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Universidade Federal do Rio de Janeiro 
Desencantamento e redenção, 
a partir da Consideração Intermediária de Max Weber (1920) 
Bruno César Cunha Cruz 
Rio de Janeiro, Brasil 
Fevereiro de 2022 
Bruno César Cunha Cruz 
Desencantamento e redenção, 
a partir da Consideração Intermediária de Max Weber (1920) 
Dissertação para obtenção do título de 
Mestre em Antropologia Social 
Orientador: Prof. Dr. Luiz Fernando Dias Duarte 
Rio de Janeiro, Brasil 
Fevereiro de 2022 
BRUNO CÉSAR CUNHA CRUZ 
DESENCANTAMENTO E REDENÇÃO, 
a partir da Consideração Intermediária de Max Weber (1920) 
Dissertação apresentada ao curso de Pós-
Graduação em Antropologia Social, Museu 
Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 
como requisito parcial à obtenção do título de 
Mestre em Antropologia Social. 
Rio de Janeiro, 21 de Fevereiro de 2022. 
BANCA EXAMINADORA 
 
______________________________________ 
Prof. Dr. Luiz Fernando Dias Duarte 
Orientador – PPGAS / Museu Nacional / UFRJ 
participação por videoconferência 
______________________________________ 
Profa. Dra. Maria Elvira Díaz Benítez 
PPGAS / Museu Nacional / UFRJ 
participação por videoconferência 
______________________________________ 
Profa. Dra. Cecilia Loreto Mariz 
ICS / UERJ

 
CUNHA CRUZ, Bruno C. 
Desencantamento e Redenção, a partir da Consideração Intermediária 
de Max Weber (1920). / Bruno C. Cunha Cruz — Rio de Janeiro: UFRJ/MN, 
2022. 
 155 f. 
 Orientador: Luiz Fernando Dias Duarte 
 Dissertação (Mestrado em Antropologia Social) — UFRJ, Museu 
Nacional, Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social, 2022. 
 1. Ocidente moderno. 2. Antropologia. I Duarte, Luiz Fernando Dias. 
II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Museu Nacional. III. Título.
Dedico esta dissertação às almas agonizantes e aos inúmeros devotos 
daquele sem cujo auxílio este trabalho não teria sido possível: o 
venerável patriarca São José, esposo de Maria 
iv
Agradecimento 
Muito obrigado! 
Muito obrigado ao Estado brasileiro, às instituições democráticas, à Capes, à 
Universidade Federal do Rio de Janeiro, ao Museu Nacional, ao Programa de Pós-
Graduação em Antropologia Social e ao corpo institucional. 
Muito obrigado aos técnicos administrativos, à equipe de biblioteca, aos 
docentes, aos meus professores, aos meus colegas doutorandos e mestrandos, aos 
meus interlocutores da antropologia e fora dela. 
Muito obrigado aos profissionais que me cercaram por todo tempo, aos que 
não percebi, aos que me encontraram, aos que me auxiliaram, aos que me 
socorreram, aos que me refugiaram. 
Muito obrigado ao meu orientador, à sua acolhida, à sua abertura intelectual, 
à sua preocupação, à sua confiança, à sua paciência, às advertências, às indicações e 
às iluminações dele provindas. 
Muito obrigado aos meus amigos, aos meus bons amigos, aos meus 
excepcionais amigos, aos meus indiscutíveis amigos, aos meus inseparáveis amigos, 
aos meus irretocáveis amigos. 
Muito obrigado à minha família, aos feitos família, às minhas tias, à minha 
madrinha, à minha filha, à minha sobrinha, ao meu irmão, ao meu pai, à minha mãe, 
à vida, enfim. 
Muito obrigado aos Céus, aos santos proclamados, desconhecidos ou vivos, 
aos Anjos de Inocências, ao Ilustre Filho de Davi, à Imaculada Mãe de Misericórdia, 
ao meu Paráclito, ao meu Redentor, ao meu Criador. 
Como te atreves a empregar essa centelha do entendimento divino, 
que é a tua razão, em outra coisa que não seja 
dar glória ao teu Senhor? 
v
Resumo 
CUNHA CRUZ, Bruno C. 
(2022). Desencantamento e Redenção, a partir da Consideração Intermediária 
de Max Weber (1920). Dissertação de Mestrado em Antropologia Social. Universidade 
Federal do Rio de Janeiro. 
Este trabalho, dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Antropologia Social do Museu Nacional da Universidade Federal do 
Rio de Janeiro, visa produzir uma irradiação do canônico “Consideração 
Intermediária” [Rejeições religiosas do mundo e suas direções] de Max Weber 
publicado originalmente em 1920. A partir de um esforço de compreensão das 
chamadas esferas Estética, Erótica e Intelectual, busca-se identificar componentes e 
problemas de conceitos inclusos no escrito weberiano, localizando-os também em 
autores desse coetâneos. Definidas as indicações como “desencantamento” e 
“redenção”, a partir das esferas analisadas e como trabalho bibliográfico, trata-se, 
assim, de exercitar uma posição mnemo-histórico-conceitual. Para tanto, lança-se 
mão aqui da indicação, para aprofundar a compreensão, de uma hipótese que se 
espera ser capaz de organizar as noções que povoam os textos anotados: a dita Era 
Axial. Ademais, desenvolvem-se novas hipóteses que indicam, em categorias 
pensadas inicialmente como puramente seculares, uma raiz religiosa, de um tipo de 
religiosidade própria. 
Palavras-chave 
Desencantamento; Redenção; Salvação; Misticismo; Max Weber; Era Axial. 
vi
Abstract 
CUNHA CRUZ, Bruno C. 
(2022). Disenchantment and Redemption, following Max Weber’s Middle 
Account (1920). Master's thesis for Master of Arts. Graduate Program in Social 
Anthropology. Federal University of Rio de Janeiro. 
This work, a master's thesis presented to the Graduate Program in Social 
Anthropology of the Federal University of Rio de Janeiro’s National Museum, aims to 
produce an irradiation of Max Weber's canonical “Middle Account” [Religious 
rejections of de world and their directions] originally published in 1920. Through an 
effort to understand the so-called Aesthetic, Erotic and Intellectual spheres, it seeks 
to identify the elements and problems of concepts included in the Weberian text, 
locating them also in coetaneous authors. Having defined the indications as 
“disenchantment” and “redemption”, from the analyzed spheres and as a 
bibliographic work, it consists thus in the exercise of mnemo-historical-conceptual 
position. For this purpose, here is brought to the fore, for a deeper understanding, a 
hypothesis that might help to organize the notions that populate the annotated text: 
the so-called Axial Age. In addition, new hypotheses are developed that indicate, in 
categories initially thought of as purely secular, that religious root, of a type of 
religiosity of its own. 
Keywords 
Disenchantment; Redemption; Salvation; Mysticism; Max Weber; Axial Age. 
vii
Sumário 
 
Agradecimentos v
Resumo vi
Abstract vii
Sumário viii
Estilo de formatação ix
Introdução 10
Parte I
1 - (O problema) Do “encantamento” à “redenção” 21
2 - (Interregno) A questão de um tempo 71
Parte II
3 - (Axialização) Da “correspondência” à “distinção” 86
Conclusão 136
Epílogo 147
Bibliografia 148
Anexo 152
viii
Estilo de formatação 
O texto está organizado da seguinte forma: 
(i) “Entre aspas, a melhor tradução que eu possa ter encontrado para cada texto”. 
(ii) [Entre colchetes e em itálico, ou simplesmente em itálico, qualquer frase e 
expressão que não esteja em português.] 1
(iii) {Entre chaves, algum comentário próprio que seja necessário para a 
compreensão.} 
(iv) Em alguns casos, o original poderá estar entre aspas, “mas sempre em itálico”, 
e a tradução da expressão entre colchetes — [e, nesses casos, sem itálico]. 
(v) A referência está organizada em: (Autor, ano da edição: e página [Ano da 
Edição no original: e página]), i.e, (Autor, XXXX: XX [XXXX: XX]); ou 
simplesmente (Autor, ano da edição: e página), i.e, (Autor, XXXX: XX). 
(vi) Embora pareça cansativo o motivo de mencionar sempre o original, quando 
sobre a Consideração Intermediária de Max Weber, responde ao problema de 
tradução que dá motor a este trabalho. Dessa forma, portanto, fui obrigado a estar 
sempre atento ao original e ao sentido mais aproximado que o autor quis imprimir à 
frase, de onde também permito que o leitor possa fazê-lo. Nos demais textos, serão, 
apenas e tão somente, extraídos do original aqueles termos específicos ou de difíciltradução. 
(vii) § Aparece também, em recuo e em fonte menor (11) que a do corpo do texto com o 
signum sectionis “§” em seu início, notas explicativas sobre termos e conceitos 
caros à compreensão do texto. 
(viii) ( ). 2
 [Quando a frase no original exceder três linhas, ela é colocada como nota de rodapé.]1
 As notas de rodapé deverão servir também para os comentários secundários em relação ao 2
corpo do texto.
ix
Introdução 
“Porquanto, embora o homem moderno, mesmo com a melhor das 
boas vontades, geralmente não seja capaz de imaginar o efetivo 
alcance da significação que os conteúdos de consciência religiosos 
tiveram para a conduta de vida, a cultura e o caráter de um povo 
[die Lebensführung, die ‘Kultur’ und die ‘Volkscharaktere’ gehabt 
haben], não cabe contudo, evidentemente, a intenção de substituir 
uma interpretação causal unilateralmente ‘materialista’ da cultura e 
da história por uma outra espiritualista, também unilateral. Ambas 
são igualmente possíveis, mas uma e outra, se tiverem a pretenção 
de ser, não a etapa preliminar, mas a conclusão da pesquisa, 
igualmente pouco servem à verdade histórica”. 
(Max Weber em A Ética Protestante e o “Espírito” do Capitalismo) 
Este é um trabalho que busca compreender o papel e a ideia de “redenção” na 
cosmologia do Ocidente. Surge a partir da menção, por Max Weber, da capacidade de 
certas esferas, ou ordens de vida, de proporcionarem uma “redenção intramundana”, 
a entrar essas, pois, em concorrência direta com a religiosidade ética de salvação. 
Erotismo e arte, ou amor e arte, enquanto redenção; ordens imaginadas como 
puramente seculares, ao dispôr de capacidade e vocabulário ora atribuídos à religião. 
Assim, num esforço dito de compreensão, esta dissertação se dispõe a seguir o fio 
weberiano, em suas construções ideal-típicas, para identificar, no pensamento 
ocidental, por meio dos conceitos atribuídos, assim, seus componentes e problemas. 
Apresenta-se, este, pois, com uma disposição aqui denominada mnemo-histórico-
conceitual, que une duas proposições: uma “conceitual” e outra “mnemo-histórica”. 
Esta dissertação, assim, de forma assumidamente provisória, procura, também a 
partir de construções intelectuais, compreender as matérias e os personagens 
movimentados por um escopo conceitual que não se inicia em Weber, nem nele se 
encerra. Como hipótese, então, recorre-se à ideia de um áxis de uma história mundial 
que teria estabelecido as categorias fundamentais do pensamento ocidental, como as 
bases para tudo que até hoje o Ocidente foi capaz de constituir, construir e ser. 
Desenvolve-se, pois, a ideia de uma “Era Axial”, ao dar a esta o caráter não de um 
período, mas de um processo ramificado e singular, de consequências duradouras. 
I 
Pois é um daqueles de seus ditos mais famosos, e que geralmente é posto em 
destaque em um sem número de materiais sobre sua história e vida, que Maria Callas, 
soprano grega falecida subitamente, aos 53 anos, em 1977, parece exprimir, em um 
bom resumo o que será tratado nas páginas que aqui seguem. La Divina, como era 
aclamada pelos quatro ventos , que na vida pessoal vivera uma série de infortúnios, 1
inclusive alguns capazes de a afastar dos palcos por anos, lembrava que, para ela, sua 
arte, o canto, não era um ato de orgulho. Cantar, dizia, era “tão somente uma 
tentativa de subir aos céus, onde tudo é harmonia”. A música, que, naquela 
“humildade especificamente obscura” — termos de Weber —, Maria definia como 
“muito grande para se falar, mas que podemos servir e respeitar com humildade”, era 
para ela não só vocação, era tentativa de assunção aos céus, era redenção. Redenção, 
lembrava a mesma mulher em um outro registro , às vezes tão rara e tão fugaz, tal 2
qual como menciona “La Traviata”, act. 2, “Cosi alla misera”, de Giuseppe Verdi: 
“Così alla misera — ch'è un dì caduta / Di più risorgere — speranza è muta!” [à alma 
miserável que um dia tropeça, toda a esperança de redenção é perdida para sempre]. 
Nesse sentido, a voz de Maria e as palavras de Verdi — como veremos nas páginas 
que aqui seguem — talvez estivessem a falar mesmo, e em exato sentido, sobre aquilo 
que um dos autores presentes neste trabalho, Sigmund Freud, cita como “suave 
narcose”, que não produz nada mais que um passageiro alheamento às durezas da 
nossa existência, que não é forte o suficiente para fazer-nos esquecer “a miséria real 
da vida e de nosso cotidiano”. Isso porque tal experiência, enquanto sublimação dos 
instintos — diz o mesmo Freud —, não asseguraria, em si, uma completa proteção do 
sofrimento, até porque, em qualquer canto que se ande [e o esforço desta dissertação 
é passear por alguns desses caminhos], tal percurso salvífico não proporciona, em 
todo caso, “um escudo impenetrável aos dardos do destino” e, com certa frequência, 
costuma falhar, principalmente quando o próprio corpo é a fonte do sofrer. 
 Como anotara o France Musique na memória do 40º aniversário de sua morte, Maria 1
abrigava mil e uma vozes em uma pessoa só: “Callas affronte à quelques jours d’intervalle les 
cantilènes de Bellini et la tessiture meurtrière des héroïnes de Wagner. Elle révolutionne le 
bel canto, porte à incandescence les rôles verdiens. Maria Callas pétille chez Rossini, elle 
bouleverse en Traviata et Norma, et grave pour le disque la plus grande Tosca de tous les 
temps. Phénomène vocal extraordinaire, interprète adulée et chahutée, Callas brûle sa vie 
sur les planches et se grise sous la lumière des médias. ”
 Incluso no documentário “Maria Callas: em suas próprias palavras”, do qual extraio as 2
citações para este primeiro parágrafo (Cf. Volf, 2017).
11
Ao lado da arte, nesse contexto, estaria, ainda, o que na famosa “Habanera”
[“Carmen”, Act. 1] Georges Bizet chamava de “pássaro rebelde”: o amor [L'amour est 
un oiseau rebelle]. Desobediente, surpreendente e arisco, esse “enfant de Bohême”, 
capaz também seria de ato igualmente redentor, ou em contexto, do que aqui 
entenderemos como “euforia do amante feliz”, ao desconhecer qualquer regra, 
portando-se como distante de qualquer posição racional. Isso, entenderemos, em 
perfeita concordância com o que, neste esforço, e a partir de Max Weber, veremos 
como “a maior força irracional da vida”, que em luta constante está com a ética do 
cotidiano. Aliás, não apenas com a ética do cotidiano, mas com qualquer ética, 
especialmente aquela religiosa, com a qual estabeleceria seu principal conflito. Uma 
sensação, e uma sensação de redenção, assim, capaz de libertar o sujeito do “racional 
no seio do mundo”, sem a necessidade de um mundo por vir. Amor esse — “arte de 
viver” para o mesmo Freud que citamos supra —, sensação que também seria, para 
outros nomes, como o de Friedrich Nietzsche, aquela potência criadora: “o homem só 
pode criar no amor”; a lembrar uma de suas famosas passagens, “isto é, na crença 
absoluta na perfeição e na justiça”, capaz de proporcionar aquela experiência 
avassaladora que abarrotará as linhas que se seguem. Weber mesmo concordaria — 
ao definir a sensação desse amor erótico extra-cotidiano — como aquela “força 
criadora encarnada”. Mas é também em Bizet que a teimosia de tal sentimento ressoa 
alegremente: “se você não me ama, eu te amo / se eu te amo, tome cuidado” [Si tu ne 
m'aimes pas, je t’aime / Si je t'aime, prends garde à toi!]. Reconhecimento, na 
música, da euforia que mencionamos, ou, nos termos de Weber, daquele “zelo 
ingênuo pela felicidade” é capaz de “atribuir expressões felizes a todo o mundo”. É o 
amor de “caráter ilimitado da dádiva”, que se opõe “a tudo que seja objetivo, racional, 
geral” que, por ser, só pode sê-lo no interesse de um indivíduo por outro indivíduo e 
só esse outro, como “plena fusão unificadora, como um desvanecimento do tu” 
(grifos de Weber). É o amor “ligado ao que ‘há de mais vivo’”, plenamente 
transcendente, encarado “‘simbolicamente’”, “em termos sacramentais”. Plenamente 
transcendente:o amor que Isolda, em “Liebestod” [Richard Wagner, “Tristan und 
Isolde”, Act. 3], é capaz de num grito final perguntar: “Freunde! Seht! / Fühlt und 
seht ihr's nicht?” [Amigos! Vejam! Vocês não sentem e vêem isto?]. 
É de igual forma — e por que não? — de tão redentor e tão único, de tão 
rebelde e irracional, que, também como a arte, demonstra o pavor do mundo e sua 
12
face assustadora. Se até aqui a unanimidade de tal potência intramundana é tomada 
como salvadora, capaz de tirar o homem das garras “esqueléticas” e “gélidas” da 
racionalidade da vida — lembra-nos Weber — bem como do sofrimento, sendo 
“modelo para a nossa busca da felicidade”; enquanto, — nos termos de Freud, — esse 
último não esquece de dizer — e não sem plena razão — que “nunca estamos mais 
desprotegidos ante o sofrimento do que quando amamos, nunca mais 
desamparadamente infelizes do que quando perdemos o objeto amado ou seu amor”. 
Quando se obriga o amante a renunciar ao absoluto de seu amor — vai lembrar 
Nietzsche: “cortam-lhe as raízes de seu vigor, ele seca, perde sua probidade”. O 
mundo, e em definitivo, torna-se e se apresenta como lugar de sofrimento, e ainda 
mais, de sofrimento imerecido, que recai sobre os homens, quaisquer que sejam, de 
maneira injusta. Injusta pois, aos bons ou aos maus, a cair de forma distante de 
algum sentido. E se, para o pai da psicanálise, aquilo que chamamos de “felicidade” 
“vem da satisfação repentina de necessidades altamente represadas, e por sua 
natureza é possível apenas como fenômeno episódico”, a infelicidade, a seu momento, 
não exige tanta casualidade. Esse sentimento, pelo se qual busca escapar aqui e acolá 
numa luta intransponível, no mesmo autor, advém-nos de muitos lados: do nosso 
próprio corpo, condenado ao declínio; do mundo externo, com suas forças 
destruidoras, e enfim das relações com outros humanos, a pior delas. Impossível — e 
para encerrar as árias que aqui aparecem — não lembrar daquilo que, dolorosamente, 
incluía Giacomo Puccini nos lamentos de “Tosca” [Act. 2, “Vissi D’Arte”]: “Eu vivi 
para a arte, eu vivi para o amor / Nunca fiz mal a uma alma viva / Com mão secreta / 
Aliviei todas as desgraças que encontrei // Sempre com fé sincera / Minha oração / 
Ascendeu aos santuários sagrados / Sempre com fé sincera / Levei flores ao altar // 
E, na hora de dor / Por que, por que, senhor / Por que me recompensas desta forma?” 
[Vissi d'arte, vissi d’amore, / non feci mai male ad anima viva! / Con man furtiva / 
quante miserie conobbi aiutai. // Sempre con fe' sincera / la mia preghiera / ai 
santi tabernacoli salì. / Sempre con fe' sincera / diedi fiori agli altar. // Nell’ora del 
dolore / perché, perché, Signore, / perché me ne rimuneri così?]. 
II 
Mas afinal, do que se trata este trabalho? De onde ele surge e a que ele 
aspira? Qual seu papel na disciplina? E por que o mesmo é justificável em momento 
13
de “sangue humano nos legumes”? Quais os caminhos seguidos e quais as suas 
consequências? 
Assumidamente, esta dissertação nasce a partir do interesse em produzir 
uma irradiação do texto “Consideração Intermediária”, escrito por Max Weber entre 
1915 e 1920, e que buscaremos compreender, em detalhes, no primeiro capítulo. Lido 
como “Rejeições religiosas do mundo e suas direções” no Brasil, subtítulo do original, 
que, por sua vez, fôra traduzido a partir do texto em inglês, publicado na coletânea 
From Max Weber (1946), a edição brasileira, assim como a versão americana, 
apresenta uma série de imprecisões de conteúdo, torções e erros de tradução. Ainda 
que isso não tenha sido um impedimento para que leitores e comentadores de Weber 
no país tivessem certo interesse no trabalho, tal interesse demonstrou-se um tanto 
quanto limitado, como desatento, ao fazer com que as imprecisões de tradução se 
transformassem em verdadeiras distorções de significado. Mas isso não é exclusivo 
do país, tampouco culpa da tradução. Como anota Thomas Schwinn nos comentários 
sobre o texto inclusas no Max Weber-Handbuch (cf. 2020: 312), notável é que o 
escrito, aqui e acolá, é ora ignorado nas análises, evitado ao fim, ou utilizado apenas 
— e quando — para considerações teóricas de valor e culturais. Raras são, segundo o 
autor, as análises sistemáticas que buscam aumentar seu conteúdo sociológico 
(Ibid.). Isso em muito pode ser explicado pelo desafio que é o próprio texto. Ao ser, e 
sem sombra de dúvidas, um dos mais pujantes trabalhos do autor, e ao ser finalizado 
já nos últimos meses de sua vida, o esforço weberiano se transforma num desafio de 
pensamento considerável. Seu próprio nome, e Schwinn faz questão de lembrar (cf. 
loc. cit. 309 ss.), é um indicativo disso: uma “consideração intermediária” marca um 
ponto de viragem [eine Zäsur], onde o que foi dito até então “é refletido no que diz 
respeito ao curso posterior do argumento”. 
Ao estar no meio (literalmente no entre) das monografias da China e da 
Índia, como veremos, ao suceder à comparação entre o confucionismo e o 
puritanismo e ao anteceder seus questionamentos sobre o desenvolvimento 
econômico indiano, o esforço do autor é, ao pensar a relação religião-mundo, também 
abrir um novo caminho de pensamento e de análise a partir da posição homem-
mundo. A disposição, que é explicada pelo mesmo Schwinn (ibid.: 309), se dá a partir 
do interesse inaugurado com A ética protestante e o ‘espírito’ do capitalismo, lugar 
onde os motivos de ação economicamente relevantes liberados da ética religiosa 
14
foram perseguidos por Weber, ao abrir a possibilidade, no pensamento do autor, de 
analisar também a relação no Ocidente não apenas com tal esfera — a econômica — 
mas com outras esferas, com outros aspectos do mundo. Ao lado, também e assim, da 
“Introdução” [Einleitung] (“A psicologia social das religiões mundiais”) Weber se 
colocaria pronto para uma sociologia teórico-conceitual, ainda que cheia de dados 
histórico-materiais, para o desenvolvimento conceitual e não tanto para sua aplicação 
(Cf. Schluchter apud Schwinn, idem: 310). É também na Consideração Intermediária 
que essa sociologia teórico-conceitual chega ao seu ponto auge, onde as “esferas de 
valor” e as “ordens de vida” alcançam aquela maior distinção teórica, e são 
explicitadas, a partir da posição de conflito entre as elencadas, no seu papel e lugar. 
Isto é, na análise já madura e final de Weber, a posição especial do Ocidente, do 
processo de racionalização e, no caso, da própria autonomização a partir da 
sublimação de tais ordens, e especialmente a ênfase weberiana na tensão e no 
conflito, não indicaria outra coisa senão a própria concepção de que as esferas não 
são indiferentes umas às outras (ibid.: 189) — e talvez seja esse o fio central que 
guiará este trabalho em específico. Ou seja, nossa disposição aqui, ao analisar tais 
esferas de valor e ordens de vida, se dará justamente a partir da exata consideração 
de não-indiferença que constituem e pelas quais são em si constituídas. 
Chegamos, finalmente, ao ponto de partida. 
É na Consideração Intermediária que uma observação salta aos olhos de 
muitos leitores, e ainda mais, de muitos comentadores. O trabalho de Weber, como 
buscaremos compreender, se dedica a perseguir a situação e o papel da tensão 
Religião-Mundo a partir da posição Homem-Mundo, ou seja, ao partir da clássica 
posição pelo significado da atividade humana e não das funções das instituições em si 
(ibid.: 189). Tal tensão, no texto, se apresenta de duas formas distintas ideal-típicas a 
serem consideradas: por meio daquela posição por similaridade ou pela posição por 
oposição . Aqui — e para o objetivo proposto — o esforço estará em dedicar atenção 3
 O autor se detém em algumas esferas específicas: a econômica, a política, a estética, a 3
erótica e a intelectual. Nesse sentido, e para que entendamos em caráter de exemplo, 
atentemos à esfera política, e à posição anti-política pela ética religiosa derejeição do mundo, 
que no corpo deste trabalho não será esmiuçada: pondo-se, no Ocidente moderno, como 
detentora do monopólio da violência e força, a tensão por oposição estaria justamente na 
posição religiosa de padrão ético de não-violência; a posição por similaridade, por sua vez, 
poderia ser observada a partir da noção de morte em tempos de guerra, em que o guerreiro 
“morre por alguma coisa”, função que a ética religiosa só poderia atribuir a si própria, enfim.
15
especialmente a três das esferas tratadas: a intelectual, a estética e a erótica. Assim, 
se na esfera intelectual, e por sua posição enquanto “domínio do conhecimento 
reflexivo”, se estabelece a “tensão consciente mais forte e mais fundamental” com a 
esfera religiosa (Weber, 2010: 347), como veremos, a surpresa do leitor não é senão 
amenizada, uma vez que a tensão já é conhecida, embora a compreensão sobre o 
“sentido” seja realmente uma contribuição de fato original de Weber, como veremos. 
Contudo, é naquelas esferas, ou melhor, naquelas “forças intramundanas da vida”, a 
arte e o erotismo, que “por natureza, são inteiramente de caráter a-racional e anti-
racional” — diferindo-se daquelas “regras intrínsecas da acção exercida no mundo 
com finalidade racional”, como a economia e a política, por exemplo — (cf. Ibid.: 
337), que a Consideração Intermediária dá, para o esforço, a principal contribuição: 
ambas, ao se constituirem como “universo de valores próprios e autónomos, 
apreendidos de modo cada vez mais consciente”, assumem a função de “redenção no 
seio do mundo”, isto é, de salvação do mundo, tal qual vimos nas árias 
supramencionadas. 
Assim, e ao estabelecerem uma tensão por oposição não só com a ética da 
fraternidade, por exemplo, essas mesmas estão também, e na mais significativa delas, 
naquela máxima tensão por similaridade por conta do próprio estatuto da redenção, 
da libertação do homem das injustiças e sofrimentos deste mundo, e, para muito 
além, do considerável triunfo sobre tal (Ibid.: 338 — 345). 
Interessante que se deixe claro desde agora, para que não nos fuja da 
compreensão, que tal posição diante da ética religiosa da fraternidade e da sociedade 
da vizinhança faz-nos lembrar que a necessidade de redenção, e a posição de conflito, 
se dá de maneira muito especial no bojo do que aqui enfrentaremos como questão. 
Isto é, para Weber, as verdadeiras religiões de salvação se constituiriam enquanto 
uma “sistematização da conduta de vida” que não aspirasse a outra coisa senão, e em 
“estado permanente”, à própria libertação e imunidade do sofrimento, ao alcançar ao 
redimido, portanto, aquele “hábito sagrado duradouro” (ibid.: 321). Para que libertos 
fossem de um mundo, então, compreendido como lugar de sofrimento imerecido, 
causador de sofrimento comuns aos fiéis: “como lugar da imperfeição, da injustiça, 
do sofrimento, do pecado, da efemeridade, da cultura necessariamente carregada de 
culpas e condenada a tornar-se cada vez mais desprovida de sentido” (ibid.: 355). Por 
sua vez, assim, e naquilo que aqui se disporá, a partir da mesma situação não pôde o 
16
domínio do conhecimento reflexivo desaguar em outra posição que não a da recusa, 
por observação empírica ou matemática — e a da recusa por princípio, aquela que 
ainda é mantida na ética religiosa — de “todo modo de ver que se interrogue sequer 
quanto a um ‘sentido’ do acontecer do mundo”, mundo esse transformado em um 
universo de meras casualidades naturais ou culturais. Um “sacrifício do intelecto” por 
parte da ética religiosa se transubstaciaria, assim, numa limitação de conhecimento 
sobre o conhecido, uma vez que, lembra Weber, “quanto mais os bens culturais e os 
objectivos do aperfeiçoamento pessoal se diferenciavam e multiplicavam, tanto mais 
insignificante se tornava a parte que o indivíduo podia abranger no decurso da vida” 
(ibid.: 354). O indivíduo esclarecido, diz, não poderia outra coisa do que se sentir 
“cansado da vida”: o mundo “encarado de um ponto de vista puramente ético, não 
podia deixar de aparecer, em todas as instâncias, igualmente frágil e depreciado em 
relação ao postulado religioso que atribui um ‘sentido’ divino à sua existência” (ibid.: 
355). Ou seja, na posição explicitada pelo nosso autor, a racionalização, de um lado 
como sistematização da conduta de vida e do outro como transformação do mundo 
em universo de mecanismo causal, ao se darem como resposta, atuam de maneira 
especialmente paradoxal, ou seja, segundo constrói nosso autor, é por meio da 
racionalização que o mundo se põe em pleno desencantamento, de um lado e de 
outro, e é também por meio da mesma tentativa de “racionalização sistemática e 
prática da vida” que a necessidade de redenção pôde surgir e surgiu. Acontece que tal 
resposta, tal redenção, como veremos, só pôde existir a partir de uma forma ainda 
mais própria, específica e particular de racionalização em si, dada por meio do que 
entenderemos ser uma “autonomização” das esferas de vida. 
III 
Mas como vimos no início desta introdução, a resposta dada no Ocidente não 
é uma resposta exclusiva do autor que pretende fazer irradiar. Se já é possível afirmar 
desde agora, ela é uma resposta — e uma saída — que se misturou com toda a própria 
vida. A redenção pelo amor e pela arte — e é preciso confessar a surpresa ao me dar 
conta disso — é encontrada não com muita dificuldade em um sem número de 
escritos clássicos produzidos no Ocidente nos últimos séculos, em grande número de 
autores espalhados, por sua vez, em áreas diversas das artes e das humanidades. Já 
nesta introdução, até então, foi possível encontrar algumas indicações no próprio 
17
Weber, como em Nietzsche e Freud. Uma mesma constante, embora não se 
apresentem em mais amostras neste trabalho, figura também, e de formas similares, 
em autores como Goethe e Schopenhauer, por exemplo. Inegavelmente, tal condição 
já dá a noção de que catalogar tais indicações, bem como suas implicações, exigiria 
um esforço não menos que hercúleo por parte de qualquer um. Por isso, aqui, é 
preciso dizer que esse não é o interesse desta dissertação, senão o de — ao considerá-
los — tomá-los para a compreensão comparativa do próprio Ocidente moderno — e 
comparativa por excelência. A intenção, e a intenção antropológica, assim, é a de 
estabelecer hipóteses úteis para o esforço mais geral da disciplina como um todo; e 
muitas hipóteses são possíveis. Uma das mais interessantes delas, e que não será 
devidamente desenvolvida neste trabalho, mas que ofereceria incomparáveis 
ferramentas para tanto em outro momento, é justamente aquela de localizar, tanto na 
denúncia do racional, quanto nas respostas alternativas e suas definitivas saídas, 
aquilo que tem sido denominado de “pulsão romântica”. Tal pulsão, e seu foco na 
“sensibilidade, subjetividade, criatividade, espontaneidade, espírito, fluxo, 
experiência, pulsão, vida, totalidade, singularidade” (cf. Duarte, 2012: 421), 
justamente encontraria contraposição, em uma postura “modernizante”, com foco, 
por sua vez, no racional, material, real, atômico etc. Interessante ter em mentem, por 
exemplo, que a própria aproximação weberiana, como veremos, das “ordens de vida” 
(o amor e a arte) com a experiência mística é reveladora: o misticismo, em 
contraposição ao seu par de negação do mundo — o ascetismo — , privilegia, nos 
termos do autor, o pensar no lugar do fazer, o contemplar no lugar do agir: o místico 
é “vaso”, o asceta é “ferramenta”. 
Outro caminho frutuoso, por sua vez, e que, naquilo que é possível, será 
devidamente desenvolvido neste trabalho, é o de pensar em uma hipótese mnemo-
histórico-conceitual. Ao partir dos dados obtidos, buscaremos compreender uma 
condição fundamental numa dita “história mundial”, capaz de ter possibilitado os 
dois grandes pilares das proposições aqui observadas sobre o Ocidente: de um lado 
(i) a construção de um mundo duplamente desencantado,eticizado e transformado 
em cosmos de mecanismo causal, e de outro, (ii) a necessidade de minimização do 
impacto desse mesmo mundo na vida das pessoas e sua exata necessidade última de 
uma “redenção”. Apropriadamente para tanto, e em boa concordância com o termo, 
entendê-la-emos como “Era Axial”: aquele período de características axiadoras para a 
18
visão de mundo que aqui examinamos. Sobre esse “momento” — e como será 
necessário indicar —, o exercício de compreensão se fundamentará no 
reconhecimento de um ponto mnemo-histórico-conceitual que fôra capaz de ter 
produzido uma guinada axiológica no sentido da distinção entre o estado natural e o 
estado cultural, entre o ser e o valor. Para tal reconhecimento, nosso esforço buscará 
— a partir dos conceitos perseguidos — na identificação no Ocidente na constituição 
de seu “pensamento”, de uma tomada, até as últimas consequências, de duas 
distinções que considerá-lo-emos como fundamentais; aquelas que, para a religião e 
para a ciência, determinaram, em algum momento — a partir do conceito — algo 
como “verdade” e “falsidade”, ou ainda técnicas de afirmação e negação, de 
diferenciação e exclusão. Bom é compreender, desde agora, que nas palavras de um 
dos proponentes da Era Axial, nomeadamente Karl Jaspers, tal “momento” estaria 
“situado no ponto da história que deu origem a tudo o que, desde então, o homem foi 
capaz de ser, o ponto de maior fecundidade na formação da humanidade” (Jaspers, 
1953: 1). Por isso mesmo, a proposição que também fôra empreendida e influenciada 
pela família Weber (por Alfred Weber, Marianne Weber e até mesmo pelo próprio 
Max Weber), nos ajudará, ainda, a entender a posição dessa Era como aquela em que, 
conceitualmente, “ideias, costumes e condições até então aceitos inconscientemente 
foram submetidos a exame, questionados e liquidados”. Ali onde — diz Jaspers — 
“tudo foi varrido para o vórtice”. Momento em que, ao se tornar “consciente do Ser 
como um todo, de si mesmo e de suas limitações”, o homem teria experimentado “o 
terror do mundo e sua própria impotência” (cf. ibid.: xiii). Seria em tal momento que 
— e a partir de transformações até mesmo anteriores (cf. Assman, 2004: 147) — o 
mundo teria se tornado “ininteligível, incalculável, instável”, ao não inspirar 
“conforto e confiança”; tornando-se dessa forma, para o pensamento ocidental, a 
“cama”, o berço, o solo fértil, enfim. Não é demais reconhecer aqui — e desde agora — 
os cuidados a serem tomados. Inegavelmente, tal hipótese não é outra coisa senão 
grandiosa, e, por suas características, exigirá cuidado no tratamento e — por que não? 
— na própria compreensão do esforço que a fez tornar-se conceito, teoria. Isto é, 
ainda que de passagem, será peremptoriamente necessário que se entenda, neste 
campo, o motivo de sua construção, de sua forma, e em seu tempo. Nesse sentido —
creio eu — estaremos devidamente aptos a elaborar, por meio deste trabalho, uma 
análise capaz de ser mais do que uma tentativa de trazer a história à memória (cf. 
19
Jaspers, 1953: V). Nosso esforço é, justamente, o de integrar à história os resultados 
da memória; é o de produzir, para e pela antropologia que praticamos, uma excitação 
do pensamento que é conceito. 
IV 
Está a dissertação, pois, dividida em duas partes, onde a primeira incluindo 
os capítulos 1° e 2°, e a segunda o capítulo 3°. Na primeira parte, somos apresentados 
ao problema geral do trabalho e, na segunda, ao desenvolvimento da hipótese última. 
Em específico, o primeiro capítulo trata de fazer uma leitura minuciosa da 
Consideração Intermediária, buscando corrigir uma série de compreensões errôneas 
nas leituras anteriores. Nesse capítulo, e para tanto, se apresenta o texto a partir de 
três contextos: o contexto da obra em que ele se insere, o contexto do escrito em si e, 
enfim, o contexto das esferas aqui tratadas, i.e., a intelectual, a artística e a erótica. 
Outrossim, o capítulo, e nele se tendo identificado a ideia de redenção, busca, a partir 
de Weber, compreender os fios de tal noção. Depois, e ainda no esforço de 
compreensão, trata sobre das duas principais éticas de negação do mundo para 
Weber — o ascetismo e o misticismo —, para compreender, pois, a relação entre amor 
e arte com o misticismo. Desenvolve-se, assim, já nele, as nossas primeiras hipóteses. 
O segundo capítulo, apresenta as similaridades das disposições weberianas 
com aquelas desenvolvidas por outros atores coetâneos do pensamento ocidental, 
como Freud e Nietzsche, além de indicar outras caras correspondências ao texto. 
O terceiro capítulo, lembra a importância, para a antropologia social, de 
uma posição e disposição a partir dos conceitos. É desenvolvida nele, assim, uma dita 
“dupla torção de perspectiva”, que visa dar uma certa, necessária e urgente atenção à 
cosmologia ocidental, ao pensamento “do” e “no” Ocidente, levando-a a sério. 
Ademais, nele se aporta a ideia de “Era Axial”, apresentada um dia por Karl Jaspers. 
Assim — e a partir de construções posteriores, especialmente as de Jan Assmann —, 
demonstra-se uma aproximação entre uma figura da história (Aquenáton) e outra da 
memória (Moisés) para, pois, explicar a proposição mnemo-histórica. Apresenta-se, 
depois, duas “distinções” ditas fundamentais no Ocidente, a mosaica e a parmenídica, 
para, — assim —, ao identificar aquele “erro mosaico”, confirmar a tese de um áxis. 
Finalmente, é na conclusão em que a parte um e a dois são colocadas em decisiva 
união, em conjunção, retomando as respostas dadas e necessárias. 
20
Parte I 
Capítulo 1 
(O problema) 
Do “encantamento” à “redenção” 
Aprendi, durante os anos da graduação, a diferenciar as influências dos 
trabalhos sociológicos a partir de seus vocabulários. Se neles o verbo principal 
figurasse como “explicar”, estaria ali presente uma perspectiva durkheiminiana; se, 
por sua vez, “desvelar” fosse a palavra central, a influência marxiana era clara. A seu 
momento, se “compreender” fosse o ponto, então, seria weberiana a raiz. Ao ser uma 
chave mestra, ou talvez uma bump key — justamente pela característica brusca de seu 
uso — a indicação certamente é superficial, e acaba por não se aplicar de jure a todas 
as explicações e análises. Contudo — e embora assim o seja — ela certamente me 
parece útil em alguns momentos, como o de agora. Faço uso de tal chave (i) para 
introduzir os problemas responsáveis pela primeira parte deste trabalho e (ii) 
também para indicar o caminho que pretende-se seguir aqui e nos capítulos 
subsequentes. Isto é, ela é útil para começo de conversa, e não tanto para seu 
desenvolvimento. De toda forma, este trabalho — que pretende produzir uma 
irradiação do canônico Consideração Intermediária [Zwischenbetrachtung] de Max 
Weber, e das implicações neste trabalho recebidas e dele surgidas — não pode sê-lo 
senão através da exata tentativa de compreensão. Ou seja, não pode sê-lo sem um 
esforço, ainda que inicial, de compreender os componentes e os problemas que 
povoam a reflexão conceitual apresentada por Weber, e que, no tempo e na 
circustância de sua produção, permitem ao trabalho e sua motivação tomar 
importância tão grande no bojo não só das ciências humanas em si, mas das próprias 
cosmologias que povoam o pensamento do/no Ocidente moderno. 
Antes, contudo, parece-me necessário delimitar o que aqui se entenderá por 
“compreender”, e por qual motivo, neste trabalho, imagina-se que tal verbo seja mais 
adequado do que uma tentativa principal de “explicar” ou “desvelar” como ponto 
principal. Desde agora, contudo, é preciso esclarecer, com tudo isso, que não se 
deseja avançar numa aplicação, mesmo que parcial, do método dito “weberiano”, isto 
é, de uma sociologia compreensiva — até porque, e definitivamente, não creio ser o 
caso, e os interesses buscados exigem, em si, o exato contrário disso. 
Especificamente, o que estou a fazer é tão somente indicar queo objetivo deste 
trabalho deverá tentar justamente dar atenção aos componentes e problemas que 
definem os conceitos movimentados no texto supramencionado. No mencionado, 
vale dizer, e também nos demais que, para compreendê-lo, serão resgatados e 
utilizados — bem como em alguns daqueles que emergem naquele “fluxo inesgotável 
de eventos” que abarcam a infinidade de “momentos causais” que a própria obra de 
Weber apresenta em sua análise do Ocidente. Assim, é certo que talvez estejamos 
exatamente diante do mesmo objetivo colocado no Consideração Intermediária, isto 
é, estamos diante, enquanto uma “antropologia do pensamento”, daquela necessidade 
de ser um “contributo para a tipologia e a sociologia do próprio racionalismo” 
[Beitrag zur Typologie und Soziologie des Rationalismus selbst sein]. Também 
estamos diante do mesmo problema, uma vez que também este esforço parte “das 
formas mais racionais que a realidade possa adoptar e procura determinar até que 
ponto certas consequências racionais, suceptíveis de se colocar em termos teóricos, 
foram tiradas da realidade. E, eventualmente, por que não o foram”. [Er geht daher 
von den rationalsten Formen aus, welche die Realität annehmen kann, und sucht zu 
ermitteln, inwieweit gewisse theoretisch aufstellbare rationale Konsequenzen in der 
Realität gezogen wurden. Und eventuell: weshalb nicht.] (Weber, 2006: 319 [1922: 
546]) 
Deve-se, contudo, desde já atentar para certa realidade deste trabalho, qual 
seja, a de que aqui se tenta tão somente conhecer o espaço, traçar caminhos e buscar 
pistas. Não é nosso objetivo criar clareiras, nem mesmo desflorestar; tampouco 
esgotar o que nos dispõe os temas abarcados. O foco não é, portanto, e como dizia o 
próprio Weber ao abordar o fenômeno religioso em Economia e Sociedade (cf. 
Weber, 2000: 281ss. [1947: 227]), tratar da essência, mas de suas condições e efeitos. 
Ou seja — como diz Weber — uma definição daquilo que “é” a religião é impossível no 
início de uma consideração, mesmo que um esboço pudesse talvez ser dado ao final. 
Igualmente, assim como o fenômeno religioso, os conceitos que aqui trabalhamos, 
seus efeitos e condições, também só podem ser alcançados “a partir das vivências, 
representações e fins subjetivos dos indivíduos — a partir do ‘sentido’ — uma vez que 
22
o decurso externo é extremamente multiforme ” Por isso mesmo, anota-se, a postura 1
que assumimos é aquela que diz que a definição daquilo que “é” é aqui, pois, 
impossível — não só para o início de qualquer compreensão, como para seus fins. 
Outrossim, esta posição não deve ser confundida com um desleixo pelos outros 
verbos mencionados em oposição — explicar e desvelar, portanto. Até porque o 
caminho que possibilitou a chegada até este ponto muito o é por conta de ambos os 
outros, dado que o desejo inicial para este trabalho esteve justamente neles ancorado. 
Afinal, todos são “igualmente possíveis”. 
Creio que é preciso começar logo o assunto. 
I 
Meu primeiro contato com a Consideração Intermediária se deve à disciplina 
“Sociologia III, Max Weber” — que sucedeu a Sociologia I, dedicada a Durkheim, e 
Sociologia II, a Marx —, da minha graduação em Ciências Sociais. O texto era 
anunciado e considerado no curso como um momento final, uma reflexão última — e 
bem era a reflexão última, dado que a leitura e discussão de tal texto, prevista para o 
dia 14/07/2017, fôra marcada justamente para a última sessão de leitura da disciplina 
—, uma “chave de ouro”, como veremos adiante. Nele, acreditava-se, Weber fazia uma 
revolução na sua própria teoria, marcava um novo locus, criava um novo mundo em 
oposição a tudo que ele havia escrito até então. Weber, como sabemos bem, é 
conhecido como o autor que deixou à vista a ideia de “Desencantamento do Mundo” 
[Entzauberung der Welt], aquele duplo desencantamento, pela religião e pela ciência, 
no qual passara o Ocidente. Seria nesse texto, especificamente na tradução brasileira, 
feita a partir da americana, nomeado como “Rejeições Religiosas do Mundo e Suas 
direções” (o subtítulo do original), que em completo inverso, pela única — e também 
última — vez, apareceria algo como “encantamento de todo mundo” (cf. Weber, 1979: 
398). A descoberta, e também a surpresa causada, consta como último capítulo de um 
respeitável trabalho sobre Weber, a respeito do “Desencantamento do Mundo”, feito 
 [Eine Definition dessen, was Religion ‘ist’, kann unmöglich an der Spitze, sondern könnte 1
allenfalls am Schlusse einer Eröterung wie der nachfolgenden stehen. Allein wir haben es 
überhaupt nicht mit dem ‘Wesen' der Religion, sondern mit den Bedingungen und 
Wirkungen einer bestimmten Art von Gemeinschaftshandeln zu tun, dessen Verständinis 
auch hier nur von den subjektiven Erlebnissen, Vortellunfen, Zwecken des Einzelnen — con 
‘Sinn’ — aus gewonnen weder kann, da der äuß gewonnen Weden kann, da der äußere 
Ablauf ein höchst Vielgestaltiger ist.].
23
por Antônio Flávio Pierucci [1945 — 2012], então professor da Universidade de São 
Paulo (USP). O escrito, tese de livre-docência apresentada em 2001 à Faculdade de 
Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, convertido em livro (cf. Pierucci, 2013), 
aponta para aquela presença muitíssimo discreta “ali, no meio de uma seção dedicada 
justamente à esfera erótica”: “eis senão quando meus olhos atentos captam de 
improviso, estampado sem destaque nem preâmbulos nos texto em português, nada 
mais nada menos que o verbo ‘encantar’”, e ainda soma dizendo, num enorme 
entusiasmo, que “como para aumentar a felicidade do achado, ei-lo que assoma 
compondo um sintagma — ‘encantar todo mundo’” (Cf. Ibid.: 219). 
De fato, é uma descoberta e tanto! Pierucci mesmo o confessa: “não pode ser 
[…] ninguém nunca me disse que Weber havia acenado expressamente com esse 
outro lado da coisa com essa doce ingenuidade de um encantamento possível e 
acessível em meio a um mundo cada vez mais desencantado”. “Como assim, uma 
chave de ouro como esta ter passado tanto tempo assim sem ser notada?”, indaga o 
autor (Ibid.: 220). É diante de tal incredulidade — a da novidade e a da resposta de 
Weber ao “desencantamento” — que o autor vai atrás do texto em inglês (do qual o 
texto em português foi traduzido) que diz em “to bewitch all the world”, “com outro 
núcleo lexical, uma raiz diferente, uma outra etimologia, mas está lá com a mesma 
semântica básica”. Posteriormente, diz o autor, na primeira oportunidade também 
consulta o alemão: “para o meu júbilo intelectual constato com meus próprios olhos 
que Max Weber de fato havia usado naquele contexto o verbo ‘encantar’ [anzaubern]”
Onde, continua Pierucci (loc. cit.), “o sintagma completo, ao falar em ‘encantar todo 
mundo’ [aller Welt anzaubern], tem por referentes o amor sexual e a euforia do 
amante feliz [die Euphorie des glücklich Liebenden]”. Assim estava, segundo o autor, 
encontrada a “chave de ouro” de seu trabalho: um trabalho que se dedicara a 
encontrar o desencantamento [Entzauberung] se depara ao fim, num texto final de 
Weber, com o encantamento [anzaubern], com o mesmo núcleo léxico, da mesma 
raiz zauber [magia]. E tudo isso, lembra o autor, “para aludir a esta via 
modernamente disponibilizada de encantamento do mundo, da vida e do mundo da 
vida, que é o erotismo”. Ou seja, em Weber, pareceria, portanto, que a “possibilidade 
de encantar” não estaria num “alardeado ‘retorno do sagrado’, como andam dizendo 
tantos sociólogos religiosos da religião que conhecemos”, anota Pierucci. Nesse 
sentido, conclui, “o locus da existência humana em que se esgueira uma possibilidade 
24
efetiva de encantar o mundo não é a esfera religiosa, mas uma outra esfera cultural, 
ao mesmo tempo não religiosa e não racional: a esfera erótica […] o amor sexual” 
(Ibid.: 220 — 221). Era justamente assim, e a retomar o fio, que terminava o curso: 
inspirado no estudo de Pierucci e nas palavras de Weber; havia esperança! E foiassim, com aquele espírito mencionado na introdução, que me apeguei, 
particularmente, com verdadeira inspiração, às palavras de Weber. E foram anos de 
considerável dedicação ao texto em si e também aos escritos gerais do autor. 
