel teve treze números, sendo que o último consta 
da data em que completava exatamente um ano de existência, em outubro de 1924. Sob a 
 
12
 Encontramos este artigo, de 1923, no Arquivo Mário de Andrade, do IEB-USP. 
39 
 
direção de Antonio de Sá Pereira
13
 (1888-1966), esta revista contou com a participação de 
variados intelectuais que buscavam entender criticamente a produção e o ensino de música no 
Brasil. Em Ariel, discutia-se, especialmente, a inserção do músico “no conjunto da cultura 
humanística, evidenciando sintomaticamente uma característica do modernismo, que foi 
justamente a de aproximar a consciência criativa operante nas várias artes” (WISNIK, 1977, 
p.101). Nesse cenário, a formação musical estava atrelada a uma formação intelectual mais 
ampla, ou seja, defendia-se em Ariel que o músico, além de aprender os conhecimentos 
técnicos da área musical, deveria também aprender conhecimentos como literatura, ciência e 
filosofia
14
. Assim, o modernismo musical passa, paulatinamente, da “polêmica jornalística” 
da Semana, para “o ensaio e a crítica das revistas”, assumindo “uma combatividade 
empenhada na promoção educativa” (WISNIK, 1977, p.102). 
Nos artigos publicados nessa revista de cultura musical com o intuito de discutir os 
caminhos da música brasileira, até então presa ao romantismo europeu do século XIX, Renato 
Almeida e Mário de Andrade notam que o desenvolvimento de uma música autenticamente 
brasileira teria de estar, obrigatoriamente, associado, antes de tudo, à resolução de alguns 
entraves tanto de ordem estética quanto de ordem social – e, neste último caso, tanto em 
termos dos condicionantes mais imediatos do modernismo musical, como dos problemas 
formativos mais amplos da sociedade em geral. Do ponto de vista estético, o principal 
obstáculo a ser superado seria o da cópia ou transplantação direta dos códigos musicais 
vigentes no romantismo europeu. Quanto aos condicionantes do modernismo musical, 
apontam as condições precárias em que a música era produzida, o ouvido acostumado com o 
repertório e com a interpretação romântica e a ausência de compositores e intérpretes que 
 
13
 Antonio Leal de Sá Pereira foi um importante compositor e pedagogo baiano que se tornou um dos principais 
nomes do cenário musical brasileiro no século XX. Além de fundador e editor da revista Ariel, foi diretor da 
Escola Nacional de Música da Universidade do Brasil, atual Escola de Música da UFRJ. 
14
 José Miguel Wisnik, em O Coro dos contrários (1983), diz que Ariel seguia o modelo da revista francesa La 
Revue Musicale, uma vez que “imita em certa medida na disposição gráfica, na distribuição da matéria em suas 
seções fixas, e na atitude ao mesmo tempo compreensiva e não partidária que procura manter ao receber a 
música moderna” (WISNIK, 1983, p.102). 
40 
 
pudessem impor uma música moderna nacional de forma que atingisse o público. Do ponto de 
vista social mais amplo, o principal desafio a ser enfrentado era o da reconstrução de uma 
sociedade formada a partir da experiência colonial em termos nacionais relativamente 
integrados ou num Estado-nação. Por isso, a revista assume um critério didático, visando 
educar, musicalmente, tanto os músicos como o público. 
Nos treze números de Ariel é possível encontrar seis artigos de Mário de Andrade - 
Coros Ucranianos, nº1; A vingança de Scarlatti, nº3; Tupinambá, nº5; Reação contra Wagner 
(Notas rápidas para uma História da música), nº8; O caso Magda Tagliaferro, nº12; O amor 
em Dante e Beethoven, nº13) - e dois de Renato Almeida - Música Brasileira, nº3; Alberto 
Nepomuceno-Excerto da História da música brasileira, nº8. Em junho de 1924, a partir do 
número 9, Mário de Andrade assume a direção da revista com o objetivo de evitar o seu 
fechamento, mas não tem sucesso e a revista encerra as atividades em outubro de 1924. 
Atuando como diretor de Ariel, Andrade escreve, ainda, cinco artigos, com o pseudônimo 
Florestan:
15
 A situação musical no Brasil, nº9; O revoltoso sem voz, nº10; Companhia 
Nacionais, nº11; Programas, nº12; Festa de Aniversário, nº13; além de pequenas crônicas na 
seção “Do bemol” sobre apresentações musicais em São Paulo. 
Notamos nessa revista o quanto Mário de Andrade exercia um papel central na 
discussão referente à música produzida e difundida no Brasil daquele momento, sobretudo 
pelo grande número de textos de sua autoria nela publicados. Em seus primeiros artigos em 
Ariel, Andrade segue o que vinha desenvolvendo em Klaxon, que era fazer um balanço da 
música produzida no Brasil, bem como discutir a cena musical brasileira e européia daquele 
período. Como exemplo desse último caso, podemos citar o artigo Coros Ucranianos, 
publicado no número 1 da Revista Ariel, em que o autor descreve a sua impressão sobre o 
coral ucraniano que se apresentou na cidade de São Paulo. Para ele, os coros eslavos, de um 
 
15
 Mário de Andrade tinha o costume de escrever resenhas,artigos em revistas da época utilizando pseudônimos, 
dentre os quais aparecem Mário Sobral, V.L. e Florestan. 
41 
 
modo geral, fariam uma representação mais coletiva, enquanto que nos coros latinos, como é 
o caso do brasileiro, a representação seria mais individualista. De acordo com o autor, “Vem 
d‟ai uma diferença basilar pela qual nos conjuntos deles evidencia-se, nítido, um conceito 
mais teórico de pluralidade, ao passo que permanece em nossas orquestras e coros um 
exemplo mais humano de multidão”
16
 (ANDRADE, 1923, p.26). Tal visão a respeito do caso 
brasileiro é interessante quando sabemos que é com o argumento de que não havia uma 
“tendência” à organização da sociedade brasileira – o que se refletia também na indisciplina 
da formação coral nacional –, que, anos depois, o autor proporá um projeto de nacionalização 
da música, o qual tentará solucionar esse problema. 
Voltando à questão do debate entre Mário de Andrade e Renato Almeida, em torno 
propriamente da música brasileira, a revista Ariel foi também um espaço de discussões sobre 
as divergências que surgiram com a formação de correntes distintas no interior do mesmo 
movimento modernista. O final do ano de 1923 e principalmente o ano de 1924 é o principal 
momento em que as restrições de Mário de Andrade a filosofia de Graça Aranha, 
explicitamente presente na perspectiva musicológica de Renato Almeida, ganharão corpo por 
meio das Crônicas de Malazarte, publicadas em América Brasileira. É neste contexto de 
acirramento de posições que é publicado o primeiro artigo de Renato Almeida, no número 3 
de Ariel, em dezembro de 1923. Tal artigo, intitulado Música Brasileira, apresenta um 
excerto, um pouco modificado do capítulo Tendências da música brasileira, da obra História 
da música brasileira, publicada em 1926. Neste artigo, o autor expõe pontos importantes a 
respeito de como considera a formação da música brasileira. Nas suas palavras: 
A história da nossa música é a busca incessante de uma expressão própria. 
Nessa tortura o músico brasileiro sente a forma passageira de sua criação, 
enquanto não dominar o efêmero das adaptações, ou o rebuscado da cultura, 
pois a arte precisa de material eterno, para sua construção perpétua. Esse 
material é a alma de cada povo, é a somma das suas alegrias e de suas 
dores, as inclinações secretas e as ânsias violentas, os desejos insoffridos 
 
16
 Para Mário de Andrade, o conceito de “multidão”, embora venha acompanhado do adjetivo “humano”, está 
relacionado à idéia de dispersão do povo brasileiro. 
42 
 
e as decepções amargas, enfim a experiência humana no soffrimento da 
vida (...)A alma do artista está sempre presente na sua obra, tanto mais forte 
quanto mais pessoal e mais differente. A sensibilidade dominará a 
matéria, mas da fragibilidade desta depende por igual a grandeza 
criadora. O artista é pois o acontecimento mais subtil da natureza, 
realizando a união maravilhosa da alma colletiva com o imprevisto pessoal. 
(ALMEIDA, 1923, p. 99-100, grifos nossos). 
 
Essas considerações de Almeida serão alvos de crítica de Mário de Andrade, em Ariel. 
Outro ponto importante do artigo em questão e que será alvo da crítica de Andrade é aquele 
em que Almeida associa a ausência de uma “música nacional” à falta de uma expressão 
musical que possa ser caracterizada como brasileira, desconsiderando, desse modo, as 
manifestações populares: 
Não exaltamos a arte regional, fique bem claro nessa época de 
nacionalismos ardentes, observamos, apenas, que não temos uma 
expressão caracteristicamente brasileira, na música, como a allemã, a 
francesa, a hespanhola ou a russa, sem que isso as torne menos 
universaes. A música nacional é uma flor de cultura, que reflete, em geral 
nos symbolos, e sobretudo na factura, as sobras alheias desabrochadas em 
outros meios e aqui revividas pelo prestigio da intelligencia. Sentimos, 
todavia, no meio esplendido que nos cerca, nas energias de nosso 
espírito, esse gênio, que nos permittirá criar a musica brasileira, como 
um motivo maravilhoso, de esthetica universal. (ALMEIDA, 1923, p. 
101, grifos nossos). 
 
Esses trechos do artigo de Renato Almeida publicado em Ariel ilustram como esse 
modernista entendia o processo de formação da música brasileira. Notamos que, na sua 
concepção, ainda não há uma “música brasileira” naquele contexto, mas apenas tentativas por 
parte de músicos eruditos do “passado” de compor música nacional, porém, sem sucesso. 
Esses “esforços” dos músicos brasileiros, para Almeida, devem ser valorizados na compilação 
histórica da música “brasileira”, por mais que ainda não fossem essencialmente “brasileiros”. 
Sendo assim, o que é preciso escrever é uma espécie de “pré-história” da música brasileira, da 
tentativa dos compositores do passado. Nessa direção, entendemos que, para esse autor, a 
verdadeira história da música brasileira só poderia ser narrada a partir do momento em que já 
houvesse a “música nacional”, ou seja, em que os compositores já tivessem apreendido, pela 
43 
 
intuição, “a alma de cada povo”. Tal momento, segundo entendia esse autor, era aquele dos 
anos 1920. Nessa interpretação – de que era preciso “decifrar” a essência da natureza 
brasileira, para que, a partir disso, os músicos pudessem compor a música brasileira –, 
notamos claramente a utilização, por Renato Almeida, dos preceitos de A estética da vida, de 
Graça Aranha, em que uma situação de dualidade – separação entre indivíduo e natureza – é o 
principal obstáculo para a existência de uma “música nacional”. 
Ao contrário da concepção de Almeida, para Mário de Andrade, não era pela via 
emocional, da intuição da “alma de cada povo”, do “meio esplendido que nos cerca”, isto é, 
da “essência” da natureza brasileira, que seria possível se fazer música nacional. Para 
Andrade, a chave para a nacionalização da música estava na pesquisa e no aproveitamento 
erudito da música popular por parte dos compositores da época, tal como já faziam Ernesto 
Nazareth e Marcelo Tupinambá. 
No artigo Tupinambá, que consta no número 5 de Ariel, de fevereiro de 1924, Mário 
de Andrade dirige críticas implícitas à concepção idealista do artigo de Almeida, publicado 
meses antes em Ariel. Andrade inicia o artigo contrariando o que havia dito Renato Almeida, 
ao afirmar que existia, sim, naquele momento, uma expressão musical com características 
brasileiras, porém o que faltava era uma elaboração erudita para transformá-la em “arte 
musical brasileira”: 
Nós podemos afirmar que existe hoje música brasileira, a qual, como tudo 
que é realmente nativo, nasceu, formou-se e adquiriu suas qualidades raciais 
no seio do povo inconsciente. A arte musical brasileira, si a tivermos um 
dia, de maneira a poder chamar-se escola, terá inevitavelmente de auscultar 
as palpitações rítmicas e ouvir os suspiros melódicos do povo para ser 
nacional e por conseqüência ter direito de vida independente no universo. 
Porque o direito de vida universal só se adquire partindo do particular para 
o geral, da raça para a humanidade, conservando aquelas suas 
características próprias, que são o contingente com que enriquece a 
consciência humana. O querer ser universal desraçadamente é uma utopia. 
A razão está com aquele que pretender contribuir para o universal com os 
meios que lhe são próprios e que viram tradicionalmente da evolução de seu 
povo atravez das causas e acidentes. Tudo o mais é perder-se e divagar 
informe, sem efeito. 
Nós temos hoje inegavelmente uma música nacional. Mas esta ainda se 
conserva no domínio do povo, anônima. Dois homens porém, de grande 
44 
 
valor músico, tornaram-se notáveis na construção dela: Ernesto Nazareth e 
Marcello Tupinambá. São com efeito os músicos brasileiros por excelência. 
(ANDRADE, 1924, p.176-177). 
 
A partir desta citação fica evidente que Mário de Andrade estava criticando,dentre 
outras coisas, o modo como Renato Almeida entendia a formação da música no Brasil. Ao 
enfatizar que já havia uma música que poderia ser considerada brasileira, naquele contexto, e 
que era aquela produzida pelo povo, Andrade, já em 1924, antecipava as restrições que faria 
em 1926 a obra História da música brasileira, de Almeida. 
O debate sobre a formação da música brasileira, bem como sobre qual tipo de 
historiografia musical deveria se escrever, não surge somente com os autores modernistas e 
tampouco nos anos 1920. Freitas e Castro (1963, p.16) destaca duas obras pioneiras nesse 
sentido: A música no Brasil: desde os tempos coloniais até o primeiro decênio da República 
(1908), de Guilherme de Mello, e a Storia della Musica nel Brasile “dai tempi coloniali sino 
ai nostri giorni” (1926), de Vincenzo Cernicchiaro. Com A Música no Brasil, publicada em 
primeira edição em 1908, o musicólogo e professor baiano Guilherme de Mello (1867-1932) 
busca, pela primeira vez no país, formalizar uma história da música brasileira, por meio de 
uma metodologia de periodização, que vai do momento colonial até a primeira década da 
República. Na interpretação desse autor, o primeiro período de formação da nossa evolução 
musical teria a influência indígena e jesuítica; já num segundo momento, “período de 
caracterização”, a influência seria africana, portuguesa e espanhola; o terceiro momento, 
“período de desenvolvimento”, seria marcado pela influência bragantina (D. João VI e D. 
Pedro I e D Pedro II); o quarto período, de influência dos maestros italianos, foi chamado pelo 
autor como o “período de degradação”; e, por fim, o “período do nativismo”, marcado pela 
influência republicana. 
Publicada em Milão, em 1926, Storia della Musica nel Brasile “dai tempi coloniali 
sino ai nostri giorni”, do musicólogo e violinista italiano Vincenzo Cernicchiaro (1858-
45 
 
1928), teria como mérito a reunião de um grande número de dados sobre a vida musical 
brasileira, especialmente do final do século XIX. Na obra, o autor estuda a música da época 
colonial, os períodos de D. João VI, D. Pedro I e D. Pedro II, apontando a decadência da 
música sacra, o surgimento da arte lírica até chegar ao compositor Carlos Gomes. Enumera, 
ainda, os artistas que visitaram o Brasil, noticiando os principais movimentos musicais dos 
Conservatórios e das Escolas de Música. 
Ainda que sejam obras pioneiras no estudo da história da música brasileira e, por isso, 
importantes no que concerne à música como um elemento característico da cultura brasileira, 
tais obras se pautam em metodologias históricas não muito bem definidas para abordar a 
formação da música brasileira. Mello (1908) se vale da idéia de que a música brasileira se 
caracterizou por períodos de “influências”, indígena, portuguesa, bragantina etc, usando, 
assim, critérios étnicos, religiosos e histórico-políticos de forma indiscriminada, o que 
comprometeria a formalização de sua história da música brasileira (BISPO, 1970). No caso da 
obra de Cernicchiaro (1926), notamos que o foco de análise é mais descritivo, ou seja, ao 
denominar sua obra de Storia della musica nel Brasile, ele quer mostrar como a música 
erudita européia, entendida como fenômeno cultural da humanidade, é produzida em um 
determinado país, no caso, o Brasil. Nessa direção, a obra é mais uma reunião de documentos 
sobre músicos que se apresentavam no Brasil do que uma tentativa de análise histórica 
(BISPO, 1970; MOURA, 2008). Em outras palavras, Cernicchiaro estaria preocupado em 
mostrar como a arte musical, enquanto um desdobramento da cultura européia, reproduzia-se 
no país – por isso a quantidade de informações sobre apresentações estrangeiras no Brasil –, e 
não em mostrar uma musicalidade característica do Brasil. 
Tais considerações acerca do tipo de método de análise histórica utilizado por Mello e 
Cernicchiaro são importantes não somente para evidenciar como esses autores historiavam o 
fenômeno musical no Brasil, mas também para sugerir o tipo de historiografia que estava 
46 
 
presente no contexto brasileiro anterior ao modernismo, e em relação ao qual Renato Almeida 
e Mário de Andrade irão, ainda que indiretamente, propor suas versões da história da música 
brasileira. Os ensaios musicológicos de Renato Almeida e Mário de Andrade, como não 
poderiam deixar de ser, seguem o ideário modernista da década de 1920, qual seja, fazer um 
balanço da autonomia das artes no Brasil, percebendo se elas expressavam a nacionalidade ou 
se eram imitação de obras estrangeiras. Nesse sentido, esses autores buscam romper com a 
dependência cultural européia, ao considerarem que havia uma musicalidade sendo produzida 
no país, caracterizada pela música popular, embora ainda não houvesse uma música artística 
nacional. Assim, para os dois intelectuais modernistas, a produção musical erudita anterior ao 
contexto dos anos 1920 seria uma espécie de “preparação”, um estágio ainda pouco 
desenvolvido da música com características próprias do país; no entanto, importante na 
construção da história da música considerada nacional. Podemos dizer que, em ambos os 
autores, todo o passado musical é julgado com critérios de valor. Desse modo, suas obras 
sobre música formam uma historiografia que busca criar uma consciência nacional nas artes, 
com o objetivo de dar uma definição da “cultura brasileira”, necessária para a época. 
Nos seus ensaios, Renato Almeida e Mário de Andrade vêem a música mais como 
fenômeno social, que deveria abordar temáticas próprias da sua época, do que como 
acontecimentos estéticos independentes, autônomos. Para os autores, o signo musical era 
visto, inicialmente, como um código simbólico, polissêmico, sem nenhuma vinculação com o 
discurso ideológico, por isso, a nacionalização da música consistia basicamente em dar uma 
outra orientação à particularidade brasileira, extraindo das músicas populares folclóricas o 
elemento nacional, tal como novos timbres e novos instrumentos que não pertenciam à 
orquestra sinfônica (CONTIER, 1988). Dessa forma, tais autores vão definir a história da 
música brasileira segundo um critério da nacionalidade, característico do momento pós 
Primeira Guerra Mundial. Em outras palavras, Renato Almeida e Mário de Andrade pensam 
47 
 
que os processos de formação da música no Brasil, assim como ocorreu com outras 
expressões intelectuais e artísticas no âmbito do modernismo, se davam devido aos dilemas 
formativos da sociedade, pois o não estabelecimento de uma música nacional dever-se-ia ao 
fato de ainda não haver nação constituída. 
Na esteira de Botelho (2005), podemos dizer que esse axioma, de relacionar os 
processos de formação das artes ao desenvolvimento da sociedade como nação, deriva da 
tradição intelectual historicista, que busca fazer da história o grande princípio explicativo da 
conduta e de todos os elementos (artes, filosofia, religião etc) da cultura humana, 
possibilitando “construir grandes esquemas de desenvolvimento históricos sintéticos, 
totalizantes e progressistas.” (BOTELHO, 2005, p.112). Na análise que faz da trajetória de 
Ronald de Carvalho, Botelho argumenta que os ensaios de Ronald de Carvalho assentam-se 
em duas premissas: a primeira refere-se aos objetos, no caso, a literatura e as artes plásticas, 
que são considerados como produtos culturais resultantes da atividade humana, encarnando, 
portanto, as próprias projeções humanas; a segunda premissa trata-se de considerar que nessas 
projeções humanas existe algo de homogêneo, “o que permitiria que as histórias da literatura e 
das artes plásticas fossem narradas a partir de um repertório de obras e autores segundo um 
encadeamento cronológico, linear e cumulativo” (BOTELHO, 2005, p.112). Ao analisarmos 
os ensaios musicológicos de Renato Almeida e Mário de Andrade percebemos que estes 
autores também partem dessas mesmas premissas, uma vez que compartilham doideário do 
movimento modernista, que é o de reler o passado tendo em vista a formação de uma cultura 
nacional. 
É preciso salientar que essa concepção de história, também presente nos ensaios 
musicológicos de Renato Almeida e Mário de Andrade, diferenciava-se das posições 
positivistas do século XIX, ainda muito presentes no início do XX, que consideravam fatores 
geográficos, climáticos e raciais para explicar o processo social. Ao contrário, a concepção de 
48 
 
história dos autores modernistas pretendia ir além dos aspectos físicos e raciais da formação 
da sociedade brasileira, ao defender a noção de que era o meio social que determinava a 
produção artística do país. 
Renato Almeida e Mário de Andrade buscam, dessa forma, atualizar este axioma 
historicista da formação da música em termos nacionais nos anos 1920, e deixam evidente, 
em seus ensaios sobre música, que a “nacionalidade brasileira” encontrava entraves para se 
afirmar no Brasil devido ao tipo de colonização que aconteceu aqui. Por esse motivo, não 
havia música nacional naquele momento porque o processo colonial legou uma herança 
cultural que ainda permanecia forte na sociedade brasileira, mesmo após a independência 
política de 1822. Renato Almeida e Mário de Andrade compartilhavam da idéia, embora 
divergissem em alguns pontos, de que somente se teria uma arte nacional se a influência 
européia e, especificamente no caso da música, a influência italiana, diminuíssem. Somente 
com o declínio da dependência cultural européia seria possível trazer à tona o “acervo 
artístico nacional”, o que não significava que fosse, necessariamente, “arte nacional” 
(BOTELHO, 2005, p.122). 
Devido a essa importação de idéias e formas estéticas próprias de uma sociedade 
formada a partir da experiência colonial, Renato Almeida e Mário de Andrade apontarão em 
suas respectivas obras sobre música para a necessidade de se formar uma “cultura brasileira” 
legítima, que dê coesão à sociedade como nação. Nesse sentido, Andrade e Almeida 
compartilhavam da idéia de que „tradição‟ e “povo”, eram imprescindíveis para contestar a 
importação artístico-cultural estrangeira pelas escolas de música e pelas academias de letras 
do Brasil. Para ambos, tais instituições oficiais eram as responsáveis pela produção de uma 
arte comprometida com o passado, inadequada ao período dos anos 1920, não atendendo, 
dessa maneira, às necessidades próprias da sociedade brasileira. Não por acaso, em diferentes 
momentos de suas vidas, ambos trabalharam tanto em “escolas tradicionais”, como também se 
49 
 
lançaram em viagens de pesquisa em busca do “elemento nacional” 
17
. Dessa forma, para 
Renato Almeida e Mário de Andrade, era preciso buscar a cultura popular autóctone, ainda 
não “contaminada” com influências estrangeiras, para reelaborá-la de forma erudita, com o 
objetivo de se construir a música artística brasileira. Eles irão divergir, contudo, ao menos 
inicialmente, quanto aos métodos a serem empregados nessa empreitada e ao seu próprio 
sentido. 
 
 
17
 Mário de Andrade atuou como docente durante toda a sua vida no Conservatório Dramático e Musical de São 
Paulo. De 1935 a 1938 foi diretor do Departamento de Cultura de São Paulo, onde buscou implantar um projeto 
visando “levar a termo a edificação da nacionalidade”, ou seja, por meio de sua experiência na gestão pública, 
desenvolveu uma política cultural de socialização da cultura, criando mecanismos de coleta e preservação das 
manifestações populares, como foi o caso da Missão de Pesquisas Folclóricas, realizada em 1938 nas regiões 
Norte e Nordeste (BARBATO JR, 2004, p. 15-16). Renato Almeida, além de atuar como diretor e docente em 
colégios públicos, participou, em 1946, como membro fundador da comissão nacional da UNESCO no Brasil, o 
Instituto Brasileiro de Educação, Ciência e Cultura (IBECC), permanecendo nesse Instituto até 1973. 
(VILHENA, 1997). 
50 
 
CAPÍTULO 2 
 
O DEBATE EPISTOLAR ENTRE MÁRIO DE ANDRADE E RENATO 
ALMEIDA 
 
Neste capítulo, temos o objetivo de mostrar como as formações intelectuais distintas 
de Renato Almeida e Mário de Andrade, apontadas no primeiro capítulo, implicam em 
posicionamentos também distintos no interior do movimento modernista e, 
conseqüentemente, no modo peculiar de cada um deles entender a formação da música 
brasileira. Para a realização desta tarefa, analisaremos o debate de idéias contido na vasta 
correspondência trocada entre os autores durante os anos de 1922-1944 – que compreende no 
total 188 cartas –, destacando os momentos que julgamos cruciais para a compreensão dos 
conflitos interpretativos entre os autores. De um modo geral, o debate nas epístolas discute 
como se deveria construir uma arte moderna levando em conta a especificidade brasileira. A 
partir do momento em que os autores tentam definir uma idéia de “brasilidade”, por meio da 
publicação de livros, artigos em jornais e revistas, é que as controvérsias aparecem e vão se 
delineando melhor. 
 