Interessava-me compreender como a resposta weberiana estava ancorada justamente 
em um caráter não mais geral, mas pessoal. O “encantamento”, indicava a leitura, não 
era uma situação cosmológica, mas individual, uma questão de “primeira pessoa” ; 2
era uma forma de experimentar a existência, um “encantamento” possível como uma 
esfera de valor heterogênea em sua relação à ética (cf. Pierucci, 1998). 
§ Bom anotar, aqui, um contexto que não deve ser esquecido: como lembra o mesmo 
Pierucci (ibid.: 9), a partir das conferências proferidas em 1918, i.e., n’A política 
como vocação e n’A ciência como vocação, para Weber estavam repercutidas uma 
“tardia experiência pessoal da tensão inapaziguável entre eros e ética, ao 
tematizarem […] os conflitos axiológicos do indivíduo dividido entre demônios 
exigentes em guerra entre si”. Como imagino ser importante ressaltar desde já, o 
contexto onde tal proposição de Weber estaria é não só a aurora do século XX, onde 
o “gozo sexual” ou o “gozo do amor sexual” “passava a ser objeto de um interesse 
afirmativo de proporções insólitas nas camadas mais modernas da moderna 
sociedade européia”, como também sua situação pessoal, com os famosos casos 
extra-conjugais com Else Von-Richthofen e Mina Tobler (cf. loc. cit.). 
II 
Contudo, um encantamento “de todo o mundo”, por mais interessante que 
fosse, e por vir de Weber — autor de rigor científico e intelectual tão fortemente 
estabelecidos —, seria, no clássico ditado popular, bonito demais para ser verdade. 
Algumas contradições, nesse sentido, são claras: afinal, como uma sensação 
individual, por mais avassaladora que possa ser, poderia ter tanto poder a ponto de 
encantar todo um mundo desencantado duplamente — pela religião e pela ciência — 
por séculos a fio? É interessante notar, ademais, que essa contradição tomou conta de 
 Como discuti no meu primeiro trabalho sobre o tema (Cunha Cruz, 2018) em referência à 2
ideia de “experiência de primeira pessoa” comum à Filosofia da Mente, irradiada a partir do 
fundamental “What is it like to be a bat?” de Thomas Nagel (1974). 
25
grande parte dos leitores da descoberta e foi matéria para debate. A própria resenha 
sobre o livro, publicada na Revista Brasileira de Ciências Sociais logo após seu 
lançamento, se dá conta de que “se, como resgata Pierucci, o amor sexual pode ser 
uma potência reencantadora, não o será certamente do mundo, em termos macro, 
mas no âmbito das experiências interpessoais e num sentido mais psicológico do que 
propriamente histórico-sociológico” (Cf. Nobre, 2004: 165). Entretanto, e como bem 
sabemos todos nós, “verba volant, scripta manent” — vale, para o autor, o que está 
escrito. Ademais, e para muito além disso, cabe lembrar, o alemão, língua dos escritos 
originais de Weber, com suas especificidades — e dificuldades — costuma ser repleto 
de particularidades de sentido. No mais, as traduções feitas para o português dos 
trabalhos de Weber são sempre recheadas de erros de tradução, edição etc. Esses 
erros, que, em sua maioria, distorcem completamente o indicado pelo autor, não são 
frutos da tradução ao português em si, mas das próprias traduções e edições para o 
inglês, que serviram como base para a brasileira. Comentadores — o que inclui o 
próprio Pierucci —, diante de tal situação, se acostumaram, não só em português, a 
incluir, com qualquer citação, trechos do original que pareçam necessários. Quando 
menciona o “encantamento”, Pierucci mesmo se preocupa em consultar e indicar o 
original, diz: “aller Welt anzaubern”, diz ele. Sem dúvida, “encantar todo mundo” (cf. 
2013: 220)! 
Deveria ser… Isso porque, quando me coloquei diante do original, a história 
era um pouco diferente. 
Vejamos o que diz o original: 
Die sich als “Güte” fühlende Euphorie des glücklich Liebenden mit 
ihrem freundlichen Bedürfnis, nun auch aller Welt frohe Mienen 
anzudichten oder in naivem Beglückungeifer anzuzaubern, […] stößt 
daher stets auf den kühlen Spott der genuin religiös fundamentierten 
radikalen Brüderlichkeitsethik. (Weber, 1922: 562, grifos meus) 
Ou seja, “nun auch aller Welt frohe Mienen anzudichten oder in naivem 
Beglückungeifer anzuzaubern”, algo que já me saltou aos olhos. Isso porque a 
tradução lida no Brasil e colocada na grande parte da bibliografia referente é, mesmo, 
muitíssimo mais direta. 
Diz ela: 
A euforia do amante feliz é considerada como “boa”; tem a 
necessidade cordial de poetizar todo o mundo com características 
felizes, ou encantar todo mundo num entusiasmo ingênuo para a 
difusão da felicidade. E encontra sempre a zombaria fria da ética 
26
radical, e de base verdadeiramente religiosa, da fraternidade. (Idem, 
1979: 398 — 399, grifos meus) 
Em alguma conformidade com o que induz a edição em inglês, que diz: 
The euphoria of the happy lover is felt to be “goodness”; it has a 
friendly urge to poeticize all the world with happy features or to 
bewitch all the world in a naive enthusiasm for the diffusion of 
happiness. And always it meets with the cool mockery of the 
genuinely religiously founded and radical ethic of brotherhood. 
(Idem, 1946: 345) 
Procurando, encontro três outras edições, traduzidas do alemão. 
Em francês: 
Se prenant pour de la “bonté”, l’euphorie de l’amant heureux est 
marquée par le besoin amical d’inventer sur le champ de joyeux airs à 
l’adresse du monde entier ou de se montrer comme par enchantement 
naïvement empressé à faire le bonheur ; elle rencontre toujours, à 
cause de cela même, la raillerie glacée de l’éthique, de fraternité 
radicale à fondement authentiquement religieux. (Idem, 1992: 18) 
Em espanhol: 
La euforia del amante feliz, sentida como “bondad”, y la amistosa 
necesidad de poner buena cara a todo el mundo y de contagiarlos en 
un afán de repartir felicidad, choca siempre contra la fría mofa de la 
ética radical genuinamente religiosa de la fraternidad. (Idem, 1987: 
551) 
E em português de Portugal: 
Sentindo como “bondade”, a euforia do amante feliz, com sua amável 
necessidade de atribuir também expressões fisionômicas alegres a 
toda gente ou, num ingênuo empenho em fazer a felicidade de 
outrem, de as obter por encanto, depara sempre, por isso, com o frio 
escárnio da ética da fraternidade radical, genuinamente 
fundamentada no plano religioso. (Idem, 2010: 345) 
Sendo um neófito, eu traduziria para: 
Sentindo como “bondade”, a euforia do amante feliz, com sua 
necessidade gentil de atribuir expressões felizes a todo [o] mundo ou 
de encantar por um zelo ingênuo pela felicidade, é, portanto, sempre 
chocada com a fria zombaria da ética da fraternidade radical 
genuinamente religiosa. 
Vamos lá! Como se pode notar, a coisa não é bem “encantar todo mundo”. A 
frase, em sua integridade, é muito mais complexa — e tal complexidade fica ainda 
mais clara com a variedade de possibilidades de tradução. Assumidamente, pode 
parecer que, por estar entre vírgulas, “frohe Mienen anzudichten” [atribuir 
expressões felizes] e “naivem Beglückungeifer anzuzaubern” [encantar por um zelo 
ingênuo pela felicidade] se referem ambas a “aller Welt” [todo o mundo “cósmico”, o 
“all the world” inglês] — e não a “Jeder” [todo mundo “de pessoas”, o “everybody” 
27
inglês] como a tradução de Portugal pareceria indicar, também ao induzir a erro. 
Contudo, e ao certo, não é bem isso, e tampouco pareceria ser isso que Weber 
gostaria de indicar na forte expressão. Necessário é notar algumas coisas: (i) percebe-
se, na frase a que aqui nos dedicamos, três expressões correspondentes ao sentimento 
de “felicidade”, i.e., “glücklich”, “frohe” e “Beglückungeifer”, a primeira com 
referência àquele que sente — “glücklich Liebenden” [amante feliz] —, a segunda a 
comportamentos atribuídos aoutrem — “frohe Mienen” [expressões felizes] — e a 
terceira ao próprio comportamento, à própria posição — “naivem Beglückungeifer” 
[zelo ingênuo pela felicidade] —; (ii) minha leitura parece sugerir que há na frase dois 
momentos postos por um sujeito, ou ainda, duas posições provenientes de uma 
situação; duas posições são estabelecidas com duas coisas a partir de uma, e não duas 
posições com uma coisa só: ou seja, há, a partir do amante, uma posição com relação 
ao mundo e uma posição com relação a si. Ou seja, o amante, como anota Weber, é 
tomado por uma “euforia” que (ii.i) tem a “necessidade gentil” de “atribuir” 
[anzudichten] feições, “expressões felizes”, ao mundo {isso contemplativamente — 
por posição própria e não por transformação ontológica, até porque estamos dizendo, 
repito, sobre o mundo cósmico [Welt] e não ao mundo das pessoas [Jeder]}, (ii.ii) 
igualmente, ou [oder] também, o amante, é capaz se ver encantado [anzuzaubern] — 
o amante, não o mundo — naquele “zelo ingênuo pela felicidade”. Ou seja, como se 
“enfeitiçado”, dado que se trata, no alemão, da mesma expressão [Zauber]. 
Consequentemente, essas posições começariam a dar sentido à tensão mencionada 
supra; tensão “inapaziguável” entre, digamos, o eros e a ética, entre o desejo e o 
dever. Isso uma vez que as duas posições, enquanto desejo, estão em pleno confronto 
com aquela “fria zombaria da ética da fraternidade radical genuinamente religiosa” 
[kühlen Spott der genuin religiös fundamentierten radikalen Brüdeilichkeitsetliik]. 
III 
Mas há muito mais em tal frase do que podemos imaginar, e nos 
esforçaremos para tal compreensão. Antes, contudo, é preciso pô-la em seu contexto. 
O primeiro contexto, por óbvio, deve ser o da própria obra. Ela se inclui num esforço 
do autor de produzir uma “obra reunida” que não fôra concluída por conta da sua 
morte, ainda em 1920, mas que recebera o nome de Ensaios reunidos de Sociologia 
da Religião [Gesammelte Aufsäze zur Religionssoziologie], ao ser organizado por sua 
28
companheira, Marianne Weber. Os capítulos iniciais do volume I são os 
proeminentes estudos sobre o protestantismo ascético, i.e., A ética protestante e o 
‘espírito’ do capitalismo e As seitas protestantes e ‘espírito’ do capitalismo. Naquele 
esforço, seguiu-se ainda uma completa obra de “sociologia histórico-comparada” das 
religiões, intitulada de A Ética econômica das religiões mundiais [Die 
Wirtschaftsethik der Weltreligionen], que inclui as monografias sobre a China 
[Konfuzianismus und Taoismus] e sobre a Índia [Hinduismus und Buddhismus], 
bem como a monografia inacabada sobre o judaísmo antigo [Das antike Judentum]. 
Há ainda outros dois grandes ensaios: a Introdução [Einleitung], aqui no Brasil 
conhecida como A psicologia social das religiões mundiais e, enfim, a Consideração 
Intermediária. Nessa trama, e valendo-me, por justiça, ao útil do trabalho de 
Pierucci, Weber “se pretende o sociólogo que, ao eleger as religiões como objeto, 
produz uma dupla macrossociologia: uma sociologia geral da mudança social como 
inevitável racionalização da vida, e uma sociologia específica da modernização 
ocidental” (2013: 16 - 17). Ainda há, na série dos estudos sobre religião, o capítulo V 
da parte II do volume I de Economia e Sociedade, denominada inicialmente de 
Sociologia da Religião [Religionssoziologie] — hoje, e a partir do “Max Weber-
Gesamtausgabe” [Obras Completas] lida como “Religiöse Gemeinschaften” 
[Comunidades Religiosas] — , que, ao ser um passo a passo de uma “sociologia 
sistemática da religião”, da preocupação do autor de produzir uma análise daquele 
dito “Religionssystematik” [Sistema Religioso], aqui nos será fundamental, ao dispôr 
de um vasto número de menções úteis à compreensão. 
Aqui — e detendo-me direta e tão somente a partir do próprio trabalho —, 
convém resumi-lo em bom detalhe, ao dar atenção aos seus dados específicos; assim, 
para seu segundo contexto. Ao estar, assim, localizada depois do estudo sobre a China 
e antes do estudo sobre a Índia, “no meio” de seus estudos sobre a religião, a 
Consideração Intermediária se pretende uma análise capaz de “elucidar 
sucintamente, através de uma construção esquemática e teórica, quais os motivos, 
por que surgiram, afinal, éticas de negação do mundo e quais orientações que 
adoptaram — ou seja, qual terá sido seu possível ‘sentido’” (Weber, 2010: 317 [1922: 3
 [ist es wohl zweckmäßig, kurz in einer schematischen und theoretischen Konstruktion uns 3
zu verdeutlichen, aus welchen Motiven heraus und in welchen Richtungen religiöse Ethiken 
der Weltverneinung überhaupt entstanden und verliefen: welches also ihr möglicher ‘Sinn’ 
sein konnte]
29
536]), motivo de seu subtítulo “Teoria dos graus e orientações da rejeição religiosa do 
mundo”. Isso, lembra o próprio Weber, a partir de “tipos ideais” [idealtypisches] de 
“esferas de valor” [Wertsphären] e “ordens de vida” [Lebensordnungen], que embora 
sejam apresentadas com “uma coesão racional que raramente têm na realidade” [in 
einer rationalen Geschlossenheit herauspräpariert, wie sie in der Realität selten 
auftreten], servem como “um recurso técnico para facilitar a exposição e a 
terminologia” [ein technischer Behelf zur Erleichterung der Übersichtlichkeit und 
Terminologie] (Ibid.: 318 [537]). Para tanto, Weber busca identificar aquela tensão 
entre mundo e religião, das ordens da vida com a vivência religiosa, onde “as religiões 
proféticas e de salvação viviam […] numa relação de tensão não só aguda […], mas 
também permanente com o mundo e suas ordens”. [in einem dauernden 
Spannungsverhältnis zur Welt und ihren Ordnungen.] E isso, lembra, “até tanto 
mais quanto mais elas fossem autênticas religiões de salvação” [Und zwar, je mehr 
sie eigentliche Erlösungsreligionen waren, desto mehr.] ou se “sublimassem em 
‘religiosidade de convicção’” [Gesinnungsreligiosität] (Ibid.: 322 [541]). Ou seja, 
numa tensão que se tornaria “tanto mais forte, por seu lado, quanto mais iam 
progredindo, também por seu próprio lado, a racionalização e a sublimação da posse 
exterior dos bens ‘seculares’” [Und zwar wurde die Spannung von ihrer Seite her um 
so stärker, je weiter auf der anderen Seite die Rationalisierung und Sublimierung 
des äußerlichen und innerlichen Besitzes der … “weltlichen” Güter auch ihrerseits 
fortschritt.], a criar as condições ideais para o que, a partir de agora, conheceremos 
como “autonomização” das esferas de vida, causa e motivo do conflito direto com as 
esferas religiosas. Isso porque, bem conforme nos diz Weber, (Ibid.: 323 [541 — 
542]): 
a racionalização e a sublimação consciente das relações do homem 
com as diferentes esferas de bens exteriores e interiores, religiosos e 
profanos, na sua posse levaram a que se tornassem conhecidas, nas 
suas coerências intrínsecas, as leis internas próprias de cada uma das 
esferas e, por via disso, estas se deixassem entrar naquelas tensões 
entre umas e outras que haviam permanecido ocultas enquanto a 
relação com o mundo exterior era pautada pela ingenuidade 
primordial. Trata-se de uma consequência perfeitamente geral, e 
muito importante para a história das religiões, da evolução que torna 
a posse dos bens (intramundanos e extramundanos) algo racional, a 
que se aspira conscientemente e que se sublima pelo saber. 
[die Rationalisierung und bewußte Sublimierung der Beziehungen 
des Menschen zu den verschiedenen Sphären äußeren und inneren, 
religiösen und weltlichen, Güterbesitzes drängte dann dazu: innere 
Eigengesetzlichkeiten der einzelnen Sphären in ihren Konsequenzen 
30
bewußt werden und dadurch in jene Spannungen zueinander 
geraten zu lassen, welche der urwüchsigen Unbefangenheit der 
Beziehung zur Außenwelt verborgen blieben. Es ist dies eine ganz 
allgemeine, für die Religionsgeschichte sehr wichtige Folge der 
Entwicklung des (inner- und außerweltlichen) Güterbesitzes zum 
Rationalen und bewußt Erstrebten, durch WissenSublimierten.] 
Weber (2010: 321 — 322 [1922: 540 — 541]), lembra que não foi de outra 
coisa, senão da própria magia [zauber], que pôde ser possível o surgimento, para as 
religiões de salvação, das suas principais figuras: o profeta e o salvador, dado que 
ambos “legitimaram-se pela posse de um carisma mágico” [Der Prophet und der 
Heiland legitimierten sich in aller Regel durch den Besitz eines magischen 
Charisma], a servir, pois, como “meio para fazer reconhecer e perdurar a importância 
ou a missão exemplares da sua personalidade ou a respectiva qualidade salvadora”. 
Isso, anota, “pois o conteúdo da profecia ou dos mandamentos do salvador consistia 
em orientar a conduta na vida pela aspiração a um bem de salvação” . Ou seja, para 4
as “verdadeiras religiões de ‘salvação’” — diz Weber — “uma sistematização da 
conduta de vida” aspirava não a outra coisa senão à própria perspectiva da “libertação 
do sofrimento”, e, mais que apenas à libertação, também à “imunidade a tal”, num 
“estado permanente”. O objetivo, então, da religião de salvação seria o de, 
exatamente, “alcançar para o redimido um hábito sagrado duradouro, que, por isso, 
lhe garantisse a salvação, em lugar do estado sagrado obtido por meio da orgia, da 
ascese ou da contemplação, de forma aguda, não cotidiana e, por conseguinte, 
transitória” . 5
Tal fuga, assim, consistiria também na possibilidade de criação das 
comunidades “assentes numa base puramente religiosa”, onde “quanto mais o 
objectivo da redenção se estendesse de forma abrangente e inferiorizada tanto mais 
se tornava evidente que, ao fim e ao cabo, o salvador, o profeta, o sacerdote, o 
 [Mittel war, die exemplarischen Bedeutung oder der Sendung oder der Heilandsqualität 4
ihrer Persönlichkeit Anerkennung und Nachachtung zu verschaffen. Denn der Inhalt der 
Prophetie oder des Heilandsgebotes war: Orientierung der Lebensführung an dem Streben 
nach einem Heilsgut.]
 [Das letztere war die Regel bei allen eigentlichen “Erlösungs”-Religionen, d. h. allen denen, 5
welche ihren Anhängern die Befreiung vom Leiden in Aussicht stellten. Und zwar, je 
sublimierter, verinnerlichter, prinzipieller das Wesen des Leidens gefaßt wurde, desto mehr. 
Denn dann galt es, den Anhänger in einen Dauer zustand zu versetzen, welcher ihn gegen 
das Leiden innerlich gefeit machte. Statt des durch Orgie oder Askese oder Kontemplation 
akut und außeralltäglich, also: vorübergehend, erlangten heiligen Zustandes sollte ein 
heiliger und deshalb des Heils versichernder Dauerhabitus der Erlösten erreicht werden: 
dies war, abstrakt ausgedrückt, das rationale Ziel der Erlösungsreligion.]
31
correligionário haviam de estar mais próximos do crente que os seus parentes e o seu 
cônjuge” . Aparece, então, com especial ênfase, aquela “ética religiosa da 6
fraternidade” [religiöse Brüderlichkeitsethik], de uma “‘sociedade da vizinhança’” 
[Nachbarschaftsverband], constituida de dois princípios elementares, qual seja, o 
dualismo da moral interna e da moral externa e o princípio da reciprocidade simples, 
daquele “‘sentimento’” [Gefühl] que diz: “aquilo que te falta hoje, pode me faltar 
amanhã” [was heute dir mangelt, kann morgen mir mangeln]. Isso porque, e sem 
nos esquecer que, “nas profecias de redenção, em especial, o sofrimento comum a 
todos os fieis — quer fosse real ou sempre iminente, exterior ou interior — passou a 
ser o princípio constitutivo da relação comunitária entre eles”, ou seja, “quanto mais 
racional e mais sublimada em termos de ética da convicção fosse a ideia da redenção, 
tanto mais, por isso mesmo, se intensificavam externa e internamente esses preceitos 
provenientes da ética da reciprocidade própria da sociedade da vizinhança” . (Ibid.: 7
323 — 325 [542 — 542]). Weber continua: “em função da concepção do mundo como 
um lugar de sofrimento imerecido, as barreiras impostas pelos laços confessionais e, 
finalmente, o facto de haver ódio” apareceram, pois, “como consequência das mesmas 
imperfeições e corrupções inerentes a toda a realidade empírica, e às quais se deve 
igualmente o sofrimento” (2010: 323 [1922: 541 — 542]). Por “sofrimento 8
imerecido”, como veremos mais à frente, diz-se da noção de que injustiças de toda 
ordem que rondam este mundo, ao atingir os homens de forma distante de sentido; 
sofrimento este que é base para a principal teodiceia do Ocidente, a que busca 
compreender o sofrimento dos bons e o sucesso dos maus — isso, anota-se, em 
oposição, por exemplo, a um sofrimento compreendido como “justo”, próprio da 
teodicéia do carma das religiões orientais. 
 [Aber daß der Heiland, Prophet, Priester, Beichtvater, Bruder im Glauben dem Gläubigen 6
letztlich näher zu stehen habe, als die natürliche Anverwandtschaft und Ehegemeinschaft 
rein als solche, verstand sich um so mehr von selbst, je weitgreifender und innerlicher das 
Ziel der Erlösung gefaßt wurde.]
 [Bei den Erlösungsprophetien im besonderen war nun das allen Bekennem gemeinsame, 7
wirkliche oder stets drohende, äußere oder innere Leiden das konstitutive Prinzip ihrer 
Gemeinschaftsbeziehung. Je rationaler und gesinnungsethisch sublimierter die Idee der 
Erlösung gefaßt wurde, desto mehr steigerten sich daher jene aus der Reziprozitätsethik des 
Nachbarschaftsverbandes erwachsenen Gebote äußerlich und innerlich.]
 [Die Schranke des Glaubensbandes und schließlich die Tatsache des Hasses erschienen 8
angesichts der Konzeption der Welt als einer Stätte unverdienten Leidens nun als Folgen 
der gleichen Unvollkommenheiten und Verderbtheiten alles Empirischen, die auch das 
Leiden verschulden.]
32
Aqui, no entanto, já imaginamos ser propício dar alguns saltos na 
compreensão do texto, ao considerar, pois, esferas fundamentais para nosso esforço: 
a intelectual, a estética e a erótica. Só depois será possível retornar aos pontos soltos, 
bem como às esferas que ficaram para trás. Assentemo-nos, por primeiro, à “esfera 
intelectual”, naquele “domínio do conhecimento reflexivo” [Reich des denkenden 
Erkennens] em que a ética religiosa entra na “tensão consciente mais forte e mais 
fundamental” [am größten und prinzipiellsten wird schließlich die bewußte 
Spannung] (Ibid.: 347 [564]). Interessante anotar desde agora, que segundo aponta 
Weber, o que a ética religiosa de negação do mundo oferece não é “um saber 
intelectual profundo sobre aquilo que existe ou é válido em termos normativos, mas 
sim uma definida tomada de posição quanto ao mundo, graças a uma percepção 
imediata do seu ‘sentido’” . Para esta, o “sentido” não pode ser desvendado com os 9
recursos do intelecto, mas sim, diz, graças “ao carisma de uma iluminação, que só 
seria concedida a quem se liberte, ao recorrer à técnica posta à sua disposição para o 
efeito, dos sucedâneos ilusórios que as impressões confusas do mundo sensível e as 
abstrações do intelecto proporcionam como conhecimento” (Ibid.: 350 [566]). Por 10
sua vez, o domínio de conhecimento reflexivo está naquela posição que, por 
observação empírica ou matemática do mundo, “recusa por princípio todo o modo de 
ver que se interrogue sequer quanto a um ‘sentido’ do acontecer no mundo” [Denn 
die empirische und vollends die mathematisch orientierte Weltbetrachtung 
entwickelt prinzipiell die Ablehnung jeder Betrachtungsweise, welche überhaupt 
nach einem "Sinn" des innerweltlichen Geschehens fragt] (Ibid.: 348 [564]). 
Isso não se dá por outra coisa senão porque, segundo Weber (2010: 348 
[1922: 564]), o que fez o conhecimento racionalmente empírico foi levar “a cabo de 
modo consequente o desencantamento do mundo e a respectiva transformação num 
mecanismo causal” [die Entzauberung der Welt und deren Verwandlung in einen 
kausalen Mechanismus konsequent vollzogen hat]. A tensão é objetivamente clara 
 [Nicht ein letztes intellektuelles Wissen über das Seiende oder normativ Geltende, sondern 9
eine letzte Stellungnahme zur Welt kraft unmittelbaren Erfassens ihres “Sinnes” sei das, 
was sie darbiete.][Und sie erschließe ihn nicht mit den Mitteln des Verstandes, sondern kraft des Charisma 10
einer Erleuchtung, welche nur dem Zuteil werde, der sich durch die dafür an die Hand 
gegebene Technik von den irreleitenden Scheinsurrogaten, welche der verworrene Eindruck 
der sinnlichen Welt und die in Wahrheit für das Heil gleichgültigen, und leeren 
Abstraktionen des Verstandes als Erkenntnis liefern]
33
porque as pretensões do postulado ético não diziam outra coisa senão que “o mundo 
seria um cosmos ordenado por Deus, portanto, de alguma maneira convenientemente 
orientado em termos éticos” [daß die Welt ein gottgeordneter, also irgendwie ethisch 
sinvoll orientierter Kosmos sei, endgültig hervor] (loc. cit.): “o cosmos da 
causalidade natural e o cosmos postulado da causalidade assente na compensação 
ética encontrava-se em irremediável oposição um a outro”. [Der Kosmos der 
Naturkausalität und der postulierte Kosmos der ethischen Ausgleichskausalität 
standen in unvereinbarem Gegensatz gegeneinander.] O conflito é tão grande que — 
anota —, se do lado religioso, o “sacrifício do intelecto” [Opfer des Intellekts] forma-
se a regra, do lado intelectual, a seu momento, “quanto mais os bens culturais e os 
objectivos do aperfeiçoamento pessoal se diferenciavam e multiplicavam, tanto mais 
insignificante se tornava a parte que o indivíduo podia abranger no decurso de uma 
vida finita”, quer passivamente (como receptor) ou ativamente (como criador). Da 
mesma forma, ainda, e tanto menos, “a profunda inserção nesse cosmos exterior e 
interior da cultura podia proporcionar a probabilidade de um indivíduo conseguir 
albergar em si a totalidade da cultura ou o que nesta, de algum modo, houvesse de 
‘essencial’” (Ibid., 349, 354 [564, 570]). 11
Assim, anota o autor (Weber, 2010: 354 [1922: 569]), se podia o camponês, o 
senhor feudal, o herói guerreiro, enfim, como Abraão, “morrer ‘saciado da vida’” 
[“lebenssatt” sterben], chegado numa “plenitude terrena, em conformidade com a 
ingênua clareza do conteúdo das suas vidas” [Sie konnten so in ihrer Art zu einer 
innerirdischen Vollendung gelangen, wie sie aus der naiven Eindeutigkeit ihrer 
Lebensinhalte folgte], porque “cumpriram um ciclo do seu ser, que não 
ultrapassavam” [erfüllten einen Kreislauf ihres Seins, über den sie nicht 
hinausgriffen], não poderia o “homem ‘culto’” ter a mesma sorte. Isso uma vez que 
“este podia, na verdade, ficar ‘cansado da vida’, no sentido da conclusão de um ciclo. 
Pois a sua perfectibilidade prolongava-se, por princípio, até o infinito, tal qual como a 
dos bens culturais”. [Er konnte zwar “lebensmüde”, aber nicht im Sinne der 
Vollendung eines Kreislaufs “lebenssatt” werden. Denn seine Perfektibilität ging ja 
 [Und je mehr sich die Kulturgüter und Selbstervo Ukommnungsziele differenzierten und 11
vervielfältigten, desto geringfügiger wurde der Bruchteil, den der einzelne, passiv als 
Aufnehmender, aktiv als Mitschöpfer, im Laufe eines endlichen Lebens umspannen konnte. 
Desto weniger konnte also die Hineingespanntheit in diesen äußeren und inneren 
Kulturkosmos die Wahrscheinlichkeit bieten: daß ein einzelner die Gesamtkultur, oder daß 
er das in irgendeinem Sinne "Wosentlicho" an ihr.]
34
prinzipiell ebenso ins Schrankenlose wie diejenige der Kulturgüter.] O mundo, de 
fato, de um lado e do outro, tornara-se cada vez mais, e em definitivo, um lugar sem 
qualquer coerência: “como lugar da imperfeição, da injustiça, do sofrimento, do 
pecado, da efemeridade, da cultura necessariamente carregada de culpas e condenada 
a tornar-se cada vez mais desprovida de sentido”, um mundo, enfim, que “encarado 
de um ponto de vista puramente ético, não podia deixar de aparecer, em todas as 
instâncias, igualmente frágil e depreciado em relação ao postulado religioso que 
atribui um ‘sentido’ divino à sua existência” (Ibid.: 355 [571]). Isso, no que diz 12
Weber (2010: 355 [1922: 571]), para confirmar o “desencantamento do mundo” não 
como resultado exclusivo de uma esfera ou de outra — ou seja, da posição ético-
religiosa ou da racional-intelectual — dado que, como anota, “todas as formas de 
acção no mundo organizado pareciam implicadas na mesma culpa” [Alle Arten des 
Handelns in der geformten Welt schienen in die gleiche Schuld verstrickt.]. A tensão 
entre elas, entre a esfera intelectual e a religiosidade, então, estaria baseada na sua 
dupla posição, por oposição e por similaridade entre ambas — como vimos. 
Necessário é, então, salvar-se do mundo! Eis a promessa, ainda que a valer para o 
outro mundo, da ética religiosa de rejeição deste mundo. Mas, como veremos, não só 
ela aponta para uma saída. 
Chegamos, enfim, ao terceiro contexto necessário para a compreensão deste 
primeiro passo, depois de passarmos pelo contexto da obra e do texto de forma geral. 
Weber (2010: 351 [1922: 566]) empreende a necessidade de indicar que “a 
necessidade de redenção, cultivada conscientemente como conteúdo de uma 
religiosidade, surgiu sempre e em todos os contextos como consequência da tentativa 
de racionalização sistemática e prática da vida” e, por isso mesmo, nasceu da 13
pretensão “de que o curso do mundo, pelo menos tanto quanto toca aos interesses 
dos homens, seria um processo de algum modo dotado de sentido” [daß der 
Weltverlauf, wenigstens soweit er die Interessen der Menschen berührt, ein 
 [Als Stätte der Unvollkommenheit, der Ungerechtigkeit, des Leidens, der Sünde, der 12
Vergänglichkeit, der notwendig schuldbelasteten, notwendig mit immer weiterer 
Entfaltung und Differenzierung immer sinnloser werdenden Kultur: in allen diesen 
Instanzen mußte so die Welt, rein ethisch angesehen, dem religiösen Postulat eines 
göttlichen “Sinnes” ihrer Existenz gleich brüchig und entwertet erscheinen.]
 [das bewußt als Inhalt einer Religiosität gepflegte Erlösungsbedürfnis ist stets und 13
Überall, nur in sehr verschieden stark festgehaltener Deutlichkeit des Zusammenhangs, 
entstanden-als Konsequenz des Versuchs einer systematischen praktischen 
Rationalisierung der Realitäten des Lebens]
35
irgendwie sinnvoller Vorgang sei]. Não nos deve restar dúvida que o 
desenvolvimento daquele racionalismo da ciência empírica — e os “progressos” dessa 
— esfera, não fizeram outra coisa senão a de deslocar a religião do domínio do 
racional para o do irracional, passando a ser, diz Weber, “pura e simplesmente, a 
força irracional ou anti-racional num plano suprapessoal” (Ibid.: 348 [564]). 14
Acontece que, em outras duas esferas anotadas por Weber a situação é idêntica. 
Estamos falando, como já se pode imaginar, das esferas estética e erótica, as “forças 
intramundanas da vida que, por natureza, são inteiramente de caráter a-racional e 
anti-racional” [mit jenen innerweltlichen Mächten des Lebens, deren Wesen von 
Grund aus a-rationalen oder anti-rationalen Charakters ist] (Ibid.: 337 [554]). E a 
tensão não se dá só por aí. Entendamos. 
Quanto à esfera da arte, Weber lembra que, como acontecia com as outras 
esferas, essa não mantinha tensão com a religiosidade mágica. Ao operar no âmbito 
da significação, a arte era até mesmo um meio para a religião, e a religião mesmo era 
“uma fonte inesgotável de possibilidades de desenvolvimento artístico, por um lado, e 
de estilização através do compromisso com a tradição, por outro” [dies alles machte 
von jeher die Religion zu einer unerschöpflichen Quelle künstlerischer 
Entfaltungsmöglichkeiten einerseits, der Stilisierung durch Traditionsbindung 
andererseits.] Também por parte da arte, uma relação “franca” pode-se-ia, ao certo e 
na verdade, “manter-se intacta e renovar-se permanentemente enquanto e sempre 
que o interesse consciente do recipiendário se prenda ingenuamente ao conteúdo 
daquilo que tomou forma”, ao conteúdo, diz, “e não à forma meramente como tal”, 
assim como, e também, “enquanto a produção do criador artístico for sentida ou 
como carisma […] da capacidade ou como um jogo livre”. 15
Contudo— lembra o autor — a partir tanto da ética religiosa da fraternidade 
como também para o “rigorismo apriorístico” [apriorischen Rigorismus], “a arte, 
enquanto portadora de efeitos mágicos, fica não só depreciada, mas também 
 [Mit jeder Zunahme des Rationalismus der empirischen Wissenschaft wird dadurch die 14
Religion zunehmend aus dem Reich des Rationalen ins Irrationale verdrängt und nun erst: 
die irrationale oder anti-rationale überpersönliche Macht schlechthin] 
 [Von selten der Kunst kann zwar das unbefangene Verhältnis gerade dann ungebrochen 15
bleiben oder sich immer wieder herstellen, solange und so oft das bewußte Interesse des 
Rezipierenden naiv am Inhalt des Geformten, nicht an der Form rein als solcher haftet, und 
solange die Leistung des Schaffenden sich entweder als … Charisma des “Könnens” oder als 
ein freies Spiel fühlt.]
36
directamente suspeita”. [die Kunst als Trägerin magischer Wirkungen nicht nur 
entwertet, sondern direkt verdächtig] (loc. cit.). Isso porque — conta Weber — “a 
sublimação da ética religiosa e a busca de salvação, por um lado, e o desenvolvimento 
da lógica intrínseca da arte, por outro lado, também tendem, já por si, a pôr em 
evidência uma tensão crescente nas suas relações”. [Die Sublimierung der religiösen 
Ethik und Heilssuche einerseits und die Entfaltung der Eigengesetzlichkeit der Kunst 
andererseits neigen ja schon auch an sich zur Herausarbeitung eines zunehmenden 
Spannungsverhältnisses.] (Ibid.: 337 — 338 [555]), uma vez que — completa — toda 
a religiosidade de redenção, “quando sublimada, olha exclusivamente para o sentido 
e não para a forma das coisas e das acções relevantes para a salvação. A forma, a seu 
ver, acha-se rebaixada ao nível do que é acidental, do que é próprio das criaturas, 
daquilo que nos distrai do sentido” [Alle sublimierte Erlösungsreligiosität blickt 
allein auf den Sinn, nicht auf die Form, der für das Heil relevanten Dinge und 
Handlungen. Die Form entwertet sich ihr zum Zufälligen, Kreatürlichen, vom Sinn 
Ablenkenden] (Ibid.: 338 [555]). 
Entretanto, diz Weber (338 [555]), o desenvolvimento do intelectualismo e a 
racionalização da vida intensifica a relação de tensão. A arte “constitui-se, então, 
como um universo de valores próprios e autónomos, apreendidos de modo cada vez 
mais consciente” e, a partir disso — e eis aqui, portanto, o ponto final de atenção — 
“assume a função de uma redenção no seio do mundo — indiferentemente da 
interpretação que se lhe dê — libertando o homem do quotidiano e, sobretudo, 
também da pressão crescente do racionalismo teórico e prático” . É, pois, justamente 16
partir disso — lembra Weber — que a arte, então, entra em concorrência direta com 
as religiões de salvação [para um outro mundo], que, por sua vez, devem se voltar 
“contra essa redenção intramundana irracional como contra um reino, a seu ver, de 
gozo irresponsável e de secreta insensibilidade”, enfim. Torna-se, acentuemos, a 17
partir da posição dupla com a religiosidade ética e com sua própria racionalização. 
 [Indessen die Entfaltung des Intellektualismus und die Rationalisierung des Lebens 16
verschieben diese Lage. Die Kunst konstituiert sich nun als ein Kosmos immer bewußter 
erfaßter selbständiger Eigenwerte. Sie übernimmt die Funktion einer, gleichviel wie 
gedeuteten, innerweltlichen Erlösung: vom Alltag und, vor allem, auch von dem 
zunehmenden Druck des theoretischen und praktischen Rationalismus]
 [Gegen diese innerweltliche irrationale Erlösung muß sich jede rationale religiöse Ethik 17
wenden als gegen ein Reich des, von ihr aus gesehen, verantwortungslosen Genießens und 
geheimer Lieblosigkeit.]
37
Nesse sentido, a tensão se dá também a partir da fuga, pela arte, de uma 
posição ético-racional. Aos olhos do criador artístico e do recipiendário com emoções 
estéticas, diz Weber (2010: 339 [1922: 556]), a norma ética poderia “aparecer como 
violação do que neles é autenticamente criativo e mais racional”. [die ethische Norm 
als solche leicht als Vergewaltigung des eigentlich Schöpferischen und 
Persönlichsten erscheinen können.] No mesmo sentido, por sua vez, a experiência 
mística, “forma mais irracional do comportamento religioso” [die irrationalste Form 
des religiösen Sichverhaltens aber], a seu momento, e na sua essência mais íntima, é 
“não só alheia à forma, incompatível com a forma e inexprimível” como até mesmo 
“inimiga da forma, porquanto julga poder encontrar precisamente na sensação de 
ruptura de todas as formas o esperado acesso ao Todo-Uno, situado para além de 
qualquer espécie de condicionamento e de formação” . Para esta, assim, “o 18
indubitável parentesco entre a emoção artística e a religiosa só pode constituir um 
sintoma do caráter diabólico da primeira” , a partir do que a arte passa a ser 19
entendida como “‘divinização da criatura’, potência concorrente e fantasmagoria 
enganadora” [“Kreaturvergötterung”, konkurrierende Macht und täuschendes 
Blendwerk] Por isso, conclui, “a maior oposição em relação à arte veio sempre, em 
virtude da contradição interna, de toda religiosidade virtuosista autêntica”, na versão 
ascética ou mística, e, enfim, “com tanto mais aspereza, na verdade, quanto mais ela 
acentuasse a transcendência do seu Deus ou o caráter extramundano da redenção” 20
(Loc. Cit.). 
A seu momento, e com a esfera erótica, “a maior força irracional da vida” [der 
größten irrationalen Lebensmacht], a história não poderia ser diferente: está em 
tensão com ela a ética religiosa da fraternidade. E está — pontua — “de modo tanto 
mais áspero quanto mais sublimada for a sexualidade, por um lado, e quanto mais 
 [ist in seinem innersten Wesen nicht nur form- fremd, unformbar und unaussagbar, 18
sondern formfeindlich, weil es gerade im Gefühl der Sprengung aller Formen das Eingehen 
in das jenseits jeder Art von Bedingtheit und Formung liegende All-Eine erhoffen zu können 
glaubt]
 [ist in seinem innersten Wesen nicht nur form- fremd, unformbar und unaussagbar, 19
sondern formfeindlich, weil es gerade im Gefühl der Sprengung aller Formen das Eingehen 
in das jenseits jeder Art von Bedingtheit und Formung liegende All-Eine erhoffen zu können 
glaubt]
 [Am sprödesten blieb gegenüber der Kunst, aus dem Pragma des inneren Gegensatzes 20
heraus, alle eigentliche Virtuosenreligiosität, sowohl in ihrer aktiv asketischen wie in ihrer 
mystischen Wendung, und zwar um so schroffer, je mehr sie entweder die Überweltlichkeit 
ihres Gottes oder die Außerweltlichkeit der Erlösung betonte.]
38
intransigente for a lógica com que, por outro lado, se desenvolva a ética redentora da 
fraternidade”. [Und zwar auch hier um so schroffer, je subümierter die 
Geschlechtlichkeit einerseits, je rücksichtsloser konsequent die Erlösungsethik der 
Brüderlichkeit andererseits entwickelt wird.] Weber, outra vez, lembra que o amor 
sexual não estava em conflito com a religiosidade mágica; a vida sexual, ela mesma e 
enquanto tal, “tinha os seus espíritos e deuses, do mesmo modo que qualquer outra 
função”. [Das Geschlechtsleben als solches hatte seine Geister und Götter, wie jede 
andere Funktion auch]. A tensão, diz, só se manifestava na castidade temporária, 
cultual, dos sacerdotes, onde a sexualidade já começava aparecer como “dominada 
por forças claramente demoníacas” [doch bereits leicht als spezifisch dämonisch 
beherrscht galt.]. É por conta disso que, segundo o autor, “as profecias e, igualmente, 
as ordens da vida controladas pelos sacerdotes, quase sem qualquer excepção digna 
de nota, regulamentaram as relações sexuais em favor do casamento” [die Prophetien 
und ebenso die priesterlich kontrollierten Lebensordnungen fast ohne jede 
bemerkenswerte Ausnahme den Geschlechtsverkehr zugunsten der Ehe 
reglementiert habe]. A máxima tensão, contudo, só foi definitiva, segundo Weber (Cf. 
2010: 339 — 341 [1922: 556 — 558]), quando a sexualidade, devido à sublimação que 
a transformara em “erotismo”, torna-se uma “esferacultivada conscientemente — em 
contraste com o sóbrio naturalismo dos camponeses — e, portanto, fora do comum”. 
[Bei der Sexualität durch ihre Sublimierung zur “Erotik” und damit zu einer — im 
Gegensatz zu dem nüchternen Naturalismus der Bauern —bewußt gepflegten und 
dabei außeralltäglichen Sphäre.] onde “fora do comum” se refere não à sua condição 
alheia às convenções, mas sim a essa evolução, pelos “motivos” e “significados” 
[Gründen, Bedeutung], “que a afastava do prosaico naturalismo do sexo”. [Die 
Außeralltäglichkeit lag eben in dieser Hinwegentwicklung vom unbefangenen 
Naturalismus des Geschlechtlichen.] 
Weber faz um considerável relato histórico sobre tal “evolução”/
desenvolvimento [Entwicklung], que, embora importante para a análise geral, pode 
aparecer em outro momento. Por agora, importa principalmente já pontuar que, no 
âmbito das culturas intelectualistas, a última intensificação do acento posto na esfera 
erótica, diz Weber (2010: 343 [1922: 560]), “acabou por se dar quando esta esbarrou 
com o influxo, inevitavelmente ascético, da humanidade moldada pela vocação-
profissão”. [Die letzte Steigerung des Akzents der erotischen Sphäre vollzog sich auf 
39
dem Boden intellektualistischer Kulturen schließlich da, wo sie mit dem 
unvermeidlich asketischen Einschlag des Berufsmenschentums zusammenstieß] 
Partindo, assim, dessa relação de tensão com a racionalidade quotidiana [Alltag], 
anota o autor, a vida sexual se torna extra-cotidiana [außeralltäglich], e aparece 
como “único vínculo que ainda ligava a origem natural de toda a vida do homem 
doravante inteiramente saído do ciclo da antiga existência rústica, simples e 
orgânica” [Geschlechtsleben als das einzige Band erscheinen, welches den nunmehr 
völlig aus dem Kreislauf des alten einachen organischen Bauerndaseins 
herausgetretenen Menschen noch mit der Naturquelle alles Lebens verband]. 
Acentuou-se fortemente, pois, lembra Weber, justamente “o valor dessa sensação 
específica de se estar liberto do racional no seio do mundo, de ter alcançado um feliz 
triunfo sobre ele”, o que correspondia, “no seu radicalismo”, diz Weber, “a respectiva 
rejeição (inevitavelmente, não menos radical) por parte de qualquer tipo de ética da 
redenção, quer extra quer intramundana, para qual o triunfo do espírito sobre o 
corpo devia, justamente, culminar nesse ponto”. Para a ética da redenção, contudo, “a 
vida sexual poderia mesmo caracterizar-se como a única ligação inextirpável com a 
animalidade” . 21
Nessas condições, a relação erótica, diz nosso autor, 
[…] parece proporcionar o ponto culminante inexcedível no 
cumprimento da exigência amorosa: a comunicação direta entre 
as almas das pessoas. Em oposição tão radical quanto possível a 
tudo o que seja objectivo, racional, geral, o caráter ilimitado da 
dádiva corresponde ao interesse único que este indivíduo, 
na sua irracionalidade, tem por esse e apenas esse outro 
indivíduo. Esse interesse e, portanto, o valor intrínseco da própria 
relação residem, porém, do ponto de vista do erotismo, na 
possibilidade de uma comunhão, que é sentida como plena 
fusão unificadora, como um desvanecimento do “tu”, e que é 
tão avassaladora que é interpretada “simbolicamente” — ou seja, 
em termos sacramentais. É mesmo porque a sua própria 
experiência é injustificável e inesgotável, e não pode ser comunicada 
por nenhum meio — sendo, nisso, análoga ao “ter” do místico 
— e não só em virtude da intensidade de sua vivência, mas 
também devido à realidade possuída de modo imediato, que 
o amante sabe estar implantado no cerne, eternamente inacessível 
a qualquer esforço racional, do que verdadeiramente é vivo, e tão 
 [Die so entstehende gewaltige Wertbetontheit dieser spezifischen Sensation einer 21
innerweltilchen Erlösung vom Rationalen: eines seligen Triumphes darüber, entsprach in 
ihrem Radikalismus der unvermeidlich ebenso radikalen Ablehnung durch jede Art von 
außeroder überweltlicher Erlösungsethik, für welche der Triumph des Geistes über den 
Körper gerade hier sich aufgipfeln sollte und der das Geschlechtsleben geradezu den 
Charakter der einzigen unausrottbaren Verbindung mit dem Animalischen gewinnen 
konnte.]
40
completamente a salvo das frias mãos esqueléticas das ordens 
racionais como do embotamento do próprio quotidiano. 
Confrontado com as experiências do místico (para ele, sem objecto), 
aquele que se sabe ligado “ao que há de mais vivo” encontra-se 
como que perante um pálido reino do outro mundo. 