2.1. O início da trajetória epistolar 
Podemos dizer que se deve a Ronald de Carvalho o primeiro contato entre Renato 
Almeida e Mário de Andrade. Em outubro de 1921, por ocasião das transformações que 
buscavam “libertar” as letras brasileiras do chamado “passadismo”, aconteceu um encontro 
entre os modernistas de São Paulo, dentre os quais estavam presentes Mário de Andrade, 
Oswald de Andrade, Armando Pamplona, e os do Rio de Janeiro, como Manuel Bandeira, 
Ribeiro Couto e Elísio de Carvalho, na residência de Ronald de Carvalho, no Rio de Janeiro 
51 
 
(BOTELHO, 2005, p. 90). Embora Renato Almeida não estivesse presente, tal encontro o foi 
descrito por Ronald de Carvalho, como afirma em carta enviada a Mário de Andrade, em 26 
de janeiro de 1936, em que diz: “Lembro-me que em 1921, ele [Ronald de Carvalho] me falou 
pela primeira vez, entusiasmado, de uns rapazes paulistas que tinham estado em casa dele. 
Um deles era você e me recordo o entusiasmo que teve pelas „Enfibraturas‟
18
(...) Mas, não 
assisti a esse encontro e dele soube, no dia imediato, num bonde, quando voltava para casa 
com o Ronald” (ALMEIDA apud NOGUEIRA, 2003, p.266). 
19
 
Após o acontecimento da Semana de Arte Moderna, em fevereiro de 1922, e o 
estreitamento das relações entre os intelectuais, Mário de Andrade inicia a correspondência 
com Renato Almeida com o objetivo de estabelecer uma diretiva para um projeto de 
modernização das artes feitas no Brasil. Nesse sentido, essa correspondência em particular 
não foge do sentido geral da correspondência de Mário de Andrade com outros intelectuais e 
artistas da época, toda ela marcada por um tipo de “fecundação intelectual” em que as cartas 
também se tornavam recursos de persuasão para tentar convencer seus interlocutores a 
aderirem ao seu projeto nacionalista (MORAES, 2007). Com a iniciativa de Renato Almeida 
de escrever uma obra sobre a história da música brasileira, calcada nos preceitos filosóficos de 
A estética da vida, de Graça Aranha, inicia-se um amplo debate interpretativo entre os 
autores, para se pensar nos caminhos a serem seguidos para a construção da música brasileira. 
Já em 10 de maio de 1922, em resposta à carta de Mário de Andrade sobre o seu livro 
recém publicado Fausto: ensaio sobre o problema do ser, Renato Almeida considera que 
ambos seriam irmãos da “mesma fé” e da mesma “atitude espiritual”. Na referida carta, 
Almeida aponta para a base teórica que sustenta a sua recém lançada obra: 
 
18
 Trata-se de “As Enfibraturas do Ipiranga”, poema que faz parte da obra Paulicéia Desvairada, publicada pela 
primeira vez em 1922. 
19
Em depoimento à revista Lanterna Verde, nº4, de novembro de 1936, Renato Almeida confirma que Ronald de 
Carvalho considerou a poesia desse grupo paulista moderna e influenciada pelas vanguardas européias,porém 
muito brasileira. 
52 
 
Em tua carta, meu caro Mário, há o depoimento sincero de um pensador e 
apontando os senões que deparaste no livro, ganhaste em minha amizade, 
feliz por encontrar palavras fortes e leais neste mar de hipocrisias. Nos que 
me falam, como tu o fizeste, eu vejo irmãos, enquanto fico indiferente a 
esses elogios hiperbólicos e vazios, com que se têm enchido as referências 
ao meu Fausto, e das quais só me fica a certeza absoluta e integral de que 
não fui entendido, não fui interpretado, não fui sequer pressentido. 
Agradeço-te por tudo, meu querido amigo. 
Antes de tudo, devo te esclarecer um ponto. Não sou um apegado apenas ao 
sentimento. A princípio, assim foi. Mas, a meditação profunda me deu a 
convicção, aliás expressa no meu capítulo 3º, de que o sentimento só pode 
vir indicado pela razão, no limite último do conhecimento, quando a fé se 
torna, por força de nossa própria fraqueza, o derradeiro apelo do homem. É 
o coração que sente Deus, mas só a razão nos leva a essa ebriez divina, 
quando reconhecemos nossa miséria, quando vencemos a vaidade, digamos 
Mefistófeles. Estou mais com Santo Agostinho do que com os Tomistas, 
sendo que essa filiação não corresponde a uma formação mental, senão à 
própria propensão do meu espírito. (ALMEIDA apud NOGUEIRA, 2003, 
p.3). 
 
Na passagem da carta citada acima é possível perceber o tom cordial da relação entre 
os autores, no entanto, podemos perceber sutis diferenças ideológicas que ganharão corpo 
posteriormente. Ao dizer que está “mais com Santo Agostinho do que com os Tomistas”, 
Renato Almeida deseja mostrar a Mário de Andrade os princípios que norteiam não somente a 
sua fé cristã, como também a sua própria visão de mundo. Em linhas gerais, para Santo 
Agostinho (354-430), é possível conciliar religião e filosofia, porém, a filosofia 
(conhecimento humano) deveria estar submetida à vontade de Deus, único capaz de controlar 
o destino do ser humano. No seu entendimento, a razão ajuda o homem a alcançar a fé e, esta, 
por sua vez, orienta a própria razão. Nesse sentido, para essa corrente filosófica, o 
conhecimento é importante na medida em que é mediado pela fé cristã. De outro modo, São 
Tomás de Aquino (1225-1274) faz uma síntese do cristianismo com a visão materialista 
aristotélica. Para ele, toda idéia se origina da “realidade sensível”, existindo, portanto, 
autonomia da razão e da filosofia em relação a Deus. Para esta vertente filosófica, o 
conhecimento humano apresenta dois momentos, o “sensível” e o “intelectual”, sendo que o 
segundo depende do primeiro, mas transcende-o (CHAUÍ, 1999). 
53 
 
Assim, podemos deduzir que Renato Almeida já explicita em Fausto que a sua posição 
ideológica, com relação ao “conhecimento”, vem da aproximação que faz da filosofia de 
Santo Agostinho com a filosofia idealista monista – que considera não ser possível conhecer o 
“Todo infinito” através do conhecimento, da ciência, mas somente pela “consciência”, neste 
caso, pelo “sentimento” religioso. Em outras palavras, Almeida deixa claro, na passagem em 
questão, que a “razão” humana, que seja proveniente da “realidade objetiva”, nos leva, no 
limite, à dualidade, em que “reconhecemos nossa miséria”. Para o autor, é pela consciência, 
no caso, pelo “sentimento” de fé, que seria possível entender a unidade infinita do universo. 
Mesmo apresentando diferenças a respeito da fé cristã e de visão de mundo, a relação 
de Mário de Andrade e Renato Almeida é bastante amistosa, nesse momento, partilhando do 
ideal inicial do movimento modernista, que era, basicamente, o da necessidade de renovação 
do pensamento e da cultura brasileiros. Isso fica claro com a publicação de uma nota sobre 
Fausto: um ensaio sobre o problema do ser, assinada por V.L
20
, mas provavelmente de 
autoria de Mário de Andrade, no segundo número da revista Klaxon, em junho de 1922, a qual 
transcrevemos, na íntegra, a seguir: 
Renato Almeida com este “Ensaio sobre o Problema do Ser”, fortalece a 
alta posição que lhe cabe entre os moços do Brasil Novo. Grande erudição. 
Linguagem nítida. Clareza de conceitos. Estuda a finalidade humana, 
relaciona a nossa dependência para com o Supremo Motor, prègando a 
redempção pela fé. Paira sobre a energia da sua demonstração, tal sopro de 
sentimento e de piedade, que lhe faz da obra, sobre scientífica, 
immensamente lírica. É preciso ler Renato Almeida. 
Farias Brito... Jackson de Figueiredo... Renato Almeida... 
Está chegando o dia em que o Brasil, em vez de celebrar centenários de 
fantasmas, proclamará a sua Independência. (V.L., Klaxon, nº 2, 1976, 
p.15). 
 
O ano de 1923 será importante por marcar uma aproximação ainda maior entre os dois 
autores, aproximação esta que propiciará um fecundo debate de idéias, por meio da 
correspondência, que terá implicações em suas futuras publicações, sobretudo as referentes à 
música. Com essa maior aproximação e a maior liberdade em poder manifestar pontos não 
 
20
 Ver nota 15 (página 35). 
54 
 
concordantes em relação ao trabalho de um ou de outro, começam a se delinear mais 
claramente as suas posições ideológicas frente às manifestações culturais defendidas pelos 
modernistas. Com isso, determinadas posições de se conceber a cultura brasileira, que antes 
pareciam congruentes para eles, começam gradativamente a se afastar. Tal fato aparece 
quando Renato Almeida envia um de seus artigos, no qual discute o conceito de “idealismo”, 
publicado na revista América Brasileira
21
, pedindo para que Mário de Andrade leia com 
atenção e faça observações. 
Nesse artigo, intitulado “A função do Idealismo”
22
, Renato Almeida discute o papel do 
idealismo na formação da nação brasileira em consonância com os preceitos filosóficos de A 
estética da vida, de Graça Aranha, afirmando que o idealismo brasileiro tem como força 
motriz a “audácia” e o “desassombro” que vivem em antagonismo com a “melancolia” e a 
“lassidão”. Em suas palavras: 
O idealismo é, pois, para os povos e para os indivíduos, um elemento 
constructor, mas as suas construcções serão precárias, ou se póde confiar na 
obra resultante? 
Os povos que reagem pela imaginativa, têm a predestinação do idealismo. 
Nas suas obras e conquistas, através de todas as audácias e construcções, 
por entre dores surdas e sacrifícios immensos, a chamma que os guiará e 
aquecerá, será o idealismo. (...) Assim, quando as Bandeiras, levadas pelo 
idealismo rude de homens cubiçosos, em busca das serras de esmeraldas 
rutilas, desvirginaram a terra formidável, não realizando embora o „sonho 
verde‟ das pedras maravilhosas, prestaram o mais inestimável serviço á 
nacionalidade, na conquista temerosa e colossal. (ALMEIDA, 1923, s/p, 
grifos do autor). 
 
Para expor seus argumentos sobre essa discussão, Renato Almeida contrapõe a 
concepção de idealismo no Brasil de Graça Aranha à de Oliveira Vianna. Segundo Almeida, 
para Oliveira Vianna, o idealismo é “um embaraço perturbador da nossa ordem e 
prosperidade”, pois não organiza a nação, ao contrário disso, afasta o homem “da terra”, o que 
compromete o desenvolvimento do país, a partir de uma organização social. Na interpretação 
 
21
 O mensário América Brasileira é fundado em dezembro de 1921 e termina a suas atividades em 1924, tendo 
como diretor Elísio de Carvalho. 
22
 Este artigo foi publicado na América Brasileira em junho de 1923. Encontramos esse material no Arquivo 
Mário de Andrade pertencente ao Instituto de Estudos Brasileiro (IEB), da Universidade de São Paulo (USP). 
55 
 
de Almeida, Oliveira Vianna “(...) vê, talvez com algum pessimismo, o idealismo realizando, 
trabalhando sobre „paradigmas forasteiros‟ os moldes da nossa constituição político-social” 
(ALMEIDA, 1923, s/p). Renato Almeida concorda que há, realmente, no Brasil, um 
“desacordo com o meio”,bem como a importação de “fórmula estrangeira” para construir as 
instituições; mas argumenta que o idealismo brasileiro cumpre um papel importante por levar 
o homem a desbravar a “natureza” desconhecida. Ao contrário da posição de Oliveira Vianna, 
Graça Aranha identifica no idealismo brasileiro um “Elemento criador e de perfeição”, que 
mobiliza o homem a imaginar e construir para além da “realidade sensível”. Nessa direção, 
Almeida conclui que: 
O esforço brasileiro não deve ser, pois, para se libertar do idealismo 
inseparável e vivificador, mas para evitar os erros das visões apressadas e 
das realizações estéreis. É preciso dominar o excesso da imaginação que nos 
tortura e illude e procurar enquadrar no mundo brazileiro toda a nossa 
construção, não para faze-la regional ou desprezar o universalismo, mas para 
realizar na terra e sob o seu sol radioso, a obra civilizadora da nação, que 
deve ser consciente. (ALMEIDA, 1923, s/p). 
 
Mário de Andrade, em carta de 19 de julho de 1923, elogia este artigo enviado por 
Renato Almeida, comentando que está muito bem escrito e que as idéias estão bem 
concatenadas. Porém, faz restrições à concepção de idealismo tanto de Oliveira Vianna 
quanto de Graça Aranha, dizendo que 
(...) fizeram do Idealismo uma pérgula sobre a qual se enrama uma 
trepadeira florida de problemas. Mas esses problemas apoiavam-se apenas 
na pérgula. Tu não. Com um artigo fizeste do Idealismo a própria trepadeira. 
E que os problemas sejam, se quiserem, as colunas e o madeiramento 
superior da pérgula... Sempre imaginei que era por causa das trepadeiras que 
se fizeram as pérgulas. (ANDRADE apud NOGUEIRA, 2003, p.26). 
 
Embora não tenha criticado diretamente a posição de Renato Almeida sobre o 
idealismo, Mário de Andrade também não diz que concorda com a concepção do destinatário; 
ao contrário, quando aponta as limitações da interpretação de Graça Aranha, também está 
questionando os fundamentos filosóficos nos quais Almeida procura sustentar os seus 
56 
 
argumentos. Isso fica ainda mais evidente quando, na seqüência da mesma carta, sugere a 
Almeida: “(...) eu quisera ainda que adquirisses um estilo um pouco mais, não sei como 
dizer... Vê lá se compreende: qualquer coisa como uma argamassa (?!) feita de vidro, luz e 
cimento armado”
23
 (ANDRADE apud NOGUEIRA, 2003, p.26-27). 
Essa sugestão feita pelo missivista paulista demonstra explicitamente a sua posição de 
desacordo com os fundamentos filosóficos do artigo de Renato Almeida. Nesse sentido, para 
Mário de Andrade, em meados de 1923, não se pode definir a “brasilidade” por uma 
concepção idealista, como faz Renato Almeida, mas pela “realidade sensível”, ou seja, pela 
pesquisa empírica, pela adoção de métodos científicos de coleta de “fonte finais”. 
Nesse mesmo ano é publicado uma série de três artigos, cujos títulos são O 
preconceito individualista, A gênese do individualismo e O phenomeno Rousseau, e uma 
conferência intitulada A formação moderna do Brasil, todos de Renato Almeida, em que a 
temática do idealismo está presente
24
. Na conferência, realizada no Instituto Varnhagen, em 2 
de julho de 1923, e publicada na revista América Brasileira, Almeida faz uma análise da 
história brasileira enfatizando o papel do idealismo para a conquista da “unidade nacional”. 
Para o autor, o idealismo fazia parte da nossa formação nacional, pois esteve presente nos 
principais acontecimentos históricos brasileiros, desde a independência do país. Devido a isso, 
era preciso que o movimento modernista levasse em conta essa característica da “terra” 
brasileira para fazer uma obra moderna. Nas suas palavras: 
Fizeram os nossos pais uma nação immensa e formidável, uniram todo o 
seu território num Estado, deram-lhe o caráter político e social, 
transformaram a língua dos maiores em instrumento mais doce, mais bello e 
de maior plasticidade, crearam o sonho do Brasil, como o paiz maior do 
mundo, e nos entregaram o presente maravilhoso do destino, ainda com o 
perfume da terra virgem. Nem tudo está feito. (ALMEIDA, 1923, s/p). 
 
 
23
 Sobre essa discussão, Nogueira (2003) aponta que, ao questionar o estilo de escrita do artigo, Mário de 
Andrade induziria Renato Almeida “a refletir sobre os fatores ideológicos que influíam para determinar a 
presença de elementos passadistas na sua criação” (NOGUEIRA, 2003, p. XIII-XIV). 
24
 Os três artigos, O preconceito individualista, A gênese do individualismo e O phenomeno Rousseau, assim 
como a conferência “A formação moderna do Brasil”, foram encontrados por nós no Arquivo Mário de Andrade, 
pertencente ao IEB-USP. 
57 
 
É também neste momento que Mário de Andrade inicia sua colaboração na revista 
América Brasileira, com o texto “O amor em Dante e Beethoven”
25
, no qual o autor defende 
que o amor é o elemento fundamental e desencadeador das principais obras desses dois 
artistas. Entretanto, é com as “Crônicas de Malazarte”, publicadas na América Brasileira, que 
o intelectual paulista tornará público as suas divergências com a filosofia idealista de Graça 
Aranha, a mesma que serve de base aos escritos de Renato Almeida. Ainda que não seja o 
nosso intuito, neste trabalho, tratar das divergências ideológicas de Mário de Andrade com 
Graça Aranha, por meio das “Crônicas de Malazarte”, pensamos ser importante mencionar em 
linhas gerais o teor das críticas que o autor de Ensaio sobre a música brasileira apontava 
naquele momento. Nogueira (2003) mostra que, já na primeira “Crônica de Malazarte” 
enviada para a América Brasileira, Mário de Andrade apresenta os personagens que irão 
participar das crônicas, que são: Malazarte (personagem principal) e Belazarte, Graça Aranha 
e o “Eu” do narrador (que formam as segundas vozes). Nessas crônicas, serão discutidas, de 
um modo geral, as posições conflitantes sobre arte entre Malazarte e Belazarte. Andrade, ao 
apresentar o personagem Malazarte como “Brincalhão e ilusionista”, como aquele que “corre 
mundo e conta o que não vê”, está associando-o às concepções modernistas defendidas por 
Graça Aranha; de outro modo, ao descrever o personagem Belazarte como “Tristonho e 
realista”, como aquele que “olha em torno da taba e conta o que julga ver”, está se referindo 
às suas próprias posições em relação ao movimento modernista. Tais posições conflitantes no 
que diz respeito aos caminhos das artes discutidas pelos personagens também se refletirão no 
diálogo epistolar, uma vez que Renato Almeida estava muito ligado intelectualmente a Graça 
Aranha. 
Na seqüência da trajetória epistolar, em setembro de 1923, Renato Almeida menciona 
que está terminando de escrever o seu livro História da música brasileira: 
 
25
 O artigo O amor em Dante e Beethoven também foi publicado, em 1924, no último número de Ariel: revista 
de cultura musical, estando ainda no VII volume das obras completas, de Mário de Andrade, denominado 
Música, doce música (1976, Martins). 
58 
 
Para muito breve a História da música. Só agora pronto o capítulo final, 
sobre as conclusões a que cheguei de nosso temperamento e possibilidade 
musicais. Não sei se o meu ângulo de vista está certo, mas é sincero e creio 
que não discordaremos, a menos em linhas gerais. (ALMEIDA apud 
NOGUEIRA, 2003, p.39). 
 
É possível notar, pelas cartas, que, por ambos serem os autores que tratavam da 
questão da música no movimento modernista, Almeida julgava estar em consonância com as 
propostas de Mário de Andrade, embora já soubesse, pelas próprias cartas, das divergências 
entre este e Graça Aranha. 
Em resposta à carta de Renato Almeida, Mário de Andrade, em carta de 15 de outubro 
de 1923, menciona estar iniciando a redação da sua História da música, descrevendo-a como 
“trabalho pensado, vivido e longo”, e que esperava fazer um bom livro, um obra que “dê 
algum lustre a[o](meu) [seu] deslustrado nome” (ANDRADE apud NOGUEIRA, 2003, 
p.44). Nesta mesma carta, Mário de Andrade pede autorização ao amigo, para que possa 
dedicá-lo a obra: “Pergunto-te se aceitarias que eu pusesse teu nome na dedicatória. 
Responde-me que aceitas e desde logo farei o „A Renato Almeida, amigo meu‟ na primeira 
página do manuscrito” 
26
 (ANDRADE apud NOGUEIRA, 2003, p.44). 
Renato Almeida autoriza a dedicatória, dizendo que fica muito agradecido por 
Andrade vinculá-lo ao seu trabalho sobre história da música: 
É com o coração agradecido e enternecido que aceito esse oferecimento, que 
ligará meu nome a um trabalho teu de tão alta monta. Na minha vida de 
escritor, se não tenho tido muitos dissabores, nem muitas alegrias alcanço. 
Entre essas, coloco a tua amizade, um dos melhores favores que as letras me 
fizeram, amizade que acaba de receber um selo tão forte. (ALMEIDA apud 
NOGUEIRA, 2003, p. 44). 
 
Embora os missivistas estivessem apresentando trocas de cordialidades no campo 
pessoal, como é o caso da dedicatória que Mário de Andrade oferece ao escritor baiano em 
livro que ele iniciava, é possível percebermos que a harmonia entre os autores começa a 
 
26
 E assim o faz em 1929. Tal obra de Mário da Andrade – que será analisada no terceiro capítulo dessa 
dissertação – é publicada em 1929 com o título de Compêndio de história da música, e com dedicação a Renato 
Almeida. 
59 
 
diminuir com as críticas dirigidas a Graça Aranha – principal referência intelectual de Renato 
Almeida –, publicadas nas Crônicas de Malazarte, na América Brasileira. Dirigindo-se a 
Mário de Andrade, Almeida tece o seguinte comentário às crônicas do amigo, em carta de 
dezembro de 1923: 
Foste admirável e deste à tua crítica uma sensibilidade inédita, 
simplesmente maravilhosa. Estou certo que o Graça vai ficar encantado pela 
tua compreensão e pelo modo rútilo com que o exaltas, dentro de 
irremediáveis divergências e antagonismos. Tenho uma grande alegria 
nessa fecunda comunicação de nossos espíritos, sem influências, nem 
tiranias, mas pela identidade emotiva, porque o milagre não vem do 
pensamento, mas da arte. (ALMEIDA apud NOGUEIRA, 2003, p. 48-49, 
grifos nossos). 
 
A citação acima nos permite refletir sobre uma questão crucial enfrentada pelo 
movimento modernista a partir desse momento. Os intelectuais modernistas, após passarem 
pelo período de contestação do passado cultural, na Semana de Arte Moderna de São Paulo, 
começam a buscar uma sistematização teórica para as suas manifestações artísticas nas 
revistas que são publicadas. É a partir disso que esses mesmos intelectuais percebem que o 
movimento não é uno, mas apresenta uma multiplicidade de correntes. Neste contexto, Renato 
Almeida aponta que o elemento enriquecedor no “espírito” moderno era, justamente, a 
possibilidade da existência de posições diferentes no mesmo movimento modernista, do qual 
ele e Mário de Andrade faziam parte, e que a busca de criar apenas uma única diretiva, para 
tal movimento, significaria transformá-lo em uma “tirania”. No trecho citado anteriormente, o 
autor explicita que o ponto de união em torno do movimento deveria vir pela arte, pela criação 
artística, pela estética – o que estaria de acordo com a influência recebida da A estética da 
vida, de Graça Aranha –, e não pelo “pensamento”, calcado em princípios racionais, de base 
científica, elemento que Andrade buscava estabelecer como central para o movimento 
modernista. 
O ano de 1924 é o momento em que as divergências ideológicas entre ambos os 
autores virão à tona, pois, além de Mário de Andrade criticar com mais veemência as bases 
60 
 
filosóficas de Graça Aranha, nas Crônicas de Malazarte, em março desse ano é publicado o 
Manifesto da poesia Pau-Brasil, de Oswald de Andrade, seguido de artigo resposta 
“Manifesto Brasil da poesia Pau”, no qual Manuel Bandeira ataca o que chamou de as 
“insinceridades” do movimento moderno. Tais publicações repercutirão no debate dos autores 
aqui estudados, como é o caso da carta de Renato Almeida endereçada a Mário de Andrade, 
na qual reclama das disputas internas que começam a ocorrer no movimento modernista, 
evidenciando a sua pluralidade de correntes ideológicas. Almeida entende que o Manifesto da 
poesia Pau-Brasil, de Oswald, buscava estabelecer apenas um caminho para se fazer arte 
moderna, na medida em que criticava as outras possibilidades estéticas que apareceram no 
movimento, sobretudo aquelas ligadas ao grupo de Graça Aranha. Por tais motivos, o autor 
questiona, em missiva de 04 de abril de 1924: 
Por que e para que essa „disputa em família‟? E com que argumentos tão 
estranhos ao caso! Essa sinceridade preconcebida será, também ela, sincera? 
Confesso-lhe que duvido. O manifesto do Oswald achei coisa de pouco 
sentido e pouca razão. A prática de estudar e raciocinar me deu uma 
necessidade de ordem e as coisas sem harmonia interior me desagradam. O 
nosso movimento é de renovação e a sua beleza está em ser livre. Para 
que diretrizes? Somos todos diferentes por temperamento, por 
contingência e por necessidade, por que haveremos de nos enquadrar? 
Se convergência só há no princípio de renovação, como criar divergência, 
sem se afastar desse princípio? Entre as coisas confusas sinto-me mal, como 
se me faltasse o ar. A minha alegria é que esse manifesto é pessoal e vocês 
não o apoiaram. Temos nos encontrado, tantas vezes, de acordo em 
estética, que não me espantou aliás que assim acontecesse com você, 
ainda nesse caso. (ALMEIDA apud NOGUEIRA, 2003, p.59, grifos 
nossos). 
 
Neste excerto, podemos perceber que Renato Almeida fazia uma leitura bastante 
pertinente dos problemas que começam a ser enfrentados pelos integrantes do movimento de 
renovação artística brasileiro. Como lidar com a diversidade de opiniões no interior do mesmo 
movimento? A trajetória epistolar nos mostrará quais serão os desdobramentos dessa 
problemática para o debate de idéias dos dois modernistas que têm como preocupação central 
a música brasileira. 
61 
 
As polêmicas envolvendo intelectuais modernistas se refletem também na revista 
Estética, fundada em setembro de 1924, tendo Sérgio Buarque de Holanda (1902-1982) e 
Prudente de Moraes Neto (1904-1977) como seus fundadores. Com o progressivo 
distanciamento ideológico entre os integrantes do movimento modernista, ocorrem dois 
episódios envolvendo esse periódico que colaboram para o seu fechamento, bem como para a 
ruptura entre duas das principais lideranças do movimento, Mário de Andrade e Graça 
Aranha. O primeiro episódio se dá com a publicação da resenha, em março de 1925, em que 
Sérgio Buarque de Hollanda e Prudente de Moraes Neto criticam os Estudos brasileiros, de 
Ronald de Carvalho
27
; e, o segundo, quando ocorre uma discussão envolvendo Graça Aranha 
e Oswald de Andrade, “que resultou no „boicote‟ da revista ao autor de Memórias 
sentimentais de João Miramar” (NOGUEIRA, 2003, p.63). Num sentido mais amplo, esses 
acontecimentos refletem a existência de vozes dissonantes no interior do movimento 
modernista. A desaprovação, por parte dos diretores da revista, do artigo de Ronald de 
Carvalho evidencia também uma crítica ao modo como o grupo formado por este último, 
Graça Aranha e Renato Almeida pensava a arte moderna; da mesma forma, a censura, 
proposta por Graça Aranha, à participação de Oswald de Andrade na revista, revela um grau 
elevado de divergências internas no movimento, chegando ao ponto de um não querer ver o 
seu nome vinculado ao do outro em um mesmo periódico. A leitura das cartas nos permite 
perceber que, ao se oporem a essa tentativa de Graça Aranha, os dois então jovens 
modernistas, criadores da revista, encontram sérias dificuldades para manter o periódico, que 
acaba se extinguindo, após o seu terceiro número, em 1925.27
 Os diretores de Estética consideram que “Com esta primeira série de estudos brasileiros, o excelente poeta que 
é o sr. Ronald de Carvalho nos dá o mais fraco de seus livros em prosa (…) O que nos falta – um pouco de 
espírito crítico – falta também ao livro, que não consegue colocar homens e factos á vontade nos seus lugares. 
Sobre nossa nacionalidade, sobre nossas letras, sobre nossas artes, quasi nada que já não se tenha dito. E todos 
esses assuntos estão exigindo revisão urgente. Seria necessário estudá-los com espírito novo, ousado, irreverente, 
sem a menor preoccupação com o que escreveram Rocha Pombo e Silvio Roméro” (ESTÉTICA, 1974, p.216). 
62 
 
Dessa forma, a análise mais detida da correspondência permite-nos afirmar que estas 
últimas polêmicas, ocorridas no interior do movimento modernista, acabam por polarizá-lo, 
principalmente, em duas grandes frentes: uma mais “analítica”, que valoriza a pesquisa 
empírica e entende que é preciso “conhecer” a realidade como ela nos aparece – que seguia a 
orientação de Mário de Andrade –, e outra, de cunho mais “idealista”, que entendia que a 
realidade somente poderia ser acessada por vias emocionais, de modo intuitivo – que era 
liderada por Graça Aranha –, a qual Renato Almeida estava ligado. 
A delimitação de posições de outros grupos que pensavam diferente da diretiva 
defendida e orientada por Mário de Andrade faz com que este autor intensifique a sua 
conhecida atuação como missivista. Os planos de Mário de Andrade junto a Renato Almeida 
e, por conseqüência, aos artistas do Rio de Janeiro, ficam evidentes, por exemplo, pela forma 
como ele critica a saída do intelectual baiano da América Brasileira, devido a problemas 
pessoais com o diretor da revista, Elísio de Carvalho. Em carta de 01 de setembro de 1924, 
Andrade diz: 
Eu admiro o teu gesto embora não o louve. Admiro-o mesmo, com aquela 
invejazinha de quem vai ficando para trás e já não tem procedimento assim. 
Não tenho e não quero ter. Acho que fizeste mal. Procedeste como 
idealista e como romântico. Passadista! (...) Meu caro Renato, a 
franqueza, a sinceridade e toda essa vasta coleção de letras iluminadas 
que temos nesse velho códice de honra, já sabe, no mínimo século IX ou 
VIII, já estrebuchado pela traça, franqueza, sinceridade não adiantam 
mais nada como gestos públicos. A hipocrisia, a capacidade, fingimento, 
eis o que em público deve aparecer. Imagino que estás horrorizado com o 
que estou dizendo. Não te horrorizarias se no Brasil houvesse o costume 
dos poetas praticarem a filosofia que pregaram. Meu caro, poesia é 
outra coisa, aí continuo puríssimo de mim, e se escrevi as “Danças” não 
foi só para inglês ver, mas porque pensava assim. E agia assim. Estou 
agindo. Hoje sou mais ou menos o que publicamente se chama cabotino, 
hipócrita e mesmo canalha. Quando fui sincero chamavam-me cabotino 
(tempo de Paulicéia e logo após). Hoje que sou cabotino toda gente 
começa a me respeitar, pudera! Cita em alemão, fala de psicologia, de 
filosofia e outras merdas facílimas de citar mas que iludem este 
incomparavelmente besta que é o homem-comum” (ANDRADE apud 
NOGUEIRA, 2003, p. 75-76, grifos nossos). 
 
63 
 
Esta citação deixa clara a postura que o intelectual deveria ter, na concepção de Mário 
de Andrade, para, aos poucos, mudar a mentalidade “passadista” da crítica produzida pela 
imprensa da época. Para Andrade, a imprensa escrita era uma das responsáveis por se manter, 
no país, uma cultura colonizada, por isso, considerava necessário não somente a fundação de 
periódicos modernos, como também a atuação constante dos intelectuais junto aos jornais e 
revistas, para que as idéias modernistas encontrassem terreno para atuar e, com isso, realizar 
“avanços” para o Brasil. A própria trajetória desse missivista, de participação em diversas 
revistas (Klaxon, Revista do Brasil, Ariel, América Brasileira, Estética etc), comprova a 
importância dada a esse tipo de atuação. Em carta de fevereiro de 1925, Renato Almeida 
emite a sua opinião em relação a como concebe a estratégia de Mário de Andrade enquanto 
missivista: 
Você tem o dom de animar a discussão com uma força mais de lógica, que 
transfigura a frieza do argumento em imagens vivas e motivos de intensa 
sugestão. Você é perigoso, porque enleia o interlocutor e é preciso tomar pé, 
quando a gente diverge de você, se não fica logrado (...) (ALMEIDA apud 
NOGUEIRA, 2003, p.99). 
 
Com a desagregação do movimento modernista em grupos com visões diferentes, 
Renato Almeida se posiciona, em agosto de 1925, da seguinte forma: “Por isso, meu Mário, é 
que cada vez me escondo mais e creio que não seremos menos úteis trabalhando sem ligações. 
Cada macaco no seu galho” (ALMEIDA apud NOGUEIRA, 2003, p.127). A partir desse 
momento, a correspondência vai refletindo as mais variadas divergências conceituais entre os 
dois autores e seus grupos. Um caso que rende bastante discussão entre ambos diz respeito ao 
conceito de primitivismo. Em carta de 09 de outubro de 1925, Renato Almeida considera tal 
conceito de modo distinto ao empregado por Oswald de Andrade – o conceito utilizado por 
Oswald de Andrade é empregado por Mário de Andrade com a mesma acepção –, pois 
entende que não é possível utilizá-lo em arte moderna, uma vez que o artista moderno deve 
fazer obra de alta “cultura”, que possibilite a universalização da arte nacional. 
64 
 
Eu penso muito diferente do primitivismo, quer como expressão estética, 
quer como tendência renovadora de nossa arte (...) A arte deve ser sincera, 
sentida, vivida. Como, podemos nós, que nos fizemos dentro da cultura, 
sentir com ingenuidade e ver as coisas por um prisma simples? Eu lhe 
asseguro que não compreendo isso. Podemos, é certo, imaginar como um 
indivíduo simples veria certas coisas, na sua ignorância, mas isso é sempre 
um exercício, interessante, vivo, delicioso até, como às vezes faz o Oswald, 
mas não vejo onde a emoção, porque não sinto sinceridade. Como 
poderemos nós dizer a impressão de um caipira na cidade? Repetindo as 
suas exclamações e os seus disparates? Mas isso é uma arte por 
aproximação e não desce a essência (...) Ademais, eu creio que precisamos 
de fazer, como aliás temos feito todos nós, uma obra de cultura, que nos 
universalize, que nos dê um espírito de síntese humana. Ninguém se tem 
batido mais pela formação de uma arte brasileira, do que eu e, você bem 
sabe que toda a História da música é uma constante afirmação desse desejo 
e dessa ânsia. (ALMEIDA apud NOGUEIRA, 2003, p.133). 
 
Mário de Andrade, por sua vez, diz que também usa o conceito de primitivismo em 
suas obras, porém, com outro significado: o mesmo utilizado por Oswald de Andrade. Para 
Mário de Andrade, em carta de 18 de outubro de 1925: “Tem primitivismo num caboclo que 
descansa, tem o primitivismo do Aleijadinho, tem o primitivismo de Giotto e tem o 
primitivismo de Picasso (...) Quem se mete a fazer outra coisa está incontestavelmente na 
condição de primitivo, isto é, do indivíduo que está primeiramente fazendo”. Dessa forma, 
discorda de Renato Almeida, afirmando que utiliza criticamente e conscientemente o 
conceito, dizendo: “quando eu erro em português eu acerto em brasileiro ao passo que o 
caipira acerta também não tem duvida, porém sem crítica sem inteligência sem homem, por 
instinto” (ANDRADE apud NOGUEIRA, 2003, p.135). 
Por mais que as cartas trocadas pelos autores ainda apresentassem um “clima” de 
harmonia e de tentativa de manter laços intelectuais – como ocorre no caso da carta de 13 de 
novembro de 1925 que retrata o almoço em comemoração ao lançamento de sua obra História 
da música brasileira
28
, em que Renato Almeida cita o nome de Mário de Andrade para “não 
somente dar em público mais uma vez a (minha) [sua] admiração e também ligar (-te) [Mário 
de Andrade] a (mim) [ele] nessa hora de alegria” (ALMEIDA apud NOGUEIRA, 2003,28
 Este almoço também é mencionado no artigo encontrado no Arquivo Mário de Andrade, no IEB-USP 
65 
 
p.143) –, é possível inferir que a ruptura entre os grupos aos quais os autores pertenciam já 
havia ocorrido, o que se torna evidente com a publicação da História da música brasileira, de 
Renato Almeida, seguida do artigo “Ernesto Nazaré”, em que Andrade tece duras críticas à 
musicologia brasileira, na qual inclui a obra de Almeida, como mostraremos mais adiante. 
O ano de 1926 é marcado pelo principal abalo na relação entre os missivistas, em 
virtude da desaprovação de Mário de Andrade do caráter idealista da obra História da música 
brasileira, de Renato Almeida. Como já dissemos anteriormente, a polêmica na revista 
Estética, que envolveu Oswald de Andrade e Graça Aranha, resulta também no rompimento 
de Mário de Andrade com o autor de Canaã, em “Carta aberta a Graça Aranha”, em janeiro 
de 1926, e em artigo intitulado “Meu despacho com Graça Aranha”, em fevereiro de 1926. 
Como Renato Almeida estava muito ligado intelectualmente e mesmo pessoalmente à figura 
do intelectual maranhense, a relação cordial, presente nas cartas até então, muda de tom, 
marcando, assim, o distanciamento entre Mário de Andrade e Renato Almeida. 
 
2.2. Distanciamentos e reaproximações 
A publicação da primeira edição de História da música brasileira
29
, de Renato 
Almeida, ocorre, portanto, em um momento conturbado, em que as relações entre Mário de 
Andrade e o grupo liderado por Graça Aranha estavam bastante estremecidas. Devido a isso e 
também a busca de arquitetar um projeto de nacionalização da música que estivesse alinhado 
as suas diretivas, Mário de Andrade escreve a conferência “Ernesto Nazaré”, em que dirige 
duras críticas à musicologia brasileira, na qual inclui a recém lançada obra de Renato 
Almeida. Nesse texto, o autor paulista descreve a importância do músico Ernesto Nazareth 
para a música popular brasileira, mostrando as suas peculiaridades como compositor. Ao 
longo do texto, ao dissertar sobre música popular, mais especificamente sobre as origens do 
 
29
 Discutiremos essa obra no terceiro capítulo do presente texto. 
66 
 
maxixe e a falta de pesquisa crítica e sistemática nessa área, Andrade emite sua opinião sobre 
os caminhos seguidos pela musicologia brasileira, dizendo que: 
A musicologia brasileira inda cochila numa caducidade de críticas 
puramente literárias. Se excetuando as datas históricas fáceis e as anedotas 
de enfeite, o diazinho em que uma senhora campineira teve a honra de 
produzir o talento melódico de Carlos Gomes, as invejas de Marcos 
Portugal ante a glória nascente de José Maurício, a gente não sabe nada de 
verdadeiramente crítica, de científico, de básico, e principalmente de 
orientação, sobre a música brasileira. A História-da-Música, que nem todas 
as outras Histórias, está cheia desses túmulos inúteis (...) Ora vamos e 
venhamos: a nossa musicologia não tem feito até agora nada mais que 
escrever o dístico desses túmulos, ou plasmar o gesto empalamado de 
estátuas que a ninguém não edificam. Embora haja utilidade histórica ou 
estética nas obras dum Rodrigues Barbosa ou Renato Almeida, se deverá 
reconhecer com franqueza que essa utilidade é mínima, porque destituída de 
caráter prático. (ANDRADE, 1976, p.129). 
 
Ao dirigir críticas ao modo como a musicologia brasileira formulava uma história da 
música, Mário de Andrade aponta para a necessidade dos estudos nessa área de conhecimento 
serem aprofundados, lançando-se mão de pesquisas de cunho científico. Na interpretação de 
Andrade, somente através de um rigoroso trabalho de coleta e estudo das diversas formas de 
música popular seria possível se construir uma música erudita nacional. Nesse sentido, Mário 
de Andrade, ao censurar o tipo de história da música feita por Almeida, buscava mostrar ao 
missivista baiano o caráter “passadista” da primeira edição de História da música brasileira, 
que, para Andrade, estava mais preocupado em exaltar os “grandes” compositores eruditos do 
que em levantar informações sobre a música popular. No entendimento do modernista 
paulista, a principal função dos estudos sobre música brasileira era oferecer “material novo” 
para o aproveitamento dos compositores que estivessem empenhados em fazer música 
nacionalista. A passagem a seguir nos ajuda a explicar essa afirmação: 
Nossas modas, lundus, nossas toadas, nossas danças, catiras, recortadas, 
cocos, faxineiras, bendenguês, sambas, cururus, maxixes, e os inventores 
delas, enfim tudo o que possui força normativa pra organizar a musicalidade 
brasileira já de caráter erudito e artístico, toda essa riqueza agente e 
exemplar está sortida no abandono, enquanto a nossa musicologia 
desenfreadamente faz discursos, chora defuntos e cisca datas. Há uma 
precisão iminente de transformar esse estado de coisas, e principiarmos 
matutando com mais freqüência na importância étnica da música popular ou 
67 
 
de feição popular. Os “sujeitos importantes” devem dar a importância deles 
pros homens populares, mais importantes que os tais (...) Lançar em nossa 
Musicologia o facão duma consciência de deveras crítica, que desolhe esses 
estudos adolescentes de todas as pachochadas da literatice, da fantasia e do 
patriotismo! (ANDRADE, 1976, p.129-130). 
 
Esta citação, de trecho da conferência Ernesto Nazaré, é importante na medida em que 
nos permite demarcar o ponto nodal das divergências sobre música entre Mário de Andrade e 
Renato Almeida. A partir de agora, essas divergências ganharão proporções drásticas, levando 
os autores a explicitarem suas diferenças ideológicas, tanto por meio de cartas como por meio 
de artigos. Com a explicitação das posições dos autores no interior do movimento modernista, 
fica-nos claro a existência de dois modos de se compreender a história da música brasileira, 
bem como duas formas de nacionalizá-la. A primeira, sob a orientação de Mário de Andrade, 
entendia que ainda não havia música artística brasileira devido, principalmente, à não 
valorização da música popular, como aparece na citação colocada anteriormente. A outra, 
defendida por Renato Almeida, entendia e valorizava os esforços dos compositores do 
“passado”; porém, diferentemente de Andrade, não considerava que a pesquisa da música 
popular poderia converter a música artística em nacional; mas, sim, a compreensão, por parte 
dos compositores, de que era preciso desfazer a dualidade existente na arte produzida no 
Brasil, por meio da integração do indivíduo-natureza. Não nos deteremos mais aqui nessa 
discussão, pois ela será tratada no terceiro capítulo deste texto quando cotejarmos as edições 
da História da música brasileira, de Almeida. 
A partir desse momento, o debate entre os autores torna-se um campo aberto de 
divergências. Em carta de 2 de dezembro de 1926, Renato Almeida demarca sua posição para 
Mário de Andrade, até então não explicitada. No seu modo de ver, não seria função do 
ensaísta, como ele, ir a campo recolher, analisar e divulgar a documentação popular, mas 
tarefa de especialistas. Portanto, Almeida não concorda com as críticas de Mário de Andrade 
68 
 
no que diz respeito à falta de pesquisa do populário na História da música brasileira, pois não 
era esse o seu objetivo ao escrever o livro. Nas palavras de Almeida: 
No meu livro a minha única preocupação foi exclusivamente com a 
“musicalidade brasileira” e, se escrevi coisas, foi para nelas dizer o que de 
brasileiro fizera o defunto, ou de que modo concorrera para que se 
aproveitassem as nossas forças musicais. Por que eu creio na contribuição 
de um Glauco, “com o seu individualismo despatriado”, senão como 
trazendo expressões brasileiras, que se não trouxe, ao menos por ser uma 
sensibilidade requintada e aguda, nos comoveu. Aliás, eu reclamo para mim 
uma modesta parcela nesse esforço para quese organize a nossa música. 
Não sou eu um musicólogo, apenas um indivíduo que viu o fenômeno 
musical brasileiro, integrado na essência da nossa psique e gritou: “Vejam 
que enorme riqueza tem a nossa música, que tem sido desprezada e 
lembrem-se que sem ela, não só não criarão uma verdadeira arte musical, 
como não descobrirão nunca o verdadeiro espírito brasileiro, que guarda 
muito do seu mistério nos cantos do nosso povo. É necessário que os 
músicos nela trabalhem e, para mostrar como não se fará nada sem ela, 
basta ver o que foi feito até hoje.” E então mostrei rapidamente o que se 
fizera (...) Exatamente estimulei essa grande necessidade de trabalhar nessa 
matéria e a minha História não parece aquele cemitério de que você fala, 
mas o curso de um roteiro, que é necessário trilhar. (ALMEIDA apud 
NOGUEIRA, 2003, p. 160-161-162, grifos sublinhados do autor). 
 
Por meio desse trecho da carta, vemos claramente que Renato Almeida não 
concordava com as críticas apontadas por Andrade na conferência Ernesto Nazaré, uma vez 
que entendia a história da música brasileira de forma diferente da concebida pelo intelectual 
paulista. Enquanto para Mário de Andrade a ênfase deveria ser dada à música popular e aos 
seus compositores – pois compreendia que era neles que estava a “essência” do nacional –, 
cobrando, para isso, a necessidade do historiador da música de ir às fontes, pesquisar 
empiricamente as manifestações populares; para Renato Almeida, de outro modo, era 
imprescindível a valorização dos compositores eruditos e de suas composições, sobretudo 
naquilo que eles tinham de proximidade com a natureza brasileira. Vale ressaltar, ainda, que, 
diferentemente de Andrade, Renato Almeida compreende que não cabe ao historiador da 
música fazer pesquisa empírica, mas apenas apontar para a necessidade de se inspirar nas 
“manifestações populares” para fazer música erudita. 
69 
 
Nogueira (2003) mostra que no exemplar de 1ª edição de História da música 
brasileira, de 1926 – que consta na biblioteca de Mário de Andrade, no Instituto de Estudos 
Brasileiros (IEB-USP), o que também pudemos constatar na ocasião de nossas pesquisas 
nesse Instituto –, encontram-se algumas anotações, na margem da obra recém lançada, em que 
Mário de Andrade questiona a visão de Renato Almeida, que considera não haver 
musicalidade em “naturezas frias”. Sobre isso, Andrade anota: “Então porque os russos e os 
alemães são tão musicais? Tudo isto é a literatice físico-filosófica que está afogando a 
realidade de certos espíritos brasileiros por especial favor de um Graça Aranha. Nós somos 
musicais porque simplesmente todos os povos são musicais [...]” (ANDRADE apud 
NOGUEIRA, 2003, p.163, nota de rodapé). 
A partir da carta de 8 de dezembro de 1926, Mário de Andrade explicita as suas idéias 
sobre a musicologia produzida no Brasil para Renato Almeida, convocando-o para, junto com 
ele, levar em frente o seu projeto de nacionalização da música brasileira. O ano de 1926 torna-
se, então, não só o marco da cisão, mas também o da persuasão do projeto marioandradiano. 
Mário de Andrade tinha um projeto para a música brasileira – para o qual tentava trazer 
Renato Almeida –, que consistia, basicamente, em modernizar os princípios técnicos em 
harmonia por meio da utilização da música popular, elaborando, com isso, uma metodologia 
de pesquisa que colaborasse para composição da música nacional, revalorizando, desse modo, 
a cultura popular, e conservando-a como “nosso patrimônio histórico humano” (NOGUEIRA, 
2003, p.XXXIX). 
Nesse sentido, o autor de Ensaio da música brasileira argumenta, ainda na carta de 8 
de dezembro, que, mesmo que Almeida não seja musicólogo de formação, é possível que ele, 
enquanto historiador da música, busque dar “mais valor prático” aos seus estudos, por meio 
de pesquisa analítica. Nas palavras de Mário de Andrade: 
Suponhamos que você não seja propriamente um musicólogo. Aceito porque 
de fato no sentido largo da palavra você não é. Mas me diga uma coisa: 
70 
 
mesmo sem conhecer especializadamente música você não acha que no seu 
livro falta certa pesquisa pessoal, penosa reconheço, porém de mais valor 
prático que indicar, por exemplo, certos valores puramente estéticos, 
puramente psicológicos da música despatriada de Glauco Velásquez ou da 
germanizada de Miguez? Você não acha por exemplo que sob qualquer 
ponto de vista nos será muito mais útil e de validade mais geral (pois que 
isso de opinião estética sobre um músico é quase ou só pessoal e mesmo 
transitório dentro duma pessoa) se saber afinal, quando que apareceu o 
maxixe, donde o nome dele etc? Sem dúvida que é. Você elogia Velásquez, 
um indivíduo escuta Velásquez por causa do elogio e conclui gosto ou não 
gosto. E pronto (...) Estude, que seja literariamente mas especializadamente 
o caráter a função as possibilidades de desenvolvimento das nossas 
modinhas, ou das nossas toadas, ou dos nossos lundus, ou dos nossos 
maxixes, ou dos nossos cocos,ou das nossas catiras, e você terá feito ainda 
trabalho de literato (no bom sentido) porém valioso como caráter prático. 
(ANDRADE apud NOGUEIRA, 2003, p.166-167-169, grifo sublinhado do 
autor). 
 
Em carta resposta, de novembro de 1926, Renato Almeida diz que o seu livro “visou 
mais a contribuição ao estudo do fenômeno brasileiro, do que qualquer meta especializada”, e 
alega que não é dado “a esses labores que exigem paciência (...)” e ao “espírito de 
metodização” (ALMEIDA apud NOGUEIRA, 2003, p.177). Nesse sentido, o autor, 
percebendo a atuação de Mário de Andrade com o objetivo de convencê-lo a aderir ao seu 
projeto de nacionalização da música brasileira, afirma que: “(...) neste momento, nada mais 
belo e fecundo, nada mais prático, para a formação de nossa realidade, do que essa 
diversidade de pensamento em face dos problemas brasileiros”; colocando, a partir de então, o 
tema “linguagem brasileira” no debate epistolar, ao dizer: “Eu sou franco, ainda ontem deixei 
artigo no jornal em que ataco a sua tentativa, medrosamente seguida por outros, de forçar um 
modo de falar brasileiro” (ALMEIDA apud NOGUEIRA, 2003, p.178). Na seqüência, 
Almeida adverte: “Infelizmente o nosso movimento se vai corrompendo, ante a tristeza de 
nossos olhos leais, com uma insinceridade enervante com que se quer introduzir muita moeda 
falsa. Breve, teremos de quebrar o padrão...” (ALMEIDA apud NOGUEIRA, 2003, p.179). 
Com isso, podemos dizer que Renato Almeida estava percebendo a necessidade de ampliar 
“as vozes” do modernismo, indicar outras posições, mostrar que o modernismo não era uno, 
mas plural. É nessa direção que ele passa a criticar a linguagem utilizada por Mário de 
71 
 
Andrade, linguagem esta que será alvo de duras críticas não somente por parte de Renato 
Almeida, mas como de grande parte dos modernistas. 
Renato Almeida considera que o modo de escrita de Mário de Andrade é muito 
paulista, e que, inclusive, é “forçado”. Embora não seja o nosso intuito discutir como essa 
questão aparece no debate, por conta de delimitação do nosso objeto de pesquisa, pensamos 
ser importante mostrar como ela aparece na correspondência dos missivistas porque ela é 
indicativa do tema da nacionalização da vida social num sentido mais amplo. Ao responder às 
críticas que lhe foi destinada, Mário de Andrade ironiza, em carta de 20 de dezembro de 1926: 
Gozei como o diabo você atacar o meu modo de usar a língua agora. Na 
carta veio um argumento contra que reduzo já ao pó merecido por 
perversidade. Pode ser que você venha com ele no artigo e então leva uma 
catalepada de atordoar (...) Te juro que estou longe dessa ofensa injusta. O 
que se deu foi outra coisa, outras coisas que sei analisar muito bem e que 
hei de falar num ataque pesado pra desanuviar o meu despeito tempestuoso. 
Porém não aqui, publicamente. (ANDRADE apud NOGUEIRA, 2003, 
p.180-181). 
 
Interessante notarmos que, nessemesmo período em que essas discussões emergem
30
, 
Mário de Andrade estava escrevendo a primeira versão de Macunaíma, no qual trabalha, 
dentre outros problemas, justamente, nessa questão da linguagem brasileira. As divergências 
entre os dois autores se afloram ainda mais, chegando ao ponto de Renato Almeida afirmar 
que atacará a “língua confusa e incoerente” do romance Amar, verbo intransitivo, de Mário de 
Andrade, dizendo que a linguagem da obra não tem “futuro” e que é artificial. A respeito 
dessa discussão, uma passagem da carta de 18 de fevereiro de 1927, dirigida a Andrade, nos 
parece ser muito elucidativa, principalmente quando Almeida relativiza a contribuição dos 
modernistas quanto ao futuro. O fato de Mário de Andrade buscar dar “norma ao futuro” é 
problemático, porque Almeida considera o contexto histórico dos anos 1920 como um período 
 
30
 Essa carta foi escrita por Mário de Andrade em 20 de dezembro de 1926, em Araraquara, onde costumava 
passar férias na fazenda de Pio Lourenço Correa. 
72 
 
de transição e não de definição de uma diretiva a ser seguida para fazer arte nacional, 
posteriormente, como podemos ver nas linhas da missiva de 18 de fevereiro de 1927: 
Desde que começamos a discutir em cartas, que tenho procurado ventilar a 
questão e, até hoje, só consegui me convencer de que está errado (...) você 
sabe que estou cansado de dizer que esse nosso esforço, divergente mas de 
certo modo harmonioso, é apenas uma contribuição, de mérito discutível se 
lhe quisermos dar perspectivas de futuro. Eu, que sou apenas um mero 
estudioso, não poderia nunca para mim o que não acredito que, no 
momento, nem todos juntos possam fazer. Eu não viso o futuro e 
eternidade, sou filho de uma hora de transição e, como todos os meus 
companheiros, estamos unidos a um período, cujo esforço será precursor, 
num grau que ninguém pode determinar (...) Quem sabe se não estarei 
errado? Eu não sei. Está claro que acredito que seja você o errado, mas, se a 
razão ficar do seu lado, as minhas divergências não terão sido fecundas para 
dar maior relevo à justeza da sua tentativa?(...) (ALMEIDA apud 
NOGUEIRA, 2003, p.193-194). 
 
Em resposta ao posicionamento de Almeida, Mário de Andrade diz que se dedica à 
nacionalização de tudo que é nacional, e a linguagem faria parte disso. Afirma ainda que, ao 
“forçar” um tipo de escrita brasileira, está fazendo um esforço para que a intelectualidade 
passasse a escrever uma linguagem que tivesse relação com a realidade do Brasil. Uma vez 
que tivesse alcançado isso, ele não precisaria mais escrever “forçadamente”, 
tendenciosamente, mas, sim, livremente. Algo similar ele pensa com relação à nacionalização 
da música brasileira. Defende que os músicos componham a partir de elementos folclóricos, 
para que, somente depois que tais elementos estivessem assimilados, o músico pudesse criar 
música artística livre (NOGUEIRA, 2003, p.199). Nessa medida, Andrade, em 06 de março 
de 1927, afirma que quer dar apenas a sua contribuição pessoal, 
Se os outros fizessem o mesmo, tivessem a mesma coragem, menos 
preguiça pro trabalho (você também) e se lançassem em pesquisas pessoais 
sobre o mesmo problema, você compreende claramente que teríamos então 
a possibilidade de com a comparação de vinte trinta contribuições diferentes 
e contemporâneas tirar uma normalidade geral, gramatical d‟aí, e eficiente. 
Porém falta vontade de trabalhar num problema que está saltando aos olhos, 
salientado por um poder de gramáticos e de escritores. E sobretudo falta 
coragem porque ninguém quer se sacrificar. (ANDRADE apud 
NOGUEIRA, 2003, p.201). 
 