[die erotische Beziehung unter den angegebenen Bedingungen den 
unüberbietbaren Gipfel der Erfüllung der Liebesforderung: den 
direkten Durchbruch der Seelen von Mensch zu Mensch, zu 
gewähren scheint. Allem Sachlichen, Rationalen, Allgemeinen so 
radikal wie möglich entgegengesetzt, gilt die Grenzenlosigkeit der 
Hingabe hier dem einzigartigen Sinn, welchen dies Einzelwesen in 
seiner Irrationalität für dieses und nur dieses andere Einzelwesen 
hat. Dieser Sinn und damit der Wertgehalt der Beziehung selbst aber 
liegt, von der Erotik aus gesehen, in der Möglichkeit einer 
Gemeinschaft, welche als volle Eins werdung, als ein Schwinden des 
“Du” gefühlt wird und so überwältigend ist, daß sie “symbolisch”: — 
sakramental — gedeutet wird. Gerade darin: in der 
Unbegründbarkeit und Unausschöpfbarkeit des eigenen, durch kein 
Mittel kommunikablen, darin dem mystischen “Haben” gleichartigen 
Erlebnisses, und nicht nur vermöge der Intensität seines Erlebens, 
sondern der unmittelbar besessenen Realität nach, weiß sich der 
Liebende in den jedem rationalen Bemühen ewig unzugänglichen 
Kern des wahrhaft Lebendigen eingepflanzt, den kalten 
Skeletthänden rationaler Ordnungen ebenso völlig entronnen wie 
der Stumpfheit des Alltages. Den (für ihn) objektlosen Erlebnissen 
des Mystikers steht er, der “das Lebendigste” mit sich verbunden 
weiß, wie einem fahlen hinterweltlichen Reich gegenüber.] (Ibid.: 
343 — 344 [570] Negritos meus) 
A citação antecede, em um parágrafo, a frase que toma conta desta discussão, 
qual seja, a de que “sentindo como ‘bondade’…”. Tal frase aparece, assim, entre a 
explicação weberiana para o fenômeno dessa “relação erótica”, sua complementação 
sobre a tensão intensificada e, principalmente, o conflito impresso na condição 
expressa no casamento como sacramento. Convém-nos aqui, contudo, extrair que a 
postura radicalmente hostil da ética religiosa com tal esfera se não dá por outra coisa 
senão porque, “essa sensação de redenção no âmbito terrenal faz, só por si, a mais 
forte concorrência que é possível ao devotamento ao Deus extramundano ou a uma 
ordem divina eticamente racional ou ainda à dissolução mística da individuação” . 22
Com a mística, assim, e mais uma vez, o erotismo vai ter aquela forte tensão por 
similaridade. Ao contrário da ascese racional ativa, “que rejeita a sexualidade logo 
por causa da irracionalidade” [welche das Geschlechtliche schon um seiner 
Irrationalität willen ablehnt und von der Erotik ah todfeindliche Macht empfunden 
wird], entre as mencionadas, pois, haveria uma “relação de permutabilidade mútua, 
 [innerirdische Erlösungssensation rein als solche der Hingabe an den überweltlichen Gott 22
oder an eine ethisch rationale göttliche Ordnung oder an die — für sie allein “echte” — 
mystische Sprengung der Individuation die schärfste überhaupt mögliche Konkurrenz.] 
41
psicológica e fisiológica” [gegenseitiger psychologischer und physiologischer 
Vertretbarkeit] (Ibid.: 345 [561]) A tensão com a mística acentuar-se-ia ainda mais 
quando, diz nosso autor, pela relação de permutabilidade, o místico se deparasse, 
como consequência, com a “ameaça constante de uma vingança mortalmente 
refinada da animalidade ou de um súbito resvalar, saindo fora do reino místico de 
Deus para cair no domínio do demasiado humano”. [Konsequenz einer jederzeit 
drohenden tödlich raffinierten Rache des Animalischen oder eines unvermittelten 
Hinübcrglcitens aus dem mystischen Gottesreich indas Reich des 
Allzumenschlichen.] Igualmente, e quando vista a partir da ética da fraternidade, “o 
caráter passional próprio da relação erótica, só por si, lhe parece como uma indigna 
perda do autodomínio e da orientação” e isso, diz Weber (Loc. Cit), quer siga “pelo 
juízo racional das normas que Deus quis, quer em função do ‘possuir’ do místico do 
divino” ao passo que, continua, “para o erotismo, a ‘paixão’ autêntica é, em si mesma, 
o tipo da beleza, e sua rejeição uma blasfémia” . 23
Imagino que, enfim, neste ponto, conseguimos extrair do texto alguns 
caminhos interessantes. Se é possível resumir: primeiro, vimos que o texto é um 
esforço de compreensão sobre as éticas de negação do mundo, buscando, para tanto, 
a tensão entre mundo e religião. Com ele, também pudemos entender que uma 
“autonomização” das esferas só foi possível a partir do momento em que, para cada 
uma delas, suas devidas leis internas se tornaram conhecidas e distinguidas. 
Percebemos também no texto que, se o surgimento das religiões de salvação só foi 
possível a partir da religiosidade mágica, especialmente através do carisma mágico, 
essa religiosidade mágica foi definitivamente superada. Para a religiosidade de 
salvação, entendemos, não se tratava mais de uma manipulação dos deuses, como na 
religiosidade mágica, mas de uma libertação do sofrimento dos fiéis a partir de uma 
sistematização da conduta de vida e da vida cotidiana. O mundo, ao tornar-se 
entendido como o local de pleno sofrimento injusto, é capaz de unir os crentes pela 
ética da fraternidade, e projetá-los, a partir de uma sistematização da vida, às suas 
necessidades últimas de salvação. Da mesma forma, a esfera intelectual, ao fazer 
conhecer ao homem esses mesmos sofrimentos, entra em conflito direto com a 
 [Ganz abgesehen davon, daß ihr natürlich schon ihr Leidenschaftsdiarakter als solcher 23
als unwürdiger Verlust der Selbstbeherrschung imd der Orientierung, sei es an der 
rationalen Vernunft gottgewolltir Normen, sei es an dem mystiken “Haben” des Göttlichen 
erscheint, — während für die Erotik, die echte “Leidenschaft” rein an sich der Typus der 
Schönheit und eine Ablehnung ihrer eine Lästerung ist.]
42
religião, especialmente a partir de noções distintas sobre o “sentido”. Assim, e 
tocados pelo duplo desencantamento — pela dupla retirada de “sentido” do mundo — 
o homem crente e o homem culto experimentam o vazio deste mundo. Para o último, 
— e apesar inteligível no registro de suas razões — bem como através da 
especialização cada vez mais crescente, o mundo torna-se lugar sem qualquer 
coerência. Era preciso salvar-se deste mundo! A saída para as religiões de salvação 
não é outra senão a própria salvação, a redenção para um outro mundo. Contudo — e 
no plano puramente secular —, a partir daquela autonomização, surgem duas esferas 
para conflito direto com tal saída: a estética e a erótica. A arte, que um dia esteve em 
plena comunhão com a religião, e ao se constituir como universo de valores próprios, 
permite, tanto ativa como passivamente, o mesmo que prometia as religiões de 
salvação, i.e., a própria redenção, mas com uma diferença fundamental: promete e 
entrega uma salvação ainda neste mundo. Uma salvação desde mundo, sem sair dele, 
sem que se necessite de um outro mundo por vir. E não só a arte é capaz disso, como 
o erotismo também, ao permitir ao amante — e na sua relação com o outro amado, e 
só com esse outro — uma sensação de redenção no âmbito terreno, como vimos. No 
mais — e agora — é sobre isso que devemos no deter: para o autor, como vimos, tais 
esferas capazes de uma redenção intramundana estão em plena relação e condição de 
permutabilidade com a mística, justamente uma das éticas de negação do mundo. 
IV 
Mas por que nos interessa importar para a aproximação, para o efeito de 
“permutabilidade mútua” e, logo, pela profunda tensão estabelecida entre as duas, e 
principais, ordens de vida que movem este trabalho e as religiões de salvação — e, 
subsidiariamente, por que a questão da tradução nos parece intimamente preciosa? 
Inegavelmente — e ainda que ao compreender a importância da compreensão 
elaborada por Pierucci em aspectos diversos — a questão de um “encantamento”, e 
principalmente um “encantamento de todo mundo”, embora parecesse certamente de 
rara beleza e de característica muitíssimo poética, não somente não se sustenta, como 
retira do trabalho weberiano sua principal contribuição: a de justamente elaborar um 
sem número de hipóteses sobre a condição especial do Ocidente e sobre a sua 
posição, que, comparativamente, nos é extremamente cara. Para ambas as esferas, 
como pudemos ver superficialmente, ao se disporem como “redenção”, ainda que 
43
intramundana, incluem-se dentro de uma posição ainda mais singular, que é preciso 
ressaltar. Primeiro porque, como vimos, a necessidade de redenção, inicialmente 
aquela cultivada como conteúdo de uma religiosidade, surgiu sempre como 
“consequência de uma tentativa de racionalização sistemática e prática da vida”, 
como daquela “pretensão” de que o curso do mundo “seria um processo de algum 
modo dotado de sentido” (Weber, 2010: 351). Ou seja, a redenção se constituiria, 
assim, “como postulado de uma compensação justa para a repartição desigual da 
felicidade individual no seio do mundo” [also als das Postulat eines gerecliten 
Ausgleichs für die ungleiche Verteilung des individuellen Glücks innerhalb der Welt] 
(ibid.: 351 [1922: 567]), em resposta àquela ideia de sofrimento cuja essência fosse 
concebida “de maneira sublimada, inferiorizada, fundamental” [Und zwar, je 
sublimierter, verinnerlichter, prinzipieller das Wesen des Leidens gefaßt wurde, 
desto mehr] (ibid.: 322 [540]). Em segundo lugar, tais esferas só puderam se dispor 
para uma redenção desse tipo a partir do que entendemos e vimos como processo de 
autonomização. Isso quer dizer — como vimos — que a racionalização e a sublimação 
consciente das relações do homem com as distintas esferas de bens interiores e 
exteriores, sejam religiosas ou profanas, levaram-nas e tornaram-nas “conhecidas” 
nas suas coerências intrínsecas e “leis internas próprias” (Cf. Weber, 2010: 323). Isso 
— anota-se — em situação subsequente daquele processo de racionalização e 
sublimação da posse exterior e interior, especialmente deste último no 
desenvolvimento de uma “ética racional” — “orientada para bens interiores de 
salvação religiosa, entendidos como meios de redenção” [um so mehr, je prinzipieller 
sie sich zu einer rationalen und dabei an innerlichen religiösen Heilgütern als 
Erlösungsmitteln orientierten Ethik entwickelte] (Ibid.: 323 [541]). Ou seja, em 
Weber, as esferas estética e erótica só podem ser pensadas, nesses termos, a partir de 
suas autonomizações, e a sensação que delas advém só pode ser “redenção” como 
resultado da própria tentativa de racionalização sistemática e prática da vida. Um 
“encantamento”, qualquer que fosse ele, responderia a outros problemas e de outras 
formas, não aos problemas e da forma como Weber os anota. Mas a produção 
weberiana, em sua extensão e densidade, não faz outra coisa senão sanar quaisquer 
dúvidas que possam persistir. 
§ Ademais, para o bem do que entenderemos, creio ser preciso buscar, ainda que em 
resumo, uma localização daquilo que envolve a ideia de “racionalidade”, no nosso 
autor original, assim como as ideias de “racionalização” e “racionalismo” por ele 
44
apresentadas. De fato, e apesar de seu interesse genuíno em constituir um esboço 
teórico do racionalismo, Weber não desenvolve ele próprio uma teoria fechada dos 
ditos “três ‘R’s’”, conforme organiza Müller (cf. 2020). Consequentemente, muitas 
foram as tentativas de sistematizar essa abordagem weberiana. Um estudo de 1984, 
por exemplo, teria descoberto, no autor, 16 termos diferentes de racionalidade. 
Segundo, Müller, contudo (cf. ibid: 139), os três “R’s” não estariam localizados em 
um nívelsomente, mas seriam parte da arquitetura multinível da sociologia 
weberiana. Ou seja, diz, “racionalidade se refere à micro-[sociologia], racionalização 
à meso- e racionalismo ao nível macro”, no que Schluchter (apud loc. cit.) teria 
colocado na “fórmula ‘ação, ordem e cultura’, que o programa de pesquisa de Weber 
deveria orientar”. Onde, em resumo, (i) “‘racionalidade’ se refere à ação” a operar 
entre a racionalidade de fins e a racionalidade de valores; (ii) “‘racionalização’ visa as 
organizações e ordens”, a operar com a distinção entre racionalização formal e 
material; e, enfim, (iii) “‘racionalismo’ se refere à cultura ou na linguagem de Weber: 
sobre visões de mundo”, onde domina a distinção entre racionalismo teórico e 
prático - racionalismo esse que caracterizaria o chamado “racionalismo de 
dominação mundial”. Outrossim, no resumo empreendido por Müller (cf. 2020, 139 
- 145), (i) a “racionalidade da ação” [Handlungsrationalität] seria aquela 
estabelecida ao nível dos atores, individuais ou coletivos, que seriam capazes de agir 
racionalmente, distinguindo, dessa forma, a ação racional com relação aos fins da 
ação racional com relação aos valores [Zweck- und Wertrationalität]. Depois, (ii) 
quanto à racionalização das organizações e ordens, Müller adverte, antes, que se 
deve ter em mente que a consideração da racionalidade no nível da ação não 
significa, em Weber, que “organizações ou ordens no nível meso ou macro não 
possam ser escritas ‘racionalmente’”, justamente porque “quanto maior o grau de 
institucionalização de um critério de racionalidade, mais ‘racional’ é a instituição”. 
Seria nesse sentido que Weber trabalharia, assim, “no nível de ordem e organização 
com a distinção entre racionalização formal e material”, que operariam numa 
constelação de bifurcação e antinomia. Além do mais — e como conceito “descritivo 
e ambíguo” — naquilo que aqui importa, Weber ainda falaria da “racionalização das 
esferas de valor e ordens de vida” para nelas “delinear sua diferenciação, 
autonomização e especialização em certas funções e tarefas da sociedade”. 
Finalmente, (iii) o terceiro “R”, com relação ao racionalismo de dominação mundial, 
seria aquele que imprimiria, em Weber, um certo pessimismo, e esse racionalismo se 
daria principalmente a partir do dito “intelectualismo”. Esse racionalismo seria, 
então, o pano de fundo do que se compreende como parte de um “desencantamento 
do mundo” em Weber; ou seja, para o racionalismo que projeta “‘uma visão de 
mundo de viabilidade ilimitada’: nada é impossível, tudo está disponível, concebível, 
viável e desejável”. Nesse — e em Weber — um racionalismo teórico teria produzido 
45
“um racionalismo imensamente ativo e incessantemente prático que envolve o 
mundo constante e constantemente segundo padrões científico-técnico-econômicos 
com o objetivo ambivalente de ‘progresso’”. Desses últimos, três considerações são 
caras ao nosso estudo: por primeiro, na produção weberiana, “o progresso científico 
e técnico em combinação com a racionalização econômica” estão “como um motor 
dinâmico do desenvolvimento social [que] parece imparável”. Depois, Weber 
observaria aquele “ataque do racionalismo intelectualizado de áreas classicamente 
racionais, como tecnologia, economia, política, ciência, etc”., ante as “esferas 
clássicas da ‘irracionalidade’, como religião, arte e cultura em geral”. Seria 
finalmente, assim, que Weber (cf. Müller, 2020: 142ss.) teria indicado “a 
ambivalência desse processo de racionalização”, ao considerar que o progresso 
científico-técnico-econômico não precisaria encontrar completa aprovação e 
aceitação em todos os lugares. Igualmente, e embora Weber tenha rejeitado não 
apenas o conceito de sociedade, como também o projeto de uma teoria da sociedade, 
esse teria buscado, depois, compreender o significado de um mundo de opostos que 
o racionalismo englobaria. 
É neste ponto, portanto, que a discussão nos dá a brecha necessária de 
mencionar que é também em outro trabalho tardio e embora inacabado do autor que 
uma análise comparativa é feita, exemplarmente, sobre a condição da “redenção” e 
sobre suas características fundamentais. Refiro-me, para nota, ao Capítulo V de 
Economia e Sociedade, lida inicialmente como “Sociologia da Religião” — 
[Religionssoziologie] título atribuído por Marianne Weber, na organização da 
primeira edição, em 1922 — e hoje atualizada para Comunidades Religiosas — 
[Religiöse Gemeinschaften] a partir das Obras Completas, recentemente editadas. 
Para além disso, a análise construída nos anos finais do autor também permitirá que 
compreendamos, com exemplar clareza, alguns dos conceitos empregados em sua 
Consideração Intermediária. Detenhamo-nos, por agora, na especificidade dessa 
“necessidade de redenção”, partindo, inicialmente, de uma análise socioeconômica, 
mas que diz mais que isso. 
Para tanto, um longo parênteses se faz necessário. 
No texto publicado em 1922, e em um considerável esforço histórico-
conceitual, nosso autor busca explicitar, em certo momento — a partir da condição de 
grupos específicos aqui entendidos como basilares para a constituição do Ocidente, — 
certas atitudes religiosas e suas disposições que, quando existentes, tenderam a uma 
religiosidade particularmente ética. Na tentativa de compreensão dessa religiosidade 
46
ética, importante também para o nosso esforço, Weber (cf. 2000: 326ss) lembra que, 
em vista dos dados históricos, perceptível é que, ao contrário do comum a um 
patriarcado comercial, à aristocracia e à nobreza, era nas camadas “propriamente 
‘burguesas’” que posições religiosas de fortes contrastes podiam ser identificadas. A 
“orientação enérgica” para este mundo de uma elite histórica — lembra — pouco 
sugeria a adesão a uma religiosidade de tipo profética ou ética, sem serem estas, 
segundo o autor, proporcionadoras de uma religiosidade de salvação. Da mesma 
forma, diz Weber (cf. 2000: 327, 328), em condições especiais, como na Grécia e na 
China, os cultos religiosos apresentavam, com poucas variações, “um caráter 
puramente mágico”. Contrariamente, e com o decorrer histórico, as chamadas “novas 
formações de capital”, ordenadas a partir de maneiras racionais na obtenção de lucro, 
se encontravam “de forma extremamente saliente e com frequência extraordinária 
concatenadas com uma religiosidade congregacional racional-ética das respectivas 
camadas sociais”. Para Weber, a inclinação à adesão a uma religiosidade desse tipo se 
tornaria, assim, mais forte — aponta — “quanto mais nos afastamos daquelas 
camadas portadoras do capitalismo sobretudo politicamente condicionado”, ao 
aumentar o que nosso autor, assim, denomina de “atipicidade da atitude religiosa”. 
No cristianismo primitivo, anota o autor (Weber, 2000: 329), o próprio salvador teria 
sido um artesão e, seus missionários, trabalhadores ambulantes. Igualmente, na 
Antiguidade e na Idade Média, escreve Weber, era na pequena burguesia que se 
encontravam as camadas mais devotas, ainda que não as mais ortodoxas. (loc. cit.) 
Segundo Weber (cf. ibid.: 331), é apenas quando tal camada portadora se transforma 
em uma burguesia altamente econômica, e de plena posse do mesmo poder 
econômico, que “a religião é substituída, em regra, por outros sucedâneos ideais”. 
Longo parágrafo apenas para nos introduzir àquilo que o texto traz de mais 
importante para este trabalho: a ideia de que, no sentido de uma religiosidade mais 
ampla, uma necessidade de salvação teria encontrado mais disposição justamente 
naquelas camadas negativamente privilegiadas — enquanto para as positivamente 
privilegiadas, tal posição se apresentaria com maior distância. Nosso autor (ibid.: 
332) anota que, de fato, a religiosidade de salvação bem pode ter tido sua origem 
primeira em camadas privilegiadas, especialmente quando, por exemplo, o próprio 
carisma do profeta estivesse ligado “em regra a certo mínimo de cultura intelectual”. 
Contudo, continua,tal caráter teria mudado justamente ao alcançar as camadas 
47
negativamente privilegiadas “às quais o intelectualismo é econômica e socialmente 
inacessível”. A questão principal a este ponto, contudo, é justamente a da 
característica de resposta religiosa esperada pelos grupos examinados, ainda que de 
forma ideal. Para as camadas “mais privilegiadas (e não-sacerdotais)”, como a 
aristocracia, diz Weber, o caráter movente se disporia a partir de uma “distinção” 
[Vornehmheit], baseada “na consciência da ‘perfeição’ [Vollendung] de sua condução 
de vida, como expressão do ‘ser’ [Seins] qualitativo que repousa dentro de si mesmo e 
não se estende para além, embora, por sua própria natureza, possa fazê-lo” (Weber, 
2000: 334 [1947: 280]) Distintamente, e do outro lado, o “sentimento de dignidade 
dos negativamente privilegiados” estaria baseado “numa ‘promessa’ [Verheißen] 
garantida, vinculada a uma ‘função’, ‘missão’ ou ‘profissão’ [Beruf] que lhes foi 
atribuída” (Ibid.: 334 [281]). Como anota o autor no mesmo texto (ibid.: 330), ao 
tenderem “a uma visão ética e religiosamente racionalista da vida” devida, em seu 
momento, entre artesãos por exemplo, a uma “especialização profissional”, eram, por 
isso, desde onde é possível observar, “portadores de um ‘modo de viver’ homogêneo 
com caráter específico”. Ou seja, diz Weber, a esses, o que “não podem pretender ‘ser’ 
eles completam ou pela dignidade daquilo que um dia serão, têm a 
‘vocação’ [berufen] de ser, numa vida futura neste mundo ou no além, ou […] por 
aquilo que, do ponto de vista da providência, ‘significam’ ou ‘realizam’” (Ibid.: 334 
[281]). 
Em síntese, portanto, às camadas negativamente privilegiadas na história — 
lembra nosso autor — é justamente a ânsia por uma “dignidade que não lhes foi 
atribuída por serem eles e o mundo como são” que “cria esta concepção, da qual 
nasce a ideia racionalista de uma ‘providência’, de uma importância perante uma 
instância divina com uma ordem de dignidade diferente”. (Ibid.: 334, 344) 
Introduzimo-nos, assim, numa das mais significativas hipóteses elencadas no 
pensamento weberiano, e das mais importantes para o desenvolvimento deste 
trabalho, i.e.: toda religiosidade de salvação, diz o autor, “é uma expressão de uma 
‘indigência’ e, por isso, a opressão social e econômica é, por sua própria natureza, 
uma fonte muito eficiente de sua gênese, ainda que de modo algum seja a única”. 
Nesse sentido, “sendo iguais as demais circunstâncias, camadas positivamente 
privilegiadas dos pontos de vista social e econômico dificilmente sentem a 
necessidade de salvação”, até porque a religião, para elas, tomaria “o papel de 
48
‘legitimar’ seu modo de viver e a situação em que vivem”. Ou seja — e conforme 
escreve Weber: 
Que a um homem feliz, com relação ao menos feliz, não lhe baste o 
simples fato de sua felicidade, mas que, ainda queira o “direito” a ela, 
tenha consciência, portanto, a de ter “merecido”, em oposição ao 
menos feliz — enquanto que este deve ter de algum modo “merecido” 
sua desgraça — essa necessidade de conforto da alma trazida pela 
noção de legitimidade da felicidade é demonstrada por toda 
experiência cotidiana, trata-se de destinos políticos, de diferenças na 
situação econômica, de saúde corporal, de sorte na competição erótica 
ou de outra situação qualquer. É essa “legitimação”, no sentido 
interno, que as camadas positivamente privilegiadas no íntimo 
esperam da religião, se é que esperam algo. (Weber, 2000: 335) 
Inversamente correspondente a essa situação está, justamente, a dos 
negativamente privilegiados, onde “sua necessidade específica é a salvação do 
sofrimento” — isso e embora, mais uma vez, lembre o autor que no proletariado 
moderno, a questão muda em certo sentido. Contudo, e historicamente, lembra 
Weber, “um exemplo particularmente importante do significado do conteúdo das 
promessas religiosas é dado pela religiosidade (durante o exílio e depois) dos judeus”. 
Esses, lembra o autor, “desde o exílio” e “formalmente desde a destruição do templo” 
foram um “povo-pária”, de uma “religiosidade-pária”, que vincula seus membros “a si 
mesma e à posição de pária tanto mais quanto opressiva é a situação em que se 
encontra o povo-pária e quanto mais fortes são, portanto, as esperanças de salvação 
ligadas ao cumprimento dos deveres religiosos ordenados pelo deus”, onde, no caso 
hebraico, “o vínculo entre Jeová e seu povo tornou-se tanto mais indestrutível quanto 
mais mortais foram o desprezo e a perseguição” que pesaram sobre ele. Para esses, 
como também para as castas hindus (cf. Weber, 2000: 336), o único meio de salvação 
era, justamente, “o cumprimento dos mandamentos especiais para o povo-pária, dos 
quais ninguém pode subtrair-se sem temer um malefício para si mesmo e sem pôr em 
perigo suas possibilidades no futuro ou de seus descendentes”. O povo judeu, de 
maneira ideal-típica, diz, “espera para seus descendentes a participação num reino 
messiânico que salvará toda sua comunidade de sua posição de párias para fazer 
deles os senhores do mundo”, ao esperar a “salvação pessoal de um modo justamente 
contrário, em forma de subversão da hierarquia social atual, a favor de seu povo 
pária. Pois seu povo foi chamado e escolhido por Deus não para a posição de pária, 
mas para a de prestígio” (cf. ibid.: 336 — 337). Weber, então, acrescenta para a 
discussão — que comparativamente distingue a religiosidade judaica [e suas 
49
consequências subsequentes para o próprio Ocidente] da religiosidade mágica e de 
castas — um elemento especialmente particular, que extrai de Nietzsche: a ideia de 
“ressentimento”, que, no autor original, “trata-se de um fenômeno que acompanha a 
ética religiosa dos negativamente privilegiados [… que] se consolam com a ideia de 
que a distribuição desigual da sorte na terra tem sua base no pecado e na injustiça 
dos positivamente privilegiados”, que acarretaria uma “vingança divina” contra eles. 
(cf. ibid.: 337) 
Na forma de tal teodicéia dos negativamente privilegiados, explica, um 
moralismo consequente servir-se-ia “como meio de legitimação da sede de vingança 
consciente ou inconsciente”, vinculando-se inicialmente à “religiosidade de 
retribuição”. Nesse contexto, “o ‘sofrimento’ como tal, por trazer consigo fortes 
esperanças de retribuição, pode assumir o caráter de algo religiosamente valioso em 
si”. Weber bem lembra que certos ensinamentos ascéticos ou certas predisposições 
neuróticas podem atuar “de mãos dadas” com tal ideia (ibid.: 337). Contudo — 
lembra — o caráter específico de ressentimento só é alcançado pela religiosidade do 
sofrimento sob condições muito determinadas, como não aconteceu entre os hindus 
ou budistas, onde o sofrimento se caracteriza, pela teodicéia do carma (cf. Weber, 
2000, 2010 e outros), sendo, em tal concepção algo individualmente merecido. No 
caso da religiosidade judaica, e a partir do exílio, o caso é distinto, por si; a 
religiosidade dos Salmos, lembra o autor — mesmo que ao considerar os trechos 
acrescentados com o passar dos anos — “está repleta de vontade de vingança”. A 
maioria desses escritos, ressalta Weber, “contém, em forma muito palpável, a 
satisfação moralista e a legitimação da vontade de vingança de um povo-pária, 
francamente ou contida com esforço”. Isso ocorre, anota, “seja mostrando-se a Deus a 
obediência a seus mandamentos e à própria desgraça, e, por outro lado, a vida ímpia 
dos descrentes orgulhosos e felizes que escarnecem de suas promessas e de seu 
poder”, ou também “confessando-se humildemente os pecados e implorando a Deus 
que desista de sua cólera e volte a dispensar sua graça ao povo que é, afinal, 
unicamente o seu”. Nesse contexto, não haveria, na análise weberiana (cf. Weber, 
2000: 337), em nenhuma religiosidade do mundo um deus universal “com a mesma 
imensa sede de vingança” e, por isso mesmo, torna-se a religiosidade judaica 
propriamente — e definitivamente— uma “religiosidade de retribuição”: “as virtudes 
erigidas por Deus são praticadas em vista da esperança de retribuição. E esta é, em 
50
primeiro lugar, de caráter coletivo: o povo como um todo deve viver uma exaltação; 
só deste modo pode também o indivíduo ganhar de volta sua dignidade”, dando, para 
além de uma ética da fraternidade, em si, as bases para o desenvolvimento posterior 
da ideia puritana de predestinação. Por fim, escreve o autor, a esperança de vingança 
refluiu “naturalmente”, e ao considerar a “demora do messias”, na “consciência da 
camada intelectual, dando lugar à valorização da intimidade devota em relação a 
Deus ou de uma confiança temperada e sentimental na bondade divina, puramente 
como tais, e à disposição de viver em paz com o mundo inteiro” (loc. cit.). 
De fato — e bem lembra Weber — muito embora seja uma enorme 
desfiguração dos fatos querer identificar e cravar o “ressentimento” como “o único 
elemento decisivo das fortes variações históricas na religiosidade judaica”, não se 
deve, por certo, “subestimar sua influência sobre as peculiaridades fundamentais 
dessa religiosidade”. Comparativamente, em contraposição, portanto, àquilo que essa 
tem em comum com outras religiões de salvação, “o ressentimento constitui, de fato, 
um de seus traços específicos e, em nenhuma outra religiosidade de camadas 
negativamente privilegiadas, reveste-se de tal importância”. De alguma forma, 
contudo, a teodiceia dos negativamente privilegiados “é componente de toda 
religiosidade de salvação, que encontra seus adeptos sobretudo nessas camadas, e o 
desenvolvimento da ética sacerdotal a favoreceu sempre que se tornou parte 
constitutiva de uma religiosidade congregacional, típica destas camadas”. De forma 
igualmente importante, também aí, e a partir de suas consequências, “o próprio 
sucesso nas atividades aquisitivas passou a ser, para judeu do gueto, uma prova 
tangível da graça pessoal de Deus”. Contudo, mais uma anotação é feita por Weber 
(cf. 2000: 339): seria muito errônea a ideia de que a necessidade de salvação, a 
teodicéia ou a religiosidade congregacional nascessem “unicamente sobre o solo das 
camadas negativamente privilegiadas ou até exclusivamente do ressentimento, sendo, 
portanto nada mais do que uma ‘rebelião de escravos na área moral’”. O cristianismo 
em si acrescenta novos tijolos a essa edificação. Jesus, lembra Weber (cf. 2000: 334), 
e sua universalidade da salvação — embora tenha falado primeiro aos judeus — traz 
aquela “dissolução do vínculo entre a religiosidade e a condição dos crentes como 
povo-pária, isolado ao modo de uma casta”, mas mantém a ideia de uma 
“retribuição”. Pelas novas promessas religiosas, eliminado é, portanto, precisamente 
“o ressentimento típico e profundo do povo-pária”. 
51
Mas é ao discordar de Nietzsche e de sua aplicação da ideia de 
“ressentimento” também a outras religiões, como ao Budismo, que Weber (cf. 2000: 
340) nos dá mais uma hipótese a ser definitivamente acolhida: a de justamente 
compreender que a necessidade de salvação e a religiosidade ética têm ainda outra 
fonte para além da “situação social dos negativamente privilegiados e do racionalismo 
da burguesia condicionado pela situação prática da vida”. Qual seja, justamente o que 
o autor vai chamar de “intelectualismo puro”. Isto é, aquela posição provinda das 
“necessidades metafísicas do espírito que é levado a meditar sobre questões éticas e 
religiosas, não pela miséria material mas pela necessidade íntima de compreender o 
mundo como um cosmos com sentido e de definir sua posição perante este”. No 
desenvolvimento histórico, o sacerdócio, desde o egípcio, e ao passar pelo 
cristianismo antigo, além do bramânico, judaico e islâmico, todos — lembra — 
“souberam monopolizar, em grau muito forte, o desenvolvimento da metafísica e da 
ética religiosa”. Ao lado dos sacerdotes, e igualmente de maneira muitíssimo 
difundida, “foram sobretudo os monges ou os círculos orientados em sentido monacal 
aqueles que ocuparam e cultivaram literalmente não apenas o pensamento teológico 
e ético, como também o metafísico e partes consideráveis do científico”, assim como 
daquele cuidado “da produção de obras literárias”. Isso se relaciona de maneira 
especial, na discussão weberiana, com a própria relação da inteligência não-
sacerdotal com a propriamente sacerdotal, bem como “as relações das camadas 
intelectuais com os diversos tipos de religiosidade e a posição delas dentro das 
comunidades religiosas”. Em diferentes posições, e apesar de todas as suas 
diferenças, as “camadas intelectuais muito sofisticadas relativamente” — explica 
Weber (2000: 340) — contaram com grande formação filosófica, correspondentes 
inclusive, em maior ou menor grau, “às escolas filosóficas helênicas ou ao tipo mais 
aperfeiçoado da formação universitária monacal ou da secular-humanista do fim da 
Idade Média, que constituem os portadores da ética ou doutrina de salvação em 
questão” (cf. ibid.: 340 — 342). 
O dado necessário a anotar, neste ponto, é que a adoção ou desenvolvimento 
de uma religiosidade de salvação por camadas socialmente privilegiadas, quando 
existente, constitui de um caráter muitíssimo particular. Além disso, se dá, de 
maneira especial, quando essas mesmas camadas se encontram em posição 
“desmilitarizadas e excluídas da possibilidade ou do interesse em atividades 
52
políticas”, quando foram delas afastadas ou ainda “quando o desenvolvimento de sua 
cultura intelectual até suas últimas consequências íntimas, no pensamento e na 
psique, ganhou para eles mais importância do que a atividade prática mundana 
externa” (Weber, 2000: 342). Muito embora não nasçam somente nessa situação — 
anota Weber —, até porque “correspondentes concepções conceituais podem 
desenvolver-se precisamente em tempos política e socialmente agitados, como 
consequência de uma reflexão sem pressupostos”, tais tendências só podem alcançar 
tal grau a partir de uma “posição dominante com o início da despolitização dos 
intelectuais”. Como exemplo, Weber (loc. cit.) menciona a condição do sucesso da 
propaganda dos cultos de salvação e da doutrina de salvação filosófica naqueles 
círculos leigos nobres da última época do helenismo e da sociedade romana, que 
caminhava “paralelamente ao afastamento definitivo dessas camadas da atividade 
política”. A questão seria, assim, a de entender que “a ânsia de salvação nobre, 
procedente das classes privilegiadas, representa, em geral, a disposição à mística de 
‘iluminação’ […] que está concatenada com uma qualificação de salvação 
especificamente intelectualista”. 
As consequências, contudo, tornam-se, aqui, particularmente interessantes. 
Por isso, prestemos grande atenção a isso, que nos será precioso nas linhas 
subsequentes, e que, por si só, já é especial: segundo Weber, a salvação que buscaria o 
intelectual, as camadas portadoras de uma intelectualidade, é uma “salvação de 
‘aflição íntima’ e, por isso, por um lado, de caráter mais estranho à vida, porém, por 
outro, de caráter mais profundo e sistemático do que a salvação da miséria concreta 
que é própria das camadas não-privilegiadas”. O intelectual, por caminhos cuja 
casuística chega ao infinito, diz Weber de maneira profundamente tocante, “procura 
dar a seu modo de viver um ‘sentido’ coerente, portanto, uma ‘unidade’ consigo 
mesmo, com os homens, com o cosmos”, isso porque, para ele, o intelectual, “a 
concepção do ‘mundo’ é um problema de ‘sentido’”. Diz ainda: “quanto mais o 
intelectualismo reprime a crença na magia, ‘desencantando’ assim os fenômenos do 
mundo, e estes perdem seu sentido mágico, somente ‘são’ e ‘acontecem’, mas nada 
‘significam’”, tanto mais, e por sua vez, “cresce a urgência com que se exige do mundo 
e da ‘condução de vida’, como um todo, que tenham uma significação e estejam 
ordenados segundo um ‘sentido’”. Nesse contexto, “os conflitos desse postulado comas realidades do mundo e suas ordens com as possibilidades de viver nele 
53
condicionam a específica fuga do mundo dos intelectuais”, fuga tal que pode ser tanto 
“rumo a um isolamento”, ou ainda, “à natureza ‘intocada’ pelas ordens humanas 
(Rousseau) e a um romanticismo adverso ao mundo, quanto uma fuga para o ‘povo’ 
intocado pelas convenções humanas […], ou tender mais à contemplação ou a um 
ascetismo ativo”, procurando, assim, “a salvação individual ou uma transformação 
coletiva e ético-revolucionária do mundo”. Eis onde, enfim, “todas essas tendências 
igualmente acessíveis ao intelectualismo podem também manifestar-se como 
doutrinas de salvação religiosas e ocasionalmente também o fizeram” (cf. ibid.: 344). 
No texto, Weber ainda trata de elencar as hipóteses referentes a um intelectualismo-
pária — “encontrados naqueles pontos arquimedianos em relação às convenções 
sociais, no que se refere tanto às ordens externas quanto às opiniões habituais” — de 
condições econômicas menos privilegiadas do que a do racionalismo puro aristocrata, 
mas não parece, aqui, ser necessário se deter mais tempo nessa característica. 
Do que podemos resumir desse longo parênteses feito: historicamente, vimos 
que, no Ocidente, uma necessidade de salvação, e especialmente uma necessidade de 
salvação a partir de uma religiosidade ética — cotidiana — seria proveniente 
justamente daquele sentimento muitíssimo particular de um forte e direcionado 
desconforto com o mundo, desprovido de sentido. Para Weber — é necessário anotar 
mais uma vez — uma inclinação à adesão a uma religiosidade congregacional 
eticamente racional encontraria um solo fértil para seu desenvolvimento quanto mais 
estivesse afastada das camadas portadoras de um poder econômico politicamente 
condicionado, como a aristocracia em si [em que a religiosidade se disporia como 
papel de “legitimação”], por exemplo. É somente a partir de um desenvolvimento 
econômico apartado das condições políticas hereditárias, de uma classe ou 
estamento, que a resposta de caráter mais racional, acessível a uma calculabilidade e 
à influência racional, ao visar um fim, que se vê um progressivo desenvolvimento 
religioso do tipo aqui analisado. Mas é justamente enquanto expressão de uma 
“indigência”, que a religiosidade de salvação se colocaria, naquela teodiceia dos 
negativamente privilegiados — e com especial atenção ao sentimento de um 
“ressentimento” — disposta a um moralismo como meio de legitimação de uma sede 
de vingança consciente e inconsciente. Caso especial, lembra Weber, é justamente a 
posição judaica, posto como um povo-pária, em que o sofrimento, sublimado e 
interiorizado como plenamente injusto, adviria a partir da vida ímpia dos descrentes, 
54
e não como na teodicéia do carma que apresentaria o sofrimento como justo e 
individual. A posição judaica, assim, enquanto povo, intensificaria o que vimos como 
uma disposição do crente ao cumprimento de seus deveres religiosos, motivados pela 
ideia de um sofrimento e, principalmente, de uma recompensa, de uma esperança de 
retribuição. Mas a disposição do Ocidente para uma religiosidade de salvação não se 
encerra aí. Além da posição dos “negativamente privilegiados”, uma outro faceta — e 
interessante especialmente para o que aqui discutimos — diz respeito àquela 
disposição de um “intelectualismo puro”, proveniente principalmente daquelas 
necessidades metafísicas do espírito, levado a meditar sobre questões éticas, 
religiosas e — posteriormente — o cultivo do pensamento científico. Advertidamente, 
como vimos, uma posição de tal tipo encontra solo fértil para seu desenvolvimento — 
quando provindas especialmente das camadas socialmente privilegiadas, de uma elite 
que se torna intelectual — quando as mesmas se veem excluídas ou desinteressadas 
pela atividade política prática. A ânsia por salvação, assim, se representaria por uma 
disposição de iluminação mística, como uma salvação de “aflição íntima”, de caráter 
mais estranho à vida, ao ter o mundo um problema de sentido: os fenômenos deste 
mundo “são” e “acontecem”, mas nada “significam”. 
V 
Dito isso, compete-nos retornar ao problema disposto na Consideração 
Intermediária, isto é, ao problema da concorrência direta estabelecida entre as 
religiões de salvação — especialmente, as religiões éticas de salvação — e as duas 
ordens de vida, o amor e a arte, pelo estatuto da própria redenção, agora que já 
pudemos entender seu singular lugar. Como vimos, entre as éticas de negação do 
mundo, especialmente na posição mística, ambas encontram permutabilidade mútua, 
psicológica e fisiológica. Convém-nos agora compreendê-las. Mais uma vez é preciso 
mencionar que, como outras, as duas categorias (misticismo e ascetismo), em Weber, 
apesar de serem conceitos-chave de sua obra, e de aparecerem em grande parte de 
seus trabalhos, especialmente a partir d’A Ética Protestante, não são tão bem claras 
quanto aos seus reais significados terminológicos. Na própria Ética, nem nos artigos 
de 1905 e 1906, nem mesmo na versão final de 1920, nosso autor ofereceu, com 
precisão, algo que se constituísse um relato completo do que queria ele dizer 
especialmente com a noção do próprio ascetismo, que é fundamental em toda a 
55
análise desenvolvida naquele trabalho. O que acontece é que, nos esforços 
empreendidos, Weber estabelece sempre um contraste entre o próprio ascetismo e a 
posição do misticismo (cf. Adair-Toteff, 2010: 109; Lohse; Seeberg apud ibid.). 
Contudo — de acordo com o que diz um dos principais comentadores do tema (Adair-
Toteff, 2010: 109) —, e embora, em um primeiro olhar, pareça surpreendente que 
pouca atenção tenha sido dada aos conceitos, uma leitura mais atenta pode jogar luz 
sobre a questão. A questão é que o problema não é bem esse, de origem, mas sim o 
resultado da leitura feita por comentadores que acabam por ignorar, ou hesitam em 
compreender, a posição teológica que o autor esposa. Para o mesmo Adair-Toteff (cf. 
2015: 55), a situação é parecida quando olhamos exclusivamente para a noção de 
misticismo, que geralmente é vista como de caráter secundário na obra de Weber, 
quando a leitura indica um interesse mais dirigido ao seu par de oposição, 
especialmente a um tipo particular do ascetismo protestante, lido como “ascetismo 
interior”. Nesse sentido, uma das contribuições que se espera desta dissertação é 
justamente a de estabelecer, a partir da posição em que nos dispomos, um certo grau 
de entendimento sobre essas centrais categorias weberianas, ainda que de maneira 
introdutória. 
A Consideração Intermediária nos dá muitas pistas e, em conjunto com o 
Capítulo V de Economia e Sociedade — Comunidades Religiosas — que já nos ajudou 
até aqui, nos servirá para inúmeras considerações especiais, úteis para este trabalho. 
Necessário é advertir, desde agora, que, como se propõe ser toda a sociologia 
compreensiva weberiana, estaremos sempre diante de construções ideal-típicas. 
Como vimos, e como aponta o próprio Adair-Toteff (cf. 2010, 2015) quando se dispõe 
a elaborar notas sobre, tais conceitos, ao serem “tipos ideais”, não encontram exata 
correspondência histórica ou conformidade com a realidade palpável, mas são, como 
conceitos, e principalmente — como veremos — como dispositivos mnemo-histórico-
conceituais, preciosas para esta e outras análises subsequentes. O mesmo Weber — 
como vimos — lembra que construções do tipo, embora seja apresentadas com uma 
coesão racional que “raramente” têm na realidade, são recursos técnicos que 
facilitam a exposição e a terminologia (Weber, 2010: 318 — grifo do autor). Uma 
construção do tipo só é possível, contudo, quando um fenômeno histórico se 
aproxima — adverte-nos da mesma forma o próprio Weber (2010: 317 - 319 [1922: 
536 - 538]) —, de uma dessas correlações “em virtude de certas características ou do 
56
seu caráter global, [ao] determinar — por assim dizer —o respectivo lugar tipológico, 
ao apurar qual a sua proximidade ou distância em relação ao tipo construído 
teoricamente” . Da mesma forma, o uso se torna adequado ao serem os fenômenos 24
tratados como “interpretações religiosas do mundo” e como “éticas religiosas” 
[religiösen Weltdeutungen und Ethiken], e ao estarem fortemente sujeitas ao 
imperativo da coerência — como “racionais quanto ao seus desígnios e criadas por 
intelectuais” [der Absicht nach rationalen, von Intellektuellen geschaffenen]. Ou 
seja, estão construídos naquela esperança de, por meio de tipos racionais 
adequadamente constituídos, porem “em evidência as formas intrinsecamente ‘mais 
coerentes’ de um comportamento prático dedutível de pressupostos bem assentes” e, 
por isso, facilitam “a exposição de uma diversidade que de outro modo seria 
infindável” (Weber, 2010: 317 - 319 [1922: 536 - 538]). 25
Na tentativa de clarificação terminológica, encontrada na Consideração 
Intermediária, Weber aponta, já de início, que o “misticismo” e o “ascetismo” serão 
mesmo operados, em matéria de rejeição do mundo [Gebiete der Weltablehnung], 
como “conceitos polares” [polaren Begriffen]. Por um lado — anota Weber — a ascese 
ativa se colocaria como “ação querida por Deus como instrumento divino” e, por 
outro, na “posição contemplativa da salvação própria da mística, que pretende 
construir um ‘ter’ e não um ‘agir’, o indivíduo se colocaria não como instrumento, 
mas como “‘receptáculo’ [um vaso] do divino ” (Weber, 2010: 320 [1922: 538, 539]). 26
Considerações do tipo são, igualmente, encontradas tanto n’A Ética Protestante, 
quanto no Comunidades Religiosas. Na Ética, Weber (2004: 77, 78) — ao comentar o 
caráter de vocação profissional de cunho luterano que, segundo o autor, já havia sido 
antecipada pelos místicos alemães, como Tauler — primeiro lembra daquela posição 
de “equivalência de princípio entre profissões espirituais e temporais”, que estariam 
 [wo sich eine historische Erscheinung einem von diesen Sachverhalten in Einzelzügen 24
oder Gesamtcharakter annähert, deren — sozusagen — typologischen Ort durch Ermittlung 
der Nähe oder des Abstandes vom theoretisch konstruierten Typus festzustellen.] 
 [Wir dürfen auch aus diesem sachlichen Grunde hoffen, durch zweckmäßig konstruierte 25
rationale Typen, also: durch Herauspräparierung der innerlich “konsequentesten” Formen 
eines aus fest gegebenen Voraus-Setzungen ableitbaren praktischen Verhaltens die 
Darstellung der sonst unübersehbaren Mannigfaltigkeit zu erleichtern.] 
 [die aktive Askese: ein gottgewolltes Handeln als Werkzeug Gottes einerseits, 26
andererseits: der kontemplative Heils besitz der Mystik, der ein “Haben”, nicht ein HandeIn 
bedeuten will, und bei welchem der Einzelne nicht Werkzeug, sondern “Gefäß” des 
Göttlichen ist]
57
numa “subvaloração das formas tradicionais de obras ascéticas meritórias em favor 
da significação única e exclusiva da disposição extático-contemplativa da alma como 
receptáculo do divino”. Em segundo lugar — e ao comentar a posição pietista — o 
autor, em consequência, anota, nessas cosmologias, a especial ideia de representar-se 
a si como “ferramenta” (cf. ibid.: 122). Na análise histórica elaborada na própria 
Ética, Weber (cf. 2004: 103) acentua que, especialmente para o virtuose religioso 
reformado, a certificação do seu estado de graça poderia se dar justamente de duas 
formas, seja como receptáculo, ao ter lugar justamente para “a cultura mística do 
sentimento”, mais próximo de Lutero, seja como ferramenta, para a ação ascética, 
própria do calvinismo. No Comunidades Religiosas, da mesma forma, e ao diferenciar 
a posição entre uma “rejeição do mundo”, que seria própria do ascetismo, e de uma 
“fuga do mundo”, própria, por sua vez, do misticismo, Weber anota que o ascetismo, 
e seu praticante, estaria ligado a uma disposição da “atividade” — sentindo-se como 
“combatente por Deus” — enquanto para o misticismo, e pela contemplação, a 
disposição estaria, justamente, naquele “‘repouso’ no divino e somente nele” (Weber, 
2000: 366). Para o místico, lembra Weber, a ação no mundo, e especialmente o “agir 
eticamente empenhado”, ou seja, o “agir racional orientado para um fim (‘ação com 
um fim’)” seria “a forma mais perigosa da mundanização” (ibid.: 366, 367). 
De fato, na Consideração Intermediária, o mesmo Weber (2010: 320 - 321 
[1922: 539]) lembra que, para o místico, a posição de toda ação no mundo apareceria 
“como ameaça ao condicionamento da salvação, que é inteiramente irracional e 
extramundano” [das Handeln in der Welt mithin als Gefährdung der durchaus 
irrationalen und außerweltlichen Heilszuständlichkeit erscheinen muß], 
especialmente — como diz — quando a ascese da ação que se exerce dentro do mundo 
se desse “por meio do trabalho na ‘profissão’ mundana, de modo a organizar 
racionalmente o mundo com vista a domar o que há de corrupto nas criaturas”. [die 
Askese des Handelns sich innerhalb der Welt als deren rationale Gestälterin zur 
Bändigung des kreatürlich Verderbten durch Arbeit im weltlichen “Beruf” auswirkt 
(innerweltliche Askese)]. A situação se daria — diz o autor (loc. cit.) — porque a 
mística “tira completamente a consequência da renúncia do mundo” [die Mystik 
ihrerseits die volle Konsequenz der radikalen Weltflucht zieht]. Tal posição de 
oposição — lembra Weber — atenua-se sobremaneira quando “a ascese da acção se 
limita a reprimir e subjugar a corrupção inerente às criaturas na própria maneira de 
58
ser do indivíduo e, por conseguinte, aumenta a sua concentração nas obras de 
redenção activas” . Isso a não ser quando, por meio de uma “mística intramundana” 27
[innerweltliche Mystik], este “não tira ilações da renúncia do mundo” [der 
kontemplative Mystiker die Konsequenz der Weltflucht nicht zieht] ou quando o 
asceta evita atuar “nas ordens do mundo” [Ordnungen der Welt] por meio de um 
ascetismo que “foge do mundo” [weltflüchtige Askese]. Contudo, no misticismo que 
Weber chama de “autêntico” [echten Mystiker], “mantém-se válido o princípio 
segundo o qual a criatura tem de se calar, para que Deus possa falar”. Ou seja, “ele 
‘está’ no mundo e, aparentemente, ‘conforta-se’ com as suas ordens, mas fá-lo, em 
oposição a estas, para se assegurar do próprio estado de graça, na medida em que 
resiste à tentação de dar importância à actividade mundana” (cf. loc. cit.). 28
No Comunidades Religiosas, ressalta Weber, e para o asceta, “a 
contemplação do místico parece ser uma auto-satisfação indolente, religiosamente 
estéril e asceticamente condenável, um sibaritismo idolatrador da criatura em 
sentimentos por ele mesmo criados”. Por sua vez, do ponto de vista do místico 
contemplativo, “o asceta, em parte por seu tormento e luta extramundanos, mas 
sobretudo por seu agir ascético racional, é constantemente enredado na situação 
pesada de toda vida moldada”, com tensões, na visão do místico, “insolúveis entre 
violência e bondade, objectividade e amor, afastando-se assim cada vez mais da união 
em e com Deus, e sendo forçado a conviver com contradições e compromissos 
desastrosos”. Para o asceta, contudo, e pelo seu ponto de vista, o místico 
contemplativo “não pensa em Deus”, tampouco “no aumento de seu reino e de sua 
glória e no cumprimento ativo de sua vontade, mas exclusivamente em si próprio; ele 
existe, além disso, desde que existia mesmo, numa inconsequência constante, já pelo 
mero fato de ter de cuidar de sua sobrevivência”, principalmente quando — aponta 
Weber (2000: 368 - 369) — o místico vive “dentro do mundo e de seu ordenamento”. 
Contudo, para o místico contemplativo, se este quisesse ser absolutamente 
consequente, teria de viver das “dádivas do mundo”, sem necessariamente se imiscuir 
 [die Askese des Handelns sich auf die Niederhaltung und Überwindung des kreatürlich 27
Verderbten im eigenen Wesen beschränkt und infolgedessen die Konzentration auf die 
feststehendermaßen gottgewolltenaktiven Erlösungsleistungen]
 [daß die Kreatur schweigen muß, damit Gott sprechen könne. Er “ist” in der Welt und 28
“schickt sich” äußerlich in ihre Ordnungen, aber, um sich: im Gegensatz gegen sie, dadurch 
seines Gnadenstandes zu versichern, daß er der Versuchung, ihr Treiben wichtig zu 
nehmen, widersteht.]
59
nas atividades alheadoras de Deus, como o trabalho. Nessas circunstâncias, lembra 
Weber, destacar-se-ia “de forma drástica o inevitável aristocracismo de salvação do 
místico, que abandona o mundo à mercê do destino de todos os não-iluminados, dos 
indivíduos incapazes de tal iluminação”. Da mesma forma, e nesse sentido da ação no 
mundo, nosso autor anota que “de modo muito geral, qualquer pessoa, e também o 
próprio místico, ‘age’ inevitavelmente e apenas minimiza suas ações porque nunca 
lhe podem dar a certeza de seu estado de graça, mas sem dúvida podem afastá-lo da 
união com o divino”, enquanto, para o asceta, a atividade mundana “pode confirmar 
seu estado de graça precisamente por suas ações”. O asceta, ao agir no mundo, diz, 
“deve estar dotado com uma espécie de obtusidade tranquila em relação a qualquer 
questão acerca de um ‘sentido’ do mundo, não preocupado com este”, já para o 
místico “importa-lhe precisamente aquele ‘sentido’ do mundo, cuja ‘compreensão’ 
racional lhe escapa justamente porque o concebe como uma unidade além de todos 
os fenômenos reais” (cf. Weber, 2000: 368 - 369). 
O mundo — adverte-se contudo Weber — não é aprovado nem pelo 
misticismo, nem pelo ascetismo. O asceta, porém, “desaprova seu caráter de criatura, 
empírico, eticamente irracional, como refuta as tentações pelos prazeres mundanos, 
pelo fruir e repousar sobre suas alegrias e dádivas”. De toda forma, “aprova a ação 
racional própria dentro de suas ordens como tarefa e meio de conformar a graça”. O 
místico, por sua vez, entende que “a ação, e sobretudo a ação dentro do mundo, é já 
por si mesma uma tentação contra a qual deve defender seu estado de graça”, ao 
mesmo tempo que “minimiza suas ações, ‘conformando-se’ com as ordens do mundo 
tal como são, vivendo dentro delas, por assim dizer, incógnito, como o fazem desde 
sempre os ‘silenciosos da terra’”, e isso “uma vez que Deus estabeleceu que é nesta 
terra que se deve viver”. Nesse sentido, como resumo, se para o asceta a ação racional 
no mundo e o êxito de tais é um êxito de Deus, para o místico autêntico, ao contrário, 
“o êxito de suas ações intramundanas não pode ter nenhum peso no sentido de sua 
salvação, e a manutenção de uma humildade autêntica no mundo é de fato a única 
garantia de que sua alma não está perdida”. Enquanto o asceta age de acordo com 
princípios e regras, para o místico vale o sentimento de não estar vinculado a 
nenhuma regra da ação. O misticismo torna-se, assim, na visão do ascetismo, a forma 
mais irracional de salvação, e o misticismo mesmo se põe como desdenhador de toda 
“ordem” que se queira racional (Weber, 2000: 369). 
60
Nessa renúncia do mundo, conflitos foram se estabelecendo, ao ponto de, em 
oposição a uma ética de fraternidade, a redenção, e seu caráter diante do mundo, 
escapar “de uma meta alcançável pelos homens e acessível a cada um deles” para ser, 
por fim, “graça insondável, mas exclusivamente particular” [Das war im letzten 
Grunde der prinzipielle Verzicht auf Erlösung als ein durch Menschen und für jeden 
Menschen erreichbares Ziel zugunsten der grundlosen, aber stets nur partikulären 
Gnade] (Weber, 2010: 327 [1922: 546]). A esse respeito, considerar-se-ia — diz o 
autor — que não representava mais uma “religião de redenção” propriamente dita. 
Para uma religião desse tipo, enfim, “apenas contava o exacerbar da fraternidade até 
aquela ‘bondade’ que representa em toda a sua pureza o acosmismo do amor próprio 
do místico”, isto é: “uma ‘bondade’ que já nem sequer quer saber quem é a pessoa 
pela qual se sacrifica, que já mal se interessa, no fundo, por essa pessoa, que uma vez 
por todas dá a camisa, quando só lhe pedem a capa, a qualquer um que, por acaso, lhe 
apareça no caminho” e ainda, “só por lhe aparecer no caminho”. Tratar-se-ia, assim, 
de uma “singular renúncia do mundo, pois, sob a forma de uma dedicação sem 
objecto a qualquer um, não por amor ao homem, mas meramente por amor ao 
devotamento como tal — ou para empregar as palavras de Baudelaire: por amor à 
‘santa prostituição da alma’” . 29
VI 
Com isso, creio estarmos munidos dos instrumentos analíticos para, 
finalmente, dar conta da análise necessária para este primeiro capítulo, para 
entendermos, enfim, o caráter daquela permutabilidade mútua, psicológica e 
fisiológica estabelecida entre a Arte e o Erotismo com a disposição religiosa mística - 
causa, como vimos, do principal dos conflitos pela redenção. Ou seja, dispomos de 
um olhar ao mesmo tempo aproximado e distante que permite ver, no texto, seu todo. 
Nos detenhamos por primeiro na esfera estética e no seu “indubitável parentesco 
 [Eine eigentliche “Erlösungsreligion” war dieser Standpunkt der Unbrüderlichkeit in 29
Wahrheit nicht mehr. Für eine solche gab es nur die Uebersteigerung der Brüderlichkeit zu 
jener den Liebesakosmismus des Mystikers ganz rein darstellenden, nach dem Menschen, 
dem und für welchen sie sich opfert, überhaupt nicht mehr fragenden, an ihm im letzten 
Grunde kaum noch interessierten “Güte”, die ein für allemal das Hemd gibt, wo der Mantel 
gefordert wird, an jeden, der ihr zufällig in den Weg kommt, und nur, weil er ihr in den 
Weg kommt: — eine eigentümliche Weltflucht in Gestalt objektloser Hingabe an jeden 
Beliebigen, nicht um des Menschen, sondern rein um der Hingabe als solcher, mit 
Baudelaires Worten: um der “heiligen Prostitution der Seele”, willen.]
61
psicológico entre a emoção artística e a religiosa”. Weber bem lembra, como vimos, 
que entre a religiosidade mágica e a arte, não havia, por certo, uma tensão. Ou seja, 
assim como a arte seria, antes, uma portadora de efeitos mágicos, e uma relação 
franca entre a mesma arte e a religiosidade, lembrou Weber, pode-se-ia “mesmo, na 
verdade, manter-se intacta ou renovar-se permanentemente, enquanto e sempre que 
o interesse consciente do recipiendário se prenda ingenuamente ao conteúdo daquilo 
que tomou forma e não meramente à forma”, ou ainda, “enquanto a produção do 
criador artístico for sentida como carisma […] da capacidade ou como jogo livre”. 
Desde sempre, lembra nosso autor, a relação de harmonia entre a religiosidade 
mágica e a arte fez da religião “uma fonte inesgotável de possibilidades de 
desenvolvimento artístico, por um lado, e de estilização através do compromisso com 
a tradição, por outro”. Uma desarmonia só começa a surgir quando, tanto para a ética 
religiosa da fraternidade quanto para o rigorismo apriorístico, a arte com efeitos 
mágicos, em relação com a religiosidade mágica, depreciada e posta como suspeita. 
Conforme Weber (2010: 337), é, então, com a “sublimação da ética religiosa e a busca 
da salvação”, por um lado, e com o “desenvolvimento da lógica intrínseca da arte”, 
por outro, que a tensão na relação cresce. 
A situação de equilíbrio, como vimos, é alterada, pois, quando, quando a arte 
constitui-se como universo de valores próprios e autônomos, apreendidos de forma 
consciente. Esta, diz Weber, assume a função de redenção intramundana, a entrar 
por isso mesmo em concorrência direta com a religião de salvação, especialmente, e, 
também, como foi necessário anotar, com uma religiosidade ética de salvação. A 
situação acaba por fazer — acentua Weber (2010: 338 [1922: 555]) — com que 
“qualquer ética religiosa racional se tem de voltar contra essa redenção intramundana 
irracional como contra um reino, a seu ver, de gozo irresponsável e de secreta 
insensibilidade”. Ademais, lembra o autor, de fato uma recusa própria das épocas 
intelectuais de assumir a responsabilidade por um juízo ético, a partir do 
desenvolvimento do intelectualismo e da racionalizaçãoda vida, tende mesmo a 
“transformar juízos de valor com intenção ética em juízos de gosto (‘de mau gosto’ em 
lugar de ‘repreensível’)” [ethisch gemeinte Werturteile in Geschmacksurteile 
umzuformen (“geschmacklos” statt: “verwerflich”)], e tal fuga de uma “tomada de 
posição” ética e racional “pode muito bem ser interpretada pela religião de salvação 
como uma forma muito acentuada de mentalidade não fraternal, em comparação com 
62
a ‘validade universal’ da norma ética”. [Gegenüber der “Allgemeingültigkeit” der 
ethischen Norm, […] der Notwendigkeit rationaler ethischer Stellungnahme sich der 
Erlösungsreligion sehr wohl als eine tiefste Form unbrüderlicher Gesinnung 
darstellen.] Do lado do criador artístico ou do “receptor com emoções estéticas”, por 
sua vez e como entendemos, a norma ética só poder-se-ia aparecer como violação do 
que, para tais, é “autenticamente criativo e mais pessoal”. É justamente, contudo, 
com a mística que a tensão se torna ainda mais singular. Advertidamente, diz Weber 
(2010: 339) a mística é não só alheia, incompatível e inexprimível com a forma, mas é 
sobretudo inimiga dessa. A experiência mística, como anotamos, julga poder 
encontrar, ela mesma, na ruptura de todas as formas, o esperado acesso ao Todo-
Uno. O indubitável parentesco dessa sensação, assim, com a emoção artística dever-
se-ia constituir, portanto, como um sintoma do caráter diabólico da arte. Exemplo 
disso, diz Weber, está na própria música, que “sendo a ‘mais interior’ das artes, é 
capaz de aparecer […] como um sucedâneo irresponsável da primeira experiência 
religiosa, uma ilusão devida à autonomia de um reino que não vive no nosso 
íntimo” (ibid.: 338 - 339 [555 - 556]). Segundo Weber, a arte é pois, para a mística, 30
e ao compartilharem das mesmas experiências, divinização da criatura, potencia 
concorrente e fantasmagoria enganadora. 
Mas, no trabalho de Weber no qual nos detemos, o caráter terminológico tão 
próximo, na análise das aproximações entre a mística e as ordens de vida, fica 
muitíssimo mais claro quando nos debruçamos sobre a esfera erótica, ela mesma. Ao 
ser também “redenção no âmbito terrenal”, a tensão está, na raiz, estabelecida. Para o 
erotismo, se a ascese racional ativa é entendida como “força mortalmente hostil” 
[todfeindliche Macht], a tensão com o misticismo se dá em seu caráter de 
similaridade, e as diferenciações só existem quando vistas em termos de sentido. A 
relação erótica, quando considerada do ponto de vista de qualquer ética religiosa da 
fraternidade — lembra Weber (2010: 345 [1922: 561]) — “não pode deixar de 
permanecer presa à brutalidade através de um certo grau de refinamento muito 
específico, e até tanto mais assim será, quanto mais sublimada ela for”. [Die erotische 
Beziehung muß, von jeder religiösen Brüderlichkeitsethik aus angesehen, je 
sublimierter sie ist nur desto mehr, der Brutalität in ganz spezifisch raffiniertem 
 [Gerade die Musik, die “innerlichste” der Künste, vermag in ihrer reinsten Form: […] Die 30
Kunst wird dann “Kreaturvergötterung”, konkurrierende Macht und täuschendes 
Blendwerk, das Bildnis und Gleichnis religiöser Dinge rein als solches Blasphemie.]
63
Maße verhaftet bleiben.] O autor menciona que “nenhuma comunhão erótica plena 
se reconhecerá senão como fundada por uma misteriosa identificação recíproca — ou 
seja, destino no sentido mais elevado da palavra — e por isso, ‘legitimada’ (num 
sentido completamente alheio à ética)”, “destino” esse, para a religião de salvação, 
que nada mais é do que “mero acaso da paixão que se inflama” . De igual maneira, ao 31
corresponder à forma orgiástica, extra-cotidiana, mas intramundana da religiosidade, 
o erotismo se põe com a mística, assim, numa “relação inconsciente e instável de 
suplência ou fusão da qual pode, depois, resultar muito facilmente a queda no 
orgiástico”, que para o ascetismo se constituirá sempre como deificação da criatura 32
(ibid.: 346 [562 - 563] 
É nesse contexto de oposição a tudo que seja objetivo, racional e geral que, 
para o erotismo, o caráter ilimitado da dádiva — que no misticismo se diz sobre a 
relação limitada com o mundo — corresponderá “ao interesse que este indivíduo, na 
sua irracionalidade, tem por esse indivíduo e apenas esse outro indivíduo” — posição 
esta também que, no misticismo, se diz por sua vez daquele “‘repouso’ no divino e 
somente nele”. Do ponto de vista do erotismo, tal interesse, como valor intrínseco da 
própria relação, transforma-se naquela possibilidade de “comunhão, que é sentida 
como plena fusão unificadora, como um desvanecimento do ‘tu’, e que é tão 
avassaladora que é compreendida ‘simbolicamente’ — ou seja, em termos 
sacramentais”. De tão injustificável e inesgotável, impossível de ser comunicada, 
portanto, é análoga, por isso mesmo, ao “ter” do místico, não apenas em virtude da 
intensidade de sua vivência, mas também devido à realidade possuída de modo 
imediato. Como bem anota Weber no Comunidades Religiosas (2000: 367), “o saber 
do místico é tanto mais incomunicável quanto mais possui o que lhe atribui seu 
caráter específico: é precisamente o fato de não obstante se apresentar como saber 
que lhe atribui seu caráter específico”, onde “não se trata de nenhum conhecimento 
novo de fatos ou doutrinas, mas da compreensão de um sentido único do mundo e, 
 [Keine volle erotische Gemeinschaft wird sich selbst anders als durch geheimnisvolle 31
Bestimmung für einander: Schicksal in diesem höchsten Sinn des Wortes, gestiftet und 
dadurch (in einem gänzlich unelhischen Sinn) “legitimiert” wissen. Aber für die 
Erlösungsreligion ist dies “Schicksal” nichts anderes als der reine Zufall des Entbrennens 
der Leidenschaft.] 
 [Mit der zugleich außerweltlichen und außeralltäglichen Mystik gerät die Erotik, bei 32
schärfster innerer Spannung, vermöge der psychologischen Vertretbarkeit leicht in eine 
unbewußte und labile Surrogatsoder Zusammengeschmolzenheitsbeziehung, aus welcher 
dann sehr leicht der Kollaps in das Orgiastische erfolgt.]
64
nesta acepção, como repetem de forma sempre variada os místicos, de um saber 
prático”. É, portanto, um “‘possuir’, a partir do qual se chega àquela nova orientação 
prática em relação ao mundo e, eventualmente, também a novos ‘conhecimentos’ 
comunicáveis”. Ou ainda, esse “possuir” místico é também a pretensão, de, como 
receptáculo, “construir um ‘ter’ e não um agir”. Nesse ponto, a tensão se manifesta 
sobremaneira porque — diz na Consideração Intermediária — o caráter passional 
próprio da relação erótica, só por si, aparece como “uma indigna perda do 
autodomínio e da orientação, quer esta siga pelo juízo racional das normas que Deus 
quis, quer em função do ‘possuir’ místico do divino’, ao passo que, para o erotismo, a 
‘paixão’ autêntica é, em si mesma, o tipo da beleza”, onde sua rejeição constitui como 
a própria “blasfêmia” . Por isso mesmo, enfim, “a euforia do amante feliz, com sua 33
amável necessidade de atribuir também expressões fisionômicas alegres a todo 
mundo, num ingênuo empenho de fazer a felicidade de outrem, de as obter por 
encanto” sente-se como “bondade”, isto é, aquele sentimento próprio das autênticas 
religiões de salvação, que, como vimos, exprime-se naquela entrega sem limites pelo 
que se sacrifica quando “nem sequer quer saber quem é a pessoa pela qual se 
sacrifica”, isso no momento em que “[de] uma vez por todas dá a camisa, quando só 
lhe pedem a capa, a qualquer um que, por acaso, lhe apareça no caminho” e “só por 
lhe aparecer no caminho”. Para o amante, enfim, uma redenção mística que diz ligada 
“‘ao que há de mais vivo’” é apenas “um pálido reino do outro mundo”, porque sua 
redenção se dá neste mundo, sua salvação independe de uma espera. 
VII 
Enfim, embora tenhamos iniciado este capítulo preocupados com o que 
parecia ser apenas um problema de tradução, seu desenvolver demonstrou o exato 
contrário. De fato, uma leitura minimamenteatenta do texto excluiria, desde o início, 
qualquer aproximação da experiência erótica - como também da artística - a um 
“encantamento do mundo”, qualquer que fosse ele. Como pudemos nos deter com 
detalhes, a “redenção” que aqui pressupomos é ela própria consequência de uma 
dupla exigência: da tentativa de racionalização sistemática do mundo e da 
 [Ganz abgesehen davon, daß ihr natürlich schon ihr Leidenschaftsdiarakter als solcher 33
als unwürdiger Verlust der Selbstbeherrschung imd der Orientierung, sei es an der 
rationalen Vernunft gottgewolltir Normen, sei es an dem mystischen Vernunftdes 
Göttlichen erscheint — während für die Erotik die echte “Leidenschaft” rein an sich dor 
Typus der Schönheit und eine Ablehnung ihrer eine Lästerung ist.]
65
autonomização das esferas pela racionalização e sublimação, quando essas, vimos, 
tornam-se conhecidas de maneira independente das demais ordens e com leis 
internas próprias. A permutabilidade mútua, psicológica e fisiológica está para com a 
mística e não com a magia, qualquer que seja ela. Um “encantamento”, condição de 
uma religiosidade mágica, não pressuporia nenhuma das duas ordens, até porque tal 
religiosidade, quando em relação com as ordens da vida, não determinaria uma 
tensão, mas uma harmonia. Ademais, quando nos atentamos aos termos no original 
alemão, ao falar em “Welt”, como “mundo cósmico”, e não em “Jeder”, o conjunto/
mundo de pessoas, Weber confirma a posição do “desencantamento” que opera no 
âmbito do “sentido”. Advertidamente, o “desencantamento” pela religião e pela 
ciência, como é sabido, se constitui justamente a partir das respostas racionais sobre 
este mundo envolvente. “Desencantamento do mundo”, para Weber, é exatamente a 
dupla retirada de “sentido” do mundo cósmico, isso seja pela religiosidade ética ou 
pelo domínio do conhecimento reflexivo na ciência, sem qualquer progressão entre si. 
Contudo, e quanto à ideia de “racionalismo” que aqui é inerente, é bom lembrar que 
— como aponta o próprio Weber (2000: 356) — “nem toda ética religiosa racional é 
uma ética de salvação”, entretanto, “quando a exigência de pureza ritual [mágica] foi 
racionalizada, transformando-se na pureza de pecados de alma”, especificamente o 
rito, como tal, era “apenas o veículo para influenciar as ações extra-rituais, e essas 
ações são o que verdadeiramente importa” (cf. ibid.: 359) Uma racionalidade do tipo 
é aquela que trata de buscar atingir a todo o mundo das pessoas [Jeder], mas não 
altera de todo modo a posição do mundo cósmico [Welt], que está em harmonia. 
Interessante anotar, ademais, que a “irracionalidade” atribuída à esfera da religião, 
como às esferas do erotismo e da arte — conforme anota Hans-Peter Müller (cf. 2020: 
139ss.) — é resultado da racionalização teórico-prático de um segundo momento; são, 
por isso mesmo, racionalidades ambivalentes. A “redenção” que compreendemos, 
portanto — poderíamos dizer — opera em um caráter muitíssimo próprio e é 
retroalimentada por aquilo que Weber chamou, por 17 vezes, de “desencantamento 
do mundo”. 
§ Um parágrafo especial sobre a ideia de “desencantamento” é, aqui, necessário. 
Admiravelmente, foi Pierucci, no seu trabalho de livre-docência, neste texto no 
princípio mencionado, quem perseguiu, em toda a obra de Weber, o conjunto de 
palavras que entendemos como “desencantamento do mundo” [Entzauberung der 
Welt], que formam, certamente, uma das mais conhecidas e comentadas noções 
66
weberianas. Naquele esforço, Pierucci lembrava que, embora parecesse onipresente 
na obra de Weber, o termo era, na verdade, limitado e localizável, aparecendo 
apenas 17 vezes. O ponto de Pierucci — escrevia ele (cf. 2013: 42) — era demonstrar 
que Weber teria trabalhado com dois significados do termo ao mesmo tempo, de 
1903, quando aparece pela primeira vez, até 1920, quando o autor morreu 
prematuramente, pois. Isto é, para Pierucci, Weber falado em “desencantamento” 
para aludir uma dupla retirada de sentido do mundo por meio da religiosidade e do 
conhecimento científico sem qualquer progressão de um sobre o outro ou vice versa 
(cf. ibid.). Certamente, não há mesmo uma progressão entre um termo e outro nos 
textos weberianos, e o processo, como pode ser atestado por “a + b” — como dizia 
Pierucci — aparece muitas vezes ao mesmo tempo com os dois sentidos em todo o 
Weber. Acontece, contudo, e deve-se ter em mente, conforme anotado está no Max 
Weber-Handbuch que o conceito é usado para descrever, primeiro, “um 
desenvolvimento religioso e histórico-cultural que começa no judaísmo antigo e está 
associado a uma supressão progressiva da magia”, ou seja, um desenvolvimento 
teórico e prático da “rejeição de todos os meios mágicos da busca pela salvação”, da 
superstição, pois. Esse processo teria sido desdobrado na tradição judaico-cristã e 
conectado com o pensamento helenístico e atingido seu auge e conclusão religiosao 
no protestantismo. Para Weber, assim, escreve Anter (2020: 62ss.), o 
desencantamento é um processo “inicialmente intra-religioso, que, 
consequentemente, não é direcionado contra a religião como tal, mas sim contra a 
magia […] uma das ‘maneiras sobreviventes de influenciar os poderes psíquicos’”. 
Seria, então, na Ética, que Weber, deixaria claro “o efeito histórico único e a 
relevância” do desencantamento. Contudo, e é só a partir de então, que tal processo 
poderia ser lido, em Weber, como não só impulsionado pelo protestantismo 
reformado, mas também pelo desenvolvimento científico. Entretanto, Weber bem 
acentuaria que o desencantamento científico, embora operado em conjunto com o 
religioso, se distingue — diz — quando este não têm “qualquer significado além 
desse significado puramente prático e técnico” (apud. ibid.), ou seja, é um 
desencantamento puramente retórico, justamente porque a ciência não poderia — 
no que escreve Weber e no que entendemos neste trabalho — “transmitir 
significado.” Nisto, enfim, devemos todos concordar. No mais, importa ressaltar 
também que, embora a locução “desencantamento do mundo” tenha se tornado uma 
noção fixa nas ciências humanas e sociais, Weber não a considerava finalizada, isto 
é, terminativa Segundo anota também Anter (cf. ibid.), Weber mesmo teria anotado 
que, diante dele, sempre haveria contramovimentos históricos. 
Ademais: a Consideração Intermediária é um esforço de compreensão do 
estatuto da redenção, e por isso mesmo, da relação de tensão entre a religião de 
67
salvação e o mundo, que é então transformado em “lugar” que exige um outro “fim”. 
Vimos, em seu desenvolver, como uma “relação com” e como uma “resposta ao” 
mundo constitui, em todas as esferas, o ponto de atenção, o fio a ser seguido, o novelo 
a ser organizado. Mas é sobretudo com o auxílio do Comunidades Religiosas que 
percebemos que a ânsia de salvação, e sua resposta religiosa, se constitui como uma 
expressão de indigência, seja através de uma ética dos negativamente privilegiados ou 
como elaboração do intelectualismo puro, como explicitado. Portanto, as construções 
no Ocidente dessa posição não são só particulares, como se constituem de tipos muito 
específicos que não foram de tal forma constituídos em outras disposições religiosas 
elaboradas em pontos outros do globo. A concepção de um sofrimento injusto — 
perfeitamente sublimado, inferiorizado e fundamental — advinda da teodicéia dos 
negativamente privilegiados — em oposição a um sofrimento compreendido como 
justo na teodicéia do carma, — desenvolvido pelo budismo ou pelo hinduísmo, por 
exemplo — não é só central, como radicalmente indispensável para as construções 
que aqui buscamos compreender. Como vimos — e da mesma maneira —, uma busca 
de salvação orientou, de forma eticamente racionalizada, uma racionalização da 
própria conduta de vida, orientada, nela mesma, para aquela aspiração, como um 
hábito sagrado duradouro, não apenas da libertação do sofrimento, mas de sua 
própria imunidade. Ou seja, longe de qualquersentimento de “legitimação”, a 
redenção se tornara resultado de uma espera de justa recompensa, de uma esperança 
de retribuição. A redenção é uma resposta a um mundo localizável, onde nada é 
impossível, tudo está disponível, concebível, viável e desejável. A redenção é uma 
resposta a um mundo que, embora assim se apresente, já não inspira mais cuidado ou 
conforto, como veremos adiante. Nesse sentido, convém-nos, mais uma vez, 
acentuar, a seu momento, o específico caráter da necessidade de salvação elaborada 
por camadas portadoras de uma intelectualidade, necessidade proveniente das 
demandas metafísicas do espírito. Resumidamente, essa necessidade de redenção, 
partida de uma disposição de iluminação mística, seria, assim, uma salvação de 
“aflição íntima”, — e conforme anotado está — uma salvação de um mundo onde as 
coisas “são” e “acontecem”, mas nada significam; de um mundo impossibilitado de 
ser apreendido em sua completude. Enfim, de um mundo onde o homem — e 
particularmente o homem cultivado —, não podia mais morrer “saciado da vida”, 
senão tão somente “cansado” dela. 
68
Para além disso, é interessante notar, para fim de pura organização 
terminológica, que uma racionalização do tipo de desconforto e resposta 
compreenderia, enquanto mera construção conceitual, um sem número de distinções 
que se englobam umas às outras, não apenas nas diferenças, mas também em suas 
similaridades. Isso anotado, é justamente, pois, na Consideração Intermediária — e 
apesar de rejeitar o conceito de sociedade e o projeto de uma teoria dessa (cf. Müller, 
2020: 139ss.) — que Weber teria se empenhado em compreender o significado que 
um racionalismo carrega em si a partir da constituição de um mundo de opostos. 
Admiravelmente, Weber dá ao trabalho que analisamos, então, uma ordem própria: 
ele, ao estar interessado em compreender os confins da racionalização, como 
anotado, contrasta, não por outra ordem, a própria religião (que um dia fôra “A” 
orientação racional de ação, ordem e cultura) com as outras esferas de valor 
autônomas que com ela entram em conflito ao respondem à ação, ordem e cultura. 
Ou seja, como anotara Müller (cf. ibid.), o contraste apresentado por Weber 
expressaria de forma mais consistente a ideia de lógica inerente e autonomia de áreas 
socialmente diferenciadas, que acabaria por se casar com o antagonismo inevitável de 
diferentes valores e respostas últimas sobre questões do mundo, da sociedade e da 
vida individual. Ou seja, um dos bons contributos da sociologia e tipologia do 
racionalismo na Consideração intermediária (cf. ibid.) é a disposição de exemplificar 
que, quem quer que tenha se dedicado totalmente a qualquer uma das esferas sentir-
se-ia em si a peculiaridade dos seus demônios [Dämons], dos fios de sua vida. Se 
vemos arte e erotismo em oposição ao misticismo; misticismo em oposição ao 
ascetismo; misticismo e ascetismo em oposição à ética social orgânica; éticas 
religiosas em oposição ao mundo, então, enfim, a oposição é sempre ao mundo em si. 
Enfim, uma hipótese, a ser em si identificada nos capítulos subsequentes, diz 
respeito justamente à posição que ocupa a religiosidade — e os resultados de tal 
religiosidade — no Ocidente e no pensamento nele e por ele constituído. Para isso, é 
interessante notar que, quando defende em sua tese de Livre Docência a posição de 
um “encantamento do mundo”, Antônio Flavio Pierucci (2013: 221) menciona, com 
entusiasmo, que tal questão comportaria a sua hipótese de que um “encantamento do 
mundo” não estaria “no alardeado ‘retorno do sagrado’, como andam dizendo, 
querendo e torcendo, quando não comemorando, tantos sociólogos religiosos da 
religião que conhecemos”. Para Pierucci — escrevia — “o locus da existência humana 
69
em que se esgueira uma possibilidade efetiva de encantar novamente o mundo não é 
a esfera religiosa, mas outra esfera cultural, ao mesmo tempo não religiosa e não 
racional: a esfera erótica”. Uma leitura atenta da Consideração Intermediária, 
contudo, foi capaz de corrigir os dois erros das formulações de Pierucci. O primeiro é 
compreender que, consequentemente, pelas inúmeras disposições neste trabalho 
apresentadas, um encantamento do mundo não é só improvável como plenamente 
impossível a partir da ideia de racionalização presente no Ocidente, seja a partir de 
qualquer manipulação dos deuses, ou ainda por qualquer esfera por e em si. O 
segundo — e ao mesmo tempo que ao estar em plena discordância com a ideia de um 
“retorno do sagrado” (que “queria”, “torcia” e “comemorava” os “sociólogos religiosos 
da religião”) — expressa justamente a plena discordância sobre um não-retorno desse 
mesmo estado sagrado-religioso. A questão, ao meu ver, é muito mais fundamental: 
não se trata do retorno ou não da posição sagrado-religiosa; e não se trata porque a 
posição sagrado-religiosa, pelo caráter constitutivo que se analisa, nunca foi embora, 
nunca se subtraiu dos fenômenos do contemporâneo, e por isso não precisaria 
retornar ou não. O ditado popular diria que o bode continua na sala! Mas deixemos 
esta discussão para outro momento. O fato teórico — e aqui importante de notar — é 
que a discussão pela qual se enveredava Pierucci era aquela que buscava produzir, 
enquanto uma resposta final, uma conclusão em si. Contudo, como anotou Weber na 
frase que é usada como epígrafe ao primeiro capítulo, qualquer interpretação que se 
valha da pretenção de ser uma “conclusão de pesquisa” e não uma “etapa preliminar” 
não serve à verdade histórica. A questão, neste momento, entretanto, é a de 
justamente concordar, também como menciona a epígrafe da introdução, que o 
homem moderno — e mesmo com a melhor das boas vontades — ainda não é capaz 
de “imaginar o efetivo alcance da significação que os conteúdos de consciência 
religiosos tiveram para a conduta de vida, a ‘cultura’ e o caráter de um povo”. Esta 
dissertação deve, assim, também como consideração intermediária, ser parte, e 
querer sê-lo, de uma etapa preliminar. Ademais — ao levar em consideração os dados 
de que até aqui dispomos —, como anota Giorgio Agamben (2009: 45) em certo 
momento, na hipótese de se poder definir a religião “como aquilo que subtrai coisas, 
lugares, animais ou pessoas do uso comum e as transfere a uma esfera separada”, 
então, há que se considerar também que, não apenas não há religião sem separação, 
como “toda separação contém ou conserva em si um núcleo genuinamente religioso”. 
70
Capítulo 2 
(Interregno) 
A questão de um tempo 
Um trabalho que se disponha intermediário, como este, parece exigir também 
algo que se apresente, neste momento, como um ponto intermediário, que seja um 
entremeio, uma transição, entre dois momentos. Nesse sentido, este que se apresenta 
como “interregno” servirá de interlúdio entre o que apresentamos como “o problema” 
e o que, como caminho, nos servirá no tocante “axialização”, ponto de ligação, eixo de 
compreensão deste trabalho e de outros que porventura vierem. Aqui é chegado o 
momento em que cabe mencionar, ainda que de forma não tão detalhada quanto 
necessário, os dados que causaram — a este que escreve — uma considerável 
surpresa, e que possibilitaram para esta dissertação a silhueta que aqui se apresenta. 
Em tais, é possível, para começo de conversa sobre as proposições aqui elaboradas, 
identificar um sem número de caminhos para análise, que podem, um dia, favorecer 
uma boa compreensão dos fenômenos sobre os quais nos debruçamos. Falo, como 
mencionado pelas páginas que esta dissertação introduzem, sobre a menção, por 
outros autores coetâneos a Max Weber, e sem referências entre uns e outros, das 
mesmas categorias e de suas mesmas características — pensadores que, diante do 
sentimento de um mundo não mais dotado de sentido, apontam os caminhos de saída 
por meio de categorias como arte e amor. Deparei-me pela primeira vez com a 
questão, a bem da verdade, por meroacidente, simples acaso ou talvez pura 
providência. Explico: para o ingresso no Programa de Antropologia Social do Museu 
Nacional, já no início do processo seletivo, é exigido que o candidato apresente uma 
pequena carta de apresentação, em que constem seus interesses e perspectivas. 
Naquela produzida por mim (Anexo 1), e que já contava com inúmeras menções a 
categorias weberianas que neste trabalho são desenvolvidas — apesar de este não ter 
sido meu interesse inicial de pesquisa —, incluía, ao final, palavras do artista plástico 
Tunga (1952 - 2016), a respeito de sua obra Olho por Olho. Na introdução ao livro-
catálogo escrevia o artista: “Um certo mal-estar contudo, mesmo que semiconsciente, 
pode advir de uma presa sob nosso olhar, em nossas mãos, a lembrar que ali está 
parte de um cadáver. Nem sempre foi assim”. Na missiva de junho de 2019, que já 1
contava com um certo número de lamentos sobre a situação político-social que vivia o 
país, eu, em memória do incêndio que vitimara o Museu Nacional, lembrava: “A 
antropologia é incendiária. / Nem sempre foi assim”. 
Contudo, embora tivesse acompanhado a expressão com grande entusiasmo, 
só meses depois atentei para os componentes e problemas dos conceitos que ela 
inseria. Tunga mencionava, ao explicar um dente já extraído de sua boca originária, 
que “um certo mal-estar”, “mesmo que semiconsciente”, adviria de tal situação. Ora, 
sabemos todos — e muito bem —, que não é possível falar em mal-estar e 
semiconsciência sem sermos, imediatamente, remetidos uma das mais famosas obras 
de Sigmund Freud: O Mal-Estar na Civilização. E era preciso assumir: embora já a 
tivesse em duas edições na minha biblioteca pessoal, até aquele momento eu não 
havia sequer dado atenção às palavras do pai da psicanálise. Era preciso que o texto 
fosse devidamente lido, mesmo que apenas por curiosidade e sem os conhecimentos 
que, ainda imagino, são necessários para sua real compreensão. Naquele momento — 
e eu que já me dispunha a compreender a questão do então “re/encantamento do 
mundo” na obra de Max Weber, e da posição de tal autor diante do sentimento entre 
amantes e sobre a arte — as palavras de Freud vieram como considerável iluminação. 
Com os apontamentos que só vieram à luz no decorrer deste trabalho, a surpresa, a 
seu momento, só pôde aumentar. Pois bem. Freud (cf. 2011) — ao discutir a condição 
da religião nos grupos humanos, chamada por ele de “ilusão”, e ao mencionar um 
diálogo que tivera com um amigo de disposição religiosa — menciona um sentimento, 
que ele próprio se diz incapaz de sentir e explicar comum para o homem religioso: 
sentimento apresentado, pelo interlocutor, como “fonte da religiosidade”, “um 
 Diz o trecho integral: “Todos nos lembramos, bem ou mal de uma dor de dente. / A 1
nevralgia parece nos remeter a uma regra básica na existência dentária: que eles, quando 
doloridos, somos nós. / É de se notar a parca presença dos dentes na mitografia atual. Se 
existe grande atenção aos sucedâneos ou, na profilaxia relativa ao tema, pouco se pode 
apreciar naquilo que evocativo ou de simbólico os humanos dentes suscitam. / Prosaicas 
visitas ao dentista não se fazem cercar por ritos especiais, além do pânico à dor, aludindo-se 
assim a forte carga simbólica que podem representar. As poucas referências que ainda 
subsistem quanto aos sonhos ou experiências infantis de perda são tratadas como cândidas 
crendices, superstições ou contos pueris dos quais o lastro de matrizes simbólicas 
importantes foi olvidado. / Um certo mal-estar contudo, mesmo que semiconsciente, pode 
advir de uma presa sob nosso olhar, em nossas mãos a lembrar-nos que ali está parte de um 
cadáver. / Nem sempre foi assim”. (Cf. Tunga, 2007)
72
sentimento que ele gostaria de denominar sensação de ‘eternidade’, um sentimento 
de algo ilimitado, sem barreiras, como que ‘oceânico’” (Freud, 2011: 7), um 
sentimento, diz mais à frente (ibid.: 8), “de vinculação indissolúvel, de comunhão 
com todo o mundo exterior”. Para Freud, tal disposição seria deveras difícil de ser 
explicada, uma vez que, como indica, “nada nos é mais seguro do que o sentimento de 
nós mesmos, de nosso Eu”, que “nos aparece como autônomo, unitário, bem 
demarcado de tudo mais”. Aparência esta, adverte-nos, que é enganosa, fachada do 
que anota como Id, embora “ao menos para fora o Eu parece manter limites claros e 
precisos”. A situação, escreve Freud, só seria diferente “num estado — por certo 
extraordinário, mas que não pode ser condenado ao patológico”: “No auge do 
enamoramento, a fronteira entre Eu e objeto ameaça desaparecer. Ao contrariar o 
testemunho dos sentidos, o enamorado afirma que Eu e Tu são um, e está preparado 
para agir como se assim o fosse”. Que bela surpresa! Freud, em seu ensaio seminal, 
parecia repetir as palavras que aqui já transcrevemos: de uma relação capaz de 
proporcionar “a comunicação direta entre as almas das pessoas”, naquela 
“possibilidade de uma comunhão, que é sentida como plena fusão unificadora, como 
um desvanecimento do ‘tu’”, como escreveu Weber. 
Mas não só — e aqui é preciso organizar as inúmeras menções inclusas no 
trabalho freudiano. Façamos tal esforço. Na obra, Freud lembra que a patologia pode, 
muitas vezes, apresentar “um grande número de estados que a delimitação do Eu 
ante o mundo externo se torna problemática, ou os limites são traçados 
incorretamente”. Exemplifica o autor: “casos em que partes do próprio corpo, e 
componentes da própria vida psíquica, percepções, pensamentos, afetos, nos surgem 
como alheios e não pertencentes ao Eu”, ou ainda outros “em que se atribui ao 
mundo externo o que evidentemente surgiu do Eu e deveria ser reconhecido por ele” 
(Freud, 2011: 9), demonstrando — disserta — que “também o sentimento do Eu está 
sujeito a transtornos, e as fronteiras do Eu não são permanentes” (ibid.: 10). Tal 
sentimento de um Eu para o adulto, contudo — e alerta o autor — “não pode ter sido o 
mesmo desde o princípio”, passando, para tanto, por uma “evolução” que “não pode 
ser demonstrada, mas que podemos construir com um certo grau de probabilidade” 
(loc. cit.). O desenvolvimento da pessoa, diz no ensaio, vai, no transcorrer dos anos e 
das experiências, contrapor o Eu ao “fora” por meio do “objeto”. Um dos incentivos 
para isso, exemplifica Freud, seria dado por meio das “frequentes, variadas, 
73
inevitáveis sensações de dor e desprazer que, em sua ilimitada vigência, o princípio 
do prazer busca eliminar”, ao fazer surgir, assim e portanto, “a tendência a isolar do 
Eu tudo o que pode tornar fonte de tal desprazer”, a formar “um puro Eu-de-prazer” 
que se opõe “um desconhecido, ameaçador ‘fora’”. Por conta disso, lembra o autor, 
“algumas coisas a que não se gostaria de renunciar, por darem prazer, não são Eu, são 
objeto, e alguns tormentos que se pretende expulsar revelam-se como inseparáveis do 
Eu, de procedência interna” (ibid.: 10 - 11). Nesse sentido, assim, diz mais à frente, “o 
Eu se desliga do mundo externo. Ou, mais corretamente: no início o Eu abarca tudo, 
depois separa de ti um mundo externo”.: “Nosso atual sentimento do Eu é, portanto, 
apenas o vestígio atrofiado de um sentimento muito mais abrangente — sim, todo-
abrangente —, que correspondia a uma mais íntima ligação do Eu com o mundo em 
torno”. Dessa forma, continua, se lícita fosse a suposição de que tal sentimento 
primário do Eu fosse conservado na vida psíquica de alguns homens, “então ele 
ficaria ao dado do mais estreito e mais nitidamente limitado sentimento do Eu da 
época madura, como uma espécie de contraparte dele”, onde os “seus conteúdos 
ideativos seriam justamente os da ausência de limite e da ligação com o todo, os 
mesmos com que meu amigo ilustra como sentimento ‘oceânico’” (ibid.: 11). 
É assim que Freud (2011: 15) continua sua dedicação a entender tal 
sentimento religioso, ainda que sem o “ouvido musical” para tanto, como assume — 
aindaque em outros termos. Dessa forma, questiona: se dispostos a reconhecer em 
muitos homens um sentimento do tipo “oceânico”, “que direito tem esse sentimento 
de ser visto como a fonte das necessidades religiosas?”. Para o autor — e respondendo 
— tal direito não seria de um tudo seguro, uma vez que “um sentimento pode ser uma 
fonte de energia apenas quando é ele mesmo expressão forte de uma necessidade”, de 
onde um “desamparo infantil” poderia dar suas devidas razões, na opinião de Freud. 
Contudo, se não como fonte, tal sentimento, para o psicanalista, poderia ter se 
vinculado à religião posteriormente: “este ser-um com o universo, que é seu conteúdo 
ideativo, apresenta-se-nos como uma tentativa de consolação religiosa, como um 
outro caminho para negar o perigo que o Eu percebe a ameaçá-lo do mundo exterior”. 
Em outra interlocução apresentada no ensaio, Freud (2011: 16) indica ainda outras 
experiências capazes de tal sentimento, como as práticas de ioga, a tentativa de 
afastamento do mundo exterior, a fixação da atenção nas funções corporais e seus 
métodos de respiração que, enfim, poderiam “realmente despertar em si novas 
74
sensações e sentimentos de universalidade, que ele aprende como regressões a 
estados arcaicos da vida psíquica, há muito tempo cobertos”. Nesse ponto, assim, 
Freud aponta o que na visão de seu interlocutor é “um fundamento fisiológico, por 
assim dizer, de muitas sabedorias da mística, oferecendo nexos com obscuras 
modificações da vida psíquica, como o transe e o êxtase”. No mais, e ao continuar sua 
tentativa de compreensão, o autor (ibid.: 17) assume que em O futuro de uma ilusão 
estava menos preocupado com as fontes profundas do sentimento religioso “do que 
naquilo que o homem comum entende como sua religião, o sistema de doutrinas e 
promessas”, que de um lado, lembra, “lhe esclarece os enigmas deste mundo com 
invejável perfeição, e de outro lhe garante que uma solícita Providência velará por sua 
vida e compensará numa outra existência as eventuais frustrações desta”. A religião, 
assim, estaria para o homem comum como intermeio, expressa, nas palavras de 
Goethe (apud. ibid.: 18), da seguinte forma: “Quem tem ciência e arte, / tem também 
religião; Quem essas duas não tem, / esse que tenha religião!”. A frase exprimiria, nos 
termos de Freud, aquela oposição da religião “às duas maiores realizações do ser 
humano”, ao mesmo tempo em que a religião pudesse “representar ou substituir 
ambas, no que toca ao valor para a vida” (loc. cit.). 
É ao ter dito isso que Freud vai assumir que, de fato, “a vida, tal como nos 
coube, é muito difícil para nós, traz demasiadas dores, decepções, tarefas insolúveis”, 
e para suportá-la, necessários seriam “paliativos”, tais como aqueles que o homem 
religioso toma para si, mas de substâncias um tanto ou quanto distintas. Segundo 
Freud (cf. loc. cit.), haveria, então, alguns recursos para tanto: “poderosas diversões, 
que nos permitem fazer pouco de nossa miséria”, “gratificações substitutivas, que a 
diminuem” e “substâncias inebriantes, que nos tornam insensíveis a ela”. Todas essas 
distrações — anota o autor — não têm em si um lugar religioso, mas respondem 
também à questão da finalidade da vida humana. Quanto a isso, e ao negar aquele 
princípio que diria que sem finalidade a vida não valeria, Freud indica que, de fato, 
“apenas a religião sabe responder à questão sobre a finalidade da vida” e que 
“dificilmente erramos, ao concluir que a ideia de uma finalidade na vida existe em 
função do sistema religioso”. É tal posição que permite ao autor (Freud, 2011: 19) 
passar “à questão menos ambiciosa: o que revela a própria conduta dos homens 
acerca da finalidade e intenção de sua vida, o que pedem eles da vida e desejam nela 
alcançar?”, respondendo — e ao alegar facilidade para tal — que as pessoas “buscam a 
75
felicidade, querem se tornar e permanecer felizes”, busca tal que — aponta — tem 
dois lados: “uma meta positiva e uma negativa; quer a ausência de dor e desprazer e, 
por outro lado, a vivência de fortes prazeres”, onde, “no sentido mais estrito da 
palavra, ‘felicidade’ se refere apenas à segunda”. Seria, assim, o programa do 
princípio do prazer que estabeleceria a finalidade da vida (cf. ibid.: 20). Tal princípio 
dominaria o “aparelho psíquico” desde o começo, assim como “não há dúvidas quanto 
a sua adequação, mas seu programa está em desacordo com o mundo inteiro, tanto o 
macrocosmo como o microcosmo”. Dessa forma, continua (loc. cit.), “é 
absolutamente inexequível, todo o arranjo do Universo o contraria”, dado que “a 
intenção de que o homem seja ‘feliz’ não se acha no plano da ‘Criação’”, e uma vez que 
— anota — “aquilo que chamamos ‘felicidade’, no sentido mais estrito, vem da 
satisfação repentina de necessidades altamente represadas, e por sua natureza é 
possível apenas como fenômeno episódico”. Contudo — deixa às claras — se a 
felicidade é fenômeno episódico, não se pode dizer o mesmo da infelicidade. O sofrer, 
diz Freud (loc. cit.), nos ameaça de três lados: “do próprio corpo, que, fadado ao 
declínio e à dissolução, não pode sequer dispensar a dor e o medo, como sinais de 
advertência”, “do mundo externo, que pode se abater sobre nós com forças 
poderosíssimas, inexoráveis, destruidoras”, e, enfim, aquele que talvez seja fonte do 
sofrimento mais doloroso que pode o homem experimentar: as “relações com os 
outros seres humanos”. 