73 
 
Renato Almeida, por sua vez, pondera que valoriza a contribuição pessoal de Mário de 
Andrade sobre a língua nacional, mas nega o direito de ele transformá-la “num corpo 
definitivo” (ALMEIDA apud NOGUEIRA, 2003, p.205). Para o autor, a mudança de língua 
deveria começar primeiro pelas escolas, ou seja, deveria ser institucional. 
Em carta de 10 de abril de 1927, Andrade diz entender as observações de Renato 
Almeida, que pondera que o intelectual paulista foi muito rápido na tentativa de nacionalizar a 
língua brasileira. Diz ainda que concorda com muitas coisas, mas que não consegue mudar 
por causa do seu temperamento ou da sua educação, que sempre foi a de um autodidata. Por 
ser autodidata, diz que sempre viu coisas que outros que estudavam em escola tradicional não 
viam e, devido a isso, tem a “convicção da necessidade de tentativas pessoais já, tentativas 
precárias necessariamente, obras que morrerão de morte morrida, pra ser possível mais tarde, 
uma organização legítima” (ANDRADE apud NOGUEIRA, 2003, p. 209). 
Data desse período a viagem que Mário de Andrade faz, junto com Olívia Guedes 
Penteado (1872-1934)
31
, à região Norte, entre maio e agosto de 1927. Na volta, relata, 
brevemente, ao missivista baiano, a desigualdade social que viu nessa região do país, onde 
percebe o quanto a população dessa região estava distante daquela em que ele e Almeida 
viviam, em São Paulo e Rio de Janeiro, respectivamente. Andrade descreve. Em carta de 03 
de outubro de 1927, a viagem da seguinte maneira: 
Enfim uma viagem sublime e bem humana. Há-de interessar mais você o 
que eu senti do que o que eu vi... Trago comigo mais problemas pra me 
aporrinhar, isso é que é. A gente na vida por um seqüestro útil vai sempre 
abandonando certos problemas vitais pra depois e assim não se desperdiça 
muito. De repente vem bater mesmo na cara de você a percepção prática 
desses problemas e então a volta é cruel: o problema fica dependurado no 
nariz de você bimbalhando e adeus viola: você tem que pensar nele. E os 
problemas que eu trago a mais agora são todos tristes ou por outra todos se 
solucionam em realidades tristes que vi, patriotismos orgulhosos, ódios sem 
base em nenhuma realidade, ódios de ficção nacional no Peru, entusiasmos 
ridículos por um Brasil que não existe, divisões nacionais injustas, despeito 
e animosidade pelos estados que progridem, chatezas, bolivianos de 
 
31
 Olívia Guedes Penteado pertenceu à alta aristocracia paulista produtora de café e foi uma das principais 
incentivadoras dos artistas modernistas. Sobre isso ver: MARIZ,V. Olívia Guedes Penteado e Villa-Lobos. In: 
Revista Brasiliana; número 12; setembro de 2002. 
74 
 
silêncio, despatriados dentro duma pátria subdividida entre duas influências 
estrangeiras, Argentina pra sudoeste e Brasil pra leste e brasileiros do Norte 
vivendo um longing terrível pelo Brasil de que não fazem parte senão 
virtualmente e numa saudade pelo passado da borracha e ilusoriamente 
imaginando que esse passado como Dom Sebastião não morreu, as culturas 
mais idiotas e idealistas que se pode imaginar destruídas, todas à beira-rio, 
destruídas pelas terras caídas. (ANDRADE apud NOGUEIRA, 2003, p. 
211-212). 
 
Esse trecho da missiva ilustra bem como o contato que Mário de Andrade teve com os 
brasileiros da região Norte serviu para ele pensar outras questões, referentes aos problemas 
sociais do Brasil, que mudarão a perspectiva dos seus trabalhos. É a partir dessa viagem ao 
Norte, e também de outra viagem realizada, um pouco depois, ao Nordeste, que o autor passa 
a refletir sobre a questão do povo brasileiro, e percebe que este estava muito distante daquilo 
que ele próprio discutia em seus livros. Tal experiência possibilita um movimento na 
trajetória intelectual de Mário de Andrade, que o fará buscar um conceito de povo e de 
folclore que possa ser empregado nas suas obras. Essa busca de fundamentação teórica se dará 
a partir da análise de autores como Manuel Bomfim, Euclides da Cunha, Oliveira Vianna e 
Gilberto Freyre, como buscamos apontar no primeiro capítulo desta dissertação. 
Renato Almeida também emite, em 10 de outubro de 1927, a sua opinião sobre essa 
situaçãosocial do Brasil, ao comentar a carta em que Andrade descreve a situação que 
presenciou na região Norte do país: 
Voltou você descrente do Norte, pareceu-me que melancólico. Eu não o 
conheço (pois a Bahia é centro), mas creio que se lá fosse traria igual 
apreensão. O destino brasileiro reside nesse estado de coisas indefinível: um 
Norte ativo, mas estagnado; um sul dinâmico e poderoso. Aquele, mais 
firme no subconsciente da terra, quero dizer, mais brasileiro, mais amigo do 
mundo circundante, que o apavora, é certo, mas que ele admira e quer bem. 
Este, injetado de cosmopolitismo, sonha um Brasil econômico, 
internacional, livre-cambista, babélico. Como se fará essa harmonia? Far-
se-á, ou a nossa unidade se dissolverá? Creio que se arranjarão as coisas, 
caso resolvamos alguns problemas econômicos (a siderurgia em primeiro 
lugar) que mantenha, melhor do que o café, o ritmo nacional.” (ALMEIDA 
apud NOGUEIRA, 2003, p.214). 
 
75 
 
A partir do ano de 1928, a correspondência esfria o tom de discussão que a cercava até 
então. Os autores passam a falar de assuntos mais gerais. Renato Almeida se volta mais para 
as suas atividades de ordem burocrática junto ao Governo Federal, sendo nomeado, com 
Roquette Pinto, para fazer parte da Comissão Brasileira que participa do Congresso de Arte 
Popular, de Praga, naquele ano. No cumprimento dessa incumbência, pede a Mário de 
Andrade um trabalho sobre música popular, que resultará no artigo “Influência portuguesa nas 
rodas infantis do Brasil”, que está reunido em Música, doce música (NOGUEIRA, 2003, 
p.221). É também nesse período que Mário de Andrade publica os livros Clã de Jaboti e 
Macunaíma, assim como as suas principais obras que tratam da temática musical, o Ensaio 
sobre a música brasileira e o Compêndio de história da música
32
, publicados em 1928 e em 
1929, respectivamente. 
Nos anos que se seguem, o debate e os conflitos interpretativos praticamente se 
encerram e a trajetória epistolar é marcada pelo afastamento entre os autores, como aparece 
em carta de Renato Almeida enviada a Mário de Andrade, no ano de 1928
33
: 
Tenho tido uma enorme saudade tua. Não tens assunto para prosear 
comigo? Fala de ti, do teu próximo livro, a que nunca me referiste, mas eu 
já soube dele...vagamente... 
Por mim, tenho feito pouco. Uma vida cheia de coisa: colégio, Ministério, 
eles me ocupam e preocupam extremamente. Agora, tenho de fazer uma 
conferência sobre a expressão nova da nossa música focando o Vila, para a 
embaixada americana. Quase que só trabalho intelectualmente forçado. O 
tempo que sobra é para ler um pouco e estudar. (ALMEIDA apud 
NOGUEIRA, 2003, p.221) 
 
Somente em 1935, depois da morte de Graça Aranha, em 1931, e a de Ronald de 
Carvalho, em 1935, Renato Almeida voltará a se aproximar de Mário de Andrade, o que 
ocorre, principalmente a partir de 1936, quando o autor paulista já está trabalhando, na função 
de diretor do Departamento de Cultura de São Paulo. Com o objetivo de escrever um livro 
 
32
 Tanto o Ensaio sobre a música brasileira como o Compêndio de história da música serão analisadas no 
terceiro capítulo desta dissertação. 
33
 Na carta em questão só aparece o ano em que a mesma foi escrita. 
76 
 
sobre a trajetória de Ronald de Carvalho, Renato Almeida recorre ao missivista Mário de 
Andrade, na intenção de obter informações do início do movimento modernista. O intelectual 
baiano, em carta de 26 de janeiro de 1936, referente a esse assunto, diz: “Dou-lhe grande 
importância, para mostrar, de uma vez por todas que o modernismo no Brasil, não nasceu da 
Semana de Arte Moderna, mas essa só se verificou, porque havia um modernismo já nascido e 
taludo, a quem o Graça deu a mão e gritou: está aqui o bicho”(ALMEIDA apud NOGUEIRA, 
2003, p.267). Nesse sentido, percebemos que Almeida considerava, em 1936, a figura de 
Graça Aranha central para se entender o movimento modernista, uma vez que seria pelas 
mãos do intelectual maranhense que o modernismo teria ganhado evidência. Na tentativa de 
remontar a história dos primórdios do movimento de renovação cultural, e colocar em 
destaque o nome do seu principal mentor intelectual, Graça Aranha, Almeida questiona Mário 
de Andrade, em cartas de 31 de janeiro e 12 de fevereiro de 1936, sobre as divergências 
estéticas que nutria com relação a Graça Aranha e a Ronald de Carvalho: 
O que quero te pedir, poderia verificar num longo esforço e buscando 
documentação exaustiva, mas tu me podes dar em poucas linhas e assim a 
minha certeza será plena. Quero saber quais os pontos fundamentais de 
divergência estética que tiveste com o Graça e Ronald. Entre os dois, 
conheço bem, mas relativamente à tua, desejaria alguns esclarecimentos. E 
podes ou me autorizar a dizer que recorri a ti, ou apenas me indicares as 
fontes para referir. (ALMEIDA apud NOGUEIRA, 2003, p.269-270, grifos 
nossos). 
 
Em resposta a essa carta, Mário de Andrade afirma inicialmente que as principais 
divergências com os autores referidos por Renato Almeida eram mais a respeito da “maneira 
de agir dentro da vida” do que diferenças “estéticas” ou “teoricamente filosóficas” 
(ANDRADE apud NOGUEIRA, 2003). No entanto, mais adiante, em carta de 8 de março de 
1936, o autor aponta que também divergia da concepção filosófica de Graça Aranha, quando 
diz: 
Com o Graça sempre tive algumas divergências que se poderão reduzir à 
literatura. Na filosofia dele há a pregação de que devemos contemplar o 
mundo fazendo dele um gozo espetacular. Ora isso eu considero odioso e 
77 
 
toda minha vida desobedeci a esse princípio fundamental de modus vivendi 
do Graça e da filosofia dele. O Graça pregou muito e não fez o que pregava. 
Eu preguei pouco porque toda a minha pregação está nos meus livros e na 
minha ação. É certo que o Graça tinha um passado a defender e eu não. 
(ANDRADE apud NOGUEIRA, 2003, p. 271, grifos sublinhados do autor). 
 
Na visão de Mário de Andrade, a filosofia do autor de A estética da vida tinha como 
objetivo a contemplação e não a modificação do mundo, não sendo, portanto, uma filosofia da 
ação. Nesse sentido, a idéia de Graça Aranha, que afirmava somente ser possível acessar a 
realidade brasileira por meio de uma postura estética da vida, ou seja, por vias emocionais, 
intuitivas, ia na contramão da posição defendida por Mário de Andrade, que compreendia que 
apenas com métodos científicos, com pesquisa analítica, era admissível se conhecer a 
realidade nacional. 
O autor de Ensaio sobre a música brasileira relembra, na carta a Almeida, que 
percebeu divergências ideológicas, em relação à Graça Aranha, já em 1922, durante a Semana 
de Arte Moderna. Tais divergências diziam respeito à concepção de “liberdade absoluta” 
proferida por Aranha, em 1922. Mário de Andrade, como já dissemos, exigia que o projeto de 
renovação cultural modernista estivesse pautado em um critério normativo e em pesquisa 
analítica. Essa postura de Andrade entrava em conflito com a idéia de Graça Aranha, também 
seguida por Ronald de Carvalho, de que os artistas modernos deveriam ter total liberdade 
quanto às regras, para criarem suas manifestações artísticas. Nas palavras de Mário de 
Andrade, ainda na carta de 08 de março de 1936: 
No espetáculo inicial da Semana de Arte Moderna se deu uma anedota que 
ninguém comentou mas demonstra que desde logo o meu espírito tinha a 
sua organização estética bem formada e independente. O Graça fazia seu 
discurso inaugural e todos nós os que iríamos tomar parte do espetáculo ou 
éramos apenas do grupo, nos sentávamos no palco um pouco detrás dele e 
também à vista do público. A um dado momento o Graça pregou “liberdade 
absoluta” com estas mesmas palavras. Embora um bocado timidamente pelo 
inesperado da coisa, falei alto “não apoiado”, que ele ouviu, voltou-se para 
mim e sorriu. Nunca preguei liberdade absoluta que édesde logo abuso de 
liberdade, sou contra isso e toda a minha obra obedece as normas, a 
princípios, a intenções que cerceiam a liberdade, a corrigem e socializam o 
meu ser. (ANDRADE apud NOGUEIRA, 2003, p. 271). 
 
78 
 
A partir desse momento em que Mário de Andrade responde ao questionamento de 
Renato Almeida, este, pelo que nos mostra a correspondência que se segue na segunda metade 
dos anos 1930, reverá suas posições estéticas defendias nos anos 1920, levando em 
consideração as observações de Mário de Andrade a respeito dos pontos de divergências 
estético-filosóficos que estiveram presentes no interior do movimento modernista, ao qual 
pertenceram os dois intelectuais. Não por acaso, será a partir de 1938, como mostram as 
cartas desse período, que Renato Almeida passa a se interessar pela reedição da sua obra 
História da música brasileira, contando, para isso, com a colaboração permanente de Mário 
de Andrade, que esclarecia e fornecia informações, dados, materiais sobre música popular e 
erudita brasileiras a Almeida, como bem mostra a carta de 16 de maio de 1938, cuja passagem 
citamos a seguir: 
Meu querido Mário, recebi a sua carta e muito lhe agradeço todo o trabalho 
a que se deu, de responder a todos os meus pedidos. Valho-me do seu 
oferecimento do “use e abuse”. Sei que você é uma pessoa muito ocupada, 
sei da sua soma de trabalho e da maneira com que o faz, sei ainda das 
preocupações que devem o absorver nesta hora. Mas, que quer você? Uma 
pessoa providencial, como você, também não se pertence. Numa terra, em 
que não há centros de estudo, nem organizações especialistas (uma das 
primeiras é o Departamento que você está organizando) fatalmente havemos 
de recorrer aos que sabem, dada, sobretudo a extrema dificuldade de se 
obter documentos esclarecedores. Vamos, então, ao documento vivo, aliás, 
bem mais valioso do que o outro, porque já filtrou a observação. 
(ALMEIDA apud NOGUEIRA, 2003, p.289). 
 
O ano de 1938 é importante no debate dos autores porque, além de demarcar a 
reaproximação entre os dois missivistas em torno da música, tendo como conseqüência direta 
a elaboração de segunda edição de História da música brasileira, é o momento em que Mário 
de Andrade afasta-se do Departamento de Cultura de São Paulo, o que culminará no seu 
“exílio” no Rio de Janeiro, a partir de julho daquele ano
34
. Durante o período de meados de 
1938 até início de 1941, os dois autores conviverão na mesma cidade, o que se reflete na 
menor quantidade de cartas trocadas entre ambos. Porém, até meados de 1938, momento em 
 
34
 Sobre o período em que Mário de Andrade morou no Rio de Janeiro ver: Castro (1989). 
79 
 
que Andrade ainda residia em São Paulo, podemos apontar passagens de cartas que 
exemplificam como se deu a gradativa mudança metodológica da obra de Almeida a partir das 
constantes sugestões e informações dadas pelo intelectual paulista. Tendo em Mário de 
Andrade um interlocutor privilegiado para esclarecer informações sobre música, Renato 
Almeida, na mesma carta de 16 de maio de 1938, pergunta sobre música popular, como 
podemos ver na seguinte passagem: 
(...) O Gallet diz que a modinha e o coco são canções. Mas o coco não é, por 
excelência, música de dança? Eu bem sei que a música de dança é em geral 
cantada, portanto vira canção, mas como se deve preferencialmente 
classificar o coco? 
(...) Moda é qualquer música, diz D. Oneyda, no entanto eu a conheço como 
espécie determinada e dela você também fala. De que se trata pois: 
generalização de nome, confusão ou identidade de espécie?(...) Do tal Toré, 
de que você me fala, não tenho idéia, senão duma rapidíssima alusão que 
você faz num artigo para ingleses. Se houver qualquer referência para 
conhecer o bicho, mande-me. Do contrário, e se possível, conte-me como é. 
(ALMEIDA apud NOGUEIRA, 2003, p.290-291). 
 
Em carta de 18 de maio de 1938, Mário de Andrade responde procurando esclarecer as 
dúvidas do autor baiano a respeito das formas populares “coco”, “moda” e “toré”: 
Renato. Recebi sua carta e vou respondendo (...) O coco inicialmente e 
ainda essencialmente é dança cantada. Dança, pois, uma legítima ilação do 
samba rural baiano, isto é, mais generalizadamente brasileiro. Sucede 
porém que certos cantadores do litoral nordestino, rapsodos, se apropriaram 
da fórmula musical do coco, isto é, estrofe e refrão, sendo a estrofe na sua 
forma mais desenvolvida e específica uma embolada, e a cantam sem dança. 
(...) Ao meu ver, de preferência, se deverá classificar o coco “dança”, pois é 
assim que é universalmente compreendido no Nordeste. O que é possível é 
que historicamente esteja se dando com o coco, o que se deu com o fado e 
com o “lundu”, que foram inicialmente só dança e depois aos poucos 
viraram canção solista. 
(...) Também me referi algures a essa vagueza da terminologia 
popular que fez gente do povo chamar ainda de “moda” qualquer música 
pelo menos cantada, tal como se fazia em Portugal três ou quatro séculos 
atrás. Vi até um caipira de barranca do Mogi chamar de “modinha” a uma 
legítima e indiscutível “moda” caipira, surpreendendo assim ao vivo o 
fenômeno lingüístico que se fez passar a voz portuguesa “moda” ao 
diminutivo “modinha” que enfim acabou de ser substantivo independente, 
designando uma das manifestações de canção brasileira. Referi-me a isto 
tudo no prefácio das Modinhas Imperiais. “Moda” apesar dessas vaguezas 
de terminologia é tecnicamente uma manifestação específica e independente 
da canção caipira, regionalizada em especial nesta zona centro-litorânea S. 
Paulo-Minas-Est. Do Rio. 
80 
 
(...) O “toré” é uma manifestação coreográfica dos índios 
civilizados de Águas-Belas, Pernambuco. De lá vai se espalhando, pelo 
menos como palavra, pelo Nordeste, pelo menos Pernambuco. Já existem 
canções pernambucanas em discos, com título de “toré”. Não sei se 
exprimem qualquer verdade ameríndia. Não parece. Agora, quando minha 
missão voltar do Nordeste terei “torés” registrados em disco in loco. Mas só 
quando voltarem. (ANDRADE apud NOGUEIRA, 2003, p. 292-293-294). 
 
Essas citações ilustram o modo como se dava a troca de informações entre os autores 
visando à elaboração da segunda edição de História da música brasileira. As principais 
questões feitas por Renato Almeida a Mário de Andrade diziam respeito à música popular, 
que teve pouco destaque na primeira edição da obra, em 1926. Ao observarmos o conteúdo da 
correspondência durante o período de 1938 a 1941, percebemos que a grande preocupação de 
colher o máximo possível de dados, fontes, partituras e informações sobre a música popular 
brasileira se dava, por um lado, para mostrar aos compositores eruditos que era por meio do 
conhecimento dos variados estilos da música popular que deveria se fazer uma música erudita 
nacional, e, por outro lado, porque Almeida estava considerando, a partir de então, que a 
incorporação de informações sobre o folclore musical, na segunda edição da sua obra, daria a 
ela um rigor mais científico, um “caráter mais prático”. 
A partir de março de 1941, com o retorno de Mário de Andrade a São Paulo, a troca de 
cartas entre os autores volta a ocorrer com mais freqüência, o que se dá até 1942, ano da 
publicação da segunda edição de História da música brasileira, de Almeida. Em carta de 03 
de fevereiro de 1942, Renato Almeida relata a Mário de Andrade que com a publicação da 
obra terminava uma “enorme tarefa”, na qual o autor de Macunaíma teve grande 
responsabilidade, por ter despertado nele o interesse em lançar uma segunda edição da obra 
em questão. De acordo com Almeida: 
(...) porque foi de uma palavra sua [Mário de Andrade] que nasceu a idéia 
de dar ao trabalho a orientação que tomou afinal, quando você me 
censurava a 1ª edição. Mas aquela tinha que ser como foi. Frutinho da 
época. Intoxicação impressionista, ausênciade material, certo desprezo pela 
pesquisa. (ALMEIDA apud NOGUEIRA, 2003, p.344-345). 
 
81 
 
Após ler a segunda edição da obra de Almeida, Mário de Andrade emite a sua opinião 
ao amigo residente no Rio de Janeiro, em carta de 02 de março de 1942, enfatizando que 
somente a partir dessa segunda edição o livro se torna uma obra de referência: 
Realmente, sem a menor condescendência de amigo urso, você fez uma 
obra admirável. Se sob apenas o ponto de vista da música histórica ele não é 
“técnico”, minha convicção é que ele não tinha que ser técnico. Se o fosse 
você se dispersaria numa ladeira de observações de caráter monográfico e o 
seu livro perderia a unidade esplendida que tem. Agora sim: seu livro ficou 
sendo um ponto de partida pra monografias, uma obra de consulta 
imprescindível. Mas não estou aqui pra dizer tudo, o direi em letra de 
forma.” (ANDRADE apud NOGUEIRA, 2003, p. 346). 
 
Com o lançamento da obra, Mário de Andrade escreve dois artigos
35
 em que elogia 
bastante a segunda edição de História da música brasileira, considerando-a como obra 
norteadora da musicologia brasileira, até então carente de referências modernas no campo 
científico. Em um desses artigos, intitulado “Música Brasileira”, Andrade (1973) diz que a 
relevância da obra está principalmente no motivo do autor considerar que a música popular e 
a música erudita tinham a mesma importância histórica, fato este que coloca o livro como 
base para os estudos de musicologia moderna brasileira: 
Uma das originalidades do livro, como concepção histórica, foi Renato 
Almeida ter dado à nossa música popular importância igual a que deu para a 
música erudita. Isso não só se justifica por sermos um país novo em que a 
música dos compositores ainda raro nomeia figuras de primeira grandeza e 
nenhum fato de música erudita que tivesse projeção universal, ou por 
estarmos nacionalizando a nossa produção pela regra eterna de transpor 
eruditamente a obra anônima do povo. (...) O que desejei foi apenas celebrar 
o aparecimento de uma obra de muito trabalho e de muito valor, em que a 
musicologia brasileira pode agora se estrear, para prosseguir em estudos 
mais minuciosos e particulares. (ANDRADE, 1976, p. 354-358). 
 
O enaltecimento da obra recém lançada por parte de Mário de Andrade em cartas e em 
artigos faz com que Renato Almeida escreva uma carta na qual revela a importância 
intelectual de Andrade para a elaboração do livro, o que, de certo modo, reforça o nosso 
 
35
 O artigo “Música Brasileira” foi publicado no Diário de Notícias, em 22 de março de 1942, e consta também 
em Música, Doce Música. São Paulo, 1976. O segundo artigo foi publicado em Planalto, São Paulo, 15 de março 
de 1942. 
82 
 
argumento de que Almeida teria, a partir dessa segunda edição, se distanciado da concepção 
filosófica com base em A estética da vida, de Graça Aranha, para aderir ao projeto musical de 
Andrade, pautado pela valorização da pesquisa e coleta do folclore brasileiro. Isto fica claro 
na passagem que se segue, referente à carta de 04 de março de 1942: 
Eu relembro agora a carta que você me escreveu, quando da 1ª edição. Se 
você, por amizade, como me disse então, não atacou o livro, a mim disse o 
que sentira e indicou o que devia fazer. Por isso você teve nesse livro um 
papel enorme. Não apenas, pela contribuição de seus estudos, dos seus 
conselhos e das suas achegas. Mas um papel psicológico extraordinário, 
porque ele partiu daquela sua observação citada. E o louvor de hoje me dá a 
consciência de que eu o compreendi. E você me compreendeu muito bem 
porque começou por aferir um ponto, que me ficara sempre duvidoso, se 
seria deficiência ou não: a parte técnica. Está claro que me inclinei pelo 
seu modo de ver, pois do contrário nada teria feito. (...) Eu fiz o que eu 
quis – um livro que merecesse o seu aplauso. Não há nisso lisonja besta, 
que não cabe aqui, eu não faria e você não toleraria. Mas ninguém pode 
pretender, no assunto, a sua autoridade, a que ninguém se igualou, nem 
ninguém fez, até hoje, o que você realizou no assunto. E disso a minha 
História é um testemunho. Em todos os assuntos fundamentais você está 
presente. Ninguém abrangeu, em intensidade ou extensão, os seus estudos 
nesse setor. Por isso, sua palavra era pra mim fundamental e deu uma 
grande serenidade. (ALMEIDA apud NOGUEIRA, 2003, p. 348-349). 
 
Do ano de 1942 em diante, a troca de correspondência entre os autores praticamente 
termina, sobretudo devido ao agravamento do estado de saúde de Mário de Andrade, que vem 
a falecer em fevereiro de 1945. Um fato importante e que merece ser registrado é que, a partir 
de 1947, Renato Almeida se torna uma liderança em defesa do folclore, criando, neste ano, 
junto com Luiz Heitor Correa de Azevedo
36
 (1905-1992), uma das comissões temáticas do 
Instituto Brasileiro de Educação, Ciência e Cultura (IBECC), a Comissão Nacional de 
Folclore (CNFL). Essa Comissão teve como objetivo mobilizar forças para a defesa das 
manifestações folclóricas e para a formação de uma agência governamental que garantisse a 
sua pesquisa e conservação. Tal intento foi conseguido em 1958, com a chamada Campanha 
 
36
 Luiz Heitor Correia de Azevedo foi professor, musicólogo e folclorista. Escreveu vários livros sobre a 
temática musical, dentre eles, o de maior expressão foi 150 Anos de Música no Brasil, publicado em 1956, pela 
editora José Olympio (MARIZ, 1983). 
83 
 
de Defesa do Folclore Brasileiro, junto ao Ministério de Educação e Cultura, que, em 1976, 
foi incorporada à Funarte, como Instituto Nacional de Folclore (VILHENA, 1997). 
Com nossa análise da correspondência entre Mário de Andrade e Renato Almeida, 
circunstanciada, como vimos, pela referência de alguns artigos publicados na imprensa e nas 
revistas culturais da época, pretendemos mostrar, fundamentalmente, como as divergências 
existentes em relação ao modo de se conceber a música brasileira entre os intelectuais 
modernistas vão sendo gradativamente atenuadas durante os anos 1930, chegando ao ponto de 
Renato Almeida aderir ao programa normativo de Mário de Andrade, talvez a base a partir da 
qual o modernista baiano radicado no Rio de Janeiro tenha vindo a assumir, posteriormente, a 
liderança da Campanha Nacional do Folclore, a partir de 1947. Cabe agora demonstrarmos 
como essas tensões, divergências e convergências são formalizadas nos livros de Renato 
Almeida e de Mário de Andrade. 
84 
 
CAPÍTULO 3 
 
A FORMALIZAÇÃO DA HISTÓRIA DA MÚSICA BRASILEIRA 
 
Neste capítulo, pretendemos mostrar como o debate e os conflitos interpretativos sobre 
a formação da música erudita brasileira, no contexto do modernismo, foram formalizados nas 
primeira e segunda edições de História da música brasileira, de Renato Almeida, e no Ensaio 
sobre a música brasileira (1928) e Pequena história da música (1929), de Mário de Andrade. 
Para isso, buscaremos apontar como eram vistos os compositores até o período modernista e 
qual era a importância da música popular para a formação da música brasileira na concepção 
dos autores referidos. Nesse sentido, tentaremos, por um lado, explicitar a existência de duas 
posições metodológicas que estavam disputando como “deveria” ser entendida a formação da 
música no Brasil e, conseqüentemente, o seu processo de nacionalização – posições estas que 
estavam se confrontando desde o início da década de 1920, como mostramos no primeiro 
capítulo desta dissertação, através da análise de aspectos da trajetória de Mário de Andrade e 
Renato Almeida e seu diálogo público nas páginas das revistas culturais do período, e no 
segundo capítulo, através da análise da correspondência trocada entre eles. 
 
3.1. História da Música Brasileira - 1ª Edição 
A primeira edição de História da música brasileira, de Renato Almeida, é publicadaem 1926, sendo o primeiro trabalho de concepção modernista que registrou os principais 
compositores brasileiros e a discussão musical no país até a década de 1920. Nesta obra, o 
objetivo de Almeida, para além de realizar uma síntese da “nossa capacidade musical”, 
através da contribuição dos compositores eruditos durante a história, era, sobretudo, o de 
apontar o caminho necessário para construir uma música com características nacionais. 
85 
 
Em sua primeira edição, História da música brasileira apresenta, além da introdução 
“Symphonia da Terra”, os seguintes capítulos: “A música popular”; “A música brasileira no 
começo do século XIX”; “O romantismo na música brasileira”; “Tendências da música 
brasileira”; “O espírito moderno na música”; “A cultura musical no Brasil”. Esta edição do 
livro, como já apontamos, está fortemente marcada por A estética da vida (1921) de Graça 
Aranha, especialmente seu diagnostico sobre a dualidade homem/natureza, no Brasil, e seu 
prognóstico esteticista da arte como caminho que poderia conduzir o brasileiro a se integrar 
com a natureza de seu país, e, posteriormente, com a “unidade infinita do todo”. Não por 
acaso, talvez, a primeira edição de História da música brasileira é dedicada a Graça Aranha. 
Na introdução “Symphonia da Terra”, Renato Almeida apresenta o elemento que 
considera fundamental para se entender o país e, dessa forma, para a composição de uma 
música nacional: a peculiaridade da natureza brasileira. Para o autor: 
O mundo em torno é todo elle uma alegoria. Ao meio da luz, rebrilham e 
fulguram as coisas, tocadas de oiro, como num incêndio scintillante e 
maravilhoso. A côr cria e transfigura, nos reflexos cambiantes e subtis, 
entre os tons intensos e os motivos suaves, numa surpreendente harmonia. 
O sol esbrasêa, queima as florestas, escalda a terra e põe no mar requintes 
de brilhos, dando á natureza a alegria e o torpor, o deslumbramento e a 
melancolia. Na matta, torram as folhagens, arrebentam os troncos, donde 
escorrem as resinas mornas, e a terra mesma se abre, numa ânsia cruel e 
voluptuosa. A soalheira é uma allucinação. Não só dá cor, mas também 
som. Vede a symphonia prodigiosa que se levanta! Gritos vermelhos, 
melopéas verdes, alaridos de folhas seccas, soluços lilazes e imprecações 
cinzentas. São as vozes da selva que estrugem. Sons de violinos e oboés, 
frautas, violloncellos, tambores, fagotes e timbales, harmonizando um 
rythmo bárbaro e grandioso (...) em tudo há som, nesse rumor indeciso da 
terra virgem, que é toda inteira um canto de alegria e de êxtase. 
(ALMEIDA, 1926, p.11-12- 13). 
 
Ao descrever a natureza brasileira de forma alegórica, destacando a sua beleza 
exuberante, Almeida chama a atenção para o que considera as características próprias do 
Brasil, quais sejam: a “alegria” e o “deslumbramento”. Partindo dessa mesma concepção 
idealista da paisagem brasileira selvagem, é que o autor vai entender o surgimento de uma 
“sinfonia prodigiosa”, isto é, da música em sua forma natural. Em outras palavras, Almeida 
86 
 
entende que existia um estado de êxtase na natureza brasileira antes mesmo da colonização. 
Este modo de abordar a natureza e também a música está alinhado A estética da vida, de 
Graça Aranha, que havia considerado a natureza “uma prodigiosa magia. E no Brasil ela 
mantém nas almas um perpétuo estado de deslumbramento e de êxtase” (ARANHA, 1921, 
p.89). 
Nesse sentido, a compreensão da natureza brasileira é destacada por Almeida como 
elemento essencial para a integração do homem ao seu meio natural, podendo ele, a partir 
disso, construir a música nacional. Na sua interpretação, havia a necessidade de se entender as 
características presentes na natureza selvagem para que fosse possível compor uma música 
brasileira. Desse modo, a natureza é entendida, por um lado, no seu sentido estrito, o de 
mundo natural, concebendo-se que é o ritmo desse mundo natural que deve ser incorporado à 
composição musical, convertendo-o em manifestação artística. Por outro lado, o conceito de 
natureza também é entendido pelo autor não apenas como sendo o mundo natural, mas 
também a transformação que a atividade humana realiza da natureza; ou seja, a música 
precisaria incorporar não somente o ritmo natural, mas também a transformação que a 
natureza sofre em contato com o ser humano. Nesses termos é que Almeida defende a 
incorporação, em seu projeto musical, de elementos da vida moderna à música nacional. 
A advertência de que é preciso construir a música brasileira com os elementos 
próprios do Brasil é emblemática na obra, como podemos perceber no excerto a seguir: 
Ouçamos as vozes da terra e criaremos o ritmo de nossa arte, profunda e 
imortal (...) Sejamos os artistas comovidos do nosso habitat maravilhoso, 
onde cada espírito deve ser livre e sincero, sentindo intensamente o mistério 
das coisas (...) Basta(-lhe) transformar a vida, como se (lhe) apresenta, em 
motivos de emoção profunda, de força, ou de beleza (ALMEIDA, 1926, p. 
16-17). 
 
Após delimitar a importância da natureza para a formação da música brasileira, Renato 
Almeida volta-se para a gênese social brasileira, com o intuito de apontar qual é o traço 
característico da “alma brasileira” que pode contribuir para o advento de uma música artística 
87 
 
nacional. Para isso, ele se detém a analisar as chamadas “três raças formadoras”, composta 
pelo português, pelo africano e pelo indígena
37
. Na concepção de Almeida, o índio, o 
português e o negro tinham como principal característica a melancolia, característica esta que 
contrastava com o cenário da natureza brasileira, que era de êxtase. Nas palavras do autor, 
Melancólico era o índio fugidio e indolente, que vivia a vida cheio de 
nostalgia, num perpétuo espanto pelas coisas que o cercavam; melancólico 
era o lusitano, ousado mas triste, vivendo no mar e com a saudade da patria 
sempre no coração; melancolico era o negro, caçado, roubado e 
escravizado, que soffria no cativeiro uma dôr irremediável e aniquilante. 
Todas essas vozes que se levantaram eram um contraste com o scenario, de 
magnífico fulgor. A alma do brasileiro guarda esse fundo trágico, em que o 
homem teme a natureza e procura vencê-la pela imaginação exaltada caindo 
depois em abatimento e langor. E esse primeiro encontro com o meio, esse 
inquieto e doloroso êxtase ante uma grandeza que maltrata, não 
encontraremos em symbolos mais vivos do que no canto popular (...) 
(ALMEIDA, 1926, p.23-24). 
 
Na visão de Renato Almeida, o português, quando chegou ao Brasil, não entendeu os 
“timbres da sinfonia brasileira”, que era de alegria e de êxtase, e passou a cantar “uma canção 
dolorosa e melancólica”, estranhando o novo mundo e sentindo saudade da sua terra natal 
(ALMEIDA, 1926, p.12-13-14). Esse também será o comportamento dos filhos desses 
colonizadores nascidos no Brasil que buscam incorporar o “deslumbramento” do país novo, 
embora não consigam se desvencilhar do “traço da melancolia” (ALMEIDA, 1926, p.14). 
Para Almeida, mesmo nesses primeiros brasileiros, o “êxtase, por vezes, cessa, para dar lugar 
a tristeza e ao abatimento, que se traduzem nas cordas líricas de um sentimentalismo um 
pouco amargo” (ALMEIDA, 1926, p.14-15). O autor entende que aquela “dor de seus pais, 
perdura neles, como um tributo implacável da origem diferente ao novo mundo” (p.15), 
concluindo que esse “é o fundo de tristeza da psique brasileira” (ALMEIDA, 1926, p.15). Ou 
seja, o colonizador estrangeiro e mesmo os já nascidos no Brasil não conseguiam se adaptar 
ao ambiente do novo mundo, por isso eram melancólicos e não conseguiam expressar na 
 
37
 Em História da música brasileira (1926), Almeida afirma que outras formações sociais, como a espanhola e a 
italiana, também contribuíram com a formação da música brasileira, porém, de forma menos significativa que as 
outras. 
88música a realidade da natureza brasileira. Nesse tocante o autor considera que a modinha seria 
a canção que melhor expressaria essa inadequação em relação à natureza brasileira. 
Transportada de Portugal para o Brasil, porém sofrendo modificações no meio brasileiro, a 
modinha apresenta uma melodia sentimental e apaixonada, considerada como uma “voz de 
magoa ou nostalgia”, em que persiste a separação entre o homem e a terra (ALMEIDA, 1921, 
p.35). 
No que concerne à contribuição indígena, Almeida considera não ser possível detalhar 
muito bem a sua música, tampouco as especificidades da sua formação social, uma vez que 
existiam poucas informações sobre a população indígena no contexto dos anos 1920. O que se 
conhecia eram os relatos de cronistas como os de Jean de Lery, Gabriel Soares e Cardim que, 
de um modo geral, afirmavam que as músicas dos índios buscavam imitar o canto dos 
pássaros. Porém, o autor entende que a música indígena, pelo seu ritmo “seco” e “bárbaro”, 
expressava o medo que o nativo sentia com relação à natureza que o cercava, medo este que 
se transfigurava em melancolia. Assim, a música dos indígenas 
Nunca se recurva em melodia e é sempre de uma severidade religiosa, 
sentindo-se o terror das coisas, os deuses ferozes que amedrontam. (...) Sem 
preconceitos, sem apegos, sem fórmulas, a música do nosso indígena era a 
transfiguração suprema do espírito desses sêres primitivos, extasiados ou 
amedrontados, pelo mysterio da natureza indecifrável. (ALMEIDA, 1926, 
p.27-28). 
 
Das “três raças formadoras”, Almeida considera que foi a africana que deu maior 
contribuição para a música brasileira (p.30-31); compreendendo-a como uma música de 
ritmos “fortes e coloridos” (ALMEIDA, 1926, p.31) devido aos inúmeros instrumentos de 
percussão. Tal riqueza rítmica presente na música de origem africana é vista como 
imprescindível na construção de uma musicalidade moderna. De acordo com o autor, 
O batuque dos negros, os recursos dos timbres, os elementos fortes e 
differentes de sonoridade, forma de uma riqueza admirável e, 
modernamente, quando a musica busca a expressão na fórmas puras dos 
sons, são fontes de inspiração que não seria lícito desprezar (...) 
(ALMEIDA, 1926, p.31-32). 
89 
 
 
Nesse sentido, Almeida dá maior destaque às características da música negra por ela 
apresentar elementos rítmicos considerados modernos, assim como pelo fato de apresentar 
traços de “alegria” que tinham mais a ver com a natureza brasileira, embora a melancolia 
persistisse como característica distintiva também desse grupo social. 
Após apresentar as características musicais dos três grupos que deram origem à 
formação social brasileira, bem como o traço da melancolia que era comum aos três grupos, 
Almeida passa a discutir a música popular que era feita inicialmente no Brasil. O autor 
destaca o caso da modinha que, embora de origem portuguesa, teria se adaptado ao Brasil e 
ganhado, com isso, características brasileiras. A modinha feita em nosso país teria 
normalmente como tema os “encantos da mata, os murmúrios dos rios, os quebrantos do luar, 
os mysterios das estrela” (ALMEIDA, 1926, p.35), em que persiste o desequilíbrio entre o 
homem e a terra, pois é melancólica. A modinha também foi cultivada e executada em salões 
da alta sociedade do primeiro e segundo Reinados, porém, na interpretação de Almeida, é 
justamente nesses ambientes que ela perde sua originalidade. Para ele, a modinha deve ser 
feita e cantada ao ar livre, principalmente pelos mestiços, e não em um espaço cortesão. 
Sendo dessa maneira, Renato Almeida a considera como uma das composições populares 
mais características do Brasil do século XIX. 
Almeida comenta, sem dar maiores destaques, outros estilos de música popular, como 
os lundus, fandangos, sambas, tyrannas, cuicumbys, congos, aboiados, bailes pastoris, ranchos 
de Reis, as cheganças, os bumba-meu-boi, os benditos (cantos religiosos), sempre enfatizando 
que a principal característica da música popular brasileira é a permanência da melancolia. Ao 
falar da música de dança, ele cita a importância do compositor Ernesto Nazareth, sugerindo 
que as suas composições demonstram, com “uma riqueza prodigiosa de rythmos, os 
característicos incertos da alma popular, humilde, atrevida, voluptosa, ardente e rústica, numa 
90 
 
música cheia de brilhos e sugestões” (ALMEIDA, 1926, p.45). Considera o maxixe como a 
mais característica das nossas danças, tendo como peculiaridade a sensualidade e o ritmo 
muito “quente”, ritmo este herdado dos africanos, e que vai constituir um dos elementos 
centrais da música brasileira. 
Outro estilo de música popular que o autor destaca é o samba de carnaval do Rio de 
Janeiro, pois considera que é durante o carnaval que o “espírito melancólico se desforra (...) 
num delírio de alegria e vibração” (p.51), alcançando a “verdadeira” essência da natureza que, 
para ele, é a alegria. Para Renato Almeida, o samba de carnaval, por representar um 
movimento febril em que a alegria, o sarcasmo, encobre qualquer tipo de melancolia, seria a 
música brasileira popular por excelência (ALMEIDA, 1926, p.54). Durante o carnaval, 
Não há mais aquelle recato em que se vive recolhido o nosso espírito, mas 
transbordamento, excitação, delírio. Nas notas quentes dos sambas, nos seus 
compassos agitados e febris, movem-se desejos, ardores e vibrações, e as 
dansas, maneiadas com desenvoltura, acompanham o capricho do batuque, 
nesse ambiente pagão e desregrado. Essa música constitue-se de motivos 
puramente brasileiros, sentindo-se a influencia africana que predomina. 
(ALMEIDA, 1926, p.52-53). 
 
Notamos, assim, que o samba, para Almeida, expressaria a “alma popular”, marcada 
por uma “liberdade desabusada”, e, nesse sentido, representando o “fundo inconsciente da 
gente, com enlevo ou zombaria, mas cheio de emoções e encanto” (ALMEIDA, 1926, p.55), o 
que evidencia a sensibilidade nativa brasileira, tão buscada pelo autor para acabar com a 
dualidade entre o indivíduo e a natureza. O samba de carnaval, na concepção do autor, merece 
proeminência, pois conseguia, na forma popular, unir o homem ao seu meio natural, unidade 
essa imprescindível na construção de uma música erudita artística brasileira. 
Após tecer essas considerações sobre as formas musicais populares que eram 
produzidas no Brasil, Renato Almeida aponta para a necessidade de os compositores eruditos, 
do contexto dos anos 1920, apreenderem intuitivamente essa musicalidade popular, autóctone, 
que estava em conformidade com o estado de “êxtase” da natureza brasileira. Em acordo com 
91 
 
os preceitos de Graça Aranha, Renato Almeida enfatiza a necessidade da música se integrar à 
natureza brasileira, para que posteriormente possa haver a integração da arte brasileira no 
concerto internacional. 
Agora que o espírito moderno, libertando a arte brasileira da imitação e do 
passadismo, procura integra-la na terra, onde estão as fontes inspiradoras 
que a cultura universalizará, todos esses motivos ardentes do canto popular 
servirão para a grande construção da nossa arte. No samba, por exemplo, a 
força interior e expressiva está na própria rudeza e na sua liberdade 
desabusada. Exprime a alma popular, o fundo inconsciente da gente, com 
enlevo ou zombaria, mas cheio de emoção e encanto. (ALMEIDA, 1926, 
p.55). 
 
Se com essa colocação, Almeida sugere que a música popular poderia ser percebida 
intuitivamente por compositores eruditos, que estivessem comprometidos com o projeto 
nacional, o critério que orienta sua História da música é a intuição da natureza, presente em 
manifestações musicais populares como o samba. Assim, com o intuito de localizar na 
tradição musical brasileira os momentos em que os compositores tentaram de alguma forma 
compor levando em conta a intuição da natureza brasileira, Renato Almeida reconstitui o que 
ele chama de história da música erudita brasileira.No capítulo “A música brasileira no começo do século XIX”, Almeida inicia 
afirmando que a vinda de D. João VI foi uma predestinação para a história brasileira, 
momento em que houve o florescimento do movimento de independência, na colônia. A partir 
disso, as coisas do espírito passaram a ser valorizadas na colônia, abrindo-se as primeiras 
escolas superiores, que vão possibilitar o desenvolvimento das artes locais. Em 1815, ocorre a 
fundação da Escola de Belas Artes, para onde vieram Joaquim Lebreton, João Baptista Debret 
e outros artistas franceses, com objetivos pedagógicos (ALMEIDA, 1926, p. 60-61). Porém, 
nesse período, a música não teve o mesmo incentivo que houve para as artes plásticas. Antes 
de D. João VI, a música feita na colônia era basicamente de caráter religioso e tinha como 
destaque padre Manoel da Silva Rosa, sendo que, no canto popular, a principal figura do 
período foi a de Gregório de Mattos (ALMEIDA, 1926, p.62-63). Na concepção de Renato 
92 
 
Almeida, é com D. João VI que se inicia o primeiro período da música brasileira, sobretudo 
na presença do padre compositor José Maurício (1767-1830). Nascido no Rio de Janeiro, José 
Maurício ganha destaque por ser nativo e de origem mestiça, o que o coloca na condição da 
primeira “afirmação poderosa do espírito brasileiro” (ALMEIDA, 1926, p.68). Gregório de 
Mattos também é destacado por Almeida como um grande artista do período, sobretudo como 
poeta, embora “bárbaro” e “desabusado”. Contudo, pelo fato de Gregório de Mattos ter 
adquirido sua formação intelectual no exterior, principalmente em Portugal, assim como 
outros artistas do período colonial, como Mathias Ayres, Basílio da Gama, Santa Rita Durão e 
os Árcades, ele tem seu valor diminuído quando analisado sobre um critério de nacionalidade. 
Nesse sentido, José Maurício, como nunca havia saído do Brasil, será considerado como o 
inaugurador da música erudita no Brasil, principalmente pelo fato de ter criado “uma obra que 
ultrapassa de muito o seu meio. A prova é que não teve discípulo, nem continuadores (...)” 
(ALMEIDA, 1926, p.71), embora tivesse sofrido influências principalmente da música erudita 
alemã, como Bach, Mozart e Haydn. 
Situando historicamente os compositores eruditos que tiveram importância para a 
formação da música brasileira, Almeida aponta o compositor Francisco Manuel da Silva 
(1795-1865) como um segundo nome de relevância histórica; embora este fosse considerado 
menor se comparado a José Maurício. Na interpretação de Almeida, o compositor teve um 
papel importante por ter feito o Hino nacional brasileiro e também pelo desenvolvimento do 
ensino musical do Brasil. Outro compositor destacado é o imperador D. Pedro I, que compôs 
o hino da independência, com letra de Evaristo da Veiga. 
O período do romantismo musical é descrito por Renato Almeida como sendo o da 
revolta do indivíduo contra a sociedade, levando, dessa forma, à “hipertrofia do eu” e a um 
“devaneio da personalidade” (ALMEIDA, 1926, p.79). Nessa direção, o autor afirma que o 
romantismo iniciado no Brasil, em 1830, já convivia com um povo romântico, que acreditava 
93 
 
“ingenuamente” na natureza, e tinha a melancolia como principal traço característico. Na 
leitura que faz da história da música no período romântico do Brasil, Almeida diz que foi 
Carlos Gomes (1839-1896) o grande destaque como compositor nacional. É o compositor 
mais consagrado, interna e externamente. Para o autor, Carlos Gomes 
estava talhado para ser o criador da musica brasileira, não no sentido de 
uma arte regional, que é sempre menor, mas com a grandeza dos motivos 
nacionais, sentidos através da cultura, porque, no final, a arte é aquele 
depoimento do coração humano, que deve dominar o tempo e o espaço, ser 
perpetuo e universal (ALMEIDA, 1926, p.85). 
 
Renato Almeida compara, na esteira de Graça Aranha (ALMEIDA, 1926, p.85), o 
compositor Carlos Gomes com o escritor José de Alencar, considerando-os como os dois 
artistas que buscaram a independência musical e literária do Brasil, respectivamente. Assim, 
afirma que ambos buscaram os motivos de suas obras no ambiente do Brasil, e não em outros 
lugares. Carlos Gomes, 
No Guarani, pretendeu criar o indianismo na música, a guisa do Alencar e 
Gonçalves Dias, despertando a terra, na evocação do autóchtone, assim 
tornado, embora em falso, o symbolo da nossa gente (...) fazendo-o 
desprezar as vozes da terra, ou compril-as nos moldes da „arte‟, sacrificando 
a intenção á forma. (ALMEIDA, 1926, p.86-87). 
 
Na concepção do autor em questão, Carlos Gomes acabou compondo sua obra na 
forma italiana, o que lhe teria tirado a “graça” e o “interesse”. Em outras palavras, o sucesso 
alcançado por Carlos Gomes na Europa fez com que este compositor passasse a compor em 
“moldes italianos”, o que o levou a deixar de lado os “motivos nacionais” (ALMEIDA, 1926, 
p.89). 
Nessa mesma perspectiva, analisando os compositores a partir de um critério de 
nacionalidade, o músico Leopoldo Miguez (1850-1902) é visto como um imitador de Wagner, 
não tendo grande importância nacional; entretanto, tendo como relevância o “domínio da 
eloqüência” e o fato de ser “um sinfonista de mérito e brilho”. Esse tipo de avaliação feita por 
Almeida dos compositores brasileiros revela como os modernistas descaracterizavam os 
94 
 
compositores de uma determinada época que não aparentavam seguir os seus critérios de 
valor, no caso, o nacional: “Nossos artistas em geral, se deixaram escravizar nas escolas 
alheias, em cujas fronteiras assentam tendas, contentando-se com os horizontes que os outros 
rasgaram” (ALMEIDA, 1926, p.92). 
Outro compositor destacado na História da música brasileira é Alexandre Levy 
(1864-1892). Segundo Almeida, esse compositor faz uma música cheia de emoção e 
melancolia, sendo um folclorista de grande valor musical. Influenciado por Schumam, Levy 
era um “romântico apaixonado” que “olhava” o mundo com melancolia. Almeida enfatiza a 
série Schumanniana para piano de Levy, afirmando que este “Ama as coisas silenciosamente, 
mas com uma tortura do infinito, que é ânsia e nostalgia...” (ALMEIDA, 1926, p.101). 
A geração que se firmou a partir de 1890 é exaltada por Renato Almeida, visto que 
este considera que é nesse momento que começa a se desenvolver uma música com 
características próprias do país. Nesse contexto, destaca o compositor Alberto Nepomuceno 
(1864-1920), músico que combateu as imitações estrangeiras e que buscou criar sua música 
mais próxima do ambiente da “nossa natureza”. Nas palavras de Almeida, embora não tivesse 
atingido a “arte nacional”, Nepomuceno “foi um precursor deixando em sua obra a gênesis 
desse esforço ousado e trágico, que já sentimos vingar. Apareceu em uma época de fraco 
brasileirismo”. Tal compositor é também elogiado pelo fato de ter lutado para que o canto 
fosse feito na língua portuguesa. Embora feitas as ressalvas da importância do compositor 
cearense, Almeida passa-o pelo seu crivo nacionalista, afirmando que Nepomuceno “procurou 
ser brasileiro apenas nos motivos e pela inspiração, colocando a sua emotividade nova dentro 
de velhos moldes, onde não raro a intenção se sacrificou” (ALMEIDA, 1926, p.119). 
Nessa perspectiva, o compositor Henrique Oswald é considerado o menos brasileiro 
dos músicos brasileiros contemporâneos a Almeida, sua importância, entretanto, estaria no 
fato de trazer para a música o sentido do equilíbrio e da medida. Na ótica de Almeida, a 
95 
 
música de Oswald não “se harmoniza com o cenário deslumbrante do Brasil. [A sua música] 
não é feita na natureza, ao ar livre, mas nas doces intimidades, nos ambientes discretos, onde 
a luz, coada, tamizada e diffusa, tem jogos singulares (...)” (ALMEIDA, 1926, p.124). 
Henrique Oswald é visto como um artista “fino”, em busca da perfeição formal, o que, na 
interpretação de Almeida, estaria em desarmonia com as características “desmedidas”do 
brasileiro. 
Nessa linha de interpretação, Renato Almeida narra a história da música feita no Brasil 
afirmando que esta ainda não se constituía como nacional, embora houvesse uma quantidade 
grande de compositores que buscassem fazer a integração entre o indivíduo e a natureza, 
ligação essencial para se chegar à música nacional, porém, sem sucesso, como Francisco 
Braga, Barroso Netto, Arthur Napoleão, para citar alguns. Na opinião de Almeida, somente os 
compositores dos anos 1920 estavam realizando, de fato, a tarefa de unir a música à natureza 
brasileira. Este era o caso de Heitor Villa-Lobos, considerado o primeiro compositor que 
soube transformar, pela emoção intuitiva, a natureza em arte. Por isso, a sua música, além de 
conseguir ser autenticamente brasileira, também conseguia se universalizar. Almeida é muito 
enfático ao apontar o feito de Villa-Lobos: 
Si precisássemos de uma viva e fulgurante demonstração pelo que vimos 
insistindo nesse ensaio, sobre a influencia do meio na obra de arte, a musica 
do Snr. Villa Lobos nos daria a mais absoluta. Sem ser um simples 
paisagista, que copiasse a natureza, nem um folk-lorista, que vivesse 
aproveitando os motivos populares para estilizações, sendo antes de uma 
personalidade exorbitante, o Snr. Villa Lobos tem a animar sua arte o 
espírito da terra, no fulgor da natureza, na melancolia do homem, enfim na 
incerta psyche brasileira, a um tempo audaciosa e tímida, violenta e 
retraída.” (ALMEIDA, 1926, p.169-70). 
 