Freud (ibid.: 21) lembra que, diante das possibilidades de sofrimento, poder-
se-ia dizer que “a satisfação irrestrita de todas as necessidades se apresenta como a 
maneira mais tentadora de conduzir a vida, mas significa pôr o gozo à frente da 
cautela, trazendo logo o seu próprio castigo”. De igual forma, indica, “os métodos 
mais interessantes para prevenir o sofrimento são aqueles que tentam influir no 
próprio organismo”, dado que “todo sofrimento é apenas sensação, existe somente na 
medida em que sentimos, e nós o sentimos em virtude de certos arranjos de nosso 
organismo”. Por isso mesmo, aponta, “o método mais cru, mas também mais eficaz 
de exercer tal influência é o químico, a intoxicação”. Neste primeiro método, 
substâncias de fora do corpo que, “uma vez presentes no sangue e nos tecidos”, 
produziriam “sensações imediatas de prazer” e também mudariam “de tal forma as 
condições de nossa sensibilidade, que nos tornamos incapazes de acolher impulsos 
desprazerosos”. A característica negativa seria, justamente, seu perigo e nocividade 
76
(cf. ibid.: 22). Outra possibilidade — e que agora condiz em número e grau com aquilo 
que já vimos no capítulo anterior — se daria a partir da ajuda daquela “sublimação 
dos instintos”, através do ganho do prazer “a partir das fontes de trabalho psíquico e 
intelectual”, quando “o destino não pode fazer muito contra o indivíduo”: “a 
satisfação desse gênero, como a alegria do artista no criar, ao dar corpo às suas 
fantasias, a alegria do pesquisador na solução de problemas e na apreensão da 
verdade, tem uma qualidade especial” (ibid.: 23). A fraqueza do método estaria 
justamente, e por sua vez, na impossibilidade de aplicação geral, “no fato de poucos 
lhe terem acesso” (ibid.: 24). Nesse nível está, assim, a própria fruição das obras de 
arte, “que por intermédio do artista se torna acessível também aos que não são eles 
mesmos criadores”. De toda forma, “quem é receptivo à influência da arte nunca a 
estima demasiadamente como fonte de prazer e consolo para a vida”., onde por sua 
vez, “a suave narcose que nos induz a arte não consegue produzir mais que um 
passageiro alheamento às durezas da vida, não sendo forte o bastante para fazer 
esquecer a miséria real” (ibid. 25). 
Para além disso, diz o autor (cf. ibid. 25ss), mais enérgico e mais radical é 
justamente um outro procedimento “que enxerga na realidade o único inimigo, a 
fonte de todo sofrimento, com a qual é impossível viver e com a qual, portanto,devem-se romper todos os laços, para ser feliz em algum sentido”. Pode a isso o 
eremita ao dar as costas ao mundo, ou o indivíduo que procura refazê-lo de outra 
forma, tornando-se um louco em delírio, embora acrescente que cada um de nós, “em 
algum ponto, age de modo semelhante ao paranóico, corrigindo algum traço 
inaceitável do mundo de acordo com seu desejo e inscrevendo esse delírio na 
realidade”. Mas a forma por excelência do escape do sofrimento para o autor, 
contudo, está justamente naquele procedimento que ele mesmo denomina de “arte de 
viver”, uma técnica que, a seu momento, se distingue “pela combinação muito 
peculiar de características diversas”. Segundo Freud (cf. ibidem: 26), esta técnica não 
é outra coisa senão aquela “orientação de vida que tem o amor como centro, que 
espera toda satisfação do amar e ser amado”. E uma das formas da manifestação de 
tal amor, o amor sexual, completa o autor, “nos proporcionou a mais forte 
experiência de uma sensação de prazer avassaladora, dando-nos assim o modelo para 
nossa busca da felicidade”. Contudo, aponta, “nunca estamos mais desprotegidos 
ante o sofrimento do que quando amamos, nunca mais desamparadamente infelizes 
77
do que quando perdemos o objeto amado ou seu amor”, o que, por si só, completa, 
não encerra esse tema da técnica de vida baseada no valor de felicidade do amor. De 
certa forma, assim, “a felicidade na vida é buscada sobretudo no gozo da beleza, onde 
quer que ela se mostre a nossos sentidos e nosso julgamento, a beleza das formas e 
dos gestos humanos, de objetos naturais e de paisagens, de criações artísticas e 
mesmo científicas”. Essa fruição da beleza, assim, apesar de não fornecer “muita 
proteção contra a ameaça do sofrer”, compensa muito dele, diz. Tal fruição, de 
“qualidade sensorial peculiar, suavemente inebriante”, não conta com “utilidade 
evidente”, aponta. Tampouco se nota “uma clara necessidade cultural para ela; no 
entanto, a civilização não poderia dispensá-la”. No campo do amor — anota — e no 
terreno das sensações sexuais, “beleza” e “atração” correspondem e são 
características do objeto sexual (cf. ibid.: 27). 
Interessa-nos agora, ainda que a passos largos, identificar também em Freud 
aqueles dados que nos ajudam a compreender, quando não simplesmente a 
corroborar, as hipóteses que estamos a elencar ao longo deste trabalho. Creio que a 
grande questão do autor seja aquela em que exprime no mesmo texto: “de que nos 
vale uma vida mais longa, se ela for penosa, pobre em alegrias e tão plena de dores 
que só poderemos saudar a morte como uma redenção?” (ibid.: 33) Ou seja, a questão 
que se coloca para o autor é a de questionar, diante de um mundo fonte de 
desprazeres, uma redenção que seja aspirada apenas a partir da morte, para um outro 
mundo. E a relação religiosa, que dá impulso a discussão, não para no que vimos. O 
homem, diz Freud (2011: 36), surgiu tão somente como um “fraco animal”. Só depois, 
lembra, formou uma concepção de onipotência e onisciência que fôra corporificada a 
seus deuses, deuses esses a que era atribuído “tudo que parecia inatingível para seus 
desejos — ou o que lhe era proibido”; os deuses seriam, assim, diz o autor, “ideais 
culturais”. Contudo, com o desenvolvimento levado a cabo, o homem “aproximou-se 
bastante desse ideal, tornou-se ele próprio quase um deus”, apenas na medida em 
que os ideais costumam ser alcançados, “não inteiramente, em alguns pontos de 
modo algum, em outros somente em parte”: “o ser humano tornou-se um deus 
protético, realmente admirável quando coloca todos os seus órgãos auxiliares; mas 
estes não cresceram com ele, e ocasionalmente lhe dão ainda muito trabalho”. O 
tempo — dizia Freud nas palavras que datam 1930 —, ainda se encarregaria de 
aumentar no homem sua semelhança com Deus: “mas não devemos esquecer, no 
78
interesse de nossa investigação, que o homem de hoje não se sente feliz com esta 
semelhança” 
De tudo isso, um ponto ainda deve ser anotado — com o que imagino ser um 
cuidado especial: o da especial responsabilidade do que ele chama de “sublimação 
dos instintos”, e que no capítulo anterior, também contou com a devida atenção; 
tratando, aqui, como “um traço bastante saliente da evolução cultural”, que “torna 
possível que atividades psíquicas mais elevadas, científicas, artísticas, ideológicas, 
tenham papel tão significativo na vida civilizada” (Freud, 2011: 42). Se em Weber tal 
característica se dispunha como essencial para o que entendemos como 
autonomização das esferas, e seus respectivos desenvolvimentos, aqui a questão não é 
muito diferente. A sublimação apresentada teria sido, ainda, capaz de indicar ao 
“homem primitivo” a descoberta “que estava em suas mãos — literalmente — 
melhorar sua sorte na terra diante o trabalho”, além de tê-lo deixado indiferente ao 
fato de “alguém trabalhar com ele ou contra ele”. A organização de uma vida social, 
de uma vida humana em comum, assim, na hipótese de Freud, teria permitido, por 
conseguinte, que se formasse um duplo fundamento: “a compulsão ao trabalho, 
criada pela necessidade externa, e o poder do amor, que no caso do homem não 
dispensava o objeto sexual, a mulher, e no caso da mulher não dispensava o que saía 
dela mesma, a criança”. A questão, de toda forma, assim, é a de justamente 
reconhecer, a partir de certo ponto, e de uma intensificação da sublimação, a tensão, 
que Freud trata de também comentar, entre a cultura e o amor em si (cf. ibid. 45, 46). 
O que aqui nos interessa, sobretudo, é justamente o reconhecimento, por parte do 
autor, que, diante do apresentado, e em concordância com o que vimos até então, “no 
auge de uma relação amorosa não há interesse algum pelo resto do mundo; o par 
amoroso basta a si mesmo, não precisa sequer de um filho para ser feliz”, e ainda, 
“em nenhum outro caso Eros revela tão claramente no âmago do seu ser, o propósito 
de vários em um, mas quando — como é proverbial — alcança isso no amor entre dois 
seres humanos, não admite ir além” (ibid.: 53). Dessa maneira, a dependência de um 
ao outro — e o mal em si — bem exprimidos seriam, então, no próprio medo da perda 
do amor. Para o autor, se “se perde o amor do outro, do qual é dependente, deixa 
também de ser protegido contra perigos diversos, sobretudo expõe-se ao perigo de 
que esse alguém tão poderoso lhe demonstre a superioridade em forma de castigo” 
(ibid.: 70). 
79
Tal condição de dependência e tal medo, por sua vez, não encontrariam total 
correspondência em outra forma de amor, que, pelo bem de nossos objetivos, deve 
ser aqui anotada. Freud menciona, como vimos, que a descoberta do amor sexual, 
propriamente genital, proporciona ao indivíduo “as mais fortes vivências de 
satisfação, dá-lhe realmente o protótipo de toda felicidade, deve tê-lo feito continuar 
a busca da satisfação vital no terreno das relações sexuais, colocando o erotismo 
genital no centro da vida”, mas que, outra vez, “fica exposto ao sofrimento máximo 
quando é por este desprezado ou perde graças à morte ou à infidelidade” (cf. ibid.: 
46). Contudo, diz, uma pequena minoria pode também achar a felicidade pela via do 
amor, mas independente da “concordância do objeto”: “ao deslocar o peso maior de 
ser amado para amar; elas protegem-se da perda do objeto, ao voltar seu amor 
igualmente para todos os indivíduos, e não para objetos isolados; e evitam oscilações 
e decepções do amor genital afastando-se da meta deste”. Esses, diz Freud, 
“transformam o instinto em um impulso inibido na meta”. Produzem em si, indica, 
“um estado de sentimento uniforme, terno, estável”, que “já não tem muita 
semelhança exterior com a vida amorosa genital, tempestuosamente agitada, de que 
no entanto deriva”. É a concepção ética que enxerga o “amor universal aos homens e 
ao mundo a mais excelsa atitude a que pode chegar o ser humano” e cuja utilização 
para o sentimento interior de felicidade tem seu exemplo,“[n]aquele que mais 
avançou” em tal sentido, Francisco de Assis, segundo o mesmo Freud (cf. ibid.: 47). O 
problema desse, segundo o mesmo autor, é justamente o de que “um amor que não 
escolhe parece-nos perder uma parte de seu valor, ao cometer a injustiça com o 
objeto. Além disso, nem todos os homens são dignos de amor” (cf. loc. cit.), em exata 
concordância com a crítica do acosmismo de amor sem objeto do próprio Weber. 
Mas se minha surpresa já era grande com a correspondência entre as 
palavras de Weber e Freud, então ela só pôde aumentar na medida em que, com o 
decorrer dos meses — e na grande maioria das vezes também de forma devida ao 
acaso —, outros autores, e todos coetâneos, compartilhavam das mesmíssimas 
impressões. O primeiro deles, em sequência, era o próprio Friedrich Nietzsche, 2
 Aqui é preciso mencionar que a surpresa pessoal não considerava, àquele momento, uma 2
condição especificamente filosófica em que poderiam ser incluídos alguns dos autores que 
vemos neste trabalho. Pontualmente, no aqui se discute, não consideraremos ou 
interpretaremos, para a compreensão, as razões per se de tais posições por certo particulares. 
O que é necessário apreender, portanto — como anotado está —, é o eco que o pensamento 
desses dava a uma interpretação de mundo — e de homem “no” e “ante” um “mundo”.
80
naqueles textos que estavam inclusos nos ementários dos cursos em que fui aluno, 
especialmente o oferecido pelo meu orientador, Luiz Fernando Dias Duarte. Nas 
próprias Considerações Intempestivas, dizia Nietzsche (cf. 1977: 163) diante de 
desconfortos que aqui anotaremos, “o homem só pode criar no amor, envolvido na 
ilusão amorosa, isto é, na crença absoluta na perfeição e na justiça”; e, se obrigado a 
“renunciar ao absoluto do seu amor” — lembra — “cortam-lhe as raízes do seu vigor, 
ele seca, perde sua probidade”, como vimos já na Introdução. A seu momento — 
resumo — a ação da arte seria o exato contrário da ação da história. Para ele, “é só 
quando a história pode ser transformada em obra de arte, portanto em pura criação 
de arte, que ela pode conservar e até despertar instintos” (ibid.: 166). 
Interessante lembrar que, no texto nietzschiano, uma “inconveniência” da 
história não era outra senão aquela compreensão do autor de que esta, a história, 
capaz seria de “extirpar os mais vigorosos instintos da juventude: o ardor, a 
insolência, a dedicação e o amor”, ao tirar dessa mesma juventude “seu mais belo 
privilégio. Isto é — diz — a energia com que essa juventude, no excesso de sua fé, 
implanta em si um grande pensamento, a fim de fazer crescer no seu seio um 
pensamento ainda maior” (cf. ibid.: 193). Em Nietzsche, as posições que vemos, 
então, incorporam a inconstância da perspectiva da falta de sentido daquela vida 
historicamente organizada, assim como da própria necessidade de sua superação — 
como estamos aqui a compreender: “eis-nos no fim! Nós somos o fim! Nós somos a 
natureza em sua perfeição!”; “Europeu loucamente orgulhoso do século XIX, tu 
deliras. […] ao subires pelos raios do sol do teu conhecimento, elevas-te ao céu, mas 
desces também para o caos” — exclama uma de suas frases (cf. ibid.: 182). 
Entretanto, o que deve saltar aos olhos neste momento é justamente a posição e 
espera daqueles que o autor chama de “velhos decrépitos, sem dentes, sem gosto”, 
agentes que “só permite[m] ao homem que aja e sinta historicamente”: para esses — 
escreve — “a vontade” e “o objetivo” “só pode ser a redenção do mundo”. A “redenção 
do mundo” seria, então, o fim (a finalidade) do “‘completo abandono da 
personalidade ao processo universal’” (cf. ibid.: 191 - 192). 
Ainda sobre o desconforto: em considerável lembrança do que entendemos 
até então como “cansaço” (em oposição à “saciedade”) da vida, Nietzsche anota 
forçosamente o que ele denomina de vida “histórica”. Em síntese, ao convidar o leitor 
a observar um rebanho que pasta, ou ainda uma criança que brinca (cf. ibid.: 104 ss), 
81
o autor menciona o que, nesses, seria, em si, uma “feliz cegueira”. Distantes das 
“barreiras do passado e do futuro” e das necessidades de “dissimular” — quando “não 
esconde nada e mostra-se tal qual é a cada instante”, bem quando “só pode ser 
sincero” — as cenas exprimiriam o homem — que “defende-se do peso 
progressivamente mais pesado do passado, que o esmaga ou o desvia, que torna 
pesada a sua caminhada como um invisível fardo de trevas” — suas definitivas 
mazelas. Da mesma forma, ao homem — como à criança quando retirada de seu 
estado original — compreender-se-ia, pela lembrança, a fórmula que atrai “a luta, a 
dor e a saciedade e que lhe recorda que a sua existência não é senão um imperfeito 
que nunca se há-de completar”, encerrada somente pela morte que, ao trazer “o 
esquecimento desejado, rouba-nos simultaneamente o presente e a existência e põe o 
selo definitivo sobre esta verdade, que ser não passa de um ter sido ininterrupto, uma 
coisa que vive de se negar e de se consumir, de se contradizer a si própria”. 
Compreende-se de tal condição que o ser humano se valeria, então, de uma busca que 
já vimos nas linhas que a estes parágrafos antecedem: uma busca — e uma 
necessidade — do que o próprio chama de “felicidade”, sentimento que “mantém em 
vida o ser vivo e o estimula a viver”, e que, no que escreve, é “a possibilidade de 
esquecer ou, para dizer em termos mais científicos, a faculdade de nos sentirmos 
momentaneamente fora da história” (Nietzsche, 1977: 106 - 107). Isso — anota-se — 
muito embora seja pela faculdade de “fazer servir o passado à vida e de refazer a 
história com passado, que o homem se torna homem” (ibid.: 110) Ou seja, apesar da 
crítica à “redenção do mundo” dos “velhos decrépitos”, Nietzsche parece indicar, 
pelas categorias que aqui buscamos compreender, também uma redenção, mas — e 
como outrora observado — uma redenção que seja válida ainda para este mundo. 
Comprovação disso encontramos não muito longe, senão nos seus escritos de 
1881, especificamente em O Nascimento da Tragédia. No mesmo trabalho em que 
aponta que a arte seria “a tarefa suprema e a atividade propriamente metafísica desta 
vida” (Nietzsche, 1992: 26) — e em meio ao esforço de conceituação daquilo que, por 
exemplo, ele denomina de “arte apolínea” (a do “figurador plástico”) e “arte dionísica” 
(a não-figurada, da música) —, o autor vai lembrar interessante aspecto, em 
referência aos gregos: “ele é salvo pela arte, e através da arte salva-se nele — a vida” 
(cf. ibid.: 55). No contexto analisado pelo autor, escreve, “o homem civilizado grego 
sente-se suspenso em presença do coro satírico”, onde “o efeito mais imediato da 
82
tragédia dionisíaca é que o Estado e a sociedade, sobretudo o abismo entre um 
homem e outro, dão lugar a um superpotente sentimento de unidade que reconduz ao 
coração da natureza”. A arte, consolo metafísico, indicaria — vejamos — que “a vida, 
no fundo das coisas, apesar de toda a mudança das aparências fenomenais, é 
indestrutivelmente poderosa e cheia de alegria”. Nela estaria o reconforto helênico, 
“com o seu profundo sentido das coisas”, “tão singularmente apto ao mais terno e ao 
mais pesado sofrimento, ele que mirou com olhar cortante bem no meio da terrível 
ação destrutiva da assim chamada história universal, assim como da crueldade da 
natureza” (loc. cit.). De igual maneira, continua, o êxtase provocado pelo estado 
dionisíaco, “com sua aniquilação das usuais barreiras e limites da existência”, 
conteria, em si — e enquanto dura — “um elemento letárgico no qual imerge toda 
vivência pessoal do passado. Assim se separam um do outro, através desse abismo do 
esquecimento, o mundo da realidade cotidiana e o da dionisíaca”. Nem preciso é, 
convenhamos, nessas afirmações, identificarmos a mesma redenção, e nos seus 
mesmos termos, tampouco o sentimento buscado, provocado e conquistado no 
sentido que neste trabalho tentamos compreender.Entretanto — em apanhado — nosso autor, não somente produz uma crítica 
realmente notável à condição humana em si, como à própria ideia de uma salvação 
deveras transcendente, aquela que, diz, é posicionada pelos ditos “velhos decrépitos, 
sem dentes, sem gosto”. Advertidamente, e quando diante de sua análise do mundo 
helênico, é que podemos, com a força de suas palavras, compreender a sensação de 
redenção no âmbito terreno — a partir da possibilidade de “esquecer” — conseguida 
nas formas gregas que ele anota. Igualmente, importa-nos ressaltar, que se 
mencionamos a “redenção” em si, é preciso apenas lembrar que o “encantamento”, 
quando anunciado, e segundo adverte o próprio Nietzsche, está relacionado, então, 
de igual forma, tão somente a uma experiência que — poderíamos outra vez dizer — 
“de primeira pessoa”. Um certo e dito encantamento, menciona Nietzsche (1992: 60), 
se “pressuposto de toda arte dramática”, querer-se-ia dizer — por bem da verdade — 
que “o entusiasta dionisíaco se vê a si mesmo como sátiro e como sátiro por sua vez 
contempla o deus, isto é, em sua metamorfose ele vê fora de si uma nova visão, que é 
a ultimação apolínea de sua condição”. Outra vez, é possível dizer em análise inicial, 
que estamos diante — ao considerar as palavras do autor — de uma relação 
certamente de condição dupla. 
83
Por fim, também no autor, é possível identificar tal condição, pois, de 
“esquecer-se”, atrelada diretamente ao sentimento amoroso — quiçá erótico. 
Especificamente, isso se dá quando encontramos mais uma afirmação que nos parece 
bastante conhecida e cara — correspondendo, portanto, às indicações que anotamos. 
Nietzsche (2008, op: 37), menciona o que denomina — veja — de “engano no amor”. 
Segundo ele escreve — e sem ser possível aqui uma melhor compreensão — 
“esquecemos muitas coisas de nosso passado e as tiramos intencionalmente da 
cabeça: isto é, queremos que nossa imagem, que desde o passado nos clareia, nos 
engane, lisonjeei nossa presunção”, num contínuo trabalho de auto-engano, adverte. 
É nesse sentido que questiona Nietzsche: “e agora vocês, que tanto falam e louvam o 
‘esquecer-se de si mesmo no amor’, a ‘dissolução do Eu no outro’, acham que isso é 
algo essencialmente distinto?”. Conforme o autor — são nessas condições, diz —, 
então, como em outras condições possíveis que também vimos, que “quebramos o 
espelho, transpomo-nos para uma pessoa que admiramos e fruímos a nova imagem 
de nosso Eu, embora já o chamemos pelo nome da outra pessoa”. 
Em síntese final para este capítulo. 
De fato sinto-me incapaz de comentar todas as referências devidas que os 
autores poderiam estar a fazer nos textos, dado que o esforço despendido para este 
trabalho é mesmo limitado pela sua condição. Contudo, necessário é que notemos, 
neste ponto, a mesma aproximação que buscamos até aqui, isto é, a identificação e 
irradiação esperada a partir da Consideração Intermediária. Vemos que, com as 
variações esperadas — embora não muitas —, uma constante tanto com relação ao 
desconforto impresso nas palavras dos autores, quanto às respostas para tal, é 
deveras existente. A mesma constante, embora não se apresente em mais amostras 
nesta dissertação, apresenta-se também, e de formas similares, em autores diversos, 
como Goethe e Schopenhauer, por exemplo. Desse último — e por ter mencionado a 
construção nietzscheana dele provinda — não é possível seguir sem mencionar a 
condição especial que toma o amor e a arte na direta luta contra e na superação do 
racional, nos mesmos moldes do que vimos até agora. Se o desejo, diz Schopenhauer 
(cf. 2018), nasce de uma necessidade, de uma privação, de um sofrimento, é 
justamente por meio das forças intramundanas da vida — que aqui nos deparamos — 
que se proporcionaria, pela arte, aquela “visão rápida e passageira de um paraíso 
familiar e inacessível ao mesmo tempo” e, pelo amor, aquela tensão na representação 
84
inigualável comparada à traição. Ademais, as condições que anotamos já dão a noção 
de que catalogar todas as indicações, bem como as suas implicações, exigiria um 
esforço não menos que hercúleo. Por isso, aqui, e mais uma vez, é preciso dizer que 
esse não é o interesse deste trabalho, senão o de — ao considerá-los — tomá-los para 
a compreensão comparativa do próprio Ocidente moderno — e comparativa por 
excelência. A intenção — e a intenção antropológica — portanto, é a de estabelecer 
hipóteses úteis para o esforço mais geral da disciplina como um todo. 
Pudemos aqui enumerar, ao partir de posições teóricas dispostas por Freud e 
Nietzsche — embora muitos outros, como o próprio Schopenhauer, já o tivessem feito 
anteriormente — considerações que — vimos — estão em perfeita harmonia com o 
que dispôs Max Weber em seu momento. Interessante notar, ademais, que, de 
maneira geral, há apenas uma condição que parece ser definitivamente distinta, mas 
que não o é. Ou seja, enquanto para Freud o homem esclarecido capaz seria de extrair 
prazer daquelas fontes de trabalho psíquico e intelectual, quando — segundo 
anotamos — o destino não seria capaz de fazer muito contra o indivíduo, em Weber a 
afirmação daquele domínio do conhecimento reflexivo teria levado a cabo o próprio 
desencantamento do mundo. Para o homem cultivado em Weber — vimos —, essa 
necessidade de redenção indicaria a ideia de uma aflição íntima, de um mundo onde 
as coisas “são” e “acontecem”, mas nada “significam”. Contudo, Freud parece indicar 
a mesma posição, nos termos em que a vimos, quando indica a condição do homem 
moderno enquanto um “deus protético”. A solução para a variação se dá no ponto em 
que essa disposição do trabalho intelectual é mencionada, em Freud, enquanto uma 
forma de criar sendo equivalente, portanto, à alegria do artista. No mais — e se assim 
superada essa contradição — convém, enfim, apenas mencionar para esta dissertação, 
que o constante confronto mostrou que nosso problema não se encerra em um único 
autor ou texto, tampouco se inicia nele. A irradiação proposta só vem a indicar, 
sobretudo, que nada — muito menos o pensamento “ocidental” com o qual nos 
defrontamos e do qual compartilhamos — pode nascer de uma das coxas de Júpiter. 
Os conceitos que encontramos, que usamos e que compreenderemos mais à frente, 
demonstram — com firme convicção — que têm, pois, história, que são formados por 
pedaços e componentes de outros conceitos, e que, definitivamente, são questão de 
articulação, corte e sobreposição. No que se pode antecipar, ao darmos a devida 
atenção a isso, brotará, também para nós, a dourada árvore da vida. 
85
Parte II 
Capítulo 3 
(Axialização) 
Da “correspondência” à “distinção” 
Até o presente momento, foi possível exercitar, de forma teórica, uma série de 
indicações que — creio — são capazes de dispor um número sem fim de 
possibilidades de compreensão, quando não de explicações e desvelamentos em si — 
e quando possíveis. Esse número de possibilidades não indica, é certo, que estamos 
diante de um objeto sem delimitação ou forma, mas sim que, por sua natureza, 
possibilita que uma pesquisa atentamente aberta possa, no bojo de suas disposições, 
dar indicações interessantes e peremptoriamente válidas — não só através da 
antropologia, mas de áreas diversas seja das humanidades ou não. Como mencionado 
não apenas uma vez, esta dissertação é um exercício intermediário em si, parcial e 
fracionário. Isso também não quer dizer que ela se constitua de forma menos 
completa do que é esperado, senão que, ao se considerar intermediária, acredite que 
toda produção que se almeja científica deve ser uma etapa sempre preliminar, aberta 
a novas, e quantas forem possíveis, conversas e concatenações. O grande objetivo 
deste trabalho, assim, e para além de indicar caminhos, é também, ao indicá-los, 
organizar e exercitar um certo número de possibilidades. Como mencionado é — e 
como conceitos que são — as categorias manuseadas— construções racionais quanto 
ao seus desígnios e criadas por intelectuais, ao partirem, nas mesmas palavras de 
Weber, das formas “mais racionais” que a realidade “possa” adotar — podem mesmo 
se constituir como bom contributo para a “tipologia” e a “sociologia” (em sentido 
lato) do próprio racionalismo. Contudo, e ao tomar como objeto isso a que chamamos 
“pensamento ocidental moderno”, ao partir de um segmento seu — e ainda que, aqui, 
ao considerar tal segmento como fundamental para sua constituição e organização — 
não estamos somente dando mera atenção a um dos fenômenos dessa cosmologia. 
Entretanto, e valendo-me da indicação anotada anteriormente por Duarte (2012: 
418), estamos sobretudo — a partir da antropologia contemporânea — a reconhecer 
uma “verdadeira e profunda complexidade na cultura da qual emergiu” e a assumir, 
com e por meio da antropologia, sua “relação privilegiada com uma das facetas 
cosmológicas que a compõem”. Buscamos, assim, rejeitar, por princípio, qualquer 
referência que, a esse “pensamento” ou a esse “Ocidente”, se dê de modo “unívoco e 
monolítico, nas fímbrias da caricatura” (cf. ibid.: 419). 
Na primeira parte deste trabalho pudemos anotar o fio condutor pelo qual 
deveremos dispôr ligações e concatenações, assim, a partir deste segundo e presente 
momento. Pela identificação de um erro de tradução, que bem poderia ser 
considerado mero detalhe, vimos que a intenção teórica original apresentava um 
caminho específico — o da redenção — e que esse caminho, em si, essa abstração, essa 
construção, essa necessidade, enfim, indicava, para a análise, inúmeros detalhes 
capazes de boas surpresas. Além disso, a disposição, por Weber, de esferas 
autônomas — de leis internas próprias que fossem conhecidas a partir da 
racionalização e da sublimação consciente das relações do homem com cada uma 
delas —, indicou também que tais esferas não são, definitivamente, indiferentes umas 
às outras, possibilitando, para este esforço, as interpretações causais que lhe são 
caras. De forma ainda mais especial, por sua vez, a organização mesma, em Weber, de 
suas categorias como “tipos ideais” — cuja “coesão racional” (ele assume) 
“raramente” se encontra na realidade, mas permite determinar seu respectivo lugar 
tipológico — fornece a este texto, então, as ferramentas úteis para o desenvolvimento. 
As manutenções subsequentes e os resultados provisoriamente obtidos no cerne de 
um trabalho que analisa as “forças intramundanas da vida” — o amor e a arte, ditas 
como de caráter a-racional ou anti-racional, e a partir das condições racionais por 
meio das quais são possíveis — foram capazes de indicar, nelas, suas religiosas 
posições, clarificadas na relação de sua tensão e, sobretudo, de sua similaridade de 
tais com a ética de salvação. Em Weber mesmo, e posteriormente em Freud e 
Nietzsche, foi possível ainda identificar explicações de ordens distintas, provindas 
seja de dados históricos, seja tradicionais ou mesmo psicológicos e conceituais, então. 
Para além disso — e diretamente partir das construções apresentadas —, os dados 
foram capazes, portanto, de apontar algum número de combinações e hipóteses, que 
pareciam remeter a características específicas que, quando combinadas, exerceram 
especial influência na configuração disso a que chamamos “Ocidente moderno”. 
Cabe, neste momento e para este trabalho, finalmente, produzir a experimentação de 
87
uma outra consideração em particular e de suas devidas consequências como 
hipótese. 
I 
Antes, um primeiro e longo parênteses se faz necessário para a localização 
dos esforços que, a partir daqui, subseguirão. 
Em uma das mais fortes e provocativas anedotas empregadas e conhecidas 
por e entre antropólogos, Marshall Sahlins (1990: 64ss.) lembra de uma 1
circunstância histórica particularmente interessante entre os Fiji e que nos será 
bastante útil para começo de conversa neste capítulo. Sahlins, na análise apresentada 
em Ilhas de História, anota o número de convertidos ao cristianismo, entre os Fiji, 
por influência de seus líderes convertidos, e a admissão das mesmas pessoas à 
“‘verdade’ do deus do estrangeiro”: “até mesmo muitos deuses de Fiji, falando através 
de seus sacerdotes, cederam à supremacia de Jeová e fugiram pra outros lugares, ou 
deram indicações de que eles mesmos preparavam-se para a conversão ao 
cristianismo”, lembra o autor. Ainda, “‘admitindo a verdade do cristianismo’, 
Thakombau [chefe da confederação Mbau, o poder dominante nas Fiji do século XIX, 
convertido ao cristianismo por missionários metodistas no ano de 1854, segundo 
anota nosso autor] aconselhou o irmão Calvert a ter paciência, pois quando ele 
mesmo aderisse, ‘todos seguiriam’”, provando, na interpretação do autor (cf. ibidem: 
65), “que a política da conversão não é a simples expressão da convicção”. Não nos 
importa explicar o motivo da menção no pensamento do autor. Interessante é, aqui, 
apenas manter a anedota. Para Sahlins, “as repetidas referências à ‘verdade’, que 
encontramos nesses documentos, indicam que a disposição geral de aceitar o 
cristianismo era uma questão de mitopoética mesmo que ainda não fosse uma 
questão de política de chefia”. Entre os Fiji, pontua, “‘verdade’ (dina) é uma glosa de 
mana […] e indica um poder de fazer com que algo venha a existir, da mesma 
maneira que uma ação fracassada por falta de mana é uma mentira (lasu)”. Pois é 
justamente nesse contexto que um chefe fiji diz a um missionário metodista: 
“‘Verdade — tudo que vem do país do homem branco é verdade; os mosquetes e a 
pólvora são verdade, sua religião também tem de ser verdade’”, ou quando o chefe 
 Este que deve, pela minha geração — como as que vieram e que as que virão após —, ser 1
também lembrado e reverenciado pela generosidade no processo de reconstrução e 
recomposição da Biblioteca Francisca Keller, que aqui deixo anotada.
88
supremo da Rewa também mencionava que “os deuses de Fiji não são de verdade: são 
como os de Tonga; aqueles que neles confiaram foram destruídos, e aqueles que 
aceitaram a religião do estrangeiro ficavam prósperos”. 
“Os mosquetes e a pólvora são verdade, sua religião também tem de ser 
verdade”. Sem diminuir ou esquecer a violência da história, tampouco ao levar em 
conta os processos de agência envolvidos nos fatos narrados, e por isso mesmo ao 
reconhecer a incapacidade de aqui desenvolver um pensamento a este nível, meu 
objetivo é trazer ao nosso locus uma posição que é necessária para a compreensão do 
que este próprio trabalho se propõe a ser. Isto é, com ela busco dar materialidade ao 
que, inicialmente, pode parecer pura imaginação. E explico: é provável que um dos 
maiores desafios encontrados por qualquer antropologia que se pretenda ser uma 
“antropologia do pensamento” — ou o nome que se prefira dar a uma disciplina 
empenhada em compreender os fundamentos e consequências disso que podemos 
chamar de “pensamento”, especialmente o desenvolvido no Ocidente moderno, como 
no caso deste trabalho — esteja relacionado justamente a uma compreensão do que se 
denomina “conceito”. É inegável que toda antropologia, em maior ou menor grau de 
intensidade, a depender do tempo e da intenção, não é outra coisa senão um 
verdadeiro e venerável esforço de compreensão, senão de captação, de tal ideia de 
“pensamento”, de suas semelhanças e particularidades, no meio deste ou daquele 
grupo humano. Sabemos bem que não foi outra coisa senão o problema do 
“pensamento” que preencheu as páginas do que hoje constituímos e reproduzimos 
como “cânones” de nossa matéria. De Tylor a Frazer, a passar de Radcliffe-Brown a 
Malinowski, de Boas a Sapir, de Ruth Benedict a Margaret Mead, de Lévi-Strauss a 
Dumont, de Geertz a Wagner: o esforço foi, como na famosa expressão, o de pensar o 
pensamento, e de como pensa o pensamento; esforço de transformar o “pensamento” 
em “conceito”. E eis um fundamental problema. Eisa necessidade de discutir, ainda 
que de maneira introdutória e superficial, a questão que deve figurar como cerne para 
uma disciplina que aspire ser, cada vez mais, “levada a sério” — como pontuam 
certas, e tantas, indicações teórico-conceituais de nosso próprio cânone. Ou seja, 
importa-nos aqui refletir sobre as implicações de uma antropologia que também se 
dedique, nas palavras de Michael Herzfeld (2014: 18), a ser “mais que um mero 
exercício intelectual de imaginação e expiação para os pecados coletivos do passado”, 
ao constituir-se como a prática de uma disciplina que aprendeu com seus erros e que 
89
pode hoje ensinar muito por conta deles — isso, nas palavras do autor, tanto pela 
atenção dada a essas circunstâncias quanto pela celebração de suas realizações (loc. 
cit.). 
Continuando o parênteses: por “erros”, como já tratei de anotar com mais 
atenção na minha monografia de graduação (Cunha Cruz, 2019), o autor menciona 
aquela dita “superioridade cultural” que os primeiros antropólogos imaginavam ter 
em relação aos povos que estudavam, aqueles mesmos antropólogos que reagiriam 
com espanto com a ideia de que a ciência pudesse ser estudada da mesma maneira 
como a “magia”, ou ainda, que nossa “sociedade” ocidental pudesse ser analisada com 
o mesmo esforço e cuidado com que analisamos aquelas um dia ditas “primitivas”, 
“tradicionais”. A questão, como não deve fugir à mente, não é tão simples como se 
pode porventura imaginar. Isso não só porque, como sabido, o jogo da antropologia 
contém sempre uma assimetria de forças entre os interlocutores, como porque ainda 
nos detemos radicalmente (isto é, pela raiz) em um empreendimento que se dá pelo 
cultivo (isto é, pela seleção, refinamento, regulamentação e domesticação) de um 
certo número de dados-feitos-conceitos. Nesse sentido, se, como diz Tim Ingold 
(2018: 45), a antropologia só há pouco deixou de ser “lacaia do governo colonial”, 
quando essa buscava ser uma orientação sobre as instituições nativas para auxiliar a 
administração da política colonial em si, então, e de fato, é preciso reconhecer que 
não faz sentido negar tal questão, senão usá-la a nosso favor, para dar o ânimo 
necessário para uma constante reinvenção de nosso empenho. Quero dizer com isso 
que podemos, enfim, concordar que, ao lugar de decretar o fim de nossa disciplina, ao 
nos determos sobre nossa própria forma de pensar e criar pensamento, estamos, isto 
sim, diante de uma sempre necessária e renovada primavera de formas de produzir 
antropologia/s (em minúsculo, com os povos dentro). Isso porque esse 
reconhecimento nos dispõe àquele valor interno da disciplina no que concerne à 
desestabilização das ideias recebidas; isso “tanto através do exame de alternativas 
culturais quanto através da exposição da fraqueza que parece ser inerente a todas as 
nossas tentativas de analisar os vários mundos culturais, incluindo o nosso próprio” 
(Herzfeld, 2014: 22). 
É importante mencionar aqui — mais uma vez e quantas forem necessárias — 
que este trabalho se compreende enquanto um exercício de compreensão do próprio 
Ocidente, ou ainda, de uma de suas facetas mais características e primordiais. 
90
Estamos dizendo, como mencionamos na primeira parte deste trabalho, justamente 
sobre a hipótese de uma relação genética (de sua gênese e constituição) que o 
pensamento originalmente religioso tem para e com as ideias e práticas “ocidentais”, 
que um dia foram imaginadas como puramente seculares. Vimos até agora que, nesse 
sentido, não estamos a discutir nem um retorno de um “sagrado” para o seio do 
mundo, nem tampouco a sua exclusão parcial ou definitiva, mas sim algo que sempre 
esteve “no meio de nós”, no centro. E não só! Estamos a tratar de algo que é parte 
irretorquível da própria constituição do pensamento ocidental e de suas mais 
originais elaborações. Esta posição, que assumo ser arriscada a priori, transforma-se 
em necessária justamente quando a antropologia entra em cena, ao chamar para si o 
trabalho de compreensão. Isto não indica tão somente aquela disposição da disciplina 
de fazer perguntas sobre nossos centros de poder, nos termos de Herzfeld (loc. cit.), 
mas sim, e principalmente, uma firme disposição de elaborar questões também sobre 
os centros de saber, sobre as formas como vemos e analisamos o próprio mundo que 
constituímos e de que somos constituídos. De fato, Roy Wagner (2017: 37) parece 
certeiro ao lembrar que “a ‘Cultura’ que vivenciamos é ameaçada, criticada, 
contraexemplificada pelas ‘culturas’ que criamos, e vice-versa”; mas mais certeiro 
ainda é o autor ao apontar que “uma antropologia que se recusa a aceitar a 
universalidade da mediação, que reduz o significado à crença [e o] dogma à certeza, 
será levada à armadilha de ter de acreditar ou nos significados nativos ou nos nossos 
próprios”: “os mosquetes e a pólvora são verdade, sua religião também tem de ser 
verdade”. Nesse sentido, dizemos, recusar a universalidade da mediação — 
universalidade esta que nos inclui por conseguinte — ou enclausurar-se sobre o 
dogma da “modernidade” — naquela pretensão de sermos “herdeiros privilegiados da 
perda das ilusões” que a define, nos termos de Stengers (cf. 2020) — ao tomar o 
pensamento, sua elaboração, como “verdade” insuscetível de discussão, é definir o 
nosso fim, é aceitar o silêncio é negar o contato. Por isso, a partir do “áxis” que neste 
trabalho discutimos, é preciso elaborar uma dupla torção de perspectiva, que permita 
“levar a sério” uma antiga proposição de “simetria”. 
§ Como amplamente difundido na famosa proposição de Bruno Latour (cf. 2013), 
necessário é, para a antropologia, que esta seja tornada simétrica. Para o autor (cf. 
ibid.: 91), a antropologia, modelo de descrição de nosso mundo, fôra “formada pelos 
modernos justamente para compreender aqueles que não o eram”, ao interiorizar 
“em suas práticas, em seus conceitos, em suas questões” uma impossibilidade 
91
primordial. Torná-la simétrica significaria, diz, torná-la comparativa, ao possibilitar 
um trânsito entre os “modernos” e o que ele denomina de “não-modernos” — termo 
que, conforme anotado em trabalho monográfico (cf. Cunha Cruz, 2019), concordo 
como imbricado em certo evolucionismo, acolhendo-a enquanto extra-modernos. 
Para isso, a disciplina deveria tornar-se capaz de “enfrentar não as crenças que não 
nos tocam diretamente […] mas sim os conhecimentos aos quais aderimos 
totalmente”, restabelecendo, assim, a partir do que Latour chama de “princípio de 
simetria”, “a contiguidade, a historicidade, a justiça”, e oferecendo, de igual forma, 
“a incomparável vantagem de livrar-nos dos cortes epistemológicos, das separações 
a priori entre as ciências ‘sancionadas’ e ciências ‘proscritas’, e das divisões 
artificiais entre as sociologias do conhecimento, da crença e da ciência” (ibid.: 93). 
“Levar a sério”, por sua vez, está em relação à conhecida proposição de Eduardo 
Viveiros de Castro em referência à teoria do Perspectivismo Ameríndio (cf. Viveiros 
de Castro, 2002). Para o autor, “levar a sério” não é tomar o pensamento nativo em 
termos de “crença”, mas sim, e por sua vez, como “atividade de simbolização ou 
prática de sentido: como dispositivo auto-referencial ou tautegórico de produção de 
conceitos”. Ou ainda, é o esforço de saber transformar “concepções em conceitos, 
extraí-los delas e devolvê-los a elas” (ibid.: 128). Nesse sentido, tomar ideias como 
conceitos, nos termos do autor, “é recusar sua explicação em termos de noção 
transcendente de contexto […] em favor da noção imanente de problema, de campo 
problemático onde as idéias estão implicadas” (ibid. 123). Na etnologia proposta, 
explica Viveiros de Castro, a questão envolveria ainda, para além de uma 
“experiência de pensamento” (cf. loc. cit.), um “exercício de ficção”: que, ao “tomar 
as ideias nativas como conceitos”, uma consequência a extrair seria justamente a de 
“determinar o solo pré-conceitualou o plano de imanência que tais conceitos 
pressupõem, os personagens conceituais que eles acionam e a matéria do real que 
eles põem”; uma “ficção antropológica, mas não uma antropologia fictícia”. 
Tal torção de perspectiva para uma simetria se daria justamente a partir do 
que outrora discutia (Cunha Cruz, 2019: 67ss.) em vista das mudanças-tornadas-
crise, o antropoceno. Anotava, para a compreensão de tal evento — que naquele 
momento figurara como meu principal interesse de pesquisa —, a necessidade de que 
a antropologia se dispusesse a tomar os diversos coletivos científicos envolvidos em 
tal processo como nativos, e de, em sendo nativos, levá-los antropologicamente a 
sério. Ou seja, ao meu ver, tomar as concepções (naquele caso, as de “homem”, 
“ciência”, “mundo” e “fim”) enquanto conceitos, indicaria um caminho de 
identificação daquelas assimetrias nas quais estamos imbricados e que não podemos 
ver por estarmos perto demais, ou simplesmente por imaginarmos que o estamos, 
92
bem como nos ajudaria a cruzar a fronteira entre o que consideramos ser pessoas e 
coisas, modernos e extra-modernos. Neste trabalho, por sua vez, a questão não muda 
muito de figura. Nosso objetivo é justamente o de dar materialidade à ideia. É 
considerar, é levar a sério, é tomar as consequências das concepções que 
encontramos (como “arte”, “amor”, “erotismo”, “redenção, “desencantamento” etc.) e 
tomá-las como conceitos — extraindo-as delas e devolvendo-as a elas. Ou seja é 
recusar explicações nos termos da noção transcendente de contexto, em favor da 
noção imanente de problema, de campo problemático; isso para livrar-nos dos cortes 
epistemológicos, das separações e das divisões artificiais, que possibilite o 
reestabelecimento da contiguidade, da história e da justiça, enfim. O grande desafio 
para tal — e o leitor já deve ter percebido — é que, no nosso caso, e quando tratamos 
de questões tão centrais ao pensamento do Ocidente, as concepções já são, em si, 
“conceitos”, já foram transmutadas. Contudo, é justamente tal atenção ao fato, que 
faz o presente empreendimento tornar-se interessante do ponto de vista de sua 
fundamentação. Isso se dá justamente porque, naquilo que anotavam Deleuze e 
Guattari (2010: 23ss), “não há conceito simples”, pois “todo conceito tem 
componentes, e se define por eles”. Ao ter contorno irregular, definido pela cifra de 
seus componentes, dizem os autores, o conceito é questão de articulação, corte e 
superposição e remete a um problema, sem os quais não teria sentido; da mesma 
forma que todo conceito tem uma história, contém pedaços ou componentes 
provenientes de outros conceitos. Dessa maneira, o cuidado, para a proposição aqui 
apresentada, seria justamente o de não confundir, através de uma lógica, os conceitos 
com meras funções, e tampouco de reduzi-los elas (ibid.: 167). Nosso objetivo, 
portanto, é dar atenção a seus componentes e problemas, e, por isso mesmo, exercitar 
uma posição, que veremos, é mnemo-histórico-conceitual. 
II 
Contudo — e encerrado o parênteses — o que queremos dizer sobre uma 
posição que seja “mnemo-histórico-conceitual”? Trataremos disso com mais cuidado 
pouco à frente. Contudo — e apenas como alguma antecipação — cabe dizer que, 
como mencionado em diversos momentos desta dissertação, o exercício aqui 
apresentado é aquele de apontar uma série de caminhos que permitam a 
compreensão dos fenômenos tratados. Além disso, e como empreendimento 
93
intelectual, — ao reconhecer o compartilhamento de uma série de denúncias e 
respostas semelhantes por atores fundamentais disso que estamos chamado de 
“pensamento” ocidental moderno, — espera-se, aqui, igualmente, o exercício de uma 
forma de explicação que dê conta dos componentes e problemas constituintes dos 
conceitos ajuntados. Como anotado nos parágrafos acima, ao recusar uma explicação 
tomada a partir da noção transcendente de “contexto” a favor de uma explicação a 
partir da noção imanente de “problema”, o que se espera, como vimos, é repelir 
qualquer referência caricatural que apresente “o pensamento Ocidental” como 
unívoco e monolítico. De toda forma — e embora concorde que outras iniciativas 
pudessem se dispôr a tratar as construções teóricas que vimos a partir de e na sua 
posição contextual — ao compreender a virada do séc. XIX para o séc. XX como 
excepcionalmente particular, uma explicação do tipo, ao menos aqui, não seria 
suficiente e poderia até, em seus riscos, dar a impressão de serem fundamentalmente 
conclusivas. Como vimos, não é o caso. Uma hipótese mnemo-histórico-conceitual, 
assim — e também ao incluir a história ao seu jogo — é uma maneira, a ser 
constantemente praticada, de tomar os referidos conceitos a partir dos recursos de 
uma “memória”, ao submeter a exame aquilo que um olhar desavisado poderia 
imaginar como um simples “ter sido”, mas que outra disposição mais atenta 
perceberia aquilo que “nem sempre foi assim”. 