Ao afirmar, nessa passagem, Heitor Villa-Lobos como o compositor que melhor 
representaria a música moderna no Brasil, Renato Almeida evidencia o que para ele seria 
fazer uma música erudita brasileira. Na sua interpretação, é preciso que o compositor 
moderno incorpore o “meio”, a “natureza” em que vive na obra artística, contudo, não como 
96 
 
fazem um “paisagista” ou um “folclorista”, que retratam a natureza objetivamente, em sua 
“aparência”. Seria preciso apreender o “espírito da terra”, ou seja, a própria “subjetividade” 
da natureza brasileira. Somente realizando essa tarefa, o músico estaria compondo música 
nacional. 
Com a construção historiográfica centrada na seqüência dos compositores 
selecionados, Renato Almeida deixa evidente o modo como compreendia a formação da 
música brasileira, bem como aponta para o seu projeto de nacionalização dessa mesma 
música. Isso fica evidente na seguinte passagem: 
A música não tem que contar, nem desenhar, nem modelar. Não é 
descritiva, nem plástica. A música é sugestão apenas e deve permitir um 
ambiente de interpretação, em que a alma humana, liberta e exaltada, sinta a 
vida, pelo mais intenso gozo estético. A essência da musica é a musica, 
pairando acima das coisas, dominando-as e elevando-se pelo prestigio do 
som, incompreensível e misterioso. É certa a palavra de Wagner – quando 
as outras arte dizem “isto significa”, a música diz: “isto é”, porque ella 
penetra a realidade e cria, pela emoção, um mundo sensível mais alto e mais 
integral. As demais artes, insiste Nietzsche, são as artes da apparencia, do 
phenomeno, do sonho. A música surpreende e traduz o noumeno. Sendo, 
portanto, a mais absoluta das artes, ao menos para o espírito 
contemporâneo, é aquella que deve ser a mais liberta, para melhor realizar o 
desejo de nossa inquietação que volve à intelligencia, depois de desilludida 
pelo instincto. (ALMEIDA, 1926, p.145-46). 
 
Nesse sentido, para Almeida, a música moderna não deve ser um “simples efeito de 
artifício” que somente se preocupa com a matéria e se esquece do espírito. O compositor, para 
ele, não deve ser um artífice, ou seja, aquele que utiliza de regras pré-estabelecidas para fazer 
arte, tendo, com isso, uma liberdade restrita. Ao contrário, o compositor deve ser um artista, 
que não entenda as coisas somente pelo seu lado objetivo, “mas tantas quantas o espírito 
entender, na sua emotividade livre” (ALMEIDA, 1926, p.154). Com isso, para Almeida, o 
músico tem que compreender que o subjetivismo é “da essência da arte”, o que não significa 
que ele deva ser exagerado, como aconteceu no romantismo; mas que o conhecimento da 
realidade somente é possível ao indivíduo a partir do momento em que ele é capaz de 
apreendê-la pela via emotiva, neste caso, pela intuição estética. 
97 
 
3.2. Os livros de Mário de Andrade 
O Ensaio sobre a música brasileira, de Mário de Andrade, é publicado em 1928, dois 
anos após o lançamento de História da música brasileira, de Renato Almeida. Ao 
observarmos o livro no contexto do debate modernista sobre a formação da música brasileira 
é possível afirmar que o Ensaio é escrito, muito provavelmente, levando em conta as 
discordâncias de Mário de Andrade em relação à proposta de Renato Almeida para a 
nacionalização da música. Nesse sentido, escrito na forma de um manifesto, o Ensaio visava 
antes de tudo indicar objetivamente, e não “filosoficamente” como pretendia a História de 
Renato Almeida, aos compositores quais eram as normas de compor da música popular que 
deveriam ser utilizadas na elaboração de uma música erudita nacional brasileira. 
No Ensaio sobre a música brasileira, Mário de Andrade afirma que não havia uma 
música erudita brasileira, pois, segundo ele, não se tinha ainda uma entidade nacional 
propriamente dita no Brasil. Tal afirmação nos remete à sua visão de que, embora houvesse 
um país com marcos territoriais, que se tornou independente em termos políticos, em 1822, 
ainda não havia uma sociedade plenamente constituída no Brasil em termos de nação até a 
segunda década do século XX, bem como não havia uma música que pudesse ser considerada 
nacional, em virtude da manutenção da dependência cultural em relação à Europa, herdada do 
período colonial. A partir dessa compreensão, Andrade entende que os elementos que 
formavam a música erudita durante todo o período monárquico ainda continuavam sendo 
estrangeiros, da mesma forma que a música popular produzida no país não formava ainda uma 
“unidade” que pudesse levá-la a ser considerada como brasileira. Na sua interpretação, 
somente com o fim do Segundo Reinado é que começam a aparecer embrionariamente os 
primeiros caracteres da música erudita brasileira. No entanto, no Ensaio sobre a música 
brasileira, considera que a obra dos artistas eruditos do período monárquico deve ser vista 
com valor nacional para a construção da música erudita brasileira, ainda que essa obra não 
98 
 
incorporasse os elementos folclóricos, justamente porque estes apenas assumem importância 
no contexto modernista. 
Nessa delimitação que faz dos primórdios da formação da música brasileira, Andrade 
dirige uma crítica ao modo como alguns modernistas, dentre eles Renato Almeida, vinham 
insistindo em desconsiderar tais artistas do período monárquico, avaliando-os como não 
“nacionais”. Para o autor paulista, esse tipo de censura aos compositores do passado estava de 
acordo com o olhar estrangeiro e levava a confundir “o destino dessa coisa séria que é a 
Música Brasileira com o prazer deles [estrangeiros], coisa diletante, individualista e sem 
importância nacional nenhuma” (ANDRADE, 2006, p.11). O estrangeiro, para Andrade, por 
não ter como preocupação a defesa do patrimônio nacional, buscava somente o exótico, “o 
jamais escutado em música artística, sensações fortes, vatapá, jacaré, vitória-régia” 
(ANDRADE, 2006, p.11). Nesse sentido, a opinião do europeu, pelo fato de contribuir para a 
“falsificação” da entidade brasileira, não deveria ser considerada pelos intelectuais 
modernistas na elaboração do projeto de renovação artística. 
Para Mário de Andrade, a Europa, como já se encontrava num estágio de 
“civilização”, estava buscando “elementos estranhos” em outras partes do mundo. Nas suas 
palavras: 
Como a gente não tem grandeza social nenhuma que nos imponha ao velho 
mundo, nem filosófica que nem a Ásia, nem econômica que nem a América 
do Norte,o que a Europa tira da gente são elementos de exposição 
universal: exotismo divertido. Na música, mesmo os europeus que visitam a 
gente persevera nessa procura do esquisito apimentado. Si escutam um 
batuque brabo mesmo que bem, estão gozando, porém se é modinha sem 
síncopa ou certas efusões líricas dos tanguinhos de Marcelo Tupinambás, 
Isso é música italiana! Falam de cara enjoada. E os que são sabidos se 
metem criticando e aconselhando, o que é perigo vasto. (ANDRADE, 2006, 
p.12-13). 
 
Nessa direção, o autor de Macunaíma também rechaça o caráter étnico como critério 
de julgamento exclusivo na elaboração de seu projeto musical. Para ele, toda música 
produzida no país “quer tenha quer não tenha caráter étnico” poderia ser, a princípio, 
99 
 
considerada como música brasileira (ANDRADE, 2006, p.14). Assim, partindo dos primeiros 
compositores do período colonial até os do contexto dos anos 1920, Mário de Andrade vai 
perseguindo como o elemento nacional, esse “não-sei-quê vago”, aparecia em certos 
compositores ao longo da história. A partir dessa interpretação evolutiva, o autor consegue, 
em seu projeto nacional, não apenas descrever uma história da formação da música brasileira, 
como ainda valoriza o período da década de 1920, concebendo-o como o estágio mais atual, 
daí a necessidade da nacionalização das artes. Por isso, enfatizava, no Ensaio, que o músico 
que fosse desse período deveria fazer necessariamente música atual, ou seja, nacionalista. 
Essa concepção de arte moderna fica mais clara na seguinte passagem, em que o autor diz: 
Estamos procurando conformar a produção humana do país com a realidade 
nacional. E é nessa ordem de idéias que justifica-se o conceito de 
Primitivismo
38
 aplicado as orientações de agora. É um engano imaginar que 
o primitivismo brasileiro de hoje é estético. Ele é social. (ANDRADE, 
2006, p.15). 
 
É a partir da concepção de que a formação da música brasileira tem uma 
“nacionalidade evolutiva e livre” que Mário de Andrade escreve também o seu Compêndio de 
história da música, dedicado a Renato Almeida. Publicado pela primeira vez em 1929, tendo 
ainda duas edições homônimas, mudando de título, em 1942, passando-se a se chamar 
Pequena história da música
39
, o Compêndio começou a ser escrito na primeira metade da 
década de1920 com a finalidade de proporcionar um material didático sobre história da 
música
40
 aos alunos do Conservatório Dramático e Musical de São Paulo, onde Mário de 
Andrade lecionava. 
 
38 Mário, nesta parte da obra, fala da polêmica de Oswald de Andrade e Graça Aranha; exatamente como aparece 
na correspondência entre ele e Renato Almeida. 
39
 Utilizamos, nesta dissertação, a versão da Pequena história da música. Belo Horizonte: Itatiaia, 2003. 
40
 Em carta para Manuel Bandeira, Mário descreve essa obra da seguinte forma: “Vou fazer um livreco. Pra 
aluno conservatorial. Tudo sínteses, História da “manifestação” musical através dos tempos até agora. Desde os 
primitivos (pretexto pra falar dos índios do Brasil) até Villa Lobos e Strawinski. Capitulinhos claros quanto 
possível e de leitura corrente. Grande número de ideografias, arvores genealógicas etc. pra fixar no aluno os 
períodos e as personagens representativas deles. Brasil o quanto possível” (ANDRADE, 1967, p.146). 
100 
 
Em Pequena história da música, Mário de Andrade apresenta brevemente ao leitor o 
que, na sua visão, constituiria a história da formação da música ocidental. O livro é composto 
por treze capítulos que obedecem a seguinte ordem evolutiva: “Música Elementar”, “Música 
da Antiguidade”, “Monodia Cristã”, “Polifonia Católica”, “Início da Música Profana”, 
“Melodrama”, “Polifonia Protestante”, “Música Instrumental” “Classicismo”, “Romantismo”, 
“Música Erudita Brasileira”, “Música Popular Brasileira” e “Atualidade”. Em termos gerais, 
Mário de Andrade quer mostrar que o desenvolvimento da música universal sempre seguiu o 
desenvolvimento social mais amplo. Nesse sentido, o autor entende que a música “primitiva” 
seria a menos rica em possibilidades estéticas, não “a menos importante nem a menos 
estimada, mas a menos livre, a menos aproveitada em suas potencialidades técnicas e 
artísticas”, por ser aquela que tem a função social de integrar os habitantes (ANDRADE, 
2003, p.12). 
Com esse raciocínio evolutivo, Andrade entende que quanto mais a música se 
desenvolve, ao longo da história, mais ela deixa de ter uma função social, de integrar as 
pessoas na sociedade, para passar a ter uma preocupação somente estética - algo conseguido, 
como aparece na obra, no período do Classicismo do século XVIII, período em que a música 
“não tem outra significação mais do que ser música” (ANDRADE, 2003, p.117). Na 
concepção do autor, para a existência de música esteticamente livre, foi preciso que ocorresse, 
ao longo da história, uma organização de técnicas (ritmo, melodia, harmonia), de escalas etc, 
para que ela passasse a reunir valor estético. 
Com a compreensão do desenvolvimento social da música universal, Mário de 
Andrade procura mostrar na Pequena história da música a formação da música brasileira, 
especialmente nos capítulos “Música Erudita Brasileira” e “Música Popular Brasileira”; ainda 
101 
 
que as noções da formação da música brasileira postas nesses dois capítulos já estivessem, de 
certo modo, colocadas no Ensaio sobre a música brasileira, de 1928
41
. 
No capítulo “Música Erudita Brasileira”, Mário de Andrade inicia afirmando que “A 
música erudita no Brasil foi um fenômeno de transplantação”, considerando que até a 
primeira década do século XX ela ainda refletia “um espírito subserviente de colônia” 
(ANDRADE, 2003, p.163). Essa situação de subserviência mudaria, na interpretação de 
Andrade, a partir da Primeira Guerra Mundial, quando um “estado de espírito novo” passa a 
vigorar, com o surgimento da idéia de diferentes nacionalidades. Ao apontar isso, o autor 
volta-se para pensar no passado musical brasileiro, de forma semelhante a de Renato Almeida 
em sua História da música brasileira. Porém, para Andrade, ao contrário de Almeida, o que 
determinaria a existência, ou não, de uma noção de nacional nos compositores eruditos 
relacionava-se não ao indivíduo (no caso de Almeida ao indivíduo criador que conseguisse 
integrar a música à natureza brasileira), mas ao momento histórico. Portanto, o centro da 
análise de Mário de Andrade não é tanto o papel dos compositores, mas em que condições os 
mesmos poderiam exercer os seus ofícios. É a partir dessa compreensão, de que o autor está 
inserido em um contexto histórico-social, que Mário de Andrade descreve a importância dos 
compositores brasileiros. Isso fica claro na passagem abaixo: 
Nós hoje não podemos nos inspirar nas obras de Carlos Gomes. Só a vida e 
as intenções dele podem nos servir de exemplo. A nossa música 
[nacionalista] será totalmente outra, e dela os traços de Carlos Gomes têm 
de ser abolidos. Si os moços o desprezarem, afinal de contas está sempre 
certo, porque as exigências da atualidade brasileira não têm nada que ver 
com a música de Carlos Gomes. Mas além dessa atualidade moça, tão 
feroz, existe a realidade brasileira que transcende às necessidades históricas 
e passageiras das épocas. E nessa realidade, Carlos Gomes tem uma 
colocação alta e excepcional. (ANDRADE, 2003, p.179, grifos do autor). 
 
 
41
 Essas noções de evolução da música brasileira ganharão uma melhor elaboração no artigo “Evolução Social 
da Música no Brasil”, publicado em 1941. 
 
102 
 
No capítulo “Música Popular Brasileira”, Mário de Andrade descreve o 
desenvolvimento da outra corrente musical existente no Brasil, a da música popular. A 
respeito desta, afirma que, no contexto dos anos 1920, se conhecia muito pouco sobre a 
produção da música popular. Assim como Almeida, ele tambémconsidera que esta música 
tem como origem as cantigas dos portugueses, africanos, ameríndios e também dos espanhóis. 
O autor defende a idéia de que é preciso que se façam pesquisas para se conhecer essa música 
própria do país, pois o desconhecimento da música popular significava desconhecimento das 
tradições folclóricas brasileiras, como afirma no seguinte trecho: 
Muito mal está fazendo a falta de cultura tradicional, a preguiça em estudar, 
a petulância mestiça com que os brasileiros, quer filhos d‟algo, filhos de 
bandeirantes ou de senhores de engenhos, quer vindos proximamente de 
italianos, de espanhóis, de alemães, de judeus russos, se consideram logo 
gênios insolúveis, por qualquer habilidade de canário que a terra do Brasil 
lhes deu. Nos consola é ver o povo inculto criando aqui u‟a música nativa 
que está entre as mais belas e mais ricas. 
Pois colhendo elementos alheios, triturando-os na subconsciência nacional, 
digerindo-os, amolando-os, deformando-os, se fecundando, a música 
popular brasileira viveu todo o séc. XIX, bem pouco étnica ainda. Mas no 
último quarto do século principiam aparecendo com mais freqüência 
produções já dotadas de fatalidade racial. (ANDRADE, 2003, p.190-191). 
 
Ao afirmar a importância da música popular brasileira para a construção da música 
erudita brasileira, Mário de Andrade defende a necessidade da pesquisa do nacional através de 
um programa para o Brasil: 
Na conduta dum Stravinski, dum Schoenberg, dum Pizzetti, dum Manuel de 
Falla, o elemento nacional entra com fatalidade e não como programa. A 
pesquisa do caráter nacional só é justificável nos países novos, que nem 
o nosso, ainda não possuindo na tradição de séculos, de feitos, de heróis, 
uma constância psicológica inata. (ANDRADE, 2003, p.195, grifos 
nossos). 
 
O que caracterizava a fase musical do contexto dos anos 1920 era a polifonia, 
sobretudo anti-harmônica
42
, que teve em a Sagração da Primavera e Petruchcka, de Igor 
 
42
 Para Mário de Andrade, Debussy foi quem proporcionou a destruição da harmonia, “A harmonia se baseia na 
tonalidade, isto é, numa escala conforme certas exigências acordais que provocam hierarquia entre os graus. A 
harmonia é o reino do Dó maior” (ANDRADE, 2003, p.197). 
103 
 
Stravinski, as maiores obras primas. Tais composições buscavam incorporar sons e 
instrumentos diferentes daqueles usados tradicionalmente pela orquestra sinfônica até então. 
Nesse sentido, fazia-se necessário a introdução de elementos da música popular na 
composição erudita brasileira, para que esta fosse considerada atual e moderna. Entretanto, 
como essa música popular era desconhecida e muitas vezes negligenciada pelos compositores, 
historiadores e musicólogos, Mário de Andrade formaliza um projeto que visa orientar a 
pesquisa e coleta empírica dessa música popular brasileira, como aparece, em 1928, no 
Ensaio sobre a música brasileira. 
No referido livro, o período dos anos 1920 é entendido como fazendo parte de uma 
“fase socialmente primitiva”, que deveria ter uma arte que expressasse o seu momento 
histórico, ou seja, uma arte que estivesse em busca de elementos sociais e, portanto, nos 
termos do modernista paulista, uma arte “interessada”. Assim, os compositores desse período 
também deveriam fazer música “interessada”, nacional; os que não fizessem música de caráter 
nacionalista eram entendidos como não pertencentes à atualidade e, por isso, não eram 
considerados importantes para esse período histórico, porque faziam uma música 
“desinteressada”, “individualista”, que buscava somente o interesse estético. Nas palavras de 
Mário de Andrade: 
O critério atual da Música Brasileira deve ser não filosófico mas social. 
Deve ser um critério de combate. A força nova que voluntariamente se 
disperdiça por um motivo que só pode ser indecoroso (comodidade própria, 
covardia ou pretensão) é uma força antinacional e falsificadora. 
(ANDRADE, 2006, p.15). 
 
A partir dessa colocação, Mário de Andrade faz uma convocação aos compositores, 
musicistas, historiadores e musicólogos para pesquisarem as diferentes formas da música 
popular, pois somente através de pesquisa empírica e da coleta de material primário seria 
possível fazer arte nacional que tivesse “utilidade prática” para o Brasil. Assim, para Mário de 
Andrade, o critério estabelecido por Renato Almeida, para quem a música nacional poderia 
104 
 
ser construída somente por vias emocionais, pela intuição que o compositor deveria ter em 
contato com o estado de êxtase da natureza tropical que o circundava, seria ineficaz para a 
nacionalização da música feita no Brasil, uma vez que, o conhecimento do “nacional” só 
poderia acontecer pela pesquisa empírica do folclore e não pela intuição da natureza. Dessa 
forma, para Mário de Andrade, somente após a uma ampla pesquisa das composições 
populares em todo o Brasil, bem como da análise de seus procedimentos estéticos estruturais, 
seria possível escrever uma música erudita nacional. Portanto, fica evidente que na sua 
interpretação a música nacional seria construída após um rigoroso trabalho de pesquisa, que 
pudesse “encontrar” na diversidade de composições populares o elemento “nacional”. 
Uma questão que nos parece importante e que muitas vezes não é tratada em trabalhos 
acadêmicos é a questão da transitoriedade das proposições sobre música nacionalista de Mário 
de Andrade. No entendimento do autor de Macunaíma, esse critério de nacionalização da arte 
fazia sentido naquele contexto histórico do modernismo, como podemos perceber nas suas 
palavras: “(...) um critério assim é ineficaz pra julgar qualquer momento histórico. Porquê 
transcende dele. E porque as tendências históricas é que dão a forma que as idéias normativas 
revestem” (ANDRADE, 2006, p.16). Destarte, para Mário de Andrade, é aquela atualidade 
dos anos 1920-30 que estabelece o critério para a música brasileira, por isso a música do seu 
momento deveria ser nacionalista, porque a própria conjuntura histórica era nacionalista. 
Mário de Andrade adverte aqueles ligados à música no período modernista da 
necessidade de se pesquisar o cancioneiro popular, e cita 122 melodias dele que, segundo o 
autor, honrariam a nacionalidade pela sua originalidade. Assim, busca persuadir seus leitores 
de que a pesquisa desse acervo constituía condição para se fazer música nacional no Brasil. 
Mobilizando-o, o artista deveria alargar as suas idéias estéticas para não fazer algo ineficaz, o 
que significa não ser nem exclusivista nem unilateral; ou seja, o artista teria que trabalhar com 
temas brasileiros, principalmente na fase em que ele se encontra, mas não de forma excessiva 
105 
 
e exclusiva. Para evitar a unilateralidade, por exemplo, o artista brasileiro deveria evitar a 
visão de que a nossa música deve sair ou somente dos índios, ou somente dos africanos ou 
somente dos portugueses. Ao contrário disso, o artista deve entender que é justamente da 
mistura desses elementos de origens diferentes que se forma a musicalidade étnica brasileira. 
Na análise que faz sobre as formas e as técnicas da música popular no Ensaio sobre a 
música brasileira, Mário de Andrade considera o ritmo o elemento mais característico dessa 
musicalidade popular, principalmente por causa da sincopa
43
. Segundo o autor, a sincopa é 
uma constante da música brasileira que ocorre de forma inconsciente na música popular. 
Sendo um padrão rítmico rico, é de responsabilidade do artista brasileiro compreender essa 
realidade da música popular e a desenvolver. Em vista disso, ele cita o compositor Heitor 
Villa-Lobos como o exemplo que soube utilizar o sincopado e o desenvolvimento da 
manifestação popular. Porém, Mário de Andrade deixa claro que a música artística é o 
desenvolvimento do fenômeno popular, portanto não deve se restringir a utilização da 
sincopa, pois, se isso ocorre, amúsica artística “cai no fácil, no conhecido e excessivo 
característico” (ANDRADE, 2006, p.30). 
Outro elemento importante abordado pelo autor são os movimentos rítmicos e 
melódicos que são específicos da música popular. Nas suas palavras: 
Isso é uma riqueza com possibilidades enormes de aproveitamento. Si o 
compositor brasileiro pode empregar a sincopa, constância nossa, pode 
principalmente empregar movimentos melódicos aparentemente 
sincopados, porém desprovidos de acento, respeitosos da prosódia, ou 
musicalmente fantasistas, livres de remeleixo maxixeiro, movimentos enfim 
inteiramente pra fora do compasso ou do ritmo em que a peça vai. Efeitos 
que além de requintados podem, que nem no populário, se tornar 
maravilhosamente expressivos e bonitos. Mas isso depende do que o 
compositor tiver pra nos contar... (ANDRADE, 2006, p.29). 
 
 
43
Sincopa seria o “padrão rítmico em que um som é articulado na parte fraca do tempo ou compasso, 
prolongando-se pela parte forte seguinte” (definição retirada do Dicionário Houaiss de Língua Portuguesa). 
 
106 
 
Com relação à melodia da música popular, Andrade aponta que a sua utilização erudita 
pode ser problemática se for empregada para imitar a forma popular, o que ocasiona o 
empobrecimento da expressão artística. No entanto, a própria expressão musical deve ser 
controlada pelo compositor erudito, na medida em que ele está compromissado com a 
composição de uma música nacionalista. A passagem abaixo esclarece a visão do autor: 
Todos os tesouros de expressão musical que nos dera Lasso, Monteverdi, 
Carissimi, Gluck, Beethoven, Shumann, Wagner, Wolff, Mussorgski, 
Debussy, Strauss, Pizzetti, Honnegger etc. etc. que se confinaram mais pro 
lado da expressão musical psicológica, têm que ser abandonados pelo artista 
brasileiro pra que ele possa fazer música nacional. Ou o compositor faz 
música nacional e falsifica ou abandona a força expressiva que possui, ou 
aceita esta e abandona a característica nacional. (ANDRADE, 2006, p.31). 
 