Nesse sentido, e para o exercício mencionado, partiremos de uma proposição 
teórica — construída quase que ao mesmo tempo das disposições anotadas na 
primeira parte deste trabalho — que fôra desenvolvida inclusive a partir de 
implicações das próprias ideias weberianas — especialmente a partir de seus estudos 
sobre a Índia e a China, com as quais a Consideração Intermediária faz conjunto — e 
de sua família, como as de sua companheira, Marianne Weber, e as de seu irmão, 
Alfred Weber. Refiro-me à proposição de Karl Jaspers denominada de Era Axial 
[Achsenzeit], a partir de seu Vom Ursprung und Ziel der Geschichte [A origem e o 
objetivo da história]. A ideia fôra desenvolvida ainda — e após sua popularização — 
por autores como Eric Voegelin, Shmuel Eisenstadt, Karen Armstrong e outros. 
Especialmente aqui — e ao partir de Jaspers e da publicação original de 1949 — 
anotaremos, para além de suas indicações, as consequências que nos são caras. 
Interessante, assim, considerarmos, já a partir deste momento e das considerações 
que dispomos, as indicações que nos servirão para começo de conversa, 
94
especialmente aquelas apresentadas já na apresentação do livro mencionado. Nessa 
obra, diz Jaspers (1953: v), estaríamos nós e o presente “situados no meio da 
história”, e esse “nosso presente”, afirma, “se torna nulo e sem efeito se se perder 
dentro do horizonte estreito do dia e degenerar em um mero presente”. Os cinco mil 
anos de história visível — através do que era possível à época observar a partir dos 
dados historicamente obtidos — lembra o autor (loc. cit.) seria tão somente “uma 
fração minúscula da duração imprevisível da vida do homem na terra”, “entre uma 
pré-história centenas de vezes mais longa e um futuro imensurável”. Nesse sentido, 
anota o autor, essa história estaria “aberta tanto para a pré-história quanto para o 
futuro. Não pode ser limitada em nenhuma das direções, não pode ser concebida 
como uma forma arredondada, uma estrutura autônoma e completa”. Para Jaspers, 
enquanto a obscuridade da pré-história é dificilmente quebrada “com a luz tão fraca” 
que “podemos lançar sobre ela”, a seu momento “o futuro é indeciso, um reino 
ilimitado de possibilidades”. O objetivo de seu livro, assim, escreve Jaspers, seria o de 
“ajudar a aumentar nossa consciência do presente”, uma vez que, conforme anota o 
autor naquela primeira frase de tal trabalho (loc. cit.), “a história humana 
desapareceu largamente da memória”. 
Deixemos, por ora, tais indicações de lado e nos apeguemos à proposição em 
si do autor. Jaspers (1953: xiii) anota que, “em virtude da extensão e profundidade 
em que se transformou a vida humana”, o que ele chama de “nossa era” teria um 
significado mais incisivo, ao requerer “que toda a história da humanidade nos forneça 
padrões para medir o significado do que está a acontecer no momento presente”. 
Nosso autor reconhece que, “desde os primeiros tempos”, o homem, de fato, “tentou 
imaginar o todo para simesmo: primeiro em imagens míticas […] depois na imagem 
divina a operar através dos eventos decisivos da política mundial [… e] depois como 
um processo de revelação que percorre todo o curso da história”. A consciência 
histórica só é alterada — diz — quando começa a ser pensada “em fundamentos 
empíricos e apenas neles”, e, por isso mesmo, ao se abrir “algo infinito para o passado 
e o futuro”. Confrontada com uma “multiplicidade ilimitada”, essa concepção 
empírica da história, portanto, restringir-se-ia “à demonstração de regularidades 
únicas e descrições intermináveis do múltiplo” (loc. cit.). Consequentemente, o autor 
lembra que foi no século XIX que a história mundial teria sido considerada “como 
aquela que após seus estágios preliminares no Egito e na Mesopotâmia, realmente 
95
começou na Grécia e na Palestina e levou a nós mesmos”. Todo o resto, continua, 
“ficou sob o título de etnologia e foi colocada para o lado de fora da história 
propriamente dita”: “a história mundial foi a história do Ocidente”, diz Jaspers (ibid.: 
xv). Foi só em esforços como o de Alfred Weber, menciona, que uma noção 
independente de história começaria a ser desenvolvida. Por isso mesmo, o 
“significado da história universal”, anota, “na medida em que é empiricamente 
acessível” só poderia “ser entendido quando guiado pela ideia da unidade de toda 
história”, a pretender o autor, por isso, examinar os “fatos empíricos para ver em que 
medida eles estão de acordo com tal ideia de unidade, ou até que ponto eles a 
contradizem absolutamente” (loc. cit.). Essa postura seria capaz, assim, nos termos 
de Jaspers (ibid.: xvi), de devolver “uma concepção de história que atribui significado 
histórico àquele que, em primeiro lugar, permanece inequivocamente em seu lugar 
dentro de um processo geral da história humana”, isso é, que permanece “como 
evento único, e que, em segundo lugar, possui as qualidades indispensáveis da 
realidade na comunicação ou na continuidade da humanidade”. 
Jaspers (1953: 1) faz questão de lembrar que, no mundo ocidental, a filosofia 
da história fôra fundada na fé cristã e que “a história sagrada foi separada da história 
profana, como sendo diferente em seu significado”. Por isso mesmo, um áxis, um eixo 
da história mundial, “se tal coisa existir, teria que ser descoberto empiricamente, 
como um fato capaz de ser aceito como tal por todos os homens, incluindo os 
cristãos”. Esse eixo, diz, “estaria situado no ponto da história que deu origem a tudo o 
que, desde então, o homem conseguiu ser, o ponto mais esmagadoramente frutífero 
na criação da humanidade”. Para o autor, esse período, por sua vez, poderia bem ser 
encontrado por volta do ano 500 a.c., entre 800 a.c. e 200 a.c., e seria nele em que se 
encontraria a “linha divisória mais profunda da história”, onde “o homem, como 
conhecemos hoje, surgiu”: a Era Axial. Nesse período, diz o autor (ibid.: 2), estão 
concentrados “os eventos mais extraordinários”, dado que, foi nessa era em que, em 
todas as três áreas do mundo, “o homem se torna consciente do Ser como um todo, de 
si mesmo e de suas limitações. Ele experimenta o terror do mundo e sua própria 
impotência. Ele faz perguntas radicais. Cara a cara com o vazio, ele luta pela 
libertação e redenção”. Ao se reconhecer consciente seus limites, continua (loc. cit.), o 
homem “estabelece para si os objetivos mais altos. Ele experimenta o absoluto nas 
profundezas do eu e na lucidez da transcendência”, tudo isso graças à sua própria 
96
“reflexão”. Nesse momento, conforme escreve Jaspers (loc. cit.), “a consciência 
tornou-se mais consciente de si mesma, o pensamento se tornou seu próprio objeto”. 
Para além disso, “conflitos espirituais surgiram, acompanhados por tentativas de 
convencer os outros através da comunicação de pensamentos, razões e experiências. 
As possibilidades mais contraditórias foram ensaiadas”. Teria sido nessa época em 
que, segundo dispõe o autor, “as categorias fundamentais dentro das quais ainda 
pensamos hoje, e os primórdios das religiões mundiais, pelas quais os seres humanos 
ainda vivem, foram criadas. O passo para a universalidade foi dado em todos os 
sentidos”. Como resultado, aponta, “ideias, costumes e condições até então 
inconscientemente aceitos foram submetidos a exame, questionados e liquidados”, e 
“na medida em que a substância tradicional ainda possuía vitalidade e realidade, suas 
manifestações foram esclarecidas e, assim, transmutadas”: “tudo foi varrido para o 
vórtice” (loc. cit.). 
A “Era Axial” teria, assim, encerrado uma “Era Mítica”. Os filósofos gregos, 
indianos e chineses eram contra-míticos [un-mythical] em suas percepções decisivas, 
tal como os profetas em suas ideias de Deus: “a racionalidade e a experiência 
racionalmente esclarecida lançaram uma luta contra o mito […]; uma luta adicional 
se desenvolveu pela transcendência do Deus Único contra demônios inexistentes, a 
majestade divina aumentou assim” (Jaspers, 1953: 3). Por outro lado, continua, o 
mito “tornou-se o material de uma linguagem que expressa por ela algo muito 
diferente do que significava originalmente: foi transformado em parábola”. 
Consequentemente, modificação do tipo, diz, poder-se-ia chamar “espiritualização”. 
O homem — escreve — “não está mais fechado dentro de si mesmo (loc. cit.) — 
homem que se torna incerto de si mesmo, aberto a novas e ilimitadas possibilidades. 
Ele pode ouvir e entender o que ninguém havia perguntado ou proclamado até 
agora”, e assim, “o inédito se torna manifesto. Juntamente com seu mundo e seu 
próprio eu, o Ser se torna sensível ao homem, mas não com finalidade: a questão 
permanece”. Nesse momento, e pela primeira vez, os filósofos apareceram; “os seres 
humanos ousaram confiar em si mesmos como indivíduos”, o homem “provou ser 
capaz de se contrastar interiormente com todo o universo. Ele descobriu dentro de si 
mesmo a origem da qual se elevar acima de si mesmo e do mundo”. No pensamento 
especulativo, completa Jaspers (loc. cit.), o ser humano “se eleva em direção ao Ser-
em-si-mesmo, que é apreendido sem dualidade no desaparecimento do sujeito e do 
97
objeto, na coincidência de opostos”: “aquilo que é experimentado nos voos mais 
elevados do espírito como um apego a si mesmo dentro do Ser, ou como unio 
mystica, como se tornar com a Divindade, ou como se tornar uma ferramenta para a 
vontade de Deus é expresso de uma forma ambígua” (loc. cit.). É diante disso, diz 
Jaspers (1953: 4), que o “especificamente humano no homem que, ligado e escondido 
dentro do corpo, acorrentado por instintos e apenas vagamente consciente de si 
mesmo, anseia por libertação e redenção e é capaz de alcançá-los já neste mundo”, 
isto é, “ao voar em direção à ideia, na resignação da ataraxia, na absorção da 
meditação, no conhecimento de si mesmo e do mundo como atman, na experiência 
do nirvana […] ou na rendição à vontade de Deus” (grifos do autor). Segundo escreve 
o autor (loc. cit.), tais caminhos seriam amplamente divergentes em sua convicção e 
dogma, contudo, o “comum a todos eles é o homem ir além de si mesmo, tornando-se 
consciente de si mesmo dentro de todo o Ser e do fato de que ele pode trilhar mais do 
que apenas como um indivíduo por conta própria”. Dessa forma, assim, “o que mais 
tarde foi chamado de razão e personalidade foi revelado pela primeira vez durante o 
Período Axial”. 
Contudo, lembra Jaspers (loc. cit.), “o que o indivíduo alcança não é de forma 
alguma repassado a todos”, uma vez que “a diferença entre os picos da potencialidade 
humana e a multidão tornou-se excepcionalmente grande naquela época” e, ainda 
assim, “o que o indivíduo se torna indiretamente muda tudo. Toda a humanidade deu 
um salto para frente”. Nesse momento, e ao atingir a consciência, continua (cf. ibid.: 
5), “a existência humana se torna objeto de meditação, assim como a história”: “Os 
homens sentem e sabem que algo extraordinárioestá a começar em seu próprio 
presente. Mas essa mesma realização também torna os homens conscientes do fato de 
que esse presente foi precedido por um passado infinito”. Dessa forma, “no início 
desse despertar do espírito especificamente humano, o homem é sustentado pela 
memória e está consciente de pertencer a uma idade tardia ou mesmo decadente”, ou 
seja, “os homens se veem diante da catástrofe e sentem o desejo de ajudar através do 
discernimento, educação e reforma”. Por isso mesmo, defende Jaspers (1953: 5), a era 
que teria visto “todos esses desenvolvimentos, que se estendeu por vário séculos, não 
pode ser considerada como um simples movimento ascendente. Foi uma era de 
destruição e criação simultâneas”, nela, “nenhuma consumação final foi alcançada. 
As maiores potencialidade de pensamento e expressão prática realizadas nos 
98
indivíduos não se tornaram propriedade comum, porque a maioria dos homens era 
incapaz de seguir seus passos”. Nessa Era Axial, “o que começou como liberdade de 
movimento finalmente se tornou anarquia. Quando a era perdeu sua criatividade, um 
processo de fixação dogmática e nivelamento ocorreu em todos os três reinos 
culturais”, e, por isso, “de uma desordem que estava se a se tornar intolerável seguiu 
um esforço por novos laços, através do reestabelecimento de condições duradouras”. 
Disso, uma conclusão, diz Jaspers (1953: 5), é de caráter político: “impérios 
poderosos, tornados grandes pela conquista, surgiram quase simultaneamente” na 
China, na Índia e no Ocidente. E em todos esses lugares — aponta — “o primeiro 
resultado do colapso foi uma ordem de planejamento tecnológico e organizacional”. 
Os impérios universais que surgiram no final do Período Axial se 
consideravam fundados para a eternidade. Mas a estabilidade deles 
era apenas aparente. Embora esses impérios tenham durado muito 
tempo em comparação com as formações de Estado da Era Axial, no 
final todos eles decaíram e caíram em pedaços. Milênios subsequentes 
produziram uma quantidade extraordinária de mudanças. De um 
ponto de vista, a desintegração e o restabelecimento de grandes 
impérios constitui história desde o final do Período Axial, pois a 
constituiu através dos milênios durante os quais as civilizações 
antigas estavam florescendo. Durante esses milênios, no entanto, 
possuía um significado diferente: faltava aquela tensão espiritual que 
foi sentida pela primeira vez durante o Período Axial e está em ação 
desde então, ao questionar toda a atividade humana e conferindo-lhe 
um novo significado. (loc. cit.) 
 Dessa condição — a se assumir que correta —, Jaspers (ibid.: 6 - 8) anota 
quatro consequências gerais para o que ele chama de “estrutura da história mundial”, 
que anoto a longos passos: (1) as “civilizações antigas de milhares de anos” foram 
encerradas em todos os lugares pela Era Axial, “que as derrete, as assimila ou faz com 
que elas afundem da vista, independentemente de terem sido os mesmos povos ou os 
outros que se tornaram os portadores das novas formas culturais”; (2) até hoje a 
humanidade teria vivido pelo que teria acontecido durante a Era Axial, em função do 
que foi pensado e criado durante esse período, em que “a cada novo voo ascendente, 
ele retorna em memória desse período e é dispersado novamente por ele”; (3) a Era 
Axial teria começado dentro de limitações espaciais, mas teria se tornado 
historicamente abrangente, onde os “homens que viviam fora das três regiões da Era 
axial permaneceram separados ou entraram em contato com um desses três centros 
de radiação espiritual”, sendo, por isso, “atraídos para a história”, e, por fim, (4) entre 
os “três reinos”, “uma profunda compreensão mútua foi possível a partir do momento 
em que se conheceram. […] Apesar da distância que os separava, eles imediatamente 
99
se envolveram um no outro”. Em resumo, para Jaspers (1953: 8), essa concepção, 
assim, da Era Axial, capaz seria de “fornecer as questões e padrões para abordar 
todos os desenvolvimentos anteriores e subsequentes. Os contornos das civilizações 
anteriores se dissolvem. Os povos que os suportaram desapareceram da vista a 
medida que se juntam ao movimento”, em si: “a Era Axial assimila tudo o que resta. 
Dela, a história mundial recebe a única estrutura e unidade que perdurou — pelo 
menos até o nosso próprio tempo”. 
Algumas objeções, entretanto, e segundo o mesmo autor, poderiam ser feitas. 
A primeira seria a de que (1) o elemento comum a todas essas transformações seria 
apenas aparência. Contudo, diz Jaspers (cf. 1953: 9), vale observar nesse ponto “o 
avanço dos princípios que, até o nosso próprio tempo, têm sido operacionais para a 
humanidade em situações limítrofes”. Depois (2) poder-se-ia dizer que a Era Axial 
não teria sido um fato em si, mas um produto de um julgamento de valor. Para isso, 
diz o autor (ibid.: 10), “se a hierarquia dos conteúdos da história só pode ser 
compreendida na subjetividade da existência humana, essa subjetividade não se 
extingue na objetividade de algo puramente factual, mas na objetividade da 
percepção comunitária”, onde a verdade seria “aquilo que nos liga uns aos outros”. 
Ainda, (3) argumentar-se-ia que o paralelo não seria em si histórico. Contudo, diz o 
autor, a tese de uma era Axial envolveria justamente sua multiplicidade, de cujos 
resultados dispusesse. Desse paralelismo, a seu momento, o autor lembra que bem 
poderiam eles representar “nada mais do que uma série de curiosidades sincrônicas 
desprovidas de significância histórica”, assim como numerosos sincronismos outros 
que poderiam ser apontados. Contudo, conforme anota (cf. ibid.: 12), ele é o “único 
que representa um paralelismo universal total no plano da história mundial, e não 
apenas a concordância casual de fenômenos particulares”. O único minimamente 
correspondente teria sido aquele do início das civilizações antigas no Egito, 
Mesopotâmia, Vale do Indo e China. Contudo, nesse caso, a coincidência temporal 
seria a de milênios, cujas fundações se estendem de 5000 a 3000 a.c. Ainda assim, 
esse teria sido um mundo “que forneceu a base para a Era Axial, mas foi submerso no 
e pelo último”. Nesse sentido — diz adiante — “a Era Axial não representa um estágio 
universal na evolução humana, mas um processo histórico ramificado e singular” 
(ibid.: 17), como também que o problema de significado de tal áxis “é algo bem 
diferente de sua causa” (ibid.: 18) Dessa forma, essa concepção daria boa ajuda no 
100
processo de compreensão da história mundial mencionada pelo autor. Para ele 
(Jaspers, 1953: 19), “visualizar os fatos da Era Axial e torná-los a base de nossa 
concepção universal de história é ganhar posse de algo comum a toda humanidade, 
além de todas as diferenças de credo”. Além disso, “o fato da tríplice modificação 
histórica efetuada pelo passo que chamamos de Era Axial atua como um desafio à 
comunicação ilimitada”. (loc. cit.) No mais, diz, “se a Era Axial ganha importância 
com o grau em que mergulhamos nele”, surgiria a pergunta: “esse período, suas 
criações, são o critério para tudo o que o que se segue?” Para Jaspers (ibid.: 20), 
contudo, uma pergunta assim não poderia ser mecanicamente respondida, mas só 
repensada, ao considerar que, invariavelmente, todas as manifestações subsequentes 
possuiriam um valor próprio, “que não estava presente no anterior: uma maturidade 
própria, um custo sublime, uma profundidade de alma, especialmente no caso da 
‘exceção’”, enfim. Ao final, diz nosso autor (cf. ibid.: 20, 21), “a Era Axial também 
terminou em fracasso. A história continuou”. Uma coisa só pareceria certa, na visão 
do autor: justamente a de saber que “nossa consciência histórica atual, bem como a 
consciência de nossa situação atual, é determinada, até mesmo pelas consequências 
sugeridas, pela concepção da Era Axial”, tratando-se, assim, “da maneira pela qual a 
unidade da humanidade se torna uma realidade concreta paranós”. 
É nesse sentido, portanto, que Jaspers (ibid.: 51) trata de defender que a Era 
Axial poderia oferecer “o campo de estudo mais gratificante e o mais frutífero em 
relação ao nosso próprio pensamento”, enquanto filosofia da história. Tal Era 
poderia, ainda,“ser chamada de interregno entre duas eras de grandes impérios, uma 
pausa para a liberdade, uma respiração profunda ao trazer a consciência mais lúcida”. 
É ao considerar isso que, diz o autor (loc. cit.), a Era Axial acaba por ser tornar “um 
fermento que atrai a humanidade para o contexto único da história mundial. Torna-
se, para nós, um critério com cuja ajuda medimos o significado histórico dos vários 
povos para a humanidade como um todo”. Para tanto, segundo Jaspers, uma 
profunda divisão decorreria de tal período. A primeira distinguiria, dos demais, o que 
ele diz serem “os Povos Axiais”, que corresponderiam aos “povos que deram o salto 
como uma continuação direta de seus próprios passados”: os chineses, indianos, 
iranianos, judeus e gregos. Para esses, a Era Axial teria sido “um segundo 
nascimento”, e através de tal Era “eles lançaram as bases do ser espiritual do homem 
e de sua história propriamente dita”. A segunda divisão seria a daqueles povos “sem o 
101
avanço” [without the break-through], como os egípcios e babilônicos. Como anota 
Jaspers (1953: 52), a grandeza do mundo egípcio e babilônico é única, contudo “o que 
nos é familiar só começa com a nova era do avanço”. Enfim, um terceiro grupo seria 
justamente aquele dos “povos que vieram depois”: “todos os povos foram divididos 
entre aqueles que tinham seus fundamentos no mundo do rompimento e aqueles que 
permaneceram separados. Os primeiros eram os povos históricos, os últimos os 
primitivos”. A questão nesse ponto, para o autor (cf. ibid.: 55), é a de, ao considerar 
que a Era Axial realmente ocorreu — “uma vez que o espírito que cresceu nele foi 
comunicado, através de ideias, obras e construções, a todos os que eram capazes de 
ouvir e entender, uma vez que suas infinitas possibilidades se tornaram perceptíveis” 
—, pensar se seria possível observar que “todos os povos que vêm depois eram 
históricos em virtude da intensidade com que se apoderaram dessa ruptura e da 
profundidade com que se sentiam falados por ele”. Dessa forma, aponta, “o grande 
avanço foi como uma iniciação da humanidade. Todo contato posterior com ele é 
como uma nova iniciação. Após isso, apenas indivíduos e povos iniciados estão 
dentro do curso da história propriamente dita”. Contudo, acentua o autor (loc. cit.), 
“essa iniciação não é arcano oculto e ansiosamente aguardado. Em vez disso, saiu 
para o brilho do dia, cheio de um desejo ilimitado de comunicação e abrindo-se a 
todo teste e verificação, mostrando-se a todos”, ao ser um “‘segredo aberto’ na 
medida em que só ele pode discernir quem está pronto para isso, aquele que, 
transformado por ele, vem a si mesmo [transformed by it, comes to himself]”. Essa 
nova iniciação, diz, “ocorre na interpretação e assimilação; transmissão consciente, 
escritos de autoridade e estudo se tornam um elemento indispensável da vida”. 
Contudo, e comparativamente, ao considerar que não apenas o Ocidente 
passou por esse processo de transformação, qual teria sido sua característica a ser 
distinguida? Jaspers (1953: 57) tenta, com empenho, responder ele mesmo à questão. 
Para ele, “a história da China e da Índia não cai em divisões tão claras quanto as do 
Ocidente, não contém a mesma clareza de opostos, nem a lucidez do conflito 
espiritual em que várias forças internas e tendências religiosas se deslocam”. 
Igualmente, diz, “o Ocidente possui polaridade de Oriente e Ocidente não apenas na 
distinção de si e o outro mundo fora dele, mas também como uma polaridade dentro 
de si mesmo”. Pela passagem dos anos, anota nosso autor, “o mundo Ocidental abriu 
caminho com passos decisivos, não escolhendo apenas quebras acentuadas e limites 
102
repentinos, [mas] introduzindo uma radicalidade no mundo, em uma medida 
desconhecida da China ou da Índia”. Haveria ainda que se considerar, que, para a 
consciência do Ocidente, “Cristo é o eixo da história”. Nesse sentido, conforme anota 
Jaspers (1953: 58), o cristianismo talvez seja “a maior e mais alta forma 
organizacional já evoluída pelo espírito humano”: “seus impulsos e premissas dos 
judeus […]; sua amplitude filosófica e o poder iluminador de suas ideias decorrem 
dos gregos, sua energia organizacional e sua sabedoria no domínio da realidade dos 
romanos”. Segundo o autor (loc. cit.), assim, esses elementos se combinariam “para 
fazer um todo que ninguém planejou como tal e que, por um lado, é produto final 
notavelmente complexo no mundo sincretista do Império Romano, enquanto, por 
outro, é posto em movimento por novas concepções religiosas e filosóficas”. Teria o 
cristianismo, assim, se mostrado “capaz de obrigar elementos contraditórios à união, 
de absorver os mais altos ideais formulados até aquele momento e de proteger suas 
aquisições em uma tradição confiável”. No entanto, pontua o autor (loc. cit.), 
historicamente, o cristianismo é um produto tardio em relação ao seu conteúdo e à 
sua realidade. Assim, o fato de ter sido tomado como matriz e a origem do futuro, 
levou a uma mudança na perspectiva da visão ocidental da história em favor de um 
fenômeno da antiguidade tardia [late-Antique phenomenon] — mudanças análogas 
ocorreram na Índia e na China” (cf. loc. cit.). Ainda assim, os caminhos do 
cristianismo ocidental teriam se tornado decisivos para a Europa “não apenas 
espiritualmente, mas também politicamente”, e isso seria divulgado por uma visão 
comparativa. Ou seja, se “as grandes religiões dogmáticas, após o séc. III d.C., 
tornaram-se fatores de unidade política”, no Ocidente observou-se que os interesses 
políticos e religiosos eram os mesmos, e, quando não, isso “não apenas desdobrou a 
vida espiritual, mas se tornou um fator de liberdade contra o poder mundano”. 
Em consequência, “a continuidade cultural do Ocidente nunca foi perdida, 
apesar de rupturas extraordinárias, destruições e decadência aparentemente total” — 
isto é, anota, “existem pelo menos certas formas conceituais e esquemas, palavras e 
fórmulas que persistem ao longo de milênios”. Além disso, diz Jaspers (1953: 59), 
“onde as referências conscientes ao passado cessaram, algum grau de continuidade 
factual permaneceu e foi conscientemente ligado à tradição passada novamente mais 
tarde”. Dessa forma, e igualmente, o Ocidente seria caracterizado “pela maneira pela 
qual, em um determinado momento, introduziu sua própria originalidade em uma 
103
continuidade assumida de uma fonte estrangeira, que se apropriou, trabalhou e 
transmutou”, ao criar para si as “cristalizações universais das quais a continuidade da 
cultura tirou sua vida: o Império Romano e a Igreja Católica”. Ambos, diz o autor (cf. 
ibid. 60), foram fundamentais “para formar a base da consciência europeia que, 
embora esteja continuamente ameaçando se desintegrar, sempre foi constituída 
novamente […] nos grandes empreendimentos contra o ameaçador estranho”. 
Ademais, teria sido a partir dessas constituições que a consciência histórica europeu-
ocidental acabou por depreciar “tudo que é pré-grego e pré-judaico como estranho a 
ela, como uma mera introdução à história”, ao colocar “todos os homens que viviam 
no globo, fora de seu próprio mundo espiritual, na província da etnologia que coletou 
suas criações em museus etnológicos”: uma “cegueira”, diz o autor (ibid.: 61). 
Durante os últimos séculos, por sua vez, aquele único fenômeno que teria, no 
que diz o autor (loc. cit.), sido “intrinsecamente novo em todos os aspectos apareceu: 
a ciência com suas consequências tecnológicas”. Esse fenômeno, diz, “revolucionou o 
mundo interna e externamente como nenhum outro evento desde os primórdios da 
história registrada. Trouxe consigo oportunidadese perigos sem precedentes”. 
Igualmente, e ao ter alcançado mais domínio nas últimas décadas, Jaspers (loc. cit.) 
anotava, àquela época, que, “ao ser intensificada a um grau cujos limites não podem 
ser previstos”, estaríamos “apenas parcialmente cientes das consequências 
prodigiosas. Novas bases para a existência foram agora inevitavelmente 
estabelecidas”. Contudo, também pergunta o autor (cf. ibid.: 61, 62), “se a ciência e a 
tecnologia foram criadas pelo Ocidente […] por que isso aconteceu no Ocidente e não 
nas outras grandes zonas culturais?” Jaspers, em resposta, aponta por primeiro as 
questões geográficas, que, ao contrário das demais áreas, teriam permitido uma vasta 
comunicação, bem como uma dita “liberdade política”, provinda das ideias gregas. 
Acentuo contudo ainda aqui outras características anotadas pelo autor que, a um 
primeiro olhar, bem poderiam parecer secundárias, mas que não nos devem assim 
parecer neste trabalho. Primeiro, de acordo com Jaspers (cf. 62 - 63), ao partir de 
construções helênicas, uma “racionalidade” de tipo Ocidental conteria “uma tensão 
de coerência”, que teria lançado as bases da matemática e aperfeiçoado a lógica 
formal, ao operar decisivamente na tentativa de “conferir o máximo grau de 
calculabilidade à vida cotidiana da sociedade por meio das decisões legais do Estado 
com base no estado de direito”, além das implicações econômicas e, posteriormente, 
104
computacionais. No mesmo sentido, o Ocidente teria experimentado “as limitações 
da racionalidade com uma clareza e força desconhecidas do resto do mundo”, 
conforme anota. 
O mesmo Ocidente também teria desenvolvido uma “interioridade consciente 
da individualidade pessoal”, ao alcançar um caráter absoluto perenemente decisivo a 
partir dos profetas judeus, filósofos gregos e estadistas romanos. Essa posição, diz 
Jaspers (ibid. 63), desde os dias dos sofistas, também teria feito com que fosse 
possível “romper com a matriz da natureza e da comunidade humana, para entrar no 
vazio”. O homem ocidental, anota, “experimentou na mais alta liberdade os limites da 
liberdade no nada”. Além disso, esse homem também seria “continuamente 
confrontado pelo mundo em sua realidade com aquilo que ele não pode contornar”. 
Esse Ocidente — lembra Jaspers — como também os outros reinos Axiais, teria 
conhecido a dicotomia da natureza humana, entre os santos e demônios da 
existência. Entretanto, diz o autor, o Ocidente ter-se-ia esforçado para livrar-se de tal 
dicotomia “ao encontrar o caminho que leva à moldagem do próprio mundo”, ao 
procurar, pois, “não apenas olhar para o verdadeiro reino dos ideais, mas realizá-lo” e 
ao alcançar “através das ideias o aprimoramento da realidade”. Nesse contexto, o 
mundo não poderia ser preterido: “É dentro do mundo e não fora dele que o homem 
ocidental encontra sua garantia”. Tal condição, no que anota (loc. cit.), teria tornado 
o homem ocidental “capaz de experimentar a realidade do mundo de tal forma que 
conheça o desastre no sentido profundo que vai além de toda interpretação”. 
Consequentemente, o espírito trágico “se torna simultaneamente realidade e 
consciência. A tragédia é conhecida apenas pelo Ocidente”. Para além disso, e como 
“todas as culturas”, o Ocidente teria percebido também “as formas de um universal”. 
Entretanto, anota o autor (ibid.: 64), “no Ocidente esse universal não coaduna em 
uma fixação dogmática de instituições e noções definitivas, nem na vida sob um 
sistema de castas, nem na vida sob uma ordem cósmica. Em nenhum sentido o 
Ocidente se estabiliza”. Nele, diz Jaspers (1953: 64), 
[…] são as exceções que rompem o universal, que geram as forças 
motrizes do dinamismo ocidental ilimitado: o Ocidente dá espaço de 
exceção para se mover. De tempos em tempos, admite um modo 
absolutamente novo de viver e criar — que é então capaz de destruir 
da mesma forma radical. A natureza humana atinge uma altura que 
certamente não é compartilhada por todos e à qual, talvez, quase 
ninguém ascenda. Mas, como faróis elevados, essas alturas 
proporcionam ao Ocidente uma orientação multidimensional. Nisso 
está enraizada a perpétua inquietação do Ocidente, sua contínua 
105
insatisfação, sua incapacidade de se contentar com qualquer tipo de 
satisfação. Assim, a vida surgiu como um extremo, em situações 
aparentemente frutuosas, pelas possibilidades que parecem 
impossibilidades. Desta forma, a religião profética dos judeus surgiu 
enquanto eles estavam impotentes entre dois impérios em guerra e 
eram entregues a poderes contra os quais toda a luta era vã, quando 
politicamente seu mundo estava em ruínas. Da mesma forma, a 
cultura nórdica e o ethos dos islandeses floresceram em resistência à 
regimentação do Estado à margem do mundo dos poderes políticos. 
Em contradição com sua liberdade e fluidez infinita, o Ocidente agora 
desenvolveu o extremo oposto na forma da reivindicação da verdade 
exclusiva pelas várias religiões bíblicas, incluindo o Islã. Foi apenas 
no Ocidente que a totalidade dessa reivindicação apareceu como um 
princípio que correu sem interrupção por todo o curso posterior da 
história. […] A reivindicação de uma única supremacia, ao colidir com 
a mesma reivindicação em outros disfarces, trouxe não apenas 
fanatismo, mas também o movimento irresistível de questionamento 
incessante. 
Por fim (cf. ibid.: 65), em um mundo não mais “fechado por nenhum 
universal, mas sempre se direcionando para um universal”, em um mundo em que as 
“exceções rompem e ganham reconhecimento como verdade, e em que a 
reivindicação de verdade exclusiva parte dos credos históricos e toma essas duas 
manifestações em si”, a tensão obrigaria “a levar o homem às fronteiras extremas do 
espírito” [uttermost bournes of the spirit]. O Ocidente seria tipificado, assim, escreve 
Jaspers, por uma “resutilidade [resoluteness] que leva as coisas a extremos, as 
elucida até o último detalhe, as coloca diante de um um ou outro [either-or], e assim 
traz consciência dos princípios subjacentes e estabelece frentes de batalha nos 
recessos mais íntimos da mente”. Essa determinação, diz Jaspers (1953: 65), “se 
manifesta nas tensões históricas concretas, nas quais quase tudo o que funciona no 
Ocidente é forçado; tais tensões são aquelas, por exemplo, entre cristianismo e 
cultura, entre Estado e Igreja, entre império e nações, entre as nações românicas e 
teutônicas, entre catolicismo e protestantismo, entre teologia e filosofia”. Por isso 
mesmo, “em nenhum momento o homem ocidental se sente absoluto e firme sobre 
seus pés. Qualquer reivindicação que ele possa fazer é imediatamente questionada”. 
Com tais pré-condições, no Ocidente, como em nenhum lugar além dele, pôde-se 
imaginar a ideia de “personalidades autônomas”, ao constituir-se “desde os profetas 
judeus e os filósofos gregos por meio dos grandes cristãos até figuras notáveis dos 
séculos XVI a XVIII”. Depois, haveria ainda um fator “final e preeminente” em sua 
formação, conforme diz Jaspers (1953: 65): “o amor pessoal e o poder da 
autoirradiação ilimitada em movimento nunca concluído”. No Ocidente, continua, 
106
teria surgido “uma medida de abertura, de reflexão infinita, de interioridade que 
primeiro fez com que o significado pleno da comunicação entre os homens e o 
horizonte da razão propriamente dita se iluminassem”. No mais, e ao concluir, aquilo 
que a este trabalho é caro, diz o autor (ibid.: 65 - 66): “o Ocidente ficou ciente de sua 
própria realidade”, e isso não teria se dado “a um nascimento de tipo humano 
dominante, mas de muitos tipos opostos”. Ou seja, nesse sentido, “nenhum homem é 
tudo, todo homem tem seu lugar e está necessariamente não apenas ligado aos 
outros, mas também separados deles. Portanto, ninguém pode desejar o todo”. 
Em resumo, o esforço de Jaspers, como vimos, enquanto um exercício da 
filosofia da história, se constitui como uma tentativa, julgada por ele como 
necessária, de trazer ahistória à memória, ao aumentar nossa consciência do 
presente. Conforme anotado, o autor indica que o homem sempre tentou imaginar o 
todo para si mesmo como um todo, e que uma concepção empírica da história teria se 
dado justamente nesse esforço. Contudo, diz, essa concepção, ao ser confrontada por 
uma multiplicidade ilimitada, restringiu-se a regularidades únicas e submeteu suas 
variações à análise da etnologia, e transformou a história mundial na história do 
Ocidente. Para o autor, entretanto, seria preciso resgatar, se existisse, uma unidade 
da história, a partir de um áxis, que ele vai denominar de “Era Axial”, onde o homem, 
como conhecemos hoje, teria surgido. Nessa Era, o homem teria se tornado 
consciente do Ser como um todo, de si mesmo e de suas limitações; teria 
experimentado o terror do mundo e sua própria impotência, ao fazer perguntas 
radicais, e ao estar cara a cara com o vazio, teria lutado por libertação e redenção: 
uma Era onde as categorias nas quais ainda pensamos foram criadas. Ao encerrar 
uma “Era Mítica”, a Era Axial teria sido berço dos filósofos e profetas, fazendo, nas 
áreas apresentadas, que o homem se tornasse consciente de si mesmo dentro de todo 
Ser, naquilo que depois teria sido chamado de razão e personalidade. Na Era Axial a 
existência humana teria se tornado objeto de meditação, assim como sua própria 
história. Para o autor, e por conta dos desenvolvimentos daí consequentes, tal Era 
não seria, assim, um simples movimento ascendente, senão uma era de destruição e 
criação simultâneas. Dela teriam surgido, a partir de uma fixação dogmática, os 
grandes impérios mundiais, que, apesar de terem se sentido eternos, caíram em 
pedaços. Segundo o autor, a desintegração e o reestabelecimento de grandes impérios 
se constituiriam, assim, a partir da Era Axial, através de uma tensão que primeiro 
107
nela fôra sentida: uma tensão que estaria em ação desde então, ao questionar toda a 
atividade humana e ao conferir a tal atividade um novo significado. Da Era Axial teria 
se dado consequências como a do fim das antigas civilizações, bem como as condições 
em que, até hoje, a humanidade teria vivido, em consequência daquelas suas 
transformações primeiras. Para além disso, embora tenha começado a partir de 
limitações espaciais, a Era Axial teria se tornado historicamente abrangente, e as 
transformações em seus três reinos teriam possibilitado uma profunda compreensão 
mútua entre tais. A Era Axial, assim, diz Jaspers, forneceria questões e padrões para 
abordar todos os desenvolvimentos subsequentes. 
Ao oferecer um campo de estudo que o autor chama de mais gratificante e 
mais frutífero em relação ao nosso próprio pensamento, a Era Axial teria sido, 
igualmente, algo que teria atraído a humanidade para um contexto único de uma 
história mundial, numa organização que, como anotamos, se daria entre povos axiais 
(chineses, indianos, iranianos, judeus e gregos), povos sem avanço (egípcios e 
babilônicos) e, enfim, os povos que vieram depois (os povos “históricos” e os ditos 
“primitivos”), os últimos frutos de seguidos processos de interpretação e assimilação. 
Nesses, incluir-se-ia o próprio Ocidente que, por sua vez, teria se organizado de 
forma distinta dos demais reinos. Jaspers, como vimos, indica que essa diferença é 
percebida, inicialmente, quando esse cai em uma clareza de opostos e em uma lucidez 
de um conflito espiritual que se deslocaria em várias forças internas e tendências 
religiosas, bem como quando esse se constitui em polaridade com um Oriente, em 
uma polaridade que é também interna a si mesmo. A seu momento, o cristianismo, e 
como constituinte do processo, teria sido capaz, por sua vez, de obrigar elementos 
contraditórios à união, ao ser resultado de um processo triplo: a partir de impulsos e 
premissas judaicas, de uma amplitude filosófica grega e de uma energia 
organizacional romana. A posição político-religiosa do cristianismo ocidental, assim, 
teria possibilitado uma continuidade cultural, apesar das rupturas e decadências. O 
Ocidente, portanto, teria introduzido sua própria originalidade em uma continuidade 
assumida em uma fonte estrangeira, e dessa se apropriado, trabalhando-a e 
transmutando-a. As cristalizações de tal posição, o Império Romano e a Igreja 
Católica, terminariam por formar a base de uma consciência européia, que, ao 
depreciar tudo o que fosse pré-grego e pré-judaico como estranho a ela, colocou todo 
o resto a cargo da etnologia e de seus museus. Nesse Ocidente, escreve o autor, 
108
também teria florescido, de maneira por si só distinta, um desenvolvimento 
científico-tecnológico considerável. Esse teria sido resultado, por sua vez, de uma 
disposição geográfica, bem como de um tipo especial de racionalidade, além de uma 
interioridade consciente e de uma confrontação com o mundo. Como os outros reinos 
axiais, o Ocidente teria conhecido a dicotomia da natureza humana; ao contrário das 
demais áreas, teria buscado, a partir disso, a moldagem do próprio mundo, ao dar ao 
homem ocidental as condições de experimentar este mundo enquanto um desastre 
além de toda interpretação. Igualmente como todas as culturas, o Ocidente também 
teria percebido as formas de um universal. Entretanto, e na contramão dos demais, 
esse universal nele não se coadunaria em uma fixação dogmática, ao dar a abertura 
para que exceções rompessem e ganhassem o reconhecimento como verdade, sem se 
fechar, enfim, a nenhum universal. Isso, diz Jaspers, teria dado ao homem ocidental 
aquele sentimento de não se sentir absoluto e firme sobre seus pés: ao imaginar a 
ideia de uma personalidade autônoma, o homem ocidental teria ficado ciente de sua 
própria realidade; uma realidade onde ele é tudo e onde não está apenas ligado a um 
outro, mas sobretudo separado desse. 
III 
De fato, a ideia de Jaspers tornou-se deveras proeminente com o tempo, e 
para os círculos ao tema receptivos, ofereceu solo propício para que discussões de 
áreas diversas fossem devidamente desenvolvidas, não as encerrando apenas na 
filosofia da história ou na história propriamente dita. Além do mais, não só sua 
recepção e compartilhamento, como também as incompreensões e críticas, 
permitiram um espaço que ainda hoje é frutífero. Aqui, para este trabalho, uma das 
discussões de tal proveniência ainda permitirá um auxílio não só de desenvolvimento, 
como de complementação das discussões. Trato das construções posteriormente 
desenvolvidas por Jan Assmann, egiptólogo e teórico da cultura, professor da 
Universidade de Heidelberg, principalmente a partir de seus trabalhos sobre a 
memória do Egito no Ocidente e, especialmente, a partir da figura do Moisés bíblico. 
Aqui, o leitor, de fato, pode estar a se perguntar pela razão do devido 
desenvolvimento e os valores que, para as discussões propostas, terão os dados de 
tais trabalhos anotados. Trato de, aqui mesmo, antecipá-los. Primeiro, como vimos, 
neste momento estamos a buscar uma certa hipótese que dê conta das respostas e dos 
109
desconfortos aqui identificados: qual é, afinal, o papel que toma a ideia de “redenção” 
para o pensamento do Ocidente, e por que justamente tal noção se torna central, 
enquanto um desenlace que, até onde se poderia imaginar, seria puramente secular? 
De onde vem tal ideia? Por que essa sua importância? Mencionamos depois que, para 
uma disposição do tipo, no âmbito da antropologia contemporânea, um considerável 
entusiasmo em relação ao que anotamos como “conceitos” bem poderia, nas palavras 
que dispomos, determinar o solo pré-conceitual que eles podem pressupor, além dos 
próprios personagens conceituais que eles acionam e a matéria do real que eles põem. 
Em terceiro lugar, então, indicamos uma postura que, para as soluções que 
perseguimos, seria, por isso mesmo, conceitual e histórica, mas também mnemônica, 
ou seja, conceitual pela disposição, histórica pela localização e mnemônicapela 
natureza — essa última a partir daqui enfim inteligível. Só depois será possível 
retornar à noção de uma “Era Axial” e suas respectivas implicações para o nosso 
trabalho. Nesse sentido, não apenas a proposição de Assmann quanto à “memória” 
nos servirá, como — e posteriormente — justamente uma “incorreção” dele dará a liga 
necessária ao trabalho. Posto isso, o trabalho com aqui primeiro lidamos é 
denominado de Moses the Egyptian, Moisés, o Egípcio. Nele, e em resumo, o autor se 
detém em grande medida a discutir uma exata posição histórica do antigo Egito em 
relação ao Ocidente, especialmente a partir do alto interesse ocidental por essa nação 
e sua história. 
Nesse texto — e também ao anotar algumas ondas de reavivamento egípcio 
no pensamento europeu, como no Renascimento e na expedição de Napoleão, para 
além da disposição egípcia do séc. XVIII — Assmann (1997: 19) busca lidar com o 
discurso que localiza Moisés, o personagem bíblico, como um homem propriamente 
egípcio. “Egípcio”, diz o autor (ibid.: 21), em um sentido mais amplo, ao compreender 
não apenas uma “identidade étnica, mas também cultural”, numa concepção que teria 
sido anotada por Manetho, Estrabão e Eratóstenes, assim como por Freud. Esse 
último, diz, em contraste, por exemplo, com aquelas disposições de Spencer, 
Reinhold e Schiller, que — anota — “se mantiveram fiéis à tradição canônica em que 
Moisés era um Hebreu”. No trabalho, Assmann (1997: 144ss) indica que, em “Moisés 
e o Monoteísmo”, Freud teria buscado “desenterrar uma verdade que nunca foi 
lembrada”. Notadamente, de acordo com Assmann (ibid.: 148), no escrito de 1939, 
“Freud sabia o que todos os outros não sabiam: que realmente havia uma 
110
contrarreligião monoteísta e iconoclasta no antigo Egito. Ele foi capaz de preencher a 
lacuna que muitos tentaram preencher com reconstruções fantasiosas”. Se uma 
história fosse capaz de “ser reconstruída como uma história de lembrar e esquecer, 
Sigmund Freud foi quem restaurou as evidências suprimidas, que foi capaz de 
recuperar memórias perdidas e finalmente completar e corrigir o quadro do Egito”, 
escreve o autor (loc. cit.). Apenas para breve nota, já no primeiro artigo, “Moisés, um 
egípcio”, do livro psicanalítico, diz Assmann (ibid.: 150), Freud teria se disposto a 
explicar que a história teria servido “não para glorificar um herói, mas para 
‘judeificar’ um egípcio”. Entretanto, e pelas informações empíricas de que ainda não 
dispunha Freud à época, esse mesmo artigo teria terminado “com uma estranha nota 
de renúncia” em que o autor original mencionava que “uma prova objetiva da data 
exata da vida de Moisés e do Êxodo do Egito não foi encontrada”, e, por isso mesmo 
— dizia Freud (apud. loc. cit.) — “a publicação de todas as outras conclusões que 
poderiam ser tiradas do fato de que ele era egípcio tem que parar”. Freud só teria 
retomado o esforço, e quebrado seu voto, conforme indica Assmann, quando 
“pareceu perceber que Moisés, ao ser egípcio, poderia ter algo a ver com ‘Ikhnaton’ e 
sua revolução monoteísta”, em relação à figura de Aquenáton, que passava a ser, a 
partir de tal lembrança, um Aufklärer para o pensamento do pai da psicanálise. 
No esforço que anotamos, Assmann, a partir do interesse e de uma disposição 
de compreensão da aproximação de Moisés e Aquenáton por Freud, tenta estabelecer 
algumas hipóteses sobre a identificação de uma figura da história (Aquenáton) a 
partir de uma figura da “memória” (Moisés). Assmann (1997: 2) bem lembra que isso 
se dá uma vez que “não podemos ter a certeza de que Moisés já viveu porque não há 
vestígios de sua existência terrena fora da tradição”, mas, e por sua vez, “havia um 
precursor na pessoa de um rei egípcio que se chamava Aquenáton e instituiu uma 
religião monoteísta no século XIV a.C”. Contudo, a religião de Aquenáton “não gerou 
tradição, mas foi esquecida imediatamente após sua morte”. Por isso mesmo, diz o 
autor (loc. cit.), “Moisés é uma figura da memória, mas não da história, enquanto 
Aquenáton é uma figura da história, mas não da memória”. A aproximação entre eles 
por Freud teria se dado diante de uma maré crescente de antissemitismo alemão, que 
superara todas as dimensões tradicionais de perseguição e opressão, e que fôra, como 
sabemos, transformado em um ataque assassino. No esforço da década de 1930, diz 
Assmann (1997: 5), Freud “não fez a pergunta óbvia de ‘como os alemães vieram 
111
assassinar os Judeus’; em vez disso, ele perguntou ‘como o judeu veio para atrair esse 
ódio eterno’”. No empreendimento que teria chamado de “sonho diurno”, Freud 
pretendia “chegar a um acordo com seu próprio judaísmo em particular”, ao ser ele 
mesmo um judeu, “e como o judaísmo como religião em geral, ao refletir sobre as 
origens, o desenvolvimento e o significado da distinção fundamental de Moisés entre 
judeus e gentios”. Nesse esforço, sua busca o teria levado até Aquenáton e sua 
revolução monoteísta. Ou seja, anota Assmann, “ao fazer de Moisés um egípcio e ao 
rastrear o monoteísmo até o antigo Egito, Freud tentou desconstruir a distinção 
assassina. É o mesmo método de desconstrução por redução histórica que Nietzsche 
usou em sua Genealogia da Moral”. É justamente nesse sentido que, diz Assmann, o 
livro de Freud representava um desafio tanto para egiptologia quanto para a religião 
comparada: “me perguntei por que houve tão pouca resposta por parte dessas 
disciplinas”. Esse desafio, aponta o autor, não seria o de “corrigir os erros históricos 
de Freud, mas de aprender a lembrar as questões fundamentais com as quais o 
presente aborda o passado e com as quais se espera que a egiptologia se preocupe”. 
Seria um esforço, diz Assmann, de “‘chegar a um acordo’”. 
A distinção com que se preocupava Freud, escreve o autor, era aquela 
expressa como a distinção entre Israel e Egito. No mapa da geografia física e política, 
o Antigo Israel e o Antigo Egito eram dois países vizinhos no Mediterrâneo oriental. 
Para Assmann, “ao compartilhar o mundo histórico e político comum que era o 
Mediterrâneo e o Oriente Médio, os dois países estavam relacionados entre si e com 
seus outros vizinhos por uma rede de laços políticos, comerciais e ideológicos”, laços 
esses, bem lembra (ibid.: 7), que “às vezes eram amigáveis, muitas vezes conflituosos, 
mas sempre complexos”. Contudo, segundo anota o mesmo autor (loc. cit.), no mapa 
da memória, Israel e Egito aparecem como mundos antagônicos: “A complexidade e a 
pluralidade de uma geopolítica contínua desaparece. A realidade histórica é reduzida 
a uma figura de memória que mantém apenas os dois como símbolo básico da 
distinção”. Ou seja, enquanto Israel incorporaria uma “verdade”, “o Egito simboliza 
escravidão e erro. O Egito perde sua realidade histórica e se transforma em uma 
imagem invertida de Israel”. Israel, anota, “é a negação do Egito, e o Egito representa 
tudo que Israel venceu”, e, nesse contexto, “esta constelação antagônica assumiu a 
forma de uma Grande Narrativa: o mito do Êxodo. É um ‘mito constelativo’, um 
‘Conto de Dois Países’, e o foco semântico do conto é a tensão que a constelação 
112
desses polos extremos cria”. Dessa forma, diz Assmann (1997: 7), “a construção da 
alteridade cultural e do confronto que o mito do Êxodo afeta no decorrer de sua 
formação, transmissão e transformação não pode ser reduzida a algumas 
experiências históricas no final da Idade do Bronze”. No campo da memória, anota o 
autor (loc. cit.), a narrativa do Êxodo enfatizaria “o significado temporal do 
antagonismo religioso entre monoteísmo e idolatria”, o “‘Egito’”, diz, “significa não 
apenas ‘idolatria’, mas também um passado rejeitado”: “O Êxodo é uma história de 
emigração e conversão, de transformação e renovação, de estagnação e progresso, e 
de passado e futuro. O Egito representa o antigo, enquanto Israel representa o novo”. 
Portanto, escreve, “a fronteira geográfica entre os doispaíses assume um significado 
temporal e passa a simbolizar duas épocas da humanidade”. No campo da tradição 
(cf. ibid. 7 - 8), “o Egito deve ser lembrado para saber o que está no passado e o que 
não deve ser permitido de volta”; o mito do Êxodo “não é um mito apenas a ser 
lembrado, mas um mito sobre lembrar, um mito sobre passado e futuro. Ele lembra 
do passado para ganhar o futuro. Idolatria significa esquecimento e regressão; 
monoteísmo significa lembrança e progressão”. Por outro lado, a lembrança do Egito 
também teria se constituído a partir de uma “‘memória desconstrutiva’”, 
especialmente a partir do Iluminismo, quando “todas as distinções eram vistas em 
oposição à Natureza, e a Natureza passou a ser elevada ao posto de ideal mais alto”. 
Conforme anota Assmann (loc. cit.), a fórmula de Spinoza “deus sive natura” (deus, 
isso é, natureza) equivaleria a uma abolição não só da distinção dita no Êxodo, “mas 
da mais fundamental de todas as distinções, a distinção entre Deus e o mundo”. Essa 
desconstrução, escreve nosso autor, teria sido “tão revolucionária quanto a 
construção de Moisés. Isso levou a uma nova avaliação do Egito. Os egípcios eram 
espinosistas e ‘cosmoteístas’. O cosmoteísmo antigo como base para a tradução 
intercultural foi redescoberto”. Ou seja, no discurso do Iluminismo, diz Assmann, o 
Egito “foi reconstruído como uma religião de mistério internacional e intercultural”. 
Se a memória do Êxodo funcionaria, “como um meio de formação e reprodução da 
identidade cultural”, uma a memória Iluminista funcionaria exatamente, por sua vez, 
“como uma técnica de tradução intercultural”. Ademais, é importante ter em mente 
que uma tradução do tipo pressupõe sempre uma tábula de correspondência, que, 
advertidamente, também indica, por si só, aquele próprio princípio de pluralidade, 
que foi, certamente, fundamental para o próprio Iluminismo. 
113
Um parênteses sobre a figura de Aquenáton: como vimos, e como anota 
Assmann (1997: 23), e ao contrário de Moisés, o faraó Amenófis IV “era uma figura 
exclusivamente da história e não da memória”. Isso teria se dado uma vez que “logo 
após sua morte, seu nome foi apagado das listas de reis, seus monumentos foram 
desmontados, suas inscrições e representações foram destruídas e quase todos os 
vestígios de sua existência fora destruídos”. Como bem lembra o autor (loc. cit.), 
durante séculos ninguém conheceu “sua revolução extraordinária”. Isto é, “até sua 
descoberta no século XIX, praticamente não havia memória de Aquenáton”. Moisés 
representaria o caso inverso, dado que — de fato — “nenhum vestígio jamais foi 
encontrado de sua existência histórica”, ao ter crescido e desenvolvido “apenas como 
figura de memória, ao absorver e ao incorporar todas as tradições que pertenciam à 
legislação, libertação e monoteísmo”. O interessante a anotar é que, logo após a 
primeira publicação das inscrições descobertas de Aquenáton, ter-se-ia percebido que 
“ele havia feito algo muito semelhante ao que a memória havia atribuído a Moisés: ele 
havia abolido os cultos e ídolos do politeísmo egípcio e estabelecido um culto 
puramente monoteísta de um novo deus da luz, a quem ele chamou de ‘Aton’” 
Consequentemente — pergunta — “Aquenáton era o Moisés egípcio? A imagem 
bíblica de Moisés foi uma transformação mnemônica do faraó esquecido?” Segundo, 
Assmann (ibid.: 24), “somente ‘ficção científica’ pode responder a essas perguntas 
com um simples ‘sim’”, mas sua disposição seria capaz de “mostrar que a conexão 
entre o monoteísmo egípcio e bíblico, ou entre uma contra-religião egípcia e a aversão 
bíblica ao Egito, tem fundamento na história” dada “a identificação de Moisés com 
uma memória deslocada de Aquenáton já havia sido feita na antiguidade”. 
O primeiro conflito entre duas religiões “fundamentalmente diferentes e 
mutuamente exclusivas” registrada na história teria ocorrido, lembra Assmann (ibid.: 
24 - 25), justamente no Egito no séc. XIV a.C. Esse conflito, diz, teria ocorrido 
“dentro de uma sociedade e não envolveu nenhuma agressão externa. Em sua rejeição 
radical da tradição e sua intolerância violenta, a revolução monoteísta de Aquenáton 
exibiu todas as características de uma contra-religião”: “nos primeiros anos de seu 
reinado, o faraó Amenófis IV mudou todo o sistema cultural do Egito com uma 
revolução de cima [with a revolution from above] na forma mais radical do que 
jamais foi alterada pela mera evolução histórica”. Para Assmann (ibid. 25), a 
revolução monoteísta de Aquenáton “não foi a primeira, mas também a erupção mais 
114
radical e violenta de uma contra-religião na história da humanidade. Os templos 
foram fechados, as imagens dos deuses foram destruídas, seus nomes foram 
apagados e seus cultos foram descontinuados”. A revolução, no que escreve nosso 
autor, deve ter causado um “choque terrível” a “uma mentalidade que vê uma 
interdependência muito próxima entre culto e natureza, e [entre] prosperidade social 
e individual”: “a não observância do ritual interrompe a manutenção da ordem 
cósmica e social. A consciência de um crime catastrófico e irreparável deve ter sido 
bastante difundida”. Além disso, anota, no final da era Amarna, uma crise política 
teria eclodido entre o Império Hitita e o Egito. Nessa, “os hititas invadiram uma 
guarnição egípcia na Síria e fizeram prisioneiros. Esses prisioneiros trouxeram uma 
praga para a Anatólia que varreu todo o Oriente próximo — provavelmente incluindo 
o Egito — e durou vinte anos”. Segundo escreve Assmann, essa teria sido a pior 
epidemia que a região conhecera na Antiguidade, e que — lembra — “é mais que 
provável que essa experiência, juntamente com a da revolução religiosa, tenha 
formado o trauma que deu origem ao fantasma do inimigo religioso”. 
Como anota Assmann (1997: 25), de fato poder-se-ia argumentar que “as 
pessoas em geral foram pouco afetadas pela interrupção dos cultos, o que teria 
preocupado apenas os sacerdotes”, dado que “a crença na coerência cósmica 
provavelmente era característica das classes sacerdotais, mas isso dificilmente foi o 
caso da população”. Entretanto, segundo o mesmo (cf. loc. cit.), “a descontinuação 
dos cultos e a desolação dos templos também implicaram a cessação dos festivais”, 
quando o afetar todos os demais. A festa religiosa no antigo Egito, diz, era a única 
ocasião em que os deuses deixavam seu tempo e apareciam ao povo em geral, isso 
porque, normalmente, “eles moravam em completa escuridão e reclusão dentro dos 
santuários de seus templos, inacessíveis a todos, exceto ao sacerdote em serviço”. 
Naquelas ocasiões de festas, por sua vez, as fronteiras entre sigilo e publicidade, 
sagrado e profano, interno e externo eram violadas: os deuses apareciam para as 
pessoas fora dos muros do templo. Dessa forma — diz — a ideia egípcia de cidade 
teria sido centrada e moldada justamente pelas festas religiosas, e a cidade, diz-se 
(ibid.: 26), “era o lugar onde a presença divina podia ser sentida por todos por 
ocasião das principais festas processionais. Quanto mais importante a festa, mais 
importante a cidade”: as festas promoviam “não apenas a participação religiosa, mas 
também a identificação e coesão social. Os egípcios conceberam a si mesmo como 
115
membros de uma cidade e não como membros de uma nação”. A abolição das festas, 
— escreve — teria “privado os egípcios individuais de seu senso de identidade e, além 
disso, de suas esperanças de imortalidade”, dado que “seguir as divindades em suas 
festas terrenas foi considerado o primeiro e mais necessário passo em direção a uma 
bem-aventurança sobrenatural” — conforme teria sido anotado no túmulo do último 
dos reis de Amarna, “Meu coração anseia vê-lo!” (cf. Assman, 1997: 26). Dessa forma, 
segundo anota o autor (loc. cit.), parece bastante claro que “o período de Amarna 
deve ter significado o maior grau de sacrilégio, destruição e horror para os egípcios:um tempo de ausência divina, escuridão e doença”; trauma resultante dos eventos de 
Amarna teria se refletido “tanto na experiência de alteridade religiosa e intolerância 
quanto o sofrimento causado por uma terrível epidemia” (cf. ibid.: 27). 
Ademais, para os egípcios, a religião de Amarna foi a primeira — “até seu 
encontro com judeus e talvez um encontro anterior com os persas” — “sua única 
experiência de uma religião alienígena”. Os egípcios, anota Assmann (cf. ibid.: 28), 
estavam familiarizados com divindades alienígenas, “mas não sabiam sobre religiões 
estruturalmente alienígenas”. Àquele momento, a religião, diz o autor, “era sentida 
como a mesma em todos os lugares, assim como a maioria dos deuses, já que seus 
nomes podiam ser facilmente traduzidos de um idioma e de uma religião para outra”, 
e até alguns desses deuses alienígenas teriam sido integrados à mitologia egípcia. 
Nesse sentido, explica nosso autor, “é bastante impossível que o tipo de confronto 
religioso e o conflito que é tão proeminente na história do Êxodo pudesse ter ocorrido 
no Egito, exceto na Amarna, pelo menos até a conquista persa (525 a.C.)”. Assim, 
para os egípcios, “isso deve ter significado um confronto de extrema alteridade, ainda 
mais extremos que seu confronto com os hicsos”. E como todos os vestígios do 
período Amarna haviam sido erradicados, “nunca houve tradição ou lembrança desse 
evento e sua expressão cultural até o século XIX, quando traços arqueológicos desse 
período sobreviveram apenas na forma de trauma”. Conforme bem anota Assmann, 
“os primeiros sintomas disso podem ter se tornado visíveis já cerca de quarenta anos 
após o retorno à tradição, quando conceitos de alteridade religiosa passaram a ser 
fixados nos asiáticos, que eram inimigos tradicionais do Egito” (cf. loc. cit.). 
Presumivelmente — diz o autor (ibid. 28 - 29) —, e naquele momento, inclusive 
“outras experiências haviam envolvido o vazio na memória coletiva que havia sido 
criada tanto pelo trauma quanto pela aniquilação de traços históricos”. 
116
Creio que, com isso, estamos prontos para compreender, com os dados 
apontados e antes das hipóteses que virão, o que seria a proposição de uma “mnemo-
história” e como tal fará conjunto com nossa disposição a partir do “conceito”. 
Advertidamente, a proposição é a união, assim, de uma indicação de Assmann com o 
que, subsidiariamente, anotamos neste trabalho. 
Em retrospectiva — como diz Assmann (1997: 6) — sua dedicação estava, 
justamente, em tentar uma “mnemo-história do antagonismo religioso na medida em 
que esse antagonismo se baseia no confronto simbólico de Israel e do Egito”. 
Contrariamente da história propriamente dita, diz o autor (ibid.: 9), a mnemo-
história “não se preocupa com o passado como tal, mas apenas com o passado como é 
lembrado. Ela examina as histórias da tradição, as teias da intertextualidade, as 
continuidades diacrônicas e as descontinuações da leitura do passado”. A mnemo-
história — escreve — não seria o oposto da história intelectual, “mas sim um de seus 
ramos ou subdisciplinas, como a história intelectual, a história social, a história das 
mentalidades ou a história das ideais”. Contudo, conforme diz Assmann (loc. cit.), 
esta “tem uma abordagem própria na medida em que deliberadamente deixa para 
trás os aspectos sincrônicos do que está investigando”, ou seja, concentrando-se 
“exclusivamente nos aspectos de significado e relevância que são produtos da 
memória — isto é, de um recurso a um passado — e que aparecem apenas à luz de 
leituras posteriores. Mnemo-história é a teoria da recepção aplicada à história”. 
“Recepção”, diz, não no sentido apenas de recebimento, uma vez que, segundo anota, 
“o passado não é simplesmente ‘recebido’ pelo presente. O presente é ‘assombrado’ 
pelo passado e o passado é modelado, inventado, reinventado e reconstruído pelo 
presente”. De fato, no que complementa (cf. loc. cit.), tudo isso implicaria “as tarefas 
e técnicas de transmissão e recebimento, mas há muito mais envolvido na dinâmica 
da memória cultural do que é coberto pela noção de recepção”, a partir de onde “faz 
muito mais sentido falar de a Europa ter sido ‘assombrada’ pelo Egito do que de o 
Egito ter sido ‘recebido’ pela Europa”. 
Nesse sentido, um estudo mnemo-histórico não teria como objetivo 
“averiguar a possível verdade de tradições como as tradições sobre Moisés, mas 
estudar essas contradições como fenômenos de memória coletiva”. Memórias, 
lembra, podem ser “falsas, distorcidas, inventadas ou implantadas”, por isso, a 
memória “não pode ser validada como fonte histórica sem ser verificada em relação a 
117
evidências ‘objetivas’”. Isso é verdadeiro, lembra, tanto para a memória coletiva 
quanto para a memória individual. Contudo, diz, “para um historiador da memória, a 
‘verdade’ de uma determinada memória reside não tanto em sua ‘factualidade’ quanto 
em sua ‘realidade’. Os eventos podem ser esquecidos, a menos que vivam na memória 
coletiva”. Da mesma forma, explica Assmann (1997: 10), “não há significado na 
história a menos que essas distinções sejam lembradas”, ou seja, “a razão para esse 
‘viver’ reside na relevância contínua desses eventos. Essa relevância não vem de seu 
passado histórico, mas de um presente em constante mudança no qual esses eventos 
são lembrados como fatos importantes”. A mnemo-história, dessa forma, analisaria 
“a importância que um presente atribui ao passado”, ao analisar os “elementos 
míticos na tradição” e ao descobrir “sua agenda oculta”. Ou seja, ela está em uma 
postura diferente daquele positivismo histórico, que, ao seu momento, consistiria em 
“separar os elementos históricos dos míticos na memória e distinguir os elementos 
que retêm o passado daqueles que moldam o presente”. Ademais, e como bem anota 
o mesmo Assmann (ibid.: 12ss.), esse esforço também não é recente. Por isso mesmo 
e da mesma forma, contudo, deve-se ter em mente que o estudo histórico dos eventos 
deve ser cuidadosamente distinguido do estudo de sua comemoração, tradição e 
transformação na memória coletiva das pessoas envolvidas (ibid.: 14). 
Importante assim é considerar, por sua vez, que, no esforço disposto, 
compreendendo-a enquanto uma capacidade individual e social, a memória não seria, 
dessa forma, “simplesmente o armazenamento de ‘fatos’ passados, mas o trabalho 
contínuo da imaginação reconstrutiva”. Ou seja, e conforme bem anota nosso autor, 
“o passado não pode ser armazenado, mas tem que ser sempre ‘processado’ e 
mediado. Essa mediação depende dos quadros e necessidades semânticas de um 
determinado indivíduo ou sociedade dentro de um determinado presente”. Assim, 
explica Assmann, “se ‘somos o que lembramos’, a verdade da memória está na 
identidade que ela molda”. Tal verdade, diz, “está sujeita ao tempo para que mude a 
cada nova identidade e a cada novo presente. Encontra-se na história, não como 
aconteceu, mas como vive e desdobra na memória coletiva”. Consequentemente, diz, 
“se ‘somos o que lembramos’, somos as histórias que somos capazes de contar sobre 
nós mesmos”, a partir de onde “‘pode-se dizer que cada um de nós constrói e vive 
uma ‘narrativa’, e que essa narrativa somos nós, nossas identidades’”. 
Advertidamente, completa Assmann, “o mesmo conceito de organização narrativa da 
118
memória e da autoconstrução se aplica ao nível coletivo”, e nesse plano, “as histórias 
são chamadas de ‘mitos’. Elas são as histórias pelas quais um grupo, uma sociedade 
ou uma cultura vive”. Curiosamente, a mnemo-história, dessa forma, também 
investigaria por certo a história do que se convencionou chamar de memória cultural. 
Como bem escreve Assmann (1997: 15), “mnemo” é apenas uma tradução do grego 
“Mnemosyne” [Μνηµοσύνη], que na mitologia grega era a mãe das nove Musas. 
Mnemosyne assim, diz Assmann, passou a representar a totalidade das atividades 
culturais sob essa personificação, que era por suavez personificada pelas diferenças. 
Portanto — ensina — ao subsumir essas atividades culturais sob a personificação da 
história, os gregos “estavam a ver a cultura não apenas como baseada na memória, 
mas como uma forma de memória em si mesma”. 
Ademais, uma postura do tipo também se disporia a uma “história do 
‘discurso’”, “discurso” esse que Assmann (ibid.: 16) diz entender como “algo mais 
específico do que esse termo passou a se referir na esteira de Michel Foucault e 
outros”. Assim, para o autor que citamos, “discurso” é especificamente “uma 
concatenação de textos que se baseiam uns nos outros ou negociam um assunto 
comum”: “é um tipo de conversa textual ou debate que pode se estender por gerações 
e séculos, até milênios, a depender da institucionalização da permanência, como 
escrita, canonização, instituições educacionais e clericais”. Consequentemente, 
escreve o autor, o “discurso”, no sentido restrito de debate, seria “organizado por um 
quadro temático e um conjunto de regras (não escritas) sobre como lidar tanto com 
textos antecedentes quanto com o assunto” e nele se incluiriam “regras de conversa, 
argumentação, citação, verificação e muitas outras”. Dessa forma, no âmbito da 
mnemo-história, uma análise do discurso seria aquela que investigaria a 
“concatenação de textos como uma linha vertical de memória” e buscaria “os fios de 
conectividade que estão a trabalhar por trás dos textos”, ou seja buscaria justamente 
“a intertextualidade, a evolução das ideias, o recurso a evidências esquecidas, as 
mudanças de foco e assim por diante”. Por isso mesmo, e no sentido disposto, o 
“discurso é mais que intertextualidade”, uma vez que, “além da dimensão textual, há 
sempre a dimensão material ou temática”. Em resumo, então, e para a análise 
necessária, o discurso seria, “definido pela dupla relação de um texto com a cadeia de 
seus antecessores (dimensão textual) e com o tema comum (dimensão material)”. 
Exatamente por isso, e naquilo que anota o autor (cf. loc. cit.), a semelhança dos 
119
textos que participam de um discurso que — diz Assmann — bem lembraria o 
conceito lévi-straussiano de “mito” em si, enquanto aquela totalidade de suas versões. 
Advertidamente, no caso específico tratado pelo autor, o discurso Moisés-Egito seria, 
em si, uma história que se desenrolaria em inúmeras versões, da mesma forma que as 
de Hércules ou Prometeu. A diferença anotada seria apenas que o discurso de 
Moisés-Egito não é contado por poetas, mas por estudiosos em si, enfim. 
Em síntese. 
Mencionamos antes que a postura que aqui se desenvolve (i) é conceitual pela 
disposição, dado que estamos, como anotado, partindo da preocupação de 
compreensão por meio dos conceitos envolventes, seus componentes e problemas; 
(ii) é histórica pela localização, uma vez que, assumidamente, um problema de 
pensamento se dá em espaço/tempo que é devidamente localizável; e, enfim, (iii) é 
mnemônica pela natureza. É justamente essa “natureza” que aqui se desenvolveu. 
Vimos que, para Jaspers, quando esse demonstra a necessidade da identificação 
daquele áxis de uma história, sua disposição estava justamente em ajudar a aumentar 
nossa consciência do presente, isso porque — dizia — a história desapareceu 
largamente da memória. Da mesma forma, quando Freud tentava a aproximação 
entre Moisés e Aquenáton, sua preocupação era a de desenterrar uma verdade que 
nunca foi lembrada. Nosso esforço parece ser o mesmo, mas a partir do completo 
contrário. Estamos, com base nas informações que detemos, a levar a memória à 
história: à história que contamos e à que constituímos. A proposição de Assmann é, 
por isso, fundamental, e se põe em boníssima hora. Importa-nos, aqui, e para dar o 
devido lugar da memória à história, não um apego cego em uma maneira como teria 
sido o passado como tal, mas justamente em como esse passado é lembrado — quais 
técnicas são dispostas nessa lembrança, ou ainda, como e quando esse mesmo 
passado é esquecido, bem como quais dispositivos são acionados. Levar a memória à 
história é considerar, como vimos, que o passado não é recebido pelo presente, mas 
que o presente é mesmo assombrado pelo passado. A “verdade” que perseguimos não 
é a que se apega às evidências (que dizem que os mosquetes e a pólvora são verdade), 
mas a que busca entender a realidade das memórias dispostas (tudo que vem do 
estrangeiro é verdade). O passado, tenhamos em mente, não é armazenado, embora 
possa sê-lo nos registros que encontramos; o passado é processado, mediado, 
disposto, portanto, nos registros que produzimos. Advertidamente, se somos o que 
120
lembramos, e embora a lembrança nos seja inconveniente, nossa verdade está 
justamente na identidade moldada. O homem, vimos, a partir da Era Axial, anseia e 
busca por libertação e redenção, mas quando confrontado com o desastre, esse dispõe 
de técnicas que pareçam capazes não só de libertá-lo, mas de imunizá-lo desse 
sofrimento mesmo. Ao buscar os fios de conectividade, a concatenação e conversa de 
e entre textos, a evolução das ideias e os recursos a evidências, estamos a abrir mão 
de um positivismo que busca distinguir elementos que retêm o passado daqueles que 
moldam o presente. Estamos a renunciar às construção de caricaturas de mármore; 
estamos a reconhecer a murta que nos constitui. Estamos, assim, a considerar a 
“cultura” como personificação das diferenças. Estamos a concordar que os conteúdos 
que analisamos só podem ser compreendidos na subjetividade de nossa própria 
existência, aquela que também nos liga uns aos outros. Estamos a fazer a 
antropologia com os povos dentro [with the people in], e a aí reconhecer-nos. 
IV 
Mas, afinal, qual o ponto de ligamento entre a Era Axial e as disposições 
anotadas neste segundo momento? No que isso ajuda numa compreensão dita 
mnemo-histórico-conceitual? A resposta exigirá, talvez para boa surpresa, que nos 
apeguemos, por primeiro, a um erro de Jan Assmann, que fôra posteriormente 
assumido e corrigido por ele, mas que poderia ser, também aqui, um grande erro — e 
que, apesar de nossa disposição pela memória, bem se constituiria como uma falha 
histórica/empírica. Igualmente, perceberemos que um erro é sempre um erro, e, por 
isso, só sua correção e os resultados daí advindos podem se constituir como frutuosos 
para qualquer trabalho que almeje ser levado a sério. O erro surge do livro que já 
anotamos, i.e., Moses the Egyptian, mas é desenvolvido com mais afinco 
posteriormente, em seu Die Mosaische Unterscheidung oder der Preis des 
Monotheismus [A distinção mosaica ou o Preço do Monoteísmo], de 2003, que fôra 
traduzido para o inglês como “The price of Monotheism” [O preço do Monoteísmo], 
através do qual nos detemos. Nesse, Assmann (2009) busca responder às críticas 
recebidas a partir do livro anterior. Para isso, nosso autor trata de conferir especial 
atenção à Era Axial, que aqui anotamos a partir da proposição original de Jaspers. A 
“distinção mosaica”, que compreenderemos, teria sido, para Assmann, “o aspecto 
mais importante” de uma mudança entre religiões ditas “primárias” e “secundárias”, 
121
dada na Era Axial. Nesse sentido, as religiões primárias, a partir de construções 
teóricas, diz Assmann (2009: 1), seriam aquelas que “evoluem historicamente ao 
longo de centenas e milhares de anos dentro de uma única cultura, sociedade, e 
geralmente também idioma, com os quais está inextricavelmente entrelaçada”, como 
aquelas do mundo cultual e divino da antiguidade egípcia, babilônica e greco-
romana. Já as secundárias, aponta (loc. cit.), seriam aquelas que “devem sua 
existência a um ato de revelação e fundamento, constroem sobre as religiões 
primárias e tipicamente se diferenciam das últimas denunciando-as como 
paganismo, idolatria e superstição”. 
Para Assmann (ibid.: 2), o crucial dessa mudança não seria aquela “distinção 
entre o único Deus e muitos deuses, mas a distinção entreverdade e falsidade na 
religião, entre o verdadeiro Deus e os falsos deuses, verdadeira doutrina e falsa 
doutrina, conhecimento e ignorância, crença e incredulidade”. A “distinção mosaica”, 
diz Assmann (ibid.: 3), não teria sido “um evento histórico que revolucionou o mundo 
da noite para o dia, mas uma ideia reguladora que exerceu influência na mudança de 
um mundo aos solavancos, por assim dizer, durante um período de centenas e 
milhares de anos”. Só assim, diz Assmann, poder-se-ia falar em em uma “mudança 
monoteísta”. De toda forma, as religiões secundárias, ao se constituírem como 
“religiões do livro” (budismo, judaísmo, cristianismo, etc.), teriam em comum aquele 
“conceito enfático de verdade. Todas elas repousam em uma distinção entre religião 
verdadeira e falsa”. Isto é (cf.: loc. cit.), tais religiões proclamariam “uma verdade que 
não está em uma relação complementar com outras verdades, mas que entrega todas 
as verdades tradicionais ou rivais ao reino da falsidade”. Essa verdade exclusiva, diz 
Assmann, seria “algo genuinamente novo, e seu caráter novo exclusivo e excludente 
se reflete claramente na maneira como é comunicada e codificada. Ela afirma ter sido 
revelada à humanidade de uma vez por todas”. Ou seja, ela o faz ao considerar que 
“nenhum caminho de modelagem meramente humana poderia ter levado, das 
experiências acumuladas ao longo de inúmeras gerações, a esse objetivo”, e, para 
tanto, essa verdade é “depositada em um cânone”. Sua energia antagônica com as 
demais permitiria “reconhecer e condenar a falsidade e expor a verdade em um 
edifício normativo de diretrizes, dogmas, preceitos comportamentais e doutrinas 
salvíficas”. Dessa verdade — anota (ibid. 4) — derivaria sua “profundidade, seus 
contornos claros e sua capacidade de orientar e direcionar a ação a partir dessa 
122
energia antagônica e do conhecimento seguro do que é incompatível com a verdade”. 
Segundo Assmann (2009: 4), assim, essas novas religiões poderiam ser 
caracterizadas pelo termo “contra-religião”, uma vez que, para elas, bem exemplifica, 
“a verdade a ser proclamada vem com um inimigo a ser combatido. Só eles conhecem 
hereges e pagãos, falsa doutrina, seitas, superstição, idolatria, magia, ignorância” ou 
“quaisquer outros termos que tenham sido cunhados para designar o que eles 
denunciam, perseguem e proscrevem como manifestações de inverdade”, explica o 
autor. 
A distinção entre Israel e Egito seria a distinção, então dita mosaica, entre 
verdade — Israel — e mentira — o Egito —. Para tanto, e a partir do que pudemos 
anotar no parágrafo acima enquanto questão canônica, Assmann (ibid.: 9), também 
ao considerar outros livros proféticos, apoia sua especial construção com base no que 
ele vem chamar de “tradição deuteronômica”, que teria em seu centro o 
Deuteronômio, quinto livro de Moisés, que “respira um espírito inconfundivelmente 
didático e homilético que também anima outros livros e um estrato redacional 
específico”. O Deuteronômio, anota, “‘tem algo sobre ele que fala diretamente ao 
coração; mas também satisfaz a cabeça através de sua vontade contínua de explicar.’” 
Esse, conforme diz, é “um livro didático e guia prescritivo que pretende estabelecer as 
bases para a vida prática e social de toda comunidade”, ao contrário dos escritos 
sacerdotais que se constituiriam como manual para o culto no templo. Conforme 
Assmann, a religião que se anuncia na tradição deuteronômica visaria “transcender o 
mundo, libertar seu povo das restrições deste mundo, vinculando-o à ordem 
sobrenatural do direito”. Nesse sentido, uma religião de tal tipo, assim, diferir-se-ia 
daquela que teria de ser superada, a primária, pelo meio do qual exigiria que o crente 
voltasse para o mundo “em rituais de culto e sacrifício, ao dar seu consentimento 
arrebatador à ordem divina da criação”. A religião secundária, por sua vez, “exige, 
acima de tudo, que eles se afastem do mundo ao estudar assiduamente os escritos nos 
quais a vontade e a verdade de Deus foram depositadas”. Contudo, para o argumento 
de Assmann, nota-se que na Bíblia hebraica ambas as religiões não são apenas 
colocadas lado a lado, como se opõem uma à outra em relação de tensão, ou seja, 
“uma vê o que a outra nega”. Entretanto, diz, é também na Bíblia hebraica que se 
poderia, segundo o autor, observar uma ruptura, no sentido de que a religião 
monoteísta “de forma alguma seguiu a religião arcaica como próximo estágio lógico 
123
em seu desenvolvimento; a relação entre religiões monoteístas e arcaicas é de 
revolução, não de evolução” (Assmann, 2009: 11). O argumento seria, portanto, que, 
quando os escritos bíblicos combinam as imagens de ambas as religiões “em um 
quebra cabeças ilustrado e organiza suas diferenças”, o que se teria produzido não era 
outra coisa senão que uma ruptura com “o passado que se baseia na distinção entre 
verdade e falsidade e gera, ao longo do curso subsequente de sua recepção, a 
distinção entre judeus e gentios, cristãos e pagãos, cristãos e judeus, muçulmanos e 
infiéis, verdadeiros crentes e hereges” (loc. cit.). A distinção mosaica, assim (ibid.: 
32), não designaria por si uma mudança histórica, diz Assmann, “mas sim — na 
medida em que foi convertida em prática da vida real — um evento ou momento”, 
cujo primeiro momento, a partir dos registros históricos, seria o golpe de Aquenáton 
em Amarna. A Bíblia, por sua vez, também disporia de diversos “momentos” 
monoteístas. Consequentemente, a distinção mosaica, e embora não possa ser em um 
ponto datada, está nos textos, e, diz o autor, “não pode haver dúvida de que também 
foi traduzida para a realidade histórica em muitas ocasiões e com diferentes graus de 
violência” (cf. loc. cit.). 
A distinção mosaica teria, assim, desencadeado uma “força transformadora 
do mundo que, no entanto, se mostrou incapaz de se estabelecer permanentemente 
como uma conquista irreversível e irrevogável”. Ou seja, uma distinção mosaica não 
diz que haja um deus e nenhum outro, ao contrário, diz, isto sim, “que, ao lado do 
único Deus Verdadeiro, existem apenas falsos deuses, a quem é estritamente proibido 
adorar. Essas são duas coisas diferentes”. Para Assmann (cf. ibid.: 34), se 
considerássemos, assim, que a Bíblia hebraica é “um texto polifônico”, onde “para 
quase todas as vozes há uma contravoz”, então, consideraríamos também que a 
distinção mosaica é a melodia cantada por uma voz particular, não o refrão de uma 
religião permanentemente estabelecida”. De toda forma, uma ideia monoteísta só 
poderia, contudo, ter sua longevidade garantida “como um corpus textual, não como 
uma religião institucionalizada, pelo menos não em absoluto rigor, pureza e 
consequência”. Por isso mesmo, e assumidamente, lembra Assmann (ibid. 35), “essa 
forma de ‘institucionalização através da palavra escrita’ nunca aconteceu no Egito e 
foi realizada pela primeira vez em Israel”. Ademais, o monoteísmo encontrado no 
Antigo Testamento deve, segundo o autor (ibid.: 36), “ser classificado como um 
monoteísmo revolucionário e exclusivo. Seu caráter exclusivo é expresso com clareza 
124
suficiente no primeiro mandamento”, isto é, “não terás outros deuses além de mim”. 
Só esse monoteísmo se basearia na distinção mosaica: “a distinção entre religião 
verdadeira e falsa por trás da qual, em última instância, está a distinção entre deus e 
o mundo”. Na revolução de Aquenáton, anota Assmann (2009: 38), esse teria 
concluído “que outros deuses não tinham nenhum papel a desempenhar na criação e 
manutenção do universo”, seriam, assim, inexistentes, “nada além de mentira e 
engano”. Contudo, diz, o projeto mosaico proporia estabelecer “uma nova ordem 
política, não uma nova cosmologia. Ele falava a linguagem da lei, constituições, 
convênios e obrigações contratuais. Sua preocupação é com um monoteísmo político, 
um monoteísmo que une as pessoas”. No mandamento primeiro, diz Assmann (loc. 
cit.),parece mesmo se reconhecer sobretudo que, ao contrário do caso de Aquenáton, 
“a existência de outros deuses é reconhecida. Caso contrário, a exigência de lealdade 
não teria sentido. Esses outros deuses não são negados, eles são expressamente 
proibidos”, ou ainda, “quem se apaixona por eles não é simplesmente iludido, mas 
culpado de cometer o pior pecado possível”. Assim, lembra, “o conceito de religião 
‘falsa’ tem, portanto, um significado diferente para Aquenáton do que para Moisés”, 
isto é, o que Aquenáton consideraria ser uma visão de mundo equivocada, diz, em 
Moisés é “evidência de deslealdade ou, mais precisamente, uma quebra de contrato. 
Uma é categoria cognitiva, uma questão de conhecimento, a outra uma categoria 
política, uma questão de obrigação mútua”. (loc. cit.) O monoteísmo bíblico, assim, e 
isso é importante que se anote, “tem significado principalmente político”: “o ciúme do 
deus bíblico é um afeto político, despertado mais pela transgressão de um parceiro 
contratual do que pela infidelidade de uma pessoa amada”. 
Além do mais, a oposição localizada bem deve ser considerada a partir do que 
o autor mesmo vai chamar de “cosmoteísmo”, no lugar de puro politeísmo, de que 
trataremos outra vez à frente. Essa ideia — em vez de considerar tão somente a 
existência de vários deuses — expressa uma concepção de que “um mundo de deuses 
não se opõe ao mundo composto pelo cosmos, humanidade e sociedade, mas os dota 
de significado como um princípio estruturante e ordenador”: “os deuses agem em seu 
destino apenas em relação um ao outro. Um mundo de deuses, portanto, toma forma 
como uma teologia cósmica, política e mítica”, além de que “é como uma narrativa 
sobre o cosmos, sobre leis cívicas e culturais e sobre destinos míticos que o divino se 
torna palavra pela primeira vez” (ibid.: 40 - 41). É essa a teologia atacada pelo 
125
monoteísmo, diz o autor. “A pluralidade é o osso da discórdia, com certeza, mas o 
fator decisivo não é o princípio numérico da pluralidade, mas a distinção do divino e 
do mundano, dos quais a pluralidade necessariamente se segue”, ou seja, “o divino no 
mundo está inscrito nas três dimensões da natureza, estado e mito. O politeísmo é 
cosmoteísmo. O divino não pode se divorciar do mundo”. No entanto, diz Assmann 
(2o09: 41), o monoteísmo se propõe a fazer exatamente isso; nele, “o divino é 
emancipado de seu apego simbiótico ao cosmos, à sociedade e ao destino e se volta 
para encarar o mundo como um poder soberano”. Ao mesmo tempo, indica o autor, 
“o homem também é emancipado de sua relação simbiótica com o mundo e se 
desenvolve, em parceria com o único Deus, que habita fora do mundo, mas se voltou 
para ele, um indivíduo autônomo — ou teônomo”. Eis as consequências psico-
históricas do monoteísmo, eis o sentido de liberdade no sentido religioso: “o 
monoteísmo transforma a auto-imagem do homem não menos fundamentalmente do 
que em imagem de Deus”. Para nós, diz Assmann (cf. ibid. 42), um reencantamento, 
um “retorno ao politeísmo”, assim, estaria fora de questão. Ao estarmos atualmente 
“nessa longa história de emancipação e diferenciação, seríamos simplesmente 
incapazes disso. Como ocidentais, não podemos viver em um mundo espiritual aberto 
pela distinção mosaica”. Consequentemente, assim, tenhamos aqui atenção ao dado, 
“com a partida do Egito foi cortado um cordão umbilical que não pode ser religado. 
Através da partida do Egito, nos tornamos livres”, ou seja, “livres do que o livro do 
Êxodo retrata como repressão faraônica, e livres também de uma relação simbiótica 
com o mundo que, do ponto de vista do monoteísmo, aparece como um emaranhado 
fatal”. Com a saída do Egito, “o divino também emerge de sua imanência nas ordens 
cósmica, cultural, política e social deste mundo”. Em última análise, diz Assmann 
(loc. cit.), a distinção mosaica “significa a distinção entre deus e o mundo, e assim 
estabelece a distinção entre o homem e o mundo”. 
Outrossim, Assmann (ibid. 12) também anota que, tal como a religião 
monoteísta se apóia na distinção mosaica, a ciência teria se apoiado, por sua vez, 
naquela distinção parmenídica: uma distinguiria entre religião verdadeira e falsa, e a 
outra entre cognição verdadeira e falsa. Tal distinção, diz nosso autor, articulada nos 
princípios de “identidade, não contradição e meio excluído (tertium non datur)” é 
aquela comumente associada ao nome de Parmênides, que vivera no século VI a.C. 
Parmênides teria incluído uma “restrição de pensamento”. Ou seja, “à medida que ele 
126
repete continuamente, com força crescente, que o Ser é, e o não ser não é. Aquilo que 
é não pode não ser; aquilo que não é não pode ser”, Parmênides expressaria, por isso, 
“a restrição ao pensamento que foi estabelecida por sua percepção de que uma 
contradição lógica não pode ser resolvida” (Jäger apud Assman loc. cit). 
Consequentemente, “ao traçar uma linha entre o ‘pensamento selvagem’ — os modos 
tradicionais e míticos de produção mundial — e o pensamento lógico, que se submete 
ao princípio da não contradição” essa “restrição ao pensamento” colocaria justamente 
“a cognição, a validação e o conhecimento em uma base inteiramente nova”. 
Advertidamente, bem anota Assmann (2009: 12), “o novo conceito introduzido pelos 
gregos não é menos revolucionário por natureza do que o novo conceito de religião 
introduzido pelos judeus”, que o autor diz ser representado pelo nome de Moisés. 
Isso porque — diz — “ambos os conceitos são caracterizados por um impulso sem 
precedentes de diferenciação, negação e exclusão”. Ou seja, nesse sentido, desde que 
houve ciência, há “com ela um conhecimento, baseada na distinção entre cognição 
verdadeira e falsa, que distingue do erro e se abre à crítica por meio de sua maneira 
de raciocinar”. Também — e igualmente deste então — há “distinções como aquelas 
entre mythos e logos, sabedoria e conhecimento, que correspondem precisamente à 
distinção entre idolatria pagã e religião”. Conforme anota nosso autor, portanto, o 
conhecimento científico seria, então, “‘contra-conhecimento’ porque sabe o que é 
incompatível com suas proposições. Apenas o ‘contra-conhecimento’ desenvolve um 
código regulatório que estabelece o que deve ser considerado conhecimento e o que 
não é”; esse segundo como um conhecimento de segunda ordem, portanto. Por isso 
mesmo, diz, o pensamento científico é “intolerante” — ou seja, as “verdades” da 
ciência “podem muito bem, em sua maior parte, ser relativas e ter uma vida útil 
limitada, mas isso não significa que sejam compatíveis com tudo mais sob o sol, pois 
elas têm seus próprios critérios de validade, verificabilidade e falseabilidade”. Essa 
intolerância ou o potencial de negação da ciência, portanto, se expressaria em duas 
direções, ao fim: “sua capacidade de distinguir entre o conhecimento não científico e 
científico, por um lado, e entre o conhecimento científico falso e correto por outro” 
(ibid.: 14). 
V 
Aqui — e muito certamente — se poderia concordar com as duas indicações, 
com as duas distinções, mas perceberia que uma, a mosaica, toma um lugar 
127
indefinido na história, ao ser componente da memória, enquanto a outra, 
parmenídica, por sua vez, pode ser temporalmente localizada, embora ela também 
seja uma atribuição dada a uma outra pessoa, no caso, o próprio Parmênides. 
Contudo, cabem algumas anotações feitas posteriormente por Assmann, e que 
alteram as disposições, confirmando nossa tese primeira, que nos ajuda ante nosso 
problema. De fato, em seus trabalhos posteriores, Assmann (cf. 2015) reconhece a 
história bíblica do Êxodo dos Filhos de Israel do Egito como “‘A’ história”, isto é, “a 
história das histórias, sem dúvida a maior, [e] em qualquer caso, a história 
consequentemente mais contada”, “embora talvez não literalmente experimentada” 
na história humana. Ela seria “uma história que em seus intermináveis relatos e 
recontos, variaçõese transformações, mudaram e formaram o mundo humano que 
vivemos” (ibid.: 3). Exatamente por isso, diz Assmann (loc. cit.), é natural que a 
atenção acadêmica tenha se concentrado “na questão do que realmente aconteceu”, 
quais suas evidências arqueológicas, epigráficas etc. Contudo, diz, sua própria 
preocupação não seria essa, mas — e como vimos ao mencioná-las antes — “quem se 
lembrou da história”. Isso, bem argumenta, não quer dizer que não haja pano de 
fundo histórico, até porque não é o caso se questionar, mas sim que “a história 
adquiriu seu impulso de mudança de mundo apenas em sua história de recepção e, 
embora os eventos históricos por trás dela possam se revelar bastante triviais, sua 
real importância é uma questão de memória e não de história” (ibid.: 4). É 
justamente por isso que o esforço de Assmann, como vimos, é precioso. O Êxodo não 
é apenas aquela história da origem de um povo que sobreviveu com sua identidade 
étnica e religiosa durante a queda do mundo antigo, mas sobretudo, diz (loc. cit.), é a 
exata história daquela “origem do monoteísmo que se tornou a orientação religiosa 
predominante na maior parte do mundo”: é a história que se tornou “modelo de 
muitas histórias de libertação, emancipação e salvação” que incluiria suas 
transformações seculares, como o marxismo, o socialismo, e até a psicanálise, como 
anota (cf. loc. cit.) 
Contudo — assume —, se a partir de Moses the Egyptian, Assmann teria 
tentado definir o núcleo conceitual da narrativa do Êxodo como “distinção mosaica”, 
entre religião verdadeira e falsa ou deuses verdadeiros e falsos, o autor, diante de 
críticas, “não a seguraria mais”: tal distinção “como característica definidora do 
monoteísmo” é mesmo irrefutável, mas — segundo completa — não mais a chamaria 
128
de “mosaica” (loc. cit.). Ou seja, “a distinção entre verdadeiro e falso na religião 
parece de alguma forma implícita na proibição da adoração de outros deuses e 
imagens, mas só se torna uma questão de verdade mais tarde na antiguidade com um 
certo conceito de revelação”. No monte Sinai a Torá não é “revelada” — lembra — mas 
“dada”, “e seu poder não repousa em sua verdade, mas no poder de autoridade do 
Deus que libertou Israel da escravidão egípcia”. Hobbes assim, diz Assmann (2015: 
4), teria razão ao dizer que “auctoritas non veritas facit legem”. A Torá, em seu 
aspecto de lei, “não é sobre verdadeiro e falso, mas sobre certo e errado”. Ou seja — 
explica nosso autor — “a história do Êxodo faz várias distinções que não têm nada a 
ver com o verdadeiro e o falso”. Em exato, assim, a distinção do Pentateuco de Moisés 
é entre libertação da escravidão egípcia e a formação da aliança no monte Sinai. 
Portanto, ensina, é outra distinção, “a de libertação e vinculação”, em que “libertação 
significa vinculação e vinculação significa libertação”: a primeira estabelece a 
distinção entre escravidão e liberdade, e a segunda, a aliança, “faz primeiro a 
distinção entre os escolhidos e os não escolhidos, Israel e os povos, e segundo, dentro 
da aliança, a distinção entre amigo e inimigo, aqueles que amam a Deus e guardam 
seus mandamentos e aqueles que não amam”. Israel está separado das nações, mas 
também entre seus escolhidos, Deus mostrará misericórdia e bondade ou punirá os 
pecados dos infiéis. (Ex 19:6; 20:5-6; Dt 5:9-10) Decisivo, portanto, diz Assmann 
(2015: 4 - 5), é o fato de que a distinção entre amigo e inimigo só funciona dentro da 
aliança. No Pentateuco, as outras nações não são inimigas, nem seus deuses falsos e 
inexistentes, mas exatamente ao contrário, diz, “eles são muito existentes e Israel 
deve renunciar a adorá-los. O que Deus pede de seu povo é fidelidade, não verdade, e 
as metáforas e modelos para esse conceito sem precedentes de aliança são filiação, 
matrimônio e aliança política”. O ponto de viragem, diz, é o conceito de “guerra 
santa”, onde “os povos externos são promovidos a inimigos de Deus e objetos de sua 
ira”, embora, no Pentateuco, diga respeito “apenas aos ‘sete povos’ que residem na 
terra que Deus prometeu dar aos israelitas” (cf. Dt 7:1-6). Igualmente, esse conceito 
não teria sido específico para Israel nem para o monoteísmo, dado que, conforme 
anota o autor, seria comum no mundo antigo a dita “monolatria ocasional”, quando 
uma relação é criada entre um senhor de guerra e uma divindade específica, ao 
depositar nesta toda a esperança para um fim próprio. Para Assmann (2015: 5), de 
toda forma, também é bem provável que a forma específica de monoteísmo, como o 
129
conhecemos, que se originou em Israel com os primeiros profetas no final do século 
VIII a.C tenha, assim, surgido desse mesmíssimo costume, enfim. 
O ponto para anotar se distingue, contudo, justamente a partir daquele 
momento que — como vimos — é deveras especial para Jaspers. Nesse sentido, 
Assmann (loc. cit.) bem lembra que o Êxodo como conhecemos — como segundo livro 
de Moisés, do Pentateuco ou Torá Judaica — deve ter levado uma vida literária 
própria antes mesmo de ter sido convertido em escrito, ao circular na tradição oral 
como mito. Tomá-lo como mito, diz assim Assmann (2015: 5), não significaria que 
estivéssemos diante de uma ficção sem núcleo histórico, mas que “a propriedade 
decisiva de um mito é que ele é uma história fundamentalmente bem conhecida e 
amplamente compartilhada, independentemente de sua base histórica ou ficcional”. 