Essa passagem do Ensaio ilustra bem o pensamento de Mário de Andrade acerca do 
papel da expressão artística na formulação do projeto nacionalista. Uma vez que estivesse 
comprometido com a música nacional, o compositor deveria controlar a sua expressividade, 
em grande parte calcada em cânones europeus, no sentido de poder compor a partir dos 
elementos brasileiros que a melodia popular lhe oferecesse. Nesse sentido, o compositor 
assumia uma responsabilidade no projeto nacionalista de Mário de Andrade, que era a de 
“ambientar” o público ouvinte a compreender a nacionalidade contida na música popular. 
Para ele, “(...) esta ambientação não implica liberdade individual nem muito menos ausência 
de caráter étnico” (ANDRADE, 2006, p.33). Mas, Mário de Andrade considera que o 
compositor enfrentará grandes dificuldades para realizar essa tarefa, devido à sua própria 
formação musical provinda de escolas de música que seguiam a tradição cultural européia. 
Tal formação limitaria o artista a escrever e compor obedecendo a essa tradição, o que 
dificultaria a sua mudança de pensamento. Desse modo, Andrade defende a idéia de que é 
preciso contrariar o hábito por uma convicção intelectual nova, afirmando que o “individuo 
que está convicto de que o Brasil pode e deve ter música própria, deve de seguir essa 
107 
 
convicção muito embora ela contrarie aquele hábito antigo pelo qual o indivíduo inventava 
temas e músicas via Leoncavallo-Massenet-Reger” (ANDRADE, 2006, p.34, nota 1). 
Outro aspecto explorado por Mário de Andrade que merece destaque é o da harmonia 
popular. Para ele, como a harmonização apresenta pouca importância na música popular, a 
música artística não poderia se restringir aos processos harmônicos populares, pois estes são 
muito pobres. Nesse sentido, a harmonia precisa ter um desenvolvimento erudito que coincida 
com a harmonização européia. Andrade afirma que se ocorresse algo contrário a isso, também 
seria de origem européia, pois “cair-se-ia” no atonalismo e na pluritonalidade modernos. De 
acordo com o autor, a harmonização européia não tem nacionalidade e seria um absurdo ter a 
pretensão de se criar uma harmonia tipicamente brasileira (ANDRADE, 2006). 
O Ensaio sobre a música brasileira traz ainda informações sobre os tipos de 
instrumentos usados pelos cantadores e grupos de música popular. Segundo Andrade, a 
maioria dos instrumentos usados é de origem estrangeira, mas isso não impede que tenham 
assumido características nacionais. Da mesma forma, refere-se à peculiaridade da “timbração 
anasalada da voz dos cantadores assim como dos instrumentos tocados no Brasil” que, em sua 
opinião, são tipicamente brasileiros (ANDRADE, 2006, p.44). No sentido de valorizar o tipo 
do canto nasalado encontrado de um modo geral no país, Mário de Andrade diz: 
(...) é perfeitamente ridículo a gente chamar essa peculiaridade da voz 
nacional, de falsa, de feia, só porquê não concorda com a claridade 
tradicional da timbração européia. Ser diferente não implica feiúra. Tanto 
mais que o desenvolvimento artístico disso pelo cultivo pode fazer 
maravilhas (...) São manifestações nacionais que nossos compositores 
devem de estudar com carinho e das quais, si a gente possuísse professores 
de canto com interesse pela coisa nacional, podia muito bem sair uma 
escola de canto não digo nova, mas apresentando peculiaridades étnicas de 
valor incontestável. Nacional e artístico. (ANDRADE, 2006, p.44-45). 
 
Tendo isso em vista, Mário de Andrade, diagnostica, em suma, dois motivos que 
dificultam a fixação e a generalização de formas nacionais para a construção da música 
brasileira: “a dificuldade de estudo do elemento popular e o individualismo bastante ridículo 
108 
 
do brasileiro” (ANDRADE, 1962, p.70). Tais motivos ocorrem devido à “falta de cultura 
nacional” no meio musical brasileiro, o que leva os compositores a se restringirem ou ao 
simples regionalismo ou à imitação das músicas internacionais. Para solucionar esse 
problema, Andrade aponta para a necessidade da criação de escolas brasileiras de música que 
ensinem aos compositores como trabalhar com o “populário” nacional. 
 
3.3. História da Música Brasileira - 2ª Edição 
Com a publicação da segunda edição de História da música brasileira, em 1942, 
encerra-se o debate interpretativo sobre o modernismo musical entre Renato Almeida e Mário 
de Andrade, iniciado em 1922. Se nossa interpretação estiver correta, podemos dizer que na 
segunda edição da obra de Almeida formaliza-se a sua adesão ao programa normativo de 
Mário de Andrade, programa este que defendia a pesquisa e coleta do material musical 
popular para a nacionalização da música feita no Brasil. Em termos mais amplos, a conversão 
de Almeida ao programa normativo musical de Mário de Andrade significa o abandono de 
uma determinada visão do modernismo brasileiro que valorizava formas intuitivas, não 
analíticas, de compreender a realidade nacional, tal como ele defendia em 1926, na primeira 
edição de História da música brasileira. Nesse sentido, Almeida estaria renunciando aos 
princípios filosóficos de A estética da vida, de Graça Aranha, que davam base à sua obra, para 
defender o estabelecimento de instrumentos analíticos para a apreensão da nacionalidade, tal 
como aparece no projeto musical de Mário de Andrade. 
Após sua aproximação ao projeto musical marioandradiano, Renato Almeida passará a 
assumir um papel de destaque tanto no campo da história da música e da musicologia, quanto 
no dos estudos sobre folclore. Essa mudança de enfoque da obra de Renato Almeida reflete, 
num certo sentido, um movimento maior que se processava no próprio interior do movimento 
modernista, que passava a valorizar os estudos sobre o folclore e a etnografia como meios 
109 
 
privilegiados de se apreender “a unidade nacional” (MORAES, 1990). Nessadireção, Moraes 
esclarece que 
A idéia de uma unidade cultural da nação, que amadurecerá em Mário de 
Andrade no contato com os estudos etnográficos e folclóricos, tendia a 
absorver e a neutralizar a percepção de diversidade que passava a aparecer 
como a face superficial e menos verdadeira de uma realidade considerada 
mais íntima. (MORAES, 1990, p. 75). 
 
Não deve passar despercebido o fato dessa aproximação ao projeto musical 
marioandradiano com a segunda edição da História da música brasileira, “corrigida e 
aumentada”, ter sido objeto da aprovação do próprio Mário de Andrade. Em artigo publicado 
ainda em 1942, Mário de Andrade exalta o livro de Renato Almeida, dizendo que: 
A música brasileira acaba de se esclarecer em sua história com um volume 
notabilíssimo em muitos sentidos, a segunda edição, totalmente remodelada 
e acrescentada, da “História da Música Brasileira”, de Renato Almeida. 
Embora já vários escritores tenham tentado a sistematização histórica dos 
nossos fatos musicais e da evolução da arte da música entre nós, ninguém 
conseguiu realmente uma reordenação clara dos acontecimentos e muito 
menos uma visão equilibrada e lógica. Renato Almeida o conseguiu agora, 
com muito critério e segurança de concepção. Esta segunda edição de sua 
“História da Música Brasileira” se tornou enfim, como já disse noutro lugar, 
o livro de base que nos faltava, ponto indispensável de partida para os 
estudos e ensaios de caráter monográfico, que agora tem onde se estribar. 
(ANDRADE, 1976, p. 354). 
 
Mariz (1983) considera que Renato Almeida deixou como principal legado para a 
musicologia brasileira a sua segunda edição de História da música brasileira e a organização 
da Campanha de Defesa do Folclore, que ocorreram justamente após a sua aproximação às 
diretrizes do modernista paulista. Nas palavras de Mariz, Renato Almeida 
Chegou à música e ao folclore pela mão do amigo [Mário de Andrade] e 
teve a sorte de construir dois pilares da musicologia brasileira: a 2ª edição 
de sua monumental História da Música Brasileira, obra básica até hoje para 
o estudo do folclore e da produção de nossos músicos eruditos, e a 
organização da „Campanha de Defesa do Folclore‟, a qual, pelas múltiplas 
atividades que realizou, chegou à criação e ao eficiente funcionamento do 
Instituto Nacional do Folclore. (MARIZ, 1983, p.93). 
 
110 
 
Essa passagem dos preceitos filosóficos pautados na A estética da vida, de Graça 
Aranha, que dão sustentação à edição de 1926 de História da música brasileira, ao projeto 
marioandradiano fica evidente no modo como Renato Almeida estrutura o texto da segunda 
edição. Se na primeira edição, o critério central para a avaliação da formação da música 
brasileira era a apreensão da natureza brasileira pela intuição e subjetividade individual do 
compositor, na segunda edição, esse critério é alargado e redirecionado para a pesquisa do 
cancioneiro popular e do folclore. Em depoimento ao Museu da Imagem e do Som
44
, do Rio 
de Janeiro, Almeida deixa explícita essa mudança de orientação e interesse: 
A filosofia e a crítica pelos seus valores em si, não tinham mais cabimento, 
era preciso uma diretiva no plano nacional...Resolvi estudar o fato musical 
brasileiro e, por seu intermédio, cheguei à folcmúsica e depois ao folclore, 
que terminou por me absorver, não apenas no seu estudo, mas na ação 
nacional em defesa da cultura do nosso povo. E assim me fui pouco a pouco 
desviando dos caminhos que escolhera na juventude, para seguir outros que 
me haviam sido traçados. Segui-os com entusiasmo e dedicação. 
(ALMEIDA apud MARIZ, 1983, p.94-95). 
 
A postura “desinteressada” de se historiar a música, ou seja, comprometida apenas 
com os estudos de estética, tal como defendido na primeira edição de História da música 
brasileira, vai sendo abandonada por Renato Almeida para assumir uma postura 
“interessada”, de “ação” e “utilidade prática”, como proposta por Mário de Andrade em seu 
Ensaio sobre a música brasileira. Essa reorientação de conduta transparece ainda mais uma 
vez no depoimento ao Museu da Imagem e do Som, quando Almeida recorda as preocupações 
filosóficas que abandonou para se dedicar às pesquisas do material folclórico que foram sendo 
impostas com o passar dos anos pelo ideário modernista: 
Sou coerente com meu pensamento goetheano, quando afirma que no 
começo era a ação, mas – vai agora a confissão – não é sem melancolia que 
olho as estradas por onde não continuei a andar e ouço as vozes de 
Laforgue, Rimbaud e Verlaine como que me acusando de uma traição. 
Deixei por dever a abstração e me entreguei aos estudos objetivos, no 
campo da musicologia e da antropologia cultural. Não sei se consegui 
ser útil, como desejei, mas tenho certeza de que sacrifiquei os sonhos mais 
ardentes da minha juventude, quando só a sabedoria e a beleza me 
 
44
 Ver nota 6 (página 24). 
111 
 
norteavam. (...) Fiz até um livro um pouco impressionista, que é a 
primeira edição da História da Música, mas notei uma coisa, que não 
podíamos conhecer a música se não conhecêssemos as suas origens, a 
música no sentido nacional, a música brasileira que começava a surgir 
(...) E, na segunda edição da História da Música, eu consagrei a metade 
do livro ao estudo da música folclórica. E, começando a estudar a música 
folclórica, aí é que veio a busilis, o folclore me atraiu. Eu senti que estava 
no conhecimento do povo, no estudo da sua vida, no estudo das suas raízes 
e nas suas projeções, o meio de nós conhecermos o homem e a gente. 
(ALMEIDA apud MARIZ, 1983, p. 95-96, grifos nossos). 
 
No prefácio à segunda edição de História da música brasileira, Renato Almeida já 
antecipa o teor da obra afirmando que esta edição é “na realidade, um livro novo”, pois “a 
construção, as dimensões, a matéria nele contida, as pesquisas feitas e o material colhido, 
compilado e verificado – tudo isso é inteiramente inédito” (ALMEIDA, 1942, p. XI). Com 
isso, entendemos que, ao incorporar material novo em sua obra sobre música, modificando, 
assim, a própria estrutura do texto, Almeida assumia uma nova metodologia para se conceber 
a formação da música brasileira, bem como o processo da sua nacionalização. Nesse sentido, 
o autor quer mostrar que é no populário brasileiro que deveria ser buscado os elementos 
necessários à nacionalização da música, enfatizando que “os temas (foram) [devem ser] 
colhidos diretamente da boca de cantadores por pessoas de reconhecida autoridade (...)” 
(ALMEIDA, 1942, p. XI-XII). Ainda neste prefácio, Almeida agradece às pessoas que 
contribuíram para a reedição de História da música brasileira, destacando as figuras de Mário 
de Andrade e Luís da Câmara Cascudo, que contribuíram por diversas vezes na pesquisa para 
a elaboração da obra, “como ainda (me) apoiaram com o estímulo e a autoridade de profundos 
conhecedores do folclore musical e de abalisados musicólogos” (ALMEIDA, 1942, p. XI-XII-
XIII). 
Cotejando as duas edições de História da música brasileira, verificamos já no sumário 
a existência de profundas alterações na estrutura e conteúdo da obra. Enquanto a primeira 
edição (1926) apresenta seis capítulos, dentre os quais apenas o primeiro refere-se ao estudo 
da música popular; a edição de 1942 apresenta, no total, dezesseis capítulos, sendo que os seis 
112 
 
primeiros, que formam a primeira parte, tratam exclusivamente da música popular brasileira. 
A segunda parte, intitulada “História da música brasileira”, é dedicada aos compositores 
eruditos brasileiros e aos seus esforços em busca da nacionalização da música produzida no 
país. As alterações são perceptíveis também ao atentarmos para a bibliografia dos autores 
citados ou consultados
45
, que expressa o processo de aprofundamento teórico que Almeida 
teve não apenas no tocante à música popular, mas também na própria concepção de folcloree 
de povo brasileiro, dedicando-se à leitura de autores muito variados ausentes da primeira 
edição. 
Na edição de 1942 há uma maior preocupação em balizar a argumentação sobre 
música popular dando informações muito mais detalhadas sobre a contribuição da música 
indígena, portuguesa e africana, exemplificando com fotos, partituras, tabelas de instrumentos 
utilizados pelos respectivos grupos sociais, diferentes formas de danças etc, sempre com o 
objetivo de fornecer maior conhecimento sobre a música popular aos compositores eruditos. 
Nessa dimensão, Renato Almeida passa a considerar, diferentemente do proposto em 1926, 
que havia a necessidade de fazer pesquisas científicas, com o intuito de colher tais 
documentos da música popular, para que estes não viessem a desaparecer com o tempo. A 
citação abaixo nos ajuda a exemplificar o que estamos sugerindo: 
Por isso mesmo é tempo de coletar e registrar em discos e em filmes, com 
seguro critério científico, a música que se canta e a coreografia com que se 
dansa no Brasil, afim de fazer, ao menos de agora para diante, o que não 
recebemos do passado. Nas dimensões do nosso país, na variedade de suas 
terras e gentes, a tarefa terá de ser longa e sistemática, em esforços 
numerosos e conjugados. De dia para dia ela se torna mais difícil, sobretudo 
porque as fontes se toldam a cada momento, com as invasões pelo ar da 
música das cidades, que vai insensivelmente influindo e deformando as 
expressões populares. (ALMEIDA, 1942, p.60). 
 
 
45
 Dentre os quais aparecem dezesseis textos de Mário de Andrade, como, por exemplo, o Ensaio sobre a música 
brasileira (1928) e o Compêndio de história da música (1929). 
 
113 
 
Ao considerar a pesquisa pautada em conhecimentos científicos como chave para a 
nacionalização da música brasileira, Renato Almeida estava claramente assumindo uma 
posição que, em 1926, negava veementemente. Naquela época, a valorização da intuição da 
natureza brasileira era colocada em primeiro plano na construção da música nacional. 
Almeida, em 1926, partindo das concepções filosóficas de A estética da vida, de Graça 
Aranha, considerava que a ciência não permitiria ao homem ter acesso à “verdadeira” 
realidade de êxtase da natureza brasileira, que o levaria à sua integração com a sua própria 
terra e, posteriormente, do país com o “todo infinito”. De modo diferente, em 1942, Almeida 
emprega a metodologia defendida e utilizada por Mário de Andrade, já no contexto da década 
de 1920, para a nacionalização da música. Passagem que parece confirmada também pelo fato 
de após a publicação da segunda edição da sua História da música brasileira, Renato Almeida 
se converter numa liderança da campanha em prol do estudo e conservação do folclore 
brasileiro. 
Para concluir, tomamos como exemplo a apresentação do maxixe nas duas edições da 
História da música, de Renato Almeida, para sugerir a alteração de sentido nas formulações 
da segunda edição, após a adesão do autor ao projeto de Mário de Andrade. Na primeira 
edição, o maxixe é descrito da seguinte forma: 
O maxixe é a mais característica das nossas danças, tendo, a principio, 
ficado nas esferas mais baixas, como indigno de penetrar nos salões, onde, 
afinal, foi aceito, modificando naturalmente os seus passos, para lhe tirar o 
cunho obscuro. Primitivamente, era uma dança de patuléa. Com uma 
música, em compasso semelhante ao da polka, mas de ritmos muito quentes 
e estranha lubricidade, mais acentuada pelos maneios dos pares. 
(ALMEIDA, 1926, p.45-46). 
 
Essa passagem expressa paradigmaticamente como Renato Almeida abordava a 
música popular em 1926. Ao considerar o maxixe como a dança brasileira mais característica, 
o autor estava chamando a atenção para o fato de que essa dança, pertencente às “esferas mais 
baixas”, apresentava “ritmos muito quentes” e “estranha lubricidade”, características essas 
114 
 
que estavam de acordo com o estado de “êxtase” da natureza brasileira, como então pensava. 
Nesse sentido, pelo fato de o maxixe ser uma das manifestações populares que representa 
mais fielmente a “alegria” da natureza brasileira, essa dança deveria servir de inspiração aos 
compositores para a elaboração da “música nacional”. 
Observe-se, justamente, que a formulação sobre o maxixe na primeira edição da 
História da música não passou despercebida de Mário de Andrade que, em carta de 08 de 
novembro de 1926, sugeria ao seu autor que se empenhasse um pouco mais na pesquisa sobre 
as origens do maxixe: 
(...) se você que está aí no Rio depois de pesquisas penosas e pacientes me 
dava no seu livro: a origem histórica do maxixe é esta, seu nome veio 
disto etc. Todo o mundo ficava sabendo coisas novas, coisas cujo mérito de 
saber (e eu estou inteiramente com vocês a respeito de saber, você sabe 
disso) só dependeu de você. Era você o homem que fez alguma coisa pra 
nossa musicologia normativa histórica. É ou não é! O nome de você se 
ligaria a uma das fontes e um dos pontos mais importantes da musicologia 
nacional. (...) Antes de mais nada essas considerações que vinha fazendo 
eram principalmente pra convidar você a trabalhar nessas pesquisas a 
respeito do maxixe. Te garanto que é trabalho útil (...) (ANDRADE apud 
NOGUEIRA, 2003, p.167-168, grifos nossos). 
 
Ao compararmos a passagem sobre o maxixe da primeira edição à da segunda edição, 
percebemos sua reformulação: 
O maxixe foi por algum tempo expoente da nossa dansa urbana, tendo 
cedido lugar ao samba, devido talvez à sua coreografia complicada, difícil e 
exagerada. Resultou da „fusão da habanera pela rítmica e da polca pela 
andadura, com adaptação da sincopa africana‟. Outros o fazem uma 
prolação do lundu, mesclado com a toada.(...) o maxixe tirou o movimento 
da polca e o ritmo binário característico da habanera, que foi dansa comum 
no Brasil, mas lhe deu o tom, o ritmo sincopado, nele permanente.(...)Ainda 
não se explicou bem a origem da palavra maxixe e há uma versão de Vila 
Lobos, segundo a qual Maxixe era alcunha de certo indivíduo que, numa 
sociedade carnavalesca, teria dançado um lundu de maneira nova e original. 
 
Nesta definição do maxixe, da segunda edição de História da música brasileira, é 
possível notar que Almeida buscou incorporar tanto as críticas feitas por Mário de Andrade, 
na carta de 08 de novembro de 1926, com relação à origem do maxixe, como também deixa 
de abordar essa dança pelo viés da filosofia da estética da vida. A busca de uma 
115 
 
fundamentação mais analítica fica muito perceptível ao observarmos como Almeida define o 
maxixe, não mais como um dos principais exemplos da “alegria” da natureza, que deveria ser 
incorporada à “música nacional”, mas, antes, define a dança a partir do seu desenvolvimento 
técnico e histórico. 
116 
 
CONSIDERAÇÕES FINAIS 
 
Nesta dissertação de mestrado tivemos o objetivo de recuperar o debate interpretativo 
sobre a formação da música brasileira que Renato Almeida e Mário de Andrade travaram por 
meio das duas edições de História da música brasileira (Renato Almeida), do Ensaio sobre a 
música brasileira (Mário de Andrade) e da Pequena história da música (Mário de Andrade), 
bem como dos artigos em jornais e revistas e da correspondência que trocaram durante os 
anos de 1922-1944. Buscamos, a partir disso, explicitar a existência de duas propostas 
concorrentes de nacionalização musical no interior do movimento modernista durante os anos 
1920, propostas estas que se tornaram congruentes com o decorrer dos anos. 
No primeiro capítulo, procuramos apresentar os distintos contextos intelectuais em que 
Renato Almeida e Mário de Andrade se formaram e mostrar como se estabeleceu o debate 
público entre eles nos periódicos dos anos 1920. Dessa forma, apontamos que as suas 
diferentes formações intelectuais implicaram em modos distintos de se entender o processo de 
formaçãoe nacionalização da música brasileira. Renato Almeida se formou em uma tradição 
simbolista, característica da intelectualidade da capital federal da primeira década do século 
XX (GOMES, 1999). Juntamente com Ronald de Carvalho e Graça Aranha, fez parte da 
formação de uma das correntes do movimento modernista, que tinha como fundamentação 
teórica os preceitos filosóficos de A estética da vida, de Graça Aranha. Tal concepção 
filosófica partia da idéia de que havia um dualismo, no país, que separava o indivíduo da sua 
natureza, dualismo este que, num plano mais geral, também mantinha o Brasil separado do 
“Todo universal”. Essa separação – indivíduo-natureza e Brasil-Todo Universal – era o que 
justificava a existência da melancolia como um dos traços característicos do brasileiro. Desse 
modo, a intuição estética da arte seria um dos possíveis caminhos que poderia conduzir o 
indivíduo a se integrar com a natureza de seu país, e, posteriormente, com a “unidade infinita 
117 
 
do todo”. Essa teoria, que era a base filosófica dos escritos de Almeida durante a década de 
1920, entendia que a ciência, a pesquisa analítica, era incapaz de realizar tal tarefa – de 
integrar indivíduo-natureza –, pois considerava que a ciência apresentava o universo 
fragmentado em várias partes, impossibilitando a compreensão deste universo como “um todo 
infinito” (MORAES, 1978). 
Mário de Andrade, por sua vez, teve uma formação significativamente diferente da de 
Renato Almeida. Tendo estudado em Conservatório de música e se tornado professor nesta 
área, Andrade utilizou em sua produção literária e ensaística muito das técnicas da 
composição musical. Devido a essa formação musical e ao seu autodidatismo, entendia que a 
renovação da arte feita no Brasil deveria ocorrer a partir das “normas de compor” da música 
popular, visto que, em sua opinião, era na composição popular que se encontraria os 
elementos étnicos que formavam o povo brasileiro (MELLO E SOUZA, 2003). Essa 
formação intelectual de Mário de Andrade o levava a pensar que era preciso primeiro 
conhecer as manifestações populares para somente depois criar uma arte brasileira. Para isso, 
era necessário realizar pesquisas de coleta desse material popular, pois, somente após o 
conhecimento da manifestação cultural popular, seria possível encontrar uma definição de 
“brasilidade”, como procuramos demonstrar a partir da exposição que fizemos dos 
argumentos de Ancona Lopez na obra Mário de Andrade: Ramais e caminhos. 
Nessa perspectiva, pudemos perceber que as diferentes trajetórias intelectuais, bem 
como as diferentes formas que concebem a renovação da arte brasileira, são decisivas nas 
formulações que Renato Almeida e Mário de Andrade fazem sobre a formação da música 
brasileira. Os artigos publicados em periódicos como Klaxon e Ariel exemplificam isso. 
Assim, embora os autores fossem defensores da estética nacionalista no campo da música dos 
anos 1920, na qual assumiram a condição de teóricos responsáveis pelo estabelecimento de 
critérios de construção da música moderna nacional, procuramos elucidar, a partir de nossa 
118 
 
pesquisa, que existiam diferenças cruciais quanto ao método de se compreender e propor a 
formação da música brasileira nos anos 1920. Para Renato Almeida, a noção de “intuição 
estética” deveria ser a via para a nacionalização da arte feita no Brasil, sendo, aliás, a solução 
para o fim do dualismo entre indivíduo-natureza. Dessa maneira, este autor estava valorizando 
a interpretação subjetiva do músico, como livre criador, bem como entendendo que a 
finalidade da arte é a busca da beleza. Nessa direção, Almeida critica o artista que faz arte 
somente por meios objetivos, que não utiliza as questões do espírito, da emotividade, uma vez 
que, para ele, essa, sim, era a função essencial da arte. Por outro lado, Mário de Andrade 
concebia que o mais importante na arte era a matéria artística, por isso defende a pesquisa e 
coleta da manifestação popular, como aparece em seus primeiros escritos sobre música, como 
no artigo João de Souza Lima, publicado na seção “Crônicas”, no número 7, de Klaxon: 
Vou ao concerto para me comover. Não há dúvida. Mas para me comover 
na ordem artística e não na ordem natural (...) Da combinação de sons, que 
isto é a música (deixemo-nos de complicações metafísicas) nascem dentro 
de mim comoções ideais, sensações frenéticas, suaves, báquicas ou puras, 
gráceis ou severas que me fazem vibrar, mas desprendido do mundo 
(ANDRADE apud WISNIK, 1983, p.110). 
 
Assim, para o modernista paulista, a arte é diferente da natureza, não deve ser, 
portanto, uma imitação dela; “mas decorre da pura materialidade da obra, rejeitada em seu 
caráter metafísico e assumida como estrutura sonora” (WISNIK, 1983, p.110). Em outras 
palavras, Andrade está, já em 1922, formulando as suas idéias estéticas básicas nas quais 
aparece a noção de que a arte tem autonomia com relação à natureza, afirmando que a música 
é essencialmente estrutura sonora. Nesse sentido, o autor busca dar uma validade didática aos 
seus escritos sobre música, na medida em que enfatiza que as obras de arte devem ter uma 
interpretação objetiva e não ser uma “expressão de sentimentos passageiros” que modifica a 
linguagem musical original (WISNIK, 1983, p.110). O artista moderno, nessa dimensão, 
deveria se limitar a compor ou a interpretar seguindo normas objetivas, tendo de estar ligado 
ao seu meio, isto é, buscando representar o social. 
119 
 
No segundo capítulo, procuramos recuperar como o debate interpretativo sobre música 
brasileira entre Renato Almeida e Mário de Andrade ocorreu na esfera privada, por meio da 
correspondência trocada durante o período de 1922 a 1944. 
Analisando a vasta correspondência, pudemos constatar que os autores estiveram 
comprometidos com o ideal do movimento modernista, qual seja, a nacionalização das artes 
feitas no Brasil como forma de renovação do pensamento e da cultura brasileiros. No caso 
particular da música, ambos os autores admitiam a necessidade de os músicos modernos se 
distanciarem da interpretação romântica, entendida por eles como passadista. O diálogo 
epistolar nos apresenta o caminho de gestação dos ensaios musicais de Renato Almeida e 
Mário de Andrade, ensaios estes em que os autores irão formalizar os seus projetos de 
modernização da música brasileira. Ainda que estes intelectuais modernistas concordassem 
com a necessidade de renovação da música erudita feita no Brasil, as cartas mostram que 
havia divergências entre os dois autores, bem como entre os grupos dos quais faziam parte. 
O debate privado, através das cartas, evidencia que, com a formação de diferentes 
grupos ideológicos no interior do movimento modernista, começam a existir disputas internas 
pela hegemonia de um tipo de representação de modernismo brasileiro. Dito de outra maneira, 
a partir do momento em que o movimento modernista precisa fundamentar teoricamente a sua 
posição enquanto uma proposta de renovação das artes no Brasil, “vozes dissonantes” 
aparecem e exigem representação no movimento moderno. Notamos, pela análise das 
missivas, que o grupo de Renato Almeida, que tinha como principal liderança Graça Aranha, 
se opunha à proposta do grupo no qual Mário de Andrade tinha um papel de destaque. 
Nessa perspectiva, o diálogo marcado pela troca de cartas demonstra a tentativa desses 
intelectuais, naquele momento, buscarem definir a cultura brasileira como moderna, 
independentemente de suas posições ideológicas. O exame da correspondência foi muito 
emblemático nesse particular, pois nos permitiu acompanhar o que não aparecia nas obras 
120 
 
sobre música, ou seja, pudemos observar, através dela, como os autores construíam os seus 
argumentos e delimitavam as suas posições no interior do movimento modernista. 
Desse modo, com a análise do debate privado travado por meio das cartas trocadas 
entre osautores, durante o período de 1922 a 1944, pudemos acompanhar um movimento 
amplo que vai das divergências iniciais, decorrentes das formações intelectuais distintas dos 
autores, como tratamos no primeiro capítulo, até as suas convergências – que dão origem à 
segunda edição de História da música brasileira, de Renato Almeida, em 1942 –, 
convergências estas que ocorrem em virtude das próprias transformações políticas e culturais 
decorrentes do início dos anos 1930, somado ao fato das mortes de Graça Aranha, em 1931, e 
de Ronald de Carvalho, em 1935, principais interlocutores teóricos de Almeida. Nesse 
contexto histórico, a trajetória epistolar aponta que o intelectual baiano passa paulatinamente 
a rever a sua posição da década de 1920, para assumir a defesa da pesquisa analítica do 
folclore, tal como proposta por Mário de Andrade. 
No terceiro capítulo da dissertação, buscamos demonstrar como o debate de idéias 
estabelecido por Renato Almeida e Mário de Andrade, através dos artigos em periódicos e da 
correspondência, se materializou inicialmente nas obras musicológicas da década de 1920, e, 
posteriormente, na segunda edição de História da música brasileira, em 1942. Tendo 
evidenciado que existiam duas posições interpretativas no modernismo musical, durante a 
década de 1920, as quais apontavam para formas diferentes de nacionalização da música feita 
no Brasil, apresentamos como as divergências apareceram nas obras dos anos 1920 dos 
autores em questão. 
Na primeira edição de História da música brasileira (1926), Almeida propunha a 
“intuição estética” como forma de nacionalização da música feita no país, apontando que 
somente por essa via teríamos condições de fazer uma música que fosse, ao mesmo tempo, 
nacional e moderna. Tal concepção filosófica de Almeida chocou-se com aquela defendida 
121 
 
por Mário de Andrade, como mostramos no segundo capítulo deste texto; pois, para este 
último, era imprescindível o uso de métodos analíticos para a nacionalização da música. 
Verificamos, ainda, que Andrade censurou a obra de 1926, de Almeida, considerando-a sem 
“caráter prático”, ao alegar que seu autor se preocupava mais em descrever a história dos 
compositores eruditos do que em trazer informações mais detalhadas sobre o cancioneiro 
popular. 
É nesse contexto que é escrito e publicado, em 1928, o Ensaio sobre a música 
brasileira, e, em 1929, a Pequena história da música, de Mário de Andrade. Nessas obras, o 
referido autor formaliza a sua concepção teórica sobre o “passado” musical brasileiro, assim 
como lança as diretrizes de seu projeto de nacionalização da música. De modo geral, essas 
obras afirmam que, para se ter uma música moderna, era necessário, inicialmente, a superação 
do “passado” erudito musical – passado este entendido como sendo o romantismo –, por parte 
não apenas dos compositores, mas ainda dos intérpretes e do público em geral, e, 
posteriormente, a pesquisa analítica do folclore musical, como forma de se construir uma 
música autenticamente brasileira. 
Com a constatação de que a interpretação de Renato Almeida sobre a história e os 
meios pelos quais deveria ocorrer a nacionalização da música brasileira era diferente daquela 
proposta por Mário de Andrade, buscamos examinar a segunda edição de História da música 
brasileira, de Almeida, no intuito de compreender os motivos que fizeram esse autor ser 
vinculado à mesma interpretação realizada por Andrade, a respeito da nacionalização musical. 
A segunda edição de História da música brasileira, “corrigida e aumentada”, foi 
publicada em 1942, sendo “na realidade, um livro novo” (ALMEIDA, 1942, p.XI), como seu 
próprio autor afirma. A parte da obra que trata da música popular brasileira é reformulada 
quase que na totalidade, passando a incorporar maiores detalhamentos e informações sobre a 
122 
 
música popular, o que havia sido cobrado por Mário de Andrade, na ocasião do lançamento da 
primeira edição da obra, em 1926. 
Percebemos, portanto, que tanto para Mário de Andrade como para Renato Almeida 
da segunda edição de História da música havia a necessidade de se buscar no folclore uma 
cultura sui-generis, com o objetivo de se construir um “sentimento de pertencimento" na 
sociedade brasileira que, segundo o diagnóstico dos dois modernistas, não havia no país até 
aquele contexto. Ambos continuavam considerando, no contexto da década de 1940, que toda 
a produção musical feita no país até os anos 1920 ainda não era essencialmente nacional, por 
mais esforços que tivessem feito compositores como Carlos Gomes (1839-1896), Leopoldo 
Miguez (1850-1902), Alexandre Levy (1864-1892), e mesmo Alberto Nepomuceno (1864-
1920). Faltava a esses compositores maior intimidade com as manifestações populares. Tal 
problema ocorria devido à origem colonial do Brasil, e só poderia ser resolvido a partir do 
momento em que se considerasse o folclore como a base para se compor música no país, 
como estava fazendo Heitor Villa-Lobos. Num sentido mais amplo, para os dois autores, a 
nacionalização da música somente seria possível com o desenvolvimento de escolas 
nacionalistas de composição, uma vez que apontam que a falta de uma música nacional se 
deve, no limite, à falta de coesão à sociedade como nação. 
Ao buscarmos compreender as idéias contidas nas obras sobre música de Renato 
Almeida e Mário de Andrade, escritas nos anos 1920, e nos depararmos com duas orientações 
de nacionalização musical, as quais, com o passar dos anos e o estreitamento da relação entre 
os autores, passam a ser congruentes, concluímos que a vinculação do nome de Renato 
Almeida ao modernismo musical deve-se, portanto, mais à segunda edição de História da 
música brasileira, de 1942 – obra esta que contou com a colaboração e com a aprovação de 
Mário de Andrade –, do que à primeira edição, de 1926, que foi praticamente desconsiderada 
como um trabalho de caráter modernista, devido à influência de A estética da vida, de Graça 
123 
 
Aranha. Ao travar um debate interpretativo com Mário de Andrade, tanto por meio dos artigos 
como por meio da correspondência, Almeida reviu a validade das formulações colocadas na 
primeira edição da sua obra musicológica. Em outras palavras, as idéias de nacionalização da 
música, de Almeida, quando tentaram se rotinizar, foram impelidas pela proposta de Mário de 
Andrade. 
Nessa direção, o sentido “vencedor” da proposta de Mário de Andrade em relação 
àquela de Renato Almeida, de 1926, acabou significando, a longo prazo, uma visão 
hegemônica sobre modernismo musical nas pesquisas acadêmicas acerca da música erudita 
brasileira, em grande parte pelo fato de Almeida, na sua segunda edição, defender a pesquisa 
do folclore musical, de forma semelhante à proposta por Mário de Andrade. 
Embora na segunda edição de História da música brasileira tenha ocorrido uma 
modificação tanto de ordem estética como de ordem metodológica na obra musicológica de 
Renato Almeida, notamos que para ele, assim como para Mário de Andrade, o 
desenvolvimento de uma música brasileira continuava associado à resolução de problemas de 
ordem social, que ainda permaneciam na década de 1940. Dito de outro modo, Almeida e 
Andrade concordavam no que diz respeito às condições precárias enfrentadas pelos 
compositores para fazer uma música nacional, bem como com o problema da falta de estudos 
sobre o folclore musical, pois “Infelizmente, nem na parte folclórica nem na histórica se 
fizeram até hoje levantamentos seguros e definitivos”, como atesta Renato Almeida, em 1942 
(ALMEIDA, 1942, p. XII). Do ponto de vista social mais amplo, para os dois autores, o maior 
problema a ser vencido continuava sendo o da reorganização de uma sociedade formada a 
partir da experiência colonial. Nesse sentido, Almeida e Andrade, ainda no contexto da 
década de 1940, entendiam que os obstáculos para a formação de uma música nacional se 
davam devido aos problemasmais gerais da própria formação da sociedade brasileira. 
124 
 
Nessa perspectiva, procuramos mostrar, com esta pesquisa, que a recuperação do 
debate travado entre Renato Almeida e Mário de Andrade, por meio de artigos em periódicos, 
pela correspondência e principalmente pelas suas obras musicológicas, possibilita ampliar, do 
ponto de vista sociológico, as abordagens das pesquisas na área, indicando que as idéias do 
modernismo musical também alcançaram terreno para atuar. Expandindo as discussões em 
torno das abordagens sobre modernismo musical, pudemos trazer à tona um intelectual 
modernista que contribuiu significativamente para o estabelecimento da musicologia 
nacionalista brasileira, assim como para a institucionalização dos estudos folclóricos no 
Brasil, mas que não vem tendo o devido reconhecimento nas pesquisas a respeito do 
modernismo musical, como é o caso de Renato Almeida. 
 
125 
 
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 
 
FONTES PRIMÁRIAS 
 
 
(OBRAS DE MÁRIO DE ANDRADE) 
 
ANDRADE, M. Ensaio sobre a música brasileira. Belo Horizonte: Editora Itatiaia, 2006. 
[1928,1ª edição]. 
 
_____________. Pequena história da Música. Belo Horizonte: Editora Itatiaia, 2003. [1929, 
1ª edição]. 
 
_____________. Evolução Social da Música no Brasil. In: Aspectos da música brasileira. 
São Paulo: Livraria Martins Editora, 1975. 
 
_____________. Música, doce música. São Paulo: Martins, 1976. 
 
_____________. Modinhas Imperiais. Belo Horizonte: Itatiaia, 1980. 
 
_____________. Entrevistas e depoimentos. Org. Têle Porto Ancona Lopez. São Paulo: T. 
A. Queiroz, 1983. 
 
_____________. Poesias completas. Ed. Crítica de Diléia Zanotto Manfio. São Paulo: 
EDUSP-Itatiaia, 1987. 
 
_____________. (1893-1945). Macunaíma: o herói sem nenhum caráter/Mário de Andrade. 
– Edição Crítica. In: ANCONA LOPEZ, T. P. (coordenadora). Brasília-DF: CNPq, 1988. 
(Coleção Arquivos; v.06). 
 
_____________. Mário de Andrade: Música e Jornalismo. São Paulo: EDUSP, 1993. 
 
_____________. Introdução à estética musical. São Paulo: Hucitec, 1995. 
 
_____________. Contos de Belazarte. Rio de Janeiro: Editora Agir, 2008. 
 
 
(ARTIGOS DE MÁRIO DE ANDRADE) 
 
ANDRADE, M. “Pianolatria”. In: Klaxon-Mensário de Arte Moderna, nº1, São Paulo, 
Martins, maio de 1922. 
 
_____________. “Guiomar Novais”. I-(Pianista romântica). In: Klaxon-Mensário de Arte 
Moderna, nº2, São Paulo, Martins, junho de 1922. 
 
_____________. “Guiomar Novais”. II-(A virtuose). In: Klaxon-Mensário de Arte 
Moderna, nº3, São Paulo, Martins, julho de 1922. 
 
126 
 
ANDRADE, M. “Musica descriptiva”. Chronicas. In: Klaxon-Mensário de Arte Moderna, 
nº4, São Paulo, Martins, agosto de 1922. 
 
_____________. “Francisco Mignone”. Chronicas. In: Klaxon-Mensário de Arte Moderna, 
nº6, São Paulo, Martins, outubro de 1922. 
 
_____________. “João de Souza Lima”. Chronicas. In: Klaxon-Mensário de Arte Moderna, 
nº7, São Paulo, Martins, novembro de 1922. 
 
_____________. “Coros Ucranianos”. In: Ariel – Revista de Cultura Musical, nº1, São 
Paulo, Campassi & Camin, outubro de 1923. 
 
_____________. “A vingança de Scarlatti”. In: Ariel – Revista de Cultura Musical, nº3, São 
Paulo, Campassi & Camin, dezembro de 1923. 
 
_____________. “Tupinambá”. In: Ariel – Revista de Cultura Musical, nº5, São Paulo, 
Campassi & Camin, fevereiro de 1924. 
 
_____________. “Reação contra Wagner-(Notas rápidas para uma História da Musica)”. In: 
Ariel – Revista de Cultura Musical, nº8, São Paulo, Campassi & Camin, maio de 1924. 
 
_____________. “O caso Magda Tagliaferro”. In: Ariel – Revista de Cultura Musical, nº12, 
São Paulo, Campassi & Camin, setembro de 1924. 
 
_____________. “O amor em Dante e Beethoven”. In: Ariel – Revista de Cultura Musical, 
nº13, São Paulo, Campassi & Camin, outubro de 1924. 
 
_____________. “Ernesto Nazaré”. In: Música, doce música. São Paulo: Martins, 1976. 
[Publicado pela primeira vez em 1926]. 
 
 
(CORRESPONDÊNCIA DE MÁRIO DE ANDRADE) 
 
ANDRADE, M. Cartas a Manuel Bandeira. Rio de Janeiro: Ediouro, 1967. 
 
_____________. Mário de Andrade escreve cartas a Alceu, Meyer e outros. Rio de 
Janeiro: Ed. do Autor, 1968. 
 
_____________. Cartas a Murilo Miranda. 1934-1945. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 
1981. 
 
_____________. Correspondente costumaz. Cartas de Mário de Andrade a Pedro Nava. 
1925-1944. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982. 
 
_____________. A lição de amigo. Cartas de Mário de Andrade a Carlos Drummond de 
Andrade. Rio de Janeiro: José Olympio, 1982. 
 
_____________. Portinari, amico mio. Cartas de Mário de Andrade a Candido Portinari. 
Campinas: Mercado das Letras – Projeto Portinari- Autores Associados, 1995. 
127 
 
DUARTE, P. Mário de Andrade por ele mesmo. São Paulo: Hucitec-Prefeitura do 
Município de São Paulo-Secretaria Municipal de Cultura, 1985. 
 
 
(OBRAS DE RENATO ALMEIDA) 
 
ALMEIDA, R. Fausto, ensaio sobre o problema do ser. Rio de Janeiro: Annuário do Brasil, 
1922. 
 
____________. História da música brasileira. Primeira edição. Rio de Janeiro: F. Briguiet, 
1926. 
 
____________. História da música brasileira. Segunda edição. Rio de Janeiro: F. Briguiet, 
1942. 
 
____________. Compêndio de História da música brasileira. Rio de Janeiro: F. Briguiet, 
1948. 
 
____________. Inteligência do Folclore. Rio de Janeiro: Livros de Portugal, 1957. 
 
____________. Música folclórica e música popular. Rio de Janeiro: Comissão Nacional do 
Folclore do IBECC, 1958, p. 13. 
 
____________. Manual da coleta folclórica. Rio de Janeiro: Campanha Nacional de Defesa 
do Folclore, 1965. 
 
 
(ARTIGOS DE RENATO ALMEIDA) 
 
ALMEIDA, R. A Reação Moderna (a propósito de Mário de Andrade). In: O Paiz, s/n, Rio de 
Janeiro, 19 de março de 1923. 
 
____________. A formação moderna do Brasil; conferência realizada no Instituto 
Varnhagem, na sessão solene, de 2 de julho de 1923. In: loc. Cit., “julho de 1923”, p.193-6. 
 
____________. O preconceito individualista-I. In: Periódico não identificado, s/n, Rio de 
Janeiro, 1923. 
 
____________. A gênese do individualismo-II. In: Periódico não identificado, s/n, Rio de 
Janeiro, 1923. 
 
____________. O phenomeno Rousseau-III. In: Periódico não identificado, s/n, 1923. 
 
____________. A função do idealismo. In: América Brasileira, s/n, Rio de Janeiro, 1923. 
 
____________. “Musica Brasileira”. In: Ariel – Revista de Cultura Musical, nº3, São Paulo, 
Campassi & Camin, dezembro de 1923. 
 
____________.“Alberto Nepomuceno-Excerto de História da Música Brasileira”. In: Ariel – 
Revista de Cultura Musical, nº8, São Paulo, Campassi & Camin, maio de 1924. 
 
128 
 
ALMEIDA, R. Et al. O modernismo em marcha (Homenagem dos intellectuais brasileiros a 
Renato Almeida). In: A Idéia Ilustrada, s/n, Rio de Janeiro, novembro de 1925, p.24-6. 
 
____________. “Ronald de Carvalho”. In: Lanterna Verde. , nº4, Rio de Janeiro: Sociedade 
Fellipe de Oliveira, novembro de 1936. 
 
ALMEIDA, R. A musica no Brasil no século XIX. In: América Brasileira, ano.1, nº 9-12, 
Rio de Janeiro, s/d. 
 
_____________. Música. O som e o subjetivismo. In: Terra de Sol, s/n, Rio de Janeiro, 
Annuario do Brasil, 1924. 
 
 
(CORRESPONDÊNCIA ENTRE MÁRIO DE ANDRADE E RENATO ALMEIDA) 
 
NOGUEIRA, M. G. P. Edição anotada da correspondência Mário de Andrade e Renato 
de Almeida. Dissertação de Mestrado em Teoria Literária e Literatura Comparada da 
FFLCH-USP. São Paulo, 2003. 
 
 
FONTES SECUNDÁRIAS 
 
 
(SOBRE MÁRIO DE ANDRADE E RENATO ALMEIDA) 
 
AMÉRICA BRASILEIRA, s/n, Rio de Janeiro, 1921-1924. 
 
ARANHA, G. A Esthetica da vida. Rio de Janeiro: Livraria Garnier, 1921, Coleções dos 
autores célebres da Literatura Brasileira. 
 
ARIEL. Revista de Cultura Musical. São Paulo: Campassi & Camin, 1923-1924, (13 
números). 
 
BARBATO JR, R. Missionários de uma utopia nacional-popular. Os intelectuais e o 
Departamento de Cultura de São Paulo. SãoPaulo: Annablume-Fapesp, 2004. 
 
BOTELHO, A. O Brasil e os dias: Estado-Nação, modernismo e rotina intelectual. Bauru: 
Edusc, 2005. 
 
BISPO, A. A. Problemas teóricos da história da música no Brasil. Aula introdutória do curso 
de História da Música no Brasil no Conservatório Musical do Jardim América (Excertos). 
Publicado em partes em BrasilEuropa & Musicologia, Köln: I.S.M.P.S. e.V. 1999, 1970. 
Disponível em: < http://www.academia.brasil-europa.eu/Materiais-abe-28.htm >. Acesso em 
20 de setembro de 2008. 
 
CASTRO, M. W. Mário de Andrade. Exílio no Rio. Rio de Janeiro: Rocco, 1989. 
 
CAVALCANTI, M. L. V. de C. Cultura popular e sensibilidade romântica: as danças 
dramáticas de Mário de Andrade. In: Revista Brasileira de Ciências Sociais, vol.19, nº 54, 
Fevereiro de 2004, p.57-78. 
http://www.academia.brasil-europa.eu/Materiais-abe-28.htm
129 
 
COLI, J. Mário de Andrade e a Música. In: BERRIEL, C. E. (org.). Mário de Andrade hoje. 
São Paulo: Ensaio, 1990. (Cadernos Ensaio. Grande formato; v.4). 
 
CONTIER, A. D. Brasil Novo. Música, Nação e Modernidade: os anos 20 e 30. Tese de 
Livre-docência, São Paulo, FFLCH; USP, 1988. 
 
ESTÉTICA. Revista Trimestral. Rio de Janeiro, 1924-1925, (3 números). 
 
FABRIS, A. Modernidade e vanguarda: o caso brasileiro. In: FABRIS, A. (org). 
Modernidade e Modernismo no Brasil. Campinas: Mercado de Letras, 1994. 
 
FREITAS E CASTRO, E. "O que é necessário ler para informar-se sobre a música brasileira". 
In: Revista Brasileira de Música, n° 4, Rio de Janeiro, 1963. 
 
GOMES, A de C. Essa Gente do Rio...: Modernismo e Nacionalismo. Rio de Janeiro: 
Editora FGV, 1999. 
 
KLAXON. Mensário de Arte Moderna. São Paulo: Martins, 1922-1923, (9 números). 
 
LAHUERTA, M. Os intelectuais e os anos 20: Moderno, Modernista, Modernização. In: DE 
LORENZO, H. C; COSTA, W. P. A década de 1920 e as origens do Brasil moderno. São 
Paulo: Fundação Editora Unesp, 1997. 
 
MARIZ, V. Três Musicólogos brasileiros: Mário de Andrade, Renato Almeida, Luiz Heitor 
Correa. Rio de Janeiro-Brasília: Civilização Mineira, Instituto Nacional do Livro, 1983. 
 
_________. Olívia Guedes Penteado e Villa-Lobos. In: Revista Brasiliana, Rio de Janeiro, 
número 12, setembro de 2002. 
 
MARTINS, W. O Modernismo. São Paulo: Cultrix, 1965. 
 
MELLO, G. T. P. de. A Música no Brasil: desde os tempos coloniais até o primeiro decênio 
da República. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1942, 2ª edição. 
 
MELLO E SOUZA, G. de. O tupi e o alaúde: uma interpretação de Macunaíma. São Paulo: 
Duas Cidades; Editora 34, 2003. 
 
______________________. "O professor de música". In: A idéia e o figurado. São Paulo: 
Duas Cidades; Editora 34, 2005. 
 
MORAES, E. J. de. A brasilidade modernista: sua dimensão filosófica. Rio de Janeiro: 
Edições Graal, 1978. 
 
_______________. Mário de Andrade: Retrato do Brasil. In: BERRIEL, C. E. (org). Mário 
de Andrade hoje. São Paulo: Ensaio, 1990. (Cadernos Ensaios. Grande formato; v.4). 
 
_______________. A estética de Mário de Andrade. In: FABRIS, A. (org). Modernidade e 
Modernismo no Brasil. Campinas: Mercado de Letras, 1994. 
 
130 
 
MORAES, M. A. de. Orgulho de jamais aconselhar: A epistolografia de Mário de Andrade. 
São Paulo: Edusp, 2007. 
 
MOURA, R. S. de. Recompondo o Passado. Alberto Nepomuceno sob a Batuta Modernista. 
Dissertação de mestrado em História Social da Cultura da PUC-Rio. Rio de Janeiro, 2008. 
 
NAPOLI, R. O. de. (Org). Lanterna verde. São Paulo: IEB, 1970. 
 
NAVES, S. C. O violão azul: modernismo e música popular. Rio de Janeiro: Editora 
Fundação Getúlio Vargas, 1998. 
 
OLIVEIRA, F. V. de. Sejamos todos musicais: modernismo, música e política na crônica 
musical de Mário de Andrade (1938-1940). Dissertação de mestrado em Sociologia da 
FFLCH-USP. São Paulo, 2005. 
 
PEREIRA, A. R. Música, sociedade e política: Alberto Nepomuceno e a República Musical. 
Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2007. 
 
SEVCENKO, N. Orfeu extático na Metrópole: São Paulo, sociedade e cultura nos frementes 
anos 20. São Paulo: Companhia das Letras, 1992. 
 
SCHWARZ, R. Que horas são?: ensaios. São Paulo: Companhia das Letras, 1987. 
 
____________.Sobre a “Fomação da Literatura brasileira”. In: Sequências brasileiras: 
ensaios. São Paulo: Companhia das Letras, 1999. 
 
TEIXEIRA, M. C. O avesso do Folclore: Musicalidade urbana e pensamento musical nos 
anos 20. In: TERESA - Revista de Literatura Brasileira: Literatura e Canção - USP. 
nº415, São Paulo, Editora 34, 2003. 
 
TONI, F. C. Mário de Andrade e Villa-Lobos. São Paulo: Centro Cultural de São Paulo, 
1987. 
 
TRAVASSOS, E. Os Mandarins Milagrosos: arte e etnografia em Mário de Andrade e Bela 
Bartók. Rio de Janeiro: Funarte; Jorge Zahar Editor, 1997. 
 
______________. Modernismo e Música Brasileira. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000. 
 
VILHENA, L. R. Projeto e Missão. O movimento folclórico brasileiro. 1947-1964. Rio de 
Janeiro: Editora Fundação Getúlio Vargas – Funarte - Ministério da Cultura, 1997. 
 
WISNIK, J. M. O coro dos contrários: a música em torno da Semana de 22. São Paulo: Duas 
Cidades, Secretaria da Cultura, Ciência e Tecnologia, 1977. 
 
___________. Getúlio da paixão cearense (Villa-Lobos e o Estado Novo). In: ESQUEFF, E.; 
WISNIK, J. M. O nacional e o popular na cultura brasileira (Música). São Paulo: 
Brasiliense, 1983. 
 
 
 
131 
 
(GERAL) 
 
 
ADORNO, T. W. Filosofia da nova música. São Paulo. Editora Perspectiva, 1974. 
 
______________. “O fetichismo na música e a regressão da audição”. In: Os Pensadores. 
São Paulo: Nova Cultural, 1989. 
 
CHAUÍ, M. Convite à filosofia. São Paulo: Editora Ática, 1999. 
 
DA MATTA, R. Carnavais, malandros e heróis: Para uma sociologia do dilema brasileiro. 
Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1981. 
 
ELIAS, N. O processo civilizador: formação do Estado e Civilização. Rio de Janeiro: Jorge 
Zahar, 1993, Vol. 2. 
 
GOMES, A. M de C. História e historiadores. Rio de Janeiro: Editora Fundação Getúlio 
Vargas, 1996. 
 
HOBSBAWM, E.J. Era dos Extremos: o breve século XX: 1914 – 1991. São Paulo: 
Companhia das Letras, 1995. 
 
HOUAISS, A. Dicionário Eletrônico da Língua Portuguesa. Versão de dezembro de 2001. 
 
SKINNER, Q. Maquiavel. São Paulo: Brasiliense, 1988. 
 
___________. As fundações do pensamento político moderno. São Paulo: Cia. Das Letras, 
1999. 
 
___________. Liberdade antes do Liberalismo. São Paulo: Editora UNESP, 1999. 
 
WEBER, M. A Nação. In:_____. Ensaios de sociologia. Rio de Janeiro: Editora Guanabara, 
1982.

Mais conteúdos dessa disciplina