A pergunta — repete — para o autor e também aqui, “não é o que realmente 
aconteceu, mas quem contou a história, por que, quando, para quem e como?”. 
Exatamente por isso, e se procuradas as primeiras alusões a tal específico mito, essas 
são encontradas justamente com os primeiros profetas, i.e., Oséias, Amós e Miquéias: 
“Quando Israel era criança, eu o amava e, do Egito, chamei de meu filho”(Os 11:11); 
“Eu te tirei do Egito e te levei 40 anos pelo deserto” (Am 2:10); “Eu não te tirei do 
Egito e te libertei da servidão e enviei diante de você Moisés, Arão e Miriã?” (Mq 6:4). 
Esses profetas, diz Assmann, por sua vez, ainda eram “ardentes mono-Yahvistas” 
[mono-Yahwists], não “monoteístas”, isso porque, neles, conforme Assmann escreve, 
“o conceito central é lealdade e fidelidade” [loyalty, fidelity, faithfulness]. 
Puramente, “qual é o objetivo da fidelidade se não há outros deuses? Qual é a censura 
do adultério se não houver outros homens com quem trair o noivo ou o marido?” 
Necessário seria reter, assim, também para o percurso desta dissertação, que, 
justamente a partir dessa primeira alusão ao mito do Êxodo, é estabelecida uma 
“ideia de um relacionamento muito próximo e íntimo entre Deus e Israel, baseado em 
um ato de salvação (da escravidão egípcia) e eleição (de outras nações e tribos)”. 
Dessa forma os primeiros profetas exigem, ao assumir a existência de outros deuses, 
“lealdade exclusiva e absoluta a um deus que provou ser o salvador e libertador”. Isso 
teria se dado — pontua Assmann (ibid.: 6) — “em um momento de maior perigo e 
aflição pelas mãos dos assírios. Os profetas previram e testemunharam a queda do 
Reino do Norte”. Para o autor, portanto, “se alguma vez houvesse uma ‘situação de 
emergência’ [Ernstfall]” esta teria se dado “no final do século VIII a.C. Era a hora da 
130
decisão e da ‘monolatria ocasional’: colocar toda esperança no Único deus capaz de 
ajudar, salvar, libertar” (loc. cit.). 
Entretanto — bem escreve — “não devemos assumir que esse monoteísmo 
profético de lealdade e fidelidade se tornou a religião geral do Antigo Israel”, 
justamente porque o que o que se lê nos primeiros profetas é, assim, em específico, 
“uma voz de oposição que encontrou forte rejeição e até perseguição”, para a qual 
aquela narrativa do Êxodo e de Moisés fôra a história fundamental de tal movimento. 
Conforme anota Assmann (2015: 6), quando cem anos depois o Império Assírio 
entrou em colapso, o momento era de esperança: no trono de Israel, estava Josias, 
“rei abertoàs novas ideias religiosas”, lembra. Josias teria, assim, sido presenteado 
com o livro que apareceu no decorrer do trabalho de restauração do templo, 
documento que é identificado como primeira versão do Deuteronômio. Esse livro, 
lembra o autor, dá “a nova ideia de um monoteísmo de fidelidade”, “a forma de um 
tratado político que os autores adaptaram dos juramentos de lealdade assírios e 
tratados vassalos”. A partir de então, e nesse contexto, “o tratado ou ‘aliança’ não é 
mais uma metáfora”, “mas a coisa real. Todo o sistemas de relações políticas […] 
agora é transformado no sistema religioso do monoteísmo da fidelidade e na única 
relação entre Deus e o povo, ou seja, o deus libertador e povo libertado”. No 
Pentateuco “as várias estipulações, mandamentos e proibições que formam o corpo 
do tratado recebem seu significado da história da libertação da escravidão egípcia. No 
contexto dessa história, a aliança aparece como um instrumento de liberdade”. 
Justamente por isso, lembra o autor, a ideia de “uma aliança política entre um deus e 
um povo é um conceito absolutamente novo, inédito e sem precedentes”. 
Consequentemente, a aliança implicaria, assim, em um triplo processo de 
teologização: “a teologização do conceito político de aliança”, “a transformação de um 
código de lei secular em ius divinum”; a transformação da “história humana em 
história sagrada”. Retrospectivamente, deve-se considerar, contudo, que já no séc. 
VII a.C existia também uma versão literária inicial da narrativa do Êxodo. No século 
VI, diz (ibid.: 7), quando Israel foi conquistada, o templo destruído e a elite deportada 
para o exílio, seus membros “foram capazes de levar consigo o corpo de literatura, 
uma codificação de suas tradições sagradas que lhes permitiu sobreviver a 50 anos ou 
mais de exílio babilônico”. Com o retorno dos exilados a Jerusalém, posteriormente, 
esses “trouxeram consigo seu novo código de crenças e práticas religiosas, que 
131
também era um critério de identidade e pertencimento. Ser judeu e pertencer a Israel 
como povo de Deus agora era definido pela observância da lei”. 
A seu momento, diz, os livros de Esdras e Neemias relatam os conflitos 
surgidos com a população que permanecera na terra, e que seria desconhecedora do 
“novo código de judaísmo”, quando esses adotaram costumes cananeus, ao formarem 
casamentos mistos e ao terem filhos judeus-cananeus. Consequentemente, a 
narrativa do Êxodo e suas ideias teria tomado um novo significado, ao provocar uma 
certa “contra-narrativa liberal” (cf.: 7). Ou seja, enquanto a narrativa do Êxodo marca 
as “ideias fortes e exclusivistas de libertação, eleição, pacto, amigo e inimigo”, o livro 
de Rute seria “uma contranarrativa à política de divórcio forçado de Esdras e 
Neemias”. Assim, a narrativa dos patriarcas apareceria, explica o autor, 
especialmente como “uma contranarrativa à narrativa do Êxodo”. Para Assmann 
(2015: 7), nesse mito “Deus também forma uma aliança, mas não com um povo, mas 
com um indivíduo, Abraão, a quem se promete tornar ancestral de um povo. Esta 
aliança, no entanto, não está explicitada em um corpo legislativo”. 
No mito do Êxodo, a terra deve ser conquistada e seus habitantes 
mortos ou expulsos. No mito do patriarca, a terra deve ser comprada, 
as relações entre a família de Abraão e os habitantes são amigáveis. 
Enquanto no mito do Êxodo as divindades cananeias são abominadas, 
Abraão e Melquisedeque, o sacerdote-rei de (Jeru)Salém, descobrem 
que seu deus é um e o mesmo. O deus do mito do patriarca é o criador 
universal do céu e da terra; o deus do mito do Êxodo é o libertador 
muito particular “que te tirou do Egito, a casa da escravidão”. O mito 
patriarcal é determinado por um espírito de liberalismo, humanismo 
e pacifismo; o mito do Êxodo mostra um espírito de radicalismo 
revolucionário que implica muita violência: primeiro o tratamento 
violento dos israelitas pelos egípcios; depois o tratamento violento 
dos egípcios por Deus nas dez pragas; após a libertação, a oposição às 
vezes violenta de que Moisés e Arão encontram com o povo 
“murmurador”; e depois da formação da aliança as reações 
extremamente violentas do “deus ciumento” contra violadores da lei, 
desertores e desobedientes. (Assmann, 2015: 7 - 8) 
Em um momento posterior, contudo — como diz o mesmo autor —, as 
narrativas se reunem, “ao tornar o mito do patriarca a pré-história do mito do 
Êxodo”, combinadas por meio da novela de José. Ademais, anota, a narrativa 
combinada “deve ter levado uma vida literária própria antes de ser integrada a uma 
história de enorme escopo, ao começar segundo o modelo das listas de reis 
babilônicos e egípcios como cosmogonia e ao integrar a história babilônica do 
dilúvio”. Além disso, cabe anotar ainda que na composição do mito do Êxodo (cf. 
ibid.: 8), na sua materialidade, “a estrutura narrativa é determinada pela 
132
correspondência do início e do fim em termos de falta — falta liquidada”. Assim — diz 
— “a falta é claramente representada pelo sofrimento de Israel no Egito. É liquidada 
pela obra de vida de Moisés, que transformou uma massa de escravos no povo de 
Deus e instituiu uma aliança na forma de uma lei, um culto, um templo”. Esses status, 
assim, é anterior ao alcance da Terra Prometida, é independente de sua morada lá. 
Assim, portanto, diz nosso autor, “o objetivo da narrativa não é a conquista — da 
miséria à posse — mas a libertação: da servidão à liberdade”. A realização duradoura 
de Moisés, dessa forma, se dá pela “aliança que Deus formou através de sua 
meditação com seu povo”. E por isso, essa “aliança só precisa ser lembrada na Terra 
Prometida para desfrutar da liberdade que a libertação da servidão egípcia concedeu 
ao povo. Ser e permanecer livre significa permanecer dentro da aliança e suas 
estipulações”. Ao seu momento, diz Assmann, “abandonar a aliança significa cair nas 
mãos de outros proprietários de escravos e simbolicamente retornar ao Egito” (2015: 
9). A narrativa do Êxodo, assim, seria ela mesma uma técnica de memória, ou seja as 
pragas que esse descreve “são sinais a serem lembrados como os dez mandamentos. 
Não é um evento punitivo e libertador. É uma mensagem a ser mantida para sempre 
e levada a sério”. Em consequência, tal “mnemotécnica que Moisés concebeu para 
lembrar constantemente o povo da aliança, suas várias obrigações, e da história que a 
enquadra e a explica, supera de longe qualquer coisa comparável no mundo antigo”. 
O livro do Êxodo — lembra — não é “apenas uma façanha de memória, ao lembrar um 
evento, por mais decisivo que seja, do passado distante”, mas é, sobretudo, o 
“fundamento de uma memória, ou seja, parte e objeto de uma mnemotécnica que 
enquadra e apoia a aliança”. Em síntese, “o Êxodo é A [THE] memória decisiva para 
nunca cair no esquecimento, e o Livro do Êxodo é a codificação dessa memória. […] 
Lembrar o Êxodo e a aliança significa sempre lembrar a promessa, olhar para o 
futuro” (cf. Assmann, 2015: 11). 
A liturgia posterior mantém e intensifica a memória. No Seder — que 
Assmann anota (cf. ibid. 11ss.) — como em grande parte dos cultos de tradição 
mosaica que se sucedem, a expressão da esperança é fundada especialmente na 
memória mesma: “Somente aquele que lembra é capaz de olhar com confiança o 
futuro”. Ademais, cabe lembrar que, ao contrário do que se pode imaginar, a 
memória do Êxodo “não se destina a uma utopia, como, por exemplo, o ‘nomoi’ de 
Platão”, mas deve ser “real, e não ideal, deve ser vivida e não apenas aspirada”. 
133
Enquanto mito, livro e símbolo, o Êxodo se refere a uma “virada revolucionária na 
história de uma grande parte da humanidade”, o Êxodo é, assim, a articulação 
narrativa do ato de “emancipação, incorporação e distanciamento de um escopo 
muito maior”. Especificamente, é a negação de um “cosmoteísmo”, em que “o divino é 
concebido e adorado como imanente na natureza, levando, em última análise, à ideiade que a natureza ou cosmos é Deus, a manifestação visível de uma divindade oculta”. 
Portanto, o Êxodo dá o princípio para “a distinção categórica entre Deus e o mundo, 
ao definir Deus como transcendente no sentido de estrita extra-mundanidade”. 
Representativamente, o Êxodo dos Filhos de Israel do Egito exemplificaria a 
“emancipação da humanidade de sua inserção no mundo, seus poderes políticos, 
naturais e culturais, e a emancipação do divino da imanência mundana”. De fato, 
lembra Assmann (2015: 14), muitas religiões ditas “pagãs” reconheceriam, assim, 
“um Deus como origem do mundo, ao incluir céu e terra, deuses e homens, e 
enfatizam a unidade de Deus e a unidade do mundo”. Entretanto, lembra, esse 
“mundo que se tornou monoteísta com a cristianização do Império Romano teve que 
enfatizar a unidade de Deus. A virada ou êxodo não foi do politeísmo, mas do 
cosmoteísmo para o monoteísmo”. O Êxodo, assim — conclui Assmann (loc. cit.) — 
“nunca foi totalmente concluído. Sempre houve recaídas, contramovimentos na 
direção, não do poli, mas do cosmoteísmo”. Consequentemente aquela certa 
“presença persistente do cosmoteísmo na tradição ocidental tornou necessário 
renovar o poder e o pathos do Êxodo em várias ondas de iconoclastia, emancipação e 
imigração, a começar com a reforma” nas versões do calvinismo e puritanismo, pois. 
Além do mais, até mesmo o Iluminismo, no seu anti-clericalismo, foi parte dessa 
“continuidade invicta, às vezes manifesta, do cosmoteísmo que manteve viva a ideia, 
o mito, o livro e o símbolo do Êxodo”, enfim. 
VI 
Para concluir o capítulo. 
Buscamos aqui, nos esforços empreendidos, e enquanto hipótese de 
compreensão, exemplificar, nos detalhes que são possíveis, a ideia do que se 
constituiria como um período capaz de ter estabelecido um áxis para o que Jaspers 
dizia ser uma “história mundial”, que aqui compreendemos como um áxis para o 
pensamento do Ocidente, e, especialmente para nós, um áxis que dê conta de 
134
responder à ideia de “redenção” sobre a qual nos detemos. Dispomo-nos, assim, em 
definir por primeiro um ponto de partida, uma posição teórica, que de certa forma 
fôra definida aqui como uma posição mnemo-histórico-conceitual: ou seja, partindo 
do “conceito”, reconhecemos — ao considerar uma explicação mnemo-histórica — 
aquela tentativa constituída como experiência de pensamento, exercício de ficção. 
Nossa pergunta não é “o que realmente aconteceu”, mas é, sim, “quem, como, 
quando, onde e por que” se lembrou dessa condição, e quais foram as consequências 
dessa lembrança. Quais foram as bases, as necessidades, e as condições que fizeram 
uma lembrança — e não outra, então — se sobrepor enquanto uma certa conjunção? 
Nossa disposição fôra, assim, de colocar lado a lado leituras de uma mesma 
transformação: aquela que teria modificado a forma de ver a imanência de um 
mundo para uma resposta de transcendência. Pensamos, para os confins do 
pensamento, a influência dos eventos, seja empíricos (no caso de Aquenáton) ou 
mnemônicos (no caso de Moisés), pela concatenação de textos, na totalidade de um 
mito, para fins de libertação/redenção. A compreensão da ideia, enfim, pareceu ser 
capaz de reconhecer a pertinência de um Áxis, não sendo esse um estágio universal, 
mas um processo ramificado e singular, ou ainda, não sendo um evento, mas uma 
ideia reguladora; ideia e processo esse com consequências a serem consideradas cada 
vez mais, inclusive por esta dissertação. Certamente, a própria disposição de Jaspers 
para dar uma explicação, nas primeiras décadas do séc. XX, a um “desconforto” é 
também um dado a ser anotado, mas um dado que, ao explicar, responde a outros, 
especialmente à questão deste trabalho. Ademais, Assmann fôra capaz de confrontar 
e confirmar, ao que parece, a hipótese de um período certamente fecundo para as 
ideias e processos supramencionados. De fato, o Pentateuco de Moisés é um mosaico 
de imagens, mas a figura formada, sua interpretação com e no tempo, deveras 
acentua seu caráter revolucionário, e não apenas para um contexto mas para as 
circunstâncias subsequentes; é uma virada revolucionária que, de fato, atingiu grande 
parte da humanidade e transformou o “homem” como hoje o conhecemos — e isso 
certamente, por muitas vezes, de forma não menos que nefasta. São justamente as 
consequências de uma “revolução” do tipo que buscamos, ou ainda, as disposições 
que uma “transformação” nesse nível colocou para o pensamento que aqui 
estudamos. Portanto, são justamente as consequências de uma “revolução” do tipo 
que podem aqui serem frutíferas. 
135
Conclusão 
Certamente é admissível antecipar que a este capítulo final deste trabalho não 
seja possível dizer em “conclusão”. Talvez, possamos dizer em oclusão, por seu 
caráter obstrutivo no exercício de compreensão que deve persistir, ou ainda, se para 
outra vez admitir sua posição intermediária, digamos em “conjunção”. Conjunção é, 
de fato, a tentativa deste momento, a necessidade que emerge, o ponto a ser definido; 
conjunção é, aqui, o nome dado ao momento em que podemos, no que é possível, 
admitir uma combinação entre momentos específicos. Ou seja, uma combinação 
entre o problema da “redenção” e sua resposta, ou ainda, a definição dessa resposta. 
Interessante é notar o que em momentos diversos foi possível definir: é realmente 
surpreendente encontrar, no corpo de um trabalho que se definiu para compreender 
aquelas ditas duas forças intramundanas da vida, de concepção inteiramente secular, 
isto é, “mundana” — a arte e o erotismo, de cuja ideia fôra imaginada inicialmente 
como de caráter a-racional, anti-racional ou irracional —, um áxis, um eixo, um 
centro, uma genética, uma raiz, um corpo, enfim, que, diríamos, é religioso e racional. 
Entretanto, não se pense que a surpresa é pura de quem lê. Este trabalho, por 
acidentes ou providências próprias, é constituído, por quem o escreve, de surpresas. 
A primeira vontade, ainda no início do seu processo, era compreender as esferas 
mencionadas como “re-encantamento do mundo”, mas a leitura do original indicou 
um erro. O erro suscitou uma releitura atenta do trabalho, e tal definiu o certo campo 
da compreensão: Weber diz em “redenção” para ambas as esferas, e o diz ao definir 
justamente no momento pelo qual compreende-se a redenção como racionalização. 
Ou seja, nosso autor original, em posição intermediária, parte ele mesmo da 
religiosidade ética de salvação, e não de outra construção, como um campo magnético 
— onde polos iguais se repelem e diferentes se atraem — e isso no momento em que 
esse dedica-se em elaborar uma sociologia de um mundo de opostos e distinções que 
englobam umas às outras, em suas diferenças mas também em suas similaridades, 
onde por meio de tipos ideais busca determinar suas consequências racionais. 
Aqui, o caráter ideativo da “racionalização” torna-se fundamental — vejamos. 
Neste trabalho pudemos compreender que a “racionalidade” não é exclusiva apenas 
da ética de salvação: a religiosidade mágica, como indica Weber, também é desta 
dotada, mas certamente apenas e enquanto ordenação ritual. É somente quando a 
racionalidade se constitui como racionalização sistemática e prática da vida que os 
caminhos pelos quais nos detemos podem ser vistos pelo caráter agora excepcional. 
Weber não diz em “encantamento” porque, como este o aponta em todo seu texto, as 
“esferas de valor”, depois definidas como “ordens de vida”, não estavam em tensão 
com a religiosidade mágica. Em toda sua análise disposta na Consideração 
Intermediária e aqui explicitada, nosso autor é claro em demonstrar que, com a 
religiosidade mágica, essas “áreas” estavam não só em união, como em harmonia. 
Isto é — como pudemos anotar —, primeiro a religião era, para a arte, fonte 
inesgotável de possibilidade de desenvolvimento artístico e estilização pela tradição 
— e assim poderia manter-se enquanto o receptor se prendesseao conteúdo do que 
tomou forma ou enquanto a produção do artista fosse sentida como carisma, pois. 
Com o sexo, também, a religiosidade mágica estava em relação íntima, diz o autor. 
Aquela tensão só é estabelecida quando uma racionalização se põe em mão dupla. 
Mão dupla — dizemos — porque a arte, por exemplo, enquanto portadora de efeitos 
mágicos fica depreciada e suspeita não apenas pela religiosidade ética, como também 
pelo rigorismo apriorístico. Ou seja, a tensão é definida pela sublimação da ética 
religiosa e a busca de salvação por um lado, e, por outro, pelo desenvolvimento da 
lógica intrínseca da arte, diz Weber. Igualmente, é só quando a sexualidade 
transforma-se em erotismo, numa esfera cultivada conscientemente — e ao contrastar 
com um sóbrio naturalismo camponês, tornando-se extra-cotidiana, afastada, assim, 
do prosaico naturalismo do sexo — por um lado, e, por outro, quando o devotamento 
a um Deus extramundano, a concepção de uma ordem divina eticamente racional e 
dissolução mística da individuação se definem, que a tensão se estabelece. 
Essa leitura, ademais, não podemos negar, bem é definida justamente a partir 
da preocupação da sociologia weberiana pelos significados da ação humana. 
Advertidamente, se a leitura weberiana, que buscamos aqui compreender, não parte, 
pois, das ordens e funções, a seu momento, então, os significados da ação humana 
não se desdobram naturalmente, mas apenas através da interpretação a esses dada. 
Como diz Schwinn (cf. 2020b: 188), isso quer dizer que é a interpretação que delimita 
137
as esferas; é a interpretação racional dessas que estabelece suas tensões e conflitos. 
As esferas, pois, não delimitam sua interpretação, mas são definidas por essa. 
Justamente por isso que, como indicado no Weber-Handbuch, deve-se compreender 
que as liberdades ou escopos interpretativos giram, em Weber, em torno de eixos 
básicos: “interpretar as possibilidades de expressão artística como religiosa ou como 
competição religiosa requer algo em comum: que existam duas esferas que podem ser 
colocadas em relação uma com a outra através de certa dimensão de significado”. 
Tensões e conflitos confirmam: as esferas não são independentes umas das outras, e 
se as esferas de valor não são ordens sociais, as primeiras fornecem, assim, as 
referências constitutivas ao significado e garantias finais para as segundas (cf. ibid.). 
Atentemo-nos nisso: as esferas de valor não são em si, pois, ordens de vida. 
As ordens “surgem através da institucionalização, ou seja, da especificação, aplicação 
normativa e sanção de expectativas comportamentais” (Schwinn, 2020b: 190) Assim, 
se é através da interpretação que “o conteúdo simbólico das esferas de valor é 
desenvolvido [… o] conteúdo de ordem é concretizado através da institucionalização”. 
O conteúdo ideal das esferas de valor, portanto, “deve ser concretizado por meio de 
métodos e técnicas que possam ser usados para inventar e impor padrões e regras 
que sistematizam ações a torná-las previsíveis e intersubjetivamente controláveis em 
determinados contextos”. Outrossim, ao não serem independentes umas às outras, 
tais ordens de vida, de toda forma, não determinam o privilégio de uma entre outras. 
Isso explica e bem, para tanto, que a relação de tensão posta a partir da religiosidade 
ética por Weber não quer demonstrar o predomínio de uma ordem sobre a outra, 
porque o conteúdo, sabemos, varia historicamente. Weber, por sua vez, parece querer 
estabelecer um jogo explicativo, onde o “racionalismo” teórico e prático último, 
aquele de “dominação mundial”, e na contramão do materialismo-histórico da época, 
colocado o é a partir de uma definição e não como definidor final e terminativo. 
Portanto, a leitura weberiana nos é cara, assim, também não só por virar a chave, mas 
sobretudo por deixar o caminho aberto para as compreensões necessárias, como esta. 
Ademais, os padrões e regras que sistematizam e tornam as ações previsíveis e 
controláveis, na compreensão weberiana, transitam sobretudo em mão dupla, isto é, 
em tensão bilateral. 
Weber bem busca fazer, no que anotamos, um diagnóstico da modernidade. 
Esse o faz justamente na Consideração Intermediária, e por isso tal texto é 
138
fundamental para nós: por meio dele, é aberta uma possibilidade comparativa útil. 
Isto é, quando Weber, na Consideração, busca compreender a tensão a partir da 
religiosidade, e não pelo racionalismo de dominação mundial — como anotado —, 
nosso autor, então, parece mesmo buscar produzir aquela viragem, aquela tentativa 
de refletir o que fôra dito por ele anteriormente e o que viria no seu curso posterior. 
Como um trabalho final que coloca a ideia de “redenção” no centro — ideia que fôra 
explicitada com ainda mais afinco no Comunidades Religiosas, texto não concluído 
dada sua morte em 1920 — Weber, naquilo que tenho compreendido, parecia prever 
seu fim e dava os caminhos para a persistência de suas ideias a partir daquele ponto. 
A leitura de seus trabalhos, entretanto, pareceu querer desvirar a chave, a interpretá-
los com uma lente que, assumidamente, o autor dispensava o uso. Lente que, como 
toda, produz uma distorção; distorção que não é a imagem do real. Weber parecia 
não querer cair, e de fato seus textos não caíram, numa leitura do mundo onde 
qualquer diagnóstico parecesse final e absolutamente conclusivo. Quando, por 
exemplo, pela ideia de “desencantamento”, ou ainda quando pela de “secularização”, 
Weber procurava definir um caminho de “desenvolvimento”, nosso autor não tentava 
explicitar um desenvolvimento do tipo corrida de revezamento, onde o 
desenvolvimento anterior encerra no ulterior e assim consequentemente. Não! O que 
Weber demonstrou foi justamente que seu diagnóstico implicava numa continuação 
dupla, onde um desenvolvimento, ao aproveitar do anterior, mantinha-se no caminho 
com aquele que o antecedeu, caminho sendo inconstante para ambos. Isto é, ao ser o 
desencantamento — sim — um processo inicialmente intra-religioso, esse continua a 
ser quando também impulsionado pelo desenvolvimento científico. Ou seja, se para 
Weber a posição religiosa e a científica, como formas de ação no mundo, estavam 
implicadas no que diz ser “a mesma culpa”, o significado do desencantamento e da 
secularização não estava, em ambas, naquele mesmo desenho. Justamente porque, 
por exemplo, — diz Weber (cf. 2011) — caso perguntássemo-nos se o 
desencantamento, para a ciência, extrapolava o significado teórico-prático, então 
estaríamos diante de uma questão retórica: a vida para o homem cultivado, tal como 
a morte, — lembra Weber — não tem sentido; “a ‘progressividade’ despojada de 
significação faz da vida um acontecimento igualmente sem significação” (cf. ibid.). 
Importa-nos considerar tal leitura weberiana justamente para dar corpo final 
à ideia de que, não, Weber não indica nem um retorno do sagrado, seja ético ou 
139
mágico, nem uma supressão definitiva desse sagrado. Advertidamente — lembremos 
— o desencantamento pela ciência em Weber não vêm do nada — dado que esse teria 
sido um desenvolvimento iniciado no judaísmo antigo, desdobrado na tradição 
judaico-cristã, conectado com o pensamento helenístico e a chegar enfim ao 
protestantismo — nem tampouco se mantém apartado do desenvolvimento anterior. 
Esse desencantamento, pois, não encerra o desencantamento pela religião, apenas se 
apodera dele, e, ainda assim, — consideremos — é um desencantamento manco: 
incompleto porque não mais é capaz de irradiar ou transmitir significado, diz Weber. 
Isso quer dizer que, quando mencionamos que uma posição religiosa não se subtraiu 
dos fenômenos do contemporâneo, não queremos dizer que o pensamento ocidental 
seja religioso, ou apenas isso, mas sim que esse pensamento se apropria de posições 
que são propriamente religiosas — mesmo que assim persista sendo, pois, “manco”. 
Por isso este esforço é — nos termos de Weber— o de imaginar o alcance de 
significação que os conteúdos de consciência religiosos tiveram e têm para a conduta 
de vida, a cultura, e o caráter desse Ocidente que buscamos compreender. É esta 
disposição, portanto, que exige a compreensão de que a insistência da posição 
religiosa que comentamos não é, em sim, definidora, mas definida — como anotado 
— pela interpretação que ela recebe. Por isso mesmo — também como em Weber —, 
não cabe aqui substituir uma interpretação causal por outra, qualquer que seja ela. 
Ao nos determos sobre a tensão entre a religiosidade ética com o amor e a arte, então, 
é certo que pudemos compreender não apenas e tão só o caráter dessa tensão 
envolvente, mas o próprio caráter de “tensão” pelo qual se desenvolveu o Ocidente. 
É, pois, a “tensão” que deve ser aqui finalmente compreendida. Isto é, não 
estamos a falar apenas sobre a “tensão” entre esferas, porque, certamente ela é uma 
tensão secundária — de longe secundária. A “tensão” a que devemos atentar diz 
respeito, significativamente, à tensão estabelecida, pois, com o mundo, ele mesmo. 
Vimos — neste trabalho — que o racionalismo que Weber busca compreender na 
Consideração Intermediária é um racionalismo que carrega em si um mundo de 
opostos, de oposições que englobam umas às outras. O homem cultivado, portanto, 
seria aquele que teria interiorizado — como anotamos — aquele antagonismo, aquele 
contraste inevitável de diferentes valores e respostas últimas sobre questões do 
mundo, da sociedade e da própria vida individual; ao se constituir de oposições, o 
homem sentiria em si as peculiaridades dos demônios e fios de sua própria vida. A 
140
especialização, pois, não teria colocado o homem apenas perante o sentimento 
daquela perfectibilidade prolongada ao infinito — nas palavras de Weber —, mas feito 
percebê-lo, na identificável localização técnica, em sua oposição de ordem e de 
mundo. Ou seja, qualquer um que tenha se dedicado à ordem de seu ofício — o 
capitalista, o demagogo, o profeta, o cientista, o artista, o amante etc. — perceberia 
sua tensão. Portanto, ao organizarmos terminologicamente a tensão, foi possível 
concluir que a oposição última de todas as oposições (forças intramundanas, 
misticismo, ascetismo…) é mesmo a oposição com o mundo em si, uma oposição 
primária; primária, pois, é ela a definidora de todas as demais; que existem para ela, 
enfim. Quando a frase que buscamos traduzir no início deste trabalho parece colocar 
o amante em dupla relação, com o mundo e consigo mesmo, a compreensão que aqui 
buscamos fica clara: por meio de sua euforia, o amante feliz tem a necessidade de 
atribuir expressões felizes ao mundo ou encantar no ingênuo zelo da felicidade — 
escrevia Weber. O amante, está, pois, no seu ato de redenção, diante de uma oposição 
corporificada que o inclui, mas que se define na oposição última ao mundo, por fim. 
É redenção — compreendamos — porque o amante se sente, intra-
mundanamente, livre das frias mãos ósseas da racionalidade da vida; o mundo, que 
para ele não tem sentido, parece ser superado — mas intramundanamente — e por 
isso, choca-se com a zombaria da ética da fraternidade: sua posição ainda está no 
plano do demasiado humano, que a redenção extramundana busca superar 
definitivamente. Assim como no desencantamento apreendido pela ciência, a 
redenção capturada pelas forças intramundanas que estudamos se constitui, também, 
como “manca”, incompleta: sem irradiar ou transmitir significado, o problema do 
mundo se mantém. Se mantém porque, advertidamente — como vimos —, a 
disposição do domínio do pensamento reflexivo diz respeito à tomada de posição 
quanto ao mundo; entretanto, rejeita a noção de conferir sentido ao mundo; sua 
salvação é aquela da aflição íntima. Ademais, cabe lembrar que as formas éticas de 
rejeição do mundo, o ascetismo e o misticismo, são definidas — em Weber — porque, 
indiferentemente da maneira como estas se põem diante do mundo, elas — e 
terminantemente — não aprovam este mundo. Interessa notar que a redenção, pelo 
amor e pela arte, então, ao ser colocada por nosso autor em relação de 
permutabilidade mútua, psicológica e fisiológica, com o misticismo, em relação está, 
pois, com a mais radical — e assim irracional — ética do tipo. Isto é, o místico, ao 
141
contrário do asceta que apenas rejeita o mundo, a ele renuncia, e sua ação no mundo 
— lembra Weber — é ela mesma uma tentação contra a qual deve defender seu estado 
de graça; e o êxito no mundo não tem peso sobre sua salvação. Ou seja, ao aproximar 
dessa ética — e não de outra ou de alguma nova — a redenção intramundana da qual 
trata, Weber parece confirmar o caráter “manco” dessa possibilidade. Se o amante, 
sobre as experiências do místico — aquele que “conhece ‘o mais vivo’ conectado a si 
mesmo” — as considera como pálido reino posterior. Para o místico — Weber mesmo 
anota — vale aquela ameaça constante da vingança mortalmente refinada na 
animalidade, de um súbito resvalar, escorregar. Uma salvação, então, de aflição 
íntima — repito —, e de caráter mais estranho à vida, mais profundo e sistemático que 
uma salvação material — dizia Weber. 
É importante, então, que a conjunção entre o “desencantamento” e a 
“redenção” seja, aqui, feita de cima para baixo, de fora para dentro. Isso porque, 
quando dizemos de uma posição que seja incompleta, manca, não estamos a dizer 
que devesse, fosse qual fosse, se definir como sendo completas, perfeitas. 
Absolutamente, não é isso. Tal questão fica muitíssimo mais clara quando anotamos 
que o pensamento reflexivo “rejeita” a noção de sentido e só toma posição ante ele. 
Essa posição, lembraria Weber (cf. 2011: 30ss.), é aquela que quer, pois, dizer que 
“sabemos ou acreditamos que, a qualquer instante, poderíamos, bastando que o 
quiséssemos, provar que não existe, em princípio, nenhum poder misterioso e 
imprevisível que interfira no curso desta vida”, ou em uma única expressão, que 
“podemos dominar tudo por meio da previsão”, a despojar de magia o mundo. 
Advertidamente, essa posição não quer dizer apenas não acreditar “na existência 
daqueles poderes, de apelar a meios mágicos para dominar os espíritos ou exorcizá-
los”, mas sim, e sobretudo, “de recorrer à técnica e à previsão”; técnica e previsão, 
pois, capazes de — vimos — determinar os limites de cada esfera e ordem de vida. 
Nesse sentido, Weber mesmo lembra, por exemplo, que há muito se teria perguntado 
qual seria, então, a significação última da ciência: um caminho de busca ao 
verdadeiro, diziam os gregos, à verdadeira arte, diriam os renascentistas, e ainda à 
verdadeira natureza e à verdadeira felicidade. Sob a influência indireta protestante ou 
puritana, ainda, pensaram ser a ciência o auxílio “para encontrar o caminho que 
conduz a Deus”: “Deus está oculto, seus caminho não são os nossos, nem seus 
pensamentos os nossos pensamentos. Esperava-se contudo, descobrir traços de suas 
142
intenções através do exame da natureza, por intermédio das ciências”, a permitir, 
pois, “apreender fisicamente suas obras.” Nenhuma dessas respostas, contudo, teria 
sido acertada. Isso se daria uma vez, porque, diz Weber, — e como antecipado acima 
— a ciência não busca, e “não tem sentido, [… porque] não possibilita responder à 
indagação que realmente importa — que devemos fazer? Como devemos viver?” 
(Weber, 2011: 35 - 36). Para Weber, nenhuma dessas questões é acessível à ciência — 
e de fato, sendo ela o que pretende, não lhe pode mesmo ser acessível. Naquilo que 
também escrevia o autor, deve restar, dessa forma, apenas “o problema de saber em 
que sentido a ciência não nos proporciona resposta alguma”, como “se a ciência 
poderia ser de alguma utilidade para quem suscite corretamente a indagação.” 
Questão idêntica, segundo interpreto, ao problema da redenção, dado que, também 
para esta, não existiria a vontade, por assim dizer, da constituição de um outro 
mundono porvir, assim como uma constituição do tipo poderia esvaziar a própria 
noção de uma redenção que se dê a partir de forças intramundanas. 
É nesse sentido, então, que a hipótese de uma Era Axial nos é útil — e útil, 
pois, a partir da disposição que, como vimos, é mnemo-histórico-conceitual. 
Advertidamente, não nos importa perguntar ou tentar definir o que de fato teria 
ocorrido, e quais teriam sido os eventos que, peremptoriamente, estabeleceram os 
rumos exatos do que analisamos nas páginas deste trabalho. Não nos importa 
qualquer definição que diga que a história é linear ou espiral; entretanto, importa-
nos, e de fato, buscar utilizar aquele hexâmetro que pergunta “quem? o quê? quando? 
onde? por quê? como?” se lembrou de uma história, e quais foram, então, as 
consequências, anteriores ou hodiernas, sobre essa exata lembrança. Assim, foi 
necessário, neste trabalho, não apenas indicar a ideia de uma Era que teria 
estabelecido, pois, um áxis, mas as consequências dessa ideia e de suas disposições 
subsequentes, que, como vimos, também teria sido capaz de uma releitura do ontem. 
Trazer a memória à história — e uma memória específica à nossa história que 
contamos neste trabalho — quer dizer, então, definir a disposição com a qual aqui nos 
colocamos. De fato — e pelas definições dispostas no corpo deste texto — tendo a 
considerar que houve mesmo um momento, localizável no percurso do tempo, em 
que grandes transformações teriam sido firmemente estabelecidas, e que teriam 
estabelecido — essas mesmas — as bases para a grande parte das transformações 
subsequentes. Entretanto, essa disposição não deixa de considerar (i) o caráter 
143
movente das transformações postas em consequência, (ii) nem mesmo os desastres 
que a essas transformações são seguramente atribuídos, (iii) tampouco que a história 
que trabalhamos é a versão dos vencedores, sendo necessário escová-la a contrapelo, 
pois. A história que trabalhamos — do “desencantamento” à “redenção” — é uma 
história que, certamente, está mergulhada em muita violência, intolerância e 
silenciamento. Não se pode, portanto, fingir que nada aconteceu, uma vez que o 
“desenvolvimento” visto tem não apenas as mãos sujas de sangue daqueles 
encontrados no caminho. Mas é justamente uma disposição, pois, de “levar a sério” 
também esse campo, que pode, com a maior das esperanças, suprimir a disposição 
assassina de considerar que “sempre foi assim”. 
Quando nos debruçamos, então, sobre a ideia desse “momento” específico da 
história, somos confrontados com a realidade, para então considerá-lo, mesmo, não 
como um “estágio”, mas — e como vimos — enquanto um processo ramificado e 
singular, em algum momento “cultivado”, isto é, selecionado, refinado, 
regulamentado e domesticado, ou ainda, para fazer jus a este capítulo, conjuntado. 
Como anotam Duarte e Giumbelli (1994: 73), a concepção cristã e moderna de pessoa 
poderia ser definida, em Santo Agostinho, a partir da combinação entre — dizem — 
“verdade, vontade e interioridade”: “ser, conhecer, querer. Eu sou e sei e quero; sou 
um ser que sabe e quer; e sei que sou e quero; e quero ser e saber” (Agostinho, 2017: 
234) Entretanto, ao debruçarmo-nos sobre esse processo Axial, então, percebemos 
que, de fato, essas transformações não surgiram do nada. Assmann (c. 2005) vai 
lembrar em certo lugar aquilo que, já na antiguidade, teria constituído, pois, a tríade 
agostiniana. Uma ideia que teria sido desenvolvida por volta do ano 2000 a.C., em 
que todos os mortos deveriam passar por uma avaliação antes de entrar para a 
posteridade. Embora possa parecer sutil, uma transformação do tipo, ao definir um 
tribunal, em que todos devem se apresentar, e onde o acusador é um “deus 
conhecedor”, “que olha para o coração do falecido e forma seu julgamento com base 
nesse conhecimento”, começa a construir as bases para grande parte daquilo que foi 
colocado neste texto. As inscrições encontradas nos túmulos do Império Antigo (2500 
a.C), demonstravam um tom apologético, onde — diz Assmann (2005: 138) — o 
orador se dirige ao tribunal da outra vida, “sabendo que sua vida após a morte 
depende de seu veredito”. Isso teria significado não apenas uma ruptura sobre uma 
transcendência externa, lembra o autor (ibid: 140), mas também sobre uma interna; 
144
isto é, o julgamento movimentava não apenas a ideia de justiça. A ideia de “coração”, 
nesse período — lembra Assmann (cf. ibid.) — aparece não apenas como “motor 
interno de vontade, iniciativa e atividade autodeterminada”, mas também como 
“instância moral, como uma agência cujas ordens e instruções não devem ser 
‘violadas’ e ‘transgredidas’”. Essa ideia, que ainda possibilitaria o aparecimento 
mesmo de uma “piedade pessoal”, teria realocado os conceitos de “iniciativa, 
motivação e responsabilidade” da esfera mundana para a transcendental, pela 
“interioridade, consciência e decisão ‘pessoal’”. Desde aí o mundo teria se tornado 
“ininteligível, incalculável, instável”, não a inspirar mais conforto e confiança. 
Tanto o “desencantamento” quanto a “redenção”, pois, devem ser vistos 
enquanto uma posição em relação ao mundo cósmico envolvente — e uma relação 
com este. “Desencantamento” — anotamos — diz ao certo sobre a “tensão” com o 
mundo, “tensão” essa que, nos termos de Jaspers, se diz, então, “ao [se] questionar 
toda a atividade humana”, ao conferir a ela um novo significado, organizado na era 
Axial. Ademais — e se é dentro do mundo que o homem ocidental encontraria 
garantia — esse também experimentaria “a realidade do mundo de tal forma que 
conheça o desastre”. Deus não é o mundo — diz a cosmologia dominante no Ocidente 
— mas fez o mundo; pelos ímpios, este mundo torna-se ilusão, mentira, falsidade, 
maldade, efemeridade. Por isso nos interessa sublinhar que a ideia de redenção 
compreendida a partir do Pentateuco de Moisés — e que define a ideia subsequente — 
é a redenção que assenta a distinção entre liberdade e escravidão, com libertação e 
vinculação — como vimos. “Verdade”, e sua distinção da “falsidade”, só pode ser vista 
e constituída, pois, em um segundo momento, e somente a partir do conceito político 
de lealdade e fidelidade: “libertação significa vinculação, e vinculação significa 
libertação”, primeiro se faz a distinção entre escolhidos e não escolhidos, para só 
depois entre amigos e inimigos. “Aliança”, pois, não quer mais dizer uma metáfora, 
mas instrumento de liberdade, portanto, na relação entre Deus e o povo; entre o Deus 
libertador e povo libertado: “auctoritas, non veritas, facit legem”. Mas a memória 
não se encerra aí, certamente. Este trabalho pôde — acredito — demonstrar que uma 
memória não se limita — e tampouco se encerra — nas suas fronteiras primeiras; e é 
isso que podemos demonstrar com as transformações anteriores à era Axial 
propriamente dita, com as consequências “seculares” que este trabalho anotou a 
partir de Weber. 
145
É, pois, o processo de memória, e de memória constituída e repetida, que 
interessaria, então, também a uma constituinte “antropologia do pensamento”. 
Conforme vimos, a tradição judaico-cristã, ou mesmo a tradição Axial — dado que os 
fundamentos da primeira se haviam definido na segunda, no que tenho observado —, 
estabelecem-se na memória. A expressão da esperança nos cultos de tradição mosaica 
— diz Assmann — afirma que “somente aquele que lembra é capaz de olhar com 
confiança o futuro”; a memória não é utopia, deve ser vivida e não apenas aspirada. 
Considerar para os nossos objetivos os resultados da memória é dar um bom passo. 
Em resumo final, não é outro texto, senão um bíblico, que nos ajuda, então. Chamado 
de “Alpha-Beth” — por estar dividido em 22 estrofes, correspondendo ao alfabeto 
hebraico — ou “temanya apin”, “oito rostos” em aramaico, — em que cada uma das 
22 estrofes contém oito versículos —, o Salmo 119 bem se demonstra, não apenas 
como um dispositivo paraa memória — como os 10 mandamentos ou as 1o pragas —, 
como um relato consistente sobre o que aqui buscamos compreender parcialmente. 
Nele, o mundo não é tão somente criação, mas também lugar passageiro: “[…] 
fundastes a terra e ela está firme. Tudo subsiste até hoje conforme vossas sentenças, 
pois tudo está a vosso serviço” (versículos 89 - 91); “sou estrangeiro sobre esta terra, 
não escondais de mim vossos mandamentos” (ver. 19). Os mandamentos divinos são 
regras para o mundo, e exprimem, pois, a verdade: “Aleluia! Felizes os que agem com 
retidão, os que seguem as leis de Javé. Felizes os que guardam seus testemunhos e 
procuram de todo o coração”; “Bendito sois, Javé; ensinai-me vossos estatutos”; 
“afastai de mim o caminho da mentira, dai-me o dom de vossa lei. Escolhi o caminho 
da lealdade, decidi seguir vossas sentenças”; “todos os vossos mandamentos são 
verdade; sem razão me perseguem: socorrei-me” (vers. 1 - 2; 12; 29 - 30; 86) 
Outrossim, Deus estabelece uma aliança também individual, e o desejo do sujeito é a 
redenção última, por meio da observância do código legislativo: “Quero observar os 
vossos estatutos; não me abandonai jamais”; “ensinai-me, ó Javé, o caminho de 
vossos decretos: quero seguí-los até o fim”; “meus olhos anseiam por vossa salvação e 
por vossa promessa de justiça”; “vede minha miséria e libertai-me, porque não 
esqueço vossa lei”; “libertai-me segundo vossa promessa” (vers. 8; 33; 123; 153; 170). 
É por meio da observância da lei que se constituem novas alianças: “sou amigo de 
todos que vos são fiéis e observam vossos preceitos”; “desprezai todos os que se 
desviam de vossos estatutos, porque sua astúcia é falsidade” (vers. 63; 118). 
146
Epílogo 
Não é por acaso que este texto poderia também ser homônimo do texto que 
procurou compreender — o primeiro título previsto para esta dissertação fôra, a bem 
da verdade, “Uma consideração intermediária sobre a Consideração Intermediária”. 
Isso se dá porque, ao ser “consideração intermediária” da própria Consideração 
Intermediária, não é, e nem foi, o objetivo deste se constituir como resultado 
finalizado, senão como parte de um processo de compreensão sempre incompleto. 
Aqui falo — por óbvio — do próprio texto weberiano, que exigirá, no passar de cada 
ano, uma revisão e atualização atentas. Para as humanidades, voltar aos clássicos não 
é outra coisa do que uma revisão geral do próprio pensamento e uma fecundação 
constante das próprias ideias. Igualmente, falo da tentativa de compreensão do 
próprio Ocidente moderno, de sua forma de ser e pensar, que deve, ao meu ver, 
figurar, não acanhadamente, como um dos motivos e objetivos principais da 
antropologia que fazemos enquanto disciplina. Essa área jamais chegará ao fim — ao 
menos, e é certo — até o momento em que o próprio homem se torne escrita apagada 
na areia da praia do percurso do universo. Por sua vez — e sobretudo, como “processo 
incompleto” — falo da própria posição deste que escreve, uma vez que esta é também 
uma “consideração intermediária” de uma forma particular de conhecimento e de 
construção de um certo conhecimento de si. Ademais, a preferência e o apego a Max 
Weber, que este trabalho tenta deixar às claras, é também uma tomada de posição: 
conhecida é a atitude de bravura desse clássico no momento em que toda a 
humanidade, e a Alemanha, viviam o despontar do que o nosso autor imaginava 
como uma longa noite polar, glacial, sombria e rude — e não “a floração do estio”. 
Aquela vocação pela ciência, e posição enquanto elite intelectual de um momento, 
jamais o deixou ignorar as necessidades e as urgências do seu tempo e as do porvir. 
Quem, em um certo lugar, descreveu a “pedagogia da coragem” de Max Weber, disse: 
a mediocridade e a covardia não tinham lugar no autor. Seu trabalho, que jamais se 
pretendeu a uma conclusão, era aberto e incompleto, por isso fecundo e inspirador. 
147
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150Anexo 
 
001 
Que a tua vida 
não seja uma vida estéril. 
— Sê útil. — Deixa rasto. — Ilumina 
com o resplendor da tua fé e do teu amor. 
Apaga, com a tua vida de apóstolo, o rasto viscoso e sujo 
que deixaram os semeadores impuros do ódio. 
— E incendeia todos os caminhos da terra 
com o fogo de Cristo 
que levas no 
coração. 
| 
999 
Qual é o segredo da perseverança? O Amor. 
— Enamora-te, e não O deixarás. 
em janeiro de 2022. 
	Universidade Federal do Rio de Janeiro
	Desencantamento e redenção,
	a partir da Consideração Intermediária de Max Weber (1920)
	Bruno César Cunha Cruz
	Bruno César Cunha Cruz
	Desencantamento e redenção,
	a partir da Consideração Intermediária de Max Weber (1920)
	Dissertação para obtenção do título de
	Mestre em Antropologia Social
	Orientador: Prof. Dr. Luiz Fernando Dias Duarte
	Agradecimento
	Resumo
	Palavras-chave
	Desencantamento; Redenção; Salvação; Misticismo; Max Weber; Era Axial.
	Abstract
	Keywords
	Disenchantment; Redemption; Salvation; Mysticism; Max Weber; Axial Age.
	Sumário
	Estilo de formatação
	Introdução
	I
	II
	III
	IV
	Parte I
	Capítulo 1
	(O problema)
	Do “encantamento” à “redenção”
	I
	II
	III
	IV
	V
	VI
	VII
	Capítulo 2
	(Interregno)
	A questão de um tempo
	Parte II
	Capítulo 3
	(Axialização)
	Da “correspondência” à “distinção”
	I
	II
	III
	IV
	V
	VI
	Conclusão
	Epílogo
	Bibliografia
	Anexo

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